actualizar a tradição

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La arquitectura construida en tierra, Tradición e Innovación Congresos de Arquitectura de Tierra en Cuenca de Campos 2004/2009. Coord.: José Luis Sáinz Guerra, Félix Jové Sandoval Editor: Cátedra Juan de Villanueva, Escuela Técnica Superior de Arquitectura de Valladolid ISBN: 978-84-693-4554-2 D.L.: VA-648/2010 Impreso en España Valladolid Septiembre de 2010 Publicación online. Para citar este artículo: SILVA SEIXAS, María da Luz. “Actualizar a tradição”. En: Arquitectura construida en tierra, Tradición e Innovación. Congresos de Arquitectura de Tierra en Cuenca de Campos 2004/2009. [online]. Valladolid: Cátedra Juan de Villanueva. Universidad de Valladolid. 2010. P. 229-238. Disponible en internet: http://www5.uva.es/grupotierra/publicaciones/digital/libro2010/2010_9788469345542_p229-238_silva.pdf URL de la publicación: http://www5.uva.es/grupotierra/publicaciones.html Este artículo sólo puede ser utilizado para la investigación, la docencia y para fines privados de estudio. Cualquier reproducción parcial o total, redistribución, reventa, préstamo o concesión de licencias, la oferta sistemática o distribución en cualquier otra forma a cualquier persona está expresamente prohibida sin previa autorización por escrito del autor. El editor no se hace responsable de ninguna pérdida, acciones, demandas, procedimientos, costes o daños cualesquiera, causados o surgidos directa o indirectamente del uso de este material. This article may be used for research, teaching and private study purposes. Any substantial or systematic reproduction, re-distribution, re-selling, loan or sub-licensing, systematic supply or distribution in any form to anyone is expressly forbidden. The publisher shall not be liable for any loss, actions, claims, proceedings, demand or costs or damages whatsoever or howsoever caused arising directly or indirectly in connection with or arising out of the use of this material. Copyright © Todos los derechos reservados © de los textos: sus autores. © de las imágenes: sus autores o sus referencias.

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Page 1: Actualizar a tradição

La arquitectura construida en tierra, Tradición e Innovación Congresos de Arquitectura de Tierra en Cuenca de Campos 2004/2009. Coord.: José Luis Sáinz Guerra, Félix Jové Sandoval Editor: Cátedra Juan de Villanueva, Escuela Técnica Superior de Arquitectura de Valladolid ISBN: 978-84-693-4554-2 D.L.: VA-648/2010 Impreso en España Valladolid Septiembre de 2010 Publicación online.

Para citar este artículo: SILVA SEIXAS, María da Luz. “Actualizar a tradição”. En: Arquitectura construida en tierra, Tradición e Innovación. Congresos de Arquitectura de Tierra en Cuenca de Campos 2004/2009. [online]. Valladolid: Cátedra Juan de Villanueva. Universidad de Valladolid. 2010. P. 229-238. Disponible en internet: http://www5.uva.es/grupotierra/publicaciones/digital/libro2010/2010_9788469345542_p229-238_silva.pdf

URL de la publicación: http://www5.uva.es/grupotierra/publicaciones.html

Este artículo sólo puede ser utilizado para la investigación, la docencia y para fines privados de estudio. Cualquier reproducción parcial o total, redistribución, reventa, préstamo o concesión de licencias, la oferta sistemática o distribución en cualquier otra forma a cualquier persona está expresamente prohibida sin previa autorización por escrito del autor. El editor no se hace responsable de ninguna pérdida, acciones, demandas, procedimientos, costes o daños cualesquiera, causados o surgidos directa o indirectamente del uso de este material.

This article may be used for research, teaching and private study purposes. Any substantial or systematic reproduction, re-distribution, re-selling, loan or sub-licensing, systematic supply or distribution in any form to anyone is expressly forbidden. The publisher shall not be liable for any loss, actions, claims, proceedings, demand or costs or damages whatsoever or howsoever caused arising directly or indirectly in connection with or arising out of the use of this material.

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ACTUALIZAR A TRADIÇÃO

Maria da Luz Silva Dias SeixasInstituição/Empresa: Arquisol – Arquitectura ePlaneamentoLda. Betão e Taipa – Construção eRecuperação de EdifíciosSerpa, Portugal

III Congreso de Tierra en Cuenca de Campos, Valladolid, 2006

229ACTUALIZAR A TRADIÇAO

Introdução

O Alentejo é uma das regiões de Portugalonde podemos encontrar um dos mais ricos evastos patrimónios arquitectónicos em terracrua. Edifícios religiosos, torres, muralhas,muros rurais e habitações mais ou menosmodestas foram, durante séculos, construí-dos em taipa e adobe, com complemento dealguns materiais de terra cozida, designada-mente a tijoleira usada nos pavimentos e atelha usada nas coberturas. Zona de verõesmuito quentes e com acentuadas amplitudestérmicas anuais, o Alentejo desenvolveu umtipo de construção que tenta evitar a entradade calor durante o Verão e conservá-lo duran-

te o Inverno. Daí as paredes espessas e compequenas aberturas, tão características dashabitações tradicionais alentejanas.

Apesar das reconhecidas vantagens que aconstrução em terra crua apresenta, váriosfactores fizeram com que, a partir dos anos50, a actualmente designada «construçãocorrente» (em cimento Portland, ferro e tijoloindustrial) se generalizasse e as técnicas emateriais de construção tradicionais fossemabandonados. Como corolário, o saber neces-sário à sua concretização perdeu utilidade e asua linha de transmissão foi interrompida. Ostaipeiros aprendiam a dominar a sua arte deforma empírica, através da observação, dos

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ensinamentos dos mais velhos – os «mes-tres» – e da execução na obra. O fim da suaprática equivaleu, portanto, à perda de umsaber que nem a etnografia se esforçou muitopor salvar1.

Contudo, nas últimas décadas, tem-se verifi-cado um movimento no sentido de recuperaresses saberes e actualizá-los; por um lado,porque só dessa forma se pode preservar onosso património arquitectónico, já que arecuperação e manutenção de edifícios emterra crua não pode efectuar-se com base nosmateriais e nas técnicas utilizadas na constru-ção corrente; por outro, porque se ganhouconsciência das inúmeras vantagens da utili-zação da terra como material de construção,na condição de os materiais que com ela seconjugam e das técnicas que se utilizam parao seu manuseamento serem repensados eactualizados. Encontrar soluções construtivasque revalidem os aspectos positivos da tradi-ção e que ao mesmo tempo dêem respostaàs exigências actuais, e muito particularmen-te às que se prendem com o conforto, a sus-tentabilidade e a segurança, parece-nos ser,hoje, um dos principais desafios da «arquitec-tura de terra».

Passos de um percurso

Nascer e crescer no Alentejo, habitando emcasas de paredes espessas que no Verão nosabrigavam dos calores tórridos e cujas irregu-laridades, suavizadas pelas inúmeras cama-das de cal, nos faziam imaginar figuras feéri-cas como as que costumamos entrever nasformas cambiantes das nuvens, foram certa-mente factos e memórias decisivos para omeu interesse pela arquitectura tradicional doAlentejo.

Assistir ao «nascimento» de uma casa, gera-da de terra informe, que a sabedoria doshomens transformou pacientemente emsalas, quartos e corredores, foi talvez umadas experiências que mais me marcaram,revelando-me o fascínio da arte de criar a par-tir de «quase nada».

Estas memórias de infância foram recupera-das anos mais tarde, em longas conversascomo meu avô que, embora não fosse taipei-ro, construiu a sua própria casa e me reveloumuitos dos mistérios desta forma de arquitec-tar. A vontade de aprofundar os saberes

assim adquiridos esteve sempre presente aolongo da minha formação, estimulando-mepara a aquisição de conhecimentos nestaárea. Porém, a nível da concretização em pro-jecto e obra surgiram, desde o início, váriosobstáculos, decorrentes sobretudo do aban-dono e descrédito em que nas últimas déca-das caiu a construção em terra. A oportunida-de de passar aqueles conhecimentos à práti-ca surgiu com o convite para integrar o corpotécnico do Curso de Mestre de ConstruçãoCivil Tradicional da Escola Profissional deDesenvolvimento Rural de Serpa (EPDRS)2,onde pude levar a cabo experiências de edifi-cação em taipa, adobe, alvenaria de pedra,tijolo maciço, BTC’s e construção de abóba-das. Durante a frequência do curso, um grupode alunos mostrou-se bastante empenhadoem dar continuidade às temáticas desenvolvi-das. Porém, a inexistência de empresas voca-cionadas para a construção tradicional obsta-va à sua entrada no mercado de trabalho. Foipois neste contexto que, em parceria com ummestre experiente na recuperação de edifí-cios e na construção de abóbadas, o nossogabinete de arquitectura (Arquisol –Arquitectura e Planeamento Lda.) criou aempresa «Betão e Taipa, Construção eRecuperação de Edifícios, Lda.»3. Desde asua formação, em 2004, a empresa tem tra-balhado não só na recuperação de edifíciosantigos com recurso às técnicas tradicionais,como na construção de raiz, em taipa. Aempresa iniciou a actividade com a execuçãodo projecto de um edifício a que, por vontadedo cliente, foi atribuído o nome de «Monte daTaipa». Demos assim os primeiros passos deum percurso cheio de desafios em que temostentado encontrar respostas para os proble-mas que a arquitectura de terra ainda levanta.

O projecto do «Monte da Taipa»

O projecto «O Monte da Taipa» surgiu comoresposta ao desejo do cliente de construir um«monte alentejano» destinado à habitação eturismo rural no concelho de Serpa.Tradicionalmente, o monte alentejano é umaconstrução rural isolada, constituída por umou mais edifícios, implantados sobre umasuave colina. Apresenta uma volumetria mar-cadamente horizontal, desenvolvendo-se emgeral num único piso, com telhados de duaságuas pouco inclinados. Os montes de maio-res dimensões organizam-se em torno de umpátio amplo, onde se articulam as diversas

ARQUITECTURA CONSTRUIDA EN TIERRA

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instalações (habitação dos proprietário, doscaseiros e dos trabalhadores sazonais, espa-ços para resguardo das alfaias agrícolas eabrigos de animais). Estas construções têmem geral paredes de taipa e alvenaria depedra, com algumas divisórias interiores emadobes ou tijolo de burro; os pavimentos dashabitações são normalmente revestidos abaldosas; nas construções mais cuidadas, ostectos são em abóbada ou abobadilha naszonas dos corredores e dos quartos, sendona «casa do lume»4 e nas restantes instala-ções constituídos por barrotes de madeira ecaniço ou tabuado, sobre os quais assentadirectamente a telha; as aberturas são pou-cas e pequenas, por forma a evitar a entradade calor – a porta principal e as aberturasmais generosas são, muitas vezes, protegi-das por uma parreira, que sombreia no Verãoe, a partir do Outono, com a queda das fol-has, permite aproveitar toda a radiação solar.Por vezes, nas construções mais modestas,só as aberturas eram emoldurados por umafaixa caiada a branco, ficando o resto da taipaà vista, embora o mais habitual fosse toda aconstrução ser caiada.

Independentemente das variantes de um«monte alentejano» a nível funcional, estéticoe construtivo, há elementos e aspectos quedevem ser mantidos, pois constituem a sua«essência». Um deles é a construção emterra, o que foi proposto ao cliente e aceite.No local de implantação do edifício, podemosencontrar a «talisca», terra xisto-argilosa queos taipeiros antigos consideravam a melhorterra da região para construir em taipa – factoque se pode comprovar pela observação dealgumas casas abandonadas há décadas,cujas paredes têm resistido às várias formasde erosão. Verificámos também que este tipode terra é indicado para o fabrico de BTC’s.Optámos assim por recorrer à construção emtaipa e BTC’s, conjugando uma técnica tradi-cional e outra mais recente. Porém, conscien-tes dos problemas inerentes ao processo deconstrução, utilização e manutenção dos edi-fícios em terra crua, tentámos tornar os siste-mas construtivos tradicionais mais eficientes,empenhando-nos, através de opções de pro-jecto e construtivas, potenciar as capacida-des da taipa e resolver os problemas relacio-nados com as fragilidades desta técnica. O projecto foi surgindo como um exercício emque procurámos articular tradição e moderni-dade e desenvolver uma arquitectura susten-tável do ponto de vista ecológico. De entre os

vários aspectos relacionados com a sustenta-bilidade no projecto de arquitectura, tivemosespecial preocupação com as questões rela-cionadas com o conforto e a eficiência ener-gética do edifício.

Tradição e «modernidade» no «Monte daTaipa»

À semelhança do «monte alentejano», a cons-trução implanta-se numa colina, desenvolve-se na horizontal, à volta de um pátio interior,apresenta aberturas na sua maioria contidas,telhados longos com beirados tradicionais etelha de canudo. No interior, utilizaram-se oscaniços e as abóbadas e pavimento de tijolei-ra artesanal. Quanto à cor, optou-se por man-ter a tradicional caiação a branco no exteriore, no interior, utilizar o pigmento ocre, azul evermelho, embora variando a gama dos seustons.

Porém, esta linguagem basicamente tradicio-nal articulou-se com signos retirados deoutros contextos e com técnicas e materiais

TRADICIÓN E INNOVACIÓN

Figuras 1 y 2

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característicos da construção «moderna».Entre esses signos destacamos o pátio, quese desenvolve em «L» e integra uma pérgolacom parreiras, um espelho de água e umpequeno aqueduto com sete bicas que cons-tituem o sistema de rega de um jardim situa-do na cota inferior. Este conjunto inspira-seno sistema de rega tradicional utilizado nashortas locais, mas também nos pátios dearquitectura mediterrânica, caracterizadospela presença de água e vegetação. Paraalém do aspecto estético, a sua concepçãoteve como objectivo criar um microclima emque se promove a evaporação da água, deforma a diminuir a temperatura do ar eaumentar a humidade relativa. Pelo efeito daventilação natural, no Verão, esse ar fresco ehúmido penetra nos compartimentos interio-res, contribuindo para manter as temperatu-ras dentro da gama de conforto. Com omesmo objectivo, projectámos um sistema deventilação que canaliza o ar fresco do jardim,através de uma conduta subterrânea, para ointerior da habitação. Durante o Inverno, agrelha de ventilação deverá, naturalmente,ser fechada. Entretanto, as parreiras terãoperdido as folhas, permitindo a incidênciadirecta dos raios solares nos envidraçados. A

utilização de vidros duplos e de isolamentotérmico na cobertura foram outras opções quepretenderam contribuir para melhorar as con-dições de conforto térmico. No mesmo senti-do, as aberturas foram orientadas a nascentee a poente, de forma a permitir ganhos sola-res durante os períodos do ano em que astemperaturas atingem valores mais baixos.No Verão, os vãos do alçado nascente sãosombreados por parreiras, enquanto a poenteum alpendre e uma pérgola protegem asparedes e os envidraçados da radiação direc-ta durante uma boa parte do dia.

De salientar o facto de termos construídoparedes de taipa não só no exterior mas tam-bém no interior, com o objectivo de aumentara massa de armazenamento térmico do edifí-cio.

Sendo a massa térmica proporcionada pelasparedes de taipa elevada, uma parte conside-rável do calor que entra no edifício – pelaacção da radiação ou simplesmente devido àdiferença de temperatura entre o exterior e ointerior – é armazenada nas paredes e devol-vida ao ambiente mais tarde, quando a tem-peratura do ar for inferior à da massa térmica.

ARQUITECTURA CONSTRUIDA EN TIERRA

Figuras 3, 4 y 5

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Ao serem desfasadas no tempo, estas trocasde calor entre as paredes de taipa e o ar per-mitem obter amplitudes térmicas inferiores àsde edifícios com uma massa térmica reduzi-da. Esta estratégia bioclimática que permiteobter conforto térmico sem gastos energéti-cos é um aspecto importante de uma arqui-tectura que pretende ser ecologicamente sus-tentável.

Aspectos construtivos

Entre os aspectos inovadores do projecto do«Monte da Taipa» devemos também referir aintrodução de materiais e técnicas recentesno processo de construção em terra. Na ver-dade, utilizar apenas os métodos construtivose materiais tradicionais deixou de ser viável,já que é necessário cumprir requisitos regula-mentares no que se refere ao conforto e àresistência mecânica da construção. Sendoas principais fragilidades da taipa a fracaresistência mecânica e a sensibilidade àágua, pareceu-nos que algumas das opçõespara as contrariar poderiam passar pela intro-dução de elementos de betão armado, pelaimpermeabilização e drenagem do terrenoenvolvente e pela utilização de meios mecâ-nicos na compactação da terra.

Fundações

As fundações executaram-se em betão cicló-pico, mais resistente e económico que a alve-naria de pedra tradicional. Foram elevadasacima do nível do terreno entre 40 a 50 cm,de forma a evitar a infiltração da água porcapilaridade. Com o mesmo objectivo, proce-deu¬se à impermeabilização das fundaçõesatravés de uma emulsão betuminosa e àintrodução de um sistema de drenagem cons-tituído por uma película plástica drenante, umgeodreno, gravilha e uma manta geotêxtil. A fim de melhorar a ligação entre a taipa e asfundações, foram-lhes introduzidos varõesmetálicos previamente envolvidos em betão,deixados salientes cerca de 30 cm.

Execução da taipa

Tradicionalmente o processo de extracção epreparação da terra, bem como o seu trans-porte até aos taipais era feito manualmente.As várias camadas eram compactadas pelostaipeiros com maços ou pisões de madeira.Os taipais e as restantes peças de cofragem,

como os costeiros, as comportas e o côvadotambém eram de madeira, sendo as agulhas5

as únicas peças metálicas utilizadas. Por con-siderarmos todo este processo moroso e des-adequado, decidimos que tanto a extracçãocomo a preparação e compactação da terraseria feita por meios mecânicos, o que impli-cou a substituição do taipal tradicional poroutro tipo de cofragem. O apiloamento mecâ-nico, executado com compactadores pneumá-ticos permite avançar mais rapidamente naexecução de cada taipal, tornando a realiza-ção a obra bastante mais célere e, ao mesmotempo, menos onerosa, já que permite dimi-nuir os custos de mão-de-obra e torná-la maiseficaz. Pudemos também constatar ser psico-logicamente mais motivador para os taipeirosexecutarem o trabalho com os meios técnicosmodernos, sobretudo porque estão conscien-tes de que o método de apiloamento tradicio-nal não constitui uma mais-valia para o resul-tado final do trabalho. Pelo contrário, a sim-ples observação permite verificar que a taipacompactada por meios mecânicos é maisresistente. Essa constatação empírica é, aliás,confirmada pelos estudos efectuados peloCRATerre, que apontam para um acréscimoda resistência mecânica da taipa batida comcompactadores pneumáticos para valoresentre 3 e 5 vezes superiores à da taipa apilo-ada de forma manual6, factor determinantepara o seu comportamento face aos sismos eà presença de água, o que contribui decisiva-mente para a segurança e longevidade daconstrução.

Quanto aos taipais, continuamos a usar tai-pais de madeira, pois as experiências com tai-pais metálicos efectuadas EPDRS revelaramque o seu peso excessivo os tornava de difícilmanuseamento em obra7. Entre as madeiraspossíveis, optámos pelo contraplacado vul-garmente usado em cofragens, que tem avantagem de ser leve mas muito resistente eapresentar uma superfície bastante regular,permitindo obter paredes com um óptimo aca-bamento. Os costeiros foram substituídos porpeças metálicas com agulhas roscadas. Estese outros elementos metálicos introduzidos nostaipais permitem um maior número de utiliza-ções e suportam uma energia de compacta-ção superior.

É importante notar que, apesar das alteraçõesque introduzimos no processo de execuçãoda taipa, mantivemos a espessura tradicionaldas paredes (cerca de 50 cm).

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Coberturas

A cobertura tradicional de caniço ou tabuado,sobre o qual assentam directamente as tel-has, revela-se ineficaz do ponto de vista tér-mico e da impermeabilização da cobertura.Optámos, por isso, pela introdução de isola-mento térmico (poliuretano projectado) e deuma sub-telha (chapa ondulada de fibroci-mento).

Para além disso, o facto de os barrotes tradi-cionais só permitirem pequenos vãos levou-nos a incluir uma estrutura metálica tubularque suporta o peso da sub-telha e da telha.Esta estrutura é amarrada a uma viga debetão armado, encastrada na parede de taipaem todo o perímetro da cobertura. A viga peri-metral tem como função receber e distribuiras cargas – diminuindo assim as forças hori-zontais – e constitui uma ligação resistenteentre a cobertura e a parede.

No interior do edifício, os barrotes tradicio-nais, encastrados nas paredes de taipa, ser-vem apenas de apoio ao caniço, tendo perdi-do a sua função estrutural, mas preservando-se como um signo fundamental da linguagemarquitectónica da região. A cobertura, revesti-da com telha de canudo recuperada de vel-

has construções demolidas, permitiu tambémmanter o aspecto dos telhados dos montesantigos.

Outro elemento tradicional que incorporámosfoi uma abóbada de arestas, executada em«tijolo de burro» deixado à vista.

Reboco e caiação

Geralmente, as paredes exteriores dos «mon-tes alentejanos» eram rebocadas e caiadas,embora alguns fossem apenas caiados –podendo até, como já atrás referimos, a caia-ção limitar-se às zonas das aberturas. No pro-jecto do «Monte da Taipa», tentámos articularessas duas imagens bem diferenciadas,dando predominância às paredes brancas,mas deixando algumas com a taipa à vista.Esta última opção levou-nos a aplicar um pro-duto à base de silicato de potássio, dada anecessidade de proteger a taipa dos agenteserosivos. Nas paredes caiadas, a taipa foi pre-viamente revestida com um reboco de calaérea em pasta. De notar que a determinaçãodo tipo de reboco a aplicar para cada tipo detaipa é de extrema importância para o seudesempenho, devendo cumprir os seguintesrequisitos: 1) apresentar uma boa aderência àparede, de forma a evitar descolamentos, 2)

ARQUITECTURA CONSTRUIDA EN TIERRA

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possuir uma resistência mecânica inferior àdo suporte, para impedir o aparecimento defissuras e 3) ser permeável ao vapor de água,para evitar condensações.

A nossa experiência tem revelado a importân-cia da qualidade da cal aérea a utilizar noreboco. De facto, a cal em pasta confere aoreboco maior resistência do que a cal em póproduzida industrialmente. Daí que tenhamosoptado por recuperar os métodos tradicionaisde produção de cal, aproveitando a oferta decal em pedra que ainda subsiste na nossaregião. Adquirimo-la, pois, em pedra, e apa-gamo-la em água, adicionando-lhe gordura(velas de sebo de Holanda, sebo de borregoou óleo de linhaça). No final do processo,deve obter-se uma mistura homogénea. Estapasta repousa no mínimo dois meses e é uti-lizada no reboco, conferindo-lhe maior resis-tência à água, dada a presença da gordura.Adicionando água à pasta de cal, obtém-se ochamado leite de cal, utilizado na caiação dasparedes, que contribui para a consolidaçãodo reboco. De notar que também neste casoa gordura funciona como elemento hidrófugoe ajuda a fixar a cal à parede.

Apesar das vantagens que a caiação apre-senta para a manutenção e desempenho das

paredes de taipa, a necessidade de repetir apintura anualmente constitui um factor de des-encorajamento à sua aplicação. Como alter-nativa, recorre-se habitualmente à pinturacom tintas de silicato, que apresentam carac-terísticas semelhantes e têm uma durabilida-de muito superior.

Considerações Finais

Entrar no mundo da construção em terra cruafoi para nós um desafio e levou-nos a umareflexão profunda sobre a integração da arqui-tectura num contexto regional. Não há dúvidade que recuperar alguns métodos construtivose saberes seculares e tentar manter a essên-cia da linguagem arquitectónica local constituiuma justa valorização do património local, dosespaços, das gentes e das memórias, repre-sentando um contributo importante para a pre-servação da identidade cultural da região.Porém, a construção em terra permite muitomais do que isso, pois vai ao encontro do quehá de mais actual em termos de conceitos dedesenvolvimento: a sustentabilidade. Comefeito, podemos encontrar na construção emterra uma dimensão ambiental, económica esocial, fortemente relacionada com o desen-volvimento local e regional e, ao mesmo

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Figura 7.

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tempo, com a protecção da paisagem naturale construída. A recuperação desta forma deconstrução tradicional permite criar uma dinâ-mica local, promovendo a formação e oemprego não só para aqueles que participamdirectamente no processo como para os que,de forma mais indirecta, nele se podem impli-car. É, além disso um bom exemplo em ter-mos de eficiência energética, pois ao utilizarmateriais directamente saídos da natureza,requer muito menos energia que a construçãocorrente; esse ganho energético não se limitaao período da construção: prolonga-se notempo de utilização do edifício, já que permi-te um conforto térmico derivado da utilizaçãode métodos solares passivos e do desenvol-vimento de uma arquitectura bioclimática. Entre os desafios que a aplicação do concei-to de sustentabilidade levanta, foram estesaspectos relacionados com o consumo deenergia, o conforto e a utilização de materiaiscom bom desempenho ecológico que maismereceram a nossa atenção. Do conjunto dassoluções possíveis para concretizar essaorientação, optámos sempre por aquelas quepodiam ser integradas no edifício de formaimperceptível do ponto de vista da linguagemarquitectónica.

Estamos conscientes de ter descurado aspec-tos igualmente importantes para uma arqui-tectura sustentável, como são o aproveita-mento das fontes energéticas renováveis, agestão do ciclo da água no edifício e o trata-mento dos resíduos domésticos. No entanto,pretendemos que os nossos próximos projec-tos integrem também soluções nesses váriosdomínios, de forma a consolidar um caminhoque pretendemos orientar no sentido de umaarquitectura atenta às questões ambientais e,ao mesmo tempo, sensível ao contexto histó-rico-cultural em que se insere. Isso implica aprocura de respostas actuais do ponto devista da optimização do processo construtivo,da utilização e do aproveitamento dos mate-riais, mas também do respeito pela dimensãoregional de cada projecto. Porém, por enten-dermos que o futuro não é um regresso aopassado, procuraremos encontrar propostasactuais também ao nível da linguagem arqui-tectónica. O equilíbrio entre a tradição local ea «contemporaneidade» parece-nos essen-cial, pois uma tradição que não se actualizaacaba por desaparecer.

ARQUITECTURA CONSTRUIDA EN TIERRA

Figura 8.

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35-41.

Notas al pie

1 Ver Pedro Prista «Taipa e adobe na etnografiaportuguesa» in Arquitectura de terra em Portugal,Lisboa, Argumentum, 2005, pp. 109-114.

2 O Curso de Mestre de Construção CivilTradicional surgiu em 1993, com a criação daEscola de Artes e Ofícios Tradicionais, que actual-mente integra a Escola Profissional deDesenvolvimento Rural (EPDSR).

3 Desde o início da actividade, a empresa integraalunos da EPDRS. Numa primeira fase, quatro dosquinze trabalhadores eram estagiários da escola(sendo dois do sexo feminino); actualmente aempresa conta com vinte e quatro funcionários,sendo cinco antigos alunos (três pertencentes aoquadro e dois estagiários).

4 Tradicionalmente a divisão mais importante dahabitação, de dimensões generosas e várias funçõ-es, em que o elemento dominante é uma lareira atoda a largura do compartimento, mantida acesa

La arquitectura construida en tierra. Tradición e Innovación. http://www5.uva.es/grupotierra/publicaciones.html ISBN: 978-84-693-4554-2

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238 MARÍA DA LUZ SILVA DIAS SEIXAS

durante todo o dia no Inverno, para cozinhar, aque-cer as águas e a casa.

5 Peças que atravessam o taipal inferiormente etêm por função a sua fixação.

6 Eusébio, António Paulo Jacinto – Reabilitação emelhoramento de paredes de terra crua – taipa(Dissertação para Obtenção do Grau de Mestre emConstrução). Lisboa, UTL – Instituto SuperiorTécnico, 2001, p. 46.

7 Experiências realizadas no âmbito do trabalho deestágio de Arquitectura efectuado por RogérioPereira Galante, que deu origem ao relatório intitu-lado A construção em taipa e a reciclagem de mate-riais. Lisboa, UTL – Instituto Superior Técnico,2004, 96 pp.

ARQUITECTURA CONSTRUIDA EN TIERRA

La arquitectura construida en tierra. Tradición e Innovación. http://www5.uva.es/grupotierra/publicaciones.html ISBN: 978-84-693-4554-2