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Originalmente publicado em: SILVA, C.V. (2007) «Actividades de consciência linguística no Jardim-de-Infância: o quê, como e para quê?», Cadernos de Estudo nº 6, pp. 43-52. Escola Superior de Educação de Paula Frassinetti. Actividades de consciência linguística no Jardim-de-Infância: o quê, como e para quê? Maria Cristina Vieira da Silva* 1 RESUMO Objecto de recomendação pelo impacto que têm quer em termos do desenvolvimento da linguagem oral, quer da apropriação da linguagem escrita de que são potencializadoras, a forma como as actividades de consciência fonológica são concebidas e aplicadas carece, por vezes, de alguma sistematização e fica aquém da exploração, de forma devida, de todas as suas potencialidades, assumindo frequentemente um carácter ocasional ou extemporâneo. De forma a obviar a esta situação, importa valorizar, junto dos Educadores, a necessidade de atender à especificidade destas actividades planificando de forma cuidada a sua oportunidade, articulação e objectivos que se propõem atingir. Neste sentido, serão aqui analisadas as representações que um conjunto de Educadores de Infância em formação manifesta face às actividades de consciência linguística. Tal análise teve como ponto de partida a concepção e implementação de actividades de consciência linguística pelos próprios discentes, no ano lectivo de 2006-2007, no âmbito da disciplina «Leitura e Literacia», integrada no 3º ano do plano curricular da Licenciatura em Educação de Infância da ESE de Paula Frassinetti. A partir quer da avaliação das actividades desenvolvidas pelos discentes, quer dos inquéritos lançados junto dos mesmos, os quais constituíram o instrumento de aferição das representações dos discentes (futuros Educadores de Infância) face às actividades de consciência linguística no Jardim-de-Infância, é-nos possível fazer um balanço claramente positivo deste processo, atingido que foi o objectivo que nos havíamos proposto alcançar. Introdução É, desde há muito, reconhecida por todos os profissionais da Educação a importância que a linguagem assume no desenvolvimento cognitivo e social da criança. Tida como uma das mais poderosas invenções geradas pela mente humana, a capacidade de comunicar e de pensar em abstracto que caracteriza a nossa espécie tem tanto de inato como de aprendido. Cabe, pois, aos Educadores promover, desde cedo, o desenvolvimento desta capacidade de fazer uso da linguagem, para que cada criança possa evoluir na medida das suas possibilidades e dos desafios que lhe são lançados. No que especificamente concerne ao nível pré-escolar, é de esperar que tanto mais rico será o processo de aquisição da linguagem quanto mais estimulante for o meio linguístico que o Educador conseguir proporcionar no seu espaço de trabalho (ME, 1997). | 1 | *ESE de Paula Frassinetti; [email protected] 1 A realização deste trabalho, nomeadamente no que respeita à análise das representações de Educadores de Infância em formação relativamente às actividades de consciência linguística em Jardim-de-Infância, foi possível graças à colaboração dos alunos inscritos, no ano lectivo de 2006-2007, na disciplina «Leitura e Literacia», aos quais agradeço. ABZ da Leitura | Orientações Teóricas | 1 | | 1 |

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Originalmente publicado em: SILVA, C.V. (2007) «Actividades de consciência linguística no Jardim-de-Infância: o quê, como e para quê?», Cadernos de Estudo nº 6, pp. 43-52. Escola Superior de Educação de Paula Frassinetti.

Actividades de consciência linguística no Jardim-de-Infância: o quê, como e para quê?

Maria Cristina Vieira da Silva*1

RESUMO

Objecto de recomendação pelo impacto que têm quer em termos do desenvolvimento da linguagem oral,

quer da apropriação da linguagem escrita de que são potencializadoras, a forma como as actividades

de consciência fonológica são concebidas e aplicadas carece, por vezes, de alguma sistematização e fica

aquém da exploração, de forma devida, de todas as suas potencialidades, assumindo frequentemente

um carácter ocasional ou extemporâneo.

De forma a obviar a esta situação, importa valorizar, junto dos Educadores, a necessidade de atender

à especificidade destas actividades planificando de forma cuidada a sua oportunidade, articulação

e objectivos que se propõem atingir. Neste sentido, serão aqui analisadas as representações que

um conjunto de Educadores de Infância em formação manifesta face às actividades de consciência

linguística. Tal análise teve como ponto de partida a concepção e implementação de actividades de

consciência linguística pelos próprios discentes, no ano lectivo de 2006-2007, no âmbito da disciplina

«Leitura e Literacia», integrada no 3º ano do plano curricular da Licenciatura em Educação de Infância

da ESE de Paula Frassinetti.

A partir quer da avaliação das actividades desenvolvidas pelos discentes, quer dos inquéritos lançados

junto dos mesmos, os quais constituíram o instrumento de aferição das representações dos discentes

(futuros Educadores de Infância) face às actividades de consciência linguística no Jardim-de-Infância,

é-nos possível fazer um balanço claramente positivo deste processo, atingido que foi o objectivo que

nos havíamos proposto alcançar.

Introdução

É, desde há muito, reconhecida por todos os profissionais da Educação a importância que a linguagem assume no desenvolvimento cognitivo e social da criança. Tida como uma das mais poderosas invenções geradas pela mente humana, a capacidade de comunicar e de pensar em abstracto que caracteriza a nossa espécie tem tanto de inato como de aprendido. Cabe, pois, aos Educadores promover, desde cedo, o desenvolvimento desta capacidade de fazer uso da linguagem, para que cada criança possa evoluir na medida das suas possibilidades e dos desafios que lhe são lançados. No que especificamente concerne ao nível pré-escolar, é de esperar que tanto mais rico será o processo de aquisição da linguagem quanto mais estimulante for o meio linguístico que o Educador conseguir proporcionar no seu espaço de trabalho (ME, 1997).

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*ESE de Paula Frassinetti; [email protected] realização deste trabalho, nomeadamente no que respeita à análise das representações de Educadores de Infância em formação relativamente às actividades de consciência linguística em Jardim-de-Infância, foi possível graças à colaboração dos alunos inscritos, no ano lectivo de 2006-2007, na disciplina «Leitura e Literacia», aos quais agradeço.

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1. Consciência linguística e suas modalidades

De entre os factores tidos como cruciais no processo de aquisição da linguagem, quer em termos do desenvolvimento da linguagem oral, quer da apropriação da linguagem escrita, destaca-se a promoção da consciência linguística (Adams, 1994). Para que a consciência linguística se possa desenvolver, é, antes de mais, necessário que o falante tenha um conhecimento linguístico da oralidade, o qual, implícito e inconsciente, é movido pela necessidade de comunicação. É sobre esse primeiro patamar de conhecimento que se desenvolve a consciência linguística enquanto capacidade de reflectir sobre a língua – as suas unidades e regras – a qual, não sendo espontânea, exige um treino específico. Por fim, num último nível, temos o chamado conhecimento metalinguístico, geralmente associado ao contexto escolar e construído através do ensino gramatical. Sendo um conhecimento reflectido, explícito e sistematizado das propriedades e regras da língua, permite à criança tratar a língua como qualquer outro objecto de estudo e análise, facilitando-lhe a identificação das dificuldades no uso da língua e ajudando-a a descobrir as regras gramaticais.

Assumindo que nos situamos, no que ao pré-escolar diz respeito, neste nível intermédio (entre o conhecimento linguístico da oralidade e o conhecimento metalinguístico), várias são as dimensões de consciência linguística que podemos identificar, desde o nível fonológico ao sintáctico, passando pelo nível da palavra.

Ao nível da consciência fonológica, o entendimento de que as palavras são feitas de sons dá à criança a capacidade de reconhecer rimas e de identificar, reconstruir, segmentar e manipular os sons nas palavras faladas. O treino destas actividades de consciência fonológica ajuda a criança a aprender a distinguir os sons individuais nas palavras. Esta consciência é facilitadora nomeadamente da aprendizagem da associação de sons com letras na leitura e da segmentação de palavras na escrita. Tida como crítica para o desenvolvimento da leitura e da escrita (Blevins, 1997), a consciência fonológica afecta o sucesso da leitura devido à natureza ortográfica da língua portuguesa, cujas unidades mínimas são os fonemas, representados pelas letras no alfabeto escrito. Esta consciência fonológica equipa assim a criança com um entendimento suficiente da estrutura sonora para usar no momento em que esta contacta com as letras e ajuda-a a entender as relações entre letras e sons.

Sabendo que o nível de complexidade cognitivo-linguística varia nas actividades de consciência fonológica, importa que o Educador tenha consciência da hierarquia de dificuldade que estas actividades podem envolver, de forma a poder programar a forma como as adequa ao nível de desenvolvimento da criança. Assim, as tarefas a propor deverão obedecer a uma gradação em termos do nível de dificuldade envolvido, sendo que as tarefas que implicam operações de reconhecimento são mais fáceis do que as de produção; as que pressupõem operações de segmentação apresentam mais dificuldades do que as de reconstrução; as que exigem consciência ao nível da sílaba são mais fáceis do que as que requerem consciência ao nível do fonema, sendo as tarefas de segmentação ou de reconstrução mais fáceis com consoantes iniciais do que com finais.

Este tipo de actividades de consciência fonológica tem também consequências ao nível da consciência de palavra. De facto, é sabido que as crianças em idade pré-escolar

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têm tendência a confundir o nível do significante com o do significado, associando a forma da palavra aos atributos do seu referente, para o qual a palavra remete em termos do seu sentido. Assim, é típico que uma criança julgue, contrariamente ao que se verifica no caso em apreço, que a palavra formiga é uma palavra mais pequena do que boi, dado que a primeira palavra remete para um animal de menores dimensões do que as do referente da segunda.

Desenvolver a consciência fonológica e de palavra permite assim à criança construir progressivamente a ideia de que a forma da palavra é independente do referente para o qual remete e concentrar-se na avaliação do comprimento da cadeia sonora, para que, futuramente, possa associar a extensão da cadeia sonora à da cadeia gráfica.

Já a consciência sintáctica, enquanto capacidade de reflexão ao nível da frase, manifesta-se geralmente na capacidade de avaliar a sua gramaticalidade/ aceitabilidade, corrigindo-a ou justificando a sua correcção. Também a este nível, é fundamental que o Educador tenha noção de que a emergência da consciência sintáctica é, como descrito na literatura (Gombert, 1990), mais tardia do que a consciência fonológica ou de palavra, já que a criança tem dificuldade em abstrair-se do conteúdo que a frase veicula para focar a sua atenção sobre a forma da mesma.

2. Actividades de consciência linguística: como promover

Objecto de recomendação pelo impacto que têm quer em termos do desenvolvimento da linguagem oral, quer da apropriação da linguagem escrita de que são potencializadoras, as actividades de promoção da consciência linguística são já praticadas por boa parte dos Educadores.

Passadas que são mais de duas décadas sobre os primeiros trabalhos de investigação que alertaram para o seu efeito positivo, verifica-se, no entanto, que a forma como as actividades de consciência fonológica são concebidas e aplicadas carece, por vezes, de alguma sistematização e fica aquém da exploração devida de todas as suas potencialidades, assumindo frequentemente um carácter ocasional ou extemporâneo.

No sentido de obviar a esta situação, importa, pois, valorizar junto dos Educadores a necessidade de atender à especificidade destas actividades planificando de forma cuidada a sua oportunidade, articulação e objectivos que se propõem atingir.

A análise (que seguidamente apresentaremos) das representações que futuros Educadores de Infância manifestam durante o seu percurso formativo face a estas actividades de consciência linguística teve como ponto de partida a construção de algumas actividades de consciência linguística no âmbito da disciplina «Leitura e Literacia», com base num guião previamente elaborado para o efeito. Com a elaboração destas actividades, pretendeu-se, nomeadamente, proporcionar aos discentes a oportunidade de experimentarem diferentes materiais de apoio (como sejam lengalengas, trava- -línguas e pequenas poesias) para o desenvolvimento de capacidades linguísticas de crianças em idade pré-escolar, de conhecerem e aplicarem estratégias de avaliação da consciência linguística, de identificarem situações pedagógicas potencializadoras do desenvolvimento da consciência linguística, de forma a poderem conceber programas

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destinados a desenvolver as suas diferentes modalidades junto do público-alvo acima identificado.

O trabalho foi desenvolvido pelos discentes organizados em grupos de 3 a 5 elementos e tinha como ponto de partida a selecção de uma lengalenga, trava-língua ou pequena poesia a ser escolhida em função de critérios bem definidos, com vista à sua exploração/operacionalização em contexto de sala de Jardim-de-Infância (dos 3 aos 5 anos). Após a selecção do texto, os discentes construíram um guião de exploração do mesmo, bem como os materiais em termos de suporte visual ou áudio a serem utilizados para a apresentação do texto.

A partir de vários modelos apresentados em aula, foi-lhes proposto que concebessem um conjunto de actividades promotoras de consciência linguística, percorrendo as diferentes modalidades possíveis e tendo o cuidado de as adequar a uma determinada faixa etária. As actividades, cada uma delas formulada em função de um objectivo determinado, deveriam ainda estar articuladas entre si, obedecendo a uma lógica de continuidade e a um grau crescente de dificuldade na transição das mesmas.

A título de ilustração do trabalho desenvolvido, apresentamos um desses trabalhos2, de acordo com a planificação prevista: apresentação do texto seleccionado e do guião de exploração do mesmo, seguida das actividades de promoção da consciência linguística propriamente ditas.

Figura 1: Apresentação do texto seleccionado

Após a apresentação do texto neste suporte, o mesmo foi explorado de acordo com um guião previamente elaborado, do qual faziam parte um conjunto de questões exploratórias em torno das figuras geométricas, nomeadamente no que diz respeito às suas características distintivas ou ainda à semelhança que as mesmas apresentam com objectos que fazem parte do universo da criança.

Numa primeira actividade, as alunas privilegiaram a dimensão da consciência fonológica ao nível da rima. Sob a designação de «Descobrir palavras que rimam», esta

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2 O trabalho em questão foi elaborado pelo grupo constituído pelas alunas Alícia Silva, Ana Filipa Oliveira, Luísa Silva e Raquel Martins, à data frequentando o 3º ano da Licenciatura em Educação de Infância na Escola Superior de Educação de Paula Frassinetti.

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actividade visava promover a percepção de palavras que rimassem entre si. Durante a leitura do poema em grande grupo, o educador procurava enfatizar as rimas (biquinhos/palhacinhos; lua/rua; lado/quadrado; mais/iguais). Uma vez bem trabalhada a noção de rima, o educador lia cada uma das quadras, pedindo às crianças que identificassem as palavras que rimam ou, em alternativa, fazia uma leitura mais pausada, omitindo a palavra que rima e convidando as crianças a reproduzi-la.

Uma segunda actividade proposta, também ela no âmbito da consciência fonológica, mas privilegiando agora a unidade sílaba, intitulava-se «Quantos bocados são?» e tinha como objectivo desenvolver a capacidade das crianças para contar as sílabas de palavras apresentadas. Após organizar o espaço de forma adequada para que os diferentes grupos se reunissem, o educador fornecia às crianças palavras escritas numa cartolina e porções de plasticina. Solicitava-lhes então que fizessem a contagem oral das sílabas das palavras escolhidas, as quais eram lidas pelo Educador, orientando depois as crianças para que colocassem por baixo de cada palavra escrita o número de bolinhas de plasticina correspondente ao número de sílabas que as mesmas apresentam (cf. Figura 2).

Figura 2: Ilustração da actividade «Quantos bocados são?»

Com a terceira actividade planificada, e a partir da consolidação da actividade anterior, pretendeu-se desenvolver a consciência de palavra (mediante a actividade «Palavra grande ou pequena?») e de frase (mediante a construção de frases a partir das palavras previamente trabalhadas). Após a organização do espaço, o educador solicitava às crianças que se deitassem no chão e explicava que iriam trabalhar oralmente as mesmas palavras da actividade anterior: quando fosse dita uma palavra grande, as crianças deveriam esticar-se; quando ouvissem uma palavra pequena, deveriam encolher-se. Após a realização deste exercício, o Educador apresentava as mesmas palavras escritas e o respectivo símbolo desenhados numa cartolina (cf. Figura 3), sendo, a partir daí, pedido às crianças que construíssem frases com as mesmas palavras.

Figura 3: Ilustração da actividade «Palavra grande ou pequena?»

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A última actividade proposta nesta sequência consistia na «leitura» de poema recorrendo ao apoio de pictogramas e tinha como objectivo, entre outros, a descoberta da direccionalidade da escrita, para além da consolidação de outras convenções da linguagem escrita.

O poema foi apresentado às crianças sob a forma escrita conforme ilustrado na Figura 4, sendo que algumas das palavras do poema foram substituídas por imagens ilustrativas das mesmas, que ajudaram a criança a situar-se na sua leitura. O Educador leu primeiramente o poema em voz alta marcando a direccionalidade da escrita com o gesto e fazendo pausas no final de cada frase. No final, e assim que as crianças manifestavam maior capacidade de reconhecer o texto, foi-lhes pedido que fossem elas a repetir o poema, fazendo a sua leitura.

Outras actividades complementares foram ainda planificadas, no sentido de assegurar um trabalho integrado das várias áreas disciplinares, nomeadamente ao nível da expressão musical e motora (exploração da canção «O meu chapéu tem três bicos»), da expressão dramática (dramatização do poema) ou ainda da expressão plástica (modelagem em plasticina ou confecção em massa de farinha das diferentes formas das figuras geométricas referidas no poema).

As actividades foram implementadas nos centros de estágio frequentados pelos discentes, tendo estes tido o cuidado de planificar e recriar um ambiente adequado à realização das mesmas. Em alguns dos casos, procedeu-se ao registo áudio/vídeo da exploração do texto, bem como das actividades realizadas, cuja visualização e comentário em aula contribuíram, em termos da formação dos discentes, para uma mais consciente percepção das potencialidades e cuidados a ter na planificação deste tipo de actividades.

Figura 4: Ilustração da actividade de leitura com pictogramas

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3. Análise das representações de futuros Educadores de Infância face às actividades de consciência linguística no Jardim-de-Infância

Após a fase de concepção e implementação das actividades de consciência linguística que os discentes tiveram oportunidade de realizar em contexto de Jardim-de-Infância, no âmbito do Estágio III que decorreu durante o mês de Março de 2007 e já depois de as mesmas terem sido alvo de análise em contexto de aula, pareceu-nos interessante aferir o impacto que as mesmas tiveram junto dos discentes. Para o efeito, foi distribuído um pequeno inquérito por questionário sobre as actividades de consciência linguística (cf. Anexo 1), o qual foi preenchido anonimamente por 57 discentes no final do semestre, em Junho de 2007. Os objectivos que presidiram à sua elaboração consistiam em:

i) identificar qual o grau de importância atribuído pelos discentes às referidas actividades;

ii) avaliar, de entre os benefícios decorrentes da aplicação das mesmas, qual a ordem de prioridade, em função da importância que lhes é reconhecida;

iii) aferir quais as características destas actividades tidas como mais vantajosas;iv) identificar, mediante a auto-avaliação dos discentes, qual o grau de

capacidade que reconhecem ter para conceber e implementar este tipo de actividades;

v) aferir quais as circunstâncias tidas como mais apropriadas para a realização das mesmas.

No que diz respeito à primeira questão, os discentes manifestaram reconhecer, na sua totalidade, a importância deste tipo de actividades, de acordo com a seguinte distribuição: 61,4% consideram-nas muito importantes, sendo que os restantes 38,6% as consideraram bastante importantes (cf. Gráfico 1):

Gráfico 1: Resposta à questão 1 do inquérito por questionário

As respostas apresentadas configuram, a nosso ver, o reconhecimento do valor deste tipo de actividades, reconhecimento esse para o qual terá contribuído de forma decisiva o facto de os discentes terem podido experienciar, na sua prática pedagógica

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enquanto estagiários, as actividades que haviam planificado e que foram alvo de análise prévia e à posteriori.

A avaliação da ordem de prioridade dos benefícios decorrentes da aplicação das mesmas actividades, em função da importância que lhes é reconhecida, constituía o objectivo da segunda questão.

Tal como se pode observar no Gráfico 2, o aspecto privilegiado pelos discentes nas suas respostas a esta questão foi justamente o carácter facilitador das mesmas em termos do acesso à linguagem escrita, o que pode ser explicado pelo facto de os discentes reconhecerem este como um aspecto determinante, porventura em virtude das leituras que tiveram oportunidade de fazer de alguns dos trabalhos que, na literatura sobre o tema, permitiram já estabelecer correlações significativas entre consciência linguística (nomeadamente fonológica) e futuros desempenhos ao nível da aprendizagem da leitura e da escrita. De facto, e como refere A.P. Vale (1999:55), «embora não se possa afirmar que a consciência fonémica é um pré-requisito para aprender a ler e a escrever, no sentido de ser uma condição necessária antes da aprendizagem (Morais, 1991), essa capacidade é no entanto um co-requisito temporal (Share, 1995). Com efeito, o aprendiz tem que ser capaz de elaborar muito cedo no decurso da aquisição as representações explícitas necessárias ao estabelecimento das correspondências entre fonemas e grafemas (e inversamente entre grafemas e fonemas).»

Gráfico 2: Resposta à questão 2 do inquérito por questionário

Num segundo patamar de importância, a maioria dos inquiridos considerou os efeitos positivos que as mesmas proporcionam em termos da melhoria da capacidade articulatória das crianças. É de salientar que a prioridade concedida à dimensão da linguagem escrita em detrimento da linguagem oral em termos dos benefícios reconhecidos a estas actividades vai justamente no sentido de uma tomada de consciência mais fundamentada das suas potencialidades, contrariando assim aquele que poderia ser um raciocínio mais linear (sendo actividades de carácter predominantemente oral, os seus principais benefícios verificar-se-iam, de forma mais natural, ao nível da linguagem oral).

No que diz respeito aos benefícios reconhecidos como ocupando lugares de relevo intermédio em termos da sua importância, os inquiridos assinalaram, de forma

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bastante equilibrada, a motivação que estas actividades proporcionam (em 3º lugar) e o facto de permitirem fornecer informação avaliativa sobre os progressos da criança (em 4º lugar). O estabelecimento de tal prioridade em termos dos benefícios reconhecidos poderá ser explicado pelo facto de os inquiridos terem sido alertados para o facto de que, independentemente de as actividades de consciência linguística possibilitarem a recolha de informação de carácter avaliativo, essas actividades não deverem ser utilizadas formalmente como avaliações. A manutenção de um tom informal e lúdico é fundamental para que as crianças se envolvam nos jogos de linguagem, não lhes devendo ser perceptível qualquer preocupação de carácter avaliativo. Por fim, inquiridos houve que assinalaram a opção Outros, não tendo, no entanto, especificado quais os benefícios considerados para além dos já assinalados.

Na questão 3, procurou-se aferir quais as características das actividades de consciência linguística tidas como mais vantajosas.

Gráfico 3: Resposta à questão 3 do inquérito por questionário

Nas respostas obtidas (cf. Gráfico 3), destaca-se claramente o carácter lúdico das aprendizagens (com 39% de inquiridos a assinalarem este aspecto), seguido de perto pela adaptabilidade a múltiplas situações de aprendizagem (resposta assinalada por 33% dos inquiridos). Estes parecem ser, de facto, os dois aspectos mais valorizados, como se pode compreender pelo facto de se tratar de actividades destinadas a crianças numa faixa etária em que o lúdico está ainda muito presente na vida da criança, permitindo a exploração integrada de diferentes áreas disciplinares, como foi possível verificar nas actividades apresentadas no ponto 2 deste trabalho. Previsto nas orientações curriculares oficiais (ME, 1997: 18), o «carácter lúdico de que se revestem muitas aprendizagens» potencia o desenvolvimento afectivo e desenvolve, do ponto de vista cognitivo, o pensamento lógico e a criatividade. Metodologicamente, o recurso a estratégias lúdicas permite ainda desenvolver actividades flexíveis e desafiadoras, promovendo uma interacção interpessoal e criando um relacionamento de grupo em que a criança compreende e aceita regras e a sua necessidade.

As características organizacionais destas actividades (permitindo trabalhar em grande grupo ou em pequeno grupo) foram consideradas, respectivamente, por 15%

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e 13% dos inquiridos. Dependendo do tipo de actividade, esta poderá ser realizada em cada uma das variantes referidas, ainda que, contrariamente ao reconhecido por alguns dos inquiridos, a distribuição das crianças em pequeno grupo para a realização destas actividades seja, em termos gerais, mais indicada, dado que permitirá o acompanhamento informal dos progressos de cada criança e um maior nível de atenção às dificuldades encontradas.

Com a questão 4, pretendia-se identificar, a partir da auto-avaliação dos discentes, qual o grau de capacidade que estes reconheciam ter para conceber e implementar actividades de consciência linguística. Curiosamente, a maior parte dos inquiridos (57%) assinalou um nível suficiente, tendo os níveis mais elevados (bastante e muita) recolhido, respectivamente, 34% e 9% das respostas dadas.

Gráfico 4: Resposta à questão 4 do inquérito por questionário

Se, por um lado, a necessariamente breve abordagem a estas questões pode justificar o reconhecimento das limitações sentidas pela maioria dos inquiridos (a temática das actividades de consciência linguística foi abordada no decurso de cinco de um total de 15 aulas previstas), estamos em crer que a modesta auto-avaliação que a maioria dos inquiridos fez se deverá mais à percepção dos cuidados a ter na concepção e implementação destas actividades do que propriamente numa eventual impreparação que, aliás, nenhum dos inquiridos assinalou sentir.

Por fim, com a questão 5, procurou aferir-se a capacidade dos inquiridos em avaliar qual o melhor momento para implementação destas actividades de consciência linguística, mediante a identificação das circunstâncias tidas como mais apropriadas para a realização das mesmas. Como seria desejável, a maioria dos inquiridos (72%) considerou que a oportunidade das mesmas seria o factor determinante a considerar, tendo os restantes inquiridos assinalado quer uma frequência esporádica (14%), quer uma frequência mais constante, determinada apenas pela disponibilidade de tempo (14%) (cf. Gráfico 5).

De assinalar que nenhum dos inquiridos assinalou a hipótese «apenas quando se trabalharem lengalengas ou poesias» o que revela, a nosso ver, a percepção de que estas actividades cumprem objectivos que ultrapassam o mero exercício em torno de um determinado tipo de texto.

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Gráfico 5: Resposta à questão 5 do inquérito por questionário

Algumas conclusões

O trabalho realizado com futuros Educadores de Infância em formação, de que aqui se deu conta, pretendeu valorizar, junto destes, as actividades de consciência linguística em termos da sua concepção e aplicação. Ainda que seja hoje em dia reconhecido o impacto positivo que estas têm em termos do desenvolvimento da linguagem oral e da apropriação da linguagem escrita, a concepção e aplicação das actividades de consciência fonológica peca, por vezes, por alguma superficialidade, ficando aquém da exploração, de forma devida, de todas as suas potencialidades e assumindo frequentemente um carácter ocasional ou extemporâneo.

É nossa convicção, fundada na análise das actividades planificadas e realizadas, bem como no inquérito mediante o qual procurámos avaliar as representações que os nossos discentes construíram a propósito das actividades de consciência linguística, que alcançámos o objectivo a que nos havíamos proposto.

Do ponto de vista dos discentes, foi também possível perceber a valorização deste tipo de trabalho, a par de um genuíno interesse decorrente do facto de terem tido a oportunidade de experimentar, numa prática suportada na teoria, de que forma poderiam promover o desenvolvimento de competências linguísticas em crianças em idade pré-escolar, de forma integrada e motivadora.

Referências bibliográficas

ADAMS, M.J. (1994). Beginning to Read: Thinking and learning about print. Massachussets: MIT Press.

BLEVINS, W. (1997). Phonemic Awareness. Activities for Early Reading Success. New York: Scholastic Professional Books.

GOMBERT, J.E. (1990). Le Développement Métalinguistique. Paris: P.U.F.

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO (1997). Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar. Lisboa: ME – GEDEPE.

VALE, A.P. (1999). Aquisição da Leitura e da Escrita no Português: Correlatos metafonológicos e estratégias (tese de doutoramento não publicada). Vila Real: Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro.

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Anexo I: Inquérito por questionário aos discentes sobre actividades de consciência linguística

1. À luz da experiência de elaboração e aplicação de actividades de consciência linguística que teve oportunidade de realizar na disciplina de «Leitura e Literacia», qual a importância que atribui à promoção destas actividades no âmbito das competências do Educador de Infância? (assinale apenas 1 opção)

Muita Bastante Pouca Nenhuma

2. Que benefícios considera advirem da promoção deste tipo de actividades junto de crianças em idade pré-escolar? Numere, por ordem de importância:

Entusiasma e motiva as crianças Melhora a capacidade articulatória das crianças Facilita o acesso à linguagem escrita Permite avaliar as capacidades linguísticas das crianças Outra (especifique)

3. Para além dos benefícios acima referidos, que outras vantagens considera decorrerem da promoção de actividades de consciência linguística com crianças em idade pré-escolar?

Forma lúdica de promover aprendizagens Possibilidade de trabalhar actividades em grande grupo Possibilidade de trabalhar em pequeno grupo Adaptabilidade a múltiplas situações pedagógicas

4. Como classifica a sua capacidade para conceber e implementar actividades de consciência linguística? (assinale apenas 1 opção)

Muita Bastante Suficiente Insuficiente

5. Em que circunstâncias considera que estas actividades devem ser implementadas na educação pré-escolar? (assinale apenas 1 opção)

Sempre que haja tempo para tal Sempre que tal seja oportuno Esporadicamente Apenas quando se trabalharem lengalengas ou poesias

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