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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO 2ª VARA CÍVEL - COMARCA DE XANXERÊ "É um sentimento de fracasso, de impotência, de você não saber para quem recorrer e não ter quem resolva essa problema. Todas as pessoas que eu contatei lavaram as mãos. Isso revolta" 1 . O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA, pelo Promotor de Justiça titular da 2ª Promotoria de Justiça de Xanxerê, com fundamento nos arts. 127 e 129, III, e 225 da Constituição da República, na Lei Municipal nº 2.919/2006 e na Lei Municipal nº 2.907/2006, além do art. 5º da Lei nº 7.347/85, e nas informações colhidas no Inquérito Civil Público nº 06.2013.00003883-6, propõe AÇÃO CIVIL PÚBLICA em face de: MUNICÍPIO DE XANXERÊ, pessoa jurídica de direito público, inscrita no CNPJ sob o nº 83.009.860/0001-13, com domicílio na rua José de Miranda Ramos, 455, Centro, representada por seu Prefeito Municipal, o sr. Ademir José Gasparini. 1 Depoimento de cidadã xanxerense à imprensa local em "Maus tratos: cão desnutrido e cheio de parasitas é resgatado por voluntários", site Tudo Sobre Xanxerê, matéria de 14 de fevereiro de 2013.

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Ação civil pública proposta para compelir o município a recolher e dar tratamento a animais abandonados.

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA

EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO 2ª VARA CÍVEL - COMARCA DE XANXERÊ

"É um sentimento de fracasso, de impotência, de você não saber para quem recorrer e não ter quem resolva essa problema. Todas as pessoas que eu contatei lavaram as mãos. Isso revolta"1.

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA

CATARINA, pelo Promotor de Justiça titular da 2ª Promotoria de Justiça de

Xanxerê, com fundamento nos arts. 127 e 129, III, e 225 da Constituição da

República, na Lei Municipal nº 2.919/2006 e na Lei Municipal nº 2.907/2006,

além do art. 5º da Lei nº 7.347/85, e nas informações colhidas no Inquérito

Civil Público nº 06.2013.00003883-6, propõe AÇÃO CIVIL PÚBLICA em

face de:

MUNICÍPIO DE XANXERÊ, pessoa jurídica de direito público,

inscrita no CNPJ sob o nº 83.009.860/0001-13, com domicílio na rua José de

Miranda Ramos, 455, Centro, representada por seu Prefeito Municipal, o sr.

Ademir José Gasparini.

1 Depoimento de cidadã xanxerense à imprensa local em "Maus tratos: cão desnutrido e cheio de parasitas é resgatado por voluntários", site Tudo Sobre Xanxerê, matéria de 14 de fevereiro de 2013.

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1. Objetivo da ação

Esta ação tem por objetivo obter provimento jurisidicional que,

diante da grave e reiterada omissão municipal, determine ao Município de

Xanxerê o cumprimento das normas previstas na Lei Municipal nº

2.907/2006, que incumbe à Secretaria Municipal de Saúde "exercer

atividades de controle de zoonoses e vetores de doenças", e na Lei Municipal

nº 2.919/2006 (Código de Posturas), que impõe ao Município o dever de

recolher e abrigar animais soltos nas ruas, praças, estradas ou caminhos

públicos.

Objetiva também a obtenção de liminar que determine, diante

da evidente omissão do Município, a adoção das providências práticas

necessárias ao integral cumprimento da legislação municipal em vigor, sob

pena de multa pessoal ao prefeito.

2. A reiterada omissão do Município de Xanxerê no controle de zoonoses e

animais abandonados

No curso de regular inquérito civil público, o Ministério Público

vem recebendo reiteradas reclamações que, ao longo das investigações,

demonstraram total omissão por parte do Município de Xanxerê no

cumprimento da legislação municipal de controle de zoonoses, mais

especificamente no que tange ao recolhimento de animais abandonados.

Em síntese, diversos cidadãos telefonam para o Ministério

Público, para órgãos da imprensa, para os Bombeiros, Polícia Militar e até

mesmo para o Grupo de Bem Estar Animal (organização da sociedade civil),

informando da existência de animais abandonados. As ligações sempre

contêm a mesma reclamação: um animal encontra-se abandonado na cidade,

com precário estado de saúde, e, apesar de o fato ser comunicado à

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Vigilância Sanitária Municipal, à Secretaria de Saúde ou até mesmo ao

Gabinete do Prefeito Municipal, nada é feito pelo Município para a solução do

problema.

Tais fatos, registre-se, já haviam sido comunicados ao Ministério

Público em 2011, quando, depois de algumas tratativas preliminares,

recomendou-se (fls. 21-22) ao então prefeito municipal o cumprimento da

legislação vigente.

Observou-se à época pequena melhora no atendimento das

reclamações do cidadão. Todavia, nos últimos doze meses a absurda

reiteração de reclamações e a exposição dos fatos na mídia vem

demonstrando que voltou-se à estaca zero.

Quando se fala em zero, Excelência, a expressão é literal. Não

há atualmente no Município de Xanxerê nenhum atendimento a animais

abandonados, maltratados, doentes; não há programa de castração; não há

local para acolhimento; não há serviço algum de recolhimento dos animais (fl.

4).

Nessa situação, a sociedade civil, constantemente chocada com

os fatos, tem procurado o Ministério Público para obter pelo menos o respeito

à legislação municipal em vigor, que é clara e precisa em impor, como é

natural, esta obrigação ao Município de Xanxerê.

Todavia, o que se observa é que, a par da completa omissão

municipal, o próprio Município vem transferindo este ônus seu aos

particulares, orientando os cidadãos que acorrem à prefeitura a se dirigirem

às poucas pessoas que, por nobreza de espírito, voluntariamente socorrem

com seus recursos próprios e em seu tempo livre os animais.

Esta situação, todavia, tornou-se insustentável. Não compete a

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particulares, a menos que por delegação, a prestação do serviço de controle

de zoonoses, o abrigamento de animais abandonados, a promoção da saúde

animal no Município. Este dever, conforme consta da legislação municipal, é

do próprio Município de Xanxerê, por intermédio da Vigilância Sanitária e da

Secretaria Municipal de Saúde.

Apenas para exemplificar, observe, Excelência, os documentos

de fls. 2, 42, 49, 50, 53, 54, 55, 61, 63, 68, 179, 182, 183, 184, 187, 189,

190, 191, 192, 206, 217, 225. Todos estes documentos demonstram casos

gravíssimos – a ponto de ensejar matérias jornalísticas – de animais que

foram encontrados abandonados, em precaríssimo estado de saúde, e,

mesmo assim, mesmo causando inclusive risco de doenças à sociedade, não

foram recolhidos nem mesmo atendidos pelos órgãos competentes do

Município de Xanxerê.

Chama a atenção o fato de o Comando da Polícia Militar se viu

obrigado a comunicar a omissão municipal ao Ministério Público, informando

que um cavalo estava abandonado em um imóvel no centro da cidade e,

"após contato com alguns órgãos e instituições deste município, e ante a

'negativa' de resolver o problema e abrigar o animal por parte daqueles

representantes, posto que a Polícia Militar não possui local para abrigá-lo e

consequentemente de profissionais capacitados para tratamento da sáude do

referido animal, encaminhamos a notícia e a documentação para as

providências que este representante do Ministério Público achar pertinentes"

(fl. 42).

Outro fato, dentre tantos outros, que chama a atenção é o caso

de um cão desnutrido e "cheio de parasitas", conforme a matéria jornalística

de fl. 187, que teve de ser resgatado por voluntários, já que, dos órgãos

públicos, apenas a Polícia Militar compareceu ao local. Uma das moradoras do

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bairro onde o fato ocorreu narrou o seguinte: "Liguei para a prefeitura e eles

disseram que não poderiam resolver. Não tem nenhum órgão de Xanxerê que

se responsabilize por um caso desses. É complicado, pois a gente não sabia

se ele tinha uma doença – conta a moradora. Após o caso, Rejane, que tem

cachorros em casa, disse que se sentia revoltada pelo fato de não ter a quem

pedir socorro numa situação dessas. - É um sentimento de fracasso, de

impotência, de você não saber para quem recorrer e não ter quem resolva

esse problema. Todas as pessoas que eu contatei lavaram as mãos. Isso

revolta – disse" (fl. 188-189).

Noutro caso semelhante, um cão de pequeno porte foi

encontrado na rua, agonizando, com as vísceras expostas. Conforme

cidadão ouvido pela imprensa, "nós ligamos para os Bombeiros e eles dizem

para ligar para a Vigilância Sanitária e eles dizem que só é responsável depois

que o cachorro morre. Eu já não sei mais o que fazer". Outro morador, na

mesma reportagem, informou que "ligamos para o Corpo de Bombeiros, foi

ligado para a Polícia Militar, ONG, para clínicas veterinárias, Prefeitura,

Vigilância Sanitária, Unoesc e ninguém fez nada" (fl. 191).

Estes casos não são isolados, Excelência. Ocorrem com

frequência quase semanal e, se não fosse pela boa vontade de voluntários e

dos vizinhos, os animais apodreceriam em público, já que o Município nada,

absolutamente nada tem feito para auxiliar.

Aliás, conforme a certidão de fl. 68, a situação chegou a cúmulo

de, ao ser comunicado o fato ao gabinete do Prefeito Municipal, a secretária

do Prefeito ter adotado a prática de simplesmente repassar ao cidadão o

telefone do Grupo de Bem Estar Animal de Xanxerê, uma organização civil

que não tem estrutura alguma e que não é concessionária do serviço público

de remoção e cuidados dos animais e, portanto, não tem a menor obrigação

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de executar tal atividade, embora esporadicamente preste auxílio

voluntariamente, por amor à causa.

O Ministério Público se reuniu diversas vezes com o Secretário

Municipal de Saúde na tentativa de consensualmente obter o respeito à

legislação municipal (fl. 24v). Nada de concreto até agora foi realizado.

Recomendou-se também ao Prefeito Municipal a adoção de

medidas minimamente razoáveis para a solução do problema, em ofício cuja

cópia consta à fl. 59, datado de 7 de maio de 2013. A recomendação foi

completamente ignorada e o Ministério Público não recebeu resposta até a

data de hoje, embora tenham sido diversas as reiterações.

A sociedade civil também se organizou em prol da causa,

levando ao conhecimento do Prefeito Municipal abaixo-assinado contendo

mais de 3200 assinaturas (quase 10% da população de Xanxerê), pedindo

providências ao Executivo Municipal para abrigamento, recolhimento,

esterilização, controle de zoonoses, convênios com entidades, recolhimento

de animais abandonados, veículos de tração animal, dentre outros (fl. 70).

3. Direito

A Lei Complementar nº 2.907/2006, que dispõe sobre a

estrutura administrativa municipal, determina competir à Secretaria de Saúde

"exercer atividades de controle de zoonoses e vetores de doenças"2. Toda a

legislação municipal encontra-se publicada no sítio da Câmara de Vereadores,

2 Art. 94 – A Secretaria de Saúde, órgão destinado a garantir atenção básica e vigilância em saúde tem como objetivo primordial o oferecimento de serviços médicos, odontológicos, de laboratórios e atendimento ambulatorial através das diversas especialidades, cuidando para a organização e os registros adequados e permanentes com vistas à melhoria das condições de vida da comunidade, e tem as seguintes competências principais: [...] d) exercer atividades de vigilância epidemiológica e sanitária, dentro de seu nível de competência e em consonância com outras esferas governamentais;e) exercer atividades de controle de zoonoses e vetores de doenças.

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requerendo o Ministério Público seja dispensado de apresentar cópias.

O Código de Posturas de Xanxerê (Lei Complementar nº

2.919/2006), por sua vez, determina que "Os animais soltos encontrados nas

ruas, praças, estradas ou caminhos públicos, serão recolhidos pelo órgão

municipal responsável e encaminhados ao depósito e/ou abrigo de animais da

municipalidade" (art. 141).

E mais adiante prevê que "Os cães e gatos que forem

encontrados nas vias públicas da cidade e vilas serão apreendidos e

recolhidos ao depósito e/ou abrigo de animais da Prefeitura" (art. 144).

Um pouco mais além o Código de Posturas estatui que "É

obrigação da Prefeitura Municipal em parceria com órgãos oficiais,

comunidade e órgãos privados, promover programas de esterilização de cães

e gatos, para evitar a natalidade" (art. 144, 4º).

E, a par de diversas outras normas a respeito, o Código de

Posturas determina que "Os cães e gatos hidrófobos ou atacados de moléstia

transmissível, encontrados nas vias públicas ou recolhidos nas residências de

seus proprietários serão imediatamente sacrificados e incinerados" (art. 147).

Como se vê, não há dúvida alguma de que compete ao

Município a execução deste importante trabalho de prevenção de doenças

(que não atingem só os animais, mas também humanos). Compete ao

Município, e mais especificamente à Secretaria Municipal de Saúde, o

recolhimento e abrigamento dos animais, com as respectivas providências

para restauração da saúde.

E, mais importante do que abrigamento de animais, compete ao

Município, como é clara a legislação, promover programas de esterilização

de cães e gatos para conter a natalidade. Esta é, a bem da verdade, a

providência mais importante, já que no curto prazo de 6 anos, conforme

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estudo publicado pela Organização Panamericana da Saúde, uma única cadela

e seus respectivos descendentes podem gerar até 73 mil novos animais. No

caso das gatas o número é ainda maior, já que as proles são maiores em

média3.

Não custa lembrar que o art. 23, VII, da Constituição da

República preconiza ser "competência comum da União, dos Estados, do

Distrito Federal e dos Municípios: [...] VII - preservar as florestas, a fauna e a

flora (art. 23). E também que "Todos têm direito ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à

sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o

dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações. § 1º -

Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: [...] VII -

proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que

coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies

ou submetam os animais a crueldade (art. 225).

A jurisprudência é pacífica em exigir do Município, em caso de

omissão constatada, como no caso de Xanxerê, a execução das medidas

necessárias ao controle de zoonoses e de animais abandonados.

ANIMAIS ABANDONADOS. RESPONSABILIDADE DO MUNICÍPIO. GUARDA. É da competência dos Municípios a guarda de animais domésticos abandonados por se tratar de medida sanitária para promoção da saúde pública. Art. 23, II, da CR. Incumbe-lhe indicar o local para remoção de cães e gatos abandonados que se encontram, irregularmente, em área residencial (Agravo de Instrumento nº 70041301458, rel. Desª Maria Isabel de Azevedo Souza, j. 23.2.2011).

Da leitura da íntegra deste primeiro precedente (fl. 260) já se

3 Zoonosis y enfermidades transmisibles comunes al hombre y a los animales", de Pedro Acha, (pág. 370, Publicación Científica y Técnica nº 580, ORGANIZÁCION PANAMERICANA DE LA SALUD, Oficina Sanitária Panamericana, Oficina Regional de la ORGANIZACIÓN MUNDIAL DE LA SALUD, 3º edição, 2003. Vide também http://quatropatas.org.br/castracao/

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verifica que, mesmo não havendo legislação tão clara como a de Xanxerê, e

mesmo havendo canil municipal (embora superlotado), o Tribunal de Justiça

do Rio Grande do Sul determinou ainda assim que o Município de Cruz Alta

providenciasse a remoção e o abrigamento dos animais.

Noutro caso, em ação movida pelo Ministério Público, também o

Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul manteve liminar que determinou ao

Município de Jaguarão a execução de programas para recolhimento de

animais abandonados e doentes:

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DETERMINAÇÃO AO MUNICÍPIO DE JAGUARÃO PARA CRIAR E MANTER EM FUNCIONAMENTO PROGRAMAS PARA QUE SEJAM RECOLHIDOS OS ANIMAIS ABANDONADOS E DOENTES, BEM COMO CRIAR MECANISMOS PARA MANTER E GARANTIR A INFRA-ESTRUTURA, COM CUIDADOS E ALIMENTAÇÃO ADEQUADA A ESSES ANIMAIS. AMPLIAÇÃO DO PRAZO PARA CUMPRIMENTO DA ORDEM. POSSIBILIDADE. MULTA DIÁRIA PARA O CASO DE DESCUMPRIMENTO DA DECISÃO JUDICIAL. REDUÇÃO DO QUANTUM ARBITRADO. CABIMENTO. APELO PARCIALMENTE PROVIDO (AC nº 70032160020, rel. Des. Francisco José Moesch, j. 4.8.2010).

Em São Paulo há diversos precedentes no mesmo sentido:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA ANIMAIS ABANDONADOS EM VIA PÚBLICA PROGRAMAS DE CONSCIENTIZAÇÃO CONSTRUÇÃO DE CANIL MUNICIPAL LEGISLAÇÃO E PRECEITO CONSTITUCIONAL QUE EXIGE O ENCARGO OBRIGACIONAL DO PODER PÚBLICO. DIREITO.

Não se nega o entendimento de que o juiz não pode substituir a Administração Pública no exercício do poder discricionário. Assim, fica a cargo do Executivo a verificação da conveniência e da oportunidade de serem realizados atos de administração.

Contudo, o poder discricionário concedido ao Poder Público não pode chegar ao ponto de permitir a ele se eximir de seus deveres fundamentais perante os administrados, observada

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aplicação calcada na razoabilidade.

Possibilidade do pleito ante a existência de política pública correlata (LM nº. 4.311/12), bem como existência de projeto técnico com reserva orçamentária para organizar o plano municipal de controle populacional de cães/gatos, bem como, também, na reserva para iniciar as obras de implantação do canil/gatil (centro de controle de zoonoses), com previsão orçamentária, na dotação para o ano de 2011.Procedência reconhecida. Recurso negado (AC nº 0005883-05-2012.8.26.0099, rel. Des. Danilo Panizza, j. 30.7.2013).

A liminar foi concedida neste caso, mesmo diante da existência

de ONGs que exerciam o serviço público mediante remuneração mensal pela

Administração de R$ 12.000,00, porque, ainda que muito à frente da

realidade de Xanxerê, para aquele município de Bragança Paulista (146 mil

habitantes) tais providências ainda eram insuficientes (acórdão às fls. 260 e

seguintes):

AGRAVO DE INSTRUMENTO AÇÃO CIVIL PÚBLICA LIMINAR DEFERIMENTO ANIMAIS ABANDONADOS EM VIA PÚBLICA FISCALIZAÇÃO GUARDA PROGRAMAS DE CONSCIENTIZAÇÃO ENCARGO DO PODER PÚBLICO PREVISÃO LEGAL E CONSTITUCIONAL, MANTENÇA. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE REVISÃO DE PRAZO E SUSPENSÃO DA MULTA ADMISSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO EM PARTE (AI nº 0120963-23.2012.8.26.0000, rel. Des. Danilo Panizza).

No Tribunal de Justiça de Santa Catarina os precedentes são

mais raros, até mesmo porque a maior parte dos municípios de médio e

grande porte dispõe de serviços razoavelmente eficientes a respeito.

Mesmo assim, colhe-se a orientação pretoriana segundo a qual

o recolhimento e abrigamento de animais abandonados é "obrigação

inequívoca do poder público local":

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE PRECEITO

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COMINATÓRIO. ÓRGÃO MUNICIPAL DE BEM-ESTAR ANIMAL QUE SE DECLAROU IMPOSSIBILITADO DE DAR CUMPRIMENTO A DECISÃO JUDICIAL DE ABRIGAR CÃES RECOLHIDOS E SOB OS CUIDADOS DOS AGRAVANTES, RÉUS EM FEITO MOVIDO POR VIZINHOS SEUS. OBRIGAÇÃO INEQUÍVOCA DO PODER PÚBLICO LOCAL. APLICABILIDADE DO DISPOSTO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL (ARTIGOS 23, VII, E 225, § 1º, VII) E NA LEI COMPLEMENTAR MUNICIPAL N. 94/2001 (ART. 9º, IV E V, E PARÁGRAFO ÚNICO). REFORMA DA DECISÃO QUE SE IMPÕE. PROVIMENTO DO AGRAVO PARA DETERMINAR AO MUNICÍPIO O RECOLHIMENTO, A GUARDA E A DESTINAÇÃO DOS REPORTADOS ANIMAIS (AI nº 2010.031714-0, Capital, rel. Des. João Henrique Blasi, j. 26.10.2010).

Por fim, cabe registrar que a pesquisa jurisprudencial

empreendida pelo Ministério Público logrou identificar precedente gaúcho em

que, diante da manifesta omissão, condenou-se o Município a indenizar os

custos comprovados por uma associação de defesa dos animais e obrigou-se

o município a construir abrigo adequado, com o pagamento mensal dos

custos da associação até a conclusão da obra:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA AJUIZADA POR ASSOCIAÇÃO PROTETORA DE ANIMAIS DO MUNICÍPIO DE CAMAQUÃ (Apaca). RESPONSABILIDADE DO MUNICÍPIO PELO RECOLHIMENTO, ABRIGO E TRATAMENTO DE ANIMAIS ABANDONADOS NAS RUAS DO MUNICÍPIO. OMISSÃO MANIFESTA DO ENTE PÚBLICO. INDENIZAÇÃO DA ASSOCIAÇÃO PELOS GASTOS DESPENDIDOS NO CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO DE NATUREZA PÚBLICA. IMPOSIÇÃO DA CONDENAÇÃO EM OBRIGAÇÃO DE FAZER. CONSTRUÇÃO DE ABRIGO EM LOCAL ADEQUADO. PRORROGAÇÃO DO PRAZO FIXADO. MANUTENÇÃO DO PAGAMENTO DOS CUSTOS PELO ABRIGO DOS ANIMAIS ATÉ A CONCLUSÃO DA OBRA.

Nos termos do art. 225, VII, c/c art. 23, VI e VII, e art. 30, V, todos da CF/88, recolher, abrigar, e dar tratamento adequado a animais domésticos abandonados nas vias públicas municipais,

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até como forma de se evitar a propagação de doenças aos munícipes. Manifesta omissão do Município de Camaquã no cumprimento de atribuição que lhe foi conferida, em nível de legislação municipal, pelos arts. 235 e 244 do Código de Posturas do Município (Lei Municipal nº 19/49).

Serviço público que vinha sendo prestado por Associação de proteção aos Animais, sediada no Município, em face da omissão do ente público, a ensejar a indenização do ente privado pelos gastos suportados com a manutenção dos animais encaminhados por Órgãos Públicos. Majoração do prazo para a construção de abrigo adequado, fixando-o em um ano, mantida a determinação de pagamento de valores pelos gastos suportados com a Associação com a prestação de serviço de natureza pública (AC nº 70023027758, rel. Des. Henrique Osvaldo Poeta Roenick, j. 26.3.2008).

Cita-se este precedente porque, além de o Código de Posturas

de Camaquã ser muito semelhante ao de Xanxerê, e ter o relator afirmado

ser "evidente a obrigação do Município de executar o serviço, de natureza

pública", o julgado evidencia a possibilidade de responsabilização civil e por

improbidade administrativa do Município e de seu Prefeito, pela omissão,

inclusive pelos prejuízos que possam advir da ausência dos serviços, de modo

que é imprescindível decisão judicial determinando o imediato cumprimento

da lei municipal.

Em outras palavras: caso continue o Município omisso, deixando

tudo a cargo da sociedade civil, sem qualquer organização, a jurisprudência

vem impondo o dever de indenizar os prejuízos causados. E, como se sabe,

configura improbidade administrativa "qualquer ação ou omissão, dolosa ou

culposa, que enseje perda patrimonial", inclusive "agir negligentemente na

conservação do patrimônio público" (art. 10, X, da Lei nº 8.429/92).

4. Necessidade de liminar

Ao expor as razões pelas quais o Ministério Público entende

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necessária a liminar, pede-se que Vossa Excelência assista aos vídeos

constantes do CD de fl. 243.

Estes vídeos foram trazidos ao Ministério Público pela Polícia

Militar e revelam a que ponto chegou a omissão do Município de Xanxerê.

Trata-se de um local que, na falta de atuação do Município, vinha sendo

utilizado irregularmente como depósito de cães, com reiterados maus-tratos e

abusos dos animais.

Excelência, assista ao vídeo (com som) para identificar o choro

de um pequeno cachorro amarrado com corda curta debaixo de chuva, sem

local adequado para se proteger. E de outro animal que estava dependurado

por uma corda, ganindo até a morte. Veja as fotos do animal morto

abandonado. O cidadão (ir)responsável foi autuado e celebrou transação

penal no Juizado Especial Criminal, conforme registram as cópias do

procedimento criminal. Mas a causa do problema – omissão do Município –

persiste.

A infelizmente comum ocorrência destes fatos está diretamente

ligada à falta de execução dos comandos normativos doe Código de Posturas

do próprio Município de Xanxerê. Decorrem da falta de um mínimo razoável

ao atendimento de animais abandonados, que acabam sendo simplesmente

jogados nas mãos de qualquer um que se disponha a acumular animais em

casa.

É por isto, para proteger a um só tempo o direito dos animais,

mas também o direito à saúde dos cidadãos, o direito ao meio ambiente

equilibrado e para a tonar efetivo o respeito pelos serviços de relevância

pública que o Ministério Público requer a concessão da liminar, já que,

qualquer dia a mais desta omissão constitui mais violações destes direitos,

mais abandono, mais sofrimento dos animais.

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Registre-se que os custos para a execução minimamente

razoável das normas municipais citadas é muito baixo, notadamente se

comparado a outros gastos aparentemente de importância inferior à saúde

pública, que vem sendo observados no Município de Xanxerê.

O Município de Jaraguá do Sul, por exemplo, que tem quase

quatro vezes a população de Xanxerê, orçou em R$ 74.800,00 anuais o custo

de uma campanha apenas para castração de 440 animais, ou seja, R$

6.233,00 mensais (fl. 267)

O orçamento apresentado ao Ministério Público pelo Grupo de

Bem Estar Animal (fl. 274) dá conta de que o custo de 10 castrações mensais

(número considerado excelente), 5 recolhimentos, 5 acolhimentos, 2

eutanásias de pequeno porte, 1 eutanásia de grande porte, 2 atropelamentos

e 2 maus-tratos de caninos e felinos, e 1 recolhimento, 2 ferimentos e pata, 2

tratamentos por desnutrição e 1 eutanásia para eqüinos e bovinos, o custo

mensal seria de R$ 4.940,00.

Esta e outras atividades como recolhimento e abrigamento

podem ser perfeitamente realizadas pelo sistema de registro de preços4.

Xanxerê, cidade polo na formação de veterinários, dispõe de diversas clínicas

veterinárias que, por preços módicos, fariam o serviço.

Enfim, a estimativa de gasto mensal do Município de Xanxerê

para cumprir a lei não ultrapassa R$ 5.000,00 mensais, valor ínfimo se

comparada a relevância da saúde pública e animal, por exemplo, à reforma

da pista de Kart, por exemplo, que custou R$ 123.000,00 do Município e mais

R$ 20.000,00 da Câmara, para um retorno social pequeno (fl. 270). Isso sem

falar no orçamento de R$ 2.000.000,00 para publicidade e propaganda do 4 Art. 15, II, da Lei nº 8.666/93, em que o Município estipula um valor mínimo razoável e os interessados se cadastram por aquele preço, havendo um rodízio de prestadores de serviço contratados, tal como é feito com os serviços de análises clínicas, por exemplo.

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Município5.

Evidentemente, aqueles que tiverem recursos para pagar as

castrações, vacinas e demais procedimentos médicos não poderão fazer jus

aos benefícios do programa. Apenas aquelas pessoas consideradas de baixa

renda ou os animais abandonados serão beneficiados com os recursos

públicos.

Vale lembrar que tamanha é a relevância destas ações de

tratamento de animais abandonados que a população xanxerense realizou

abaixo-assinado que, em pouco mais de dois meses colheu mais de 3200

assinaturas, ou seja, quase 10% da população, pedindo providências ao

Executivo Municipal para abrigamento, recolhimento, esterilização, controle

de zoonoses, convênios com entidades, recolhimento de animais

abandonados, veículos de tração animal, dentre outros (fl. 70).

5. Pedidos

Ante o exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE

SANTA CATARINA requer:

a) o recebimento e a autuação da inicial;

b) a concessão de liminar para determinar ao Município de

Xanxerê, no prazo de 45 dias, dar integral cumprimento às normas dos arts.

141, 144 e 147 do Código de Posturas de Xanxerê, concluindo, neste prazo,

sob pena de multa que se sugere de R$ 10.000,00 por mês, registro de

preços ou outro instrumento licitatório que julgar adequado para:

b1) no mínimo de 10 castrações mensais de cadelas e gatas,

para atender exclusivamente aos proprietários de baixa renda e aos casos

encaminhados pelo Grupo de Bem Estar Animal de Xanxerê;

5 http://www.xanxere.sc.gov.br/arquivosdb/licitacoes/0.196412001375304335_cp_0002_agen cia.pdf

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b2) recolhimento e acolhimento, com tratamento médico-

veterinário, de no mínimo 10 animais de grande e pequeno porte por mês;

b3) vacinação e desvermifugação de no mínimo 20 animais por

mês;

b4) eutanásia de no mínimo 5 animais por mês, caso necessário

mediante atestado de médico-veterinário;

b5) tratamento em caso de atropelamento para no mínimo 2

animais por mês;

b6) tratamento em caso de maus-tratos para no mínimo 22

animais por mês. Deve-se registrar que, caso não acorram ao registro de

preços interessados em número suficiente, os valores ofertados pelo

Município devem ser revistos no prazo de 30 dias.

c) a fixação de multa para o caso de descumprimento do item

"b" e das normas previstas nos arts. 141, 144 e 147 do Código de Posturas;

para ser efetiva, a multa deve incidir sobre cada omissão do Município, que se

considerará configurada em caso de ausência de providências no prazo de 4h,

mesmo em feriados, sábados ou domingos, sempre contados da comunicação

à Vigilância Sanitária Municipal por qualquer modo (telefone, e-mail,

pessoalmente); sugere-se que a multa tenha valor não inferior a R$

10.000,00 por ocorrência;

d) a citação do requerido, na pessoa de seu prefeito municipal

para, querendo, apresentar a defesa que entender pertinente;

e) a produção de todas as provas admitidas em juízo, a serem

especificadas no momento oportuno;

f) ao final, a confirmação da liminar e a condenação do

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Município de Xanxerê para que torne definitivo o programa de controle de

zoonoses e de proteção animal cujas linhas gerais constam no item "b", com

o pagamento das custas e despesas processuais, além de honorários

advocatícios, estes em favor do Fundo de Reconstituição de Bens Lesados.

Dá-se à causa o valor de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais)6.

Xanxerê, 30 de agosto de 2013

Eduardo Sens dos SantosPromotor de Justiça

6 Valor anual estimado para o cumprimento da legislação municipal da forma proposta.

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