adamo prince: anÁlises parciais sobre a aplicaÇÃo de seus mÉtodos

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ADAMO PRINCE: ANÁLISES PARCIAIS SOBRE A APLICAÇÃO DE SEUS MÉTODOS Roberta Mourim Cabral 1 Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro — UNIRIO/PPGM SIMPOM: subárea de Educação Musical [email protected] Resumo: Conhecido no meio educacional pelo seu Método Prince de Ritmo (PRINCE, 2002), o professor, compositor e arranjador, Adamo Prince, escreveu também o Método Prince de Som (MPS), que, embora não publicado, está sendo utilizado há três décadas em aulas particulares ministradas pelo autor. Apesar de o Método Prince de Ritmo (MPR) ser adotado em universidades — como a UFRJ (PAZ, 2013) — até agora, aparentemente, ele ainda não tinha sido tomado como objeto de estudo acadêmico. Partindo desta lacuna, iniciei a pesquisa Método Prince: análises sobre suas aplicações, dentro do Mestrado do PPGM (Unirio), na sub-área Música e Educação: Linha de Pesquisa Ensino e Aprendizagem em Música. A pesquisa está em andamento e, nesta comunicação, proponho apresentar resultados parciais. O objetivo geral da dissertação de mestrado é registrar e analisar como Prince declara ser a forma ideal da aplicação de seus Métodos. Nesse texto, apresento algumas particularidades dos métodos e reflexões iniciais sobre quais as singularidades que fazem com que os Métodos atraiam profissionais da música já inseridos no mercado. Utilizo a História Oral como metodologia: o que pressupõe a produção intencional de documentos a partir de entrevistas orais. Tenho o intuito de entrevistar 15 alunos que já tinham participação comprovada no mercado ou já estavam formados em alguma graduação em música quando começaram a ter aulas de temas básicos, ligados à leitura e escrita musical. Até agora, 3 alunos foram entrevistados. O autor dos Métodos também tem colaborado com depoimentos. Palavras-chave: ritmo; som; Método Prince Partial Analysis on the Application of Adamo Prince's Methods Abstract: Known in the educational environment for his Prince's Rhythm Method (PRINCE, 2002), Adamo Prince: teacher, composer and arranger, also wrote the Prince's Sound Method (PSM), which, although not published, is being used for three decades in private lessons taught by the author. Although the Prince's Rhythm Method (PRM) is being adopted in universities - such as UFRJ (PAZ, 2013) - until now, apparently he had not been regarded as an object of academic study. Starting from this shortcoming, I began the research: Prince's Method: Applications in the field of Music and Education at the Masters Degree of PPGM (Unirio). The research is still in progress, and, in this article, I propose to present its partial results. The general purpose is to record and analyze how Prince declares to be the ideal way of applying his methods. In this text, I present some particularities of the methods and initial reflections about the singularities that make them attractive for professional musicians. I use oral history as a methodology: which implies the intentional production of documents from oral interviews. I have the intention to interview 15 students who already had evidenced involvement on the market or were already graduated in some degree in music when they started taking lessons about basic issues linked to music literacy. So far, three students were interviewed. The educator has also collaborated with his testimonials. Keywords: rhythm; sound; Prince's method 1 Orientada por Inês de Almeida Rocha. Bolsista da CAPES.

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Resumo: Conhecido no meio educacional pelo seu Método Prince de Ritmo (PRINCE, 2002), o professor, compositor e arranjador, Adamo Prince, escreveu também o Método Prince de Som (MPS), que, embora não publicado, está sendo utilizado há três décadas em aulas particulares ministradas pelo autor. Apesar de o Método Prince de Ritmo (MPR) ser adotado em universidades — como a UFRJ (PAZ, 2013) — até agora, aparentemente, ele ainda não tinha sido tomado como objeto de estudo acadêmico.

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  • ADAMO PRINCE: ANLISES PARCIAIS SOBRE A APLICAO DE SEUS MTODOS

    Roberta Mourim Cabral1 Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro UNIRIO/PPGM

    SIMPOM: subrea de Educao Musical [email protected]

    Resumo: Conhecido no meio educacional pelo seu Mtodo Prince de Ritmo (PRINCE, 2002), o professor, compositor e arranjador, Adamo Prince, escreveu tambm o Mtodo Prince de Som (MPS), que, embora no publicado, est sendo utilizado h trs dcadas em aulas particulares ministradas pelo autor. Apesar de o Mtodo Prince de Ritmo (MPR) ser adotado em universidades como a UFRJ (PAZ, 2013) at agora, aparentemente, ele ainda no tinha sido tomado como objeto de estudo acadmico. Partindo desta lacuna, iniciei a pesquisa Mtodo Prince: anlises sobre suas aplicaes, dentro do Mestrado do PPGM (Unirio), na sub-rea Msica e Educao: Linha de Pesquisa Ensino e Aprendizagem em Msica. A pesquisa est em andamento e, nesta comunicao, proponho apresentar resultados parciais. O objetivo geral da dissertao de mestrado registrar e analisar como Prince declara ser a forma ideal da aplicao de seus Mtodos. Nesse texto, apresento algumas particularidades dos mtodos e reflexes iniciais sobre quais as singularidades que fazem com que os Mtodos atraiam profissionais da msica j inseridos no mercado. Utilizo a Histria Oral como metodologia: o que pressupe a produo intencional de documentos a partir de entrevistas orais. Tenho o intuito de entrevistar 15 alunos que j tinham participao comprovada no mercado ou j estavam formados em alguma graduao em msica quando comearam a ter aulas de temas bsicos, ligados leitura e escrita musical. At agora, 3 alunos foram entrevistados. O autor dos Mtodos tambm tem colaborado com depoimentos. Palavras-chave: ritmo; som; Mtodo Prince Partial Analysis on the Application of Adamo Prince's Methods Abstract: Known in the educational environment for his Prince's Rhythm Method (PRINCE, 2002), Adamo Prince: teacher, composer and arranger, also wrote the Prince's Sound Method (PSM), which, although not published, is being used for three decades in private lessons taught by the author. Although the Prince's Rhythm Method (PRM) is being adopted in universities - such as UFRJ (PAZ, 2013) - until now, apparently he had not been regarded as an object of academic study. Starting from this shortcoming, I began the research: Prince's Method: Applications in the field of Music and Education at the Masters Degree of PPGM (Unirio). The research is still in progress, and, in this article, I propose to present its partial results. The general purpose is to record and analyze how Prince declares to be the ideal way of applying his methods. In this text, I present some particularities of the methods and initial reflections about the singularities that make them attractive for professional musicians. I use oral history as a methodology: which implies the intentional production of documents from oral interviews. I have the intention to interview 15 students who already had evidenced involvement on the market or were already graduated in some degree in music when they started taking lessons about basic issues linked to music literacy. So far, three students were interviewed. The educator has also collaborated with his testimonials. Keywords: rhythm; sound; Prince's method 1 Orientada por Ins de Almeida Rocha. Bolsista da CAPES.

  • 2 1. Introduo

    O interesse por este objeto de pesquisa comeou quando eu me tornei aluna de

    Adamo Prince e consequentemente conheci seus Mtodos: o Mtodo Prince de Ritmo (MPR)

    e o Mtodo Prince de Som (MPS).

    Embora eu reconhea que exista uma discusso sobre o que significa a palavra

    mtodo em Educao Musical (JARAMILLO, 2004), opto por no entrar nesta questo aqui.

    Neste artigo, entendo "mtodo" como textos que indiquem procedimentos a serem seguidos

    para alcanar objetivos especficos, desde que estes procedimentos sejam fundamentados em

    processos lgicos, filosficos e outros.

    Quando conheci Prince, estava inscrita no curso de Bacharelado em Violo, na

    UFRJ, e era aluna de Bartolomeu Wiese, que j tinha sido aluno dele. Aps relatar minhas

    dificuldades em leitura primeira vista, ele recomendou que eu procurasse Prince para ter

    aulas de ritmo2. Parecia claro para Wiese que uma boa leitura primeira vista est sempre

    condicionada leitura rtmica fluente.

    A mesma dificuldade que era sentida por mim na leitura primeira vista, aparecia no

    solfejo. Por isso resolvi comear a ter aulas de som3. Os tpicos se intercalavam: em uma

    semana eu estudava ritmo e, na seguinte, som.

    Como fui aluna de Prince por 7 anos, acabei tendo contato com alguns dos outros

    alunos do educador. Um dos que conheci comeou a estudar com o Prince logo aps ter

    terminado um bacharelado em violo. Tambm havia msicos profissionais, compositores,

    professores de universidade, enfim, profissionais que, muitas vezes, estavam estudando os

    mesmos tpicos que eu: uma aluna quase iniciante. Ao observar a clientela de Prince, me

    interessei em saber o que aquelas pessoas buscavam no MPS e no MPR.

    2. Metodologia

    Em reviso bibliogrfica, encontrei duas citaes em Paz (2013). Em uma delas, a

    autora fala sobre os mtodos adotados pelos professores de percepo da UFRJ. (PAZ, 2013,

    p. 203) Na outra, fala da escassez de mtodos que possuam uma identidade nacional

    brasileira, citando o trabalho de Prince como uma exceo. (PAZ, 2013, p. 201) 2 As "aulas de ritmo" citadas neste texto so aulas que pretendem desenvolver a leitura rtmica primeira vista. 3 Prince chama de aulas de "som" um conjunto de procedimentos e treinamentos para que a relao entre as notas sejam percebidas e cantadas por reflexo condicionado. Alm destes procedimentos, que so anlogos s aulas de tcnica nos instrumentos, tambm h o treinamento de solfejo primeira vista. Nestes solfejos, os ritmos so simples, para que o centro da ateno do aluno esteja na relao entre os sons.

  • 3 Para realizar esta pesquisa sobre referncias ao trabalho de Prince no meio

    acadmico busquei por o termo "Adamo Prince" em monografias e teses nos stios da Unirio e

    da UFRJ; utilizei os sistemas de busca Google Acadmico; Scientific Electronic Library

    Online (Scielo); e questionei o prprio Prince, se ele j havia sido objeto de algum tipo de

    estudo acadmico, obtendo resposta negativa.

    Diante da carncia de estudos acadmicos, a Histria Oral, como metodologia,

    parecia ser uma sada, j que ela pressupe a produo intencional de documentos.

    A Histria Oral um mtodo de pesquisa (histrica, antropolgica, sociolgica, etc.) que privilegia a realizao de entrevistas com pessoas que participaram de, ou testemunharam, acontecimentos, conjunturas, vises de mundo, como forma de aproximar do objeto de estudo. Como consequncia, o mtodo de histria oral produz fontes de consulta (as entrevistas) para outros estudos, podendo ser reunidas em um acervo aberto a pesquisadores. (ALBERTI, 2005, p.18)

    Verena Alberti, em seu Manual da Histria Oral (2005), destaca algumas

    caractersticas essenciais para que um projeto possa usar a histria oral como metodologia.

    Em primeiro lugar, a pesquisa precisa ser sobre temas recentes. O perodo pesquisado tem

    que estar ao alcance da memria dos entrevistados: o que no gerou restries ao uso da

    metodologia neste trabalho.

    Tenho o intuito de entrevistar 15 alunos que j tinham participao comprovada no

    mercado ou j estavam formados em alguma graduao em msica quando comearam a ter

    aulas de ritmo e som. At agora, 3 alunos foram entrevistados. O educador tambm tem

    colaborado atravs de entrevistas.

    Neste artigo foram utilizados os relatos de Bartolomeu Wiese; Wanderson Martins;

    Marlia Guttlere; e de Adamo Prince. Wiese e Martins so ex-alunos de Prince. Atualmente,

    Wiese professor de violo da UFRJ, e Martins diretor musical do Martinho da Vila.

    Guttler foi professora da Escola Estadual de Msica Villa-Lobos entre 1997 e 2003

    (musicalizao infantil e piano em grupo) e aluna de Prince. A ntegra destas entrevistas

    sero anexadas dissertao, quando ela estiver concluda. Ser uma forma de disponibilizar

    os documentos produzidos para outros pesquisadores.

    3. Os Clichs Visuais e a Leitura Primeira Vista

    O MPR destinado ao ensino de ritmo atravs de exerccios propostos para

    promover a leitura rtmica primeira vista. A tcnica proposta para alcanar este objetivo tem

    como elemento principal a noo de clichs visuais.

  • 4 Prince (2002) apresenta, no primeiro volume do MPR o conceito de clich visual. O

    autor compara a linguagem gramatical onde h slabas que combinam consoantes e vogais

    , com o ritmo em msica. No ritmo, em vez de slabas, encontramos "figuras" que

    podem ser compostas tanto por notas quanto por pausas e, quando combinadas formam

    partculas chamadas de clichs. Os clichs so anlogos s slabas, porque atravs da juno

    deles podemos formar estruturas rtmicas maiores at chegar as frases musicais. Durante as

    entrevistas concedidas para esta pesquisa, o autor usa os termos slaba rtmica e clich rtmico

    como sinnimos de clichs visuais.

    Prince parece estar convencido de que os clichs rtmicos so o que h de essencial

    para uma boa leitura primeira vista: "O reflexo apurado na associao do clich musical

    com o seu significado sonoro que possibilita a leitura primeira vista. E para escrever

    importante o reflexo apurado na associao sonora/visual". (Prince, 2002, p. 20)

    O autor exemplifica como uma frase rtmica pode ser separada em clichs.

    Imagem 1: clichs visuais ou slabas rtmicas (Prince, 2002, p. 20)

    De acordo com entrevista realizada, o entendimento de que os clichs rtmicos so

    essenciais leitura primeira vista surgiu, para Prince, depois de uma conversa dele com

    outro msico: Odair Assad.

    Tomei conscincia da existncia [das slabas rtmicas] quando eu estudava com o Odair Assad. Eu escrevi uma pea para ele tocar. Ele foi ler a pea e leu primeira vista, tocando muito bem. (...) Era uma pea difcil, e ele estava tanto tocando bem como lendo primeira vista muito bem. E a, como eu no tinha aquela performance de leitura, perguntei como ele conseguia fazer. A ele falou: esses padres rtmicos que esto aparecendo so sempre os mesmos. Ento a gente j sabe, s de olhar, essas coisas que aparecem sempre a toda hora. (...) Foi a primeira vez que me chamou a ateno, o clich rtmico, a slaba rtmica, que faz voc, atravs da viso, j saber qual o ritmo. Antes de executar, j estava na vista. Esta foi a primeira vez que eu vi. Mas em termos de metodologias aplicadas, primeiro foi em mtodos tchecos, depois no Pozzolli e em Hindemith. Em livros assim Os estrangeiros foram os primeiros. (Entrevista concedida por Prince em 9 de janeiro de 2014)4.

    4 As duas entrevistas com Prince foram gravadas em mp3, atravs do celular. As demais, foram gravadas diretamente no computador, com o programa garage band, que possibilita uma melhor qualidade de gravao. Entretanto, estes udios foram posteriormente comprimidos em mp3 para facilitar a manipulao e a

  • 5

    Sloboda (2008) se dedicou a pesquisar a leitura primeira vista por meio de testes.

    Ele realizou um estudo inspirado em outros do campo da lingustica onde pediu que

    instrumentistas lessem, nos prprios instrumentos (olho-mo), melodias de uma s linha,

    primeira vista. Em determinado momento, a partitura era retirada de forma repentina. O

    resultado obtido foi que os leitores proficientes foram capazes de reproduzir corretamente, em

    mdia, sete notas, que j tinham sido memorizadas antes da retirada abrupta da partitura,

    independente de qual fosse o instrumento que estivesse sendo utilizado. Com isso, Sloboda

    conclui que "as unidades nos termos das quais se organizam a execuo fluente no possuem

    mais do que sete notas consecutivas em uma melodia" (SLOBODA, 2008, p.93)

    Nota-se que Sloboda preocupou-se com a quantidade de notas lidas, em vez de

    observar as estruturas rtmicas, tal qual fez Prince. Entretanto, o primeiro desconfia de que

    haja mais algum tipo de subestrutura, porque a frase musical tpica no coincide

    necessariamente com um grupo de sete notas. Ele pondera: "temos que supor que existam

    alguns princpios de diviso de frase em unidades menores, anlogas s palavras".

    (SLOBODA, 2008, p.93) Aqui percebe-se uma aproximao com a concepo de ritmo em

    Prince, que, por sua vez, prefere identificar essas "unidades menores" com slabas, em vez

    faz-lo com palavras.

    Embora Prince seja um divulgador do uso de clichs rtmicos no Brasil, ele no

    pretende ser reconhecido como inventor do sistema.

    Eu via as slabas rtmicas, essa coisa de clich rtmico. Esto nos mtodos da Berkelle, nos Estados Unidos, e em vrios outros! Eu via a coisa sendo aplicada. Mas a eu mesmo comecei a escrever. Pra eu mesmo ir aprendendo. A eu fui fazendo uma metodologia Eu no sabia se ia ficar completa ou se no ia. Eu comecei a organizar. Pra mim!

    Prince diz no ter baseado sua pesquisa de identificar visualmente uma enorme

    quantidade de clichs rtmicos na anlise de partituras. Ele conta ter usado uma anlise

    lgico-visual:

    Foi atravs de um processo lgico de organizao visual. Pegando primeiro as slabas que no se subdividiam, s na unidade de tempo por quatro; depois com a subdiviso; depois as que s se compunham com notas mais longas; depois com notas subdivididas; com colcheias; com semicolcheias; depois com o composto Teve uma organizao, mas no que eu fosse pegar em partituras. Agora, no Mtodo Prince, no volume III, que chegava em linguagem contempornea, tinha mudanas

    transcrio. Nos trechos reproduzidos aqui, repeties comuns na linguagem falada foram, por vezes, omitidos, mas sem prejudicar o significado geral do texto.

  • 6 de compassos, com mudanas de unidades, e toda essa coisa moderna. A eu ouvi bastante coisa, tanto de clssica, quanto popular, jazz e coisa de vanguarda. A nica coisa que eu fiz, foi organizar as slabas. Os mtodos que j existiam no traziam uma organizao igual a que eu fiz, e nem perto da que eu fiz. Eram muito restritos. Eles no tinham o passo a passo. Era diferente. Eu fiz, mas eu no sabia no que ia dar. Tambm se eu fosse pensar na proporo, talvez eu no tivesse feito. (Entrevista concedida por Prince em 9 de janeiro de 2014)

    Outra peculiaridade do MPR a associao de "pronncias5" que so slabas

    possveis na lngua portuguesa: t; tan; c; ca e cam com os clichs visuais. Sobre este

    ponto, Prince esclarece:

    Pronncia cada um pode usar a que quiser. Mas eu usei uma mais simples, que qualquer um pode se adequar. (...) Ento eu estou fazendo da maneira mais simples que eu achei: que com t, tan, t-ca-ta-ca. O princpio da silabao o mesmo que se usa em instrumentos de sopro e de arco. Porque quando est em andamento rpido, precisa-se de arcadas pra dois lados ou de sopro duplo - tucutucu - como se faz na flauta. Ento eu fiz t c e t can, pra notas ligadas e longas. O principio esse. Mas necessrio que se tenha uma pronncia adequada na hora de olhar, para poder fazer uma leitura verbal. Seno, no tem como! Voc no pode ainda ter que pensar de que maneira vai fazer para ler aquilo. Seno no vai conseguir ler, no vai ter uma boa leitura primeira vista. No vira reflexo. (Entrevista concedida por Prince em 9 de janeiro de 2014)

    O uso de silabao proposto por Prince, foi usado de forma semelhante por Gazzi de

    S (PAZ, 2013, p. 41). Entretanto, Gazzi parece querer usar as pronncias t-tu-ti-tu

    para facilitar o entendimento matemtico da diviso dos tempos. A nfase de Prince est na

    associao da pronncia com o aspecto visual dos clichs.

    4. O Mtodo Prince de Som

    O MPS um livro manuscrito de solfejos e exerccios tcnicos que tm como

    objetivo desenvolver a leitura primeira vista.

    De acordo com Prince, o MPS no existe em sua forma definitiva. Ele teria sido

    somente esboado embora este esboo esteja sendo usado h 30 anos atravs de pdfs e

    xeroxes que so passadas aos alunos diretamente pelo professor.

    Ao ser questionado por que ele preferiu no terminar de escrever o MPS, Prince

    responde que no obteve incentivo da editora para continuar o projeto.

    O Mtodo Prince de Som foi s esboado. Porque, quando a gente comeou a dar aula, s tinha mesmo o Kodly, que era o mtodo que a gente usava de solfejo

    5 No MPR, os sons que so associados aos clichs visuais so chamados de pronncias. (PRINCE, 2002, p. 26)

  • 7 relativo. Ento, eu comecei a escrever, at porque o Kodly no explica nada. Ele s tem os exerccios para serem feitos, talvez imaginando que quem v orientar saiba o que poderia ser feito, alm daqueles exerccios que esto ali. De qualquer maneira, um mtodo hngaro, e l a coisa diferente. Mas eu me animei a escrever sobre o som de uma forma mais ampla, no sentido de fazer exerccios e treinamentos para a chegar num objetivo final: que seria a leitura fluente daquelas partituras. Eu aprendi solfejo no mtodo Kodly, que quer dizer solfejo relativo: d mvel. (Entrevista concedida por Prince em 21 de maio de 2014)

    No sistema relativo de som, tambm conhecido como tonic sol-fa system ou d

    mvel, a posio do d muda de acordo com a armadura de clave (tonalidade). Por exemplo,

    se a armadura apresenta apenas o f sustenido de alterao para este sistema, tanto faz se a

    tonalidade maior ou menor o d deve ser posicionado na segunda linha do pentagrama, o

    r no segundo espao e assim sucessivamente. As notas da escala se relacionam com a tnica,

    que sempre ser chamada de d. Na leitura pelo sistema absoluto, cada nota deve ser nomeada

    de acordo com a sua frequncia, e as posies no so mveis. A vibrao de 440 hertz

    sempre ser chamada de l.

    Ainda sobre a concluso do MRS, Prince complementa:

    Eu fui desincentivado de todas as formas. (...) Cheguei a fazer um esboo de quase um volume inteiro, pentatnico, de quase trezentas pginas. Mas os editores fizeram uma pesquisa de mercado e ficou claro que ningum conhecia o assunto. Segundo eles, ningum sabia ensinar isso e talvez ningum gostasse disso, entendesse isso. E que no havia professores que soubessem ensinar, e que a maioria das pessoas do Brasil no quer sequer aprender a solfejar. Foi a pesquisa de mercado!

    A pesquisa foi repetida em dois momentos distintos:

    [Foram] Duas vezes. Uma em 1982, que foi quando eu fiz esse esboo. Antes de continuar, eu j levei, s com aquele incio, pros editores. Pra ventilar, para poder continuar escrevendo. Diferente do que eu fiz com o mtodo de ritmo. No mtodo de ritmo, eu escrevi um pouquinho, apresentei, e eles editaram. E foi at uma experincia! O primeiro mtodo foi o tempo que se voc for comparar com o definitivo, que agora se chama Mtodo Prince de Ritmo: de leitura, ritmo e percepo, ele tambm era um esboo rpido, para poder dar aulas. Depois eu fui elaborando e aprimorando, fazendo os estudos musicais especficos para concluir o trabalho. Primeiro foi editado com o nome Tempo, e depois saiu do mercado. Inclusive, essa edio foi esgotada. E foi lanado o Mtodo Prince. Nesta poca eu j estava contratado e fui escrevendo os trs volumes, j sabendo que seriam editados, ao contrrio do mtodo de som. Com o mtodo de som eu fiz a mesma coisa, e a foi uma rejeio total. () A outra pesquisa de mercado foi feita recentemente, com resultados semelhantes. (Entrevista concedida por Prince em 21 de maio de 2014)

    Estas duas pesquisas de mercado citadas por Prince podem ser um bom objeto de

    pesquisa para outros pesquisadores que queiram estudar a falta de interesse pelo solfejo

    relativo no pas.

  • 8 5. Motivaes

    Como o nmero de alunos e ex-alunos entrevistados ainda pequeno, no h como

    inferir generalizaes. Ainda assim, acredito que listar a motivao pessoal de cada um dos

    entrevistados e identificar em quais pontos elas so convergentes, ser um exerccio produtivo

    ou, ao menos, um ponto de partida. Neste trs relatos, nota-se como pontos convergentes: (a)

    a preferncia pelo mtodo relativo de solfejo; e (b) a facilitao da leitura com a aplicao da

    tcnica dos clichs visuais. Mais tarde, outros 12 alunos sero entrevistados, e dados mais

    consistentes sero gerados. Por ora, exponho os motivos narrados por Wiese, Guttler e

    Martins, nesta ordem.

    Wiese afirma ter comeado a estudar com Adamo para aprender a solfejar. Nesta

    poca, ele ainda no havia se tornado professor da UFRJ, o que s veio a acontecer em 1997.

    Quando Wiese conheceu Prince, no incio da dcada de 80, ele tocava violo de seis cordas no

    grupo Galo Preto junto de outro ex-aluno do educador, o bandolinista Afonso Machado.

    Wiese relembra: (...) fui estudar com o Adamo. Fui estudar solfejo. Eu j tinha feito harmonia com o Luiz Otvio Braga, e o Afonso Machado estava fazendo [aulas de solfejo] e estava encantado com as aulas. A eu falei: vou fazer, poxa! Quero aprender, estava sempre disposto a aprender. (Entrevista concedida por Wiese em 7 de junho de 2014).

    O violonista afirma ter estudado por cerca de dez anos com Prince, tendo parado por

    problemas cotidianos, "mas nunca por desinteresse": " como eu te disse: quero retornar,

    porque o Adamo tem muito pra passar". Entre os motivos que fazem com que ele seja um

    entusiasta do Mtodo e das aulas de Prince, est a aquisio de "segurana" na execuo dos

    solfejos primeira vista: "Eu no tinha segurana. [O solfejo] Era meio que intuitivo. Depois

    que eu fiz o solfejo pelo d mvel, l do mtodo Kodly, que o que desenvolvido aqui

    pelo Adamo. (...) Isso me deu uma segurana brutal. Antes era muito intuitivo".

    Wiese conta tambm que as aulas de ritmo e som que ele iniciou mais por realizao

    pessoal do que por uma exigncia do mercado ou da academia acabaram o ajudando na

    prova de seleo do Mestrado da UFRJ em Prticas Interpretativas, no qual ele ingressou em

    1992: "eu j tinha aula com o Adamo. A me serviu muito para a [prova de] anlise, eu

    lembro que foi uma obra do Schumann. Aquilo me ajudou muito a identificar os temas." Em

    relao aos resultados do estudo de ritmo, Wiese afirma que "a leitura foi ficando mais

    rpida". Guttlere, por sua vez, conta que estava "muito incomodada" por no conseguir tirar

    msicas de ouvido. Curiosamente, ela diz ter sido boa aluna nas aulas de percepo na UFRJ,

  • 9 tanto no curso tcnico, quanto na graduao, realizando bem os ditados. Mas isso no a

    ajudava quando ela tentava tirar algo de ouvido. Ela diz ter ido estudar com o Adamo quase

    que como uma ltima tentativa:

    (...) meu pai consegue tirar msica de ouvido, meu irmo consegue tirar msica de ouvido, e eu no consigo. (...) A eu pensei: no! Eu vou estudar. Vou ver porque est acontecendo isso. Ser que isso mesmo? Se for isso mesmo, eu desisto! A eu comecei a ver o quanto era diferente uma aula de percepo dada pelo Adamo (...) Eu comecei o estudo pela pentatnica. Eu sabia o que era a pentatnica, claro. Mas era aquela coisa terica. Eu nunca tinha feito solfejo com pentatnica e, principalmente, a partir do d mvel. Porque eu sempre estudei aquela coisa do d no terceiro espao da clave de sol, e o d no segundo espao da clave de f. E ponto final! (...) A partir do momento que eu comecei a ver que existia um outro sistema de solfejo, eu vi que a coisa era bem diferente. E comecei a sentir que o meu ouvido comeava a melhorar. Eu comecei a ter uma percepo. (Entrevista concedida por Guttler em 24 de junho de 2014).

    No que diz respeito ao ritmo, Guttler, como Wiese, associa a identificao dos clichs

    rtmicos com o entendimento das frases:

    O ritmo tambm. Voc comea a ver, e em vez de estudar a figura, as figuras de ritmo separadamente, voc estuda as slabas. A viso tem que estar encaixada naquela slaba, coisa que quem no estuda desta forma no v. Vamos dizer uma das primeiras, das bsicas: duas semnimas. Voc v uma semnima e outra semnima. Quem no estuda isso, v assim. Quando a gente estuda o Mtodo Prince, a gente v que uma slaba bsica, que so duas semnimas. Ento voc no olha uma e a outra separadamente, voc olha as duas. Facilita voc ter uma viso mais global. Uma viso maior. Voc ter uma viso da frase musical, porque [frase] no s som! ritmo tambm. (Entrevista concedida por Guttler em 24 de junho de 2014).

    Martins relata ter recorrido s aulas de ritmo para resolver problemas de leitura. Ele conta

    que foi gravar um disco em homenagem a Joo Pernambuco, na poca em que integrava o grupo

    N em Pingo d'gua a gravao foi lanada em 1983, pelo selo Funarte LP. Neste trabalho ele

    encontrou com o violonista Maurcio Carrilho, que ajudou na produo do disco junto com o

    Hermnio Bello de Carvalho. No processo de gravao, o grupo comentou que embora tocassem,

    no sabiam ler. Como resposta, Carrilho indicou Prince, como professor, aos integrantes do grupo.

    Martins conta: Naquela poca tinha um mtodo legal, o Paul Hindemith (...) Mas ele comeava j num estgio muito alto. O Adamo no. Ele comeava pegando uma semnima, mnima... at chegar na colcheia, aquilo j entrava na tua cabea. No Hindemith ele j entrava logo com colcheia. Quer dizer? Caramba! Voc no entendia aquela pulsao. Eu custei a entender! Quer dizer, no com o Adamo. Mas antes, eu sofri muito com isso. E o Adamo... Eu sou muito grato ao Adamo, sempre! Por essa elucidao que ele fez, que me abriu os olhos, ao fazer aquele mtodo paciente do t ca t ca e por a vai ... (Entrevista concedida por Martins em 24 de junho de 2014).

    6. Concluso

  • 10 Os motivos pelos quais msicos profissionais procuram Prince parecem ser

    variados, e pelo nmero reduzido de entrevistados no ser possvel fazer

    generalizaes. Posso, entretanto, ressaltar algumas das razes coincidentes que fizeram estes

    trs msicos a persistirem nas aulas por longos perodos de tempo: Guttler, por exemplo, fez

    12 anos de aula e pretende continuar.

    Todos os entrevistados relatam aquisies progressivas ou melhoria de habilidades.

    O d mvel e a identificao dos clichs visuais so citados como diferenciais. Prince acaba

    atraindo e fidelizando aqueles que conhecem, se adaptam e gostam do d mvel e do uso dos

    clichs visuais.

    A popularidade de Prince entre msicos profissionais pode tambm ser fruto de um

    efeito boca a boca. Msicos com alto reconhecimento profissional recomendam Prince como

    professor, e isso pode ser um chamariz para outros bons msicos. Um aspecto que ainda pode

    ser aprofundado o fato de que os msicos mais capacitados so justamente os que conhecem

    o caminho de acesso aos recursos de aprendizagem apresentados aqui.

    Tudo indica que a utilizao desses mtodos, conforme eles foram concebidos por

    Prince, est restrita a um grupo fechado. A publicao do MPR fez com que ele fosse

    conhecido e divulgado, mas no temos como garantir que ele esteja sendo aplicado de acordo

    com as ideias de Prince. Ser que todos os professores que adotam o MPR sabem como

    promover a criao de reflexos atravs da identificao de clichs? Se no houver um

    movimento para divulgar estes conceitos essenciais, eles continuaro sendo conhecidos por

    grupos restritos.

    7. Referncias

    ALBERTI, Verena. Manual de Histria Oral. 3.ed. Rio de Janeiro: FGV, 2005. JARAMILLO, Maria Cecilia Jonquera. Mtodos Histricos o Activos en Educacin Musical. Revista Electrnica de LEEME (Lista Europeia de Msica en La Educacion), 2004, n 14, novembro. MARLIA, Guttler. Entrevista realizada em Copacabana. Rio de Janeiro, 2014. 39min 10seg MARTINS, Wanderson. Entrevista realizada no Mier. Rio de Janeiro, 2014. 33 mim 46 seg PAZ, Ermelinda. Pedagogia Musical Brasileira no Sc. XX: metodologias e tendncias. Braslia: Musimed, 2013. PRINCE, Adamo. Entrevista realizada no Leme. Rio de Janeiro, 2014a. 30 min ______, Adamo. Entrevista realizada no Leme. Rio de Janeiro, 2014b. 1h 00 min 32 seg ______, Adamo. Mtodo Prince: leitura e percepo, ritmo. Rio de Janeiro: Irmos Vitale, 1993. 3 v. WIESE, Bartolomeu. Entrevista realizada no Flamengo. Rio de Janeiro, 2014. 43min