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Acorde, tem um desconhecido mandando na sua vida Vivemos semidespertos e nosso inconsciente toma muitas das nossas decisões. Como sair desse estado? Victor Lisboa Mente e atitude 125 LIKES 0 TWEETS 47 GOOGLE + 58 COMENTÁRIOS

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Acorde, tem um desconhecido mandando na sua vidaVivemos semidespertos e nosso inconsciente toma muitas das nossas decises. Como sair desse estado?

Victor LisboaMente e atitude 125LIKES

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Nossos atuais Mecenas: O Experimento BarghO modo como voc anda, o quo persistente voc , qual seu nvel de egosmo e at mesmo o que voc comprar no supermercado: sinto muito, mas quem decide essas coisas banais e outras tantas mais importantes no voc.Em 1996, o psiclogoJohn Barghrealizou um experimento simples mas de implicaes perturbadoras. Ele dividiu voluntrios em dois grupos e pediu que formassem frases com palavras dadas por sua equipe. Mas um dos grupos tinha uma peculiaridade: sem perceberem, algumas dessas palavras eram relacionadas velhice (esquecido, careca, ruga, etc). Em seguida, Bargh pedia que todos os voluntrios caminhassem at outra sala, mais distante, informando que l haveria mais testes, e cronometrava secretamente o tempo que levavam no percurso.Por incrvel que parea, os voluntrios do grupo com palavras associadas velhice caminhavam mais lentamente que os do outro grupo, como se fossem idosos. Posteriormente, todos os voluntrios disseram no ter percebido as palavras relacionadas velhice e tampouco notado algo de pouco natural no seu prprio jeito de caminhar.O teste foi repetido vrias vezes, com rigor cientfico, e o resultado foi sempre o mesmo.

At ento, a ideia de que mensagens subliminares (no sentido de informaes apenas percebidas pelo inconsciente de algum) fossem capazes de realmente orientar o comportamento humano era uma espcie de lenda urbana da psicologia. Mas, a partir do experimento de Bargh, novas experincias foram desenvolvidas para apurar a extenso desse efeito de mensagens associativas no comportamento humano mais bsico.Em 2006, uma equipe de psiclogos publicou os resultados de um experimento chamadoThe Psychological Consequences of Money("As Consequncias Psicolgicas do Dinheiro"). Essencialmente, se tratava de um experimento semelhante ao de John Barg, mas com palavras e smbolos relacionados ao dinheiro, que os participantes no percebiam, mas eram repassadas ao seu inconsciente.Nesse caso, os pesquisadores constataram que os membros do grupo que receberam anteriormente mensagens subliminares associadas a dinheiro persistiam o dobro do tempo na tentativa de resolver um desafio lgico-matemtico de difcil soluo. Por outro lado, esses mesmos participantes se mostravam muito mais egosta quando se tratava de ajudar os colegas, ainda que a ajuda no os prejudicasse.Ou seja, quando as pessoas esto rotineiramente submetidas a um contexto social em que o dinheiro um assunto onipresente, elas se tornam mais determinadas, mas ao mesmo tempo mais individualistas.Tambm em 2006,outro experimento demonstrouque um grupo de pessoas orientado a pensar em atos vergonhosos de seu passado antes de participar de um jogo de palavras tendia a escolher, no jogo, palavras associadas com limpeza. Esse teste progrediu para outro em que parte dos voluntrios deveriam imaginar estarem praticando um homicdio - tal grupo, em uma posterior simulao de compra no supermercado, adquiriu mais produtos de limpeza (sabo, detergente, etc.) que os demais participantes.A um resultado semelhante chegou o mundialmente aclamado neurologistaAntnio Damsio. Em 1996, ele desenvolveu uma srie de testes que comprovaram que o ser humano no toma decises racionais mesmo que o contexto exija racionalidade. Segundo a pesquisa de Damsio, tomamos decises inconscientemente motivados por emoes e, disfarando esse fato para ns mesmos, criamos justificativas aparentemente racionais para essas escolhas. Quando questionados, os indivduos sinceramente afirmavam que sua escolha foi pautada por consideraes racionais, mas Damsio desenvolveu uma espcie de jogo capaz de revelar quando, na verdade, as decises eram tomadas por emoes.Dezenas de outros experimentos similares esto sendo documentados nos ltimos tempos, todos realizados e repetidos o nmero suficiente de vezes para serem validados segundo criteriosos parmetros cientficos. E em todos eles, os participantes afirmaram ao final no terem percebido as mensagens subliminares que influenciaram seu comportamento.Todas essas pesquisas demonstram, de forma slida e objetiva, que o pilar central das teorias psicolgicas tradicionais realmente existe. No se trata de uma pressuposio abstrata, sem fundamento: o inconsciente, aqui entendido como uma parte de nossa psique que escapa ao controle da nossa conscincia, tem o poder de, frequentemente, dar a ltima palavra em relao ao nosso comportamento.E a concluso final desses experimentos bem resumida porDaniel Kahneman, psiclogo que ganhou o Nobel de economia por desenvolver uma teoria que estuda a tomada de deciso humana inclusive sob o enfoque econmico: gostamos de pensar que somos senhores de nossas atitudes e decises, mas um estranho quem conduz nossas vidas.

Aps falar de algumas dessas pesquisas em seu aclamado livroRpido e Devagar, Kahneman arremata: "voc acabou de ser apresentado a esse estranho que existe em voc mesmo, que talvez esteja no controle sobre grande parte do que voc faz, embora voc raramente vislumbre isso".E esse estranho manipulvel, facilmente influencivel. Um poltico habilidoso, uma agncia publicitria ou mesmo um lder religioso que souber puxar as cordas certas ser capaz de conduzir o seu destino como o de um marionete, por mais que voc no admita isso, por mais que voc se julgue especial e diferente de seus contemporneos.E tudo isso porque voc est dormindo, neste exato momento.Acorde.Gurdjieff e o sonho acordadoO armnioGeorge Ivanovich Gurdiefffaz parte daquele grupo de loucos geniais do sculo XX, que misturavam insights reveladores com piraes s vezes perigosas, grupo ao qual pertenciam figuras comoColin Wilson,William Reich,Aleister Crowley,Jodoroswkie tantos outros doidos de variado grau de periculosidade social. Sabendo separar o joio do trigo, a teoria maluca das ideias proveitosas, podemos aprender um bocado com Gurdjieff.Para ele, estamos sempre adormecidos, seja durante o sono noturno, seja com os olhos abertos ao longo do dia, ocasio em que nos iludimos de que estamos totalmente despertos.Para entendermos o que ele quer dizer, precisamos compreender alguns aspectos elementares dos sonhos. Quando dormimos noite, ficamos apenas parcialmente e no completamente isolados do mundo externo, sem perceber o que ocorre l fora. Afinal, fechamos nossos olhos para dormir, mas no nossos ouvidos e os demais sentidos de nosso corpo.Ento, s vezes, percepes do mundo real vazam para dentro de nossos sonhos, e ns incorporamos esses estmulos ao que sonhamos no momento. Todos ns j passamos por esse tipo de experincia. s vezes, sentimos sede e sonhamos que estamos bebendo gua. Dentro de nosso sonho um carro buzina, um telefone toca ou algum nos chama pelo nome, e logo em seguida despertamos para descobrir que no mundo real um carro estava mesmo buzinando, nosso celular realmente tocava ou algum de fato tentava nos despertar.Isso ainda acontece quando estamos supostamente acordados, pois em certo sentido ainda continuamos a sonhar, e quem sonha de olhos abertos algum chamado Ego.E o ego sonha porque tende a organizar todas experincias do mundo em torno de si, como se tudo o que ocorresse tivesse ele, direta ou indiretamente, como protagonista, como personagem central para o qual todas as coisas, todos os eventos, convergem.Assim, a nica diferena entre estar dormindo e estar acordado seria apenas do grau de profundidade do ato de sonhar realizado pelo Ego. Isso porque os sonhos so formados por fragmentos de estmulos do mundo l fora e por elementos que esto em nosso inconsciente. H, por assim dizer, uma mistura de realidade e de subjetividade.

Durante o dia, a quantidade de percepes do mundo l fora que vazam para esse nosso "sonho" muito maior, e o Ego se encarrega de ajustar todos esses estmulos exteriores para formar uma narrativa coerente que confundimos com a realidade, mas que no passa de algo imaginado - pois, no centro da narrativa, ns somos os protagonistas e a verdade que o mundo existe, as pessoas vivem e as coisas acontecem independentemente de nossa existncia.Vamos lembrar do exemplo da buzina e do celular. Quando estamos acordados, percebemos a realidade ao nosso redor, e estamos conscientes quando um carro buzina ou toca nosso celular. Podemos, assim, interagir com o mundo l fora.Porm, para Gurdjieff, no percebemos os estmulos externos tais como so, mas os selecionamos e os interpretamos conforme nossa perspectiva de Ego que est em parte acordado e em parte sonhando.Da mesma forma como, enquanto dormimos noite, a matria de nosso sonhar o conjunto de elementos pertencentes ao inconsciente somado a algumas percepes da realidade, enquanto estamos acordados durante o dia essas percepes, mais numerosas, so misturados pelo Ego condicionamentos da infncia, traumas, preconceitos, desejos frustrados, temores, expectativas e pressuposies sobre como gostaramos que as coisas fossem.Para explicar esse processo, h um conceito muito til formulado pela psicologia. Trata-se dofenmeno da projeo. Assim como um antigo projetor de cinema projeta na tela branca cenas de um filme, da mesma forma nosso Ego projeta nos acontecimentos suposies e circunstncias que no so reais, mas que correspondem, de forma por vezes simblica, ao que est dentro de ns e que somos incapazes de reconhecer conscientemente.Estamos parcialmente dormindo nesse exato momento justamente porque nosso estado de semidespertar repleto dessas projees.Esse o motivo pelo qual, muitas vezes, um pequeno incidente no trnsito acaba em violncia desproporcional. Tambm a razo pela qual uma rivalidade entre torcidas de futebol pode ser a dar lugar a um homicdio, ou um pequeno desentendimento entre familiares ou amigos pode resultar num grande desentendimento, com todos magoados de forma incompreensvel.Matar por um time, agredir por causa de um pedao de metal motorizado ou magoar-se por um incidente minsculo: fatos insignificantes que resultam em grandes tragdias. que, envolvendo os fugazes e pouco relevantes eventos da vida real, h camadas e camadas de projees resultantes de nosso estado semidesperto.Nesses casos e em muitos outros, quem discute, agride ou se magoa no est realmente enxergando o outro ser humano na sua frente, mas uma mistura da outra pessoa com uma projeo de algo que existe apenas na sua cabea. Porm, como sonhamos acordados, julgamos ter existncia concreta coisas que esto apenas em nossa mente. assim que nosso Ego mantm uma narrativa coerente, mas falseada, sobre sua importncia no mundo.Mas se a diferena entre nosso sonho noturno e nosso sonho diurno est apenas no grau em que os estmulos internos vazam para nosso sono, h algum modo de realmente despertar?

E como despertar?Para Gurdjieff haveria, ao lado do adormecer noturno e do "sonambulismo" diurno, um terceiro estgio de conscincia. Esse seria o estado de pleno despertar. dessa forma que o bigodudo armnio definia o conceito oriental de "iluminao" e seus equivalentes ocidentais, como a "beatitude": no haveria nada de mstico nesses estados, o iluminado no seria algum que atingiu um nvel de espiritualidade superior. Quem se ilumina simplesmente acordou no sentido de no misturar e confundir as coisas do mundo real com elementos do seu mundo subjetivo - a vida l fora no mais uma tela branca na qual seu ego projeta, sem perceber, contedos que esto aqui dentro. Ele reconhece as coisas tal como so.Essa, curiosamente, era a viso que outro maluco beleza,Wilhelm Reich, tinha sobre a personalidade de Jesus Cristo. Para Reich, no se tratava do "filho de Deus", e tampouco de um aliengena ou ser de alguma forma espiritualmente distinto dos outros humanos. Ele teria sido apenas um homem que despertou mais do que seus contemporneos, e seu assassinato no comeou no momento da crucificao, mas quando seus discpulos passaram a trat-lo como uma espcie de divindade, deturpando suas palavras. Nesse caso teramos, na histria de Cristo, um ensinamento importante a tirar. Quando chegamos a esse terceiro estgio, a essa experincia de um maior despertar, aqueles que ainda esto dormindo e sonhando projetam em ns o contedo de seu sonho: no nos entendem e tampouco nossas palavras, ento nos tratam como se fssemos seres espiritualmente superiores. Isso uma estratgia defensiva com a qual o Ego impede que possamos ir mais alm e super-lo. Afinal, se aquele sujeito que fala coisas maravilhosas no como ns, mas sim uma criatura de natureza divina, estamos dispensados do compromisso de chegar ao estgio em que ele se encontra.Mas no momento em que despertamos, j no nos enganamos mais e somos capazes, ao menos em parte, de reconhecer o mundo e as coisas tal como de fato so. Percebemos a realidade dentro da modesta capacidade de nossa conscincia, mas essa capacidade est disponvel em sua potencialidade mais plena pois no est contaminada por contedos do inconsciente. Estamos acordados e possumos a noo mais precisa possvel dos estmulos externos, de modo a perceber a complexidade e ambiguidade de cada situao ou ser com que entramos em contato, e a dificuldade peculiar de adapt-los nas categorias mentais que nossa mente formula.Mas ainda no chegamos ao que importa: h algum modo de no sonharmos mais?

Nesse ponto, a primeira atitude mentalmente saudvel abandonar qualquer tipo de obsesso pela ideia de "despertar". Gurdieff era, em grande parte, obcecado com a noo de que podamos atingir uma conscincia mais plena, e exigia incondicional adeso de seus discpulos que deveriam fazer exerccios dirios de ateno para no se deixar adormecer no cotidiano.Porm, um dos segredos da vida que nos poupa de sofrimento desnecessrio no exigir de si um desempenho de perfeio a 100%. Admitir que a natureza humana falha e que graus menores de sucesso, atingveis sem o sacrifcio de nossas relaes humanas, so possveis, a atitude mais recomendvel. por isso que se comearmos com uma compreenso de que qualquer pequeno despertar dirio, por menor que seja, j uma vitria, estamos no caminho certo. Seremos capazes de nos desculpar e compreender quando nos apanharmos dormindo diante de uma situao, projetando no mundo real o que sonho" de nossa mente, e seguiremos um trajeto suave, sem atritos e obsesses, para um caminho de melhor qualidade de vida.E qualidade de vida uma palavra importante, pois deixa claro que, nesse tpico, o fundamental ser prtico e no filosfico. No queremos chegar a um estgio de superioridade metafsica - queremos viver bem e reduzir o sofrimento dos seres ao nosso redor. Isso porque ainda no respondemos claramente como chegar a um maior despertar.Ocorre que a segunda atitude mental saudvel no se deixar prender a qualquer filosofia ou doutrina especfica que nos sirva como forma de despertar. Pois ao lado do risco da "obsesso", tambm h o risco de "fanatizao" com uma das variadas doutrinas e tcnicas que podem nos fornecer para deixarmos de dormir acordados.Porque h, sim, vrios mtodos capazes de servir como via para um maior despertar. O grande truque considerarmos todos esses mtodos e doutrinas como instrumentos, teis dentro de determinados limites e contextos, e no como verdades absolutas que trazem a panaceia para nossa situao.E se adotarmos essa postura, praticamente quase todas as atividades de desenvolvimento humano, da Yoga prtica de nosso esporte favorito, tornam-se ferramentas para o despertar.Dito isso, uma das prticas mais antigas e eficientes para comear a trilhar o caminho de um maior despertar a meditao. Por assim dizer, a ela uma "tecnologia de despertar" desenvolvida no Oriente. H, na verdade, vrios tipos de meditao, e a experincia de cada uma delas to particular que como se fosse uma roupaque se ajusta cada pessoa conforme suas particularidades. Mas todas induzem, de uma forma ou de outra, nossa mente a ficar mais atenta aos seus processos internos e relao com o mundo externo.Lama Padma SamtenE modernamente, arrisco dizer que o Ocidente desenvolveu modernamente sua prpria tecnologia de despertar, embora sobre ela ainda recaia muita incompreenso e acusaes injustas, em grande parte vindas de pessoas que jamais tomaram o cuidado de realmente estud-la com a profundidade e ateno que ela existe, e queconfundem o mapa com o terreno que ele tenta representar. Trata-se da psicanlise, que se desenvolveu muito aps o passo inicial dado por Freud (e as principais crticas de leigos voltam-se muito a esse fundador, ignorando o que foi revisto e reformulado ao longo de um sculo) e que nos auxilia a compreender at onde a nossa percepo do mundo circundante afetada e mesmo falseada por elementos internos.Existe, assim, um ponto de encontro entre a prtica oriental da meditao e o procedimento ocidental da psicanlise. Seja pelo treino da desindentificao entre a conscincia e os pensamentos (meditao), seja pelo trabalho de reconhecimento da representaes emocionais/simblicas (psicanlise), ambas as experincias partem de pontos dspares (a meditao, do treino da conscincia; a psicanlise, do labor com o inconsciente) para atingir um objetivo comum: a habilidade de distinguir o que h de real daquilo que h de onrico.Um mundo com pessoas mais despertas um mundo de pessoas mais amorosas em suas relaes e mais responsveis em seus atos. Quem acordou um pouco mais do sonambulismo dirio capaz de ter a abertura necessria para construir uma sociedade realmente evoluda, em que o centro de nossas decises no o ego, mas o bem estar coletivo.Fazemos, por fim, amizade com o desconhecido que h em ns e que comanda nossas vidas. Trazemos ele luz, reconhecemos os seus objetivos confusos, medos ocultos e desejos inconfessos. E ele se torna menos manipulvel, menos cego em seus passos. Na verdade, ocorre a fuso entre ns e uma parte de nosso ser que ignoramos. Por fim, abrimos nossos olhos um pouco mais, pois eles esto fechados neste exato momento, e sonhamos sem perceber.Portanto, despertemos.