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ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL A PRESIDENTA DA REPÚBLICA, representada pelo Advogado- Geral da União (artigo 22 da Lei nO 9.028, de 1995, com a redação dada pela Medida Provisória nO 2.216-37, de 2001), com fundamento no disposto no artigo 103, inciso I, da Constituição Federal, bem como na Lei nO 9.868, de 10 de novembro de 1999, vem, perante essa Suprema Corte, ajuizar AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, com pedido de medida cautelar, tendo por objeto o Decreto Legislativo nO 293, de 10 de dezembro de 2015, por afronta aos artigos e 49, inciso V, da Constituição da República, fazendo-o pelos fundamentos a seguir expostos.

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Page 1: ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO · Geral da União (artigo 22 da Lei nO 9.028, de 1995, com a redação dada pela Medida Provisória nO 2.216-37, de 2001), com fundamento no disposto no

ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO

EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO SUPREMO

TRIBUNAL FEDERAL

A PRESIDENTA DA REPÚBLICA, representada pelo Advogado­

Geral da União (artigo 22 da Lei nO 9.028, de 1995, com a redação dada pela

Medida Provisória nO 2.216-37, de 2001), com fundamento no disposto no artigo

103, inciso I, da Constituição Federal, bem como na Lei nO 9.868, de 10 de

novembro de 1999, vem, perante essa Suprema Corte, ajuizar

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE,

com pedido de medida cautelar, tendo por objeto o Decreto Legislativo nO 293, de

10 de dezembro de 2015, por afronta aos artigos 2° e 49, inciso V, da

Constituição da República, fazendo-o pelos fundamentos a seguir expostos.

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I - DO OBJETO DA AÇÃO DIRETA

A presente ação direta destina-se a impugnar o Decreto Legislativo

nO 293, de 10 de dezembro de 2015, publicado no Diário Oficial da União de 11

de dezembro de 2015, que "Susta os efeitos da Portaria lnterministerial n° 192,

de 5 de outubro de 2015, do Ministério da Agricultura, Pecuária e

Abastecimento e do Ministério do Meio Ambiente". Eis o teor do diploma

normativo impugnado:

"DECRETO LEGISLATIVO N° 293. DE 2015

Susta os efeitos da Portaria Interministerial n° 192. de 5 de outubro de 2015, do Ministério da Agricultura. Pecuária e Abastecimento e do Ministério do Meio Ambiente.

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1° Ficam sustados os efeitos normativos da Portaria Interministerial n° 192, de 5 de outubro de 2015, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e do Ministério do Meio Ambiente.

Art. 2° O Poder Executivo adotará as providências necessárias ao cumprimento deste Decreto Legislativo.

Ar!. 3° Este Decreto Legislativo entra em vigor na data de sua publicação.

Senado Federal, em 10 de dezembro de 2015

SENADOR RENAN CALHEIROS Presidente do Senado Federal"

o Decreto em questão sustou os efeitos normativos da Portaria

Interministerial nO 192, de 5 de outubro de 2015, proveniente do Ministério da

Agricultura, Pecuária e Abastecimento e do Ministério do Meio Ambiente, a qual

suspendera, por até 120 (cento e vinte) dias, os períodos de defeso (períodos nos

quais é vedada a atividade pesqueira) estabelecidos por diversos atos normativos.

Confira-se o teor da Portaria Interministeria1 nO 192/2015:

"A MINISTRA DE ESTADO DA AGRICULTURA, PEcuARIA E ABASTECIMENTO e o MINISTRO DE ESTADO DO MEIO AMBIENTE. no uso das suas atribuições legais e tendo em vista o

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disposto no art. 27, § 6~ inciso I, da Lei no 10.683, de 28 de maio de 2003, na Lei no 11.959, de 29 dejunho de 2009, no Decreto no 6.981, de 13 de outubro de 2009 e considerando o que consta no Processo no 28341.003131189-93 e no 00377.00080512011- 46,

RESOLVEM:

Art. 1o Suspender, por até 120 dias, os períodos de defeso dos seguintes atos normativos: I - Portaria Sudepe no N-40, de 16 de dezembro de 1986: 11 - Portaria IBAMA no 49-N, de 13 de maio de 1992: 111 - Portaria IBAMA no 85, de 31 de dezembro de 2003: IV - Instrução Normativa MMA no 40, de 18 de outubro de 2005: V - Instrução Normativa IBAMA no 129, de 30 de outubro de 2006: VI - Portaria IBAMA no 48, de 5 de novembro de 2007: VII - Portaria IBAMA no 4, de 28 de janeiro de 2008; VIII - Instrução Normativa IBAMA no 209, de 25 de novembro de 2008: IX - Instrução Normativa IBAMA no 210, de 25 de novembro de 2008; e X - Instrução Normativa IBAMA no 10. de 27 de abril de 2009:

Parágrafo único. O prazo de que trata o caput poderá ser prorrogado por até 120 dias.

Art. ]O Durante o período de suspensão estabelecido no art. 1~ será realizado o recadastramento dos pescadores artesanais pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, bem como será feita a revisão dos períodos de defeso por meio dos Comitês Permanentes de Gestão e Uso Sustentável de Recursos Pesqueiros.

Art. 30 Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação. "

Ocorre que, ao editar o Decreto Legislativo sob invectiva, o

Congresso Nacional vulnerou a fórmula da independência e da harmonia entre os

Poderes, na medida em que adentrou em análise de mérito administrativo, típica

do Poder Executivo.

Assim, por sustar os efeitos de ato que havia sido regularmente

editado pelo Poder Executivo, o Decreto Legislativo n° 293/2015 ofendeu, a um

só tempo, os preceitos insculpidos nos artigos 2° e 49, inciso V, da Constituição

Federal!.

I "Art. r. São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário ".

"Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional: ( ...) V - sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa;

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Nesses termos, o Decreto Legislativo nO 293/2015 é inconstitucional,

na forma a seguir demonstrada, razão pela qual se propõe a presente ação direta.

11 - DO MÉRITO

Cumpre, de início, traçar algumas considerações acerca da

regulamentação da atividade pesqueira no território brasileiro.

A pesca, atualmente, ainda é uma das poucas atividades extrativistas

que possuem relevante impacto na economia pátria, visto que emprega

expressivos contingentes populacionais e continua a ser a base econômica de

inúmeras famílias.

A atividade pesqueira possui características que a diferenciam de

outras atividades econômicas e influem sobremaneira no funcionamento do

sistema pesqueiro. Registre-se, nesse contexto, o ambiente de incerteza no qual a

pesca ocorre, relacionado às alterações ambientais e às relações ecossistêmicas,

bem como à variação populacional dos recursos pesqueiros. Muitas espécies de

peixes, por exemplo, possuem características diversas de migração, alimentação e

reprodução, sujeitando-se a variações meteorológicas, correntes marinhas· e

outros fatores naturais mutáveis a curto, médio e longo prazo.

Dessa forma, o conhecimento sobre o comportamento dos recursos

pesqueIros, ainda incipiente para a maioria das espécies no Brasil, mostra-se

fundamental para a tomada de decisões adequadas e o desenvolvimento

sustentável da atividade de pesca. É imprescindível, pois, que o ordenamento

jurídico pesqueiro leve em consideração todas essas variáveis, incluindo os

melhores e mais atualizados dados sobre o tema.

No que diz respeito à competência para a gestão do uso dos recursos

pesqueIros, a Secretaria Especial da Aquicultura e Pesca da Presidência da

República - SEAP/PR, criada pela Lei nO 10.683, de 28 de maio de 2003, foi

transformada no Ministério da Pesca e Aquicultura pela Lei nO 11.958, de 26 de

junho de 2009. 4

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Por sua vez, com o advento da Medida Provisória n° 696, de 2 de

outubro de 2015, as competências do Ministério da Pesca e Aquicultura foram

transferidas para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Confira­

se, a propósito, o artigo 27 da Lei nO 10.683/2003, com as alterações promovidas

pela Medida Provisória nO 696/2015:

Art. 27. Os assuntos que constituem áreas de competência de cada Ministério são os seguintes: I - Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento: (...) q) política nacional pesqueira e aquícola, abrangendo produção. transporte, beneficiamento, transformação. comercialização. abastecimento e armazenagem; r) fomento da produção pesqueira e aquícola: s) implantação de infraestrutura de apoio à produção. ao beneficiamento e à comercialização do pescado e de fomento à pesca e à aquicultura; t) organização e manutenção do Registro Geral da Pesca: u) sanidade pesqueira e aquícola: v) normatização das atividades de aquicultura e pesca: w) .fiscalização das atividades de aquicultura e pesca, no âmbito de suas atribuições e competências; x) concessão de licenças, permissões e autorizações para o exercício da aquicultura e das seguintes modalidades de pesca no território nacional, compreendendo as águas continentais e interiores e o mar territorial da Plataforma Continental e da Zona Econômica Exclusiva. as áreas adjacentes e as águas internacionais, excluídas as Unidades de Conservação federais e sem prejuízo das licenças ambientais previstas na legislação vigente: 1. pesca comercial, incluídas as categorias industrial e artesanal: 2. pesca de espécimes ornamentais; 3. pesca de subsistência; e 4. pesca amadora ou desportiva; y) autorização do arrendamento de embarcações estrangeiras de pesca e de sua operação, observados os limites de sustentabilidade estabelecidos em conjunto com o Ministério do Meio Ambiente: z) operacionalização da concessão da subvenção econômica ao preço do óleo diesel instituída pela Lei nO 9.445, de 14 de março de 1997; aa) pesquisa pesqueira e aquícola; e bb) fornecimento ao Ministério do Meio Ambiente dos dados do Registro Geral da Pesca relativos às licenças, permissões e autorizações concedidas para pesca e aquicultura, para fins de registro automático dos beneficiários no Cadastro Técnico Federal de Atividades Potencialmente Poluidoras e Utilizadoras de Recursos Ambientais; (..) § 4° A competência atribuída ao Ministério do Meio Ambiente de que trata a alínea 'l' do inciso XV do caput será exercida em conjunto

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com os Ministérios da Agricultura, Pecuária e Abastecimento: do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e da Integração Nacional. (...) § 6~ Cabe aos Ministérios da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e do Meio Ambiente, em conjunto e sob a coordenação do primeiro, nos aspectos relacionados ao uso sustentável dos recursos pesqueiros: I - fIXar as normas, critérios, padrões e medidas de ordenamento do uso sustentável dos recursos pesqueiros, com base nos melhores dados científicos e existentes, naforma de regulamento: e II - subsidiar, assessorar e participar, em interação com o Ministério das Relações Exteriores, de negociações e eventos que envolvam o comprometimento de direitos e a interferência em interesses nacionais sobre a pesca e aquicultura. "

Como se observa, compete ao Ministério da Agricultura, Pecuária e

Abastecimento, em conjunto com o Ministério do Meio Ambiente, fixar as

normas, critérios, padrões e medidas de ordenamento do uso sustentável dos

recursos pesqueIros.

Nesse contexto, merece destaque, ainda, a Lei nO 11.959, de 29 de

junho de 2009, que dispõe sobre a Política Nacional de Desenvolvimento

Sustentável da Aquicultura e da Pesca. Eis o que dispõe o artigo 3° do diploma

em questão:

"Art. 3o Compete ao poder público a regulamentação da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável da Atividade Pesqueira, conciliando o equilíbrio entre o princípio da sustentabilidade dos recursos pesqueiros e a obtenção de melhores resultados econômicos e sociais, calculando, autorizando ou estabelecendo, em cada caso: I - os regimes de acesso: II - a captura total permissível: III - o esforço de pesca sustentável; IV - os períodos de defeso; V - as temporadas de pesca: VI - os tamanhos de captura: VII - as áreas interditadas ou de reservas; VIII - as artes, os aparelhos, os métodos e os sistemas de pesca e cultivo: IX - a capacidade de suporte dos ambientes: X - as necessárias ações de monitoramento, controle e .fiscalização da atividade: XI - a proteção de indivíduos em processo de reprodução ou recomposição de estoques.

§ 10 O ordenamento pesqueiro deve considerar as peculiaridades e as necessidades dos pescadores artesanais, de subsistência e da

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aquicultura familiar, visando a garantir sua permanência e sua continuidade.

§ r Compete aos Estados e ao Distrito Federal o ordenamento da pesca nas águas continentais de suas respectivas jurisdições. observada a legislação aplicável, podendo o exercício da atividade ser restrita a uma determinada bacia hidrográfica." (grifou-se)

Compete, portanto, ao Poder Público a regulamentação da Política

Nacional de Desenvolvimento Sustentável da Atividade Pesqueira,

estabelecendo, entre outros fatores, os períodos de defeso, definidos, pelo artigo

2°, inciso XIX da Lei nO 11.959/2009, como "a paralisação temporária da pesca

para a preservação da espécie, tendo como motivação a reprodução e/ou

recrutamento, bem como paralisações causadas por fenômenos naturais ou

acidentes ".

Assim, desse arcabouço normativo se infere que o Ministério da

Agricultura, Pecuária e Abastecimento é responsável, em conjunto com o

Ministério do Meio Ambiente, pela regulamentação dos períodos de defeso

para as regiões hidrográficas ou para as espécies em que haja alto grau de

exploração ou de vulnerabilidade, com base no conhecimento científico atual

sobre a biologia das espécies, sobretudo acerca dos períodos críticos dos seus

ciclos de vida, de recrutamento e de reprodução.

Os defesos são ferramentas comumente adotadas para atingir

objetivos específicos da gestão pesqueira. Por exemplo, a atividade de pesca pode

ser proibida durante um período ou estação específicos (defeso sazonal), ou em

uma área determinada (defeso espacial), ou pela combinação de ambos os fatores

(por exemplo, a paralisação da pesca em uma área de desova durante certo

período do ano). A fixação dos períodos de defeso pode prevenir a denominada

sobrepesca, definida pela situação em que a extração dos peixes ocorre em

volume e velocidade superior à necessária para a manutenção do equilíbrio das

espécies.

Não obstante, é certo que a efetividade do estabelecimento de

períodos e áreas fixas para o fechamento e liberação da pesca baseados nos 7

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defesos sazonais depende de uma reavaliação periódica. Isso porque o período de

recrutamento de uma determinada espécie pode mudar de um ano para o outro

devido a alterações climáticas ou outras variações ambientais. Dessa forma, faz­

se necessária uma revisão periódica de normas que instituíram períodos de

defeso, para que estes não percam totalmente a sua finalidade.

Nesse contexto é que o Poder Executivo entendeu, para o pleno

atendimento do objetivo principal dos períodos de defeso (qual seja, a proteção

da reprodução e/ou do recrutamento dos recursos pesqueiros), que seria

imprescindível a imediata revisão de determinados atos normativos que

estabeleciam períodos de defeso, haja vista terem sido editados há mais de 10

(dez) anos ou não possuírem estudos específicos atualizados que comprovassem a

efetividade da medida.

Dessa forma, no regular exercício da competência concorrente

estabelecida pelo artigo 27, § 6°, inciso I, da Lei nO 10.683/2003, em conjunto

com o artigo 3°, inciso IV, da Lei nO 11.959/2009, o Ministério da Agricultura,

Pecuária e Abastecimento e o Ministério do Meio Ambiente editaram a Portaria

Interministerial MAPA/MMA nO 192/2015, por meio da qual foram suspensos,

por até 120 (cento e vinte) dias, apenas os períodos de defeso fixados pelos

seguintes atos normativos:

UI - Portaria Sudepe n° N-40, de 16 de dezembro de 1986: II - Portaria IBAMA n° 49-N, de 13 de maio de 1992: III - Portaria IBAMA n° 85, de 31 de dezembro de 2003: IV - Instrução Normativa MMA n° 40, de 18 de outubro de 2005: V -Instrução Normativa IBAMA nO 129, de 30 de outubro de 2006; VI - Portaria IBAMA n° 48, de 5 de novembro de 2007; Vll - Portaria IBAMA n° 4, de 28 de janeiro de 2008; VIll-Instrução Normativa 1BAMA n° 209, de 25 de novembro de 2008: IX -Instrução Normativa IBAMA n° 210, de 25 de novembro de 2008; e X -Instrução Normativa IBAMA n° lO, de 27 de abril de 2009".

É importante destacar que a Portaria Interministerial MAPA/MMA

nO 192/2015 foi devidamente embasada em Nota Técnica do Ministério do Meio

Ambiente (Nota Técnica DESP/SBFIMMA n° 074/2015), cuja cópia acompanha

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a presente petição inicial, que concluiu pela necessidade de suspensão de certos

períodos de defeso em vigor, para fins de revisão das normas subjacentes.

Ademais, em seu artigo 2°, a Portaria Interministerial nO 192/2015

determinou, durante a suspensão dos períodos de defeso, o recadastramento dos

pescadores artesanais pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,

bem como a revisão dos períodos de defeso por meio dos Comitês Permanentes

de Gestão e Uso Sustentável de Recursos Pesqueiros. O recadastramento, tendo

em vista a detecção de inúmeras fraudes na percepção do benefício concedido aos

pescadores durante os períodos de defes02, foi uma medida de autotutela que se

impôs como forma de preservar o erário.

De tudo o que até aqui exposto, não restam dúvidas de que a Portaria

Interministerial nO 192/2015 foi regularmente editada pelo Ministério da

Agricultura, Pecuária e Abastecimento e pelo Ministério do Meio Ambiente no

estrito exercício das competências atribuídas pela legislação de regência àquelas

Pastas, tudo com vistas ao atendimento do interesse público.

Portanto, aludida portaria interministerial suspende atos do próprio

Poder Executivo, a quem a lei delegou competência para fixar o período de

defeso, de modo que não há, assim, exorbitância do poder regulamenta~.

De outro lado, a finalidade da mencionada portaria interministerial é

liberar tão-somente a prática da pesca, juízo de conveniência e oportunidade

reservado, pela lei, ao Poder Executivo, e não ao Congresso Nacional. Vale dizer,

considerando que a legitimidade constitucional do poder de sustação de atos

administrativos pelo Congresso Nacional reside única e exclusivamente na

verificação de que tais atos do Poder Executivo tenham ultrapassado o limite da

legalidade, sob pena de violação ao princípio constitucional da separação de

2 o Seguro Defeso é o benefício pago aos pescadores artesanais que estejam proibidos de exercer a atividade pesqueira durante o período de defeso de determinadas espécies. O benefício tem o valor de um salário-mínimo mensal e é pago enquanto durar o defeso, até o limite de 5 meses. 3 AI Súmula 473/STF permite que a Administração, num juízo de conveniência e oportunidade, revogue seus próprios atos: "A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judiciaf'

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poderes, mostra-se inusitada a adoção de um decreto legislativo que susta uma

portaria interministerial cujo único conteúdo é suspender os efeitos de outros 10

atos administrativos, pois é certo que cabe ao Poder Executivo, nos termos do que

enunciado na Súmula 473 do STF, anular ou revogar seus próprios atos, por

critérios de legalidade ou conveniência e oportunidade, conforme o caso, o que

admite também o poder implícito de suspender esses mesmos atos. É inusitado

cogitar-se de ilegalidade de um ato administrativo que somente suspende outros

atos administrativos, salvo se tal suspensão levasse à negação de algum direito, o

que não é o caso.

Nesse sentido, o direito de livre exercício de atividade laboral,

também garantido pela Constituição, somente admite restrições do ponto de vista

da qualificação profissional ou de outras normas constitucionais. No caso da

atividade do pescador, essas restrições legalmente estabelecidas têm amparo no

princípio constitucional de proteção ao meio ambiente, tendo a lei estabelecido

que o Poder Executivo pode definir períodos de defeso à atividade pesqueira

como forma de proteção às espécies objeto dessa atividade. Ou seja, o direito

fundamental do pescador é o de poder exercer sua atividade sem limitações

abusivas por parte do Estado. Ocorre que a legislação infraconstitucional, de

maneira discricionária, estabeleceu uma consequência acessória em relação aos

períodos de defeso: o pescador profissional artesanal impedido de exercer seu

direito fundamental de executar seu labor passa a ter direito, mediante certas

condições, a uma prestação pecuniária previdenciária que visa compensá-lo pela

restrição a esse direito, ainda que essa restrição seja legítima, pois se entendeu

que tal categoria possui uma condição social que demanda a assistência do

Estado durante o citado período.

Ora, diante disso, não há como se entender ser ilegal uma

portaria interministerial que restitui aos pescadores o livre exercício de sua

atividade profissional, garantida pela Constituição, por considerar não mais

existir o substrato fático que sustentava os defesos anteriormente previstos.

Ou seja, não há mais evidências suficientes de que os defesos regulados nos

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10 atos suspensos sejam necessários à preservação das espécies. Diante desse

quadro, se havia algo ilegal, e que poderia ser sustado pelo Poder

Legislativo, eram os 10 atos que previam defesos não mais necessários e que

indevidamente frustravam o livre exercício da atividade profissional dos

pescadores. A questão acessória do pagamento do seguro defeso não pode

subverter essa lógica, pois não há um direito fundamental ao mesmo (ao seguro

defeso), e sim ao livre exercício profissional, e o Decreto Legislativo claramente

parte do pressuposto de que o direito violado é o acessório, como se o direito

primordial dos pescadores profissionais artesanais fosse o de receber uma

prestação pecuniária do Estado, e não o de poder pescar sem constrangimentos

injustificados, como os que vinham sendo impostos pelos 10 atos afastados pela

portaria interministerial.

Em resumo: a portaria interministerial não suspendia o pagamento

do seguro defeso, mas sim retirava a vedação a que os pescadores pudessem

pescar livremente e que estava sendo indevidamente imposta pelos atos

anteriormente editados. O pagamento ou não do seguro defeso é apenas uma

decorrência indireta da existência ou não de vedação ao exercício da atividade

pesqueira, e não era objeto da portaria, até porque o Ministério da Agricultura,

Pesca e Abastecimento e o Ministério do Meio Ambiente não têm competência

para tratar do tema, que está afeto ao Ministério do Trabalho e Previdência Social

(o seguro defeso é uma espécie do gênero seguro desemprego).

Entretanto, em atuação que só seria cabível na hipótese de o Poder

Executivo haver exorbitado de seu poder regulamentar, o Congresso Nacional

houve por bem promulgar o Decreto Legislativo nO 293/2015, objeto da presente

ação direta, sustando os efeitos da Portaria acima referida.

Nesse contexto, percebe-se que o Decreto Legislativo nO 293/2015 é

incompatível com a Lei Maior, porque vulnera, a um só tempo, a regra do artigo

49, inciso V, da Carta Magna, que confere ao Congresso Nacional poder de sustar

atos normativos do Poder Executivo tão somente nas hipóteses previstas pelo

legislador constituinte; e a cláusula da separação dos Poderes, insculpida no 11

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artigo 2° da mesma Carta, na medida em que fere a independência e a harmonia

entre o Executivo e o Legislativo.

De fato, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 2°, prevê a

divisão do poder político do Estado, conferindo a órgãos distintos cada uma das

funções governamentais - executiva, legislativa e jurisdicional. A independência

e a harmonia entre referidos órgãos asseguram a estabilidade da estrutura estatal

consagrada pela Carta Maior, mediante a observância das normas que

estabelecem a colaboração, o controle recíproco e o respeito à autonomia, às

atribuições e às prerrogativas institucionais inerentes a cada Poder.

Tal independência entre os Poderes da República mereceu do

constituinte originário, inclusive, o status de cláusula pétrea, como se infere do

artigo 60, §4°, da Constituição Federal:

"Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: (...) § 4° Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: 1- aformafederativa de Estado; 11 - o voto direto, secreto, universal e periódico: lI] - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais. "

A separação dos Poderes, assim, pressupõe interferências legítimas

entre os Poderes, que visam a propiciar o equilíbrio necessário para a realização

do interesse público, bem assim a evitar distorções e abusos de um em prejuízo

do outro. Trata-se do sistema de freios e contrapesos, que, segundo José Afonso

da Silva4 , informa a harmonia entre os Poderes. A propósito, assevera o referido

autor5 :

"(...) De outro lado, cabe assinalar que nem a divisão de funções entre os órgãos do Poder nem sua independência são absolutas. Há interferências, que visão ao estabelecimento de um sistema de .freios e contrapesos, à busca do equilíbrio necessário à realização do bem da coletividade e indispensável para evitar o arbítrio e o desmando de um em detrimento do outro, e especialmente dos governados. Se ao Legislativo cabe a edição de normas gerais e impessoais. estabelece-se um processo para sua formação em que o Executivo tem

4 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 34' ed. São Paulo: Malheiros, 20 11, p. I 11.

5 Idem.

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participação importante, quer pela iniciativa das leis, quer pela sanção e pelo veto. Mas a iniciativa legislativa do Executivo é contrabalanceada pela possibilidade que o Congresso tem de modificar-lhe o projeto por via de emendas, e até de rejeitá-lo. O Presidente da República tem o poder de veto, que pode exercer em relação a projetos de iniciativa dos congressistas como em relação às emendas aprovadas a projetos de sua iniciativa. Em compensação, o Congresso, pelo voto da maioria absoluta de seus membros, poderá rejeitar o veto e, pelo presidente do Senado, promulgar a lei, se o presidente da República não o fizer no prazo previsto (art. 66, § 7j. (...) Tudo isso demonstra que os trabalhos do Legislativo e do Executivo, especialmente, mas também do Judiciário. só se desenvolverão a bom termo, se esses órgãos se subordinarem ao princípio da harmonia, que não sign(fica nem o domínio de um pelo outro, nem a usurpação de atribuições. mas a ver(ficação de que, entre eles, há de haver consciente colaboração e controle recíproco (que, aliás, integra o mecanismo), para evitar distorções e desmandos. A desarmonia, porém, se dá sempre que se acrescem atribuições, faculdades e prerrogativas de um em detrimento do outro." (grifou­se).

Nesse contexto, é sabido que a Carta Federal de 1988 conferiu ao

Congresso Nacional competência para fiscalizar a atividade normativa

desempenhada pelo Poder Executivo, notadamente nas hipóteses de exercício de

delegação legislativa e do poder regulamentar. Nesse sentido, confira-se o teor do

artigo 49, inciso V, da Constituição:

"Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional: (...) V - sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa."

Essa regra, no entanto, por se tratar de cláusula derrogatória do

princípio da divisão funcional do Poder, deve necessariamente ser interpretada de

forma restritiva; isto é, "esse controle deve limitar-se ao que prevê a Constituição

Federal, para evitar a interferência inconstitucional de um Poder sobre o

outro,,6.

Isso porque, como se sabe, ao Poder Executivo compete expedir atos

geraiS para complementar as leis e viabilizar sua efetiva aplicação. Apenas

quando essa atribuição é exercida de forma abusiva - alterando ou inovando o

6 MEl RELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. J7" ed. São Paulo: Malheiros, 1992, p. 598.

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sentido da lei que se propõe regulamentar - é que a Constituição Federal, por

meio do art. 49, V, autoriza ao Congresso Nacional a edição de Decreto

Legislativo a fim de fazer sustar os efeitos de tal ato abusivo.

Sobre o tema, o Ministro Celso de Mello?, em voto condutor

proferido no julgamento da Medida Cautelar na Ação Direta de

Inconstitucionalidade nO 748, ressaltou a excepcionalidade da prerrogativa

conferida ao Congresso Nacional pelo artigo 49, inciso V, da Constituição, tendo

aduzido que "assiste (...) ao Legislativo, o poder de efetuar - com a estrita

observância dos limites constitucionais, que condicionam o exercício dessa

especial competência - o controle de legalidade da atividade exercida pelo

Poder Executivo".

Ocorre que, na hipótese sob exame, à vista do que anteriormente

exposto, é imperioso reconhecer que a Portaria Interministerial nO 192/2015,

cujos efeitos foram sustados pelo Decreto Legislativo sob invectiva, havia sido

editada no legítimo exercício do poder regulamentar do Poder Executivo para

definir os períodos de defeso, nos termos do que dispõem os já mencionados

artigos 27, § 6°, inciso I, da Lei nO 10.683/2003 e 3°, inciso IV, da Lei nO

11.959/2009, in verbis:

"Art. 27. Os assuntos que constituem áreas de competência de cada Ministério são os seguintes: (...) § 6~ Cabe aos Ministérios da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e do Meio Ambiente, em conjunto e sob a coordenação do primeiro, nos aspectos relacionados ao uso sustentável dos recursos pesqueiros: I - .fixar as normas, critérios, padrões e medidas de ordenamento do uso sustentável dos recursos pesqueiros, com base nos melhores dados cient(ficos e existentes, na forma de regulamento:"

"Art. 30 Compete ao poder público a regulamentação da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável da Atividade Pesqueira, conciliando o equilíbrio entre o princípio da sustentabilidade dos recursos pesqueiros e a obtenção de melhores resultados econômicos e sociais, calculando, autorizando ou estabelecendo, em cada caso: (00')

7 ADI n° 748 MC, Relator: Ministro Celso de Mello, Órgão Julgador: Tribunal Pleno, Julgamento em 01/07/1992, Publicação em 0611111992.

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IV - os períodos de defeso; "

Em outras palavras, ao sustar os efeitos da Portaria Interministerial

aCIma referida, o Congresso Nacional nada mais fez do que invadir a

competência conferida à Administração Pública Federal para estabelecer e

rever os períodos de defeso.

Vale dizer, o exercício da margem de discricionariedade

administrativa, legalmente conferida ao Poder Executivo, foi obstado pelo

Decreto Legislativo nO 293/2015, resultando em interferência inconstitucional de

um Poder sobre o outro, conduta rechaçada pela jurisprudência desse Supremo

Tribunal Federal:

"RESERVA DE ADMINISTRAÇÃO E SEPARAÇÃO DE PODERES. - O princípio constitucional da reserva de administração impede a ingerência normativa do Poder Legislativo em matérias sujeitas à exclusiva competência administrativa do Poder Executivo. É que. em tais matérias, o Legislativo não se qual(fica como instância de revisão dos atos administrativos emanados do Poder Executivo. Precedentes. Não cabe, desse modo, ao Poder Legislativo, sob pena de grave desrespeito ao postulado da separação de poderes, desconstituir, por lei, atos de caráter administrativo que tenham sido editados pelo Poder Executivo, no estrito desempenho de suas privativas atribuições institucionais. Essa prática legislativa, quando efetivada, subverte a função primária da lei, transgride o princípio da divisão funcional do poder, representa comportamento heterodoxo da instituição parlamentar e importa em atuação ultra vires do Poder Legislativo, que não pode. em sua atuação político-jurídica, exorbitar dos limites que definem o exercício de suas prerrogativas institucionais. " (ADI n° 2364, Relator: Ministro Celso de Mello, Órgão Julgador: Tribunal Pleno, julgamento em 01/08/2001, Publicação em 1411212001)

Por todo o exposto, resta evidenciado que o Decreto Legislativo nO

293/2015 violou frontalmente os artigos 2° e 49, inciso V, da Carta Magna, na

medida em que sustou efeitos de ato do Poder Executivo editado nos estritos

limites do seu âmbito de competência normativa.

Essa Suprema Corte, no julgamento da Ação Direta de

Inconstitucionalidade nO 748, deferiu medida cautelar para suspender a eficácia

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de Decreto Legislativo estadual que sustava ato legitimamente editado pelo Poder

Executivo, no exercício de sua competência. Confira-se a ementa do julgado:

"AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO RIO GRANDE DO SUL - DECRETO LEGISLATIVO - CONTEÚDO NORMATIVO - SUSPENSÃO DA EFICicIA DE ATO EMANADO DO GOVERNADOR DO ESTADO­CONTROLE PARLAMENTAR DA ATIVIDADE REGULAMENTAR DO PODER EXECUTIVO (CF, ART. 49, V) - POSSIBILIDADE DE FISCALIZAÇÃO NORMATIVA ABSTRATA - AÇÃO DIRETA CONHECIDA. REDE ESTADUAL DE ENSINO - CALENDiRIO ESCOLAR ROTATIVO - PREVISÃO NO PLANO PLURIANUAL - ALEGADA INOBSERVÂNCIA DO POSTULADO DA SEPARAÇÃO DE PODERES - EXERCÍCIO DE FUNÇÃO REGULAMENTAR PELO EXECUTIVO - RELEVÂNCIA JURÍDICA DO TEMA - MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA. (...) - O decreto legislativo, editado com fundamento no art. 49. V. da Constituição Federal, não se desveste de atributos tipificadores da normatividade pelo fato de limitar-se, materialmente, à suspensão de eficácia de ato oriundo do Poder Executivo. Também realiza função normativa o ato estatal que exclui, extingue ou suspende a validade ou a eficácia de uma outra norma jurídica. A eficácia derrogatória ou inibitória das consequências jurídicas dos atos estatais constitui um dos momentos concretizadores do processo normativo. (...) O exame de constitucionalidade do decreto legislativo que suspende a eficácia de ato do Poder Executivo impõe a análise, pelo Supremo Tribunal Federal, dos pressupostos legitimadores do exercício dessa excepcional competência deferida à instituição parlamentar. Cabe à Corte Suprema, em consequência, verificar se os atos normativos emanados do Executivo ajustam-se, ou não, aos limites do poder regulamentar ou aos da delegação legislativa. A fiscalização estrita desses pressupostos justifica-se como imposição decorrente da necessidade de preservar, 'hic et nunc', a integridade do princípio da separação de poderes. - A previsão do Calendário Rotativo Escolar na lei que institui o Plano Plurianual parece legitimar o exercício, pelo Chefe do Executivo, do seu poder regulamentar, tornando possível, desse modo. a implementação dessa proposta pedagógica mediante decreto. Posição dissidente do Relator. cujo entendimento pessoal fica ressalvado. " (ADI nO 748 MC, Relator: Ministro Celso de Mello, Órgão Julgador: Tribunal Pleno, Julgamento em 01/0711992, Publicação em 0611111992 - grifou-se)

Como bem ressaltou o Ministro Sepúlveda Pertence em seu voto, à

ocasião, "o inovador art. 49, V, da Constituição, a meu ver, para não romper

todas as barreiras do princípio fundamental da separação e independência dos

poderes num regime presidencialista, há de ser visto como um instrumento de

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defesa da autoridade da lei em face da função regulamentar que lhe é

subordinada: e, em princípio, repele interpretação que entregue ao Poder

Legislativo a possibilidade de imiscuir-se no exercício das funções

discricionárias da Administração ".

Diante dos argumentos acima delineados, impõe-se a declaração de

inconstitucionalidade do Decreto Legislativo nO 293, de 1Ode dezembro de 2015,

por ofensa aos artigos 2° e 49, inciso V, da Constituição Federal.

IH - DA NECESSIDADE DE CONCESSÃO DE MEDIDA LIMINAR

É sabido que, para a concessão de liminar em ação direta de

inconstitucionalidade, aSSIm como nas medidas cautelares em geral, faz-se

necessária a presença dofumus boni iuris e do periculum in mora.

Quanto ao primeiro requisito, tem-se que a verossimilhança das

alegações expostas na presente petição inicial restou satisfatoriamente

demonstrada: o Decreto Legislativo sob invectiva, além de usurpar competência

atribuída privativamente pelo Constituinte a outro Poder, interfere em análise de

mérito administrativo, própria do Poder Executivo, resultando em violação direta

aos artigos 2° e 49, inciso V, da Constituição Federal.

A par disso, cumpre observar que a urgência da liminar postulada

justifica-se pela iminente lesão ao erário, tendo em vista o risco de pagamento

indevido de beneficios aos pescadores durante os períodos de defeso.

Como anteriormente mencionado, o artigo 2° da Portaria

Interministerial nO 192/2015 determinou o recadastramento dos pescadores

artesanais pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, tendo em

vista as evidências de distorções no perfil dos beneficiários, que vêm sendo

objeto de investigação por parte do Poder Público a fim de coibir tentativas de

fraude.

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Desse modo, a manutenção da vigência do Decreto Legislativo nO

293/2015 - e, por conseguinte, a sustação dos efeitos da Portaria Interministerial

nO 192/2015 - implicaria a continuidade do pagamento de um beneficio em que

pese a evidente situação de incerteza quanto aos seus reais destinatários,

resultando em vultoso impacto financeiro (cerca de R$ 1.615.119.288,09 para

o pagamento do seguro defeso) e operacionais (atendimento de cerca de

487.843 pescadores a um custo operacional de R$ 3 milhões) - conforme

Nota Técnica n° 01IDIRAT elaborada pelo Instituto Nacional do Seguro

Social (em anexo) -, quantia essa a ser desembolsada pelos cofres do Erário

a partir da próxima segunda-feira (dia 11.01.2016).

O periculum in mora expressa-se, assim, na iminente lesão ao erário,

visto que o pagamento indevido dos benefícios, depois de realizado, muito

dificilmente poderá ser desfeito, sendo de dificil recuperação aos cofres públicos.

Diante do exposto, evidenciados o fumus boni iuris e o periculum in

mora, requer-se a concessão de medida liminar para suspender a eficácia integral

do diploma hostilizado até o final julgamento do feito.

IV - DOS PEDIDOS

Assim, demonstrada a inconstitucionalidade do Decreto Legislativo

nO 293, de 10 de dezembro de 2015, bem como a presença dos requisitos

autorizadores da concessão de medida acautelatória, pede-se:

a) liminarmente, a suspensão da eficácia do Decreto Legislativo nO

293, de 10 de dezembro de 2015, em sua integralidade, até o final julgamento do

processo;

b) colhidas as informações do Congresso Nacional, e ouvidos

sucessivamente o Advogado-Geral da União e o Procurador-Geral da República,

seja julgado procedente o pedido, declarando-se a inconstitucionalidade do

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Decreto Legislativo nO 293, de 10 de dezembro de 2015, por afronta aos artigos

2° e 49, inciso V, da Constituição da República.

Nesses termos, pede deferimento.

Brasília, de dezembro de 2015.

))GRACE M ERNANDES MEND NÇA 11r/ Secret' ria-Geral de Contencioso ~';~#' .;I~,.

7"

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