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RDS XI (2019), 9-31 Acordos parassociais: prestações típicas, cumprimento e descumprimento PROF. DOUTOR GUSTAVO SAAD DINIZ * 1 Sumário: 1. Função do acordo de acionistas. 2. Conteúdo do acordo de acionistas: tipi- cidade e atipicidade. 3. Descumprimento: 3.1. Descumprimento de obrigações e execução especíca; 3.2. Descumprimento de acordo de voto. 4. Regência supletiva. 5. Conclusão. Resumo: Os acordos parassociais são pactos obrigacionais e patrimoniais entre os sócios, com regras de poder societário, do exercício do direito de voto, preferên- cias, investimentos, capitalização, composição de órgãos de administração, reuniões prévias entre controladores, dentre outras previsões típicas e atípicas. A legislação brasileira tem avançadas hipóteses para execução especíca das obrigações para lhes dar efetividade, com problemas que são enfrentados no presente estudo. Palavras-chave: Sociedades. Acordos parassociais. Tipicidade. Atipicidade. Exe- cução especíca. Abstract: Shareholders' agreements are compulsory and equity agreements bet- ween shareholders, with rules of corporate power, the exercise of voting rights, preferences, investments, capitalization, composition of management bodies, pre- vious meetings between controlling shareholders, among other typical and atypical clauses. The Brazilian legislation has advanced hypotheses for the specic enfor- cement of the obligations to give them eectiveness, with problems that are faced in the present study. Keywords: Societies. Shareholder agreements. Typical. Atypical. Specic enforcement. * Professor Associado de Direito Comercial da USP-FDRP. Doutor e Livre-Docente em Direito Comercial pela USP. Mestre em Direito pela Unesp/Franca. Advogado. Book Revista de Direito das Sociedades - 1 (2019).indb 9 Book Revista de Direito das Sociedades - 1 (2019).indb 9 19/11/19 10:56 19/11/19 10:56

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RDS XI (2019), 9-31

Acordos parassociais: prestações típicas, cumprimento e descumprimento

PROF. DOUTOR GUSTAVO SAAD DINIZ*

1

Sumário: 1. Função do acordo de acionistas. 2. Conteúdo do acordo de acionistas: tipi-cidade e atipicidade. 3. Descumprimento: 3.1. Descumprimento de obrigações e execução específi ca; 3.2. Descumprimento de acordo de voto. 4. Regência supletiva. 5. Conclusão.

Resumo: Os acordos parassociais são pactos obrigacionais e patrimoniais entre os sócios, com regras de poder societário, do exercício do direito de voto, preferên-cias, investimentos, capitalização, composição de órgãos de administração, reuniões prévias entre controladores, dentre outras previsões típicas e atípicas. A legislação brasileira tem avançadas hipóteses para execução específi ca das obrigações para lhes dar efetividade, com problemas que são enfrentados no presente estudo.

Palavras-chave: Sociedades. Acordos parassociais. Tipicidade. Atipicidade. Exe-cução específi ca.

Abstract: Shareholders' agreements are compulsory and equity agreements bet-ween shareholders, with rules of corporate power, the exercise of voting rights, preferences, investments, capitalization, composition of management bodies, pre-vious meetings between controlling shareholders, among other typical and atypical clauses. The Brazilian legislation has advanced hypotheses for the specifi c enfor-cement of the obligations to give them eff ectiveness, with problems that are faced in the present study.

Keywords: Societies. Shareholder agreements. Typical. Atypical. Specifi c enforcement.

* Professor Associado de Direito Comercial da USP-FDRP. Doutor e Livre-Docente em Direito Comercial pela USP. Mestre em Direito pela Unesp/Franca. Advogado.

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1. Função do acordo de acionistas**

Os acordos de acionistas são contratos típicos(a), plurilaterais(b), parassociais(c) e com função de regular pactos obrigacionais e patrimoniais entre os sócios(d) que extrapolem a essência do contrato social, mas que estejam limitados às características do tipo(e).

(a) os acordos de acionistas são considerados contratos típicos em razão de sua previsão específi ca em texto de lei, inclusive com função determi-nada e tutelas específi cas. Regulam o exercício do direito referente às ações em relação ao controle, ao voto minoritário e à negociabilidade1, além de outras prestações lícitas e atípicas de interesse das partes.

(b) apresentam-se as características da plurilateralidade2. Não se cuida de nova sociedade, até pela falta do componente de organização e partilha de resultados. Pode-se formar, no entanto, instância decisória especí-fi ca, em alguns casos defi nidora da moldura de poder societário3.

Apesar dessa compreensão, no direito inglês o shareholder agreement, a partir do caso Ebrahimi v. Westbourne Galleris Ltd4, muitas vezes é entendido como quase-partnership, em vista de formação de interesses comuns de contratantes, com vistas à partilha de resultados (mesmo que não formalmente contratados em sociedade)5.

(c) a descrição de pactos parassociais tem como base a clássica obra de Gior-gio Oppo, prevendo que são contratos coligados ao contrato de socie-

* O texto que ora se publica serviu de base à conferência proferida no I Congresso Luso-Brasileiro de Direito das Sociedades Comerciais que teve lugar em Porto Alegre (Brasil), nos dias 02 e 03 de outubro de 2017. O Congresso foi organizado pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, pelo Centro de Investigação de Direito Civil (CIDP) e pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Rio Grande do Sul. A coordenação científi ca foi assegurada pelos Senhores Professores Doutores Paula Costa e Silva, Diogo Costa Gonçalves e Catarina Monteiro Pires (FDL) e Gerson Luiz Carlos Branco e Luís Filipe Spinelli (UFRGS). 1 Carvalhosa, Modesto. Acordo de acionistas. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 21.2 Ascarelli, Tullio. Problemas das sociedades anônimas e direito comparado. São Paulo: Saraiva, 1945.3 Salomão Filho, Calixto. O novo direito societário. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 128.4 Ebrahimi v. Westbourne Galleries Ltd [1973] AC 360.5 No direito brasileiro, a existência de acordo de sócios sem a formalização de contrato de sociedade poderia ser fundamento de caracterização de sociedade em comum, que entre os sócios se prova por escrito (artigo 987 do CC).

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dade e de conteúdo obrigacional6. A orientação de Oppo, entretanto, relegou a interpretação dos acordos entre sócios a preceitos civilistas desvinculados de conteúdo societário, prejudicando a conexão entre pactos derivados do contrato de sociedade e outros previstos no acordo de acionistas. Em verdade, como constata Karsten Schmidt, os acordos de acionistas geram tanto efeitos obrigacionais como societários7. Essa mistura também permite concluir que a interpretação de pactos paras-sociais pode se valer de preceitos civilistas, inclusive pela pauta interpre-tativa dos artigos 110 a 114 do CC8, entre outros mais específi cos para a natureza empresarial do pacto9.

(d) a função do acordo de acionistas é regular pactos obrigacionais e patri-moniais entre os sócios, que perpassam as organizações societária, patri-monial e empresarial. As regras do acordo poderão cuidam do exercício do poder societário – como afi rma Calixto Salomão Filho, verdadeira “instância de poder societário”10 –, do exercício do direito de voto, preferências, investimentos, capitalização, composição de órgãos de administração, reuniões prévias entre controladores, dentre outras pre-visões típicas e atípicas [i. 2]. A regulação desse conteúdo pelo artigo 118 da LSA introduziu no Brasil11 a alternativa dos contratos parasso-ciais como técnica de agilização de decisões do controle, para redução de custos e para opção de uso exclusivo de holdings.

6 Oppo, Giorgio. Contratti parasociali. Milão: Vallardi, 1942. p. 82. Nessa linha, prevendo o “collegamento funzionale con il contratto di società, anche se da quest’ultimo separato strutturalmente” (Alberti, Alberto Maff ei. Commentario breve al Diritto delle Società. 3. ed. Vicenza: Wolters Kluwer, 2015. p. 277). No direito brasileiro: Guerreiro, José Alexandre Tavares. Execução específi ca do acordo de acionistas. Revista de Direito Mercantil, n. 41, p.40-68, janeiro-março/1981. p. 40.7 Schmidt, Karsten. Gesellschaftsrecht. 4. ed. Köln: Heymanns, 2002. p. 94. Textualmente: “Die allseitige Bindung hat also nicht bloß schuldrechtliche, sondern verbandrechtliche (im Fall einer Körperschaft: korporative) Wirkungen!”.8 O STJ português também assim interpretou: “(...) 3. Na interpretação do acordo de accionistas (“S... A...”), expressamente previsto no artigo 17.º do CSC, não obstante a estreita redacção do artigo 2.º deste mesmo diploma legal, sobre o direito subsidiário a aplicar, deve observar-se o regime geral dos contratos e do negócio jurídico, recorrendo-se às normas da interpretação da declaração negocial” (Acórdão do STJ, 2.ª Secção, 22.09.2011, proc. n.º 44450/04.3YYLSB-A.L1.S1, em Disponível em: http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/5d04edbe33c07c0680257913004d4129?OpenDocument. Consultado em 11.09.2017.9 Craveiro, Mariana Conti, op. cit., p. 201-204.10 Salomão Filho, Calixto, op. cit., p. 128-passim.11 A respeito da disciplina inovadora e rompimento com incompreensão do artigo 302 do CCom, que dispunha: “Toda a cláusula ou condição oculta, contrária às cláusulas ou condições contidas no instrumento ostensivo do contrato, é nula”: Craveiro, Mariana Conti. Contratos entre sócios. São Paulo: Quartier Latin, 2013. p. 66.

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O direito brasileiro avançou muito em tema de acordos de acionistas com o texto do artigo 118 da LSA. Em muitos países nem se regula o tema e em outros, como Portugal, após a superação da resistência quanto aos pactos12, procura-se manter a uniformidade característica do sistema europeu13 com o conteúdo do artigo 17 do Código de Sociedades Comerciais:

Artigo 17.º(Acordos parassociais)

1 – Os acordos parassociais celebrados entre todos ou entre alguns sócios pelos quais estes, nessa qualidade, se obriguem a uma conduta não proibida por lei têm efeitos entre os intervenientes, mas com base neles não podem ser impugnados actos da sociedade ou dos sócios para com a sociedade.

2 – Os acordos referidos no número anterior podem respeitar ao exercício do direito de voto, mas não à conduta de intervenientes ou de outras pessoas no exercício de funções de administração ou de fi scalização.

3 – São nulos os acordos pelos quais um sócio se obriga a votar: a) Seguindo sempre as instruções da sociedade ou de um dos seus órgãos;b) Aprovando sempre as propostas feitas por estes; c) Exercendo o direito de voto ou abstendo-se de o exercer em contrapartida

de vantagens especiais.

Percebe-se do conteúdo da legislação portuguesa a preocupação do legis-lador com a legitimação dos efeitos entre os sócios dos acordos parassociais, vedando-lhes a contrariedade à lei ou mesmo a sobreposição a atos próprios de deliberações societárias ou a direitos essenciais dos sócios. Admite-se que o exercício do direito de voto seja pactuado14, sendo vedado, todavia, o pacto

12 Trigo, Maria da Graça. Acordos parassociais. In: IDET. Problemas do direito das sociedades. Coimbra: Almedina, 2003. p. 170.13 Com a implementação constante de blocos, a omissão nas regras de pactos parassociais transnacionais pode trazer consequências. Mesmo no direito europeu, a omissão de regulamentos pode restringir as consequências dos pactos somente para questões concorrenciais, conforme constatou Modesto Carvalhosa (op. cit., p. 67). Ainda no caso da Sociedade Europeia (SE), prevista no Regulamento n.º 2.157 de 8 de outubro de 2001, relega-se ao direito nacional de cada estado-parte cuidar dos acord\os, conforme prevê o artigo 9 da Regra Geral de Conexão da Comunidade Europeia. A SE unifi ca o tipo, mas os acordos ainda continuam com suas regras dissipadas entre os diversos ordena-mentos dos estados-membros. Também no direito europeu se encontra pendente de aprovação a Quinta Diretiva de uniformização de direito societário, com conteúdo específi co sobre acordos de acionistas, que já infl uenciou alguns ordenamentos como no caso do artigo 17 do CSC português (Craveiro, Mariana Conti, op. cit., p. 76).14 Trigo, Maria da Graça, op. cit., p. 171. Também são admitidos os acordos de “transmissibili-dade das participações sociais (denominadas ‘convenções de bloqueio’), e os acordos em que as par-

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sobre os atos inerentes à administração e ao business judment rule. De outro lado, a lei sanciona com a pena da nulidade a obrigação de voto seguindo instruções e propostas da sociedade ou de seus órgãos ou o exercício da votação com vistas à obtenção de contrapartidas. Quanto ao incumprimento, afi rma Maria da Graça Trigo ser o grande problema dos acordos parassociais portugueses e a aponta: “ Não oferece difi culdades particulares o recurso às sanções previstas no próprio acordo para o caso de incumprimento: aplicação de pena convencional; fun-cionamento da opção de aquisição-alienação de participações sociais etc; ou a fi xação de uma indenização nos termos gerais da responsabilidade contratual, se bem que nem sempre seja fácil calcular o montante dos danos. Mas a via mais interessante seria a da obtenção do cumprimento forçado da obrigação assumida, o que se mostra especialmente relevante a propósito da violação das vinculações de voto”15.

No direito alemão, a AktG não tem regra específi ca sobre os acordos paras-sociais ou laterais entre os sócios (Nebenverträge ou Nebenabrede). Em verdade, a admissão do pacto decorre do conteúdo do §23 da AktG, que cuida do con-teúdo restrito e fechado para o estatuto16, mas permite que sejam estipuladas validamente disposições complementares (Ergänzende Bestimmungen), contanto que não contrariem a legislação (§23, 5, AktG17) e nem tampouco sigam instru-ções de voto da sociedade ou dos administradores (§136 AktG) ou impliquem comércio de voto (§405 AktG)18. Modesto Carvalhosa aponta a vedação do confl ito de interesses (Interessenwiderstreit), previsto no §136, 1, AktG, ao dis-por que “ninguém pode exercer, para si ou para outrem, seu direito de voto, quando a decisão visar desonerá-lo ou desobrigá-lo de uma obrigação assumida, ou em face de uma eventual pretensão que a sociedade possa exercer contra ele”19. Ainda no direito alemão, orienta Mariana Conti Craveiro que a omissão da lei de sociedades limitadas (GmbHG) admite os pactos parassociais nesse tipo societário, desde que não impliquem contrariedade ao contrato social20.

tes regulam entre si aspectos da atividade da empresa, com ou sem interferência na vida interna da sociedade” (op. cit., p. 171).15 Trigo, Maria da Graça, op. cit., p. 173.16 Drygala, Tim; Staake, Marco; Szalai, Stephan. Kapitalgesellschaftsrecht. Heidelberg: Springer, 2012. p. 374.17 §23, 5: (1)Die Satzung kann von den Vorschriften dieses Gesetzes nur abweichen, wenn es ausdrücklich zugelassen ist. (2)Ergänzende Bestimmungen der Satzung sind zulässig, es sei denn, daß dieses Gesetz eine abschließende Regelung enthält.18 Carvalhosa, Modesto, op. cit., p. 160. Craveiro, Mariana Conti, op. cit., p. 77.19 Carvalhosa, Modesto, op, cit., p. 161. Trigo, Maria da Graça, op. cit., p. 175.20 Craveiro, Mariana Conti, op. cit., p. 77. Também: Carvalhosa, Modesto, op. cit,. p. 27.

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No direito italiano a regulação é feita pelos artigos 2.341-bis e 2.341-ter do Codice Civile. A primeira regra admite pacto parassocial com duração de até cinco anos para exercício de direito de voto, transferência de ações e exercí-cio conjunto de infl uência dominante. Não se discute mais a legitimação para o voto dado em assembleia com base no pacto parassocial, mas sim eventual dano provocado à companhia por exercício do voto com confl ito de interes-ses (artigo 2.373 do Codice Civile)21. O descumprimento de obrigações pac-tuadas permite tanto a exigência de execução específi ca do artigo 2.932 do Codice Civile, como o suporte processual do artigo 700 do Codice de Procedura Civile22 23.

Já o artigo 2.341-ter cuida da publicação de pacto parassocial para socieda-des que se valem do mercado de capitais. Assim, o acordo deve ser comunicado à sociedade e declarado na abertura de cada assembleia. A falta de cumprimento desse requisito permite a impugnação do voto e anulação da deliberação na forma do artigo 2.377 do mesmo código.

(e) o limite da autonomia da vontade entre os sócios, além da licitude dos fi ns e não revogação de direitos de terceiros, está pautado pelas carac-terísticas do tipo societário, de modo que um acordo de acionistas não pode servir de instrumento para fraude de regras cogentes das socieda-des anônimas ou de qualquer dos tipos que o adote. Como exemplo de licitude é a manutenção de vedação de votos para ações preferenciais, seguindo o previsto no artigo 111 da LSA24.

21 Alberti, Alberto Maff ei, op. cit., p. 277.22 Alberti, Alberto Maff ei, op. cit., p. 278. Conforme noticia Carvalhosa, os Tribunais italianos não admitem que o voto nas assembleias possa ser objeto de medida judicial por ser obrigação de fazer infungível. Representaria na fase cautelar, ainda, uma decisão de conteúdo mais amplo que aquela proferida no julgamento de mérito (Carvalhosa, Modesto, op. cit., p. 342-343).23 Fuori dei casi regolati nelle precedenti sezioni di questo capo, chi ha fondato motivo di temere che durante il tempo occorrente per far valere il suo diritto in via ordinaria, questo sia minacciato da un pregiudizio imminente e irreparabile, può chiedere con ricorso al giudice i provvedimenti d'urgenza, che appaiono, secondo le circostanze, più idonei ad assicurare provvisoriamente gli eff etti della decisione sul merito.24 “Não é ilegal disposição de acordo de acionistas que prevê que as ações preferenciais não gozarão de direito de voto, conforme admite o caput do artigo 111 da LSA. Ausência de violação dos artigos 82 e 145, II, do Código Civil de 1916” (STJ – 3.ª T. – REsp n.º 818.506 – Rel. Min. Nancy Andrigui – Rel. p/ acórdão João Otávio de Noronha – j. 17/12/2009).

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Não há relação de acessoriedade entre o contrato social (estatuto)25 26 e o acordo de acionistas, já que os objetos e as funções dos contratos são distintos e as obrigações contraídas são de certa forma autônomas entre si. Ademais, a nuli-dade do contrato social não necessariamente trará impactos sobre o conteúdo do acordo de acionistas. Pode-se afi rmar, todavia, existir entre eles uma conexão causal e funcional com autonomia formal. Nesse sentido, o acordo de acionistas está ligado ao contrato social, porque a sociedade é a causa das obrigações pactuadas (causa societas), divergindo-se nesse ponto com a corrente de Giorgio Oppo que restringe o pacto parassocial ao direito obrigacional27. Por outro lado, cuida-se de contratos com completa autonomia entre si, separados “na fonte e na efi cá-cia”28, inclusive em termos de exigência de cumprimento de obrigações.

Importante compreender que há característica de dependência do acordo de acionistas à manutenção de vínculos societários, o que afeta diretamente a sua efi cá-

25 Diferente da regra alemã, o conteúdo do estatuto de sociedade anônima no Brasil deverá satisfazer os requisitos de contratos de sociedades, regulando, entre outros: (a) denominação social (artigo 3.º da LSA e artigo 1.160 do CC); (b) objeto, defi nido de modo preciso e completo (artigo 5.º da LSA); (c) sede; (d) prazo de duração da sociedade; (e) determinação do número de ações nominativas em que se divide o capital social, além da espécie (ordinária, preferencial e de fruição), classe das ações e se terão valor nominal ou não, e a forma nominativa (artigo 11 e seguintes da LSA); (f) funcionamento da assembleia geral (artigos 121 e seguintes da LSA); (g) composição dos órgãos de administração, o que inclui o conselho de administradores (nos casos pertinentes) e diretores em número mínimo de dois, além de suas funções e o modo de sua substituição (artigo 143 da LSA); (h) conselho fi scal e o seu funcionamento (artigo 161 da LSA); (i) exercício social e distribuição de lucros; (j) regras para a dissolução da sociedade. Tal conteúdo avoca matérias próprias para o estatuto e relega conteúdo mais específi co ou diverso para o acordo de acionistas. 26 O direito alemão optou por técnica diversa, porque o conteúdo do §23 da AktG tem regramento mais restrito, relegando ao acordo de acionistas disciplina ampla do relacionamento entre os sócios. Deve o estatuto prever, conforme §23, (3): Die Satzung muß bestimmen

1. die Firma und den Sitz der Gesellschaft;2. den Gegenstand des Unternehmens; namentlich ist bei Industrie- und Handelsunternehmen die

Art der Erzeugnisse und Waren, die hergestellt und gehandelt werden sollen, näher anzugeben;3. die Höhe des Grundkapitals;4. die Zerlegung des Grundkapitals entweder in Nennbetragsaktien oder in Stückaktien, bei

Nennbetragsaktien deren Nennbeträge und die Zahl der Aktien jeden Nennbetrags, bei Stückaktien deren Zahl, außerdem, wenn mehrere Gattungen bestehen, die Gattung der Aktien und die Zahl der Aktien jeder Gattung;

5. ob die Aktien auf den Inhaber oder auf den Namen ausgestellt werden;6. die Zahl der Mitglieder des Vorstands oder die Regeln, nach denen diese Zahl festgelegt wird.

27 Oppo, Giorgio, op. cit., p. 11 e 88. Com orientação profunda sobre a infl uência societária: Craveiro, Mariana Conti. Contratos entre sócios. São Paulo: Quartier Latin, 2013. 28 Salomão Filho, Calixto, op. cit., p. 127.

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cia29. Em outros termos, ele não produzirá efeitos em caso de dissolução, falên-cia, liquidação e extinção da sociedade30. Também deixará de produzir efeitos ao sócio que se retirar da sociedade, salvo em casos de não concorrência ou outros efeitos lícitos pretendidos após o rompimento do vínculo societário31.

2. Conteúdo do acordo de acionistas: tipicidade e atipicidade

O artigo 118 da LSA prevê quatro hipóteses de conteúdo que não são exaustivas, mas que, para produzir efeitos para a companhia e em alguns casos para outros sócios32, dependem de arquivamento em sua sede. Tais são os acor-

29 O acordo de acionistas produz efeitos diretos sobre quem o subscreve e sobre a companhia, quando depositado na sede. Instado a se manifestar sobre efeitos do acordo sobre parte que não assinou o acordo, o TJSP não atribuiu força executiva ao contrato, mas reconheceu como documento para instruir ação de cobrança de valores prometidos na avença: “(...) Ocorre que a embargante não assinou o “acordo de acionistas”, sendo impossível reconhecer a existência de confi ssão de dívida (artigo 585, II, primeira e segunda parte). Tampouco há previsão legal da executividade do mencionado acordo de acionistas porque, como se viu, o artigo 118, § 3.º, da LSA, prevê o cumprimento forçado de obrigação específi ca ou resultado prático equivalente. E o que se pretende aqui é diverso: o recebimento de quantia certa. Não bastasse a falta de previsão legal no rol taxativo do artigo 585, falta liquidez ao documento, pois embora estipulado o valor inicial da gratifi cação mensal vitalícia, seria necessária dilação probatória para apuração dos índices e periodicidade de reajustes, vinculados aos índices e reajustes dos salários de funcionários da sociedade embargante, fatores não informados nestes autos. [...]A falta de executividade do acordo de acionistas não impede, porém, que o crédito seja buscado em processo de conhecimento, ressaltando-se a existência de sentença de procedência condenando a embargante ao restabelecimento dos pagamentos das gratifi cações (fl . 688-690) até a decisão assemblear que deliberou pela cessação dos pagamentos (fl . 288-289)” (TJSP – Ap. n.º 1004271-36.2014.8.26.0037 – Rel. Des. Ricardo Negrão – j. 03.08.2015).30 No REsp n.º 388.423, em acórdão relatado pelo Min. Salvio de Figueiredo Teixeira, o STJ admitiu a resolução do acordo de acionistas por inadimplemento em julgamento anterior à alteração feita no artigo 118 pela Lei n.º 10.303 de 2003. Considerou-se causa de inexecução geral de obrigações e quebra de aff ectio societatis, sem que isso fosse obstáculo também à execução específi ca de obrigação : “I – Admissível a resolução do acordo de acionistas por inadimplemento das partes, ou de inexecução em geral, bem como pela quebra da aff ectio societatis, com suporte na teoria geral das obrigações, não constituindo impedimento para tal pretensão a possibilidade de execução específi ca das obrigações constantes do acordo, prevista no artigo 118, § 3.º da Lei 6.404/76” (STJ – 4.ª T. – REsp n.º 388.423/RS – Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira – j. 13/05/2003).31 Barbi Filho, Celso, op. cit., p. 35.32 Observe-se o caso julgado pelo TJSP, com produção de efeitos para outros acionistas não convenentes e que foram atingidos por vedação de transferência de ações: “ACORDO DE ACIONISTAS – Contrato plurilateral que vincula a todos os sócios, impedidos de transferir suas ações a blocos distintos, mesmo aqueles que não o fi rmaram, condição irrelevante desde que oportunamente não se opuseram. Operação nitidamente perniciosa aos interesses da sociedade em

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dos – chamados típicos – sobre a compra e venda de suas ações, preferência para adquiri-las, exercício do direito a voto ou do poder de controle, que deverão ser observados pela companhia quando arquivados na sua sede. Esse conteúdo, reitere-se, não é exaustivo, até por serem possíveis diversos outros pactos entre os sócios. A preocupação do legislador, em relação a esses tópicos, foi garantir acesso prévio de conteúdo em razão dos impactos sobre interesses de tercei-ros afetados por decisões irradiadas do acordo. Forma-se para a companhia o direito de solicitar aos membros do acordo esclarecimento sobre as cláusulas do pacto (artigo 118, §11, da LSA), de modo a conhecê-lo com precisão, dar estrito cumprimento às cláusulas e, por vezes, promover impugnação judicial ao conteúdo caso entenda haver algum vício33. Entende a doutrina, com des-taque para Nelson Eizirik34, que os acordos atípicos não foram incluídos na redação do caput do artigo 118, determinando que a sua obrigatoriedade para a companhia decorre da tipicidade e arquivamento na sede35.

A oponibilidade repercutirá em terceiros somente depois de averbados nos livros de registro e nos certifi cados das ações, se emitidos (artigo 118, §1.º, da LSA)36. A publicidade, de outro lado, pode ser alcançada, consoante artigo 118, §5.º, por meio do relatório anual, porque “os órgãos da administração da companhia aberta informarão à assembleia geral as disposições sobre política de reinvestimento de lucros e distribuição de dividendos, constantes de acordos de acionistas arquivados na companhia”.

A compra e venda de ações e a preferência para aquisição podem ser pactuadas como conteúdo do acordo e devem ser arquivadas na sede da companhia por-que implicam alteração no quadro de sócios e, às vezes, na composição do con-trole societário. Dessa maneira, dois ou mais sócios ou holdings componentes

benefício de interesses pessoais” (TJSP – Apelação n.º. 0276755-72.2009.8.26.0000. Rel. Gilberto de Souza Moreira. J. 02/02/2011).33 “(...)A sociedade também tem legitimidade passiva para a causa em que se busca o cumprimento de acordo de acionistas, porque terá que suportar os efeitos da decisão; como na espécie em que o cumprimento do acordo implicaria na cisão parcial da sociedade” (STJ – REsp n.º 784.267 – 3.ª T. – Rel.ª Min. Nancy Andrighi – DJU 1 17.09.2007).34 EIZIRIK, Nelson. Acordo de acionistas – arquivamento na sede social – vinculação dos administradores de sociedade controlada. Revista de Direito Mercantil, n. 129, p. 45-53, Janeiro-Março/2003. p. 46.35 Tal posição é relativizada por Fabio Konder Comparato: Comparato, Fabio Konder. Novos ensaios e pareceres de direito empresarial. Rio de Janeiro: Forense, 1981. p. 61-62.36 “(...) O arquivamento do acordo de acionistas na sede da companhia impõe à própria sociedade o dever de observância quanto ao que fora pactuado, inclusive perante terceiros quando averbados nos livros de registro e nos certifi cados das ações, se emitidos, consoante o disposto no § 1.º do artigo 118 da Lei n.º 6.404/1976 (...)” (STJ – 3.ª T. – REsp n.º 1.620.702 – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – j. 22/11/2016). Em doutrina: Eizirik, Nelson, op. cit., p. 47.

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do controle podem ajustar entre si a venda das ações ou instrumentos que lhes garantam a preferência da compra, como o direito de primeira oferta (right of fi rst off er), condições como o call option (direito de comprar ações da outra parte), put option (dever de comprar ações da outra parte), lock up provision (restrições de vendas de ações por determinado prazo), look back provisions (ressarcimento a minoritários se o controlador logo em seguida à compra, vende o controle da companhia), full ratchet clause (obriga o controlador a ressarcir minoritário em caso de diluição de participação motivada por determinadas decisões), cláu-sula de não competição por determinado prazo após a saída de sócio, tag along (direito de acompanhar a venda do controlador por preço semelhante) e drag along (direito de arraste de minoritários em caso de venda do controle).

Há liberdade de conteúdo, contudo, baseada na atipicidade contratual sis-têmica do artigo 425 do CC37.

À regulação do controle e dos votos, que adquiriram maior frequência, podem ser somadas previsões de proteção e atuação minoritária em bloco; poderes de escolha individuais de conselheiros em órgãos da sociedade; fi xa-ção de alçadas e elevação de quóruns para matérias específi cas; determinação de prazos e volume de fl uxos de informações entre os sócios e administrado-res; estabelecimento de auditorias permanentes; cláusulas de não concorrên-cia e vedação de contratação de funcionários estratégicos; práticas éticas e de compliance.

3. Descumprimento

Conforme afi rmado por Karsten Schmidt, o problema dos acordos de sócios está centrado na força e no cumprimento efetivo dos pactos38.

Mesmo sendo regra com natureza societária, o conteúdo dos acordos paras-sociais inclui obrigações fi nalisticamente voltadas a dar coisas certas e incertas (artigos 233 e seguintes do CC), a fazer (artigos 247 e seguintes do CC), a não fazer (artigos 250 e seguintes) e prestar declaração de vontade39 que emolduram todo o processo obrigacional40 até a satisfação do preceito. Tais são os exemplos

37 Artigo 425. É lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fi xadas neste Código.38 Schmidt, Karsten, op. cit., p. 95.39 Guerreiro, José Alexandre Tavares, op. cit, p. 45. Nesse sentido, prevê o atual artigo 501 do CPC: “Na ação que tenha por objeto a emissão de declaração de vontade, a sentença que julgar procedente o pedido, uma vez transitada em julgado, produzirá todos os efeitos da declaração não emitida”.40 Nesse sentido, é sempre importante anotar a doutrina de Clovis do Couto e Silva, na busca do cumprimento de um processo obrigacional, destacado em fases (a) de nascimento e desenvolvimento

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de entrega de ativos e tecnologias pelo sócio (dação de objeto certo); produção de volumes determinados, sob pena de implemento de condição suspensiva de aquisição de ações (put option); abstenção de concorrência.

Em todos os casos, a implementação da obrigação acaba sendo condicio-nada pelo sistema geral de cumprimento e satisfação de obrigações, inclusive a execução específi ca de ordem processual, ressalvadas hipóteses de autotutela previstas no próprio artigo 118 da LSA. Ressalve-se, todavia, que em matéria societária é normalmente preferível a execução específi ca e rápida da obrigação de fazer ou não fazer, em vista da inefi ciência econômica que a simples con-versão em perdas e danos do artigo 247 do CC e artigos 536 e 537 do CPC pode gerar. Diz-se execução específi ca porque o ideal é a obtenção da pretensão específi ca e o resultado prático equivalente àquele lançado na cláusula do acordo parassocial41.

3.1. Descumprimento de obrigações e execução específi ca

Consoante se dessume do artigo 118, §3.º, da LSA, o descumprimento de cláusulas – típicas ou atípicas – poderá ser resolvido por meio de execução específi ca de obrigações (fazer e não-fazer), na forma dos artigos 497 e seguin-tes no cumprimento de sentença e artigos 814 e seguintes do CPC em caso de execução, com pedido de multa punitiva42 (astreinte) a ser fi xada pelo juiz – ou

dos deveres e (b) de adimplemento (SILVA, Clovis V. do Couto. A obrigação como processo. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. p. 43).41 Guerreiro, José Alexandre Tavares, op. cit., p. 45. Ao analisar a legislação brasileira em suas origens de aplicação do artigo 118 da LSA, constatou Celso de Albuquerque Barreto: “As obrigações convencionais usualmente previstas no acordo de acionistas, de prestação de fato ou abstenção de ato, não são daquelas que poderiam se classifi car como infungíveis, ou seja, não dependem do requisito personalíssimo do devedor para seu cumprimento. São, no mais dos casos, obrigações jurídicas de proferir votos em determinado sentido nas assembleias de acionistas, de dar preferência aos demais participantes do acordo em caso de venda de suas ações e outras ligadas à condição de acionista. Tais obrigações podem, assim, ser exigidas especifi camente do devedor, e o sentido do artigo 118, §3.º, da Lei n.º 6.404, de 1976, ao ensejar ‘execução específi ca’ às obrigações assumidas no acordo de acionistas, parece ser excluir a liberação pelo devedor do cumprimento da obrigação assumida com o simples pagamento das perdas e danos. O credor é que fi ca com a faculdade, com a opção, de exigir o cumprimento específi co da obrigação, ou o pagamento de perdas e danos” (BARRETO, Celso de Albuquerque. Acordo de acionistas. Rio de Janeiro: Forense, 1982. p. 70). Entende Mariana Conti Craveiro que obrigações infungíveis exequíveis seriam de prestar declaração ou de concluir contrato (Craveiro, Maria Conti, op. cit., p. 131).42 Gajardoni, Fernando da Fonseca (et. al). Execução e recursos: comentários ao CPC. São Paulo: Método, 2017. p. 183.

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árbitro, em caso de cláusula compromissória – por período de atraso no cum-primento do preceito cominatório. Conforme prevê o artigo 816 do CPC, se o sócio que descumprir o acordo (executado) não satisfi zer a obrigação no prazo designado, é lícito ao sócio prejudicado pelo inadimplemento, nos próprios autos do processo, requerer a satisfação da obrigação à custa do executado ou perdas e danos, hipótese em que se converterá em indenização. Em caso de ação de conhecimento, o artigo 497 do CPC determina que o juiz “concederá a tutela específi ca ou determinará providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente”. A conversão em perdas e danos, preveem os artigos 499 e 500, somente ocorrerá se o autor a requerer ou se impossível a tutela específi ca ou a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente, sem prejuízo da multa fi xada para compelir o réu ao cumprimento do preceito cominatório.

Orienta Modesto Carvalhosa: “o §3.º do artigo 118 da lei societária brasi-leira invoca a execução judicial ou arbitral específi cas das obrigações de fazer, representada pela obrigação de prestar o contratante declaração predeterminada nos acordos de voto (de controle e minoritário), e de a parte celebrar contrato regular de compra e venda de ações, nos acordos de bloqueio (preferência e opção)”43.

Em termos de tomada de decisões com urgência, deve ser considerada a mudança feita pelo novo CPC. Há nova estrutura para a tutela provisória, com o desdobramento de tutelas de urgência e de evidência e que, numa só quadra, absorveram as regras do processo cautelar e da tutela antecipada do CPC/73 e, ainda, trouxeram, além de outros pressupostos para se concatenar com as emergências das contendas societárias, a possibilidade de obtenção de tutela da evidência (artigo 311 do CPC/2015). Persiste o objetivo de garantir a utilidade do processo e evitar a perda de direitos em razão do fl uxo do tempo, mas tais fatores deverão ser compatibilizados com a realidade de direito material. As tutelas provisórias podem ser utilizadas cautelarmente para assegurar medidas de arrolamento de bens, mas com nítido caráter antecipado nos casos de venda de ativos isolados ou em conjunto do estabelecimento para assegurar que não ocorram perdas substanciais com a dissolução44.

43 Carvalhosa, Modesto, op, cit., p. 331.44 Ressalve-se, por pertinente, que na criticada disciplina da dissolução parcial, foram aglutinadas as ações consagradas entre os comercialistas, conforme afi rmam Erasmo Valladão A. N. França e Marcelo von Adamek: “(i) a ação de dissolução parcial stricto sensu, demanda de carga predominantemente constitutivo-negativa, e (ii) a ação de apuração de haveres, de carga condenatória” (França, Erasmo Valladão A. N.; Adamek, Marcelo Vieira von, op. cit., p. 17).

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Em casos com fi xação de cláusula compromissória de arbitragem no acordo de acionistas, avoca-se ao juízo arbitral a decisão do acordo. Entretanto, a chan-cela de exequatur ainda é dada ao Poder Judiciário. Pouco depois da aprovação do CPC/2015, foi promulgada a Lei n.º 13.129/2015, que alterou a Lei de Arbitragem. Para tanto, inseriu os artigos 22-A e 22-B, que passaram a regular as tutelas cautelares e de urgência no procedimento arbitral45. Na qualidade de lei especial posterior, passou a reger a matéria e a compatibilização entre os regimes se faz necessária.

Pelo artigo 22-A, caput, da Lei de Arbitragem, as partes podem pedir medida cautelar ou de urgência para assegurar resultado útil do procedimento arbitral. Tal medida se justifi ca porque o cumprimento da decisão continua sendo feito pelo Poder Judiciário. Com a extinção do processo cautelar, a medida dispo-nível é a tutela de urgência conservativa, com a obrigação de instituição da arbitragem no prazo de 30 dias, contado da data de efetivação da respectiva decisão (artigo 22-A, parágrafo único, da Lei de Arbitragem). Essa interpreta-ção permite a compatibilização dos ritos. De interessante é que, uma vez insti-tuída a arbitragem, caberá aos árbitros manter, modifi car ou revogar a medida cautelar ou de urgência concedida pelo Poder Judiciário (artigo 22-B, caput, da Lei de Arbitragem). Se a arbitragem já tiver sido instituída, a tutela de urgência ou cautelar será requerida diretamente aos árbitros, com o exequatur promovido pelo Poder Judiciário46.

Alguns casos elucidam a execução específi ca, incluindo efeitos contra a companhia quanto arquivado47: (a) cumprimento de obrigação para garantia de direito de subscrição de ações preferenciais, gerando-se sentença constitutiva apta ao cumprimento do preceito48; (b) cumprimento de obrigação pactuada

45 No direito anterior, admitindo a antecipação de efeitos da tutela pelo árbitro: Müssnich, Francisco Antunes Maciel; Travassos, Marcela Maff ei Quadra. Medidas liminares em arbitragens e sociedades limitadas. In: Yarshell, Flavio Luiz (et. al.). Processo societário. São Paulo: Quartier Latin, 2012. p. 248.46 Diniz, Gustavo Saad; Gajardoni, Fernando da Fonseca. Tutelas provisórias e negócios jurídicos processuais em matéria societária. In: Ribeiro, Marcia Carla Pereira (et. al.) (org.). Direito empresarial e o novo CPC. Belo Horizonte: Forum, 2017. p. 241.47 Decidiu o TJRS: “I – Acordo de acionistas que envolve participação acionária de mais de 80% do capital social de holding, dividida entre três grupos de acordantes, devidamente arquivado na companhia, comporta execução específi ca das obrigações assumidas (artigo 11, par 3, da Lei 6404/76) e, assim, constitui-se em prova inequívoca da qual decorre verossimilhança de alegação, aos efeitos do artigo 273 do CPC (...)” (TJRS – 17.ª Câm Cível – Agravo de Instrumento n.º 70001191741 – Rel. Des. Fernando Braf Henning Júnior – j. 07/11/2000).48 “(...) 2. A execução deve limitar-se ao título executivo judicial obtido com o julgamento da apelação, cujo acórdão foi prolatado no âmbito de ação ordinária ajuizada para reconhecimento do direito da promovente à subscrição de ações preferenciais, com base em cláusula do acordo de acionistas, afastando-se a incidência da regra do artigo 171, § 1.º, a, da Lei n. 6.404/76. 3. Ao julgar procedente

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entre as partes para cisão parcial prevista no acordo, com efi ciência da decisão garantida por bloqueio de ativos da sociedade cindida para reversão à sociedade criada49; (c) reconhecimento de simulação em caso de burla de preferência na aquisição de ações, garantindo-se a efetividade da cláusula do acordo de blo-queio50; (d) restrição ao ingresso de acionista no estabelecimento51; (e) cumpri-

a ação, o Tribunal não criou título executivo judicial para garantir o cumprimento integral do acordo de acionistas e viabilizar, desse modo, sua execução específi ca (LSA, artigo 118, § 3.º), mas apenas garantiu o atendimento dos pedidos nos limites em que formulados na exordial. (...) 5. Com isso, nada obsta à autoridade impetrada prosseguir na execução do título judicial, nos limites delineados no v. acórdão do Tribunal de Justiça, adotando as medidas que entender necessárias. 6. Recurso ordinário parcialmente provido” (STJ – 4.ª T. – RMS n.º 2369/RS – Rel. Min. Raul Araújo – j.18/09/2012).49 “Direito Processual Civil e Direito Comercial. Ação cautelar. Acordo de acionistas. Cisão parcial. Sociedade cindida. Patrimônio social. Bloqueio de parte dos ativos. Sufi ciência. – Julgado procedente o pedido deduzido no processo principal para condenar os demandados à efetivação de cisão parcial prevista em acordo de acionistas, basta à garantia de efetividade dessa decisão o bloqueio da parte dos ativos da sociedade cindida que serão revertidos ao patrimônio da pessoa jurídica a ser criada” (STJ – MC n.º 4220/RJ – Rel. Min. Ari Pargendler – Rel. p/ acórdão Min Nancy Andrigui – j. 13/08/2002).50 “(...) 2. O acordo de bloqueio, ainda que entabulado apenas pelos acionistas majoritários, deve ser respeitado por quem se obrigou a não efetuar a compra das ações sem antes conceder o direito de preferência, nada importando se o vendedor tinha ciência da avença em questão. 3. Há simulação, causa de nulidade do negócio jurídico, quando, com o intuito de ludibriar terceiros, o negócio jurídico é celebrado para garantir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem ou transmitem. 4. Hipótese em que, diante da impossibilidade de aquisição das ações diretamente pelo acionista principal, que se comprometera a observar o direito de preferência, o negócio jurídico operou-se por intermédio de seu fi lho, com dinheiro aportado pelo pai” (STJ – 3.ª T. – REsp n.º 1.620.702 – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – j. 22/11/2016).51 “Muito embora se pudesse cogitar de sérias difi culdades para a implementação da medida, no âmbito da empresa, até e porque a sociedade era familiar, diversamente do assinalado na sentença, o acordo de acionistas vincula também a empresa, desde que arquivado um exemplar inteiro na sede social, consoante o magistério de Modesto Carvalhosa, bem como o de Alexandre Tavares Guerreiro e Egberto Lacerda Teixeira . No caso, sobreleva o fato de que a Companhia anuiu ao acordo como interveniente (fl s. 33), sendo certo que o acordo está registrado na sede da empresa. Desse modo e ainda que se vislumbre sérias difi culdades praticas na exequibilidade do acordo, força é convir que os acionistas assim o deliberaram e a empresa está vinculada a tal pacto, de forma que deve impedir a entrada dos litigantes e familiares em sua sede, sob pena de multa, ressalvadas as exceções previstas no próprio acordo. Ora, se o acordo vincula a empresa, com muito maior razão obriga os acionistas que o fi rmaram. [...] No que toca aos requeridos, tem-se que, conquanto a empresa tenha caráter eminentemente familiar, força é convir que o acordo livremente estipulado e fi rmado pelos acionistas deve ser por eles respeitado, de forma a que não ingressem nas dependências da sociedade nem mesmo seus familiares, sendo certo que não há nisso nenhuma violação a seus direitos de acionistas, mesmo porque detém eles poder de fi scalização dos atos da empresa, por meio dos mecanismos a tanto concernentes, como corretamente assinalado pelo egrégio juízo” (TJSP – Ap. n.º 9069801-35.2009.8.26.0000 – Rel. Des. A. C. Mathias Coltro – j. 16.09.2009).

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mento da obrigação de transferência de ações preferenciais, ainda que decor-rido muito tempo depois de implementada a mora52; (f) em doutrina, mostra-se atual a constatação de José Alexandre Tavares Guerreiro de que ajustes prévios de transferência de ações podem caracterizar contrato preliminar e, havendo os requisitos essenciais para concretização do negócio (artigo 462 do CC), fi cam sujeitos à execução em espécie e pode o juiz “a pedido do interessado, suprir a vontade da parte inadimplente, conferindo caráter defi nitivo ao contrato preli-minar”53 (artigo 464 do CC).

Outra discussão que se coloca é a previsão de suspensão de direitos de acio-nista em razão do descumprimento de preceito legal ou estatutário, conforme artigo 120 da LSA54. Ao se admitir efeitos societários no acordo de acionistas, Fabio Konder Comparato conclui ser possível também a aplicação da penali-dade assemblear de suspensão do direito do acionista que descumpre obrigação acessória do acordo de acionistas, como no caso de transferência de tecnologia ou fornecimento de insumos55.

Finaliza-se com a anotação do artigo 139, inciso IV, do CPC em vigor, que atribui ao juiz “determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, manda-mentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária”. Tra-ta-se da previsão do dever de efetivação, que permitirá adotar “medidas induti-vas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento da ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária (astreintes, bloqueio de bens móveis, imóveis, de direito e de ativos fi nanceiros; restrição de direitos; prolação de decisões substitutivas da declaração de vontade etc)”56.

52 “A circunstância de as providências para a regularização das transferências acordadas haverem sido somente agora adotadas – dezoito anos depois das aquisições, se considerada a data das notifi cações subscritas pelo patrono do autor (fl s. 48/50) – sugere a existência de divergência atual e não pretérita entre as partes, a indicar o recente rompimento das relações comerciais entre ambas, o que não impede, em absoluto, seja exigido o cumprimento do acordo havido” (TJSP – AP. n.º 9209926-53.2009.8.26.0000 – Rel. Des Des. Vito Guglielmi – j. 07.05.2009).53 Guerreiro, José Alexandre Tavares, op. cit., p. 52-53.54 Artigo 120. A assembleia geral poderá suspender o exercício dos direitos do acionista que deixar de cumprir obrigação imposta pela lei ou pelo estatuto, cessando a suspensão logo que cumprida a obrigação.55 Craveiro, Maria Conti, op. cit., p. 106.56 Gajardoni, Fernando da Fonseca (et. al.). Teoria geral do processo: comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Forense, 2015. p. 458.

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3.2. Descumprimento de acordo de voto

Embora permitam execução especifi ca57, em caso de acordos de voto há maior complexidade derivada de poderes atribuídos ao presidente de conclave ou em função da omissão de acionista (artigos 118, §§8.º e 9.º, da LSA). Garante-se a efi ciência da cisão entre a propriedade da ação e o exercício do direito de voto, que pode ser dado a outro acionista.

Não se trata de procuração – regulada no artigo 117, §7.º, da LSA – porque no caso do mandato seria o próprio acionista a votar, mas representado pelo procurador. No acordo de acionistas com pacto de voto, atribui-se a outro acionista o direito de se manifestar em assembleia com relação a determinada matéria ou mesmo precedido de reunião prévia entre os acionistas do acordo58. Dessa forma, no direito brasileiro é possível que o voto seja permitido a pessoa determinada pelo acordo de acionistas, a quem é dado o papel de computar o volume de votos das ações componentes do acordo, formando a deliberação e, em alguns casos, atuando com o papel de controlador.

Identifi ca-se, igualmente, o problema de descumprimento de tal preceito. A lei atua de duas maneiras:

(a) em caso de cisão do direito de propriedade e do voto, com atribuição do exercício do voto a sócio participante do acordo arquivado na com-panhia, o artigo 118, §8.º, da LSA, autoriza ao presidente da assembleia ou do órgão de deliberação da companhia não computar o voto profe-rido com infração do acordo de acionistas – expediente que Modesto Carvalhosa chamou de autotutela ou coercibilidade interna corporis inse-rida pela alteração da Lei n.º 10.303, de 200159. Em outros termos, o voto que contrariar o acordo simplesmente será desconsiderado para a formação da deliberação, sob pena de declaração de invalidade caso seja decisivo para alcance da maioria na matéria votada.

Ainda sobre o conteúdo do voto, o STJ, no julgamento do REsp n.º 1.152.849, em acórdão da lavra do Min. João Otávio de Noronha, consolidou entendimento de que “(...) o acordo de acionistas não pode predeterminar o voto sobre as declarações de verdade, aquele que é meramente declaratório da legitimidade dos atos dos administradores, restringindo-se ao voto no qual se emita declaração de vontade”.

57 Carvalhosa, Modesto, op. cit., p. 331.58 Eizirik, Nelson, op. cit., p. 49.59 Carvalhosa, Modesto, op. cit., p. 245.

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Sustenta José Alexandre Tavares Guerreiro, que poderá o presidente do órgão colegiado desconsiderar voto proferido com confl ito de interesses, em cumprimento do artigo 156 da LSA60.

(b) a segunda maneira ocorre em caso de não comparecimento de sócio à assembleia ou a reuniões dos órgãos de administração, além de absten-ção de voto. Nesse caso, o artigo 118, §9.º, da LSA assegura à parte do acordo prejudicada pelo comportamento do sócio omisso o “direito de votar com as ações pertencentes ao acionista ausente ou omisso e, no caso de membro do conselho de administração, pelo conselheiro eleito com os votos da parte prejudicada”. Modesto Carvalhosa orienta que a autotutela criada legitima o cumprimento de acordo de controle “caso haja algum signatário dissidente ou administrador renitente no conselho de administração e na diretoria que, por isso, procuram obstruir a res-pectiva deliberação”. Continua o jurista que nem se pode arguir falta de legitimidade substitutiva, “na medida em que a vontade do acionista já foi manifestada quando fi rmou o acordo de controle, pelo qual se com-prometeu a votar em bloco, diretamente na assembleia ou por represen-tantes da comunhão nos órgãos de gestão da companhia, nas matérias relevantes expressas no respectivo pacto”61. Em caso do exercício de voto com abuso ou com confl ito de interesses (artigo 115 da LSA), legitima-se o acionista omisso ou ausente que se sinta prejudicado pelo voto exercido com base no artigo 118, §9.º, da LSA62.

Ambos preceitos (§§8.º e 9.º, do artigo 118) valem também para adminis-tradores em colegiados, com a “suspensão da efi cácia desse voto abusivo (§8.º) ou a execução específi ca mediante autotutela (§9.º)”63.

Nos casos de acordo de voto há atribuição de força executiva às obrigações de fazer contidas no acordo de acionistas, de modo que a parte do acordo que se sentir prejudicada poderá promover diretamente ação de execução de obri-gação (artigo 118, §3.º, da LSA), seja com o percurso de processo de conheci-mento e o cumprimento da sentença para tutela do objeto prático equivalente previsto no artigo 497 do CPC ou com base nos artigos 814 e seguintes do

60 Guerreiro, José Alexandre Tavares. Abstenção de voto e confl ito de interesses. In: Kuyven, Luiz Fernando Martins. Temas essenciais de direito empresarial: estudos em homenagem a Modesto Carvalhosa. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 690-691.61 Carvalhosa, Modesto, op. cit., p. 246.62 Carvalhosa, Modesto, op. cit., p. 259.63 Carvalhosa, Modesto, op. cit., p. 250.

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CPC64. A ação não suprirá o conteúdo do voto ou a manifestação de von-tade do sócio, mas poderá ser utilizada para realização de reuniões prévias, por exemplo. Modesto Carvalhosa avança mais, no sentido de admitir o cumpri-mento e respeito ao conteúdo de deliberação em reunião prévia do bloco de controle:

Daí a legitimidade judicial ou arbitral da comunhão para propor a demanda contra os seus signatários dissidentes sobre todas as matérias decididas em reu-nião prévia, sejam relevantes ou extraordinárias, sejam ordinárias. Essa legitimidade impositiva do voto também alcança a hipótese de o signatário do acordo de con-trole ser também administrador da companhia, quando estará obrigado a votar nos respectivos órgãos (conselho de administração e diretoria) conforme o decidido majoritariamente em reunião prévia, seja matéria ordinária, seja matéria relevante ou extraordinária65.

Mesmo que haja o pacto para que o voto seja exercido por outro sócio convenente, o acordo não poderá ser invocado para eximir o acionista de res-ponsabilidade no exercício do direito de voto (artigo 115) ou do poder de controle (artigo 116 e 117), conforme prevê expressamente o artigo 118, §2.º, da LSA. Assim, com a cisão do direito de voto, a responsabilidade por exercício abusivo do controle ou atuação contra o interesse da sociedade é personalíssima do acionista que anuiu com o voto proferido por sócio componente do acordo de voto.

O acordo de acionistas poderá ser pactuado por tempo determinado ou indeterminado. Nesta hipótese, poderá ser denunciado a qualquer tempo. Naquela, extingue-se o acordo pelo advento do termo fi nal. Não há impedi-tivo, na lei, de que ocorram condições suspensivas e resolutivas pactuadas no acordo. Prevê o artigo 118, §6.º, da LSA, que o “acordo de acionistas cujo prazo for fi xado em função de termo ou condição resolutiva somente pode ser denunciado segundo suas estipulações”. Há vinculação específi ca dos sócios convenentes em relação à condição resolutiva, operando-se a extinção somente nessa hipótese prevista.

Alguns casos auxiliam na compreensão e delimitação de extensão dessa autotutela: (a) no acordo de votos, não pode ocorrer predeterminação de con-teúdo ou vinculação ao que determina o controlador e nem tampouco declarar

64 Marcelo M. Bertoldi entende haver hipóteses de manejo de ação de execução, sem necessidade de fase congnitiva: Bertoldi, Marcelo M., op. cit., p. 156.65 Carvalhosa, Modesto, op. cit., p. 333.

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previamente a legitimidade de ato de administradores66; (b) respeito a acordo de voto para composição de órgãos de administração67.

A saída de execução específi ca dos acordos de voto pode ser confrontada com a alternativa do Sindicato Azionario do direito italiano. O voto do repre-sentante do acordo (o chamado síndico) ocorre em conformidade com a orien-tação dos convenentes ou seguindo a orientação do próprio síndico, se assim o permitir o acordo.

De outro lado, pode ser comparado com o Voting Trust e do Pooling Agree-ment do direito norte-americano. No Voting Trust há execução imediata do direito de voto porque a titularidade das ações é transferida à fi gura do trustee, representante do trust formado para o fi m de exercício de poder político. Em relação ao Pooling Agreement, admitem-se reuniões prévias e sigilosas para fi rmar orientação do voto, sem a intermediação de um trustee68. Percebe-se, nos dois casos, uma exequibilidade instantânea distinta do shareholder agreement69, que depende, em essência, de aferição de specifi c performance e injunction.

66 Assim decidiu o STJ: “(...) 3. A votação de matéria não publicada na ordem do dia implica nulidade apenas da deliberação, e não de toda a assembleia. 4. Quando da convocação para a assembleia geral ordinária, não há necessidade de publicação da aquisição temporária do direito de voto pelas ações preferenciais (artigo 111, § 1.º, da LSA – voto contingente). (...) 6. O acordo de acionistas não pode predeterminar o voto sobre as declarações de verdade, aquele que é meramente declaratório da legitimidade dos atos dos administradores, restringindo-se ao voto no qual se emita declaração de vontade. 7. Recurso especiais desprovidos” (STJ – 3.ª T. – REsp n.º 1.152.849/MG – Rel. Min. João Otávio de Noronha – j. 07/11/2013).67 “(...) II – Prevendo tal acordo que a Diretoria da holding será constituída por três Diretores, cada um deles, indicado por um dos grupos acordantes, os votos daquela participação acionária restam vinculados. Assim, se a Diretoria é eleita por composição de Diretores de apenas dois dos grupos, é de ser deferida tutela antecipada que, adequando a decisão soberana da Assembleia Geral, determina a substituição de um dos Diretores indicado duplamente por um dos grupos, por outro indicado pelo grupo não representado. III- Da mesma forma, prevendo o acordo a indicação de um Conselheiro para cada grupo nas sociedades controladas, impõe-se o deferimento de medida que cumpra o acordo de acionistas (...)” (TJRS – 17.ª Câm Cível – Agravo de Instrumento n.º 70001191741 – Rel. Des. Fernando Braf Henning Júnior – j. 07/11/2000).68 Bertoli, Marcelo M., Acordo de acionistas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 23.69 As legislações societárias são estaduais. Entretanto, é possível analisar o §7.32 do Model Business Corporation Act (MBCA), que oferece alguns parâmetros de uma média entre as legislações:

§ 7.32 SHAREHOLDER AGREEMENTS(a) An agreement among the shareholders of a corporation that complies with this section is

eff ective among the shareholders and the corporation even though it is inconsistent with one or more other provisions of this Act in that it:

(1) eliminates the board of directors or restricts the discretion or powers of the board of directors;

(2) governs the authorization or making of distributions whether or not in proportion to ownership of shares, subject the limitations in section 6.40;

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Constata Modesto Carvalhosa que o direito norte-americano se desenvolve para garantir real efi cácia aos acordos de acionistas após o reconhecimento de sua plena licitude. Afi rma o comercialista: “no direito norte-americano, embora a specifi c performance seja semelhante à injuction, o princípio da sua aplicação é de que, quando a reparação por perdas e danos constitui remédio inadequado para compensar a quebra de um contrato, o convenente será compelido a cumprir especifi camente aquilo a que se obrigou a fazer. Conceitua-se a specifi c perfor-mance como o remédio pelo qual uma parte contratante é compelida a fazer precisamente o que deveria ter feito, antes de ser coagido ao seu não cumpri-mento”70. Por outro lado, a injuction é medida de equidade concedida pelos Tribunais com o objetivo de fi xar penalidades permanentes ou temporárias para garantir a implementação da decisão judicial e do próprio contrato.

Superadas as resistências, os shareholders agreements passaram a ser prática fre-quente no meio societário e na construção da jurisprudência dos EUA. Exem-plo foi a decisão da Suprema Corte de Illinois no caso Galler v. Galler, de 196471. Pleiteou-se specifi c performance de cláusula de acordo de sócios para nomeação de diretores da companhia, que foi garantida pelo órgão julgador, em respeito ao histórico de precedentes que garantiam nomeação de diretores pelos contro-ladores72. Outras decisões são interessantes na construção do acordo de sócios: (a) em Averitt v. Ledbetter Roofi ng & Heating Co. v. Phillps, a Corte da Carolina

(3) establishes who shall be directors or offi cers of the corporation, or their terms of offi ce or manner of selection or removal;

(4) governs, in general or in regard to specifi c matters, the exercise or division of voting power by or between the shareholders and directors or by or among any of them, including use of weighted voting rights or director proxies;

(5) establishes the terms and conditions of any agreement for the transfer or use of property or the provision of services between the corporation and any shareholder, director, offi cer or employee of the corporation or among any of them;

(6) transfers to one or more shareholders or other persons all or part of the authority to exercise the corporate powers or to manage the business and aff airs of the corporation, including the resolution of any issue about which there exists a deadlock among directors or shareholders;

(7) requires dissolution of the corporation at the request of one or more of the shareholders or upon the occurrence of a specifi ed event or contingency; or

(8) otherwise governs the exercise of the corporate powers or the management of the business and aff airs of the corporation or the relationship among the shareholders, the directors and the corporation, or among any of them, and is not contrary to public policy. (…)

70 Carvalhosa, Modesto, op. cit., p. 340. 71 32 Ill. 2d 16 (1964). 203 N.E.2d 57772 Interessante a reminiscência da decisão aos precedents, consolidando a construção jurisprudencial do contrato naquele Estado norte-americano: “Faulds v. Yates, 57 Ill. 416, decided by this court in 1870, established the general rule that the owners of the majority of the stock of a corporation have the right to select the agents for the management of the corporation. This court observed 57 Ill. 416,

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do Norte entendeu que a interpretação de acordos de sócios para alienação de ações devem ser interpretados estritamente73; (b) a mesma corte em Hilco Trans-port Inc v. Atkins garantiu a cláusula de buy or sell compelindo acionista a vender as ações uma vez implementada a condição do acordo74.

4. Regência supletiva

Há celeuma na jurisprudência sobre a regência supletiva do artigo 118 da LSA em relação aos demais tipos societários. Centra-se a interpretação no con-teúdo do artigo 997, parágrafo único, do CC, que prevê: “É inefi caz em rela-ção a terceiros qualquer pacto separado, contrário ao disposto no instrumento do contrato”.

Nesse sentido, expõe Mariana Conti Craveiro que o artigo 118 da LSA “não se aplica subsidiariamente a contratos parassociais de outros tipos socie-tários, ou seja, esses outros contratos não têm o condão de produzir os efeitos legais de que são dotados os acordos de acionistas”75. Negam-se os efeitos espe-cífi cos da LSA, embora seja preservada a execução específi ca, de resto, seme-lhante a todos os contratos com obrigações de fazer e não fazer. A restrição de aplicação supletiva e analógica está fi xada na autotutela do artigo 118, §9.º, da

421): “It is strange that a man can not, for honest purposes, unite with others in the protection and security of his property and rights without liability to the charge of fraud and inequity”.In Higgins v. Lansingh, 154 Ill. 301, 357, this court again recognized the right of majority owners of stock to combine to secure the board of directors in the management of the corporation. There, the court went further and denied *23 the corporation and some of its stockholders the right to question the validity of an issue of preferred stock not provided for in the corporate charter, where the stockholders authorized the issue, the corporation paid dividends on it and all treated it as valid for 22 years.In Kantzler v. Bensinger, 214 Ill. 589, decided in 1905, the issue of statutory violation was raised, and this court again followed Faulds v. Yates, emphasizing and quoting the following (p. 598):

“In Faulds v. Yates, 57 Ill. 416, it was objected that an agreement between certain persons owning a majority of the stock of a corporation that they would elect the directors and manage the business was against public policy. There were other stockholders, but they made no objection” (...)Again, in 1913, this court in Venner v. Chicago City Railway Co. 258 Ill. 523, 539, followed the Faulds case and said: “There is no statute of this State which prohibits a trust of the stock of a corporation for the purpose of controlling its management. There is no rule of public policy in this State which prohibits the combination of the owners of the majority of the stock of a corporation for the purpose of controlling the corporation”. (…)

73 Averitt v. Ledbetter Roofi ng & Heating Co. v. Phillips, 85 North Carolina App. 248, 251, 354 S.E.2d 321, 323 (1987)74 Hilco Transport Inc. v. Atkins, 2015 , NCBC, 44.75 Craveiro, Mariana Conti, op. cit., p. 75.

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LSA, já que implica restrição de direitos de terceiros sem previsão específi ca na legislação, desautorizando a extensão de intepretação para outros tipos como sociedades simples, limitadas e cooperativas.

A restrição do artigo 997, parágrafo único, do CC, inibe a efi cácia de pac-tos parassociais que sejam contrários ao contrato social e, naturalmente, às regras legais do tipo. Nada impede que sejam especifi cados pactos complementares ao contrato, com cláusulas de bloqueio e patrimoniais que sejam compatíveis com o tipo societário.

5. Conclusão

1 – O direito brasileiro apresentou importante evolução legislativa com a regulação do acordo de acionistas, essencialmente um pacto parassocial de conexão causal e funcional com o contrato social (estatuto), mas com auto-nomia formal para regular conteúdo obrigacional e patrimonial com natureza societária [i. 1].

2 – É essencial constatar que na regulação do artigo 118 da LSA foram previstas prestações típicas que envolvam “compra e venda de suas ações, pre-ferência para adquiri-las, exercício do direito a voto, ou do poder de controle”. Nada obsta, entretanto, que sejam estipuladas obrigações atípicas. Em ambos os casos, a lei encaminha para o enforcement de cumprimento específi co das obriga-ções pactuadas [i. 2], sendo esse, entrementes, o grande problema dos acordos de sócios [i. 3].

3 – O primeiro grupo de regras – materiais e instrumentais – conjuga o artigo 118, §3.º da LSA com os artigos 497 e 814 e seguintes do CPC, além do sistema arbitral, para alcançar a implementação efetiva da obrigação [i. 3.1]. Com o advento de nova codifi cação do processo civil, foram atribuídos pode-res de efetivação ao juiz para efetivação das medidas, tanto no artigo 134, inciso IV, como no artigo 536 do CPC. Tais medidas podem incluir coerções indire-tas e suspensão de direitos de acionistas [i. 3.1].

4 – Em caso de descumprimento de acordo de voto, o artigo 118, §§8.º e 9.º da LSA prevê a desconsideração do voto proferido em assembleia em con-trariedade ao acordo e o direito de votar com as ações pertencentes ao acionista ausente ou omisso, em evidente hipótese de autotutela e exercício imediato do direito com exigência de efi cácia do acordo durante o próprio acordo [i. 3.2].

5 – A experiência estrangeira – seja com as opções de civil law [i. 1], seja com o sistema common law [i. 3.2] – busca instrumentos de efetivação dos pactos parassociais, hoje largamente aceitos.

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6 – O direito brasileiro poderia avançar com os acordos parassociais para outros tipos societários, especialmente as sociedades limitadas, superando o impasse da aplicação supletiva irrestrita da LSA em relação aos demais modelos [i. 4].

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