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ADRIANO MASSUDA O MÉTODO DO APOIO PAIDÉIA NO HOSPITAL: Descrição e análise de uma experiência no HC-UNICAMP. CAMPINAS 2010

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  • ADRIANO MASSUDA

    O MÉTODO DO APOIO PAIDÉIA NO HOSPITAL: Descrição e análise de uma experiência no HC-UNICAMP.

    CAMPINAS2010

  • ADRIANO MASSUDA

    O MÉTODO DO APOIO PAIDÉIA NO HOSPITAL: Descrição e análise de uma experiência no HC-UNICAMP.

    Dissertação de Mestrado apresentada à Pós-Graduação da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Mestre em Saúde Coletiva, Área de Concentração Saúde Coletiva – Política, Planejamento e Gestão.

    ORIENTADOR: PROF. DR. GASTÃO WAGNER DE SOUSA CAMPOS

    CAMPINAS2010

    _______________________________________________________________________________________________________________________________

    ii

  • Banca examinadora de Dissertação de Mestrado

    Adriano Massuda

    Orientador(a): Prof(a). Dr(a). Gastão Waqner de Sousa Campos

    Membros:

    Curso de pós-graduação em Saúde Coletiva da Faculdade de Saúde Coletiva da Universidade Estadual de Campinas.

    Data: 22/02/2010

    _______________________________________________________________________________________________________________________________

    iii

  • FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELABIBLIOTECA DA FACULDADE DE CIÊNCIAS MÉDICAS DA UNICAMP

    Bibliotecário: Sandra Lúcia Pereira – CRB-8ª / 6044

    Título em inglês: The Paideia support method at the hospital setting: the experience of HC-Unicamp

    Keywords: • Paideia • Public health • Hospital

    Titulação: Mestre em Saúde ColetivaÁrea de concentração: Saúde Coletiva

    Banca examinadora:

    Prof. Dr. Gastão Wagner de Sousa Campos

    Prof. Dr. Luiz Carlos de Oliveira Cecílio

    Prof. Dr. Luiz Carlos Zeferino

    Data da defesa: 22-02-2010

    _______________________________________________________________________________________________________________________________

    iv

    Massuda, AdrianoM389m O método do apoio Paidéia no Hospital: Descrição e análise de uma

    experiência no HC - Unicamp / Adriano Massuda. Campinas, SP: [s.n.], 2010.

    Orientador: Gastão Wagner de Sousa CamposDissertação (Mestrado) Universidade Estadual de Campinas.

    Faculdade de Ciências Médicas.

    1. Paidéia. 2. Saúde Pública. 3. Hospital das Clínicas (Campinas/SP). I. Campos, Gastão Wagner de Sousa. II. Universidade Estadual de Campinas. Faculdade de Ciências Médicas. III. Título.

  • DEDICATÓRIA_________________________________________________________________________

    Aos meus avós,Adiles e à memória de Alberto, Carmem e Ivo;

    Aos meus pais,Cadri e Wilma;

    Aos meus irmãos,Raffael e Lutti;

    E ao meu amor,Helena.

    _______________________________________________________________________________________________________________________________

    v

  • AGRADECIMENTOS_________________________________________________________________________

    Primeiramente, à Helena, que me suportou e deu suporte durante a realização desse trabalho. Minha companheira, amante e parceira intelectual;

    A toda minha família, por estar sempre ao meu lado quando mais foi preciso, e por me ensinarem que conviver com as diferenças não só é possível, como é fonte de crescimento;

    Aos meus avós, desbravadores de novas terras. Por causa deles estou aqui...

    À minha mãe, pela dedicação integral aos filhos. E ao meu pai, por nos instigar a sempre buscar vencer desafios;

    Aos meus irmãos, Raffael e Lutti, cada um ao seu jeito, sempre grandes companheiros, nos bons e maus momentos;

    A minha nova família, que me recebeu com grande carinho: Augusto e Tide; Orlando, Tininha e Maria; Gustavo e Silvia; Renata;

    Aos meus companheiros de república nesses anos em Campinas. Em especial ao casal que considero parte da minha família: Gilliatt e Magé;

    Às duas mulheres, com quem tive o privilégio de conviver em Campinas, e de aprender sobre saúde pública e sobre a vida. Que endurecem sem perder a ternura: Haydée e Márcia Amaral;

    A todos os companheiros e companheiras de militância do movimento estudantil, do DANC e da DENEM, que me ensinaram que é possível mudar o mundo começando por nós mesmos e pelo que está ao nosso alcance;

    Aos insistentes, que acham que a luta pela transformação da Educação e da Saúde não acaba no movimento estudantil, e continuam militando na AMERESP, ABEM, Sindicatos, CEBES, no SUS, etc.;

    Aos professores, funcionários e estudantes do curso de Medicina e do Departamento de Saúde Comunitária da UFPR, onde me formei, e que depois me acolheram como professor, tendo sido bastante generosos nos momentos em que precisei me dedicar essa tese;

    À direção do Setor de Ciências da Saúde da UFPR, por me dar oportunidade de continuar o mestrado, mesmo em regime de estágio probatório;

    Aos trabalhadores do Centro de Saúde da Vila Ipê, do Distrito de Saúde Sul de Campinas e da COVISA e do DGDO da Secretaria de Saúde de Campinas, onde desenvolvi boa parte das minhas atividades durante a residência;_______________________________________________________________________________________________________________________________

    vi

  • Aos atuais e ex-professores, residentes e funcionários do Departamento de Medicina Preventiva e Social da UNICAMP, que fizeram desse departamento uma escola de formação “Em defesa da vida”;

    Aos trabalhadores do HC-Unicamp. Especialmente aos funcionários e assessores da superintendência;

    E aos profissionais que participaram dessa pesquisa, que são os verdadeiros autores das transformações aqui relatadas;

    Ao grande companheiro Fábio BH, com quem aprendi muito durante a experiência no HC;

    E a minha querida amiga Grace, que me ajudou na revisão e no abstract;

    Ao jornalista e amigo Guilherme Rocha, que realizou um super esforço para fazer a revisão do português em tempo hábil;

    Aos professores que participaram da minha qualificação: Ana Maria Malik e Edison Bueno, pela importante contribuição crítica; e à Rosana Onocko Campos e ao Luiz Cecílio pelas sugestões preciosas;

    Ao Zeferino, grande professor e dirigente, pela oportunidade de realizar esse trabalho inédito no HC-Unicamp;

    Finalmente, agradeço ao Gastão. Mestre e amigo. Orientador e apoiador. Exemplo de dedicação em Defesa da Vida, em qualquer que seja o cenário, na sala de aula, no gabinete, num centro de saúde ou num Hospital.

    _______________________________________________________________________________________________________________________________

    vii

  • Gosto de ser homem, de ser gente, porque não está dado como certo, inequívoco, irrevogável que sou ou serei decente, que testemunharei sempre gestos puros, que sou e que serei justo, que respeitarei os outros, que não mentirei escondendo o seu valor porque a inveja de sua presença no mundo me incomoda e me enraivece.

    Gosto de ser homem, de ser gente, porque sei que minha passagem pelo mundo não é predeterminada, preestabelecida. Que meu "destino" não é um dado, mas algo que precisa ser feito e de cuja responsabilidade não posso me eximir. Gosto de ser gente porque a História em que me faço com os outros e de cuja feitura tomo parte é um tempo de possibilidades e não de determinismo. (...)

    Gosto de ser gente porque, inacabado, sei que sou um ser condicionado, mas consciente do inacabamento, sei que posso ir mais além dele. Esta é a diferença profunda entre o ser condicionado e o ser determinado (...)

    Gosto de ser gente porque, como tal, percebo afinal que a construção de minha presença no mundo, que não se faz no isolamento, isenta da influência das forças sociais, que não se compreende fora da tensão entre o que herdo geneticamente e o que herdo social, cultural e historicamente, tem muito a ver comigo mesmo (...)

    Gosto de ser gente porque, mesmo sabendo que as condições materiais, econômicas, sociais e políticas, culturais e ideológicas em que nos achamos geram quase sempre barreias de difícil superação para o cumprimento de nossa tarefa histórica de mudar o mundo, sei também que os obstáculos não se eternizam.

    Paulo Freire – Pedagogia da Autonomia

    Os filósofos têm apenas interpretado o mundo de maneiras diferentes; a questão, porém, é transformá-lo.

    Karl Marx – Teses sobre Feuerbach

    _______________________________________________________________________________________________________________________________

    viii

  • SUMÁRIO_________________________________________________________________________

    RESUMO XVI

    ABSTRACT XVIII

    APRESENTAÇÃO XX

    INTRODUÇÃO 35

    CAPÍTULO 01: MARCO TEÓRICO-CONCEITUAL 38

    PARTE 01: AS PRÁTICAS DE SAÚDE E O APOIO PAIDÉIA 39PARTE 2: O APOIO PAIDÉIA NA ATENÇÃO HOSPITALAR 54

    CAPÍTULO 02: ABORDAGEM METODOLÓGICA 74

    CAPÍTULO 03: CONTEXTO DE MUDANÇAS NO HC-UNICAMP 88

    CAPÍTULO 04: ATIVIDADES REALIZADAS NO CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM GESTÃO HOSPITALAR 116

    CARDIOLOGIA 116CLINÍCA MÉDICA 124DAMPE 131NEUROLOGIA 138ODONTOLOGIA 149SAÚDE MENTAL 154

    CAPÍTULO 05: ANÁLISE E DISCUSSÃO 163

    CAPÍTULO 06: CONSIDERAÇÕES FINAIS 178

    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 184

    ANEXOS 197

    _______________________________________________________________________________________________________________________________

    ix

  • LISTA DE ABREVIATURAS

    ABEM – Associação Brasileira de Educação Médica

    ABRAHUE – Associação Brasileira de Hospitais Universitários e de Ensino

    AIDS – Adquirid Imunodeficy Disease Syndrom

    AIS – Ações Integradas em Saúde

    AME – Ambulatório Médico de Especialidades

    AMERESP – Associação dos Médicos Residentes do Estado de São Paulo

    APAC – Autorizações de Procedimentos de Alta Complexidade

    APS – Atenção Primária em Saúde

    ATM – Articulação Temporo-Mandibular

    AVC – Acidente Vascular Cerebral

    CAAAAS – Comissão Assessora para Assuntos Assistenciais da Área de Saúde

    CAISM – Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher

    CEA – Conselho Executivo de Administração

    CECOM/CSS – Centro Comunitário

    CEPRE – Centro de Estudos e Pesquisas em Reabilitação “Prof. Gabriel Porto”

    CINAEM – Comissão Interinstitucional dos Estudantes de Medicina

    CIPOI – Centro Infantil de Pesquisa Onco-Hematológica da Infância

    CLT – Consolidação das Leis do Trabalho

    COBREM – Congresso Brasileiro de Estudantes de Medicina

    ECT – Eletroconvulsoterapia

    DAMPE – Divisão de Ambulatórios Médicos e Procedimentos Especializados

    DANC – Diretório Acadêmico Nilo Cairo

    DENEM – Direção Executiva Nacional dos Estudantes de Medicina

    DMPS – Departamento de Medicina Preventiva e Social

    DRS – Direção Regional de Saúde

    DST – Doença Sexualmente Transmissível

    EGA – Enfermaria Geral de Adultos

    EUA – Estados Unidos da América

    FAEC – Fundo de Ações Estratégicas e de Compensação

    _______________________________________________________________________________________________________________________________

    x

  • FCM – Faculdade de Ciências Médicas

    FIDEPS – Fator de Incentivo ao Desenvolvimento do Ensino e da Pesquisa em Saúde

    FM-USP – Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

    FNS – Fundo Nacional de Saúde

    FOP – Faculdade de Odontologia de Piracicaba

    FUNCAMP – Fundação de Apoio à UNICAMP

    GASTROCENTRO – Centro de Diagnóstico de Doenças do Aparelho Digestivo

    GEDOCH - Grupo de Estudos em Doença de Chagas

    GEPRO – Gestão de Processos

    GTAN – Grupo de Trabalho do Ambulatório de Neurologia

    HE – Hospital de Ensino

    HEMOCENTRO - Centro de Hematologia e Hemoterapia

    HU – Hospital Universitário

    ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços

    INSS – Instituto Nacional de Segurança Social

    MAC – Média e Alta Complexidade

    MEC – Ministério da Educação

    MPAS – Ministério da Previdência e Assistência Social

    ONG – Organização Não Governamental

    OPAS – Organização Panamericana de Saúde

    PDG – Plano de Desenvolvimento Gerencial

    PNH – Política Nacional de Humanização

    PPI – Programação Pactuada Integrada

    PTS – Projeto Terapêutico Singular

    RH – Recursos Humanos

    RM – Ressonância Magnética

    SAD – Serviço de Atenção Domiciliar

    SAID – Serviço de Atenção à Internação Domiciliar

    SAMU – Serviço de Atendimento Móvel de Urgência

    SES – Secretaria Estadual de Saúde

    SMS – Secretaria Municipal de Saúde_______________________________________________________________________________________________________________________________

    xi

  • TC – Tomografia Computadorizada

    UBS – Unidade Básica de Saúde

    UCO – Unidade Coronariana

    UER – Unidade de Emergência Referenciada

    UFPR – Universidade Federal do Paraná

    UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas

    UP – Unidades de Produção

    UTI – Unidade de Terapia Intensiva

    SUDS – Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde

    SUS – Sistema Único de Saúde

    _______________________________________________________________________________________________________________________________

    xii

  • LISTA DE FIGURAS

    FIGURA 01 – HISTÓRICO DA ATENÇÃO HOSPITALAR NO BRASIL 57

    FIGURA 02 – TENDÊNCIAS PARA ATENÇÃO HOSPITALAR 64

    FIGURA 03 – OFERTAS PARA O APOIO PAIDÉIA NA

    ATENÇÃO HOSPITALAR 68

    FIGURA 04 – EVENTOS HISTÓRICOS DO HC-UNICAMP 90

    FIGURA 05 – FLUXOGRAMA DE CUIDADO UER – SAÚDE MENTAL 159

    FIGURA 06 – FLUXOGRAMA DE CUIDADO ENFERMARIA –

    SAÚDE MENTAL 160

    FIGURA 07 – FLUXOGRAMA DE CUIDADO AMBULATÓRIO –

    SAÚDE MENTAL 161

    _______________________________________________________________________________________________________________________________

    xiii

  • LISTA DE GRÁFICOS

    GRÁFICO 01: NÚMERO DE INTERNAÇÕES DO HC-UNICAMP. 90

    GRÁFICO 02: NÚMERO DE CONSULTAS AMBULATORIAIS E

    DE URGÊNCIA DO HC-UNICAMP 91

    GRÁFICO 03: NÚMERO DE CIRURGIAS DO HC-UNICAMP 91

    GRÁFICO 04: NÚMERO DE TRANSPLANTES DO HC-UNICAMP 91

    GRÁFICO 05: NÚMERO DE LEITOS DO HC-UNICAMP 98

    GRÁFICO 06: VARIAÇÃO DO ORÇAMENTO DA UNICAMP

    PARA A SAÚDE 100

    GRÁFICO 07: PORCENTAGEM DO ORÇAMENTO DA UNICAMP

    PARA A SAÚDE 101

    GRÁFICO 08: PORCENTAGEM DO ORÇAMENTO DA UNICAMP

    PARA AS ORGANIZAÇÕES DA ÁREA DA SAÚDE 101

    GRÁFICO 09: ORÇAMENTO SUS ÁREA DA SAÚDE UNICAMP 102

    GRÁFICO 10: ORÇAMENTO SUS E UNICAMP ÁREA DA SAÚDE 103

    _______________________________________________________________________________________________________________________________

    xiv

  • LISTA DE QUADROS

    QUADRO 01: ESTATUTO DA ENFERMARIA DE CARDIOLOGIA 123

    _______________________________________________________________________________________________________________________________

    xv

  • LISTA DE TABELAS

    TABELA 01: FONTE DE RECURSOS E NÚMERO DE PROFISSIONAIS

    DO HC-UNICAMP. 99

    TABELA 02: ARRANJOS ORGANIZACIONAIS IMPLANTADOS

    NOS PROJETOS DE INTERVENÇÃO 174

    _______________________________________________________________________________________________________________________________

    xvi

  • Resumo

    _______________________________________________________________________________________________________________________________

    xvii

  • RESUMO

    Essa pesquisa trata das mudanças realizadas num hospital universitário, em que foi utilizado como referencial o método do Apoio Paidéia. A experiência ocorreu durante um curso de especialização em gestão hospitalar, oferecido pelo Departamento de Medicina Preventiva e Social e pela direção do Hospital de Clínicas da UNICAMP, a docentes, profissionais da assistência e da administração, além de coordenadores de serviços do hospital. O curso baseou-se no método Paidéia, havendo ofertas teóricas e práticas de diagnóstico e intervenção compartilhadas, as quais contaram com suporte de professores apoiadores. Essas práticas foram investigadas através de pesquisa-intervenção modificada, denominada pesquisa-intervenção “tipo apoio”. Os resultados foram analisados por meio de triangulação de técnicas. Observaram-se mudanças nas práticas de gestão, de atenção e na relação com o SUS, com ênfase no primeiro aspecto. Infere-se que as mudanças foram influenciadas tanto pelo projeto da direção do hospital, como pelas ofertas do curso. Concluiu-se que o método potencializou e ampliou o espectro de mudanças no hospital, em função da perspectiva política e pedagógica de criar redes dialógicas em coletivos organizados, utilizando-se de uma abordagem metodológica dialética problematizadora da práxis, com ofertas teórico-conceituais trazidas por apoiadores externos. Podem-se identificar, entretanto, limites para aplicação do método no hospital, decorrentes, principalmente, de aspectos políticos, ideológicos, culturais e organizacionais.

    PALAVRAS-CHAVE: Gestão Hospitalar, Hospital Universitário, Método do Apoio Paidéia.

    _______________________________________________________________________________________________________________________________

    xviii

  • Abstract

    _______________________________________________________________________________________________________________________________

    xix

  • ABSTRACT

    This research is about the Paideia support method into hospital setting. This experience happened during a hospital management fellowship course shared among Public Health Department and the University Hospital of UNICAMP, offered to professors, managers, and professionals who work at administration and health care. The course was based on Paideia method, using theoretical offers, participative diagnosis and interventions, supported by the tutors. It used intervention-research modified, called intervention-research “like support”. The results were analyzed using triangulation techniques. It was observed changes in the management, the health care practices and the hospital relationship with the care network. We infer it was the consequence of the hospital´s direction aims in order to change the management model and the others changes were consequence by activities developed during the course. We suggest that this method empowered and amplified the changes observed due the political and pedagogical approach based on creation of dialogical networks in groups, using a dialectic method on the praxis, with theoretical-conceptual support introduced by tutors. However, we could identify limits to the method application in hospital due political, ideological, cultural and organizational aspects, principally.

    KEY WORDS: Hospital Administration, University Hospital, Paideia Support Method

    _______________________________________________________________________________________________________________________________

    xx

  • Apresentação _______________________________________________________________________________________________________________________________

    xxi

  • APRESENTAÇÃO_________________________________________________________________________

    A relação entre Sistemas de Saúde e hospitais tem sido tema cada vez mais presente na

    agenda das reformas do setor saúde no Brasil e no mundo em função das mudanças sociais,

    políticas, econômicas e culturais que caracterizam a vida no início deste milênio. Com o

    surgimento de novos problemas de saúde, face às transformações no perfil demográfico,

    epidemiológico e sanitário, bem como em função do entendimento da saúde como direito

    social, do desenvolvimento de novas tecnologias e do crescimento progressivo dos custos

    nesse setor, é essencial construir novos modos de produção das práticas de atenção à saúde

    e de organização de serviços e Sistemas de Saúde. Nesse contexto, o hospital se destaca

    frente ao custo que representa para os Sistemas de Saúde e a importância na prestação de

    assistência à saúde da população (Mckee & Healy, 2002; OPAS, 2004; La Forgia &

    Couttolenc, 2009).

    A mesma perspectiva de mudanças está presente na agenda dos Hospitais Universitários

    (HU) brasileiros, diante da crônica crise vivida por essas organizações (Ministério da

    Saúde, 2004; ABRAHUE, 2005; Kuchenbercker, 2009). Porém, se a produção de

    mudanças nos hospitais em geral já é desafiadora, dada a natureza hipercomplexa dessas

    organizações (Testa, 1997), maior ainda é o desafio de promover mudanças em hospitais

    universitários, que, além de se relacionarem com o Sistema de Saúde, também se

    relacionam com a lógica política e organizativa universitária (Campos, 1999).

    Nesse aspecto, a análise histórica de constituição dos hospitais universitários revela a

    influência de projetos em disputa na sociedade, em diferentes momentos históricos, em

    torno de reformas estruturais do Estado, da Universidade e da Organização Sanitária

    (Vasconcelos, 2005). As perspectivas de mudanças, por sua vez, refletem variedades de

    caminhos, definidores de diferentes papéis, modos de gestão e de produção de práticas de

    atenção, marcando distintas concepções políticas, ideológicas e teórico-conceituais

    (Campos & Amaral, 2007).

    _______________________________________________________________________________________________________________________________

    xxii

  • Reconhecer os projetos em disputa, as intencionalidades e a relação com a perspectiva da

    Reforma Sanitária Brasileira, é indispensável para se identificar o que está em jogo em

    torno da atenção hospitalar no Sistema Único de Saúde (SUS) na atualidade.

    Por outro lado, a construção de novos modos de produção das práticas de saúde e de

    organização dos serviços e sistemas de saúde combina-se à necessidade de elaboração de

    novos métodos científicos, capazes de dar suporte ao desenvolvimento de pesquisas sobre a

    implantação de arranjos organizacionais que favoreçam a incorporação dos princípios

    éticos e políticos que orientam a organização do SUS: universalidade, integralidade e

    participação social.

    O presente trabalho se insere dentro dessa perspectiva. Trata-se de um estudo que teve por

    objetivo descrever e analisar mudanças ocorridas em serviços do Hospital de Clínicas da

    Universidade Estadual de Campinas (HC-UNICAMP), durante um curso de especialização

    em gestão hospitalar, fundamentado no método Paidéia (Campos, 2000). Além disso,

    buscou-se sistematizar uma proposta metodológica de pesquisa-intervenção modificada

    pela aplicação do método Paidéia, a que se denominou pesquisa-intervenção tipo apoio.

    SOBRE O CONTEXTO DA PESQUISA

    O HC-UNICAMP foi fundado em 1985. É instituição pública estadual universitária,

    vinculada à área de saúde da UNICAMP, onde se desenvolve grande parte dos programas

    de assistência, ensino e pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas (FCM). Além disso,

    vincula-se ao SUS, sendo referência na atenção ambulatorial e hospitalar especializada para

    uma população de em torno de seis milhões de habitantes dos municípios da região de

    Campinas, interior do Estado de São Paulo. Sua direção é constituída por docentes da FCM,

    que executam as diretrizes acordadas no Conselho de Administração do hospital, composto

    por chefes dos departamentos da FCM (UNICAMP, 2006).

    Caracteriza-se por ser hospital geral, com grande diversidade de intervenções assistenciais

    realizadas em serviços especializados, organizados a partir de 44 especialidades médicas. _______________________________________________________________________________________________________________________________

    xxiii

  • Existem 565 tipos diferentes de ambulatórios médicos e 119 não médicos, em que se realiza

    cerca de 30.000 atendimentos ambulatoriais e de emergência mensais. Além disso, dispõe

    de 375 leitos ativos, sendo 30 de UTI, bem como de 15 salas cirúrgicas gerais e oito salas

    cirúrgicas ambulatoriais.

    Trabalham no hospital próximo de 3000 trabalhadores, além dos docentes vinculados à

    FCM. O modo de inserção dos profissionais nesses serviços ocorre como na maioria dos

    hospitais, com médicos a partir de especialidades e as demais categorias a partir de suas

    respectivas corporações profissionais, produzindo grande fragmentação na organização da

    atenção à saúde11, 17. Além disso, por se tratar de hospital universitário, a organização

    assistencial se relaciona com a lógica de organização acadêmica, sendo muitas vezes

    determinada por esta.

    O modo de inserção dos profissionais nesses serviços, por sua vez, ocorre como na maioria

    dos hospitais, com médicos a partir de especialidades e as demais categorias a partir de suas

    respectivas corporações profissionais, produzindo grande fragmentação na organização da

    atenção à saúde (Campos, 1999; Cecílio & Merhy, 2003). Além disso, por se tratar de

    hospital universitário, a organização assistencial se relaciona com a lógica de organização

    acadêmica, sendo muitas vezes determinada por esta.

    E a exemplo dos demais HUs, o HC-UNICAMP vive crise crônica, que se apresenta como

    praticamente insuperável. Diante desse quadro, foram observadas várias tentativas de

    mudanças na organização assistencial e administrativa do hospital. Muitas delas

    influenciadas pelo referencial da “Qualidade Total”, que tinham por propósito realizar

    “melhorias” nos processos de trabalho, voltadas para racionalização de custos (Barbosa-

    Lima, 2007).

    Considera-se que o primeiro evento que apontou para a necessidade de revisão do modelo

    de atenção do hospital ocorreu em 2003, quando houve um planejamento estratégico,

    coordenado por professores do Departamento de Medicina Preventiva e Social da FCM da

    _______________________________________________________________________________________________________________________________

    xxiv

  • UNICAMP (DMPS/FCM/UNICAMP), que afirmou a necessidade de mudanças de gestão

    que permitissem ao hospital atingir os seguintes objetivos:

    “Propiciar um atendimento integral e humanizado; adequar a capacidade de

    atendimento à demanda do SUS; desenvolver mecanismos que propiciem a

    participação da sociedade no controle dos serviços; buscar a otimização dos

    recursos para garantir a eficiência e eficácia no serviço; proporcionar melhorias

    no ensino, pesquisa e assistência; garantir a qualidade dos serviços prestados e

    integrar as ações de forma participativa entre o HC e a FCM” (HC-UNICAMP,

    2003).

    Essa perspectiva de mudanças de modelo foi reforçada com a adesão do HC-UNICAMP à

    política de Reestruturação dos Hospitais Universitários, a partir da assinatura de contrato de

    gestão com o Ministério da Saúde. Por meio da medida foram pactuadas metas relacionadas

    à gestão, à atenção e à relação com o SUS, mediante aporte de novos recursos financeiros

    (HC-UNICAMP, 2005).

    Entretanto, os projetos de mudanças ressaltados à época não chegaram a ser colocados em

    prática. Um dos principais motivos para isso foi a crise política que se instaurou entre a

    direção do HC-UNICAMP e a reitoria da universidade, a qual acabou culminando com a

    renúncia do então superintendente.

    A retomada do propósito de mudanças no modelo organizacional do HC-UNICAMP é

    observada com a posse de nova direção, ocorrida em 2006, após período de gestão interina.

    Dentre os projetos da gestão estava a intenção de equacionar a crise econômico-financeira

    que ainda afetava o hospital, por meio de estratégias voltadas para reformar o modelo de

    gestão e qualificar a relação com o Sistema de Saúde (Zeferino, 2006). Houve ações como

    constituição de unidades produtivas e colegiados gestores; nomeação de docentes indicados

    pelos departamentos da FCM como chefes de clínica para compor o corpo gerencial do

    hospital; e contratação de médicos sanitaristas com o objetivo de trabalhar a relação do

    hospital com a rede de serviços do SUS. _______________________________________________________________________________________________________________________________

    xxv

  • E como estratégia para dar maior subsídio teórico e prático a esse movimento de mudanças,

    a superintendência decidiu oferecer curso de gestão hospitalar a docentes, profissionais da

    assistência e da administração, além de coordenadores de serviços do hospital. Optou-se,

    então, pela organização de um curso em cogestão entre o DMPS/FCM/UNICAMP e a

    superintendência do HC-UNICAMP, que buscou contemplar os interesses da direção do

    hospital, como os referenciais teórico-conceituais do Método Paidéia aplicados à reforma

    da atenção hospitalar (Campos & Amaral, 2007).

    O presente estudo foi realizado em meio a esse processo. A pesquisa e os resultados

    encontrados foram, ao mesmo tempo, produto e produtores das mudanças investigadas, e

    tiveram a influência do contexto político presente naquele dado momento no hospital.

    Para compreender o contexto, sentidos e resistências às propostas de mudanças do modelo

    organizacional do hospital, é preciso considerar as relações que o HC-UNICAMP

    estabelece com a Universidade, a FCM e as esferas de gestão do SUS. Relações que se

    produzem em complexa e conflitante trama de poderes e interesses, constituídas a partir dos

    distintos projetos macropolíticos dos grupos políticos que ocupam esses espaços.

    Por outro lado, apesar das variações de contexto, decorrentes das mudanças nos projetos

    políticos dos atores que ocupam os espaços de gestão, pode se verificar a conservação de

    determinado modo de se fazer gestão e de se produzir saúde, que em grande medida se deve

    ao histórico de constituição do hospital e à força das instituições (Lourau, 2004) que

    operam a micropolítica do trabalho e da gestão em saúde (Merhy, 2002), em especial a

    medicina, a enfermagem, e nos hospitais universitários, os médicos docentes (Carapinheiro,

    2005).

    Pretende-se, a partir dessa investigação, discutir as potencialidades e limites do método do

    apoio Paidéia para produção de mudanças nas práticas de gestão e de atenção à saúde no

    hospital, levando em consideração o contexto histórico que possibilitou a construção do

    _______________________________________________________________________________________________________________________________

    xxvi

  • referido curso, a análise das ações desenvolvidas durante esse período e as perspectivas

    políticas e pedagógicas presentes na proposta do método Paidéia aplicadas no hospital.

    SOBRE A IMPLICAÇÃO DO PESQUISADOR COM A PESQUISA

    A minha implicação com o presente trabalho pode ser analisada a partir das considerações

    apresentadas por Merhy (2004: 02), com relação à inserção do pesquisador com o trabalho

    e com a pesquisa, que promovem a construção do sujeito implicado, para além de sujeito

    interessado, descrito como: “Você é o pesquisador e o pesquisado. E, assim, o analisador e

    o analisado”.

    Descrevo minha relação com essa pesquisa abordando pelo menos três pontos: minha

    militância pela mudança na formação dos profissionais de saúde e nas práticas de saúde,

    minha inserção institucional no HC-UNICAMP e no DMPS/FCM/UNICAMP, e minha

    relação com as atividades que realizei durante a pesquisa.

    Tomei contato com o movimento de transformação da formação dos profissionais de saúde

    a partir do movimento estudantil de medicina. Ingressei no curso de Medicina da

    Universidade Federal do Paraná (UFPR) em 1998. Já naquele ano comecei a participar do

    Diretório Acadêmico Nilo Cairo (DANC) e, logo em seguida, me aproximei da Direção

    Executiva Nacional dos Estudantes de Medicina (DENEM). Fui um dos coordenadores do

    XII Congresso Brasileiro de Estudantes de Medicina (COBREM), realizado em Curitiba,

    em janeiro de 2000. O tema do congresso foi “Os estudantes de Medicina na rede”, em

    alusão à necessidade de construção de mudanças no modelo de ensino hospitalocêntrico,

    buscando priorizar cenários da Atenção Primária em Saúde (APS) na formação médica.

    Naquele momento, vivíamos o auge dos trabalhos da Comissão Interinstitucional Nacional

    de Avaliação do Ensino Médico (CINAEM), que culminaram com a aprovação das novas

    Diretrizes Curriculares para os cursos de medicina, aprovadas em 2001. E foi por meio do

    movimento estudantil que conheci de maneira mais próxima propósitos e atores do

    movimento da Reforma Sanitária brasileira. E me aproximei da área de Política, _______________________________________________________________________________________________________________________________

    xxvii

  • Planejamento e Gestão em Saúde do campo da Saúde Coletiva, em especial do

    DMPS/FCM/UNICAMP, pois os professores desse departamento à época eram grandes

    referências para o pensamento da DENEM, em especial Emerson Merhy, Gastão Wagner,

    Luiz Cecílio, Nelson Rodrigues dos Santos, entre outros.

    Depois de formado queria fazer um programa de residência numa área que combinasse

    prática clínica com saúde coletiva. Pensei em Infectologia e Medicina de Família e

    Comunidade. Resolvi fazer estágios eletivos no último ano do curso em serviços de ambas

    as áreas para verificar com qual delas mais me identificaria. Gostei muita das duas

    experiências, mas tive dificuldade em me imaginar toda a vida como infectologista ou

    médico de família. Buscava mesmo algo que me possibilitasse trabalhar mais

    especificamente com a mudança nas práticas de saúde. Não me restava alternativa a não ser

    ir diretamente para a Saúde Coletiva. Entretanto, o grande dilema era que se fizesse a

    opção, teria que abandonar a clínica, sem ao menos ter experimentado um pouco dessa

    prática depois de formado.

    Pensei, então, em tentar a Residência de Medicina Preventiva e Social da UNICAMP.

    Conhecia parte da produção teórica dos professores, cuja característica era abordar a

    discussão da Clínica dentro do campo da Saúde Coletiva. E tentei. Havia, entretanto, outra

    possibilidade bastante sedutora: fazer especialização em Saúde Coletiva com colegas do

    movimento estudantil, organizada pela Secretaria Municipal de Saúde de Aracaju, que tinha

    Rogério Carvalho como secretário, e cuja proposta se aproximava muito das minhas

    expectativas de formação, trabalho e militância política.

    Tomei a decisão de ficar na UNICAMP somente após conhecer presencialmente o

    programa da residência. Vi a possibilidade de ter uma formação que trazia para a prática a

    relação entre a Clínica e Saúde Coletiva. Era a oportunidade de fazer isso na histórica rede

    municipal de saúde de Campinas. Vivenciando, em um primeiro momento, a realidade da

    rede básica em Centros de Saúde e depois da organização do sistema em Distritos de Saúde,

    finalizando com estágio em atenção hospitalar: o novo território no qual os sanitaristas

    estavam adentrando (Freire, 2002). Era tudo o que desejava. Ainda mais estando próximo _______________________________________________________________________________________________________________________________

    xxviii

  • de alguns colegas do movimento estudantil que fizeram ou estavam fazendo a residência,

    com a supervisão de figuras como Haydée Lima, no Centro de Saúde da Vila Ipê, e

    professores do DMPS.

    Gostei muito da residência, e resolvi fazer um terceiro ano opcional, sob a supervisão do

    professor Gastão Wagner. Nesse período realizei estágios em áreas que considerava mais

    como lacunas na minha formação do que propriamente com interesse em me especializar.

    Foram trabalhos no nível central da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Campinas,

    nas áreas da Coordenação de Vigilância em Saúde (COVISA) e do Departamento de

    Gestão e Desenvolvimento Organizacional (DGDO). Além disso, fiz meus primeiros

    trabalhos de pesquisa com a aplicação do Método Apoio Paidéia nas práticas de Saúde

    Coletiva da Vigilância em Saúde.

    E como não poderia deixar de ser, durante o período da residência passei a militar no

    movimento de médicos residentes, na Associação dos Médicos Residentes do Estado de

    São Paulo (AMERESP). Ali vi que todo o acúmulo que tínhamos sobre a transformação da

    formação profissional na graduação não existia na Residência Médica. E junto com um

    grupo muito especial, no qual estava a minha companheira, Helena Petta, passamos a lutar

    pela construção de novas políticas para especialização no Brasil, que viessem a atender as

    necessidades de saúde.

    Participei também da discussão sobre os rumos das Residências de Medicina Preventiva e

    Social. Junto com os colegas Roberto Esteves, Viviane Guimarães e Mitsuoshi Morita, sob

    orientação do professor Nelson Felice de Barros, realizamos pesquisas para tentar entender

    o processo de extinção pelo qual esses programas estavam passando no Brasil, em aparente

    paradoxo frente ao avanço da construção do SUS e a provável demanda de profissionais

    com qualificação para pensar e atuar na organização desse sistema: os sanitaristas.

    A residência foi um dos momentos mais instigantes da minha vida, de grande crescimento

    pessoal e profissional, em que conheci várias perspectivas de pensamento sobre o modo de

    produção das práticas de saúde e de organização e gestão dos serviços e do Sistema de _______________________________________________________________________________________________________________________________

    xxix

  • Saúde, que se relacionam com o desenvolvimento desta presente pesquisa. Além disso, me

    abriu portas para o exercício de diferentes trabalhos.

    Depois de terminada a residência ainda mantinha a intenção de trabalhar como clínico para

    viver a realidade na rede de atenção básica, agora não mais como residente, mas como

    profissional, combinando com um trabalho como sanitarista e mantendo formação na área

    de saúde coletiva a partir de uma pós-graduação strictu sensu. Prestei um processo seletivo

    na Secretaria Municipal de Campinas e retornei ao Centro de Saúde da Vila Ipê, onde tinha

    feito meu R1, para trabalhar 20 horas como clínico.

    Naquele momento, surgiu a oportunidade de começar um trabalho que me parecia bastante

    desafiador: médico sanitarista no HC-UNICAMP, onde havia feito parte do meu R2, no

    qual havia outro sanitarista que vinha desenvolvendo trabalhos na gestão do hospital: Fabio

    Luiz Alves (BH). Fiz um processo seletivo e assumi o cargo, com carga horária de 30

    horas.

    Dessa forma, minha inserção no HC-Unicamp ocorreu como médico sanitarista, em junho

    de 2007. Fiquei ligado à assessoria da superintendência do HC-UNICAMP, com a função

    de apoiar a relação dos serviços do hospital com a rede de serviços do SUS. A perspectiva

    do trabalho para o qual fui contratado revela um dos propósitos da superintendência do

    hospital, inerente ao processo de mudança de modelo de gestão, e configura um dos

    elementos do contexto da pesquisa, que é a preocupação com a construção de mudanças

    organizacionais voltadas para qualificar a relação estabelecida pelo hospital com a rede de

    serviços do SUS.

    A partir do início dos trabalhos de relações entre HC-UNICAMP e rede de serviços e

    instâncias de gestão do SUS, logo se verificou que não seria possível avançar

    significativamente sem que fossem incentivadas mudanças nas práticas de atenção do

    hospital, acompanhando o propósito de mudança do modelo de gestão. Além disso, era

    essencial colocar a gestão da atenção à saúde na pauta dos gestores do SUS da região, o que

    em geral não era uma realidade. _______________________________________________________________________________________________________________________________

    xxx

  • Diante disso, foram desencadeados trabalhos junto à Direção Regional de Saúde VII (DRS

    VII), instância da Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo, responsável pela coordenação

    regional do principal território de referência para o HC-UNICAMP, bem como com os

    gestores dos municípios que compunham essa regional. Do mesmo modo, iniciamos

    trabalhos nos serviços do HC, visando apoiar as mudanças indispensáveis em sua

    organização para a relação com o SUS.

    Na relação com a rede de serviços do SUS, abrimos uma agenda em que foram trabalhadas

    questões referentes à organização da atenção à saúde na região, buscando construir

    coletivamente responsabilidades e referências entre serviços de determinadas áreas de

    especialidade, como neurologia, ortopedia, oftalmologia, entre outras, nos diferentes níveis

    de atenção: primária, especializada e hospitalar. Para isso, utilizamos o recurso de

    protocolos de cuidado pactuados coletivamente entre os serviços. Além disso, iniciamos

    discussões a respeito do modo de comunicação entre os serviços e funcionamento da

    regulação regional realizada pela DRS VII, e discutimos como deveria se dar a inserção do

    HC-UNICAMP nos órgãos colegiados da DRS VII.

    Por outro lado, nos trabalhos realizados nos serviços do HC-UNICAMP, abrimos agendas

    com diversas áreas de especialidade, em especial aquelas em que haviam sido nomeados

    chefes de clínica. Nessas atividades foram discutidas questões referentes ao modo de

    organização dos serviços do hospital, na perspectiva da constituição de Unidades

    Produtivas e Colegiados de Gestão, agregando áreas de especialidades para atuação sobre

    um mesmo objeto e visando instituir a gestão participativa. Também iniciamos debates

    sobre o modelo de atenção do hospital, incentivando os serviços a se organizarem a partir

    de profissionais de referência, equipes multiprofissionais, utilizando o apoio matricial como

    forma de inter-relação entre serviços, e entre os serviços e a rede do SUS.

    Diante dos desafios encontrados nesses trabalhos, explicitou-se a importância de organizar

    um curso de gestão hospitalar, que pudesse abordar temas relativos à mudança no modelo

    _______________________________________________________________________________________________________________________________

    xxxi

  • de gestão, no modelo de atenção e na relação do hospital com o SUS, para os profissionais

    envolvidos no processo de mudanças no HC-UNICAMP.

    Naquele momento, eu e Fábio fazíamos parte do grupo de pesquisa coordenado pelo

    professor Gastão Wagner, pois havíamos ingressado no programa de pós-graduação do

    DMPS. Com um pé no HC e outro no departamento, participamos da articulação da

    proposta de curso de especialização em gestão hospitalar, que teve como base o método

    Paidéia.

    O curso iniciou-se em abril de 2008, estendendo-se até junho de 2009. E acompanhando

    esse curso, no papel de apoiador de um grupo de serviços, desenvolvi as atividades de

    campo de pesquisa, investigando os projetos realizados pelos serviços que apoiei.

    É importante destacar, do ponto de vista da construção da abordagem metodológica, que se

    trata de projeto de pesquisa intimamente relacionado com a produção de intervenção

    voltada para mudança no modelo de gestão e de atenção do hospital, em que se utiliza o

    método do apoio como referência, sendo o pesquisador um ator em situação de intervenção

    que não só observa, mas também participa de sua produção.

    Como pesquisador, vivi o contexto de produção de mudanças organizacionais no hospital,

    referenciado por determinada demanda enfatizada pela superintendência, no ato de minha

    contratação. Por outro lado, também atuei a partir da aplicação de determinada abordagem

    metodológica, referenciada em conceitos teóricos e conceituais dos quais o orientador deste

    trabalho é uma das principais referências.

    Destaco, portanto, minha implicação com a produção desse trabalho. E, em relação ao

    orientador, vale destacar sua sobreimplicação já que o método que avaliamos na pesquisa é

    de sua autoria. Tivemos, durante todas as fases do projeto, todos estes elementos em vista,

    tratando de desenvolver mecanismos objetivos que atenuassem estes fatores subjetivos e

    existenciais descritos.

    _______________________________________________________________________________________________________________________________

    xxxii

  • Por fim, durante a vigência do curso, tive que modificar meu contrato com o HC. Em

    função de ter sido aprovado em concurso para docente na UFPR, onde havia me formado,

    tive que reduzir minha carga-horária para 20 horas, fazendo-as nas segundas e terças-feiras,

    e em algumas quartas-feiras. Iniciei exaustiva jornada de transitar entre duas cidades,

    distantes 500 km, todas as semanas, durante mais de um ano e meio.

    Mas todo esforço vale a pena. Ainda mais quando há boas causas.

    ENFIM, A TESE.

    E enfim, temos uma tese. Dividi o material em seis capítulos.

    No primeiro capítulo apresento os principais pressupostos e referenciais teóricos utilizados.

    Dividi-o em duas partes. Na primeira parte discuto as práticas de atenção e de gestão à

    saúde e os referenciais teórico-conceituais e metodológicos do Apoio Paidéia. Na segunda

    parte discuto o hospital, o histórico de sua constituição e da organização da atenção

    hospitalar no Brasil, e principais desafios e tendências contemporâneas, dentre as quais

    destaco as propostas do referencial do método Paidéia aplicado ao hospital.

    No segundo capítulo discuto a metodologia da pesquisa. Inicio com análise sobre os

    desafios da pesquisas no campo da Saúde Coletiva, em especial na área de gestão e

    planejamento em saúde. Em seguida, discorro sobre a pesquisa-intervenção, que utiliza o

    referencial do método do Apoio Paidéia, e proponho a sistematização do método da

    pesquisa-intervenção tipo Apoio. Por fim, descrevo as atividades feitas durante a pesquisa,

    materiais utilizados e sujeitos envolvidos.

    No terceiro e quarto capítulos apresento os resultados. No capítulo três descrevo o histórico

    do HC-UNICAMP, características estruturais e organizacionais do hospital e os propósitos

    da gestão que ocupou a superintendência entre 2006 e 2010. E no capítulo quatro apresento

    o resultado dos trabalhos desenvolvidos nos serviços que acompanhei durante a vigência do

    curso de gestão hospitalar._______________________________________________________________________________________________________________________________

    xxxiii

  • No quinto busquei refletir sobre as circunstâncias que propiciaram um curso de

    especialização de gestão hospitalar no HC-UNICAMP fundamentado no método Paidéia.

    Analiso as mudanças ocorridas nos serviços estudados e a partir disso, identifico

    potencialidades e limites do método do Apoio Paidéia aplicado no hospital.

    E por fim, no sexto capítulo, apresento minhas considerações finais.

    _______________________________________________________________________________________________________________________________

    xxxiv

  • Introdução

    _______________________________________________________________________________________________________________________________

    35

  • INTRODUÇÃO

    _________________________________________________________________________

    Para esta pesquisa, partiu-se de concepções teórico-conceituais da área de Política,

    Planejamento e Gestão em Saúde do campo da Saúde Coletiva, historicamente produzida

    em meio ao movimento da Reforma Sanitária brasileira. Segundo esse referencial, para

    lidar com os problemas de saúde, tendo como eixos norteadores os princípios da

    integralidade, da universalidade e da participação social, é preciso promover reformas

    estruturais nos modelos de atenção à saúde, buscando transformar os modos de produção

    das práticas de saúde individuais e coletivas, e de organização dos serviços e sistemas de

    saúde. Nesse contexto, foram produzidas diferentes propostas de mudanças voltadas para a

    organização de modelos de atenção à saúde (Paim, 2008).

    Neste trabalho foram utilizados elementos da concepção Paidéia (Campos, 2000), de

    ampliação das práticas de saúde, Clínicas e de Saúde Coletiva, de democratização da gestão

    e da integração dos serviços de saúde em redes de atenção, para pensar a reforma do

    hospital contemporâneo (Campos & Amaral, 2007). Partiu-se do pressuposto que a

    transformação do modelo de atenção à saúde de qualquer serviço no sistema de saúde se dá

    a partir da intersecção entre mudanças nas práticas de atenção à saúde, na organização e

    gestão de serviços e na integração de redes de atenção.

    Com relação ao modo de produção das práticas de saúde individuais e coletivas

    hegemônicas identifica-se que a explicação do processo saúde e doença a partir do

    componente biológico é fator que restringe a capacidade de os profissionais de saúde

    analisar e intervir sobre a complexidade dos problemas de saúde. Um dos propósitos da

    concepção Paidéia é trabalhar com a perspectiva de “ampliação” das práticas Clínicas e de

    Saúde Coletiva, buscando incorporar elementos sociais e subjetivos para explicar a

    produção dos problemas de saúde. E, para tanto, propõe-se o desvio de foco de intervenção,

    da doença ou procedimento, para o sujeito, portador de demandas e necessidades (Campos,

    2006: p. 53-70).

    _______________________________________________________________________________________________________________________________

    36

  • Outro pressuposto que embasa essa tese é a perspectiva de que a ampliação das práticas de

    saúde provoca aumento da interdependência na relação entre serviços de saúde,

    profissionais e usuários. Em função da complexidade do objeto, dos objetivos e dos meios

    de intervenção que caracterizam as práticas em saúde, muito dificilmente apenas um

    profissional tem capacidade para dominar ou governar todos os fatores envolvidos com o

    processo de trabalho diagnóstico e terapêutico. E condutas terapêuticas não são praticáveis

    sem a coparticipação dos usuários. Outro propósito do método Paidéia é ampliar a

    participação dos diferentes atores da área da saúde: serviços, profissionais e usuários, na

    gestão das práticas de atenção saúde e na organização dos serviços e sistemas de saúde

    (Ibidem, p. 70-86).

    Por fim, também se parte do pressuposto de que mudanças nos modelos de atenção à saúde

    dependem de conjunturas macro e micropolíticas que as favoreçam. O propósito de

    mudança nas práticas de atenção e de gestão em saúde, buscando ampliar os gradientes de

    cogestão na relação entre serviços, na relação entre profissionais de saúde e na relação entre

    profissionais de saúde e usuários, visa não apenas implementar um modo de gestão que se

    entende como mais racional para o funcionamento das organizações de saúde diante dos

    problemas contemporâneos. Busca-se também a perspectiva ética-política de radical

    democratização das relações na sociedade.

    _______________________________________________________________________________________________________________________________

    37

  • Capítulo 01

    Marco Teórico-Conceitual

    _______________________________________________________________________________________________________________________________

    38

  • Capítulo 01

    Marco Teórico-Conceitual

    PARTE 01: AS PRÁTICAS DE SAÚDE E O APOIO PAIDÉIA.

    Sobre a ampliação das práticas de saúde

    As práticas de saúde individuais e coletivas, que se tornaram hegemônicas nos serviços e

    Sistemas de Saúde ao longo do século XX, apresentam insuficiências para lidar com os

    problemas do século XXI. As transformações da vida em sociedade no mundo

    contemporâneo têm produzido a emergência de novos problemas de saúde, que se

    caracterizam por serem determinados por multiplicidade de fatores. No contexto de

    transição epidemiológica, doenças crônico-degenerativas, agravos de saúde mental e

    diferentes formas de violência social convivem com a re-emergência de antigos problemas,

    a exemplo de doenças como dengue e tuberculose (Luna, 2002; Schramm, JMA et. Al,

    2004; Barata, 2008).

    Várias são as evidências de que a racionalidade biomédica é limitada para explicar e

    intervir sobre a complexidade de produção dos novos e dos antigos problemas de saúde

    (Marques, 1995). Um dos eventos mais emblemáticos dessa limitação foi o surgimento da

    epidemia da aids, no início da década de 80. A identificação do vírus e a produção de

    medicamentos antirretrovirais foram condições importantes, mas não suficientes para

    controlar a doença. Tampouco campanhas educativas voltadas para grupos de risco a partir

    de critérios biológicos da transmissão do vírus tiveram sucesso.

    Para aumentar a adesão de portadores do vírus da aids ao tratamento, estudos demonstraram

    que foi preciso partir dos protocolos, mas, sobretudo, investir na singularização da _______________________________________________________________________________________________________________________________

    39

  • abordagem terapêutica, reconhecendo aspectos sociais e subjetivos da realidade de cada

    paciente (Colombrini e cols., 2006). Ayres (2002: p. 11) sistematizou alguns aprendizados

    com a experiência brasileira no que diz respeito às campanhas de prevenção nas últimas

    duas décadas:

    “a) que devemos pensá-las menos em termos de “grupo populacionais” e muito

    mais no que podemos chamar de “contextos de intersubjetividade”, isto é, delimitar

    espaços (sociais, culturais etc) de interação geradores de vulnerabilidade e, de

    modo articulado, os contextos intersubjetivos favoráveis à construção de respostas

    para a redução dessas vulnerabilidades; b) a efetiva substituição da atitude

    modeladora por uma atitude emancipadora em nossas práticas educativas; c) não

    centrar as políticas, programas e ações nos grupos ou comportamentos de risco,

    mas nas relações socialmente estabelecidas entre os diversos sujeitos sociais e suas

    interdependentes e cambiantes identidades”.

    As insuficiências da racionalidade biomédica para lidar com os problemas de saúde

    contemporâneos são um fator que tem provocado o crescimento da tensão na relação entre

    usuários e profissionais de saúde, como frisam Tesser e Luz (2002). Entretanto, as críticas a

    esse paradigma e as propostas para a sua superação não chegam a ser nenhuma novidade.

    Já nas décadas de 30 e 40 pôde-se verificar, em escolas médicas norte-americanas, a

    formulação de propostas da “Medicina Integral” e da “Medicina Preventiva”, voltadas para

    incorporar nos currículos médicos aspectos psicossociais abortados pela reforma do ensino

    médico realizada naquele país no início do século XX, sob a orientação das recomendações

    do Relatório Flexner1 (Arouca, 2003).

    Mais adiante, na década de 60, foi elaborada a proposta da “Medicina Comunitária”,

    também em escolas norte-americanas, visando superar não só a segmentação entre aspectos

    1 O Relatório Flexner foi publicado em 1910, nos Estados Unidos. Apresentava recomendações para a mudança na formação médica no país, tendo como base o saber da biologia, a organização do trabalho médico em especialidades e o hospital como cenário de práticas._______________________________________________________________________________________________________________________________

    40

  • orgânicos e psicossociais, mas também entre condutas preventivas e curativas, entre prática

    individual e efeitos coletivos da atenção à saúde. Para tanto, ressaltava que os elementos

    responsáveis pela inadequação da prática médica não estavam restritos ao ato médico

    individual, mas a aspectos organizacionais de toda estrutura da atenção médica. Afirmava-

    se que não bastava mudar a formação médica. Era também preciso mudar os modelos de

    organização dos serviços de saúde (Donnagelo, 1976: p. 79 - 80).

    No Brasil, um dos principais fatores motivadores da construção do campo da Saúde

    Coletiva foi justamente a crítica ao referencial teórico biomédico, desejando privilegiar o

    social como categoria analítica (Nunes, 96). E a partir disso, construiu-se novo arcabouço

    teórico que deu substrato à conformação de propostas de modelos de atenção voltados para

    mudar a realidade epidemiológica e sanitária brasileira, em meio ao contexto da Reforma

    Sanitária (Donnagello, 1983: p. 19 – 35).

    Entretanto, mesmo apesar de suas insuficiências, o modelo biomédico consolidou-se e

    ainda se mantém hegemônico na organização dos serviços e Sistemas de Saúde em países

    de economia capitalista e socialista (Connill, 1991). Essa situação é explicada por vários

    motivos.

    Um dos fatores é a determinação econômica da construção do modelo biomédico pelos

    interesses da emergente indústria farmacêutica alopática e de organizações que defendiam a

    prática médica liberal-privativista. Pagliosa & Da Ros (2008) descrevem que a reforma do

    ensino nas escolas médicas nos EUA, a partir dos referenciais flexnerianos, foi incentivada

    pela Associação Médica Americana, reconhecidamente defensora de ideologia liberal e, já

    naquela época, era patrocinada pela indústria farmacêutica (p. 495).

    Cooke e cols. (2006), por outro lado, ressaltam que a força das propostas de Flexner

    também estava no apelo que a mensagem “base científica da prática médica” tinha para o

    público norte-americano no início do século XX. Conformou-se um campo de força política

    e social suficiente para serem mudados os currículos em praticamente todas as escolas

    _______________________________________________________________________________________________________________________________

    41

  • médicas nos EUA em curto espaço de tempo. E as que não mudaram foram fechadas (p.

    1340).

    Campos (2003), por sua vez, reconhece que, apesar da limitação do modelo biomédico, um

    dos motivos que justificam sua força está na capacidade de produção de Valores de Uso

    que atendam a necessidades da população. Ao invés de substituí-lo, o autor propõe

    reformá-lo de maneira ampliada, na mesma perspectiva apresentada por Gramsci:

    conservando o que há de útil e modificando o que é necessário.

    Desse modo, Campos (2006a: p. 65 - 67) propõe a incorporação de novos saberes para

    explicar a produção do processo saúde-doença. Afirma que esse processo é coprodução,

    resultante da interação dialética entre fatores orgânicos, subjetivos e sociais, geradores de

    múltiplas sínteses, sempre singulares em dado momento e em dado contexto. Sugere a

    valorização das histórias de vida e de produção dos problemas de saúde, destacando

    aspectos sociais e subjetivos, combinando-os com dados fisiopatológicos e estatísticos na

    formulação de diagnósticos de saúde individuais e coletivos. Quanto às intervenções

    terapêuticas, propõe que, além da prevenção, cura e reabilitação, se invista na tentativa de

    ampliar os graus de autonomia dos usuários no modo de andar a vida, assim como sugeriu

    Canguilhem (1999).

    Por outro lado, além da incorporação de novos saberes às práticas de saúde, o autor destaca

    a necessidade de promover mudanças no modo de organização e de gestão dos serviços e

    Sistemas de Saúde. Enfatiza a importância de ampliar os coeficientes de cogestão na

    relação entre gestores, trabalhadores e usuários. E, para tanto, afirma que é preciso haver

    diretrizes éticas e políticas indutoras de modelos organizacionais que favoreçam a produção

    de determinadas práticas (Campos, 2006b: p. 88 - 90).

    Sobre a gestão do trabalho em saúde

    Para se pensar em estratégias que possibilitem a ampliação dos coeficientes de cogestão na

    relação entre trabalhadores, gestores e usuários, tem-se que considerar aspectos _______________________________________________________________________________________________________________________________

    42

  • constitucionais e organizacionais que caracterizam a gestão e o trabalho em saúde. Parte-se

    do pressuposto de que as práticas em saúde são práticas sociais, sendo a composição e a

    organização do trabalho e da gestão em saúde definidas por aspectos tecnológicos e fatores

    culturais, políticos e econômicos (Donnangello, 1976; Mendes-Gonçalves, 1994a).

    Ao descrever a composição tecnológica do trabalho em saúde, Mendes-Gonçalves (1994a)

    identificou dois tipos de tecnologias existentes na produção de atos de saúde: materiais e

    não materiais. A primeira refere-se ao conhecimento tecnológico imprescindível à

    construção do instrumental e da aparelhagem utilizados na produção dos procedimentos de

    investigação e terapêutica. A segunda, por sua vez, diz respeito ao conhecimento

    sistematizado que é preciso ser dominado pelos profissionais para produção dos atos de

    saúde.

    A partir da análise micropolítica do trabalho em saúde, Merhy (1997a) acrescentou outra

    dimensão tecnológica, a qual denominou tecnologia-leve, que se difere das demais

    dimensões pelo seu caráter relacional, não sistematizável, produzida numa zona de afetos

    entre sujeitos. Segundo o autor, essa dimensão tecnológica existe pelo fato de o trabalho em

    saúde se produzir e se consumir em ato, no espaço intercessor do encontro entre

    trabalhadores e usuários. E essa característica confere ao trabalhador de saúde importante

    grau de autogoverno no exercício do seu trabalho.

    Campos (2006a), por sua vez, analisando o modo de produção do trabalho em saúde,

    destaca a complexidade do objeto, objetivos e meios de intervenção das práticas de saúde.

    E acrescenta que sempre haverá algum grau de tomada de decisão autônoma pelos

    trabalhadores de saúde, em função da grande variabilidade de situações com as quais se

    deparam, que nem sempre se encaixam nas normas dos protocolos (p: 88 – 89).

    Por outro lado, os autores reconhecem que, apesar do autogoverno e da autonomia

    intrínseca ao trabalho em saúde, também existe grande interdependência nos atos

    produzidos pelos diferentes profissionais e serviços, pois um profissional sozinho não

    domina, tampouco governa o conjunto de saberes e habilidades essenciais à produção da _______________________________________________________________________________________________________________________________

    43

  • atenção à saúde (Merhy, 1997b, Campos, 2006b). Essa característica tem sido reforçada nas

    últimas décadas em razão do grande desenvolvimento tecnológico no campo da saúde, que

    tem ampliado o recorte de atuação profissional em núcleos de atuação cada vez menores

    (Campos e cols., 1997).

    Apesar da interdependência entre profissionais e serviços, o modo de organização dos

    processos de trabalho em saúde caracterizou-se, historicamente, pela fragmentação, com

    práticas de atenção à saúde definidas pelo saber das especialidades médicas e das demais

    categoriais profissionais de saúde. E essa fragmentação torna-se ainda mais ampliada com a

    organização dos sistemas de saúde segundo uma concepção de pirâmide, que fraciona a

    atenção à saúde em diferentes níveis de complexidade (Cecílio, 1997).

    Tampouco o compartilhamento de decisões entre gestores, trabalhadores e usuários foi algo

    historicamente construído nas práticas de atenção à saúde e na gestão dos serviços de

    saúde. Ao contrário. Em geral, o modo de relação entre esses atores se caracteriza por se

    basear em relações autoritárias, produzindo práticas centralizadoras e prescritivas. Para

    analisar esse aspecto, é importante considerar componentes do poder e da ideologia

    inerentes à organização do processo de trabalho em saúde.

    Campos (2000) identifica que o modo de fazer gestão em saúde tem a influência de

    propostas formuladas por Taylor no início do século XX. Segundo o autor, o taylorismo

    propunha a criação de um modo científico de administração, a partir da eliminação do

    componente social e subjetivo da gestão, promovendo a separação entre o momento

    intelectual, de concepção, do momento prático, da execução. Consequentemente, o poder

    de planejar, decidir e controlar centralizava-se na direção da empresa, limitando a

    autonomia e a iniciativa dos trabalhadores, manobra ideológica deliberada de promover a

    alienação dos trabalhadores em relação aos seus processos de trabalho (p. 23 – 24).

    A gestão em saúde apresenta outras particularidades relativas às relações de poder entre

    profissionais de saúde, gestores e usuários, determinadas por motivos políticos,

    econômicos, sociais e culturais. Destaca-se, no trabalho em saúde, o poder relacionado ao _______________________________________________________________________________________________________________________________

    44

  • saber-fazer, relativo à diferença de conhecimento técnico aplicado à capacidade de formular

    diagnósticos e propor intervenções terapêuticas. Atributo dominado, historicamente, pela

    figura do profissional médico nas organizações de saúde, e pelo docente, no caso dos

    hospitais universitários (Carapinheiro, 2005).

    Outro importante aspecto a ser considerado na gestão em saúde é a particularidade do perfil

    do trabalhador médico, que, em geral, apresenta-se como tipo de ideal liberal, desvinculado

    de normas e regras organizacionais. E mesmo que essa perspectiva de prática esteja cada

    vez mais distante da realidade, dados o desenvolvimento tecnológico da medicina e o

    crescimento da complexidade das organizações de saúde, ainda permanece incrustado na

    ideologia desse profissional, sendo componente causador de tensão na gestão das

    organizações de saúde (Schraiber, 1995).

    Sobre políticas e modelos de atenção à saúde

    Tendo em vista que as práticas de saúde constituem-se como práticas sociais, para

    modificá-las é preciso haver diretrizes éticas e políticas capazes de alterar o modo de

    produção e de organização dos serviços e Sistemas de Saúde, bem como o padrão de

    relações estabelecidas entre usuários, profissionais e gestores. Essa construção, por sua vez,

    se dá a partir da disputa política sobre a conformação de modelos de atenção que favoreçam

    a produção de determinados tipos de práticas de saúde.

    Conill (2006) frisa que existem semelhanças e divergências nas forças que direcionam a

    conformação dos diversos modelos existentes de organização dos Sistemas de Saúde no

    mundo. Segundo a autora, as forças são reflexos de complexa interação entre elementos

    históricos, econômicos, políticos e culturais, expressando não só a disponibilidade de

    recursos existentes em um país, mas os valores e as opções políticas ante as necessidades da

    população (p. 563 – 4).

    A autora identifica como semelhanças o fato de as políticas sociais terem se tornado

    gradativamente mais includentes; a difusão dos avanços tecnológicos em saúde no mundo; _______________________________________________________________________________________________________________________________

    45

  • e as contradições geradas em função da transformação da saúde em mercadoria. Como

    divergências, por outro lado, assinala o acesso da população aos serviços oferecidos; a

    forma de organização e o desempenho dos serviços (Ibidem).

    No caso brasileiro, destaca-se que o movimento da Reforma Sanitária trouxe importante

    contribuição para a mudança na organização do sistema de saúde brasileiro. Mesmo que

    após 20 anos da implantação do SUS, esses princípios e diretrizes ainda não permeiem as

    diversas áreas de atenção à saúde. Tampouco são realidade minimamente homogênea nas

    diferentes regiões do País. Diante disso, Paim (2007a) caracteriza o produto da reforma

    sanitária como transformação setorial parcial, em função dos avanços limitados em relação

    aos objetivos esperados (p. 247 – 50).

    Segundo Paim (2007b), os objetivos da Reforma Sanitária brasileira iam além da reforma

    administrativa e financeira, apresentando componentes políticos, jurídicos, organizacionais

    e comportamentais. Destacavam-se, segundo o autor, a ampliação do conceito de saúde,

    definição da saúde como direito de cidadania, natureza pública das ações e serviços de

    saúde e a orientação da organização das ações do Estado segundo diretrizes de

    regionalização e hierarquização e sob controle social (p. 144 – 152). As bandeiras de lutas

    da Reforma Sanitária não se esgotavam com a implementação do SUS, mas se

    relacionavam com a “democracia progressiva”, tendo o socialismo como horizonte

    (Oliveira, 1987 apud Paim, 2007: p. 248).

    A construção do SUS, entretanto, chocou-se com a fase em que o capitalismo mais avançou

    no Brasil e no mundo, ocorrida no último quarto do século XX, configurando novos modos

    de relação social, que penetram nas mais diferentes formas de atividade humana

    (Hobsbawn, 2003; Mesários, 2007). As diretrizes propostas para organização do SUS foram

    na contramão das propostas neoliberais (Rizzotto, 2000).

    Mas, apesar do avanço do capitalismo e do consequente limite para implementação do SUS

    de forma plena, os países no mundo com Sistemas de Saúde organizados do tipo

    _______________________________________________________________________________________________________________________________

    46

  • socializados, ganharam destaque por apresentar melhores indicadores de saúde, com

    menores custos frente aos novos problemas contemporâneos (WHO, 2000).

    A comparação de indicadores de saúde entre países, por sua vez, revela que aqueles que

    têm sistemas de saúde organizados a partir da Atenção Primária em Saúde (APS) são mais

    eficazes e eficientes (Starfield, 2002), dando substrato concreto para propósitos de

    mudanças que adotem esse tipo de enfoque. A perspectiva enfatizada por Dawson, já no

    inicio do século XX, de organização de serviços em redes de atenção com base territorial

    (OPAS, 1962), ganha nova importância.

    Voltando ao contexto brasileiro, iniciativas de mudanças no modelo de atenção à saúde do

    País foram desencadeadas a partir da década de 70, com o desenvolvimento de diferentes

    experiências de APS em alguns municípios, como Campinas, Londrina, Montes Claros e

    Niterói. Posteriormente, a partir da segunda metade da década de 90, a implementação da

    APS foi estimulada nacionalmente pelo Ministério da Saúde, por meio do modelo Saúde da

    Família. Ainda que essa iniciativa não tenha produzido inversão do modelo, colocando a

    APS como base do sistema, pôde-se verificar que houve ampliação da cobertura de atenção

    à saúde e o favorecimento à diversificação de cenários de produção de atenção à saúde

    (Facchini et al, 2006; Connill, 2008).

    Além da reforma na organização dos serviços de saúde, também foram observados

    importantes movimentos organizados pela sociedade civil em torno de projeto de mudanças

    na formação profissional. Dentre eles, destaca-se o projeto CINAEM, que promoveu um

    movimento de avaliação das escolas médicas, dando bases para a construção de propostas

    que estimulassem a formação de um médico generalista, habilitado a atender as principais

    necessidades de saúde do País (Cruz, 2004). Esse propósito serviu de base para as novas

    diretrizes curriculares dos cursos de Medicina, aprovadas em 2001. Posteriormente, o

    movimento de mudanças nos currículos dos cursos da saúde foi impulsionado por projetos

    de incentivo do governo federal, como PROMED, PRÓ-SAÚDE e PET-SAÚDE.

    _______________________________________________________________________________________________________________________________

    47

  • Mesmo que existam importantes problemas estruturais para a implantação do SUS e que

    ocorra a reprodução do modelo biomédico no âmbito de cenários da APS (Campos, 2005),

    o fato é que há novos contextos que favorecem mudança nas práticas em saúde e nos

    modelos de atenção. Entretanto, a perspectiva de mudanças de práticas, que está presente na

    concepção da APS, ainda permeia com pouca intensidade os demais níveis de atenção à

    saúde, menos ainda o território da atenção hospitalar.

    Freire (2002) identifica que no caso da atenção hospitalar, o campo da Saúde Coletiva por

    muito tempo não se ocupou desse cenário, principalmente pelo fato de apresentar-se como

    contraponto ao modelo hospitalocêntrico, lócus de produção e reprodução da biomédica nas

    práticas de atenção à saúde.

    Sobre a concepção Paidéia e seus métodos

    A concepção teórica e metodológica Paidéia para mudança nas práticas de saúde foi

    desenvolvida por Gastão Wagner de Sousa Campos em sua tese de livre-docência,

    intitulada “Um Método para Análise e Cogestão de Coletivos – A Constituição do Sujeito,

    a Produção de Valor de Uso e a Democracia nas Instituições: O Método da Roda”. A tese

    parte de crítica à racionalidade gerencial hegemônica e propõe método que busca favorecer

    a democratização nas organizações, a partir da formação de coletivos organizados voltados

    para a produção de bens ou serviços, e do incentivo à participação dos sujeitos da

    organização e de seus processos de trabalho. Para tanto, o método parte de uma concepção

    ampliada de gestão, fundamentada na análise crítica da teoria política, da administração e

    planejamento, da análise institucional e da pedagogia (Campos, 2000a).

    Para favorecer a democratização, o método sugere a ampliação dos objetos e objetivos da

    gestão em saúde. Propõe-se a considerar aspectos políticos, pedagógicos e subjetivos que

    fazem parte da organização, além de administrativos e financeiros; e a produção dos

    sujeitos e dos coletivos organizados, além da produção de bens ou serviços. A essência do

    método está em envolver os sujeitos e coletivos organizados na análise de sua própria

    práxis, visando ampliar a capacidade dos mesmos de intervir sobre a realidade. A essa _______________________________________________________________________________________________________________________________

    48

  • ampliação da capacidade de analisar e intervir sobre a realidade utiliza-se o termo grego

    efeito Paidéia2 (Ibidem: p. 185 – 7).

    Com o objetivo de favorecer a participação dos sujeitos na gestão dos processos de trabalho

    e organização, o método Paidéia propõe um conjunto de arranjos e dispositivos. Dentre

    eles, os básicos são a constituição de Espaços Coletivos e o Apoio Institucional. O Espaço

    Coletivo é todo arranjo formado por um conjunto de pessoas envolvidas com a produção de

    algum bem ou serviço que tenha valor de uso para a sociedade, e que esteja inserida em

    uma organização. O método é autoaplicável em determinado Espaço Coletivo ou conta com

    apoio externo.

    O apoio institucional, por sua vez, é um arranjo que visa inserir um agente externo ao

    Espaço Coletivo, e que se envolve com o grupo, tanto no que diz respeito a sua

    constituição, como em relação à produção de bens ou serviços realizada por este. O autor

    distingue nesse ponto o papel do apoiador em relação ao modo de operar do supervisor

    tradicional na administração. Segundo o autor, o supervisor utiliza-se da autoridade para

    fiscalizar as atividades dos trabalhadores, centrando-se na disciplina, avaliação e controle

    das normas e dos resultados atingidos.

    Na proposta do Apoio Institucional, de outra maneira, o apoiador não deixa de considerar

    as normas externas, diretrizes institucionais, organizações dos processos de trabalho e

    resultados atingidos pelo trabalho do grupo. Entretanto, ao invés de impor essas questões

    utilizando o poder conferido pela suposta autoridade burocrática, propõe-se que essas

    questões sejam colocadas em debate para estimular a análise crítica do grupo (Ibidem: p.

    186).

    Onocko Campos (2003) contribui com a definição do papel do Apoio Institucional ao

    correlacionar essa função com dimensões da gestão. Segundo a autora, a visão do modo da

    gestão tradicional circunscreve-se sob o aspecto do “gerir” e pouco se considera o aspecto

    da gestão de “gerar”. E ao se assumir a dupla dimensão da gestão, de gerir e gerar, o Apoio

    2 Paidéia: conceito grego que significa a formação integral do ser humano._______________________________________________________________________________________________________________________________

    49

  • Institucional assume duas perspectivas de papéis que se inter-relacionam. Um relativo a

    “Empurrar” o grupo para atingir seus objetivos. Ao mesmo tempo, oferecer “Suporte” à

    constituição do Espaço Coletivo democrático (p. 132 – 8).

    No que diz respeito à relação entre apoiador e a equipe apoiada, o método Paidéia sugere

    que se estabelecem contratos nos quais sejam contemplados expectativas, objetivos, regras

    e métodos de trabalho, entre outras questões pertinentes. Deve-se destacar que a formação

    de contratos se baseia na tradição da psicanálise e da análise institucional, e pressupõe a

    existência de sujeitos com diferentes graus de autonomia (Campos, 2000b: p. 187).

    Entretanto, apesar de esse procedimento ser necessário, não é suficiente para implantar uma

    dinâmica democrática, dado que não elimina as diferenças de poder ou de papéis na

    organização. Para isso, o autor orienta analisar as relações de transferência e

    contratransferência existentes entre apoiador e a equipe apoiada, e entre os membros da

    equipe, sendo preciso reconhecer a existência de fluxos de afetos: desejos, bloqueios ou

    interdições que podem existir sem que o grupo tenha plena consciência (Ibidem: p. 188).

    A transferência, por sua vez, é considerada fenômeno dialético, em que as partes

    influenciam a construção do significado atribuído ao outro, ao coletivo e aos resultados do

    trabalho. Campos caracteriza três tipos possíveis de transferência entre apoiador e equipe:

    transferência nula ou enfraquecida, quando há pouco afeto circulando; transferência

    manipuladora, quando o apoiador utiliza o afeto existente para produzir dependência; e

    processo de transferência criadora ou crítica, em que o apoiador investido do afeto criado

    utiliza este para elaboração e implementação de projetos do próprio grupo (Ibidem: p. 189 –

    91).

    Outra característica do método Paidéia é o aspecto construtivista, o qual se expressa na

    tentativa de articular, de maneira simultânea, busca por informações, composição de textos

    interpretativos e construção de intervenções. Campos distingue o método da tradição da

    teoria do planejamento, que condiciona a realização de intervenções à finalização de

    diagnósticos. Segundo o autor, um diagnóstico nunca é definitivo, sendo sempre _______________________________________________________________________________________________________________________________

    50

  • circunstancial a determinado momento, mas sempre pode ser aprimorado. Considera-se que

    os grupos sempre dispõem de algum nível de informação capaz de gerar intervenções. E

    pelas intervenções se aprimora o diagnóstico. Destaca-se, dessa forma, a preocupação em

    aproximar o saber, o momento de análise, com o fazer, compromisso com a tarefa,

    presentes na proposição dos grupos operativos3 (Ibidem: p. 192).

    Para início de um processo de trabalho, sugere-se a seleção de um Tema. A escolha do tema

    poderá ser um analisador do trabalho coletivo, pois evidencia os fluxos de investimento

    depositados pelo grupo sobre determinado objeto. A partir da escolha do tema, propõe-se a

    construção de um texto, a partir de encadeamento de signos representativo da interpretação

    do Coletivo sobre o tema. Para a construção de textos, sugerem-se como recursos para

    coleta de dados a escuta, observação e leitura. Utiliza-se o termo “Escutar” a partir da

    conotação da psicanálise, que busca o entendimento de sinais e sintomas na história de vida

    do analisando. No caso, sugere-se a escuta da história de vida de uma organização, situação

    ou problema. A “Observação”, por sua vez, a partir da análise sistematizada da realidade

    cotidiana de organização política e estrutural de funcionamento de um serviço. Por fim, a

    “Leitura”, como recurso para apropriação de informações sistematizadas sobre o serviço

    (Ibidem: p. 195 – 98).

    Outro aspecto importante do método do apoio é o trabalho com ofertas e demandas.

    Consideram-se ofertas questões externas ao grupo, trazidas pelo apoiador: diretrizes

    institucionais, indicadores de produção, teorias, exemplos, entre outros. As demandas, por

    sua vez, são temas apresentadas pelo próprio grupo. Sugere-se que o apoiador estimule o

    grupo a apresent