adorno e a dialética negativa - leituras contemporâneas

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 Adorno e aDialética Negativa

Leituras contemporâneas

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Comitê Científico da Série Filosofia e Interdisciplinaridade:

  Agnaldo Cuoco Portugal, UNB, Brasil

 

 Alexandre Franco Sá, Universidade de Coimbra, Portugal

 

Christian Iber, Alemanha  Claudio Goncalves de Almeida, PUCRS, Brasil

  Cleide Calgaro, UCS, Brasil

 

Danilo Marcondes Souza Filho, PUCRJ, Brasil

  Danilo Vaz C. R. M. Costa, UNICAP/PE, Brasil

 

Delamar José Volpato Dutra, UFSC, Brasil

  Draiton Gonzaga de Souza, PUCRS, Brasil

 

Eduardo Luft, PUCRS, Brasil

  Ernildo Jacob Stein, PUCRS, Brasil

  Felipe de Matos Muller, PUCRS, Brasil

  Jean-Fraçois Kervégan, Université Paris I, França

  João F. Hobuss, UFPEL, Brasil

  José Pinheiro Pertille, UFRGS, Brasil

 

Karl Heinz Efken, UNICAP/PE, Brasil  Konrad Utz, UFC, Brasil

  Lauro Valentim Stoll Nardi, UFRGS, Brasil

 

Marcia Andrea Bühring, PUCRS, Brasil

  Michael Quante, Westfälische Wilhelms-Universität, Alemanha

  Migule Giusti, PUC Lima, Peru

  Norman Roland Madarasz, PUCRS, Brasil

 

Nythamar H. F. de Oliveira Jr., PUCRS, Brasil  Reynner Franco, Universidade de Salamanca, Espanha

  Ricardo Timm De Souza, PUCRS, Brasil

  Robert Brandom, University of Pittsburgh, EUA

  Roberto Hofmeister Pich, PUCRS, Brasil

  Tarcílio Ciotta, UNIOESTE, Brasil

 

 Thadeu Weber, PUCRS, Brasil

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Ricardo Timm de Souza Jair Tauchen

(Orgs.)

 Adorno e aDialética Negativa

Leituras contemporâneas

Porto Alegre2015 

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Direção editorial: Agemir BavarescoDiagramação: Lucas Fontella MargoniCapa: Talins Pires de Souza

 Todos os livros publicados pelaEditora Fi estão sob os direitos daCreative Commons 3.0http://creativecommons.org/licenses/by/3.0/br/

Série Filosofia e Interdisciplinaridade - 29

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

SOUZA, Ricardo Timm de; TAUCHEN, Jair (Orgs.).

 Adorno e a dialética negativa: leituras contemporâneas [recurso

eletrônico] / Ricardo Timm de Souza, Jair Tauchen (Orgs.) --Porto Alegre, RS: Editora Fi, 2015.260 p.

ISBN - 978-85-66923-67-4

Disponível em: http://www.editorafi.org

1. Dialética negativa 2. Estética 3. Filosofia política. 4. Ética.5. Moral. 6. Frankfurt. I. Título. II. Série.

CDD-172

Índices para catálogo sistemático:1.  Ética política 172

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Prefácio

 A presente obra compõe-se de um conjunto decontribuições textuais dos participantes do Seminário dePós-Graduação em Filosofia da PUCRS  –   2015/I,  Ética eContemporaneidade: críticas filosóficas da violência  –   A ATUALIDADE DA DIALÉTICA NEGATIVA DE ADORNO, por mim conduzido. As leituras e discussõesconjuntas da obra, tanto no original quanto em suastraduções inglesa, espanhola e brasileira, além de amplaliteratura de apoio, levaram, ao final do Seminário, à escritade textos que, combinando rigor interpretativo e abordagemextremamente contemporânea das temáticas abordadas emsua especificidade, fizeram por bem merecer sua divulgaçãoa um público externo mais amplo. A confecção da obra

esteve em boa parte sob a condução do doutorando emFilosofia/PUCRS Jair Tauchen, a quem agradeço pelainiciativa, constante boa vontade e espírito de diálogo. Todos os textos aqui constantes foram revistos por outrosparticipantes do Seminário, em um processo coletivo deconstrução que, consideramos, deveria ser crescentementeencorajado na Academia; naturalmente, assumo aresponsabilidade por quaisquer falhas estruturais da obra.

 Adorno continua vivo como nunca –  essa é, entre asmuitas conclusões do Seminário, uma das mais percutantes.Estudar, reler, rever, ressignificar sua complexa obra é tarefainadiável à Filosofia. A coletânea que aqui temos, na sua variedade de abordagem, de especializada a interdisciplinar,é uma prova viva da urgência desta tarefa. Pois, ao final doárduo caminho que significa penetrar em uma de suasproduções maiores, resta como iniludível aquele dito tão

famoso do pensador de Frankfurt: “A inteligência é umacategoria moral”. Que os leitores encontrem na obra tanta

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satisfação como os autores ao escrevê-la e os organizadoresao realiza-la é o desejo sincero de todos envolvidos nesseprojeto.

Ricardo Timm de SouzaPorto Alegre, julho de 2015.

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Sumário

Breve apontamento estético-negativo sobre AsCabeças Trocadas, de Thomas Mann

 Alexandre Pandolfo . 9  

O pensar constelacional de Walter Benjamin e Theodor W. Adorno

Bruna de Oliveira Bortolini . 16  

O trabalho do negativo em Adorno:do Processo Sublimatório ao Real

Bruna Nery Pormann . 32  

Nietzsche e Adorno:considerações críticas sobre a metafísica

 Elton Corrêa de Borba . 41 

 Adorno e a psicanálise:Uma lição de Arnold Schoenberg

 Estevan de Negreiros Ketzer . 57  

Hegel e Adorno: potencialidade crítica do pensamento

 Evandro Pontel . Olmaro Paulo Mass . Isis Hochmann de Freitas . 91 

 A concepção de liberdade na filosofia de Theodor Adorno

Hellen Maria de Oliveira Lopes . 109  

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O programa e a mistificação das massas no pensamento de Vilém Flusser e Theodor Adorno

 Jair Inácio Tauchen . 122  

Filosofia e Concretude: a dialética negativa de Adornocomo antídoto dos formalismos ideológicos

 Jardel de Carvalho Costa . 138  

Expressão e constelação em Theodor Adorno e WalterBenjamin

 Manuela Sampaio de Mattos . 153 

Herdeiros de Theodor W. Adorno

 Marco Antonio de Abreu Scapini . 175  

Del mito de Sísifo.

 Trascendentalidad y necesidad del sujeto en laDialéctica Negativa de Adorno

Oscar Pérez Portales. . 193 

Pensar la resistencia.

 Vigencia del pensamiento de Adorno, y algunoselementos de la realidad social contemporánea

Sebastián M. Ferreira Peñaflor . 223 

Brevíssima reflexão para pensar a partir da VidaDanificada

Tiago dos Santos Rodrigues . 246

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Breve apontamento estético-negativo sobre As Cabeças

Trocadas , de Thomas Mann Alexandre Pandolfo*  

O corte pontual acerca do qual as palavras e as linhasque seguem brevemente pretendem abordar atinge as veiasda cultura ocidental e a evidência do que deixou de ser

evidente, expressamente no que tange à sua retro-organização anônima não meramente representada na obraliterária As cabeças trocadas  ( Die vertauschten Köpfe  ) de ThomasMann, mas de certa forma expressada pelas relações quenessa novela íntima e publicamente se apresentam asfantasias onipotentes da subjetividade em sua operaçãológica e mítica e encantadora. Seu tipo de incisão pretendeser apenas rápido, mas não cirúrgico. Então, esses

apontamentos apenas podem fundir e difundir; numaespécie de átimo ou de sopro a cicatriz do corte sobre o qualse debruçam. E nesse sentido, eventualmente eles podem,enquanto tais,  pesar   sobre a sociedade contemporânea. Ascisões entre teoria e prática ou entre sujeito e objeto, porexemplo, ligam essa narrativa fantástica ao ímpetosubjetivista do pensamento hegemônico, na única imagemaqui trazida à tona –  e por meio dela, um amálgama, ela pode

 ver o que segue, ver a si mesma espelhada na representaçãode outrem. Ela vê o impossível. O logro mimético, porém,narrado num átimo, não é exatamente de um êxito próprio,mas sim geral, universal, cuja contradição cabal e culminante,peculiar à nossa civilização ocidental é o mítico converter-sedo sujeito a si mesmo em coisa, objetificado num

*

 Mestre em Criminologia e Controle Social (PUCRS). Doutorando em Teorias Críticas da Literatura (PUCRS), bolsista [email protected] 

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movimento segundo o qual é também a própria sociedadeque se dilacera, fundamentalmente através da lei geral datroca. –  O narrador da novela As cabeças trocadas, para narrar,

rompeu com a pretensão de bastar-se a si. Oniscientesomente até os limites da sua própria consciência individual,e diante da desintegração da identidade da experiênciaencontra-se constrangido de antemão à ficção do relato,entrelaçado, tal como seus personagens, num labirinto juntoà composição profunda do problema do ser humano, comas arcaicas confusões acerca do interior e do exterior, com aconfusa racionalização objetivamente ludibriadora do ter edo ser  –  ele narra uma história que “exige muito da forçaespiritual do auditório”1, como diz; diante dos destroços doente, pelo curso inquieto e pelos meandros ilimitados da sualinguagem, o narrador não garante desde cedo as suaspalavras num encadeamento lógico, en-cadeamento segundoo qual elas só serão audíveis em compasso com a disposiçãodaqueles a quem foi dado escutá-las, ou lê-las, mas

certamente aquém da resolução dos antagonismos acercados quais, entretanto, elas já não podem escapar. E é atravésdessa afirmação do narrador, que ele “destrói no leitor atranquilidade contemplativa diante da coisa lida”2. ThomasMann parodia com a troca das cabeças não apenas opositivismo lógico, o encadeamento causal dos adventoscomo se fossem ocorrências neutras e conectadas semassombro, mas o próprio princípio geral da dominação, “o

encanto da natureza dominada”,3

  sob o qual se prolongahistoricamente a opressão contra o não-idêntico. O esquemasob o qual as personagens Shridaman e Nanda se instituem

1 MANN, Thomas. As cabeças trocadas. Uma lenda indiana . Rio de Janeiro:Nova Fronteira, 2000, p. 07.2  ADORNO, Theodor. Posição do narrador no romance contemporâneo.  InNotas de literatura I. São Paulo: Duas cidades/Ed. 34, 2003, p. 61.3 ADORNO, Theodor. Dialética Negativa, p. 225. [ “Das Bewusstsein derKausalität ist (...) objektiv und subjektiv, der Bann der beherrschten Natur“. ]

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de certa forma desde o nascimento, que os abriga e que osdifere, e que não estanca com a morte, respeita em seusinterstícios narrativos a compreensão e a pressuposição de

que a força compulsiva da identidade se apresenta por meioda abstrata comensurabilidade e apropriação do não-idêntico. Ali a lei geral da troca é modus . Assim se apresentamna obra as consequências históricas do mito doesclarecimento. O movimento processual que culminatragicamente no rearranjo e na reunião das cabeças com ostroncos, precedido pelos cortes, guarda um momentosuspenso. Uma passagem pelo silêncio. Uma ausênciapresente na novela. Nesse ínterim, logo opera uma dialética.Ela deixa antever algo que inevitavelmente se perde quandoo narrador não obstante continua a narrar. Mas antes eleconta que: “Após Schridaman ter proferido essas palavrasobscuras, ergueu a espada do chão e decepou a própriacabeça do tronco./ Isso foi dito rapidamente, e não menosrapidamente foi feito”.4  E só por um instante; ainda não

estava convencido pela palavra acolhida e fatidicamentetransformada em uma só coisa com o que enuncia. Onarrador, ali, cala. Foi algo assombroso. Um ato quaseirrealizável. Incomum. “Num abrir e fechar de olhos eleefetuou a cruel imolação”. Abandonado à Deusa por uminstante ficou Schridaman, deixado pelo narrador.  –  Recapitulado, o binarismo da oposição ocidental entremente e corpo, por exemplo, ao mesmo tempo em que serve

de pretexto para o vínculo espiritual entre o ocidente e ooutro, (já que trata essa novela de “uma lenda indiana”) se vê“representado” com a “representação” do outro e, mesmofantasticamente, em trajes e com sotaque diferente, onarrador estende-se sobre os corpos das personagens eguarda-os. E o curso das aventuras que correm até adesventura que constrange o narrador, pode ser percebidoatravés da disposição dos corpos sobre a ambiguidade, sob

4 MANN, Th. As cabeças trocadas , p. 45.

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as ilusões da existência. Mas, entre o desprendimento de si,que é a consequência fatídica dos desejos de troca cultivadospelos amigos, e a reunião heterofágica segundo a qual a

individuação reforma um todo, “sob gemidos e suspiros e àcusta de inomináveis sacrifícios”5  –  em decorrência não deuma solidariedade, mas de interesses antagônicos queaspiram realizar o absoluto na identidade, tal como seconfigura progressivamente, graças à alienação e sobcamadas profundas, a integração da sociedade ocidental e asevidências da sua desintegração –  oculta-se a obsessão lógicaque norteia o pensamento ocidental ainda imensamenteimpressionado com as possibilidades de triunfo. “A históriade Sita”6, que em verdade é a história de Shridaman e Nanda,principalmente, da sua cumplicidade e da sua irmandade atéos limites em que os seus corpos podem aceitar, traz à tonao ponto cristal da sua articulação, uma camada sutil atravésda qual a anêmica boa consciência encontra-se presa, atadacom ambas as mãos na engrenagem da coisificação social à

qual a novela se refere também parodicamente. Odeslumbramento com os poderes do logos  até o momento emque “isto é aquilo”7  carrega o peso oco que resta dadecomposição fática do sujeito, depois que o instante damorte passou. É o cisco no olho que incomoda sempre afilosofia que nega estar imiscuída internamente à vidadanificada, assombrada pela onipotência do pensamento,esse momento em que o outro é já o mesmo –  logicamente

deduzido, torna idêntica a forma à sentença para vivê-lorealmente, para correspondê-lo, “cortando a priori   apossibilidade da diferença, que se degrada em mera nuance

5 ADORNO, Theodor. Introdução à sociologia . São Paulo: Editora UNESP,2008, p. 128.6 MANN, Th. As cabeças trocadas , p. 07. 7 Idem, ibidem, p. 08

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no interior da homogeneidade”8  –  num movimento de merarepetição, tal como aquele em que estavam apresados osamigos inseparáveis. Devido a sua transformação em

membro inominado de uma sociedade num todo atadaconforme o modelo do ato de troca, o ocaso do indivíduoapresenta-se sob o primado da identidade e sob o projetohegemonicamente endossado de aniquilação da alteridade. Omito se reconhece frente ao escândalo do indiferenciado.Seria pertinente nesse momento parafrasear, caso apredominância da angústia frente a situação anímica que seescancara não tivesse jurado fidelidade ao esquema quemantém apaziguada e quieta a sociedade atual, se diante deum acontecimento infinitamente maior do que a capacidadede um homem representá-lo e mesmo de suportá-lo, em todasua abstração, como no caso do encontro com o terrível, porexemplo  –   se conviria a esse respeito falar de “quietudeacolhedora”9. Essa é uma pergunta com a qual teve que sedeparar o narrador. Assim vislumbrar-se-ia a ironia em

 Thomas Mann. No caso dos fluxos sanguíneos quetranscorreram entre as veias dos amigos Shridaman e Nandaapós o corajoso instante de silêncio do narrador, o estreitolimite entre padecer à desarticulação e o trabalho pararestituir-se, rearticular-se, respeita o vínculo com a situaçãoestética na qual está construída a narrativa. Os esforços paraprender, para recolher, no berço aconchegante eneutralizador da diferença  –   berço neutralizador do

escândalo ao qual se submetem um diante do outro, e porisso cooptando o outro injustificadamente por meio dessemovimento, os esforços apaziguadores que culminaramhistoricamente na perda da aura que imantava a obra de arteantes da era da sua reprodutibilidade técnica, nos termos emque fala Walter Benjamin  –   expõem na novela sobre a

8  ADORNO, Theodor. Crítica cultural e sociedade . In: Prismas: críticacultural e sociedade. São Paulo: Ed. Ática, 1998, p. 09.9 MANN, op. cit. p. 15.

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fungibilidade das cabeças as suas consciências históricas,segundo o tom fantástico e um silêncio, a cuja tensão anarrativa é elevada. Mas os esforços para aconchegar os

fluxos que transcorrem entre os diferentes, permeados econtaminados, um com o sangue do outro, lograram digeri-los  –   apesar da diferença e das forças que restavam emoposição a tal identificação subsidiada pela compreensãoconciliadora da realidade. A vitalidade moribunda da culturaocidental e o caráter mortal do pensamento que ecoa nanovela Cabeças trocadas   estendem-se até a teoria doconhecimento regida pela separação entre sujeito e objeto. Eo homem, enclausurado como uma pedra à fungibilidadeuniversal, só abstratamente, em seus espaços de manobra,pode esquivar-se, preservando-se, do escândalo em queparticipa como personagem principal, oferecido emespetáculo para si mesmo. Inapreensível à teorização,contudo, o próprio do escândalo é não deixar incólume, nãopoder preservar a si perante ele; e, pois, não obstante as

defesas e os mecanismos que venham a ser erigidos pararenovar a ferida, ainda que estes corpos sejam restaurados,rearticulados, algo permanece: a experiência do sofrimentopermanece. A débil consciência de si no limiar do corpo quese restabelece não forma unidade com o refluxo de sangueao longo das veias. Recoberto de cinzas, o narrador assimnão deu por encerrada a sua tarefa de narrar. Aqui, issoprovoca exceções ao estado de exceção. O mundo em que

 vivemos, mundo que é como é . Resignado. Administrado.Encantado. A paródia da troca, que antecede e sucede ocorte, o abismo narrativo, intervala a abstração de si e asuspensão da vida a que estamos submetidos no seio dacultura ocidental.

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Referências bibliográficas

 ADORNO, Theodor. Crítica cultural e sociedade . In: Prismas:

crítica cultural e sociedade. Trad. Augustin Wernet e Jorge Almeida. São Paulo: Ed. Ática, 1998.

 ________. Dialética Negativa. Trad. Marco AntônioCasanova. Rio de Janeiro: Zahar, 2009.

 ________. Introdução à sociologia . Trad. Wolfgang Leo Maar.São Paulo: Editora UNESP, 2008.

 ________. Posição do narrador no romance contemporâneo.  InNotas de literatura I. Trad. Jorge Ameida. São Paulo:Duas cidades/Ed. 34, 2003.

MANN, Thomas. As cabeças trocadas. Uma lenda indiana . Trad.Herbert Caro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000.

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O pensar constelacional de Walter Benjamin e Theodor W.

 AdornoBruna de Oliveira Bortolini 1 

Dedicar-se à investigação do termo constelação(Sternbild) presente na filosofia de Theodor W. Adorno, emespecífico na Dialética Negativa 2, é, antes de qualquer

definição, compreender o sentido que este termo assume nafilosofia de Walter Benjamin. Pois é a partir de Benjamin eda abordagem que ele atribui ao termo que Adorno irádesenvolver sua própria concepção a respeito do tema. Paraisso é importante observar que antes do termo constelaçãoconstituir-se como elemento teórico, segundo Kothe3, ele éprincípio básico da construção do pensamento destesautores.

Neste sentido, o interesse em estudar a constelaçãopelo viés da Dialética Negativa  de Adorno, é que este termo,empregado em sua teoria sob a clara influência de Benjamin,provoca uma mudança estrutural na concepção tradicionalde filosofia. Inclusive causando uma ruptura radical na formaem que os conceitos são convencionalmente concebidospela tradição. Isso porque o pensamento formulado combase na ideia de constelação não segue um caminho seguro

de acesso aos objetos de seu conhecimento, mas opera pordesvios. Ou seja, constitui-se a partir de uma dinâmica inter-relacional ao invés de seguir princípios causais. Razão pela

1 Mestranda do programa de pós-graduação em Filosofia da PontifíciaUniversidade Católica do Rio Grande do Sul.2 ADORNO, W. T. Dialética Negativa . Trad. Marco Antonio Casanova.Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2009.3  KOTHE, F.R. Para ler Benjamin.  Rio de Janeiro: Editora Francisco

 Alves, 1976, p. 27.

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qual as questões que norteiam este estudo se dão da seguinteforma: qual o uso filosófico que Benjamin dá ao termoconstelação? De que forma Adorno integra esse termo em

sua filosofia? E quais os motivos que o levam a isso?Para responder tais questões deve-se ter em mente o

desconforto de ambos os autores com a ideia de filosofiaenquanto sistema fechado baseada na pretensão de explicara verdade como totalidade, conforme o princípio deidentidade. Pois, tanto para Benjamin como para Adorno, opensamento em seu exercício tem de lidar com o movimentoe isto pressupõe muitas vezes não seguir a lógica intencionalcom que o sujeito gostaria de construir seu argumento.Evitando, desse modo, conceber a verdade como algopronto e acabado.

Portanto, coloca-se como objetivo principal desseestudo investigar o modo como ambos os autoresdesenvolvem suas críticas em torno da ideia de filosofiaenquanto sistema fechado e como, para isso, articulam a

ideia de constelação. Para esclarecer essas perspectivas,propõe-se retomar o pensamento de Benjamin, a respeito desua teoria do conhecimento em conjunto com a críticaempreendida por Adorno na Dialética Negativa   ao sistemaidealista clássico.

***

O termo constelação surge, em Walter Benjamin,pela primeira vez no Prefácio4 de sua tese de livre docênciasobre o drama barroco alemão, de 1924. Neste trabalho,Benjamin integra, de forma remodelada, elementos dafilosofia de Kant e Platão com os quais irá formar a ideia deconstelação. Ele inicia sua abordagem realizando uma crítica

4

 BENJAMIN, W. Prólogo epistemológico-crítico. In: _____. Origem dodrama trágico alemão. Trad. de João Barrento.  –  2 ed.  –  Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013, p. 15 –  47.

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científico, Benjamin conserva aos fenômenos sua liberdade.Segundo o autor, no processo do conhecimento, osfenômenos não seriam mais submetidos às regras do

conceito. Os conceitos não teriam mais o caráter de verdadeabarcadora, pois seriam mediadores entre fenômenosempíricos e ideias. Sua tarefa estaria na “salvação dosfenômenos e a apresentação das ideias”8. Quer dizer, oconceito não se apropriaria mais dos fenômenos eliminandosua particularidade em prol de um universal. Ao conceito,caberia apenas, por meio da exposição filosófica, extrair oselementos extremos que compõe os fenômenos em suasmais ínfimas relações. Tornando possível sua redenção ouparticipação no âmbito das ideias. As ideias, neste ponto, seassemelhariam a constelações eternas. Pois, assim como naconstelação, os elementos extremos, chamados estrelas,postos em relação, determinam a sua aparição. Como afirmao autor:

Os fenômenos, porém, não são assimilados pelo

reino das ideias de forma integral, na sua mais rudeconfiguração empírica, misturada com a aparência,mas apenas salvos, nos seus elementos básicos. Elesdesfazem-se de sua falsa unidade para, assimdivididos, poderem participar da unidade autênticada verdade. Nesta sua divisão, os fenômenossubordinam-se aos conceitos. E são estes quedissolvem as coisas nos seus elementosconstitutivos. As distinções conceituais só estãoacima de qualquer suspeita de sofismas destrutivosse o seu fito for o de salvar os fenômenos nas ideias.[...] O papel mediador dos conceitos permite que osfenômenos participem do ser das ideias9.

Neste processo, ao sujeito fica a tarefa de expor arelação entre os fenômenos de modo que configure uma

8 BENJAMIN, 2013, p. 23.9 Ibidem, p. 21-22.

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20  Adorno e a dialética negativa: leituras contemporâneas 

ideia. Semelhante à tarefa do astrólogo que, ao perceber arelação entre as estrelas, nos dá a imagem de umaconstelação. Conforme as palavras de Benjamin, “as ideias

relacionam-se com as coisas como as constelações com asestrelas”10. Assim, o autor empreende sua crítica ao sistemaidealista que considera a verdade e o ser como algo único,absoluto e não empírico.

O pensar por constelação é, então, um pensar quenasce da quebra. Ou seja, um pensamento que germina daruptura entre a correspondência imediata do conceito com oobjeto. E só pode ser compreendido a partir das relações queestabelece com o que está em seu entorno –  assim como naideia de um mosaico ou de um quebra-cabeça, onde pararevelar sua condição é preciso encaixar suas peças, seusparticulares. E para formar sua imagem, esses particularessomente serão possíveis de se unir se obedecerem a umaestrutura lógica das peças e não apenas a vontade do sujeito.Ou conforme Adorno, só serão compreendidos se

percebidos como “momento particular em sua conexãoimanente com outros momentos”11. Adorno, por sua vez, irá traduzir o termo

constelação no conhecimento do processo que o objeto oufenômeno, em sua constituição, acumula em si. Pensar porconstelação, para ele, “significa decifrar aquilo que ele[objeto] porta em si enquanto algo que veio a ser”12, ou seja,está intimamente vinculado a uma noção de historicidade.

 Assim, o pensamento teórico, enquanto constelação,“circunscreve o conceito que ele gostaria de abrir, esperandoque ele salte, mais ou menos como os cadeados de cofres-fortes bem guardados: não apenas por meio de uma únicachave ou de um único número, mas uma combinação

10 loc. cit.11 ADORNO, 2009, p. 30.12 Ibidem, p. 141.

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numérica”13. Isto é, os elementos que compõe o objetoinvestigado devem dialogar na intenção de revelar seuconteúdo profundo, impossível de ser percebido a partir de

uma observação superficial. No método constelar, ascontradições do objeto, portanto, não necessariamenteprecisam ser resolvidas. Visto que, ao estarem em constantetensão com suas múltiplas determinações, seguem seupróprio mecanismo interno e não necessitam de umordenamento intencional dado pelo sujeito. Ao sujeito cabeapenas narrar e interpretar o que foi exposto a partir de suas variáveis através de uma “contemplação sem violência”14,pela razão de não haver assimilação total do objeto e poronde emana o gozo da verdade.

Desta forma, o termo constelação, de acordo comBuck-Morss15, torna-se, na filosofia de Benjamin eprincipalmente na de Adorno, uma ferramenta para o sabermaterialista e para a verdadeira dialética. No processo deconstrução das ideias, “o pensamento volta continuamente

ao princípio, regressa com minúcia à própria coisa”16

, ou seja,retorna ao fenômeno sem fechar a continuidade dopensamento desenvolvido. Isto quer dizer que: a filosofia sópode se dar enquanto exercício de interpretação dosfenômenos e não como coleta e classificação de dados numconceito superior definitivo. Pois a definição total é, para ela,autodestruição.

***

 Adorno influenciado por Benjamin ao afirmar emseu texto  A Atualidade da Filosofia que “quem hoje em dia

13 loc. cit.14 Idem, 2001, fragmento 54, p. 78.15 BUCK-MORSS, 2011, p. 194.16 BENJAMIN, 2013, p.

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22  Adorno e a dialética negativa: leituras contemporâneas 

escolhe o trabalho filosófico como profissão, deve, de início,abandonar a ilusão de que partiam antigamente os projetosfilosóficos: que é possível, pela capacidade do pensamento,

se apoderar da totalidade do real”17, confronta a filosofiatradicional fundamentada na ideia de uma razão soberana.Na percepção de Adorno, ao apresentar-se como forçadeterminante de toda a realidade, tal razão subordina osobjetos concretos a conceitos gerais, eliminando com isso acontingência que os envolve e ignorando o caráter temporalque lhes é intrínseco. Isso é para ele um problema. Pois se arealidade com seus fenômenos e objetos é temporal, ou seja,sujeita a mutações e imprevistos, como poderá ser abarcadaem um conceito superior e determinante? No mínimo, oconceito deveria também passar por mutações. Nuncafechar-se em si mesmo. E assim, o que se tornaria “urgentepara o conceito é o que ele não alcança”18.

Concepção que vai de encontro a toda filosofia dosgregos até o idealismo alemão, em especifico Hegel. Em

Hegel, a ideia de uma razão soberana, se dá segundoFerreira19, pelo terceiro termo. Ou seja, pela síntese doprocesso dialético, que não surge como correção do teor dosargumentos utilizados, mas como a negação da negação datese, onde os momentos anteriores aparecem superados eguardados. Diferentemente de pensadores como Platão, Aristóteles e os estoicos, que pensavam a dialética comosendo a arte do diálogo, onde por meio da exposição de

oposições, fosse possível construir ou defender uma tese,oferecendo ao mesmo tempo a distinção dos conceitosenvolvidos. Pois, conforme afirma Hegel: “o método da verdade, que concebe o objeto, é sem dúvida, como já foi

17 ADORNO, T. W. Actualidad de la filosofia . Barcelona: Paidós, 1991, p.73.18 Idem, 2009, p. 15.19 FERREIRA, F.G. A dialética hegeliana:  uma tentativa de compreensão.Porto Alegre: Revista Estudos Legislativos, 2013, p. 167-184.

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demonstrado, analítico ele mesmo, pois permaneceabsolutamente no conceito; porém é ao mesmo temposintético, pois por meio do conceito, o objeto está

determinado dialeticamente e como outro”20.No pensamento hegeliano, portanto, a realidade é

exposta como uma totalidade da qual os conceitosconstituem-se em traduções efetivas construídas a partir domovimento mediador que o pensamento realizadialeticamente. Ou seja, o sujeito ao deparar-se com o objetoem sua pluralidade de sentidos, no conjunto de todas as suaspossibilidades, faz o exercício intencional do pensamentocom a pretensão de conhecê-lo ou determiná-lo. Nesteexercício, o sujeito transforma a pluralidade do objeto emidentidade. Esta identidade refere-se a tudo aquilo que ele écapaz de imprimir ao objeto, conforme suas categoriassubjetivas e de modo determinante, remontando o conceitodo primado do sujeito, que remete a uma consciênciasubjetiva e doadora de sentido. Para Adorno, a dialética em

sua forma idealista é “articulada com a predominância dosujeito absoluto como a força que produz negativamentetodo o movimento do conceito e o seu caminho noconjunto”21. Tal sujeito é aquele que através de seupensamento irá transformar as características não idênticasdo objeto em algo identificável.

Seguindo a lógica deste sistema, então, tudo aquiloque não é possível de identificar, aqueles elementos que

escapam à malha conceitual do pensamento, apresentam-secomo contradição. “Tudo o que é diferenciado aparececomo divergente, dissonante, negativo, até o momento emque a consciência, segundo a sua própria formação, se vêimpelida a impor unidade”22.

20 HEGEL, G. W. F. Ciencia de la Lógica. Tomo II. Ed. Hachette: Buenos Aires, 1974, p. 576.21 ADORNO, 2009, p. 14.22 Ibidem, p. 13.

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24  Adorno e a dialética negativa: leituras contemporâneas 

Desta forma, contrapondo o pensamento hegeliano, Adorno irá concluir que a resposta para a questão de comoabarcar a temporalidade do real, num conceito superior e

determinante, é impossível. Pois o conceito sempre seráinsuficiente para dizer a essência, a concretude do real. Aointegrar os objetos num conceito superior, Hegel apenasocupa-se daquilo que eles possuem em comum uns com osoutros. Esquecendo-se, com isso, de tratar as singularidadesdo objeto, suas diferenças e possibilidades de transformação,as quais são tão importantes quanto aquilo que lhes é comumpara poder conhecê-los verdadeiramente.

Para Adorno, um pensamento que pretendaconhecer a essência dos objetos que investiga deve ir alémda integração da experiência do real num princípiounificador. Deve ultrapassar a esfera dos conceitos,reconhecer suas carências e perceber que ele não é capaz, emsua forma fechada, de abarcar a totalidade das coisas, poisdeixa de fora aquilo que não consegue identificar. Para ser

total, ele tem que admitir o “não identificável”. A pretensãode totalidade da verdade que se limita ao conceito, “apesarde sua abrangência abstrata, não pode ter nenhum outrocenário se não aquilo que o conceito reprime, despreza erejeita”23. Desta forma, questiona-se, será que uma totalidaderealmente verdadeira não deveria incluir até mesmo aquiloque escapa ao conceito? Como é possível uma totalidadeparcial? Uma totalidade excludente? Perante esses

questionamentos, é possível encontrar em Adorno, atravésda sua dialética negativa, empreendida de modoconstelacional, um pensamento indispensável ao exercício vivo e contínuo da filosofia. Um pensamento capaz depreservar a sua razão de existir, por não se deixar seduzir pelaideia de totalidade como identidade.

Contudo, é indispensável frisar que Adorno ao voltar-se criticamente à tradição filosófica, revelando alguns

23 ADORNO, 2009, p. 17.

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de seus pontos frágeis, não está com isso desmerecendo afilosofia empreendida até então. Menos ainda empregandojuízo de valor. Pois reconhece a importância da tradição

filosófica para o pensamento ocidental, inclusive para a suaprópria Teoria Crítica, a qual não seria possível da maneiracomo é realizada sem antes ter passado por aquilo que lhe éanterior.

***

Frente ao desafio deixado pelo idealismo clássico,depois deste “quebrar a promessa de coincidir com arealidade ou ao menos de permanecer diante de suaprodução”24, resta agora à filosofia “criticar a si mesma sempiedade”25. E por essa razão, “a filosofia que um dia pareceuultrapassada, mantém-se viva porque se perdeu o instante desua realização”26.

Conforme Tiburi, Adorno “mergulha na escuridão

da própria filosofia”27, justamente por não tratar de um“ponto de vista”, mas por realizar a “crítica imanente a umafilosofia que lhe é anterior, sendo assim, dela dependente”28. Após assinalar os equívocos de Hegel, que afirma realidadee razão como correspondentes, Adorno, sem colocar-se emuma posição superior, irá lutar por uma filosofia capaz de seauto criticar. Questionando seus princípios mais básicos,com a intenção de que algo digno possa surgir dessa

interrogação.

24 Ibidem, p. 11.25 loc. cit.26 loc. cit.27  TIBURI, M. Uma outra história da razão.  São Leopoldo: EditoraUnisinos, 2003, p. 24.28 TIBURI, 2003, p. 28.

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Então, a Dialética Negativa   de Adorno, nasce comoresposta à Dialética Positiva de Hegel. A razão não aparecemais como a detentora da verdade do objeto, pois será

exatamente o objeto quem irá dar motivo à dialética, ou seja,provocar o seu movimento. Nesse sentido, o processo demediação sugere “algo que pode remeter para além daidentificação, como um modo de o pensamentoexperimentar as contradições na própria coisa”29. Issocorresponde ao ato de pensar a realidade a partir do pontode vista da coisa em que o pensamento se assume comocontradição. Conforme Adorno,

 A imediatidade não é nenhuma modalidade,nenhuma mera determinação do como para umaconsciência. Ao contrário, o conceito deimediatidade designa objetivamente aquilo que nãopode ser alijado pelo conceito hegeliano. A mediaçãonão significa de maneira nenhuma que tudo éabsorvido nela, mas postula que aquilo por meio doque ela é mediada é algo que não se deixa absorver;a própria imediatidade, porém, representa ummomento que não carece do conhecimento, damediação, como essa mediação carece do imediato30.

Com isso, Adorno, intimamente ligado à teoriaBenjaminiana da exposição da verdade, desmonta a ideia deuma subjetividade constitutiva, ou seja, com umaconsciência doadora de sentido, que reduz o conteúdo do

objeto ao âmbito de suas determinações. Ao mesmo tempo,denuncia a filosofia de Hegel de se apoiar num “jargão” deconcretude, pois a realidade é independente e jamais podecoincidir em plenitude com a razão. Para Adorno, o real nãoé racional porque escapa ao conceito que, apesar denecessário, carrega em si sua própria contradição. Com isso,o autor atenta para o primado do objeto, o qual não irá anular

29 Ibidem, p. 29.30 ADORNO, 2009, p. 149.

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a razão ou servir de substituto para uma filosofia antessustentada no primado do sujeito. Ao invés de o sujeitoprojetar no objeto seu pensamento, ele dedica-se ao

exercício de tentar realmente compreender o significado doobjeto e deixa de voltar-se ao mesmo, para encarar odiferente. “[Tornando-se] verdadeiro pela marcha de seupensamento, que o leva para além de si mesmo e não pelaobsessão em buscar seus fundamentos como se fossemtesouros enterrados”31. O sujeito, no encontro com o objeto,ao perceber que não pode captar toda sua verdade, coloca-se em processo contínuo de reflexão, movimentofundamental para a construção de conhecimentos. Adialética negativa constitui-se, portanto, “no esforço paradizer alguma coisa, de que não conseguimos falar; ajudar onão-idêntico a encontrar sua expressão”32.

Nesse sentido, para Adorno, diferentemente deHegel, “pensar é, já em si, antes de todo e qualquer conteúdoparticular, negar, é resistir ao que lhe é imposto”33. Na

tradição filosófica se tem a ideia de pensar para afirmar e,com esta crença, “naturalizar” o pensamento positivo paraconstruir a cultura. Entretanto, para que isso se tornepossível, é preciso tirar a liberdade do objeto de maneira queele possa ser incorporado no sentido de utilidade. Mas, comose pode empreender uma dialética em seu sentido negativo?Como devolver ao objeto a sua liberdade? A resposta dessaquestão formula-se, como enunciado anteriormente, pela

crítica do conceito. A dialética negativa irá desdobrar-se detal forma que o conceito passa a deparar-se com o não-idêntico, sem ser capaz de reduzi-lo à sua identidade. Para Adorno, a filosofia tem de realizar o “esforço de ir além do

31 ADORNO, T. W. O ensaio como forma. In: _____. Notas de literatura.  Trad. Jorge de Almeida. São Paulo: editora 34, 2003, p. 30.32 Idem, 2009.33 Ibidem, p. 25.

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conceito por meio do conceito”34. Isso porque na tradiçãodo pensamento, o conceito, para constituir-se enquantototal, tem que extirpar de si aquilo que não é causal. No

entanto, essas coisas excluídas, do âmbito do conhecimento, voltam para atormentar o pensamento. Nesse ponto, ou arazão torna-se irracional ou volta-se para si mesmareformulando-se.

 A dialética negativa ao falar do não-idêntico, deacordo com Souza, constitui-se, portanto, “na negação damera linearidade discursiva; [pois é] antes constelações decategorias e articulações de sentido extremante sutis queespelham também por sua estrutura [...] aquilo que fazemreferência”35. Assim, a constelação se dá, no pensamento de Adorno, quando este se propõe a pensar o heterogêneo.Com essa ideia, todo conceito novo, ao ser construído, deveser marcado pela tensão de sua transitoriedade e não pela suaforma fechada. Pois, conforme Selligman, “o conceito existede modo dinâmico e na sua relação múltipla com os

contextos"36

 não pode, ao tentar se aproximar da verdade,desvincular-se disso.

***

 As reflexões de Adorno na Dialética Negativa  realizamuma crítica imanente ao sistema atemporal e fechado, dopensamento idealista, que se revela incapaz de explicar o real.

O filósofo expõe a necessidade de uma reformulação dopensamento, capaz de renovar a si mesmo, colocando-se sobo viés da crítica. Frente a este desafio, o ato de pensar, para

34 Ibidem, p. 22.35  SOUZA, R. T. Razões Plurais:   itinerários da racionalidade ética noséculo XX: Adorno, Bergson, Derrida, Levinas, Rozensweig. Porto

 Alegre: EDIPUCRS, 2004, p. 95.36 SELIGMANN, S. M. A atualidade de Walter Benjamin e Theodor Adorno.

 –  2ª ed. –  Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010, p. 35.

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Ricardo Timm de Souza, Jair Tauchen (Orgs.)  29

 Adorno, deve-se formular por constelações, entendendo osconceitos como fragmentos da verdade e não comototalidade abarcadora.

 A relação entre o pensamento de Benjamin e Adornosurge desse contexto, no qual a constelação constitui-secomo forma de pensar os fenômenos do mundo e que, ao sedeparar com as contradições desses fenômenos, não se vêimpelida a pôr uma ordem. Ao invés disso, conserva acontradição, pois sabe que ela é fonte de um pensar lúcido eciente de suas carências. O pensar por constelação reconheceque o objeto em si já possui um sentido que se revela, deforma plural e irredutível, apenas por meio da contemplaçãosem violência. Tanto para Adorno quanto para Benjamin, aosujeito cabe apenas narrar a história de suas relações, semimpor uma definição de sentido. Sendo assim, ainterpretação dos fenômenos, pelo sujeito, assume um papelfundamental na teoria dos autores de forma a “ligar as frases,ligar as questões e as palavras para compor uma imagem que

aparecerá num instante de fulguração da verdade contida emsuas relações”37. Neste processo, a ideia de causalidade nãocomanda o desenvolvimento da investigação. Antes que seestabeleça uma relação lógica e ordenada de sentido, épreciso que o sujeito se envolva com o contexto daquilo queinvestiga, percebendo os vários extratos de sua significação,sem sobreposições.

 Ao saírem em defesa de um pensamento

constelacional, Benjamin e Adorno ressaltam a importânciade um distanciamento da filosofia como sistema. Pois, paraambos, é de grande relevância, num mundo tão plural edinâmico, uma racionalidade capaz de acolher a diferença ede reconhecer-se insuficiente; tornando-se crítica de simesma e, finalmente, podendo oferecer visões maisesclarecidas de mundo a partir de contextos diversos.

37 TIBURI, 2003, p. 59.

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Referências

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 Trad. Jorge de Almeida. São Paulo: editora 34, 2003.BENJAMIN, W. Prólogo epistemológico-crítico. In: _____.

Origem do drama trágico alemão. Trad. de João Barrento. –  2 ed. –  Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013, p.15 –  47.

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KOTHE, F.R. Para ler Benjamin.  Rio de Janeiro: EditoraFrancisco Alves, 1976.

SELIGMANN, S. M. A atualidade de Walter Benjamin e Theodor Adorno. –  2ª ed. –  Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,2010.

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Ricardo Timm de Souza, Jair Tauchen (Orgs.)  31

SOUZA, R. T. Razões Plurais:   itinerários da racionalidadeética no século XX: Adorno, Bergson, Derrida,Levinas, Rozensweig. Porto Alegre: EDIPUCRS,

2004. TIBURI, M. Uma outra história da razão.  São Leopoldo:

Editora Unisinos, 2003.

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O trabalho do negativo em Adorno: do Processo

Sublimatório ao Real.Bruna Nery Pormann 1 

 A influência de Freud em Adorno

 A psicanálise tem papel de fundamental importânciana formação do pensamento de Adorno. A relação entresujeito e sociedade e formação da personalidade foiamplamente trabalhada por Freud e vem a ter bastanteinfluência na obra “Dialética Negativa”. Uma vez que Adorno traz a cultura como fator massificante dos sujeitos,os levando a uma espécie de alienação.

Para Freud, a civilização consiste em uma constante

repressão aos instintos. O que pode ser visto entre aoposição dos princípios do prazer e da realidade. Quando osujeito se insere na cultura, ele tem como condição impostaa repressão do princípio do prazer, bem como a libido e atotal satisfação de seus desejos. A repressão toma lugar dealicerce na formação cultural. Freud explicita isso noseguinte trecho do texto “O Mal-Estar na Civilização” 2:

Se a civilização impõe sacrifícios tão grandes, nãoapenas à sexualidade do homem, mas também à suaagressividade, podemos compreender melhorporque lhe é difícil ser feliz nessa civilização. Narealidade, o homem primitivo se achava em situaçãomelhor, sem conhecer restrições de instinto. Em

1 Mestranda do Curso de Filosofia na Pontifícia Universidade Católicado Rio Grande do Sul, PUCRS.2 FREUD, S. (1930). O Mal-Estar na Civilização. Sigmund Freud ObrasCompletas. Vol. 21. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

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Ricardo Timm de Souza, Jair Tauchen (Orgs.)  33

contrapartida, suas perspectivas de desfrutar dessafelicidade, por qualquer período de tempo, erammuito tênues. O homem civilizado trocou uma

parcela de suas possibilidades de felicidade por umaparcela de segurança.

Desta forma, ficam postos a interação e o confrontoexistente entre indivíduo e cultura, o que vem a ter granderessonância na obra de Adorno. Assim, quando o sujeito estáinscrito numa civilização já tem como ponto de partida osacrifício, uma vez que seria psicótico negar-lhe a existência.Porém, quando a cultura toma caráter repressor, tanto noâmbito dos instintos pessoais como repressão social ehistórica, temos que poder ativar o modo crítico de entendê-la.

 Assim, a repressão é entendida e aceita como fatorpermanentemente existente quando se trata do conflito entreprincípio do prazer e princípio da realidade. Com isso,resulta um conceito chave, tanto para a obra de Adorno,

quanto para a psicanálise de maneira geral: o inconsciente eo retorno do reprimido. Assim, o inconsciente é formadopelas experiências de satisfação vivenciadas na infância epelo princípio do prazer que não pode ser realizado e, quedessa forma, pode retornar. Dessa maneira, o retorno doconteúdo reprimido pode, então, representar uma ameaça asociedade. No entanto, para Freud, o sujeito assume essaposição de renúncia para poder levar uma vida em sociedade,

para fazer parte da cultura e de seus benefícios. A felicidadeque seria a realização total dos desejos, é substituída pelanecessidade de se manter em segurança e vivendo de acordocom as “regras” impostas pela civilização. 

 A importância da sublimação na constiuição dacivilização

Uma das formas que os sujeitos encontraram parapoderem se adaptar a ideia de civilização, e portar-se de

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34  Adorno e a dialética negativa: leituras contemporâneas 

maneira a não se tornar uma ameaça, foi através dasublimação. Esse é um mecanismo de defesa presente emtodos os indivíduos, mas que, no entanto, é mais utilizado

pelos sujeitos que são dotados de uma estrutura depersonalidade mais neurótica, a qual Bergeret 3descrevecomo

O essencial pode resumir-se à expressão simbólicados sintomas, bem como à realização de umcompromisso entre pulsões e defesas, ao estatutointrapsíquico do conflito entre o ego e o id, aoaspecto parcial das regressões e fixações, ao caráterobjetal da libido, que nunca é muito desinvestido, àsfunções do fantasma que deforma a realidade semjamais nega-la.

Com isso, o autor nos mostra que, a possibilidade defazer uso da sublimação encontra-se em pessoas cujaestrutura de personalidade é mais organizada e onde a libidonão está fixada em uma fase tão primitiva. Uma vez que, se

falássemos em sujeitos psicóticos, na maioria das vezes, o atosublimatório daria espaço para o ato propriamente dito. Assim, pode-se dizer, segundo as ideias de Freud,

que a civilização não comportaria os sujeitos, caso estesfossem regidos apenas pelo princípio do prazer, onde osdesfrutes de todos os desejos seriam permitidos. Assim, oato de sublimar tem relevância para esta ideia. Uma vez que,ao sublimar os desejos primitivos, os atos de maior

agressividade, por vezes são trazidos à tona de maneira maisamena, ou seja, sublimada, não colocando, dessa forma, emrisco maior a civilização.

No entanto, é de necessidade aqui, podermos deixarde maneira clarificada que para Freud a sublimação seencontra de maneira distinta a ideia de Hegel. Para esteúltimo, sublimação vem ao encontro de  Aufhebung

3  BERGERET, JEAN. A personalidade normal e patológica. Porto Alegre: Artes Médicas, 1988. p. 52.

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(revezamento, substituição), o qual vem a indicar omovimento inato da dialética: converter o negativo em ser.Freud toma um caminho mais próximo ao conceito de

sublimação para Nietzsche, o qual parte do romantismoalemão, onde define por sublimação um princípio deelevação estética que é um denominador comum para todosos homens, mas do qual, ao seu ver, somente os criadores eartistas eram detentores4.

É no texto Três ensaios sobre a teoria da sexualidade  (1905)5, que Freud faz referência pela primeira vez asublimação, onde o conceito em questão é usado,basicamente, para descrever atividades intelectuais. Com aintrodução do narcisismo em sua obra, e a construção dasegunda tópica é que Freud deixa mais complexa a ideia desublimação. Onde o autor diz que a sublimação é a atividadede deslocar a energia do eu, como libido, para atividades nãosexuais. Ou seja, para Freud sublimação, entende-se por “acapacidade de trocar a meta sexual originária por outra meta,

que já não é sexual mas que psiquicamente se aparenta comela”6. No cenário atual, muito ainda se fala da sublimaçãorelacionada a produção intelectual, bem como artística. Noentanto, não é somente nesses meios em que ela acontece.

Birman7, discorre acerca da ideia freudiana sobre oconceito sublimatório:

De maneira pontual, ele afirma que o abjeto e osublime teriam a mesma origem psíquica, ainda que

a representação então presente nos discursos

4  ROUDISNECO, ELISABETH; PLON, MICHEL. Dicionário depsicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.5 FREUD, S. (1905). Três ensaios sobre a sexualidade infantil. SigmundFreud Obras Completas. Vol. 07. Rio de Janeiro: Imago, 1996.6 LAPLANCHE, JEAN. Vocabulário de psicanálise. São Paulo: MartinsFontes, 2001.7 BIRMAN, Joel. Criatividade e sublimação em psicanálise. PsicologiaClínica, Rio de Janeiro, v. 20, n.1, P 11-26, 2008. p. 18.

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filosófico e do senso comum os considerassemopostos e em campos diversos. Nesse momento,portanto, o abjeto se refere ao que, posteriormente,

o discurso freudiano inscreve nos registros dopulsional e do sexual.

O conceito de sublimação, tendo o discursofilosófico como plano de fundo, tomou forma no séculoXVIII, onde teve como referencial teórico a estética e ateoria da literatura. Edmund Burke, opôs a ideia de sublimeàs experiências do belo. Seguido disso, Immanuel Kant, emreferência ao valor estético e ao gosto em Crítica à faculdadede julgar, retoma essa disposição, a qual também foi utilizadapelo Romantismo alemão para idealizar a obra de arte e, comisso, demarcar o campo da estética na modernidade. Assim,é nesse cenário, que Freud retoma a posição entre o belo e osublime na psicanálise. Dessa forma, o sublime é o processodo psiquismo que faz com o que sexual rejeitado possa setransformar no sublime, o belo corresponde a sua

contraposição, assim, fica em evidência o erotismo,anunciado pela figura da sedução8.Com a escrita do texto “A moral sexual ‘civilizada’ e

a doença nervosa dos tempos modernos”9, Freud abarcacom bastante ênfase o doloroso processo civilizatórioimposto aos indivíduos, o que resultaria em um recalqueexcessivo da pulsão sexual e dos obstáculos à realização doprazer. Com a complexização do conceito de sublimação, o

autor em questão, diz que esta é o resultado do trabalho dapulsão de vida, contra a pulsão de morte, ou seja, o erotizare o sublimar deixam de ser opostos, como na ideia inicial de

8 BIRMAN, Joel. Criatividade e sublimação em psicanálise. PsicologiaClínica, Rio de Janeiro, v. 20, n.1, P 11-26, 20089

  FREUD, S. (1908). Moral sexual ‘Civilizada’ e Doença NervosaModerna. Sigmund Freud Obras Completas. Vol. 09. Rio de Janeiro:Imago, 1996.

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sublimação, onde esteva posto nas entre linhas adessexualização da pulsão sexual.

Birman10, diz:

Em resumo, enquanto na versão inicial a sublimaçãopossuía uma caracterização ostensivamente negativa,pelas crescentes e disseminadas perturbaçõespsíquicas que promovia nas individualidades emdecorrência dos obstáculos impostos pelasexigências de civilidade à livre expansão dasexualidade, na versão final ela assume uma marcaostensivamente positiva, pois passa a promover a

 vida/civilidade em conjunto com o erotismo e emoposição ao movimento rumo à morte.

 Assim, o processo sublimatório, passa a serconstituído não apenas pela dessexualização, mas sim, ondepor intermédio dela surge um novo objeto para abarcar coma força pulsional. Com isso, ao criar novos objetospulsionais, a sublimação se inscreve de forma efetiva na

cultura. Onde, por intermédio da repetição, a pulsão tem porobjetivo ligar a pulsão de morte ao registro dos objetos, como objetivo de impedir que esta mantenha seu potencial dedesligamento. Assim, é através da sublimação que a ligaçãopsíquica é promovida.

Desta maneira, fica evidente a importância que esteconceito psicanalítico tem no pensamento e na construçãoda obra de Adorno. Este, faz uma proposta para que

possamos voltar nosso olhar não somente para aquilo que éexpresso, para o ato concreto, mas sim para o processoinconsciente que pode ter sido a força motor do ato, o qual,por vezes, aparece de forma disfarçada e, assim, é suportadopela sociedade. O autor quer trazer à tona o que foireprimido, e que por vezes, é o causador da melancoliaalienante, do sofrimento que inunda o sujeito e a

10 BIRMAN, Joel. Criatividade e sublimação em psicanálise. PsicologiaClínica, Rio de Janeiro, v. 20, n.1, P 11-26, 2008. p. 20.

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representação desse deixa de ser o subjetivo e passa acompor o total de maneira não mais singular, mas sim deacordo com o que esta posto na cultura.

 Adorno11, faz referência ao ato sublimatório noseguinte trecho:

Em suma, uma ontologia da cultura teria de assumiraquilo em que a cultura efetivamente fracassou. Olugar de uma ontologia filosoficamente legítima seriamais a construção da indústria cultural do que aconstrução do ser; o bom seria somente aquilo queescapa a ontologia.

Com isso, o autor faz referência aos acontecimentosque foram fracassados pela impossibilidade da cultura empoder suporta-los. Onde o negativo não pode ser digeridopelos demais. Assim, ocorre, com mais força, adesconstrução da subjetividade, o espaço se torna pequeno,insuportável para a demonstração daquilo que não pode ser visto, mas que está aí. Ainda, os instintos inatos, os desejos

em sua forma pura, não tem espaço para acontecer, dessaforma, precisam aparecer de forma disfarçada e a percepçãonão vai além do que aparece. O negativo fica esquecido,somente o concreto pode ser pensado.

Conclusão

Dessa maneira, pode-se observar uma interessante

conversa entre a filosofia adorniana e as ideias psicanalíticassobre cultura e sublimação. Percebe-se que as ideiaspropostas por Adorno no decorrer de sua teoria são, emalguns pontos, bastante entrelaçadas com as ideias propostaspor Freud, sobretudo quando se fala no trabalho negativoreferente ao processo de inserção do sujeito nacultura/civilização.

11 ADORNO, Theodor. A dialética Negativa. Rio de Janeiro: Zahar,2009. p . 110.

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O filósofo mostra o principal papel da filosofia,como sendo uma ciência que precisa olhar aquilo que não sepode enxergar. Onde é preciso ir além do fato mostrado de

forma concreta, ou seja, aquilo que foi a força motrizutilizada para dar finalidade a pulsões que precisaram serreprimidas quando o indivíduo precisou se sujeitar a inserçãona sociedade.

É nisso que entra a linguagem psicanalítica comogrande contribuinte a teoria de Adorno: a repressão dosimpulsos sexuais e a volta do conteúdo recalcado. Freudafirmou em sua teoria que as pessoas reprimem os seusinstintos sexuais e o gozo do prazer completo, pelasegurança de se viver em sociedade. No entanto, os impulsossexuais, podem, por vezes, retornem de forma diferente aoriginal. Assim se dá o processo de sublimação, onde apulsão sexual se liga a outro objeto com o objetivo desatisfazê-la de forma a não “colocar em risco” a civilidade.Entretanto, Adorno nos chama a atenção, para que

possamos nos ocupar daquilo que está por trás dos atosconcretos.Por vezes, a filosofia passa a ocupar um lugar de

condensação dos sintomas, onde é preciso interpreta-los.Por vezes, corre-se o risco de ficar preso apenas nopensamento simples: um pensamento pré-critico, deracionalidade comum, onde o sintoma passa a ocupar umlugar egossintônico. E sua crítica vem nesse sentindo, de

podermos nos utilizar da filosofia como algo que mostra aestranheza frente os fatos que podem parecer inerentes dacultura, da sociedade. A totalidade precisa ser vista a partirdo singular. A ideia de totalidade pode ser, por vezes, umaideia ilusória, onde passa a ter o papel principal desobreposição ao individual, e assim o singular fica semespação para ser visto e entendido.

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40  Adorno e a dialética negativa: leituras contemporâneas 

Referências

 ADORNO, Theodor. A dialética Negativa. Rio de Janeiro:

Zahar, 2009.

BERGERET, JEAN.  A personalidade normal e patológica. Porto Alegre: Artes Médicas, 1988.

ROUDISNECO, ELISABETH; PLON, MICHEL.Dicionário de psicanálise. Rio de Janeiro: JorgeZahar, 1998. 874 p.

LAPLANCHE, JEAN.  Vocabulário de psicanálise. SãoPaulo: Martins Fontes, 2001. 552 p.

BIRMAN, Joel. Criatividade e sublimação em psicanálise.Psicologia Clínica, Rio de Janeiro, v. 20, n.1, P 11-26, 2008. Disponível em

http://www.scielo.br/pdf/pc/v20n1/01.pdf. Acessado 06/2015

FREUD, S. (1905). Três ensaios sobre a sexualidade infantil.Sigmund Freud Obras Completas. Vol. 07. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

FREUD, S. (1908). Moral sexual ‘Civilizada’ e Doença

Nervosa Moderna. Sigmund Freud Obras Completas. Vol. 09. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

FREUD, S. (1930). O Mal-Estar na Civilização. SigmundFreud Obras Completas. Vol. 21. Rio de Janeiro:Imago, 1996.

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Nietzsche e Adorno:considerações críticas sobre a

metafísica1  Elton Corrêa de Borba 2  

Este trabalho deseja traçar brevemente pontos deaproximações entre a crítica nietzschiana à metafísica e opensamento de Theodor Adorno. Estas aproximações não visam provocar uma violência conceitual, mas, tal como umensaio, pretende-se uma fluidez da escrita na interpretaçãodestes pensamentos críticos. Deste modo, pretendo trazereste registro enquanto possibilidade, valendo dizer que asinfluências de Nietzsche em Adorno demonstram muito daproposta deste ensaio, já que não objetiva traçar um estudoconceitual nietzschiano em Adorno. Deste ponto de partida,pretendo abordar as aproximações de Nietzsche e Adornocomo filósofos críticos, salientando algumas marcas destasfilosofias na crítica à metafísica e à ideologia. Para isso, partodo estudo da obra Dialética Negativa de Theodor Adorno etambém do texto Adorno's nietzschean narratives  da professoranorte-americana Karin Bauer para estabelecer estas

proximidades. Contudo, neste movimento de escrita, comoqualquer movimento de dúvida, o encontro acontece sempreum pouco atrasado em relação ao presente, já que a própriapalavra apreendida compõe aquilo que até certo ponto jádeixou de ser.

1 Artigo apresentado à disciplina Ética e Contemporaneidade: Críticasfilosóficas à violência IV do PPG em Filosofia da PUCRS, ministradapelo Prof. Dr. Ricardo Timm de Souza. 2 Psicólogo, mestrando em Filosofia na PUCRS.

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 A crítica, como aqui será abordada, expressa ummovimento de construção de pensamento a partir dodesmembramento do instituído e da desacomodação em

relação ao presente. Em Nietzsche, esta qualidade dofilosofar a martelo é dura e busca um embate direto com oplatonismo e sua presença na teologia cristã. Já em Adorno,esta qualidade apresenta-se de maneira meticulosa earriscaria em dizer que é uma filosofia a bisturi   que, comprecisão cirúrgica, decompõe conceitos até os últimossentidos. Por isso, é sempre delicada a comparação entrepensadores e obras, de modo que, este ensaio visa salientareste desmembramento como que constituindo umespecífico modo de enxergar a filosofia e a história, ummodo que se relaciona diretamente com o contemporâneo ea crítica da luminosidade que este emana.

Contextualizando

Uma das leituras responsáveis por despertar omovimento deste trabalho foi a do texto de Karin Bauer, queaborda Adorno como um leitor da obra de Nietzsche, dasinfluências e críticas que este fez da obra nietzschiana. Karinressalta a admiração de Adorno pela pessoa de Nietzsche;como Adorno via a vida em isolamento e os recursosescassos que influenciaram a sua filosofia. Salienta aimportância que tiveram os pensadores da Escola de

Frankfurt na correção de interpretações equivocadas dafilosofia nietzschiana pelos ideólogos nazistas. E também,como as influências nietzschianas podem ser notadas nosestilos argumentativos das estruturas do pensamento crítico.Contudo, é o destaque de Nietzsche como um crítico daideologia, o principal argumento que a autora vai concentrara interpretação adorniana deste. Karin defende que tanto operspectivismo de Nietzsche, quanto a dialética negativa de

 Adorno, “visam expor estruturas de dominação e hierarquiasatravés da realização de suas doutrinas antisistemáticas e

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antitotalitárias”3. E não se pode deixar de concordar com oargumento da pensadora, já que, embora diferentes, existeuma relação importante entre estes pensamentos.

Como um crítico da filosofia sistemática, apropriedade da crítica nietzschiana reside na desconstruçãoda verdade, considerada imutável e separada de seu sensohistórico. Esta característica será compartilhada também em Adorno, como nos mostra Bauer:

Com Nietzsche, Adorno argumenta contra aatribuição ideológica da verdade à substância e da

ilusão à aparência, um movimento que divorcia a verdade dos processos de tornar-se; quando opermanente é posto como verdadeiro, o princípio de

 verdade torna-se o início do engano. O fundamentometafísico sobre princípios primeiros e a insistênciaem privilegiar a permanência são constituintes de suaideologia.4 

 A  instituição da imutabilidade da verdade para

Nietzsche reside num valor histórico, reside num movimentode delegar à permanência a sua edificação dentro daestrutura metafísica. Neste critério, o movimentogenealógico exporia o fluxo de uma construção da verdade,onde a sua instauração não existe separada dos elementosexternos a ela, senão que submetem-se como base defundamentação dos valores. É a estrutura de valores quedenotará o lugar da verdade neste refluxo cultural. A

ideologia, neste caso, necessita da verdade cimentada comosua segurança ontológica. Neste aspecto, a críticanietzschiana à ideologia influencia Adorno na crítica que estefaz na Dialética Negativa   de um distanciar a filosofia darealidade histórica. Não é mais possível afirmar, diz Adorno,

3 BAUER, Karin. Adorno's Nietzschean narratives: critiques of ideology,readings of Wagner. Albany: State University of New York Press, 1999,p. 12. (Salvo indicação em contrário, as traduções são de minha autoria).4BAUER, Ibidem, p. 80.

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“que o imutável é a verdade e que aquilo que é movido,perecível, é a aparência, ou seja, não é mais possível afirmara indiferença recíproca entre o temporal e as ideias eternas”5.

Seja num lance perspectivista nietzschiano, seja num tipo decontextualização crítica da história filosófica da verdade, odivórcio com o tornar-se impõe um clivo entre a verdade e atemporalidade imanente dos conceitos, e ideias absolutas,deixando a porta aberta ao equívoco ideológico. Estadistinção entre a ideia, o absoluto e a mudança, acontingência, postulou durante muito tempo na história dafilosofia, sendo possível traçar sinais do seu enrijecimento.Por isso, pensadores como Adorno e Nietzsche sãoimportantes para ressaltar nesta dinâmica, características deum pensar sobre o negativo, sobre o que se estranha doaparentemente natural.

Diz Adorno que “a ideologia deve sua força deresistência contra o esclarecimento à sua cumplicidade como pensar identificador: com o pensar em geral”6. Desta

maneira, a tradição filosófica que se rendeu à identidade éresponsável pela dinâmica ideológica. E segue; “por isso, acrítica à ideologia não é nada periférico e intracientífico, algolimitado ao espírito objetivo e aos produtos do espíritosubjetivo; ela é, sim, filosoficamente central: a crítica daprópria consciência constitutiva”. Isto evidencia como omovimento crítico não é nada periférico, mas central aopróprio fazer filosófico, entendendo que esta centralidade da

crítica à ideologia é o movimento de não-captura dopensamento na imutabilidade, o que aciona o pensar. Naobra Dialética Negativa , o movimento de Adorno é de exporo negativo também como qualidade afirmativa dopensamento, de modo que se efetua um pensamento sobreo negativo que subverte a tradição. Na própria subversão do

5 ADORNO, Theodor. Dialética Negativa. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,2009, p. 299.6 ADORNO, op. cit, p. 129.

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pensamento existe uma potência.

Nietzsche, corpo e imanência

 Toda a história da filosofia é, até certo ponto, umacrítica à razão e uma tentativa de salvá-la dela mesma, desalvar o pensar. Em Nietzsche, esta salvação  tem umacaracterística própria, que aparece de modo bem particularna crítica às filosofias metafísicas que delegaram ao corpoum segundo plano, que estabeleceram uma distinção entre arazão (ou uma consciência desta) e o corpo, conferindo aeste a qualidade do erro. Esta distinção, Nietzsche aborda em Assim falou  Zaratustra  na passagem Dos desprezadores do corpo,onde diz: “instrumento do teu corpo é também tua pequenarazão que chamas de ‘espírito’, meu irmão, um pequenoinstrumento e brinquedo de tua grande razão”7. Nestapassagem, Nietzsche nos mostra que o espírito não é cindidodo corpo, mas é como um brinquedo deste, um brinquedo

de uma grande razão enquanto multiplicidade com um só sentido destas instâncias que foram arbitrariamente separadas. Acrítica nietzschiana é dirigida à tradição filosófica queafirmara uma racionalidade conscienciosa, onde o espírito ea razão têm lugar predominante nos sistemas dopensamento, e o corpo ocupa a periferia enganadora de umafaculdade dos sentidos. A grande razão terá para Nietzscheum papel de destaque para reabilitar o corpo também como

afirmação de conhecimento, considerando um saber quefora ignorado dentro de um determinado regime de verdades. E segue: “Há mais razão em teu corpo do que emtua melhor sabedoria”8. A grande razão poder ser vista comoa filosofia que toma corpo, como o pensamento é todocorpo e espírito, unidade da vontade de poder. Esta imagem

7 NIETZSCHE, Friedrich. Assim Falou Zaratustra : Um livro para todose para ninguém. São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p. 35.8 NIETZSCHE, 2011, p. 35. 

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da corporificação determinará um projeto imanente detransvaloração dos valores, porque o corpo já não pode maisser considerado um receptáculo do espírito, mas criador de

 valores que os atravessam mutuamente. De modo que acrítica nietzschiana à clivagem entre razão e corpo qualificaa vontade de poder enquanto uma grande sabedoria nestaunidade do pensar. A proposta nietzschiana passa semdúvida pela quebra de uma tradição, por uma mudança defundamentos da racionalidade, de forma que a criaçãofilosófica devesse marcar a valoração do que está para alémde uma razão metafísica, uma razão do corpo. Sendo demodo que “a qualidade imanente de um pensamento, o quese manifesta nele como força, resistência e fantasia, comounidade do elemento crítico com o seu contrário, é, se nãoum index veri , ao menos uma indicação”9. Pelo mesmo poressa indicação de verdade é que nos valemos da relação com Adorno, ressaltando a qualidade imanente de umpensamento como força resistente da crítica ao

estabelecimento do dogmatismo da razão, sendo que estepensamento que se produz enquanto corpo, subverte arealidade histórica naquilo que nela é mais distante e maisoriginário. Desta maneira, o pensamento passa pelo traçar osrastros da razão não como ponto de chegada último,terminantemente conceitual, mas como deslocação eatribuição de movimento do traçar caminhos da verdade.

O modo de trabalho filosófico de Nietzsche é

expressão da sua qualidade crítica. O incorporar da poesiano fazer filosófico, será salientada por Adorno comoinfluência nietzschiana; por exemplo em  Assim falouZaratustra , o caráter literário e poético é indistinto dofilosófico, mas irá se diferir taxativamente da crítica deNietzsche aos poetas do pensamento, que turvam as águaspara confundir a pouca profundidade. Os poetas a queZaratustra volta-se contra nesta passagem são os que

9 ADORNO, 2009, p. 319.

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sonharam com tantas coisas acima do céu e da terra que seperderam olhando para si mesmos. A crítica de Nietzscheaos poetas em Zaratustra  não escapa aos poetas da metafísica

onde o saber absoluto da verdade desvendar-se-ia na ação dopróprio pensamento de uma ciência universalizante. Demodo que,

a consciência que se recusa a negar a queda histórico-filosófica das ideias metafísicas e, no entanto, nãoconsegue suportá-la sem se dispor ao mesmo tempoa negar-se enquanto consciência, tende a alçar, emuma confusão mais do que meramente semântica, odestino das ideias metafísicas diretamente ao nível dealgo metafísico.10 

 Tal como uma negação da vida que abandonaeste mundo em detrimento do que virá, um tipo de idealascético recrudesce diante de uma emaranhada rede de valores que postulavam a verdade metafísica acima dasrelações imanentes. Um arvorar da contradição de uma

consciência metafísica que se negaria enquanto consciência,na indeterminação do destino metafísico das ideias. Estainversão da racionalidade filosófica em sua contraposiçãodogmática transparece no jogo de significações da ciênciamoderna que se instituem como crenças nos mais variadossímbolos em nossa atualidade.

É ainda uma fé metafísica, aquela sobre a qualrepousa a nossa fé na ciência  –  e nós, homens doconhecimento de hoje, nós, ateus e antimetafísicos,também nós tiramos ainda nossa flama daquele fogoque uma fé milenar acendeu, aquela crença cristã,que era também de Platão, de que Deus é a verdade,de que a verdade é divina. (...). Considere-se, quantoa isso, os mais antigos e os mais novos filósofos: emtodos eles falta a consciência do quanto a vontade de

 verdade mesma requer uma justificação, nisto há

10 ADORNO, 2009, p. 308.

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uma lacuna em cada filosofia –  por que isso? Porqueo ideal ascético foi até agora senhor  de toda a filosofia,porque a verdade foi entronizada como Ser, como

Deus, como instância suprema, porque a verdadenão podia  ser em absoluto ser um problema.11 

 Todavia, este intento não busca confundirdemasiadamente metafísica e ideologia, se não apenasmostrar como a fé na metafísica atribuiu valor ideológico à verdade. Esta atribuição encontra-se na busca pela verdadedesempenhada pelos homens do conhecimento, qualNietzsche salienta. Este entronar a verdade como divina,sacralizando-a, a distanciou de sua efetiva problematização.Na atualidade, a valoração da verdade também passou aresidir na capacidade de fundamentação científica desta, e oregime de valores impostos pelas “descobertas” da ciênciatornam-se cada vez mais uma adesão, tornam-se umaquestão de fé. A conversão da metafísica cristã comodiscurso preponderante, para a instituição da ciência já dava

mostras na análise de Nietzsche. Para ele, falta ainda umajustificação da verdade, falta problematizar o valor da verdade situada como divina, falta uma crítica:

Em termos acadêmicos, as pessoas se habituaramhoje com a diferença entre uma filosofia regular,conveniente, que teria a ver com os conceitossupremos, por mais que eles possam mesmo negarsua conceptualidade, e uma relação meramente

genética, extrafilosófica, com a sociedade, cujosprotótipos suspeitos são a sociologia do saber e acrítica à ideologia. (...). Não é apenas uma filosofiaatrasada que teme por sua pureza e que se afasta detudo em que um dia teve sua substância. Aocontrário, a análise filosófica toca de maneiraimanente no interior dos conceitos supostamentepuros e de seu teor de verdade, esse ôntico ante o

11  NIETSCHE, Friedrich. Genealogia da Moral: Uma polêmica. SãoPaulo: Companhia das Letras, 2009, p. 130-131.

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qual estremece a exigência de pureza e que,tremendo em sua soberba, essa exigência abandonaàs ciências particulares.12 

Esta crítica encontra-se como condiçãoextremamente importante em Adorno, condição esta que afilosofia regular deseja distância. Como tradição acadêmica,esta filosofia regular delega uma exterioridade à críticaimanente da própria filosofia, receando, talvez, a posição depureza da sua conceptualidade. Porque antes mesmo dechegar numa questão epistêmica, esta passa por processos

 valorativos que a situam, até mesmo, numa posição políticadentro do escopo cultural. Mas, de modo completamenteavesso a uma relação crítica, acostumaram-se a uma relaçãode pureza com as ciências particulares. Tremendo em suasoberba , a filosofia regular permanece no particular, e retirarainda que seja uma ínfima fagulha do fogo das verdadesmetafísicas parece ser seu fim em si mesmo. Por isso que aanálise filosófica deve ir de encontro a isso, podendo

desacomodar a permanência do seu lugar receoso, expondoos traços ideológicos que se produzem nesta pretensão desaber absoluto. É o que Adorno dá mostras do papel queuma filosofia regular passa a delegar, subtraindo-se de suaresponsabilidade crítica.

 Adorno, Auschwitz e a crítica da cultura.

 A sombra de intensa luminosidade que abateu aEuropa representa um ponto culminante da extrapolação deum pensamento ideológico, não sendo possível ficaralienado das consequências que estes tipos deacontecimentos provocam ao pensamento. Não é possívelficar indiferente ao que nos cerca, e Adorno soube precisaro pensamento sobre as expressões desta facticidade, demodo a deslocar de uma naturalização do curso da história.

12 ADORNO, 2009, p. 121.

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Estes acontecimentos que marcam a história de maneira tãointensa e avassaladora dão mostras de como o pensamento ea cultura se conjugam de maneira indistinta, mas mesmo

assim mantem-se distantes. A propriedade de produzirpensamento se deve necessidade de este ainda poderdesmembrar dos fatos aquilo que é menos aparente, aquiloque exige uma posição central no jogo da história. A posiçãocrítica assumida por Adorno e Nietzsche coloca a histórianão como coisa dada, mas como um processo, como “modoautorreflexivo do pensamento evidente nas contradições,paradoxos, repetições, variações infinitas de temas equestões, o questionamento de normas e percepções”13. Aomodo como a história acontece e constrói seus pressupostoslógicos numa relação pouco evidente para quem estácapturado por sua subjetivação periclitante. De modo quepassamos a ver como um acontecimento  –   tal como apossibilidade de Auschwitz e o desembocar da SegundaGrande Guerra de suas consequências posteriores  –  

expressam um mundo ainda sem sentido. A sensação de que, depois de Auschwitz, comete-seuma injustiça contra as vítimas com toda afirmaçãode positividade da existência, uma afirmação que nãopassa de um falatório, com toda tentativa de arrancarde seu destino um sentido qualquer por mais exíguoque seja, possui o seu momento objetivo depois dosacontecimentos que condenam ao escárnio a

construção de um sentido de imanência que emanede uma transcendência positivamente posicionada.Uma tal construção afirmaria a negatividade absolutae contribuiria ideologicamente para a sobrevivênciaque reside sem mais realmente no princípio dasociedade existente até a sua autodestruição.14 

Parece claro que a crença na positividade alcançou tal

13 BAUER, 1999, p. 217.14 ADORNO, 2009, p. 299.

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ponto de realização, que as estruturas que se esperavamfirmes e seguras, sofreram um abalo desrealizador. Asensação de Adorno de que se comete uma injustiça é a

expressão daqueles que estiveram no centro do furacão edeste estiveram distantes, de modo a lançar um olhar críticosobre todo falatório posterior. A posição de Adorno é dequem viu de perto as consequências de uma iluminação dacultura demasiadamente ofuscante. Aqui, a questão não é deuma crítica ao esclarecimento, mas de uma patologização darazão iluminadora, onde a luminosidade da ideologia se fezpassar por uma agudização da razão, cheia de promessas ecertezas.

O fato de isso ter podido acontecer no cerne de todatradição da cultura, da arte e das ciências esclarecidasnão quer dizer apenas que a tradição, o espírito, nãoconseguiu tocar os homens e transformá-los. (...).

 Toda cultura depois de Auschwitz, inclusive a suacrítica urgente, é lixo. Na medida em que ela

restaurou depois do que aconteceu em sua paisagemsem qualquer resistência, ela se transformoucompletamente na ideologia que potencialmente era,desde o momento em que, em oposição à existênciamaterial, ela se permitiu conferir-lhe a luz da qual aseparação do espírito ante o trabalho corporal apriva.15 

 Toda cultura posterior a Auschwitz é lixo porque não

pode reparar tamanha desrealização provocada e ao mesmotempo retomar os projetos que foram arrasados. Não querdizer que os homens não foram tocados  pelo espírito, mas queum tipo de subjetivação tão intensa e ao mesmo tempo tãomascarada dentro de sentidos superiores demonstraram oquão frágil é a instituição da verdade absoluta dentro dapossibilidade de transformações avassaladoras de mundos.Percebe-se que, vender um mesmo tipo de relação com a

15 ADORNO, op. cit., p. 304.

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cultura e o pensamento já não era mais possível, porque osabalos foram na sua fundamentação.

Em seu Estado de não liberdade, Hiter impôs aoshomens um novo imperativo categórico: instaurai o vosso pensamento e a vossa ação de tal modo que Auschwitz não se repita, de tal modo que nada dessegênero aconteça. Esse imperativo é tão refratário àsua fundamentação quanto outrora o dado doimperativo kantiano. Tratá-lo discursivamente seriaum sacrilégio: é possível sentir nele corporalmente omomento de seu surgimento junto à moralidade.

Corporalmente porque ele é o horror que surgiupraticamente ante a dor física insuportável à qual osindivíduos são expostos mesmo depois que aindividualidade, enquanto forma de reflexãoespiritual, se prepara para desaparecer. (...). No

 vivente, a camada somática e distante do sentido épalco do sofrimento que queimou sem qualquerconsolo nos campos de concentração tudo o que o

espírito possui de tranqüilo, e, com ele, a suaobjetivação, a cultura.16 

 A instauração de um imperativo categórico no qual ahistória não deve se repetir é tal como um alerta para umretorno do mesmo, ou uma compulsão à repetição em que voltamos sempre ao mesmo lugar na impossibilidade defazer diferente. Um fluxo constante que gira em torno de simesmo. Parece ser o que Adorno nos remete. Das marcas da

história provocadas pela psicopatia iluminada, à inscrição deuma moralidade perversa carregada no corpo, produziu-seuma massa homogênea de desesperados. A cultura, ou a ideiaque se fazia desta e que até então se preservava estabelecida,queimou nas valas comuns da hipocrisia racionalista. Mas,apesar do fracasso da cultura em dar o alívio que amodernidade vinha alimentando, parece que ainda seretroalimenta com as poucas sobras que restaram. Não é

16 ADORNO, 2009, p. 303.

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difícil encontrar ainda sobras espalhadas pelos porões denossa realidade, principalmente de nossa realidade brasileira.Mas, das sobras, é preciso ter coragem para encará-las, expor

os seus mecanismos e artimanhas, coragem diante doimperativo do eterno retorno do mesmo, onde a única saídaé a diferença. Fazer a crítica dos fenômenoscontemporâneos, expondo seus valores é enxergar de outromodo, necessidade de uma qualidade diferente do enxergar.

Nietzsche e Adorno, contemporâneos: consideraçõesconclusivas

Mas o que significa dentro da tradição filosófica serum filósofo crítico? Para responder esta questão, associo sercrítico a ser contemporâneo nas palavras de Agamben. Noensaio O que é o contemporâneo?   o filósofo italiano discorresobre a quem e ao o que somos contemporâneos, sobre acapacidade de enxergar o escuro do tempo, sobre aquele que

indissociado deste lhe toma distância. Agamben estabelececom o tempo e o contemporâneo uma relação com acapacidade de enxergar o escuro devido às células chamadasoff-cells , o que vemos (ou o que achamos que não vemos) nãoé a ausência de luz, mas sim a atividade destas células queproduzem aquilo que percebemos como escuro. Perceba-seo quanto isso é interessante; ver o escuro não é umainabilidade do enxergar, porém uma produção ativa deste,

diria até uma intencionalidade para este fim. Deste modo, sercontemporâneo é enxergar o escuro muito além do enxergarno escuro, já que enxergar no escuro pressupõe aproveitar aluz rarefeita do ambiente, tal como os animais o fazem como mínimo de luminosidade. Para Agamben, este olhar ativoo escuro do tempo é a capacidade “de escrever mergulhandoa pena nas trevas do presente”17. Assim percebo o trabalho

17 AGAMBEN, Giorgio. O que é o contemporâneo? e outros ensaios.Chapecó: Argos, 2009, p. 63.

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filosófico de Nietzsche e Adorno e a relação destes com oque lhe era contemporâneo, sendo a crítica a capacidade deenxergar o escuro, de enxergar não a pouca luminosidade,

mas enxergar os pontos escuros que ainda não eramcobertos pela incandescência da modernidade. Tal comopara Nietzsche onde reabilitar a figura de Dionísio, o deusdas sombras, se contrapõe à demasiada luminosidadeapolínea, Adorno também soube enxergar o escuro do quelhe era contemporâneo, um tempo onde as escuridões eramdensas de luminosidade. O choque provocado pela guerra, adesrealização causada por Auschwitz afeta seusespectadores, não sendo “raro acontecer de homensreflexivos e artistas registrarem uma sensação de não estaremcompletamente presentes, de não tomarem parte no jogo”18.

 Tomar parte do jogo da filosofia, estabelecer com elauma relação de distância e aproximação, mergulhar aindanovamente a pena nas trevas. Deverá esta capacidade críticado filósofo contemporâneo partir do chão duro e

massacrado da cultura? Certamente sim, é o que resta, masdeverá partir de uma vontade de verdade desencantada como prodigioso sucesso que carregam as ciências e as ideologiascontemporâneas, certamente de um desengano com aspromessas da prática  sem teoria . Adorno, que viu de perto osefeitos nefastos provocados pela ideologia e pela técnica nocurso da história humana e, sobretudo das ideias,testemunhou os acontecimentos que culminaram em

 Auschwitz e o estilhaçamento da cultura; mas nada mais serápossível depois de Auschwitz?O século das luzes trouxe uma ampla luminosidade,

cada canto iluminado estende-se pelos séculos seguintes. Talvez esta luminosidade tão incandescente e tãoavassaladora tenha cegado alguns contemporâneos. Auschwitz é a prova disto. Mas talvez os verdadeiroscontemporâneos tivessem tomado conta que a capacidade de

18 ADORNO, 2009, p. 300.

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critiques of ideology, readings of Wagner. Albany:State University of New York Press, 1999.

NIETZSCHE, Friedrich. Genealogia da Moral: umapolêmica. Trad. Paulo César de Souza. São Paulo:Companhia das Letras, 2009.

 __________________. Assim Falou Zaratustra: Um livropara todos e para ninguém. Trad. Paulo César deSouza. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

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 Adorno e a psicanálise: Umalição de Arnold Schoenberg

 Estevan de Negreiros Ketzer 1 Para Omero Pereira da Costa

Introdução: regras para o psiquismo

Se a música de Schoenberg não é intelectual ela requer para issointeligência musical.

 T. W. Adorno

O desenvolvimento da música é, mais do que qualquer outra arte,dependente do desenvolvimento de sua técnica.

 Arnold Schoenberg

Percebemos esse movimento primitivo da voz,encontros em que muitas falas são intermitentes e podempor vezes causar confusão. A mente percebe maislentamente o peso do que lhe acomete como as vozes decomando dos outros. Talvez devêssemos olhar para acriança, acima de tudo, a criança que tem suaespontaneidade, mas acaba por reclinar-se ao mal de uma

ordem, de uma ordem que coloca sua criação sob o crivo damoral. Eis aqui o prolegômeno para discutirmos um certoadiantamento das primeiras fixações erógenas, não restritasao critério da boca, do ânus ou do falo, mas a uma outrainterdição da ordem da escuta: o que o ouvido retém comoimagem, o que a onda cerebral expressa como voz. Tãointerna, sutil e perpétua sobre um écran   inconsciente.

1 Psicólogo clínico. Doutorando em Teoria da Literatura pela PUCRS.Email: [email protected]

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Inconsciente é a ordem das pulsões, não sendo jamais amesma nesse direcionamento do corpo e da cultura paraformarem um sujeito que acredita estar certo da verdade

sobre como governar a si a se relacionar com os outros.Sobre uma certa música, difícil de escutar, exigindo sair dageneralidade dos sons emaranhados da natureza, agora nascea preparação para uma composição desses mesmos sonscom uma incrível independência dos meios da qual foigerada quase por espontaneidade.

Não parece obra do acaso o interesse que apsicanálise tem sobre a organização mental e suasdisposições nas fontes corpóreas. O corpo não é um meroapêndice. Nietzsche, Freud, Schoenberg e Adorno o sabiambem. Com a mudança no plano dos estudos psicológicosfundados por Wilhem Wundt, a partir de seu laboratóriolocalizado em Leipzig, notamos o envolvimento da psico-fisiologia com caráter fortemente empírico, caracterizando aatividade científica2.

Em parte, a pesquisa em desenvolvimento daatividade psicológica teve grande impulso com osposicionamentos de Hegel. Fortemente influenciado peloidealismo alemão, uma vez que ele também está disposto afazer uma crítica ao romantismo de sua época, o pensadorde Iena, descortina um pensar crítico sobre os dadospositivos encontrados na natureza:

Experiência é justamente o nome desse movimento

em que o imediato, o não-experimentado, ou seja, o

2 Uma forte referência crítica à postura dos primeiros psico-fisiologistasalemães está contida no trabalho de Friedrich Nietzsche. Para Nietzsche,a filosofia deveria afastar-se da metafísica e combater a moral protestanteque impediam a potência humana de se realizar. O filósofo desenvolveua metáfora da ponte entre o homem e o animal, cunhando o conceito deSuper Homem ( übermensh  ). Cf.: NIETZSCHE, Friedrich. (1883)  Assim

Falou Zaratustra . Rio de Janeiro. Civilização Brasileira, 2008. Veremostambém alguns problemas dessas considerações com as interpretaçõesposteriores de Martin Heidegger.

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abstrato  –   quer do ser sensível, quer do Simplesapenas pensado  –   se aliena e depois retorna a si dessaalienação; e por isso  –  como é também propriedade

da consciência  –   somente então é exposto em suaefetividade e verdade3.

Logo, para Hegel, um fenômeno que apareça àpercepção está em sua forma dado no positivo e, nestacomposição, afasta o negativo de seu processo de captaçãocom a exposição do positivo na forma da apresentação( Darstellung  ). Há um contraponto fenomenológico em Hegelestabelecido com muita antecedência: a consciência pregauma peça e tende a estabilizar mais facilmente o campo dafaticidade do mundo, precisando por isso mesmo, serinterrogada onde acredita que já chegou na verdade dascoisas, portanto vemos o termo alienação (  Entfremdung  ) aquiutilizado. Para tanto o negativo é emergente no processo dedelimitação do conhecimento científico e a provocação donegativo é geração de um novo conteúdo que serve para o

estabelecimento da interioridade do ser pensante4

. Hegelencontra uma forte crítica ao positivo pelo anteparo donegativo. “A diferença é a lei da força .”5 Aqui, é preciso deixarclaro que essa diferença irá interferir em muitos resultados

3  HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. (1807) Fenomenologia do espírito.Petrópolis/Bragança Paulista: Vozes/Edusf, 2008, p. 46.4

 O problema de Hegel parece por vezes resumido na relação triádicaentre o ser-em-si (  Ansichsein  ) que precisa se exteriorizar (  Äussern  ) parapoder encontrar a nova medida de sua afirmação, sua supressão(  Aufhebung  ), isto é, a entrega de um resto em relação a tudo o que foipensado anteriormente, negatividade radical. Para cada tentativa desupressão encontramos o nascimento de um novo problema na relaçãodos termos hegelianos e isto a Fenomenologia do Espírito  se esforça pormostrar em seus pormenores, problema de um resto da conflitivacultural a ser resolvido no futuro, problema de toda a apresentação( Darstelung  ) que se torna representação ( Forstelung  ).5  HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. (1807) Fenomenologia do espírito.Petrópolis/Bragança Paulista: Vozes/Edusf, 2008, p. 119.

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encontrados nos experimentos científicos da ciênciamoderna. Instalada a diferença no experimento científico, acompreensão é abalada devido aos resultados discrepantes

plenos de empiricidade, tal como vemos no artigo “Críticacultural e sociedade”, de 1951, em que Adorno adverte:

Quanto menos o método dialético pode hojepressupor a identidade hegeliana de sujeito e objeto,tanto mais ele está obrigado a levar em conta adualidade dos momentos, a relacionar oconhecimento da imbricação do espírito nela, com apretensão do objeto a ser reconhecido enquanto tal,segundo o seu conteúdo específico. Por isso adialética não permite que nenhuma exigência depureza lógica a impeça de passar de um gênero aoutro, de fazer com que a coisa fechada sobre siprópria se ilumine através do olhar voltado para asociedade, de apresentar à sociedade a conta que acoisa não é capaz de pagar.6 

Significa também que ao tratar de questões humanas,tal como fazem as ciências do comportamento, há umexcesso incontornável de sensibilidade e de históriasconstitutivas dos sujeitos envolvidos. A responsabilidade alienvolvida é muito anterior à solução objetiva dos problemashoje caracterizados como transtornos ( disorders  ) mentais.Este fato leva impreterivelmente a um posicionamento éticoiminente por parte do entrevistador: como lidar de forma

ética com as informações obtidas em uma entrevista; comorespeitar a pessoa humana em sua integralidade; comorespeitar a vida dos animais utilizados para uma pesquisa;como devem ser encaminhadas as entrevistas de avaliação( rapports  ) priorizadas pelos psicólogos clínicos, para citaralguns exemplos. Afinal, o como diz respeito a uma indagação

6 ADORNO, Theodor. W. (1955) Prismas: crítica cultural e sociedade . SãoPaulo: Editora Ática, 1998.

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atrelada à objetividade advinda dos resultados e sua boaexecução, examinados nos pormenores da ciência moderna.

O fato de que aplicam aos homens as mesmasfórmulas e resultados que eles, desencadeados,arrancam a animais indefesos em seus atrozeslaboratórios de fisiologia confirma essa diferença demaneira particularmente refinada. A conclusão quetiram dos corpos mutilados dos animais não se ajustaao animal em liberdade, mas ao homem atual.7 

Deste modo, falar de qualquer suposta neutralidade  

científica é no mínimo ser leviano com as própriasconseqüências da ciência quando esta quer encontrar um serhumano que exige demandas e respostas na mesma velocidade com que se levantam moradias urbanas ou a curapara a AIDS. Quando há uma insistente tentativa de acoplaro humano a um determinado processo que o separe de umaindagação mais primordial estamos diante de umamecanização e utilização desmedida de emoções superficiais,

característica típica da sociedade de bem estar social ( welfarestate  ), idealizando uma felicidade total que é retroalimentadapela utilização de bons estímulos sociais.

 Adorno não só conhecia esse caminho perseguidopela ciência como tinha em mente que a crítica a esseprocesso mecânico exigia uma drástica mudança nodirecionamento da arte e da filosofia do seu tempo paraassim alcançarem um estágio radical de reflexão sobre as

finalidades e conseqüências sobre o domínio docomportamento humano. O homem atual vive como umrato em uma Caixa de Skinner, uma vez que está acuado edependente da boa avaliação que repercute em seu meioexterno. Sua maior expectativa é que o meio o recompense.Homem ícone, perseguindo a generalidade, o que faz ser viril

7

 ADORNO, Theodor. W. & HORKHEIMER, Max. (1944) Dialética do Esclarecimento: fragmentos filosóficos . Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006, p.201.

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ou soltando uma piada de bom tom, mas impreterivelmenteconduzindo-o à felicidade, não a sua própria, mas umafelicidade que os outros assim a considerem como ideal. A

suspeita da realização desses comportamentos, a própriapalavra comportamento  afeita à demonstração pública e adescaracterização de um ser humano em conflito e possuidorde iniciativas inconscientes, é próprio do hiper positivismoestadunidense das primeira metade do século XX. Nessemomento as definições que tinham por fim a pureza de umaracionalidade uniforme começam a mostrar outro desgaste,mais tenebroso do que aquele advindo das descobertas doséculo XIX: a ciência, a partir de agora, dita a ordem paramanter o controle social das massas. Estamos diante dobiopoder, tão examinado por Foucault8, mas que Adorno éum de seus críticos precursores. Esse movimento foichamado de behaviorismo social, para mostrar justamenteeste método empregado pela psicologia positivista parasignificar e acoplar o que se considera como o melhor

caminho para a tomada de decisão, tanto do Estado sobre aspessoas, como do aperfeiçoamento moderno dosmecanismos de auto correção (  feedback ) entre os indivíduos,mecanismos esses tidos como naturais e necessários à boamanutenção da vida.

 Assim, encontramos na crítica à teoria social de Theodor Ludwig Wiesengrund-Adorno, a identificação doscódigos culturais que registram a estática na representação

de uma ideologia sobre o procedimento do comportamentohumano no ocidente. Esse comportamento está entranhadoem nossas relações com os objetos culturais e é sempre umaforma de interpretar mais facilmente com vistas a uma dadaobjetividade imanente às coisas. Desde já o procedimentodialético de Adorno é uma operação de desmantelamento da

8

  FOUCAULT, Michel. O Sujeito e o Poder. In: RABINOW, Paul eDREYFUS, Hubert.  Michel Foucault: uma trajetória filosófica. Para além doestruturalismo e da hermenêutica . Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995.

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ordem vigente, tanto de fenômenos culturais como sociais,onde também a psicanálise tem algo a manifestarcontrariamente à posição advinda do behaviorismo. Adorno

faz uma forte acusação aos meios de comunicação de massasem sua interpretação facilitada da realidade em face dopoderio econômico imposta por uma determinada classe9,uma vez que entram nesta seara as formas de sentir einterpretar as expressões artísticas: leia-se a partir de agora apalavra  gozo  como o flagelo de um prazer desintegrado eretido às formas de sensibilidade mais superficiais.

 Adorno, ao conhecer o dodecafonismo durante seusestudar com Alban Berg, eminente aluno de ArnoldSchoenberg, amplia a crítica à música de seu tempo, mas ofaz com uma finalidade da qual a própria psicanálise teria seafastado para adaptar-se melhor às demandas e exigênciasmédicas. A música de Schoenberg se propõe a pensar aresponsabilidade que a educação dos sentidos possui norepertório criativo humano. Esse embate e contribuição

serão aqui explorados. A psicanálise e o reducionismo psicológico

 A medida que o homem impõe para impedir quecertos fatos cheguem à consciência gera uma angústiaincalculável. Ao mesmo tempo que essa angústia gerada poruma forte repressão advém de um interior, ela também

possui sua origem mais remota nos estágios primitivos doaprimoramento das leis: a lei do  ghenos , conforme SigmundFreud assinala e, mais ulteriormente, Claude Lévi-Strausscomplexificará junto ao estruturalismo. Nesse embaraçocriado pela perspectiva de que um certo modo de operação

9  “A falsa clareza é apenas uma outra expressão do mito”, tal comoafirmam no “Prefácio” e com maior grau de exposição no artigo “A

indústria cultural: o esclarecimento como mistificação das massas”, em ADORNO, Theodor. W. & HORKHEIMER, Max. (1944) Dialética do Esclarecimento: fragmentos filosóficos . Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006, p. 14.

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instituições sociais, pois ele busca uma realização tambémpara o que está fora de si mesmo.

Não admira que, sob a pressão de todas essaspossibilidades de sofrimento, os homens se tenhamacostumado a moderar suas reivindicações defelicidade - tal como, na verdade, o próprio princípiodo prazer, sob a influência do mundo externo, setransformou no mais modesto princípio da realidade-, que um homem pense ser ele próprio feliz,simplesmente porque escapou à infelicidade ousobreviveu ao sofrimento, e que, em geral, a tarefa

de evitar o sofrimento coloque a de obter prazer emsegundo plano12.

 Aqui está um ponto importante da pesquisapsicanalítica ao se inclinar para pensar as relações entre asdescobertas clínicas e as referências culturais. Freud entendecom facilidade as coerções que a humanidade vem secolocando já à beira da catástrofe de que se aproximava o

mundo ocidental, entre 1929 e 1939. Ele conecta-se com oenorme desconforto das pessoas em seu tempo, pois em Viena há a divisão entre os fracos e os fortes, pesando sobrea população de origem judaica a identificação com asmazelas ocasionadas no pós-Primeira Guerra Mundial. Esteideal foi posto em prática pelos ufanistas do chanceleralemão Adolf Hitler que toma o poder da Alemanha a partirde 1933. Parece muito claro que há um discurso que se utiliza

do ódio contra uma minoria étnica financeiramente bemsucedida para expiar os próprios problemas dessapopulação13.

12 Cf. FREUD, Sigmund. (1930[1929]) O Mal-Estar na Civilização. In:STRACHEY, J. (Ed. e Trad.). Edição standard brasileira das obras psicológicascompletas de Sigmund Freud. Vol. 21. Rio de Janeiro: Imago, 1974, p. 141.13 GAY, Peter. Freud: uma vida para o nosso tempo. São Paulo: Companhiadas Letras, 2012.

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O que Freud aponta é algo na emulsão dos instintosde destruição mais primevos no ser humano: “Os homensadquiriram sobre as forças da natureza um tal controle, que,

com sua ajuda, não teriam dificuldades em se exterminaremuns aos outros, até o último homem”14. Há uma dificuldadede relacionar a vontade com o objeto reprimido. Opensamento passa a ser auto-imune, racionalizando todos osobjetos para que não chegue até a dimensão de impotênciaque o acomete. O pensamento, no caso particular de umaguerra, se utiliza de uma racionalidade utilitarista, em termosbenthaminianos, sendo mais importante a noção econômicado que o respeito à integridade da vida. Essa massificaçãopanfletária, despertada pelo discurso de ódio ao diferente15,torna difícil realizar uma auto-crítica, uma vez que os objetosinternalizados pelas pessoas são agressivos ao externo, o queleva a elas encararem como potencialmente perigosoqualquer interrupção diferencial da ordem estabelecida. Éum pensamento sem flexibilidade, atrelado a uma dimensão

rasa da racionalidade binária, não colocando em contatoafetos e sensações que não sejam narcísicos, isto é, comreflexo em si mesmo. A razão binária, simplificadora, prefereo inteligível ao sensível, instalando-se em cada um para quenão hajam aprofundamentos de questões, dilemas econflitos, terminando por projetarmos em outrem o ódio deuma vida insatisfeita, anestesiando nossa responsabilidadesobre um mal estar de um desejo frustrado.

14  FREUD, Sigmund. (1930[1929]) O Mal-Estar na Civilização. In:STRACHEY, J. (Ed. e Trad.). Edição standard brasileira das obras psicológicascompletas de Sigmund Freud. Vol. 21. Rio de Janeiro: Imago, 1974, p. 170.15 “As fantasias racistas sobre os crimes dos judeus, sobre os infanticídiose excessos sádicos, sobre o envenenamento do povo e a conspiraçãointernacional, definem exatamente o desejo onírico do antissemita e

ficam aquém de sua realização”, Cf. ADORNO, Theodor. W. &HORKHEIMER, Max. (1944) Dialética do Esclarecimento: fragmentos filosóficos . Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006, p. 153.

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Em sua obra póstuma, Teoria Estética , T. W. Adornoestabelece de início um debate entre a psicanálise e ainterpretação das obras de arte. “A arte possui

determinações essenciais que contradizem o caráterdefinitivo do seu conceito estabelecido pela filosofia daarte”16, ficando aqui nítido que há um trabalho para além dosreconhecimentos formais de conteúdo e estilísticadelimitados por uma visão muito rasa da crítica literáriaestabelecida. Como exemplo, podemos apreciar a formaensaística a qual Adorno faz alusão, como uma tentativa decriticar uma concepção de racionalidade totalitária, tãoapreciada na Alemanha de seu tempo, provocando forçascontrárias a sua emancipação, pois atrai para si a liberdadeda escrita, ponto entre a ciência e a literatura ficcional,aceitando o erro como sua condição prévia de fazer umalinguagem17. Essa forma é incentivada por Adorno, portrazer a interpretação de volta, acaba por desorientar, e tirade uma maneira radical a clareza de seu ponto convergente

galgado na compreensão de um conteúdo. “Compreender,então, passa a ser apenas o processo de destrinchar a obraem busca daquilo que o autor teria desejado dizer em dadomomento, ou pelo menos reconhecer os impulsospsicológicos individuais que estão indicados nofenômeno”18.

É claro que nesta celeuma existe algo maiscontundente: habita nela justamente a maneira de olhar para

um acontecimento do passado que possa ser narrado dealguma forma e interpretado, no sentido psicanalítico, comoo trazer para a consciência os conteúdos recalcados pelo

16 ADORNO, T. W. (1970) Teoria Estética . Lisboa: Edições 70, 2008, p.20.17 ADORNO, T. W. (1958) Notas sobre literatura 1. São Paulo: Editora 34,2003, p. 16.18 ADORNO, T. W. (1958) Notas sobre literatura 1. São Paulo: Editora 34,2003, p. 17.

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inconsciente. Nesse sentido, a explicação na qual a artetermina com a elucidação de uma pulsão sexual deslocada éaltamente prejudicial para a arte.

 As obras de arte são, para a psicanálise, sonhosdiurnos; ela confunde-os com documentos,transfere-os para os que sonham enquanto que, poroutro lado, os reduz, em compensação da esferaextramental salvaguardada, a elementos materiaisbrutos, de um lado aliás curiosamente regressivos emrelação à teoria freudiana “do trabalho do sonho”.19 

Deixar-se levar pelo devaneio é um foco semsentido. O princípio de analogia da obra com o autor deveser seguido, uma vez que é no devaneio que a expressão doinconsciente se manifesta de forma mais livre. Isso segue deacordo com a própria escuta clínica que o psicanalista faz esua função ali no setting,  ao montar as configuraçõesnecessárias para traduzir o sentido perdido pelo paciente.Esse espaço de tornar um determinado conteúdo consciente

não vem apenas por uma solicitação do paciente, mastambém pela geração da demanda de trabalho que o analistaprecisa encontrar para configurar e, assim, apontar ouniverso que surge na fala do analisando: como ele fala eaonde ele quer chegar com essa fala? “O elemento projetivono processo de produção dos artistas é, na relação com aobra, apenas um momento e dificilmente o decisivo; oidioma, o material e sobretudo o próprio produto têm um

peso específico, que surpreende sempre os analistas.”20 Essafrase é com efeito um ponto que não pode passar em branco,tendo em vista o caráter de espontaneidade a que uma obraleva seus espectadores.

19 ADORNO, T. W. (1970) Teoria Estética . Lisboa: Edições 70, 2008, p.22.20 ADORNO, T. W. (1970) Teoria Estética . Lisboa: Edições 70, 2008, p.22.

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 Ao libertar a arte para diferentes correntesinterpretativas sem fechá-la em uma sintomatologiaespecífica, o intérprete também terá de encarar uma

determinada ausência e incompreensão dos processosinternos que a constituem. Para Adorno a obra de arte não éuma propriedade exclusiva do artista e ele não é o detentorda verdade sobre sua criação. Tão pouco o reflexo de suaspaixões poderia ser forte o suficiente para que a obra fossecolocada sobre um divã. “No processo de produçãoartístico, as monções inconscientes são impulso e materialentre muitos outros.”21  Dessa forma, uma interpretaçãopsicanalítica não poderia ser crassa ou diametral sobre umconteúdo esboçado na obra, mas antes ela visa menos aocomplexo do artista e mais ao processo de composição.

Neste ponto, a obra de Arnold Schoenberg está paraalém da manifestação de uma vontade cega de fazer arte, mastorna-se o encontro verdadeiro, tal como escreveu Adornoem sua homenagem intitulada, “Arnold Schoenberg (1874-

1951)”, de 1953: “uma constante insatisfação com tudo oque não criasse como algo inteiramente original”22. Veremosque mais do que uma linguagem original, em termos demúsica, Schoenberg tem em mente outros elementos dedifícil tradução e concomitantes a uma nova possibilidade deexperimentação sensível trazida pela aprendizagem damúsica.

Música e filosofia

21 ADORNO, T. W. (1970) Teoria Estética . Lisboa: Edições 70, 2008, p.23.22 ADORNO, Theodor. W. (1955) Prismas: crítica cultural e sociedade . SãoPaulo: Editora Ática, 1998, p. 148.

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Fig. 1 –  Cinco peças para piano Op. 23, detalhe do movimento 5, de Arnold Schoenberg

Esta peça musical, acima transcrita para pauta, deautoria de Arnold Franz Walter Schoenberg,  –  Schönberg,tal como era grafado originalmente –  é considerada como aprimeira exposição da técnica dodecafônica. Ododecafonismo é uma reação a todo o sistema tonal levadoa cabo pelo Ocidente até sua apresentação formal no ano de1923, com estas Cinco peças para piano Op. 23. Não era apenaso sistema musical e artístico de um modo geral que foramsolapados, mas havia também a crise decorrente do final da

Primeira Guerra com a derrota da Alemanha e o crescenteempobrecimento da experiência.23  A sociedade européiaencontra-se numa forte depressão, tal como indicam seusmovimentos artísticos: o aparecimento das vanguardasliterárias com Marcel Proust, James Joyce e Franz Kafka; osurrealismo de André Breton, Paul Elouard e Salvador Dali;a arte cubista de Pablo Picasso; os famosos ready-made   deMarcel Duchamp; as inovações de Vassily Kandinsky na

pintura e na arquitetura da Bauhaus  alemã; as intensificaçõesno uso da atonalidade com Claude Debussy e GustavMahler; são alguns exemplos de inovações e percepções que

23  Sobre esse período o ensaio de: BENJAMIN, Walter. (1933a)Experiência e Pobreza. In:  Magia e Técnica, Arte e Política: ensaios sobreliteratura e história da cultura:  obras escolhidas vol . 1. São Paulo: Brasiliense,

1994; para detalhes mais claros e uma análise macro do período, cf:HOBSBAWM, Eric J. Era dos Extremos: o breve século XX: 1914-1991. SãoPaulo: Companhia das Letras, 1995.

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sinalizam o final de uma era e o começo de transformaçõescontundentes na sensibilidade humana.

Schoenberg, após a má recepção de sua obra Pierrot

lunaire , em 1912 –  obra esta que trava um rompimento como canto propriamente dito, sendo melhor interpretada como“contínua transição harmônico-intervalar”24  – , não vem à luzcomo simples sintomatologia da crise alemã. As pequenastransformações da música abrem portas completamenteinovadoras. Schoenberg tem essa clareza, uma vez que aprimeira edição de seu livro Harmonia   é de 1911, ou seja,podemos considerar como um questionamento teórico coma música vocal até então escrita. Eis que encontraremos umsilêncio de dez anos na produção de obras artísticas. É comose Schoenberg não estivesse satisfeito com todas as grandespretensões da música vigente, incluindo aí o próprioexpressionismo no qual esteve filiado. Até então o sistematonal era galgado por aquilo que o musicólogo belgaFrançoise- Joseph Fetis reconhecia como “a sucessão de

fatos melódicos e harmônicos que advêm da disposição dasdistâncias dos sons em nossas escalas maior e menor”25. Oque fica claro nesta pequena afirmação é que o respeito aessas regras leva impreterivelmente a uma entrada na formaconsagrada da harmonização pela sequência tonal que tece aharmonia   envolvendo tônica, terça e quinta da escaladiatônica26; da estipulação de um ritmo, intervalo entre ossons musicais, da obra; e da geração de melodias  para criarem

24 Nesta peça há uma entrada mais contundente na união entre canto efala, algo como uma intromissão da música de oratório em um cabaré.Cf. MENEZES, Flo. Apresentação: as coisas, seus nomes e seus lugares.In: SCHOENBERG, Arnold. (1921) Harmonia . São Paulo: EditoraUNESP, 2001, p. 13.25  Fetis é citado por MENEZES, Flo. Apresentação: as coisas, seusnomes e seus lugares. In: SCHOENBERG, Arnold. (1921) Harmonia .São Paulo: Editora UNESP, 2001, p. 15.26 O famoso dó-ré-mi-fá-sol-lá-si  formam aqui a escala diatônica do tom Dómaior, por exemplo.

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determinadas imagens musicais. A arte da música deveriaregistrar sensações de sentimentos humanos, soando demaneira integrada à sua respectiva tonalidade, isto é, uma vez

encadeada ao domínio de uma nota tônica que comandará asoutras notações no conjunto da composição. Cada som daescala possui uma função determinada que deveimpreterivelmente soar bem ao ouvido, mesmo que utilizepara isso acordes dissonantes, geralmente diminutos como vemos no período barroco, ou mesmo de notas queencadeiam acordes que não lhe são comuns. Essas pequenasdissonâncias também eram interessantes para geraremtensões.

O sistema dodecafônico se propõe a desenvolver osdoze sons da escala musical, conhecido como cromatismo,sem repetição das notas ou partindo da escolha livre dasdurações prolongadas ou encurtadas das notas. Os doze sonssão organizados em uma série original  para depois: 1) seremtocados da direita para a esquerda ( retrógrado original  ); 2)

invertendo-se a direção dos intervalos ( inversão original  ); 3) e,por fim, a forma invertida é lida da direita para a esquerda( retrógrado da inversão ). Os doze tons se tornam possíveis em48 variações27. O sistema de Schoenberg dá igualdade àsnotas, imprimindo uma profunda espacialidade nacomposição, proporcionando ao som musical o contato coma sua lei interna de composição e com algo queinevitavelmente foge a uma estética do belo28.

27 BENNETT, Roy. Uma breve história da música . Rio de Janeiro: JorgeZahar, 1986.28  Aqui parece clara a intenção de Adorno quando pensa que a “arte sóé interpretável pela lei de seu movimento, não por invariantes.Determina-se na relação com o que ela não é (...) a sua lei do movimentoconstitui a sua própria lei formal.” Cf. ADORNO, T. W. (1970) Teoria

 Estética . Lisboa: Edições 70, 2008, p. 14. Veremos a seguir algumas

conseqüências que podem ser interpretadas dessa frase e algunsproblemas com a postulação cromática como lei do movimento sonoroem Schoenberg.

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 Assim, foram aceitos no sistema somente aquelescomplexos sonoros aos quais se podia atribuir essemodelo, pois é óbvio que o acorde de sétima é uma

sonoridade mais complexa do que, por exemplo, umacorde dó-mi-sol-ré , conforme vou expor mais àfrente. Mesmo assim, o acorde de sétima é umacorde, e esse complexo sonoro não é!29 

Esse fato característico de uma ruptura ocasionadapela pesquisa sonora que empreendeu foi suficiente para seracusado de ter racionalizado desmesuradamente a música deseu tempo, retirando todo o afeto, a sensibilidade e aliberdade da composição que o sistema tonal propunha.Contudo, qualquer compositor seria livre ao definir a série,uma vez que a liberdade sonora é extrapolada, retirando daaltura a exclusividade sonora que imperava na composiçãotonal30.

 Adorno, precocemente, percebe a genialidade dosistema de Schoenberg, e além de aprender a técnica

dodecafônica, tal como percebemos em suas “Duas peçaspara piano” ( Zwei Klavierstücke  ), de 1934, o filósofo deFrankfurt também desempenhou atividade de críticomusical, enxergando no dodecafonismo mais do que uma

29  SCHOENBERG, Arnold. (1921) Harmonia . São Paulo: EditoraUNESP, 2001, p. 446. Essa consideração é substancial para ser pensadacomo exemplo da amplitude de possibilidades da harmonia em direção

à razão complexa de constituição dos acordes.30 Deve-se estar consciente de que na primeira fase do dodecafonismohá uma forte iconoclastia característica de seu movimento de rupturacom a tonalidade. Posteriormente, quando Schoenberg parte aosEstados Unidos, e com o desenvolvimento do serialismo, ele próprio iráapresentar em seus concertos algo de uma sensibilidade surpreendente:“As melhores peças, contudo, não confiavam nem nas sériesdodecafônicas, nem nos trios tradicionais. São aquelas nas quais ele operadesembaraçadamente com meios composicionais próprios; dispondo em

camadas, por exemplo, campos temáticos ordenados ao redor dediferentes modelos centrais.” Cf: ADORNO, Theodor. W. (1955)Prismas: crítica cultural e sociedade . São Paulo: Editora Ática, 1998, p. 167.

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mera matematização musical, mas sim vendo os elementossubstanciais para uma contundente crítica da Alemanhanazificada.

Com isto não afirmo que uma composição sejacompreensível espontaneamente apenas em suaprópria época e que está destinada à degradação ouao historicismo. Mas a tendência social geral, queeliminou da consciência e do inconsciente dohomem essa humanidade que outrora constituía ofundamento do patrimônio musical hoje corrente,faz com que a ideia da humanidade se repita ainda

sem caráter de necessidade e somente no cerimonial vazio do concerto, enquanto a herança filosófica dagrande música somente por acaso atinge quemdesdenha esta herança.31 

Os fatos concretos da história foram esquecidos paradar luz a uma mitologizaçao do homem moderno galgada emum passado ancestral digno de ser cantado em canções e,

assim, transmitido pela memória da nação alemã ( Heimat  ).Uma sociedade imaculada e purificada se apresenta aqui.Surge a ideia de um Ser, entidade ordenadora e constitutivadas coisas, vulgarmente abstrata para uma classe de filósofosque tentam responder à morte da metafísica promulgada porNietzsche. O líder dessa classe parece ser, sem sombras dedúvida, Martin Heidegger, colocando em litígio o significadoambíguo desta palavra possuidora de uma natureza própria

e exclusiva de ser o ente ( to on  ) e, portanto, a não assumir-seem uma referencialidade com a questão do Ser (o Seyn , comoHeidegger buscou trazer do alemão antigo). “Procura-se umfundamento, que deve fundar o império do ente, comosuperação do Nada”32. Este ente que não nega o Ser, pois

31  ADORNO, T. W. (1948) Filosofia da nova música . São Paulo:Perspectiva, 2004, p. 19.32 HEIDEGGER, Martin. (1935) Introdução à metafísica . Rio de Janeiro:

 Tempo Brasileiro, 1969, p. 57.

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 vive como um ser, mas não é Nada, algo tão envolvido naaporia de Parmênides quanto qualquer outro objeto em queo pensar se equivale a um ideal de pensar e, por sua vez,

torna-se pura abstração. A revigoração da ontologia a partir de uma intençãoobjetivista seria suportada por aquilo que certamentemenos se adéqua à sua concepção: pelo fato de osujeito ter se tornado em grande medida ideologia,dissimulando o contexto funcional objetivo dasociedade e tranquilizando o sofrimento dos sujeitosno interior dela. É nessa medida que o não-eu recebeuma preponderância drástica em relação ao eu, e nãoapenas hoje. Isso é deixado de lado pela filosofia deHeidegger, mas ela o registra: em suas mãos, esseprimado histórico transforma-se pura esimplesmente em primado ontológico do ser antetodo o elemento ontológico, ante tudo aquilo que éreal.33 

 A acusação formal é de que a ontologia fundamentalde Heidegger é uma reação conservadora que está próximada ideologia política do nazismo alemão34, uma vez que suasituação binária ao determinar o ser e o não-ser coloca emperspectiva toda uma situação classificatória, como aaclamação à pureza étnica e perseguição ao fruto do acasoou da mestiçagem, típicas do povo judeu, cuja verdadeuniversal pudesse estar submetida sob a égide de um mesmo

pensamento. A busca dessa clareira, como o próprioHeidegger chama o ser-aí ( Dasein  ) como a atividade de umente preferencial –  a linguagem humana –  que melhor captao Ser, escapando a uma conceitualidade que leva adivergências mentais na sua pretensão de ser real. A opção

33 ADORNO, T. W. (1966) Dialética negativa . Rio de Janeiro: Jorge Zahar,2006, p. 64.34

 Para maiores detalhes, cf. SOUZA, Ricardo Timm de. O Tempo e a Máquina do Tempo: estudos de Filosofia e Pós-modernidade . Porto Alegre:EDIPUCRS, 1998.

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pelo ser não seria uma mera atribuição de sentido, mas, aomenos para a totalidade da filosofia ocidental, seria a últimaopção para escapar ao desamparo ocasionado pela

artificialidade da vida moderna, pois “o ser enfático deHeidegger seria o ideal daquilo que se entrega à ideação”35.

 A música deste tempo se volta ao passado paraconsagrar o encontro da raça ariana perdida. Acomplexidade musical de Schoenberg não tem espaço, sendoconsiderado arte degenerada (  Entartete Kunst  ), em 1937, pelo Terceiro Reich. Richard Wagner possui mais melodia e contaa história da formação ariana com sua peça “O Anel dosNibelungos” ( Der Ring des Nibelungen  ), a partir do resgate dacultura medieval. “Não somente o ouvido do povo está tãoinundado com a música ligeira que a outra música lhe chegaapenas como considerada ‘clássica’, oposta àquela; (...) aconcentração de uma audição responsável é impossível.”36 Éproblemático todo o conceito imanente sem finalidadetranscendente, uma vez que a busca está fora. Há uma

renovação do interno para o externo que não pode serentregue cegamente sem começar a tomar contato com asdiferenças que ali emergem, causando trânsito e conflito.

Por um ensino da música, um ensino do humano

Música advinda de um instante entre um som semsentido e sua organização em um universo materializado em

obra. Uma música partilha, assim como a palavra, de um some um sentido, remetendo a um novo patamar de restrições eaproximações que levam a um precedente sem tamanho nahistória ocidental. “Em outras palavras, gravitamos, segundoCarpeaux, em torno da evolução tonal européia, e nisso

35 ADORNO, T. W. (1966) Dialética negativa . Rio de Janeiro: Jorge Zahar,2006, p. 66.36  ADORNO, T. W. (1948) Filosofia da nova música . São Paulo:Perspectiva, 2004, p. 19.

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consistiria necessariamente para nós a (história da)música.”37  Wisnik mostra com isso um espaço departicularidade na forma de captar os sons e transformá-los

em música, uma vez que criamos também as pessoas que setornam seus grandes ícones. A linguagem do Ocidente écheia desse desenvolvimento do eu e da matéria que torna osom musical um sentido. Já há um som dentro de nós, vibrando de modo irregular e desconhecido, como mostra John Cage com sua experiência do silêncio. “O som épresença e ausência, e está, por menos que isso apareça,permeado de silêncio.”38 

Como é isso de acessar o silêncio? A música não devepreencher espaços onde justamente o silêncio não temsentido? De onde vem essa necessidade de expressãosonora? Schoenberg no seu leito de morte recita sua últimapalavra: Harmonia. Palavra que diz nela mesmo a base de seuestudo mais importante: uma lição ( Lehre  ) sobre como ossons se organizam na forma de música. A harmonia, diz ele,

não necessita de ornamentos, mas justamente de um encaixe ,um espaço adequado para que a música possa serdesenvolvida. Ele desafia as leis do entendimento musicalpor serem regras que tentam dar conta inclusive demovimentos sonoros futuros. É nesta matéria primitiva,ainda distante do estatuto pomposo que receberá o nome demúsica, que o compositor austríaco desafia a tradição pararenová-la de uma maneira surpreendente. Segundo a

tradição, os teóricos musicais “querem que suas teoriassirvam como estética prática; ambicionam influir no sentidoda beleza de tal modo que, mediante progressõesharmônicas, por exemplo, se produzam efeitos que possamser considerados belos; querem ter o direito de proibir os

37 WISNIK, José Miguel. O som e o sentido: uma outra história da música . SãoPaulo: Companhia das Letras, 1989, p. 10.38  WISNIK, José Miguel. O som e o sentido: uma outra história da música . SãoPaulo: Companhia das Letras, 1989, p. 10.

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sons e encadeamentos que consideram feios”39. Uma músicafeia, fora das regras, não tem o direito de ser apresentada,como fizeram com sua obra expressionista “Noite

 Transfigurada” ( Verklärte Nacht  ), de 1899.Os dez anos de silêncio do compositor mostram algo

muito significativo sobre uma prática que diz respeito aotrabalho na matéria sonora, evitando métodos de encaixefácil, uma voz do lugar comum e mais atormentadora paraqualquer tipo de transmissão: não permitir que o som caiaem um sistema simplificado. Permitir a exceção, ainda queessa não tenha lugar no mundo do esperado, daprogramação que sempre nos passa a ideia de que não sedeve perder tempo com o passado, nem tentar mudar o quesempre foi dado como natural e verdadeiro na história,garantindo assim que o tempo do Ser, como sempre criticou Adorno, mostre a máquina de destruição em massa daexperiência humana. Como aparece na mesma máquina de A Colônia Penal , de Franz Kafka40, cuja sentença proferida só

pode ser conhecida com a impressão torturante no corpo doacusado. Máquina da morte, excluindo e determinandoquem deve viver e morrer, tal como vemos nos mecanismosjurídicos da Alemanha nazificada.

O patológico no antissemitismo não é ocomportamento projetivo enquanto tal, mas aausência da reflexão que o caracteriza. Nãoconseguindo mais devolver ao objeto o que dele

recebeu, o sujeito não se torna mais rico, porém,porém mais pobre. Ele perde a reflexão nas duasdireções: como não reflete mais o objeto, ele nãoreflete mais sobre si e perde assim a capacidade dediferenciar. Ao invés de ouvir a voz da consciência

39  SCHOENBERG, Arnold. (1921) Harmonia . São Paulo: EditoraUNESP, 2001, p. 45.40 KAFKA, Franz. O veredicto e Na Colônia Penal . São Paulo: Companhiadas Letras, 2011. 

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moral, ele ouve vozes; ao invés de entrar em simesmo, para fazer o exame de sua própria cobiça depoder, ele atribui a outros os “Protocolos dos Sábios

de Sião”. Ele incha e se atrofia ao mesmo tempo.41 Os efeitos nefastos de sua patologia imunizam o

adepto de forma a se ver como imagem e semelhança deDeus, podendo ser o demiurgo que restabelece a ordem domundo. Ao estudar a teoria psicanalítica, Adornocompreende que a psicanálise não deve ser sustentada porfórmulas mágicas, advindas de interpretações mirabolantes e

restritas aos pensamentos desconectados do paciente quepossam advir do psicanalista, porém, a psicanálise deveria seposicionar frente a uma  práxis , conceito advindo da teoriamarxista, entendida como o encontro da teoria e da práticanuma relação com o pensamento propriamente dito, ação dopensamento no mundo. Internamente, uma pessoa precisamobilizar forças para olhar dentro de si de forma crítica,olhar para seus atos egoístas, fracos e que a levam a odiar o

outro porque também odeia a si mesmo. A sociedadefuncionaria da mesma forma, cristalizando em puro gozo eostentação mundana superficial aquilo que mais agrada aosouvidos ou admoestando e proibindo o contato com umsentimento desconhecido. Pesos diferentes para as mesmasações psíquicas que decidem o que deve viver ou não.

 A projeção patológica é um recurso desesperado doego que, segundo Freud, proporciona uma proteçãoinfinitamente mais fraca contra os estímulos internosdo que contra os estímulos externos. Sob a pressãoda agressão homossexual represada, o mecanismopsíquico esquece sua mais recente conquistafilogenética, a percepção de si, e enxerga essa

41

 ADORNO, Theodor. W. & HORKHEIMER, Max. (1944) Dialética do Esclarecimento: fragmentos filosóficos . Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006, p.156.

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agressão como um inimigo no mundo ara melhorenfrentá-lo.42 

Em ambos os casos parece que o silêncio sofre daperda de seu tempo interno. Como ouvir o que está dentrode nós? Sobre esse gesto social de imitação, gesto arcaico erepetitivo, em certo ponto necessário para a vida, mas quediante de nossas idiossincrasias leva impreterivelmente àalienação, Schoenberg escuta com clareza o que vale tantopara o desenvolvimento da música, quanto para aquilo queum ser humano possui de mais importante: “O que importa

é a capacidade de escutar a si próprio, de contemplar a simesmo profundamente, algo que dificilmente pode serobtido e que, seja como for, não pode ser ensinado”43. Sendoimposta ao homem uma certa dose de mediocridade, elerejeita suas inclinações e passa a nadar no mesmo fluxo bemadaptativo do mundo contemporâneo, fixando-se mais noque interessa aos outros, ouvindo desmedidamente o cantodas sereias de Ulisses. Para além do mero ouvir, há um

escutar. Escutar passa a ser uma postura diante do ouvir,uma entrega ao que não pode ser encarado como um ruídoqualquer perceptível. Escutar, nessa composição, é permitirque aquele que ensina também escute o movimento queproduz seu ensinar. Uma escuta ativa que surpreende, tira docentro e leva às bordas das descobertas mais preciosas.

Schoenberg dirige seus estudos para um aluno demúsica, aspirante a artista, algo que a psicanálise prioriza em

todos os seus participantes: que cada um possa ser um bomartista de si mesmo, não superestimando os pontos fortes,mas priorizando um genuíno encontro com os pontosfracos, uma vez que eles se esforçam por continuar

42 ADORNO, Theodor. W. & HORKHEIMER, Max. (1944) Dialética do Esclarecimento: fragmentos filosóficos . Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006, p.159.43  SCHOENBERG, Arnold. (1921) Harmonia . São Paulo: EditoraUNESP, 2001, p. 567.

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adormecidos e prejudicando o sujeito. Eis que surgem asresistências e aí se tem a noção de que se está tocando empontos decisivos para a melhora do paciente44. Freud,

demonstrou o quanto uma situação transferencial leva,impreterivelmente, a um maior conhecimento do pacientesobre si mesmo, uma vez que o número de sessões durantea semana e o estreitamento da relação transferencial com oanalista levam ao aparecimento das resistências, ou seja, dassituações em que os pacientes apresentam dificuldades deenfrentar. O psicanalista de Viena demonstrou isso com océlebre caso Dora, de 190545  e posteriormente com seuestudo intitulado A dinâmica da transferência 46.

Se por um lado a Alemanha de Adorno não estápreparada para enfrentar as situações difíceis que levam aoesbatimento de suas diferenças sociais, por outro, Freud eSchoenberg apontam que a única forma de trazerautenticidade à vida das pessoas é uma nova configuração daescuta, mais livre e autoral. “O artista há de aprender

somente para cometer erros dos quais depois tenha quelibertar-se. (...) Suas experiências e observações depositam-se, em parte, na ciência; mas uma outra parte  –  que não sei

44 Em muitas sessões com pacientes é necessário demonstrar a eles oquanto podem se aproximar aos poucos das sensações difíceis, tais comoo medo do que pode acontecer caso uma parte secreta se mostrerevelada. Entretanto, isso se faz a partir de uma intimidade queconstituímos com o paciente para que ele possa estabelecer uma relaçãotransferencial com o terapeuta, projetando, assim, as angústias de seusinconscientes. Ao ser colocado nesse lugar de objeto transferencial, oterapeuta abre espaço para que o paciente se expresse de seu própriojeito.45 FREUD, Sigmund. (1905 [1901]) Fragmento de análise de um caso dehisteria. In: STRACHEY, J. (Ed. e Trad.).  Edição standard brasileira dasobras psicológicas completas de Sigmund Freud. Vol. 7. Rio de Janeiro: Imago,1974.46

  FREUD, Sigmund. (1912) A dinâmica da transferência. In:STRACHEY, J. (Ed. e Trad.). Edição standard brasileira das obras psicológicascompletas de Sigmund Freud. Vol. 12. Rio de Janeiro: Imago, 1974.

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se é a mais segura –  repousa no inconsciente, no instinto”47. A exposição livre do artista é uma expressão de suasubjetividade sem, porém, ser nela um reducionismo. O

artista após muitas tentativas, e estudos de técnicas, precisarelaxar seus conhecimentos aprendidos para permitir aexpressão daquilo que lhe habita. Esta tarefa maiêuticaprecisa ser a tarefa do professor: “Quando fala ao aluno, oprofessor fala consigo próprio. ‘Conversando contigo, tãosomente me aconselho.’ Ele leciona a si próprio, é o seupróprio professor e o seu próprio aluno”48. O apontamentodo músico de Viena mostra que o bom professor tambémprecisa acionar os mecanismos internos que estão dentrodele para estar com seu aluno. Somente dessa forma ele podecomeçar a ensinar, não mais a regra ou a lei, não mais com apalavra fatigante do signo lingüístico, mas com suasensibilidade. “Cada acorde que estabeleço corresponde auma obrigação, a uma opção de minha necessidadeexpressiva; mas também à constrição de uma lógica

inexorável, ainda que inconsciente, da construçãoharmônica”49. O que são os acordes senão acordos  entre ossons? Um contrato que por vezes se torna dissonante paraatender a uma outra demanda mais complexa entre os sons.É na sequência dos sons, entre o grave o agudo, entre umsemi tom acima ou abaixo, que habita o problema do que virá em seguida em uma composição: “altura ( Höhe  ), timbre( Farbe  ) e intensidade ( Stärke  ). Até agora, o som tem sido

47  SCHOENBERG, Arnold. (1921) Harmonia . São Paulo: EditoraUNESP, 2001, p. 571.48  SCHOENBERG, Arnold. (1921) Harmonia . São Paulo: EditoraUNESP, 2001, p. 573. Sabemos aqui o quanto é importante que oanalista possa ser abstêmio de suas questões pessoais, recusando incluirum conteúdo seu e com isso evitar a atrapalhação que essa confluênciagera no paciente e da perda de objetividade que um analista precisatambém estar atento.49  SCHOENBERG, Arnold. (1921) Harmonia . São Paulo: EditoraUNESP, 2001, p. 573-574.

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O problema levantado por Schoenberg é um desafioà linguagem musical, por rebelar-se aos signos habitantes deuma pretensa pureza alinhada ao sentimento do belo e com

isso tornando a música mágica como se mostra o processode esclarecimento na modernidade. Uma palavra que nãosignifica e só designa, petrificando-se em uma fórmula,torna-se qualquer coisa, perde o sentido, como bemdisseram Adorno e Horkheimer, em “A indústria cultural: oesclarecimento como mistificação das massas”:

Isso afeta tanto a linguagem quanto ao objeto. Ao

invés de trazer o objeto à experiência, a palavrapurificada serve para exibi-lo como instância de umaspecto abstrato, e tudo o mais, desligado daexpressão (que não existe mais) pela buscacompulsiva de uma impiedosa clareza, se atrofiatambém na realidade53.

 A perda do sentido é o mais forte de todos osproblemas enfrentados pelo homem no século XX. Sua

justificativa leva à guerra, ao ódio e à alienação que anula umreal contato entre as pessoas. Não é só a música que perde,mas é todo o manancial de experiências humanas que foiprofundamente atingido e empobrecido. Nesse ponto Adorno lê Benjamin, integrando-o à escuta do sofrimentoque a psicanálise também tenta de algum modo abrircaminho dentro do ser humano.

 Ao fim, a lição

Como foi simples esta lição de Schoenberg! Elepróprio utilizando-se do ponto de exclamação para dar lugara uma marca exclusiva da oralidade. Esse ponto que precisaser apontado com certo ímpeto na fala, para jogar uma

53

 ADORNO, Theodor. W. & HORKHEIMER, Max. (1944) Dialética do Esclarecimento: fragmentos filosóficos . Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006, p.136.

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intensidade sonora determinada, surpreendendo ointerlocutor no ruído algo que ele não imaginava possuir.

Podemos cessar a música de fora, mas não fechamos

o som que sai dentro de nós. Isso parece muito familiar naprática psicanalítica, uma vez que a música que compomosno consultório é uma levada de diferentes intensidades edependente do reconhecimento desses sons, dissonantes,soando mal aos ouvidos por serem absurdas revelaçõesinternas, contundentes demais para serem escutadas comoimportantes em nossas vidas. “A experiência artística só éautônoma quando se desembaraça do gosto da fruição”54. Oprazer da obra de arte é maior do que o gozo estéticoprovoca na sua imediatez, envolvendo uma certa angústiaque parte do espectador ao observar uma verdadeira obra dearte.

 A psicanálise para Adorno pode proporcionar umareflexão mais íntegra acerca do humano congestionado, nãopodendo dar-se por vencida nem mesmo em sua

compreensão e interpretação consagradas. Usar a conflitivaedípica como um cartão final sobre o que ocorre com a obraestética, indicando os complexos perturbadores do artistaleva a uma estereotipização desmesurada. Este fato éjustamente o inverso do fazer psicanalítico, perdendo de vista a iconoclastia que acontece na transferência. Na Teoria Estética , Adorno indaga seriamente sua aplicação irrestrita: “aimaginação também é fuga, mas não completamente: o que

o princípio da realidade transcende para algo de superiorencontra-se também sempre em baixo”55. Uma neurose nãoé suficiente para o emaranhado de emoções que percorremuma obra, uma obra não é uma mera e simplificada reduçãobiográfica, apesar de guardar em seu silêncio toda uma vida

54 ADORNO, T. W. (1970) Teoria Estética . Lisboa: Edições 70, 2008, p.28.55 ADORNO, T. W. (1970) Teoria Estética . Lisboa: Edições 70, 2008, p.23.

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de trabalho e esmero que quer ser compartilhada com osoutros.

Nos artistas de altíssima classe, como Beethoven ouRembrandt, alivia-se a mais aguda consciência darealidade à alienação da realidade; só por si isto jáconstituiria um objeto digno da psicologia da arte,que não teria de decifrar a obra de arte apenas comoalgo de semelhante ao artista, mas como algumacoisa de diferente, como trabalho em algo queresiste. Se a arte tem raízes psicanalíticas, são as dafantasia da onipotência. Na arte, porém, atua

também o desejo de construir um mundo melhor,libertando assim a dialética total, ao passo que aconcepção da obra de arte como linguagempuramente subjetiva do inconsciente não consegueapreendê-la56.

Uma obra de arte possui uma matéria inerente aodesejo da interpretação mais imanentista que a lógica doinconsciente possa dar conta. Essa necessária crítica ao sedirigir até a propriedade transcendental das obras não fixa-se somente ao outro que a vislumbra, mas também vai aomeio que a obra coloca-se à disposição. Os complexosinconscientes são só uma dimensão nesse caso. Atransformação do objeto de desejo em atividade sublimatóriatransforma o meio da veiculação pulsional, atribuindo outrosentido à obra. A arte de forma alguma é o real, mas por

 vezes sua demonstração atinge tão profundamente arealidade circundante que desperta em nós a ira por sua visceralidade, tal como Schoenberg foi testemunha. Aopsicanalista escutar ainda deve ser um processo dedescentralidade de julgamento sobre o sujeito, lugar semmemória, sem desejo e sem compreensão57. Esse seria um

56 ADORNO, T. W. (1970) Teoria Estética . Lisboa: Edições 70, 2008, p.

24.57 Máxima do psicanalista inglês Wilfred Bion que visa olhar novamentesobre o que parte do analista em direção à uma escuta que dê lugar de

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desafio a todo o psicanalista diante da necessidade em lidarcom algo tão forte e indagador de fórmulas como o queadvém escuta clínica; paradigma para o devir   das

transformações correntes no setting   e ao mesmo tempo oinstrumento que sustenta a possibilidade de compartilharcom o outro um momento na história do tempo. A relaçãocom a saúde nem sempre está implicada tão diretamente,uma vez que há uma relação humana que está em primeiroplano. Sobre esse breve instante, tanto a sensibilidadeestética, como a crítica cultural e a psicanálise partilham depontos irredutíveis: a busca por uma experiência humanagenuína que não se deixe subsumir por um gozo total eirrestrito, levando à ignorância de si; nem a um idealrestabelecimento da ordem por um governo totalitário. Adorno pensa na crítica de seu tempo, na usurpação daprática perniciosa do capitalismo na evolução dos meiosculturais. Ele assim o faz para desmistificar os produtos quea própria racionalidade moderna engendrou como meta

purificadora do mundo desconhecido. Há um excesso deracionalidade que solidifica a realidade em uma dimensão demiséria cultural, cuja narrativa histórica é desnecessária paraa boa obediência do sistema. Contra uma vida irrelevantepara ser vivida, expurgada do acesso à sensibilidade que cadaum é portador, Adorno nos convida a participar ativamenteda sociedade.

Referências

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Hegel e Adorno: potencialidade

crítica do pensamento Evandro Pontel 1 Olmaro Paulo Mass 2  

Isis Hochmann de Freitas 3 

Georg W. F. Hegel ultrapassa o idealismo subjetivo

de Immanuel Kant para a esfera do real. Conforme oprimeiro, o conceito não mais permanece reprimido àsubjetividade do entendimento exterior à coisa, nem pelamera abstração. Dessa forma, uma parte constitutiva ecentral da dialética hegeliana consiste em que a razãoencontre sua plenitude num conceito que vai sereconhecendo numa realidade objetiva e estrutural, em umaespécie de fluxo espiral que visa abarcar a totalidade do real.

Nesse âmbito, em Fenomenologia do espírito, o pensador de Jenadestaca:

Com a consciência-de-si entramos, pois, na terrapátria da verdade. Vejamos como surge inicialmentea figura da consciência-de-si. Se consideramos essanova figura do saber - o saber de si mesmo - emrelação com a precedente - o saber de um Outro -sem dúvida, que este último desvaneceu; mas seusmomentos foram ao mesmo tempo conservados; aperda consiste em que estes momentos aqui estãopresentes como são em si. O ser ‘visado’ [da certezasensível], a singularidade e a universalidade - a elaoposta - da percepção, assim como o interior vazio

1 Doutorando em Filosofia –  PUCRS, Bolsista CNPq.2 Doutorando em Filosofia –  UNISINOS, Professor no IFIBE –  PassoFundo RS.3 Doutoranda em Ciências Sociais –  PUCRS, Bolsista CAPES.

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do entendimento, já não estão como essências, mascomo momentos da consciência-de-si; quer dizer,como abstrações ou diferenças que ao mesmo

tempo para a consciência são nulas ou não sãodiferenças nenhumas, mas essências puramenteevanescentes. Assim, o que parece perdido é apenaso momento-principal, isto é, o subsistir simples eindependente para a consciência. De fato, porém, aconsciência-de-si é a reflexão, a partir do ser domundo sensível e percebido; é essencialmente oretorno a partir do ser-Outro. Como consciência-de-si é movimento; mas quando diferencia de si apenasa si mesma enquanto si mesma, então para ela adiferença é imediatamente suprassumida, como umser-outro. A diferença não é; e a consciência-de-si éapenas a tautologia sem movimento do “Eu souEu”. Enquanto para ela a diferença não tem tambéma figura do ser, não é consciência-de-si.4 

Nesse sentido, o conteúdo da experiência é elevado

ao nível do pensamento conceitual de tal forma que oconceito é a atividade do sujeito e, desse modo, a formaprópria da realidade posta à razão. Dito de outro modo: éum percurso de si a si que encontra a consciência de si comoseu elemento central, constituindo-se em um vir a se saber,a se conhecer, no qual este se constitui como motor de seupróprio processo. Nessa acepção, esclarece Denis L.Rosenfield:

 Apenas o espírito existe no percurso de suasidentificações de si, em que cada momento é postopelo movimento que o engendra. Permanecer nonível de uma identificação que meramente sejustapõe a outra equivaleria a perder mediante o qualo espírito se põe e, desta maneira, se dá existência. Opensar ao conceber aquilo que existe, aquilo que lheé dado, necessita tomar este dado em suas sucessivas

4 HEGEL, G.W.F. Fenomenologia do espírito, 2001, IV, 167, p. 120.

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posições, o que configura o movimento próprio doespírito. Dizer o que é o espírito implica a superaçãodas determinações fixas do entendimento que,

enquanto tal, em seu isolamento, recorre aidentificações carentes de movimento. O pensar, porsua vez, faz parte do próprio processo de vir a ser doespírito em si mesmo, graças ao qual ele se dáexistência.5 

Diante disso, os elementos que compõem o exercícioe a exposição à luz do sistema e da concepção hegeliana dedialética devem reconhecer uma força constitutiva de

instância prévia, que não é meramente uma relação subjetiva,do sujeito que determina em si mesmo uma verdademediatizada, simplesmente de um espírito que abstrai domundo seu conteúdo, mas em direção ao idealismo objetivo.Poder-se-ia dizer, então, que a dialética hegeliana permitepensar a realidade a partir da consciência do em-si e torna-seem-si e para-si, em que a razão constrói o caminho por meioda Aufhebung  como momento da efetivação e da participaçãoda dinâmica histórica hipostasiada ao espírito.  Trata-se deum momento de passagem, do elevar-se à realização doEspírito pela síntese em direção à efetivação da liberdade pormeio de uma racionalidade que se autocompreende. 

Para Hegel, a história está ligada intrinsecamente àstransições históricas, nas quais se mostra oautodesenvolvimento da razão, que neste exercício

complexo de prospecção é no fundo um processo lógico emque os pensamentos por meio de conexões estão ligados unsaos outros. Na dialética, enquanto método em movimento,inexiste separação dualista entre pensamento e realidade. Opróprio movimento dialético possui uma finalidadeespecífica, ou seja, a reconciliação das oposições, dascontradições e a síntese dos opostos, na medida em que ahistória vai sendo desvelada na trajetória de todas as etapas,

5 ROSENFIELD, Denis L. A metafísica e o absoluto, 2002, p.170.

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por seus diversos estágios em sua natureza e do vir-a-ser.Conforme Hegel:

O reino do Espírito consiste naquilo que é apresentado pelohomem. Pode-se ter todo tipo de ideias a respeito do Reino deDeus, mas sempre haverá um reino do Espírito para serclaramente compreendido e realizado no homem. O reino do

 Espírito abrange tudo, inclui tudo aquilo que alguma vezinteressou ou interessará ao homem. O homem é ativo nele  –  seja o que for que faça, o homem é a criatura na qual o

 Espírito obra. Ao contemplar a história do mundo, devemosconsiderar seu objetivo final. Este objetivo final é aquilo que é

determinado no mundo em si.6  Assim, na esfera do intelecto dá-se a realização da

efetivação do espírito. Nesse processo de efetivação, deautorreconhecimento e autoafirmação de si, desdobramentoda identidade ou da subjetividade, Hegel resolve o problemada inteligibilidade da realidade empírica no decorrer dessepercurso intelectivo. A dialética, por um lado, pode justificar

uma noção de história como progresso, embora muitas vezesa história seja destituída de sentido a qualquer pretensão darazão. Nessa acepção, na perspectiva da exposição de umaracionalidade que se autocompreende em nível mais elevado,destaca Oneide Perius:

Hegel é o que leva o processo de auto-afirmação darazão ao seu nível mais elevado, ao ponto onde aprópria razão se descobre como a essência e

produtora da realidade. A autoconsciência desseprocesso, ou seja, quando a razão deixa de ser, naterminologia hegeliana, somente em-si e torna-seem-si e para-si, isto é, quando se enxerga na realidadee toma consciência de que o sentido dessa realidadeé por ela (razão) estabelecido, neste momentoestamos na pátria do saber absoluto. Hegel leva a

6 HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. A Razão na história , 1992, p. 61-62,[grifo do autor]. 

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razão a reconstruir o caminho através do qual seefetivou na realidade até o ponto em que seconfunde com a própria realidade. Isto

inevitavelmente o leva a refletir sobre a história eimplica numa filosofia da história.7 

Desse modo, a compreensão de uma filosofia dahistória em Hegel caracteriza-se pelo viés da dialética comomovimento do subterfúgio do não-idêntico em contraposiçãoao do  Aufhebung [tais como o devir, a efetividade ou a ideia   - determinação fundamental que caracteriza todo o movimento racional elógico em direção ao real], que se efetiva como conhecimentointeriorizado da realidade, o movimento histórico enquantoevolução de um pensamento em direção ao Absoluto.

 A racionalidade em sua constitutividade compreendeo sentido da história, e a realidade é o seu próprioinstrumento de desenvolvimento em que o que é racional éefetivo e o processo se torna sistemático. Cabe destacar no quese refere à concepção de história, as esclarecedoras palavras

de Robert S. Hartman:Por isso, quanto mais acontece na História, mais oEspírito pode se desenvolver, mais ele pode saber epensar. Somente a estagnação seria hostil à História.Mas o acontecimento não deve ser cego, caótico,sem direção. O Espírito não é enriquecido apenasapreendendo o concreto em sua passagem, algunsacontecimentos estão antes mais, e outros menos,

em acordo com ele. O Espírito não é apenasdinâmico, não tem apenas um índice de progresso,não é, como se poderia dizer, quantitativo; eletambém tem uma qualidade, um objetivo, umadireção –  aquela realidade que irá durar mais e queprevalecerá no caos de acontecimentos cujaqualidade se parece mais com aquela do próprio

7 PERIUS, Oneide. Walter Benjamin:  a filosofia com exercício, 2013, p.117.

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Espírito. Esta qualidade, como já foi mencionadoanteriormente, é a Liberdade.8 

No sistema filosófico hegeliano é como vontade queo espírito entra na efetividade do mundo9. Neste sentido, é aideia enquanto figura lógica que permite à vontadeentranhar-se e exteriorizar-se no mundo, produzindo-se,mediatizando-se. Na Enciclopédia da lógica , Hegel afirma “tudoo que é efetivo, enquanto é algo de verdadeiro, é a ideia etem sua verdade só mediante e em virtude da ideia”10. Noprefácio da Filosofia do direito, o pensador de Jena afirma que

“[...] lo único efectivamente real es la idea”.11

 Nessa acepção, a categoria central para entrar naexterioridade do mundo decorre de uma racionalidade quese expressa efetivamente como ideia. Assim, Hegel pensa emum momento absolutamente exemplar e eminente deautocompreensão da subjetividade idêntica a si mesma.Nesse sentido, “Lo  racional es real y lo que es real esracional”12. Ou seja, a ideia adquire um estatuto lógico-

ontológico entendido como um produto, um artefato daracionalidade, como expressão desta. No momento em quea ideia se torna conteúdo da vontade, o espírito se efetiva nomundo em uma processualidade em que se dá a passagemdo espírito subjetivo para o espírito objetivo, alcançando porfim o espírito absoluto. O espírito objetivo se configuracomo ação no momento em que se dá a exteriorização como

8  HARTMAN, S. Robert. O significado de Hegel para a história. In:HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. A Razão na história:  uma introduçãogeral a filosofia da história. Trad. Beatriz Sidou. 2. ed. São Paulo:Centauro, 2001, p. 25.9 HEGEL, G. W. F., Enciclopédia das ciências filosóficas, 1995. (III, § 469).10 HEGEL, G. W. F., Enciclopédia das ciências filosóficas, 1995. (I, § 213).11 HEGEL, G. W. F., Princípios de la filosofia del derecho o derecho natural yciencia política, 1975, p. 23.12 HEGEL, G. W. F., Princípios de la filosofía del derecho o derecho natural yciencia política, 1975, p. 23.

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produto da vontade. Esse objetivar-se do espírito objetivo,com efeito, somente pode se dar na sociedade, nasinstituições sociais, pois apenas nessa esfera a vontade é

capaz de se determinar na medida em que se realiza a ideiade liberdade.

 Theodor Adorno, ao iniciar o prólogo da Dialéticanegativa 13 como antissistema, explicita que tal concepção dedialética precisa ser compreendida como detentora em suanatureza e constitutividade, uma repulsa e indignação aoprincípio de identidade e onipotência da racionalidadeinstrumental. Vejamos: “Com meios logicamenteconsistentes, ela se esforça por colocar no lugar do princípiode unidade e do domínio totalitário do conceitosupraordenado a ideia daquilo que estaria fora do encanto detal unidade”.14 

 Assim, o exercício filosófico não pode prescindirda realização de uma crítica a partir de si mesma, de tal formaque o seu futuro próprio depende disso. Na crítica às

filosofias sistemáticas, trata-se de apreender ao contrário,não a partir de uma negação, mas de um novo elementoteórico-metodológico que faz parte intrinsecamente de suaelaboração filosófica.

Destarte, esse diagnóstico filosófico referido por Adorno na Dialética negativa   se dá a partir da relação e dareciprocidade dos conceitos, isto é, os conceitos nãoentendidos como meras unidades que demarcam posições

subjetivas, mas possuem vida própria, já que vivem nahistória que neles se sedimentaram. Nesse âmbito as palavrasde Hans-Georg Flickinger são esclarecedoras: “não é apenaso pensamento intuído que está à procura dos conceitosadequados, identificadores do conteúdo pretendido, senão,

13  ADORNO, Theodor W. Dialética negativa . Trad. Marco AntonioCasanova. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009.14 ADORNO, Theodor W. Dialética negativa, 2009, p. 8

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completamente, são os conceitos que procuram, também, opensamento adequado”.15 

O método filosófico exposto na compreensão de

dialética negativa, por seu turno, enquanto ao revelar-se nomovimento da insuficiência do conceito, torna possível aliberdade do pensamento como resistência na suaconstituição e, precisamente, no desenvolvimento do seudesdobramento reflexivo. Assim, nesse sentido, a dialéticanegativa, de acordo com Bruno Pucci, proporciona umaestrutura dinâmica, mediatizada por uma potencialidadeinterna, presente no conceito que pode ser somente dito narelação da admiração e da estranheza, na busca da tentativaimanente ao querer se revelar seus momentos emdeterminada ocasião e contexto:

Hegel via na negatividade o movimento do conceitopara o outro como um momento imprescindíveldentro do processo maior da dialética, em direção àsíntese, à consumação sistemática. Adorno via

extrema dificuldade de a argumentação caminharirreversivelmente em direção a uma sínteseinequívoca. Fez da negatividade o sinal distintivo deseu pensamento precisamente porque acreditava queHegel havia se equivocado ao fazer coincidir razão erealidade.16 

 A partir disso, como se percebe no acima exposto,a dialética hegeliana permite pensar da realidade a partir da

consciência do em-si e torna-se em-si e para-si, que  leva arazão e a realidade coincidirem ao longo do processo no qualo Espírito se realiza na história. Ou seja, compreende-se aquium  momento de passagem com o intuito de elevar-se àrealização pela síntese e chegar à efetivação da liberdade por

15 FLICKINGER, Hans-Georg. A lógica clandestina do compreender, do pensare do escrever, 1995, p. 213.16 PUCCI, Bruno. Filosofia da educação: para quê? 1998, p. 32.

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meio da astúcia da razão.  Acerca desse processo acimaexposto, Adorno é enfático em sua crítica:

Portanto, Hegel sempre interpreta o movimento quedeve ser a verdade como um “automovimento”,motivado tanto pelo objeto referente ao juízoquanto pela síntese realizada pelo pensamento. Queo sujeito não deva se contentar com a meraadequação de seus juízos aos objetos decorre de ojuízo não ser uma simples atividade subjetiva, de aprópria verdade não ser uma simples qualidade do

juízo. Pelo contrário, a verdade sempre se impõealgo que, sem poder ser isolado, não se deixa reduzirao sujeito, algo que as teorias do conhecimentoidealistas tradicionais acreditam autorizadas anegligenciar com um mero “X”.17 

Isso posto, pretende-se compreender a crítica à teseda identidade, na qual a razão se reconhece na realidade e, aoreger a história, como algo externo ao pensamento, nãopermanece nada além dele. O pensamento que participa dadinâmica da história, momento essencial dodesenvolvimento do Espírito, que compreende a propostada dialética hegeliana, acaba, finalmente por permanecerpresa e refém da tese da identidade 18 . Essa postura adornianaindica a importância de identificar-se o potencial crítico dadialética, mesmo que em sua determinação a categoria datotalidade, em que tal proposta, ao estilo hegeliano, acabepor tornar-se serva da positividade, aspecto constantementeremarcado na posição adorniana, na qual se destaca aprimazia das partes que compõem a dinamicidade da relação.Nestes termos: 

Dialética não significa nem um mero procedimentodo espírito, por meio do qual ele se furta da

17 ADORNO W. Theodor. Três estudos sobre Hegel , 2003, p. 117-118.18 Ver: ADORNO W. Theodor. Três estudos sobre Hegel , 2003, p. 118.

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obrigatoriedade do seu objeto –  em Hegel ela produzliteralmente o contrário, o confronto permanente doobjeto com seu próprio conceito  –  nem uma visão

de mundo [Weltanschauung]   em cujo esquema sepudesse colocar à força a realidade. Do mesmomodo que a dialética não se presta a uma definiçãoisolada, ela também não fornece nenhuma. Ela é oesforço imperturbável para conjugar a consciênciacrítica que a razão tem de si mesma com aexperiência crítica dos objetos.19 

O pensador frankfurtiano, ao aludir à dialética

enquanto método que possibilita pôr em movimento opensamento em direção à realidade, renuncia à pretensão deexplicar a dinamicidade da totalidade do real que persistesempre como negatividade. A efetivação da identidadeimediata que conduz o processo de realização da ideia, quenuma perspectiva e leitura hegeliana, tem o seu momento deinterrelação e reconciliação da realidade, é colocada sobsuspeita por Adorno. Nesse sentido, a totalidade

[...] é o preço que Hegel tem de pagar pela coerênciaabsoluta, que se choca com os limites dopensamento coerente, mas sem poder tirá-los de seucaminho. A dialética hegeliana encontra sua verdadeúltima, aquela de sua impossibilidade, no que eladeixa sem solução e naquilo que ela tem de

 vulnerável, mesmo se a dialética, a teodiceia da consciência-de-si, não veio a ter consciência disso.20 

Frente ao acima explicitado, Adorno pretendepensar a partir da potência dialética de Hegel, mas ao criticá-lo, em seu sistema, através da positivação do negativo, aborda apotência crítica e reflexiva que permite pensar ascontradições da realidade, não reconciliadas. No que tange àtese que afirma que o efetivo é o racional , o elemento hegeliano

19 ADORNO W. Theodor. Três estudos sobre Hegel , 2003, p. 80-81.20 ADORNO W. Theodor. Três estudos sobre Hegel , 2003, p. 85.

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tem suporte na elevação do pensamento positivo, dapositividade que fortalece a ideia de que a autodeterminaçãodo real tem seu ponto de referência necessariamente no

espírito absoluto, e seu desejo na realização da liberdade nosindivíduos.

Nesse sentido, a realidade não é outra coisa senãoa própria ideia, que por seu próprio movimento, encontra-seconsigo mesma na razão. Mas essa relação da vida aopensamento se constrói na sua realidade da insuficiência daideia, ao voltar-se como necessidade em uma nova e amplarealidade. Nas palavras de Adorno, a vida do espíritohegeliano ressoa da seguinte forma: “O pensamento abstratoé transformado novamente em algo vivo por meio daquiloque é experimentado, assim como a simples matéria étransformada pelo ímpeto do pensamento”21. Na visãohegeliana, a insuficiência do conceito deve ser superada,posto que a pluralidade e a multiplicidade da realidadeempírica são suprimidas no movimento do pensamento em

direção à manifestação do espirito.Destarte, o pensamento crítico no âmbito dométodo da negação determinada da dialética hegeliana leva aincluir necessariamente uma posição afirmativa, comoexpressão que direciona ao espírito absoluto. Nas palavrasdo autor frankfurtiano: “[...] A totalidade encontra-seconsigo mesma reconciliando-se, portanto suprimindo suaprópria natureza contraditória ao levar suas contradições até

o fim e deixando de ser totalidade, ou o que é antigo efalso”22. Este processo se reproduz continuamente por forçade suas mediações, momentos incorporados comointrínsecos na razão autoconservadora.

Nesse sentido, de acordo com Adorno, naperspectiva hegeliana, o sujeito é assimilado e se incorporadentro do próprio pensamento, na própria abstração. Isto é,

21 ADORNO W. Theodor. Três estudos sobre Hegel , 2003, p. 130.22 ADORNO W. Theodor. Três estudos sobre Hegel , 2003, p. 164.

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perfaz o caminho abstrato, sedimentado segundo a vida doespírito. Inerente à história e o progresso do esclarecimento,os indivíduos ao serem incorporados, por força (espírito) do

movimento e da imediatez das relações é condicionado esegue o resultado natural do processo racional. Nessemovimento, entretanto, o particular é salvaguardado naidentidade do universal e perde sua característica detemporalidade e de alteridade. Tal caracterização, no que serefere à relação [sujeito com o real], do elemento da realidadecompõe-se em uma identidade sem diferença e nada fica defora em suas determinações. Assim, a verdade é constituídapelos conjuntos dos elementos compostos e apreendidospela mediação necessária em que o particular vai perdendosuas características próprias e sua vitalidade e suapotencialidade.

Desse modo, a identidade enquanto possibilidadede expressar o real na relação do universal e do particular,em seus desdobramentos da potencialidade dialética, tem seu

desenvolvimento frente às condições da sociedade e suahistória. Portanto, a partir de uma perspectiva adorniana, nãose trata de afirmar que tudo é relativo, pois, no que concerneà afirmação de que o todo é o não verdadeiro  - na crítica àtotalidade do negativo da dialética  – esta se constitui comouma chave de leitura a fim de perceber os limites daconcepção hegeliana.

 A ideia de uma positividade que acredita dar conta

de tudo aquilo que lhe é oposto por meio da coerçãopoderosa do espírito conceitual é a imagemespecular da experiência da coerção poderosa, que éinerente a tudo o que existe por meio de sua uniãosob a dominação. Isso é o verdadeiro na não verdadede Hegel. A força do todo, que a mobiliza, não émera imaginação do Espírito, mas aquela força realda teia de ilusão em que todo particular permanece

aprisionado. Na medida em que a filosofia determinacontra Hegel a negatividade do todo, ela satisfaz pela

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última vez // o postulado da negação determinada,que seria a posição.23 

Em face ao exposto, percebe-se que a doutrinahegeliana sobre o conceito de verdade tem sua expressão napositividade limitada e realiza-se no limiar do procedimentodo caminho para o espírito absoluto. Por isso, os momentossingulares possuem vida em si, no seu interior, somentecomo manifestação e resultado do método dialético, que secompreenderá numa linguagem articulada e absorvida peloespírito ordenador, considerando o momento da

objetivação. Entretanto, para Adorno, a experiênciafilosófica não pode partir de ideias homogêneas e deevidências hipostasiadas, em que tudo se resolve por meio deuma exposição –  que no interior de sua configuração acentuea própria forma linguística  –   sem abrir espaço para aconstelação: “A filosofia, que considera o conceito comoalgo mais elevado do que um mero instrumento doentendimento, deve, segundo sua própria lei, abandonar

definições”.24

  A partir dessa constatação, evidencia-se a crítica àdialética que pretende abarcar a realidade em si nos seguintestermos: “[...] a dialética se origina da experiência dasociedade antagônica, não do mero esquema conceitual. Ahistória de uma época não conciliada não pode ser umdesenvolvimento harmônico”25. Nesse sentido, destacamosuma passagem lapidar que inúmeras vezes é frisada na

 Minima moralia:   A filosofia negativa, que tudo dissolve, sempredissolve o próprio solvente. Mas, a novaconfiguração na qual ela propõe suspender ambos, osolvido e o solvente, nunca logra vir plenamente a

23 ADORNO W. Theodor. Três estudos sobre Hegel , 2003, p. 174.24 ADORNO W. Theodor. Três estudos sobre Hegel , 2003, p. 154.25 ADORNO W. Theodor. Três estudos sobre Hegel , 2003, p. 167.

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lume na sociedade antagônica. [...] Para proteger-sede tais tentações, o dialético advertido teráimplacável desconfiança daquele elemento

apologético e restaurador que na realidade já fazparte da posição não ingênua. A ameaçadora recaídada reflexão do irrefletido se trai na superioridade quese agrega ao procedimento dialético e fala como sefosse ela própria aquele conhecimento imediato dotodo que justamente é excluído pela dialética.26 

 Tal determinação é averiguada na tematização dosconteúdos que dão sustentação a qualquer tipo de

fundamentação que prioriza argumentos de interessesdeterminados por um conjunto de fenômenos homogêneos. A filosofia, porém, que tem seu exercício em elementosexpositivos deve, sobretudo, em sua tarefa, expor-se a partirde uma dinamicidade, tendo um papel de mediadora eheterogênea. Poder-se-ia dizer que tal dimensão queconfigura o processo da dialética, enquanto possibilidadecrítica, constitui-se como um grande desafio para alinguagem filosófica, pois sem uma aceitação passiva deve sedeixar conduzir para um pensamento que se autocria e(re)cria na própria expressão e na relação com o seu contextosocial.

Na concepção adorniana, o pensamento, enquantonegação determinada, afirma-se como um processopermanente em elaboração que faz vivificar a existência da

realidade em novos elementos em automovimento, que poderesignificar a procedência do não conceitual. Certamente, aconcepção da expressão filosófica como pensamento quebusca resistir e ir ao encontro do que está fixado emediatizado por meio da instrumentalização da linguagem e,por conseguinte, assegura a negatividade da dialética quepreserva a heterogeneidade como possibilidade do lugar dooutro: 

26 ADORNO, Minima moralia , 2008, p. 243-245. 

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Seu nome não diz inicialmente senão que os objetosnão se dissolvem em seus conceitos, que essesconceitos entram por fim em contradição com a

norma tradicional da adaequatio. A contradição [...] éo indício da não-verdade da identidade, dadissolução sem resíduos daquilo que é concebido noconceito. Todavia, a aparência de identidade éintrínseca ao próprio pensamento em sua formapura. Pensar significa identificar [...] À consciênciado caráter de aparência inerente à totalidadeconceitual não resta outra coisa senão romper demaneira imanente, isto é, segundo o seu própriocritério, a ilusão de uma identidade total. [...] Adialética é a consciência consequente da não-identidade.27 

Nessa acepção, a dialética caracteriza-se como umesforço contínuo que reconhece a insuficiência do conceito,o não-idêntico presente no exercício de formulaçãoconceitual. No que concerne à indiferença e à complexidade

do conceito como expressão, caminho referencial comoprocesso a ser edificado, não se opõe de modo algum aorigor filosófico, aspecto fulcral para o exercício da filosofiaenquanto resistência ao pensamento objetivado etecnificado. Este é o movente espaço a ser percorrido –  noprocesso metodológico –  em vista de possibilitar a potênciacrítica expressa em forma de constelação e enigma deimagens e fragmentos históricos que, no exercício e na

relação entre exposição e conceito, torna-se possível pelo viés da dialética negativa.

Desse modo, a própria negatividade, momento ímpar na filosofia, é o motor propulsor em direção àpotencialidade do pensamento. Sendo assim, a autocríticanão abandona a razão, e todo o pensamento impulsiona-seem direção a um momento negativo. Assim, “a única“dialética”  que se poderia considerar como propriamente tal

27 ADORNO, Theodor. Dialética negativa , 2009, p. 12-13.

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seria aquela aberta, irredutível a uma “resolução”   superior,negativa em relação à positividade da totalidade”28. Nessaperspectiva, o exercício filosófico constitui-se em um

movimento que visa contrapor formas de pensamentos quetêm características totalizantes29, capaz de perceber seuspróprios limites que, ao permanecer como tensão constante,abre-se e renova-se de modo contínuo. Nessa acepção,observa Ricardo Timm de Souza: “É sua negatividadeintrínseca, seu particular poder crítico, que rompe comhábitos mentais e conjuntos de certezas filosóficaspetrificadas, mergulhando em seus elementos constitutivosmais profundos”.30 

Em suma, Adorno nos instiga a compreender afilosofia, o filosofar, o exercício próprio do pensamentoenquanto possibilidade de se estabelecer a experiênciafilosófica como exercício permanente, em direção ao real,que sempre escapa a qualquer pretensão de conceptualizaçãoúltima. Esse exercício caracteriza-se como potência de

pensamento, em uma postura de abertura, dinâmica, capazde colocar em questão o que foi positivado, posto comoresultado final de um processo de apreensão e composiçãodo real por meio de uma lógica intelectiva. Em decorrênciadisso, pensar a partir da dialética negativa implica e consisteem estabelecer o exercício filosófico na relação com aexperiência histórica, em tematizar os restos da história, asruínas, os espectros, enquanto possibilidade de romper com

posições totalizantes e ardilosas que enquadram o humanono interior de lógicas de poder. Enfim, “Se a filosofiapudesse ser de algum modo definida, ela seria o esforço para

28 SOUZA, Ricardo Timm de. Adorno & Kafka, 2010, p. 63.29  SOUZA, Ricardo Timm de. Totalidade & desagregação: sobre asfronteiras do pensamento e suas alternativas, Porto Alegre: EDIPUCRS,1996. 30 SOUZA, Ricardo Timm de. Adorno e a razão do não-idêntico, 2004,p. 96.

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dizer aquilo sobre o que não se pode falar; expressar o nãoidêntico, apesar da expressão sempre identifica-lo”.31 

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31 ADORNO W. Theodor. Três estudos sobre Hegel , 2003, p.190.

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 ______. Totalidade & desagregação: sobre as fronteiras dopensamento e suas alternativas, Porto Alegre:EDIPUCRS, 1996.

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 A concepção de liberdade nafilosofia de Theodor Adorno

Hellen Maria de Oliveira Lopes 1 

1.0.  Introdução

Um dos expoentes da Escola de Frankfurt, Adornofoi um contundente pensador que vivenciou no século XXo horror do nazismo na Alemanha e o individualismocrescente nos Estados Unidos. A visão adorniana de seuentorno é fundamental para o seu pensamento filosófico,pois traz para o filósofo um posicionamento crítico dahistória. A experiência do nazismo traz a certeza da não – liberdade por meio da existência de Auschwitz e oindividualismo norte-americano traz no consumo e na

massificação a falsa ideia de se ter liberdade. Sua crítica édirecionada à história da filosofia que, atrelada a conceitos, vive um universo de contradições. Para que possamoscompreender um pouco o pensamento de Adorno e sua visão a respeito do que vive o século XX, buscaremos naconcepção de Liberdade para o indivíduo seus fundamentosà crítica filosófica e social vivenciadas pela modernidade.

 A experiência do nazismo de quase todo

cerceamento de liberdade humana, nos leva a perceber aimportância de tal ausência, não apenas teoricamente, massaber as condições concretas que a possibilitaram. Adornonos mostra em sua “Dialética Negativa” que, 

Saber se a vontade é livre é tão relevante quanto ostermos são avessos ao desejo de indicar de quemaneira totalmente clara e direta aquilo a que visam.

1 Doutoranda do Curso de Filosofia na Pontifícia Universidade Católicado Rio Grande do Sul, PUCRS.

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110  Adorno e a dialética negativa: leituras contemporâneas 

Na medida em que justiça e punição, assim como,por fim, a possibilidade daquilo que toda a tradiçãofilosófica denominou moral ou ética, dependem da

resposta a essa questão, a necessidade intelectual nãorenuncia à questão ingênua como se fosse um falsoproblema.2.

Mais do que teorizar sobre a liberdade, é inegável aimportância de se pensa-la concretamente. Aqui podemos verificar uma das críticas de Adorno ao pensamentofilosófico que pensa a liberdade de maneira idealista e nãoem sua concretude empírica. Nesse sentido, o indivíduocomum não consegue abarcar a noção de liberdade e issogera, em situações extremas, a dominação. Especialmenteporque estes se percebem em situação de adversidade etermina optando pelo isolamento e, para Adorno, só fazsentido pensar em liberdade se se consegue pensar oindivíduo vivenciando o espaço público e não emisolamento.

Nessa condição de isolamento é gerado o que opróprio filósofo presenciou nos Estados Unidos, oindividualismo crescente, a noção de auto determinação  –  esta em seu sentido negativo de renegação daintersubjetividade –  o sofrimento e com ele todas as doresque advém do isolamento. Adorno nos afirma que,

No momento em que a pergunta sobre a liberdadeda vontade se reduz à pergunta sobre a decisão de

cada particular, em que esses particulares sãodestacados de seus contextos, e o indivíduo separadoda sociedade, a sociedade cede à ilusão de um puroser-em-si absoluto: uma experiência subjetiva restritausurpa a dignidade do que é maximamente certo. (...)o subjetivo que é pretensamente em si mediado nelemesmo por aquilo do que ele se separa: a conexão detodos os sujeitos. Por meio da mediação, ele mesmo

2 ADORNO, T. W. Dialética Negativa. Trad. Marcos AntônioCasanova. Rio de Janeiro: Zahar, 2009, pág. 181.

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se torna aquilo que, segundo a sua consciência daliberdade, ele não quer ser: heterônomo.3 

O sujeito que se volta exclusivamente para sidesvincula-se completamente dos outros que estão ao seuredor. Isso possui, ainda, implicações morais se levarmos emconsideração que o sujeito que não se relaciona com o outrono ambiente social é capaz de deturpar as próprias regras queestabelecem limites entre os partícipes sociais. Porque adeturpação ou transgressão não implica o desconhecimentodas regras por parte dos indivíduos, mas sim que o mesmo

reconhece tais regras, porém tem a intenção de, por algummotivo, transgredi-la. A relação que o filósofo faz com anoção de heteronomia nos mostra que o sujeito age, não demaneira imediata, mas numa relação com o outro, numaintersubjetividade, como dito antes. Da mesma maneiraocorre com o processo de socialização; é necessário, paraque eu reconheça o outro, um afastar-se de mim. Porém, oafastar-se necessário não implica em completo isolamento.

Pensar o indivíduo isolado é pensar um sujeitopropenso a neuroses4, pois sua liberdade se constitui, como vimos, no ambiente social. Para que haja umreconhecimento das regras e a formação de pessoassaudáveis em suas liberdades, é necessário reconhecer aimportância da relação com o social, mesmo que estetambém possa ser o causador da doença do isolamento, dador por motivos que veremos adiante.

 Adorno nos mostra que uma sociedade que nãopreza pela liberdade de seus indivíduos acaba desvelando amaldade, “para que não haja o horror, a liberdade precisaexistir”.5 A própria história está repleta de exemplos. Não se vivenciou ainda nenhuma sociedade em que o homem livre

3 ADORNO, T. W. Op. Cit. Pág. 181.4  Buscando aqui referências na psicanálise freudiana que tantoinfluenciou o pensamento de Adorno.5 ADORNO, T. W. Op. Cit. Pág. 184.

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não tivesse propensão para a maldade, mas a história já vivenciou homens, independentemente do caráter, que vivenciaram a não-liberdade. A revolta pela ausência de

liberdade, em determinados aspectos, leva os homens àmaldade. Especialmente porque, em Adorno, acompreensão da liberdade e da moralidade também se dá nosocial. A sociedade tem papel preponderante na constituiçãodos sentimentos morais. Se retirarmos o indivíduo do meiosocial também retiraremos dele as possibilidades demoralidade. Para o filósofo,

O mal não está no fato de homens livres poderemagir de maneira radicalmente má, mas no fato deainda não haver nenhum mundo no qual os homenslivres não precisarem mais ser maus. Porconseguinte, o mal seria a própria não-liberdade doshomens, é dela que provém tudo aquilo queacontece de mal. A sociedade determina osindivíduos, mesmo segundo a sua gênese imanente,para aquilo que eles são; sua liberdade ou não-liberdade não é o dado primário com o qual, sob o

 véu do principium individuationis, ela aparece.6 

 Adorno nos remete a um determinismocaracterístico da sociedade, pois, segundo ele, a sociedadedetermina aquilo que os indivíduos são. Essa é, entre outrosaspectos, aquilo que faz com que os indivíduos tendam à dordo isolamento e às neuroses. Esses aspectos podem aparecer

independentemente se foi renegado ao indivíduo a liberdade.Existe ainda a contradição sobre o que se diz ser aliberdade, ou seja, como ela é conceitualmente e como ela éde fato. Esse espaço existente entre o conceito e o fato deveser alvo de reflexão, pois pode levar a liberdade a umacategoria inacessível aos indivíduos. A falta de acesso ao queseja fato e conceito pode refletir no que venha a ser as regrasmorais, tendo em vista que as regras são constituídas com

6 ADORNO, T. W. Op. Cit. Pág. 185.

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base na liberdade de ação dos indivíduos em sociedade. E,não havendo tal compreensão, há uma chance latente deinversão e deturpação. O caráter moral dos indivíduos se dá

no trato com a realidade social e não de maneira solipsista.“Separada dela (sociedade), a liberdade é fictícia, pois osujeito está mediado em si por aquilo que se separa: aconexão de todos os sujeitos.”7 

 Adorno nos mostra que no final da Idade Média, aburguesia se aliava à ciência e sua noção de progresso e, emdireção oposta, tratava a liberdade. O filósofo afirma que o“o que é procurado é uma fórmula comum para a liberdadee a repressão: a liberdade é concedida à racionalidade que arestringe e afasta da empiria na qual as pessoas não a querem ver de maneira alguma realizada”.8  A preocupação daburguesia está no fato da ciência progredir a ponto de negara liberdade “quase” consolidada da burguesia. 

O filósofo nos mostra que tanto mais a ciência vai seexpandindo e tomando espaço no ambiente filosófico, mais

a filosofia vai se tornando vazia de conteúdo no que dizrespeito à própria conceituação de liberdade. A ciênciaalcança os lugares e a credibilidade que deveriam ser lugar dafilosofia. A ciência e sua instrumentalidade progressivamenteamplia seus espaços de atuação. O que se torna alvo decríticas do autor. “Adorno critica a razão moderna baseadana validade das formas lógicas que obedece à consciênciacoisificada e à aceitação social”.9  A razão moderna que

termina por submeter a liberdade é a razão instrumental.

7  CHAVES, J. C. O conceito de liberdade na Dialética Negativa de Theodor Adorno. In: Revista Psicologia e Sociedade, 22(3), 2010,pág. 440.8  ADORNO, T. W. Dialética Negativa. Trad. Marcos AntônioCasanova. Rio de Janeiro: Zahar, 2009, pág. 181.9

  CHAVES, J. C. O conceito de liberdade na Dialética Negativa de Theodor Adorno. In: Revista Psicologia e Sociedade, 22(3), 2010,pág. 440.

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Podemos afirmar que a racionalidade instrumental –  oriunda do projeto iluminista de emancipação da razãohumana, da liberdade do indivíduo para pensar o progresso

 –  no lugar de promover a liberdade para se pensar a ciência,a indústria e seus avanços, tornou o homem submisso a tudoisso. Criou-se indivíduos isolados e alienados. Em vez dehumanizar, desumanizou. Na Dialética do Esclarecimento  Adorno e Horkheimer afirmam que,

O que nos propusermos era, de fato, nada menos doque descobrir porque a humanidade, em vez de

entrar em um estado verdadeiramente humano, estáse afundando em uma nova espécie de barbárie.10 

 A preocupação dos autores sobre esse caminho dahumanidade de volta à barbárie se dá pelo momentohistórico vivenciado por ambos. Eram sobreviventes donazismo e vivenciaram todo o horror da guerra e dacapacidade humana para o perverso. Pensamentos atuais selevarmos em consideração que a humanidade ainda tem que

conviver com o horror, não comparado ao nazismo, mas tãodesumano quanto.

Essa inquietação, relacionada a porque ahumanidade “regrediu” em vez de avançar, dá-se pela falsapromessa do iluminismo ou esclarecimento, ou pelo fracassoem tornar real as promessas que fizeram. Em suas propostashavia a intenção de liberar os indivíduos da escuridãomedieval, afugentar o medo por meio do conhecimento. Oprogresso da ciência ou esclarecimento mostra, segundo osautores, que houve uma inversão na proposta dada pelosiluministas para a modernidade, ou seja, o que era pra libertaracabou aprisionando.

10

  ADORNO, T. W.; HORKHEIMER, M. Dialética doEsclarecimento: fragmentos filosóficos. 2ª ed. Rio de Janeiro: Zahar,1991. Pág. 2.

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(...) a ideia do homem, sua realização nos homensmediante a emancipação do indivíduo, sua liberdade,sua realização social, potencialidades cuja atualização

o progresso permite vislumbrar e, ao mesmo tempo,paradoxalmente, impede de realizar. 11 

 A emancipação do homem por meio doconhecimento acaba por fracassar porque a proposta inicialé invertida e, em lugar de promover a liberdade, dociliza12. Oque antes era pensado para retirar do indivíduo o medo e ainsegurança, causados especialmente pelo mito, transforma-se no próprio mito moderno e, assim como os antigos, emlugar de libertar os homens da ignorância termina por aliená-los cada vez mais. “(...) mas os mitos que caem vítimas doesclarecimento já eram o produto do próprioesclarecimento”.13 

 Adorno e Horkheimer afirmam que “o preço que oshomens pagam pelo aumento do seu poder é a alienaçãodaquilo sobre o que exercem o poder”.14 E nessa direção o

11 EVANGELISTA, E. G. S. Razão instrumental e indústria cultural. In:Inter - Ação. Revista da Faculdade de Educação, UFG, 28 (1): jan/jun.2003. Página 85.12  A expressão docilizado aparece na filosofia de Foucault (corpodocilizado) para expressar a submissão dos indivíduos ao poder, aos

 vários tipos de poder. O corpo submisso é facilmente modelado,reorganizado para que se tornasse útil. Um corpo que não fala por si, queé dominado não tem liberdade. Essa expressão também foi utilizada parareafirmar o pensamento de Adorno e Horkheimer na Dialética doEsclarecimento, quando afirmam que, “quanto mais complicada erefinada a aparelhagem social, econômica e científica para cujo manejo ocorpo já há muito foi ajustado pelo sistema de produção, tanto maisempobrecidas as vivências de que ele é capaz”. (ADORNO, T. W.;HORKHEIMER, M. Dialética do Esclarecimento: fragmentosfilosóficos. 2ª ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1991.pág. 23.)13  ADORNO, T. W.; HORKHEIMER, M. Dialética doEsclarecimento: fragmentos filosóficos. 2ª ed. Rio de Janeiro: Zahar,1991. Página 6.14 ADORNO, T. W.; HORKHEIMER, M. Op. Cit. Pág. 7.

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116  Adorno e a dialética negativa: leituras contemporâneas 

homem aliena o próprio homem. Assim, nos parecetransparecer que o advento do esclarecimento não era, desdeo início, para todos. Uns subjugam para outros serem

subjugados. Essa parece ser a lógica da ciência, ou doindivíduo da ciência que detém o conhecimento, logo, detémo poder15. Se o esclarecimento não é para todos, a liberdadeparece também não o ser. Se levarmos em consideração queo esclarecimento teve como fundamento a libertação dohomem da escuridão medieval, como dito antes. Adornoafirma que “(...) mas é muito mais o  horror que existe,porque ainda não há nenhuma liberdade.”16 

O panorama mostrado tanto por Adorno quanto porHorkheimer na Dialética do Esclarecimento é de que o poder dasciências e seus desdobramentos na indústria tem servidocomo instrumento de alienação. Nesse sentido, o que teriasido criado para proporcionar a liberdade, acaba poraprisionar e criar horrores. É o que acontece, por exemplo,na Indústria cultural.

2.0. 

Indústria cultural e ausência de liberdade

No tópico da Dialética do Esclarecimento: “Aindústria cultural: esclarecimento como mistificação dasmassas”, os autores nos apresentam como a indústriacultural, por meio da técnica, da razão instrumental, tem, aolongo do tempo, sido aperfeiçoada e criado grandes

disparidades na realidade social, assim como criado nosprodutos uma importância e utilidade efêmeras. A cultura passa a ser vista por meio de cifras e, sob

essa perspectiva, a cultura mais rentável será produzida em

15  Adorno e Horkheimer fazem, aqui, uma referência à afirmação deBacon que diz que “o saber é poder”. ADORNO, T. W.;HORKHEIMER, M. Op. Cit. Pág. 5.16  ADORNO, T. W. Dialética Negativa. Trad. Marcos AntônioCasanova. Rio de Janeiro: Zahar, 2009, pág. 184.

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larga escala com a desculpa de que é para satisfazer oconsumidor, as massas. Como tudo que satisfaz as massasdeverá ser produzido, os filósofos nos mostram a

padronização que se instalará na sociedade,Os interessados inclinam-se a dar uma explicaçãotecnológica da indústria cultural. O fato de quemilhões de pessoas participam dessa indústriaimporá métodos de reprodução que, por sua vez,tornam inevitável a disseminação de bempadronizado para a satisfação de necessidadesiguais.17 

 A padronização existente é a marca maior daracionalidade da técnica e da dominação pelo podereconômico. Com uma lógica bem simples, a indústria cria asnecessidades nos indivíduos, produzem tal necessidade emlarga escala e, para satisfação dos grandes industriais, nasceaí o poder econômico. Nesse caso, somente uma ínfimaparcela da população, que soube utilizar a técnica, a

racionalidade científica, consegue o poder econômico. A técnica bem utilizada para fins econômicos, tem opoder de dominar, de alienar. Pois tudo o que se produz hojese torna obsoleto amanhã. E, a indústria cultural que jáconseguiu alienar as massas consegue fazer sempre girar aroda da necessidade nos indivíduos. Quanto mais anecessidade é gestada em cada indivíduo, mais alienado elese torna e menos livre ele será. Por isso, a indústria cultural

não cria só produtos, ela cria pessoas, cria comportamentos.(...) o terreno no qual a técnica conquista seu podersobre a sociedade é o poder que os economicamentemais fortes exercem sobre a sociedade. A realidadetécnica hoje é a racionalidade da própria dominação.

17

  ADORNO, T. W.; HORKHEIMER, M. Dialética doEsclarecimento: fragmentos filosóficos. 2ª ed. Rio de Janeiro: Zahar,1991. Pág. 57.

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118  Adorno e a dialética negativa: leituras contemporâneas 

Ela é o caráter compulsivo da sociedade alienada desi mesma.18 

Mesmo sem às vezes se dar conta, o indivíduopermite que a indústria cultural mostre que tipo de lazer eledeverá se “submeter”. O lazer que seria o momento dodescanso, torna-se mais um produto lucrativo da indústriacultural, “a diversão é o prolongamento do trabalho nocapitalismo tardio”19, pois assim como há uma alienaçãoreferente ao trabalho, também há em relação ao lazer. Oindivíduo é reificado20 tanto no trabalho como no lazer. Em

ambos o papel que é assumido é apenas o de gerar lucro paraos grandes industriais. O indivíduo, como espectador, “nãodeve ter necessidade nenhuma de pensamento próprio, oproduto prescreve toda reação”.21  Tudo é completamentearquitetado de modo que as reações são previsíveis e assim,a liberdade do indivíduo se desfaz completamente.

Os filósofos nos mostram ainda que a indústriacultural cria no indivíduo a falsa ilusão da liberdade, a falsa

ilusão de que é ele que controla, quando na verdade, estásendo controlado. O indivíduo que a indústria cultural cria é

18 ADORNO, T. W.; HORKHEIMER, M. Op. Cit. pág. 57.19 ADORNO, T. W.; HORKHEIMER, M. Op. Cit. pág. 64.20  O conceito de reificação aqui utilizado é o utilizado por Karl Marxpara designar o processo de alienação do sujeito no sistema capitalista.

 As relações existentes são relações de troca e, assim, o indivíduo se tornamais uma “coisa” a ser trocada no mercado. Sua força de trabalho é oque vale para dizer se o indivíduo serve ou não. Do mesmo modo quefazemos com as mercadorias que compramos. Como afirma Marx, "Otrabalhador se torna uma mercadoria tão mais barata quanto maismercadorias cria. Com a valorização do mundo das coisas ( Sachenwelt  )aumenta em proporção direta a desvalorização do mundo dos homens(  Menschenwelt  )." MARX, Karl. Manuscritos econômicos-

filosóficos. Tradução de Jesus Raniere. São Paulo: Boitempo, 2004. Pág.

80.21 ADORNO, T. W.; HORKHEIMER, M. Op. Cit. pág. 64.

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aquele que pensa que pode pensar, que sabe pensar por si epor isso mesmo, acredita que suas escolhas são realmentesuas. Como quem cria tudo e molda tudo  –  mercadorias e

indivíduos –  é a indústria, ela cria o que os autores chamamde “homem como ser genérico”22. Ou seja, não háespecificidades, cada um é tão igual ao outro que pode serfacilmente substituído, “ele é fungível, um mero exemplar”23.Sua identidade particular não interessa, o que interessa é suacapacidade de consumo.

 A liberdade como autonomia não é mais questão dedebate, pois o que transparece é que cada sujeito é um, único,e possui a total liberdade de fazer suas escolhas. “O processode autonomização do indivíduo, função da sociedade detroca, culmina com a sua supressão por meio da integração. Aquilo que é produzido pela liberdade converte-se em não-liberdade”24. Mas os autores nos mostram que quando oindivíduo pensa que está fazendo as escolhas, na verdade, asescolhas já foram feitas e ele só está se submetendo a elas.

Essas escolhas estão em todos os campos, especialmente noque diz respeito à indústria do lazer. O que se procura sãosempre os lugares da moda, aqueles, de ontem, já nãosatisfazem mais, já se tornaram obsoletos como qualqueroutro produto.

 A liberação prometida pela diversão é a liberação dopensamento como negação. O descaramento dapergunta retórica: “Mas o que é que as pessoas

querem?” consiste em dirigir-se às pessoas comosujeitos pensantes, quando sua missão específica édesacostumá-las da subjetividade.25 

22 ADORNO, T. W.; HORKHEIMER, M. Op. Cit. pág. 69.23 ADORNO, T. W.; HORKHEIMER, M. Op. Cit. pág. 69.24  ADORNO, T. W. Dialética Negativa. Trad. Marcos AntônioCasanova. Rio de Janeiro: Zahar, 2009, pág. 219.25 ADORNO, T. W.; HORKHEIMER, M. Op. Cit. pág. 68.

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 Assim, a indústria cultural vai se adaptando a pontode a modernidade já não ser imaginada sem o poder dessatécnica que foi criada para divertir e informar mas, que

acabou por se tornar um instrumento de alienação dossujeitos.

3.0.  Considerações finais

O tema da liberdade no pensamento de Adorno nãoaparece como um conceito simples e de fácil acesso. Váriasinterpretações surgem a partir dai, dentre elas a que serelaciona com os aspectos psicológicos, especialmenteporque Freud foi um influenciador do pensamentoadorniano. Dessa leitura percebemos o caráter constitutivodo sujeito voltado para si, constituindo sua liberdade eautonomia para voltar-se para os outros no processo deintersubjetividade.

 Ao lermos a relação entre sujeito e sociedade com

intermédio da racionalidade técnica provedora da IndústriaCultural, percebemos como a nossa liberdade propagada, éfalsa. Pois o indivíduo, aparentemente livre para fazerescolhas, entra na engrenagem industrial e se torna mais umapeça, não se dando conta disso, aliena-se.

 Adorno juntamente com Horkheimer conseguiramanalisar a sociedade massificada e percebeu o abismo que éreforçado –  que deve existir entre uma racionalidade crítico

 –   reflexiva e a racionalidade instrumental. A modernidadesubmergiu com a técnica e sobrou pouco espaço para acrítica. A técnica que é criticada pelos filósofos é essa queelimina a autonomia do indivíduo, não devemos generalizarafirmando que toda técnica é ruim em seus fins. Assim, oque se propôs nesse trabalho foi abordar de um modo geralos aspectos característicos da liberdade no pensamento de Adorno, principalmente, e a importância de pensarmos

sobre ela não como algo já dado, a história pode nos trazeracontecimentos que ponha em cheque a liberdade

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conquistada, mas como algo fundamental que deve ser vistacom um olhar crítico.

Referência bibliográfica

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O programa e a mistificação dasmassas no pensamento de

 Vilém Flusser e Theodor Adorno Jair Inácio Tauchen 1 

 A função de apertar botão, tanto no sentido físicocomo virtual de algum equipamento eletrônico, faz parte do

nosso cotidiano. Ao acionar o botão do aparelho é possívelidentificar imagem e som de acontecimentos próximos, oudo outro lado do mundo. Ir ao cinema, assistir TV e vídeo,tornou-se atividade comum, produto de um mundo novocom enorme possibilidade de comunicação e divertimentoentre os indivíduos. Impressiona o “realismo” 2 das imagense sons produzidos pelos aparelhos que já sofreram inúmerasalterações no decorrer do tempo, como por exemplo, o

cinema que inicialmente era preto-e-branco, mudo, sonoro eagora colorido. O mesmo pode ser dito da TV. Oimportante, no sentido filosófico, é que toda imediatezcaracterística desse universo de som e imagem, é aparente.Pois para cada fenômeno audiovisual percebido, existe umacomplexa rede de relações sociais, econômicas e políticasque se desenvolve, quase nunca em favor do espectadordesinformado, permanecendo à margem do seu

funcionamento, motivação e objetivos3. O surgimento dosmedia, atraiu a partir da metade do século XIX, uma série dereflexões críticas ao se constatar promessas deenriquecimento das experiências culturais humanas e sobre

1 Doutorando em Filosofia na PUCRS, bolsista CAPES.2 DUARTE, Rodrigo. Indústria cultural e meios de comunicação, p. 10.3 Ibid., p. 11.

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os interesses que estão por trás do desenvolvimento dessasatividades.

 A intenção do estudo é fazer uma abordagem

sobre os aparelhos, os programas, os programadores e comose relacionam com o cinema e o cotidiano através da filosofiade Vilém Flusser e uma análise crítica da relação da indústriacom o consumidor aos olhos da indústria cultural deHorkheimer e Adorno. A abordagem filosófica do tema“indústria cultural”, presente no livro Dialética doesclarecimento, leva em consideração os negócios das grandescorporações capitalistas que desenvolveram a estratégia deabolir toda concorrência nos processos econômicos e que seapropriaram dos meios tecnológicos da época, com a claraintenção de lucrar com a produção e comércio dasmercadorias culturais. Outro objetivo era controlar ocomportamento das massas, em função da desigualdade daminoria detentora dos meios de produção e a maioria deassalariados e subdesempregados.

O desenvolvimento tecnológico, especialmente oda internet que começou a se desenvolver na década de 1970,e para uso comercial e civil por volta da década de 1990, foiimportante para a ampliação em escala mundial dapropaganda ideológica capitalista que antes era exercida emâmbito local. É importante observar que a grande parte dosservidores da internet encontram-se nos EUA, o quedeflagrou, inclusive, o recente escândalo de espionagem por

parte do serviço de inteligência norte-americano de cidadãose autoridades do mundo todo. Um dos aspectos dessedesenvolvimento tecnológico é a simulação de realismo queos meios de comunicação técnica fornecem, criando umaespécie de mundo paralelo cunhado pelas imagens e sons,que retiram elementos que poderiam estimular umaconsciência crítica, não só dos media , mas do sistema políticoe econômico que os produziram.

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1. Entretenimento e o metaprograma.

No livro Pós-história:  vinte instantâneos e um modo

de usar, Flusser, apresenta uma questão de que a história doOcidente está intimamente ligada ao aspecto social eeconômico do ser, que orienta o pensamento dos indivíduos.Por exemplo, na Antiguidade, segundo ele, destacava-se anoção de “destino”; na Idade Moderna, a ideia de“causalidade” assume posição importante e, atualmente, aconcepção de “programa” adquire destaque4.

 Ainda de acordo com Flusser, a concepção de programa   requer a existência de aparelhos , que sãoequipamentos que fazem os programas funcionarem,desenvolvidos pela ação dos  funcionários , pessoasresponsáveis em operar os aparelhos. Se existe programas,consequentemente deve haver  programadores, pessoas quedesenvolvem um conjunto de códigos inseridos nosprogramas, que fazem funcionar os aparelhos e que são

operados por funcionários. No entanto, mesmo que osprogramadores tenham maior poder que os funcionários,apenas escrevem os programas que fazem os aparelhosfuncionarem e, por isso, não são todo-poderosos, porqueeles também são funcionários de um meta-aparelho,programado por um metaprograma e assim sucessivamente.

Para Flusser, no entanto, essa situação de jugohumano sob os programas e aparelhos só poderá ser

revertida se, a partir de uma compreensão suficientede jogos propostos pelos programas, a humanidadeaprender a lidar com o absurdo neles inscrito5.

 Atualmente é possível identificar umasincronização pelos aparelhos que nos programam e que

4 FLUSSER, Vilém. Pós-História:  vinte instantâneos e um modo de usar,p. 37.5 DUARTE, Rodrigo. Indústria cultural e meios de comunicação, p. 43.

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determinam o ritmo de nossa vida, como por exemplo, oaparelho do transporte está intimamente ligado ao aparelhoindustrial, ou ainda, massas “programadas” pelos aparelhos

para consumir em modernos shopping centers , modelos deinstituições tradicionais da história.

Na antiguidade clássica, a basílica, espaço vaziocoberto por uma abóbada, ocupava posição decisiva e agora,modificada, continua a funcionar, no entanto, de formamuito diferente da proposta original. O Pantheon pode serusado para elucidar o seu caso. No princípio servia comomercado, espaço público destinado para compra, venda,troca de produtos e ideias, espaço dialógico. Posteriormentetransformado em templo, espaço destinado à oração econtemplação, ambiente teórico. Na sequência,transformado em igreja, lugar proposto à contemplação nosentido cristão. A basílica tinha função política e teórica ehoje, as funções foram alteradas, embora tenha conservadosua estrutura de espaço e cobertura. “Trata-se do

supermercado, o qual simula espaço político, e o cinema , quesimula o espaço teórico, e ambos são sincronizados”6.O supermercado é um ambiente constituído de

labirinto com mensagens codificadas em imagens,identificadas através das embalagens coloridas, cartazes esons produzido pelo anunciante, através do microfone. Aentrada é ampla, com largas portas, com a intenção de criarum espaço público, como se fosse um ambiente de troca e

de diálogo. No entanto, o receptor das mensagens édevorado pelo labirinto e toda troca de diálogo éimpossibilitada pelo contínuo ataque das mensagenscoloridas e de sons que tomam o ambiente. Em virtudedisso, Flusser denomina o supermercado de “repúblicafraudulenta”7.

6 FLUSSER, Vilém. Pós-História:  vinte instantâneos e um modo de usar,p. 82.7 Ibid., p. 82

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 A fraude é identificada, sobretudo como umacilada, em virtude do local dispor apenas de saída controlada.Quem quiser sair precisa, primeiro, fazer fila em saídas

estreitas e pagar “resgate”. O supermercado priva oindivíduo de todos os espaços e não é ambiente favorável àtroca; impõe um comportamento de consumo através desuas mensagens sedutoras, desenvolvidas pelos aparelhos.“O supermercado é aparelho que simula a república parapoder seduzir os seus receptores para serem manipuladoscomo objetos consumidores”8.

O cinema assume condição oposta dosupermercado. A entrada é estreita e leva seus participantesa formar fila e o pagamento para a recepção da mensagem,ocorre na entrada. Ao término do programa os portões sãoamplamente abertos, permitindo a saída dos expectadoresprogramados. Além das filas dos supermercados e cinemaque formam e informam as pessoas, existem muitas outras,por exemplo, as do metrô e os ônibus.

O cinema, no sentido arquitetônico, é uma basílicasem janela, uma caverna em que aparecem sombras. “O mitoplatônico da caverna o descreve, e Platão pode ter tido porprimeiro crítico de cinema. Antes das sombras apareceremna tela, e os sons começarem a falar alto, reina a escuridão eo silêncio no cinema” 9. Cria uma falsa ilusão de ser umespaço contemplativo, de ser um teatro. Na verdade, ocinema é um transmissor de mensagens que utiliza um

aparelho produtor de imagens da indústria cinematográfica. A ilusão de se tratar de teatro está vinculada com a entrada,onde são disparadas mensagens luminosas e sonoras com aintenção de seduzir o indivíduo a contemplar o programa. Ao entrar na caverna encontra poltronas enfileiradasgeometricamente e numeradas aritmeticamente. O

8 FLUSSER, Vilém. Pós-História:  vinte instantâneos e um modo de usar,p. 82.9 Ibid., p. 83.

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espectador instalado permite que as sombras e sons quepreenchem o espaço, o manipulem.

O projetor de filme localiza-se a cima da cabeça de

seus fiéis (sentido de Igreja) e a trás das suas costas. SegundoFlusser, “é aparelho programado para projetar imagensordenadas em fita sobre a tela, de forma a criar a ilusão demovimento”10. O receptor, por conhecer a função doaparelho, está consciente da fraude ótica que está sendo vítima, pois possui algo semelhante em casa, a televisão. Aose virar em direção ao projetor, não é para libertar-se dailusão, mas para reclamar do mau funcionamento doaparelho que, em vez de deslizar suavemente a imagem, a fazde salto. Fica enfurecido se a ilusão for desmascarada.

Flusser questiona-se no sentido de como podeocorrer uma manipulação em grau tão elevado do indivíduopelo aparelho que o transforma em objeto e de como épossível o indivíduo colaborar com seu próprioaniquilamento. A mesma pergunta estende ao fenômeno

 Auschwitz11

. A resposta ao problema é que o espectadorsabe que o projetor, por si só, não emite mensagemfraudulenta, mas é apenas o último elo da cadeia que o unee, portanto, não seria plausível querer destruí-lo, além domais, são cópias de um protótipo inacessível. Mesmo que ocinema fosse destruído, a mensagem continuaria a serreproduzida em outros cinemas e o espectador entende queo cinema exclui toda ação revolucionária e, comporta-se de

acordo. Por que o espectador não se rebela? Não se rebelaporque não quer, porque quer continuar a ser enganado.Esse desejo está em conformidade com a sociedade de massaao se observar o totalitarismo aparelhístico produzido. Todoesforço do indivíduo, no sentido de libertar a sociedade da

10Ibid., p. 84.11 FLUSSER, Vilém. Pós-História:  vinte instantâneos e um modo de usar,p. 85.

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fraude exercida pelos aparelhos que a programam e, dadesmistificação do “mundo codificado” pelos aparelhos,esbarra em tal consenso; é praticamente impossível ir contra

a vontade da maioria. Por outro lado, esse desejo de serenganado, é contrário a fé religiosa. O fato de saber que assombras projetadas são ilusórias, e as aceitar, é acreditar de“má fé”, é entender o cinema como magia, magia artificial,deliberadamente programada. Por isso, o cinema não podeser entendido como um instrumento alienante. Mitificamgraças a uma conspiração consciente entre os emissores ereceptores de mensagens.

O supermercado e o cinema são, na concepção deFlusser, responsáveis por produzir na massa, a circulação doprogresso. No cinema a massa é programada a consumir nosupermercado e no supermercado, a reprogramar-se nocinema. Essa cultura de massa é explicada através do input eoutput.  “Pelos  programas   que nela são alimentados, e pelocomportamento que disto resulta”12. Os filmes são

resultados de um processo histórico, realizado no interiordas caixas pretas da indústria cinematográfica, que tem afunção de programar a massa. Os supermercados são, paraFlusser, os lugares nos quais os programas transformam-seem comportamento13. Os programadores desses programassão jogadores que transcendem a história e que funcionamem função dos programas que programam, “sãoprogramados para programar”. O supermercado e o cinema

são apenas dois exemplos em que se percebe que o sistema,cada vez mais autônomo de interferência humana, vai seesfacelando. Toda tentativa de rebelar-se, ir contra, é inútil. A esperança é a conscientização da rotação automática quenos envolve e compõem a realidade do mundo dosaparelhos.

12 Ibid., p. 87.13 Ibid., p. 87.

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2. Indústria cultural e a mistificação das massas.

Para Adorno e Horkheimer, no livro Dialética do

esclarecimento, a cultura atual desenvolve em todos os setoresuma ideia de semelhança, ao transformar o cinema, revistas,em um conjunto de sistemas no qual “cada setor é coerenteem si mesmo e todos são em conjunto”14. O monopólioestabelece que toda cultura de massa se torne igual, fazendodo cinema e rádio um negócio, uma indústria que não precisamais se apresentar como arte. A indústria, na tentativa deatender um número cada vez maior de pessoas, utiliza ummétodo de produção a fim de disseminar uma padronizaçãode bens e atender as necessidades dos consumidores. Opadrão de igualdade é resultado da necessidade desenvolvidanos consumidores que não apresentam resistência aoprocesso de manipulação.

O poder da técnica sobre a sociedade pode serconsiderado o mesmo poder que os grupos economicamente

mais fortes exercem sobre a sociedade. A técnicadesenvolvida na indústria cultural atende ao processoeconômico e inclinou-se à padronização e produção emsérie. “A racionalidade técnica hoje é a racionalidade daprópria dominação”15. A compulsividade da sociedade alienaa si própria.

 A produção em massa não apresenta critériotransparente que contemple o seu conteúdo. Ao contrário, a

indústria cultural está mais preocupada em classificar eagrupar estatisticamente os consumidores, na intenção deatingi-los com seus produtos. Nesse processo, osconsumidores, identificados pelos institutos de pesquisa, sãoreduzidos a simples materiais estatístico com possibilidadede retorno financeiro. O valor está vinculado à produção e

14  ADORNO, Theodor W; HORKHEIMER, Max. Dialética doesclarecimento: fragmentos filosóficos, p. 99.15 Ibid., p. 100.

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investimento ostensivo e não leva em consideração os valores objetivos do produto e, os meios técnicosempregados, tendem a uma padronização, como por

exemplo a televisão, que visa um arranjo entre o rádio e ocinema. A cultura de massas do modelo norte-americano, nosentido de atender a demanda dos trabalhadores pordiversão e lazer, era instrumentalizada nos moldes dasgrandes indústrias. A intenção era lucrar com a atividade emanter o controle social e comportamental dos indivíduos.O sucesso dessa atividade sempre esteve ligado àmanipulação das massas que não percebiam o processocomo tal, mas como fornecimento de entretenimentoconsumido no tempo livre.

Os consumidores estão forçosamente obrigados apercorrer o caminho traçado pela indústria cultural, tal comoum adestramento do espectador no sentido de identificar nofilme, sua própria realidade. Até mesmo o desavisado seráatingido pelos produtos da indústria cultural, tornando-o

consumidor sem resistência ao que é ofertado. O espectadorde cinema compreende que, quanto maior for a aplicaçãotécnica empregada, mais facilmente percebe a ilusão de queo mundo exterior é um prolongamento do mundo que sedesvenda no filme.

 A indústria cultural está intimamente ligada àindústria da diversão no sentido de manter o controle sobreos seus consumidores. O divertimento é a busca por

sensações e, no anseio de vivenciá-las ao máximo, acaba porpriorizar a quantidade em vez da qualidade. Desenvolversensações sucessivas, na concepção de divertir a consciência,leva a uma alienação do consumidor ao mundo. Essa buscapela quantidade dá a impressão de que o indivíduodesenvolve a intenção de acumular, armazenar sensações nasua memória. “Tal interpretação do divertimento levou aoconceito da ‘sociedade de consumo’, sociedade que consome

as sensações materiais e outras fornecidas pelos aparelhos

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produtores”16. A alienação desse consumidor que se diverte,dá-se principalmente, pela falta de memória, pelaincapacidade de absorver o que foi consumido. A prioridade

imanente do sistema é de não largar o consumidor, nãopermitir em momento algum, a possibilidade de resistência.O princípio é dar a sensação de que todas as necessidadessurgidas podem ser satisfeitas pela indústria cultural, de talsorte, que se veja nelas como um eterno consumidor, umobjeto. O prazer prometido continuamente ao consumidoratravés do enredo ou encenação é constantemente emaldosamente prorrogado.

Nesse sentido, Flusser17  entende que antes dareprogramação cultural, o indivíduo era consciente de si e domundo e, isso foi possível, porque os aparelhos nãoconseguiram divertir completamente a consciência. Noentanto, o que se vê atualmente, são aparelhos empregandométodos com a intenção de atingir a consciência infelizatravés de disparos de sensações a todo o momento. E isso

é possível, porque é permitido ao aparelho; porque oindivíduo quer se divertir, exige divertimento em quantidadecada vez maior, por não suportar o confronto com aconsciência infeliz. As sensações são refeitas ao acaso e aindústria do divertimento tem a função de programá-las, porisso, tudo é diversão, sensacionalismo. “Os aparelhoscodificaram o mundo de maneira a divertir-nos. Tornaram‘espetacular’ o mundo. Estão procurando atualmente

sensacionalizar nossa própria morte. Já sensacionalizaram ados outros. Superaram o luto”18.Na indústria cultural a ideologia é o próprio

negócio, porque se identifica com a necessidade produzida,

16 FLUSSER, Vilém. Pós-História:  vinte instantâneos e um modo de usar,p. 131.17 FLUSSER, Vilém. Pós-História:  vinte instantâneos e um modo de usar,p. 134.18 Ibid., p. 136.

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fazendo com que a diversão se torne o prolongamento da vida concreta nas relações, como o trabalho, por exemplo:

Ela é procurada por quem quer escapar ao processode trabalho mecanizado, para se pôr de novo emcondições de enfrentá-lo. Mas, ao mesmo tempo, amecanização atingiu um tal poderio sobre a pessoaem seu lazer e sobre a sua felicidade, ela determinatão profundamente a fabricação das mercadoriasdestinas à diversão, que esta pessoa não pode maisperceber outra coisa senão as cópias quereproduzem o próprio processo de trabalho. O

pretenso conteúdo não passa de uma fachadadesbotada; o que fica gravado é a sequênciaautomatizada de operações padronizadas. Aoprocesso de trabalho na fábrica e no escritório só sepode escapar adaptando-se a ele durante o ócio. Eisaí a doença incurável de toda diversão19.

 Ainda nessa linha de consideração, verifica-se queo espectador não manifesta e, não necessita de pensamento

próprio, o produto indica o resultado da reação, não apenaspelo tema desenvolvido, mas pelos sinais20. Também deve-se considerar que a divisão do tempo em trabalho e lazermudou muito no decorrer da história. Até a Idade Média, naqual a atividade era praticamente agrária, não existia essarelação; apareceu no modo de produção capitalista, depoisda Revolução Industrial, que limitou o trabalho produtivoem ambientes industriais. Embora o desenvolvimentocapitalista carregue a marca da exploração da força detrabalho, na qual mantinha o trabalhador sob severaatividade produtiva e dedicado exclusivamente à

19  ADORNO, Theodor W; HORKHEIMER, Max. Dialética doesclarecimento: fragmentos filosóficos, p.113.20 O termo usado por Flusser para indicar o resultado da diversão em

sinais, é a imagem. “As sensações individuais que devoramos vãoformando mosaicos que vagamente se estruturam em imagens”.(FLUSSER, 2011, p. 135).

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sobrevivência, foi nessas condições que foram lançados aconcepção de tempo entre trabalho e lazer. Países maisindustrializados, como Inglaterra, França e Alemanha,

introduziram gradativamente leis que limitavam a jornada detrabalho, especialmente dos trabalhadores maisespecializados que conseguiam negociar salários e tempolaboral, diferente da grande maioria dos operários que nãopossuíam nenhum conhecimento técnico.

Essa conquista da classe trabalhadora dos paísesmais desenvolvidos ocasionou a necessidade da criação dosmeios de entretenimento. Inicialmente, nos moldes dasquermesses, nas quais os participantes deslocavam-se atravésde transporte público para instalações adaptadas, marcadaspor uma vigilância constante das autoridades, a fim dedoutrinar os trabalhadores e mantê-los ordeiros, livres doálcool e de arruaças. Os ambientes começaram a receber umnúmero cada vez maior de pessoas, o que forçou amodernização, a profissionalização do entretenimento e

consequentemente o surgimento de um promissor ramo denegócio que se encarregava da edição e venda dos folhetins,geralmente com conteúdo adocicado. Esse lazer tipicamenteproletário levou a burguesia a desenvolver um estilo próprio,mantendo as devidas diferenças, em primeiro momento,exteriores. O entretenimento proletário localizava-se nossubúrbios, em galpões e, os burgueses, em regiões maisnobres, em ambientes que imitavam teatros e casas de ópera

destinados preponderantemente ao predomínio daaristocracia.Comportamentos típicos do final do século XIX e

início do XX como, leitura de jornais, de romances,introdução de pianos nas residências da burguesia, indicavaque o mercado estava pronto para o aparecimento da culturade massas, faltando o suporte dos meios tecnológicos quecomeçaram a aparecer no final da década de 1880, com o

advento do cinema e do rádio. O uso do rádio permaneceurestrito às forças armadas durante a Primeira Guerra

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origem a famosa indústria cinematográfica mundial:Hollywood.

Na indústria cultural o indivíduo assume posição

ilusória, não apenas em função da padronização dos meiosde produção, mas principalmente quando se leva emconsideração as particularidades do eu como mercadoriamonopolizada e condicionada a passar por algo natural. Oindivíduo não é mais indivíduo, é encruzilhada dastendências do universal, revela um caráter fictício. “É só porisso que a indústria cultural pode maltratar com tantosucesso a individualidade, porque nela sempre se reproduziua fragilidade da sociedade”22.

Considerações finais.

 A ideia de programa é relativamente nova naexistência humana e muitos aspectos ainda não foramconscientizados. Agora, é incontestável que atualmente o

comportamento da sociedade vem sendo programado porprogramas que afetam diretamente a liberdade humana.Programas projetados por programadores que seautonomizam. “Os aparelhos funcionam sempre maisindependentemente dos motivos dos seusprogramadores”23. Constata-se o surgimento de um númerocada vez maior de aparelhos programados por outrosaparelhos; a própria condição humana programada por

aparelhos de tal modo a provocar dúvida sobre continuar aser homem ou passar a ser robô.Muitos entendem que essa “consciência crítica”

defendida não seria necessária porque, no primeiromomento, há os que rejeitam a ideia de que a indústria

22  ADORNO, Theodor W; HORKHEIMER, Max. Dialética doesclarecimento: fragmentos filosóficos, p.129.23 FLUSSER, Vilém. Pós-História:  vinte instantâneos e um modo de usar,p. 44.

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cultural permaneceu refém da manipulação das grandescompanhias capitalistas e, na atualidade, os que entendemque a internet e os meios tecnológicos digitais provocaram

uma revolução na cultura de massas através da interatividadeque democratizou e eliminou os processos de manipulaçãodenunciados por Horkheimer e Adorno24. Entretanto, naconcepção de Duarte, é necessário um cuidado em aceitaressa “democratização digital”, pois “há indícios de que operigo de aprofundamento dos aspectos perversos daindústria cultural ‘clássica’ é real, apesar de possibilidadesinteressantes oferecidas pelos recursos tecnológicosatuais”25.

Considerando que a situação política e tecnológicasão diferentes quando foi emitida a crítica de Horkheimer e Adorno na década de 1940; que a discussão política da épocagirava em torno da Guerra Fria, disputa ideológica entre oscapitalistas e socialistas e que deu lugar ao processo políticodenominado “globalização” com a liderança dos EUA diante

do mundo e a queda do socialismo liderado pela extintaUnião Soviética; que a base tecnológica criticada da épocaancorava-se no cinema e rádio e que deu lugar a uma basemais complexa com o advento da televisão preto-e-branco,depois colorida, os vídeos, o televisor digital e oscomputadores que permitem conectividade em tempo real.É possível concluir que as características da indústria culturalcriticadas por Horkheimer e Adorno na essência,

permanecem as mesmas, ainda que a política e a tecnologiatenham mudado. Na política percebe-se que os EUAconsolidaram a hegemonia em termos globais e na basetecnológica acompanha-se o surgimento constante de novosprodutos que inundam o cotidiano gerando uma espécie dedependência nos indivíduos.

24 DUARTE, Rodrigo. Indústria cultural e meios de comunicação, p. 40.25 Ibid., p. 40 –  41.

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DUARTE, Rodrigo. Indústria cultural e meios de comunicação.São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2014.

FLUSSER, Vilém. Pós-História:  vinte instantâneos e ummodo de usar. São Paulo: Annablume. 2011.

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Filosofia e Concretude: adialética negativa de Adorno

como antídoto dos formalismosideológicos

 Jardel de Carvalho Costa 1 

Desde seus primórdios, vários problemas têm

acompanhado a filosofia, a saber: O que é o real? Podemosconhecer a realidade? A filosofia possui algum poder detransformar a realidade? Aqueles que estão na caverna, estão vendo apenas simulacros do real? É preciso sair da caverna? Tais questões permearam e ainda permeiam o pensamentofilosófico, assumindo inúmeras formas. É justamentepartindo de tais pressupostos que Adorno inicia sua célebreobra intitulada: “Dialética Negativa” (1966), com algumas

perguntas fundamentais implícitas: a razão fracassou emtransformar o mundo? A filosofia resignou-se em apenasinterpretar o mundo? Teriam os filósofos refugiado-se emmeros castelos conceituais distantes do mundo real? Quaisos perigos da falsa consciência da identidade entrepensamento e objeto?

De acordo com Adorno, uma das hipóteses, é a deque, talvez, as interpretações do mundo não tenham sido

suficientes para proporcionar uma mudança prática, ou quea filosofia ainda não tenha refletido o bastante sobre simesma para diagnosticar o que nela mesma encontra-se dediscrepante em relação à realidade. Em outras palavras: para Adorno, a filosofia monopolizou o seu objeto no sentido deimpregnar-se ingenuamente da crença de que pode conhecê-

 

1

  Professor Assistente  –   I da Universidade Estadual do Piauí.Doutorando em filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do RioGrande do Sul –  PUCRS. E-mail: [email protected]

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lo e explicitá-lo racionalmente em todos os seus aspectos, oumelhor, a filosofia passou a crer em uma possibilidade deexplicação totalizante do real.

Essa autoexaltação do conceito levou a filosofia apraticar uma repressão na medida em que os objetos dafilosofia não se deixam apreender totalmente em seusconceitos. Neste sentido, Adorno observa que um dosgrandes erros da filosofia foi ter acreditado em uma supostaidentidade entre o conceito e o objeto. “Todavia, a aparênciade identidade é intrínseca ao próprio pensamento em suaforma pura. Pensar significa identificar. Satisfeita, a ordemconceitual coloca-se à frente daquilo que o pensamento querconceber2”. Assim, estando à frente do que deveria sercompreendido, tal vontade de compreender revela umacontradição, a saber: a ilusão de unidade e identidade total.

Neste sentido, a dialética negativa emerge com aconsciência da não-identidade. Esta apresenta à consciênciao que é contraditório, desvelando o que não lhe é idêntico

no interior mesmo de sua pretensão de totalidade. Diantedesse quadro, torna-se relevante observar que tal“contradição é não-identidade sob o encanto da lei quetambém afeta o não-idêntico. No entanto, essa lei não é umalei do pensamento. Ao contrário, ela é uma lei real3”, ou seja,é inerente à dialética, à multiplicidade da experiência, em vezda abstração unificadora do nominalismo conceitual.

O que há de doloroso na dialética é a dor em relação

a esse mundo, elevada ao âmbito do conceito. Oconhecimento precisa se juntar a ele, se não quiserdegradar uma vez mais a concretude ao nível da

2  ADORNO, Theodor W. Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro:Zahar, 2009, p.12-13.3 ADORNO, op. cit, p.13.

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ideologia; o que realmente está começando aacontecer4.

Na concepção de Adorno, existe uma espécie deditadura do universal sob o particular, de modo que adiferença fica escondida, mascarada pela suposta unidadeentre conceito e objeto. Nesse contexto, pode-se dizer que adialética negativa tem seu interesse voltado para o “âmbitodo não-conceitual, do individual e particular; aquilo quedesde Platão foi alijado como perecível e insignificante esobre o que Hegel colou a etiqueta de existência pueril5”.

Partindo desse pressuposto, o tema da filosofia deveria ser ocontingente, aquilo que fica fora do que a abstraçãoconceitual geralmente demarca como objeto.

De acordo com o filósofo alemão, a filosofia desdeseu início, estabeleceu uma confiança inigualável no poderdo conceito, ou melhor, uma crença mitológica nacapacidade de racionalizar tudo, de objetivar o mundo talcomo ele é, em todas as suas facetas. O problema é que essa

confiança na suposta universalidade do conceito, acabamascarando o fato dela (universalidade) ser oriunda de uminteresse particular. Neste contexto, Adorno argumenta que,

nenhuma filosofia está em condições de colar ascoisas particulares nos textos, como algumaspinturas poderiam fazê-la pensar. Em suauniversalidade formal, porém, o argumento toma oconceito de modo tão fetichista quanto esse conceito

se expõe ingenuamente no interior de seu domínio,como uma totalidade autossuficiente em relação àqual o pensamento filosófico não pode nada6.

Portanto, uma das tarefas da dialética negativa éalterar a direção da conceitualidade da filosofia. Esta tem de

4 ADORNO, op. cit, p.145 ADORNO, op. cit, p.15.6 ADORNO, op. cit, p.18

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redescobrir que a constituição impositiva da realidade éantagônica em si mesma, e que mesmo que o conceitualpossa alcançar em alguma parte uma verdade, este acaba, de

outro lado, reprimindo, desprezando aquilo que ela próprianão abrange. E é justamente neste sentido que Adornoargumenta que “a utopia do conhecimento seria abrir o não-conceitual com conceitos, sem equipará-los a essesconceitos7”. A filosofia precisa aprender que não é dado aela, o poder de a partir de suas determinações apreender aessência das coisas.

Neste sentido, é urgente fazer o desencantamento doconceito no interior da filosofia. É preciso que a filosofia, voltando-se sobre si mesma a partir de uma intensa dialéticanegativa, abandone a ideia de que ela teria o infinito à suadisposição. Portanto, no momento em que a filosofia passara compreender a impossibilidade de possuir completamenteos objetos que pretende conhecer, ela abandonaria a ficçãodo todo, e emergiria da multiplicidade, seria experiência

pulsante, e não uma abstração conceitual. A filosofia estaria,neste sentido, emancipada, consciente de quão poucoalcança quando racionaliza, e de que o objeto é sempre maiordo que o conceito.

 Assim, uma consciência filosófica livre, é aquela quenão se deixa amarrar a um todo que se diz supostamenteunificado e coerente8, pois é justamente “lá onde opensamento se projeta para além daquilo que, resistindo, ele

está ligado, acha-se a sua liberdade9

”. Partindo desse

7 ADORNO, op. cit, p.17.8  De acordo com Adorno, “o pensamento não-regulamentado possuiuma afinidade eletiva com a dialética que, enquanto crítica ao sistema,lembra aquilo que estaria fora do sistema; e a força que libera omovimento dialético no conhecimento é aquela que se erige contra osistema. Essas duas posições da consciência ligam-se por meio da críticarecíproca, não por meio de um compromisso”. (ADORNO, op. cit,p.35).9 ADORNO, op. cit, p.24.

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pressuposto, pode-se afirmar que negatividade é a chave paraa emancipação do pensamento. Sem a negatividade tende-sea cair no formalismo conceitual unificador e ficcional da

identidade entre o conceito e o objeto. Aqui encontra-se arelevância de uma dialética negativa forte.

 Tal dialética tem entre seus objetivos, refrear ummodelo de pensar dominante e repressivo que partindo daunidade e concordância, forma uma projeção deformada doestado das coisas, pois é característica dos sistemasfilosóficos representar uma totalidade à qual nada permaneceexterior, o que recai, enfim, nos mais diversos idealismos quepor suas unidades lógicas internas, eliminam o contingente eo heterogêneo. Portanto, não resta outro fim ao pensamentoidealista fundado na pretensão totalizante do conceito, a nãoser transformar-se em ideologia.

Neste contexto, é justamente no intuito de evitar apetrificação do conceito em face aos objetos e suaconsequente transformação em ideologia, que a dialética

negativa enfatiza o particular e o contingente. Assim, énecessário uma reflexão centrada na negatividade, pois aíencontra-se o locus da liberdade. A negatividade torna-se,então, a força motriz da filosofia, aquilo que a habilita adenunciar os males do mundo, os sofrimentos dos entes.Sob esta perspectiva, o mundo não tem que balizar-se pelaidéia. Antes, é o conceito que tem que balizar-se pelomundo.

De acordo com Adorno, o totalitarismo do conceitodiante do objeto adquiriu ao longo da História da filosofiauma série de fetiches, como é o caso do conceitoamplamente difundido de espírito do mundo. Inúmerasforam as filosofias desde a antiguidade, passando pelaescolástica medieval, até chegar em Hegel, que elevaram oconceito de espírito do mundo a um idealismo onipotente eaté mesmo divino. Tal conceito, em sua natureza essencial,

divina e superpotente, acabou por adquirir traçosmitológicos. Através do universalismo, o conceito de

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espírito do mundo acabou por silenciar os particulares,diluídos em um todo supostamente coerente e natural.

 Tal postura, na perspectiva de Adorno, acaba por

mascarar o fato de que são os homens reais que lutam esofrem, ou melhor, por mais que a História humana sejaampla e complexa, “não é de modo algum a “história” quenecessita do homem como meio de alcançar seus fins  –  como se ela fosse uma pessoa à parte. Ao contrário, ela nãoé outra coisa senão a atividade do homem que persegue seusfins10”. Contudo, tal noção de espírito do mundo ganhoudiferentes roupagens ideológicas, principalmente em suas versões secularizadas e teleologicamente direcionadas a umdestino último, como é o caso do marxismo, em que ahumanidade move-se em direção à um todo coerente final.

I –  Marxismo, Ideologia e Dialética Negativa

Na concepção de Adorno, a autoilusão da identidadeentre conceito e objeto também adoeceu o marxismo. Este,por acreditar na unidade e coerência totalizante do conceito,acabou por deformar o que seria a emancipação, em prol deuma ordem vinculante maior, que, iluminada pelo conceito,teria como função guiar os homens à libertação final. Nestesentido, ao absorver a multiplicidade na unidade, omarxismo acabou por esquecer que “a identidade é a formaoriginária da ideologia11”. 

Preso à autoilusão da consciência da identidade, omarxismo estancou a negatividade, tornando-se meramenteideologia. Assim, a própria práxis transformadora quedeveria ser entendida por meio de uma dialética negativa, foiadiada em prol de uma prática superficial retórica queestrangulou o pensamento crítico e a multiplicidade em prol

10 ADORNO, op. cit, p.253-254.11 ADORNO, op. cit, p.129.

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da unidade do partido ou do conceito, conforme Adornoassevera:

No Leste, o curto-circuito teórico na concepção doindivíduo serviu de pretexto para a opressão coletiva.Em razão do número de seus membros, o Partidodeveria ser a priori superior a todo indivíduo empoder de conhecimento; e isso mesmo o Partidosendo cego ou estando aterrorizado. No entanto, oindivíduo isolado que não é levado em conta pelaordem pode perceber de tempos em tempos aobjetividade de maneira menos turva do que um

coletivo que não é, de mais a mais, senão a ideologiade seus comitês. A frase de Brecht de que o Partidopossui mil olhos, enquanto o indivíduo só possuidois, é falsa como toda sabedoria de botequim. Aimaginação exata de um dissidente pode ver mais doque mil olhos nos quais se colocaram os óculos daunidade, de modo que aquilo que eles olham éconfundido com a universalidade do verdadeiro

regredido12

. A falsa consciência do marxismo levou seus

integrantes a dogmatizarem o que eles acreditavam seruniversal, e com isso reprimirem e suprimirem asingularidade e a liberdade subjetiva que acompanha amultiplicidade. Tal supressão tem sua máxima noentendimento de que “o espírito objetivo da classe estende-se nos participantes muito além de sua inteligência

individual13”. Sob esta perspectiva, a totalidade adquire, porser o microcosmo do grupo, uma suposta legitimidade quecom isso, configura previamente as decisões.

 Tranformado em ideologia, o marxismo acabou pornão levar em conta que “pensar é, já em si, antes de todo equalquer conteúdo particular, negar, é resistir ao que lhe é

12 ADORNO, op. cit, p.47.13 ADORNO, op. cit, p.256.

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imposto14”. Assim, testemunhou-se o engessamento dasestruturas de poder do marxismo, imunes a qualquer formade negatividade, o que levou necessariamente à

irracionalidades. Isto porque no interior dessa estrutura, só éaceito aquilo que não entra em contradição com sua formalógica, aquilo que é diferente, o que acaba contrariando aproposta da dialética negativa. Sob esta ótica totalizante,qualquer crítica passa a ser vista como um desvio de algo queameaça a universalidade do aparato conceitual e político daordem vinculante.

Para Adorno, faltou ao marxismo a consciência deque o pensamento deve pensar a si próprio, ou melhor, deveexperienciar a contraditoriedade das coisas, na medida emque esta “é uma categoria da reflexão, a confrontaçãopensante entre o conceito e a coisa15. A dialética enquantoprocedimento significa pensar em contradição em virtude econtra a contradição uma vez experimentada na coisa16”.Neste sentido, a ausência de uma dialética negativa no

interior do marxismo levou-o a transformar-se em ummaterialismo ideológico personificado na figura de umpartido burocrático iludido na crença de que o homogêneototalizante, é sinônimo de coerência racional, conformeassevera Adorno:

O materialismo que alcançou o poder político nãoprescreveu menos uma tal prática para si do que ummundo que ele quis um dia transformar; ele continua

a subjugar a consciência, ao invés de concebê-la e,por sua vez transformá-la. Sob o pretexto gasto de

14 ADORNO, op. cit, p.25.15 Neste contexto, Adorno chama atenção que “toda determinação quese apresenta como desprovida de contradição se revela tão contraditóriaquanto os modelos ontológicos ser e existência. Não se consegue obternada positivo da filosofia que seja idêntico à sua determinação”(ADORNO, op. cit, p.127).16 ADORNO, op. cit, p.127.

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uma ditadura do proletariado há muito administradoque dura há quase cinquenta anos, o funcionamentomaquinal terrorista do Estado se entrincheira em

instituições estáveis, insulto à teoria que essasinstituições têm na boca. Elas acorrentam seussúditos a seus interesses mais imediatos e os obrigama se manterem limitados. A depravação da teoria,contudo, não teria sido possível sem uma baseapócrifa nela17.

 Ao apontar que o próprio materialismo marxista játeria nascido com uma base apócrifa inscrita nela mesma18,

 Adorno lança as pistas para a compreensão do própriofracasso do marxismo, a saber: a falta de uma dialéticanegativa. Tal falta levou o marxismo à autoglorificação doconceito e a sua autoalienação em relação a própriacontraditoriedade inerente às coisas mesmas. E a questão éque tal ilusão da identidade entre o conceito e o objeto,sustentada na crença da universalidade totalizante doconceito, não levou o fracasso apenas do marxismo. Ela é abase do próprio direito contemporâneo.

II –  Direito, Ideologia e Dialética Negativa

17 ADORNO, op. cit, p.174.18 O filósofo escocês Alasdair MacIntyre, ao refletir sobre os motivos

pelos quais abandonou o marxismo, foi enfático: “é importante para cadateoria, ser formulada do modo mais aberto possível a toda refutação.Mais tarde compreendi que essa mesma lição eu poderia ter aprendidocom alguns críticos do marxismo como Karl Popper ou com um mestredo pragmatismo como Charles Peirce. Se um ponto de vista não forneceele próprio os instrumentos que demonstram que está em desacordocom a realidade das coisas, não se pode nem sequer demonstrar que eleesteja de acordo. E se não for assim, trata-se de um esquema depensamento dentro do qual aqueles que nele crêem permanecem

prisioneiros da própria realidade sobre a qual suas convicções tinhamsido originalmente formuladas” (BORRADORI, Giovana. Filosofia Americana –  Conversações , São Paulo: Uneso, 2003, p.197).

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Na perspectiva de Adorno, a ilusão de que o conceitorepresenta de fato o objeto ganha diversas formas esimulacros. Uma delas pode ser observada no interior do

Direito contemporâneo. Este, tem como uma de suascaracterísticas, operar com conceitos formais abrangentes, ejustamente por isso, são chamados de universais. Operandoquase sempre a partir da noção de dever, o direito e seusprincípios pretendem sob uma ótica totalizante, resolver osconflitos e problemas, partindo de suas categorias abstratase “objetivas”. 

No interior deste campo, observa-se o mesmoproblema que Adorno vem denunciando, a saber: a anulaçãoda multiplicidade, singularidade, particularidade econtraditoriedade em prol da unidade, totalidade e“segurança lógica” do conceito. E mais: no interior dasrelações jurídicas, a formalização ganha inúmeras máscaras,ou melhor, “se reproduz por meio da abstração, hierarquialógica dos níveis de universalidade, e, em verdade, mesmo

onde as relações de dominação são levadas a se camuflar pordetrás dos procedimentos democráticos19”. Novamenteentra em cena a negação da contraditoriedade emultiplicidade da concretude.

 Assim, internamente ao sistema jurídico, o indivíduoparticular é absorvido pelo universal que estariasupostamente acima dos conflitos e antagonismos. Nestecontexto, a objetividade preordenada do direito ganha força

numa espécie de irracionalidade com aparência deracionalidade na medida em que não tolera nada departicular. Tal intolerância converte-se em dominação ecoerção pois, afastando-se dos interesses particulares, osistema não consegue enxergar as dores e sofrimentos daconcretude. Portanto,

o direito é o fenômeno primordial de umaracionalidade irracional. Nele, o princípio formal da

19 ADORNO, op. cit, p.257.

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equivalência transforma-se em norma e insere todosos homens sob o mesmo molde. Uma tal igualdade,na qual parecem as diferenças, favorece sub-

repticiamente a desigualdade; um mito que sobreviveem meio a uma humanidade que só aparentemente édesmitologizada. As normas jurídicas excluem o quenão é coberto por elas, toda experiência não pré-formada do específico em virtude da sistemática semquebras, e elevam então a racionalidade instrumentala uma segunda realidade sui generis 20.

 A abstração totalizante inerente à universalidade21 do

direito, garante inúmeras formas de dominação. O próprioconceito de igualdade no interior do sistema jurídico acabapor escamotear as particularidades e diferenças inerentes àconcretude que atinge seu clímax no mundo administrado.Dentro deste, os sujeitos reais de carne e osso transformam-se em estatísticas, números em processos; os juízes nãojulgam pessoas, mas papéis, etc… Cria-se assim, umasuposta realidade fictícia administrada e pensada pelo

universal, que por tal estatuto não precisa ser questionado,pois “o conjunto do campo jurídico é um campo dedefinições. Sua sistemática ordena que não se insira nessecampo nada que se subtraia à sua esfera fechada22”. 

20 ADORNO, op. cit, p.257.21 Acerca dos problemas inerentes à aspiração à universalidade do direito

contemporâneo, diversos são os teóricos que têm desferido fortescríticas à tal postura. Dentre eles, pode-se citar, o filósofo escocês

 Alasdair MacIntyre, que tem deixado claro sua postura negativa diantedos “Direitos Humanos Universais”. De acordo com MacIntyre, “a

 verdade é simples: tais direitos não existem e acreditar neles é o mesmoque acreditar em bruxas e unicórnios” (MACINTYRE, Alasdair. Depoisda Virtude. Bauru: Edusc, 2001, p.127).22 No tocante ao fechamento da ordem jurídica em si mesma, autorescomo Hans Kelsen, proporam que tal sistemática é necessária à pureza

do próprio direito, como ele próprio assevera: “Quando a si mesma sedesigna como “pura” teoria do Direito, isto significa que ela propõegarantir um conhecimento apenas dirigido ao Direito e excluir deste

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Neste contexto, a ciência jurídica, que, por seu statusde ciência e estando ela mesma administrada pelosoperadores do direito, arroga-se ao direito de a tudo

controlar, de estabelecer parâmetros para o real. Surge assim,a ilusão do controle. Suas prescrições, deveres e direitos,objetivam apreender a concretude por meio do conceito, oumelhor, dar a seus objetos uma forma, um modelo. Assim,por crer na segurança universal de seus princípios, o direitose autoilude com o poder de controlar, de punir, de libertar.Dessa forma, em meio a tal ideologia, a modernidadeancorou-se no direito como um meio de obter de maneiraformal, a cidadania democrática, e para isto, acabou porconfiar na suposta identidade entre conceito e objeto quelevou o marxismo e tantas outras propostas filosóficas epolíticas a fracassarem. Desde então, o direito tem tentadorecobrir o real, dar forma, controlar por meio demecanismos formais artificiais distantes da concretude.Neste contexto, não é de admirar a ênfase dos aparatos

intitucionais modernos em tentar resolver conflitos apenascriando leis e mais leis.Dessa forma, a ordem jurídica torna-se estranha e

extrínseca ao sujeito que, já sendo vítima de uma violência,torna-se impotente diante da ordem universal totalizante. Assim, fundamentado no universalismo, o legalismo dodireito abarca e absorve a todos, mesmo contra o interessede alguns (particulares), o que apenas reforça a ideologia da

unidade, coerência e segurança que o sistema “propicia”.Contudo, tal ideologia mascara o fato de que, “o meio noqual o mal, em virtude de sua objetividade, alcança um ganhode causa e conquista para si a aparência do bem, é em grandemedida o meio da legalidade23”. 

conhecimento tudo quanto não pertença ao seu objeto, tudo quanto nãose possa, rigorosamente, determinar como Direito” (KELSEN, Hans.Teoria Pura do Direito. 6ªed, São Paulo: Martins Fontes, 1998, p.01).23 ADORNO, op. cit, p.257.

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Portanto, legalidade e mundo administrado formamas duas faces da mesma moeda na medida em queabsorvendo todos os indivíduos às categorias abstratas,

rebaixam a equidade que seria um corretivo do sistema a umsegundo plano, pois uma justiça que possui vendas não pode ver a concretude, a diferença, os antagonismos, e por isso,não pode ser equânime. Assim, fechado em si mesmo, olegalismo do sistema jurídico impõe-se como aquilo jápensado, já estatuído, universalmente justificado e portanto,implementado sob diversas formas por meio de instituiçõesque reivindicam para si, o reconhecimento de seu poderpúblico em face de suas justificações universais, como é ocaso da ONU. Entretanto, o problema de tal poder douniversal personificado em diversas instituições é que, comoargumenta Adorno, “quanto mais desmedido é o poder dasformas institucionais, tanto mais caótica é a vida que elasimpõem e deformam segundo sua imagem24”. 

Conclusão

Partindo do que foi exposto acima, pode-se concluirque a filosofia é eminentemente contradição, ou melhor,cada esfera da realidade tem suas próprias contradições.Neste sentido, não se pode entender a realidade como umcaos que precisa ser transformado em cosmos. Assim, asteorias que entendem que há uma identidade entre conceito

e objeto só podem ter um destino, a saber: transformar-seem ideologias. É necessário que o pensamento, ao pensarsobre si mesmo, compreenda que a dialética não abarca tudo.É preciso vacinar-se em relação à tentação de abarcar o realnum todo coerente, sob o risco do próprio pensamentotornar-se extremado.

Portanto, é tarefa da dialética negativa como críticada teoria, ou melhor, dos teóricos que acreditavam já ter

24 ADORNO, op. cit, p.82.

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teorizado sobre tudo, torná-los conscientes das contradiçõesinerentes à própria concretude, pois é um erro da filosofiaacreditar que os conceitos valem mais que as coisas. Neste

sentido, os sistemas filosóficos são exemplos característicosde uma forma de retirar a filosofia do problema querealmente deve ser enfrentado. Assim, a filosofia tem sidoretirada do real e criado uma alienação que tem adoecido asmais diversas esferas sociais, como é o caso do marxismo edo direito contemporâneno.

No caso do marxismo, ao se fecharem em um campoteórico que acreditavam ter uma identidade exata com o real,acabaram dogmatizando o que acreditaram ser a receita parao real, ou seja, o pensamento que deveria proporcionar apráxis para emancipar os homens, foi transformado emideologia. Faltou aos revolucionários a compreensão de quepensar não é afirmar. Pensar é negar, destituir o que foiestatuído e naturalizado, ou melhor, significa negar osprocessos pelos quais o estatuído se estrutura. Portanto, a

filosofia não pode encontrar a verdade, pois se ela aencontra, petrifica-se em ideologia.Da mesma forma que o marxismo, o direito

contemporâneo também foi transformado em ideologia. Emsua crença cega na universalidade que a tudo absorve, ossistemas jurídicos através dos conceitos abstratos pelos quaisse estrutura tem negado veementemente a concretude e seusantagônismos e contradições. Ao operar na abstração

conceitual do universalismo, o direito tem sido indiferenteao sofrimento real dos homens, algo que é reforçado pelolegalismo abrangente que a todos homogeneiza acoplado aomundo administrado que a tudo transforma em estatística.Fundado sob as abstrações conceituais, como por exemploos direitos e deveres fundamentais em que “todos são iguaisperante a lei”, o direito tem servido apenas como ideologiaque no fundo, mascara a dor e a aflição da concretude.

Portanto, torna-se urgente a potencialização dadialética negativa, pois a filosofia precisa retomar

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urgentemente seu lado crítico. É preciso habilitar opensamento a negar a si mesmo, a trabalhar seu ladosubversivo, deslegitimando as coisas, desnaturalizando o que

se petrificou como natural. Neste sentido, pode-se dizer quea filosofia é uma hermenêutica de deslegitimação dosdiscursos, aquilo que volta-se para a concretude e seusantagonismos, ou melhor, o que denuncia o sofrimentohumano em suas mais variadas facetas, evitando assim, atotalidade, a universalidade, a concordância, ahomogeneidade. A filosofia torna-se assim, negação,inquietude.

Bibliografia

 ADORNO, Theodor W. Dialética Negativa. Trad. Marcos Antônio Casanova. Rio de Janeiro: Zahar, 2009.

BORRADORI, Giovanna.  A Filosofia Americana  –  Conversações. São Paulo: Uneso, 2003.

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6ª ed. São Paulo:Martins Fontes, 1998.

MACINTYRE, Alasdair. Depois da Virtude. Bauru:Edusc, 2001. 

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Expressão e constelação em Theodor Adorno e Walter

Benjamin Manuela Sampaio de Mattos *  

Dos tantos pontos onde o pensamento filosófico de Walter Benjamin e Theodor Adorno convergem muito já foidito. Transitaremos aqui por um desses cruzamentos, de

modo a adentrar e explorar o campo da visada da coisa, desua expressão  e apresentação  –   lá onde o pensamento seprojeta para além de si e onde acha-se a sua liberdade que,ao mesmo tempo, é a liberdade que a filosofia detém de “nãoser outra coisa senão a capacidade de dar voz à sua nãoliberdade1”. 

***

Expressão e mímesis –  expressão negativa

O conceito de expressão ganha especial espessura naobra Dialética Negativa , momento em que Adorno situa aliberdade do pensamento onde “essa segue o ímpetoexpressivo do sujeito2”, sendo o sofrimento a objetividadeque pesa sobre o sujeito e sua expressão aquilo que o sujeito

experimenta como elemento mais subjetivo e objetivamentemediado. Assim, “dar voz ao sofrimento é a condição detoda verdade3”, o que poderá ocorrer pelo meio da rigorosaapresentação linguística; para a filosofia, a apresentação é

* Psicanalista e doutoranda em Filosofia PUCRS, bolsista CAPES.1 ADORNO, Theodor W. Dialética negativa . p. 24.2 ADORNO, Theodor W. Dialética negativa . p. 24.3 ADORNO, Theodor W. Dialética negativa . p. 24.

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algo intrínseco e imanente ao seu movimento, na medida emque “seu momento expressivo integral, mimético-aconceitual, só é objetivado pelo meio da apresentação  –  da

linguagem4”. Uma das grandes influências nesta posição de Adorno é a teoria da linguagem de Benjamin, “segundo aqual a primeira tarefa da linguagem não é a comunicação deconteúdos, mas a sua própria expressão como uma ‘essênciaespiritual’ em que o homem também participa5”. Naspalavras de Benjamin: “cabe ao filósofo restituir pelarepresentação o primado do caráter simbólico da palavra, naqual a ideia chega ao seu autoconhecimento, que é oposto detoda a comunicação voltada para o exterior6”. 

 Adorno trabalha a expressão  não apenas comoconceito estético, mas como atitude filosófica7 e, opondo-sea Wittgenstein, afirma ser próprio da filosofia dizer aquiloque não se deixa dizer. Tal afirmação, segundo RodrigoDuarte, é passível de ser entendida como o lema principal dafilosofia de Adorno. Colocar a filosofia nessas trilhas implica

considerar que o pensamento filosófico deve estar dispostoa “experimentar em si a contradição como forma de evitar ailusão ideológica de um mundo sem contradições8”. E “amaneira de fazê-lo é precisamente o que Habermasconsidera o pecado capital de Adorno: incorporar a mímesisdentro do discurso conceitual9”, ou seja, tomando a mímesisnão apenas como seu objeto mas também como parte do

4 ADORNO, Theodor W. Dialética negativa . p. 24.5 DUARTE, Rodrigo. Dizer o que não se deixa dizer: para uma filosofia daexpressão. p. 31.6 BENJAMIN, Walter. Origem do drama trágico alemão. p. 25.7 DUARTE, Rodrigo. Dizer o que não se deixa dizer: para uma filosofia daexpressão. p. 34.8 DUARTE, Rodrigo. Dizer o que não se deixa dizer: para uma filosofia daexpressão. p. 34.9 DUARTE, Rodrigo. Dizer o que não se deixa dizer: para uma filosofia daexpressão. p. 34.

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discurso. Resta ao trabalho do conceito, portanto, apropriar-se de algo da mímesis –  isso que ele mesmo recalca em seucomportamento –  de modo a lograr expressar essa dimensão

que, ainda que inexprimível inteiramente, não se deixa calar.Embora integrante do rigoroso movimento

conceitual, o momento integral de expressão  (mimético-aconceitual), somente será objetivado através daapresentação, da mediação linguística, pois, nas palavras de Adorno, a “filosofia não é nem ciência, nem poesia pensante[...], mas uma forma tanto mediatizada quanto destacadadaquilo de que é diversa10”, sendo que, ao mesmo tempo,“seu elemento provisório, porém, não é outra coisa senão aexpressão do inexprimível que ela comporta nela mesma11”.Reconhecendo este importante impulso filosófico eopondo-se a Heidegger –  com quem o inexprimível se tornaexpresso e compacto na palavra “ser” –  Adorno defende quea “expressão imediata do inexprimível é nula12”, pois, “oelemento provisório do pensamento é elevado ao próprio

inexprimível que o pensamento quer expressar; o não-objetivo, ao objeto esboçado pela própria essência, e,justamente com isso, mutilado13”. Dessa forma, “opensamento que quer pensar o inexprimível por meio doabandono do pensamento falsifica-o e transforma-o naquiloque ele menos gostaria de ser, no absurdo de um objetoabsolutamente abstrato14”. 

Importa aqui insistir, então, na expressão  como

momento provisório do pensamento. Trata-se de ummomento bastante delicado, pois transita pela linha tênueentre mera visão de mundo e pura ciência: sendo a liberdade

10 ADORNO, Theodor W. Dialética negativa . p. 99.11 ADORNO, Theodor W. Dialética negativa . p. 99.12 ADORNO, Theodor W. Dialética negativa . p. 100.13 ADORNO, Theodor W. Dialética negativa . p. 100.14 ADORNO, Theodor W. Dialética negativa . p. 100.

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da filosofia a capacidade de dar voz à sua não-liberdade, omomento expressivo não poderá se arvorar a ser mais do queisso sob pena de se degenerar em mera visão de mundo e, ao

mesmo tempo, a filosofia não poderá se abster do momentoexpressivo e de sua apresentação para que não resteassimilada pela ciência. Para a f ilosofia, “expressão e acurológico não são possibilidades dicotômicas. Eles necessitamum do outro, nenhum dos dois é sem o outro15”. Assim, “aexpressão é liberada de sua contingência por meio dopensamento, pelo qual a expressão se empenha exatamentecomo o pensamento se empenha por ela16”. Nesse sentido,de acordo com Marcia Tiburi, a dimensão da expressão e suaprópria possibilidade aponta para a “tentativa da filosofia defalar sobre o que não se pode falar, o que é proibido àfilosofia que se quer ciência, que se compreende comométodo. A expressão parece ser o elemento que, elaboradona linguagem, remete para o que está fora dela17”, isto é, paraa não-identidade entre coisa e representação.

Isso também nos impele tanto para os limites dalinguagem quanto para a imanência do que não se deixaexpressar. Jeanne-Marie Gagnebin explica que a exposição,tanto em Benjamin na forma do tratado quanto em Adornona forma do ensaio, se trata de uma dupla renúncia: “ao idealdo caminho reto e direto em proveito dos desvios, daerra ncia; e renu ncia tambe m ao ‘curso ininterrupto daintenc a  o’, isto e , renu ncia a   obedie ncia aos mandamentos da

 vontade subjetiva do autor18”; tudo isso em proveito “de umrecomeçar e de um retomar fôlego incessantes em redor daSache selbst , da coisa mesma ( to on ontôs  ), centro ordenador e

15 ADORNO, Theodor W. Dialética negativa . p. 24.16 ADORNO, Theodor W. Dialética negativa . p. 24.17  TIBURI, Márcia.  Metamorfose do conceito: Ética e Dialética Negativa emTheodor Adorno. p. 74.18 GAGNEBIN, Jeanne-Marie. Do conceito de Darstellung em WalterBenjamin ou verdade e beleza. p. 188.

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simultaneamente inacessível do pensar e do dizer19”,concepção que nos leva assumir que “a enunciação filosóficaordena-se em redor desse centro, presença indizível que

provoca e impulsiona a linguagem, justamente porquesempre lhe escapa20” –  interpretada de maneira profana, essafigura teológica negativa de uma ausência atuante pode serentendida como o “centro indizível de fundamentação daprópria linguagem, uma espécie de imanência radical que sefurta à expressão21”. 

Nesse sentido, a linguagem da expressão filosóficano pensamento de Adorno não é nem intenção subjetiva,nem um objeto a ser manipulado –  trata-se de uma terceiracoisa que, conforme sustenta Susan Buck-Morss, é capaz deexpressar a verdade através de configurações linguísticasonde, nas trilhas de Benjamin, a linguagem nãosimplesmente transporta, mas transforma os objetos empalavras porque, em si, os objetos são mudos e precisam sertrazidos ao discurso. Segundo a autora, é em conexão com

esse pensamento benjaminiano que a mímesis aparece nosescritos de Adorno, de forma a configurar um sujeito doconhecimento que se deixa ser guiado pelo objeto e, nestemovimento, o objeto é formado para ser transformado emnova modalidade. Assim é que “truth as mimetic, linguisticrepresentation meant calling things by their right names22”. 

 A mímesis ganhou robustez no pensamento de Adorno como conceito crucial. Mímesis e dialética negativa

se aproximam no ponto em que a noção de mímesis revela-se como “o retorno ao estágio anterior ao sofrimento através

19 GAGNEBIN, Jeanne-Marie. Do conceito de Darstellung em WalterBenjamin ou verdade e beleza. p. 188.20 GAGNEBIN, Jeanne-Marie. Do conceito de Darstellung em WalterBenjamin ou verdade e beleza. p. 188.21 GAGNEBIN, Jeanne-Marie. Do conceito de Darstellung em WalterBenjamin ou verdade e beleza. p. 188.22 BUCK-MORSS, Susan. The origin of negative dialectics . p. 87.

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da reminiscência (  Erinnerung  )23”, isto é, quando “osofrimento pode ser pensado enquanto proveniente daexperiência da impossível identidade com o conteúdo da

memória24”. Neste exato ponto, mímesis e dialética negativa“existem pelo sofrimento: a tarefa da dialética negativa,enquanto pensar que se nega à violência da identificação,seria recuperar a mímesis perdida25”. Atingir este estágio setorna viável na medida em que “a dialética negativa é umpensar não violento em relação à natureza, ela se sustentapela necessidade de reaproximação daquele outro, que é amímesis como natureza, sem subjugá-lo à sua identidade,movimento este que eliminaria a mímesis26”. Importantecompreender, aqui, que a Teoria estética  (escrita por Adornoao final de sua vida e publicada após a sua morte mesmo nãotendo sido finalizada pelo autor) é o momento em que adialética negativa chega mais próximo ao estágio depensamento estamos trabalhando. Nesse cenário, “a arte é opróprio não-idêntico sobre o qual a teoria  –  que a Dialética

negativa  sem duvida é  –  não tem acesso. A Teoria estética  é opasso seguinte que apenas aquela [ Dialética negativa  ] nãopoderia ter dado, ela é a cristalização da aporia entre a teoriae a arte27”. No que diz respeito à Teoria estética , Marcia Tiburi

23 TIBURI, Marcia. Crítica da razão e mímesis no pensamento de Theodor W. Adorno. p. 88.24 TIBURI, Marcia. Crítica da razão e mímesis no pensamento de Theodor W.

 Adorno. p. 89.25 TIBURI, Marcia. Crítica da razão e mímesis no pensamento de Theodor W.

 Adorno. p. 89.26 TIBURI, Marcia. Crítica da razão e mímesis no pensamento de Theodor W.

 Adorno. p. 89.27 TIBURI, Marcia. Crítica da razão e mímesis no pensamento de Theodor W.

 Adorno. p. 89.

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nota que “não se pode decidir qual das duas experiências elaé mais28”, teoria ou arte. 

Decorrente disso é a noção de obra de arte como

detentora do privilégio “de manifestar, de dar a ver numaconfiguração sensível e histórica29” do movimento da verdade, que não repousa em si mesma e na falsapossibilidade da totalidade: “a arte é o refúgio docomportamento mimético30”. Trata-se, no entanto, de umamímesis redimida porque capaz de fugir da magia e daregressão, pois “o comportamento estético não é nemmimese imediata, nem mimese recalcada mas o processo queela desencadeia e no qual se mantém modificada31”. Assim,conforme refere Ricardo Timm de Souza sobre a relação de Adorno com a estética, “a obra de arte, repositório de verdade em meio ao turbilhão ideológico que banaliza estacategoria, contradiz verdadeiramente a lógica da totalização,porque é expressão da verdade do diferente que não se reduzao ‘mesmo’32”. Expressão negativa.

Constelações –  espaço do suspenso, da imagem que expõe

Na Dialética Negativa  Adorno não tem a intenção,como já apontamos brevemente acima, de desdobrar aexpressão como conceito estético. Embora pressuposta comocategoria chave da estética, o alvo naquele momento era ode “incorporá-la [a expressão] ao discurso filosófico tout

28 TIBURI, Marcia. Crítica da razão e mímesis no pensamento de Theodor W. Adorno, 1995. p. 89.29 GAGNEBIN, Jeanne Marie. Sete aulas sobre linguagem, memória e história .p. 101.30 ADORNO, Theodor apud GAGNEBIN, Jeanne Marie. Sete aulas sobrelinguagem, memória e história . p. 101.31 ADORNO, Theodor apud GAGNEBIN, Jeanne Marie. Sete aulas sobrelinguagem, memória e história . p. 101.32SOUZA, Ricardo Timm de. Adorno & Kafka: paradoxos do singular . p. 69.

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court , valendo-se dela para implodir o procedimentoparasitário da filosofia com relação à ciência33”. O que écapaz deflagrar tal implosão é o “reconhecimento, por parte

da filosofia, da necessidade de que o sofrimento radical eabsurdo, experimentado pelo homem contemporâneoenquanto vítima de opressão e massacres, se manifeste apartir do núcleo mesmo do discurso filosófico34”. Assim éque a assertiva: “a necessidade de dar voz ao sofrimento é acondição de toda verdade35” supera o acento subjetivistacomum “na medida que impõe como condição para aexpressão sua mediação objetiva, i.e., uma referência, aindaque essencialmente não literal, ao precário estado de coisasdo mundo presente36”. Aqui tocamos um ponto muitocaracterístico pela sua particularidade, enquanto novidade eousadia intelectiva: a consolidação do objeto comrepercussões estéticas pode ser pensado a partir dessamediação objetiva, e tal consolidação deve ser captada comouma forma de rigorosa construção, polo dialético da

expressão. A construção aparece, portanto, como contraparteda expressão   –   ela “não é o corretivo ou confirmaçãoobjetivante da expressão, mas deve se erguer, de certo modo,a partir do impulso mimético sem qualquer planejamento37”.Desse modo, a teoria da expressão  em Adorno  –   que édesdobrada de modo mais completo e aprofundado na Teoriaestética   –   somente pode ser pensada levando em conta “oequívoco de querer conceber a expressão estética como

33 DUARTE, Rodrigo. Dizer o que não se deixa dizer: para uma filosofia daexpressão. p. 98.34 DUARTE, Rodrigo. Dizer o que não se deixa dizer: para uma filosofia daexpressão, p. 98.35 ADORNO, Theodor W. Dialética negativa . p. 24.36 DUARTE, Rodrigo. Dizer o que não se deixa dizer: para uma filosofia daexpressão. p. 98.37 ADORNO, Theodor W. apud DUARTE, Rodrigo. Dizer o que não sedeixa dizer: para uma filosofia da expressão. p. 101.

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‘autônoma’ com relação ao momento construtivo38”, já que,nas palavras do autor, “a expressão absoluta seria coisal, acoisa mesma39”, e acreditar em tal possibilidade nos

impulsionaria à ilusão de que o mundo poderia serrepresentado integralmente, à imagem especular datotalidade. Isso nos leva à ideia de construção deconstelações como síntese não totalizante, em sentido muitosemelhante ao benjaminiano.

Segundo Vladimir Safatle, o sentido maior dadialética negativa adorniana “consiste exatamente noadvento de uma síntese não totalizante, síntese formada combase na idéia de ‘constelação’ ( Konstellation  ), na qual a negaçãodos procedimentos de universalização totalizante éconservada40”. Por meio da apresentação linguística ( aretórica aqui aparece como forma concreta da expressão41 ) aconstelação não define os conceitos que agrupa, mas aomesmo tempo lhes confere a objetividade que lhes concerneatravés do modo como lhes arranja centrados na coisa: “essa

constelação ilumina o que há de específico no objeto e que éindiferente ou um peso para o procedimento classificatório.O modelo para isso é o comportamento da linguagem42”.

38 DUARTE, Rodrigo. Dizer o que não se deixa dizer: para uma filosofia daexpressão. p. 101.39 ADORNO, Theodor W. apud DUARTE, Rodrigo. Dizer o que não sedeixa dizer: para uma filosofia da expressão. p. 101.

40 SAFATLE, Vladimir. A paixão do negativo: Lacan e a dialética . p. 34.41 “A forma concreta da expressão no discurso filosófico encontra-se,segundo Adorno, na retórica, que –  ao contrario do que vimos em Croce

 –  é entendida não como manifestação de culta frivolidade, mas comoâmbito em que essa se reconhece tributária de uma dimensão estética. Opreconceito contra a retórica poderia, nesse sentido, ser visto como maisum indício da instrumentalização da linguagem e não como manifestaçãode escrúpulos contra abusos que se possa cometer contra ela”. InDUARTE, Rodrigo. Dizer o que não se deixa dizer: para uma filosofia daexpressão. p. 99.42 ADORNO, Theodor W. Dialética negativa . p. 141.

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Nesse sentido, “na medida em que os conceitos se reúnemem torno da coisa a ser conhecida, eles determinampotencialmente seu interior, alcançam por meio do

pensamento aquilo que o pensamento extirpa de si43”.Com isso “o objeto abre-se para uma insistência

monadológica que é consciência da constelação na qual elese encontra: a possibilidade de uma imersão no interiornecessita desse exterior44”, ao passo que a imanência dosingular é história sedimentada, o que engendra anecessidade de um saber capaz de liberar a história no objeto –   “atualização e concentração de algo já sabido quetransforma o saber. O conhecimento do objeto em suaconstelação é o conhecimento do processo que ele acumulaem si45”. Um pensamento tal que tenha a habilidade decircunscrever o conceito que ele gostaria de abrir, naesperança de que ele salte. Sobre a insistência monadológica,cumpre lembrar o que Benjamin refere na introdução doOrigem do drama trágico alemão no sentido de que: “a ideia é

uma mônada  –   isso significa, em suma, que cada ideiacontém a imagem do mundo. A tarefa imposta à suarepresentação é nada mais nada menos que a do esboçodessa imagem abreviada do mundo46”, imagem de mundoque expõe uma imagem da verdade, “assim como nummosaico em que é preciso prestar atenção a cada peça e acada lacuna entre elas para compreender suas ligações47”.

De acordo com Buck-Morss, foi Benjamin quem

introduziu o uso filosófico do termo constelação: “he claimedit was a nodal point in the development of the human mimetic ability,

43 ADORNO, Theodor W. Dialética negativa . p. 141.44 ADORNO, Theodor W. Dialética negativa . p. 141.45 ADORNO, Theodor W. Dialética negativa . p. 142.46 BENJAMIN, Walter. Origem do drama trágico alemão. p. 37.47 TIBURI, Márcia. Uma outra história da razão e outros ensaios . p. 59.

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 for like language  , its principle was ‘non -representational similarity 48”. Adorno, no seu discurso de 1931, também adotou o termo,referindo que a filosofia tem como tarefa a construção de de

constelações , mas preocupou-se em desembaraçar o termode suas conotações astrológicas49. Para Benjamin, que oobjeto histórico seja arrancado do continuum da história éjustamente uma exigência de sua própria estruturamonadológica  –  e, ainda, que o objeto perscrutado com ointuito de exceder o domínio do pensamento, lá onde ele seimobiliza, em uma constelação saturada de tensões, significaque este objeto é, ele mesmo, uma imagem dialética passívelde ser decifrada no nível da linguagem, com o içar daspalavras  –  as quais são as velas do pensamento dialético  – ,pois a imagem dialética é justamente a cesura no processo demovimento e de imobilização do pensamento. No trabalhodas Passagens fica evidente que, para Benjamin, apresentar ouescrever a história significa citar a história e dar às datas a suafisionomia, considerando sobretudo estar implícito no

conceito de citação que o objeto histórico seja arrancado deseu contexto, de seu texto escrito em tinta invisível; e taiscitações, somente elas, se apresentam de uma maneira legívelpara todos [N 3, 1]50.

Em uma carta a Adorno, Benjamin afirma que aimagem dialética, em seu pensamento, não copia o sonho.No entanto, ressalva: “[...] mas me parece claro que elacontém as instâncias, as irrupções da vigília, e que é a partir

desses loci   que é criada a sua figura, como a de uma

48 BUCK-MORSS, Susan. The origin of negative dialectics . p. 90.49 BUCK-MORSS, Susan. The origin of negative dialectics . p. 90. Importanteressaltar que Benjamin não compartilhava da mesma repulsa de Adornoàs conotações astrológicas da palavra constelação: Benjamin had originatedthe philosophical use of the term, even arguing that astrology itself had been progressover primitive magic .50 BENJAMIN, Walter. Passagens . p. 504-505.

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constelação a partir dos pontos luminosos51”; eis o localdesde onde “[...] um arco precisa ser retesado, e uma dialéticaforjada: aquela entre imagem e vigília [...]52”. A imagem

dialética como conceito é desenvolvida, portanto, nodesdobramento dessa dialética entre imagem e despertar53.Ela é, na concepção de Benjamin, aquilo que mostra que arelação do ocorrido com o agora é dialética e de naturezaimagética:

Não é que o passado lança sua luz sobre o presenteou que o presente lança sua luz sobre o passado; mas

a imagem é aquilo em que o ocorrido encontra oagora num lampejo, formando uma constelação. Emoutras palavras: a imagem é a dialética naimobilidade. Pois, enquanto a relação do presentecom o passado é puramente temporal, a do ocorridocom o agora é dialética –  não de natureza temporal,mas imagética. Somente as imagens dialéticas sãoautenticamente históricas, isto é, imagens não-arcaicas. A imagem lida, quer dizer, a imagem no

agora da cognoscibilidade, carrega no mais alto graua marca do momento crítico, perigoso, subjacente atoda leitura [N 3, 1]54”. 

O projeto das Passagens , para Buck-Morss, se trata deuma dialética do olhar, pois, para a construção do trabalho,Benjamin estava convencido da necessidade de uma lógica visual e de que, para tanto, os conceitos deveriam ser

construídos em imagens, seguindo os princípios damontagem. Sua intenção era de que os objetos do século

51 ADORNO, T. W. Correspondência, 1928-1940. Theodor Adorno WalterBenjamin. p. 195.52 ADORNO, T. W. Correspondência, 1928-1940. Theodor Adorno WalterBenjamin. p. 195.53  SELIGMANN-SILVA, M.  A atualidade de Walter Benjamin e Theodor

 Adorno. p. 69.54 BENJAMIN, W. Passagens . p. 505.

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XIX fossem visíveis enquanto origem do presente, o quecertamente alcança os nossos dias. O passado é para ser“segurado com firmeza” na dinâmica da atualização, e não

na culminância histórica do progresso, pois “é o potenteconfronto da pré e da pós-história do objeto aquilo que otorna ‘atual’ no sentido político como ‘presença de espírito’( Geistesgegenwart  ), e assim a ur-história não culmina noprogresso, mas na ‘atualização’55”. A imagem dialética é,portanto, “a apresentação do objeto histórico dentro de umcampo de forças carregado de passado e presente queproduz eletricidade política em um ‘flash luminoso’ de verdade56”. De acordo com a autora, “a ‘imagem dialética’tem tantos níveis lógicos como o conceito hegeliano. É umamaneira de olhar que cristaliza elementos antitéticos atravésde um eixo de alienação. A concepção de Benjamin éessencialmente estática57”. Benjamin situa “visualmenteideias filosóficas dentro de um campo transitório eirreconciliado de oposições58”, espaço “que pode ser

55 BUCK-MORSS, S. Dialética do olhar: Walter Benjamin e o projeto das Passagens . p. 264.56 BUCK-MORSS, S. Dialética do olhar: Walter Benjamin e o projeto das Passagens . p. 265.57 BUCK-MORSS, S. Dialética do olhar: Walter Benjamin e o projeto das Passagens . p. 254.58 BUCK-MORSS, S. Dialética do olhar: Walter Benjamin e o projeto das Passagens . p. 254. Na sequencia desta citação, Buck-Morss desenvolve anoção que Benjamin esboçou nas notas mais antigas do Passagen-Werk,no sentido de que os termos continuidade e descontinuidade constituem“[...] eixos cruzados, em conexão com a ‘ótica’ dialética da modernidadesimultaneamente velha e nova: devem ser entendidas como as‘coordenadas fundamentais’ do mundo moderno”. Ela refere ser possívelafirmar que há um padrão de coordenadas no pensamento no trabalhodas Passagens , uma estrutura invisível de pesquisa histórica, capaz detornar coerente certos elementos conceituais aparentemente

desconectados. A autora sustenta que o eixo das coordenadas pode serdesignado pelos polos hegelianos “consciência” e “realidade”, de modoa construir um diagrama que também serviu de mote para a estruturação

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representado como coordenadas de termos contraditórios,cuja ‘síntese’ não é um movimento em direção à resolução,mas o ponto em que seus eixos se intersectam59”. 

Seligmann-Silva afirma que a dialética em Benjamin“não possui nada em comum com a dialética hegeliana; elanão tem o todo como ponto de partida, e ela recusa-se a daro passo na direção da positividade de uma ‘superação’,‘ Aufhebung’ , permanecendo no espaço do suspenso, daimagem   que expõe60”. Nesse sentido, com a sua posturaperante a historiografia, Benjamin “vai contra e visadesmontar o que ele denominou, entre outras fórmulas,como sendo ‘a falsa aparência da totalidade’. Ao invés doprincípio totalitário hegeliano ‘o todo é o real’, Benjamintenta salv ar o particular da ‘onipotência’ do Todo61”. Oparticular é justamente aquilo que não aparece nos “grandesfeitos” do período especificamente focado por Benjamin,mas sim aquilo que restou como “trapos e lixos” dessaépoca. Para ele, estes dejetos, que aparecem nas listas dos

temas que o trabalho das Passagens  elenca  –  como é o casodas próprias passagens parisienses, da moda, do reclame, dointérieur , da construção em ferro, das ruas de Paris, daprostituta, do jogo etc.  –   constituem fenômenos quedeveriam ser organizados e utilizados em um quadro vivo,em uma montagem, pois expressam a história de forma maisintensa e complexa do que a historiografia, que tem o hábitode dominar e organizar harmoniosamente tudo aquilo que

toca. “Ao invés da narração dos ‘grandes fatos e feitoshistóricos/heróicos’, Benjamin elege a exposição dos

da escrita de seu livro.59 BUCK-MORSS, S. Dialética do olhar: Walter Benjamin e o projeto das Passagens . p. 254.60 SELIGMANN-SILVA, M. Ler o livro do mundo. p. 149.61 SELIGMANN-SILVA, M. Ler o livro do mundo. p. 227.

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fenômenos extremos 62  da época visada. Num gestosemelhante ele elege uma estética do choque   e não umaestética do belo63”. A imagem dialética como formulação

conceitual nasce em íntima relação com a valorização da visualidade, do imagético, na exposição da história. A partirda teoria das imagens dialéticas Benjamin “não apenasfundou uma concepção forte de exposição ( Darstellung  )histórica –  em oposição ao registro da re-presentação  –  na qualinteragem palavras e imagens64”, mas “também apagou outrafronteira que tradicionalmente conduzia a escrita discursivado historiador: a fronteira entre o agente da história e oresponsável pelo seu relato. Ou seja, agora já não há maisespaço para a figura [...] do historiador como um narradoronisciente e imparcial65”. 

Como bem coloca Adorno, é o fragmentário que seconverte em princípio no pensamento de Benjamin, e não oêxito de uma coerência sem falhas. A sua postura perante assuas intenções filosóficas foi de se manter em um local de

“extraterritorialidade” em relação à filosofia tradicional, oque quer dizer que os elementos herdados da sua formaçãofilosófica entraram em sua filosofia labiríntica apenas demodo indireto. “O incomensurável se baseia em umadesmedida entrega ao objeto. À medida que o pensamentose aproxima demais do objeto, este se torna estranho, comoqualquer elemento do cotidiano posto sob ummicroscópio66”. É possível dizer que Adorno também

partilhou desta desmedida entrega ao objeto, haja vista que a

62  SELIGMANN-SILVA, M. Ler o livro do mundo. p. 227. Sobre esteaspecto, Seligmann-Silva destaca que Benjamin, já na introdução de seulivro sobre a origem do drama barroco alemão, havia estabelecido umateoria da exposição filosófica a partir dos “extremos”. 63 SELIGMANN-SILVA, M. Ler o livro do mundo. p. 227.64 SELIGMANN-SILVA, M. Ler o livro do mundo. p. 227.65 SELIGMANN-SILVA, M. Ler o livro do mundo. p. 228.66 ADORNO, T. W. Caracterização de Walter Benjamin. p. 235.

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noção de primazia do objeto é por ele defendida comoprimordial para o conhecimento dialético e para a crítica datotalidade, com a ressalva de que o sujeito não se reduz ao

objeto neste processo. Embora o conceito mesmo deimagem dialética tenha sido tema de muita discussão entre Adorno e Benjamin nas cartas por eles trocadas (sobretudopor Adorno ter problematizado bastante este conceito), deacordo com Buck-Morss a noção de imagem passou a sercentral no processo de construção das constelaçõesconceituais de Adorno67. Os fenômenos passaram a ser

67  É possível afirmarmos aqui que o cineasta e pensador AlexanderKluge, amigo e interlocutor de Adorno, foi um grande herdeiro destemodo performático de construir constelações e de levar o caráter visualdeste empreendimento à última potência. Exemplo cabal dessa herançaé sua obra monumental Notícias da Antiguidade Ideológica (2008), que realizade forma constelacional aquilo que poderia ter sido a filmagem doCapital, almejada por Sergei Eisenstein. A partir das notas de Eisensteina respeito de como seria esse filme, Kluge faz um filme de 492 minutos,dividido em três etapas. A obra, dentre as muitas reflexões que cumprebrilhantemente fazer, problematiza o que significa pensar sobre o Capitalconcebido por Marx em seus escritos. No presente, ele atualiza atravésdos artifícios da montagem os fragmentos dos absolutamente arcaicoselementos que constituem o conceito contemporâneo do capital. Klugenos apresenta a expressão do Capital e de sua consolidação através deuma linguagem extremamente intrigante, curiosamente descontínua,anacrônica, e aberta a interpretações. É interessante conferir as própriasnotas de Eisenstein emhttp://revolucoes.org.br/v1/sites/default/files/notas_para_um_filme

 _de_o_capital.pdf,  e a entrevista de Kluge sobre seu filme emhttp://revolucoes.org.br/v1/sites/default/files/kluge_encarte.pdf. 

 Além disso, alguns estudos já elaborados a respeito deste filme tambémmerecem atenção: LINCK, Gabriela Wondracek.  Adorno, Eisenstein etradução em Notícias da Antiguidade Ideológica (2008). 2014. Dissertação(Mestrado em Meios e Processos Audiovisuais) - Escola deComunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014.Disponível em:<http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/27/27161/tde-30012015-

101157/>. Acesso em 22 jul. 2015; e LOUREIRO, Robson. Considerac  o  essobre o Cinema na Teoria Cri  tica. Adorno e Kluge:um dia  logo possi  vel , disponível em

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interpretados como representações visuais e concretas dascategorias –  enquanto o conceito “desbloqueava o enigma”,o objeto providenciava uma imagem do conceito68.

Distendendo tal dimensão, Buck-Morss explica queas constelações em Adorno obedeciam alguns princípios.Primeiramente, a própria estrutura de seus ensaiosedificaram-se como antíteses da estrutura da mercadoria.Sabemos que a forma das mercadorias, em Marx, eragovernada pelos princípios da abstração, da identidade e dareificação. Em contraste, a forma das constelações em Adorno eram construídas em consonância com os princípiosda diferenciação, da não-identidade, e da transformaçãoativa. Rapidamente, podemos mencionar que a diferenciaçãodiz respeito ao procedimento composicional que articulanuances, as quais localizam com precisão as diferençasconcretas e qualitativas entre fenômenos aparentementesimilares; a não-identidade é o reverso do princípio dadiferenciação, e diz respeito à justaposição de elementos

aparentemente não relacionados e não-idênticos, de modo arevelar a configuração onde tais elementos congelam ouconvergem (a noção de justaposição de extremos já haviasido mencionada por Benjamin na introdução do Origem dodrama trágico alemão ). Justaposição de elementos significapoder descobrir não somente a semelhança entre os opostos,mas também os conectores –  a lógica interna –  de elementosaparentemente não relacionáveis concernentes ao

fenômeno; por último, o princípio da transformação que,assim como o anterior, ilumina a verdade comocontraditória: transformar as declarações ideológicas emdeclarações críticas, transpondo a sequência de seuselementos-palavras, o que remete ao princípio clássico da

<http://www.unimep.br/phpg/editora/revistaspdf/imp39art09.pdf >. Acesso em 20 jul. 2015.68 BUCK-MORSS, Susan. The origin of negative dialectics . p. 98.

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lógica dialética hegeliana no sentido de que o que parece seruma coisa é essencialmente o seu oposto69.

 Além dos princípios que orientam a construção das

constelações em Adorno, há dois momentos deste processodialético. Um deles é o conceitual-analítico –  quando ocorreo desmonte do fenômeno e o isolamento de seus elementosde modo a media-los por conceitos críticos  –   e o outromomento é o representacional, quando os elementos sãoreunidos de tal modo que a realidade social se torna visíveldentro deles70. No estágio analítico, os elementos são vistoscomo cifras da verdade sócio-histórica, códigos delinguagem, e assim são dados à interpretação, como textolegível  –   neste ponto elementos visíveis da realidade sãotraduzidos em termos de um processo social não visível. Emcontraste, no pólo representacional, ocorre o reverso: oselementos configuram uma imagem  –   eles congelam umaimagem visível dos termos conceituais, trazem o movimentodialético a um momento de imobilidade onde tal imagem

mostra, ilumina, as contradições ao invés de subsumi-las. Adorno quis, através desta sofisticada articulação, que omundo visível fosse interpretado analiticamente através deconceitos de Marx e Freud, dentre outros, e que taisconceitos se tornassem visíveis no mundo. “In this sense,constellations were not unlike hieroglyphs, uniting the perceptual andconceptual; the phenomena became rebuses, riddles whose qualitativeelements, juxtaposed, were the concepts translated into picture form 71”. 

 Assim como Adorno referiu que o filosofar nãotradicional de Benjamin compreendia a sua vontade de“compreender o essencial ali onde ele não se deixa destilarnuma operação automática, nem se deixa vislumbrar de ummodo dúbio: adivinhá-lo metodicamente a partir daconfiguração de elementos alheios à significação”, e que, ali,

69 BUCK-MORSS, Susan. The origin of negative dialectics . p. 98-101.70 BUCK-MORSS, Susan. The origin of negative dialectics . p. 102.71 BUCK-MORSS, Susan. The origin of negative dialectics . p. 102.

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“o rebus   [a visada da coisa] torna-se o modelo de suafilosofia72”, do mesmo modo pode ser compreendida a suafilosofia. 

Referências

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BUCK-MORSS, Susan. Dialética do olhar: Walter Benjamin eo projeto das Passagens . Trad. Ana Luiza de Andrade.Belo Horizonte: Editora UFMG; Chapecó/SC:Editora Universitária Argos, 2002.

72 ADORNO, T. W. Caracterização de Walter Benjamin . p. 224.

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 TIBURI, Márcia. Uma outra história da razão e outros ensaios . SãoLeopoldo: Editora Unisinos, 2003.

Fílmica

NOTÍCIAS da antiguidade ideológica. Direção: AlexanderKluge. Elenco: Hans Magnus Enzensberger, Tom Tykwer, Joseph Vogl, Werner Schroeter, Galina Antoschewskaja, Claudia Buckler, Oskana Bulgakowa, Jan Czajkowski, Dietmar Dath, Boris Groys, Durs

Grünbein, Ute Hannig, Johannes Harneit, OskarNegt, Lucy Redler, Sophie Rois, Helge Schneider,

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Herdeiros de Theodor W. Adorno

 Marco Antonio de Abreu Scapini 1 “A morte nos campos de concentração

tem um novo horror: desde Auschwitz,temer a morte significa temer algo pior

que a morte”.2  Theodor W. Adorno

O presente texto pretende apresentar um breveensaio, em que se aproximam alguns elementos dospensamentos de Theodor W. Adorno e Jacques Derrida,tendo como referência central a Dialética Negativa  do filósofoalemão.

 A potência e a complexidade do pensamento de Adorno o fizeram o maior pensador no panorama filosófico

do séc. XX 3. Além de ter sido um crítico radical dos sistemasde pensamento hegemônicos, foi também um crítico radicalda cultura. Para Marcia Tiburi, “a filosofia de Adorno põe nacrítica a tarefa da filosofia”4. Com seu estilo próprio,interdisciplinar no melhor sentido deste termo, rompeuobstáculos epistemológicos, sendo importante não apenas

1 Doutorando em Filosofia na Pontifícia Universidade Católica do RioGrande do Sul (PUCRS). Mestre em Ciências Criminais (PUCRS).Especialista em Ciências Penais (PUCRS). Graduado em Ciências

 Jurídicas e Sociais (PUCRS). Bolsista CNPQ.2  ADORNO, THEODOR W. Dialética negativa . Trad. Marco AntonioCasanova. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009, p. 24.3 ALMEIDA, Jorge et. al. Introdução à Coleção. In: ADORNO, Theodor

 W. Correspondência, 1928-1940  –   Adorno/Benjamin. Trad. . JoséMarcos Mariani de Macedo. São Paulo: Unesp. 2012.4  TIBURI, Márcia.  Metamorfoses do conceito: Ética e Dialética Negativa emTheodor Adorno. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2005, p. 47.

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na área da filosofia, mas também em áreas como a sociologia,a psicologia e a psicanálise, a comunicação, o direito, a arte ea estética, etc.

Desde uma perspectiva crítica, podemos dizer que Adorno é um ícone inquestionável, mesmo com a aporia deter sido ele mesmo um forte crítico dos ícones da indústriacultural. Todavia, não se trata de banalizar a sua obra e o seulegado. Ao contrário, pretendemos tão somente ressaltar aimportância, a riqueza e a atualidade de sua obra. SegundoRicardo Timm de Souza “Adorno é um autor fundamentalde nossa época e para  nossa época. Não se entende o mundoem que vivemos sem passar por ele, como igualmente, poucose entende a filosofia contemporânea sem sua decisivacontribuição”5. Assim, é importante observar que, emborasejamos, em diversos sentidos herdeiros de Adorno, vivemos ainda a sua época, sobretudo, na esteira de WalterBenjamin6, no que diz respeito aos assombros de que osepisódios vividos no séc. XX ainda sejam possíveis.

 A tensão, portanto, vivida por Adorno, também estápresente na atualidade. Aliás, o próprio conceito de atualidade  foi levado muito a sério por Adorno, assim como porBenjamin, como ressalta Seligmann-Silva: “para eles, aatualidade tinha a ver com a capacidade de uma ideia ir aoencontro de seu presente de modo a possibilitar umamudança”7. Percebe-se, desde já, a presença de umdeslocamento, ou, de uma disjunção temporal tanto no

pensamento como na escrita de Adorno, o que implica naimpossibilidade de qualquer clausura ou fechamento. Desta

5 SOUZA, Ricardo Timm. Razões plurais: itinerários da racionalidade no séc. XX.. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004, p. 94.6 BENJAMIN, Walter. “Sobre o conceito de história”. In: Magia e técnica,arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura . Trad. Sérgio PauloRouanet. Brasiliense: 1994, p. 226.7  SELIGMANN-SILVA, Márcio.  A atualidade de Walter Benjamin e deTheodor W. Adorno. Rio de Janeiro: Civilização Brasilsiera, 2009, p. 11.

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Ricardo Timm de Souza, Jair Tauchen (Orgs.)  179

q ue “a expressão ‘dialética negativa’ subverte a tradição”15. Esubverte de modo a não submeter a diferença a qualqueroperação lógica ou mantê-la sob um princípio de identidade,

em que já se predetermina a aparência e sua verdade. O não-idêntico com seu elemento diferidor impõe uma resistênciae uma limitação à filosofia, o que impossibilita qualquersíntese ou adequatio. Para Adorno “apenas uma filosofia quese liberta de tal ingenuidade merece continuar sendopensada”16. Do contrário, pensar significaria estar sempre nodomínio de um sistema previamente estabelecido, ou seja,significaria reforçar a tautologia da totalidade. Nesse sentido,afirma Ricardo Timm de Souza “para Adorno, a única‘dialética’ que se poderia considerar como propriamente talseria aquela aberta, irredutível a uma ‘resolução’ superior,negativa em relação a positividade da totalidade”17. Ejustamente, o que mantém esta abertura é a irredutibilidadeda diferença em relação a imposição de um processo sob ajurisdição da identidade.

Nesse sentido, Marcio Seligmann-Silva afirma que“só existe o local da diferença   –   que sempre difere   e afasta apossibilidade de se captar a identidade ‘primeira’”18. Desdeesta perspectiva, talvez possamos entender como Adornoconstrói a sua crítica tanto ao conceito de fundamento comoao primado do pensamento sobre do conteúdo, anunciadojá no prefácio da Dialética Negativa. Assim, Adorno justificao procedimento, mas não o fundamenta. Trata-se, pela

diferença, deste local  diferidor que configura a diferença, dapossibilidade de libertar de uma tal natureza afirmativa

15 ADORNO, THEODOR W. Dialética negativa . Trad. Marco AntonioCasanova. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009, p. 07.16 Idem. Op. cit. p. 12.17 SOUZA Ricardo Timm de. Adorno & Kafka: paradoxos do singular . PassoFundo: Ifibe, 2010, p. 65.18 SELIGMANN-SILVA, Márcio. O local da diferença: ensaios sobre memória,arte, literatura e tradução. São Paulo: Ed. 34, 2005, pp. 13-14.

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anunciada já em Platão. Do contrário, Adorno estariaopondo à dialética uma outra totalidade. Para Ricardo Timmde Souza:

 A obra de Adorno é uma tentativa de caracterizar àtotalidade seus próprios limites, não ao lhecontrapor uma outra totalidade, mas ao corroerfilosoficamente suas raízes, sua crença e seu poderimanente, que são igualmente as raízes dasconvicções intelectuais herdeiras de umamodernidade que costumou ignorar seus próprioslimites19.

O trabalho crítico de Adorno, portanto, atravessa ospróprios limites da totalidade, expondo suas raízes, suacrença e seu poder imanente. Sutilmente, faz aparecer desdedentro do sistema as suas  falsas  verdades. Na jurisdição daidentidade, para Adorno:

O que é diferenciado aparece como divergente,dissonante, negativo, até o momento em que a

consciência, segundo a sua própria formação, se vêimpelida a impor unidade: até o momento em queela passa a avaliar o que não lhe é idêntico a partir desua pretensão de totalidade. Em função da essênciaimanente da consciência, a própria contraditoriedadetem o caráter de lei inevitável e fatal. A identidade ea contradição do pensamento são fundidas uma àoutra. A totalidade da contradição não é outra coisa

senão a não-verdade da identificação total, tal comoela se manifesta nessa identificação. Contradição énão-identidade sob o encanto da lei que tambémafeta o não-idêntico20.

19 SOUZA, Ricardo Timm. Razões plurais: itinerários da racionalidade no séc. XX.: Adorno, Bergson, Derrida, Levinas, Rosenszweig . Porto Alegre:EDIPUCRS, 2004, p. 97.20  ADORNO, Theodor W. Dialética negativa . Trad. Marco AntonioCasanova. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009, p. 13 .

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O diferenciado, portanto, está desde o início(se assim podemos dizer) em processo de síntese desde aperspectiva da totalidade. A sua divergência e a sua

dissonância, que são expressões da negatividade, sãoabruptamente apreendidas no instante em que a consciênciase vê impelida a domesticar a diferença, ou seja, quandoimpõe a unidade. É importante ressaltar para o detalheapontado por Adorno, quando faz referência ao momentoem que a consciência, segundo a sua própria formação,  se vêimpelida à imposição da identidade. Nesse sentido, Adornofaz um alerta sobre o funcionamento da própria consciência.Isto porque, para Adorno “a aparência de identidade éintrínseca ao próprio pensamento em sua forma pura.Pensar, nesse sentido, significa identificar”21. A questão quese coloca como problema dialético para Adorno é atransfiguração da contradição dos conceitos com a normatradicional da adequatio que o idealismo absoluto de Hegelprecisou necessariamente impor. Assim sendo, não há que

se satisfazer com a aparência como se não fosse apenas oque é: meramente aparência . A possibilidade aparente da fusão entre a identidade

e a contradição somente poderá acontecer por umaimposição da consciência à unificação, que por sua essênciaimanente faz a própria contraditoriedade assumir o caráterde lei inevitável e fatal. A contrariedade aqui, diz respeito aoque não se encaixa no princípio do terceiro excluído, ou seja,

de acordo com a lógica da totalidade e, portanto, é oqualitativamente diverso. Para Adorno, está presente sempreuma relação com o não-conceitual pela via do conceito. Assim, Adorno afirma o seguinte:

Em verdade, todos os conceitos, mesmo osfilosóficos, apontam para um elemento não-conceitual porque são, por sua parte, momentos darealidade que impele à sua formação  –  

21 Idem. Op. cit., pp. 12-13.

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contracorrente da hegeliana, da sua leitura avessa,das marcas por ela deixadas. Ela é também a formade expressão da filosofia instaurada a partir da

memória do sofrimento do que foi perdido e nãopode ser reintegrado. Se ela não pode recuperar oque se perdeu, pois é impossível, deve, ao menostentar trazer para si a memória do sofrimento. Talperda dirá respeito ao esquecimento instauradodentro da história da filosofia, possibilitado pelaprópria instrumentalização da razão filosófica, queestaria voltada para o progresso cego de si mesma, aautoconservação.24 

Significa, portanto, pensar o perdido, mas também,em certo sentido, pensar o que resiste à significação e àidentidade, justamente para não se deixar instrumentalizar.O que significa dizer que o conteúdo da dialética negativa étambém o sofrimento do que foi perdido e que não poderáser reintegrado. Nas palavras de Adorno, “a necessidade dedar voz ao sofrimento é condição de toda a verdade”25.

 Trata-se, pois, da tarefa impossível da filosofia, da qual nãopode sequer esquecer.

Para Adorno, uma tal impossibilidade não é umalimitação para a filosofia, mas justamente, por ser o queimpossibilita a sua clausura como sistema, possibilita àfilosofia manter-se viva. Além disso, é preciso perceber nestaimpossibilidade a dimensão utópica do trabalho crítico de Adorno, que não dispensa o conceito nesta tarefa. Para Adorno,

24  TIBURI, Márcia.  Metamorfoses do conceito: Ética e Dialética Negativa emTheodor Adorno. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2005, pp. 27-28.25  ADORNO, Theodor W. Dialética negativa . Trad. Marco AntonioCasanova. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009, p . 24.

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a utopia do conhecimento seria abrir o não-conceitual com conceitos, sem equipará-los a essesconceitos26.

 Assim, o vital para a filosofia de Adorno se dá pelotrabalho do conceito, mais precisamente no limite doconceito, na tentativa de abrir o não-conceitual peloconceito, sem deixar que estes se equiparem aqueles.

Desde as dimensões articuladas até o momento,sobretudo o gesto crítico de Adorno de expor à totalidadeseus próprios limites, percebemos uma aproximação

marcante com a desconstrução derridiana. Assim como Adorno, Derrida também não se deixar seduzir pelo quefalávamos sobre a aparência conceitual, embora o trabalhoda desconstrução se dê, justamente, no texto. Para Derrida

“não há desconstrução que não parta da tentativa derespeitar o texto ou o discurso, e portanto não setrata em absoluto de destruir o texto, as crenças ouo pensamento do outro, nem de o diminuir, bem

pelo contrário”27.Nesse sentido, a desconstrução, o trabalho da

desconstrução, ao levar ao limite a rede textual ou discursiva,o faz num gesto permanente de respeito pelo pensamentodo outro. Em nenhuma hipótese poderá significar algumdesejo de destruição do texto.

 Trata-se de, no limite, impedir uma espécie de síntese

do texto. Em certo sentido, de permitir possibilidade do queadvém por uma certa economia dos conceitos. Destamaneira, segundo Derrida:

 A desconstrução passa por ser hiperconceitual, e decerto o é, fazendo um grande consumo dosconceitos que produz à medida que os herda  –  mas

26 Idem. Op. cit. 1727 DERRIDA, Jacques. Tenho o gosto do segredo. In: O gosto do segredo.

 Trad. Miguel Serras Pereira. Lisboa: Fim de século, 2006, p. 84.

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apenas até o ponto em que uma certa escriturapensante excede a apreensão ou o domínioconceitual. Ela tenta pensar o limite do conceito,

chega à resistir à experiência desse excesso, deixa-seamorosamente exceder. É como um êxtase doconceito: goza-se dele transbordantemente28.

 A desconstrução, portanto, por ser hiperconceitualleva ao limite os conceitos que herda, bem como os queproduz. É, justamente, a tentativa de se manter no limite, oque significa também o desejo de exceder este limite, que fazda filosofia algo ainda possível. A experiência de um excessoé o que faz do texto algo por vir, o que possibilitará umamanhã. Além disso, o fato de a desconstrução deixar-seamorosamente exceder implica já uma passividade naexperiência deste excesso. Significa uma certa fraqueza emrelação ao que vem como excesso, ou, deste excesso. Afraqueza, aqui, tem o sentido de uma hospitalidadeincondicional pelo que vem. Está, portanto, para além de

qualquer possibilidade de previsão deste acontecimento

29

, de

28  DERRIDA, Jacques; ROUDINESCO, Elizabeth. De que amanhã:diálogo. Trad. André Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 2004, p 14.29 Para Derrida, “Um acontecimento é o que vem; a vinda do outro comoacontecimento só é um acontecimento digno desse nome, isto é, umacontecimento diruptivo, inaugural, singular, na medida em que não o

 vemos vir. Um acontecimento que antecipamos, que vemos vir, que pré- vemos, não é um acontecimento: em todo caso é um acontecimento cujaacontecimentalidade é neutralizada, precisamente, amortecida, detidapela antecipação. (...)  A experiência do acontecimento  é uma experiênciapassiva, rumo a qual, e eu diria contra a qual, acontece o que não se vê

 vir, e que é de saída totalmente imprevisível, não pode ser predito; épróprio do conceito de acontecimento que ele venha sobre nós demaneira absolutamente surpreendente, inesperadamente. Se os olhossão o que são para nós, tal como se dispõem em nossos rostos, digo nossosrostos , os rostos humanos (pois nem todos os olhos estão e veem à frente ,há animais cujos olhos lhe permitem ver de lado e atrás, mas nossos

olhos veem à frente e têm o que chamamos de horizonte), oacontecimento sempre corre o risco de ser em certa medida neutralizado:

 vemos vir as coisas desde o fundo do horizonte. Assim que há ou na

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a desconstrução se instrumentalize em algum tipo de métodoou sistema. Para Derrida: 

 A desconstrução não é um método para se encontraro que resiste ao sistema, mas consiste em tomar nota

 –  na leitura e na interpretação dos textos –  do factode que aquilo que tornou possível o sistema emcertos filósofos é uma certa disfunção oudesajustamento, uma certa incapacidade de fechar osistema31.

 Assim, embora a desconstrução não seja

propriamente antissistêmica, ela consiste, desde ainterpretação dos textos, em se fazer notar a impossibilidadedo sistema. Isto porque, aquilo que permite a formalizaçãodo sistema não é, por assim dizer, sistematizável. Adisfunção, ou, o desajustamento apontado por Derrida,ocorre no exato instante em que a consciência, conforme asua própria formação, segundo referimos acima com Adorno, se vê impelida a impor unidade. Esta imposição de

unidade da consciência se dá violentamente, reduzindo àdiferença para a jurisdição da identidade. Nesse sentido,aquilo que excede no e ao texto é, também, o que resiste eimpossibilita o sistema e, portanto, a identidade plena. Destamaneira, se num primeiro momento para Adorno,  pensar éidentificar , após este instante, “pensar é, já, em si, antes detodo e qualquer conteúdo particular, negar, é resistir ao quelhe é imposto”32. Negar, portanto, significa resistir a qualquer

imposição de síntese, o que significa também resistir àincorporação do elemento não-dialetizável, ou seja, o não-idêntico, que aqui também assume o nome da diferença, àdialética.

 A dialética, portanto, expressa a sua própria aporia,na medida em que aquilo que a torna possível é, justamente,

31 Idem. Op. cit. p. 18.32  ADORNO, Theodor W. Dialética negativa . Trad. Marco AntonioCasanova. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009, p. 25.

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o que impede a sua realização. Este, talvez, seja o elementochave da negatividade em Adorno que, assim como Derrida,faz todo o possível que para que o porvir continue aberto.

Este, talvez, seja o ponto central de um possível encontroentre os autores. Nesse sentido, o próprio Derrida apontapara elemento não-dialético que não é mera oposição aodialético, quando afirma o seguinte:

O não-dialético não se opõe ao dialético, e é umafigura que se reproduz continuamente. Sempretentei mostrar o elemento que, numa série ou numgrupo, não se deixava integrar no conjunto,evidenciando que há  uma diferença não-oposicionalque transcende a dialéctica; há um suplemento ouum  pharmakon que não se deixa dialectizar; poderiadar a este respeito muitos exemplos. Aquilo que, nãosendo dialéctico, torna impossível a dialéctica, éjustamente o que resulta necessariamente retomadopela dialéctica que acaba por relançar. Devemosentão aceitar o facto de que a dialéctica consiste

exactamente em dialectizar o não-dialectizável. Temos então um conceito de dialéctica que já não éconvencional  –   em cujos termos a dialéctica ésíntese, conciliação, reconciliação, totalização,identificação consigo  – , mas é uma dialécticanegativa, ou infinita, que define o movimento desintetização sem síntese33.

Poderíamos dizer, portanto, que assim como

 Adorno, Derrida também tem uma repugnância pelo total ,conforme a expressão de Ricardo Timm de Souza34. Oelemento que não se opõe à dialética corresponde a umadiferença não-oposicional e que, portanto, não faz o jogo da

33 DERRIDA, Jacques. o gosto do segredo. In: O gosto do segredo. Trad.Miguel Serras Pereira. Lisboa: Fim de século, 2006 , p. 49 50.34

 SOUZA, Ricardo Timm. Razões plurais: itinerários da racionalidade no séc. XX.: Adorno, Bergson, Derrida, Levinas, Rosenszweig . Porto Alegre:EDIPUCRS, 2004, p. 97.

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dialética tradicional. Trata-se de um suplemento que, ao nãose dialetizar, torna impossível a dialética. Todavia, éjustamente este elemento que é permanentemente relançado

pela dialética, fazendo com que esta seja uma dialéticanegativa ou infinita, cujo movimento é sempre aberto e,portanto, sem síntese. É a ambivalência deste suplementoque permite o movimento. Nesse sentido, diz Derrida:

Se o phármakon é “ambivalente”, é, pois, porconstituir o meio no qual se opõem os opostos, omovimento e o jogo que os relaciona mutuamente,os reverte e os faz passar um no outro (alma/corpo,bem/mal, dentro/fora, memória/esquecimento,fala/escritura, etc.). É a partir desse jogo ou dessemovimento que os opostos ou os diferentes sãodetidos por Platão. O  phármakon é o movimento, olugar e o jogo (a produção de) a diferença. Ele é adiferência ( Différance . MAAS) da diferença. Elemantém em reserva, na sua sombra e vigíliaindecisas, os diferentes e os diferindos que a

discriminação virá aí recortar. As contradições e ospares de opostos levantam-se sobre o fundo dessareserva diacrítica e diferante. Já diferante, essareserva, por “preceder” a oposição dos efeitosdiferentes , por preceder as diferenças como efeitos,não tem pois a simplicidade  pontual de umacoincidentia oppositorum . Desse fundo, a dialética extraiseus filosofemas. O phármakon , sem nada ser por si

mesmo, os excede sempre como seu fundo semfundo. Ele se mantém sempre em reserva, ainda quenão tenha profundidade fundamental nem últimalocalidade35.

 Assim, o  phármakon  é, justamente, o elemento não-dialetizável que possibilita o movimento e o jogo dialético.É o lugar, por assim dizer, do movimento dialético. É a

35  DERRIDA, Jacques.  A farmácia de Platão. Trad. Rogério Costa. SãoPaulo: Iluminuras, 2005, pp. 90-91.

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différance irredutível que possibilita o jogo oposicional dadialética, mantendo-se permanentemente em reserva. Oimpulso dialético se dá desde este lugar que, sem nada ser

por si mesmo, excede sempre os filosofemas da dialética, nãotendo uma última localidade. O que significa que tal local éinapreensível e, portanto, não-identificável. Não há, pois, umfundamento. Do contrário, teríamos tão somente a repetiçãoe o jogo dialético da  totalidade.

 A possibilidade do porvir passa, portanto, pelanecessidade de se manter a abertura, cujo trabalho crítico,desde o limite conceitual é sem fim. Nesse sentido, segundoDerrida “ainda há uma tarefa de desconstrução sem fim: épreciso haurir na memória da herança os utensíliosconceituais que permitem contestar os limites impostos atéaqui por essa herança36”. Em termos adornianos,poderíamos dizer que, este trabalho sem fim, que também seexpressa pela negatividade, é o que mantém viva a filosofia,impedindo a sua instrumentalização, na medida em que

torna impossível o instante da sua realização, conforme afrase inaugural da Dialética Negativa.Em 22 de setembro de 2001, quando recebeu o

prêmio Theodor W. Adorno na cidade de Frankfurt, JacquesDerrida confessa a sua herança e uma certa dívida com aEscola de Frankfurt e com Adorno37. Além disso, referiu oimpacto de Adorno no seu próprio trabalho, quandoafirmou o seguinte: “Adorno que me afecta tanto más

porque, como yo mismo hago cada vez mas a menudo,demasiado a menudo quizá, Adorno habla literalemente dela posibilidad de lo imposible, de la paradoxa de posibilidadde lo imposible”38. Nesse sentido, é importante ressaltar que

36  DERRIDA, Jacques; ROUDINESCO, Elizabeth. De que amanhã:diálogo. Trad. André Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 2004, p. 31.37 Cf. DERRIDA, Jacques.  Acabados:Discurso de Fráncfort . In: Acabadosseguido de Kant, el judío, el alemán. Trad. Patricio Peñalver. 2004.38 Idem. Op, cit. p. 16.

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para Derrida, a própria desconstrução é marcada por estapossibilidade do impossível, implicando numa interrupçãono regime do possível39. Deste modo, ambos os autores  –  

 Adorno e Derrida –  compartilham um certo desejo de ir maisalém do possível, escapando da jurisdição da identidade, oumesmo, da calculabilidade.

Pelos rastros que se traçaram e se seguiram até aquinos espectros de Adorno, e por tantas vias abertas que ofilósofo alemão nos deixou, podemos dizer, assim comoDerrida o fez, somos herdeiros de Theodor W. Adorno.

Referências bibliográficas

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 ALMEIDA, Jorge et. al. Introdução à Coleção. In: ADORNO, Theodor W. Correspondência, 1928-1940  –   Adorno/Benjamin. Trad. . José Marcos Mariani de

Macedo. São Paulo: Unesp. 2012.BENJAMIN, Walter. “Sobre o conceito de história”. In:

 Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e históriada cultura . Trad. Sérgio Paulo Rouanet. Brasiliense:1994

DERRIDA, Jacques.  Acabados:Discurso de Fráncfort . In: Acabados seguido de Kant, el judío, el alemán. Trad.

Patricio Peñalver. 2004; _______;  A farmácia de Platão. Trad. Rogério Costa. São

Paulo: Iluminuras, 2005;

39Cf. DERRIDA, Jacques. Salvo o nome . Trad. Nícia Adan Bonatti.Campinas: Papirus, 1995, pp. 19-20.

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192  Adorno e a dialética negativa: leituras contemporâneas 

 _______; Pensar em não ver: escritos sobre as artes do visível (1974- 2004). Trad. Marcelo Jacques de Moraes.Florianópolis: Ed. da UFSC, 2012;

 _______; Salvo o nome . Trad. Nícia Adan Bonatti. Campinas:Papirus, 1995;

 _______; Tenho o gosto do segredo. In: O gosto do segredo. Trad. Miguel Serras Pereira. Lisboa: Fim de século,2006;

DERRIDA, Jacques; ROUDINESCO, Elizabeth. De que

amanhã: diálogo. Trad. André Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 2004;

SELIGMANN-SILVA, Márcio.  A atualidade de WalterBenjamin e de Theodor W. Adorno. Rio de Janeiro:Civilização Brasilsiera, 2009;

 _______; O local da diferença: ensaios sobre memória, arte, literaturae tradução. São Paulo: Ed. 34, 2005;

SOUZA, Ricardo Timm.  Adorno & Kafka: paradoxos dosingular . Passo Fundo: Ifibe, 2010;

 _______; Razões plurais: itinerários da racionalidade no séc. XX..Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004;

 TIBURI, Márcia.  Metamorfoses do conceito: Ética e Dialética Negativa em Theodor Adorno. Porto Alegre: Editora daUFRGS, 2005.

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Del mito de Sísifo. Trascendentalidad y necesidad

del sujeto en la DialécticaNegativa de Adorno.

Oscar Pérez Portales.1 

Introducción

La filosofía tiene ya varios siglos con el sujeto comocentro de su reflexión. Este ha sido fuente inagotable dedesespero, angustia por alcanzar una comprensión de ese“objeto”. Como Sísifo condenado a volver sobre sus huellas,en el esfuerzo remonta cada vez la tradición. La imagen másexacta de este trayecto sería quizás, la de Alicia, minúscula,

en: Del otro lado del espejo2 

, saltando sobre cabezas sin cuerposal fondo de un Castillo.Este re andar por un campo espinado ha sido el de

una contradicción: pensar al sujeto lo ha ocultado bajorefinados sistemas de ideas. Si estas no fueran parte de unconflicto real de ese sujeto con la existencia que enfrenta,como Sísifo, nada podrían valer todas las palabras de lafilosofía. Pero es ahí la paradoja, Sísifo no baja de la

montaña, resiste a la imposibilidad. La imposibilidad delascenso es el reconocimiento de su desaparición, no física,pero si como algo que tiene intención, como Sujeto.

Podrían ser muchas las objeciones a estas ideas sobrela reflexión filosófica del sujeto. Ante las dudas podríanmostrarse siglos de pensar, en cómo expresar de forma pura

1 Mestrando bolsista CNPq.2 CARROL, Lewis:  A través del espejo y lo que Alicia encontró al otro lado.Cordoba: Ediciones del Sur, 2004.

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al sujeto sin ismos que lo nieguen. Los intentos de liberar sucapacidad racional y luego de emanciparlo de su propia razónomnipotente; de liberar su práctica, luego liberarlo de las

reificaciones de estas; de satisfacer sus necesidades y voluntad, ora dar cuenta del retorno de la realidad deesclavitud necesitada. En fin, la filosofía del sujeto es la deuna paradoja infinita, que ha llegado a deslegitimar su propiaexistencia.

Mientras esa entelequia infinita se desenvuelve ennubes filosóficas hay conflictos que parecen no dar cuentade aquella zozobra. Estos son los de sujetos reales queluchan en la posibilidad de existir en términos de vida concuerpo. De experiencia finita que tiene que afirmarse. Unaafirmación negada, recortada, parametrizada cada vez más.Ese es el origen de un grito, de una lucha. La lucha porsatisfacer un resquemor continuo. Las alternativas han sido varias. En la actualidad estas pretendieron dar cuenta de esesujeto real que necesita. Satisfacer su necesidad. Salvarlo de

la noche neoliberal que negó toda posibilidad. Laincertidumbre es el resultado, la de no ver que las alternativashayan sido eso: alternativas. Satisfechas las necesidades, deun sujeto en el centro de un proceso redistributivo yafirmativo, vuelve la incertidumbre de Sísifo del regresarsobre la cuesta.

Mas la filosofía si niega la posibilidad del conocer yqueda solo en la incertidumbre, no es. Deberíamos quizás

negar algunos supuestos para rearmar el trayecto. ¿Cuál hasido el sujeto que han asumido estas alternativas? Su esfuerzohumanista de sanar heridas, satisfacer demandas: ¿ha sido elde una necesidad real satisfecha? Se observa entonces queestas asumieron un sujeto político múltiple, con marcadapretensión política. Pero más allá de los discursos electorales,sus acciones no han ido a los espacios donde los sujetos queaglutinó reproducen su vida. Redistribuyeron la riqueza,

satisficieron necesidades específicas. Sin embargo, nocambiaron las prácticas desde las que estos sujetos

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necesitados las producen. Entonces: ¿no habremos asistidoa la atención de sombras, el empoderamiento de un sujetoparticular desde su universalización ideológica? La

satisfacción de una particularidad que esconde lasnecesidades reales en una vida virtualizada, lo que genera esun mundo de sombras.

Nos salta entonces la duda si esta tensión no serátambién la que genera las angustias de la filosofía. Que elhablar del sujeto como centro termina más fácil en su olvido.Que centrada en sus necesidades llega más pronto a sufetichización. Si su discurso del sujeto no está tensionado deesa furia de siglos por ser una particularidad que resiente deuna universalidad que la niega, si la necesidad no es unauniversalidad que cierra la negatividad creadora de lasingularidad. En esa inquietud somos acompañados por unatradición negativamente positiva. Varios pensadores handado cuenta de esa relación. Significativo es en ello elpensamiento de W Adorno en torno a la ideología del sujeto,

del Humanismo en términos mayúsculo. En este decursonegativo parte de una crítica a las reificaciones del sujetoconcreto, particular, invisibilizado bajo una Universalidadtrascendente abstracta. Teniendo sostén práctico en lafalseada vida de necesidades que otro sujeto impone. Por ellodesde las motivaciones prácticas aducidas, intentaremosrealizar una valoración de los elementos de este pensamientoen la conformación de una crítica al humanismo

trascedental. Así como hacer un análisis de la importancia deestos, en la argumentación de un humanismo desde laparticularidad concreta. Aportando a lo que quizá podría lafilosofía, solucionando su propia vida entre sombras,alumbrar la contradicción de la realidad, donde lasalternativas parecen haber quedado atrapadas en las desujetos específicos.

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De la ideología del sujeto: la crítica de las ontologíasdominantes.

En términos de filosofía cualquier cítrica es siempreun dialogo tenso con ídolos. Adorno en Dialéctica Negativa 3 asume la cítrica a toda una tradición de siglos desde lacontradicción que enuncia su realidad. Identifica que laontología como construcción de una teoría del sujeto noexpresa la complejidad de las contradicciones de unasociedad zozobrante por su escisión. Angustia de la vidacomo posibilidad corporizada en sujetos concretos, quetienen que asumir el riesgo de ser en una sociedad orientadaa la frustración.

La crítica a la reificación general de la sociedad tieneun reflejo ideológico en la teoría del sujeto. En esta ve comola sociedad desde el inicio de la modernidad precisa de unpensamiento que genere una estructura de armonizaciónabstracta y universal. Construcción que de sentido a las

particularidades concretas múltiples4

. La ontología contieneuna paradoja. Es el buscar siempre de la filosofía que asumeal sujeto como su centro. Mas es desde este situar central delsujeto de la modernidad acá, constatación de un universal vacío que niega la posibilidad real concreta de lo que relata.La agudeza del pensamiento de Adorno da cuenta de que lapretensión filosófica de una ontología que no sea mediadapor sentidos ideológicos o epistémicos, ha contenido el

3 ADORNO, Theodor W. Dialéctica Negativa.  Trad. José María Ripalda.Madrid: Editorial Taurus, 1984.4  “la ratio burguesa como principio de convertibilidad que eshomogeniza con los sistemas todo aquello que quería hacerconmesurable idéntico consigo misma y su éxito en esta tarea fue cada

 vez mayor aunque potencialmente devastador fuera quedo cada vez

menos. Lo que la teoría se probó como huero quedo confirmadoirónicamente por la práctica”. ADORNO, Theodor W. Dialéctica Negativa. Trad. José Maria Ripalda  Madrid: Editorial Taurus, 1984, p. 31.

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refinado conservadurismo de reificar universal yabstractamente al sujeto.

Citando a Heidegger, en un dialogo descarnado con

un ídolo de parte de la contemporaneidad plantea: “...laontología parece tanto más luminosa cuanto menos se deja vincular acontenidos concretos que permitan su intervención a la impertinenterazón discursiva”.5  Es esto el inicio de una crítica radical a unmodelo ontológico que deriva una universalidad abstracta dela particularidad. La filosofía pretende lo absoluto. La verdadestá en la construcción de un modelo ontológico teológico.La trascendentalidad elevada a justificación eterna de todo loque ocurre. Mas esa trascendentalidad que parece separarsede toda mediación esta mediada por la pretensión deestablecerse desde la finitud en algo infinito.

La razón omnipesante que puede establecer todo elcurso del sujeto. Mas termina prescindiendo de aquel. Essolo ente determinado por la trascendentalidad. La armoníadel ser es suficiente explicación de las mediaciones que

constituyen al ente. Es más, las sustituye. Las derivaciones,acciones concretas e históricas aparecen solo como molestas,recalcitrantes, intenciones de caotizar una armonía porsuperior, inobjetable.

Lo absoluto desde lo ontico rechaza cualquierpregunta problematizadora. Su dinámica reflexiva esandamiaje claro y nítido a cualquier estructura interpretativadel ente. Donde el pensamiento es siempre principio de

justificación, causalidad e identidad. El objeto es subsidiariodel razonar. Incluso ese objeto particular, también pensante:el sujeto. Lo que no responde a la lógica del discurso dictadode la filosofía no es verdad. No existe como objetividad. Lalogicidad de la pregunta, la subordinación al método, es elúnico resquicio de verdad, por ende del derecho de existir.Si la objetividad y la verdad se encuentran en esta relación

5 ADORNO, Theodor W. Dialéctica Negativa.  Trad. José María Ripalda. Madrid: Editorial Taurus, 1984,p. 65.

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abstracta absoluta, todos los sentidos dimanan de ella. Laelevación de lo ontico, lejos de liberar al ente de lasmediaciones que lo negaron al demostrar su carácter

trascendente, lo ha vaciado de sentido. Solo ese particularabsoluto y trascendente tiene sentido, lo concreto particularno existe más que como efectivación de esa universalidadarmónica.

 Adorno plantea como este modelo ontológicosubordina los argumentos a la demostración de unpensamiento ya dado. El recorrido de un curso ya dictado.Desde la lógica reflexiva de Hegel contesta la lógica formalen la que el pensar se constata a si mismo eternamente, se valida a si mismo sin referir nunca ningún elemento exteriorde sentido6. De ahí plantea que la ontología trascendentalsitúa en el propio ser, la condición de su evaluación. Nopuede ser evaluado desde otra instancia. Es en sí mismológico, puro. Es el intento de desde la universalidad de unsujeto abstracto ideologizado solo reconocer el pensamiento

formal, normalmente establecido. La negación de loconcreto es la negación de la negatividad en su trascendenciapositiva, en su trascendencia superadora y edificantealternativa, contingente. En la ontología de Heidegger se vislumbrar la misma predicación universalízante de losmodelos formales anti subjetivos. Este niega la complejarelación contradictoria entre particular y universal queantepone Adorno.

“La teoría del ser oculta y explota la dialéctica que hace quese confunda pura particularización y pura universalidad ambasigualmente indeterminadas…” 7  Si la pretensión de formalizar la

6 No sería arbitrario plantear la presencia como herencia, en esa críticade Adorno, de la crítica a la lógica formal y la complejización de lasdeterminaciones entre particulares y universales  al interior del juicio.HEGEL, G. W. F. Ciencia de la Lógica.  Trad. Augusta y RodolfoMondolfo. Pr: Rodolfo Mondolfo. Madrid: Ediciones Solar, 1982.7 ADORNO, Theodor W. Dialéctica Negativa.  Trad. José María Ripalda.Madrid: Editorial Taurus, 1984, p. 80.

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ontología es probar la objetividad absoluta, más allá de lasmediaciones de los resultados de esta, es este pretender estarmás allá de su realidad. La demostración misma de que no

puede alcanzar lo absoluto8. Si solo es re andar un cause yadado no puede ser base de lo nuevo. “Un agradable horror anteel próximo fin del mundo se une en ello con el sentimiento tranquilizadorde operar sobre suelo firme e incluso si cabe garantizado filológicamente” 9 .  Si esa formalización fuera solamente unaintención académica de veracidad, de beneplácito científico,no tendría mayor trascendencia. Mas este sistemaepistemicocéntrico guarda la imposibilidad de afirmación dela concretud particular. El sujeto esta preso en una estructurade evolución de su esencia. El sujeto que vuelve sobre símismo. Dentro de los patrones formalizantes que pretendenla totalidad como cascaron vacío que termina siendo formade los totalitarismos. Aspirar a esta es un elemento esencialde todo esfuerzo filosófico.

Demostrar la totalidad es un camino indispensable a

la construcción de una particularidad liberada de unauniversalidad abstracta. Sin embargo el sistemaHeideggeriano erige una totalidad que termina encerrando laparticualiridad. Esa totalidad existencial es base de unacomprensión social que genera por si sola su propiodesarrollo. Totalidad donde las partes se suponen e inieren,por ende donde cada uno existe en virtud del otro. Armonizado por esa pertenencia totalizadora. Todo existe

en virtud de esta relación que supera la particularidad.Particularidad sin sentido por si sola. Cierto que el sistemade Heidegger sitúa la visión de una trascendentalidad que

8 “Al renunciar al andamiaje tradicional de la demostración, al constatarel saber ya sabido, algo se abre paso en la filosofía: que ella no .es ningúnmodo el Absoluto”. ADORNO, Theodor W. Dialéctica Negativa.  Trad.

 José María Ripalda. Madrid: Editorial Taurus, 1984, p. 69.9 ADORNO, Theodor W. Dialéctica Negativa. Trad. José María Ripalda. Madrid: Editorial Taurus, 1984, p. 67.

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libera al sujeto de la materialidad social, en el sentido deentender la diferencia entre los resultados sociales de suacción y la existencia del sujeto, idea valiosa para decir ante

las ideologías, que allí donde fracasan sigue habiendo sujeto.Empero, separa a este de la causalidad en nombre de un sertrascendental que está   a pesar de su materializaciónontológica. Si bien es una idea importante ante las tesis de lahistoria cerrada por la desaparición de un sujeto ideológico;para plantear a aquellas la especificidad limitada de lasconstrucciones de sujetos de ideologías específicas ante suolvidadiza generalización, en busca de negar al propio sujeto.Ha de verse el carácter reaccionario de su tesis al infligir aeste siempre la marca de la imposibilidad en tanto sunegatividad está reducida a ser imagen de un ser más allá desu propia acción. Crítica formidable contra las concretudesalienantes funcionales, mas ella misma alienante pues:“Prepara a escuchar la aseveración de que a pesar de todo el serequiparado tacitamente con aquella sustancialidad es indestructible por

el sistema funcional” 10

.  Si es positivo como alteridad ante ladesaparición ideológica de los sujetos históricos es macabrocuando termina sentenciando: la realidad puede existiraunque los sistemas acaben con el sujeto.

 Todo conocimiento ontológico intenta responder ala necesidad de una causalidad que va más allá delmetodológico presentar de la realidad que podría llamarseconocimiento científico. La ontología indica siempre una

tensión que va más allá del conocimiento en cuanto método,en cuanto a la pregunta del saber frente a la realidad. Remitea la negatividad de una objetividad que es construida por elsujeto. Si bien la filosofía tiene en ella una tarea también tieneuna alteridad fundante que siempre la empele a ir haciaadelante, a negarse. La racionalidad científica ha conllevadoa la pérdida de esta como negatividad. Adorno plantea como

10 ADORNO, Theodor W. Dialéctica Negativa. Trad. José María Ripalda. Madrid: Editorial Taurus, 1984, p. 69.

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esta termina siendo presa de la repuesta científica en tantocomprensión de una realidad dada verdadera desde la cienciacomo epifenómenos que puede deducirse la capacidad

negativa del sujeto.En ello la filosofía de Heidegger ha contribuido con

la construcción de un sistema categorial que deja la filosofíay su reflexión el espacio inmaculado del ser. Esta filosofíacontiene una preservación de la intención de entender laconcreción en una distinción positiva del ente y el ser. Masesta intención es solo como vía para la demostración yexplicación del ser. La teoría de Heidegger perpetra unsistema en el que parece se libera la particularidad de ladeterminación predicativa, mas solo para decir que ante elcaos de aquel a la filosofía solo le resta la universalidadarmónica del ser.

 Adorno recuerda la aserción de Heidegger:  “Latiniebla del mundo no alcanza jamás la luz del Ser” 11. Afirma comoesta desmaterialización universalizante es resultado de que

en la racionalidad, los conceptos se han desubstancializado.Los conceptos refieren cada vez más a relaciones universalesderivadas de particularidades específicas elevadas a tal. Si laparticularidad de una relación específica: la de losconcurrentes igualitarios al mercado es elevada, como hasido, a universalidad, sustituye la realidad, es consagración dela armonía. Es un virtual armónico que justifica lacontradicción de la realidad. Posee todos los sentidos, los de

ella y su contrario. Lo caótico lo es por no subordinarse, porno comprender, su lógica armónica.La vida pierde valor si no se inscribe en las dinámicas

de generación armónica de esta universalidad fetichizada queha sustituido a la propia realidad. La crisis de substancia delsujeto no es vista como resultado de la virtualización de suexistencia por un sistema relacional reificador. Resuelta aún

11  ADORNO, Theodor W. Dialéctica Negativa. Trad. José María Ripalda.Madrid: Editorial Taurus, 1984, p. 69.

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más dramática si el que está en crisis, como hoy, es el refugio:el ser. Plantearse esta angustia podría ser base devolver latranscendentalidad superior a esa realidad fáctica.

Preguntarse si lo más importante como trascedentalidad esla vida de Sísifo. Mas no, la filosofía se conforma con latranquilidad justificativa del ser. En ello Adorno ve el hechode que el sujeto tiene que ser entendido desde una ontologíaque reconozca su particularidad. Que este está velado de bajode una fuerte reificación de la objetividad. El sujeto seconvierte de manos de los sistemas contemporáneos en unmetarrelato universal que dice hablar de lo que hacedesaparecer. Ironiza luego, demostrando la ilógica de laformalización del ser: “En la tautología en que desemboca este serse ha esfumado el sujeto: Y bien, el Ser, ¿Qué es ser? Él es el mismo” 12 .

Los límites de esa definición entre ente y serdevienen de la zozobra de un finito que quiere definir lainfinitud. La filosofía, en sus ansias de determinar laobjetividad dialéctica del sujeto, que existe más allá de

cualquier entelequia filosófica como negatividad, conpretensión de infinitud termina por declarar su cierre.Cortapisas que garanticen la existencia del discurso es lasolución de lo que llaman discurso trascendente. Mas lapretensión de verdad que pudiera ser compromiso con elsujeto y su realidad termina siendo garantía de sufornecimiento exclusivo de la filosofía. Solo puedeencontrase una solución a esto en una ontología concreta.

Que asuma su compromiso con sujetos específicos en untiempo histórico. Así la filosofía no será metafísica, ahistoria,que termine negando su propio objeto general: el sujeto. Siesta busca la verdad como vinculación con el sujeto que lacrea, es asumiendo su falibilidad histórica, su caráctertransicional, no como cualidad de sí misma, sino de la

12 ADORNO, Theodor W. Dialéctica Negativa. Trad. José María Ripalda.Madrid: Editorial Taurus, 1984, p. 74.

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realidad que relata: “...para que la filosofía sea más que un puromecanismo tien e que exponer el fracaso total” 13.

No es esto un nuevo escepticismo agnóstico, sino

una epistemología trascedente que asume su carácterhistórico. Es indispensable la pretensión sistémica de verdad,modelos explicativos y cosmovisivos sin los cuales lafilosofía solo quedaría como subsidiaria de las cienciasparticulares. Sin embargo su carácter histórico encausaría esapretensión de totalidad y sistema hacia interpretaciones queintenten no terminar en apriorismos ideológicos oepistémicos que nieguen la posibilidad de conocer lanegatividad inherente a la existencia humana. Allí donde lafilosofía ha pretendido la infinitud habla más un sujetosingular queriendo perpetuar su existencia, que el sujetouniversal que la ontología pretende develar. Adorno escontundente en su interpretación: “Lo que aquí se revela esmenos una meditación mística, que la miseria del pensamiento: aspiraa su alteridad y no se puede permitir nada sin la angustia de perder en

el intento lo que afirma” 14

.La ontología pierde su reflexión negativa. Con ellaabandona cualquier papel trascendente en una realidad quedeslegitima. La teoría del ser tiene el pretendido objetivo denegar toda concreción. Con ella niega al sujeto. Adorno sesitúa en este punto para vislumbrar en la ideología del sujetosu paradojal desaparición: “…de la exigencia de desembrujar lohecho por manos de hombres en el concepto. En vez de reconocer en las

situaciones humanas, las confunde con el mundus intilligibilis” 15 

. Al igual que la acción racionalidad de Weber pareceque vuelve a entender lo concreto, lo particular, lo singular,

13 ADORNO, Theodor W. Dialéctica Negativa. Trad. José María Ripalda. Madrid: Editorial Taurus, 1984, p. 74.14  ADORNO, Theodor W. Dialéctica Negativa.  Trad. Alfredo Brotons. Madrid: Editorial Taurus, 1984, p. 82.15  ADORNO, Theodor W. Dialéctica Negativa.  Trad. Alfredo Brotons. Madrid: Editorial Taurus, 1984, p. 88.

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mas es solo un momento de la construcción de unauniversalidad particular abstracta. Adorno advierte que laontología fundamental pretende resolver la contradicción

entre el pensamiento y la existencia, restablecer el orden. Elrefugio de la universalización es lo subjetivado de él sale larespuesta. La intersubjetividad es el escenario de unacontradicción. Allí se encuentra la alteridad el otro en laincompatibilidad del uno y el otro está el sufrimiento. Eserelacionarse es imposible normalizarlo, negar su perfilcontradictorio. Mas esa subjetividad no es la de unaparticularidad asumida, particular redimida, sino la de unauniversalización de un proyecto del ser. La trascendentalidadreferida de la libertad es la realización efectiva de la ontologíadel ser. El ser que precisa desaparecer sujetos para realizarsey en su realización dotarlos de objetividad16.

La base de la racionalidad instrumental se encuentraen esta necesidad de orden. Es esta la que genera laconstrucción de un mundo racional cerrado. Donde las

explicaciones causales se encuentran en lógicas epistémicas,matemáticas, más allá de la acción de sus sujetos. En tantoestas son una alteridad negativa es dejar a la dialéctica sincontradicción. Es esta la razón aparente de la contradicciónentre sistemas filosóficos y objetividad. Adorno sitúa en estacontradicción el hecho de que haya una sucesión de ordenesfilosóficos, la ratio niega la realidad caótica por ende laobjetividad le impone el constante buscar de articulaciones

justificativas del orden.

16 “ Esa ratio tiembla ante lo que perdura amenazadoramente por debajo de su ámbitode dominio y crece proporcionalmente con su mismo poder. Este miedo marcó en suscomienzos la forma de conducta que en conjunto es constitutiva para el pensamientoburgués neutralizar a toda prisa cualquier paso que conduzca que en conjunto esconstitutiva para el pensamiento burgués neutralizar a toda prisa cualquier paso que

conduzca a la emancipación reafirmando al necesidad del orden” .  ADORNO, Theodor W. Dialéctica Negativa.  Trad. José María Ripalda.  Madrid:Editorial Taurus, 1984, p. 29.

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Hay que añadir que no solo es en esta ratio que esteconstante pensar se impone. Si una sociedad que intente la“reconciliación” inicia la solución de la contradicción sufrida

en la que se encuentra la objetividad, solo podrá alcanzar estaen una articulación que permita desde el pensamiento a lapraxis una articulación abierta de ser y sujeto. Que permitala existencia de la negatividad propia del pensamiento. Sinoserá más fácil que sea ideología de un grupo burocráticodominante que pensamiento de la solución final de lascontradicciones. La negatividad es indispensable a unaconstrucción alternativa donde el sujeto ya no sea cooptadopor el sistema, por el ser. Si la dialéctica es siempre no unepisteme, sino ontología de lo contradictorio. La realidadesta así constituida, las filosofías racionales logocentricassolo han intentado negar esta contradicción desde el interésde uno de sus sujetos derivando entonces en ideología.

La filosofía tiene que pagar un pecado original quedeja posibilidad al pensar positivo, apartado de mediaciones.

El concepto identifica, cierra las determinaciones negativaspara calificar: “Es índice de lo que hay de falso en la identidad en laadecuación de lo concebido con el concepto” 17 .  Si bien en él hayidentidad, hay también cierre de la esencia. La filosofía lejosde contemplarse en conceptos debe tratar la temporalidad deestos para superarlos y comprender así modelos de análisisque permitan la interpretación de la heterogeneidad de larealidad.

Mas lo heterogéneo no abarca lo contradictorio. Sibien la lógica hegeliana asume lo heterogéneo comoidentidad mellada por lo que le es distinto, y desde ahí losegrega de la lógica, ello no debe llevar a vaciar decontradicción la dialéctica. La dialéctica es expresión de loheterogéneo en su contracción, pero siempre la búsqueda deesa contradicción de la que está cargada la realidad, la

17 ADORNO, Theodor W. Dialéctica Negativa. Trad. José María Ripalda.Madrid: Editorial Taurus, 1984, Pág. 13.

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totalidad que debe enunciar. Si el hiperlogiscismo de Hegel,al negar el carácter reductible a la lógica de lo contradictorioesta errado, erramos también al pensar en una

heterogeneidad no contradictoria, como carga las tintas Adorno al criticar a Hegel. La autodeterminación delmovimiento de Hegel hiperlógico, no puede llevar a plantearla carencia de la contradicción como casualidad. Estacontradicción no es cualidad lógica sino ontológica. Devienede la misma escisión de lo real que ha conllevado a laseparación entre la palabra y la cosa desde la modernidad.

En su crítica a la visión determinista conceptual delpensamiento dialectico Adorno asoma una crítica demásabusiva de la contradicción como base de la dialécticahegeliana. El reconocimiento de la contradicción es laasunción filosófica de la negatividad de la realidad. Si unafilosofía no reconoce la contradicción como grado ultimo decontrarios, no antagónicos en si termina explicando larealidad como un ente ahí. La esencia de filosofías que

pretendieron alcanzar conocimientos a priori de cualquierrealidad, bajo criterios de verdad, de lógica epistémicocéntrica, está en la no asunción de la contradicción. Estacomo elemento no del pensamiento, sino de la realidad esprecisamente tensión a toda filosofía que pretenda, comocritica Adorno en este texto, un parámetro lógico de verdad,que en su arrogancia epistémica olvide su carácter históricotransitorio. Cualquier dialéctica debe partir de ella. Que

filosofías específicas no hayan vislumbrado el carácter nocontradictorio de parte de las relaciones de lo real, es muestrade la limitada visión histórica de estas, que terminaronelevando un sistema de contradicciones como único modelode lo real. Mas la solución no puede ser la renuncia a lacomprensión de la contradicción de la realidad. Sino lafilosofía como critica el propio Adorno camina hacia lamatematizacion lógica de la realidad y el sujeto.

 Adorno nos pone ante otra cara realidad la expresiónde una totalidad debe explicar la subjetividad como esfera

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que se objetiva en las contradicciones de la objetividad. Asídebe reconocer la esencia frente a la existencia. La crisis dela filosofía sistemática se debe a que sus desarrollos fueron

cerrados desde su logicismo antihumano. Este derivo haciadogmatizaciones que enrumbaron hacia el fracaso. Mas aeste reduccionismo, que conllevó a la negación de la realidad,desde estructuras metafísicas con su propia lógicaindependiente del mundo que expresaban, la filosofía debeanteponer sistemas críticos. Sino la filosofía hace: undominio “cuasiburocratico de disponer sobre el ente” enteconceptualizado, matematizado. Ello debe orientarnos a lacuestión del interés al que se responde, mas la lucha de clasecomo la expreso el marxismo cayó en desgracia dedescreimiento cuando erigió la práctica como elemento de validación, unido a la hiperlogicidad interna del sistema decontradicciones discriminantes que esta asumió. Llevó a sucrisis cuando la práctica solo hiso imponer la existenciadeterminada a la esencia, cerró el cauce crítico para un nuevo

desarrollo teórico.Esclarece Adorno con la ratio burguesa que dominatras el anciem régimen , corta el impulso negador delpensamiento pues advierte las esencia subversivas de esta. Así pasa también con el filosofar marxista en el dominio delsocialismo real, este solo surge como ideología que sostienela emergencia del poder pero desde allí es cosificado en uninstrumental conceptual que niega lo no conceptuado, en

una existencia que niega la esencia irredenta para limitar laspotencialidades emancipadoras que alterarían el curso socialindispensable a la reproducción del poder de la burocracia.Este sufrió igual separación formal de su contenido,cosificación categorial que negó la totalidad y se destinó a laexposición fría y detallada del hecho.18 A pesar de su positiva

18  “ La ratio que con tal de imponerse como sistema a que se refería cayó en unacontradicción irremediable con la objetividad a la que violentaba a pesar de darse aires

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e irrestricta forma de explicar, la realidad está negada en esepropio carácter positivo. Filosofía devenida ideología.

 Adorno critica que la asunción filosófica de sistemas

lógicos cerrados dados en el apriorismo epistémico terminanpor negar la posibilidad de la negatividad19. La negatividaddel sujeto es su capacidad de liberación y emancipación. Lassociedades industriales y postindustriales desarrolladas, hanconstruido sistemas de negación de la heterogeneidad quecontemplan la enajenación de la capacidad e negatividadsocial. Si el sistema capitalista lo ha articulado desde unaracionalidad instrumental auto legitimada, las sociedades delsocialismo real no fueron alternativas al reproducir estesistema en condiciones de legitimidad y reproductividadsociales diferentes. En estas además desde una ideología quedecía ser dialéctica. Por eso ante su reificación armonizante,cabe la sentencia adorniana:

La dialéctica es esfuerzo al servicio de lareconciliación a la solución de la contradicción que deviene

de la lucha entre objeto y sujeto20

. Mas en una realidad dondeel sujeto ha sido convertido en objeto de otro sujeto. En lacrítica a Bergson y Husserl enfatiza que el valor de laracionalidad está en la comprensión de la cualidad

de comprenderla ”. ADORNO, Theodor W. Dialéctica Negativa.  Trad. JoséMaría Ripalda. Madrid: Editorial Taurus, 1984, p. 13.19 “ Por el contario el telos de la filosofía es lo abierto y descubierto, tan anti sistémico

que como su libertad de emprender inerme la explicación de los fenómenos. Lo quetiene que guardar de sistemática es el sistematismo con que se le enfrenta lo heterogéneo. En este sentido se mueve el mundo burocratizado”. ADORNO, Theodor W.Dialéctica Negativa. Trad. José María Ripalda. Madrid: Editorial Taurus,1984, p. 28.20 “Dialéctica es el desgarrón del sujeto y el objeto que se ha abierto paso hasta laconciencia por eso no la puede eludir el sujeto y surca todo lo que este piensa incluso enel exterior a él. Pero el fin de la dialéctica seria la reconciliación. Esta emanciparía loque no es idéntico lo rescataría de la coacción espiritualizada, señalaría por primera

vez una pluralidad de lo distinto sobre al que la dialéctica ya no tiene poder alguno”. ADORNO, Theodor W. Dialéctica Negativa.  Trad. José María Ripalda.  Madrid: Editorial Taurus, 1984, p. 23.

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multilateral potencial tensionante de la heterogeneidad, de lacontradicción de la realidad21. El conocimiento es una utopíanunca una concreción. Es la utopía de poder plantear la

contradicción a través del concepto, a la vez que se reconoceque este es incapaz de aquello 22. Cuando el pensamientofilosófico deja de asumir la multilateralidad de la totalidad lacontradicción entre sus múltiples elementos constitutivos deesta solo es contributiva a la adecuación de la identidad quela existencia necesita. El mantenimiento de lo existente, laanulación de la negatividad, necesita de ello.

La dialéctica no perdió esta capacidad por reducir loheterogéneo a lo contradictorio, sino por limitarlo en sucompresión totalizadora por una parte, y por otra por supretensión de trascendentalidad infinita. El asumir unaidentidad determinada, limitó la multicausalidad ymultilateralidad de lo contradictorio en una causualconceptual. Si a ello le añadimos la pretensión deatemporalidad y de ahistoricidad entonces la dialéctica

termina siendo la determinación apriorística de unacontradicción en nombre de la totalidad. Mas el pensamientocomo plantea Adorno debe asumir el reto de que conceptuares identificar y por ello la filosofía debe reconocer que suexplicación de lo contradictorio será siempre limitada latotalidad no le es dada como un objeto único.

La filosofía termina creando una identidad desde la variedad de la experiencia. Más si la enunciación de la

contradicción lleva implícita el reconocimiento de la

21  “ La filosofía debe confiar en que el concepto puede ser superar al concepto, alinstrumento que es su límite, esta confianza en poder alcanzar lo supraconceptual esasí una parte necesaria de la ingenuidad de la que adolece”.  ADORNO, Theodor

 W. Dialéctica Negativa. Trad. José María Ripalda. Madrid: Editorial Taurus,1984, p. 18.22 “ Pero si el empobrecimiento que la dialéctica reporta a la experiencia es objeto de

escándalo para la sana razón en el mundo tecnocrático se revela como adecuado a launiformidad de este” . ADORNO, Theodor W. Dialéctica Negativa.  Trad. JoséMaría Ripalda.  Madrid: Editorial Taurus, 1984, p. 13.

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temporalidad histórica entonces no se enuncia como límitede la razón, como unilateralismo explicativo de la filosofía.Si el marxismo de Marx, si se permite referirlo de esa forma,

enuncia como contradicción fundamental la de trabajocapital no está desdeñando el cumulo de heterogeneidadescontradictorias de este modo de producción de la vida, entanto asume en su enunciado las determinación históricas desu análisis y la temporalidad de este. El error de otrospensamientos posteriores fue asumir esta contradicción, conla carga de sus enunciados temporales, como la únicaexistente en la realidad y vaciarla de contenido histórico.Erigiéndola entonces como identidad que deja sustituyecomo cristalización suficiente, el análisis dialéctico. La razónanteponiendo a la realidad los productos de su construcciónconceptual.

Ha de buscarse el sujeto. Dentro de los restos de lasontologías trascendentales que lo han invisibilizado. Dar suuniversalidad a la particularidad concreta, que significa

reconocer la limitación de los discursos filosóficos ante lacapacidad negativa de ese sujeto. La búsqueda de lacontradicción en la que vive el dolor de la realidad que loniega “…en crudo contraste con el ideal científico habitual laobjetividad del conocimiento dialectico no precisa de menos sino de mássujeto” 23.

La vuelta a ese sujeto precisa antes la comprensiónde los modelos que también se antepusieron a la razón

trascendental. Y la búsqueda en sus principios justificativosde aquellos elementos que permitan el rencuentro. Ya no porel amor a la capacidad de la filosofía de ser un discurso de verdad. Sino porque donde ella no lo es, es discurso de lafalacia. Falacia que arrasa con la vida de sujetos concretos,en nombre de la falsa racionalidad. Que además hace de las

23 ADORNO, Theodor W. Dialéctica Negativa. Trad. José María Ripalda. Madrid: Editorial Taurus, 1984, p. 48.

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alternativas pingues intentos de reedición de esta en nuevoscauces.

La racionalidad instrumental que hemos visto

criticada por Adorno no es entelequia cuasi filosófica. Elsujeto abstracto auto legitimado por una razón universalpredicativa y armónica, es el que domina la crisis en la que seencuentra la cultura hoy. No hay una crisis de modelospolíticos. Sino del medio en el que se desarrolla la vida. Estaha definido un sujeto concreto. Cuya reproducciónconsciente es el resultado de la reificación de sus sentidos.Es el sujeto del mercado. Que bajo las normas de la eficienciay la competitividad asume como naturales la desapariciónsocial de masas que no han logrado los regímenes de“aprendizaje” necesarios. 

Esta ontología dominante de un sujeto universalabstracto contiene una paradoja. Por un lado es medio de ladominación mentalizada de los sujetos concretos quelegitiman la reificación social. Productores que asumen

como únicas las formas mercantiles de regular la producción. Y ciudadanos que odian la política, pero asumen lademocracia liberal como la única vía de ordenar el poder. Almismo tiempo es el escenario de formas nuevas de generarsu efectivación particular. En la lucha de sujetos concretosque pugnan por desarrollar otra comunidad no mercantil, dereproducir la vida. Anteponiendo su racionalidad a la de larazón falsa del sujeto universal abstracto. Que refrendan

formas horizontales de organizar lo público. Son estos los deun Sísifo que se cuestiona el ascender, que antepone su vidaa la legitimidad del castigo.

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 A la búsqueda de un sujeto particular y concreto contrascendentalidad.

Recordando que todo intento filosófico es siempreun dialogo con ídolos damos cuenta de que Adorno no estásolo en esa búsqueda. Remite a otro esfuerzo paradigmáticoen la búsqueda de retornar desde la filosofía la concretudparticular del sujeto ante la realidad. Rescatar la ontologíaparte de reconocer que esta en sus variables se ha convertidoal decir de Adorno en un instrumental ideológico queesconde la contradicción al propio sujeto. Solo reconociendoese hecho podrá alcanzar su objetivo, explicar al sujeto. Eldevelamiento de la función ideológica del sujeto: individualdel liberal o histórico del marxismo dogmático, es esencialpara la vuelta de la objetividad. Ello tiene en la crítica a sutrascendentalidad universal un paso imprescindible. Sureconocimiento es base para anteponer la tarscendentalidadde lo singular y particular concreto. Esta daría cuenta de que

sus conceptualizaciones universales abstractas terminaronnegando su función efectivante. Lo absoluto del ser seefectiva en sí mismo. La libertad puede necesitar la negaciónde la vida de los sujetos. El interés histórico de la clase puedenecesitar la desaparición de algunos obreros.

La supuesta neutralidad de lo trascedente que niegael sujeto en su concreción singular particular es lapidada por Adorno como simple interés de insertarse en el confort de la

época. La apuesta a participar de las reglas aceptadas por laactualidad dominante24.Precisamente la Dialéctica Negativa   ha iniciado con

una aserción originaria. La crítica al relativismo hiper práxicode Marx en la oncena tesis: “La filosofía, que antaño pareció

24 “…doctrinas que se evaden del cómo sin importarles el sujeto son al igualque la filosofía del ser más compatibles con la endurecida constitución del mundo actual

 y las oportunidades de éxito que ofrece, que una brizna de reflexión subjetiva sobre símismo y el propio cautiverio de lo real” .  ADORNO, Theodor W. Dialéctica Negativa. Trad. José María Ripalda.Madrid: Editorial Taurus, 1984, p. 72.

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superada, sigue viva porque se dejó pasar el momento de su realización. El juicio sumario de que no ha hecho más que interpretar el mundo ymutilarse a sí misma de pura resignación ante la realidad se convierte

en derrotismo de la razón, después que ha fracasado la transformacióndel mundo” 25 . La aseveración marxista de la función soloexplicativa de la filosofía, si bien es un radicalismo ideológicopropio de su filosofía de la praxis, sentó un antecedenteutilizado por los ideólogos del Socialismo Real para acallar elcarácter alterico del pensamiento crítico y de la filosofía. Ysirvió también como justificación única a aquellospensamientos que veían en él una amenaza, desde elladespacharon en conjunto todo su teorizar. Adorno insiste enel carácter específico de la filosofía ante la prácticatransformadora del sujeto. En ello hay una doble crítica, a la visión de que la filosofía debe asumir la práctica, así comoaquella en que la filosofía no contempla sus resultadosinterpretativos como temporales. Con lo cual, ante el fracasopráctico de enunciados históricos, queda inerme sin

capacidad crítica. La filosofía de la praxis fue reificada.En el proceso de su conversión en ideología deestado, la cítrica a los substancialismos idealistas fuecontestada con otro idealismo abstracto y universal. El deuna materialidad concreta que enuncia los contenidos a unaconsciencia que es siempre reflejo. En esa regresiónfilosófica, no se reconoce como objetivo los procesosconscientes, ni el carácter “subjetivo” (dígase mediado por

los sentidos de sujetos sociales concretos e históricos) de la“base económica”. Ello fue el triunfo de la concretud y elsujeto enfrentado al objeto, de un sujeto práctico. Cabe darcuanta que todo ello en un constructor que pretendíaresponder el esencialismo filosófico, que determinabasiempre de forma idealista al sujeto desde un universalabstracto.

25  ADORNO, Theodor W. Dialéctica Negativa. Trad. José MaríaRipalda.. Madrid: Editorial Taurus, 1984, p. 11.

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Desde ahí se criticó la abstracción de los valores deuso del mercado ante el carácter concreto del trabajo. Sefustigó la democracia liberal formal, que niega la

participación efectiva y la posibilidad social de participar enlo público. La concretud ante la trascendentalidad. Mas solocabe, desde la dialéctica negativa, la constatación de algunosfatos. Lo que parecía una vuelta al sujeto concreto, unhumanismo que lo liberaba en su particularidad universal, nofue más en la práctica que la re significación de launiversalidad abstracta del humanismo moderno.

En nombre de la vuelta a la concretud uno de losprimeros impactos lo sufrió la propia actividad del pensar.La filosofía dejo de ser alteridad negativa, y solo afirmativa ypositiva. Muchos manuales llegaban a la formación másteológica que filosófica, de la llegada de un nuevo orden. Lahistoria podría hacerse sin sujeto, estaba demostrado.

En la afirmación de la práctica habría que distinguirsu proximidad con las ideas de la acción práctica del

utilitarismo. Que aparentemente vuelve sobre un sujetoconcreto. A la vez que erige otra particularidad enuniversalidad abstracta para cerrar el cauce trascendental,que como superación negativa, dimana del empoderamientode los sujetos concretos. Tensión siempre entre existencia yposibilidad. Potente e inmanente alteridad que empuja lautopía. La concretud productiva fue interpretada como lafáctica satisfacción de necesidades. La materialidad

democrática fue asumida como simple prejuicio a laparticipación política real y protagónica. El resultado: elmismo, la construcción de una ontología ideologizada, queen nombre del sujeto construyó un sistema de relaciones quelo negaban.

Por ello Adorno insiste, si la filosofía se convierte enpretensión praxica, deja trás de sí la capacidad negativa delsujeto. Ello necesita una filosofía que pueda negarse a sí, que

no pretenda lo trascendente en el tiempo histórico, queasuma lo perecedero del tiempo histórico. Que asuma el

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compromiso de ser explicación hoy y por hoy de la realidad.Cuando altera esa misión cae en reduccionismoideologizante, que le restringe la capacidad de asumir la

crítica de la práctica del sujeto. El descredito inusitado defilosofía, de manos de los desarrollos de las cienciasparticulares, se debe en cierto sentido a que tras la pretensiónde totalidad transcendente, se impuso una lógica opuesta: lahiperlogicidad del discurso conceptual que dejó losproblemas de la concreción humana en manos de las cienciasparticulares. No por casualidad de manos de estas, en buenaparte de la contemporaneidad, han llegado los desarrollosúltimos de la filosofía. Ello es también muestra de que laobsolescencia de la reflexión filosófica no pasa de serideología de la anticrítica. Existen problemáticas que nopueden ser resueltas en el campo de las ciencias particulares.

La filosofía tiene que plantearse la concretud de larealidad. Para ello ha de responderse la ideología del sujeto.En su base se encuentra un discurso del reconocimiento de

la necesidad de satisfacer al sujeto. En su respuesta comofilósofo de la praxis Adorno expone un argumento concreto:“Pero los procesos reales la producción y reproducción de la vida socialminan lo que en cierto modo un filosofar ontológico trata de despertarcomo un conjuro” 26 . Es esta una crítica al filosofar que terminapor decretar la errancia de la realidad, su falta de cientificidady por tanto de verdad. Es la verdad contra la realidad, larazón contra su origen primero. Si los ideologismos terminan

construyendo una falsa realidad que niega lascontradicciones reales esta filosofía niega la realidad misma.La razón en un extremo de autoridad. Por ello Adorno prestaatención en especial a la idea de necesidad. Que ha sido basede la ideologización del sujeto de la necesidad. Necesidadesque terminan vaciando de sentido al sujeto que debensatisfacer.

26  ADORNO, Theodor W. Dialéctica Negativa.  Trad. José MaríaRipalda.Madrid: Editorial Taurus, 1984, p. 72.

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 Aunque radical de más (sigue siendo la necesidad elprincipio basal de las acciones praxicas del sujeto) expresaluego Adorno, una paradoja, la cárcel de Sísifo de la sociedad

actual: los modelos de necesidad27.  Estos imponen  sufagocitación por la persecución de satisfacciones continuas.Estas se individualizan, parecen realizaciones propias,creaciones propias. Cuando son tan solo las creacionesfantasmagóricas de los fetiches efectivantes de interesesdominantes.

Esa muestra nítida del ser trascedente hace del sujetoun objeto de las necesidades. Estas determinan sobre él,marcan las formas y los medios únicos desde las cualespueden ser satisfechas a las relaciones que debe en darlesatisfacción. El gozo es una invención que solo genera laeterna frustración que lanza al nuevo bregar. Mas la sociedadactual no tiene ya el modelo de sujetos que en una carreraeterna asumen la búsqueda del placer, lo lúdico. El displacergenera reactivaciones28. Estos sujetos para la necesidad

necesitan con la disciplina de los nuevos tiempos, no quierenel placer ya lo saben imposible. Solo no quieren la tortura deljuicio propio. Lo que generó desde el displacer, las henchidasprotestas de claveles rojos en la segunda mitad del siglo XX. Ahora ya solo genera tímidas reacciones conservadoras deestratos medios, allí donde la ideología y la políticaintentaron estructurar un curso en la satisfacción efectiva denecesidades, reeditando viejas estrategias desarrollistas del

siglo pasado. Estas no dieron cuenta de que el modelo denecesidad continúa generado un sujeto que está impulsado a

27 “…ni siquiera la ingenuidad empedernida puede ya seguir confiando enla afirmación de que los procesos sociales se siguen guiando inmediatamente por aloferta y la demanda, o sea por las necesidades”.  ADORNO, Theodor W.Dialéctica Negativa. Trad. José María Ripalda.  Madrid: Editorial Taurus,1984, p. 96.28 MARCUSE, Hebert:  El hombre unidimensional . Trad. Aurelio

 Alonso. La Habana: Ciencias Sociales, 1969.

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necesitar, no le importa su propia vida le importa lanecesidad.

El único camino posible es dar cuenta de las

 verdaderas necesidades tras el amasijo de ficción creado poresta sociedad. “Las necesidades son un conglomerado de verdad ymentira, el pensamiento que desease lo que debe seria el verdadero” 29 .En la sociedad la satisfacción de la necesidad es el perfectomedio de realización de la violación del otro. Los tiemposliberales oníricos del mercado, como un gran espacio deservicio y satisfacción, están lejos de la realidad. En nuestrasociedad las necesidades son impuestas al otro desde unafalsa realidad que parécele propia. Este acto es el de unasociedad totémica, donde necesidades naturales de valoresde uso, son revestidas de implicaciones simbólicas noescogidas desde su naturalidad por los sujetos particulares.Es más los niegan. La necesidad es el momento de laintroyección de los intereses del otro, mas no del otro igual,sino de una alteridad universal abstracta más allá de cualquier

determinación que impele a su realización. El ser deHeiddegger en tiempos de Internet. En tiempos en que susconsecuencias concretas son síntomas inacallados, queninguna ontología trascendental podría cerrar los ojos anteella.

Hay que reconocer este sujeto no como un sujetopara la necesidad sino necesitado30.  Lo mueve en esa lógicasu propia reproducción. Pero conlleva a su reconocimiento

como sujeto particular, particularidad con universalidadpropia no predicada. La trascendentalidad debe estar en su vida, en su acción fundante. Mas si el sujeto es su acción la

29  ADORNO, Theodor W. Dialéctica Negativa.  Trad. José MaríaRipalda. Madrid: Editorial Taurus, 1984, p. 13.30 “…hay necesidades real es que pueden ser objetivamente ideologías, sin que

ello constituya un titulum iuris para negarlas”.  ADORNO, Theodor W.Dialéctica Negativa.  Trad. José María Ripalda.Madrid: Editorial Taurus,1984, p. 96.

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continente. Como ninguna dictadura logró hacerlo, conniveles de gubernamentalidad altos. La crisis del sistema dejótras de sí un sujeto mayoritario materialmente necesitado.

Los proyectos progresistas re articularon un sujeto político apartir de ese entramado. La paradoja es que su baseideológica fue la satisfacción de necesidades materialespreteridas. Desde este no se crearon modelos nuevos dereproducción política y articulación social. Ello hiso que trasla bonanzas iniciales, estos proyectos hayan caídoprogresivamente en las dinámicas reactivas propia de losmodelos de necesidades de la sociedad mercantil. Ante losdiscursos de las redistribuciones realizadas los propiossujetos beneficiados reaccionan con el clamor de unainsatisfacción que no es propia. Es en realidad lainsatisfacción del modelo estructurado en necesidadesfetichizadas. Esta reacción tiene en el clamor de lasubjetividad el grito de un sufrimiento el de la autoconcienciaque hace responsable ante la insatisfacción. Allí donde las

manos del mercado se ocultan esta recae en la individualidad. Allí donde la política intentó un modelo de materialidadfetichizado, la reacción es contra ella. La política juzga deingratitud a sus beneficiarios ellos la juzgan de insuficiente.

 Y es que estos proyectos no articularon una ideologíanueva basada en el reconocimiento y empoderamiento a lasubjetividad revelada contra el neoliberalismo. En medio dela noche del fin de la historia se levantó el sujeto no

formalizado, el particular y concretamente trascedente. Perolos proyectos emancipatórios que encauzaron su repuesta nodieron cuenta que la tarea no era solo la satisfacción denecesidades , sino la atención del necesitado. La creación deun mundo de lo real ante ese mundo de virtualizaciones yfetiches mercantiles. Ese mundo real precisaba elempoderamiento de los sujetos en ese proceso desatisfacción, la radicalización de la democratización del

trabajo, la ampliación de la participación política, el cambiode la lógica corporativa de los partidos. Posible desde la

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construcción de la una práctica política social y cultural concentro en el trascendente sujeto particular. Sin embargo notransformaron la mentira de las necesidades del sistema, no

fueron capaces de realizar la verdad. Al tratar de nuevo alsujeto como objeto de la necesidad, se insertaron en ladinámica de neurosis establecida por el capital. Prometieronsúper yo sin afirmar la verdad real del yo, el resultado: unarebelión de esos sujetos neuróticos. El capital neoliberaltenia listo, nunca fue desmontado, los medios dereproducción necesarios para articular una respuestaorgánica.

 Adorno continua argumentando:  “La concienciasubjetiva de los hombres está demasiado debilitada socialmente parahacer saltar las constantes que la aprisionan” 32 . La concienciasubjetiva está dañada es cierto, la de los hombre, y cabeseñalar en el siglo XXI, la de las mujeres también. Elproblema central es que siguiendo su propia lógica, laparticularidad es irreductible. La existencia del hombre y la

mujer concretas de las cuales el sistema no puede prescindir,están tan oprimidas que han hecho que de la podredumbreque del amasijo subjetivo fabricado la industria culturalsurjan reacciones cada vez más sistémicas y antihegemónicas. Es que el sistema cada vez más incurre en ladesaparición de las condiciones básicas de existencias. Elloconlleva a que el sujeto se afirme en la vida. Nadie piensapara el suicidio, ese sería el particular más bello para el

sistema mercantil. Mas la vida se afirma. Si en las sociedadescentrales el nihilismo puede ser la respuesta, en nuestraperiferia sangrienta la articulación comunitaria excluida escada vez más fuerte. Aunque el sistema usas sus medios paraacallarla y satanizarla. Le pone nombres de violencia, crimen,pero son gritos de una conciencia del dolor que busca unarespuesta.

32  ADORNO, Theodor W. Dialéctica Negativa. Trad. José MaríaRipalda. Madrid: Editorial Taurus, 1984, p. 99.

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La paradoja es que las expresiones políticas queparecieron interpretarlo pretendieron el imposible, elbonapartismo de Estado, en vez de asumir la radicalidad de

ese discurso del sufrimiento. Las condiciones de inicios delsiglo XXI parecían engañosamente plantear la posibilidadredistributiva. Desde ese contexto las alternativasterminaron tratando al sujeto que pretendían libertar comola propia dominación. Distribuyeron bienes materiales deconsumo, no la posibilidad social de producirlos. Deredistribuir la capacidad de reconocimiento material ysimbólico que da la participación y acción social. Laparadoja: la izquierda está entre una clase que quiere másneoliberalismo y una masa que deja su base social porque nologró satisfacer todas las necesidades que ahora ponen alsujeto particular ante la tortura de perder las conquistastotémicas el consumo. No se trata de aminorar la carga deSísifo sino de posibilitarle los medios para que deslegitime elcastigo y pueda asumir una nueva práctica propia.

Conclusiones.

La crítica presente en el pensamiento de W Adornoa la ideología del sujeto representa una sólidad repuesta a latrascendentalidad negadora de la acción activa de aquel. Elloconstituye base para una formulación teórica de unadialéctica que resignifique las condiciones de determinación

de la reproducción del sujeto. Que en su negatividad es baseposible de un humanismo concreto particular.Este humanismo que fundamneta se base en una

crítica a las reificaciones que desde las tradicionesdominantes de la contemporaneidad intentaron formular unhumanismo transcendente. El discurso sobre el humanismode un sujeto particular y concreto, funda la base para la críticatambién a las prácticas de dominación actuales así como a las

alternatividades que en su decurso han quedado presas de losmodelos de necesidad creados por la propia necesidad.

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Desde este es posible una crítica positivamente negativa delos proyectos sociales actuales latinoamericanos.

Bibliografía

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Pensar la resistencia. Vigencia del pensamiento de

 Adorno, y algunos elementos dela realidad socialcontemporánea1.

Sebastián M. Ferreira Peñaflor 2  

 Yo no sé muchas cosas, es verdad.Digo tan sólo lo que he visto.

 Y he visto:que la cuna del hombre la mecen con cuentos,

que los gritos de angustia del hombre los ahogan con cuentos,que el llanto del hombre lo taponan con cuentos,

que los huesos del hombre los entierran con cuentos,y que el miedo del hombre...

ha inventado todos los cuentos. Yo no sé muchas cosas, es verdad,

pero me han dormido con todos los cuentos...y sé todos los cuentos.

León Felipe(Sé todos los cuentos.)

I - Introducción

El presente se erige a partir del seminario delprofesor Ricardo Timm de Souza, de las discusiones queformaron parte de su desarrollo, así como de las experienciasde nuestras realidades. Por lo cual, tiene en su esencia

1 Trabajo presentado para SEMINARIO: T. ADORNO: Actualidad de la

Dialéctica negativa. A cargo del PROFESOR: RICARDO TIMM DESOUZA. Junio/2015. Para ser publicado en libro sobre el seminario.2 Mestrando pelo convênio CAPES/Udelar, bolsista CNPq.

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algunos rasgos de la indignación frente al mundocontemporáneo en el que estamos insertos. El motivo es lanecesidad de continuar pensando, reflexionando y

criticando, los distintos asuntos que tienen que ver connuestro presente. En ese sentido, consideramos que Adornoha reflexionado sobre asuntos que creemos tienden aprocurar líneas de fuga y fisura a tanta opresión instaladacomo naturalizada.

 Vemos en el autor una crítica concreta a lo quesucedía en Alemania, y la intención de pensar como sucedió Auschwitz -entre otra cosas- así como el lugar de la filosofía.Es así, que en esta serie de análisis que desenvuelven laposibilidad de poder pensar nuestra realidad y nuestraactualidad utilizando algunas de las herramientas que hemosheredado, como condición de posibilidad, a efectos de poderejercer la resistencia frente a lo que nos oprime. Si Adornoreflexiona acerca de como fue posible Auschwitz y susconsecuencias, nosotros intentaremos manifestar una

reflexión que contribuya a pensar, como es que siguenaconteciendo estas formas de fascismo, que de algún modoencubierta o no, es necesaria la resistencia.

Es justo decir, que al leer Dialéctica negativa,encontramos una vigencia que nos podría parecer un textoque fue escrito ayer debido a la actualidad que mantiene. Porlo tanto, consideramos fundamental algunas de las lecturasque podamos realizar a partir del mismo para pensar nuestro

presente.Por último, tenemos la necesidad de vincular el texto,así como caracterizarlo en el marco de lo que engloba nuestrasociedad occidental y tercermundista caracterizada pordeterminada forma de pensar y decir las cosas, en las cualesestamos siendo constantemente estereotipados de distintasformas, y ahí consideramos necesario que nuestro discursosencuentren senderos para oponerse a la hegemonía

mediática y cotidiana. La escalada represiva existente ennuestra América, nos insta a definir líneas posibles de

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resistencia, frente a discursos reaccionarios que tienen porobjetivo el encrudecimiento de las actuales condicionessociales. Para resistir hoy, como ayer, “es necesario quebrar

el cerco del olvido” y la indiferencia frente a la realidad queacontece.

II“La justicia es lo que 

conviene al más fuerte”  Trasímaco.

La primera parte de Dialéctica negativa titulada“Relación con  la ontología” comienza con un ataqueexplícito a Heidegger, marcando el tono con que se llevará acabo la tarea de crítica por parte de La Escuela de Francfort,y aquí particularmente Adorno, a la forma de hacer filosofía,enmarcada en los hechos de los fascismos que atravesaronEuropa, allí Adorno dice: “Las ontologías en Alemania,

sobre todo la heideggeriana, siguen operando sin queintimiden las huellas del pasado político3”. Adorno, en elmarco de la crítica a Heidegger, explicitará la tarea de ladialéctica, a continuación, citaremos el pasaje, debido a quetiene consecuencias importantes en nuestra interpretaciónfilosófica:

Uno de los motivos de la dialéctica es acabar conaquello que Heidegger elude usurpando un punto de

 vista más allá de la diferencia entre sujeto y objeto,en la cual se revela la inadecuación de la ratio con lopensado. El pensar no puede conquistar ningunaposición en la que desaparecería inmediatamente esaseparación entre sujeto y objeto que se encuentra encualquier pensamiento, en el pensar mismo. Por eso,el momento de verdad de Heidegger se nivela con el

3 ADORNO, Theodor. Dialéctica Negativa. Trad. Alfredo Brotons Muñoz.Madrid: Ed. Akal, 2011. P. 67.

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irracionalismo de una concepción del mundo. Hoydía, como en los tiempos de Kant, la filosofíademanda la crítica de la razón por ésta, no su

destierro o abolición.4 La Dialéctica negativa como una praxis no

desconectada de la teoría. La dialéctica positiva agrega através de las contradicciones, Adorno cuestiona estadialéctica, ya que sin la contracción la dialéctica no tienesentido, cada objeto debe mantenerse en tensión con laspalabras. La piedra de toque de la dialéctica negativa es la

contracción. Adorno crítica a Parménides por la identidadentre el ser y el pensar, dentro de esta línea se encuentraHeidegger. Para Adorno Ser sería una cosa y pensar otra. Lono-parmenídeo sería mantener la tensión, frente a latotalización e identificación entre ser y pensar. Eso es lo quetodavía estaría por comenzar, un proceso dedesmitologización de la razón, es necesario negar la razónpura.

En Meditaciones sobre la metafísica, la parte III deLos modelos en Dialéctica negativa , Adorno dice lo siguiente:

El sentimiento después de Auschwitz se eriza contratoda afirmación de la positividad del ser-ahí comocharlatanería, injusticia para con las víctimas, contraque del destino de éstas se exprima un sentido porlixiviado, tiene su momento objetivo trasacontecimientos que condenan al ridículo la

construcción de un sentido de la inmanencia queirradia de una trascendencia afirmativamenteestablecida5.

Fredric Jameson, en relación a la última parte de Losmodelos, hace la siguiente interpretación de lo tratado por Adorno:

4Idem. P. 89.5Idem. P. 331.

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El capítulo acerca de la metafísica, no obstante, daríala impresión de que atañe a los propios paralogismosde Adorno: la muerte está en todas partes y

omnipresente, quizás sobre todo en esta sociedadcapitalista tardía después de Auschwitz; pero, porotro lado, parecería que hemos eliminado todopensamiento acerca de ella del tejido de la vidacotidiana6.

En primer lugar, es preciso darle un contexto a estaindignación que manifiesta Adorno. Luego de los procesosde fascismos en Europa, se trataría de impedir su repetición,

sí es que no se repiten. En una conferencia trasmitida porradio en 19667, mismo año de la publicación de Dialécticanegativa , Adorno manifiesta los marcos referenciales, veamosunicamente el aspecto de la necesidad crítica. “La exigenciade que Auschwitz no se repita es la primera de todas en laeducación”8.

Fundamentarla tendría algo de monstruoso ante la

monstruosidad de lo sucedido. Pero el que se hayatomado tan escasa conciencia de esa exigencia, asícomo de los interrogantes que plantea, muestra quelo monstruoso no ha penetrado lo bastante en loshombres, síntoma de que la posibilidad de repeticiónpersiste en lo que atañe al estado de conciencia einconciencia de estos. Cualquier debate sobre losideales de educación es vano e indiferente encomparación con este: que Auschwitz no se repita9.

6 JAMESON, Fredric. Marxismo tardío. Adorno y la persistencia de la dialéctica . Trad. María Julia De Ruschi. Buenos Aires: Fondo de Cultura económica,2010. Pp. 179-180. Ver también en esta misma obra la relación con Kanty los paralogismos, con los modelos de Adorno. pp. 121 y ss.7Se trata de “La educación después de Auschwitz”. 8 ADORNO, Theodor. “La educación después de Auschwitz” en Consignas .

 Trad. Ramón Bilbao. Buenos Aires: Amorrortu editores, 1973.. P. 80.9Ibidem.

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 Tendríamos en primer lugar, un trabajo de“concientización” o toma de conciencia o producción deuna conciencia capaz de reconocer lo monstruoso de lo

sucedido pero también la posibilidad constante de surepetición, así como las formas de repetición, de produccióny reproducción de determinada forma de vida como planteaen Dialéctica negativa . Primera pregunta entonces: ¿cuál es elalcance de nuestra educación? Y ¿qué medidas puede tomaresta para evitar que Auschwitz se repita? ¿La educaciónpuede cumplir con tal ideal?, ¿cómo sería posible quecumpliera con ese ideal? ¿Cuando se plantea el término“educación” se la manifiesta en tanto institución o tendríaun carácter más amplio?

 Adorno manifestará a lo largo del texto determinadopapel que tendría que cumplir las ciencias, como por ejemplola psicología o, mejor dicho el psicoanálisis, y la antropología.De las referencias que se señalan a lo largo del texto tenemosa Freud y particularmente El malestar en la cultura 10. Respecto

a los elementos que se manifiestan aquí como conciencia oinconciencia: ¿qué tomará Adorno del psicoanálisis -fundamentalmente Freud-? Más adelante en el texto se haráreferencia a Psicología de las masas y análisis del yo, ytambién a El malestar de la cultura. Uno de los caracteresmás interesantes del texto tiene que ver con el lugar queadquiere el sujeto:

Como la posibilidad de alterar las condiciones

objetivas, es decir, sociales y políticas, en las que seincuban tales acontecimientos es hoy en extremolimitada, los intentos por contrarrestar la repeticiónse reducen necesariamente al aspecto subjetivo. Poreste entiendo también, en lo esencial, la psicología delos hombres que hacen tales cosas11.

10Idem. P. 80, 81.11 Idem. P. 81.

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En este sentido, el papel fundamental delpsicoanálisis12, además del papel del sujeto como unacondición de posibilidad para evitar la repetición. Será

necesario a decir de Adorno un “giro hacia el sujeto”13.Frente a la sujeción de los hombres, Adorno insiste en que“la única fuerza verdadera contra el principio de Auschwitzsería la autonomía, si se me permite expresar la expresiónkantiana; la fuerza de la reflexión, de la autodeterminación,del no entrar en el juego del otro”14.

La educación después de Auschwitz , puede ser trabajadodesde varios aspectos, por más de ser muy breve, tiene unariqueza muy importante, a los efectos de comprender comosería posible contrarrestar los principios que produjeron Auschwitz. Aquí hemos resaltado es la aspecto de la críticaentendida como esa fuerza de la reflexión para comprenderlo que sucede hoy 15. Adorno finaliza el texto con la siguienteafirmación que como veremos, vuelca cierto pesimismo:

12 Sí bien el psicoanálisis adquiere un peso muy importante en la obra de Adorno particularmente en Dialéctica negativa y La educación despuésde Auschwitz, en esta última,él mismo plantea: (…) quisiera insistirexplícitamente en que el retorno o no del fascismo es en definitiva unproblema social, no psicológico. Si me detengo tanto en los aspectospsicológicos es exclusivamente porque los otros momentos, másesenciales, escapan en buena medida, precisamente, a la voluntad de laeducación, si no ya a la intervención de los individuos en general. pp. 83-84.

13Idem. P. 82.14Idem. P. 84.15Sobre el final del texto Adorno manifiesta la necesidad de unaeducación política: Finalmente, la educación política debería proponersecomo objetivo central impedir que Auschwitz se repita. Ello sólo seráposible si trata este problema, el más importante de todos, abiertamente,sin miedo de chocar con poderes establecidos de cualquier tipo. Para ellodebería transformarse en sociología, es decir, esclarecer acerca del juego

de las fuerzas sociales que se mueven tras la superficie de las formaspolíticas. P. 95. así como también la necesidad de plantear críticamente la“razón de Estado”. 

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 Temo que las medidas que pudiesen adoptarse en elcampo de la educación, por amplias que fuesen, noimpedirían que volviesen a surgir los asesinos de

escritorio. Pero que haya hombres que,subordinados como esclavos, ejecuten los que lesmandan, con lo que perpetúan su propia esclavitudy pierden su propia dignidad... que haya otros Bogery Kaduk, es cosa que la educación y la ilustraciónpueden impedir en parte16.

 Vemos la posibilidad de cotejar esta conclusión queextrae Adorno, con una publicación anterior en co-autoría

con Horkheimer, Dialéctica de la Ilustración , especialmente, elexcelente como vigente capítulo sobre la industria cultural.En ese sentido, ¿cómo es posible la realización de este girohacia el sujeto que veíamos frente a condiciones estructuralesde nuestra sociedad que se mantienen intactas y quereproducen además de eso condiciones de empobrecimientocultural para la mayor parte de la población? Vayamos a unpasaje que refleja tendencias actuales acerca de lamonstruosidad de la diversión, el pasaje es extenso, perocreemos conveniente colocarlo:

(…) la industria cultural sigue siendo la industria dela diversión. Su poder sobre los consumidores estámediatizado por la diversión, que al fin es disuelto yanulado no por un mero dictado, sino mediante lahostilidad inherente al principio mismo de la

diversión. Dado que la incorporación de todas lastendencias de la industria cultural en la carne y lasangre del público se realiza a través del enteroproceso social, la supervivencia del mercado en estesector actúa promoviendo ulteriormente dichastendencias (…) Su ideología es el negocio [magnatesdel cine]. En ello es verdad que la fuerza de laindustria cultural reside en su unidad con lanecesidad producida por ella y no en la simple

16Idem. P. 95.

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oposición a dicha necesidad, aun cuando estaoposición fuera de la omnipotencia e impotencia. Ladiversión es la prolongación del trabajo bajo el

capitalismo tardío. Es buscada por quien quieresustraerse al proceso de trabajo mecanizado parapoder estar de nuevo a su altura, en condiciones deafrontarlo. Pero, al mismo tiempo, la mecanizaciónha adquirido tal poder sobre el hombre que disfrutadel tiempo libre y sobre su felicidad, determina tan

 íntegramente la fabricación de los productos para ladiversión, que ese sujeto ya no puede experimentarotra cosa que las copias o reproducciones del mismoproceso de trabajo17.18 

 Además de evidenciar una realidad en la cual noserigimos como sujetos, empañan en gran medida lascondiciones que parecen importantes en nuestra educacióncomo esa necesidad de la reflexión y del carácter crítico. Porsupuesto que la producción de esa industria del negociocomo la llaman Adorno y Horkheimer, no tiene intensiones

de contribuir a la crítica. Consideramos fundamental, elplanteo adorniano de la crítica19  como una de las

17  ADORNO,Theodor. & HORKHEIMER, Max. Dialéctica de laIlustración. Trad. Juan José Sánchez. Madrid: Editorial Trotta, 2006. P. 181.18Reflexiones como esta acerca de la cultura de masas la podemosencontrar por ejemplo casi cien años antes a la Dialéctica de la

Ilustración, por ejemplo en la crítica al Estado moderno realizada porNietzsche, Wagner. Remito a: NIETZSCHE, Friedrich. “ El Estado griego”en Obras Completas, Escritos de juventud, Vol I. Trad. Luis E. de SantiagoGuervós. Madrid: Tecnos, 2011. Y también a: WAGNER, Richard. “Laobra de arte del futuro” en El arte del futuro.  Trad. Jorge Goldszmidt y M. G.Burello. Buenos Aires: Ed. Prometeo, 2011.19Para este asunto de la crítica podemos referenciar no sólo el trabajo deKant ¿Qué es la Ilustración?, sino también los de Foucault teniendocomo referencia ese texto de Kant, por ejemplo Seguridad, Territorio,

población curso del año 1978 en el Collège de France, así como losseminarios sobre la Ilustración en Kant, donde manifestará la noción deuna “ontología de nosotros mismos”. 

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posibilidades de contribuir a contrarrestar -a esta altura- los Auschwitz que se siguen re-produciendo. Esto lo podemosconfirmar, a partir del filósofo italiano Giorgio Agamben.

En el primer capítulo de Lo que queda de Auschwitz ,Giorgio Agamben manifiesta, que a partir de los procesosque se realizaron, en Nuremberg y Jerusalén, por ejemplo nohan agotado el problema aunque fueran necesarias lascondenas, y que el derecho no lo ha resuelto, es más terminael parágrafo planteando que Auschwitz “está en todaspartes”20. Esto lo continúa corroborando Agamben en esteprimer capítulo titulado El testigo, del texto mencionado, enel octavo parágrafo, introducirá un cita de la Zona Gris dePrimo Levi, donde manifiesta las tareas que tenían quehacerlas escuadras especiales21 (SonderKommando), en esecontexto de vergüenza en la que se sentían los deportadosque formaban el escuadrón, se manifiesta la necesidad desobrevivir, para poder hacer venganza a partir del testimoniode todo lo vivido22. Y en ese marco de humillaciones se relata

el episodio de un partido de fútbol entre la escuadra y las SS,como el horror del campo, si las matanzas siguen, si hanterminado, representa la zona gris23. Agamben culmina el

20 AGAMBEN, Giorgio. Lo que queda de Auschwitz.  Trad. Anonio GimenoCuspinera. Valencia: Pre-Textos, 2010. Pp. 18-19..21LEVI, Primo. Informe sobre Auschwitz.  Trad. Ana Nuño. Barcelona:Reverso Ediciones, 2005. P. 88: El funcionamiento de las cámaras de gas

y de los crematorios anexos estaba garantizado por un ComandoEspecial que trabajaba día y noche en dos turnos. Los miembros de esteComando vivían aparte, cuidadosamente separados, sin contacto algunocon los prisioneros ni con el mundo exterior. Sus ropas despedían unolor nauseabundo,estaban siempre mugrientos y tenían un aspectoresueltamente salvaje, que los hacía parecerse a verdaderas bestiasferoces. Eran escogidos entre los peores criminales condenados pordelitos de sangre.22Referencia de La zona gris de Primo Levi en AGAMBEN, Giorgio. Lo

que queda de Auschwitz. Trad. Anonio Gimeno Cuspinera. Valencia: Pre- Textos, 2010. P. 24.23 AGAMBEN, Giorgio. Lo que queda de Auschwitz. Trad. Antonio Gimeno

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parágrafo en referencia a esto diciendo:

Mas es también nuestra vergüenza, la de quienes nohemos conocido los campos y que, sin embargo,asistimos, no se sabe cómo, a aquel partido, que serepite en cada uno de los partidos de nuestrosestadios, en cada transmisión televisiva, en todas lasformas de normalidad cotidiana. Si no llegamos acomprender ese partido, si no logramos que termine,no habrá nunca esperanza.24 

III “...Maldigo la poesía de quien no toma partido hasta mancharse...” 

Gabriel Celaya.

De la resistencia como límite a la “parodia de la libertad”:“Acusación de antisemitismo” y “teoría  de los dosdemonios”. 

 Adorno tiene importantes pasajes en Dialécticanegativa , que claramente observamos como su pensamientose enraiza en una realidad con muchas dificultades a efectosde ser superadas y en las cuales nos invitan a seguir pensandocómo sería posible superar estas dificultades, así: “Lasociedad, según cuyo propio concepto las relaciones de loshombres quieren estar fundadas en la libertad sin que hastahoy la libertad se haya realizado en sus relaciones, es tan

rígida como defectuosa”25. Quien observa esto, está en locierto observar una crítica a la idea de libertad que porejemplo podría manifestarnos el liberalismo del siglo XIX.¿Cómo sería posible re-inventar la dignidad del hombre? Enrelación a ello plantea:

Cuspinera. Valencia: Pre-Textos, 2010. P. 25.24Ibidem.25Ed. cit. P. 92.

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Cuanto más desmesurado el poder de las formasinstitucionales, tanto más caótica la vida que éstasimponen y deforman a su imagen. La producción y

reproducción de la vida, junto con todo lo que eltérmino superestructura cubre, no son tantransparentes a esa razón cuya realizaciónreconciliada no sería sino un orden digno delhombre, aquel sin violencia.26 

Quizás estos aspectos sean los más pesimistas en Adorno, a partir de estos dos pasajes que acabamos deseñalar. Sin embargo al seguir observando las olas de

 violencia en las que nos reproducimos, y no nos referimosunicamente a los genocidios, sino a las condiciones deposibilidad de esos genocidios, por un lado, que parecenhacer imposible el sueño de que “Auschwitz no se repita”,más aún, podemos observar en innumerables momentoscomo se continua repitiendo.

(…) El hecho de que en gran medida la libertad no

dejara de ser ideología; el hecho de que los hombressean impotentes ante el sistema y no sean capaces dedeterminar su vida y la del todo a partir de la razón;es más, el hecho de que no puedan concebir ya talpensamiento sin sufrimiento complementario,condena su sublevación a convertirse en la figurainversa: prefieren sardónicamente lo peor a laapariencia de algo mejor.27 

Como habíamos manifestado anteriormente, esto serige en la crítica al liberalismo y al mismo tiempo, en esa“parodia de la libertad”28, observamos actualmente como en

26Ibidem.27Ib.28 ADORNO, Theodor. Crítica de la cultura y sociedad I . Trad. Jorge Navarro

Pérez. Madrid: Ed. Akal, 2008.. P. 11, : “la estupidez y la mentira queprosperan al abrigo de la libertad de prensa no son un accidente en elcurso histórico del espíritu, sino el estigma de la esclavitud en que se

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los medios de comunicación, los programas televisivos serepiten constantemente, la divertido o entretenimiento, lasnoticias policiales, los deportes, programas de cocina,

teleteatros que manifiestan un modelo de vida, y asípodemos seguir entre otros espectáculos que tenemos consolo encender el televisor. Este se puede ver manifestado enCrítica de la cultura y sociedad I, allí Adorno dirá: “la aparienciade libertad hace que la reflexión sobre la falta de libertad seaahora mucho más difícil que antes, cuando la reflexión seoponía a la falta patente de libertad; de este modo, laapariencia de libertad refuerza la dependencia”29. Y en Dialéctica de la Ilustración , “La industria cultural puededisponer de la individualidad de forma tan eficaz sólo porqueen esta se reproduce desde siempre la íntima fractura de lasociedad”30. De forma más evidente, en el final del capítulolos autores manifiestan:

 Todos son libres para bailar y divertirse, de la mismamanera que son libres, desde la neutralización

histórica de la religión, para entrar en una de lasinnumerables sectas existentes. Pero la libertad en laelección de la ideología, que refleja siempre lacoacción económica, se revela en todos los sectorescomo la libertad para siempre lo mismo(...) Es eltriunfo de la publicidad en la industria cultural, laasimilación forzada de los consumidores a lasmercancías culturales, desenmascaradas ya en susignificado31.

La ironía con la que se refieren Adorno yHorkheimer a la libertad en relación con la industria cultural

desarrolla su liberación, de la emancipación falsa”. 29Ibidem.30 ADORNO,Theodor. & HORKHEIMER, Max. Dialéctica de laIlustración. Trad. Juan José Sánchez. Madrid: Editorial Trotta, 2006. P.200.31 Idem. P. 212.

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de masas, es la idea de libertad que ya señalamos en otrosdos textos de Adorno entre ellos Dialéctica negativa. Semanifiesta en función de los hechos acontecidos como

 Auschwitz por ejemplo y de lo que ya hablamos. Ahoranuestra propuesta será mostrar dos ejemplos de líneas defisura frente a la totalización del discurso y del pensamiento,como posibles elementos para la resistencia frente a tantaatomización mediática, política, etc.

 Judith Butler en Vida precaria , coloca la peligrosidadde lo que son ”hoy” los discursos antisemitas, que enrealidad,habría que decir, discursos contra el Estado de Israelo su política de Estado. El capítulo 4 del texto mencionadocomienza con una cita del presidente de Harvard LawrenceSummers en 2002: “avivando el temor de que criticar a Israelen esta época es exponerse a ser acusado deantisemitismo”32. Los principales elementos que manejaSummers, tiene que ver con elementos de índole económico,por el asunto de suspender las inversiones en Israel: “su

preocupación local fue un petitorio redactado pordefensores de MIT y Harvard en contra de la actualocupación israelí y del tratamiento de los palestinos”33.Butler discutirá este punto planteando como es que sepueden tomar medidas enérgicas, cuando la que se estáplanteando es una medida enérgica. Frente a esta arremetidade determinado discurso que busca el antisemitismo por sercrítico con la política del Estado de Israel, dice Judith Butler:

si pensamos que criticar la violencia de Israel odemandar tácticas específicas que presioneneconómicamente al Estado de Israel para quemodifique su política equivale a formar parte de un“antisemitismo de hecho”, dejaremos de expresar

32BUTLER, Judith. Vida precaria . Trad. Fermín Rodríguez. Buenos Aires:Ed. Paidós, 2009. Pp. 133-134.33Idem. P. 134.

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nuestra oposición por miedo a ser identificadoscomo parte de una acción antisemita34.

 Judith Butler se enmarca en la posibilidad de poderpensar criticamente lo que sucede por ejemplo con el Estadode Israel, y las consecuencias de antisemitismo que intentamanifiesta Summers a través de su discurso. Si bien Butler escrítica del Estado de Israel, habría que ver el alcance de lacrítica, si en realidad no hace más que legitimar determinadasformas de poder por parte de determinados Estados deoccidente y de corporaciones fuertemente económicas.

 Veamos uno de sus planteos: “El reclamo ejerce el derechodemocrático de expresar una crítica, y busca desde losEstados Unidos y otros países presionar económicamentepara que Israel ponga en práctica los derechos de lospalestinos, privados de lo contrario de sus condicionesbásicas de autodeterminación”35.

Luego de que Butler se manifiesta críticamentefrente a la política de ocupación y destrucción por parte del

estado de Israel, su poderío militar, etc. Esto es, que ladefinición de antisemitismo manejada en este caso porSummers y que la hemos escuchado muchas veces tiene que ver con un posicionamiento político en función de la cual sebusca, “callar al otro” a través de llamarlo antisemita, porquemantiene una posición crítica frente a las acciones políticasdel Estado de Israel. Butler al situarse desde una posicióncrítica, marca la separación entre lo que puede ser una ofensa

a “los judíos” y lo que es la necesidad de pensar críticamentela política desarrollada por el Estado, así como tambiénplantea la necesidad de una autodeterminación de Palestina.En el texto se menciona haber recibido una carta de gruposy colectivos que militan en Israel y en contra de la posiciónde ofensiva del Estado, intentando tejer lazos con los

34Idem. P. 135.35Idem. P. 148.

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palestinos que sufren por la ocupación36.Butler se manifiesta en el marco de una crítica al

Estado actual de Israel con su política militar, y manifiesta la

necesidad de un Estado democrático, igualitario, así como lanecesidad de autodeterminación de Palestina. Reconoce laresistencia que vienen llevando ciertos grupos y en esesentido introduce la carta de Rottenberg en el capítulo. Sinembargo, las medidas que plantea de impacto económicosobre Israel ¿en qué sentido podrían ser realizables?, y ensegundo lugar: ¿sobre quién repercutirían esas medias? Estábien que marque una voz que se distingue por su aspectocrítico frente a la política devastadora del Estado de Israelhacia Palestina, más aún, el combatir cierta forma deatomización ideológica y psicológica que buscandeterminadas posiciones políticas pro-política del Estado deIsrael. Contrarrestar la repetición de Auschwitz implica estetipo deposiciones críticas frente a los que gobiernan,hacen ydeshacen con total impunidad, y además mediante distintas

formas mediáticas intentan callar los gritos de la resistencia.O el impacto económico que sufrió Chile previo al golpe deEstado generado por el intervencionismo imperialista y lasburguesías locales aliadas en la desestabilización.

Una referencia a lo sucedido en Uruguay post-dictadura desde la dictadura y desde su posibilidad. En unartículo del profesor Carlos Demasi, se muestra la historia de“la teoría de los dos demonios37” En primer lugar, veamos la

definición que da el profesor Demasi a efectos e que seacomprendido un hecho que ocurrió en Uruguay en términos

36 Ver especialmente carta de Cathering Rottenberg en: BUTLER, Judith.Vida precaria. Trad. Fermín Rodríguez. Buenos Aires: Ed. Paidós, 2009.Pp. 150-152.37 Ver DEMASI, Carlos. “Un repaso de la teoría de los dos demonios”   en:MARCHESI, Aldo; MARKARIAN, Vania; RICO, Álvaro; YAFFÉ,

 Jaime: (compiladores). El presente de la dictadura . Estudios y reflexiones a 30años del golpe de Estado en Uruguay . Montevideo: Ediciones Trilce, 2004. pp.67-74.

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particulares, y cómo fuimos asimilando determinadasnociones de nuestra historia reciente. Vayamos a ladefinición:

La “teoría de los dos demonios” es una explicaciónya clásica del quiebre de las instituciones. Según seseñala, la sociedad fue víctima del embate de dosfuerzas antagónicas, la guerrilla y el poder militar; yen el contexto de esa lucha, el golpe de Estado fueun resultado inevitable. La explicación ha adquiridoformas diferentes y tiene circulación tanto entre laacademia como entre la opinión pública, se la

encuentra en discursos presidenciales, reportajes a exguerrilleros y análisis de cientistas políticos, ytambién se la puede escuchar en la feria o en lascharlas de café. Tanta unanimidad puede resultarsospechosa, habida cuenta de que sólo en muyescasas oportunidades aparecen acuerdos entreemisores tan diversos38.

Independientemente de conocer o no la historiareciente del Uruguay, lo que podemos observar en esteartículo es más allá de su valor, es la “preocupación”, omejor, la ocupación de una problemática, en la cual, parecetraslucirse en términos de sospechar de una realidadmultiplicada socialmente. Si bien el artículo ocupa un lugarparticular, entre otros que vienen a dar cuenta dedeterminados aspectos que tienen que ver con una

conmemoración de un período nefasto de nuestro país. Estála inquietud de dar cuenta de una realidad que dista de ellamisma. El artículo comienza con la definición queseñalamos, y luego se divide en tres partes: la primera parteplantea los antecedentes, aquí el profesor Demasi da cuentade que “la teoría de los dos demonios” es totalmenteinexistente al momento de la disolución de las Cámaras porparte de Bordaberry el 27 de junio de 1973: “la teoría de los

38Idem. P. 67.

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dos demonios” “era una explicación imposible de sosteneren 1973: no la menciona Bordaberry como explicación en sudiscurso televisivo, anunciando la disolución de las Cámaras,

ni la invocan las organizaciones populares y políticas queplantearon la resistencia”39. Demasi manifiesta además enesta reconstrucción que políticos de la derecha uruguaya,manifestaban el golpe como una actitud personal deBordaberry de conducir a los militares hacia eso, pero enningún momento se manifiesta la cuestión de la guerrilla40. Así se desarrolla la primera parte de este artículo en la cualDemasi manifiesta la clara ausencia de la “teoría de los dosdemonios” en el golpe de estado41.

En la segunda parte del artículo “La instalación”,Demasi dará cuenta de cuando se comienza a instalar estaexplicación. Veamos su aparición:

La “teoría de los dos demonios” aparece como uncorolario natural de la “Doctrina de la SeguridadNacional”. Ésta plantea la existencia de una guerra

permanente que se desarrolla en el seno de lasociedad, que enfrenta por un lado a las fuerzas de la“antipatria” impulsadas por el marxismointernacional, y por otro a las Fuerzas Armadas,encarnación del “ser nacional”42.

En ese marco de quiebre total con la clase políticapor haber sido “cómplice” de la posibilidad para la sedición

39Ibidem. Allí Demasi además da cuenta de que la guerrilla estabadesmantelada desde el año anterior y da cuenta de un documento de unlibro editado restringidamente por las fuerzas armadas: “Siete meses delucha anti-subversiva”(...) y los discursos militares apuntaban a lacorrupción política. Pp. 67-68.40Idem.. 68. Demasi hace referencias claras a los dichos de Sanguinetti aun diario argentino.41Idem. P. 69.42Ibidem. “Surgida con la destitución de Bordaberry (y cuando la rupturade los militares con la clase política era total)...” 

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es que se manifiesta según los análisis que vienedesarrollando Demasi la posibilidad de la teoría. Harámención al famoso debate televisivo en el marco del

plebicito de 1980 por la “continuidad” o no del régimen 43. Agrega que con la apertura democrática la teoría fuecobrando más fuerza, pero, ¿cuáles son los motivos de talexplicación?, ¿qué es lo que está oculto en esa manifestaciónde presunta verdad que adquirió mucha fuerza en laDemocracia, y que como vimos la definición de la teoría serepite en lugares y por sectores diferentes? Demasi clarificaráestá serie de preguntas de la siguiente manera:

Desde su instauración, la explicación ha funcionadotambién como un elemento de disciplinamientosocial en cuanto incluye una velada amenaza:cualquier atisbo de demandas de la población soninmediatamente demonizadas desde el Estado, queidentifica reclamos con “subversión” e invoca elargumento de que la aparición de una representaráfatalmente la acción del otro, sin que el poderpolítico tenga la responsabilidad ni posibilidad deacción44.

Sí en algo tenía razón Nietzsche es que la memoriase marca a fuego dirá en La genealogía de la moral y Adornoen Dialéctica negativa: “La libertad inteligible de losindividuos se ensalza a fin de que se pueda pedir másfácilmente responsabilidades a los sujetos empíricos,

mantenerlos mejor embridados con la perspectiva de uncastigo metafísicamente justificado”45.

43 Acerca del debate televisivo de 1980 de Tarigo y Pons Etcheverry conel coronel Bolentini y el Dr. Viana Reyes:

El debate televisivo sobre la Reforma constitucional de 1980 se puede ver por Internet.44Idem. P. 70.45 ADORNO, Theodor. Dialéctica Negativa. Trad. Alfredo Brotons Muñoz.Madrid: Ed. Akal, 2011. P. 202.

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Desde la restauración democrática, la explicación de “los dosdemonios” pasó a ser la versión oficial del gobierno,remarcada por las palabras del Presidente Sanguinetti en su

discurso del 14 de abril de 1985 (transformado enconmemoración de los “caídos en defensa de lademocracia”)46. En ese marco de reconciliación “entreorientales” como viene manifestando Demasi según eldiscurso de Sanguinetti, un poco más adelante, planteará que“la etapa de instauración de la “teoría de los dos demonios”coincidió con el debate sobre la amnistía, especialmente conla que beneficiaría a los militares”47.

En la última parte d su artículo, Demasi comienzamostrando dos párrafos del informe de la Comisión para lapaz 43 y 46,donde se atribuye la responsabilidad al Estado,quedando la teoría de los dos demonios en la nada. Sinembargo Demasi, termina mostrando dos discursos del año2003 por parte del Ministro de Vivienda, en el que semanifiesta la idea de “bien común” frente a lo que manifiesta

como “corporaciones”48

. Demasi culmina su artículomanifestando cierta disparidad a la hora de la elaboración deldiscurso, de la siguiente manera:

 Tal vez no parecería sino un discurso más, si no fueraporque cuando el poder político ha invocado lanecesidad de “contener las demandas de lascorporaciones” siempre ha estado pensando en laaspiración de reprimir los reclamos sindicales; y, en

cambio, cuando (aun recientemente), se hanescuchado las protestas de los militares, no seescucha el ya clásico sonsonete de que se trata de

46Ed. cit. P. 71.47Idem. P. 72.48Ibidem. P. 72.

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Brevíssima reflexão para pensara partir da Vida Danificada

Tiago dos Santos Rodrigues 1 

Pensar incomoda como andar à chuva Quando o vento cresce e parece que chove mais.

Fernando Pessoa.

Fosse tudo igual, não haveria pensamento. Talvezisso explique o tédio da contemporaneidade. O mundo écada vez mais monocromático. Cada vez mais ele se traduzem tantos e tantos tons de cinza. Que a diferença nos façapensar é quase que uma obviedade. A caneta que sempreencontro em cima da escrivaninha não me traz grandes

questões  –  houvesse de repente um cavalo, traria questõesenormes, de ordens ontológicas, metafísicas, físicas,psicológicas. A diferença, o estranhamento, a quebra daordem esperada. Os gregos já percebiam isso quando diziamque o filosofar começava com a admiração. Ora, a admiraçãoprovém justamente da percepção de algo desigual ao nossoentendimento. De algo que não coincide com ele. Do não-idêntico.

O não-idêntico, isto é, o refratário à coincidênciacom a totalidade, constituiu a fonte primeira de temáticafilosófica para Theodor Adorno. Nem sempre como temano primeiro plano, mas sempre estando sub-repticiamentepresente em cada ato pensante do filósofo alemão, ainda quea estética seja em muitos de seus textos a chave de

1 Mestrando do programa de pós-graduação em Filosofia da PontifíciaUniversidade Católica do Rio Grande do Sul.

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interpretação2, a própria arte é para Adorno um locus  do não-idêntico no hodierno identitário. Nesse breve artigoanalisaremos como o filósofo tratou do não-idêntico naquele

ponto que não somente para nós, mas pensamos quetambém para Adorno se constituía o ponto nefrálgico danão-identidade, o sofrimento humano.

I

Na história da filosofia causa-nos espanto o fato deque o sofrimento tenha sido tema tão pouco levado emconsideração. Pode-se considerar que o sofrimento estevepresente no pensamento epicurista, mas, a bem da verdade,ele era ponto secundário, o que queriam os epicuristas era afuga deste e a permanência no prazer –  os epicuristas citaram  o sofrimento, mas não se  pré-ocuparam  com ele. Esse modode abordá-lo, secundariamente, ainda está em Sêneca e talvezmesmo em Espinosa. Mas podemos também nos permitir

fazer a seguinte leitura: que os antigos realmente sequestionavam quanto à dor e não quanto ao sofrimentopropriamente dito. Caio de uma árvore e quebro o braço,tropeço na rua e ralo o joelho, uma abelha me pica ou umcão me morde. A dor que provamos nessas ocasiões sãoefeitos de causas, falta de cuidado ou azar. Elas são dealguma forma explicáveis, compreensíveis, sua gênese éidentificável. A dor passa, finda –  seja após o beijo na ferida

ou depois de casar. Quando se está com dor de algo, pode-se de alguma forma vislumbrar o seu término. A dor, nestescasos, é finita. E as cicatrizes muitas vezes se tornam motivode orgulho e satisfação por termos superado esta ou aquelador que ela indica. Experenciar uma dor é sentir um desviono curso das coisas em se tratando da ordem física-corporal

2

 Cf. SOUZA, Ricardo Timm de. Razões Plurais itinerários da racionalidadeética no século XX; Sdorno, Bergson, Derrida, Levinas, Rosenzweig . Porto Alegre:EDIPUCRS, 2004. pág. 95

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ou psíquica. Deste modo, nos custa muita dor vencer tal etal coisa, conquistar aquilo outro, ou mesmo entender umtexto. Entendida assim, a dor  faz parte . Ela é compreendida  

numa ordenação que pode ser tida como natural, esperadaou mesmo querida. O sadomasoquismo e a felicidade dasdores do parto a confirmam. O sofrimento, no entanto, é deoutra natureza. O sofrimento não tem retorno, não temrepouso, não possui cicatriz porque justamente não cicatriza,é ferida que permanece aberta e permanece doída. Issoporque o sofrimento é de uma espécie especial de dor, quenão é provinda da causalidade, que não é um mero azar. Osofrimento é a dor da injustiça, é uma dor injusta –  sem causanem autoria. É a dor, por isso mesmo, irracional, a que nãotem justificação. Assim que quando se sofre, não se sofreprecisamente ou somente pelos nervos que se encontramativos, sofre-se a não adequação com a situação na qual se seencontra  –  sofre-se pela desordem com a qual o mundo ésacudido –  sofre-se por um mundo ofendido.

Pensar o sofrimento, especificamente, leva-se apensar em outro dado que com ele é íntimo, a injustiça. Nãoexiste sofrimento ingênuo, todo o sofrimento, ao contrário,ataca a ingenuidade. Sofrer é sentir o desacordo entre o quedeveria ser e o que está sendo. Por isso que os filósofoscostumeiramente não se detiveram no problema dosofrimento, porque tampouco se questionaram quanto àinjustiça mesma. Se eles subsumiam a dor em seus

pensamentos é porque a dor, tão só, pode se prestar a issouma vez que ela pode ser entendida como momento nosprocessos necessários à própria consecução da vida. Oproblema se dá quando, na confusão de dor com sofrimento,se entendeu que o sofrimento também se prestasse aomesmo tratamento, isto é, quando se pensou que o sofrerpudesse ser compreendido, quer dizer, justificado numaordem natural das coisas.

Quem sabe isso se deva, e concomitantemente, aofato de que os homens –  literalmente, homens, e esse dado

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é algo relevante aqui tendo presente a suspeita  –   queproduziram filosofia não tivessem provado propriamente eagudamente o sofrimento injusto e estivessem, não raros os

casos, em posições sociais privilegiadas nas sociedades emque lhes couber viver. Mesmo que conforme a tese de Dusselo pensamento filosófico tenha produzido originalidades nasperiferias3, essas originalidades não foram produzidas desde  a  periferia em que se encontravam. O estar periféricocertamente fez pensar, mas nem por isso foi pensado.

Mas também não foi mera ingenuidade o que fezcom que o sofrimento passasse com voz muda nas páginasfilosóficas –  este esquecimento, mais gritante, literalmente, quequalquer esquecimento do ser, não foi bem umesquecimento, foi um desprezo, maior que o do tempo,assim cremos, diferentemente de Bergson4. Um desprezotornado o projeto da racionalidade totalizante. A razãoocidental caracterizou-se por uma vontade de unificação, deidentificação, de fazer identidade, de fazer síntese. Isso tudo

significa a busca pelo repouso - no final das contas, algotalvez não muito diferente da ataraxia estoica. A busca dorepouso é também a paixão pela coincidência, logo, pela não-diferença. As filosofias da identidade, na busca pela autojustificação, por sua afirmação, tiveram que no caminho do

3 Dussel se expressa nestes termos: “[...] a filosofia parece ter surgidosempre na periferia, como necessidade de se pensar a si mesma perante

o centro e perante a exterioridade total, ou simplesmente diante dofuturo da libertação. Desde a periferia política, [...] porque necessitadosde exércitos do centro, apareceu o pensamento pré-socrático na atual

 Turquia ou no sul da Itália e não na Grécia. O pensamento medievalemerge das fronteiras do Império; os Padres gregos são periféricos, e damesma forma os latinos. Já no renascimento carolíngio, a renovação vemda periférica Irlanda. Da periférica França surge um Descartes, e dadistante Königsberg   irrompe Kant.” DUSSEL, Enrique. Filosofia daLibertação. São Paulo: Edições Loyola, Editora UNIMEP, 1977. p.10.4

 “Nenhuma questão foi mais desprezada pelos filósofos que a do tempo[...]”. BERGSON. Henri. Duração e Simultaneidade . São Paulo: MartinsFontes Editora, 2006. pág. 2.

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que não se está dentro de si, como dá de face com aexterioridade, a mera pretensão de totalidade testemunha-lhecontra.

No entanto, o pensamento tende a capitularperante a tentação identificadora do conceito que luta contraas forças da natureza que resistem à essa mesmaconceptualização, à universalização da singularidade, oumelhor dizendo, à decapitação da singularidade. É precisopassar do pensamento à linguagem. Da marcha retilínea àtrama da história. “Cual o espíritu reclama la carne, así elpensamiento remite al lenguage en toda su materialidad, puessólo ella es capaz de iluminar los tramos históricosrebasados.”6 

 Adorno recupera nos conceitos o que a tradiçãofilosófica procurou extirpar, a sua construção histórica, a suadependência do concreto contra a sua aparência estritamenteformal.

Somente um saber que tem presente o valor

histórico conjuntural do objeto em sua relação comos outros objetos consegue liberar a história noobjeto; atualização e concentração de algo já sabidoque transforma o saber. O conhecimento do objetoem sua constelação é o conhecimento do processoque ele acumula em si.7 

O saber filosófico como constelação é um saberanti-ideológico na medida em que não desconsidera os

processos pelos quais algo veio a ser o que é, em que nãosuplanta as suas mais diversas relações. Na medida em quemesmo não pretendendo ser um retrato da realidade,tampouco procura lhe ser uma caricatura expondo somente

6 RIUS, Mercè. T. W. Adorno: del sufrimiento a la verdad. Barcelona: EditoraLaia, 1985. pág. 827 ADORNO. T. W. Dialética Negativa . Trad. Marco Antonio Casanova.Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2009. pag. 141.

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Linguagem supõe, assim como o tempo, acoparticipação. Não existe linguagem unilateral, esta é violência de um sobre o outro que é calado, ou melhor,

emudecido. “En canbio, la dialéctica pone a cada palabra enrelación con las otras y con el todo”.10 A linguagem é a recusaà violência, à essa violência primordial, a de não dar ouvidosa outrem.

III

 Quem fala em flor não diztudo.

 Quem me fala em dor dizdemais.

O poeta se torna mudosem as palavras reais.

Ferreira Gullar 

Que uma situação material como o sofrimento sejaa condição para a veracidade da verdade soa estranho desdeque Descartes rejeitou a realidade externa e as sensaçõescomo fontes seguras do conhecimento nas suas Meditações.Para Adorno, ao contrário, na materialidade do sofrer, na suaambiguidade mesma provinda do seu caráter pontualmentesubjetivo e devedora da animalidade que o humano vive,habita a territorialidade do saber. Que o saber seja teorético,

 Adorno como nenhum outro o sabe; na sua DialéticaNegativa realiza uma apologia da teoria, da especulação edenuncia a renúncia da reflexão em favor da prática11. Mastambém sabe que a revolta da consciência contra a natureza,quer dizer, a pretensão de dominação desta, transforma-se

10 RIUS, Mercè. T. W. Adorno: del sufrimiento a la verdad . Barcelona: EditoraLaia, 1985. pág. 8611 ADORNO. T. W. Dialética Negativa . Trad. Marco Antonio Casanova.Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2009. pag. 22.

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em subjugação a ela, em retorno à barbárie; este foi otrabalho realizado ao lado de Horkheimer na Dialética doEsclarecimento. Esse é o grande paradoxo, a vontade de

dominação da consciência por sobre o objeto revirou numasujeição do sujeito ao objeto que pretensamente gostaria dedominar, e isso porque o pensamento negou o seu momentomaterial, isto é, a sua própria gênese, a de que todopensamento é pensamento de algo, de algo que não épensamento; assim sendo, o pensamento deve o seu própriopensar, o seu próprio ser à materialidade do mundo, a algoque não é o si-mesmo, ao que não lhe é idêntico. O não-idêntico é a condição do pensar  –   o objeto tambémdetermina o pensamento. A prática do pensamento veio vindo numa pretensão cada vez maior de dar ao objeto assuas próprias determinações, de dizer a ele o que ele deveriaser, de doar-lhe todo o sentido, como se o objeto já não fossealgo antes mesmo que o pensamento chegasse a ele.Percebeu-se que essa terra não dava pra batata, mas se dispôs

de todos os modos para que ela o desse. Viu-se que tallegume não crescia em tal estação, mas violentou-se de todosos modos o legume até que ele crescesse em todas asestações. Esta é a adequação da natureza com o conceito,com a espontaneidade da liberdade do espírito humano quese recusa a pôr de suspenso os seus poderes. É certo que essemodo de proceder trouxe avanços técnico-científicos, mas oser humano tem pagado o preço na sua alienação e em

algumas novas doenças. A realidade contraditória do real nãose dobra aos conceitos só porque estes o queiram –  quereraqui não é poder. E não se violenta o objeto impunemente.E é justamente pelo respeito à alteridade do objeto que Adorno desenvolve a sua dialética negativa. A dialéticanegativa busca compreender o predomínio do objeto12. Mais

12  TIBURI, Márcia. Crítica da razão e mímesis no pensamento de Theodor Adorno. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1995. pág. 75.

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ainda, é ver com os olhos do objeto13, é deixar que ele fale, ese acaso o objeto, o não idêntico, estiver incapacitado degesticular as suas próprias palavras porque quebrantado pelo

peso da dor injusta, é tarefa do pensamento e da dialética dar voz.

Lá onde o pensamento se projeta para além daquiloa que, resistindo, ele está ligado, acha-se a sualiberdade. Essa segue o ímpeto expressivo do sujeito.

 A necessidade de dar voz ao sofrimento é condiçãode toda a verdade. Pois sofrimento é objetividadeque pesa sobre o sujeito; aquilo que ele experimentacomo seu elemento mais subjetivo, sua expressão, éobjetivamente mediado.14 

 Aqui Adorno introduz outro elemento estranho àtradição filosófica, a de que na resistência do objeto seencontra a liberdade mesma do pensamento. De que nessedar voz ao sofrimento do outro se encontre –  se nos for lícitodizer –  a vocação do pensamento. O pensamento é chamado

a emprestar a sua voz à alteridade, e não a impor a sua palavrasobre o outro.Não se deve filosofar sobre o concreto, e sim

muito mais a partir dele15. Assim, Adorno escreve a sua éticacom reflexões a partir   da vida danificada. A vida sofrida,maltratada, esculachada 16  é o ponto de partida do pensamento.

13 Cf. SOUZA, Ricardo Timm de. Razões Plurais itinerários da racionalidadeética no século XX; Adorno, Bergson, Derrida, Levinas, Rosenzweig . Porto

 Alegre: EDIPUCRS, 2004. pág. 105.14 ADORNO. T. W. Dialética Negativa . Trad. Marco Antonio Casanova.Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2009. pag. 24.15 ADORNO. T. W. Dialética Negativa . Trad. Marco Antonio Casanova.Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2009. pág. 36.16  O esculacho, do nosso ponto de vista, é a experiência própria doexcluído brasileiro. Ser esculachado  pela polícia, pelos moradores dos

bairros nobres, pelo poder público, nos ônibus lotados, nos hospitaissem leitos, nas cidades sem saneamento e etc. tornou-se há muito oconstitutum do morador de periferia. O esculacho carrega consigo, ao

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O pensamento e a filosofia não devem transformar-se emdiscurso que se retroalimenta da desgraça alheia numaespécie de sadomasoquismo intelectual  –  como na critica à

militância política progressista, uma coisa é viver para ospobres, outra, viver dos pobres  – , mas devem em todo omovimento que realizam levar em consideração essa mesma vida danificada, que antes do conceito querer entrar emcontato com ela, constitui-se numa realidade e numa violência –  devem tê-la como horizonte.

 Assim como o terremoto de Lisboa foi decisivopara que a teodiceia leibniziana fosse posta em questão por Volteire, para Adorno Auschwitz coloca em suspenso aracionalidade iluminista e o seu confiante otimismo de estarnuma marcha certa e decisiva rumo ao progresso. Comopode que o projeto que prometera à humanidade a suamaioridade, sua emancipação, sua libertação da vida anímicae mítica resplandeça agora sobre o signo de uma calamidadetriunfal?17  Os campos de concentração, a morte

industrialmente administrada, despertaram  –  ou ao menos,deveriam –  a modernidade do seu sono dogmático: de que arazão pura e o espírito absoluto tivessem em si odeterminismo necessário para que o ser humano alcançassede uma vez por todas o seu telos , uma felicidade universal.

Em decorrência de uma era dos extremos e dasexperiências totalitárias, o pensamento niilista, assim comoo sentimento niilista, tornou-se até mesmo pop no século

XX  –   o pôr em questão a arquitetônica dos valores, asuperficialidade das relações de dominação, os costumespetrificados. Mas esse sentimento cético provou-se tambémleviano no trato com a realidade ao afirmar que tudo e em todos

mesmo tempo, um escárnio e uma indiferença. Uma indiferença pela nãopré-ocupação e um escárnio por uma prazer masoquista em tornarconhecido que não se está nem aí .17  Cf. ADORNO, Theodor. HORKHEIMER, Max. Dialética do

 Esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1985. pág. 17

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os modos  poderia ser relativo. O ceticismo, é verdade, nuncasaiu de moda. Argumentos céticos povoam a filosofia desdeo seu nascimento, e métodos céticos foram, por vezes,

usados para fundamentarem posições com caráter absoluto –   a dúvida cartesiana e o seu ego cogito. Ainda assim, adúvida fundamental, a que não cessa de se repetir emqualquer escola filosófica permanece: existe alguma verdadeobjetiva? Existe algo que se possa chamar de a verdade? Ouestaremos permanentemente a mercê das vontades de verdade.

Por mais que possa ter assumido ares progressivos,o momento reacionário foi sempre associado aorelativismo, já na sofística enquanto disponibilidadepara os interesses mais fortes.18 

Por isso o relativismo é irmão do absolutismo19,pois, ao deixar a razão livre de ter qualquer compromissocom a verdade, faz com que aquela, a razão, metamorfoseia-se em força do mais forte, em razão do mais forte. Os fracos

nada lhe poderiam objetar uma vez que não haveria objeçãoreal a ser feita. Onde tudo é relativo, o nada se torna absolutoe a violência sobre o outro é permissível, afinal, não é nada.O relativismo é a recusa de se colocar em choque com oobjeto e com o outro. É a recusa de se incomodar, em outraspalavras, de ter que pensar, de ter que se demorarpacientemente sobre o objeto e de se questionar verdadeiramente sobre questões que a realidade impõe. Orelativismo, ao modo radical, a suposição de que tudo possanão ser, é uma versão contemporânea do cogito cartesiano –  há dúvida sobre o outro  –   incluso seu sofrimento  – , mascerteza sobre si.

18 ADORNO. T. W. Dialética Negativa . Trad. Marco Antonio Casanova.Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2009. pág. 39.19  Cf. ADORNO. T. W. Dialética Negativa . Trad. Marco AntonioCasanova. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2009. pág. 37.

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 Adorno certamente não opta por modelosabsolutistas de filosofias e de verdades, mas, comoracionalista que é, sabe que a procura pela expressividade da

 verdade é tarefa filosófica.Cabe àqueles que, em sua formação espiritual,tiveram a felicidade imerecida de não se adaptarcompletamente às normas vigentes –  uma felicidadeque eles muito frequentemente perderam em suarelação com o mundo circundante -, expor com umesforço moral, por assim dizer por procuração,aquilo que a maioria daqueles em favor dos quais eles

o dizem não conseguem ver ou se proíbem porrespeito à realidade.20 

O que não significa necessariamente apostar nodogmatismo, mas, pelo contrário, na pluralidade dasmanifestações da verdade. O que ele defende é umaexpressão da verdade, não uma definição positiva dela.Porque “la verdade como categoria epistemológica no sólo

tiene uma ascendência antroplológica (instinto-expresión);posee también connotaciones éticas.”21  Assim, “só há umaexpressão para a verdade, o pensamento que nega ainjustiça.”22  No entanto, essa negação da negação não setorna por isso positividade. Que a negação da negação venhaa dar em positividade é a quintessência das filosofias daidentidade23. É a redução a todas as esferas ao modelomatemático do menos com menos dá mais. É se usar do

negativo com artimanha, trazendo-o de volta ao bojo das

20 ADORNO. T. W. Dialética Negativa . Trad. Marco Antonio Casanova.Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2009. pág. 4321 RIUS, Mercè. T. W. Adorno: del sufrimiento a la verdad. Barcelona: EditoraLaia, 1985. pág. 91.22  Cf. ADORNO, Theodor. HORKHEIMER, Max. Dialética do

 Esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1985. pág. 181.23  Cf. ADORNO. T. W. Dialética Negativa . Trad. Marco AntonioCasanova. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2009. pág. 137.

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equivalências e relações de troca, princípio fundamental daideologia capitalista. Negação da negação dando empositividade é fazer com que a questão da justiça seja um

cálculo e a injustiça um erro na equação, um sopro deignorância. Deste modo que quando a Veja e a Globo veiculam uma notícia falsa, editam um debate claramente emfavor de um dos candidatos ou dão apoio a regimes deexceção, não reconheçam que estejam realizando atosmoralmente censuráveis, isto é, participando da injustiça,mesmo que o discurso que ofereçam defenda o poder e nãoa impotência –  erramos sem querer , desculpam-se eles. No seusem querer querendo, responsabilizam-se pela ignorância enão por má-fé com o público. Negar a injustiça feita não é jáfazer justiça. Porque para se fazer justiça à justiça não sepode supor que haja representação desta, isto é, umapositividade dela. Uma consciência que inserisse entre ela eaquilo que pensa um terceiro elemento, as imagens,reproduziria sem perceber o idealismo; um corpo de

representações substituiria o objeto do conhecimento, e oarbítrio de tais representações é o arbítrio daqueles quedecretam24. Foi o erro grotesco cometido, por exemplo, naUnião Soviética, onde a despeito de uma ditadura doproletariado, de uma utopia que tivesse  já   chegado, seperpetuou instituições burocráticas que insultavam a mesmateoria que essas instituições carregavam na boca na medidaque ao invés de transformar as consciências, a subjugavam25.

 A negatividade é a potência da dialética. Uma vez positivadauma realidade, ela se tornará assassina, pois procurarámanter-se positiva, não quererá ser negada. A positividadenão admite a crítica. Coincidir a justiça com qualquer dado

24 ADORNO. T. W. Dialética Negativa . Trad. Marco Antonio Casanova.Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2009. pág. 176.25  Cf. ADORNO. T. W. Dialética Negativa . Trad. Marco AntonioCasanova. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2009. pág. 174.

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8/19/2019 Adorno e a Dialética Negativa - Leituras Contemporâneas

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260  Adorno e a dialética negativa: leituras contemporâneas 

real, com qualquer ser-aí, é recair na identidade, no mito, eidentidade é a forma originária da ideologia26.

Referências