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TRANSCRIPT
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ADOLFO JOSÉ DE SOUZA FROTA
EDUARDO BATISTA DA SILVA
FÁBIO JÚLIO DE PAULA BORGES ORGANIZADORES
INTERCRÍTICAS:
ESTUDOS CONTEMPORÂNEOS DE LÍNGUA E LITERATURA
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2020 Uniedusul Editora
Copyright da Uniedusul Editora
Editor Chefe: Profº Me. Welington Junior Jorge
Diagramação e Edição de Arte: Uniedusul Editora
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APRESENTAÇÃO
A presente obra desvela parte das pesquisas do Programa de Pós-Graduação em Língua,
Literatura e Interculturalidade (POSLLI), da Universidade Estadual de Goiás/Câmpus Cora Coralina,
localizado na Cidade de Goiás. Os trabalhos contidos aqui enquadram-se em duas grandes linhas de
pesquisa, a saber: “Estudos Linguísticos e Interculturalidade” e “Estudos Literários e
Interculturalidade”, tendo sido elaborados por mestrandos e orientadores ao longo dos anos de 2019
e 2020.
A proposta desse volume é promover a socialização do conhecimento produzido no âmbito
do POSLLI, fazendo chegar a professores em formação, pesquisadores e demais interessados um
material de qualidade e com discussões que abarcam problemas de pesquisa contemporêneos.
Ademais, as discussões por ora fomentadas podem servir como ponto de partida para outras
pesquisas.
No que se refere aos Estudos Linguísticos e Interculturalidade, a diversidade de contextos e
objetos de estudo dos capítulos permitem vislumbrar a riqueza presente nos estudos realizados nas
variadas linhas de pesquisa. Contemplando uma visão plural, as linhas teóricas que subsidiam os
trabalhos contemplam a Aquisição de Linguagem, Gramática de Construções, Lexicologia,
Linguística Centrada no Uso, Linguística de Córpus, Linguística Funcional Centrada no Uso e
Sociolinguística Variacionista.
Em relação aos Estudos Literários e Interculturalidade, as linhas teóricas literárias
contemplam discussões sobre Lírica, Narrativas e Cinema. As temáticas discutidas são a memória
como reconstrução e resgate do passado perdido numa linha temporal, só acessível pela narrativa; a
memória do trauma e que liga experiências de morte em momentos distantes da vida; a memória e
sua associação com o tempo; o panoptismo em contexto colonial e multicultural e a relação subjetiva
entre o elemento ar e espaço na poesia.
Nos próximos parágrafos, iniciamos uma visão panorâmica dos seis primeiros capítulos, com
orientação linguística.
Marcados pela atualidade, uma espécie de zeitgeist acadêmico – que reflete as
ideias/conceitos/crenças vigentes em determinada época ou período –, os temas abordados congregam
na seção de Estudos Linguísticos o apagamento da oclusiva /d/ do verbo no gerúndio; análise da
construção mas e de sua variante mais; aspectos formais e conceituais das construções-suporte na fala
goiana; estudo sociolinguístico da alternância entre as formas verbais ter e haver; fala dirigida à
criança; scripts de seriados como aporte para o ensino de phrasal verbs.
No capítulo 1, Adalgiza Rodrigues dos Santos e Eleone Ferraz de Assis exploram
o apagamento da oclusiva /d/ do verbo no gerúndio, na língua falada no município de São Luís de
Montes Belos, localizado no estado de Goiás. Os autores constatam que esse tipo de ocorrência
acarreta um certo preconceito linguístico em relação ao falante, tanto do sexo masculino quanto do
sexo feminino. A supressão da oclusiva /d/ no gerúndio está fortemente condicionada ao número de
sílaba do verbo, ou seja, verbos com um número maior de sílabas favorecem o apagamento da
oclusiva. O corpus é composto por registros de fala de seis informantes residentes no município.
No capítulo 2, Cynara Alves de Campos e Eduardo Almeida Flores tem por objeto de estudo
e análise da construção mas e de sua variante mais do corpus Fala Goiana. No contexto de mudança
na língua as características que classificam a construção mas/mais como conjunção adversativa
podem sofrer variações cedendo lugar a outras propriedades ou características que o distanciem do
sentido contrajuntivo. Tem-se aqui uma flexibilidade categorial decorrente da fluidez e dinamicidade
da língua, permitindo-se, dessa forma, que os fenômenos gramaticais recebam tratamento escalar e
contínuo, posto que motivados pela pragmática. Os autores afirmam que a língua é formada por redes,
nas quais diferentes elos se ligam para imprimir no discurso multifacetados efeitos de sentido, dentre
os quais o mas/mais intensificador do discurso.
Na sequência, no capítulo 3, Eduardo Almeida Flores e Cynara Alves de Campos discorrem
sobre aspectos formais e conceituais das construções-suporte na fala goiana. As construções-suporte
são exemplos de feixe de exemplares estocados na mente dos falantes. Quando o falante experiencia
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na comunicação padrões construcionais com verbo-suporte, ele estoca na memória detalhes da
experiência, como o contexto de uso e aspectos construcionais relacionados à forma e ao significado
da construção. Os autores ressaltam que os sentidos das construções dependem dos contextos físicos
e sociais nos processos comunicativos. Portanto, os significados das construções não são pré-
determinados ou distanciados das elaborações cognitiva. Contudo, eles são fundamentados na
realidade dos falantes e são negociados socialmente com base nas experiências com o mundo.
No capítulo 4, Fernanda Martins da Costa Gomes e Eleone Ferraz de Assis realizam um estudo
sociolinguístico da alternância entre as formas verbais ter e haver, descrevendo e analisando as
motivações da alternância entre as formas verbais simples ter e haver em perífrase nos editoriais do
Jornal O Popular. Com esta investigação, esperam preencher lacunas existentes, acerca da variação
linguística, sobretudo em relação à descrição e à análise da variação em formas verbais simples e
compostas dos verbos ter e haver em editoriais de um jornal que circula no Estado de Goiás.
Idelma Divina da Silva e Kênia Mara de Freitas Siqueira, no capítulo 5, abordam a fala
dirigida à criança como uma prática de interação entre adulto e criança que favorece a entrada na
linguagem e na cultura – que possui características não universais, visto que alguns pais preferem
conversar com as crianças de forma convencional. A fala dirigida à criança é vista, portanto, como
uma forma particular de se comunicar com os bebês, que pode ser adotada tanto pelos pais quanto
por pessoas que com a criança tenham contato. O estudo transita por abordagens teóricas distintas,
dialogando com questões excludentes, porém necessárias, pois definem os processos aquisicionais
como práticas comunicativas, interativas e constitutivas, e questionam o que há de cultural quando a
fala é dirigida à criança. Os estudos apontam a necessidade de mais pesquisas que discutam a
influência do uso do manhês e dos inovadores lexicais para o processo de aquisição da linguagem
pela criança.
O último capítulo da seção linguística abriga um estudo que recorre a scripts de seriados como
aporte para o ensino. Rodrigo Borges Gonçalves e Eduardo Batista da Silva preocupam-se com o
ensino de vocabulário em língua inglesa, mais especificamente, os phrasal verbs, com base em
constatações oriundas de córpus. Os autores promovem uma discussão acerca do ensino de phrasal
verbs para a aula de língua inglesa e identificam os 10 phrasal verbs de alta frequência em um córpus
constituído por roteiros de vários episódios de séries de TV. Como a linguagem que constitui os
diálogos das séries retrata situações reais de conversação, contribui substancialmente para a atual
demanda por textos autênticos nos programas de ensino de língua inglesa.
Doravante, perpassamos os cinco capítulos seguintes, com orientação literária.
Na seção de Estudos Literários, Ana Paula de Souza Brito e Nismária Alves David, no sétimo
capítulo “As memórias de Ana Vitória: uma apresentação do romance Mesa dos inocentes, de Adelice
da Silveira Barros”, discutem aspectos mnemônicos presentes nesta narrativa, que conta a história da
protagonista Ana Vitória, que viveu momentos significativos da infância na cidade ficcional de
Cristal, interior de Goiás, marcada por uma tragédia pessoal (suicídio da prima por afogamento), e o
seu retorno, quando para a mesma cidade, quando já estava com 60 anos de idade. As autoras
enfatizam as reflexões de uma protagonista idosa, quando retorna para a cidade natal e reflete sobre
a passagem do tempo.
Discussão semelhante é feita por Dilorrara Ribeiro Gomes e Adolfo José de Souza Frota, no
capítulo 08: “Do resgate mnemônico a percepção interativa em O mar, de John Banville”. Nesta
narrativa, o protagonista sexagenário Max Morden, após a recente morte da esposa Anna, decide
voltar para a cidade de veraneio de sua infância, em Ballyless, Irlanda. Hospedando-se em The
Cedars, uma casa que a família Grace se hospedava, e que o jovem Max tinha profunda amizade, em
especial com os irmãos Myles e Chloe, o protagonista narrador resolve contar como foi parte da sua
infância até a experiência traumática de ter testemunhado o afogamento dos irmãos no mar, que dá
nome ao romance. Por se tratar de uma narrativa mnemônica, os autores discutem como a memória é
uma importante habilidade de ressignificação e reconstrução do passado.
Já o capítulo 09, intitulado “Lembrar ou esquecer? Inversões de efeito em cadeia em
‘Famigerado esquecido’, de Hailton Correa”, Fábio Júlio de Paula Borges e José Elias Pinheiro Neto
articulam uma discussão a respeito do tema do tempo e da memória no referido poema desse poeta
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goiano. A partir da presença de um sujeito lírico que transita entre o desejo de se esquecer de se
lembrar e também de se lembrar de se esquecer, os autores recorrem tanto aos pressupostos teóricos
da teoria da reminiscência de Santo Agostinho até uma discussão da existência do tempo, realizada
por André Comte-Sponville.
“Fricções entre ensino e interculturalidade no filme Entre os muros da escola”, de Glauber
Honorato da Silva e Émile Cardoso Andrade, que corresponde ao capítulo 10, analisa como o
panoptismo, o estado constante de vigilância, caracteriza um contexto escolar multicultural, onde
apenas os parâmetros europeus (francês) são enfatizados e valorizados. Nesse ambiente educacional,
os autores percebem a escola como um local “que impera diversas formas de simbolismos culturais”,
apesar de que o Liceu, a escola do filme, ainda manter “determinada postura histórica vinculada a
ideologia nacional francesa”, o que acaba gerando diversos conflitos culturais.
E, finalmente, o capítulo 11, “Uma relação subjetiva entre o elemento ar e o espaço em Dora
Ferreira da Silva”, dos autores Rannyelle Silva de Oliveira e Alexandre Bonafim Felizardo, analisa a
presença do elemento ar no espaço descrito no poema “Garças” na forma como a paisagem lírica é
descrita, por meio de imagens de movimento “que desencadeiam a configuração de um espaço
abstrato visualizado pelo vôo e árvore de garças”.
Antes de finalizar essa breve introdução, cabe ressaltar que a organização desse livro foi
indubitável e exponencialmente facilitada graças ao empenho demonstrado por mestrandos e
professores desde o início desse projeto. Apesar dos inúmeros compromissos pessoais, profissionais
e acadêmicos, os autores não mediram esforços para elaborar e concretizar a presente coletânea.
Gostaríamos de agradecer essa oportunidade e a consecução de uma obra tão especial.
Tanto o mérito do sucesso vindouro quanto a recepção calorosa do público podem ser
atribuídos aos membros dessa valorosa equipe.
Adolfo José de Souza Frota
Eduardo Batista da Silva
Fábio Júlio de Paula Borges
Outubro/2020
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SUMÁRIO
CAPÍTULO 01..................................................................................................................................10
PAGAMENTO DA OCLUSIVA /D/ NO FALAR MONTEBELENSE
Adalgiza Rodrigues dos Santos
Eleone Ferraz de Assis
CAPÍTULO 02..................................................................................................................................19
A CONSTRUÇÃO MAS/MAIS SOB A PERSPECTIVA CONSTRUCIONISTA DA
LINGUAGEM
Cynara Alves de Campos
Eduardo Almeida Flores
CAPÍTULO 03..................................................................................................................................29
ASPECTOS FORMAIS E CONCEITUAIS DAS CONSTRUÇÕES-SUPORTE NA FALA
GOIANA
Eduardo Almeida Flores
Cynara Alves de Campos
CAPÍTULO 04..................................................................................................................................38
UM ESTUDO SOCIOLINGUÍSTICO DA ALTERNÂNCIA ENTRE AS FORMAS VERBAIS
TER E HAVER EM EDITORIAIS DE JORNAIS
Fernanda Martins da Costa Gomes
Eleone Ferraz de Assis
CAPÍTULO 05..................................................................................................................................45
AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM: QUANDO A FALA É DIRIGIDA À CRIANÇA
Idelma Divina da Silva
Kênia Mara de Freitas Siqueira
CAPÍTULO 06..................................................................................................................................58
ENSINO DE PHRASAL VERBS DE ALTA FREQUÊNCIA PRESENTES EM SCRIPTS DE
SERIADOS: UMA ABORDAGEM BASEADA EM CÓRPUS
Rodrigo Borges Gonçalves
Eduardo Batista da Silva
CAPÍTULO 07..................................................................................................................................70
AS MEMÓRIAS DE ANA VITÓRIA: UMA APRESENTAÇÃO DO ROMANCE MESA DOS
INOCENTES, DE ADELICE DA SILVEIRA BARROS
Ana Paula de Souza Brito
Nismária Alves David
CAPÍTULO 08..................................................................................................................................77
DO RESGATE MNEMÔNICO A PERCEPÇÃO INTERATIVA EM O MAR, DE JOHN
BANVILLE
Dilorrara Ribeiro Gomes
Adolfo José de Souza Frota
10.29327/524556.1-1
10.29327/524556.1-2
10.29327/524556.1-3
10.29327/524556.1-4
10.29327/524556.1-5
10.29327/524556.1-6
10.29327/524556.1-7
10.29327/524556.1-8
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CAPÍTULO 09..................................................................................................................................87
LEMBRAR OU ESQUECER? INVERSÕES DE EFEITO EM CADEIA EM “FAMIGERADO
ESQUECIDO”, DE HAILTON CORREA
Fábio Júlio de Paula Borges
José Elias Pinheiro Neto
CAPÍTULO 10..................................................................................................................................95
FRICÇÕES ENTRE ENSINO E INTERCULTURALIDADE NO FILME ENTRE OS MUROS DA
ESCOLA
Glauber Honorato da Silva
Émile Cardoso Andrade
CAPÍTULO 11................................................................................................................................102
UMA RELAÇÃO SUBJETIVA ENTRE O ELEMENTO AR E O ESPAÇO EM DORA
FERREIRA DA SILVA
Rannyelle Silva de Oliveira
Alexandre Bonafim Felizardo
SOBRE OS AUTORES..................................................................................................................109
10.29327/524556.1-9
10.29327/524556.1-10
10.29327/524556.1-11
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ESTUDOS LINGUÍSTICOS E
INTERCULTURALIDADE
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INTERCRÍTICAS: ESTUDOS CONTEMPORÂNEOS DE LÍNGUA E LITERATURA 10
Capítulo 01 PAGAMENTO DA OCLUSIVA /D/ NO FALAR
MONTEBELENSE
ADALGIZA RODRIGUES DOS SANTOS
ELEONE FERRAZ DE ASSIS
INTRODUÇÃO
Este trabalho objetiva analisar o apagamento da oclusiva /d/ nos verbos no gerúndio no
português falado no município de São Luís de Montes Belos - GO. A finalidade deste trabalho é
verificar quais fatores linguísticos e sociais contribuem para a ocorrência desse fenômeno.
O fenômeno da redução /nd/ > /n/ não é um método novo no estuda da língua portuguesa.
Estudiosos como Silva Neto (1970, p. 43), por exemplo, aponta a variação em todas as partes do
Brasil. Melo (1946, p. 90-91) também afirma que o apagamento da oclusiva é bastante produtivo na
fala popular da região de Goiás e na região nordestina. Ainda que alguns autores sustentem que a
queda da oclusiva é o resultado da influência indígena e africana, Melo 1946 acredita que não existe
nenhuma conexão, uma vez que a redução /nd/ > /n/ existe em outras línguas sem à intervenção do
tupi ou de outras línguas de origem africana.
No que se refere a pesquisas de cunho variacionista, o fenômeno de apagamento da oclusiva
foi estudado no português falado na cidade do Rio de Janeiro, por Mollica e Mattos (1989). Os autores
detectaram em seu estudo, que substantivos, adjetivos e advérbios favorecem a manutenção da
oclusiva. Os verbos no gerúndio, por outro lado, favorecem o apagamento. Os autores apontaram que
quanto maior o número de sílabas do verbo na forma do gerúndio, maior a probabilidade de
apagamento na fala espontânea.
Outro estudo variacionista realizado sobre o apagamento da oclusiva feito por Martins (2001),
na comunidade de João Pessoa, revelou que o maior índice de apagamento da oclusiva dental /d/ deu-
se entre os gerúndios. Os verbos no presente do indicativo (pretendo ~ preteno) e a conjunção (quando
~ quano), por outro lado, desfavoreceram a queda do segmento. A pesquisa do autor também
relacionou o apagamento quanto à extensão do item lexical. Ele afirmou que itens com mais de duas
sílabas favoreceram o apagamento da oclusiva, em oposição aos vocábulos dissilábicos, que
mantiveram o segmento.
Embora existam vários estudos sobre esse fenômeno, nosso interesse em descrever o
apagamento da oclusiva /d/ dos verbos no gerúndio no falar Montebelense surgiu a partir do momento
em que constatamos que esse tipo de ocorrência acarreta um certo preconceito linguístico, em relação
ao falante. Certamente porque as pessoas não fazem parte de um mesmo grupo, seja ele cultural,
social ou demográfico e, consequentemente, por isso, tendem a acontecer variações nas falas dessas
pessoas. São essas variações sobre a língua, que muitas vezes são vistas como erradas, justamente por
serem diferentes.
Para desenvolver a pesquisa, fizemos levantamento bibliográfico, considerando as definições
de Labov (1972, 1994) e Weinreich, Labov & Herzog (2006 [1968]), sob a ótica da Sociolinguística
Variacionista.
APORTE TEÓRICO
A Sociolinguística Variacionista trata-se de uma abordagem teórico-metodológica, que surgiu
na década de sessenta, com os estudos de Labov, tendo como principal objetivo evidenciar a relação
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INTERCRÍTICAS: ESTUDOS CONTEMPORÂNEOS DE LÍNGUA E LITERATURA 11
entre língua e sociedade. Ela se encarrega de analisar os aspectos sociais existentes na língua, fazendo
uso da perspectiva variacionista para revelar e estudar os fenômenos linguísticos.
Para Cezario e Votre (2016, p. 146), “Labov (tal qual Saussure) vê a linguística como uma
ciência do social; dessa forma, a sociolinguística equivale à linguística com ênfase na atenção as
variáveis de natureza extralinguística”. Essa abordagem trata a língua como um fenômeno social, em
que esta deve ser estudada e compreendida em seus variados contextos de uso. A língua se torna um
fator importante na identificação e distinções dos grupos em uma sociedade.
Bortoni Ricardo (2005, p. 31) afirma que
A língua, é por excelência, uma instituição social e, portanto, ao se proceder a seu estudo, é
indispensável que se levam em conta variáveis extralinguísticas – socioeconômicas e
históricas – que lhe condicionam a evolução e explicam, em parte, sua dialetação regional
(horizontal) e social (vertical).
Assim, por mais que a língua seja heterogênea e dinâmica, não podemos dizer que a variação
linguística acontece de forma livre. Pelo contrário, de acordo com Weinreich, Labov e Herzog (2006
[1968]), é necessário conceber a língua, a partir de um olhar que contemple heterogeneidade e
sistematicidade de maneira conjunta. Destarte, a Sociolinguística Variacionista tem como principal
objeto de estudo a variação sistemática da estrutura linguística (LABOV, 2009 [1972]).
Irmanado a essas assertivas, percebe-se que a língua não é homogênea, uma vez que fatores
externos (geográficos, sociais, estilísticos etc.) a ela podem possibilitar a sua variação. Essas
variações podem acontecer nos níveis fonológico, morfológico, sintático, lexical e discursivo.
A variação geográfica corresponde as diferenças linguísticas observáveis entre falantes
oriundos de regiões distintas de um mesmo país ou oriundos de diferentes países. Percebe-se essas
diferenças entre o português falado na Europa, África e Ásia, bem como as diferenças linguísticas
entre os falares das várias regiões do Brasil, como por exemplo, nas regiões sul e nordeste.
Nota-se que a variação social está relacionada à organização socioeconômica e cultural de
uma dada comunidade. Estando em jogo fatores como a classe social, o sexo, a idade, o grau de
escolaridade, a profissão do indivíduo.
Já a variação estilística ela se manifesta nas diferentes situações comunicativas no nosso dia-
a-dia. Nos contextos socioculturais que exigem maior formalidade, usamos uma linguagem mais
cuidada e elaborada – o registro formal; em situações familiares e informais, usamos uma linguagem
coloquial – o registro informal.
Percebe-se, que a língua que utilizamos muda, de alguma maneira, para adaptar-se ao
interlocutor e ao contexto situacional. A variação, portanto, é inerente à fala e à própria comunidade
de fala e está relacionada aos diferentes papéis sociais exercidos por cada um dos participantes.
Adotaremos neste estudo “apagamento”, já consagrado por alguns estudiosos que
investigaram o mesmo fenômeno. Este termo “apagamento” foi utilizado para designar o processo de
supressão do /d/ no morfema de gerúndio /-ndo/. A regra de eliminação ocorre quando há a omissão
de um segmento do morfema formador de gerúndio.
A supressão da oclusiva dental /d/ em final de vocábulos como “estudando”, “pensando”, por
exemplo, pode acontecer porque o /n/ e o /d/ são consoantes que compartilham algumas semelhanças
no ponto de articulação (as duas são oclusivas alveolar), ocorre o que é chamado nos estudos
fonéticos, de assimilação, isto é, ocorre uma modificação em um fonema que o torna semelhante ao
outro (BAGNO, 2007).
Seguindo essa perspectiva, pretendemos analisar o apagamento da oclusiva /d/ - do verbo no
gerúndio, na língua falada no município de São Luís de Montes Belos - Goiás, levando em
consideração as variáveis linguísticas: a extensão do vocábulo, a conjugação verbal e as variáveis
extralinguísticas: o sexo, escolaridade, faixa etária.
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INTERCRÍTICAS: ESTUDOS CONTEMPORÂNEOS DE LÍNGUA E LITERATURA 12
METODOLOGIA
Nosso corpus é composto por seis (6) entrevistas de falantes residentes e naturais de São Luís
de Montes Belos - GO. Para realizar as gravações das entrevistas, para que em seguida,
selecionássemos os trechos que continham os verbos no gerúndio, utilizamos um aplicativo de
gravador de voz, disponível em aplicativos para telefones celulares versão 21.0.22.165, uma
ferramenta on-line. Cada informante foi entrevistado durante cerca de 30 minutos. Trata-se, portanto,
de um estudo de caso de cunho qualitativo. Para a escolha desses informantes, foram observados os
seguintes requisitos: i) ser natural de São Luís de Montes Belos ou morar na região desde os cinco
anos de idade; ii) nunca ter passado mais de dois anos consecutivos fora da região.
Os informantes foram selecionados de forma aleatória e o corpus foi estratificado por sexo,
sendo três homens e três mulheres, com idades entre 26 a 39 anos e o nível de escolaridade observado
- ensino fundamental completo. Desejávamos conseguir dois tipos de fala, um momento mais tenso,
que talvez predominasse na entrevista, e outro mais espontâneo, quando falassem de suas experiências
pessoais.
Para realizar a seleção de trechos que continham os verbos no gerúndio, realizamos a
transcrição das entrevistas. Em seguida, selecionamos os trechos em que continham as formas do
verbo no gerúndio, tomando como referência e orientação a chave de transcrição do Projeto
NURC/SP.
As entrevistas, gravadas em situações naturais de interação social, foram realizadas com base
em um questionário-guia, o qual inicialmente, trazia uma abordagem voltada para a opinião de seus
moradores, referente a história da cidade de São Luís de Montes Belos e, consequentemente, no
decorrer da entrevista, eram feitas perguntas de cunho pessoal. As questões do roteiro têm por
principal objetivo levar o entrevistado a utilizar as formas linguísticas próprias do mundo narrado,
dentre as quais aparecem usos de verbos no gerúndio.
Localidade do falante
Para a Sociolinguística Variacionista, a língua é uma forma de comportamento social, assim
não é possível compreender o processo de variação e de mudança linguística fora do contexto social
em que o indivíduo vive, pois, a comunidade de fala delimita a qual comunidade de falantes ele
pertence.
Segundo Labov (2008),
A comunidade de fala não é definida por nenhuma concordância marcada no uso de
elementos linguísticos, mas sim pela participação num conjunto de normas compartilhadas;
estas normas podem ser observadas e tipos de comportamento avaliativo explicito e pela
uniformidade de padrões abstratos de variação que são invariantes no tocante a níveis
particulares de uso. (LABOV, 2008, p. 150).
Para a constituição da nossa amostra selecionamos o município de São Luís de Montes Belos,
que ocupa uma área 826 km² situada a 79 km a Sul-Leste de Iporá a maior cidade nos arredores, tendo
como municípios vizinhos, Firminópolis, Adelândia e Aurilândia. Pertencente ao estado de Goiás que
está localizado na Região Centro-Oeste do Brasil. Sua população, conforme estimativas do IBGE de
2018, era de 33.470 habitantes. O nome do município originou-se da antiga fazenda formada a partir
do ano de 1857, denominada “Santana”. Por determinação do governo estadual, nesse mesmo ano,
iniciou-se a construção de uma estrada que cortaria essa fazenda, interligando a parte central do estado
de Goiás com a região oeste e também ao estado de Mato Grosso. Conforme a construção da estrada
avançava, os engenheiros João Neto de Campos Carneiro e Vicente Ferreira Adorno começaram a
nomear as serras, córregos e rios, por exemplo, serra São Luís, córrego Barreirinho, rio Pilões, entre
outros. Certamente o nome da cidade está relacionado às serras belíssimas de picos muito finos que
circundam a cidade, com uma abertura em seu meio objetivando “dar passagem” ao córrego Santana.
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INTERCRÍTICAS: ESTUDOS CONTEMPORÂNEOS DE LÍNGUA E LITERATURA 13
PROCEDIEMNTOS PARA COLETAS DE DADOS
A coleta de dados foi realizada na residência de cada informante, para que pudessem ter mais
liberdade, tranquilidade e se sentissem mais à vontade para responder às perguntas. Eles assinaram
um termo consentimento para realização e divulgação dos dados da pesquisa. Foi esclarecido que
suas identidades não seriam reveladas para resguardá-los.
Seguindo as orientações de Araújo (2011), procurarmos conduzir as entrevistas de maneira
que os informantes se sentissem completamente à vontade. Como a maioria das perguntas na
entrevista eram de cunho pessoal, optamos por um encontro mais reservado. Justamente para que o
informante não se sentisse incomodado em falar sobre suas experiências e opiniões relacionadas à
determinados assuntos, uma vez que, as questões estavam relacionadas a fatos pessoais, político e até
mesmo, sobre assuntos polêmicos.
Guy e Zilles (2007, p. 20) afirmam que esse tipo de entrevista deve levar em consideração
algumas perguntas: “Como obtemos os dados? Os dados são válidos para refletir o fenômeno
investigado? Os procedimentos para a obtenção dos dados são confiáveis e reproduzíveis? O que
pode ser feito para minimizar a parcialidade dos dados?”.
Desse modo, para a obtenção dos dados, elaboramos uma ficha da amostra sociolinguística
contendo os dados dos informantes a serem entrevistados: nome, naturalidade, profissão, sexo
(masculino/feminino), faixa etária (de 24 – 39 anos) e escolaridade (ensino fundamental completo).
A elaboração da ficha social, nos ajudou a esclarecer algumas informações sobre os informantes,
também contribuiu para que o informante se sentisse mais familiarizado com o gravador e,
principalmente, possibilitasse mapear seus possíveis interesses, auxiliando no momento da entrevista.
Elaboramos um questionário-guia de entrevistas, com os seguintes tópicos:
1. Cidade e bairro; 2. Amigos e família; 3. Acontecimentos e eventos; 4. Escola e trabalho; 5. Hobbies e esportes; 6. Opinião. O objetivo do questionário-guia de entrevistas é homogeneizar os dados para posterior
comparação, controlar os tópicos da conversa e provocar narrativas de experiências pessoais, tendo
em vista que estudos com narrativa de experiências pessoais têm demonstrado que, ao relatá-las, o
informante está tão envolvido com o que fala que presta o mínimo de atenção ao como fala (Cf.
LABOV, 2008).
Procedimentos para transcrição das entrevistas
Para transcrição das falas dos entrevistados, utilizamos a chave de transcrição do Projeto
NURC/SP.
Segue as normas utilizadas para transcrição das entrevistas gravadas:
Ocorrências Sinais Exemplificação
Incompreensão de palavras
ou segmentos
( ) Dos nives de rensa ( ) nível de renda
nominal
Hipótese do que se ouviu (hipótese) (estou) meio preocupado (com o gravador)
Truncamento (havendo
homografia, usa-se acento
indicativo da tônica e/ou
timbre
/ E comé/ e reinicia
Entonação enfática Maiúscula Porque as pessoas reTÊM moeda
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INTERCRÍTICAS: ESTUDOS CONTEMPORÂNEOS DE LÍNGUA E LITERATURA 14
Prolongamento de voga e
consoante (como s, r)
::podendo
aumentar para
:::::ou mais
Ao emprestarmos éh::: ... dinheiro
Silabação - Por motivo tran-sa-ção
Interrogação ? E o Banco... Central... certo?
Qualquer pausa ... São três motivos... ou três razões... que
fazem com que se retenha moeda... existe
uma... retenção
Comentários descritivos do
transcritor
((minúscula )) ((tossiu))
Comentários que quebram a
sequência temática da
exposição: desvio temático
-- -- ... a demanda de moeda - - vamos dar casa
essa notação - - demanda de moeda por
motivo ...
Superposição,
simultaneidade de vozes
Ligando as
linhas
a. na casa de sua irmã
b. [sexta-feira?
a. fazem LÁ
b. [cozinham lá
Indicação de que a fala foi
tomada ou interrompida em
determinado ponto. Não no
seu início, por exemplo.
(...) (...) nós vimos que existem...
Citações literais de textos,
durante a gravação
“entre aspas” Pedro Lima ... ah escreve na ocasião.. “ O
cinema falado em língua estrangeira não
precisa de nenhuma barreira entre nós”...
1. Iniciais maiúsculas : só para nomes próprios ou para siglas (USP etc)
2. Fáticos: ah, éh, ahn, ehn, uhn, tá (não por está: tá? Você está brava?)
3. Nomes de obras ou nomes comuns estrangeiros são grifados.
4. Números por extenso.
5. Não se indica o ponto de exclamação (frase exclamativa)
6. Não se anota o cadenciamento da frase.
7. Podem-se combinar sinais. Por exemplo: oh:::... (alongamento e pausa)
8. Não se utilizam sinais de pausa, típicas da língua escrita, como ponto e vírgula, ponto final,
dois pontos, vírgula. As reticências marcam qualquer tipo de pausa. Fonte: Exemplos retirados dos inquéritos NURC/SP no. 338 EF e 331 D2.
ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS
Na análise das entrevistas dos seis informantes do município de São Luís de Montes Belos,
percebemos que 100% entrevistados, apresentaram o apagamento da oclusiva /d/ - a forma do verbo
no gerúndio. É possível notar que alguns verbos como saber e trabalhar quando utilizados no
gerúndio tiveram o apagamento da oclusiva /d/ na fala de quatro entrevistados. Isso, talvez, aconteça
porque verbos no gerúndio, quando possuem um número maior de sílabas favorecem o apagamento
da oclusiva /d/. O que comprova essa afirmação é o fato deles, terem apresentado em suas respostas,
por exemplo, “conversano”, “sabeno” e “trabalhano”. As outras formas utilizadas como “falano”,
“gritano”, “jogano”, “robano”, “brincano”, tratar e “valeno”, por exemplo, ocorreram no decorrer
da entrevista, quando os entrevistados estavam mais à vontade. Isso se justifica pelas escolhas
utilizadas pelos falantes.
Como bem observa Luchesi (2015):
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INTERCRÍTICAS: ESTUDOS CONTEMPORÂNEOS DE LÍNGUA E LITERATURA 15
A quantificação das escolhas que o falante faz em seu desempenho linguístico real em função
dos contextos linguísticos, das características sociais desse falante e da situação em que o ato
verbal se desenrola constitui a base empírica de toda da sociolinguística de orientação
laboviana e parte do princípio de que a escolha que o falante faz entre formas linguísticas
concorrentes que expressam o mesmo significado não é aleatória, mas condicionada pelos
aspectos supramencionados, constituindo, portanto uma função de variáveis linguísticas, de
estilo e sociais. (LUCHESI, 2015, p. 212).
Dessa forma, podemos comprovar esses apagamentos, nas respostas que foram dadas as
entrevistas propostas. Abaixo, segue a resposta do informante 1:
A informante 1 é do sexo feminino tem 26 anos de idade possui ensino fundamental completo.
Ela apresenta o apagamento da oclusiva /d/ apenas quando conjuga os verbos saber, conversar e
tratar na forma do gerúndio. Percebemos um certo cuidado na fala da informante, ela fazia pausas
longas para relatar o fato, talvez estivesse tomando um certo cuidado na pronúncia.
1.E*1Você acha a cidade violenta?
I*Não acho:::... aqui é bem tranquilo:::... já cheguei a dormir de porta aberta:::...acredita?:::
Não se houve falar de violência:::... um roubo aqui outro ali muito raro...uma vez fiquei
sabeno de uma história feia:::... mas faz muito tempo:::... nem compensa contar.
2. E* Como era a sua relação com seus pais?
I*Era bem tranquila... só não podia interferi quando::: meu pai e minha mãe estivesse
conversano com alguém::: ou tratano de algum outro assunto que criança não pode ficar
sabeno.
O informante 2 é do sexo masculino tem 26 anos de idade possui ensino fundamental
completo. Ele apresenta o apagamento da oclusiva /d/ quando conjuga os verbos jogar, falar e saber
na forma do gerúndio. No restante da entrevista, ele não apresenta nenhuma oscilação quanto ao
apagamento da oclusiva. Demonstrou um certo cuidado na fala, a todo momento ele parava e pensava
antes de começar a responder.
1.E*Você se lembra de alguma história engrada da sua infância?
I*Teve uma veiz que eu e meus dois irmãos estava jogano bet... sabe o que é bet?
E* Sei.
I* :::então como tava te falano... aí na minha veiz de tacar a bola deu erro:::... eu fui esperar
atrás do meu irmão que ia bate na bola... não precisa nem dizer o que aconteceu... levei uma
paulada na cara de cheio... nossa... eu fiquei muito bravo... queria chorar ... mas tava com
vergonha... depois a escola ia fica sabeno de tudo.
2.E* Já teve alguma situação em que você se meteu em problemas junto com seus
amigos?
I* teve uma veis:::... que nois saiu pra pegar manga num quintal abandonado... mas o que a
gente num sabia é qui num tava abandonado nada... saiu uma mulher gritano não sei de ondi
... ela disse que a gente devia pedi...que era feio pega as coisa dos zoto sem pedi... queria
saber quem era meu pai... mas menino sabe como é:::... no final ela deu as manga.
A informante 3 é do sexo feminino tem 36 anos possui ensino fundamental completo. Ela
apresenta o apagamento da oclusiva /d/ nos verbos conversar e trabalhar quando conjugados na
forma do gerúndio. Labov explica que essas ocorrências podem acontecer porque as pessoas falam
“menos cuidadosamente” em alguns pontos da entrevista. Essa afirmativa foi comprovada, porque no
início da entrevista a informante estava a todo momento se monitorando para não falar muito errado,
mas quando passamos para um segundo momento da entrevista ela ficou mais à vontade e deixou de
monitorar a fala.
1.E*Seus pais eram muito duros com você? O que eles faziam?
1 E* refere-se ao Entrevistador e I* ao Informante.
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INTERCRÍTICAS: ESTUDOS CONTEMPORÂNEOS DE LÍNGUA E LITERATURA 16
I* O meu pai era :::... mais até entanto... eu perdi ele... eu tinha 8 anos né... mais ele era
:::...ele era firme a minha mãe já era mais light... Há ...meu pai era daqueli qui si ele tivessi
conversano com uma pessoa e agente entrassi ...não precisava travessa na frenti... entrasse
na sala já era mutivo de apanha... tinha qui apanha porque foi falta de educação...
2.E*Com o que seus pais/ filhos/ companheiro trabalham?
I* Minha mãe... já num guenta trabalha mais ...ela já num:::... agora meu marido trabalha :::...
como qui eles trabalha? trabalha de segunda a sexta... ele mexe com motor serra... eu trabalho
de terça a sábado... sou cabeleireira ...meu filho tá trabalhano numa loja de acessório peças
pra carro...
O informante 4 é do sexo masculino tem 36 anos de idade possui ensino fundamental
completo. Ele apresenta o apagamento da oclusiva /d/ nos verbos saber e roubar quando conjugados
na forma do gerúndio. Certamente por serem verbos com o número maior de sílabas o falante tende
a fazer o apagamento da oclusiva /d/.
1. E* Você sabe de alguma briga que envolve dois vizinhos seus?
I* Não... num tô sabeno não...
2. E* Já teve alguma situação em que você se meteu em problemas junto com seus
amigos? Você contou desses problemas para seus pais ou você não podia?
I* já teve sim... festa di semana santa...a gente custumava reunir na sexta feira da paixão... i
sai robano galinha i foi um sufoco até tiro nóis tomamu lá nessi trem... trem foi fei... cheguei
em casa contei pra minha mãe...((risos))...
A informante 5 é do sexo feminino tem 39 anos de idade possui ensino fundamental completo.
Ela apresenta o apagamento da oclusiva /d/ quando conjuga o verbo ajudar no gerúndio. Observe:
1. E*Você queria que as pessoas aqui fossem mais unidas?
I* Claro... seria muito bom... talvez assim as pessoas se amariam mais umas as outras. Acho
que falta Deus no coração de muitas pessoas... hoje em dia é difícil as pessoas se ajudarem
sem querer nada em troca... a solidariedade sumiu da vida de muitas pessoas... quando você
vê alguém ajudano outro pode esperar que é interesse.
O informante 6 é do sexo masculino tem 39 anos de idade possui ensino fundamental
completo. Ele apresenta o apagamento da oclusiva /d/ quando conjuga alguns verbos no gerúndio,
como por exemplo, brincar e valer. Podemos perceber que os verbos em que fez o apagamento, são
aqueles que apresentam uma quantidade maior de sílabas.
1. E* Qual seu esporte favorito?
I* eu gosto de jogar bola... quando to no campo eu me sinto como aqueles jogado famoso...
mas a gente joga brincano sem ser serio... so entre amigos... no máximo valeno coca.
Diante dos dados apresentados, percebe-se que os entrevistados fizeram o apagamento da
oclusiva /d/ nos verbos conjugados no gerúndio, principalmente, naqueles que apresentam em sua
forma uma quantidade maior de sílabas, como os verbos saber e trabalhar. Isso é nítido nestes dois
verbos, na fala de quatro dos participantes da entrevista, quando eles precisavam fazer uso das formas,
“sabendo” e “trabalhando”, os mesmos suprimiam a oclusiva /d/, apresentando em sua pronúncia
“sabeno” e “trabalhano”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nos estudos Sociolinguísticos, há termos que são recorrentes, mas que trazem uma carga de
significado muito complexa. Dentre esses termos, analisamos o apagamento da oclusiva /d/ nos
verbos no gerúndio. Embora existam vários estudos sobre a variação da língua no português
brasileiro, procuramos especificar este estudo, trazendo uma comunidade localizada no interior de
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INTERCRÍTICAS: ESTUDOS CONTEMPORÂNEOS DE LÍNGUA E LITERATURA 17
Goiás para verificarmos se sofrem alguma influência linguística de outras regiões, se de fato o
apagamento da oclusiva /d/ nos verbos no gerúndio se realiza.
As análises dos questionários comprovaram as hipóteses levantadas. Os informantes fizeram
o apagamento da oclusiva /d/ - a forma do verbo no gerúndio. Percebemos que tanto os informantes
do sexo masculino quanto do sexo feminino, quando utilizaram os verbos com maior quantidade de
sílabas, apagaram a oclusiva /d da forma do verbo no gerúndio. Isso foi observado tanto na fala dos
mais novos quanto os mais velhos.
Constata-se, assim, que a supressão da oclusiva /d/ no gerúndio está fortemente condicionada
ao número de sílaba do verbo, ou seja, verbos com um número maior de sílabas favorecem o
apagamento da oclusiva. Diante do alto índice de ocorrência na fala dos informantes de São Luís de
Montes Belos, percebe-se que esse tipo de variação é tão comum no falar Montebelense, que passa
despercebido pelos falantes.
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INTERCRÍTICAS: ESTUDOS CONTEMPORÂNEOS DE LÍNGUA E LITERATURA 18
REFERÊNCIAS
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mudança linguística. Tradução de Marcos Bagno. São Paulo: Parábola Editorial, 2006[1968].
-
INTERCRÍTICAS: ESTUDOS CONTEMPORÂNEOS DE LÍNGUA E LITERATURA 19
Capítulo 02 A CONSTRUÇÃO MAS/MAIS SOB A
PERSPECTIVA CONSTRUCIONISTA DA
LINGUAGEM
CYNARA ALVES DE CAMPOS
EDUARDO ALMEIDA FLORES
INTRODUÇÃO
Abordaremos nesse trabalho algumas ponderações de parte da pesquisa, em desenvolvimento,
que tem por objeto estudo e análise da construção mas e de sua variante mais do corpus Fala Goiana
(FG), sistematizado em banco de dados pelo Grupo de Estudos Funcionalista da Universidade Federal
de Goiás (GEF/UFG), denominado aqui como corpus FG/UFG. Para coleta dos dados utilizou-se o
Programa Wordsmith Tools, por meio de suas ferramentas concord, wordlist e keywords, e foram
encontradas 231 (duzentas e trinta e uma) ocorrências da construção mas e 2015 (duas mil e quinze)
ocorrências de sua variante mais, num total de 2246 (duas mil e duzentas e quarenta e seis) ocorrências
diluídas nos seus variados usos: desde usos com funções adverbiais inclusiva e no comparativo de
superioridade (remontando à memória de origem dos advérbios latinos magis e magis quam);
perpassando pelos usos gramaticalizados como conjunção adversativa prototípica; até os usos não
prototípicos ou discursivos nas mais variadas nuances de sentido, dentre os quais, usos com sentido
intensificador do discurso, que aqui vamos abordar. Nesse intento, dentre os usos discursivos
observados no corpus FG/UFG, foram encontradas 187 (cento e oitenta e sete) ocorrências da
construção mas e, para sua variante mais, 1786 (uma mil e setecentas e oitenta e seis) ocorrências.
Desse conjunto de usos de mas/mais foram observadas 22 (vinte e duas) ocorrências assumindo
função de Marcador Discursivo Intensificador (MDI), na qual o segmento que essa construção inicia
não possui sentido contrajuntivo, mas segue na mesma direção ou sentido do segmento que a antecede
intensificando-o. A intensificação pode ser certificada pela retomada e reprodução da enunciação do
primeiro no segundo segmento pelo falante, o qual intenciona dar ênfase à informação já enunciada
por ele próprio no primeiro segmento. Nesse uso discursivo, percebe-se que a construção mas/mais
afasta-se, em graus, de seu Macrodomínio Adversativo (MDA), onde tem estatuto prototípico e
assume, no discurso, função intensificadora e, ao mesmo tempo, estabelece elo com outro
Macrodomínio, o dos Marcadores Discursivos. Partindo-se do pressuposto de que o falante ao
enunciar uma situação não opositiva, inconscientemente, nega uma situação oposta, o enunciado
proferido herda em alguma medida traços do MDA. À guisa de exemplificação, em expressões como,
“Mas que água boa! ”, pressupõe-se que o falante ao proferir essa construção, inconscientemente,
por meio de processos cognitivos de domínio geral e outros mecanismos linguístico-cognitivos
mobilizados, realiza associações com base em experiências vividas estocadas em sua memória, que,
nesse caso, a partir do reconhecimento de uma água não boa ou ruim possibilitou e/ou licenciou a
construção de expressões de boa formação não contrajuntiva com a construção mas/mais. Nesse
sentido, por meio de associações entre domínios conceptuais e de relações hierárquicas que se
estabelecem dentro de uma rede, construções concretas herdam traços da categoria central prototípica,
que é abstrata e geral, como ocorre em herança por polissemia, segundo Goldberg (1995). Dessa
forma, a hipótese guia da pesquisa em desenvolvimento foi assentada na pressuposição de que o MDA
em essência liga-se à negação, e é ele que por traços (graus) licencia o uso da construção mas/mais
no campo discursivo, como Marcador Discursivo Intensificador (MDI) e Marcador Discursivo
Suavizador (MDS). Aqui nos reportamos, como recorte da pesquisa, apenas ao sentido discursivo
intensificador da construção mas/mais.
-
INTERCRÍTICAS: ESTUDOS CONTEMPORÂNEOS DE LÍNGUA E LITERATURA 20
Para a Gramática de Construções (GC), a língua é concebida como uma rede de construções
de qualquer tamanho, desde as monomorfêmicas até padrões sintáticos mais complexos, atentando-
se ao pareamento indissociável entre forma e função, sendo que a relação entre elas é estabelecida
pelo contexto. De modo que, pode haver alteração na forma (fonológico e morfossintático) ou no
sentido (semântico-pragmático e discursivo-funcional) operando–se em uma mudança na língua, ou
em ambas, resultando-se numa construcionalização. Nesta, emerge um novo nó na rede, a qual se
reorganiza em função de um novo uso (GOLDBERG, 1995, 2006; TRAUGOTT e TROUSDALE,
2013). Na teia de relações entre nós e elos/links entre nós envolve elementos linguísticos e
extralinguísticos. Nesse contexto, empreender estudo e análise de língua em uso requer uma
interdependência dos componentes sintático, semântico e pragmático-discursivo.
O aporte teórico é o da Usage-Based Linguistics2 ou Linguística Centrada no Uso – (LCU); a
Linguística Funcional Centrada no Uso (LFCU) e, notadamente, a Gramática de Construções (GC)
buscando-se em Barros (2016, 217), Bagno e Casseb – Galvão (2017), Goldberg (1995, 2006),
Traugott e Trousdale (2013), e outros, orientações teóricas de base funcionalista de língua em uso.
MICROCONSTRUÇÃO [MAS/MAIS X] E SUA MULTIFUNCIONALIDADE NO
DISCURSO
Segundo Castilho (2019), Silva (2004), Neves (2011) e em outros autores, a construção mas
deriva de magis, advérbio latino cujo valor semântico de base era estabelecer comparações de
quantidade e de qualidade, identificando-se ainda valores secundários de inclusão de indivíduos num
conjunto. Em seu percurso histórico passou por mudanças em sua estrutura e sentido, por meio do
processo de gramaticalização. Neste, empreendeu a trajetória de advérbio latino magis para o
português brasileiro (PB) como conjunção adversativa (prototípica) mas, por fazer a ligação entre
duas orações ou termos que se opõem semanticamente, mas são independentes sintaticamente. Não
obstante ser categorizado no PB como conjunção coordenativa adversativa prototípica, as abordagens
trazidas pelas Gramáticas Normativas Brasileiras (GNBs) apresentam-no com diversas nuances de
sentido.
Para Castilho (2019, p.351-353), “As coordenadas adversativas ou contrajuntivas são ligadas
pela conjunção mas. O que é dito no segundo termo contraria as expectativas geradas no primeiro
[...]”. Esse autor, ao analisar as propriedades semântico-sintáticas de mas pontua que a caminhada de
magis pode ser refeita observando-se seus usos conversacionais podendo encontrá-lo tanto em
sentenças afirmativas com valor inclusivo, quanto em sentenças formalmente afirmativas, mas com
um valor implícito de negação de expectativas (contrajuntivo).
Silva (2004), ao fazer estudo detalhado sobre o conector mas no discurso oral ponderou que
Perini (2001) considera o mas parcialmente coordenador por não possuir todas as propriedades
inerentes à função de coordenação, colocando as conjunções e e ou como integrantes do primeiro
grupo dos coordenadores e que o mas integra, nessa ordem, o terceiro membro desse grupo
assinalando ainda que o mas não coordena qualquer número de membros, mas somente dois
membros, além de mas coordenar também apenas adjetivos ou verbos, não coordenando Sintagmas
Nominais (SNs).
Contrapontuando Perini (2001), quanto a não coordenação de SNs, Neves (2011) pontua que
“[...] Dois sintagmas nominais, por exemplo, só podem ser coordenados por MAS se um deles estiver
negado ou minimizado, como em ‘não o menino mas a mãe’. ” (NEVES, 2011, p. 755-756, destaques
não originais).
Neves (2011) identifica ainda mais 23 subfunções semânticas para ocorrências diversas do
“mas”, sem, contudo, afastá-lo do sentido opositor (em maior ou menor grau):
1 - contraposição marcando contrate entre positivo e negativo; 2- contraposição
marcando contraste entre negativo e positivo; 3- contraste entre expressões de
2 Usage-Based Linguistics ou Lingística Centrada no Uso (LCU): teoria linguística da língua em uso de origem
norte-americana, a qual segundo Bybee (2010) faz parte dos estudos de cunho funcionalista.
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INTERCRÍTICAS: ESTUDOS CONTEMPORÂNEOS DE LÍNGUA E LITERATURA 21
significação oposta; 4 -contraste, simplesmente, entre diferentes; 5- marcando
compensação não envolvendo gradação; 6- marcando compensação envolvendo
gradação; 7- restrição acrescentando um termo; 8- restrição acrescentando um
circunstante limitador; 9- restrição acrescentando uma qualificação;10- restrição
negando inferência; 11- contraposição na mesma direção; 12- contraposição em
direção independente; 13- eliminação negando-se a subsequência temporal natural;
14- eliminação negando-se a subsequência temporal natural, mas recolocando um
evento no primeiro membro; 15 - eliminação negando o que é enunciado no primeiro
membro; 16- contraposição em início de turno; 17- restrição por pedido de informação
a propósito do enunciado anterior; 18- em direção independente, é sugerido um novo
argumento para consideração (...) e o argumento anterior, embora admitido, é
considerado insuficiente; 19 - mudança de foco da narrativa ou da conversação (...);
20- introdução de um novo tema, que contrasta com o anteriormente selecionado; 21
-eliminação: o enunciado que o “mas” inicia elimina, de certo modo, o anterior; 22 -
eliminação implicando recolocação; 23- a eliminação rejeita algum elemento da
situação de enunciação (NEVES, 2011, p. 757-760)
Ancorado nesses precedentes, pode-se inferir que a construção mas/mais, como qualquer
elemento linguístico recorrente no discurso, tem potencial probabilidade de aparecer em contextos
novos, nos quais assume funções diferenciadas das usualmente conhecidas, como na possibilidade da
construção mas/mais exercer funções discursivo-pragmáticas, num nível maior de abstração, como
Marcador Discursivo Intensificador, em sentenças do tipo: “ Estudei muito, mas MUIto mesmo”.
Aqui, o segmento que a construção mas inicia segue na mesma direção do segmento que a antecede,
intensificando o que foi enunciado em primeiro plano.
Considera-se que a relação entre a expressão formal ou estrutura linguística e o contexto
discursivo é marcada por funções pragmáticas, as quais segundo Dik (1989, p. 264) especificam o
estatuto informacional dos constituintes em relação ao cenário comunicativo mais amplo em que são
usados. Assim, na relação entre sintaxe, semântica e pragmática, a pragmática é o quadro dentro do
qual a semântica e a sintaxe devem ser estudadas; as prioridades vão da pragmática à sintaxe, via
semântica. (NEVES, 1997).
As diversas nuances de usos do mas/mais encontram fundamento no pressuposto que a língua
é formada em rede de construções que, segundo Goldberg (1995; 2006), a construção relaciona-se à
ideia de correspondência/pareamento convencional de forma e função entre elementos da língua. De
igual forma, Lakoff (1987) e Traugott e Trousdale (2013), afirmam que a unidade básica da gramática
é a construção, entendida como o pareamento convencional forma-função.
Oliveira (2017), postula que as estruturas de conhecimento guardadas na memória permanente
do falante exercem papel decisivo na construção do significado e nos permitem explicar por que a
interpretação envolve sempre mais informações do que aquela diretamente codificada na forma
linguística. Aqui, o todo não é resultado da soma das partes, a composicionalidade semântica é
relativizada pelos contextos sociolinguísticos. A proposta de Traugott e Trousdale (2013) reside no
sentido de que a língua não é inteiramente composicional, mas a língua possui composicionalidade
no sentido de que a estrutura composicional de uma sentença irá frequentemente fornecer dicas sobre
o sentido do todo.
Parte-se do princípio de que é para satisfazer as necessidades comunicativas que a língua é
usada e que a estrutura gramatical é dependente da situação interativa e moldada pelo uso – a
gramática da língua emerge do uso.
Neste sentido, segundo Barros (2017):
A gramática, então, diz respeito à maneira natural pela qual a língua se organiza não
a um conjunto de normas e regras que prescrevem como ela deveria ser organizada.
Equivale ao próprio conhecimento dos falantes sobre a organização e uso linguísticos;
ao controle sobre como se deve ou se pode agir no/com o sistema linguístico para
construir os significados na língua. A vinculação da gramática ao uso e ao discurso
implica admitir que também fazem parte do processo de linguagem duas dimensões
básicas da formação humana e, em função disso, elas são constitutivas da gramática,
a saber: i) a interação social; e ii) a cognição. (BARROS, 2017, p. 99).
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INTERCRÍTICAS: ESTUDOS CONTEMPORÂNEOS DE LÍNGUA E LITERATURA 22
Decorre que, a gramática da língua é moldada no/ pelo uso que dela fazem os falantes. É em
torno dessa perspectiva que Barros (2017) pondera sobre a gramática da língua e sua vinculação ao
uso e ao discurso.
ABORDAGEM CONSTRUCIONAL DA MUDANÇA DE MAS /MAIS
Traugott e Trousdale (2013) propõem repensar o que sabemos sobre mudança, usando o
modelo da GC e postulam que há dois tipos de mudanças envolvendo as construções: [a] mudanças
construcionais, que afetam subcomponentes de uma construção e [b] construcionalização, mudança
em que novas combinações de signos são criadas a partir de pequenos passos de neonálises de forma
e função. De acordo com essas autoras, as mudanças meramente formais ou apenas semânticas não
caracterizam a construcionalização; são apenas mudanças construcionais. E acrescentam que uma
mudança construcional afeta a dimensão interna de uma construção, não envolvendo a criação de um
novo nó.
Goldberg (1995, 2006) e Traugott e Trousdale (2013) admitem que as construções podem ser
lexicais (conteúdo) e gramaticais (procedurais), entretanto, a distinção entre elas não é dicotômica,
mas se configuram num continuum.
As construções não se constituem e não se realizam de maneira isolada na língua. Elas são
inter-relacionadas em uma rede construcional, envolvendo os níveis fonológico, sintático, semântico
e pragmático-discursivo. A instanciação da construção no uso efetivo da língua é denominada
construto. Nesse contexto, para a compreensão de um processo de mudança construcional, faz-se
necessário ainda investigar as três propriedades fundamentais discutidas por Traugott e Trousdale
(2013) e Bybee (2003): produtividade, esquematicidade e composicionalidade. Nessa perspectiva, as
análises dos usos compreendem a questão da frequência, o nível de esquematicidade das construções
e o grau de transparência/opacidade entre forma e significado no nível da construção.
Esquematicidade
Quanto à esquematicidade, referidos autores esclarecem que esquemas linguísticos são
abstratos, grupos de construções generalizados semanticamente, sejam eles procedurais ou de
conteúdo e que os graus de esquematicidade dizem respeito aos níveis de generalização ou de
especificação, e até que ponto as partes do sistema são ricas em detalhes.
Esses autores tratam do modelo de rede hierárquica em que esquemas linguísticos são
instanciados por subesquemas e, nos níveis mais baixos, por microconstruções: membros de tipos
específicos e esquemas mais abstratos. Subesquemas podem ser desenvolvidos ou perdidos ao longo
do tempo e envolvem mudanças construcionais antes e depois da construcionalização.
A construção mas/mais, considerando o modelo de rede hierárquica proposto por Traugott e
Trousdale (2013), pode ser representada hierarquicamente por esquemas, subesquemas e
microconstruções. O esquema abstrato/geral é representado pelo Macro Domínio da Adversidade e o
subesquema por [O1 Conj Adv O2], sendo que, de subesquemas podem originar outros subesquemas
como [O1 contudo O2], [O1 porém O2], [O1 entretanto O2], [O1 no entanto O2], [O1 todavia O2],
[O1 mas/mais O2] e outras construções de sentido contrajuntivo. Atendo-se ao foco discursivo
intensificador, tem-se que do subesquema [O1 mas/mais O2] pode instanciar a microconstrução
[MAS/MAIS X] na função de Marcador Discursivo Intensificador. Os construtos referem-se aos usos
concretos como “ mais tão”, “mais dimais”, “mais muito”.
Na análise da microconstrução [MAS/MAIS X] consideram-se os domínios conceptuais para
os quais as relações de contexto, de forma e função tornam-se geradoras das expressões de que o
falante da língua se apropria para comunicar-se. Considera-se a construção mas/mais na função de
MDI com elo em dois Macro Domínios conceptuais amplos e abstratos, o da Adversidade e o dos
Marcadores Discursivos. Então, a análise envolve elementos dos níveis sintático, semântico e
pragmáticos, todos interconectados. Postula-se a linguagem como um instrumento cognitivo e o
-
INTERCRÍTICAS: ESTUDOS CONTEMPORÂNEOS DE LÍNGUA E LITERATURA 23
significado é considerado como um processo de complexas operações de projeção, mesclagem,
articulação de múltiplos domínios conceptuais (SALOMÃO, 1998 apud MIRANDA, 1999).
O subesquema [O1 mas O2] se organiza em níveis, do mais concreto para o mais abstrato,
configurando, num continnum de nuances que vai da contrajunção à intensificador do discurso:
Conjunção Coordenativa Adversativa com valor de contrajunção, (+) gramatical e (-) discursivo, à
função de Marcador Discursivo com valor intensificador, (-) gramatical e (+) discursivo), como em
(1) e (2), respectivamente:
(1) Inf.[...]... ficar DUAS horas da minha casa pra vir pru campus... então é essa parte
que eu NÃO gosto em Goiânia... mas eu gosto daqui muito... eu falo muito bem...
e aconselho todo mundo a vir visitar... sô apaixonada pela cidade...(FG/UFG - F -
20 anos Goiânia-GO).
Em (1), a construção mas apresenta-se com traços (+) gramaticalizados e (-) discursivos e tem
seu escopo à esquerda, ligando constituintes da direita para a esquerda, além de conter maior conteúdo
informacional do que o primeiro segmento, considerando que em orações de natureza opositora há
maior carga informacional e, de consequência, requer uma quantidade maior de estruturas linguísticas
para representá-la, conforme o subprincípio da quantidade estabelecido por Givón (1984). Há uma
quebra de expectativa do segundo turno em relação à informação apresentada no primeiro turno.
(CASTILHO, 2019).
(2) Doc. Então cê já é vovó? Inf. Já sô vovó... ah mas eu chorei... mas eu chorei... porque
eu criei ela assim com... aberto sabe nóis duas era muito aberta... eu conversava muito com
ela... ela conversava muito comigo... ...(FG/UFG - F - 40 anos Goiânia-GO).
Em (2), a construção mas apresenta traços (+) discursivos e (-) gramaticalizados e tem seu
escopo à direita, fazendo a conexão de expressões da esquerda para a direita, ou seja, conforme
Castilho (2019) o segundo segmento não contraria as expectativas geradas pelo primeiro segmento.
De consequência, seu conteúdo informacional segue na mesma direção do primeiro segmento. No
segundo segmento é retomado ou reproduzido, de forma intensificadora, o conteúdo expresso no
primeiro segmento, o que pode ser verificado com a repetição do verbo “chorar”. Nessa relação
interativo-discursiva, a construção mas/mais apresenta-se alheia à estrutura gramatical, ou seja, com
independência sintática e sem suficiência ou autonomia comunicativa para constituir enunciado
proposicional em si própria. (RISSO, SILVA e URBANO, 2002).
Para Castilho (2019), a repetição diz respeito ao resultado do princípio sociocognitivo de
reativação. Nesta microconstrução a função de mas/mais é de um elemento mais discursivo que
gramatical, e liga-se a outro Macro Domínio, o dos Marcadores Discursivos. Essa gradiência dentro
da mesma categoria linguística e entre categorias distintas é mensurada dentro do contexto discursivo-
pragmático, sendo a fronteira distintiva entre o mas gramatical e mas discursivo, segundo Castilho
(2019), decorre do tamanho do seu escopo e dos respectivos efeitos de sentido. Se assume o escopo
menor, de conectar sentenças paratáticas independentes sintaticamente e com dependência semântica
em que o segundo segmento contradiz o que foi dito no primeiro segmento, a construção mas/mais
está assumindo sua função de Conjunção Coordenada Adversativa, ao passo que, se seu escopo for
maior, conectando, extrassentencialmente, a relação discursiva, a construção mas/mais afasta-se, em
gradiência, do Macro Domínio da Adversidade (MDA) e ao mesmo tempo liga-se ao Macro Domínio
dos Marcadores Discursivos (MDMD). Dessa forma, o mesmo item linguístico pode assumir várias
funções distintas no uso, o qual, segundo Barros (2017), o uso “[...] diz respeito ao momento da
interação em qualquer uma das modalidades da língua e em qualquer contexto [..]”. Nesse percurso,
processos cognitivos de domínio geral são acionados e a construção mas/mais como MD tende a
ultrapassar as fronteiras estruturais da sentença para assumir, num nível maior de abstração, novos
usos no discurso, impactando a estrutura semântica prototípica. É o que Oliveira (2017) pondera sobre
a existência de estruturas de conhecimento guardadas na memória permanente do falante, as quais
exercem papel decisivo na construção do significado. Dessa forma, o falante, por meio de processos
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INTERCRÍTICAS: ESTUDOS CONTEMPORÂNEOS DE LÍNGUA E LITERATURA 24
cognitivos de domínio geral como categorização e prototipicidade, analogia, memória enriquecida,
associação transmodal, encadeamento ou chunking e outros mecanismos cognitivos, adaptam à língua
com vistas ao atendimento da comunicação. Nesse viés, língua e discurso se retroalimentam, numa
teia de vantagens recíprocas.
Pressupondo que níveis mais concretos herdam traços de níveis mais abstratos e considerando
que a gramática de uma língua é uma rede de construções e que as construções não são listas
aleatórias, a GC tem por tarefa definir o tipo de relação que se estabelece nessa rede desvelando os
processos de significação, tratando todas as unidades linguísticas, em todos os níveis, como
construções integradas de forma e modos de significação semântico-pragmática. Nessa direção, os
links que se formam na rede são estabelecidos pelo compartilhamento de propriedades forma-sentido
entre eles.
Produtividade
Quanto à produtividade, Traugott e Trousdale (2013) afirmam que a produtividade de uma
construção é gradiente, e esclarecem que ela pertence a esquemas (parciais) e se refere a i) suas
“extensibilidades” ao ponto em que sancionam outras construções menos esquemáticas e ii) ao ponto
em que são restringidas. Enfatizam que muitos trabalhos sobre produtividade se referem à frequência
como os de Bybee (2003), que distingue “frequência do tipo” (type) de “frequência do símbolo”
(token).
Composicionalidade
E, por fim, quanto à composicionalidade, esclarecem que a composicionalidade se refere ao
grau de transparência da relação entre forma e sentido. A composicionalidade é normalmente pensada
tanto nos termos da semântica, quanto nos termos das propriedades combinatórias do componente
sintático. As autoras afirmam que a sintaxe é composicional porque constrói mais expressões
complexas de boa-formação recursivamente, nas bases das expressões menores, enquanto a semântica
é composicional porque constrói os sentidos das expressões maiores nas bases dos sentidos das
expressões menores.
Rede representativa da construção mas/mas
Na rede construcional representativa da construção mas/mais, (figura 1), há o
compartilhamento entre dois Macrodomínios, o da Adversidade e o dos Marcadores Discursivos.
Figura 1 – Rede representativa da construção mas/mais.
Fonte: Dados da pesquisa, com base na rede construcional de Traugott e Trousdale (2013).
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INTERCRÍTICAS: ESTUDOS CONTEMPORÂNEOS DE LÍNGUA E LITERATURA 25
Nessa figura, a construção mas/mais em uso intensificador, distancia em maior escala do
Macro Domínio de origem, o da Adversidade (Negação), por possuir também outros traços que a liga
aos que caracterizam a categoria dos Marcadores Discursivos (MD). A relação entre a construção
mas/mais prototípica adversativa e a construção mas/mais não prototípica/ discursivas (membros
radiais) com o amplo domínio categorial da negação (MDA) é definida em razão da proximidade ou
não das características ou traços comuns de cada uma com as características ou traços definidores da
categoria central prototípica (zona de intersecção). Sendo que, a medida deste distanciamento,
membros radiais ↔ categoria, é determinada pelas variáveis contextuais, pragmaticamente. Há,
portanto, uma flexibilização categorial fazendo com que a fronteira entre uma categoria e outra seja
tênue, possibilitando, dessa forma, que os fenômenos gramaticais recebam tratamento escalar e
contínuo.
Sugestiona-se, pois, que o macro domínio de origem (MDA) licencia, de forma implícita, em
graus, novos e variados usos, os quais são condicionados às variáveis discursivo-pragmáticas. A
construção mas/mais, prototipicamente, carrega como características: atuar na conexão entre
sentenças independentes sintaticamente e semântica e pragmaticamente interdependentes
estabelecendo uma relação de contraste entre ambas (relação exclusivamente binária).
Funcionalmente, essa construção, dada à fluidez da língua, ganha espaço fora de seu escopo
sintagmático estendendo seus efeitos para a conexão de relações discursivas e nestas assume outras
nuances de sentido, dentre as quais, a intensificadora. Discursivamente, perde alguns traços da
categoria prototípica como à de não se limitar a uma relação binária sintática e assumir
semanticamente a coesão das relações discursivas sem oposição ou contraste. Da relação entre os
traços prototípicos e discursivos, há intersecção sintático-semântica e pragmática: o sentido opositor
descende, por traços de herança, do amplo domínio da adversidade havendo uma opacidade semântica
discursivamente. Ambos exercem a função conectiva, sendo que, como coordenador adversativo atua
na organização do nível sentencial, e como MD atua na organização discursiva mais global, dos
componentes interpessoal e ideacional, criando, respectivamente, a coesão interacional e a coesão
textual do discurso. Pragmaticamente, todas as experiências linguísticas e não linguísticas são
mobilizadas, havendo uma interdependência com os componentes sintático-semântico. Assim, para
que o uso da construção mas/mais assuma sentido não prototípico discursivamente pressupõe que
houve um licenciamento cognitivo que parte de um conhecimento de base prototípico –
adversidade/opositor. O traço opositor, portanto, está presente em todos os componentes em graus.
Nessa teia linguístico-cognitiva em que o conhecimento licencia o uso linguístico concreto, a
centralidade que se atribui ao uso baseia-se em dois pilares - a experiência linguística do falante que
influencia de forma direta na representação cognitiva do conhecimento gramatical e na elaboração de
recursos da atenção, segundo Goldberg (2006). Considera-se, portanto, que o sentido intensificador
assumido no discurso, é extensão do sentido opositor prototípico.
Logo, o uso da construção mas/mais é guiado pelo contexto discursivo-pragmático, ora
ligando orações coordenadas e ora como conector discursivo para além do paradigma sintagmático.
Nessa perspectiva, nas palavras de Penhavel (2009, p. 284):
[...] os dois mecanismos apresentam algumas propriedades distintas e algumas
similaridades, que às vezes dificultam decidir se um item está funcionando como
coordenador ou como marcador. Na verdade, em termos gerais, esses mecanismos
podem ser tratados como exercendo uma mesma função conectiva, o primeiro atuando
na organização mais estrutural de sentenças, e o segundo, na organização das relações
discursivas. (PENHAVEL, 2009, p. 284).
É nesse contexto teórico de língua em uso que a construção mas/mais está sendo averiguada
no falar goiano em sua atuação discursiva como MDI.
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INTERCRÍTICAS: ESTUDOS CONTEMPORÂNEOS DE LÍNGUA E LITERATURA 26
CONCLUSÃO
A partir das bases teóricas apresentadas e da análise preliminar dos dados, podemos perceber
que no contexto de mudança na língua as características que classificam a construção mas/mais como
conjunção adversativa podem sofrer variações cedendo lugar a outras propriedades ou características
que o distanciem do sentido contrajuntivo. Tem-se aqui uma flexibilidade categorial decorrente da
fluidez e dinamicidade da língua, permitindo-se, dessa forma, que os fenômenos gramaticais recebam
tratamento escalar e contínuo, posto que motivados pela pragmática.
A gramática da língua é entendida como uma estrutura em constante mutação/adaptação, em
consequência das variáveis do discurso. Gramática e discurso coatuam em mútua dependência, um
(re) modelado pelo outro; a gramática, portanto, é afetada pelo uso linguístico e vice-versa. No campo
discursivo, a construção mas/mais perde parte de sua transparência denotativo referencial e opera na
articulação de unidades maiores, no discurso, como MDI. Percebeu-se, sobretudo, que pode estar
havendo uma opacização de seu sentido contrajuntivo, o qual pode ser recuperado pragmaticamente,
via recursos linguístico-cognitivos.
Nessa perspectiva e tomando como referência que as estruturas de conhecimento armazenadas
na memória do falante exercem papel decisivo na construção do significado, pode-se considerar que
o mas continua mantendo traços do MDA e, ao mesmo tempo, estabelece elo com o MDMD, o que
ratifica a premissa de que a língua é formada por redes, onde diferentes elos se ligam para imprimir
no discurso multifacetados efeitos de sentido, dentre os quais o mas/mais intensificador do discurso.
Essa é a compatibilidade integradora da gramática da língua postulada por Neves (2014, p. 71) “[...]
A gramática é esse mecanismo ‘constitutivo’ do fazer da linguagem, e nela, exatamente, repousa o
cálculo da produção de sentido do que é enunciado. ”
Esta pesquisa não terá a pretensão de esgotar o assunto, mas de motivar outras pesquisas,
colaborando com estudos já realizados acerca dessa construção linguística, tão recorrente nos
contextos de uso de um modo geral, como nos estudos de Silva (2004), Castilho (2019) e outros, e
sobretudo, colaborar com o entendimento da mudança linguística no português brasileiro.
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INTERCRÍTICAS: ESTUDOS CONTEMPORÂNEOS DE LÍNGUA E LITERATURA 27
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BYBEE, J. Language, Usage and Cognition. Cambridge: Cambridge University Press, 2010.
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DIK, S.C. The theory of Functional Grammar. Part I: The structure of the clause. Dordrecht:
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LAKOFF, G. Women, fire and dagerous things: what categories reveal about the mind. Chicago:
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MARTELOTTA, M. E. Manual de linguística. 2 ed., 5 reimpressão. São Paulo: Contexto, 2017.
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INTERCRÍTICAS: ESTUDOS CONTEMPORÂNEOS DE LÍNGUA E LITERATURA 29
Capítulo 03 ASPECTOS FORMAIS E CONCEITUAIS DAS
CONSTRUÇÕES-SUPORTE NA FALA GOIANA
EDUARDO ALMEIDA FLORES
CYNARA ALVES DE CAMPOS
INTRODUÇÃO
A construção-suporte tem sido tratada na tradição formal como um caso de gramaticalização
do verbo. Nesse sentido, as análises são voltadas para os itens que a compõe de maneira individual.
Na Gramática de Construções (GCX), a construção-suporte é vista como uma unidade lexical. Trata-
se de uma abordagem mais integradora, que reconhece a construção-suporte como um pareamento
entre uma forma, oriunda de uma relação sintática entre um verbo dessemantizado e seu complemento
com características informacionais e um significado estabelecido socioculturalmente na comunidade
de fala, como encontrado em Neves (2011) e Castilho (2014).
Na GCX, a língua é reconhecida como uma atividade sociocultural aprendida e compartilhada
por uma comunidade. Nesse sentido, as construções são unidades simbólicas convencionalizadas na
cultura e na sociedade, ou seja, elas fazem parte do conhecimento inerente à realidade experienciada
pelo o ser humano.
Destacam-se na GCX alguns pressupostos básicos. O primeiro é a concepção de língua como
uma rede de construções relacionadas por vínculos de hierarquia e herança. O segundo corresponde
ao fato da construção gramatical ser vista como a unidade básica de análise linguística e, por fim, a
compreensão da gramática como uma organização cognitiva de representação do mundo por
intermédio de categorias construcionais.
Nessa perspectiva, entende-se que as construções são padrões cognitivos estabelecidos por
intermédio das experiências dos falantes, que vivencia a língua e a modifica em função dos seus
propósitos comunicativos, por isso, a gramática é organizada mediante relações construcionais
(LANGACKER, 2008). As construções fazem parte do conhecimento linguístico dos falantes e
apresentam aspectos formais e conceituais que são estabelecidos diante as convenções simbólicas na
sociedade.
ASPECTOS FORMAIS DA CONSTRUÇÃO-SUPORTE
A construção, de um modo geral, é compreendida como um pareamento convencionado entre
forma e significado (CROFT, 2001; LANGACKER, 2008; GOLDBERG, 1995). Dessa noção, nasce
a compreensão da natureza simbólica da gramática, pois os significados das construções são frutos
de acordos socioculturais que correspondem às representações mentais dos falantes (CROFT, 2001).
Para Croft (2001), a construção pode ser exemplificada pelo seguinte esquema:
Fonte: Croft (2001, p.18)
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INTERCRÍTICAS: ESTUDOS CONTEMPORÂNEOS DE LÍNGUA E LITERATURA 30
Nesse esquema, a construção apresenta dois polos principais: o polo formal e o polo do
significado. Esses polos são unidos por um link simbólico. Encontra-se em cada um dos polos da
construção propriedades específicas. De acordo com Croft (2001), as propriedades fonológicas, as
propriedades morfológicas e as propriedades sintáticas compõem a construção no âmbito formal.
Enquanto, as propriedades semânticas, as propriedades pragmáticas e as propriedades discursivo-
funcionais compõem a construção no âmbito do significado.
Propriedades construcionais
Como destacamos na introdução desse capítulo, a língua é concebida como uma organização
em rede de relações construcionais. Posto isso, cada construção equivale a uma generalização de um
padrão regular na língua. Esses padrões construcionais são interconectados por questões que
envolvem os processos cognitivos desencadeados pelas experiências vivenciadas, a frequência de uso
e a criatividade do falante ao realizar inovações na língua.
Os padrões construcionais, com a construção-suporte, apresentam outras propriedades, isto é,
características relacionadas às posições hierárquicas na rede de relações construcionais. Conforme
Traugott e Trousdale, (2013), essas propriedades são: a esquematicidade, a composicionalidade e a
produtividade.
Em relação à esquematicidade, trata-se de uma propriedade característica de construções mais
abstratas, isto é, com maior nível de generalidade taxionômica de categorias linguísticas. A
generalização, de acordo com Casseb-Galvão et al. (2007), representa a perda de traços de significado
em decorrência da expansão de contextos e da frequência no uso.