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1 PRPGP – UNICSUL UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL ADAILTOM ALVES TEIXEIRA A RUA COMO PALCO: O TEATRO DE RUA EM SÃO PAULO, SEU PÚBLICO E A IMPRENSA ESCRITA SÃO PAULO AGOSTO/2008

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PRPGP – UNICSUL

UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL

ADAILTOM ALVES TEIXEIRA

A RUA COMO PALCO:

O TEATRO DE RUA EM SÃO PAULO, SEU PÚBLICO E A IMPRENSA

ESCRITA

SÃO PAULO

AGOSTO/2008

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ADAILTOM ALVES TEIXEIRA – RGM 69828-8

A RUA COMO PALCO:

O TEATRO DE RUA EM SÃO PAULO, SEU PÚBLICO E A IMPRENSA

ESCRITA

Monografia apresentada como requisito da pesquisa de Iniciação Científica em História, entregue a Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa da Universidade Cruzeiro do Sul – UNICSUL. Orientadora Prof. Dra. Ana Bárbara Pederiva

SÃO PAULO

AGOSTO/2008

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À Selma Pavanelli, minha esposa,

primeira leitora e crítica desse trabalho.

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4

AGRADECIMENTOS

Quero agradecer primeiramente aos grupos pela gentileza com que me

receberam, sempre esclarecendo minhas dúvidas e fornecendo material

quando solicitado.

Agradeço ao Movimento de Teatro de Rua de São Paulo e aos seus

participantes – sempre imbuídos da força política – por permitir o acesso aos

seus arquivos.

Agradeço minha família pela paciência, compreensão e generosidade.

Agradeço a minha orientadora, a Dra. Ana Bárbara Pederiva – uma

incentivadora da pesquisa –, pelo apoio e trabalho despendido a este seu

orientando. Seu estímulo e apoio me fizeram continuar. Obrigado!

Agradeço aos meus colegas de faculdade por ter me proporcionado

calorosos debates e provocações, nesses três anos que estamos juntos.

Por fim, agradeço a Universidade Cruzeiro do Sul – UNICSUL pela bolsa

PIBIC para a realização dessa pesquisa.

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5

“Eu mudo de idéia, eu não afirmo nada,

tudo pode mudar de uma hora pra outra (...).

Eu disse que as coisas são de um jeito

mas podem ser diferentes.”

Amir Haddad

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RESUMO

Esta monografia foca na história do teatro de rua da cidade de São Paulo,

discutindo a relação entre o teatro, a cidade, o público e a imprensa escrita.

Para tanto, parte-se da definição de teatro de rua e do espaço aberto como

especificidade do mesmo. Em seguida apresentamos a organização política

dos grupos, fechando na história e no trabalho desenvolvido por três deles:

Pombas Urbanas, Buraco d`Oráculo e Brava Companhia.

PALAVRAS-CHAVES: Teatro de rua; Grupos teatrais; São Paulo.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 28

Figura 2 36

Figura 3 49

Figura 4 55

Figura 5 58

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 9

1. A RUA E O TEATRO 15

1.1 Definindo teatro de rua 16

1.2 O espaço aberto: rompimento e re-significação 20

2. É PRECISO PRESSIONAR 24

2.1 Se Essa Rua Fosse Minha 26

2.2 Movimento de Teatro de Rua 30

2.3 O centro em ebulição 35

3. DESCENTRALIZANDO O TEATRO 38

3.1 Pombas Urbanas semeando asas 44

3.2 Buraco d`Oráculo circulando pelas COHAB`s 51

3.3 Brava Companhia e o teatro em toda parte 57

CENA FINAL 62

BIBLIOGRAFIA GERAL 66

PARECER DA ORIENTADORA 72

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INTRODUÇÃO

I

O teatro nasceu no espaço aberto e desde a Grécia Antiga colocou na

cena os problemas da polis e dos cidadãos. Teatro e cidade sempre foram

ligados, numa relação amigável ou conflituosa, mas um sempre se serviu ou

serviu ao outro. Foi assim na Grécia, no período de transição de um mundo

oligárquico para o democrático, em que o teatro serviu como reflexão e

discussão dos cidadãos atenienses. Na Roma Antiga serviu aos prazeres de

uma elite. Perdeu forças na Idade Média, sobrevivendo graças a saltimbancos

corajosos, para mais tarde se fortalecer e fazer da própria cidade seu teatro,

como espaço de representação e como espetáculo. Profissionaliza-se no

Renascimento e começa aí também sua separação do seio popular, seguindo

dois caminhos: servindo a burguesia ou as camadas menos abastadas. Segue

nesse caminho até os dias atuais.

Mas se o teatro e a cidade sempre estiveram interligados, é importante

ressaltar que ambos foram modificando-se ao longo dos séculos. A cidade,

como a conhecemos hoje é resultado do processo de industrialização do

século XIX, que nasceu da revolução industrial e de um projeto liberal,

melhorada e transformada no surgimento da classe média, período que foi

chamado pelos urbanistas de pós-liberal (Cf. BENEVOLO, 2003; MARIANI,

1986). Este modelo de cidade influenciou todas as cidades contemporâneas,

Paris foi o paradigma após as reformas implantadas por seu prefeito Haussman

entre 1853 e 1870.

São Paulo, a mega-cidade com quase onze milhões de habitantes é uma

espécie de terceira geração desses modelos. Primeiro porque a

industrialização chegou tardiamente por aqui. Segundo, sempre fomos uma

economia dependente e periférica, portanto, as novidades sempre nos

chegaram tardiamente. Nossa megalópole desenvolveu-se e cresceu de forma

acelerada em pouco mais de cem anos. Em 1872, por exemplo, éramos

apenas 31.400 habitantes e em 2007, segundo dados do IBGE1, São Paulo

tinha 10.886.518 habitantes, é a cidade mais populosa do país. Para se ter

1ALVES, Marcelo; ALMEIDA, Cássia. Censo 2007: somos 183.987.291 brasileiros, mostra IBGE. HTTP://oglobo.com/pais/mat/2007/12/21/327716442.asp. Acesso em: 15/04/08.

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uma idéia, segundo o mesmo censo, toda a região Centro Oeste inteira tem

pouco mais de treze milhões. São Paulo, além de populosa é a mais rica e,

talvez, a mais problemática.

A cidade está hoje dividida em 96 distritos. Essa divisão não é apenas

territorial, São Paulo divide-se socialmente, economicamente e culturalmente,

afinal o que separa a Cidade Tiradentes da Cidade Jardim não é apenas a

distância. Como adverte Aldaíza Sposati, “São Paulo sempre foi marcadamente

uma cidade de cultura higienista, que por contraponto traz a discriminação e a

apartação do que não é considerado ‘higiênico’ aos olhos de suas elites” (2001,

p. 25). É um pouco nessa perspectiva que são construídos os bairros populares

da periferia a partir dos anos 70 do século passado, após o avanço da

migração. Estes bairros são locais de apartação sem infra-estrutura para

atender o cidadão, que são considerados mais como consumidores – quando

podem pagar pelos serviços que deveriam ser prestados pelo Estado – do que

como cidadãos, detentores de direitos. No entanto, o poder público não tem

reconhecido sua cidadania, e assim a periferia torna-se “guetos habitacionais

sem variedade social” (ROLNIK, 2002, p. 50).

Assim, se não há equipamentos de saúde de qualidade, no que se refere

a equipamentos culturais não são, se quer, mencionados nas campanhas

políticas. E ainda que tenhamos os Centros Educacionais Unificados (CEUs) –

todos localizados em bairros periféricos, a população está sempre sujeita as

políticas de governo. A última gestão (2005-2008) deixou esses equipamentos

praticamente desprovidos de programação cultural, justamente para justificar

os altos custos e a sua inviabilidade, mostrando que a população mais pobre

não tem direito aos bens culturais.

E se pegarmos o teatro como referência, veremos que as poucas salas

existentes estão concentradas todas em uma pequena área central, deixando

claro que o teatro não é para os moradores da periferia, pois a própria

locomoção é dificultada, além disso, poderíamos elencar outros pontos que

dificultam esse acesso: falta de hábito, horários complicados, ingressos caros

para o bolso do trabalhador paulistano, entre outros.

Coube a alguns grupos possibilitar o acesso dessa arte, o teatro de rua,

àqueles cidadãos. Ao fazerem isso, os fazedores não estão tentando serem

heróis, mas apenas buscam garantir algo que é um direito e uma necessidade

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para todos: a fruição das artes. Esses grupos fizeram uma opção em não

esperar pelo público, desbravaram a cidade despedaçada levando sua arte a

diversos bairros de São Paulo e descobriram uma imensa população ávida por

teatro.

II

Nos anos 90, o neoliberalismo chegou ao Brasil com força total, através

de Fernando Collor de Melo, presidente eleito após 29 anos sem eleições

diretas. O “caçador de marajás” mostrava-se moderno à sociedade através de

seu projeto apoiado pelas forças conservadoras, tendo ao seu lado a grande

imprensa, que seduzia os menos avisados. Collor inaugurou um novo momento

nas campanhas eleitorais: o marketing político. Sua imagem vendeu bem e ele

saiu vitorioso nas eleições de 1989. Um primeiro ato foi seqüestrar o dinheiro

dos brasileiros, ao todo noventa e cinco bilhões de dólares. Para felicidade

geral da nação seu governo foi rápido como suas caminhadas.

Foi também um período crítico para as artes em geral no Brasil, pois na

reforma de Collor constava também a extinção da Fundacen e da Embrafilme.

No mundo, a queda do Muro de Berlim, em 1989, parecia anunciar a vitória

total do capitalismo e do neoliberalismo. O mundo parecia tornar-se um só:

uma grande aldeia global, como afirmara McLuhan. A sociedade mundial tinha

mudado, era uma sociedade espetacularizada, cumpria-se o anunciado por

Guy Debord:

“A primeira fase da dominação da economia sobre a vida social acarretou, no modo de definir toda realização humana, uma evidente degradação do ser para o ter. A fase atual, em que a vida social está totalmente tomada pelos resultados acumulados da economia, leva a um deslizamento generalizado do ter para o parecer, do qual todo “ter” efetivo deve extrair seu prestígio imediato e sua função última. Ao mesmo tempo, toda realidade individual tornou-se social, diretamente dependente da força social, moldada por ela. Só lhe é permitido aparecer naquilo que ela não é” (1997, p. 18).

O modernizador do Brasil, Fernando Collor de Mello, renunciou,

deixando seu vice no cargo: Itamar Franco, este, por sua vez, gestou no

ministério da Fazenda o futuro presidente, o sociólogo Fernando Henrique

Cardoso, que após eleito pediu para esquecerem o que havia escrito. O Brasil

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controlou a inflação, mas nunca houve tanta recessão, tanto desemprego.

Mesmo assim o Brasil estava melhor, afinal, segundo Fernando Henrique,

nunca se havia comido tanto frango como naquele período.

E justamente naquele período, década de 90, as cidades já

congregavam três vezes mais pessoas que o campo, São Paulo tinha quase 10

milhões de pessoas em 1991 e a geração de empregos foi negativa ao longo

da década. São Paulo, locomotiva do país, adentrava a globalização deixando

os ricos mais ricos e os pobres mais pobres e seus governantes, com suas

políticas excludentes, foram jogando os moradores mais pobres para os piores

lugares: se em 1972 apenas 72.000 pessoas moravam em favelas (1,1% da

população), em 1994 já eram um milhão e novecentos mil moradores de

favelas, “representando 19,4% da população” (POCHMANN, 2001, p. 135).

É no final da década de 90 que surgem muitos grupos de teatro de rua

em São Paulo. Eram os artistas levantando-se do estrago feito pelo plano

Collor I e II. Muito embora nos 80, mesmo com dificuldades houvesse uma

produção de grupo, foi no final dos anos 90 que os grupos começaram a sair

dos espaços fechados, ganhando os alternativos e os espaços abertos, como

ruas, provavelmente por causa do esvaziamento das salas e por uma vontade

de comunicar-se mais diretamente com seu público.

III

A necessidade de buscar o público, ao invés de ficar esperando, era

uma mudança de paradigma que já vinha ocorrendo com alguns grupos

teatrais como o Tá Na Rua (RJ), Imbuaça (SE), Fora do Sério (SP), Galpão

(MG) e Ói Nóis Aqui Traveiz (RS), que juntamente com outros grupos

integraram o Movimento Brasileiro de Teatro de Grupo, que, capitaneados pelo

Fora do Sério, realizaram dois encontros, 1991 e 1993, produzindo a revista

Máscara. Houve ainda um terceiro e último encontro em uma Mostra de Teatro

de Grupo realizado pela Cooperativa Paulista de Teatro em 1997. Essa

organização demonstrava outra mudança no fazer teatral: a produção em

grupo. Que não era “mera organização coletiva”, era um

“conceito para marcar sua posição de divergência em relação ao teatro empresarial, em que o ator não está engajado no projeto e a equipe se desfaz logo que a temporada termina, forma de produção cada vez mais presente no mercado teatral após o início dos anos 70. Em lugar do salário pago pela

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empresa, o grupo remunera seus integrantes por meio de um sistema de cooperativa, o que faz dos atores os donos do empreendimento.”2

Dessa forma, a produção em grupo afirma-se também como uma

resistência ao mercado, às relações mediadas apenas pelo capital. E o teatro

de rua, principalmente aquele que busca as periferias, vai dialogar com a

população excluída dos bens culturais, por isso é duplamente marginalizado,

por estar na periferia do capital (o Brasil) e por estar dialogando com as

camadas populares, “rompendo, ainda que momentaneamente, com a lógica

pragmática do sistema de mercado” (CARREIRA, 2007, p. 38).

A marginalização ocorre também entre seus pares, isto é, entre a

categoria artística, que tende a ver o teatro de rua como algo mal acabado e

sem pesquisa; entre a grande imprensa, que não disponibiliza espaço em sua

programação para os espetáculos de rua e; na relação com o poder público,

que não os reconhece. Aos poucos, com a organização e a diversidade de

produção, os grupos rompem um pouco este preconceito. Mas a

marginalização não deixa de existir “porque são teatro de rua, não fazem parte

da história oficial do teatro brasileiro nem são considerados teatro”

(CAMARGO, s.d., p. 19).

No mundo globalizado, em que a cidade de São Paulo se coloca como

um modelo dentro desse sistema para as demais cidades, existe uma “ruptura

de comunicação entre as elites extraterritoriais cada vez mais globais e o

restante da população, cada vez mais localizada” (BAUMAN, 1999, p. 9). Isso

significa que os ricos daqui se identificam muito mais com os ricos de Nova

Iorque do que com os pobres que moram a seu lado. A arte cumpre aí um

papel importante de mediador com essa população, pois pode discutir e

mobilizar as pessoas em torno de seus problemas. Não é a toa que o

especialista de mídia, John Downing (Cf. 2004), coloca o teatro de rua como

mídia radical alternativa, isto é, que pode se contrapor ao hegemônico.

Toda essa discussão demonstra a importância e a complexidade do

teatro de rua em uma cidade como São Paulo, como uma arte que tem grandes

2 TEATRO de Grupo. http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_teatro. Acesso em: 02/05/08.

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responsabilidades ao estar em contato direto com a vida e os problemas da

cidade. Daí a necessidade de termos muitas pesquisas que discutam o teatro

de rua em seus aspectos técnicos, estéticos, político e de produção.

IV

Nosso objetivo nesse trabalho é fazer um levantamento histórico da

organização do teatro de rua em São Paulo e fazer um recorte sobre a história

de três grupos e seus projetos. Ao fazer isso, discutiremos o teatro de rua e o

espaço aberto como palco, bem como a relação desse teatro com o público e a

mídia impressa. Fica claro, desde já, que não daremos conta de todo teatro de

rua realizado nessa cidade.

Os três grupos escolhidos para trabalharmos são: Pombas Urbanas,

Buraco d`Oráculo e Brava Companhia, os dois primeiros atuantes na zona leste

e o terceiro na zona sul. Isso não significa, no entanto, que estes grupos se

restrinjam a estes espaços geográficos, mas sim que possuem presença

marcante junto as comunidades dessas regiões. Seus trabalhos revelam a

dificuldade que o teatro tem em chegar a todos. Outros grupos serão citados ao

longo da monografia, muito mais como ilustração da diversidade do fazer

teatral na cidade de São Paulo, já que não foi possível aprofundar-se sobre

tantos trabalhos.

Além disso, focaremos um determinado espaço de tempo, de meados

dos anos 90 do século passado até nossos dias. Essa geração de artistas,

nasceram no final dos anos 70 ou inicio dos 80, fazem um teatro de rua

diferente daquele dos anos de chumbo, já que nasceram e vivenciam um

período democrático. É certo que essa vivência influenciou no seu fazer e na

sua estética. Mas qual a relação desses grupos com a cidade de tantas caras?

Há diferença em se fazer teatro na periferia e na região central? Talvez nosso

trabalho tenha mais perguntas que respostas, mesmo assim, esperamos que

seja importante para mostrar que mesmo sendo uma arte tão antiga, o teatro

continua tendo sua importância e sua relação com a cidade e o cidadão.

De forma mais específica, dividimos o trabalho da seguinte maneira:

começamos discutindo sobre a definição de teatro de rua, a partir da

bibliografia existente, bem como sobre o espaço da rua; depois focamos na

organização política dos grupos de São Paulo; focamos no trabalho de três

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grupos que atuam de forma descentralizada, isto é, realizam seus trabalhos na

periferia da cidade e; por fim, faremos nossas conclusões.

1. A RUA E O TEATRO

A produção literária sobre o teatro de rua é bem pouca diante da

produção do teatro feito no espaço fechado e isso torna-se claro com os

referenciais teóricos discutidos nesse capítulo. Ultimamente tem havido um

interesse e algumas teses vêm sendo escritas, mas publicações de livros no

Brasil ainda são bem poucas.3 Para suprir um pouco essas dificuldades alguns

grupos4 publicaram suas histórias visando enriquecer o material bibliográfico.

O pouco material faz com que, muitas vezes, ouçamos que não existe

nada escrito sobre teatro de rua. E essa ausência de discussão por parte da

academia contribui para a marginalidade desse fazer teatral, já que o que há,

não dá conta da diversidade existente no Brasil, isso faz com que, no geral, se

defina o teatro de rua apenas como um teatro popular, ligado as diversas

tradições brasileira.

Mas, se é verdade que o teatro de rua tem forte ligação com a cultura

popular, isso não faz dele popular, principalmente em São Paulo, onde perdeu-

se os vínculos com as tradições e o popular se reveste de novos significados,

já que trata-se de um ambiente urbano que criou novas culturas populares ou

re-significou as já existentes. Cabe lembrar a própria diversidade de povos na

cidade, isto é, São Paulo é multifacetada culturalmente. Por isso nos cabe

perguntar: o que seria popular na cidade de São Paulo? Afinal não basta estar

com “o povo” ou apenas denominar-se popular para o ser de fato, como

adverte Chauí, “não é porque algo está no povo que é do povo” (2003, p. 43).

Percebemos, portanto, uma grande dificuldade metodológica ao lidar

com o teatro de rua por causa das inúmeras possibilidades estéticas e dos

riscos de uma definição fechada. Na cidade de São Paulo, alguns grupos

definem-se como teatro popular e outros não, embora seja perceptível que

quase todos se inspiram nas fontes populares, sejam urbanas ou mais

tradicionais e no geral seus espetáculos destinam-se a um público popular.

3 Em língua portuguesa constam os livros de André Carreira, de Narciso Telles e Ana Carneiro, de Marcos Cristiano, Fabrizio Cruciani e Clelia Falletti – vide bibliografia. 4 Grupo Galpão, Ói Nóis Aqui Traveiz, Parlapatões, Farândola Troupe e está para ser lançado um livro sobre o Tá Na Rua e sobre o Buraco d`Oráculo.

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Para uma melhor discussão e compreensão faz-se necessário conceituar o

teatro de rua.

1.1 Definindo teatro de rua

Se atentarmos para algumas manifestações tradicionais da cultura

brasileira, veremos elementos dramáticos em muitas delas, como a Nau

Catarineta, a brincadeira do boi em suas várias denominações e variantes

espalhadas pelo Brasil, a Congada etc., no entanto, não podemos denominá-

los como teatro de rua e nem afirmar que o teatro de rua é herdeiro dessas

manifestações, ainda que em muitos estados tenha fortes vínculos com essas

brincadeiras, como denominam os seus fazedores (brincantes). Em uma cidade

como São Paulo, uma metrópole que abrigou e abriga diversos povos que se

influenciam culturalmente o tempo todo, os vínculos com as manifestações

mais tradicionais ficaram como que esquecidas no passado ou foram

transformadas pela urbanidade. Mesmo assim, não podemos negar as

contribuições das brincadeiras dramáticas tradicionais e sua influência no fazer

de muitos grupos espalhados pelo Brasil.

E não podemos esquecer também do teatro mais político com raízes no

Agit-Prop5 que influenciou os Centros de Culturas Populares da UNE (União

Nacional dos Estudantes) e do circo. Esses elementos estão muito presentes

no teatro de rua brasileiro. Toda essa diversidade estética nos apresenta

dificuldades na definição do teatro de rua, por isso mesmo ela não pode ser

única, fechada, se não incorremos no risco de aprisioná-lo em uma camisa de

força. Justamente por isso vamos nos valer das definições de outros autores

para auxiliar o nosso percurso, ainda que, no geral esses autores utilizem

definições muito genéricas, nem sempre cabendo para todos os fazedores de

teatro.

Fabrizio Cruciani e Clelia Falletti colocam que o teatro de rua estaria

ligado ao rito, a arte e a festa, por isso abarca “coisas bastante diversificadas”

(1999, p. 19). Não é a toa que os autores, em seu livro, trazem exemplos desde

5 Agitação e Propaganda. Teatro dos adeptos da Revolução Russa que encenavam pequenas esquetes sobre os ideais revolucionários, bem como notícias de jornais, utilizando-se de poucos elementos para apresentarem seus espetáculos. Para uma melhor definição consultar os dicionários de teatro de Luiz Paulo Vasconcelos e Patrice Pavis. Vide bibliografia.

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paradas militares aos teatros de guerrilhas. Percebemos aí a própria origem do

teatro (rito) e as manifestações populares tradicionais (festa).

Fernando Peixoto identifica o teatro de rua às “raízes das mais

autênticas manifestações da identidade cultural nacional” (1999, p. 143). Além

de ampla a definição, o termo “identidade cultural nacional” é extremamente

problemático, já que toda identidade é uma construção (Cf. Renato Ortiz, 1994)

e identidade nacional em um país como o nosso, com a nossa extensão

territorial, bem como, com a nossa diversidade cultural, chega a ser um sonho.

Ainda que faça sentido a ligação do teatro de rua com as manifestações

populares, ele não é só isso, principalmente nos grandes centros urbanos,

onde, no geral, perdeu-se os vínculos com as tradições mais ligados ao seio

rural.

Alberto Miralles, em Novos Rumos do Teatro, ao abordar o fazer teatral

dos anos 60 e 70 do século passado, entende o mesmo como herdeiro do

dadaísmo, assim como o happening, por isso são artes undergrounds, isto é,

uma “arte produzida à sombra, marginalizada e contra o estabelecido” (1979, p.

84). A marginalidade do teatro de rua é uma realidade, posto sempre ter se

colocado contra a arte oficial ou um sistema estabelecido. É importante deixar

claro, ainda, que o autor se refere a um determinado período. Isso nos alerta

para outro problema: o teatro de rua não é igual em todas as épocas. É preciso

levar em conta também a realidade histórica de cada país, bem como os

recursos técnicos e de produção dos grupos, pois estes irão influenciar na

estética dos mesmos, já que os meios de produção definem também sua

estética. Por fim, cabe lembrar que Miralles refere-se a um teatro mais norte-

americano e europeu, portanto, distinto do brasileiro. Quanto a questão da

“marginalidade”, não há dúvida que estar presente no teatro de rua brasileiro,

isso porque se opõe a uma forma burguesa, a casa fechada – que funciona

dentro de uma lógica capitalista, já que vende o ingresso – e transgride o

espaço aberto, a rua, que supostamente é apenas para passar os carros,

escoar as mercadorias; as pessoas transitam por ela, mas sem direito a parar.

Patrice Pavis no seu “Dicionário do Teatro” afirma que o teatro de rua é

“uma volta às fontes”, sendo um “teatro que se produz em locais exteriores às

construções tradicionais” e que por muito tempo “se confundiu com o Agit-Prop”

(2005, p. 385). O autor, como podemos observar, faz alusão ao surgimento do

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teatro no Ocidente, que se deu no espaço aberto e alerta para a confusão de

identidade com o teatro político ocorrido principalmente na Rússia e na

Alemanha. É importante a observação sobre a confusão com o Agit-Prop,

porque também tendemos a confundir o teatro de rua brasileiro apenas com as

formas populares tradicionais, quando na verdade, este se apresenta de

diversas formas.

Já André Carreira no seu artigo “Reflexões sobre o conceito de Teatro

de Rua” e no seu livro “Teatro de Rua: Brasil e Argentina nos anos 1980”,

afirma que “o teatro de rua abarca todos os espetáculos ao ar livre que optam

por ficar fora dos teatros convencionais e utilizam espaços urbanos apropriados

temporariamente para o fenômeno teatral, permeáveis ao público acidental”

(2007, p. 54).

Como se pode perceber, todas as definições cabem para o teatro de rua

brasileiro, afinal é uma criação artística diversificada, muitos grupos estão

ligados as manifestações da cultura popular ou são seus herdeiros, o teatro de

rua é marginal e apropria-se do espaço aberto para apresentar-se, na maioria

das vezes, a um público inesperado, que passa por aquele local. Todos esses

levantamentos demonstram a dificuldade de fecharmos em uma definição

única.

No entanto, neste trabalho, significará todo espetáculo pensado,

elaborado e produzido por um grupo teatral visando apresentá-lo no espaço

aberto urbano. É um teatro que se opõe a arte estabelecida, isto é, à arte

burguesa, já que foram os burgueses que aprisionaram o teatro no espaço

fechado. Mas isso não quer dizer que um mesmo grupo não possa atuar nos

espaços abertos e fechados, apenas significa que estes fazeres e estes

espaços (aberto e fechado) se opõem em seus significados, já que o teatro de

rua busca seu público, interferindo na geografia urbana, re-significando o

espaço. Por fim, teatro de rua é uma manifestação marginal que utiliza o corpo

e o discurso no espaço aberto urbano a serviço do estético, apropriando-se ou

não da paisagem urbana como cenário, de maneira a permitir a fruição a um

público passante.

A nossa definição vai ao encontro de um teatro presente na cidade, na

mútua relação entre teatro e cidade, posto abordamos o trabalho de alguns

grupos presentes em São Paulo, que conseqüentemente são influenciados

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pela cultura urbana, isto é, seus espetáculos refletem ou são permeados pela

cultura do urbano e pelos problemas da cidade. Mais adiante abordaremos

como esses grupos se inserem na cidade de São Paulo, quais técnicas e

estéticas se valem para atingir o seu público.

Nesse sentido, a própria cidade de São Paulo e seus habitantes –

público desse teatro – merecem uma pequena reflexão, posto possuir uma

grande dimensão territorial e ser ocupado por uma imensa população. Além

disso, cada região da cidade tem suas características, melhor dizendo, cada

bairro apresenta um público diferenciado com culturas próprias, podendo vir a

influenciar no fazer teatral.

Ainda que se busque, através de um espetáculo, atingir a todos na rua,

já que trata-se de um espaço democrático e diversificado que, supostamente,

abriga a todos sem distinção, os problemas que atingem a periferia da zona

leste de São Paulo não são os mesmos enfrentados em Pinheiros, na zona sul

e isso, dependendo do trabalho do grupo e da região que atua, pode influenciar

no seu fazer. Pode-se perguntar se o espaço e o público são ou não

determinantes na criação dos espetáculos, isto é, dependendo de qual região,

de qual localidade que o grupo desenvolve o seu trabalho, isso influencia ou

não na sua criação?

O teatro de rua demanda muitas questões, já que, supostamente, por

estar em um espaço aberto não seleciona seu público, que pode vir a ser

composto de crianças, jovens, adultos, idosos, pessoas com diferentes

formações e mesmo diferentes classes sociais. É isso que faz do espaço

cênico da rua democrático por definição. Além disso, não há cobrança de

ingressos, portanto, o que seleciona o público é o interesse que o espetáculo

desperta, bem como a disponibilidade de tempo ou não do público passante.

São esses os argumentos que se tem ouvido. Mas façamos uma reflexão: será

que a seleção do público não se dar pela própria região em que o grupo

escolhe para apresentar os seus espetáculos? Pois ainda que haja diversidade

de idades e formações, nem sempre há diversidade de classes sociais, pois,

dependendo de qual região se está atuando, podemos encontrar apenas uma

classe social: a proletária. Em uma cidade que segrega tudo e todos como São

Paulo, o grupo de teatro ao escolher determinado ponto da cidade para

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apresentar seu espetáculo, seleciona também o seu público, ainda que não

possa selecionar as faixas etárias.

Não podemos esquecer que há um discurso “universalizante da

ideologia do urbano” que quer transformar os processos diferentes em iguais,

afinal, como adverte Castells, “o espaço está carregado de sentido” e o autor

vai além quando diz que “a distribuição das residências no espaço produz sua

diferenciação social” e essas moradias “estão na base do tipo e do nível das

instalações e das funções que se ligam a elas” (1983, p. 249). Portanto,

quando um grupo está apresentando-se na Cidade Tiradentes ou no Jardim

Ângela ele está selecionando o seu público. E se no centro da cidade a mistura

é maior, ainda assim, dificilmente os espetáculos serão vistos por empresários,

o que se tem é um público trabalhador.

Outro fator pouco discutido diz respeito a receptividade da obra. Em uma

cidade como São Paulo, cada vez mais ruidosa, o local escolhido pelo grupo

para apresentar seu espetáculo, pode determinar seu andamento. O ruído

produzido no ambiente urbano e sua mútua relação com o espetáculo, causa

efeitos na audiência, isto é, interfere na recepção da obra. Daí a importância de

pensar o espaço desde o inicio da criação da obra, pois algumas escolhas

exigirão um maior esforço por parte dos atores. Disso podemos apreender que

a relação do teatro com a cidade, desse ponto de vista, é uma relação

conflituosa, já que o espetáculo, conforme tenha sido estruturado, pode ir muito

bem em um lugar e em outro não. Apropriar-se do ambiente, com tudo que há

nele, é também uma necessidade para seus fazedores. Assim, o espaço está

umbilicalmente ligado ao teatro de rua.

1.2 Espaço aberto: rompimento e re-significação

Não há dúvida que uma das maiores especificidades do teatro de rua é o

próprio espaço em que ele se coloca: a rua. Lembrando que, aqui, rua significa

todo local apto a receber espetáculos, como praças, parques e ruas. E estes

espaços, na cidade de São Paulo, têm ficado barulhentos e competitivos. Por

isso esses locais devem influenciar na estética dos grupos, seja de maneira

plástica, cenográfica, sonora etc., levando os grupos a inseri-los no espetáculo

ou recusá-los, opondo-se ou mimetizando-se com eles. Esse é um dos pontos

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importantes do teatro de rua que tem sido pouco utilizado: a geografia espacial

urbana. A cidade, com tudo que há nela, prédios, monumentos, esculturas,

fachadas entre outros, pode ser, dentro de um espetáculo, cenário,

personagem, elemento cênico e não apenas o local da representação. Como

nos lembra o geógrafo Milton Santos, “os objetos, força inanimada, não são

outra coisa que o veículo das relações entre os homens” (2000, p. 51). Assim,

a cidade com seus elementos, podem oferecer-se como objetos estéticos e

mediadores das relações humanas, no qual o teatro de rua é um dos

facilitadores.

Não podemos esquecer que quando um grupo se coloca no espaço

público aberto ele está rompendo com algo, está transgredindo-o, já que a rua

foi pensada para passagem de carros ou de pedestres, não para a fruição das

artes. E mesmo as praças têm abandonado seu conceito de convivência

humana, já que há poucos bancos, no entanto há diversos corredores por onde

as pessoas devem transitar, não sendo reservado nenhum espaço que possa

abrigar uma manifestação artística, com exceção de uma praça ou outra,

retirando do cidadão, o que Milton Santos chamou de “direito ao entorno” no

seu livro “O espaço do cidadão” (2000).

Segundo André Carreira, ao colocar-se no espaço público aberto o

grupo teatral transgride e também re-significa a rua ou a praça, tornando-os

locais de fruição e naquele momento, o espectador deixa de ser um passante e

adquire a condição de espectador. Esses dois aspectos, transgressão e re-

significação, são importantes também para observarmos, como o teatro de rua

se conflita “com as instituições burguesas” (CARREIRA, 2007, p 37), já que

estas devem regular (zelar) e fiscalizar para que seu uso venha ser adequado:

escoadouro do capital, isto é, circulação de bens e serviços.

Não podemos esquecer que cada época teve seu espaço de

representação e esteve de acordo com a sociedade dominante (Cf. HADDAD e

CARDOSO, 2005). Portanto, a rua não seria hoje o espaço da classe

dominante, daí a transgressão do teatro de rua, seu conflito com as instituições

e sua marginalidade, posto não enquadrar-se nesses aspectos.

Podemos afirmar também que o conflito com as instituições dá-se pela

valorização do privado em detrimento do que é público na sociedade

contemporânea, já que cada vez mais, quem pode pagar, tem se isolado nas

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pequenas ilhas fortes, representadas por condomínios fechados e shoppings

centers, onde o convívio é restrito. Nessa sociedade individualista, nos

ensinam a todo momento, a não confiarmos em ninguém e assim vamos

tornando cada vez mais deficitárias as relações humanas, os espaços públicos

vão perdendo sua importância de convívio, perdemos assim, a relação com o

outro.

Não esqueçamos, ainda, que dentro de uma mesma cidade os espaços

têm valores diferenciados, ou seja, os bairros e seus moradores não têm a

mesma igualdade social, ainda que tenham as mesmas “formações e

virtualidades” (SANTOS, 2000) e que, portanto, o teatro não pode ignorar esse

fator. E o grupo, ao escolher determinado lugar para desenvolver seus

trabalhos não pode esquecer que o mesmo recebe “influências econômicas

(industrial e de consumo), comunicativas, associativas e culturais” (FERRARA,

1993, p. 154). Ou seja, o espaço tem significado, portanto pode ser lido e nem

sempre o seu significado condiz com a imagem vendida, por isso a criação de

um espetáculo tendo como foco o lugar, ou o desenvolvimento de um projeto

mais amplo em uma região, esses fatores devem ser considerados pelo grupo

teatral. E mais uma vez, isso também gera conflito, já que pode levar o grupo a

um maior enfretamento com as instituições que “zelam” pelo espaço,

marginalizando-o ainda mais. Foi esse enfrentamento e essa marginalização,

além do engajamento histórico por parte de diversos grupos teatrais de rua,

que levou o especialista em mídia, John Downing, a colocá-lo como mídia

radical alternativa, fazendo do teatro de rua uma forma privilegiada de luta

contra as estruturas de poder. O autor utiliza como exemplo os vários grupos

ligados a movimentos sociais nos Estados Unidos e o Teatro do Oprimido de

Augusto Boal (Cf. DOWNING, 2004).

Por tudo isso, fica claro a importância dos fazedores em conhecerem e

compreenderem sua cidade, sua geografia e sua estrutura urbana, pois a

paisagem, os monumentos e os lugares devem adentrar os espetáculos, mas

todos eles têm significados. A fachada de uma instituição financeira, uma igreja

ou um conjunto de prédios populares podem e devem ser utilizados como

elementos simbólicos em um espetáculo, afinal todos eles têm significados

históricos, sociais, econômicos e culturais.

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A grandiosidade do teatro de rua está nessas imensas possibilidades

criativas do uso dos elementos supracitados e do próprio espaço, o que fez

com que Rubéns Brito afirmasse que “a condição espacial é a essência do

próprio teatro de rua” (2004, p. 17). Brito afirma, ainda que está na rua a

possibilidade de criação de uma cena teatral relativa, podendo chegar a ser

quântica, conforme o uso da mesma pelo grupo teatral. Um espetáculo na rua

pode oferecer ao espectador, diversas formas de ver a mesma cena,

dependendo de onde este se coloque no espaço, podendo, inclusive, ele

próprio criar a sua história. Como a rua é polimorfa, cria possibilidades cênicas

também polimorfas. Assim, teríamos na rua o espaço propício para a criação

de um teatro quântico, isto é, um espetáculo que possibilite a cada um dos

espectadores uma visão única sobre o mesmo.6

Relativo ou quântico, cada vez mais o teatro de rua se faz necessário,

devendo ampliar sua relação com a cidade, sua importância se dá em vários

aspectos. O teatro de rua possibilita a humanização, o diálogo entre as

pessoas e uma relação mais aberta entre atores e espectadores, já que não há

diferença de níveis entre os mesmos, todos estão no mesmo patamar. E é este

fator que faz com que o espetáculo na rua receba tanta interferência, mas, ele

próprio, não esqueçamos, é uma interferência no espaço. Outro ponto

importante é que, ao interferir, ele re-significa o espaço, tornando-o propício a

fruição. E nesses tempos em que tudo parece mais veloz, a rua mais agressiva

e pela qual devamos passar rapidamente, o teatro pode se colocar como um

elemento interruptor dessa agonia moderna, levando o passante a sonhar e a

refletir sobre sua condição de sujeito histórico dentro da cidade.

Por fim, o teatro, e a arte em geral, são uma necessidade, por isso

devem está em todos os espaços, porque geram inventividade, possibilitando a

ampliação da criatividade humana, pois, diferentemente da mercadoria, a arte

precisa de “um tempo de ressonância” (CAIAFA, 2000, p.23), isto é, o teatro

não se esgota no momento apresentado, demanda um tempo de reflexão, para

ser ingerido e digerido. E ao refletir ou recontar o vivido frente a um espetáculo,

é o cidadão que passa a ser o criador, pois sua recriação não é mais o mesmo

6 Para uma maior discussão sobre teatro quântico Cf. BRITO, Rubéns José Souza. Teatro de Rua.

Princípios, Elementos e Procedimentos: a contribuição do Grupo de Teatro Mambembe (SP). 2004. 226 f. Dissertação (Livre Docente) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas-SP.

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espetáculo presenciado, já é uma “mutação subjetiva”, a “pós-vida” da arte,

impressa por uma marca singular, que irá “engajar outras singularidades”

(CAIAFA, 2000, p. 68).

2. É PRECISO PRESSIONAR

A organização por parte dos grupos de teatro de rua foi uma

necessidade gerada pelo momento que atravessavam no inicio do século XXI.

Mas antes de falarmos como se deu é importante traçarmos um pequeno

histórico da organização teatral em São Paulo, já que a década de 90 e a

virada do milênio foram férteis nesse sentido.

Ainda que nos anos 80 o teatro de grupo tenha produzido bastante em

São Paulo, foi nos anos 90 que se afirmou a tradição do grupo, como forma

diferenciada de produção e pesquisa em teatro, dando “novos contornos à

prática e ao pensamento do teatro contemporâneo”, já que “reverberou para o

campo da política e da cidadania”, como afirma Valmir Santos na revista

Camarim (2006, p. 5). Afirmando ainda, que “o histórico de injustiças sociais e

políticas transforma a América Latina em terreno propício à formação de

grupos” (2006, p. 5). Isso porque o trabalho em grupo é um trabalho solidário e

ideológico, seus integrantes determinam seus objetivos e juntos transformam

os seus quereres em arte. É também no grupo, que tem se dado o

aprofundamento do fazer teatral, isto é, da pesquisa técnica e estética, daí

surgiu a necessidade de troca entre os mesmos.

Foi dessa maneira que nasceu, no inicio da década de 90, o Movimento

Brasileiro de Teatro de Grupo (MBTG), em plena era Collor, momento de

instabilidade brasileira. O coletivo objetivava a troca e o apóio mútuo. Um grupo

aprendendo com o outro, buscando “sistematizar formas de atuação conjunta,

aprofundar a discussão de aspectos ligados à produção, à ideologia e à

estética do teatro de grupo”, era a afirmação que constava da primeira

publicação da revista Máscara, editado pelo grupo Fora do Sério,

organizadores de dois encontros na cidade de Ribeirão Preto, nos anos de

1991 e 1993.

A revista Máscara nº 2, última publicação do coletivo, trazia em seu

editorial “Existindo na Instabilidade” o porquê da existência da publicação e do

MBTG, havia um “desejo comum” de que o teatro se manifestasse “como uma

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arte acessível a todas as classes sociais, e que os homens, mulheres e

crianças de todas as idades [pudessem] comunicar-se através dele” (1993, p.

3). Infelizmente o MBTG realizou apenas três encontros, dois em Ribeirão

Preto, como já foi dito, e em 1997 o último, em São Paulo, na Mostra de Teatro

de Grupo, organizado pela Cooperativa Paulista de Teatro. É importante dizer

que, por ser um Movimento Brasileiro, as dificuldades eram imensas, já que

seus participantes tiveram que arcar com os custos dos dois primeiros

encontros e ainda não havia uma tecnologia que facilitasse a comunicação

entre eles como existe hoje.

Em junho de 1993, no 2º Encontro Brasileiro de Teatro de Grupo, a

tônica das discussões foi a dramaturgia. Na época, dos poucos grupos com 10

anos de existência ou mais, estavam os fazedores de teatro de rua como o Tá

Na Rua (RJ), o Galpão (MG), o Andante (MG), Imbuaça (SE) e Ói Nóis Aqui

Traveiz (RS). Havia no encontro quinze grupos, dos quais nove realizavam

trabalhos nos espaços abertos. O MBTG demonstrava, naquele momento, a

importância dos grupos se organizarem, por isso a pesquisadora Rosyane

Trota, presente no encontro como palestrante, afirmou em artigo posterior que

o MBTG cumpriu

“uma função basilar cujas dimensões podem ser avaliadas ao se analisar o panorama atual comparativamente à realidade daquele momento. Se não é possível lhe atribuir o renascimento dos grupos, pode-se verificar que ele se constituiu como fator primordial no seu processo de conscientização. Atrás de mobilizações como A Arte Contra a Bárbarie e o Redemoinho estão artistas para quem aqueles encontros despertaram ou fortaleceram vocação de uma atuação além da cena, sob a forma de uma organização de classe e de um trabalho de replantio da politização ceifada desde os tempos da ditadura militar” (2006, p. 20).

Embora a pesquisadora tenha esquecido de outros movimentos, fica

claro que a organização do MBTG deixou sua semente, pois dois anos após

seu último encontro, artistas paulistas iriam lançar um manifesto que daria

inicio a outro movimento: Arte Contra a Barbárie. O manifesto foi lançado no

jornal O Estado de São Paulo em 07 de maio de 1999. No inicio poucos grupos

faziam parte: Teatro Popular União e Olho Vivo, Tapa, Parlapatões, Cia do

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Latão, Folias D`Arte e Monte Azul e os artistas Fernando Peixoto, Gianni Ratto,

Aimar Labaki e Umberto Magnani. Iná Camargo Costa afirma que o movimento

congregava “basicamente grupos de teatro formados a partir dos anos 90 do

século XX” (2007, p. 29). Mas, é importante percebermos que, como uma

espécie de continuidade do MBTG, e aliado a necessidade de organização,

alguns artistas e grupos que assinaram o documento Arte Contra a Barbárie

estiveram presentes no 2º Encontro do MBTG realizado em 1993. São eles:

Parlapatões, Fernado Peixoto e Aimar Labaki.

O movimento Arte Contra a Barbárie fortaleceu-se e chegou a ter mais

de 100 grupos, desencadeando na criação de uma lei modelar, aprovada por

unanimidade pela Câmara dos Vereadores em 2001 e sancionada pela Prefeita

Marta Suplicy em 2002. A Lei de Fomento ao Teatro para a Cidade de São

Paulo destinava R$ 6.000.000,00 para o teatro de grupo, corrigidos

anualmente, algo inédito até aquele momento. Era uma vitória dos fazedores

de teatro, que exigiam do estado o papel que lhe cabe: o de fomentador das

artes.

A Lei de Fomento, vinha na contra corrente do mercado, possibilitando

que os grupos desenvolvessem seus trabalhos de pesquisa, independente de

haver ou não produção de espetáculos, poderiam, assim, avançar em suas

estéticas. Mas, desde o princípio, o dinheiro foi pouco diante da demanda que

há em São Paulo, por isso em 2007, cinco anos após a criação da Lei,

começou-se a discutir a ampliação dos recursos. Até 2007 já haviam sido

apresentados ao Programa de Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo,

mais de mil projetos, sendo que desse total, cento e quarenta e três foram

contemplados.

2.1 Se Essa Rua Fosse Minha

Os grupos de teatro de rua de São Paulo, aqui arrolados, não

participaram do MBTG, mas participaram das reuniões do Arte Contra a

Barbárie. Excetuando o grupo Pombas Urbanas, em 2001, muitos desses

grupos tinham entre quatro e cinco anos. E foi nesse ano que começaram a se

reunir e discutir sua organização política. Essa articulação deu-se por

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necessidade, mas foi impulsionada depois de um encontro com um

representante do poder público municipal.7

Em 2001 a Cooperativa Paulista de Teatro convocou o então diretor do

Departamento de Teatro da Secretaria Municipal de Cultura, Celso Frateschi,

para uma conversa sobre teatro de rua. O objetivo era solicitar do Poder

Público, mais atenção para esta modalidade teatral. A reunião foi confusa e

não havia unanimidade sobre as reivindicações. Pediam praças estruturadas

com banheiros, pontos de luz e camarins; criação de um circuito pelas praças;

edital e muitas outras coisas. Não havia um discurso comum. Muitos dos

grupos presentes não conheciam uns aos outros e, até pelas dificuldades, só

esporadicamente iam às ruas para apresentarem seus trabalhos. Por fim o

representante do poder público preferiu entender que não havia grupos

estruturados, portanto, não merecedores de atenção. Reconhecidos naquele

momento existia apenas os grupos Parlapatões e a Pia Fraus, consagrados por

seus trabalhos na rua.

Após a negativa foi necessário que os grupos demonstrassem que

tinham capacidade de organização política, assim seriam reconhecidos pelo

Poder Público Municipal como as demais formas teatrais. Assim, enquanto o

Arte Contra a Barbárie lutava pela aprovação do Fomento os grupos de teatro

de rua necessitavam “comprovar” que existiam. Muitos atuavam de forma

descentralizada, isto é, nos bairros periféricos, junto às comunidades, portanto,

seus trabalhos eram desconhecidos da mídia, que nada publicava sobre suas

ações, daí o desconhecimento também por parte do Poder Público. Em

resumo, por serem jovens, esses grupos estavam fragilizados politicamente.

Foi a partir daí que nasceu a Ação Cultural Se Essa Rua Fosse Minha,

que visava chamar a atenção para o teatro de rua e seus fazedores, a mesma

se compunha de sete grupos: Abacirco, Bonecos Urbanos, Buraco d`Oráculo,

Circo Navegador, Farândola Troupe, Monocirco e Pavanelli. Inicialmente,

reuniram-se para trocar experiências, depois planejaram uma estratégia de

ação para o lançamento público dessa ação artística. Para tanto, convocaram a

mídia e no dia 03 de agosto de 2002 era apresentado o primeiro grupo,

Farândola Troupe, no Largo do Cambuci, região central da cidade. O

7 O autor deste trabalho vivenciou todo esse processo de 2001 a presente data, 2008.

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lançamento reuniu em torno de quarenta artistas que fizeram um cortejo pela

Avenida Lins de Vasconcelos, principal via do bairro Cambuci. Depois disso o

grupo Farândola Troupe cumpriu temporada no Largo do Cambuci,

apresentando seu repertório, o que deveria ocorrer também com os demais

grupos nas demais localidades escolhidas pelos mesmos.

O objetivo de mídia foi atingido, pois ganharam duas páginas da Veja

São Paulo de 07 de agosto de 2002, que anunciava: “trupes levam palhaços,

malabaristas e mágicos para apresentações ao ar livre” (2002, p. 43). Muito

embora não houvesse apenas grupos com a linguagem circense, a reportagem

deu destaque ao mundo do circo, com certa razão, já que dos sete grupos,

cinco tinham como figuras principais o palhaço. Além da Veja, o “Guia da

Folha”, suplemento do jornal Folha de São Paulo também fez uma pequena

reportagem e teve uma boa cobertura nos jornais de bairro da região.

Figura 1: Lançamento da Ação Cultura Se Essa Rua Fosse Minha – 2002.

Fonte: Arquivo do autor

A estratégia da Ação Cultural Se Essa Rua Fosse Minha de levar o

debate para a esfera pública cumpria um duplo papel: divulgava seus trabalhos

e suas ações, fazendo com que entrassem também na história, pois ninguém

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poderia mais negá-los, nem outros fazedores, nem o poder público e, muito

menos a própria imprensa.

O objetivo era realizar um “lançamento” a cada mês, isto é, um grupo

seria anunciado. Os membros dos outros grupos deveriam participar do cortejo

que foi denominado de “Parada Espetacular”. Mas isso não foi possível, pois à

medida que iam surgindo os compromissos os grupos abriram mão de sua

participação na “Parada”, demonstrando sua fragilidade e imaturidade política,

já que o ato visava reforçar o seu próprio fazer. Demonstrava também o estado

precário em que se encontravam estes artistas na luta pela sobrevivência, já

que não poderiam dispensar trabalhos remunerados em prol de sua

organização política. O resultado imediato (trabalho para sobreviver) era mais

forte do que uma conquista futura.

Alguns grupos “lançados” já atuavam nas regiões escolhidas, era o caso

do primeiro grupo, Farândola Troupe, no Cambuci e do Bonecos Urbanos, que

a seis anos atuava dentro do Parque da Água Branca. Já o Buraco d`Oráculo

ficou algum tempo atuando na estação Brás do Metrô, realizando temporadas

dentro e fora da estação, mas depois de uma ordem superior da direção do

Metrô foram canceladas as apresentações que o grupo levava gratuitamente

àquela estação. Com o Se Essa Rua Fosse Minha mudou seu local de

atuação, foi para São Miguel Paulista, indo na direção daquele público que

passava pela estação Brás do Metrô.

É importante destacar que os sete grupos estavam chamando a atenção

do Poder Público e da mídia não apenas para si, mas para a necessidade das

políticas públicas de cultura e das ações democratizantes do teatro. Os grupos,

em suas ações, estavam estreitando os laços com as comunidades nas quais

atuavam e, de forma conjunta, queriam criar um circuito de teatro de rua na

cidade, entretanto, o desejo não se cumpriu. Ao nominar-se “Se Essa Rua

Fosse Minha” lançavam um novo olhar sobre o espaço público aberto,

demonstrando que é importante repensá-lo como local de convívio e de lazer.

Dando continuidade as suas ações, no dia 31 de agosto foi o

lançamento da Cia Pavanelli, hoje Núcleo Pavanelli de Teatro de Rua e Circo.

A “Parada Espetacular” percorreu a Avenida Tucuruvi até a praça onde seria

realizada a apresentação que marcaria o inicio da temporada do seu repertório.

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Em setembro, no dia 21, foi a vez de São Miguel receber o cortejo pela

Avenida Marechal Tito com muitos artistas e um público de mais de sessenta

pessoas que acompanharam a “Parada Espetacular” até a Praça Padre Aleixo

Monteiro Mafra, conhecida popularmente como ‘Praça do Forró’. Foi lá que o

grupo Buraco d`Oráculo estreou seu espetáculo “O Cuscuz Fedegoso”,

fazendo uma temporada de três meses com o mesmo, e desde então vem

atuando em São Miguel e região.

Uma característica no lançamento dos três primeiros grupos são as

ocupações das principais vias dos bairros escolhidos, ao mesmo tempo que

modificava a relação das pessoas com essas vias, interferiam de tal maneira

que era impossível ignorá-los, nesse sentido, colocavam-se como uma

“guerrilha cultural”, ganhando os contornos de mídia radical colocadas por John

Downin em seu livro “Mídia Radical.”

Em outubro de 2002, mesmo já atuando a seis anos no Parque da água

Branca, foi feito o lançamento do grupo Bonecos Urbanos. Ainda em outubro, a

Cia. Abacirco apresentou-se no centro de São Paulo, no Boulevard da Avenida

São João. Em novembro a Cia. Monocirco apresentou-se no Jardim São Paulo

dentro de um parque e em dezembro de 2002 o último grupo a ser “lançado” foi

o Circo navegador na Praça Benedito Calixto, local tradicionalmente conhecido

por sua feira de artes e antigüidades.

Nos últimos meses de 2002 já havia desarticulação e nem todos os

grupos compareciam ao lançamento um do outro. Alguns cumpriam apenas a

primeira temporada, não dando continuidade as suas ações no local escolhido,

como havia sido proposto inicialmente. Foi o que ocorreu com Abacirco,

Monocirco e Circo Navegador, que após a temporada não continuaram

realizando ações nos locais escolhidos. No entanto, Farândola Troupe,

Bonecos Urbanos, Buraco d`Oráculo e Cia. Pavanelli continuaram suas ações

nos bairros do Cambuci, Barra Funda, São Miguel e Tucuruvi respectivamente.

Outro aspecto importante é que não se tratava de um movimento

propriamente dito, já que estava restrito a esses sete grupos, aos poucos sua

organização foi agonizando. A Ação Cultural Se Essa Rua Fosse Minha não

resistiu, as reuniões cessaram e cada grupo continuou sua vida. Mas o pontapé

inicial havia sido dado, o primeiro objetivo havia sido cumprido: demonstraram

que havia teatro de rua em São Paulo.

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2.2 Movimento de Teatro de Rua de São Paulo

Em 2003 a Cia. Pavanelli alugou um barracão no bairro do Tucuruvi, na

zona norte de São Paulo e este espaço, ainda que tenha tido vida breve (pouco

mais de um ano), foi importante, pois, a partir dele, deu-se continuidade as

ações na organização dos grupos de teatro de rua, até desembocar no que

hoje é o Movimento de Teatro de Rua de São Paulo. Foi no Barracão Cultural

Pavanelli, que ocorreu o I Seminário de Teatro de Rua de São Paulo, realizado

de 04 de agosto de 2003 até 15 de setembro de 2003, sempre às segundas-

feiras. Esta programação mereceu atenção da jornalista Beth Néspoli que deu

a primeira página do “Caderno 2” do jornal O Estado de São Paulo. Na matéria

“Artistas debatem o papel do teatro de rua” a jornalista alertava que a

organização do evento não havia conseguido “nenhum apoio financeiro, o que

impediu a participação de companhias de outros Estados”, colocando o evento

como uma resistência.

Estiveram presentes no I Seminário doze grupos e um palestrante: João

Carlos Andreazza (que havia participado do MBTG com o grupo Fora do Sério),

que falou sobre “Teatro de Rua: estética e linguagem. Sua importância na

metrópole.” Alguns dos grupos participantes pertenceram ao Se Essa Rua

Fosse Minha, mas no Seminário ampliaram-se os grupos, de sete saltou para

doze. Conforme flyer de divulgação constam da programação os seguintes

grupos: Abacirco e Rodamoinho (11/08/03), Tablado de Arruar e Pombas

Urbanas (18/08/03), Bonecos Urbanos e Farândola Troupe (25/08/03), Circo

Navegador e Cia Pavanelli (01/09/03), Teatro Vento Forte e Grupo Manifesta

de Arte Cômica (08/09/03), ManiCômicos e Buraco d`Oráculo (15/09/03).

Debateram sobre seus problemas, suas estéticas e lançaram também muitas

idéias sobre futuras ações coletivas. Ao término do Seminário foi escrito um

documento e entregue ao Poder Público Municipal, especificamente ao

Departamento de Teatro da Secretaria de Cultura do Município de São Paulo,

comandado à época por Kil Abreu.

O Seminário foi registrado em vídeo, mas por falta de apóio, o material

está aguardando para ser publicado. A sua não publicação faz com que se

perca parte importante da memória do teatro paulista. Além disso, o material é

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muito importante para compreendermos as idéias de cada grupo naquele

momento, além de revelar como cada um desenvolvia seus trabalhos, antes de

existirem as políticas públicas de cultura como o Fomento e o Programa para

Valorização das Iniciativas Culturais (VAI), pois ainda que estes programas

públicos não dêem conta da produção teatral em São Paulo, significaram

grande avanço e para compreendermos seus avanços se faz necessário

compreender o antes, isto é, como se dava a produção e a pesquisa dos

grupos antes dessas leis, daí a importância de tornar público o material do I

Seminário de Teatro de Rua.

Foi ainda no I Seminário de Teatro de Rua que surgiu a proposta de uma

grande mostra teatral, que seria também um ato político, nascia aí a “Overdose

de Teatro de Rua, que até 2008 teve cinco edições. Através dessa mostra/ato

os grupos apresentavam seus trabalhos e cobravam do Poder Público a

responsabilidade de fomentar as artes.

A I Overdose de Teatro de Rua ocorreu ainda naquele ano de 2003, mas

precisamente no dia 03 de novembro, das 10:00 às 17:30 horas no Boulevard

da Avenida São João e no Vale do Anhangabaú, região central da cidade.

Participaram da mostra/ato quinze grupos: Circo Navegador, Manicômicos

(hoje Brava Companhia), Cia Pavanelli, Cia Monocirco, Os Itinerantes, Bonecos

Urbanos, Tablado de Arruar, Cia do Miolo (estes no Boulevard), Grupo

Manifesta de Arte Cômica, Abacirco, Cia Rodamoinho, Farândola Troupe, Cia

Fola Folia, Buraco d`Oráculo e Cia de Rocokóz (estes no Vale do

Anhangabaú). Mas uma vez buscando inserir-se na mídia e visando tornar

público o debate, os grupos conseguiram matérias em vários jornais. Valmir

Santos, articulista da “Ilustrada”, caderno da Folha de São Paulo anunciava:

“Quinze companhias fazem maratona de cerca de oito horas de espetáculos na

São João e no Anhangabaú.” (2003, p. E4) Não era mais possível negar a

existência dos grupos de teatro de rua de São Paulo, afinal, uma única

programação reuniu quase duas dezenas com trabalhos bem diversificados.

Era a nova geração de teatro de rua se fazendo presente, agora era necessário

dar um passo a mais.

Depois da realização da I Overdose de Teatro de Rua os grupos

passaram a reunir-se regularmente, nominando-se Movimento de Teatro de

Rua de São Paulo (MTR/SP), com reuniões abertas a qualquer grupo ou

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fazedor que quisesse contribuir com a discussão sobre este fazer teatral. A luta

política também se acirrou, principalmente com a Secretaria Municipal de

Cultura de São Paulo. O Movimento passou a lutar pela criação de um circuito

permanente que englobasse as cinco regiões de São Paulo, além de editais e

leis que contemplasse as especificidades do teatro de rua.

Pode parecer estranho que toda essa luta, inicialmente tenha se dado

via mídia e não apenas através dos trabalhos de cada grupo, muito mais

importante. O fato é que, em uma sociedade espetacularizada, tudo gira em

torno do apelo midiático, até mesmo as decisões políticas. Foi através da

opinião pública, que os grupos de teatro de rua cavaram seu espaço,

pressionaram politicamente e fizeram com que o poder público não negasse

mais a sua existência. Revelaram também seu poder de organização, a ponto

de produzirem diversas ações sem nenhum incentivo público ou privado,

apresentando as características de mídia radical alternativa proposto por John

D. H. Downing em seu livro Mídia Radical: rebeldia nas comunicações e

movimentos sociais. Trata-se de opor-se de forma direta e vertical “à estrutura

de poder e seu comportamento”, buscando no seu meio, de forma horizontal,

“apoio e solidariedade”, visando construir uma “rede de relações contrária” ao

poder estabelecido.

E foi nesse sentido que o MTR/SP continuou se reunindo e procurando

agregar mais grupos as discussões, objetivando sempre pressionar o poder

público pela construção de políticas públicas de estado e não de governo, isto

é, com os recursos garantidos em lei e não em programas de cada governo,

sem garantias de continuidade. Começou a articular-se com outros movimentos

espalhados pelo Brasil, nascendo a troca entre os movimentos de

Pernambuco, Bahia, Ceará, Rio de Janeiro e Minas Gerais.

Paralelo a esta articulação continuou realizando suas ações. Em 2004

foi feito um segundo seminário sobre teatro de rua com a participação de

pensadores, fazedores e políticos, cabendo destacar a presença de Alexandre

Mate, Iná Camargo Costa, Ednaldo Freire e Amir Haddad. Além disso, antes do

seminário já havia sido realizado a II Overdose de Teatro de Rua, no mesmo

local em que ocorrera a primeira. Nada do que foi produzido pelo MTR/SP foi

publicado, perdendo-se material valioso para o enriquecimento da discussão no

campo do fazer teatral de rua.

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Ainda em 2004 o MTR/SP elegeu a Praça do Patriarca, no centro da

cidade, para mais uma de suas ações: I Temporada de Teatro de Rua de São

Paulo. Só teve uma edição, no entanto aquele espaço passou a fazer parte das

demais ações e tornou-se local para temporadas dos grupos de teatro de rua

de São Paulo, que hoje fazem suas estréias nessa praça.

No ano seguinte, 2005, o movimento começou a negociar um edital

público de circulação de teatro de rua e a publicação do material dos dois

seminários realizados por eles, mas nenhum dos dois veio a público. Para

cobrar o MTR/SP foi às ruas mais uma vez, em maio de 2006, mas

precisamente no dia 29, e lançou sua CARTA ABERTA na 3ª Overdose de

Teatro de Rua. A Carta, que foi publicada posteriormente no primeiro

Informativo desse coletivo, trazia os princípios de luta do mesmo, que é “a

construção de políticas públicas permanentes que garantam a continuidade de

pesquisa, produção e circulação do teatro de rua” e defende também o “espaço

público aberto como local de criação, expressão e encontro” (INFORMATIVO

nº 1, 2007).

Nesse período, os grupos que utilizam o espaço aberto como local de

expressão de seus trabalhos cresceu, no entanto nem todos participam do

MTR/SP. De concreto, nada foi conquistado em termos de políticas públicas

para o teatro de rua, não obstante, o MTR/SP tem avançado e ampliado os

espaços de discussão sobre o fazer teatral nos espaços abertos, tendo

participado de fóruns e encontros regionais e nacionais sobre o assunto e esse

avanço se deu em 2008, juntamente com movimentos de outros estados,

deram o pontapé inicial para uma organização nacional ao criarem a Rede

Brasileira de Teatro de Rua.

Está claro que há uma diferença de produção, uma diferença na relação

com a cidade e com os cidadãos e é esta diferença que o MTR/SP tem

colocado ao poder público. Afinal o local que os grupos ocupam, a rua, os

distingue, já que “o espaço cênico é a primeira instância significante do

espetáculo e tem diferentes níveis expressivos” (CARREIRA, 2007, p. 21), não

é possível negar, portanto, a diferença entre estes e aqueles que ocupam

espaços fechados. É importante ressaltar que a luta pela diferença, é na

verdade, uma luta por direitos, para igualar-se nas conquistas entre seus pares,

para que o teatro de rua saia de seu campo marginal. É importante dizer isso,

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porque há uma armadilha ao colocar-se como diferente, no geral um discurso

da direita na busca por privilégios. O MTR/SP não quer privilégios, quer

igualdade de tratamento por parte do Estado nas esferas municipal, estadual e

federal.

“No campo da direita, a diferença sempre emerge como afirmação do privilégio e portanto como defesa da desigualdade. No campo da esquerda, no campo da cidadania, a diferença emerge enquanto reivindicação precisamente na medida em que ela determina desigualdade. A afirmação da diferença está sempre ligada à reivindicação de que ela possa simplesmente existir como tal, o direito de que ela possa ser vivida sem que isso signifique, sem que tenha como conseqüência, o tratamento desigual, a discriminação. Não fora a desigualdade construída enquanto discriminação à diferença, ela não existiria como reivindicação de direito. Concebido nessa perspectiva, me parece que o direito à diferença, especifica, aprofunda e amplia o direito à igualdade” (DAGNINO, 1994, p. 114).

No plano prático, conquista financeira ao fazer teatral de rua, o MTR/SP

conseguiu em 2006, o apoio da Secretaria Municipal de Cultura, para a

realização da 1ª Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. A Mostra é uma

homenagem ao peruano pioneiro na pesquisa dessa manifestação em São

Paulo. A Mostra já teve duas edições e caminha para a terceira. Não há dúvida

de que, através de suas ações, o MTR/SP valorizou e valoriza o fazer teatral de

rua, algumas dessas ações fizeram do centro da cidade local de expressão

dessa manifestação artística, a Praça do Patriarca, por exemplo, tornou-se uma

referência do teatro de rua, lá foram realizadas Overdoses, as Mostras e muitos

grupos estréiam seus espetáculos naquele local.

2.3 O centro em ebulição

O centro da cidade é o local que recebe pessoas de todas as regiões, de

outros municípios, estados e até de outros países, isso porque nele está

localizado um forte comércio, grandes empresas prestadoras de serviços,

monumentos e os prédios históricos, por isso mesmo é o local onde são

apresentados muitos espetáculos de rua. Há também os grupos que

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desenvolvem seus projetos na região central, como a Cia do Miolo, Tablado de

Arruar e o Núcleo Pavanelli de Teatro de Rua e Circo. Outros grupos, por

atuarem fora da região central, realizam suas estréias no centro, visando não

só ter um público diversificado para seus espetáculos, mas também uma

inserção midiática, já que aí, supostamente torna-se mais fácil a veiculação de

seus espetáculos na programação dos jornais.

Figura 2: Bandeiras, estandartes e faixas. Cortejo de abertura da 2ª Mostra de Teatro de

Rua Lino Rojas – 2007.

Fonte: Arquivo MTR/SP – Autor: Augusto Paiva.

O Tablado de Arruar desde seu primeiro espetáculo “A Farsa do

Monumento” se inseriu no centro da cidade, trazendo reflexões sobre a própria

cidade e o cidadão da metrópole. Assim o primeiro espetáculo versava sobre a

inauguração de um monumento, um fato real do inicio do século XX levado

para a cena. Em “Movimento para Atravessar a Rua” o grupo inspirou-se nos

trabalhadores e moradores de rua, refletindo sobre a sobrevivência daqueles

que estão à margem na sociedade. O terceiro espetáculo, “A rua é um rio”, traz

dois mundos: o do opressor e do oprimido. O espetáculo discute as formas de

ocupação da cidade. É dessa maneira que o rico capitalista vai construir sua

torre vazia (Empty Tower), onde antes era uma favela, não importando se para

isso muita gente tenha que ser expulsa de seus barracos. O grupo se utiliza da

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técnica brechtiana, apresentando e problematizando as cenas de forma

dialética. O Tablado de Arruar realizou também dois seminários sobre teatro de

rua dentro de seus projetos contemplados pelo Programa de Fomento ao

Teatro para a Cidade de São Paulo, o primeiro, “Teatro de Rua em Movimento”

(Cf. COSTA et al, s.d.) tornou-se livro.

Outro grupo que atua na região central é a Cia do Miolo, que chegou ao

centro montando seu palco, trazido por duas Kombis, para apresentar “O

Burguês Fidalgo” de Molière. Depois desceu do palco, reduziu os elementos

cênicos e experimentou a roda com outro Molière: “O Doente Imaginário.” Em

seu último espetáculo apresentado no centro, abandonou o autor francês para

dedicar-se a pesquisa da própria cidade, apresentando a história de São Paulo

para todos que cruzam com seus atores, com “Ao Largo da Memória.”

O Núcleo Pavanelli de Teatro de Rua e Circo, hoje também atua na

região central, mas precisamente no bairro de Santa Cecília, onde desenvolve

o projeto do Centro de Pesquisa para o Teatro de Rua. O Núcleo havia

realizado dois importantes projetos fora de São Paulo: na Baixada Santista

criou a Escola Livre de Circo e o Centro de Pesquisa para o Teatro de Rua da

Baixada Santista e de forma itinerante, realizou o projeto Movimento Cidadão

pela Cultura nos estados do Rio de Janeiro e Pernambuco. O grupo tem uma

forte pesquisa com a linguagem do palhaço e do circo, seus fundadores

estudaram com família tradicional circense, daí a união do mundo do circo com

o teatro de rua. Dois espetáculos são particularmente marcantes, “O Básico do

Circo” e “Aqui não, Pantaleão!”, estruturados em cenas/quadros, isto é, cada

cena desenvolve com inicio, meio e fim. Ainda que a junção de todos os

quadros formem uma história única, a cena/quadro facilita a interação com o

público da rua, já que em qualquer momento do espetáculo pode ser

compreendido, formando a cena relativa proposta por Rubéns Brito (Cf. 2004),

já que o espectador que assiste apenas parte do espetáculo pode criar sua

própria história.

Nos últimos três anos muitos grupos têm experimentado ir às ruas, por

isso tem crescido as temporadas de teatro de rua no centro da cidade, quem

ganha com essa diversidade é a população, no entanto ganharia mais se os

grupos fizessem temporadas também nos bairros, assim o cidadão menos

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favorecidos – e que muitas vezes não sai de seu próprio bairro – poderia ter

acesso a esta arte milenar e a uma programação diversificada.

3. DESCENTRALIZANDO O TEATRO

São Paulo é a cidade das diversas culturas, formou-se a partir da junção

de diversos imigrantes e migrantes, daí sua diversidade cultural. Tudo isso leva

também a uma imensa produção artística, tão grande que nenhum guia cultural

dá conta de trazer em sua programação todas as atrações que há espalhadas

pela cidade. E se pegarmos uma área artística, como o teatro, perceberemos a

diversidade e uma imensa quantidade de produções espalhadas por mais de

uma centena de teatros e outros tantos espaços alternativos. Por outro lado,

essas casas de espetáculos estão dentro de uma geografia muito pequena em

relação ao tamanho da cidade.8 A grande maioria dos teatros concentram-se

na região central ou em bairros nobres. A exceção são os teatros dos Centros

Educacionais Unificados, que não fazem parte do roteiro cultural oficial e não

tem uma programação regular, sempre dependentes da boa vontade de quem

está no governo, bem como, de seus gestores, na maioria das vezes, estes

teatros recebem uma programação restrita a comunidade escolar. Além dos

locais supracitados, nos bairros descentralizados, temos também quatro teatros

municipais situados em Santo Amaro, Cangaíba, Penha e Lapa e por fim, há

dois espaços culturais pertencentes a grupos: o Paidéia em Santo Amaro, do

grupo Paidéia e o Centro Cultural Arte em Construção, na Cidade Tiradentes

que é administrado pelo grupo Pombas Urbanas, aqui pesquisado. A Brava

Companhia conseguiu recentemente junto a subprefeitura de Santo Amaro um

8 Cf. o Guia Off (www.superig.ig.com.br/guiaoff. Acesso em: 15/06/08) ou Guia de Teatro (www.guiadeteatro.com.br. Acesso em: 05/07/08), os dois são distribuídos gratuitamente nos espaços culturais e também podem ser acessados pela internet. Esses guias apresentam uma vasta programação teatral e os endereços das casas de espetáculos. O Guia Off, por exemplo, na programação impressa de junho, trazia o endereço de 121 teatros, já na internet, havia 96 endereços. O Guia de Teatro, por sua vez, na versão impressa trazia endereços de 120 casas de espetáculos e oferece no site um serviço de busca ao usuário, que pode ser acessado por teatro, por gênero ou por peça. No site estavam cadastrados 207 espetáculos entre teatro, dança e circo na data do acesso. Quanto a tiragem sua abrangência são pequenos diante da população da cidade, já que o Guia Off distribui 20.000 folhetos e o Guia de Teatro 30.000. É evidente que com essa distribuição não atingem nem o total de público que freqüentam as salas de espetáculos, que dirá aqueles que estão distantes desses equipamentos.

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antigo hortifrutigranjeiro, que o grupo pretende transformá-lo em um centro

cultural.

Então caberia perguntar: como se quer fazer que o público vá ao teatro

se os mesmos estão distantes? Será que isso não é uma estratégia para

afastar a população menos favorecida das casas de espetáculos? Pois ainda

que tenhamos peças gratuitas em alguns desses espaços, seu acesso é muito

difícil, devido ao transporte coletivo precário, a falta de informação (no geral os

guias culturais gratuitas também são distribuídos apenas na região central) e a

distância, pois em muitos bairros da periferia, pode-se demorar até duas horas

para se chegar ao centro da cidade. Portanto, a ida ao teatro e o retorno para

casa duraria quatro horas. Caberiam ainda outras perguntas, mas, diante do

que foi colocado, é como se pudéssemos ler uma mensagem subliminar de que

teatro não é para qualquer um, apenas para privilegiados. E se a cidade pode

ser lida, já que “ruas, avenidas, praças, monumentos, edificações, configuram-

se como uma realidade sígnica que informa sobre seu próprio objeto: o

contexto urbano” (FERRARA, 1993, p. 19), então podemos dizer que São

Paulo, como uma cidade eminentemente segregacionista, seleciona seu

público teatral, pelos menos, no espaço fechado. Pois ao colocar os teatros

distantes das camadas mais populares, é como se dissesse aos populares:

‘aqui você não entra!’ Ainda que o discurso vá na contra mão dessa realidade,

afinal não podemos esquecer que a cidade é portadora de uma dupla imagem:

uma que é divulgada e outra real.

“A imagem da cidade não é, portanto, espontânea, mas, ao contrário, coercitiva e autoritária. Essa imagem codificada opera como uma norma lei ou símbolo de como a cidade deve ser vista, atua como signo suporte da noção urbana que quer transmitir, na realidade, trata-se, não só da imagem da cidade, mas de uma imagem cultural que utiliza a primeira como um suporte” (FERRARA, 1993, p. 252).

É dessa forma que São Paulo seleciona seu público nos espaços

fechados. É claro que não é apenas a distribuição dos teatros na região central

que separa, há outros elementos como já foi aludido anteriormente: custo do

ingresso, distâncias, falta de hábito, entre outros. Mas tudo vem apenas

reforçar a idéia de que o teatro não é para todos, não há um projeto de

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universalização do teatro por parte do poder público e não há muito interesse

por parte de alguns grupos teatrais, que continuam apresentando-se apenas

para um público “educado” para receber essa arte e, conscientes ou não desse

fator da segregação, estão reforçando essa mensagem ao adquirirem novos

espaços na região central da cidade.

São Paulo, segundo dados do IBGE, no censo de 20079, tem uma

população estimada em 10.886.518 habitantes. Não temos dados de quantas

pessoas vão ao teatro, pois não há pesquisas a respeito. No entanto, sabemos

que essa região do centro histórico e expandido, onde estão concentrados os

equipamentos culturais, representa 14% do território da cidade, no qual

residem apenas 20% da população (Cf. SANTOS, 2000). Por tudo isso,

podemos deduzir que o público do teatro fechado é uma minoria nesse

universo de milhões e é justamente aí, nesse universo dos que não tem acesso

a este teatro que os fazedores de teatro de rua têm buscado seu público. Muito

embora, por ser democrático e ter facilidade de ir a todos os lugares, estes

fazedores apresentam-se também a um público “educado” e habituado a

receber o teatro. Mas dos três grupos que ora apresentamos, seu público tem

sido, em sua grande maioria, o público da periferia, portanto, pessoas distantes

dos bens culturais.

Como arte milenar que é, o teatro deve ser um direito de todos, mas a

grande população periférica não tem recebido aquilo que lhes pertence e que

Milton Santos chama de “direito ao entorno”. Santos afirma ainda que esses

direitos estão apenas “nos discursos oficiais” (2000, p. 47). O autor fala que o

destino dos pobres no Brasil é sempre a periferia das grandes cidades e que

estes não recebem os serviços básicos, a não ser que paguem por eles.

Quanto ao lazer, “se torna igualmente o lazer pago, inserindo a população no

mundo do consumo. Quem não pode pagar (...) fica excluído do gozo desses

bens, que deveriam ser públicos, porque essenciais” (SANTOS, 2000, p. 48).

Se alguns dos fazedores de teatro de rua têm buscado esse público, cabe dizer

que sua arte pode cumprir um duplo papel: o de lazer, colocado pelo autor, e, o

mais importante, o papel de realçar o censo crítico, já que pode levar, através

9 www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/contagem2007/sp.pdf. Acesso em: 15/06/08.

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de seus espetáculos, seu público a reflexão a respeito de si e da realidade no

qual estão inseridos.

Outro aspecto é que essa população que reside na periferia, são, em

sua grande maioria, migrantes ou filhos de migrantes, isto é, um povo

buscando adaptar-se a uma nova realidade, deixando para trás sua cultura.

São, portanto, um povo desterritorializado, já que deixaram para trás aquilo que

lhe dar identidade: sua cultura. Portanto, “desterritorialização é freqüentemente

uma outra palavra para significar alienação, estranhamento, que são também,

desculturalização” (SANTOS, 2000, p. 61). Ou seja, a distribuição em um

espaço desigual condena essas pessoas a ficarem destituídas dos bens

públicos básicos e de sua identidade. Assim,

“morar na periferia é se condenar duas vezes à pobreza. À pobreza gerada pelo modelo econômico, segmentador do mercado de trabalho e das classes sociais, superpõe-se a pobreza gerada pelo modelo territorial. Este, afinal, determina quem deve ser mais ou menos pobre somente por morar neste ou naquele lugar” (SANTOS, 2000, p. 115).

Por isso é importante que os fazedores conheçam as regiões e um pouco das

pessoas com quem estão dialogando, pois ainda que o público seja

heterogêneo, como vimos, o local diz muito sobre seus moradores.

Outro aspecto importante e merecedor de uma discussão é o

esvaziamento dos espaços públicos como locais de convívio social. A rua é

apenas um corredor de passagem, já que “a cidade contemporânea se

caracteriza pela velocidade da circulação” (ROLNIK, s.d., p. 10). Circulação da

mercadoria e da mão-de-obra. Sendo o mercado, portanto, quem determina o

ritmo da cidade. Temos então, nesse caso, dois fatores: a diferença entre o

espaço aberto (rua) e espaço fechado (a casa) e uma fetichização dos objetos

materiais, imposta pela sociedade de consumo, que ameniza os conflitos e

passa uma falsa idéia de igualdade entre todos.

Desde que a burguesia assumiu o poder, foi deixando a rua como centro

de convívio, que passou a ser a sala de visitas ou os salões (ROLNIK, s.d.)

onde podem encontrar seus iguais. Podemos observar que, no modelo de casa

burguesa, o quarto, local íntimo por definição, deve ser o mais protegido, de

maior dificuldade de acesso, daí o colocarem sempre na parte superior da

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mesma. No dizer do antropólogo Roberta DaMatta, a casa passa a ser mais

que um lugar físico, é um lugar moral. A casa é harmonia, ordem, amor diante

de seu oposto: a rua.

“Como um rio, a rua se move sempre num fluxo de pessoas indiferenciadas e desconhecidas que nós chamamos de ‘povo’ e de ‘massa’. (...) Em casa, temos as ‘pessoas’, e todas lá são ‘gente’: ‘nossa gente’” (DAMATTA, 1986, p. 29).

Ou seja, há um esvaziamento da rua como local de convívio, daí

também a oposição entre espaço fechado e espaço aberto. O movimento da

rua (espaço da circulação da mercadoria) não pode ser parado, e é o que

ocorre quando um grupo teatral se coloca na rua re-significando o espaço e

fazendo dos transeuntes espectadores (Cf. CARREIRA, 2007), isto é,

quebrando a lógica de circulação da mercadoria, tão importante para o capital.

Por tudo isso, a ideologia dominante reproduz seu discurso de que “a cidade

não pode parar”. São Paulo é a cidade que não pára, a metrópole do trabalho.

O grande propagador desse discurso são os veículos de comunicação de

massa, que também vão impregnar o medo10 e vender os produtos do capital,

única forma de nos igualarmos na sociedade capitalista. Em outras palavras,

na sociedade capitalista nos tornamos iguais por aquilo que temos: ele tem e

eu também tenho, por isso somos iguais, nos resta exibir, já que “o fetiche da

mercadoria passa, antes de tudo, pela posse e exibição dela” (FERRARA,

1993, p. 224). É esse mundo que interessa ao capital, e que as metrópoles

(São Paulo talvez seja o principal modelo) apresentam-se como grandes

painéis dessa realidade, exigindo bons leitores das mesmas, no jogo antigo do

“decifra-me ou devoro-te”.

Voltando ao mass media. Ao vender os produtos, instalando a

fetichezação da mercadoria, a mídia ameniza os conflitos entre as classes, já

que a mercadoria permeia todas as classes sociais. E ainda que nem todos

possam comprar, resta o sonho de um dia possuir o objeto de adoração, o ‘seu

sonho de consumo’. Assim desaparece o cidadão e, em seu lugar, assume o

consumidor. O artista precisa captar essa realidade e esse aspecto real da

cidade, escondido no seu lado virtual. E ainda que os discursos e a mídia lutem

para apagar as diferenças entre as classes, “as imagens dos bairros populares 10 Hoje em dia há diversos programas televisivos com programação policial, espalhando o medo na população em sair às ruas. No entanto, esses programas jamais analisam as causas da violência, apenas veiculam o fato, não havendo espaço para discussão.

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não negam a luta de classes, antes a enfatizam” (FERRARA, 1993, p. 236) e o

fetiche da mercadoria, visa, justamente, equalizar as diferenças.

Dessa forma, temos duas cidades em uma mesma cidade que:

“(...) acaba por criar uma tensão entre a imagem codificada da cidade e a própria realidade urbana, em que a segunda, não raro, desmente ou critica a primeira. (...) Ao mesmo tempo em que a imagem divulga e expõe o que deve ser visto e valorizado, esconde o urbano que se representa num cotidiano amorfo, quase invisível, porque difícil de ser admitido. A imagem da cidade expõe e esconde ao mesmo tempo, inserindo-se, assim, na ideologia de uma civilização da imagem” (FERRARA, 1993, p. 253).

E o que tem tudo isso a ver com o teatro? Ora, o teatro pode e deve

debater com essas duas imagens da cidade: a real e a virtual, divulgada como

verdadeira. De maneira que seu público venha a participar desse debate na

rua. Esse espaço cênico pode privilegiar essa discussão, ou seja, o teatro de

rua pode, de fato, trazer de volta a ágora para o espaço aberto. E se na rua

atores e espectadores estão no mesmo plano, os dois lados podem jogar.

Assim, os artistas, através de sua arte devem ser o meio para esta grande

discussão política sobre o viver na cidade.

Essa dimensão do jogo é muito importante, porque teatro é jogo. E “é

por meio do jogo da rua – manifestado nas ações coletivas – que o indivíduo se

expressa sem freios e limitações” (CARREIRA, 2007, p. 39), ou seja, nesse

jogo/debate proporcionado pelo teatro de rua, os problemas deixam de ser

individuais e se coletivizam, tornam-se sociais. E ao tornar-se sociais, segundo

André Carreira, tornam-se também transgressores, pois “a mobilização da

energia lúdica coletiva questiona os códigos e as regras sociais estabelecidas”

(2007, p. 39).

É importante frisar que o diálogo precisa ser feito com as pessoas das

comunidades, não se pode repetir o erro do teatro dos anos 60 feitos pelos

Centros de Culturas Populares, que se dirigiam aos populares no sentido de

esclarecê-los (Cf. BOAL, 2000). Os três grupos que pesquisamos, Pombas

Urbanas Buraco d`Oráculo e Brava Companhia, demonstram essa busca. A

verdade de seus trabalhos resulta da identificação do público com seus

trabalhos e dos trabalhos criados visando essa identificação, isto é, são

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espelhos que se refletem, mas de maneira crítica. Outro ponto é que os atores

desses grupos são todos residentes dessas regiões, muitos cresceram nos

locais onde atuam, daí sua identificação e também uma maior compreensão

desse universo e de seu público, já que sentem na pele as dificuldades vividas

por seu público. É claro que não é preciso ser um morador dessas

comunidades para se fazer teatro para esse público, estamos apenas dando o

exemplo de três grupos que talvez sejam exceção, isto é, formaram-se como

grupo e, por residir nessas regiões, escolheram apresentar-se nessas

comunidades. O exemplo reflete a importância de se conhecer o público para o

qual se apresenta e sua localização no espaço urbano diz muito a seu respeito.

Os grupos aqui pesquisados entendem o teatro como um direito, tanto

para quem faz como para quem vê. E se teatro é uma forma de expressão,

uma ferramenta de comunicação entre as pessoas, é fundamental que todos

possam ter acesso as mais diversas formas teatrais, fundamental que todos

possam experimentá-lo como veículo expressivo e fundamental que todos

aqueles que queiram exercer o teatro como profissão, possa exercê-lo

dignamente, independente de onde more dentro da cidade de São Paulo, daí a

necessidade e a importância também das políticas públicas de cultura, pois só

se atinge esses três pontos, se o Estado fomentar.

3.1 Pombas Urbanas semeando asas

O grupo Pombas Urbanas tem quase duas décadas de existência, surgiu

no cenário paulistano em 1989, no bairro de São Miguel Paulista, zona leste de

São Paulo. Seu surgimento deu-se graças a realização de um projeto

desenvolvido pelo diretor peruano Lino Rojas, que, segundo os membros do

grupo, estava cansado de trabalhar com pessoas que não davam

prosseguimento a carreira teatral, por isso foi trabalhar com os jovens na

periferia, denominando seu projeto de “Semear Asas.”

Lino Rojas era formado pelo INSAD (Instituto Superior de Arte

Dramática) de Lima, havia estudado com outros artistas de renomes como

Julian Beck, Henrique Buenaventura, Jerzy Grotowsky entre outros. Foi com

essa sólida formação que veio atuar no Brasil na década de 70, como

dramaturgo e diretor ficou com o grupo Pombas Urbanas por quinze anos, até

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morrer tragicamente em fevereiro de 2005. Ainda nesse ano o Ministério da

Cultura conferiu a ordem ao mérito ao dramaturgo e em 2006 a homenagem

veio em forma de uma mostra teatral realizada pelo Movimento de Teatro de

Rua de São Paulo. O nome Lino Rojas foi dado também a uma praça na

Cidade Tiradentes, próximo ao Centro Cultural Arte em Construção, um

reconhecimento a um dos pioneiros na pesquisa em teatro de rua na cidade de

São Paulo.

Segundo Adriano Mauriz11, ator do grupo, houve inscrição de mais de

oitocentos jovens para o Projeto Semear Asas em 1989, ou seja, havia muitos

jovens em São Miguel e região querendo expressar-se através do teatro. O

trabalho do Lino Rojas sempre teve forte relação com a juventude e a periferia,

formou o Pombas Urbanas e continuou trabalhando junto as comunidades, seja

ministrando oficinas ou criando espetáculos para a juventude.

São Miguel Paulista, bairro onde surgiu o grupo, é um dos mais antigos

de São Paulo. O historiador Sylvio Bomtempi em seu livro “Origens de São

Miguel”, data a fundação do bairro no ano de 1560 pelo religioso José de

Anchieta (Cf. 2000), mas seu desenvolvimento foi lento. Tornou-se distrito

apenas em 1891, mas, assim como a cidade de São Paulo, foi no século XX

que teve rápido desenvolvimento. Com a chegada da indústria Nitro Química

na década de 1930 ao bairro acelerou ainda mais a vinda de migrantes

nordestinos à região, a ponto de o bairro ser chamado de “nova Bahia” (Cf.

CLEMENTE, 1998). A cultura nordestina é muito perceptível no bairro, seja

através da fala de seus moradores ou de nomes dados a espaços importantes

como a Praça do Forró, que oficialmente recebe o nome de Padre Aleixo

Monteiro Mafra, Oficina Cultural Luiz Gonzaga, além do mercado municipal no

centro do bairro, eminentemente popular, com suas comidas típicas

nordestinas.

Desde o principio o grupo tinha a preocupação em está integrado com a

comunidade, pois, já durante as oficinas com Lino Rojas em São Miguel, as

primeiras performances refletiam sobre o universo no qual estavam inseridos.

Uma das primeiras performances chamava-se “Os Pássaros Chorões que

Vieram da Bahia”. Tratava-se de dois pássaros que pousavam na praça após

11 Entrevista concedida ao autor em 16/03/08.

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chegar daquele estado, eram saudosistas e refletiam sobre si. Por não haver

casa de espetáculo em São Miguel, Adriano Mauriz afirma que a rua foi um

caminho natural. Tudo o que criavam em grupo acabava sendo experimentado

na praça, como a performance supracitada.

Os primeiros anos do grupo foram para estruturar-se artisticamente.

Ainda segundo Adriano, Lino Rojas trabalhava a formação de atores, aliando a

pesquisa de linguagem e de dramaturgia, daí quase todos os espetáculos

serem criados por eles em parceria com o mestre.

O primeiro espetáculo de teatro de rua foi “Mingau de Concreto”, de

1996, elaborado a partir de uma pesquisa das pessoas que povoam o centro

da cidade, em especial, as pessoas comuns. Algumas personagens transitam

pelo que se costuma chamar de submundo: “bêbados, malandros, travestis,

migrantes, meninos de rua, grã-finos decadentes, autoridades, religiosos e

também a gente comum que por aí tem de transitar.”12 Esse espetáculo deu

projeção ao grupo, tornando-o conhecido na cidade de São Paulo.

A preparação de ator criada por Lino Rojas fugia do academicismo, já

que estava lidando com jovens da periferia, a quem chamou de “jagunços de

calças jeans”, jovens capazes de “explodirem as máscaras da Comédia

Dell`Arte” (ROJAS, 2008, p. 6). O objetivo era fazer com que esses futuros

atores fizessem qualquer tipo de teatro, “atores orgânicos” capazes de

transformar suas vivências em arte. Daí o treinamento ser muito corporal. Mas

como fazer com que esses jovens que não haviam tido contato com o teatro, se

interessassem por esta arte? O eixo principal era “a descoberta da sua própria

origem, do seu reconhecimento, da sua cultura, da sua etnia e de suas

relações” (A GARGALHADA, 2006, p. 6).

Outra dificuldade colocada pelo grupo era a de que todos trabalhavam e

estudavam. Teatro só nos fins de semana. Essa rotina manteve-se de 1989 até

1994, quando começaram abandonar os trabalhos para dedicarem-se apenas a

sua arte. Tornaram-se auxiliares do mestre Lino Rojas. Foi aí que começaram

a pesquisar os artistas de rua e o centro da cidade, para mais tarde, criarem o

“Mingau de Concreto”, terceiro espetáculo do grupo.

12 www.pombasurbanas.org.br. Acesso em: 10/07/08.

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Ao longo de sua carreira o grupo Pombas Urbanas montou doze

espetáculos13, impossível falarmos de todos nesse trabalho. Em 2004

mergulharam no universo caipira e na história da formação de São Paulo para

criarem “Largo da Matriz”. Para tanto viajaram para mais de quarenta cidades

para entrevistar os mestres de culturas populares. O espetáculo era uma

homenagem aos quatrocentos e cinqüenta anos da cidade de São Paulo. Este

foi também o último trabalho do grupo ao lado de Lino Rojas.

Em 2007 o grupo retomou as ruas de São Paulo com um novo

espetáculo, diferente de todos aqueles que já haviam montado. Já estavam no

bairro de Cidade Tiradentes e, como ao longo de sua história sempre buscaram

estar integrados à comunidade no qual estão inseridos, queriam falar sobre

aquelas pessoas que cruzavam seu dia a dia. Foi através de um texto do

argentino Oswaldo Dragún, escrito em 1957, que identificaram histórias

parecidas com a luta travada pelos moradores daquela região. Tudo era novo,

pois nunca haviam montado nada que não tivessem a contribuição deles e

agora partiam de um texto pronto. Já não havia Lino Rojas, era necessário

convidar um diretor. Para esta empreitada, convidaram o diretor Hugo

Villavicenzio. O autor e o diretor convidado talvez seja uma forma de estarem

próximos do universo sul-americano trazido por Lino Rojas ao grupo.

O espetáculo “Histórias Para Serem Contadas” traz três histórias de

pessoas comuns e carrega em seu bojo uma discussão e uma crítica da luta

diária pela sobrevivência por parte dos mais simples, que, quase sempre, são

engolidos pela ferocidade do capitalismo. Assim, por falta de emprego melhor,

temos um homem que vira cachorro. Inicialmente apenas uma imitação, até ir

assumindo, de fato, a animalidade canina. Uma crítica mordaz aos

subempregos tão comuns na cidade de São Paulo a que estão expostos a

população periférica. Outra história é a do camelô que é atacado por uma

terrível dor de dente, e como ele ganha sua vida “no grito”, vai ficando sem

condições de trabalhar. Ao procurar o sistema de saúde, vai sendo jogado de

um lugar para outro, sem solução do problema, sendo levado a uma condição

cada vez pior: um vendedor que não pode falar, portanto, sem condições de

13 Os Tronconenses (1991), Funâmbulo (1993), Mingau de Concreto (1996), Ventre de Lona (1998), Uma Baleia Perto da Lua (2000), Buraco Quente (2000), Todo Mundo Tem Um Sonho (2001), A Parceria Que Dá Certo (2002), Quadrúpedes Aquáticos (2003), Bichos Pela Paz (2003), Largo da Matriz (2004) e Histórias Para Serem Contadas (2007).

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ganhar a vida. Situação muito comum não só em São Paulo, é uma realidade

brasileira: ao perderem seus empregos muitos vão trabalhar na informalidade,

ficando muitas vezes sem seus direitos básicos, como o serviço de saúde e

aposentadoria. A terceira história é ainda mais comum no Brasil, trata-se de um

“laranja”14 que quer subir na vida a qualquer custo, sendo responsável por uma

grande epidemia na África, por conta de produtos podres exportado pela

empresa onde trabalha. Claro que o grande responsabilizado por tudo será

apenas ele, pois os verdadeiros culpados jamais irão para a cadeia. Se não

soubéssemos que o texto foi escrito em 1957 por um argentino, poderíamos

falar de um grande dramaturgo brasileiro que captou nossa realidade como

ninguém nesse inicio de século XXI.

Além dos espetáculos o grupo Pombas Urbanas tem desenvolvido

diversos projetos nessas quase duas décadas de existência. Iremos nos

debruçar apenas sobre um, que desdobrou-se em muitos: o Centro Cultural

Arte em Construção. Trata-se de um galpão de 1.600m² alojado na Cidade

Tiradentes, extremo leste de São Paulo. Este bairro, segundo dados oficiais,

abriga uma população de 229.606 habitantes15, em uma área de quinze

quilômetros quadrados. O bairro é composto por diversos conjuntos

habitacionais, que no todo, é tido como o maior conjunto habitacional da

América Latina, sua população é composta de uma grande quantidade de

jovens. Foi para esta região que o grupo Pombas Urbanas foi em 2004,

apresentando-se pela primeira vez no galpão ainda em ruínas no dia 21 de

abril, aniversário do bairro.

Desde o inicio de sua formação o foco do grupo sempre foi o teatro e

sempre tiveram “o jovem como protagonista do desenvolvimento local, cultural

e humano”16, mas ao chegarem na Cidade Tiradentes viram-se obrigados a

modificar muitas ações e tiveram que criar novos projetos, já que acorreram

para o espaço muitas crianças. Foi por essa necessidade que surgiu novos

projetos e novas parcerias. Entre os projetos podemos citar uma biblioteca

comunitária, aulas de música, grafite, inclusão digital e claro, aulas de teatros

para crianças e jovens. Entre as parcerias estão o governo federal com o Ponto

14 Segundo o Mini Aurélio, na gíria seria um “intermediário, especialmente no mercado financeiro, que faz transações em nome de um terceiro, cuja identidade fica oculta” (FERREIRA, 2001, p. 418). 15 www2.prefeitura.sp.gov.br/sim_dh/sub_cidadetiradentes.html. Acesso em: 10/07/08. 16 Adriano Mauriz em entrevista ao autor em 16/03/08.

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de Cultura e Projeto Casa Brasil, o grupo Votorantim que está patrocinando o

Projeto Semeando Asas na Comunidade.

Este último, Semeando Asas na Comunidade, é a re-nomeação do

projeto que deu origem ao grupo em São Miguel em 1989. Mas está ampliado.

Além de capacitar jovens para gerir o próprio projeto e o Centro Cultural Arte

em Construção, através de aulas de teatro, produção, iluminação entre outros,

o projeto está alicerçado na formação de público, com um circuito por quatro

praças da Cidade Tiradentes além do galpão, que receberão espetáculos do

grupo e de convidados ao longo do ano de 2008.

Figura 3: Espetáculo “Histórias para serem contadas” no Parque da Água Branca – 2007.

Fonte: Arquivo do grupo.

Há grande alarde quando se fala da Cidade Tiradentes por causa de sua

violência, mas o projeto Semeando Asas na Comunidade, segundo Adriano

Mauriz e Juliana Flory17, possibilitou ao grupo perceber como surge a violência.

Um dos pontos escolhidos foi a COHAB Prestes Maia, a mais antiga da região,

com uma população oriunda principalmente do interior do estado e que

17 Entrevista concedida ao autor em 16/03/08.

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trouxeram consigo sua cultura e sua tradição, por isso tinham por hábito

realizar suas festas na praça. Em depoimento ao grupo, alguns dos moradores

informaram que deixaram de fazer suas festas após a chegada de uma

delegacia de polícia no bairro. Informaram ainda sobre as condições em que

foram “jogados”. Suas casas eram pequenas e não tinham espaços destinados

a garagem de carros. Quando os primeiros moradores compraram carros,

viram-se obrigados a derrubarem a parede de suas salas para construírem as

garagens. As ruas do bairro foram projetadas muito estreitas, não cabendo o

caminhão de gás e não havia espaços de lazer. Dessa forma conclui-se que o

primeiro gerador de violência é o próprio Estado, condenando e condicionando

estes moradores a uma realidade ao qual não estão habituados e não lhes

fornecendo aquilo que tanto cobra Milton Santos: o direito ao entorno.

O projeto Semeando Asas na Comunidade integrou de vez o grupo

Pombas Urbanas em Cidade Tiradentes. Até o jovem que era mais arredio,

segundo Juliana Flory, já valoriza o empenho do grupo e acompanha sua

programação teatral, pois “tem muito valor essa situação deles estarem num

lugar juntos e de ter outras pessoas representando coisas para eles.” E essa

situação de estarem juntos é muito importante, já que, como afirma Adriano

Mauriz na mesma entrevista, “o teatro faz as pessoas se relacionarem na rua.”

Mesmo tendo uma história de quase duas décadas, a sua relação com a

mídia nem sempre é fácil, pois já chegaram a ouvir que o público daquela

região, Cidade Tiradentes, não é um público leitor de jornal. Por isso o grupo

tem buscado a divulgação principalmente através das novas mídias, para tanto

incentiva os mais de trinta jovens que acompanham o projeto a se formarem e

se informarem sobre essas ferramentas, as novas mídias, no que eles têm

obtido sucesso.

Segundo Adriano Mauriz, “o Pombas, ao longo do tempo foi construindo

sonhos”, como se pode ver um grande sonho, que em 2009 fará vinte anos de

existência. O grupo, através de seu exemplo demonstra que o teatro, por ser

uma ferramenta de comunicação, pode ser utilizada pelos jovens em qualquer

lugar. Esses atores saíram de São Miguel Paulista, estiveram em diversos

outros bairros de São Paulo, até chegarem no bairro de Cidade Tiradentes. E

ao longo dessa história foram conquistando sua emancipação artística, mesmo

sem os pressupostos acadêmicos.

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O grupo Pombas Urbanas hoje tem nove integrantes: Adriano Mauriz,

Diego rojas, José Solón, Juliana Flory, Marcelo Palmares, Marcos Khaju, Natali

Conceição, Paulo Carvalho e Ricardo Big.

3.2 Buraco d`Oráculo circulando pelas COHAB`s18

Em 1998, o ator e diretor João Carlos Andreazza, ex-integrante do grupo

Fora do Sério, realizou um projeto em parceria com a Secretaria de Estado da

Cultura na Oficina Cultural Amácio Mazzaropi. Na época este equipamento

cultural situava-se no Bresser. O projeto consistia na formação de um núcleo

de teatro de rua. Havia oficinas de interpretação, expressão corporal, canto,

técnicas circenses e criação musical, todas voltadas para os atores. Além

disso, havia ainda oficinas de direção, produção, figurinos e adereços. Todo o

projeto durou dez meses: oito de oficinas, desembocando em uma montagem

teatral e dois meses de apresentações.

Foi a partir daí que nasceu o Buraco d`Oráculo. No inicio havia

cinqüenta pessoas no núcleo de atores, alguns desistiram e na montagem do

espetáculo “A Guerra Santa”, havia trinta e uma pessoas. O espetáculo discutia

a exploração das pessoas comuns por líderes religiosos, o mesmo foi

livremente inspirado em um espetáculo do grupo mineiro Galpão: “Corra

enquanto é tempo.”

O tema era muito pertinente, já que estava próximo da virada do milênio,

mas mais que isso, na época, percebia-se claramente o crescimento de igrejas

pentecostais. Crescia também os escândalos envolvendo as lideranças de

algumas dessas igrejas. Apesar de o alvo principal ser este, os lideres das

igrejas pentecostais, o espetáculo não poupava qualquer inescrupuloso,

independente da religião. A Guerra Santa apresentou-se em São Paulo e

algumas cidades do interior paulista.

Findo o projeto a maioria seguiu o seu caminho, mas, alguns integrantes

continuaram a se encontrar e a discutir a continuidade do grupo. Conseguiram

uma sala para ensaiar dentro da estação Brás do Metrô, onde depois viriam a

fazer apresentações. Nesse mesmo ano, 1999, o grupo inscreveu-se em outro

projeto da Secretaria de Estado da Cultura: Ademar Guerra. Deu-se o encontro

18 O autor deste trabalho é ator desse grupo, fazendo parte do mesmo desde sua formação.

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com o diretor Ednaldo Freire, um estudioso do cômico e do popular. Nesse

período, afirmou-se o grupo e fez-se a opção pelo teatro de rua. Pesquisaram

uma estética e definiram seu público: um público que residia distante do centro

da cidade e que não tinha acesso ao teatro, pois como afirma Lu Coelho19, atriz

do Buraco d`Oráculo, foi o contato com o público do Brás que impulsionou essa

escolha. João Carlos Andreazza havia apresentado o teatro de rua para eles e

Ednaldo Freire fez com que o grupo descobrisse sua linguagem, sua linha de

pesquisa e seu público preferencial.

Segundo o grupo há três elementos fundamentais nos seus trabalhos: a

rua, como espaço de promoção do encontro; a cultura popular, inspiradora dos

espetáculos e; o cômico, com ênfase na farsa e no realismo grotesco (Cf.

ANUÁRIO, 2006). O termo popular pode gerar confusões e caberia uma

discussão mais aprofundada. Mas o popular, elemento inspirador do grupo,

neste caso, tem como significado, aquilo que vem do povo, ou seja, aquilo que

captam do seu público, podendo ter ou não elementos tradicionais. Como estão

em um ambiente urbano, essa cultura popular está também permeada dessa

urbanidade.

No inicio de sua trajetória, nos seus primeiros passos como grupo, o

Buraco d`Oráculo cumpriu temporada dentro da estação Brás do Metrô com

dois espetáculos, “Amor de Donzela, Olho Nela!” e “Quem Pensa Que Muito

Engana Acaba Sendo Enganado”. Os dois resultaram do encontro com

Ednaldo Freire e do estudo da obra de Mikhail Bakhtin, “A Cultura Popular na

Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais.” Depois de

alguns meses de temporada o grupo viu-se obrigado a retirar-se da estação

Brás do Metrô, pois pastores evangélicos estavam cobrando do coordenador

daquela estação, o mesmo espaço e o mesmo tempo para fazer suas

pregações. Uma grande ironia, já que o seu primeiro espetáculo, “A Guerra

Santa”, tinha como personagens principais um pastor, uma irmã e um coro

evangélico.

Junto com Ednaldo Freire e depois sem ele, o grupo leu e releu Bakhtin,

que discute a carnavalização em sua obra e, segundo este autor, o carnaval

seria uma espécie de segunda vida do povo, baseada no princípio do riso, isto

19 Entrevista concedida ao autor em 05/05/08, pelos atores Edson Paulo e Lu Coelho. Todas as citações desses dois nomes, referem-se a esta entrevista.

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é, o carnaval é a possibilidade de pôr o mundo de ponta cabeça. (Cf.

BAKHTIN, 1987) É dele também o termo realismo grotesco, e que o Buraco

d`Oráculo se apropriou para falar de sua estética: “encontramos nas

manifestações populares e no chamado realismo grotesco os elementos de

expressão de nossa arte” (ANUÁRIO, 2006, p. 142). Como o termo grotesco

também gera discussões, já que está associado à escatologia, as aberrações

etc., é importante dizer que o mesmo opera por rebaixamento, daí o grupo ter

optado pelo lado crítico dessa categoria estética, que “propicia um

desmascaramento das convenções, rebaixando pelo riso os cânones e o poder

absoluto. A crítica é lúcida, cruel e risível” (ALVES, 2006, p. 2). Dessa forma, a

carnavalização é um elemento crítico do status quo, da ordem, do oficial. O

grupo se vale de figuras grotescas, que vão contra o bom gosto, utilizam o

baixo corporal como elemento do riso, um riso ambivalente.

Em 2002, o Buraco d`Oráculo, juntamente com mais seis grupos fizeram

parte da Ação Cultural “Se Essa Rua Fosse Minha”. Foi nesse ano que foram

para São Miguel Paulista na zona leste de São Paulo, buscando desenvolver

projetos para àquele público que passava na estação Brás do Metrô. A criação

da Ação Cultural Se Essa Rua Fosse Minha, caracteriza também a militância

do grupo em prol do teatro de rua, já que tratava-se de uma ação artística e

política. Mais tarde, o grupo auxiliou também na fundação do Movimento de

Teatro de Rua de São Paulo, que reúne hoje diversos grupos.

Foi também em 2002 que o grupo estreou o espetáculo “O Cuscuz

Fedegoso”, uma síntese do que vinham estudando até aquele momento. Este

foi o espetáculo que mais tinha elementos grotescos, era muito farsesco e,

mais uma vez, colocava cidadãos comuns em cena. Tratava-se de quatro tipos

na luta pela sobrevivência em uma grande cidade: uma quituteira (Maria do

Cuscuz), um pedinte, uma raizeira (vendedora de ervas medicinais) e um

policial. Este último, a autoridade, um corrupto que dificultava o trabalho dos

dois vendedores (raizeira e quituteira) e espancava o pedinte. Vendo uma

apresentação desse espetáculo, o jornalista Fabiano Nunes afirmou que “o

teatro de rua torna-se uma boa maneira para exorcizar os males e as

contradições do comportamento humano” (2006, p, 3), isso porque, conforme

relata no mesmo texto, ele havia escutado de uma senhora da platéia, que seu

filho havia falecido, e comentava que não deveria rir, no entanto gargalhava.

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Essa situação demonstra muito bem o realismo grotesco colocado por Bakhtin,

pois temos aqui um riso ambivalente, pois mesmo na dor aquela senhora riu,

carnavalizou, exorcizou seus demônios, ainda que por momentos, se contrapôs

aos absurdos do mundo e da vida.

Ao chegar em São Miguel Paulista o grupo realizou uma mostra de

teatro com objetivo de trocar experiências com os grupos da região, a mostra já

está em sua quarta edição. Foi também por lá, em São Miguel, que

desenvolveu diversas temporadas nas praças e nas comunidades,

denominando o projeto de “Buraco nas Praças”, uma alusão ao grupo e as

condições que encontravam as praças onde se apresentavam. Foi a partir

dessas temporadas que nasceu um de seus principais projetos, o Circular

Cohab`s, realizado de 2005 a 2007. Foi com esse projeto que o grupo ganhou

seus primeiros editais públicos. O primeiro foi o Prêmio de Valorização as

Iniciativas Culturais – VAI e depois o Prêmio de Fomento ao Teatro para a

Cidade de São Paulo, até então sempre tinham trabalhado e criado seus

espetáculos com verba dos próprios atores, que quando foram para São Miguel

eram cinco (Danilo Cavalcante e Mônica Martins) e hoje são apenas três:

Adailton Alves, Edson Paulo e Lu Coelho, sua atual formação. Nos últimos

trabalhos o grupo tem convidado atores para integrarem suas montagens, caso

dos dois últimos trabalhos: A Farsa do Bom Enganador e ComiCidade.20

O projeto Circular Cohab`s consistia em um circuito teatral que passou

por dezoito comunidades da zona leste, atingindo um público de mais de trinta

mil pessoas. Havia dentro do projeto a formação de três núcleos de teatro de

rua, nos moldes do que havia formado o Buraco d`Oráculo em 1998. Nos

núcleos, os jovens tinham aulas de interpretação, corpo, voz, circo, percussão,

figurinos e adereços, no prazo de seis meses, ao término cada núcleo montava

um espetáculo. Havia ainda uma publicação intitulada “A Gargalhada” e o “Café

Teatral”, um café da tarde no qual chamavam pessoas para discutir teatro.21

Os núcleos de teatro de rua formados por jovens deu resultado, surgiram

daí três grupos: Nascidos do Buraco, Teatristas Periféricos e Arruacirco,

20 Os espetáculos do Buraco d`Oráculo são os seguintes: A Guerra Santa (1998), Amor de Donzela, Olho Nela! (1999), Quem Pensa Que Muito Engana, Acaba Sendo Enganado (2000), A Bela Adormecida (2001), O Cuscuz Fedegoso (2002), A Farsa do Bom Enganador (2006) e ComiCidade (2008). 21 Para maiores informações sobre o Circular Cohab`s pode ser consultado o blog do projeto: www.circularcohabs.blogspot.com.

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pertencentes aos bairros de São Miguel, Cidade Tiradentes e Itaim Paulista

respectivamente. O núcleo da Cidade Tiradentes não deu continuidade as suas

atividades, mas os demais continuam e o Nascidos do Buraco já está em sua

segunda montagem.

Figura 4: Espetáculo “ComiCidade” na Cidade Tiradentes, no projeto Semeando Asas na Comunidade – 2008.

Fonte: Arquivo do grupo.

Em 2008 o grupo faz dez anos e foi contemplado mais uma vez com o

Prêmio de Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo, do projeto consta

novo circuito teatral por seis comunidades, onde recolherão histórias de vida

dos moradores dessas comunidades para depois, a partir dessas histórias,

montarem novo espetáculo. Nesse novo projeto convidaram diversos

profissionais, responsáveis por um aperfeiçoamento técnico dos atores, além

de um diretor e um dramaturgo. Todo o processo de montagem do novo

espetáculo será feita de forma conjunta.

Quanto a relação do Buraco d`Oráculo com seu público, Edson Paulo,

diz que se dá antes, durante e após as apresentações, afirmando ainda a

importância do teatro de rua, devido seu alcance, isto é, a possibilidade de ir a

diversos lugares e cita o exemplo de que muitas das pessoas para quem se

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apresentaram, seja no centro ou na periferia, nunca tinham visto teatro. A rua é

“a melhor forma de você permitir o acesso ao teatro.”22 Mesmo o teatro de rua

tendo a possibilidade de chegar a muitos lugares, o ator não acredita que esta

arte possa chegar a todos, ser universalizado, já que falta “interesse [para] que

chegue a todos.” Não há políticas públicas que dê conta disso e ainda falta

grupos, no que o ator chamou de “circuito alternativo.” Mesmo assim tem visto

um crescimento no número de grupos que tem buscado a rua como espaço

cênico, isso, segundo Edson Paulo, demonstra uma preocupação, uma busca

por um público diferenciado, isto é, um público que não freqüenta as salas

teatrais. Esse movimento dos grupos irem para a rua o ator julga muito

importante.

Edson Paulo, na mesma entrevista, fala também sobre a participação do

público do teatro de rua e de sua interferência nos espetáculos:

“Pelo fato de você está aberto, de você promover o acesso, de você ir procurar um diálogo direto com o público, você faz com que esse público também se torne... sinta-se dono dessa obra, dono dessa manifestação.”23

Quanto a relação com a mídia, Edson Paulo é taxativo: “A gente não tem

relação nenhuma!” A prova está no fato de que durante os dez anos de grupo,

conseguiram apenas duas reportagens em jornais de grande circulação, como

A Folha de São Paulo e o seu concorrente O Estado de São Paulo. O primeiro

jornal fez uma pequena matéria assinada por Valmir Santos sobre a estréia do

último espetáculo, “ComiCidade”, no centro da cidade. O segundo jornal fez

uma matéria em um de seus cadernos, Estadão Leste, ainda em 2002, sobre o

grupo e a Ação Cultural Se Essa Rua Fosse Minha. Essa falta de interesse

pelas realizações do grupo não se dar por desconhecimento dos jornais, já que

o mesmo sempre envia releases de suas ações a estes veículos, mas pela

região onde estão inseridos, pois como já discutimos acima, trata-se de uma

região que está à margem, conseqüentemente tudo e todos que estão nela

inseridos acabam sendo marginalizados.

22 Entrevista concedida ao autor em 05/05/08. 23 Idem.

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3.3 Brava Companhia e o teatro em toda parte

Para falarmos da Brava Companhia é necessário dividirmos a sua

história em duas partes. A primeira era quando ainda se chamavam

Companhia Teatral ManiCômicos. A segunda parte dar-se com sua divisão,

quando alguns dos integrantes do grupo mudam para São João Del Rey, em

Minas Gerais, e outra parte fica em São Paulo, passando a denominar-se

Brava Companhia.

Esse processo de formação de dois grupos começa em 2004, segundo

Fábio Resende,24 quando alguns membros resolvem morar fora de São Paulo.

Houve um processo de divisão que foi até 2006 e em 2007, o rompimento total.

O núcleo de São Paulo assumiu o nome de Brava Companhia e montou um

espetáculo intitulado “A Brava”, que depois retornaremos a ele.

No inicio, em 1998, alguns amigos se juntaram com o objetivo de fazer e

levar o teatro para onde ele pouco acontecia, mas especificamente, para a

região da zona sul de São Paulo. E já se vão dez anos desde então. Conforme

o folder do Panorama Teatral Sul, no sétimo encontro realizado pelo grupo,

desde o inicio apostaram “em caminhos pouco comuns para o teatro em

tempos atuais.” Para tanto buscaram novas platéias nos afastados bairros da

zona sul, maior região de São Paulo em extensão e segunda mais populosa, foi

para lá que levaram o seu teatro. Mas, apesar de o principal trabalho do grupo

ser na periferia, Fábio Resende deixa claro que este é um grupo da cidade,

portanto, fazem teatro para todos.

Desde o principio sua pesquisa é calcada em técnicas de Rudolf Laban,

Klaus Vianna e da Commedia Dell`Arte, aliado ao jogo e ao improviso. Assim

fazem “um teatro popular que provoque tanto pela sua temática como pela sua

estética, cujos espetáculos possam ser apresentados em todos os espaços e

que se comuniquem com todas as pessoas” (ANUÁRIO, 2006, p. 25).

Um desses espetáculos é o “Perfeição – Quando a Tempestade Nasce

das Luzes”, de 2002, que fala de uma cidade muito desenvolvida

tecnologicamente, mas que não consegue controlar uma epidemia, pondo em

24 Entrevista concedida ao autor, 19/02/08. Na entrevista estavam presentes Fábio Resende, Rafaela Carneiro e Márcio Lacerda. As citações dos três referem-se a essa entrevista.

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risco a vida de todos os seres humanos. Toda a história é narrada dentro de

uma roda em um ritmo frenético, aos moldes do desenvolvimento tecnológico

nos dias atuais. O espetáculo alerta para o fato de sempre fazermos a

prevenção tardiamente, só cuidarmos quando não há mais jeito. É uma crítica

ao mundo moderno, com tecnologias avançadíssimas mas que não consegue

realizar um desenvolvimento de forma sustentada.25

Figura 5: Espetáculo “Perfeição - Quando a tempestade nasce das luzes” na 1ª Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas – 2006.

Fonte: Arquivo do Movimento de Teatro de Rua. Autor: Reinaldo Vieira Pinto.

O Kauso – o maior espetáculo da terra, último com todo o grupo juntos,

narra a história de uma pessoa comum tornada mito pela mídia, isto é, foi tão

exposto nos meios de comunicação de massa que virou um ídolo. Trata-se de

uma construção. Esse é um dos aspectos que acompanhamos quase que

cotidianamente na televisão brasileira. No entanto, o mito criado pela mídia no

espetáculo, cai, justamente porque outros ídolos precisam ser fabricados para

alimentar esse mundo consumista, onde tudo é passageiro, fugaz. Só interessa

25 Os espetáculos do grupo são os seguintes: A Farsa do Cangaço, Ôxx! (1998), Caravelas de Papel (1999), Muita Sede (2000), Aprendiz de Poesia (2001), Perfeição – Quando a Tempestade Nasce das Luzes (2002), Ombojera – Uma História do Mundo (2003), Kaosu – O Maior Espetáculo da Terra (2005) e A Brava (2007).

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a novidade, ainda que não saibamos o que venha a ser essa novidade e não

nos cabe questionar, apenas consumir, seja produtos, fatos ou “pessoas.”

Quanto aos projetos desenvolvidos pelo grupo naquela região também

são muitos. Ao escolher a zona sul e seus bairros mais distantes para

apresentarem-se, sentiram a necessidade também de ministrar oficinas nessas

comunidades, já que ao término das apresentações o público perguntava como

poderiam também fazer teatro. Assim nasce o projeto Arte Por Toda Parte em

parceria com a Secretaria Municipal de Educação. O projeto passou por mais

de cento e cinqüenta escolas com vinte e sete oficinas, atendendo centenas de

jovens nas comunidades de Campo Belo, Santo Amaro, Campo Grande,

Cidade Ademar, Pedreira, Vila Andrade, Campo Limpo, Capão Redondo,

Jardim São Luiz, Jardim Ângela, Socorro, Cidade Dutra, Grajaú e Parelheiros.

O projeto Arte Por Toda Parte aliava as apresentações dos espetáculos

do grupo, as oficinas teatrais, surgindo a necessidade de um terceiro ponto: o

encontro entre os grupos, assim foi criado o Panorama Teatral Sul. Entre

espetáculos, oficinas e encontros, Fábio Resende afirma que já tiveram um

público de mais de trezentas mil pessoas nesses dez anos de existência.

O projeto mais recente é o Sacolão das Artes, um antigo

hortifrutigranjeiro que está sendo transformado em centro cultural pelo grupo.

Uma parceria do grupo com a Subprefeitura de Santo Amaro. Em 2008 as

atividades do grupo irão se concentrar todas nesse local: seu treinamento e

pesquisa, suas oficinas, apresentações, encontros, debates e a circulação de

outros grupos da cidade.

Nesses dez anos de existência o grupo tornou-se parceiro de seu

público da zona sul, tornando-se conhecidos em quase todas as comunidades,

por isso, segundo Fábio Resende, nunca tiveram problemas de público, mas a

busca por novas platéias continua, já que o espectador da periferia muda

muito. “A gente encontra muita gente na periferia que nunca viu teatro”, afirma

Rafaela Carneiro.

Quanto a escolha do grupo pelo espaço cênico aberto, deu-se porque a

rua é um local democrático, não seletivo e que permite a interação com o

público. Um outro aspecto é porque não queriam disputar os teatros fechados,

já que na zona sul só havia dois quando começaram suas atividades. Para o

grupo a rua é um espaço de socialização muito importante. A respeito dessa

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socialização, Fábio Resende na entrevista que concedeu, fala sobre uma das

apresentações do grupo em que um senhor muito bem vestido, com roupas

caras e de marca, entrega sua pasta a um morador de rua, para que este

segure o objeto enquanto aquele dança uma ciranda. Esse despojamento,

segundo Resende, só é possível na rua. Além disso, essas duas pessoas tão

separadas no dia a dia, tiveram acesso a mesma manifestação artística no

mesmo lugar e com a mesma igualdade.

Por isso Fábio Resende alerta, sobre a importância da qualidade dos

trabalhos artísticos levados para a rua, “não pode ser qualquer coisa”, ele

afirma que muitos grupos levam “um show de variedades” para a rua, falta

ousadia nos fazedores, estão repetindo fórmulas medievais. Daí a importância

do treinamento do ator, “é preciso treinar muito”, pois se faltar verdade o grupo

não resiste na rua. Fábio Resende acredita ainda que é preciso avançar na

estética, que passa pela construção de um pensamento, “quando se avança na

estética, se avança em muitas coisas”26.

Mesmo só tendo feito teatro de rua, o grupo não se denomina um grupo

de teatro de rua, mas sim um grupo de pesquisa, pois dependendo da proposta

do espetáculo pode não ocorrer na rua, mas sim em outros espaços. No

entanto afirmam que a rua oferece muitas possibilidades para experimentar,

sendo um local “que possibilita o encontro.”27

Quanto a relação do grupo com a mídia, ainda segundo Fábio Resende,

quando há dinheiro pagam assessoria de imprensa para saírem nos jornais,

quando não há não saem nos jornais, ainda que enviem suas programações.

“A gente não precisa disso!”, já que é o trabalho que deve respaldar. Segundo

o ator, a mídia só é necessária “nesse sistema que está posto.” Usa como

exemplo a mídia do novo espaço do grupo, o Sacolão das Artes, que é apenas

um sino e uma caixa acústica que conseguem carregar. Essa nova mídia tem

dado resultados, já que nunca faltou público para o grupo.

O último espetáculo do grupo, “A Brava”, que fala de Joana Darc – a

guerreira obstinada em sua fé e em sua certeza absoluta –, para os três

entrevistados, Fábio Resende, Márcio Lacerda e Rafaela Carneiro, a heroína é

o próprio teatro e a luta da personagem é a luta deles, os integrantes, para se

26 Entrevista concedida ao autor em 19/02/08. 27 Idem.

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manterem como grupo fazendo teatro. Chegaram a essa conclusão por causa

do processo de separação que quase os levaram a abandonar sua arte. A

Brava (espetáculo) é a Brava Companhia, composta por Ademir de Almeida,

Fábio Resende, Kátia Alves, Márcio Rodrigues e Rafaela Carneiro.

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CENA FINAL

Vimos que na década de 1980, com o fim da ditadura militar e a

redemocratização brasileira começaram a surgir diversos grupos de teatro, na

década seguinte esta forma de produção afirmou-se. A produção em grupo

colocou-se na contramão do mercado e das produções com elenco, pois no

grupo seus membros estão ligados eticamente a um projeto. Essa nova forma

de produção artística impulsionou os grupos para uma organização política,

visando fazer frente ao neoliberalismo que adentrava o Brasil com força total.

Fez-se necessário opor-se a idéia de cultura como mercadoria, para tanto era

necessário cobrar que o estado cumprisse seu dever de fomentador das artes,

notadamente aquelas que não se enquadravam no esquema do mercado, isto

é, o que não era vendável. Primeiro vimos surgir o Movimento Brasileiro de

Teatro de Grupo, com uma proposta muito mais de troca do que de construção

de política pública de cultura. Depois, em São Paulo foi criado o Arte Contra a

Barbárie, este sim com uma proposta política mais clara, conquistando um

programa público de cultura para o teatro, a Lei de Fomento ao Teatro para a

Cidade de São Paulo.

Quanto ao teatro de rua de São Paulo, por atuar longe dos centros, ou

mesmo atuando na região central, os grupos eram desconhecidos. No geral,

estes grupos estavam distantes dos pressupostos acadêmicos, isso os

marginaliza ainda mais. No final do milênio começaram a organizar-se para

comprovarem sua existência e mostrar sua importância ao poder público. O

debate deu-se através da opinião pública, principalmente da imprensa escrita.

Realizaram diversas ações e começaram a negociar com os representantes da

área de cultura.

Havia um interesse que esse debate fosse via mídia, pois estes veículos

também negavam o teatro de rua, assim os fazedores em sua estratégia

souberam atingir dois alvos: a própria mídia e o poder público, que após as

ações noticiadas não poderiam mais negar a existência dos grupos. Mas foram

as ações político-artísticas executadas conjuntamente pelos grupos de teatro

de rua que referendaram sua arte, primeiramente na Ação Cultural Se Essa

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Rua Fosse Minha e depois no Movimento de Teatro de Rua. Este último, por

ser aberto, proporcionou um debate mais claro e transparente, abrindo-se para

o diálogo com outros movimentos espalhados pelo Brasil, ampliando assim sua

força política.

Mas o embate com a mídia ainda continua, já que sempre que

conseguiram reportagens foram nos grandes eventos realizados como as

Overdoses, os Seminários ou na Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. Os

grupos ainda padecem para divulgarem seus trabalhos, reforçando a idéia já

colocada por Fabrizio Cruciani e Clelia Falletti, de que os críticos “evitam

meticulasamente (...) escrever acerca dos espetáculos de rua” (1999, p. 17).

Embora seja preciso avaliar se, de fato, o teatro de rua precisa desses

senhores, já que, pelo menos até o momento, e conforme ficou claro através

dos três grupos estudados, os grupos de teatro de rua jamais se apresentaram

apenas para um público convocado pelo jornal. O público do teatro de rua

continua sendo aquele que é pego de surpresa. E se pensarmos que os críticos

não têm mais espaços para fazerem discussões aprofundadas nos jornais em

que trabalham, já que todos os espaços devem ser ocupados pela indústria do

entretenimento, caberia perguntar: para que nos serve um crítico teatral hoje?

As discussões que eram feitas pelos críticos teatrais precisam encontrar outras

formas e outros canais.

Observamos que desde que os grupos de teatro de rua uniram-se

politicamente eles têm conquistado espaço, se fortaleceram, o que veio refletir

sobre seus trabalhos. Pois, ao mesmo tempo que exigiram do poder público,

viram-se obrigados a se provocarem artisticamente, a avançarem tecnicamente

e esteticamente. É possível comprovar esse fato através do Fomento, hoje são

muitos os grupos de teatro de rua que foram contemplados por este

programa28, que é destinado a grupos de pesquisa com trabalhos continuados,

ou seja, isso demonstra uma qualidade artística desses grupos, bem como de

suas ações. Se os grupos tem exigido do poder público uma política pública de

cultura para o teatro de rua (ainda sem sucesso), tem dado sua contrapartida:

estão preocupados com a qualidade artística de seus trabalhos.

28 Os três grupos aqui pesquisados, Pombas Urbanas, Buraco d`Oráculo e Brava Companhia já foram contemplados pelo Fomento. Além disso, pode-se citar Farândola Troupe, Circo Navegador, Tablado de Arruar, Ivo 60, Núcleo Pavanelli de Teatro de Rua e Circo, Cia do Miolo entre outros.

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E se há cobrança por mais políticas públicas de cultura para o teatro é

porque o Programa de Fomento ao teatro nunca deu conta de abarcar os

grupos de São Paulo, daí a necessidade de mais programas, para mais grupos.

Mesmo sabendo que o fim último de qualquer política pública é o cidadão e a

Lei de Fomento diz para a cidade de São Paulo, sabemos também que isso só

será possível se for feito através dos grupos teatrais. São eles que farão com

que o teatro chegue aos cidadãos, torne-se para a cidade de São Paulo. Mas

para que o teatro chegue a toda cidade é preciso mais investimentos na

cultura, é necessário ampliar os recursos. É claro que isso nos leva a outro

problema, já que ao atender uma demanda, gera-se mais demanda, mas como

estamos longe da universalização do teatro, isto é, como estamos longe de

atender a toda população paulistana com teatro, faz-se necessários novos

programas públicos para o teatro.

Está claro também que é possível criar novos programas públicos, afinal

o município de São Paulo tem aumentado suas arrecadações a cada ano e

essas receitas não têm chegado a área da cultura. Os novos programas

públicos de cultura para o teatro, devem ser amparados sob a forma de lei e

organizados em um sistema municipal de cultura, afinal está na hora de uma

melhor organização na área cultural. Para o teatro de rua, aliás, para todo tipo

de teatro, é muito importante a circulação, já que grande parte do território

paulistano não tem casas de espetáculos e a grande maioria das pessoas que

habitam esse território nunca assistiram a um espetáculo teatral. Este é um

campo em que se pode estruturar um novo programa público: montagem e

circulação de espetáculos teatrais. E se a arte é fundamental para o ser

humano, é por meio da circulação dos espetáculos que se permite o maior

acesso, no entanto, isso só será possível se o Estado fomentar.

Mas circular com teatro por São Paulo, exige dos mais compromissados

um engajamento para além da cobrança por políticas públicas de cultura, exige

um artista cidadão, consciente de seu papel, um artista disposto a travar um

diálogo com a cidade e com os demais cidadãos. Em uma cidade dividida e

que divide como São Paulo, os fazedores teatrais precisam fazer suas

escolhas fundamentando-se politicamente, principalmente se atuar em

comunidades periféricas, já que essas localidades funcionam como apartheid

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social, pois a cidade de São Paulo “quanto mais distante e precária, mais

negra, mulata e migrante” (ROLNIK, 2002, p. 45).

Por tudo isso fazer teatro de rua é também pensar a cidade. Conhecer

seus espaços e sua divisão. O teatro é uma forma de co-mover (mover junto)

os cidadãos. Daí a importância dos projetos realizados pela periferia,

restituindo às pessoas o direito ao lazer, a cultura, fazendo da praça a nova

ágora. Por isso ao fazer teatro na periferia o grupo não faz assistencialismo,

mas sim devolve aos cidadãos aquilo que lhe tem sido negado, roubado. Como

afirma Amir Haddad, no vídeo da 2ª Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas

(2007), “a arte pode revelar novas possibilidades”, e é o que tem feito os três

grupos aqui pesquisados ao levar seu teatro para as comunidades mais

distantes.

Por fim, o teatro – e a arte em geral – é importante para a cidade e para

o cidadão, porque revela possibilidades, porque gera inventividade, porque

fomenta a criatividade e o censo crítico desses cidadãos. Assim só teremos

uma sociedade mais saudável se a arte puder ocupar todos os espaços e o

teatro de rua tem essa capacidade, já que ao deslocar-se para os mais

diversos lugares não perde seus atributos técnicos e estéticos. O teatro de rua

pode contribuir para uma sociedade mais justa e ela só será mais justa quando

tornar-se uma república democrática e isso ocorrerá quando considerarmos

“todos os cidadãos como iguais, independentemente do lugar onde estejam”

(SANTOS, 2000, p. 123).

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http://blogdabrava.blogspot.com

http://buracodoraculo.blogspot.com

http://circularcohabs.blogspot.com

http://mtrsaopaulo.blogspot.com

www.cooperativadeteatro.com.br

www.foradoserio.net

www.pombasurbanas.org.br

www.tabladodearruar.com.br

Vídeos

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Além de alguns vídeos não editados referentes aos trabalhos dos grupos, tive

acesso também aos descriminados abaixo:

2ª MOSTRA DE TEATRO DE RUA LINO ROJAS. Edição, Animação e

Autoração: Trupe Lona Preta. Realização: Movimento de Teatro de Rua de São

Paulo e Secretaria Municipal de Cultura. São Paulo, 2007. 1 DVD Vídeo (10

min), colorido.

DO OUTRO LADO DA PLATÉIA: O TEATRO EM 4 VISÕES. Direção: Tatiana

Batista. Produção: Fagner Fernandes, Luca Cardoso, Renan Moncoski. São

Paulo: Retrô, 2007. 1 DVD Vídeo (12 min), NTSC, colorido.

O GRANDE PALCO. Direção: Olímpio Murilo Capeli. São Paulo: Fac-Fito,

2007. (20 min), colorido. Disponível em

http://br.youtube.com/watch?v=K9CM5KJ08Y, consultado em 31/05/08.

TEATRO DE RUA. Direção: Sérgio Sanz. Produção: Confenata e Fundacen.

Rio de Janeiro, s.d. 1 DVD Vídeo, colorido.

TR. Direção: Edna Antônio; Fernanda Pasquantonio; Mayra Capelosa.

Produção: Edna Antônio. São Paulo: Orluz Produções, 2006. 1 DVD Vídeo (20

min), NTSC, colorido.

Entrevistas

Adriano Mauriz e Juliana Flory – Pombas Urbanas em 16/03/08.

Edson Paulo e Lu Coelho – Buraco d`Oráculo em 05/05/08.

Fábio Resende, Márcio Lacerda e Rafaela Carneiro – Brava Companhia em

19/02/08.

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PARECER DA ORIENTADORA

O aluno Adailtom Alves Teixeira foi selecionado pelo Programa PIBIC

– UNICSUL em 2007. Seu trabalho foi desenvolvido de forma voluntária, pois já

é bolsista por mérito acadêmico do Curso de História da Instituição.

Nos 12 meses da pesquisa intitulada “A RUA COMO PALCO: o teatro de

rua em São Paulo, seu público e a imprensa escrita”, o pesquisador cumpriu

todas as atividades apresentadas no cronograma do projeto de pesquisa, de

forma exemplar.

Adailtom, além de participar do movimento do teatro de rua de São

Paulo, mostrou-se sempre muito dedicado e atento para todas as sugestões

durante o processo de orientação, o que resultou num ótimo trabalho. Nesse

sentido, recomendo a aprovação do trabalho monográfico apresentado como

conclusão de sua pesquisa de Iniciação Científica.

Profa. Dra. Ana Barbara Pederiva