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279 Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.48, n.78, p.279-411, jul./dez.2008 ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO TRT-RO-00391-2007-018-03-00-9 Publ. no “MG” de 29.08.2008 RECORRENTES:1) SINTRALIX/MG SINDICATODOSTRABALHADORES NAS EMPRESAS DE COLETA, LIMPEZA E INDUSTRIALIZAÇÃO DO LIXONOESTADODEMINASGERAIS 2) SUPERINTENDÊNCIA DE LIMPEZA URBANA DE BELO HORIZONTE - SLU 3) MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO RECORRIDOS:OS MESMOS EMENTA: TERCEIRIZAÇÃO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO - ILICITUDE DA TERCEIRIZAÇÃO PERPETRADA POR AUTARQUIA MUNICIPAL EM SUA ATIVIDADE- FIM. Não mais se questiona a legitimidade do Ministério Público do Trabalho para postular em juízo o reconhecimento da ilicitude de terceirização perpetrada pela Administração Pública. A matéria se encontra pacificada no âmbito do C. TST, consoante se infere dos seguintes julgados: TST-RR- 783/2003-023-03-00.0; DJ - 11.10.2007; TST-RR-2699/2000- 042-03-00.6; DJ - 21.09.2007. A Administração Pública não está autorizada a transferir para particulares a execução de sua atividade-fim, sob pena de lesão ao Princípio Constitucional da Moralidade Administrativa (inciso II do artigo 37 da Constituição da República). Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de recursos ordinários, interpostos contra decisão proferida pelo MM. Juízo da 18ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, em que figuram: como recorrentes, SINTRALIX/MG SINDICATO DOS TRABALHADORES NAS EMPRESAS DE COLETA, LIMPEZA E INDUSTRIALIZAÇÃO DO LIXO NO ESTADO DE MINAS GERAIS; SUPERINTENDÊNCIA DE LIMPEZA URBANA DE BELO HORIZONTE - SLU - e MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO; como recorridos, OS MESMOS. RELATÓRIO “Através da r. sentença de f. 1.907/1.914, a MM. Juíza Vanda de Fátima Quintão Jacob julgou parcialmente procedente a ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho em face da SLU - Superintendência de Limpeza Urbana, autarquia municipal, [...] para determinar à requerida que contrate empregados públicos mediante realização do concurso público nas atividades de limpeza urbana (varredura, coleta, depósito e tratamento de lixo) e se abstenha de contratar tais empregados públicos por interpostas empresas, sob pena de multa de R$5.000,00 por empregado contratado dessa forma; que, após a aprovação de empregados públicos em concurso público, afaste os trabalhadores contratados através de interpostas empresas, substituindo-os pelos aprovados, sob pena de multa diária de R$5.000,00; que admita

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Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.48, n.78, p.279-411, jul./dez.2008

ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO

TRT-RO-00391-2007-018-03-00-9Publ. no “MG” de 29.08.2008

RECORRENTES:1) SINTRALIX/MGSINDICATO DOS TRABALHADORESNAS EMPRESAS DE COLETA,LIMPEZA E INDUSTRIALIZAÇÃO DOLIXO NO ESTADO DE MINAS GERAIS2) SUPERINTENDÊNCIA DELIMPEZA URBANA DE BELOHORIZONTE - SLU3) MINISTÉRIO PÚBLICO DOTRABALHO

RECORRIDOS:OS MESMOS

EMENTA: TERCEIRIZAÇÃO -AÇÃO CIVIL PÚBLICA -LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIOPÚBLICO DO TRABALHO -ILICITUDE DA TERCEIRIZAÇÃOPERPETRADA POR AUTARQUIAMUNICIPAL EM SUA ATIVIDADE-FIM. Não mais se questiona alegitimidade do MinistérioPúblico do Trabalho parapostular em juízo oreconhecimento da ilicitude deterceirização perpetrada pelaAdministração Pública. Amatéria já se encontrapacificada no âmbito do C. TST,consoante se infere dosseguintes julgados: TST-RR-783/2003-023-03-00.0; DJ -11.10.2007; TST-RR-2699/2000-042-03-00.6; DJ - 21.09.2007. AAdministração Pública nãoestá autorizada a transferirpara particulares a execuçãode sua atividade-fim, sob penade lesão ao PrincípioConstitucional da MoralidadeAdministrativa (inciso II doartigo 37 da Constituição daRepública).

Vistos, relatados e discutidos ospresentes autos de recursos ordinários,interpostos contra decisão proferidapelo MM. Juízo da 18ª Vara do Trabalhode Belo Horizonte, em que figuram:como recorrentes, SINTRALIX/MGSINDICATO DOS TRABALHADORESNAS EMPRESAS DE COLETA, LIMPEZAE INDUSTRIALIZAÇÃO DO LIXO NOESTADO DE MINAS GERAIS;SUPERINTENDÊNCIA DE LIMPEZAURBANA DE BELO HORIZONTE - SLU -e MINISTÉRIO PÚBLICO DOTRABALHO; como recorridos, OSMESMOS.

RELATÓRIO

“Através da r. sentença de f.1.907/1.914, a MM. Juíza Vanda deFátima Quintão Jacob julgouparcialmente procedente a ação civilpública

ajuizada pelo Ministério Público doTrabalho em face da SLU -Superintendência de LimpezaUrbana, autarquia municipal, [...] paradeterminar à requerida que contrateempregados públicos medianterealização do concurso público nasatividades de limpeza urbana(varredura, coleta, depósito etratamento de lixo) e se abstenhade contratar tais empregadospúblicos por interpostas empresas,sob pena de multa de R$5.000,00por empregado contratado dessaforma; que, após a aprovação deempregados públicos em concursopúblico, afaste os trabalhadorescontratados através de interpostasempresas, substituindo-os pelosaprovados, sob pena de multa diáriade R$5.000,00; que admita

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estagiários mediante processoseletivo público, com critériosobjetivos e ampla divulgação em pelomenos um jornal no Estado de MinasGerais, sob pena de multa deR$5.000,00 por estagiáriocontratado em situação dedescumprimento respectivo.

Em apreciação aos embargosdeclaratórios, estabeleceu ‘o prazo deseis meses após o trânsito em julgadoda sentença para que a SLU cumpra ocomando sentencial’ - f. 1.928/1.930.

O Sindicato dos Trabalhadoresnas Empresas de Coleta, Limpeza eIndustrialização do Lixo do Estado deMinas Gerais - SINTRALIX/MG - recorreàs f. 1.939/1.954, na qualidade deterceiro prejudicado. Busca pelareforma integral da sentença notocante à terceirização.

A Superintendência de LimpezaUrbana - SLU - recorre às f. 2.038/2.062. Argui, em preliminar, nulidade dasentença por negativa de prestaçãojurisdicional e inobservância ao devidoprocesso legal; ilegitimidade ativa dod. MPT. No mérito, reafirma a licitudeda contratação de empresasinterpostas para realização do serviçode limpeza urbana.

O Ministério Público do Trabalhorecorre às f. 2.067/2.071, ‘para que sejafixado prazo razoável para cumprimentodo preceito emanado na r. sentença,independente do trânsito em julgadoda decisão’.

Contrarrazões pela SLU e peloMPT, respectivamente, às f. 2.073/2.079e 2.082/2.098, e do Ministério Público,às f. 2.107-9, com preliminares dedefeito de representação eilegitimidade para recorrer.”

É o relatório, de autoria da Ex.ma

Desembargadora Relatora.

VOTO

Admissibilidade

“Os recursos ordinários foramsubscritos por procuradoreslegitimados (v. f. 1.955 e 2.066);observou-se o prazo legal deinterposição (v. f. 1.936, 1.937, 1.939,2.038 e 2.067); e autarquia-reclamadaestá isenta do preparo.

Por outro lado, o Sindicato, napetição de apresentação do recurso,fez-se representar nas pessoas do seuPresidente e Vice-Presidente, esteúltimo o outorgante da procuração def. 1955, devidamente conferida naforma do art. 38 do CPC, inclusive emfolha com timbre do Sindicato, o quegera a presunção de sua legitimidade,tanto mais que o Ministério Público,que arguiu defeito de representação,não logrou fazer prova em contrário.

Noutro giro, o Sindicato dosTrabalhadores nas Empresas deColeta, Limpeza e Industrialização doLixo do Estado de Minas Gerais -SINTRALIX/MG, embora não seja partee sequer tenha presenciado a fase deinstrução, tem legitimidade pararecorrer em face do que dispõe o art.499 do CPC. Com efeito, o órgão declasse representa a categoriaprofissional diretamente afetada pelaordem sentencial de não-terceirização.A legitimação e o interesse recursaldecorrem daí, nos termosprelecionados por Nelson Nery Júniore Rosa Maria Andrade Nery:

Terceiro prejudicado é aquele quetem interesse jurídico em impugnara decisão, isto é, aquele que poderiater ingressado no processo comoassistente simples ou litisconsorcial(CPC 50 ou 54). Está legitimado parainterpor qualquer recurso, inclusive

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embargos de declaração (RTJ 98/152). Configurada sua legitimidadepara recorrer, o terceiro devedemonstrar em que consiste seuinteresse em recorrer, isto é, o nexode interdependência entre seuinteresse em impugnar a decisão ea relação jurídica por ela decidida. Anorma regula, portanto, alegitimidade e o interesse recursaldo terceiro prejudicado.(Código de processo civil

comentado, Revista dos Tribunais,4ª edição, p. 975.)

Cabe ressaltar que o Sindicatoinsiste na validade da terceirizaçãoimplementada pela SLU em nome de‘5.000 filiados’ que prestam serviços àautarquia mediante essaintermediação.

Assim sendo, atendidos ospressupostos de lei, os três apelosmerecem conhecimento.

Os recursos do SINTRALIX/MGe da SLU serão examinadosconjuntamente, pela identidade dematéria.”

(Fundamentos do voto da Ex.ma

Desembargadora Relatora)

PRELIMINARES ARGUIDASPELA AUTARQUIA-RECLAMADA

De nulidade por negativa deprestação jurisdicional / Ausência defundamentação

“Na defesa, a SLU suscitouinobservância a litisconsórcio passivonecessário, apontando ‘as empresascontratadas [...] para a execuçãomaterial de parte dos serviços públicosde cuja prestação é esta legalmenteincumbida’ e, também, o Município deBelo Horizonte, como partes requeridas

imprescindíveis, já que diretamenteafetadas pela discussão submetida aexame judicial (f. 1.525/1.526).

A sentença ressaltou que alegislação específica prevê, para açãocivil pública, somente litisconsórcioativo e facultativo (f. 1.908), mas aautarquia opôs embargosdeclaratórios declinando omissão eobscuridade (f. 1.918/1.919).

Insatisfeita com a decisão deembargos (f. 1.929), a reclamada argui,agora, nulidade por negativa deprestação jurisdicional e ausência defundamentação.

Mas não tem razão.A MM. julgadora de primeiro grau

esclareceu, à f. 1.929, que ‘a matériarelativa à ilegitimidade passiva ad

causam está suficientementefundamentada, à luz do art. 131 doCPC’, e que ‘a legitimidade passiva ad

causam deduz-se dos próprios termosdo pedido’. Logo, houve enfrentamentoexpresso da questão.

Por outro lado, se hádescontentamento com a posição a

qua,o caminho seria a via recursal,sequer utilizada pela autarquia notocante ao mérito da matéria.

Rejeita-se, pois.

De nulidade por afronta aodevido processo legal

Na decisão de embargosdeclaratórios, a MM. Juíza a qua

estabeleceu ‘o prazo de seis mesesapós o trânsito em julgado da sentençapara que a SLU cumpra o comandosentencial’ (f. 1.929).

A reclamada diz que houve‘efeito modificativo’ sem possibilidadede pronunciamento para a parteadversa, resultando em violação do‘direito ao contrário’. Invoca o teor daOJ n. 142 da SDI-I do Col. TST.

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Esquece-se, porém, de que afixação de astreinte pode ser feita deofício, ‘independentemente de pedidodo autor’ (§ 4º do art. 461 do CPC).

Rejeito.

De ilegitimidade ativa do d.parquet

Insiste a autarquia-reclamadaem questionar a legitimidade do d. MPTpara vir a juízo versando sobre aterceirização.

Ocorre que a matéria já seencontra pacificada no âmbito do Col.TST, consoante se infere dos seguintesjulgados:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADEATIVA AD CAUSAM DO MINISTÉRIOPÚBLICO DO TRABALHO.PRETENSÃO METAINDIVIDUAL.FRAUDE NA INTERMEDIAÇÃO DEMÃO-DE-OBRA. I Na hipótese dosautos, em que se verif icaterceirização de serviçosrelacionados à atividade-fim daempresa, com a não-formação dovínculo empregatício e burla aosdireitos sociais constitucionalmenteassegurados, pleiteando-seobrigação de não fazer, osinteresses são individuaishomogêneos, cuja origem únicarecomenda a sua defesa coletiva emum só processo, pela sua relevânciasocial, que os equipara aoscoletivos, a evidenciar a legitimidadedo Ministério Público. II -Considerando que a Ação CivilPública tem precipuamente naturezacominatória, no sentido de imporobrigação de fazer ou de não fazer,depara-se com a adequação daação ora proposta, tendo por norteque a pretensão nela deduzida dizrespeito à abstenção da empresa de

contratar de forma terceirizadaserviços relacionados às suasatividades-fins. III Recursodesprovido. CARÊNCIA DE AÇÃOINTERESSE PROCESSUAL. I Orecorrente não fundamenta orecurso nos moldes do artigo 896consolidado, o qual exige para suaadmissibilidade, por ter naturezaextraordinária, que sejampreenchidos também os seuspressupostos intrínsecos aliexpressos. II - Mesmo relevando adeficiência no manejo do recursopara analisar o artigo 267, IV, do CPC,pelo prisma da alínea c do artigo 896da CLT, não se verif ica que adecisão regional tenha violado essedispositivo legal de forma direta. Issoporque extraiu o interesse de agirdos fatos de a reclamada estariadescumprindo a legislaçãotrabalhista, lesando alguns direitosdos seus empregados, e da recusade firmar o TAC interpretada comoresistência em acolher a pretensãodo Ministério Público. Plenamenteaplicável o óbice da Súmula 221-II,do TST. III Recurso não conhecido.INCONSTITUCIONALIDADE DO ART.83-III DA LC N. 75/1993. I - O recursode revista, em face de sua naturezaextraordinária, tem lugar apenas nashipóteses elencadas no art. 896 daCLT. II Recurso não conhecido, pordesfundamentado. PRINCÍPIO DARAZOABILIDADE VIOLAÇÃODIRETA. I Novamente, o recurso nãoobserva os moldes do artigo 896 daCLT, porquanto não indica violaçãode lei nem divergênciajurisprudencial. II Recurso nãoconhecido. INEXISTÊNCIA DE ATOILÍCITO. DISTINÇÃO ENTRE ILÍCITOCIVIL E ILÍCITO PENAL. I - Mais umavez, o recorrente não observa odisposto no artigo 896 da CLT.

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Desfundamentado o recurso. IIRevista não conhecida. SANÇÃOESPECÍFICA. MULTAS APLICADAS.BIS IN IDEM. I - Violação a princípiogeral de direito, principalmenteaqueles não positivados, não éhipótese de admissibil idadecontemplada no artigo 896 da CLT. IIRecurso não conhecido.(TST-RR-783/2003-023-03-00.0; DJ- 11.10.2007)

RECURSO DE REVISTA. AÇÃO CIVILPÚBLICA. PEDIDO DE VEDAÇÃO DECONTRATAÇÃO, PELA RÉ, DEEMPREGADOS POR COOPERATIVADE TRABALHO DENÚNCIA DEFRAUDE. LEGITIMIDADE DOMINISTÉRIO PÚBLICO DOTRABALHO. CARACTERIZAÇÃO.Trata-se de ação civil pública,ajuizada pelo Ministério Público doTrabalho com o objetivo de impedir acontratação de trabalhadores deforma fraudulenta por meio decooperativas de trabalho, limitando-se a controvérsia a saber se há ounão legitimidade do Parquet para talação. Com efeito, a pretensão dizrespeito a direitos individuaishomogêneos, sendo, portanto,legítimo o Ministério Público doTrabalho para ajuizar a presenteação civil pública. Recurso de revistaconhecido e provido. [...](TST-RR-2699/2000-042-03-00.6; DJ- 21.09.2007)

RECURSO DE REVISTA. AÇÃO CIVILPÚBLICA. PEDIDO DE VEDAÇÃO DECONTRATAÇÃO, PELA RÉ, DEEMPREGADOS POR COOPERATIVADE TRABALHO FRAUDULENTA.LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIOPÚBLICO DO TRABALHO.CARACTERIZAÇÃO. Trata opresente feito de ação civil pública,

ajuizada pelo Ministério Público doTrabalho com o objetivo de impedir acontratação de trabalhadores deforma fraudulenta por meio decooperativas de trabalho, limitando-se a controvérsia a saber se há ounão legitimidade do Parquet para talação. Com efeito, a pretensão dizrespeito a direitos individuaishomogêneos, sendo, portanto,legítimo o Ministério Público doTrabalho para ajuizar a presenteação civil pública. Recurso de revistaconhecido e provido.(TST-RR-666603/2000.0; DJ - 04/05/2007)

(RECURSO DE REVISTA. MINISTÉRIOPÚBLICO DO TRABALHO.LEGITIMIDADE EM AÇÃO CIVILPÚBLICA. INTERESSES INDIVIDUAISHOMOGÊNEOS. A legitimidade doMinistério Púbico do Trabalho, nadefesa de interesses individuaishomogêneos, em ação civil pública,já está consagrada, na doutrina ena jurisprudência do C. TribunalSuperior do Trabalho e do e.Supremo Tribunal Federal. O DoutoMinistério Público tem a legitimidadereconhecida, conforme previsãotanto na Constituição Federal, art.127 c/c 129, inciso II quanto na LC75/93, que conferiu tal legitimidadepara a defesa dos interessesdifusos e coletivos na Justiça doTrabalho, sendo os interessesindividuais homogêneos espécie deinteresses coletivos lato sensu.Constatando-se o bem tutelado,intermediação ilícita de mão-de-obra,é de se verificar que se encontra amatéria inserida naqueles direitosque visam a defesa da ordemjurídica e dos interesses sociais eindividuais indisponíveis, o que tornalegitimado o Douto Ministério Público.

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Recurso de revista conhecido, pordivergência jurisprudencial e, nomérito, provido.(TST-RR-1919/2001-034-12-00.1; DJ- 30.03.2007)

LEGITIMIDADE ATIVA. MINISTÉRIOPÚBLICO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.TERCEIRIZAÇÃO. O MinistérioPúblico do Trabalho está legitimadoà proposição de ação civil públicaque vise coibir a contrataçãofraudulenta de empresa terceirizadapara realização de atividade-fim daempresa tomadora de serviços.Recurso conhecido e provido.(TST-RR-1036/2002-084-03-00.8; DJ- 23.03.2007)

Isso posto, rejeita-se apreliminar.”

(Preliminares rejeitadas deacordo com os fundamentos do votoda Ex.ma Desembargadora Relatora)

MÉRITO

Recursos do SINTRALIX/MG (f.1.939/1.954) e da Superintendência deLimpeza Urbana de Belo Horizonte -SLU (f. 2.038/2.062)

Examino em conjunto osrecursos do SINTRALIX/MG e da SLU,tendo em vista a identidade dasmatérias neles veiculadas.

Insurgem-se os recorrentescontra a r. sentença de primeiro grau,alegando, em suma, que a LeiMunicipal n. 9.011/05 faculta à SLU aexecução indireta dos serviços delimpeza urbana, já que sua atividade-fim consiste na implementação dapolítica governamental para o Sistemade Limpeza Urbana. Aduz que a LeiMunicipal n. 9.329/07 extinguiu todos

os cargos de pessoal envolvidodiretamente na atividade de varrição ecoleta de lixo em Belo Horizonte,mantendo-se a SLU, contudo, comoresponsável pelo planejamento dosserviços de limpeza urbana.

Data venia do entendimentoadotado pela Ex.ma DesembargadoraRelatora, não lhe assiste qualquerrazão.

O MM. Juízo de primeiro graujulgou parcialmente procedentes ospedidos formulados pelo MinistérioPúblico do Trabalho, reputando ilícitaa terceirização perpetrada pela SLU,adotando a seguinte fundamentação:

A terceirização de mão-de-obrada limpeza urbana, interessefundamental para a população doMunicípio, não se justifica.

A execução da limpeza públicadeve ser realizada diretamente pelaautarquia, criada com esse propósitosob pena de ofensa a todos osprincípios insculpidos no caput doartigo 37 da Constituição daRepública.

A gestão do lixo poderia,segundo o inciso II do § 1º do artigo106 da Lei Municipal n. 9.011/2005,ser executada através de umaempresa de prestação de serviçosnessa área, observando-se ospreceitos legais da licitação pública.

Contudo, os elementos dos autosdemonstram a terceirização da mão-de-obra efetivada por autarquiamunicipal, o que ofende os princípiosa que deve se submeter como parteda Administração Pública gravadosno caput do art. 37 da Constituiçãoda República, bem como o dispostono inciso II do artigo 37 daConstituição da República.

O fim precípuo da autarquiarequerida é a l impeza urbana,

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serviço típico a ser prestado peloMunicípio que a criou por lei, comautonomia para prestar esseserviço público típico.

Assim, inconcebível que 86% doserviço de coleta urbana e 90% doserviço de varrição sejam realizadosatravés da intermediação de mão-de-obra, em afronta à determinaçãoconstitucional de realização deconcurso público para o empregopúblico, qualquer que seja ele, semdistinção. O que de fato acontece,portanto, é a mera exploração damão-de-obra por terceiro, como sefosse mercadoria, omitindo-se aautarquia de cumprir a suafinalidade. (f. 1.911/1.912)

Com efeito, verifica-se que aSuperintendência de Limpeza Urbanade Belo Horizonte foi criada pela LeiMunicipal n. 2.220/73, sendo destinadaà exploração “em todo o Município deBelo Horizonte dos serviços devarredura, coleta, depósito, tratamentoe transformação do lixo e da venda deseus produtos e subprodutos”. (f. 199)

A criação de autarquia municipalpara a prestação de serviços públicosencontra-se em conformidade com oinciso V do artigo 30 da Constituiçãoda República, que dispõe, in verbis:

Art. 30. Compete aos Municípios:[...]V - organizar e prestar, diretamenteou sob regime de concessão oupermissão, os serviços públicos deinteresse local, incluído o detransporte coletivo, que tem caráteressencial;

Dessa forma, tem-se que oMunicípio de Belo Horizonte, ao editara Lei Municipal n. 2.220/73, que criou aSLU, optou pela prestação do serviço

de limpeza urbana através de pessoajurídica de direito público, criadaespecificamente para esse fim.

Nesse contexto, fere arazoabilidade o entendimento segundoo qual a SLU, criada exclusivamentepara a prestação dos serviços públicosde limpeza urbana, possa transferirpara terceiros a realização dasatividades que justif icam suaexistência.

Nem mesmo a edição da LeiMunicipal n. 9.011/05, que facultou àSLU a execução indireta dos serviçosde limpeza urbana, tem o condão deinterferir no posicionamento aquiadotado, tendo em vista que o referidoDiploma Legal afronta, de forma direta,o inciso II do artigo 37 da Constituiçãoda República, que, consagrando oPrincípio da Moralidade Administrativa,estabelece a obrigatoriedade derealização de concurso público para aadmissão de pessoal pelaAdministração Pública, direta eindireta.

Nessa ordem de ideias, cumpreesclarecer que o Decreto-lei n. 200/67,ao tratar da descentralização no âmbitoda Administração Pública, nãoautorizou a intermediação de mão-de-obra, mas apenas a transferência paraterceiros da realização de atividade-meio, isto é, atividades de apoio oumeramente instrumentais, que nãocompõem a essência da dinâmica dotomador.

Nesse sentido é também oentendimento do i. Procurador doTrabalho Rodrigo de Lacerda Carelli:

Vejamos o que prevê alegislação administrativa.

O primeiro texto foi o Decreto-lein. 200/67, que dispôs sobre aorganização da AdministraçãoPública Federal brasileira.

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No capítulo III do citado Decreto-lei, ao dispor sobre adescentralização do serviçopúblico, um dos princípiosfundamentais da AdministraçãoPública dispostos pelo diplomalegislativo, insere-se o § 7º do art.10, que assim dispõe:

“Para melhor desincumbir-se dastarefas de planejamento,coordenação, supervisão e controlee com objetivo de impedir ocrescimento desmesurado damáquina administrativa, aAdministração procurarádesobrigar-se da realização materialde tarefas executivas, recorrendo,sempre que possível, à execuçãoindireta, mediante contrato, desdeque exista, na área, iniciativa privadasuficientemente desenvolvida ecapacitada a desempenhar osencargos de execução.”

Verifique-se que em nenhummomento se fala em fornecimento depessoal, o que seria até mesmoabsurdo atualmente, em face daexigência constitucional deconcurso público para a inserção detrabalhador na Administração. Vê-se que se trata claramente deterceirização, cessão de tarefas ouserviços a serem realizadosautonomamente por empresascapacitadas tecnicamente(especializadas). Assim, houve aprevisão de terceirização peloDecreto-lei n. 200/67, e não defornecimento de trabalhadores,como se entendeu,equivocadamente, em algunsjulgados do Tribunal Superior doTrabalho.

Por ter havido várias distorçõesquanto à aplicação do Decreto-lei n.

200/67, que foi uti l izado paracolocação de pessoal por meio decontratos de prestação de serviços,e para bem demonstrar adiferenciação entre terceirização deserviços e intermediação de mão-de-obra, foi posto na ordem jurídicanacional o Decreto n. 2.271/97, paradisciplinamento da contratação deserviços pela Administração PúblicaFederal direta, autárquica efundacional, havendo no mesmoclaras disposições para evitar odesvirtuamento da contratação deserviços pela Administração Pública.

Dispõe o Decreto citado:

“Art. 4º É vedada a inclusão dedisposições nos instrumentoscontratuais que permitam:[...]II caracterização exclusiva do objetocomo fornecimento de mão-de-obra;[...]IV subordinação dos empregados dacontratada à administração dacontratante”.

Conforme Bresser Pereira, emcomentários sobre o decreto acima,

“a nova regulamentação corrigedistorções que descaracterizavamo instituto da execução indireta,especialmente a prática da utilizaçãodos contratos de prestação deserviços para suprir necessidadesde pessoal que deveriam serprovidas com a admissão ou oremanejamento de servidorespúblicos. [...] Assim, o decretoestabelece regras vigorosas: nãopoderá ser contratada a prestaçãode serviços que permita asubordinação direta dosempregados da contratada ao órgãoou entidade contratante.”

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Destarte, resta patente que naadministração pública não háprevisão de intermediação de mão-de-obra, havendo mesmo proibição,sendo seu desvirtuamento fraude aoprincípio constitucional do concursopúblico, indispensável paraadmissão no serviço público.

Esta posição é corroborada porMaria Sylvia Zanella Di Pietro, quena apresentação do livro dadoutrinadora, expressamenterepudia a intermediação de mão-de-obra na Administração Pública:

“Esse instituto (terceirização) temsido constantemente utilizado comoforma de burlar a exigência doconcurso público. Mascarado sob aforma de contrato de prestação deserviços, ele oculta verdadeirocontrato de fornecimento de mão-de-obra, em que aparecem osatributos da pessoalidade esubordinação na relação entre opessoal da empresa contratada e otomador de serviços, caracterizandoverdadeira relação de emprego.”(CARELLI, Rodrigo de Lacerda.Formas atípicas de trabalho; EditoraLTr, 2004, p. 48/49) (grifosacrescidos)

Como se vê, não resta qualquerdúvida de que a Administração Públicanão está autorizada a transferir aexecução de sua atividade-fim, sob penade lesão ao Princípio Constitucional daMoralidade Administrativa.

Na hipótese dos autos, o quepretende a SLU é justamente eximir-se de prestar diretamente as atividadesque justificaram sua instituição peloMunicípio, repassando os serviços delimpeza urbana para particulares, o quenão se pode admitir, por configurarterceirização ilícita, invertendo toda a

lógica constitucional, como jásalientado.

Nesse contexto, tem-se que aedição da Lei n. 9.329/07, que extinguiutodos os cargos do pessoal envolvidodiretamente na atividade de varrição ecoleta de lixo em Belo Horizonte,mantendo-se a SLU como responsávelapenas pelo planejamento dosserviços de limpeza urbana, abre apossibilidade, em última análise, deadmissão de pessoal por ente públicosem prévia submissão a concursopúblico, ofendendo a Constituição daRepública.

A se entender de forma contrária,estar-se-ia admitindo a existência deuma autarquia criada unicamente paraterceirizar os serviços públicos que lheforam repassados pelo Município.

Por outro lado, não se podeadmitir o argumento de que osserviços de limpeza constituematividade-meio da SLU, a teor da Lei n.9.329/07, uma vez que não se podeconceber que uma pessoa jurídica dedireito público criada para a realizaçãode atividades estatais típicas possa tercomo atividade principal o meroplanejamento dos serviços de limpeza,como sustentam os recorrentes.

Registra-se, outrossim, que aextinção dos cargos de pessoalenvolvido diretamente na atividade devarrição e coleta de lixo em BeloHorizonte pela Lei n. 9.329/07 nãoconstitui óbice ao deferimento do pleitodo Ministério Público, porquanto ocumprimento do comando sentencialexigirá a edição pelo Município de novalei criando os cargos anteriormenteextintos, com vistas a restabelecer aordem jurídica lesada.

Adota-se, nesse aspecto, aargumentação lançada nascontrarrazões apresentadas pelo d.Ministério Público do Trabalho:

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Descabida a alegação de que oMunicípio está extinguindo,paulatinamente, determinadoscargos e que a SLU, em futuropróximo, será apenas regularizadorae fiscalizadora dos serviços, sendoindevida a determinação derealização de concurso público. Oque pretende a ré? Que ao seualvedrio suspendam-se as normasconstitucionais? Reafirme-se: aSuperintendência de LimpezaUrbana é uma autarquia e, portanto,para consecução de seus fins sópoderá contratar empregadosmediante realização de concursopúblico. É esta a situação fática quemerece a devida tutela. (f. 2.096)

Afasta-se, ainda, a alegaçãorecursal de que a sentença de origemprejudicará a população do Município,por implicar a ruptura abrupta doscontratos firmados, tendo em vista queo afastamento dos terceirizadossomente ocorrerá após a realização doconcurso público, com a substituiçãorespectiva pelos aprovados, comoconstou de forma expressa docomando sentencial (f. 1913).

Da mesma forma, anecessidade de aquisição deequipamentos para a realização doserviço de limpeza urbana faz parte, poróbvio, da rotina de uma autarquiaespecializada na prestação de taisatividades, sendo absolutamentedescabida a utilização de tal argumentopela SLU com vistas a se esquivar documprimento de sua destinação legal.

Quanto às astreintes cominadaspela r. decisão recorrida, registra-seque a penalidade encontra amparo noartigo 11 da Lei n. 7.347/85 e § 4º doartigo 84 do Código de Defesa doConsumidor, tendo por fim alcançar aefetividade do comando sentencial.

A destinação das multas para oFundo de Amparo ao Trabalhador, porsua vez, está respaldada pelo artigo 13da Lei n. 7.347/85 e tem como objetivoa reconstituição do bem lesado pelarecorrente, sendo revertidos os valoresarrecadados, em última análise, paraa própria sociedade.

Por todo exposto, a conclusão aque se chega é no sentido de que asLeis n. 9.011/05 e 9.329/07 tiveram ointuito de respaldar a intermediaçãoilícita de mão-de-obra pela SLU e, porconsequência, burlar a exigênciaconstitucional de contratação peloPoder Público através de concursopúblico, o que deve ser prontamentecombatido pelo Ministério Público epela Justiça do Trabalho, por ofenderde forma direta a Constituição daRepública, não se verificando asuposta ofensa aos artigos 5º, incisoII, 18 e 169 da Constituição daRepública.

Nesse passo, tem-se que a r.decisão de primeiro grau, aodeterminar à requerida que contrateempregados públicos medianterealização do concurso público nasatividades de limpeza urbana e seabstenha de contratar tais empregadospor interpostas empresas,restabeleceu a ordem constitucionalviolada, razão pela qual não merecequalquer reparo.

ISSO POSTO, negoprovimento aos recursos da SLU edo SINTRALIX/MG.

Recurso do Ministério Públicodo Trabalho (f. 2067/2071)

Pretende o Ministério Público doTrabalho a redução do prazo de seismeses fixado pelo MM. Juízo de origempara o cumprimento do comandosentencial.

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Mas não lhe assiste razão.O MM. Juízo de origem, ao julgar

os embargos de declaração opostospelo Ministério Público, sanou aomissão apontada para fixar o prazode seis meses após o trânsito emjulgado da sentença para que a SLUcumpra o comando sentencial (f. 1928/1930).

Verifica-se que o cumprimentoda sentença demandará a edição delei municipal, criando novamente oscargos relacionados diretamente àexecução dos serviços de limpezaurbana, extintos pela Lei n. 9.329/07,além da realização de concursopúblico.

Considerando que a tramitaçãode processo legislativo e a realizaçãode todos os procedimentosnecessários para a realização deconcurso público são tarefascomplexas, que exigem o atendimentoa diversos requisitos legais, o prazo deseis meses para o cumprimento docomando sentencial, fixado pelo MM.Juízo a quo, atende ao Princípio daRazoabilidade, devendo ser mantido.

Nada a prover.

ISSO POSTO, nego provimentoao recurso do Ministério Público doTrabalho.

Fundamentos pelos quais,

O Tribunal Regional do Trabalhoda Terceira Região, pela sua PrimeiraTurma, preliminarmente, àunanimidade, conheceu dos recursos;sem divergência, rejeitou aspreliminares de nulidade por negativade prestação jurisdicional, violação aodevido processo legal e ilegitimidadeativa do d. Ministério Público doTrabalho. No mérito, por maioria devotos, negou provimento aos recursos

do Sindicato dos Trabalhadores nasEmpresas de Coleta, Limpeza eIndustrialização do Lixo do Estado deMinas Gerais - SINTRALIX/MG, daSuperintendência de Limpeza Urbana- SLU - e do Ministério Público doTrabalho, vencida a Ex.ma

Desembargadora Relatora, que farájuntada de voto vencido.

Belo Horizonte, 18 de agosto de2008.

MARIA LAURA FRANCO LIMA DEFARIA

Desembargadora Redatora

TRT-01401-2007-015-03-00-4-ROPubl. no “MG” de 26.07.2008

RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICODO TRABALHO

RECORRIDA: GUTIERREZ POINTCOMÉRCIO DE ALIMENTOSLTDA.

EMENTA: AÇÃO CIVIL PÚBLICA- TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA -MOTOQUEIROS. Restandoincontroverso nos autos que aré, além da exploraçãocomercial de restaurantes,com comércio de salgados,doces e bebidas, entrega emdomicílio os seus produtos,são, portanto, essenciais à suaatividade comercial osmisteres desempenhadospelos motoqueiros. Assim, taisfunções não estãoenquadradas em suaatividade-meio, mas sim nasua atividade-fim, não podendoser terceirizadas através deinterposta empresa e muitomenos ser aceita a prestação

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de serviços sem qualquervínculo empregatício comempresa terceirizada, ficandoa cargo dos trabalhadores osaltos riscos da atividadeexercida.

Vistos, relatados e discutidos ospresentes autos, decide-se:

RELATÓRIO

A MM. Juíza do Trabalho AnaMaria Amorim Rebouças, Titular da 15ªVara do Trabalho de Belo Horizonte/MG,por meio da r. sentença de f. 634/642,cujo relatório adoto e a este incorporo,na ação civil pública proposta peloMINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHOcontra GUTIERREZ POINT COMÉRCIODE ALIMENTOS LTDA., extinguiu o feito,sem resolução do mérito, quanto aospedidos de letra “g” da inicial, nostermos do inciso VIII do artigo 267 doCPC c/c artigo 769 da CLT, extinguindoo feito, ainda, com resolução do mérito,quanto aos pedidos de letras “a” a “e”da inicial, nos termos do inciso III doartigo 269 do CPC c/c artigo 769 da CLT,e julgou improcedente o pedido de letra“f” da exordial.

Inconformado, recorreu oMINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHOàs f. 646/650, pugnando pela reformada r. sentença no que diz respeito aoindeferimento do seu pedido decondenação da ré ao cumprimento daobrigação de utilizar somente mão-de-obra de trabalhadores devidamenteregistrados, inclusive aqueles querealizam serviços de entregas dosprodutos que comercializa, na formados artigos 2º, 3º e 41 da CLT, sob penade multa de R$20.000,00 portrabalhador encontrado em situação dedescumprimento da obrigaçãopostulada (pedido de letra “f” da inicial).

Contrarrazões da ré, às f. 655/669, pugnando pelo desprovimento doapelo.

Tudo visto e examinado.É o relatório.

VOTO

Admissibilidade

Próprio e tempestivo,preenchidos os demais pressupostosde admissibil idade, conheço dorecurso.

Mérito

Ilegitimidade ativa ad causam

e falta de interesse de agir doMinistério Público do Trabalho

Alega a ré em suascontrarrazões que o Ministério Públicodo Trabalho não teria legitimidade ativaad causam e nem interesse de agirpara, através da ação civil pública,postular a tutela jurisdicional em proldos direitos trabalhistas de umdeterminado grupo de pessoas, sendoque sua atuação se restringe ainteresses sociais e individuaisindisponíveis (artigo 127 da CR), bemcomo interesses difusos e coletivos(artigo 129 da CR).

Sem-razão.Em primeiro lugar, não se pode

nunca esquecer de que o exame dapresença ou não das denominadascondições da ação deve se darnecessariamente ainda em planoabstrato, in status assertionis, ou seja,à vista do que se afirmou na peça iniciale independentemente de sua efetivaocorrência: em outras palavras, oexame da existência das denominadascondições da ação deve ser feitoexclusivamente em abstrato, à luz das

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alegações do autor em sua petição deingresso, mas sem, nesse momento,perquirir-se da veracidade dos fatos oudo acerto das alegações de direito nelaconstantes (considerações que sóserão pertinentes quando dojulgamento do mérito da causa, ao finaldo iter processual, ou seja, após aobtenção da certeza sobre a veracidadedos fatos controvertidos da causa,decorrente da cognição plena eexauriente, e sobre o direito a elesaplicável, com vistas a declarar aexistência ou a inexistência dos direitossubjetivos disputados em juízo e aconsequente procedência ouimprocedência dos pedidos iniciais).

Nesse sentido é o ensinamentodefinitivo de LIEBMAN, citado por JoséCarlos BARBOSA MOREIRA (em seutrabalho “Legitimação para agir.Indeferimento da petição inicial”,publicado in Temas de direito

processual - 1ª série, São Paulo:Saraiva, 2ª ed., 1988, p. 200):

...todo problema, quer de interesseprocessual, quer de legitimação ad

causam, deve ser proposto eresolvido admitindo-se,provisoriamente e em via hipotética,que as afirmações do autor sejamverdadeiras; só nesta base é quese pode discutir e resolver aquestão pura da legitimação ou dointeresse.

É verdade que, nos casos comoo presente, em que se trata dadenominada legitimação extraordináriapara a causa (em que, por razões depolítica judiciária, a lei ou a própriaConstituição abrem a determinadoórgão ou pessoa a possibilidade deagir em juízo em nome próprio, isto é,como parte, na defesa de alegadodireito que, se existir, não pertencerá a

ele, mas sim a outrem), é ainda precisoperquirir se está configurada, nospresentes autos, a situaçãoexcepcional hipoteticamente previstana lei ou na Norma Fundamental paraautorizar a atuação do substitutoprocessual (no caso, o MinistérioPúblico do Trabalho) na defesa dosdireitos e interesses de terceiros. Noentanto, tudo isso deverá ser feito,repita-se, sem se perquirir da efetivaexistência, no caso concreto, dosdireitos sociais constitucionalmenteassegurados que aquele órgão visaproteger por meio da ação civil públicae cuja ausência levaria não à meradecretação de sua carência, mas simà sua improcedência.

Em termos mais diretos: namedida em que a Constituição daRepública, em seu artigo 127, incumbeao Ministério Público em geral a defesados interesses sociais e individuaisindisponíveis e seu artigo 129 lheatribui de forma específica, em seuinciso III, a função institucional depromover a ação civil pública para aproteção dos interesses difusos ecoletivos em geral, basta, para repeliras arguições recursais de carência daação, verificar se as alegações de suapetição inicial no caso presenteconfiguram, ainda que hipoteticamente,situação em que estejam em jogodireitos e interesses metaindividuaise de estatura constitucional dostrabalhadores em geral.

E a resposta, aqui, é afirmativa:admitindo-se como verdadeira aafirmação da peça inicial da presenteação civil pública que a ora reclamadaestá promovendo a execuçãopermanente de sua atividade-fimatravés de trabalhadores terceirizados,sendo que os mesmos assumemtodos os riscos da atividade de entrega,via motocicleta, dos produtos

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comercializados pela ré, é indubitávela presença, ao menos in status

assertionis, de ofensa aos direitossociais constitucionalmenteassegurados, previstos nos incisos Ie XXII do artigo 7º do TextoFundamental, de forma suficiente paralegitimar e tornar necessária eadequada a atuação extraordinária doMinistério Público do Trabalho em juízopara obtenção de sua tutela específica,nos precisos termos das normas daConstituição, da Lei Complementar n.75/93 e da Lei n. 7.347/85, quedisciplina a ação civil pública.

Nesse contexto, não prevalecea tese da ré de que a situação fática ejurídica hipoteticamente descrita napeça inicial a priori não autorizaria ouso da presente ação civil pública, pornão configurar controvérsia deinteresse público que versasse sobredireitos e interesses a um só tempodifusos e coletivos, de naturezaindivisível. Em outras palavras, seria ocaso de se decretar a carência dapresente ação civil pública porque aquivisar-se-ia tão-somente assegurar atutela de direitos e interesses de umgrupo determinado de pessoas,individualizadas ou passíveis deindividualização.

E isso, em primeiro lugar,porque os direitos e interesses queneste feito se afirmam lesados ouameaçados não são, exclusivamente,individuais homogêneos. Têm eles,simultaneamente, a natureza dedireitos e interesses difusos e coletivosem sentido estrito, em função danatureza coletiva da tutela jurisdicionalque o Ministério Público do Trabalhoestá pleiteando na presente ação (denatureza e alcance que transcendem aesfera meramente individual dostrabalhadores hoje submetidos àterceirização ilícita alegada).

Para demonstrar o acerto dessaafirmação, é indispensável relembrara conceituação legal e doutrinária queo ordenamento jurídico nacional hojeem vigor dá a essas três modalidadesde direitos e interesses de naturezacoletiva, em sentido amplo. Embora aprincípio o ordenamento jurídicobrasileiro não tipificasse, na lei, asvárias espécies de interesses grupaisou metaindividuais (ou seja, interessescoletivos em sentido amplo) passíveisde tutela coletiva, já que a Lei da AçãoCivil Pública (Lei n. 7.347/85, artigo 1º,IV) e a Constituição de 1988 (artigos127, caput, e 129, III) limitavam-se afazer referência a interesses difusos ecoletivos, sem, no entanto, defini-los,em 1990 a Lei n. 8.078, que aprovou oCódigo de Defesa do Consumidor(nesse aspecto inteiramente aplicávelà ação civil pública, repita-se, por forçado artigo 21 da Lei n. 7.347/85), veiosuprir essa lacuna.

Com efeito, o caput e o parágrafoúnico de seu artigo 81 estabeleceramexpressamente que a tutelajurisdicional coletiva poderá serprestada em favor de três espécies dedireitos e interesses, ali perfeitamenteconceituados e definidos na formaseguinte:

Art. 81. [...]Parágrafo único - A defesa coletivaserá exercida quando se tratar de:I - interesses ou direitos difusos,assim entendidos, para efeitosdesse Código, os transindividuais,de natureza indivisível, de que sejamtitulares pessoas indeterminadas eligadas por circunstâncias de fato;II - interesses ou direitos coletivos,assim entendidos, para efeitosdesse Código, os transindividuais denatureza indivisível de que sejatitular grupo, categoria ou classe de

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pessoas ligadas entre si ou com aparte contrária por uma relaçãojurídica base;III - interesses ou direitos individuaishomogêneos, assim entendidos osdecorrentes de origem comum.

Analisando esse dispositivo,Kazuo WATANABE (Código brasileiro

de defesa do consumidor - comentadopelos autores do anteprojeto, p. 718),depois de esclarecer que, nessa lei,os termos “interesses” e “direitos”foram util izados como sinônimos,observa que o legislador preferiu definiros tipos de interesses e direitospassíveis de tutela coletiva justamentepara evitar o perigo enfrentado napresente ação: que dúvidas ediscussões doutrinárias pudessemimpedir a efetiva tutela dessesinteresses e direitos de expressãocoletiva. Demonstra ele, ainda, que atutela coletiva (em sentido amplo), emnosso país, abrange dois tiposfundamentais de interesses oudireitos: a) os essencialmentecoletivos, que são os difusos e oscoletivos propriamente ditos; b) os denatureza coletiva apenas na forma emque são tutelados, que são osindividuais homogêneos.

DINAMARCO (op. cit., p. 51), porsua vez, salienta que todos essesdireitos, em suas três modalidades(difusos, coletivos em sentido estrito eindividuais homogêneos), têm emcomum a uniformidade e a largaexpressão numérica dos sujeitosconcernentes, elementos que desde jápodemos proclamar como presentesno litígio ora em exame.

Diante de tais considerações,conclui-se: é a relevância social (istoé, a dimensão coletiva) do interesseperseguido (não importa se denatureza difusa, coletiva ou individual

homogênea) que determina a naturezae a amplitude da tutela jurisdicionalpretendida. Esta, por sua vez, exigirá autilização de instrumentos processuaisdiferenciados (como a ação civilpública), capazes de permitir aemissão dos provimentos judiciaisigualmente diferenciados (de conteúdoinibitório, voltados à prevenção dareiteração do ilícito) capazes de efetivar,os quais as tradicionais açõesindividuais trabalhistas sãoreconhecidamente incapazes deproporcionar.

Por outro lado, ocorre que, naprática, um mesmo fato frequentementepropicia a ocorrência simultânea delesões a direitos e interesses difusos,a direitos coletivos em sentido estritoe a direitos individuais homogêneos(sendo exatamente essa a situaçãodelineada nos presentes autos). É oque acentuam o i. magistradotrabalhista da 11ª Região SANDRONAHMIAS MELO (in Meio ambiente do

trabalho: direito fundamental, SãoPaulo: LTr, 2001, p. 33/36) e o i. doutore professor de Direito Processual Civilda Universidade de São PauloRODOLFO CAMARGO MANCUSO (emseu citado artigo “Ação civil públicatrabalhista: análise de alguns pontoscontrovertidos”, in LTr 60-09/1.180-1.196, setembro/1996, esp. p. 1.184).Destacando essa “superposição dosplanos” difuso, coletivo ou individual,observa este último doutrinador, cominegável acerto, que uma mesmaocorrência fático-jurídica pode permitirseu enquadramento em qualquer umadessas categorias, dependendo daótica em que se coloque o observadore do “grau de coletivização” que impliqueo conflito de interesses concretamenteconsiderado (bem como a natureza doprovimento jurisdicional pretendidopara solucioná-lo, reiteramos nós).

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Aplicando esses ensinamentosdoutrinários ao caso presente, pode-se concluir que a terceirização ilícitapode ao mesmo tempo servir de basepara uma ação como a presente, emque se busca a tutela coletiva de todosos interessados, presentes e futuros,através de um provimento jurisdicionalde natureza inibitória daquela situaçãode ilegalidade, ao mesmo tempo emque também poderia servir defundamento para uma (ou mais deuma) ação na qual se pleiteie tutelaestritamente individual e de cunhopreponderantemente ressarcitório dosdanos causados a cada um dostrabalhadores efetivamente lesadospor esta mesma situação deilegalidade.

Embora, pelos motivos acimaexpostos, fosse de se admitir o uso dapresente ação civil pública mesmo queaqui se tratasse tão-somente dadefesa de direitos individuaishomogêneos lesados ou ameaçadospelo procedimento genérico dareclamada (de dimensão e alcancecoletivos, portanto), é fácil concluir que,no caso presente, também estão emjogo, por igual, direitos difusos ecoletivos em sentido estrito, cuja tutelanecessariamente metaindividual nãosó autoriza, como também exige, autilização desse tipo especial de ação.

Com efeito, o simples exame dacausa de pedir e dos correspondentespedidos iniciais objeto da presenteação demonstra que o MinistérioPúblico do Trabalho não está agindoem favor de um ou de outro dostrabalhadores terceirizadosindividualmente considerados, massim de uma perspectiva rigorosamentecoletiva, ao postular,fundamentalmente, a proibição de umaatividade ilícita continuada, capaz delesar ou ameaçar, no presente e no

futuro, o conjunto de trabalhadoresque, no presente ou no futuro, e casonão seja concedido o provimentoinibitório aqui pretendido, continuaráprestando serviços à ré em suaatividade-fim, embora formalmentecontratados como empregados deempresa interposta ou simplesmentetrabalhando sem qualquer vínculoempregatício.

Como já esclarecidoanteriormente, pretende o MinistérioPúblico do Trabalho, neste caso, queo Poder Judiciário trabalhista ordene àreclamada que esta se abstenha deterceirizar parte de sua atividade-fim.

Não há como negar, portanto, quea ação civil pública realmente se presta àdiscussão, em âmbito coletivo, da ilicitudeda terceirização de certas atividades deuma determinada empresa, quando sealegar que estas integram ou constituemsua atividade-fim, por envolver talpretensão também direitos einteresses difusos e coletivos, nosprecisos termos do caput do artigos127 e inciso III do artigo 129 daConstituição da República. Trata-se,aqui, portanto, de prestar uma tutelainibitória no plano coletivo e não umamera tutela ressarcitória no planoindividual, ainda que de forma plúrima.

Do mesmo modo tem sido oentendimento jurisprudencialpredominante, como bemexemplificam as seguintes ementas:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA -LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIOPÚBLICO DO TRABALHO. Éindiscutível que o Ministério Públicodo Trabalho tem legitimidade parapropor ação civil pública na esferatrabalhista, em face da literalidadedo inciso III do artigo 83 da LeiComplementar n. 75, de 20.05.93,que teve como base o inciso III do

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art. 129 da Constituição da República.E o objeto da referida ação é adefesa dos interesses difusos ecoletivos, dentre os quais se incluemos interesses individuaishomogêneos, tais como aquelesrelacionados ao meio ambiente dotrabalho, à saúde e à segurança dosempregados de determinadaempresa.(Ac. do TRT da 3ª Região, RO-00166-2005-103-03-00-0, Rel. MárcioFlávio Salem Vidigal, pub. no Minas

Gerais de 08.7.2005)

AÇÃO CIVIL PÚBLICA -LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIOPÚBLICO DO TRABALHO - DIREITOSDIFUSOS E COLETIVOS. Direitoscoletivos são os transindividuais denatureza indivisível compostos porgrupo, categoria ou classe depessoas ligadas entre si, ou com aparte contrária por uma relaçãojurídica-base, e o direito perquiridocentra-se no ambiente do trabalhodos empregados, ex-empregadosou futuros empregados da requerida,particularizado em extrapolaçãoilegal das jornadas de trabalho,utilização da Justiça do Trabalho parahomologar rescisões contratuais, noque afeta grupo determinado depessoas (todos os trabalhadoresenvolvidos com a empresa), comotal, indivisível (não se o identifica(sic) isoladamente) e vincula oempregador com a comunidadeprofissional na mesma relaçãojurídica-base (contratação à mercêda Lei Trabalhista) e às normas desegurança do contrato de trabalho(Título II do Capítulo V da CLT). Ahipótese traz a possibilidade de nãocumprimento de comezinhasgarantias sociaisconstitucionalmente asseguradas,

concluindo-se no assim proceder aempresa com quase todos ostrabalhadores contratados e queassim procederá em eventuaiscontratações, mantendo condutarenitente com o ordenamentotrabalhista, por isso, o argumento deque a ação civil pública fora ajuizadaapenas para satisfazer direitosindividuais não se sustém, não sepodendo fragmentar direitos aosquais o legislador conferiu, para osfins da tutela coletiva, o caráter deindivisibilidade. Há legitimidadeconstitucional e legal para oajuizamento da ação civil públicatrabalhista na defesa da coletividadeem sentido amplo (potenciaisempregados a serem contratadosencorpando direito difuso) e dacoletividade em sentido estrito (osque já lhe prestam serviçosdemarcando direito coletivo),sistemática do Código de Defesa doConsumidor (art. 81, parágrafoúnico, I e II, que deve ser tomado emcotejo com o inciso III do art. 129 daConstituição da República e art. 83da Lei Complementar n. 75/93,dispondo expressamente acerca dacompetência do Órgão do Parquet

para promover ação civil pública noâmbito da Justiça Especial doTrabalho). O caráter difuso do danoconfere ao MPT legitimidade,caracterizada por lesões em massacom a indeterminação dosdestinatários, reclamando o institutotutelar perante o Judiciário, no caso,a ação civil pública prevista na Lein. 7.347/85.(Ac. do TRT da 3ª Região, RO-01466-2005-008-03-00-0, Rel. Maria LúciaCardoso de Magalhães, pub. noMinas Gerais de 08.07.2006)

MINISTÉRIO PÚBLICO DO

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TRABALHO. LEGITIMIDADE ATIVA.AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITOSINDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS.INTERESSE SOCIAL RELEVANTE. 1.Na dicção da jurisprudênciacorrente do Supremo TribunalFederal, os direitos individuaishomogêneos nada mais são do quedireitos coletivos em sentido lato,uma vez que todas as formas dedireitos metaindividuais (difusos,coletivos e individuaishomogêneos), passíveis de tutelamediante ação civil pública, sãocoletivas. 2. Considerando-seinterpretação sistêmica e harmônicados artigos 6º, VII, letras c e d, 83 e84 Lei Complementar 75/93, não hácomo negar a legitimidade doMinistério Público do Trabalho paratutelar direitos e interessesindividuais homogêneos, sejam elesindisponíveis ou disponíveis. Osdireitos e interesses individuaishomogêneos disponíveis, quandocoletivamente demandados em juízo,enquadram-se nos interessessociais referidos no artigo 127 daConstituição Federal. 3. O MinistérioPúblico detém legitimidade paratutelar judicialmente interessesindividuais homogêneos, ainda quedisponíveis, ante o notório interessegeral da sociedade na proteção dodireito e na solução do litígiodeduzido em juízo. Verifica-se,ademais, que o interesse social arequerer tutela coletiva decorretambém dos seguintes imperativos:facilitar o acesso à Justiça; evitarmúltiplas demandas individuais,prevenindo, assim, eventuaisdecisões contraditórias, e evitar asobrecarga desnecessária dosórgãos do Poder Judiciário. 4.Solução que homenageia osprincípios da celeridade e da

economia processuais,concorrendo para a consecução doimperativo constitucional relativo àentrega da prestação jurisdicional emtempo razoável. 5. Recurso deembargos conhecido e provido.(TST-E-RR - 411489/1997, SDI-1,Redator: Lélio Bentes Corrêa, DJ de07.12.2007)

RECURSO DE REVISTA. AÇÃO CIVILPÚBLICA. DIREITOS INDIVIDUAISHOMOGÊNEOS. LEGITIMIDADEATIVA. MINISTÉRIO PÚBLICO DOTRABALHO. DIREITOS INDIVIDUAISINDISPONÍVEIS. O art. 6º, VIII, d , daLC n. 75/93 dispõe que o MinistérioPúblico do Trabalho poderápromover ação civil pública para adefesa de outros interessesindividuais indisponíveis,homogêneos, sociais, difusos ecoletivos. O Regional, ao nãoobservar a legitimidade legalmenteconferida ao Ministério Público doTrabalho para propor ação civilpública na defesa de interessesindividuais homogêneos, viola àsupracitada norma complementar.Recurso de Revista conhecido eparcialmente provido.(TST - RR - 30099/2002-900-21-00,3ª Turma, Relator: Ministro CarlosAlberto Reis de Paula, DJ de08.02.2008)

Por fim, registro que a questãoda legitimação do Ministério Público doTrabalho para a defesa da ordemjurídica, quando envolver interessesindividuais homogêneos, estásuperada pelo Supremo TribunalFederal, nos seguintes termos:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO.AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO CIVILPÚBLICA. LEGITIMIDADE ATIVA.

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MINISTÉRIO PÚBLICO. DEFESA DEDIREITOS INDIVIDUAISHOMOGÊNEOS NA ESFERATRABALHISTA. 1. Assentada apremissa de que a lide em apreçoversa sobre direitos individuaishomogêneos, para dela divergir énecessário o reexame dascircunstâncias fáticas que envolvemo ato impugnado por meio dapresente ação civil pública,providência vedada em sede derecurso extraordinário pela SúmulaSTF n. 279. 2. Os precedentesmencionados na decisão agravada(RREE 213.015 e 163.231) revelam-se perfeitamente aplicáveis ao caso,pois neles, independentemente daquestão de fato apreciada, fixou-setese jurídica no sentido dalegitimidade do Ministério Públicoajuizar ação civil pública na defesade interesses individuaishomogêneos na esfera trabalhista,contrária à orientação adotada peloTST acerca da matéria em debate.3. Agravo regimental improvido.(RE-AgR 394180 / CE - CEARÁ,Relatora Min. ELLEN GRACIE,Segunda Turma, DJ de 10.12.2004)

Diante disso e à luz do queestabelecem o inciso III do artigo 129da Constituição de 1988, artigo 6º, III,“d” e inciso III do artigo 83 da LeiComplementar n. 75/93 e artigo 11 daLei n. 7.347/85, não pode haver dúvidade que o Ministério Público do Trabalho,no caso presente, não é carecedor dapresente ação civil pública.

Rejeito a preliminar.

A ilicitude da terceirização deatividades-fim

Postula o recorrente a reformado julgado no que tange ao

indeferimento do seu pedido de letra“f” da exordial, ao argumento de que aexploração comercial da ré inclui aentrega em domicílio, ainda que talatividade não conste expressamentedo seu objeto social, tratando-se,portanto, de atividade-fim da empresa,porque essencial ao desenvolvimentoda atividade proposta, sendo ilegal suaterceirização. Aduz que, ainda que seadmita a possibil idade daterceirização, dúvida não há quanto àausência de formalização eprecarização do trabalho dosmotoqueiros, tornando ilegal a formade contratação.

Com razão.É sabido que a pura e simples

intermediação de mão-de-obra, semqualquer justif icativa plausível, évedada pelo Direito do Trabalho,formando-se o vínculo empregatíciodiretamente com o tomador dosserviços, salvo nas hipóteses detrabalho temporário, ou nos casos decontratação de serviços de vigilância,conservação e limpeza, bem como deserviços especializados ligados àatividade-meio do tomador, desde queinexistentes a pessoalidade e asubordinação direta, nos termos doentendimento consubstanciado naSúmula n. 331 do TST. A grandepreocupação é no sentido de se evitarque a mão-de-obra seja explorada porum terceiro intermediário como sefosse mercadoria, abolindo-se amarchandage, que, segundo osaudoso jurista baiano OrlandoGomes, nada mais é do que “oexpediente de realizarem-se diversassubempreitadas com o propósito delivrar o dono da obra de certasresponsabilidades que lhe adviriam secontratasse diretamente ostrabalhadores” (Contratos, Rio deJaneiro: Forense, 5ª ed., 1975, p. 354),

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propiciando, dessa forma, aconservação da fonte de trabalho, como objetivo de dar segurança econômicaao trabalhador e incorporá-lo aoorganismo empresarial.

No ordenamento jurídico-trabalhista brasileiro não é lícita aterceirização das atividades-fim dedeterminada empresa. E isso decorrenão exatamente do claro teor doentendimento jurisprudencialconsagrado nos itens I e III da Súmula331 do Colendo Tribunal Superior doTrabalho (que, de fato, autorizam talconclusão), mas sim do próprioconceito de terceirização, em cotejocom os princípios do Direito doTrabalho, com a conceituação deempregado e de empregadorinsculpida nos artigos 2º e 3º da CLT ecom as normas da Constituição de1988 que estipulam que a ordemeconômica, fundada na valorização dotrabalho humano, tem por fimassegurar a todos a existência digna,conforme os ditames da justiça social,e ainda que a ordem social tenha comobase o primado do trabalho e comoobjetivo o bem-estar e a justiça social(artigos 170 e 193 do TextoFundamental).

É preciso que se diga, emprimeiro lugar, que não se pretendecombater a terceirização de serviços apriori e a qualquer custo, sendonecessário que os operadores doDireito reconheçam que ela nada temde ilegítimo, enquanto produto daciência econômica e da ciência daadministração que visa à melhoria daprodutividade da economia em geral edas empresas em particular (inclusiveatravés da redução dos custos deprodução). Porém, há, emcontrapartida, limites a esse fenômenoque são dados pelo ordenamentojurídico, em seus planos constitucional

e infraconstitucional, que também nãopodem ser ignorados pelosoperadores econômicos.

Como bem acentua o i. jurista eMinistro do Colendo TST MauricioGodinho DELGADO (in Curso de direito

do trabalho, São Paulo: LTr, 2002, p.417), a terceirização, para o Direito doTrabalho, consiste no “fenômeno peloqual se dissocia a relação econômicade trabalho da relação justrabalhistaque lhe seria correspondente”,causando uma evidente tensão com aestrutura teórica e normativa originaldo Direito do Trabalho (refletida nadicção dos artigos 2º e 3º da CLT, queelencam os elementos da clássicarelação jurídica bilateral que é ocontrato de trabalho), que leva a quesó excepcionalmente se admita essamodalidade de contratação da força detrabalho.

O motivo dessa limitação, comobem explica o eminente Ministro doColendo Tribunal Superior do TrabalhoVantuil ABDALA (em seu trabalho“Terceirização: atividade-fim eatividade-meio - responsabilidadesubsidiária do tomador de serviço”, in

LTr 60- 05/587, de maio de 1996), éexatamente o caráter imperativo e deordem pública das normas trabalhistas(inclusive dos citados artigos 2º e 3ºda Consolidação, bem como de seusartigos 9º e 442) que determina que,em princípio e como regra geral, aprestação de serviços subordinadosnaquelas condições faça surgir ovínculo empregatício diretamente entreo prestador e o tomador daquelesserviços. Contudo, tem-se admitidoexcepcionalmente que este tomadorpromova a contratação de mão-de-obrapor interposta pessoa, se houverrazoável justificativa para tanto e,mesmo assim, desde que não sirvaela como mero véu para encobrir a

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verdadeira subordinação dostrabalhadores pseudoterceirizadoscom o tomador de seus serviços.

A transferência, para terceiros,de serviços que originalmente seriamexecutados por empregados da própriaempresa só se justif ica se issoacarretar a liberação dessa entidadeempresarial de realizar atividadesconsideradas acessórias (asdenominadas atividades-meio) paraque possa concentrar a energia e acriatividade de seus própriosempregados em suas atividadesessenciais (as chamadas atividades-fim), alcançando assim maioreficiência, qualidade e produtividadeem seus produtos e serviços. Por issomesmo, aliás, Otávio Bueno MAGANOensina que “modernamente, terceirizarsignifica a entrega a terceiros deatividades não essenciais à empresa”(in “O TST e a prestação de serviços aterceiros”, LTr n. 01/87).

O i. Ministro do TST VantuilABDALA, depois de também definir aterceirização, promovida pelasempresas, como o “sistema dedelegar a terceiros ou a terceiras aexecução de serviços complementaresà sua finalidade” (op. cit., p. 587), deixaclaro que não se pode admitir aterceirização generalizada e semqualquer justificativa (exatamente oque ocorre em relação às atividades-fim da empresa tomadora dosserviços), acentuando que só seráadmissível a terceirização dasatividades-meio da empresa e, aindaassim, apenas se se tratar daprestação de serviços especializadosatravés de uma empresa que não sejaapenas de locação de mão-de-obra,quando será incapaz de propiciar oincremento de qualidade que ajustifica.

Deixa ele claro, a seguir, que

esses serviços passíveis deterceirização pela empresa tomadoraserão somente aqueles que sejam“serviços de apoio ou complementaresaos de sua finalidade” ou, nomagistério de Mauricio DELGADO (op.

cit., p. 429/430), “atividades que não seajustam ao núcleo das atividadesempresariais do tomador de serviços”,sendo, pois, atividades periféricas àessência ou dinâmica empresarialdesse tomador dos serviços.

O ilustre jurista João de LimaTEIXEIRA FILHO (in Instituições de

direito do trabalho, São Paulo: LTr, 16ªed., 1996, p. 275/276) adverte que “aoDireito do Trabalho importa que aempresa desenvolva com empregadospróprios as atividades que explicamsua existência e lhe dão perenidade”,acrescentando com propriedade que“a fraude não está em ser estecontingente de pessoal enxuto emrelação ao número de empregados queum dia a empresa já ostentou, massim, precisamente, em seccionaratividades realmente essenciais daempresa como se fossem acessórias,terceirizando-as”, sendo estes,acrescentamos nós, o sentido e a razãode ser do item III da Súmula n. 331 doTST.

Esse mesmo doutrinadortambém ali deixa claro que aterceirização, para legitimar-se e assimpoder ser considerada lícita, tem queatender a um requisito econômicoinafastável:

as atividades descentralizadas têmque se superar, passando aapresentar melhor resultado,presumivelmente com contingentede pessoal menor, porém maisqualif icado. Caso contrário, adesincorporação empresarial éinexplicável. (grifos nossos)

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Da mesma forma, o mesmo i.Ministro Vantuil ABDALA, depois dereconhecer que não há parâmetrosbem definidos do que sejam atividade-fim e atividade-meio e que haverásituações em que o juiz se verá diantede uma zona cinzenta, recomenda comacerto que esse faça tal distinção

levando em conta as razões maiselevadas do instituto: a especialização;a concentração de esforços naquiloque é a vocação principal da empresa;a busca de maior eficiência na suafinalidade original, e não apenas adiminuição de custos. (op. cit., p. 588)

Em última análise, a razão deser da ilicitude da terceirização dasatividades-fim empresariais, porém, ébem mais simples: se o empregador,na dicção do artigo 2º da CLT, é aqueleque, assumindo os riscos da atividadeeconômica, dirige a prestação pessoaldos serviços pelos trabalhadores queatuam no âmbito da empresa, seriacontraditório, absolutamente paradoxale, portanto, lógica e juridicamenteinaceitável admitir que qualquerempresário abrisse mão da parcelaessencial e inalienável de seu poderdiretivo para permitir que o trabalhadorterceirizado ficasse subordinado a umterceiro, na execução diária dosserviços que são a própria razão de sere o objeto central de seuempreendimento. Ou ele deixaria de sero empreendedor ou, na prática, aquelestrabalhadores continuariam, narealidade, sendo a ele subordinados(atraindo assim a incidência do artigo9º da CLT e o entendimentojurisprudencial consagrado nos itens Ie III da Súmula n. 331 do TST, queproclamam a formação do vínculoempregatício diretamente com otomador dos serviços se houver

pessoalidade e subordinação direta dotrabalhador em relação a ele).

Só se pode mesmo concluir,portanto, na esteira do item III da Súmulan. 331 do TST, que só é admissível aterceirização de serviços especializadosligados à atividade-meio do tomador.

O que resta evidente, nopresente caso, é que a ré entrega emdomicílio os seus produtos, sendoessenciais à sua atividade comercialos misteres desempenhados pelosmotoqueiros. Assim, tais funções nãoestão enquadradas na sua atividade-meio, mas sim na sua atividade-fim,não podendo ser terceirizadas atravésde interposta empresa.

Além disso, o auto de infraçãode f. 24 demonstra que os motoqueirosque trabalham para a reclamada nãoestão registrados em nenhumaempresa de prestação de serviços,estando os mesmos trabalhando emsituação precária, o que não pode serignorado pelo Judiciário.

Ou seja, visando a baixar seuscustos e reduzir despesas compessoal, a ré logrou o seu objetivo pormeio do enxugamento de seu quadrode empregados, quebrando o princípioisonômico e o de solidariedade quegrassam as relações de trabalho e quesão o elemento motriz de toda aformatação do associativismo esindicalismo, pedra de toque doenquadramento das categoriaseconômica e profissional (artigo 511 daCLT).

A atitude da ré, nesse sentido,atuou de forma exatamente contrária aesse primado, na medida em que,retalhando suas várias etapas deatuação, desmobilizou a categoriaprofissional, numa reprovável busca demais-valia. Basta ver-se que osmotoqueiros, ao não seremcontratados como empregados seus,

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além de deixarem de auferir direitosconquistados por essa categoriaprofissional, não recebem nenhumtreinamento preventivo contraacidentes do trabalho, bem comoassistência médica, ficando totalmentedesamparados no exercício de suasfunções, que, como se sabe, são dealto risco. Assim, ao final de um ano, aeconomia com despesas de pessoal,observando o expediente utilizado pelaempresa, salta aos olhos, e tudo, comodito, em detrimento do trabalhador.

Ainda que os motoqueirosfossem contratados através de empresainterposta, estar-se-ia homenageando ocapital em detrimento do trabalho. Issoporque quem ganharia, inexoravelmente,seria o empregador, seja o terceirizante,seja o terceirizado; quem perderia,também, inexoravelmente, seria oempregado, o que não pode ser aceito.

Diante do exposto, douprovimento ao presente recurso paracondenar a ré a satisfazer a obrigaçãode utilizar somente mão-de-obra detrabalhadores devidamenteregistrados, inclusive os motoqueirosentregadores, sob pena de pagamentoda multa de R$10.000,00 (dez milreais) por trabalhador encontrado emsituação irregular, valor esse reputado,pela d. maioria, como razoável esuficiente para inibir a reiteração daconduta ilícita, vencida esta Relatora,no aspecto, que considerava maiscondizente com a gravidade da lesão amulta de R$20.000,00 (vinte mil reais)para cada trabalhador porventuraencontrado em situação irregular.

Provimento parcial que se dá,nesses termos.

CONCLUSÃO

Conhece-se do recurso ordináriointerposto pelo Ministério Público do

Trabalho e, no mérito, dá-se provimentopara condenar a ré a satisfazer aobrigação de utilizar somente mão-de-obra de trabalhadores devidamenteregistrados, inclusive os motoqueirosentregadores, sob pena de pagamentoda multa de R$10.000,00 (dez mil reais)por trabalhador encontrado em situaçãoirregular. Invertidos os ônus dasucumbência, condena-se a ré aopagamento das custas processuais, noimporte de R$1.000,00, calculadassobre o valor da condenação, oraarbitrado em R$50.000,00, vencidaparcialmente esta Relatora que aplicavaa multa no valor de R$20.000,00.

Fundamentos pelos quais,

O Tribunal Regional do Trabalhoda Terceira Região, pela sua QuintaTurma, à unanimidade, conheceu dorecurso ordinário interposto peloMinistério Público do Trabalho; no mérito,por maioria de votos, deu-lhe provimentopara condenar a ré a satisfazer aobrigação de utilizar somente a mão-de-obra de trabalhadores devidamenteregistrados, inclusive os motoqueirosentregadores, sob pena de pagamentoda multa de R$10.000,00 (dez mil reais)por trabalhador encontrado em situaçãoirregular. Invertidos os ônus dasucumbência, condenou a ré aopagamento das custas processuais, noimporte de R$1.000,00, calculadas sobreo valor da condenação, ora arbitrado emR$50.000,00, vencida parcialmente aEx.ma Juíza Convocada Relatora queaplicava a multa no valor de R$20.000,00.

Belo Horizonte, 15 de julho de2008.

ADRIANA GOULART DE SENAJuíza (convocada) Relatora

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TRT-00050-2008-072-03-00-0-ROPubl. no “MG” de 13.12.2008

RECORRENTES: ROSE MAREFONSECA SILVA E OUTROS

RECORRIDA: COMPANHIAFERROLIGAS MINAS GERAIS -MINASLIGAS

EMENTA: INDENIZAÇÃO PORDANOS MORAIS. Fica oempregador obrigado aindenizar o empregado pordanos provenientes deacidente do trabalho quandoincorrer em dolo ou culpa,consoante o disposto no incisoXXVIII do art. 7º da CR.

RELATÓRIO

A Juíza Ana Carolina SimõesSilveira, da Vara de Pirapora, julgouimprocedente a reclamatória.

Os reclamantes aviam recursoinsistindo nos pedidos de indenizaçãopor danos morais e materiaisprovenientes da morte de José Carlosda Silva.

Contrarrazões às f. 339/345.A Procuradoria Regional do

Trabalho emitiu parecer oral emsessão.

VOTO

Conheço do recurso porquepróprio, tempestivo e não sujeito apreparo.

Alegam os recorrentes que oacidente aconteceu por negligência eimprudência da recorrida e seupreposto, pois poderiam tê-lo evitadomediante adoção de medidas desegurança; o engenheiro florestal daempresa, José Evaristo de Oliveira,atestou que a empresa mantém uma

equipe devidamente treinada e comferramental adequado para combate aincêndio, mas esta não foi chamadapara debelar o fogo que atingiu aspastagens da fazenda onde o de cujus

trabalhava, vitimando-o fatalmente;referido engenheiro atestou que foiacionado às 17h pelo Gilberto,administrador da fazenda, tendo estelhe dito que o incêndio estava sobcontrole; que Gilberto foi negligente aodeixar de chamar a equipe de combatea incêndio e determinar que a tarefafosse realizada por pessoasdesprovidas de treinamento eferramentas adequadas, tendo sidotambém imprudente quando afirmouque o fogo estava sob controle; todasas decisões acerca do incêndio foramtomadas por Gilberto, não tendo o de

cujus tomado a decisão de não chamara equipe treinada; os trabalhadoresnão teriam sido expostos a risco se oGilberto tivesse procedido da formacorreta; a recorrida foi negligentetambém ao não ministrar treinamentoao de cujus, não havendo nos autosprova de que fora treinadoanteriormente, tendo Gilberto afirmadoque a vítima lhe havia dito que ele,Gilberto, estava mais acostumado alidar com fogo; também não há provade que na grade curricular do cursotécnico do falecido empregado haviamatéria relativa a queimadascontroladas, além do que essa não é ahipótese dos autos, de queimadaflorestal sem qualquer controle; que,de toda forma, o combate a incêndiosflorestais é uma atividade que, por suanatureza, representa risco para ostrabalhadores, o que já é suficientepara impor à recorrida as reparaçõespleiteadas.

Incontroverso o acidente dotrabalho que levou à morte, porqueimadura, o marido da 1ª recorrente

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e pai dos demais, resta saber sedecorreu ele de dolo ou culpa dareclamada, sem o que as indenizaçõespleiteadas não podem ser deferidas, ateor do inciso XXVIII do art. 7º daConstituição da República, queconsagra o princípio daresponsabilidade subjetiva.

De início, tem-se que o incisoXXII do referido art. 7º da CR assegurao direito dos trabalhadores à reduçãodos riscos inerentes ao trabalho,direito esse flagrantemente violado nocaso sob exame, pois quem tem omínimo de conhecimento de práticasrurais sabe que se deve manteraceiros, principalmente nas cercasdivisórias de pastagens, para protegê-las e para evitar a propagação do fogoe, pelo que consta da prova oralproduzida, toda ela a rogo dareclamada, não obstante tratar-se deterra seca, no Município de JoãoPinheiro (f. 68), com braquiária alta, osaceiros somente começaram a serfeitos na tentativa desesperada deconter o avanço das chamas:

[...] que o de cujus falou com odepoente que era para fazer o aceiropara o fogo não atravessar o pasto;que o depoente ia fazendo os aceirose o de cujus ia atrás tirando oscapins que ficavam para o fogo nãoatravessar; que, quando chegou emuma cerca com a outra, o depoenteolhou para trás e viu o de cujus; odepoente abaixou a aceleração efalou para o de cujus “abre o colcheteque eu vou salvar que não tem jeitode fazer mais nada”; que chamou ode cujus para ir embora e ele nãoouviu; que o depoente desceu e foina direção de uma represinha, ondeo depoente conseguiu se salvar dofogo... [sic , José Felisberto deSouza, f. 307/308].

Não bastasse a falta deprevenção, o acidente trouxe a lume odespreparo do gerente Gilberto, pois,mesmo ciente de que perto da fazendaa recorrida possui uma brigada decombate a incêndio, devidamentetreinada e com ferramentas adequadas,não a acionou; pelo contrário, apesar deter informado que o incêndio foi verificadoàs 15h30min e que chegou ao local às16h (f. 305), às 17h telefonou para oengenheiro florestal da empresa dizendoque o incêndio estava sob controle:

[...] que na fazenda onde ocorreu oacidente não tem brigada decombate a incêndio; que perto dafazenda tem uma equipedevidamente treinada e comferramental adequado em caso deemergência; que a fazenda e opessoal treinado para combate aincêndio pertencem à reclamada;que este pessoal não foi chamadopara combater o incêndio no dia doacidente, acreditando que o pessoalque estava na fazenda ondeocorreu o acidente não tinhadimensão da gravidade do incêndio;que o depoente foi acionado portelefone no dia do acidente por voltadas 17h pelo Sr. Gilberto, sendo queeste esclareceu ao depoente que oincêndio estava sob controle... [sic,José Evaristo de Oliveira, engenheiroflorestal da recorrida, f. 308/309].

A recorrida procura demonstrarque o falecido empregado tinhaexperiência no combate a incêndios,sendo que havia também matéria nagrade curricular do curso técnico quefrequentou, mas não há prova nessesentido, ao revés, os documentos de f.62/66 mostram que, nos seus 12 anosde técnico em agropecuária, trabalhoucom reflorestamento, agricultura e

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pecuária nos primeiros 6 meses, tendotrabalhado posteriormente apenascom fruticultura, agricultura e pecuária,e o sobredito engenheiro disse apenasque, normalmente, no curso de técnicohá matéria relativa a noções dequeimada controlada (f. 308), ou seja,trata-se de mera suposição de quehavia aulas de meras noções quanto aqueimada controlada, o que é bemdiverso de uma queimada acidental oucriminosa numa propriedade de 5.000hectares, em pleno fim de seca, compastagens altas de braquiáriaentremeada de árvores, sem aceirospreventivos. Além disso, há umapassagem no depoimento do gerentena qual deixa escapar que o de cujus

afirmou não ter experiência:

Que estávamos na sede todo mundoe aí apareceu uma fumaça há unsdois quilômetros da sede e nóssaímos todos os funcionários emuma caminhonete em direção aofogo. O vento estava trabalhando àdireita de onde o fogo apareceu etinha uma casa na beira da estradae nós fomos defender primeiro acasa. O Sr. José Carlos estava juntoe os demais funcionários queestavam na fazenda também.Conseguimos cercar o fogo antesde atingir a casa e voltamos para olado esquerdo de novo e descemospara defender uma área de pasto.Aí, eu, o Zé Carlos mais seisfuncionários descemos pelocorredor à direita e uma máquina deesteira e um trator de pneu com umapipa de água desceu do outro ladofazendo contrafogo, e nós, a pé,também descemos fazendo ocontrafogo. Nós descemos mais oumenos uns 500 metros defendendodo fogo para onde ele estavaqueimando. Paramos numa beira de

cerca e eu falei com eles “eu vounuma máquina de esteira pedir paraela virar na direção nossa praencontrar os contrafogo”. Quandoestava na caminhonete, há uns 50metros onde estava aguardando, oJosé Carlos pediu prá mim levar ofacão que estava na caminhonetepara cortar ramos para apagar ofogo. Quando lá cheguei ele pediupara ir aonde estava a máquina queeu ficasse a pé com os peõesporque estava mais acostumado alidar com fogo. Aí eu dei a direçãoda caminhonete para o Zé Carlos eele foi sozinho encontrar a máquinade esteira... [sic, gerente GilbertoJosé Caixeta, f. 303/304].

Veja-se que Zé Carlos, a vítima,confessava ao seu gerente não estaracostumado a lidar com fogo e, cienteda intenção do gerente de dar a ordemao condutor do trator de esteira, pediuque fosse ele, Zé Carlos, nacaminhonete, levar o recado, saindo docombate direto ao fogo. Por outro lado,a fala do gerente mostra que tinhaconhecimento prático de comocombater o incêndio.

A recorrida procura demonstrartambém que o falecido trabalhadortinha assumido a gerência da fazendaem substituição a Gilberto, jácumprindo aviso prévio, e que teria elecomandado o combate ao incêndio,mas essa tentativa, data venia, beira àingenuidade, pois a vítima havia sidocontratada a título de experiência, comoadmitiu o preposto à f. 307, fato esseque aconteceu em 09.07.07 (f. 58), ouseja, 16 dias antes do incêndio,ocorrido no dia 25.07.07 (f. 70 e 82),além do que foi encaminhado à Seçãode Pessoal no dia 09.07.07 paraadmissão na função de “técnicoagropecuário”, como se vê no verso da

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f. 63, o que acabou acontecendo,conforme registro à f. 58, função bemdiversa do cargo de gerente, ocupadopor Gilberto, conforme se vê no boletimde ocorrência à f. 68. Adite-se, ainda,ter havido completo desencontro entreos documentos e o depoimento deGilberto, no tocante às datas da suaadmissão e de sua rescisão contratual,senão vejamos:

Na época dos fatos trabalhava comoempregado da reclamada na árearural onde ocorrera; que conheceuo sucedido José Carlos da Silva; quena época “eu estava de aviso e oZé Carlos iria trabalhar no meulugar”; que o depoente trabalhavano local desde maio de 2006 - doismil e seis - e trabalhou até abril de2007 - dois mil e sete; que areclamada adquiriu a área rural emoutubro de 2006 - dois mil e seis - eassumiu a área em dezembro domesmo ano... [sic, Gilberto JoséCaixeta, f. 303].

Já no documento de f. 80 constaque foi admitido em 1º.12.06, não emmaio de tal ano, e que deu aviso prévioem 02.08.07, depois, portanto, doacidente, e, se trabalhou apenas atéabril de 2007, seu contrato não teriavigorado até 31.08.07 (f. 80),incongruências essas que mostram odesespero da testemunha no intuito deprovar a assunção do comando dafazenda pelo falecido técnico emagropecuária, contratado como tal.

Também não é preciso muitaastúcia para concluir que o gerente nãoentregaria o comando da operação aofalecido, pois queria salvar a própria pelee sabia, com certeza, pelos dizeres doseu depoimento, que para essecomando era preciso, além deexperiência e treinamento, ter

conhecimento detalhado da área, queera de 5.000 hectares (f. 70), inclusivesabendo as direções costumeiras dascorrentes de vento, coisa que eraimpossível o reclamante saber em 16dias de serviços, até porque, por certo,não eram essas as informações quereceberia primeiramente. E a falta desseconhecimento, bem como de experiênciaem lidar com incêndios, aliada aodespreparo, prepotência e descaso dogerente, e à falta de solidariedade datestemunha José Felisberto de Souza,foi que levou o de cujus à morte, pois seconhecesse o terreno, inclusive a“represinha” onde Felisberto se salvou,e as direções do vento, poderia terconseguido refúgio; se o gerente nãofosse prepotente e despreparado, teriaprocurado ajuda da equipeespecializada e não teria informado aoengenheiro que o incêndio estava sobcontrole, muito menos exposto a própriavida e de mais onze trabalhadores aorisco; se Felisberto fosse pouco maissolidário, teria insistido em fazer ofalecido ouvi-lo, ou até mesmo ido emseu encalço no trator de esteiras. Alémdisso, embora seja difícil julgar ocomportamento da pessoa em estadode necessidade, parece que não houveo necessário e imediato empenho nosentido de mobilizar todos para resgataro falecido José Carlos, pois é cediço queo fogo com vento forte, em vegetaçãopredominantemente rasteira e seca,queima tudo muito rápido, sendo de seprever, então, que a área onde foramcercados pelo fogo foi rapidamenteconsumida, no entanto, ele somente foiencontrado às 22h, apesar de o fogo tê-lo atingido às 14h, conforme BO à f. 68,que, em parte, mostra a coerência que ogerente procurou ocultar no seudepoimento ao dizer que o foco deincêndio foi detectado às 15h30min eque chegaram ao local às 16h (f. 305),

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pois em tal boletim consta que o fogo foiefetivamente debelado às 16h40min,sendo por isso que falou ao engenheiroàs 17h que ele estava sob controle,entretanto o falecido somente foiencontrado às 22h, aproximadamente,valendo transcrever, respectivamente,trechos dos depoimentos de JoséFelisberto de Souza e do gerente GilbertoJosé Caixeta:

[...] o depoente abaixou a aceleraçãoe falou para o de cujus “abre ocolchete que eu vou salvar que nãotem jeito de fazer mais nada”; quechamou o de cujus para ir embora eele não ouviu; que o depoentedesceu e foi na direção de umarepresinha, onde o depoenteconseguiu se salvar do fogo; quequando chegou na estrada o Sr.Gilberto estava procurando o de

cujus; que o depoente falou para oSr. Gilberto que não sabia ondeestava o de cujus e que o depoentetinha conseguido se salvar porpouco; que depois disso o depoentevoltou para a fazenda e não sabeinformar mais nada... [sic, JoséFelisberto de Souza, f. 307/308].

[...] que foram embora pra sede a pésem o Zé Carlos, sem o veículo esem as máquinas; que na sedepegou outra caminhonete e voltou;que permaneceu na estradaesperando o trator de pneu queestava vindo de dentro do fogo comtrês empregados; que então viutambém a máquina de esteira saindode dentro do fogo na direção ondeestava; que conversou com ooperador da esteira que lhetransmitiu o relato acima; que isso jáera 21h30/22h e já não havia maisfogo mas apenas fumaça; que foiaté o lugar onde estava a

caminhonete dirigida por Zé Carlose quando lá chegou este estava depé ao lado de um tanque d’água, todoqueimado mas ainda vivo; que aí elecolocou ele na caminhonete que foiconduzida por outro empregado quefoi até Pirapora; que entretanto odepoente depois contatou a firmaque mandou uma ambulância; que acaminhonete e a ambulânciaencontraram-se a aproximadamente70 quilômetros da fazenda e foiconduzido até Pirapora; que sabeque depois ele foi transferido paraMontes Claros... [sic, Gilberto JoséCaixeta, f. 304].

O despreparo do gerente étamanho que, mesmo com cincohomens sumidos no meio do fogo,somente depois de encontrar ZéCarlos, já todo queimado, foi queacionou a empresa e esta mandouuma ambulância. E a discrepância dehorários? O que dizer dela? Será queo falecido empregado ficou agonizandodas 14h às 22h, sem ninguém dar faltadele?, ou será que os dados do Boletimde Ocorrência Policial estãoincorretos? Muitas dúvidas ainda ficamno ar, mas não em relação à culpa dareclamada que, além de não adotarmedidas preventivas de alcancecoletivo, elegeu preposto tãoincapacitado a ponto de por em risco,desnecessariamente, doze vidas, semprever as consequências; de não teradotado as medidas necessárias,acionando a recorrida, ambulâncias ehospitais, quando saiu do fogo e viuque pelo menos cinco dos seussubordinados estavam em lugarignorado, no meio do incêndio; e dedeixar de mobilizar todos que estavama salvo para procurar José Carlos.

Assim, caracterizada a culpa darecorrida, está ela obrigada a indenizar

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os recorrentes pelos danos que lhescausou, a teor dos arts. 186 e 927 doCCb.

Quanto aos danos morais, aprimeira recorrente, Rose Mare FonsecaSilva, ficou viúva aos 36 anos de idade(f. 36), com duas crianças parasustentar, cuidar e educar; o segundorecorrente, João Carlos Fonseca Silva,com 9 anos de idade (f. 35); o terceiro,Paulo César Fonseca Silva, com trêsanos de vida (f. 34), sendo certo queambos sofreram e sofremimensamente à espera do pai que nãovolta mais. Ambos, desde o fatídicoacidente ocorrido em 25.07.07, nãopodem mais experimentar o carinho dopai, nem brincar com ele, e nuncapoderão obter dele valiosasorientações, nem sentir a segurançaque a sua simples existência lhesproporcionaria, sendo certo que irãocarregar pela eternidade a tristeza desaber que ele morreu jovem, em plenolabor, quando buscava, longe de casa,o sustento da família, e que morreuqueimado, depois de socorrodemorado e dias de inevitável agonia.Já a esposa perde o seu esteio, o paidos seus filhos, o homem que vivia defazendas em fazendas, como revela seucurrículo, para ganhar honestamente osustento de todos, não havendo,portanto, dano maior que esse, emrazão do que, observando o dispostono art. 944 do CCb, condeno a recorridano pagamento a cada recorrente deR$50.000,00 a título de indenizaçãopelos danos morais sofridos, incidindojuros a partir do ajuizamento da ação eatualização monetária a contar dapublicação do acórdão.

Relativamente aos danosmateriais, tenho entendido que sãopassíveis de indenização, além dosemergentes, como tratamento médico,despesas com funeral, etc., aqueles a

descoberto do seguro previdenciário eque representam prejuízo financeiro oueconômico (em potencial ou efetivo)para o empregado (ou sucessores),como a perda da possibilidade deascensão profissional vislumbrada emface da progressão pretérita e dasperspectivas advindas de fatos emandamento (curso superior, prestaçãode concurso público, etc.),interrompidos ou inviabilizados total ouparcialmente pela doença, acidente oumorte decorrente, tudo conjugado coma idade; de gastos com tratamentos desaúde, próteses, adaptações de carros,utensílios, acompanhantes, enfim,qualquer perda não reparada pelo órgãoprevidenciário oficial ou por previdênciaprivada financiada pelo empregador, egastos extras decorrentes de moléstia,quando for o caso.

Na espécie sob exame, a perdasalarial é reparada, em parte, pelo INSSmediante a concessão de pensãomensal, mas o falecido tinha toda umavida produtiva pela frente, pois faleceuaos 32 anos de idade (f. 27), nadaimpedindo que pudesse melhorar seurendimento por meio de promoções eaté mesmo mediante mudança deofício, possibilitando melhor nível devida para a sua família, o que foiobstado pela morte prematura,decorrente da negligência da recorrida.Além disso, há a perda do FGTS e ahistória mostra que os benefíciosprevidenciários vêm sendo achatadosao longo dos anos, em razão do quecondeno a recorrida no pagamento depensão mensal aos recorrentes, sendoduas em dezembro de cada ano,correspondente a 50% do saláriobásico que o de cujus recebia na datado sinistro (f. 29), a partir da ocorrênciadeste até a data em que completaria70 anos de idade, incidindo atualizaçãomonetária conforme a tabela desta

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Justiça em relação às prestaçõesvencidas, com incidência de juros apartir do ajuizamento da ação, devendoas parcelas vincendas ser atualizadaspelos mesmos índices de reajustesdos salários dos demais empregadosda fazenda ou, na falta destes, combase nos índices previstos nosinstrumentos coletivos dostrabalhadores rurais com baseterritorial mais próxima.

No que tange ao pleito deconstituição de capital, o substituo, poraplicação do § 2º do art. 475-Q do CPC,pela inclusão da 1ª recorrente na folhade pagamento da recorrida, em faceda sua notória capacidade econômica,devendo a pensão ser paga e corrigidanos mesmos moldes do pessoal daativa.

Condeno, ainda, a recorrida, emhonorários advocatícios, pleiteados noitem 9 (f. 11), devidos pela merasucumbência, a teor da Resolução n.126 do TST, por tratar-se de ação denatureza civil envolvendo direito deterceiros e não do empregado, fixando-os em 10% do valor deferido em proldos recorrentes, incluindo na base decálculo as parcelas vencidas na datado trânsito em julgado desta decisão,mais 12 parcelas vincendas, conformejurisprudência pacífica do STJ.

Provejo parcialmente.

Isto posto,

Conheço do recurso e, nomérito, dou-lhe parcial provimento paracondenar a recorrida a pagarR$50.000,00 a título de indenização pordanos morais a cada um dosrecorrentes, incidindo juros a partir doajuizamento da ação e atualizaçãomonetária a contar da publicação doacórdão, além de pensão mensal,dezembro em dobro, equivalente a 50%

do salário que o falecido recebia, desdeo dia do óbito até a data em quecompletaria 70 anos de idade,incidindo atualização monetáriaconforme a tabela desta Justiça emrelação às prestações vencidas, comincidência de juros a partir doajuizamento da ação, devendo asparcelas vincendas ser atualizadaspelos mesmos índices de reajustesdos salários dos demais empregadosda fazenda ou, na falta destes, combase nos índices previstos nosinstrumentos coletivos dostrabalhadores rurais com baseterritorial mais próxima, devendo a 1ªrecorrente ser incluída na folha depagamento da empresa para esse fim;condeno a recorrida, ainda, nopagamento de honorários advocatíciosà razão de 10% sobre os valoresdeferidos aos recorrentes, incluindo nabase de cálculo as parcelas vencidasna data do trânsito em julgado destadecisão, mais 12 parcelas vincendas.Não incide contribuição previdenciárianem imposto de renda sobre osvalores deferidos, por se tratar deverbas de natureza indenizatória. Ficainvertida a responsabilização pelascustas processuais, agora no importede R$4.000,00, calculadas sobreR$200.000,00, valor arbitrado àcondenação.

Fundamentos pelos quais,

O Tribunal Regional do Trabalhoda Terceira Região, em sessãoordinária da Quinta Turma, julgou opresente processo e, à unanimidade,conheceu do recurso; no mérito, pormaioria de votos, deu-lhe parcialprovimento para condenar a recorrida apagar R$50.000,00 a título deindenização por danos morais a cadaum dos recorrentes, incidindo juros a

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partir do ajuizamento da ação eatualização monetária a contar dapublicação do acórdão, além de pensãomensal, dezembro em dobro,equivalente a 50% do salário que ofalecido recebia, desde o dia do óbitoaté a data em que completaria 70 anosde idade, incidindo atualizaçãomonetária conforme a tabela destaJustiça em relação às prestaçõesvencidas, com incidência de juros apartir do ajuizamento da ação, devendoas parcelas vincendas ser atualizadaspelos mesmos índices de reajustesdos salários dos demais empregadosda fazenda ou, na falta destes, com basenos índices previstos nos instrumentoscoletivos dos trabalhadores rurais combase territorial mais próxima, devendoa 1ª recorrente ser incluída na folha depagamento da empresa para esse fim;condenou a recorrida, ainda, nopagamento de honorários advocatíciosà razão de 10% sobre os valoresdeferidos aos recorrentes, incluindo nabase de cálculo as parcelas vencidasna data do trânsito em julgado destadecisão, mais 12 parcelas vincendas;não incide contribuição previdenciárianem imposto de renda sobre osvalores deferidos, por se tratar deverbas de natureza indenizatória,ficando invertida a responsabilizaçãopelas custas processuais, agora noimporte de R$4.000,00, calculadassobre R$200.000,00, valor arbitrado àcondenação, vencido parcialmente oDesembargador José Roberto FreirePimenta quanto aos honoráriosadvocatícios.

Belo Horizonte, 09 de dezembrode 2008.

JOSÉ MURILO DE MORAISDesembargador Relator

TRT-00053-2007-059-03-00-2-ROPubl. no “MG” de 22.07.2008

RECORRENTE: GERALDA LUCIANASANTOS

RECORRIDOS: RICARDO DA MOTA ESILVA (1)CEMIG DISTRIBUIÇÃO S.A. (2)

EMENTA: ACIDENTE DOTRABALHO - MORTE DOEMPREGADO PORELETROCUSSÃO -EMPREGADORA ECONCESSIONÁRIA -R E S P O N S A B I L I D A D ESOLIDÁRIA - TEORIA DO RISCOCRIADO E TEORIA DO RISCOADMINISTRATIVO. A morte deempregado por eletrocussãoem linha aérea de distribuiçãode energia elétrica, causadapor culpa da empregadora,assim como da concessionáriado serviço, caracteriza aresponsabilidade solidária deambos pela reparação pordanos morais. Aplicáveis àempresa responsável solidáriatanto a teoria do risco criado,conforme parágrafo único doart. 927 do Código Civil, quantoa teoria do risco administrativo,consoante § 6º do art. 37 daConstituição Federal. Em setratando de acidente dotrabalho, para cujo eventohouve a concorrência de culpa,mormente por parte deconcessionária de serviçopúblico de distribuição aéreade energia elétrica, a garantiade cumprimento da reparaçãoemergente da decisão judicialpode e deve se ampliar paraalém das partes envolvidas,direta e indiretamente, no

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contrato de trabalho - aempregadora e eventuaisempresas beneficiárias dotrabalho de outrem. Na pós-modernidade jurídica, atentaestá a jurisprudência para osmais variados tipos de riscossociais, pelo que as garantiastendem a se expandir, ampliar-se, estender-se de formareticular (expressão do JuizJosé Eduardo de ResendeChaves Júnior), a fim dereforçar-se o cumprimento dareparação advinda de ato ilícito.

Vistos, relatados e discutidos ospresentes autos de recurso ordinário,interposto de decisão proferida peloJuízo da 1ª Vara do Trabalho deGovernador Valadares, em que figuram,como recorrente, GERALDA LUCIANADOS SANTOS e, como recorridos,RICARDO DA MOTA E SILVA e CEMIGDISTRIBUIÇÃO S.A.

RELATÓRIO

O Juízo da 1ª Vara do Trabalhode Governador Valadares, através dadecisão exarada pela Ex.ma JuízaMARITZA ELIANE ISIDORO, às f. 427/439, julgou PROCEDENTES, EMPARTE, os pedidos formulados naação movida por GERALDA LUCIANASANTOS em face de RICARDO DAMOTA E SILVA e CEMIGDISTRIBUIÇÃO S.A., condenando o1º rec lamado a pagar à autoraindenização por danos morais(R$20.000,00) e mater ia is ,consubstanciada em pensãomensal no importe de 2/3 do saláriomínimo, até a data em que o de cujus

completar ia 25 anos de idade,decorrentes de acidente do trabalhoque vitimou, fatalmente, o filho da

autora, julgando IMPROCEDENTE ademanda em face da 2ª ré, CEMIG.

Embargos de declaraçãoopostos pelo 1º reclamado, às f. 440/443, julgados PROCEDENTES, paraindeferir o pedido de justiça gratuitaformulado na defesa (f. 445/446).

A reclamante interpôs recursoordinário às f. 447/458, pretendendo areforma do julgado para que a 2ªreclamada seja considerada confessa,bem como para que seja elacondenada de forma solidária pelosvalores vindicados. Pugna, ainda, pelamajoração dos valores arbitrados atítulo de indenizações por danosmorais e materiais, e determinaçãopara constituição de capital garantidore antecipação de tutela.

O 1º reclamado recorreu às f.459/477, insurgindo-se contra acondenação que lhe foi imposta naorigem, ao argumento de que nãorestou comprovada a suaresponsabilidade pelo acidenteocorrido.

O recurso do 1º reclamado nãofoi conhecido, porque deserto eintempestivo (f. 478).

Recorreu o 1º réu, então, deforma adesiva (f. 503/523). Todavia,mais uma vez, o recurso não foiconhecido, porque deserto, decisãocontra a qual interpôs agravo deinstrumento, cujo processamentoordenou-se fosse feito em apenso aosautos principais.

Contrarrazões às f. 479/502 e525/540, respectivamente, pelos 1º e2º réus.

Dispensado o parecer da d.Procuradoria Regional do Trabalho, emconformidade com o artigo 44 daConsolidação dos Provimentos daCorregedoria-Geral da Justiça doTrabalho.

É o relatório.

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VOTO

Juízo de admissibilidade

Conheço do recurso interpostopela autora, eis que próprio etempestivo.

Juízo de mérito

Incompetência da Justiça doTrabalho

Renova a 2ª reclamada - CEMIGDISTRIBUIÇÃO S.A., em contrarrazões,a incompetência da Justiça doTrabalho, ao fundamento de que nuncamanteve qualquer relação de trabalhocom o obreiro, ou mesmo sequer foibeneficiária da sua prestação deserviços.

Inicialmente, registre-se que ascontrarrazões não constituem o meioadequado para reforma de sentença.

Ainda que assim não fosse, aquestão já não comporta maisdiscussão, eis que a EmendaConstitucional n. 45, de 30 de dezembrode 2004, sepultou a controvérsia acercada competência da Justiça do Trabalhopara julgar ação de indenização pordanos morais e materiais decorrentesde acidente do trabalho, sendo certoque a questão relacionada com aresponsabilidade solidária ousubsidiária é matéria de mérito.

Nesse sentido é a decisãoprolatada pelo STF, em sede do conflitode competência de n. 7.204-1,publicada em 29.06.2005, onde ficouestabelecido que, a partir da EC n. 45/04, não há mais dúvida a respeito dacompetência da Justiça do Trabalhopara julgar ações de indenização pordano moral decorrentes de acidente dotrabalho, conforme se infere do excertoabaixo transcrito:

Nada obstante, como imperativo depolítica judiciária - haja vista osignificativo número de ações quejá tramitaram e ainda tramitam nasinstâncias ordinárias, bem como orelevante interesse social em causa-, o Plenário decidiu, por maioria, queo marco temporal da competência daJustiça trabalhista é o advento daEC 45/04.

Ademais, in casu, a matéria jáse encontra sepultada pelos efeitos dacoisa julgada, tendo em vista ojulgamento do agravo de instrumentointerposto pela 2ª reclamada contra ar. decisão do Juízo da 2ª Vara Cível deGovernador Valadares, que declinou dacompetência em favor desta JustiçaEspecializada, julgado improcedenteàs f. 326/331.

Não bastasse, o tema atinenteà competência para instruir e julgar opresente feito também foi objeto deConflito Negativo de Competência,suscitado pela d. Juíza da 1ª Vara doTrabalho de Governador Valadares - f.298/303, quando se fixou comocompetente a Justiça do Trabalho -conforme decisão de f. 310/312,prolatada pelo Egrégio SuperiorTribunal de Justiça.

Pelo exposto, rejeito apreliminar arguida.

Prescrição

Pretende a 2ª reclamada sejadeclarada a prescrição trabalhista nahipótese vertente.

Sem-razão.De início, não há falar em

aplicação da prescrição bienal, umavez que a extinção do pacto laboralocorreu em 06.11.2003 (f. 18) e apresente ação foi proposta em18.06.2004 (f. 04).

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A prescrição quinquenaltambém não se aplica, eis que pleiteiaa autora indenização por danos moraisdecorrentes do falecimento de seufilho, ou seja, não está a autoravindicando parcelas contratuaisdevidas ao obreiro e não pagas nocurso do contrato de trabalho.

Confissão

Pretende a reclamante que a 2ªreclamada - CEMIG - seja consideradaconfessa, eis que não se fez presenteà audiência inicial e à audiência deprosseguimento, embora devidamenteintimada, sob pena de confissão.

Com razão a autora, data venia.Conforme se infere do r.

despacho de f. 332, uma vez fixada acompetência desta Justiça, determinoua d. Juíza da 1ª Vara do Trabalho deGovernador Valadares que fossem aspartes intimadas para comparecer àaudiência inicial, designada para o dia09.08.2007, oportunidade em que asreclamadas deveriam apresentarnovas defesas ou se manifestar pelamanutenção e/ou aditamento daquelasanteriormente apresentadas na JustiçaComum.

As partes foram devidamenteintimadas, tendo sido ressaltado, notermo de notificação de audiência (f.336 e 338), que o não comparecimentodas partes importaria em julgamentoantecipado da lide e aplicação da ficta

confessio quanto à matéria fática.Conforme ata de f. 339, a 2ª

reclamada - CEMIG DISTRIBUIÇÃO S.A.- não esteve presente à audiência, masapenas seu procurador, que apresentouaditamento à defesa anteriormenteofertada no Juízo Cível, em petiçãoescrita, cuja juntada foi determinadatendo em vista que as matériassuscitadas tratavam de matéria de direito.

Na oportunidade, a autorarequereu que fosse aplicada aconfissão à 2ª reclamada em face daausência injustificada do preposto àaudiência.

Foi designada nova audiênciapara prosseguimento da instrução,cientif icadas as partes de quedeveriam comparecer para depor,novamente sob pena de confissão.

Mais uma vez a 2ª reclamadanão compareceu à audiência, estandopresente apenas seu i. procurador,tendo a autora requerido novamente aaplicação da pena de confissão (atade f. 371/372).

À f. 395 realizou-se novaaudiência de instrução, tendo a 2ªreclamada comparecido através deseu preposto.

Como se vê, a 2ª reclamada nãocompareceu à audiência inicial etampouco à audiência emprosseguimento designada para o dia28.01.2008, não obstante devidamenteintimada para tanto, sendo certo queos termos de seu aditamento à defesasomente foram recebidos porqueversavam sobre matéria de direito,como ressaltou a d. Juíza a qua.

Todavia, os efeitos da confissãoquanto à matéria fática não podem serafastados.

Nesse sentido é a Súmula n. 74do Colendo TST, in verbis:

CONFISSÃO (incorporada aOrientação Jurisprudencial n. 184 daSBDI-I) - Res. 129/2005, DJ 20, 22 e25.04.2005I - Aplica-se a pena de confissão àparte que, expressamente intimadacom aquela cominação, nãocomparecer à audiência emprosseguimento, na qual deveriadepor. (ex-Súmula n. 74 - RA 69/1978, DJ 26.09.1978)

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Aplica-se à hipótese, ainda, oentendimento jurisprudencialconsubstanciado na Súmula n. 122 doColendo TST, segundo o qual:

REVELIA. ATESTADO MÉDICO(incorporada a OrientaçãoJurisprudencial n. 74 da SBDI-I) -Res. 129/2005, DJ 20, 22 e25.04.2005A reclamada, ausente à audiênciaem que deveria apresentar defesa,é revel, ainda que presente seuadvogado munido de procuração,podendo ser i l idida a reveliamediante a apresentação deatestado médico, que deverádeclarar, expressamente, aimpossibilidade de locomoção doempregador ou do seu preposto nodia da audiência. (primeira parte -ex-OJ n. 74 da SBDI-I - inserida em25.11.1996; segunda parte - ex-Súmula n. 122 - alterada pela Res.121/2003, DJ 21.11.03)

Portanto, presumem-severdadeiros os fatos alegados naexordial, no que tange à matéria fáticaenvolvendo a 2ª reclamada,ressaltando-se que os efeitos da ficta

confessio não afastam o exame dasprovas pré-constituídas nos autos,sendo certo, ainda, que a presunçãode veracidade dos fatos alegados naexordial se articula em harmonia como conjunto probatório.

Responsabilidade da CEMIG -Valor das indenizações - Tutelaantecipada

Pretende a autora a reforma dar. decisão de origem, a fim de que a 2ªreclamada - CEMIG - seja condenada,solidariamente ao 1º reclamado, aopagamento de indenização por danos

morais e materiais, decorrentes dofalecimento do seu filho. Pretende,ainda, a majoração do valor arbitradoa título de danos morais e materiais,bem como seja determinada aconstituição de capital garantidor e aconcessão da tutela antecipada.

Razão parcial está com arecorrente, data venia.

O dever de indenizar exige aconfiguração de três elementos: dano,nexo causal e culpa.

Na hipótese dos autos, oacidente que vitimou o filho da autora eoutro colega de trabalho ocorreu porforça de uma descarga elétrica, quandoos fios de alta tensão da rua foramtocados por uma barra de ferro queestava sendo transportada para oandar de cima da obra em quetrabalhavam as vítimas.

Segundo narra a petição inicial,a rede de alta tensão no local não eraprotegida, uma vez que os fiosutilizados eram do tipo desencapados,e não foi respeitada a distância mínimanecessária entre a rede de alta tensãoe os imóveis construídos naquela rua,o que colocava em risco a segurançada população local.

Com efeito, a atividade detransmissão e distribuição de energiaelétrica envolve alto risco e, por essarazão, o serviço de concessão públicaconcernente à geração e distribuiçãode energia tem de ser realizado com aobservância de procedimentoseficazes de proteção aos seusempregados e usuários, de formageral, mas sobretudo no que tange àadoção de equipamentos, distânciase mecanismos de proteção adequadospara cada situação em concreto.

In casu , a CEMIG, em suadefesa, à f. 97, alegou que, segundonorma da ABNT, não estava obrigada aproteger a rede elétrica e que o

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afastamento mínimo, que, no caso, éde 1,38m, tendo em vista que a rede éde 13,8 kv, foi respeitado.

Todavia, ainda que a distânciaem que se encontrava a rede elétricaestivesse de acordo com as normasdeterminadas pela ABNT, como alegoua 2ª ré em sua defesa (fato, aliás, nãocomprovado pela CEMIG, ônus que lhecompetia a teor do inciso II do artigo333 do CPC), certo é que, devido aorisco enorme que a rede de alta tensãorepresenta, não podia aconcessionária de energia elétricafechar os olhos para o fato de que arede de alta tensão, em toda a rua ondeocorreu o acidente, estava muitopróxima aos imóveis, uma vez que ascasas, inclusive aquela ondetrabalhavam as vítimas, avançavam umpouco sobre a calçada, estreitando,ainda mais, a proximidade com os fiosde alta tensão, potencializando apossibil idade de ocorrência deacidentes como o que vitimou o filhoda autora (ex vi das fotos colacionadasàs f. 76/77).

Assim, inegável o perigoresultante da rede elétrica que passavapróximo ao local em que trabalhava oex-empregado, restando, outrossim,demonstrado nos autos que o acidentepoderia ter sido evitado se a fiação nãoestivesse desencapada, ou, mesmo,se a rede elétrica não passasse tãopróxima ao imóvel, o que, como já seressaltou, é padrão em toda a rua ondeocorreu o acidente.

Nesse diapasão, entendo, data

venia do posicionamento adotado naorigem, que a responsabilidade da 2ªré - CEMIG - pela reparação dos danoscausados pela morte do filho da autoraexsurge do fato de que os fios da redede alta tensão passavam muitopróximos ao imóvel onde as vítimasestavam trabalhando e eram do tipo

convencional, não encapado, ou, nasdeclarações da testemunha ouvida à f.392, “a rede de alta tensão não estavaisolada”, pondo, portanto, em risco apopulação local, sendo que talcircunstância concorreu, de formainegável, para a ocorrência doacidente.

Tais observações se alinhamperfeitamente aos efeitos da ficta

confessio aplicada à 2ª reclamada,donde se presumem verdadeiros osfatos alegados na exordial, no sentidode que a CEMIG contribuiu para aocorrência do evento danoso, aoinfringir ou negligenciar padrõesmínimos de segurança, tais como aescolha de fiação que ampliasse aproteção da população local, bemcomo a modificação da rede elétricade forma a aumentar a distância entreesta e os imóveis construídos naregião.

Assim, não obstante inexistirprova técnica a respeito, é possívelconcluir, pelo conjunto probatóriocoligido aos autos, que a 2ª reclamadacontribuiu culposamente para aocorrência do resultado danoso, umavez que ela própria admitiu, em defesa,que a rede elétrica no local não estavaprotegida, já que, de acordo com asnormas da ABNT, não haviaobrigatoriedade dessa proteção, bemcomo que a distância entre a redeelétrica e os imóveis era pequena,embora, segundo alegou, estivesseem consonância com o regramentomínimo legal.

É que, como já se ressaltou, emrazão do perigo iminente que a redeelétrica representa, a concessionáriaresponsável pela exploração do serviçodeve adotar procedimentos eficazes deproteção, ampliando a segurança dapopulação, usuários, terceiros eempregados, a fim de minimizar os

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riscos de acidente, o que importa, poróbvio, na adoção dos equipamentos emecanismos de proteção adequados,bem como na instalação da redeelétrica com observância da distâncianecessária em cada local específico.

Assim, se as regras desegurança previstas na legislaçãoaplicável não são suficientes paraimpedir ou minimizar os riscos deacidentes, deve ela adotar as medidasnecessárias em cada caso concreto,mesmo que tal atitude impliqueampliação dos padrões de segurançadeterminados pela ABNT.

À baila, trecho extraído do votoproferido pelo Ex.mo DesembargadorBrandão Teixeira, no julgamento daapelação cível n. 1.0194.02.021328-7/001, TJMG, publicado em 04.03.2005,in verbis:

O serviço público concernente àgeração e distribuição de energiaelétrica, por se tratar de atividadeperigosa por natureza, que envolverisco de acidentes, tem de serrealizado com a observância deprocedimentos que visem à maiorsegurança pública possível, devendose observar, em cada caso concreto,os equipamentos, distâncias emecanismos de proteção adequados,independentemente de existir normaregulamentadora que tenhaestipulado uma distância padrão, pois,como foi dito, para cada casoconcreto há que se providenciar omelhor método de segurança,evitando-se ao máximo a ocorrênciade acidentes.

Nesse diapasão, mesmo nãosendo ela empregadora da vítima oubeneficiária de seus serviços, acompetência desse Juízo para o examedas questões aqui trazidas à baila

exsurge do fato de que, à condutaculposa do 1º réu, empregador davítima, somou-se a conduta culposa daconcessionária de energia elétrica, quenão observou padrões mínimos desegurança para a instalação da redeelétrica no local, contribuindo para aocorrência do acidente.

Caracterizada a culpa nacaracterização do acidente, pornegligência, resta configurada aresponsabilidade solidária da CEMIGpelos danos causados à autora, emrazão do falecimento do trabalhador.

A respeito da solidariedade,filtra-se da jurisprudência a ementaabaixo transcrita, da lavra do Ex.mo

Desembargador e Professor AlmeidaMelo.

Ementa: Civil - Acidente do trabalho- Indenização pelo direito comum -Vítima - Eletrocussão - Empregador- Concessionária -Responsabilidade solidária. Para aconfiguração da responsabilidadedo patrão, fundada no direito comum,em razão da morte de seuempregado em acidente do trabalho,por eletrocussão, basta que osrequerentes da indenizaçãocomprovem a culpa do empregador,não se exigindo que ela seja gravenem a demonstração do dolo. Aconcessionária do serviço defornecimento de energia elétrica,que se descurou dos deveres defiscalizar e de manter a rede dedistribuição aérea rural de suapropriedade, que desencadeou osinistro, é solidariamenteresponsável pela eletrocussão davítima. (1.0000.00.270226-4/000(1))

Por outro lado, dispõe o artigo927 do atual Código Civil, na esteirado artigo 159 do Código de 1916:

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“Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e187), causar dano a outrem, ficaobrigado a repará-lo.”

Esclareça-se que, para osefeitos da lei, considera-se ilícitoaquele ato consistente numa ação ouomissão voluntária, negligência ouimprudência, que viole direito e causedano a outrem, ainda queexclusivamente moral (artigo 186 doCódigo Civil de 2002), ao qual podeainda ser agregado o artigo 187 domesmo Diploma Legal.

Não bastasse, o parágrafoúnico do art. 927 do Código Civil lançoua semente da responsabilidade semculpa, que, à hipótese, enquadra-seperfeitamente.

Prevê o parágrafo único docitado artigo que

Haverá obrigação de reparar odano, independentemente de culpa,nos casos especificados em lei, ouquando a atividade normalmentedesenvolvida pelo autor do danoimplicar, por sua natureza, risco paraos direitos de outrem. (grifei)

É o que a jurisprudência e adoutrina classificam como “teoria dorisco criado”, espécie deresponsabilidade em que se leva emconsideração apenas o quadroresultante do próprio fato, comoconsequência do risco criado, semindagar da conduta do agente, dolosaou culposa. Basta, pois, a prova do nexode causalidade com o fato e o dano,para se configurar a responsabilidadeobjetiva.

Na hipótese dos autos, não hádúvida de que a atividade detransmissão e distribuição de energiaelétrica envolve alto risco e, por essarazão, a concessionária deve buscar,a todo momento, a adoção de medidas

eficazes de proteção aos seusempregados e usuários, sem seolvidar, é claro, da necessidadeimperiosa de fiscalização ininterrupta,a fim de garantir a conservação efuncionamento regular da rede elétricae, por conseguinte, a segurança dopúblico perante o qual responde edaqueles que manuseiam o sistema.

Nesse diapasão, a atividadedesenvolvida pela 2ª ré é consideradaatividade de risco, e, por essa razão, aresponsabilidade pela reparação dosdanos causados à autora prescinde daprova da culpa, o que dispensa, por sisó, maiores digressões acerca dasuposta conduta negligente da CEMIGquanto à situação da rede de altatensão no local do acidente.

Some-se, a tudo isso, que aresponsabilidade dasconcessionárias de serviço público,conforme determina o § 6º do artigo 37da Constituição da República (TEORIADO RISCO ADMINISTRATIVO), é do tipoobjetiva, bastando a comprovação dalesão e do nexo de causalidade entreesta e a conduta da ré, para que resteconfigurada a obrigação de indenizar.

Esclarecedor, na hipótese, oexcerto jurisprudencial abaixocolacionado, proferido pelo EgrégioTJMG:

EMENTA: MORTE POR ACIDENTERESULTANTE DE DESCARGA DEALTA TENSÃO. COMPROVAÇÃO DONEXO CAUSAL ENTRE O RISCOCRIADO PELA DISTRIBUIDORA DEENERGIA ELÉTRICA E MORTE DEOPERÁRIO. RESPONSABILIDADEOBJETIVA DE EMPRESACONCESSIONÁRIA DE SERVIÇOPÚBLICO. ART. 37, § 6º DACONSTITUIÇÃO FEDERAL. CULPAEXCLUSIVA DA VÍTIMA NÃOCOMPROVADA. IMPROCEDÊNCIA

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PARCIAL DO PEDIDO DEINDENIZAÇÃO POR DANOSMATERIAIS E MORAIS FORMULADOPOR SEUS DESCENDENTES.PROVIMENTO PARCIAL DAAPELAÇÃO, COM A REDUÇÃO DOPEDIDO DE REPARAÇÃO DOSDANOS ÀS DEVIDASPROPORÇÕES. Comprovado o nexocausal entre o risco criado pordistribuidora de energia elétrica pelafalta da necessária proteção de redede alta tensão e o acidente de queresultou a morte de operário quetrabalhava em obra vizinha, é de ter-se como caracterizada aresponsabil idade objetiva daempresa concessionária do referidoserviço público, nos termos do art.37, § 6º da Constituição Federal,impondo-se, à falta de prova daculpa exclusiva da vÍtima, oprovimento da apelação, interpostada sentença pela qual foi decretadaa improcedência do pedido deindenização por danos materiais emorais formulado por seusdescendentes, para dar-se pela suaprocedência parcial, com a reduçãodo valor desse pedido às devidasproporções. APELAÇÃO CÍVEL N.1.0000.00.290572-7/000 -COMARCA DE BELO HORIZONTE -APELANTE(S): SAMUEL TELÍRIOTEIXEIRA DE ALCÂNTARA, REPDO.,SINDALVA DE ALCÂNTARA, ASSIST.P/ MÃE MARIA TEIXEIRA -APELADO(S): CEMIG - CIA.ENERGÉTICA DE MINAS GERAIS -RELATOR: EX.MO SR. DES.FERNANDO BRÁULIO - Data doJulgamento: 21.08.2003 - Data daPublicação: 15.10.2003.

Na hipótese, o dano sofrido pelaautora é incontestável, haja vista aperda de um filho. Nesses casos, como

bem observou o d. Juízo primevo, a dorpsíquica, moral, é presumida, comomera decorrência do falecimento de umfilho, dispensando qualquerdemonstração de sua existênciaefetiva, além, é claro, dos danosmateriais, consubstanciados em lucroscessantes, já que a vítima era solteirae, presumidamente, contribuía para asdespesas familiares.

O nexo causal também éinegável, haja vista que a causa damorte foi a eletrocussão provocadapela descarga elétrica.

Não há falar, de outro lado, emculpa exclusiva da vítima ou culpaexclusiva de terceiros.

Com efeito, à conduta dasvítimas, bem como do primeiro réu, quenão observou padrões mínimos desegurança, tais como a colocação detapumes na obra (como bem observouo d. Juízo a quo), somou-se a ação/omissão da CEMIG (fiosdesencapados e próximos àsresidências, com potencialização dosriscos), sem se falar, é claro, napossibilidade de mudança na posiçãodos postes, como muitas vezes ocorreapós alguns acidentes em redeelétrica.

Nesse mesmo sentido é oentendimento exarado no acórdãoproferido pelo TJMG na apelação cíveln. 1.0000.00.290572-7/000 e cujaementa acima se transcreveu:

Resultou demonstrado, pelosdepoimentos das testemunhasouvidas no processo que, emborase possa entrever o descuido davítima do acidente, em não atentarpara o perigo resultante da redeelétrica que passava próximo aolocal em que ela trabalhava, o qualtalvez nem supusesse ser de altatensão, ela não deu causa à sua

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morte por sua culpa exclusiva, umavez que ela não teria sido fulminadapela inesperada descarga elétricaque a atingiu, se a fiação nãoestivesse desencapada e se ela nãopassasse muito próximo a esselocal, sabido como é que, devido aorisco que a rede de alta tensãorepresenta, ela deve passar a umadistância razoável dos locaishabitados ou de circulação depessoas e de animais e deve sersuficientemente protegida paraprevenir acidentes dessa natureza.

Dessa forma, comprovados alesão e o nexo causal, e nãoevidenciadas as hipóteses excludentesdo nexo de causalidade, forçosoconcluir pelo dever de indenizar daCEMIG, uma vez que, comoconcessionária de serviço público, elaresponde objetivamente pelos danoscausados a terceiros em decorrênciada atividade econômica explorada.

Destarte, com essasconsiderações, seja em face daresponsabilidade subjetiva,caracterizada pela conduta culposa daCEMIG, contribuindo para a ocorrênciado evento danoso, consubstanciada nodescumprimento do regramentomínimo de segurança, ou na suaomissão quanto aos riscos de acidenteno local, seja em face daresponsabilidade objetiva da 2ª ré, pelateoria do risco criado ou, ainda, pelateoria do risco administrativo,decorrente do § 6º do artigo 37 daConstituição Federal, entendo quedeve ser dado provimento ao apelo, deforma que a CEMIG responda,solidariamente com o 1º réu, pelosdanos causados à autora.

No que tange ao valor daindenização, não se pode perder devista, é claro, que nos moldes da Teoria

do Risco Administrativo, em razão daculpa concorrente da vítima, aresponsabilidade pela indenizaçãodeve ser atenuada.

Também não é menos certo quea condição econômica do primeiro réué incomensuravelmente diversa dacondição econômica da segunda ré.

Nesse ponto, passo a teceralgumas considerações sobre acondição econômica do primeiro réu.

Como se infere dos autos, o 1ºreclamado contratou os serviços dofilho da autora e de outrostrabalhadores, para realizar a reformade sua casa e, não obstante pudesseter optado pela contratação de umaconstrutora ou empreiteiro, contratou eassalariou diretamente a vítima, nafunção de pedreiro.

Nesse sentido, é oentendimento adotado na v. decisão de1º grau, que considerou que a cópiada CTPS de f. 18 é prova irrefutável dovínculo empregatício, rechaçando asalegações do primeiro réu de que, narealidade, teria contratado umempreiteiro, que era irmão da vítima, eque este teria contratado os ajudantesde pedreiro, entre eles, o filho da autora,sendo que, somente após o acidente,é que teria assinado a carteira dotrabalhador para proporcionar à suafamília o recebimento de pensão juntoao INSS, o que o coloca na condiçãode mero dono da obra e não deempregador.

Também é possível concluir,pelo exame do conjunto probatóriocoligido aos autos, que o 1º réu éempregado da Vale do Rio Doce,exercendo a função de maquinista,tendo realizado a obra de reforma desua residência fazendo uso dosrendimentos auferidos com seutrabalho, fruto de economia porrazoável período.

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Trata-se, pois, de homemsimples, trabalhador assalariado, enão de empresa construtora ouempreiteiro, que se beneficiou dosserviços do filho da autora apenas paramelhoria da residência da família, semauferir lucro, não havendo, na hipótese,exploração de atividade econômica.

Tais observações se fazemimportantes porquanto, em face dasolidariedade entre os réus, o valor daindenização deverá observar, tantoquanto possível, o equilíbrio entre acondição econômica de um e de outro,que, como já se ressaltou, éextremamente desproporcional. De umlado, uma concessionária de energiaelétrica, exploradora de atividadeeconômica. De outro, como se viu, umtrabalhador assalariado.

Retornando ao valor daindenização, necessário considerarque no nosso ordenamento jurídiconão há uma predeterminação domontante relativo ao valor daindenização pecuniária, relativa aosdanos morais, cabendo ao juiz, emcada caso concreto, a sua fixação.

Sobre os critérios que devemembasar a fixação do valor dos danosmorais, João de Lima Teixeira Filho (“Odano moral no direito do trabalho”.Revista LTr 60-91, 1.171, set. 1996)observa, com percuciência, que se

Deve fazê-lo embanhado emprudência e norteado por algumaspremissas, tais como: a extensão dofato inquinado (número de pessoasatingidas, de assistentes ou deconhecedoras por efeito derepercussão); permanênciatemporal (o sofrimento é efêmero,pode ser atenuado ou tende a seprolongar no tempo por razãoplausível); intensidade (o ato ilícitofoi venial ou grave, doloso ou

culposo); antecedentes do agente(a reincidência do infrator deveagravar a reparação a ser prestadaao ofendido); situação econômica doofensor e razoabilidade do valor.

Assim, a indenização há de serproporcional à gravidade dos danossofridos, considerando-se, ainda, aculpa dos reclamados no eventocausador do dano.

A reparação pecuniária deve,ainda, tanto quanto possível, guardarrazoável proporcionalidade entre odano causado, a sua extensão, ascondições econômicas das partes(que, no caso em exame, mereceespecial atenção, em face daspeculiaridades já ressaltadas), assuas consequências e a suarepercussão sobre a vida interior davítima, bem como ter por objetivo coibiro culpado a não repetir o ato ou obrigá-lo a adotar medidas para que o mesmotipo de dano não vitime a outrem.

O arbitramento, consideradasessas circunstâncias, não deve ter porescopo premiar a vítima nem extorquiro causador do dano, como também nãopode ser consumado de modo a tornarinócua a atuação do Judiciário nasolução do litígio, razão por que aindenização não deve ser fixada emvalor irrisório que desmoralize oinstituto ou que chegue a causarenriquecimento acima do razoável,cumprindo assim um caráterpedagógico.

Considerando os parâmetrosacima transcritos, e atento àscondições do caso concreto, tenho porrazoável o valor arbitrado a título deindenização por dano moral(R$20.000,00), não prevalecendo airresignação da recorrente, nesseaspecto.

No que tange aos danos

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materiais, melhor sorte não assiste àrecorrente.

O filho da autora era solteiro eambos residiam na mesma moradia.

Nessa condição,presumidamente, o de cujus contribuíacom seus ganhos para o sustento dacasa, o que, por certo, ocorreria até queviesse a constituir sua própria família.

Assim, houve por bem a d. Juízaa qua em fixar a indenização por danosmateriais, consubstanciada em lucroscessantes, até a data em que a vítimacompletaria 25 anos de idade, o quese mostra razoável, sobretudo porqueao Judiciário não é dado conhecer defatos futuros que não seimplementaram, devendo o juiz, emsituações tais, arbitrar os danos combase na presunção do queordinariamente acontece.

Não prospera, de outro lado, ainsurgência da autora para que apensão observe o valor total do salárioauferido pela vítima. É que, comotambém se ressaltou na v. decisão deorigem, não há como se desprezar queparte do salário da vítima destinava-seàs suas despesas pessoais(vestuário, lazer, etc.), o que, por intuitivológico, não se inclui como danomaterial causado à autora.

Os lucros cessantes nãopodem, pois, basear-se em tudo que ode cujus deixou de auferir em razão deseu falecimento, como quer arecorrente, mas, sim, devemcorresponder ao total do que deixou avítima de contribuir para o sustento dacasa.

Quanto à constituição de capitalgarantidor, embora entendaperfeitamente compatível com oProcesso do Trabalho a aplicação dodisposto no artigo 475-Q do CPC, ahipótese dos autos não está a ensejartal determinação.

A uma, porque, como bemressaltou a v. decisão de origem, o 1ºreclamado, como maquinista que é,empregado de uma grande e sólidacompanhia brasileira, terá, com osrendimentos mensais auferidos comseu próprio trabalho, condições dehonrar os valores arbitrados a título depensão mensal, o que, é claro, servede garantia à autora.

A duas, porque a 2ª ré,solidariamente responsável peloscréditos da autora, possui inegávelsolidez econômica e será capaz desolver a obrigação que lhe foraimposta.

Por derradeiro, porquedecorridos quase 04 anos doajuizamento do presente feito, ocorridoem 18 de junho de 2004 e,considerando que a vítima completaria25 anos na data de 03 de novembro de2006, os valores arbitrados a título depensão mensal deverão ser pagos deuma só vez, o que retira a insegurançaquanto à alteração futura na condiçãoeconômica dos réus.

Por fim, no que tange ao pedidoda tutela antecipada, comungo doentendimento adotado na origem deque não se encontram presentes osrequisitos do artigo 273 do CPC, já quea autora, atualmente, está morandocom seu filho de nome “Vangelo”, nãose encontrando, assim, desamparadae desprovida de condição de sustento,não havendo, por tal razão, fundadoreceio de dano irreparável ou de difícilreparação.

De outro lado, a condiçãoeconômica das partes, sobretudo daautora, que não exerce atividaderemunerada, e do 1º reclamado,trabalhador simples, ampliam,sobremaneira, os riscos dairreversibil idade do provimentoantecipado, atraindo, à hipótese, a

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aplicação do disposto no § 2º domesmo Diploma Legal.

Pelo exposto, dou provimentoparcial, para declarar aresponsabilidade solidária da 2ªreclamada - CEMIG DISTRIBUIÇÃO S.A.- pelos créditos deferidos à autora,condenando-a ao pagamento dosvalores arbitrados na origem, nostermos da fundamentação supra.

Isso posto, conheço do recurso,rejeito a preliminar de incompetênciaarguida pela 2ª reclamada, emcontrarrazões, e, no mérito, dou-lheprovimento parcial, para declarar aresponsabilidade solidária da 2ªreclamada - CEMIG DISTRIBUIÇÃO S.A.- pelos créditos deferidos à autora,condenando-a ao pagamento dosvalores arbitrados na origem, nostermos da fundamentação supra.

Fundamentos pelos quais,

O Tribunal Regional do Trabalhoda Terceira Região, pela sua QuartaTurma, à unanimidade, conheceu dorecurso; sem divergência, rejeitou apreliminar de incompetência arguidapela 2ª reclamada, em contrarrazões;no mérito, por maioria de votos, deu-lheprovimento parcial, para declarar aresponsabilidade solidária da 2ªreclamada CEMIG DISTRIBUIÇÃO S.A.pelos créditos deferidos à autora,condenando-a ao pagamento dosvalores arbitrados na origem, nostermos da fundamentação do voto,vencido o Ex.mo DesembargadorRevisor.

Belo Horizonte, 25 de junho de2008.

LUIZ OTÁVIO LINHARES RENAULTDesembargador Relator

TRT-00727-2007-048-03-00-5-ROPubl. no “MG” de 15.11.2008

RECORRENTE: LEONTINA MARIA DEOLIVEIRA SILVA

RECORRIDOS: ILDA RODRIGUES DEPAIVA E OUTROS

EMENTA: INDENIZAÇÃO PORDANOS MORAIS - ACIDENTE DOTRABALHO COM ÓBITO -TITULARIDADE DO DIREITO -ANÁLISE DAS ESPECIFICIDADESDO CASO CONCRETO. Nemsempre se revela simples oexame da titularidade dodireito à indenização por danosmorais no caso de acidente dotrabalho com óbito. Emborahaja uma presunção deexistência do dano em relaçãoàs pessoas integrantes donúcleo familiar, como filhos,pais, irmãos menores, cônjugee companheiro(a), não ésimplesmente a relação deparentesco que justifica odireito à reparação por danosmorais, mas, sim, os laços deamor, de carinho e de afetoexistentes entre o autor daação e a vítima do acidente, nãose podendo perder de vista,contudo, as peculiaridades docaso concreto. Desse modo,tendo a mãe perdido um filhoem acidente do trabalho fatal,não obstante a prova dos autosevidenciar conturbado eagressivo relacionamentoentre eles, não se afasta damãe o direito à indenização pordano moral. Isso porque, nãose pode dizer que essa mãe,que gerou e cuidou do filhodurante a sua vida, nada sofreucom a morte dele, abrupta e

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prematuramente aos 17 anos.A dificuldade e a agressividadeno relacionamento entre mãee filho devem ser interpretadasem face de todo o contextosocial, econômico e cultural emque a vida da família sedesenvolvia. Mesmo porque apresença materna não foirenunciada na vida do jovemfalecido, sendo o sofrimento, ador moral e íntima da mãe osentimento que se espera emuma situação de tal magnitude,pois essa é a noção que se temda ordem natural das coisas.Indenização por dano moralque se defere.

Vistos, relatados e discutidos ospresentes autos de recurso ordinário,oriundos da Vara do Trabalho de Araxá/MG, em que figuram, como recorrente,LEONTINA MARIA DE OLIVEIRA SILVAe, como recorridos, ILDA RODRIGUESDE PAIVA E OUTROS.

RELATÓRIO

Ao relatório de f. 193, que adotoe a este incorporo, acrescento que oEx.mo Juiz Edmar Souza Salgado, emexercício na Vara do Trabalho de Araxá,pela r. sentença de f. 193/196, julgouimprocedentes os pedidos formuladospor LEONTINA MARIA DE OLIVEIRASILVA em face de ILDA RODRIGUES DEPAIVA, JOSÉ CARLOS FERNANDES,ANTÔNIO CARLOS FERNANDES,CARLOS HENRIQUE FERNANDES eLUIZ CARLOS DA SILVA.

A reclamante interpõe o recursoordinário de f. 197/205, alegando que,em razão da abrupta morte de seu filho,decorrente de acidente do trabalho, fazjus ao recebimento de indenizaçõespor danos morais e materiais.

Contrarrazões pelosreclamados às f. 210/214.

É o relatório.

VOTO

Juízo de admissibilidade

Satisfeitos os pressupostos deadmissibilidade, conheço do recursoordinário interposto pela reclamante.

Juízo de mérito

Recurso ordinário da reclamante

Indenizações por danosmorais e materiais

O MM. Juiz sentencianteindeferiu o pedido da autora deindenização por danos morais emateriais, por entender que areclamante, mãe de CristianoHumberto da Silva, ex-empregado dosreclamados, falecido em acidente dotrabalho, não mantinha laços afetivoscom o filho e não dependia de suarenda para sobreviver.

A reclamante não se conformacom a decisão. Alega que não foramconsideradas todas as provas colhidasna instrução processual,especialmente os depoimentos dastestemunhas Regilaine AparecidaDutra e Marlene Abadia de Almeida.Aduz que “o simples fato de a autoracorrigir seu filho não demonstra ainexistência de laços afetivos entre osmesmos” e que, como esclarecidopela testemunha Regilaine, “asagressões físicas relatadas tinham aúnica finalidade de educar o menor”.Argumenta, ainda, que a denúncia poragressão ao outro filho menor foiobjeto de suspensão condicional doprocesso, de forma que inexistiu

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condenação a respeito do incidente, eque o filho falecido auxiliava com osgastos mensais da família.

Apresentada assim acontrovérsia, passa-se à análiserespectiva.

Entretanto, antes de seexaminar a relação afetiva e financeiraexistente entre a reclamante e o de

cujus, impende registrar que o acidenteque ceifou a vida de Cristiano Humbertoda Silva, filho da reclamante, ocorreuem 27.11.04, quando ele tinha apenas17 (dezessete) anos.

Cumpre esclarecer que,conforme Boletim de Ocorrência daPolícia Civil de f. 32, o acidente ocorreupor ter a vítima caído de cima daplataforma da plantadeira e entre osdiscos desta, quando tal equipamentoestava sendo puxado por um trator.

O evento foi objeto de inquéritopolicial, sendo que, em depoimento aliprestado (f. 33), esclareceu o Sr.Venceslau Lemos - que dirigia o trator:

[...] por volta de 15h30min, sem ter amenor condição de explicar, seuajudante Cristiano Humberto da Silvacaiu de cima da plataforma daplantadeira entre os discos, sem quesua pessoa pudesse perceber, poisé praticamente obrigado a olhar sópara frente e, por isto, quando notou,o corpo da vítima já estava todoquebrado entre os discos; que sópercebeu porque a plantadeirapesou e o declarante olhou para trás[...].

A par disso, os peritos da PolíciaCivil, que examinaram o local doacidente, concluíram que houve

uma morte violenta (atropelamento)da vítima CRISTIANO HUMBERTO DASILVA, causado pelo condutor da

máquina agrícola devido àinobservância dos cuidadosindispensáveis para com asegurança pessoal no exercício dotrabalho, deixou a vítimapermanecer de pé sobre aplataforma da referida plantadeira,sem a mínima segurança exigida nalegislação em vigor, pois, segundoexames, a mesma não tinha a gradede proteção que contorna toda aplataforma, o que certamente evitariao acidente, como também à vítimanão foi fornecido qualquer cinto desegurança. (f. 104)

Desse modo, o relato doacidente deixa clara aresponsabilidade dos reclamadospelo grave acidente que vitimou um deseus empregados, de apenas 17anos, e que tinha toda a vida pela frente.O infortúnio, como visto, ocorreu pelanegligência dos empregadores quenão forneceram condições seguras detrabalho, haja vista a ausência degrade de proteção sobre a plataformada plantadeira e de fornecimento decinto de segurança ao laborista.

Impende registrar, contudo, que,não obstante ser indiscutível a culpados reclamados e o nexo decausalidade entre o trabalho e oacidente, o caso em voga é singular,pois se questiona a dor moral daautora-mãe, ou seja, o fato de ter elasofrido ou não com a morte do filho ede ser, portanto, detentora ou não dodireito à reparação correlata, medianteo recebimento das indenizações pordanos morais e materiais pleiteadas.

Nesse diapasão, afirmou ela,na inicial, que a renda do filho eradestinada à mantença da família e quea indenização por danos morais sejustificaria ante a indiscutível dor sofridacom a perda do ente querido.

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Por sua vez, os reclamados, nadefesa, alegaram que o de cujus, àépoca do acidente, residia com o avô,em razão dos maus tratos a eleatribuídos pela mãe e que, ainda,expulsara-o de casa (f. 49).

Com efeito, nem sempre serevela simples o exame da titularidadedo direito à indenização por danosmorais no caso de óbito de entefamiliar. Nesse particular aspecto, adoutrina é uníssona no sentido de que,quando se trata de dano por ricochete,ou seja, quando a lesão transcende apessoa do ofendido para atingirterceiros,

[...] os familiares próximos davítima gozam do privilégio dapresunção - juris tantum - deque sofreram um dano emfunção da morte do parente [...]estando sujeito a comprovaçãoquando pleiteado por terceiros.(PAMPLONA FILHO. O dano

moral na relação de emprego.LTr, 2002, p. 47.)

Também adverte Maria HelenaDiniz que

[...] ter-se-á sempre uma presunçãojuris tantum de dano moral, em favordos ascendentes, descendentes,cônjuges, irmãos, em caso deofensa à pessoa da família. Essaspessoas não precisariam provar odano extrapatrimonial, ressalvando-se a terceiros o direito de elidiremaquela presunção.(Curso de direito civil brasileiro.São Paulo: Saraiva, 1990, 7º vol., p.124.)

Desse modo, não há dúvida deque, em caso de morte, existe umapresunção do dano em relação às

pessoas integrantes do núcleofamiliar, como filhos, pais, irmãosmenores, cônjuge e companheiro(a).Porém, como se trata de presunçãojuris tantum, ou seja, que admite provaem contrário, a questão depende daanálise de cada caso concreto,considerando-se as suasparticularidades.

Nesse sentido, compropriedade, leciona SebastiãoGeraldo de Oliveira:

[...]Como visto, há uma presunção dedanos morais para os componentesdo núcleo familiar mais íntimo davítima. No entanto, adverte CavalieriFilho que “só em favor do cônjuge,companheiro, filhos, pais e irmãosmenores há uma presunção juris

tantum de dano moral por lesõessofridas pela vítima ou em razão desua morte. Além dessas pessoas,todas as outras, parentes ou não,terão que provar o dano moralsofrido em virtude de fatos ocorridoscom terceiros”.Apesar da presunção mencionada,importa salientar que o laço deparentesco não é o fator decisivopara o julgamento da legitimidade,porquanto o pressuposto básico éo laço afetivo. Como pondera AguiarDias, há mortes que causam alívio enão aflição aos parentes, enquanto,muitas vezes, terceirosexperimentam sofrimento intensopela morte de alguém.[...]Afirma Carlos Alberto Bittar que “aspessoas legitimadas são,exatamente, aquelas que mantêmvínculos firmes de amor, de amizadeou de afeição, com os parentes maispróximos; os cônjuges que vivem emcomum; os unidos estavelmente,

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desde que exista a efetivaaproximação... Na concepção deVilson Rodrigues Alves sãolegitimadas para postular o danomoral “as pessoas mais próximas davítima, porquanto essa proximidadesuscita o vínculo de afeição e, coma ruptura dele, o que traduzempiricamente o dano apatrimonial,pela diminuição do que a dor acarretaà energia da vida”.Por tudo que foi exposto, é imperiosoconcluir que a identificação doslegitimados para postularindenização por dano moraldependerá muito dasespecificidades do caso concreto,de acordo com o prudenteconvencimento do juiz. [...]. (grifosacrescidos)( Indenizações por acidente do

trabalho ou doença ocupacional. 4ªed., São Paulo: Ed. LTr, p. 271/272.)

Assim, em face de todo essecontexto, é de se concluir que a simplesrelação de parentesco não justifica,necessariamente, o direito à reparaçãopor danos morais, mas,especialmente, os laços de amor, decarinho e de afeto existentes entre oautor da ação e a vítima do acidente.Isso porque, embora possa haver umgrau estreito de parentesco entre avítima e o que se diz titular do direito àindenização vindicada, porqueintegrante do núcleo familiar, apenasesse elemento não é suficiente parase reconhecer o direito em exame.

É importante ressaltar que afamília se caracteriza por lastros decooperação, respeito, amizade,cuidado, carinho, afinidade, atençãorecíproca entre todos os seusmembros. E o afeto, é claro, encontra-se presente nas relações familiarestradicionais e exsurge do tratamento

mútuo entre os seus integrantes quese vinculam não só pelo sangue, masespecialmente por amor e carinho.Estes são elementos, portanto, quedevem ser considerados quando doexame do pleito de indenização pordano moral formulado em razão doóbito de um dos integrantes daentidade familiar.

Entretanto, o exame de taispressupostos não pode estar alijadodas especificidades do caso concreto,o que inclui o contexto socioeconômicoe cultural dos envolvidos.

Feitos esses registros, não hádúvida de que, ao exame doprocessado, pesam contra a autora osfatos descritos pelas testemunhasouvidas em juízo, que revelaramtratamento inadequado por elarealizado quanto à educação do filhofalecido, beirando a maus tratos.

Nesse sentido, a testemunhaMaciel Vieira Luciano, servidor doConselho Tutelar de Pedrinópolis,afirmou que (f. 172)

o menor residia com o avô à épocado falecimento; que, quatro mesesantes disto, o menor havia discutidocom sua mãe e procurou o depoente,que o aconselhou a dormir com oavô e procurá-la no dia seguintepara conversar; que no dia seguintea discussão foi maior, tendo Cristianoretornado com suas roupas e ditoque não retornaria para a casa daautora, ficando com o avô emdefinitivo; que o menor se referia àmãe pelo nome “Leontina” e nãocomo mãe; que o Cristiano, quandomorava com a mãe, tinha problemascom bebida; que, após residir com oavô, não houve mais reclamaçãodeste tipo; que sabe, pelo de cujus,que sua mãe o agrediu algumasvezes; que, certo dia, dentro de sua

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casa, o menor lhe disse “minha mãenão gosta de mim”, enquantochorava; que, apesar deconselheiro, não relatou o fato àsautoridades; que fez isso porqueentendeu que seria uma conversamais amigável, tendo sido procuradocomo “uma pessoa para conversar”e não como conselheiro; queacredita que o reclamante nãodormiu na casa de sua mãe apóssua saída; que não se recorda devisitas feitas entre autora e seu filhoapós tal saída; que seu contatocessou quando o reclamante residiacom o avô, sendo que aqueletrabalhava o dia todo; que, em suaopinião, “não havia sentimento damãe em relação ao filho”; que omarido da autora já procurou odepoente, para, na qualidade deconselheiro, acompanhar o menorque chegara bêbado e, quando issoocorreu, ficou agressivo; que,apesar de não conversar com omenor, sabia que o mesmo residiacom o avô, pois eram vizinhos e ovia no local; que o único contato maisíntimo ocorreu quando o menor oprocurou nos moldes supra. (f. 172)

A par disso, o pai da reclamantee avô do de cujus, em depoimentoprestado como informante, declarou,ainda,

que, quando do acidente, Cristianoresidia em sua casa; que passou aresidir com o depoente em junho de2004; que o menor e a autora não“se davam”; que parece que aautora não gostava de seu filho,tendo-o expulsado por quatro vezes;que, quando mais novo, o de cujus

era problemático, tendo seregenerado “80%”; que o menorauxiliava sua mãe no período em que

residiu com ela, pois era obrigado;que, quando o menor passou a morarcom o depoente, o dinheiro ficavapara ele; que o menor chegou adispor a ajudar na casa dodepoente, tendo o mesmo deixado acritério dele fazê-lo ou não.Perguntas dos réus; “que o menortrabalhava somente para os réusquando faleceu; que houve umaépoca em que o menor residiu comseu pai, em Buritis; que chegou aresidir, também, com umempregador, em São Paulo; que,certa vez, a autora esteve na casado depoente para agredir o menor,que conseguiu escapar; que omenor teve o dedo quebrado pelaautora, numa ‘briga’, com o cabo devassoura; que a autora comemorou,algumas vezes, o aniversário dofilho mais novo, mas nunca o deCristiano; que o menor se referia àautora pelo nome, não a tratandocomo mãe; que o menor nãosustentava a família da autora”.Perguntas da autora: “que odepoente nunca interferiu nas idase vindas do menor; que acompanhouo menor após a vinda de Buritis,quando tinha 10 anos; [...] ; que omenor fumava e, de vez em quando,bebia, e o depoente não podia dizernada”. (f. 171)

Da análise dos depoimentostranscritos, embora ressaia evidente adificuldade de relacionamento entremãe e filho, não se pode afirmar, comcerteza, que a mãe não nutrisse pelofilho, a seu modo, qualquer relação deafeto, de carinho ou de amor.

De fato, afirmou a testemunhaMaciel Vieira Luciano, servidor doConselho Tutelar de Pedrinópolis, que“não havia sentimento da mãe emrelação ao filho”. Contudo, não se pode

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olvidar de que o Conselho Tutelarnenhum procedimento mais drásticoadotou em relação a essa família,possivelmente por entender pelaviabilidade do convívio familiar e por seressa a melhor opção para os filhos daautora.

Além disso, não é conclusiva aprova quanto às alegações de que avítima não residia com a mãe à épocado acidente e de que foi por estaexpulsa de casa.

Veja-se que, ao contrário dosdepoimentos da testemunha MacielVieira Luciano e do informanteEurípedes de Oliveira, as duastestemunhas indicadas pelareclamante, Regilaine Aparecida Dutrae Marlene Abadia de Almeida, nãoconfirmaram a alegação dos réus deque o de cujus havia sido expulso decasa pela mãe e que estava morandocom o avô à época do acidente.

A primeira depoente (Regilaine)afirmou que,

quando da morte, Cristiano residiacom sua mãe em Pedrinópolis; que oavô de Cristiano residia também emPedrinópolis, em um outro bairro; [...]que o menor ia para a casa de seuavô, ficava algum tempo e voltandopara a casa da mãe, não oabandonando [...]. (f. 170)

A segunda, Marlene Abadia deAlmeida, declarou que

conhecia o menor há cerca de 06/07anos antes do falecimento; que, nesseperíodo, o menor sempre residiu coma mãe; que, com a morte de Cristiano,a autora estava conturbada, tendosofrido muito. (f. 171)

Nesse compasso, de qualquerforma, ainda que se entenda que a

vítima residisse com o avô nos últimosquatro meses antes do acidente, ocerto é que viveu, durante a maior parteda vida, com a mãe e com o outro irmão.Não se trata, portanto, de um caso deabandono ou de total desinteresse damãe para com o filho, mas, sim, dedificuldades de relacionamento,provavelmente, de ambas as partes,decorrentes, certamente, dodespreparo da mãe para lidar com osproblemas do filho adolescente.

De fato, o tratamento agressivoda reclamante para com o filho tambémé confirmado pela testemunhaRegilaine, quando afirma que

a polícia já foi até a casa da autora,uma vez que o de cujus eraproblemático, que “pegava coisasdos outros”; que também foi porquea autora agrediu o menor na tentativade educá-lo. (f. 170, grifosacrescidos)

Além disso, consta nos autos oBoletim de Ocorrência da Polícia Civil(f. 65/66), em que o de cujus relatou tersido agredido com tapas pela mãe, eos documentos de f. 176/183demonstram que a reclamantetambém é agressiva com o filho maisnovo, o que até lhe ensejou umprocesso criminal. Veja-se que,embora ela tenha aceito a suspensãocondicional do aludido processocriminal (f. 183), admitiu à autoridadepolicial que bateu no menor por ter elerealizado saques em sua contabancária (f. 178). Tal agressão resultouem edemas e 38 (trinta e oito)hematomas no filho de 15 (quinze)anos à época dos fatos (f. 182).

Com efeito, não obstante todosesses relatos, não se podedesconsiderar o precário contextoeconômico, social e cultural em que

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estava inserida essa família, o que,sem dúvida, influiu diretamente nodesenvolvimento da vida de seusmembros. E, nesse contexto, a autoraacreditava, como ressalvado pelatestemunha Regilaine, que asagressões dirigidas ao filho tinham porfinalidade educá-lo em razão dastransgressões por ele praticadas.

Cumpre pontuar que não seestá aqui, obviamente, a irrelevar asagressões praticadas pela autora,tampouco a justificá-las. A conduta dareclamante foi e é, por certo, reprovável,e ineficaz como meio de educação dosfilhos, como hoje resta assente naliteratura específica da psicologia epedagogia, mormente considerandoos excessos por ela cometidos.

Contudo, não se podedesconsiderar que o castigo físico éainda utilizado em diversos núcleosfamiliares como prática na educaçãoinfantil e dos jovens de modo geral. Atéalguns especialistas defendem a“pedagogia da palmada” como meiode se conter a indisciplina. Issodemonstra que em meiossocioculturais elevados a práticatambém não é descartada. Além disso,há aqueles que não utilizam o castigofísico, mas abusam do castigopsicológico, cujo efeito traumático naformação da personalidade doindivíduo pode ser ainda pior e, em quepese não deixar marcas físicas, trata-se de forma de violência que maculaindelevelmente a psiquê humana.

Assim sendo, a falta de bomsenso de alguns pais, como tambéma contradição entre a teoria e a práticade outros supostamente melhorpreparados são aspectos comuns queressaltam da vida em sociedade, nãose limitando a um contexto deprecariedade econômica, social ecultural.

Nesse diapasão, a educaçãoequilibrada, mediante o diálogo e atosacertados, sem recorrer ao uso deviolência física ou psicológica, ou seja,a educação de forma ética edemocrática é um ideal que nemsempre é alcançado na prática,independentemente do contextoeconômico, social e cultural, nãoobstante as camadas que vivem numcontexto de precariedadesocioeconômica e cultural apresentemíndices de maior violência doméstica.

Mas nem por isso se pode dizerque, a seu modo, não haja sentimentode afeição e amizade entre osintegrantes de um núcleo familiarassim configurado, especialmenteentre mãe e filho. Mesmo porque umapessoa educada num sistema de“educação corporal” e que não foipreparada pela sociedade em que vivee pela educação que recebeu paraalterar a sua “visão pedagógica” e, porconsequência, o seu comportamento,não conhecerá outro processo deeducação a não ser o do castigo físico,que será, naturalmente, impingido aosseus filhos com o intuito de educá-los.

Não é, pois, sem razão, aadvertência da doutrina de Américo LuizMartins da Silva:

[...] também decorre de múltiplosfatores de ordem pessoal o padrãomoral das pessoas. Por isso se dizque os elementos de formação dopadrão moral variamacentuadamente de pessoa parapessoa e o próprio nível econômico,social e intelectual de uma pessoa eo meio em que vive moldam padrõesde comportamento que influenciamdecisivamente a constituição desuas regras de moralidade.(O dano moral e a sua reparação

civil. Editora RT, 1999, p. 314.)

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Cumpre lembrar que amoralidade, aqui, deve ser entendidaem seu amplo espectro, ou seja, aconsciência ou intelecção que se temdas regras de conduta em sociedade,incluindo a familiar, e a aplicaçãoprática dessas regras.

Sendo assim, e diante de todoesse contexto, não condiz com oprincípio da razoabilidade entender-seque essa mãe, que, consideradas assuas limitações de todas as ordens,gerou e, bem ou mal, cuidou do filhodurante toda a sua vida, nada sofreucom a abrupta morte desse filho. Comefeito, não se pode afirmar que suaconduta, pautada unicamente nosmeios educativos que destinou aofilho, tenha significado a supressão,para com ele, de todo e qualquersentimento de amor e de afeto.

Veja-se que, segundo atestemunha Marlene Abadia deAlmeida, “com a morte de Cristiano, aautora estava conturbada, tendo sofridomuito” (f. 171).

Essa informação deve serconsiderada, pois é o que se espera deuma mãe que teve sob suaresponsabilidade o filho desde onascimento até seus 17 (dezessete)anos. Como suprarressalvado, nãoobstante a rudeza da relação entre mãee filho, a presença materna não foirenunciada na vida desse jovem, sendoo sofrimento, a dor moral e íntima osentimento que se espera não só dosintegrantes do núcleo familiar quetiveram um relacionamento mais próximocom esse jovem, que perdeu a vida demodo tão trágico, mas especialmentede sua mãe. Essa é a noção que setem da ordem natural das coisas.

Além disso, também não serevela razoável que um acidenteocorrido em circunstâncias em querestou incontroversa a culpa grave do

empregador não enseje consequênciasno plano da responsabilidade civil,ficando os responsáveis isentos dequalquer apenação, quer no planocriminal, quer no plano civil.

Assim, com a devida vênia da d.sentença proferida, entendo ser aautora titular do direito à indenizaçãopor danos morais, cumprindo apenasaquilatar o valor da indenização devida.

Sendo assim, cumpre assinalarque o juiz, na fixação do valor daindenização, deve levar em conta aextensão do dano e a naturezapedagógica que deve ter a reparaçãocorrelata, bem assim as circunstânciasde que a indenização seja proporcionalao grau da dor suportada pela vítima, agravidade da conduta do ofensor, o seugrau de culpa e situação econômica,não se olvidando, ainda, de que aindenização não há de ser meio deenriquecimento do ofendido. Emresumo, como assinala Maria HelenaDiniz,

o juiz deve aplicar o critério dojustum ante as circunstânciasparticulares do caso sub judice

(LICC, art. 5º), buscando sempre,com cautela e prudência objetiva, aequidade.(apud SILVA, Luiz de Pinho Pedreira.A reparação do dano moral no

direito do trabalho. LTr, 2004, p. 110.)

Desse modo, consideradostodos esses critérios, fixo àindenização por danos morais o valorde R$20.000,00, entendendo-o comouma justa reparação, dadas asespecificidades da hipótese emjulgamento.

Por outro lado, o contexto fáticoe probatório do processado nãoautoriza o deferimento da indenizaçãopor danos materiais.

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Cumpre salientar que seafigura irrelevante o fato de a vítimanunca ter recebido salários dosreclamados, por ter o acidente ocorridono primeiro mês de trabalho. O queimporta saber é se o de cujus contribuíaou gerava a expectativa de contribuir ounão para o sustento da família, no casorepresentada pela autora da ação.

Entretanto, apesar de astestemunhas Regilaine AparecidaDutra e Marlene Abadia de Almeidaterem afirmado que o de cujus auxiliavanas despesas da casa, restouevidenciado que ele, próximo acompletar a maioridade, não tinha aintenção de continuar a viver com amãe (depoimentos da testemunhaMaciel Vieira Luciano e do informanteEurípedes de Oliveira). Além disso, detodo o contexto probatório, não se extraique fosse da índole do jovem auxiliarfinanceiramente a família, ainda que nofuturo passasse a residir noutro local.Tais circunstâncias, por consequência,afastam o direito à indenização pordanos materiais pretendida.

Por fim, cumpre averiguar aresponsabilidade dos cincoreclamados que integram o polopassivo da ação.

Impõe-se esclarecer que, nadefesa, foi arguida a ilegitimidadepassiva do quinto reclamado, LUIZCARLOS DA SILVA - rejeitada nasentença - sob o fundamento de que osequipamentos e máquinas agrícolasnão eram de sua responsabilidade ede que, no dia do acidente, os demaisreclamados “pagavam horas deserviços com máquinas para LuizCarlos” (f. 51, antepenúltimo epenúltimo parágrafos).

Os reclamados tambémalegaram que ILDA RODRIGUES DEPAIVA, JOSÉ CARLOS FERNANDES eCARLOS HENRIQUE FERNANDES,

primeira, segundo e quartodemandados, não eram partes legítimaspara figurarem no polo passivo da açãopois, “apesar da sociedade de fato,não tinham o hábito de administrartampouco visitar a fazenda onde tudoocorreu” (f. 51, último parágrafo).

Entretanto, não obstante oalegado, os próprios termos da defesalevam à conclusão de que todos osreclamados devem respondersolidariamente pela condenação.

Com efeito, quanto ao quintoreclamado, LUIZ CARLOS DA SILVA,verifica-se que o plantio estavaocorrendo em sua propriedade, commáquinas e equipamentos deterceiros. Portanto, apresentou-se,nesse contexto, como o beneficiáriodireto dos serviços prestados e, dessemodo, incumbia-lhe o dever deobservar o regular cumprimento detodas as normas de segurança poraqueles que executavam o trabalho emseu favor. Assim não agindo, não sefurta da responsabilidade que lhe éatribuída nos termos do art. 186 doCódigo Civil.

Insta pontuar que, na CTPS dode cujus, consta como suaempregadora a primeira reclamada,ILDA RODRIGUES DE PAIVA (f. 28).Consta ainda dos autos, por expressaafirmação na defesa, que essareclamada, juntamente com o segundoe quarto reclamados, JOSÉ CARLOS eCARLOS HENRIQUE, formavam umasociedade de fato em que se incluíatambém o terceiro reclamado,ANTONIO CARLOS FERNANDES.

Desse modo, o empregadorque não zelou pela segurança do seuempregado, permitindo que fosse elesujeito de acidente do trabalho fatal,responde pela indenização devida, nostermos do inciso XXVIII do art. 7º da CFe art. 186 do Código Civil.

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Assentado isso, em se tratandode sociedade de fato, nos termos doart. 990 do Código Civil, todos os sóciosrespondem solidária e ilimitadamentepelas obrigações sociais. Ressalte-seque, na sociedade de fato, que nãodetém personalidade jurídica, não háseparação entre o patrimônio dasociedade e o patrimônio particular dossócios, sendo, pois, solidária eilimitada a responsabilidade de todosos seus integrantes. Assim sendo,nenhum dos reclamados se escusa daresponsabilidade que lhe é imputada.

Ante o exposto, dou parcialprovimento ao recurso para condenaros reclamados, de forma solidária, apagarem à reclamante indenização pordanos morais no valor de R$20.000,00.

Acresço à determinaçãosentencial que sejam expedidos ofíciosao Ministério Público Estadual e aoMinistério Público do Trabalho paraapuração das irregularidades epenalidades cabíveis, o envio, anexoaos ofícios, do presente acórdão e dosdemais documentos dos autosrelativos à ocorrência do acidente.

CONCLUSÃO

Conheço do recurso ordináriointerposto pela reclamante; no mérito,dou-lhe parcial provimento paracondenar os reclamados, de formasolidária, a pagarem à reclamanteindenização por danos morais no valorde R$20.000,00. Declaro, para fins dodisposto no § 3º do art. 832 da CLT,que a verba deferida tem naturezaindenizatória. Inverto os ônus dasucumbência, com custas pelosreclamados no importe de R$400,00,calculadas sobre o valor deR$20.000,00, arbitrado à condenação.Acresço à determinação sentencial quesejam expedidos ofícios ao Ministério

Público Estadual e ao MinistérioPúblico do Trabalho para apuração dasirregularidades e penalidadescabíveis, o envio, anexo aos ofícios, dopresente acórdão e dos demaisdocumentos dos autos relativos àocorrência do acidente.

Fundamentos pelos quais,

O Tribunal Regional do Trabalhoda Terceira Região, pela sua OitavaTurma, preliminarmente, àunanimidade, conheceu do recursoordinário interposto pela reclamante;no mérito, sem divergência, deu-lheparcial provimento para, julgandoprocedente, em parte, a ação,condenar os reclamados, de formasolidária, a pagarem à reclamanteindenização por danos morais no valorde R$20.000,00 (vinte mil reais);declarou, para fins do disposto no § 3ºdo art. 832 da CLT, que a verba deferidatem natureza indenizatória; inverteu osônus da sucumbência, com custaspelos reclamados no importe deR$400,00 (quatrocentos reais),calculadas sobre o valor dacondenação (R$20.000,00 - vinte milreais); acresceu à determinaçãosentencial que sejam expedidos ofíciosao Ministério Público Estadual e aoMinistério Público do Trabalho paraapuração das irregularidades epenalidades cabíveis, o envio, anexoaos ofícios, do presente acórdão e dosdemais documentos dos autosrelativos à ocorrência do acidente.

Belo Horizonte, 22 de outubro de2008.

DENISE ALVES HORTADesembargadora Relatora

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TRT-01493-2007-013-03-00-0-ROPubl. no “MG”de 20.09.2008

RECORRENTES: SINDICATO DOSTRABALHADORES NAINDÚSTRIA DE PURIFICAÇÃOE DISTRIBUIÇÃO DE ÁGUA E EMSERVIÇOS DE ESGOTOS DEMINAS GERAIS - SINDÁGUA MG (1)MINISTÉRIO PÚBLICO DOTRABALHO (2)COMPANHIA DE SANEAMENTODE MINAS GERAIS - COPASA (3)

RECORRIDOS: OS MESMOS

EMENTA: 1. A LEGITIMAÇÃOPASSIVA NAS AÇÕESCOLETIVAS - LEGITIMIDADE DOSINDICATO PROFISSIONAL - 2.CONCURSO PÚBLICO -ADMISSÃO ANTERIOR A 23 DEABRIL DE 1993 - ESTABILIDADEDAS RELAÇÕES JURÍDICAS EBOA-FÉ.1. A legitimação passiva é o nógórdio das ações coletivas. Ajurisprudência e a doutrinaperderam muito tempo com adiscussão atinente àlegitimação ativa e aultrapassada lista desubstituídos, olvidando-se, porcompleto, da discussãoefetivamente complexa emsede coletiva, que é a queenvolve a legitimação passiva,pois, afinal, a legitimaçãopassiva diz respeito ao amplodireito de defesa dos afetados.Nas Federal Rules of Civil

Procedure, que inspiraramtodo o nosso sistema de açõescoletivas, há uma solução bempragmática para o problema, ouseja, o requisito dadeterminação da legitimação -tanto passiva como ativa -

pelos critérios da “adequação”

e “razoabilidade” dascondições de defesa dosdireitos dos representados[Regra 23 (a, IV) e Regra 23.2].Nesse caso, a representação,inclusive a passiva, é aferidanão por critérios formais, mas,sim, por requisitos deadequação material. Emtermos concretos, a entidadetem de ter estrutura para“fairly and adequately protect

the interests of the class”

[Regra 23 (a, IV)]. Noordenamento brasileiro, osindicato profissional, naJustiça do Trabalho, possuiplena legitimidade ad causam

passiva para figurar nas açõescivis públicas propostas peloMinistério Público do Trabalho.2. Em se considerando adecisão proferida peloSupremo Tribunal Federal (MSn. 22.357-0/DF), não são nulasas contratações realizadas porempresas públicas esociedades de economia mistaem data anterior a 23.04.93,haja vista a necessidade de seconferir estabilidade jurídica àsrelações consolidadas notempo pelo princípio da boa-fé.

Vistos, discutidos e relatadosestes autos de recurso ordinário emque figuram, como recorrentes,SINDICATO DOS TRABALHADORESNA INDÚSTRIA DE PURIFICAÇÃO EDISTRIBUIÇÃO DE ÁGUA E EMSERVIÇOS DE ESGOTOS DE MINASGERAIS - SINDÁGUA MG (1),MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO(2) e COMPANHIA DE SANEAMENTODE MINAS GERAIS - COPASA (3) e,como recorridos, OS MESMOS.

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I - RELATÓRIO

Trata-se de ação civil públicaajuizada pelo Ministério Público doTrabalho em face da COPASA -Companhia de Saneamento de MinasGerais, em que postula o afastamentodos empregados admitidos no períodoentre 05.10.1988 a 23.04.1993, semprévia aprovação em concurso públicode provas e títulos, sob pena de multadiária e a substituição por empregadosaprovados em concurso público, naforma do inciso II do art. 37 da CR.

A v. sentença de f. 2197/2203,proferida pelo Juízo da 13ª Vara doTrabalho de Belo Horizonte, exercidopelo Juiz do Trabalho Ronaldo AntônioMesseder Filho, acolheu a prescriçãosuscitada pela reclamada e extinguiuo processo, com resolução do mérito,nos termos do inciso IV do art. 269 doCPC.

Determinou-se a expedição deofício ao Egrégio TRT, com cópia dasentença, dando-lhe ciência da perdado objeto do mandado de segurança,em razão do pronunciamentojurisdicional de mérito desta demanda(f. 2203).

O SINDÁGUA MG postula areforma da decisão interlocutóriaproferida às f. 1572/1573, renovando opleito de ingresso na lide sob acondição de assistente litisconsorcial(f. 2206/2213).

Contrarrazões do MPT às f.2215/2223.

O Ministério Público do Trabalhointerpõe recurso ordinário postulandoque seja afastada a prescriçãodecretada, por entender que inexisteprescrição em relação a direitotransindividual. Afirma que, enquantopermanecerem no quadro da COPASAempregados admitidos sem préviaaprovação em concurso público,

persistirá uma lesão difusa aosinteresses dos trabalhadores quepoderiam, pela via legítima edemocrática do concurso público,disputar um posto de trabalho dignona referida sociedade de economiamista (f. 2224/2230).

Contrarrazões da empresareclamada às f. 2235/2242, juntandoinstrumentos de procuração e desubstabelecimento às f. 2243/2245.

De outro lado, a reclamadainterpõe recurso adesivo renovandopreliminar de ilegitimidade ativa doMinistério Público do Trabalho earguindo nulidade da decisão porcerceamento de defesa (f. 2246/2250).Junta instrumentos de procuração e desubstabelecimento (f. 2251/2253).

Contrarrazões do MPT arguindopreliminar de não conhecimento dorecurso adesivo, por falta de interesseda reclamada e pela rejeição daarguição de nulidade da decisão porcerceamento de defesa (f. 2258/2260).

É o relatório.

II - VOTO

1 - Juízo de admissibilidade

Próprios, tempestivos epresentes os demais pressupostos deadmissibilidade, conheço dos recursosordinários interpostos pelo SINDÁGUAe pelo Ministério Público do Trabalho.

Quanto à preliminar de nãoconhecimento do recurso adesivointerposto pela reclamada, porausência de interesse em recorrer,razão alguma assiste ao MinistérioPúblico do Trabalho.

Com efeito, o recurso adesivo,além dos pressupostos deadmissibilidade próprios do recursoautônomo, sujeita-se aospressupostos específicos, quais

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sejam, existência de um recursoprincipal e a sucumbência parcial,conforme previsto no art. 500 do CPC.

Não obstante a finalidadeprecípua do recurso adesivo sejapropiciar ao lit igante vencidoparcialmente a obtenção da reformanaquilo em que sua alegação foirepelida, sob pena de não aderindo aorecurso principal ter a sua situaçãoagravada na hipótese de o Tribunalacolher a tese deduzida pela partecontrária em seu apelo principal, nãohá na norma inserta no art. 500 do CPCdisposição expressa no sentido de nãose admitir o recurso adesivo quandoveiculadas apenas questões quepodem ser conhecidas de ofício, taiscomo, as condições da ação.

In casu, a reclamada arguiu emsua defesa a ilegitimidade doMinistério Público do Trabalho paraintegrar o polo ativo da presentedemanda, preliminar rejeitada pela v.sentença vergastada.

Conquanto a matéria pertinenteà ilegitimidade ou legitimidade ativa doMinistério Público do Trabalho deva seranalisada de ofício pelo juízo, emqualquer tempo e grau de jurisdição, porconstituir uma das condições da ação,conforme inciso VI e § 3º do art. 267 doCPC, a parte contrária detém interessejurídico em devolver ao Tribunal apreliminar eriçada em defesa.

Assim, rejeito a preliminar denão conhecimento do recurso adesivointerposto pela reclamada, arguida peloMPT, e dele conheço, porque atendidosos pressupostos de admissibilidade.

Em suma: Rejeito a preliminarde não conhecimento do recursoadesivo interposto pela reclamada econheço do recurso ordinárioapresentado pelo SINDÁGUA e peloMPT e do recurso adesivo oposto pelareclamada.

Considerando que as matériasarguidas pela reclamada sãoprejudiciais ao apelo do MPT, analisoprimeiramente os recursos doSINDÁGUA e da COPASA.

2 - JUÍZO DE MÉRITO

2.1 - Recurso ordinário doSINDÁGUA

2.1.1 - Assistência litisconsorcial

Insurge-se o SINDÁGUA contraa v. decisão de f. 1572/1573 (8º vol.) querejeitou o seu pedido de integração àlide na condição de assistentelitisconsorcial. Afirma que comoentidade sindical representativa dosempregados da COPASA detémlegitimidade para defesa dos interessesdos empregados a serem alcançadospela decisão de mérito, nos termos doinciso III do art. 8º da CR e art. 513 daCLT. Afirma que possui legítimointeresse jurídico em integrar a lide paradefesa dos empregados a serematingidos pela tutela jurisdicional, nacondição de assistente litisconsorcial,nos moldes do art. 50 do CPC.

Com efeito, ao contrário dasalegações do Ministério Público doTrabalho, é possível admitir aassistência litisconsorcial no polopassivo de ação civil pública.

Segundo a exegese do art. 54 doCPC, a assistência litisconsorcialconstituiu direito processual subjetivo deterceiro que, interessado que a sentençaseja favorável a uma das partes, colaborapara evitar que a decisão proferida possainfluir na relação jurídica entre ele e oadversário do assistido. Ela se justificaporque o direito discutido na lide é doassistido, mas também do assistente,o qual teria legitimação para discuti-losozinho ou em litisconsórcio.

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In casu, o sindicato profissionalrecorrente tem plena legitimidade para adefesa dos direitos e interesses coletivosou individuais da categoria, nos termosdo inciso III do art. 8º da Constituiçãoda República, nos quais estariaincluída a coletividade de empregadosa ser alcançada pela decisão proferida.

A legitimação passiva é o nógórdio das ações coletivas. Ajurisprudência e a doutrina perderammuito tempo com a discussãoenvolvendo a própria legitimação ativae a ultrapassada lista de substituídos,que nem ao menos pôde se aprofundarna discussão efetivamente complexaque envolve a legitimação coletiva.

Nas Federal Rules of Civil

Procedure, que inspiraram todo onosso sistema de ações coletivas, háuma solução bem pragmática para oproblema, ao gosto dos norte-americanos, ou seja, o requisito dadeterminação da legitimação - tantopassiva como ativa - pelos critérios da”adequação” e “razoabilidade” dascondições de defesa dos direitos dosrepresentados [Regra 23 (a, IV) eRegra 23.2].

Nesse caso, a representação,inclusive a passiva, é aferida não porcritérios formais, mas, sim, por requisitosde adequação material. Em termosconcretos, a entidade tem de ter estruturapara “fairly and adequately protect the

interests of the class” [Regra 23 (a, IV)].Há hipóteses dramáticas sobre

a legitimação passiva para a açãocoletiva, como a presente, quando oMinistério Público propõe ação civilpública em face de empresa estatal ouparaestatal, visando à anulação doscontratos e à dispensa doscontratados sem concurso público.Como admitir que o empregador sejao representante e defensor dos direitosdo empregado na ação coletiva?

Nesse sentido já tivemosoportunidade de nos manifestar, emdecisão proferida em 2002:

EMENTA: AÇÃO CIVIL PÚBLICA -ADEQUAÇÃO E JUSTEZA DAREPRESENTAÇÃO - CLASS

ACTION. Na ação civil pública aextensão da coisa julgada àquelesque, tecnicamente, não sejam parteno processo, tem como fundamentoo fato de que tais sujeitos são epodem ser substituídosprocessualmente. Contudo, não sepode considerar que o empregadorseja o substituto processual dospróprios empregados, pois existeentre eles o mais patente conflito deinteresses da sociedade capitalista.O instituto da class action do sistemanorte-americano, que inspirou a açãocivil pública para defesa de direitosindividuais homogêneos prevista peloCódigo de Defesa do Consumidorartigos 91 a 100 de forma bempragmática, disciplinou as hipótesesem que se torna viável a ação civilpública quando envolve umamultiplicidade de direitos individuais.Um dos requisitos do atual processonorte-americano é justamente que aparte represente justa eadequadamente os demaisenvolvidos na repercussão dadecisão Artigo 23 das Federal Rules

of Civil Procedure de 1966. Essalição do direito comparado, nostermos do artigo 8º da CLT, aplica-seperfeitamente ao direito pátrio, hajavista a indeterminação e vazio queexiste hoje em sede jurisprudencial,dogmática e doutrinária a respeitodesse assunto.(TRT/3ª Região, Terceira Turma, RO-13328/01, Relator Juiz ConvocadoJosé Eduardo de Resende ChavesJúnior, DJMG 19.02.2002)

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Dou, assim, provimento aoapelo, deferindo o pedido deassistência litisconsorcial do sindicato.

2.2 - Recurso adesivo daCOPASA

2.2.1 - Preliminar deilegitimidade ativa do MPT

Renova a reclamada preliminarde ilegitimidade ativa do MinistérioPúblico do Trabalho, aduzindo que oinciso III do art. 83 da LC n. 75/93 nãoalcança as hipóteses de interessesindividuais homogêneos, poisidentificados a um grupo ou categoriade pessoas.

Com efeito, a presente ação civilpública encontra-se fundamentada noinciso II do art. 37 da Constituição daRepública e dirige-se à COPASA,sociedade de economia mista, quecontratou, no período entre 05.10.1988a 23.04.1993, 392 empregados, semprévia aprovação em concurso público,dos quais remanescem 198empregados.

Busca o Ministério Público doTrabalho com a presente ação oafastamento dos referidos empregadosremanescentes, admitidos sem préviaaprovação em concurso público,substituindo-os por empregadospreviamente aprovados em concursopúblico, na forma exigida pelaConstituição da República (f. 08/09).

Reza o inciso III do artigo 129 daConstituição da República ser funçãoinstitucional do Ministério Público apromoção de inquérito civil e ação civilpública, para proteção do patrimôniopúblico e social, do meio ambiente e deoutros interesses difusos e coletivos.

Igualmente preconiza o inciso IIIdo art. 83 da LC n. 75/93 ser dacompetência do Ministério Público do

Trabalho a promoção de ação civilpública no âmbito da Justiça doTrabalho, para defesa de interessescoletivos de trabalhadores, quandodesrespeitados direitos asseguradosconstitucionalmente.

Como se vê, as citadas normaslegais conferem legitimidade aoParquet para ajuizar ação civil pública,em defesa dos interesses coletivos edifusos dos trabalhadores, perante aJustiça do Trabalho.

No caso vertente, o MinistérioPúblico do Trabalho objetiva discutir, emâmbito coletivo, a ilicitude do atoadministrativo efetivado pela reclamada,sociedade de economia mista doEstado de Minas Gerais, ao contratar,no período entre 05.10.1988 a23.04.1993, empregados sem préviaaprovação em concurso público, o queenvolve, certamente, direitos einteresses de uma coletividade detrabalhadores, que poderia disputar umposto de trabalho pela via do concursopúblico de provas ou de provas e títulos.

Em face disso, o MinistérioPúblico do Trabalho detémlegitimidade para figurar no polo ativoda presente ação civil pública,considerando a defesa de interessescoletivos e difusos vinculados àcoletividade de trabalhadores.

Saliente-se que, ao contráriodas alegações da reclamada, napresente demanda, pretende o MPTadequar a conduta empresarial, naadmissão de seus empregados, àsregras inscritas no inciso II do art. 37da CR, corrigindo ato administrativoanterior irregular, cuja efetividade é deinteresse público.

Assim, rejeito a preliminareriçada.

2.2.2 - Cerceamento de defesa- Indeferimento de prova testemunhal

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Sustenta a reclamada que ojuízo de origem incorreu emcerceamento de defesa, ao indeferir aprodução de prova testemunhal, coma qual pretendia produzir a contraprovadas alegações deduzidas peloMinistério Público do Trabalho, emespecial, porque não existecontraditório no inquérito civil público.

Com efeito, a reclamadapretendeu a oitiva de três testemunhas,que se faziam presentes na audiência,para fins de prova dos fatos articuladosna defesa, ou seja, a realização de umprocesso de seleção de pessoal, nosmoldes utilizados na época, até porquea realidade era outra dos dias de hoje,quando então havia procura de mão-de-obra, mantendo-se, por isso, umcadastro de candidatos a emprego, quese renovava constantemente, visto quea inserção no mercado de trabalho eraágil (f. 1620).

Entretanto, como observou ojuízo de origem, o objeto da presenteação civil pública versa sobre matériaestritamente de direito, tendo sidoconferido à reclamada oportunidadepara apresentar sua defesa e toda adocumentação pertinente aosempregados admitidos no períodoentre 05.10.1988 e 23.04.1993, quandoentão pôde apresentar as tesesjurídicas que entendia comojustif icadoras de sua conduta naadmissão dos empregados na épocaimpugnada (f. 1592/2170).

Pontue-se, ainda, que oindeferimento da oitiva detestemunhas levadas pela empresanão configurou cerceamento dedefesa, uma vez que os elementos dosautos foram suficientes para formar oconvencimento do julgador e porque areferida pretensão não influenciariadiretamente no deslinde da questão,já que a matéria objeto da controvérsia

é estritamente de direito. Por outro lado,o juiz tem o dever de indeferirdiligências inúteis (art. 130 do CPC),quando o conjunto probatório coligidojá é suficiente e bastante ao desiderato.

No mais, é cediço que peloprincípio da livre persuasão racional dojuiz, este tem liberdade para apreciar aprova, desde que observe os fatos ecircunstâncias dos autos e fundamentesua decisão, o que restou plenamenteatendido, conforme art. 131 do CPC.

Rejeito, pois, a arguição decerceamento de defesa.

2.3 - Recurso ordinário doMinistério Público do Trabalho

2.3.1 - Contratação irregular

Insurge-se o Ministério Públicodo Trabalho contra a v. sentença deorigem, que acolheu a prescriçãodeduzida pela COPASA, com fulcro noart. 54 da Lei n. 9.784/99, aduzindo quea reclamada contratou, no período entre05.10.1988 a 23.04.1993, empregados,sem prévia aprovação de provas ou deprovas e títulos, em desconformidadecom o inciso II do art. 37 da CR. Afirmaque a prescrição administrativa não seconfunde com a prescrição nas açõesjudiciais, até porque a norma se dirigeà Administração, não inibindo apossibilidade do Poder Judiciárioreconhecer a nulidade dos atosadministrativos, mesmo quandoultrapassado o prazo de cinco anosfixado pela Lei n. 9.784/99. Além disso,argumenta que, em se tratando de atosnulos de pleno direito, não se podeconvalidá-los, não cabendo a aplicaçãoda prescrição. Afirma que a presenteação tem por finalidade a defesa de umamassa difusa de trabalhadores, quepoderia pela via do concurso públicodisputar um posto de trabalho na

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empresa reclamada, sociedade deeconomia mista do Estado de MinasGerais. Busca a reforma do julgadopara afastar os empregados admitidosno período de 05.10.1988 a 23.04.1993,sem prévia aprovação em concursopúblico.

Os documentos coligidos aosautos revelam que a impugnação aosatos administrativos se dirige àcontratação de empregados, semprévia aprovação em concurso públicode provas ou de provas e títulos, noperíodo de 01.12.1988 a 02.08.1989,como deduzido pela defesa (f.1592) econforme consta na relação trazidacom a inicial (f. 31/34).

A questão ora articulada não étão singela, como faz crer o MinistérioPúblico do Trabalho, pois ainda que anorma constitucional assegure oingresso dos cidadãos na administraçãopública direta e indireta, por meio deprévia aprovação em concurso público,conforme disposição do inciso II do art.37 da CR, é certo que os empregadosa serem atingidos pelos efeitos dainvalidação do ato administrativoimpugnado, foram admitidos numperíodo em que havia grandecontrovérsia sobre a obrigatoriedadeou não de realização de concursopúblico para provimento de empregosem empresas públicas e sociedade deeconomia mista, ante a aparenteantinomia entre as disposições doinciso II do art. 37 e o § 1º do art. 173,ambos da Constituição da República.

Ora, a questão afeta àobrigatoriedade de concurso públicopara provimento de empregos dasempresas públicas e sociedade deeconomia mista somente foi dirimidacom a decisão do STF, proferida emsede de MS n. 21.322/DF, cujo Relatorfoi o Ministro Paulo Brossard, compublicação no DOU em 23.04.1993. No

acórdão restou firmado o entendimentode que “As autarquias, empresaspúblicas ou sociedade de economiamista estão sujeitas à regra, queenvolve a administração direta, indiretaou fundacional, de qualquer dospoderes da União, dos Estados, doDistrito Federal e dos Municípios”,consequentemente estão subordinadasao princípio constitucional que confereacesso aos cargos e empregos públicos,por meio de concurso público de provasou de provas e títulos.

Sendo assim, não se podeacatar a alegada nulidade absolutados contratos de trabalho celebradospela reclamada, sociedade deeconomia mista, e os empregadosadmitidos entre 05.10.1988 a23.04.1993, sem observância danorma expressa no inciso II do art. 37da CR, pois anteriores à publicação dojulgamento do mandado de segurançan. 21.322/DF, em que quando entãorestou sedimentado o entendimento deque as empresas públicas e associedades de economia mistaestavam subordinadas à regra docitado dispositivo constitucional.

Posteriormente, em casoanálogo, o Supremo Tribunal Federal,analisando o Mandado de Segurançan. 22.357-0/DF, cujo Relator foi oMinistro Gilmar Mendes, considerouválidas as contratações realizadas porempresas públicas e sociedades deeconomia mista em data anterior a23.04.93, por processo seletivo semconcurso público, considerando aboa-fé dos empregados admitidos eda empregadora, a existência decontrovérsia à época da contratação,quanto à exigência de concursopúblico, nos moldes do inciso II do art.37 da Constituição da República, noâmbito das empresas públicas esociedades de economia mista e o

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longo período transcorrido entre ascontratações e a necessidade degarantir segurança jurídica às pessoasque agiram de boa-fé.

Por oportuno, cite-se a ementado acórdão:

1. Mandado de Segurança. 2.Acórdão do Tribunal de Contas daUnião. Prestação de Contas daEmpresa Brasileira de InfraestruturaAeroportuária - INFRAERO. EmpregoPúblico. Regularização deadmissões. 3. Contrataçõesrealizadas em conformidade com alegislação vigente à época.Admissões realizadas por processoseletivo sem concurso público,validadas por decisão administrativae acórdão anterior do TCU. 4.Transcurso de mais de dez anosdesde a concessão da liminar nomandado de segurança. 5.Obrigatoriedade da observância doprincípio da segurança jurídicaenquanto subprincípio do Estado deDireito. Necessidade de estabilidadedas situações criadasadministrativamente. 6. Princípio daconfiança como elemento doprincípio da segurança jurídica.Presença de um componente deética jurídica e sua aplicação nasrelações jurídicas de direito público.7. Concurso de circunstânciasespecíficas e excepcionais querevelam: a boa-fé dos impetrantes;a realização de processo seletivorigoroso; a observância doregulamento da Infraero, vigente àépoca da realização do processoseletivo; a existência decontrovérsia, à época dascontratações quanto à exigência,nos termos do art. 37 daConstituição, de concurso públicono âmbito das empresas públicas e

sociedades de economia mista. 8.Circunstâncias que, aliadas ao longoperíodo de tempo transcorrido,afastam a alegada nulidade dascontratações dos impetrantes. 9.Mandado de Segurança deferido.

Na hipótese dos autos, osempregados a serem atingidos pelosefeitos da presente ação civil pública,foram admitidos entre 01.12.1988 a02.08.1989 (f. 31/34), portanto, háquase vinte anos, quando havia intensacontrovérsia sobre a obrigatoriedadede concurso público para provimentode emprego nas sociedades deeconomia mista, o que afasta apossibil idade de declaração denulidade dos respectivos contratos detrabalho, até porque, a estestrabalhadores, contratados de boa-fé,também estão asseguradas adignidade da pessoa humana dotrabalhador e a valoração do trabalhohumano despendido por estes longosvinte anos, conforme os incisos III e IVdo art. 1º e o inciso VIII do art. 170,ambos da Constituição da República.

Isso porque, na aplicação daregra prevista no inciso II e § 2º do art.37 não se pode esquecer do princípioconstitucional da dignidade humana,que tem maior relevância, já que oacolhimento do pedido do MPTimportará em desnudar 200trabalhadores, admitidos de boa-fé,que passados vinte anos, se veem nasituação premente de perderem seusempregos e a garantia de salários,consequentemente, a dignidade detrabalhadores, sob a premissa demoralidade administrativa, sem seconsiderar que o trabalho humano foiprestado por longos anos, do qual aadministração pública indireta já sebeneficiou, e, por via transversa, todo oconjunto de cidadãos.

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Destarte, embora aobrigatoriedade de concurso públicopara provimento de cargo e empregopúblico seja destinada à observânciados princípios constitucionais damoralidade, da impessoalidade e dapublicidade, não se pode em nomedesse critério objetivo admitir que oente público, da administração públicaindireta, se beneficie do trabalhohumano de empregados admitidos emperíodo em que havia cizâniajurisprudencial sobre a aplicação dareferida regra às empresas públicas esociedade de economia mista, edepois de transcorridos quase vinteanos descarte-os, sumariamente, soba alegação de irregularidade, sob penade se ferir os mais elementares valoresda dignidade humana e as garantiasmínimas de existência.

Pontue-se, ainda, que adeclaração de validade dos contratosde trabalho celebrados pela empresareclamada entre 01.12.1988 e02.08.1989, encontra-se fundada nosprincípios da boa-fé e da segurançajurídica, sob pena de se colocar sobreos ombros dos empregados toda aresponsabilidade de uma pretensamoralização, trabalhadores em suamaioria humildes e profissionaistécnicos, em final de carreira, quandoas chances de reinserção e uma novacolocação vão se escasseando, atéporque o mercado não consegue criaropções para todos.

Além disso, há que considerarque o acolhimento do pedido inicial,ainda que esteja fundado em normaconstitucional, cuja interpretação sobrea sua aplicabilidade aos empregadosdas sociedades de economia mistaera controvertida na época daadmissão dos empregados listadosàs f. 31/34, implicará efetivamente umproblema social, considerando a

ausência de ocupações estáveis paratoda a coletividade, questão presentenão apenas no nosso país, mastambém em várias partes do mundo.

O cientista social ZygmuntoBauman em seu livro O mal-estar da

pós-modernidade, de 1998, revela queas relações econômicas são centraisna definição das identidades. Assim,uma pessoa que perde seus vínculoseconômicos com a sociedade, talcomo, na situação de desemprego,corre o risco de privar-se doreconhecimento da própriasemelhança com o conjunto dahumanidade, num processo de perdada possibil idade de obtenção dedireitos, chegando à negação do direitomais fundamental, o direito à vida e àsua dignidade.

Neste contexto, não se mostrajusto que os empregados a serematingidos pela presente ação civilpública, sejam colocados contra aparede, sem garantia de um de seusdireitos mais elementares, qual seja,o emprego, pela via da nulidadecontratual, interpretando a questãoapenas à luz da letra fria da lei, sem selevar em conta a questão social e todaa situação fática dos referidostrabalhadores, também, protegidospela ordem constitucional econômica,que assegura a dignidade da pessoahumana, os valores sociais do trabalhoe o pleno emprego (incisos III e IV doart. 1º e inciso VIII do art.170 da CR),assim como, o princípio da segurançajurídica, pois, repita-se, na época emque foram admitidos, há quase vinteanos, havia intensa controvérsia sobrea incidência da regra do inciso II do art.37 da CR para provimento de empregonas sociedades de economia mista.

Com efeito, nos fundamentosdo acórdão proferido pelo STF no MSn. 22.357-0/DF, assim consta:

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Embora não se aplique diretamenteà espécie, a Lei n. 9.784, de 29 dejaneiro de 1999, que regula oprocesso administrativo no âmbitoda Administração Pública Federal,estabelece em seu artigo 54 o prazodecadencial de cinco anos contadosda data em que foram praticados osatos administrativos, para que aAdministração possa anulá-los.Vale lembrar que o próprio Tribunal deContas da União aceitou a situação defato existente à época, convalidandoas contratações e recomendando arealização de concurso público paraadmissões futuras. Observa-se quemais de 10 anos já se passaram emrelação às contratações ocorridasentre janeiro de 1991 e novembrode 1992, restando constituídassituações merecedoras de amparo.

Adotando o entendimentoemanado do Supremo TribunalFederal, esta douta Quarta Turma jádecidiu, validando os contratos detrabalho celebrados por empresaspúblicas e sociedade de economiamista antes do julgamento do MS-2.1322-DF, os seguintes precedentes:01091-2004-012-03-00-6-RO, DJMG26.02.2005, Relator DesembargadorCaio Luiz de Almeida Vieira de Mello;00079-2005-022-03-00-2-RO, DJMG16.07.2005, Relator DesembargadorLuiz Otávio Linhares Renault.

Portanto, levando emconsideração as razões aqui expostase a decisão proferida pelo STF no MS n.22.357-0/DF e seus fundamentos,mantém-se a v. sentença primeva quedeclarou prescritas as pretensõesdeduzidas na inicial, considerando otranscurso do tempo de quase vinteanos entre a admissão dosempregados a serem atingidos pelatutela jurisdicional (01.12.1988 a

02.08.1989) e o ajuizamento dapresente ação civil pública (22.11.2007),com resolução do mérito, nos termosdo inciso IV do art. 269 do CPC.

Nego provimento.

III - CONCLUSÃO

Rejeito a preliminar de nãoconhecimento do recurso adesivointerposto pela reclamada e conheço dorecurso ordinário apresentado peloSINDÁGUA e do MPT e do recursoadesivo oposto pela reclamada. Rejeitoas preliminares de ilegitimidade ativado Ministério Público e de cerceamentode defesa e, no mérito, nego provimentoaos apelos interpostos, à exceção dorecurso do SINDÁGUA, para deferir seupedido de assistência litisconsorcial.

Fundamentos pelos quais,

O Tribunal Regional do Trabalhoda Terceira Região, pela sua QuartaTurma, à unanimidade, rejeitou apreliminar de não conhecimento dorecurso adesivo da reclamada econheceu do recurso do SINDÁGUA epelo MPT e do recurso adesivo dareclamada; sem divergência, rejeitouas preliminares de ilegitimidade ativado Ministério Público e de cerceamentode defesa; no mérito, unanimemente,negou provimento aos apelosinterpostos, à exceção do recurso doSINDÁGUA, para, sem divergência,dar-lhe provimento para deferir seupedido de assistência litisconsorcial.

Belo Horizonte, 10 de setembrode 2008.

JOSÉ EDUARDO DE RESENDECHAVES JÚNIOR

Juiz Convocado Relator

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TRT- 00924-2007-132-03-00-7-ROPubl. no “MG” de 10.12.2008

RECORRENTES: (1) SINDICATO DOSEMPREGADOS EME S T A B E L E C I M E N T O SBANCÁRIOS DE BARBACENA EREGIÃO(2) CAIXA ECONÔMICA FEDERAL(3) FUNDAÇÃO DOSECONOMIÁRIOS FEDERAIS -FUNCEF

RECORRIDOS: (1) OS MESMOS

EMENTA: AUXÍLIO-ALIMENTAÇÃO -COMPLEMENTAÇÃO DOSPROVENTOS DEAPOSENTADORIA -COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DOTRABALHO. É pacífico oentendimento no sentido de sereconhecer a competência daJustiça do Trabalho paraapreciar as demandas que têmpor objeto matérias envolvendocomplementação deaposentadoria sob aresponsabilidade de entidadede previdência privada. É o quese infere do inciso I do art. 114da CF/88 e OJ n. 2 das TurmasRecursais deste E. TRT. Nocaso concreto em exame, oobjeto da lide envolve opagamento de auxílio-alimentação, decorrente,portanto, das relações detrabalho entre os substituídose a Caixa Econômica Federal edizem respeito a direito deempregados ativos e inativos,sendo certo que, no caso dosinativos, tem reflexodiretamente nacomplementação de suasaposentadorias, que são

instituídas e controladas pelaFUNCEF, atraindo assim acompetência destaEspecializada, inclusive quantoàs questões afetas àprevidência privada.

Vistos, relatados e discutidos ospresentes autos de recurso ordinário,interposto de decisão proferida pela 2ªVara do Trabalho de Barbacena, em quefiguram, como recorrentes, SINDICATODOS EMPREGADOS EMESTABELECIMENTOS BANCÁRIOSDE BARBACENA E REGIÃO, CAIXAECONÔMICA FEDERAL e FUNDAÇÃODOS ECONOMIÁRIOS FEDERAIS -FUNCEF e, como recorridos, OSMESMOS.

RELATÓRIO

A Ex.ma Juíza Cláudia RochaWelterlin, em exercício na 2ª Vara doTrabalho de Barbacena, pela v.sentença de f. 1651/1654 (9º v),complementada pela decisão deembargos de declaração de f. 1690/1691 (9º v), julgou procedentes, emparte, os pedidos iniciais para: 1)declarar nula em relação ao substituídoVictor Emanuel Rezende FerreiraRocha, admitido na CEF em20.08.1973, a alteração contratualprocedida em fevereiro de 1995, quesuprimiu o pagamento do auxílio-alimentação, inclusive em relação aoauxílio extra pago no mês de dezembroaos aposentados e pensionistas; 2)condenar a CEF a depositar na contavinculada dos substituídos(empregados ativos, conforme rol desubstituídos) admitidos antes de05.10.1988 o percentual de 8% sobreo valor do auxílio-alimentaçãoconcedido, inclusive o extra pago nomês de dezembro, l imitado o

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deferimento de tal parcela até04.10.1988, inclusive, observado omarco prescricional de 01.10.1977,sendo que para aqueles empregadosda ativa que foram admitidos após omarco prescricional em questão deveráser observada a data de suasadmissões; 3) condenar a FUNCEF aefetuar o pagamento da parcela auxílio-alimentação, inclusive a parcela extraem todo mês de dezembro, desde adata da concessão da aposentadoriado substituído Victor Emanuel RezendeFerreira Rocha, incorporando-a ao valorda complementação de suaaposentadoria, efetuando o pagamentodas diferenças vencidas e vincendas;4) condenar a CEF a pagar para osubstituído Victor Emanuel RezendeFerreira Rocha o valor referente aoFGTS (8%) incidente sobre o auxílio-alimentação, e auxílio-alimentaçãoextra do mês de dezembro, do marcoprescricional de 01.10.1977 até04.10.1988, inclusive. Foi determinado,ainda, à CEF a obrigação de contribuirintegralmente para o custeio dacomplementação da aposentadoria doSr. Victor Emanuel Rezende FerreiraRocha, em razão da referida sentença.Também constou da decisão adeterminação à FUNCEF que proceda,no prazo de 20 dias, à retificação domodo de calcular a complementaçãoda aposentadoria do substituído VictorEmanuel Rezende Ferreira Rocha, naforma desta decisão, sob pena depagamento de multa diária deR$200,00, reversível ao substituído emquestão, observando-se o trânsito emjulgado da sentença, dando-se o iníciodo prazo somente após a intimaçãopara o cumprimento.

O sindicato interpôs recursoordinário, f. 1668/1682 (9º v), sob oargumento de que houve prejuízo aossubstituídos, pois a nova sentença

proferida não manteve a condenaçãoimposta às rés nos termos da decisãoanterior, que foi posteriormentedesconstituída por esta E. Corte.Asseverou, em suma, que asconvenções coletivas do trabalhopadecem de legitimidade para alterara natureza jurídica do auxílio-alimentação, que é salarial. Asseveroutratar-se de “direito adquirido” de todossubstituídos em relação ao auxílio-alimentação, pois todos foramadmitidos pela CEF antes da adesãodesta ao PAT, que se deu formalmenteem 1991. Requereu, ainda: aincidência do auxílio-alimentação nasdemais parcelas remuneratórias,conforme pedidos dos itens 7 e 7.a,em relação a todos os substituídos; acominação de multa diária à CEF atéque proceda à retificação do modo decalcular a remuneração dossubstituídos da ativa; a imputação àCEF da responsabilidade pelosrecolhimentos previdenciários e fiscaisou indenização a favor dossubstituídos; que seja considerada, emrelação aos substituídos admitidosposteriormente a 05.10.88, aprescrição trintenária para osrecolhimentos a título de FGTS; areforma da sentença, item 2.11, queindeferiu o pedido do item 8.b, por haverapenas um substituído aposentado,cujo pleito já havia sido apreciadoanteriormente.

A Caixa Econômica Federal -CEF - interpôs recurso ordinário, f.1683/1687 (9º v), em complementaçãoao recurso anteriormente ajuizado, f.1458/1488 (8º v), alegando, em síntese,a sua ilegitimidade passiva, assimcomo a ilegitimidade ativa do sindicato-autor, a incompetência da Justiça doTrabalho em relação à suplementaçãode aposentadoria, a prescrição totaldos pleitos do autor. Negou o direito

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dos substituídos ao auxílio-alimentação. Negou a existência dedireito adquirido por parte dossubstituídos aposentados, sendoimpossível a incorporação pleiteada.Fez referências às normas coletivas, àimpropriedade de condenação aopagamento em dobro do referidoauxílio no mês de dezembro, bem comoao pagamento dos reflexos incidentes.Disse, também, que inexiste direito aopleito por parte do substituído VictorEmanuel Pereira Rocha. Alegou, porfim, que não tem cabimento aaplicação da multa do art. 467 da CLT.

A Fundação dos EconomiáriosFederais - FUNCEF - também recorreu,conforme apelo juntado às f. 1692/1732(9º v), arguindo a incompetência daJustiça do Trabalho, a ilegitimidadeativa do sindicato-autor, a sua própriailegitimidade passiva ad causam e aprescrição quinquenal em relação aosrecolhimentos deferidos a título deFGTS. Asseverou que não devesubsistir a declaração desolidariedade passiva dasreclamadas. Fez referências à suacriação e aos planos que administra,afirmando que o auxílio-alimentaçãonão compõe a base de cálculo dosalário-de-contribuição dosparticipantes dos planos decomplementação de aposentadoria,não havendo, por isso, incidência decontribuição mensal sobre essarubrica. Disse que o auxílio-alimentação poderia ser suprimidosem que implicasse ofensa ao direitoadquirido, uma vez que o referido auxílionão integra a remuneração doempregado e que, de acordo com asCCTs, deve ser fornecido aosempregados que estejam em atividade.Argumentou, também, que a OJ n. 250da SBDI-I do TST não se aplica aempregados que ainda não se

aposentaram, mas aos ex-empregados que tiveram o benefíciosuprimido em 1995. Requereu aimprocedência do pedido de reflexosdo auxílio-alimentação, alegando queeste tem natureza indenizatóriareconhecida nas CCTs e devido ao fatode que a CEF está inscrita no PAT.Disse que não existe fonte de custeio,o que impossibilita a FUNCEF depagar, por si só, a parcela deferida nasentença, e requereu a sua notificaçãopara cumprimento da determinação deretificação da fórmula do cálculo deremuneração dos substituídos e aimprocedência do pedido dehonorários assistenciais e justiçagratuita.

Contrarrazões do autor às f.1737/1740 e 1742/1768 (9º v).

Contrarrazões da FUNCEF às f.1776/1794 (9º v).

É o relatório.

VOTO

Juízo de conhecimento

O autor alega “deserção” quantoao recurso da 1ª ré, CEF (f. 1741, 9º v),por falta de complementação de valorao depósito judicial efetuado à f. 1490(8º v).

No entanto, o preparo se mostraregular quanto aos valoresdepositados, porquanto o Ato SEJUD/GP/TST n. 493/2008, que instituiunovos valores para depósitosrecursais, passou a ser de observânciaobrigatória somente a partir de01.08.2008, ou seja, após aprotocolização do apelo que se alegadeserto.

Ainda quanto ao recursointerposto pela CEF, vejo que este sedeu de forma complementar aorecurso ordinário anteriormente

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interposto. Nada obstante, a primeirasentença proferida (f. 1447/1454, 8º v),bem como os atos posteriores a elaforam declarados nulos, nos termos doacórdão de f. 1639/1644 (8º v), no qualse inclui o recurso ordinário interpostopela CEF (f. 1458/1488, 8º v).

Dessa forma, não se tem comopossível a complementação pretendidapela CEF. Junte-se a isso o fato de quea nova sentença proferida trazfundamentos e decisãoacentuadamente diferentes do primeirojulgamento, tornando ausente ointeresse recursal da recorrente emvários pontos de suas razões.

Portanto, conheço dos recursosinterpostos, sendo que, em relação aoapelo da 1ª ré, CEF, limito a admissãodo apelo às razões constantes dapetição de f. 1683/1687 (9º v), uma vezque tempestivamente protocolizados,tendo sido efetivados os depósitos eos recolhimentos das custas (f. 1489,1490, 1548 e 1549, do 8º v),complementados pelos comprovantesde f. 1688, 1733 e 1734 (9º v), estandoregulares as representações.

Juízo de mérito

Competência da Justiça doTrabalho - Recurso da 2ª ré

A FUNCEF argui aincompetência absoluta destaEspecializada em razão da matéria,argumentando que a competência parajulgar a demanda é da JustiçaEstadual, pois o objeto da lide envolvequestões afetas a benefícios deprevidência privada, advindos derelação jurídica entre servidores daCaixa Econômica Federal e FUNCEF.Assevera que os substituídos nuncamantiveram qualquer relação detrabalho com esta recorrente e que a

CEF não instituiu a complementaçãode aposentadoria que tivesse aderidoao contrato de trabalho, ato que foirealizado, exclusivamente, pelaFUNCEF.

Examino.Este Tribunal já formou

entendimento no sentido dereconhecer a competência da Justiçado Trabalho para apreciar asdemandas que têm por objetomatérias envolvendo complementaçãode aposentadoria, sob aresponsabilidade de entidade deprevidência privada. É o que se inferedo teor da OJ n. 2 das TurmasRecursais deste E. TRT, in verbis:

COMPLEMENTAÇÃO DEAPOSENTADORIA. COMPETÊNCIADA JUSTIÇA DO TRABALHO. AJustiça do Trabalho é competentepara apreciar e julgar demandasrelativas à complementação deaposentadoria a cargo de entidadede previdência privada instituída epatrocinada pelo empregador,decorrente de contrato de trabalho.

Além disso, resta claro que oobjeto da lide, auxílio-alimentação,decorre das relações de trabalho -inciso I do art. 114 da CF/88, entre ossubstituídos e a Caixa EconômicaFederal e dizem respeito a direito deempregados ativos e inativos, sendocerto que, no caso dos inativos, temreflexo diretamente na complementaçãode suas aposentadorias, que sãoinstituídas e controladas pela FUNCEF,atraindo assim a competência destaEspecializada, inclusive quanto àsquestões afetas à previdência privada.

Dessa forma, é incontestávelque a lide envolve questão de naturezaeminentemente trabalhista, ainda quese estenda a questões de cunho

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previdenciário, amoldando-seperfeitamente ao comandoconstitucional inserto no inciso I do art.114 da Carta Magna.

Afasto.

Ilegitimidade ativa do sindicato- Recurso da 2ª ré

A 2ª recorrente, FUNCEF, eriçapreliminar de ilegitimidade ativa dosindicato-autor, argumentando quenão foi apresentado o rol dossubstituídos pelo sindicato e que nãofoi informado se há vinculação de todosos substituídos àquela Fundação.Disse haver um conflito de interessesentre os substituídos e os demaisparticipantes da FUNCEF, o queresultaria, segundo ela, nailegitimidade ativa do sindicato-autor.Alega que as matérias suscitadas nademanda devem abarcar toda acategoria, qual seja, aquela formadapor empregados da CEF, o que nãoocorreu no presente caso, pois só dizrespeito a uma parte daquelesempregados. Disse, também, que “amatéria em questão não pode serobjeto de ação por meio daAssociação, pois lhe falta, para isso,legitimidade ativa” (f. 1702, 9º v).

Pois bem.A representatividade dos

sindicatos em relação às suasrespectivas categorias, além de suaprevisão constitucional (inciso III do art.8º da CR/88), está contida também nalegislação infraconstitucional, aexemplo das Leis n. 8.036/90, 8.880/94,8.112/90 e 8.073/90.

Esse poder de representação/substituição é conferido aos sindicatosde forma ampla, como tem entendidoo Col. TST, que, em decisão recentede sua 4ª Turma, expressou-se daseguinte forma:

RECURSO DE REVISTA.LEGITIMIDADE DE SINDICATO.SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL. Ajurisprudência firmada por esta col.Corte era no sentido de que o art.8º, III, da Constituição Federal nãoassegurava a plena substituiçãoprocessual pela entidade sindical, demodo a permitir-se a sua iniciativaem promover ReclamaçõesTrabalhistas em favor de toda aclasse. A substituição processualdeveria sempre ser analisada à luzda legislação infraconstitucional,prevendo a Súmula n. 310 desta col.Corte as hipóteses mais comuns,asseverando a necessidade dosindicato apresentar aindividualização dos substituídos napetição inicial, seja pelo número desua Carteira de Trabalho ou dequalquer outro documento deidentidade. Contudo, o Plenário desteTribunal terminou por cancelar aSúmula n.º 310, alinhando-se àjurisprudência firmada pelo excelsoSTF e reconhecendo a plenalegitimação extraordinária conferidaàs entidades sindicais para atuaremcomo substitutos processuais nadefesa dos interesses da categoriaprofissional que representam.Revista não conhecida.(RR - 69225/2002-900-04-00 - DJ -02.05.2008)

Portanto, a substituiçãoformulada na presente ação nãorepresenta nenhuma ofensa ao art. 6ºdo CPC. Ao contrário, está em sintoniacom o seu comando, ante a expressaautorização constitucional.

As alegações da FUNCEF sãoimpertinentes e não expressam arealidade dos fatos, porquanto constados autos, f. 36/38 (1º v), o rol dossubstituídos, lembrando-se de que a

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formulação do pleito judicial restringe-se a pequena parte da categoriarepresentada pelo sindicato-autor, nãohavendo ilegalidade no exercício deseu direito de representação.

Na verdade, seria um retrocessojurídico limitar a atuação dos sindicatos,perante o Judiciário, somente àsdemandas que envolvessem direitosafetos a toda categoria que representa,esvaziando suas finalidadesinstitucionais e indo de encontro àsgarantias constitucionais.

Quanto à possibil idade deprejuízo para o restante da categoriados bancários, participantes daFUNCEF, tal tese não guarda qualquerrelação com a legitimidade ou não dosindicato-autor para estar no processo,pelo que improcede.

Por esses fundamentos,rejeito.

Ilegitimidade passiva ad

causam - Recurso da 2ª ré

A terceira recorrente, FUNCEF,considera-se parte ilegítima parafigurar no polo passivo da lide.

Analisa-se.A legitimidade das partes, como

ensina Humberto Theodoro Júnior (inCurso de direito processual civil. Riode Janeiro: Forense, 39ª edição, 2003,p. 53), “é a titularidade ativa e passivada ação, na linguagem de Liebman”.Citando Buzaid, conclui: “É apertinência subjetiva da ação”.

Continuando a lição, agora,especificamente quanto ao réu, oeminente jurista nos remete a ArrudaAlvim que preleciona:

a legitimidade do réu decorre do fatode ser ele a pessoa indicada, emsendo procedente a ação, a suportaros efeitos oriundos da sentença.

Como se vê, a legitimidadedecorre dos fatos narrados na exordial,sendo analisada in status assertionis,tornando-se inquestionável alegitimidade da FUNCEF para compora presente lide.

Assim, rejeito.

Prescrição quinquenal -Natureza salarial do auxílio-alimentação - Prestação de tratosucessivo - Matéria comum a todosos recursos

A CEF argui a prescrição totalda pretensão formulada pelo sindicato.O autor pretende a declaração danatureza salarial do auxílio-alimentação e a extensão desse direitoa todos os substituídos. A FUNCEFargumenta que o auxílio-alimentaçãotem natureza indenizatória.

É certo que o debate encetadoneste feito é mais amplo do que assituações personalíssimas que, aolongo do tempo, vêm sendo conhecidaspelos Tribunais trabalhistas e queredundaram na consolidação dosentendimentos consagrados nasSúmulas n. 55 e 288 do TST c/c OJTransitória n. 51 da SDI-I daquela C.Corte, pois aqui se persegue adeclaração da natureza salarial daparcela auxílio-alimentação, ao passoque, naquelas demandas de outrora, osaposentados da Caixa buscavam opagamento do auxílio-alimentaçãoindevidamente suprimido.

Pois bem.O reconhecimento da natureza

salarial do auxílio-alimentação - matériade direito versada nesta demanda - éfacilmente detectável nos elementosdocumentais reunidos nos autos, emespecial para os empregados da CEFadmitidos antes de 01.09.1987, dataem que, incontroversamente, o

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programa de auxílio à alimentaçãopropiciado pela empregadora ganhoufeições indenizatórias, com a entradaem vigor do ACT 1987/88 (f. 1084/1104,6º v), o que se repetiu nos instrumentosnormativos subsequentes,consolidando-se, definitivamente, coma adesão da empregadora ao PAT, em20.05.91.

Eis, por exemplo, o teor do §2ºda cláusula 5ª do ACT 1987/88:

O benefício de que trata estacláusula terá caráter indenizatório,não sendo considerado como verbasalarial para quaisquer efeitos, eserá utilizado para ressarcimento dedespesas com alimentação. (f.1086, 6º v)

Veja-se, ainda, o teor doparágrafo único da cláusula terceira doACT 1988/89:

O benefício de que trata estacláusula terá caráter indenizatório,não sendo considerado como verbasalarial para quaisquer efeitos, eserá utilizado para ressarcimento dedespesas com alimentação. (f. 1107,6º v)

Sendo assim, devo divergir doentendimento expressado pelo juízo aquo, que delimitou como marcotemporal a data de 05.10.1988 parareconhecer como sendo de naturezasalarial as parcelas remuneradasantes dessa data, a título de auxílio-alimentação.

Vê-se que, no transcurso dotempo, o auxílio-alimentaçãoremunerado pela CEF sofreuverdadeira mutação na sua naturezajurídica, passando de parcela de cunhoeminentemente salarial à parcela decaráter indenizatório.

Nesse passo, para aquelessubstituídos admitidos antes de01.09.1987, ressalto que a Resoluçãon. 81/78, acostada à f. 1054, 6º v, dospresentes autos, faz expressa einequívoca referência ao fato de que oauxílio-alimentação configurava salárioin natura, razão, aliás, de suaconcessão “dobrada” nos meses dedezembro de cada ano e de suaextensão aos aposentados epensionistas. Verbis:

A Diretoria, apreciando a matéria etendo em vista que o fornecimentode 1 (um) talão extra, para aquisiçãode gêneros alimentícios, aosempregados da CEF beneficiadospelo Auxílio-Alimentação, previsto naNS 218/74, vem sendo feito emcaráter permanente; considerandoque, em reunião de 26.01.78 - Atade n. 366, esse benefício foiestendido aos aposentados epensionistas, evidenciando-se ocunho remuneratório de salário in

natura; e considerando que, como aCEF paga a 2ª parcela do 13º salário,de conformidade com a legislaçãovigente, a qual determina outrossim,a inclusão do salário in natura comoparcela integrante do 13º salário,resolve:AUTORIZAM o fornecimento de umtalão extra, nos meses de dezembrode cada ano, para aquisição degêneros alimentícios a todos osempregados da CEF, ativos einativos, beneficiados com o Auxílio-Alimentação, na estritaconformidade do voto do Relator.

Sendo assim, com espeque noinstituto do direito adquirido (incisoXXXVI do art. 5º da CR), oreconhecimento da natureza salarial daverba é facilmente detectável, até porque

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a Corte Maior trabalhista, em 20.04.05,marcou posição nesse sentido, aoconverter em orientação jurisprudencialtransitória (n. 51) o enunciado da OJ n.250 da SBDI-I (de 13.03.02), verbis:

N. 51. COMPLEMENTAÇÃO DEAPOSENTADORIA. CAIXAECONÔMICA FEDERAL. AUXÍLIO-ALIMENTAÇÃO. SUPRESSÃO.SÚMULAS N. 51 E 288. (conversãoda Orientação Jurisprudencial n. 250da SBDI-I, DJ 20.04.2005).A determinação de supressão dopagamento de auxílio-alimentaçãoaos aposentados e pensionistas daCaixa Econômica Federal, oriunda doMinistério da Fazenda, não atingeaqueles ex-empregados que jápercebiam o benefício (ex-OJ n. 250da SBDI-I - inserida em 13.03.02).

Desde que o empregado tenhatrabalhado para a CEF sob o impérioda norma interna que conferiu naturezasalarial ao auxílio-alimentação, essacondição adere automaticamente aoseu contrato de trabalho, sendoirrelevante que, em sua origem, oprograma de assistência alimentarpropiciado pela empregadora tivessenatureza indenizatória. Essa pode tersido a intenção inicial da CEF, assimcomo o era a proibição de pagamentoem espécie do benefício, contudo, éindiscutível que a natureza salarial doauxílio-alimentação foi reconhecidapela própria fonte pagadora.

Por fim, se é fato que, ao longodos anos, não houve recolhimentos decontribuições fiscais e previdenciáriassobre o benefício em questão, o que,segundo a CEF, revelaria seu caráterindenizatório (f. 759, 4º v), deve-sedestacar, por outro lado, que a própriaempregadora admite que sempreforneceu o auxílio-alimentação durante

as férias usufruídas pelosempregados, além de computá-lotambém no 13º salário, sendointegralmente pago em dezembro, pelomenos até o ano de 2000. A CEFalegou, também, em sua defesa, quea parcela em exame passou a serdiluída mensalmente, a partir de 2001(f. 762, 4º v).

Fácil perceber, portanto, que obenefício era concedidoindependentemente da realização dedespesas alimentares decorrentes daatividade laboral.

Como se vê, trata-se deconcessão de benesse pela prestaçãolaboral, isto é, em retribuição aotrabalho prestado, e não para otrabalho, o que revela, uma vez mais,sua natureza salarial, nos termos doart. 458 da CLT.

Tratando-se de verba deindiscutível natureza salarial, uma vezincorporada, por vontade daempregadora, ao patrimônio jurídicodos empregados, já não mais poderiaser retirada unilateralmente,renovando-se a lesão a cada mês desupressão do pagamento. Conclui-se,portanto, que as parcelas devidas atítulo de auxílio-alimentação são detrato sucessivo, com amparo no direitoadquirido (inciso XXXVI do art. 5º da CR/88), o que afasta a incidência doentendimento expresso na Súmula n.294 e obsta a ocorrência da prescriçãototal, como pacificamente tementendido a jurisprudência.

No presente caso, esseraciocínio se aplica aos empregadosadmitidos antes de 01.09.1987, dataem que a verba ganhou atributos denatureza indenizatória.

Desse modo, para os substituídosadmitidos antes de 01.09.1987,declaro prescritas tão-somente asparcelas anteriores a 01.10.2002.

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Quanto aos substituídosadmitidos após 01.09.87, inclusive,também não se deve cogitar deaplicação da prescrição extintiva, vistoque o pleito principal desta demandaenvolve a discussão, de viésdeclaratório, sobre a natureza doauxílio-alimentação, sendo que osdireitos patrimoniais perseguidosdependem, umbilicalmente, dodestino que se der a tal pretensão.

Nesse passo, deve-se declararque o auxílio-alimentação tem naturezapuramente indenizatória para osempregados da CEF admitidos apósa entrada em vigor do ACT 1987/88 -01.09.1987, sendo, destarte,improcedente o pleito exordial paraesses substituídos.

Não prospera a tese do autorde que os acordos coletivos de trabalhosão instrumentos sem aptidãonormativa para a alteração da naturezado auxílio-alimentação. O que deve serquestionado, num primeiro momento,é se a alteração das parcelasremuneratórias pela norma coletiva sedeu na constância do contrato detrabalho ou antes de seu início. Dessaforma, a norma coletiva poderá terefeitos diversos em relação aosempregados já admitidos na empresaao tempo de sua vigência, ouadmitidos posteriormente a ela.

Veja que o próprio arestoretratado pelo autor, f. 1673 (9º v), trazessa premissa, servindo apenas paracorroborar o entendimento até entãoformulado. Na primeira ementa, ficaexpresso que a norma coletiva não seaplica em “relação aos empregadosque já as recebiam como parteintegrante da remuneração.”

Dessa forma, é pacífico oentendimento de que os acordos ouconvenções coletivas de trabalho sãoinstrumentos legítimos à negociação

da natureza jurídica de parcelasremuneratórias, a exemplo do auxílio-alimentação (inciso XXVI do art. 7º daCFRB). O que não se pode admitir éque as alterações se deem emdetrimento ou prejuízo de cláusulascontratuais mais benéficas járeconhecidas e, portanto, aderidas aocontrato de trabalho em vigência (art.468 da CLT e Súmula n. 51 do TST).

Nesse rumo, os julgados doCol. TST, a seguir transcritos:

COMPLEMENTAÇÃO DEAPOSENTADORIA. CAIXAECONÔMICA FEDERAL. AUXÍLIO-ALIMENTAÇÃO. SUPRESSÃO.SÚMULAS 51 E 288 DO TST.APLICÁVEIS. Considerando que acomplementação dos proventos daaposentadoria é regida pelasnormas em vigor na data daadmissão do empregado,observando-se as alterações desdeque mais favoráveis ao beneficiáriodo direito, e não a data daaposentadoria, a circunstância de aordem de supressão do auxílio-alimentação aos aposentados epensionistas ter sido proferida antesda aposentadoria dos reclamantesnão lhes retira o direito ao benefício,visto ter sido incorporado aocontrato de trabalho (PROC: TST -RR - 94/2002-064-01-00 - 5ª Turma- PUB: DJ - 24.10.2008)

AGRAVO DE INSTRUMENTO.A U X Í L I O - A L I M E N T A Ç Ã OFORNECIDO POR FORÇA DOCONTRATO DE TRABALHO.NATUREZA JURÍDICA. ADESÃOPOSTERIOR AO PAT. RESSALVA EMNORMA COLETIVA. NÃOMODIFICAÇÃO DO CARÁTERSALARIAL. NÃO PROVIMENTO. 1.Restou comprovado nos autos que

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a reclamante vinha recebendo oauxílio-alimentação desde a suaadmissão, em 06.04.79, instituído pornorma interna em 1970, tendoocorrido posteriormente ressalvaem norma coletiva quanto à naturezaindenizatória e adesão da reclamadaao Programa de Alimentação doTrabalhador - PAT - em 1991. Nãopode pretender a ora agravante quetal benefício, percebido pela autoradurante doze anos, venha a termodificada a sua natureza emdecorrência de drástica alteração,porquanto já se configurou ahabitualidade do pagamento dareferida parcela e, por conseguinte,a incorporação ao patrimônio jurídicoda empregada. 2. Por outro lado,entendo que, in casu, não pode oregulamento coletivo prevalecersobre o regulamento individual, porser este mais benéfico àtrabalhadora (TST- AIRR - 1322/2005-006-13-40 - 7ª Turma - DJ:26.09.2008, grifei).

Portanto, deve ser reconhecidoo acerto parcial da tese do autor quantoao direito adquirido e à impossibilidadede alteração contratual, porém somenteem relação aos substituídos admitidosantes de 01.09.1987. Para estes, comojá fundamentado, deve ser reconhecidoo direito às diferenças pleiteadas atítulo de reflexos de auxílio-alimentação, que deverão incidirsomente sobre as verbas de naturezasalarial, como será adiante delimitado,observando-se os marcosprescricionais conforme fixado acima.

Esgoto, portanto, a questãoprejudicial de mérito, rejeitando aarguição da CEF no tocante àincidência da prescrição nuclear.

Nego provimento aos recursosdas rés e dou provimento parcial ao

recurso do autor para: 1) declarar anatureza salarial do auxílio-alimentação para os substituídosadmitidos até 31.08.1987; 2) condenara 1ª ré, CEF, ao pagamento dasdiferenças pleiteadas a título dereflexos do auxílio-alimentação,incidentes sobre as verbas de naturezasalarial, com marco inicial em01.10.2002, para os substituídosadmitidos até 31.08.1987; 3)pronunciar-me pela improcedência dopedido no que tange aos substituídosadmitidos após 01.09.1987, inclusive.

FGTS - Prescrição trintenária -Matéria comum aos recursos doautor e da FUNCEF

O autor requer a extensão daaplicação da prescrição trintenária doFGTS a todos os substituídosconstantes do rol da inicial.

A FUNCEF argumenta que nãotem cabimento a aplicação daprescrição trintenária no que tange àsparcelas reflexas pleiteadas a título deFGTS, que devem acompanhar amesma sorte dos recolhimentosprincipais, sobre os quais incide aprescrição quinquenal.

A declaração da natureza salarialdo auxílio-alimentação gera para ossubstituídos, indiscutivelmente, o direitoaos depósitos de FGTS sobre essaparcela. Contudo, como já decididoacima, os substituídos admitidos pelaCEF após 01.09.1987, inclusive, nãofazem jus à incidência de FGTS sobre oauxílio-alimentação, uma vez que paraesses empregados essa parcela temnatureza indenizatória. Portanto,improcede o pleito da entidade sindical.

Quanto às alegações daFUNCEF, tenho-as como parcialmenteprocedentes, mormente pelo que seinfere da Súmula n. 206 do TST, verbis:

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FGTS. INCIDÊNCIA SOBRE PARCELASPRESCRITAS (nova redação). Res.121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003A prescrição da pretensão relativaàs parcelas remuneratórias alcançao respectivo recolhimento dacontribuição para o FGTS.

Dessa forma, o cálculo dasdiferenças devidas pelos reflexos doauxílio-alimentação em parcelas comoo 13º salário, por exemplo, que geramrepercussão no FGTS, devem obedecerao marco prescricional quinquenalsuprarreferido (01.10.2002).

Situação diversa, no entanto, dizrespeito aos recolhimentos do FGTSsobre a própria parcela de auxílio-alimentação adimplida durante ocontrato de trabalho. Nesse caso, aprescrição é trintenária, como pretendeo autor, pois o FGTS deixou de incidirsobre parcela incontroversamentequitada no curso da relação deemprego. Aplicável aqui a Súmula n.362 do TST.

Dou provimento parcial aorecurso da FUNCEF, no sentido delimitar as incidências reflexas de FGTSsobre as parcelas que, porventura,venham a ser contempladas com osreflexos do auxílio-alimentação nestadecisão, apenas aos recolhimentoscorrespondentes ao período nãoprescrito, que tem como marco iniciala data de 01.10.2002, conformepronunciado.

Provejo, parcialmente, o recursodo autor para declarar a prescriçãotrintenária dos recolhimentos do FGTSincidentes sobre a própria parcela deauxílio-alimentação quitada no curso docontrato de trabalho, com marcoprescricional fixado em 01.10.1977,reconhecido esse direito apenas aossubstituídos, ativos e inativos, admitidosna CEF antes de 01.09.1987.

Complementação deaposentadoria - Recurso do autor

O autor pretende oreconhecimento do pedido formuladonos itens 8.a e 8.b da petição inicial aoutros economiários aposentados, sobo fundamento de que a sentença vedouo direito de ação dos aposentados nãoincluídos no rol de substituídos.

Pois bem.Não vejo nenhuma pertinência

nas alegações do autor, porquanto oque se extrai do comando sentencial (f.1661, item 2.11, 9º v) é que a condenaçãoimposta deve se limitar ao substituídorelacionado no rol apresentado pelosindicato (f. 38, 1º v). Dito de outra forma,caso o sindicato pretenda a extensãodo direito ora reconhecido a outrosaposentados, deve ajuizar nova açãotrabalhista, nominando-os.

Portanto, não há nenhumaofensa a direito de ação ou julgamentoultra petita, como alegado, devendo sermantida a sentença nesse particular.

Nada a prover.

Reflexos do auxílio-alimentação nas demais parcelascontratuais - Matéria comum aosrecursos do autor e da FUNCEF

O autor requer a procedênciados seus pedidos iniciais, itens 7.a e8.a, onde indica as verbas sobre asquais incidiriam os reflexos do auxílio-alimentação. A FUNCEF alega nãohaver direito dos substituídos aosreflexos pleiteados, ante a naturezaindenizatória do auxílio-alimentação.

Como restou decidido, nos termosda fundamentação acima expendida, oauxílio-alimentação pago aossubstituídos admitidos até 31.08.1987tem natureza de salário. Portanto, o valorpercebido sob esse título deveria compor

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a base de cálculo para a determinaçãodas demais parcelas que compõem aremuneração, porém, não foi isso quese constatou, surgindo, assim, o direitodos substituídos ao pagamentodessas diferenças.

Assim exposto, é direito dossubstituídos a percepção dos reflexosdo auxílio-alimentação, durante operíodo não prescrito, sobre as parcelasremuneratórias que, no entanto, devese limitar àquelas também de naturezasalarial, que são as seguintes: 13ºsalário; horas extras; adicional noturno;horas de sobreaviso ou prontidão;indenização proveniente da conversãoem pecúnia de APIP e licença-prêmio;vantagens pessoais/gratificaçõessemestrais; 1/3 sobre as férias.

Logicamente, o raciocínio éidêntico em relação ao substituídoVictor Emanuel Rezende PereiraRocha, admitido antes da vigência doACT 1987/88, devendo ser observadoque a apuração dos valores que sãodevidos a esse substituído deverá sedar ora em relação ao período em queesteve na ativa, ora em relação aoperíodo que passou à condição deaposentado (07.10.2006).

Devo observar que, quanto aoterço constitucional de férias, tenhocomo correta a tese do autor, cujosargumentos são, de fato, pertinentes,conforme transcrito:

O 1/3 constitucional tem como baseo total da remuneração, e, in casu,sendo a verba alimentaçãocomponente da remuneração, sobreela incidirá. Tanto é assim que a IN-SIT/MTE n. 25/2001 indica o valor doterço constitucional das férias comoparcela remuneratória pararecolhimento do FGTS e dacontribuição social (art. 12, IX). (f.1761, 9º v)

Os reflexos pleiteados, noentanto, não ocorrem em relação adeterminadas parcelas remuneratórias,seja por causa da natureza indenizatóriadessas, seja em face de não incidiremsobre a base de cálculo em que seencontra o auxílio-alimentação ou,ainda, por seu pagamento representarum bis in idem, como no caso dosreflexos em férias.

A partir desse detido estudo,colhe-se o acerto parcial da tesedefensiva da 1ª ré, a CEF, conforme sevê dos trechos transcritos a seguir (f.763/771, 4º v):

Dos reflexos em férias + 1/3

Os empregados da CAIXAsempre receberam auxílio-alimentação durante os períodos degozo das férias regulamentares.

Entretanto, não se trata dereflexos do auxílio-alimentação emférias; ocorre, simplesmente, que opagamento do benefício não ésuprimido nesses períodos.

Portanto, o pedido não pode serdeferido, sob pena de pagamentoem duplicidade, o que acarretaráenriquecimento sem causa dossubstituídos.

[...]

Dos reflexos em D.S.R.:

[...] o benefício é pago por mês enão por dia, pois tem o valor mensalfixado atualmente em R$305,58, nãohavendo desconto quando oempregado tem consignadoqualquer afastamento do serviço,tampouco na ocorrência de qualquerferiado.

Sendo assim, o valor mensal dobenefício já contempla os dias derepouso semanal remunerado, não

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havendo que se falar em reflexossobre tal parcela, o que provocariapagamento em duplicidade.

[...]

Dos reflexos em complemento dosalário padrão:

Complemento de salário padrãoé parcela devida a ex-dirigenteempregado, nomeado até10.09.2002, e corresponde ao valorda gratif icação do cargo emcomissão do maior nível hierárquicoexercido na CAIXA.

Os valores das gratificações decargo comissionado são estipuladosem razão de nível de complexidadedo cargo em comissão exercido,constando de tabela própria.

Pelos motivos acima expostos,ainda que algum dos substituídosprocessuais seja ou tenha sidodirigente da CAIXA, absurdo se falarem reflexos de auxílio-alimentaçãoem complemento de salário padrão.

Dos reflexos em adicional detempo do serviço - ATS:

Consoante o MN RH 115 já citado,o ADICIONAL DO TEMPO DESERVIÇO, rubrica 007, incide tão-somente sobre o salário padrão enão sobre todas as verbas decaráter salarial.

Sendo assim, ainda que auxílio-alimentação/refeição seja tido comoverba de natureza salarial, sobre elenão poderá incidir ATS.

Dos reflexos em gratificação defunção de confiança e de cargocomissionado:

O valor da gratif icação defunção de confiança ou de cargo

comissionado é estabelecido emrazão do grau de complexidade ede responsabilidade da função oudo cargo exercido.

Portanto, ainda que se atribuanatureza salarial ao auxílio-alimentação/refeição, não haveránenhuma repercussão nagratificação de função de confiança,por não haver pertinência entre asverbas em questão.

Dos reflexos em adicionalcompensatório de perda de funçãode confiança:

Adicional compensatório de perdade função de confiança é parceladevida ao empregado dispensado defunção de confiança, quandoexercida por, no mínimo, 10 anos, nostermos delimitados no RH 073.

Seu valor corresponde apercentual de gratificação de funçãode confiança, calculado conformeMN RH 073.

Considerando que a base decálculo do adicional compensatóriode perda de função de confiança éo valor da respectiva gratificaçãode função e que, conforme jáinformado, tal gratif icação éestabelecida em razão do grau decomplexidade e de responsabilidadeda função exercida, compondotabela específica, ainda que oempregado tenha incorporadoparcela relativa à gratificação defunção de confiança, não há que sefalar em reflexos de auxílio-alimentação em adicionalcompensatório de perda de função.

Dos reflexos em CTVA:

O CTVA é o valor quecomplementa a remuneração do

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empregado ocupante de cargocomissionado quando estaremuneração é inferior ao valor doPiso de Referência de Mercadoestabelecido pela CAIXA.

Verifica-se, portanto, que oCTVA está intimamente ligado àgratificação de cargo comissionado.

Conforme já informado, sobre agratificação de cargo comissionadonão incidem reflexos do auxílio-alimentação e, portanto, sobre CTVAtambém não haverá incidência.

[...]

Dos reflexos em adicional detransferência:

Adicional de transferênciarefere-se a valor pago a empregadotransferido para exercer cargo emcomissão de natureza gerencial eassessoramento estratégico,limitado ao prazo de 2 anos, desdeque haja mudança de domicílio.

Os valores são fixos, conformese verifica na Tabela de Adicionalde Transferência constante no MNRH 069, não havendo, portanto,qualquer relação com o auxílio-alimentação.

Dos reflexos em suplementaçãode auxílio-doença e emsuplementação de auxílio-acidentede trabalho:

Conforme disposto no item3.2.1.5.1.1 do MN RH 066 014, oempregado em auxílio-doençarecebe integralmente o benefício. Aexpressão auxílio-doença é usadaem sentido amplo, englobandotambém o auxílio-doença acidentário.

Sendo assim, o pedido nãopoderá ser deferido, sob pena depagamento em duplicidade, visto

que, nos períodos de afastamentodo trabalho para tratamento desaúde, quer por acidente de trabalhoou não, o empregado recebeintegralmente o auxílio-alimentação.

[...]

Dos reflexos em participaçãonos lucros:

A participação nos lucros eresultados é parcela definida emacordo específico para a suaconcessão, não sendo pagamentoobrigatório, e possuindo natureza deprêmio.

Ademais, a parcela édesvinculada da remuneração paratodos os efeitos, nos termos doinciso XI do artigo 7º da ConstituiçãoFederal.

Portanto, indevida a integraçãodo auxílio-alimentação no cálculo daPLR.

Dos reflexos em abono salarial:

Abono salarial é definido via ACTou DC em valores fixos ouparâmetros que utilizam como basede cálculo a remuneração-base.

Repetimos, auxílio-alimentaçãonão compõe a remuneração-base.

Sendo assim, qualquer que sejaa modalidade de estipulação do valordo abono salarial, não haveráincidência de auxílio-alimentação nabase de cálculo da referida parcela.

Dos reflexos em quebra decaixa:

Parcela devida pelo exercíciodas atividades de quebra de caixa,podendo ser remunerada, inclusive,por fração de hora trabalhada.

Tal como a gratif icação de

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função de confiança, seu valor erafixado de acordo com o grau decomplexidade e responsabilidadedas atividades exercidas.

Sendo ass im, não háincidência de auxílio-alimentaçãoem quebra de caixa.

Por outro lado, é importantenotar que, a despeito de sua naturezasalarial, o auxílio-alimentação não écalculado sobre o salário-base dosempregados, sendo rubrica distinta eindependente, tal como a gratificaçãode função, por exemplo, que, mesmoostentando indiscutível naturezasalarial, mantém-se apartada daprincipal verba componente daremuneração.

Destarte, não se cogita deintegração do auxílio-alimentação aovalor do salário-base, com o intuito deproduzir um inadmissível “efeitocascata” sobre outras parcelas decunho salarial, igualmenteindependentes entre si, tal como oadicional por tempo de serviço. Emboratodas integrem, verbi gratia, a base decálculo de horas extras e do FGTS,nenhum efeito produzem umas sobreas outras.

Sendo assim, dou provimentoparcial aos recursos da FUNCEF e doautor, para reconhecer o direito dossubstituídos ativos e inativos,admitidos até 31.08.1987, aopagamento das diferençasremuneratórias, vencidas e vincendas,pelos reflexos a título de auxílio-alimentação, que deve se restringir àsseguintes rubricas: 13º salário; horasextras; adicional noturno; horas desobreaviso ou prontidão; indenizaçãoproveniente da conversão em pecúniade APIP e licença-prêmio; vantagenspessoais/gratificações semestrais;1/3 sobre as férias.

Responsabilidade solidária -Recurso da FUNCEF

Volta-se a FUNCEF contra odecisum, alegando que a sentença nãomerece prosperar no que diz respeitoà responsabilidade solidária.

No entanto, verifico que nãohouve condenação nesse sentido,ficando expresso na sentença (f. 1662,9º v): “2.17 - Por fim, esclareço desdejá que a sentença não comportacondenação solidária ou subsidiáriadas rés porque não houve pretensãodeduzida nesse sentido...”.

Vê-se que o autor não abordaem seu recurso a questão afeta àresponsabilidade solidária entre CEFe FUNCEF, tratando-se de matéria nãodevolvida a esta Instância Recursal,motivo pelo qual devem ser mantidosos termos da sentença.

Nada a prover.

Fonte de custeio - Recurso daFUNCEF

Afirma a segunda reclamada,FUNCEF, que não pode, por contaprópria, “criar, majorar ou estender”benefício ou serviço de seguridadesocial sem a correspondente fonte decusteio total.

Analiso.O fato é que na presente

demanda discute-se a não observânciaa direitos trabalhistas, modo geralgarantidos por lei e pela ConstituiçãoFederal. Portanto, reconhecido o nãopagamento do auxílio-alimentação nostermos e valores aos quais deveriamter sido praticados, a responsabilidadepela provisão de fundos aocumprimento da condenação é deinteira responsabilidade das rés, noslimites do que restar decidido.

A FUNCEF, ao contrário do que

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afirma, não está obrigada, “por si só”,à reparação dos prejuízos causadosaos substituídos, pela não observânciado direito que ora lhes é reconhecido.Note-se que a contribuição para ocusteio da complementação daaposentadoria foi imposta de formaintegral à CAIXA ECONÔMICAFEDERAL, em relação ao únicoaposentado constante do rol dossubstituídos, como se verifica à f. 1663(9º v).

Ademais, o supostodesequilíbrio financeiro é matéria afetaao âmbito da administração dasempresas, a qual se encontra fora doslimites de competência destaEspecializada. Uma vez reconhecido odireito à inclusão da verba nacomplementação de aposentadoria,descabe falar-se em interpretaçãorestritiva da norma instituidora dobenefício e tampouco em inexistênciade norma legal que imponha àrecorrente o pagamento do benefício.

Nego provimento.

Deduções fiscais eprevidenciárias - Recurso do autor

Pretende o autor aresponsabilização da CEF pelosdescontos fiscais e previdenciários, ourespectiva indenização, porquanto foidesta ré a culpa pela inadimplênciados pagamentos a que fazem jus ossubstituídos.

Vejamos.Em decisão de recurso

ordinário, interposto em outrademanda, com idênticos objeto epartes (processo 00981-2007-068-03-00-8-RO), esta Turma já se manifestousobre a questão ora ventilada, nostermos que serão a seguir transcritos,os quais adoto como fundamentos dopresente voto:

Quanto ao imposto de renda,cabe ressa l ta r que, nes taEspecia l izada, cabe apl icar od isposto no ar t igo 46 da Le i8.541/92, segundo o qual competeao empregador, apenas, calcular,descontar e recolher o Imposto deRenda incidente sobre osrendimentos advindos dacondenação judicial. Não se projetaeventual prejuízo decorrente do nãorecolhimento na época própria, pois,na forma da legislação aplicável (Lei8.541/92, artigo 12 da Lei 7.713/88e artigo 56 do Decreto 3.000/99), emcaso de decisão judicial, quando osvalores são recebidos de formaacumulada, o imposto é retido nafonte sobre o total dos rendimentos,inclusive atualização monetária ejuros, sendo de responsabilidade dequem os recebe.

A matéria tributária é de ordempública, de observância obrigatória,à qual não se aplica a teoria da culpainstituída pelo Direito Privado,inexistindo amparo legal para aimputação às rés do ônus de arcarcom os recolhimentos fiscaisdevidos no caso vertente. Inviáveltransferir a responsabilidadetributária no caso, salientando-seque, ademais, os substituídospoderão obter restituição, se for ocaso.

Situação bastante diversa, noentanto, diz respeito aosrecolhimentos previdenciários.

Cabe diferenciar, aqui, osdescontos previdenciáriosincidentes sobre as verbas objetode condenação na demanda(reflexos do auxílio-alimentação), emrelação às quais os descontos serãoefetivados normalmente, cabendo acada parte o pagamento de sua cota,na forma da lei. Já em relação aos

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descontos que deveriam ter sidoefetivados nas épocas próprias,incidentes sobre a verba principal,qual seja, o auxílio-alimentação pagopela CEF e que, agora, também sãoexecutados na Justiça do Trabalho,de acordo com a nova redação dadaao artigo 876, parágrafo único, daCLT (Lei 11.457/07), aresponsabil idade pelo seupagamento é apenas da primeira ré.

Além disso, deve ser levado emconta, também, o que prescreve o § 5ºdo artigo 33 da Lei n. 8.212/91, nestaspalavras:

O desconto de contribuição e deconsignação legalmente autorizadassempre se presume feito oportunae regularmente pela empresa a issoobrigada, não lhe sendo lícito alegaromissão para se eximir dorecolhimento, ficando diretamenteresponsável pela importância quedeixou de receber ou arrecadou emdesacordo com o disposto nesta Lei.

Dessa forma, não prospera atese do autor, que tenta responsabilizara CEF por descontos fiscais ocorridosem percentuais maiores aos quedeveriam ter sido praticados caso nãohouvesse a inadimplência da CEF nopagamento do auxílio-alimentação.Contudo, em relação aos descontosprevidenciários deve-se dar razão aoautor, nos termos da fundamentaçãosuprarreferida.

Provejo parcialmente o apelo,portanto, para atribuir, exclusivamente,à primeira reclamada, CEF, aresponsabilidade pelos recolhimentosprevidenciários para o INSS, incidentessobre o auxílio-alimentação quitado nocurso dos contratos de trabalho dosempregados substituídos, admitidos

até 31.08.1987, limitados ao lustro nãoprescrito, com marco inicial em01.10.2002, fixado nos fundamentossuprarreferidos. Em relação àsdiferenças salariais referentes aosreflexos do auxílio-alimentação nasdemais parcelas remuneratórias, cabea cada parte, empregador eempregado, a responsabilidade pelopagamento da cota-parte que a cadauma couber, nos termos da lei.

Honorários advocatícios -Justiça gratuita - Recurso da 2ª ré

Alega a FUNCEF seremindevidos honorários sucumbenciais,bem como a concessão da justiçagratuita ao sindicato-autor.

De fato, a Lei n. 5.584/70 nãopreviu a incidência de honoráriosadvocatícios em caso de substituiçãodo empregado pelo sindicato, masapenas em razão desse instituto tersido criado pelo legislador constituinteoriginário em 05.10.1988 (art. 8º, III).

O hermeneuta deve buscar ainterpretação das normas visandoatingir seu caráter sistemático-teleológico, prestigiando a lógica nomomento de sua aplicação. Dessemodo, se ao sindicato foi conferido,além da prerrogativa de prestarindividualmente assistência, o poderde substituir a categoria por elerepresentada, evidente fazer jus aorecebimento dos honoráriosadvocatícios em ambas as hipóteses.

Interpretar a lei de forma literal,retirando do ente sindical o direito àpercepção dos honorários advocatícios,na hipótese de substituição, é afrontaro princípio da economia processual,estimulando a proposição de inúmerasações individuais pelo sindicato, naqualidade de assistente, ensejandoverdadeiro tumulto de processos, fato

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que diminuiria a celeridade parasolucioná-los.

Nesse sentido, cristaliza-se ajurisprudência:

Considerando o recentecancelamento do Enunciado n. 310desta Corte, a substituiçãoprocessual, guardadas aspeculiaridades do processo dotrabalho, é a forma mais legítima deassistência judiciária aostrabalhadores e prestada pelosindicato da categoria profissional.Nada mais justo do que lheassegurar os honoráriosadvocatícios, decorrentes dasucumbência, pois preenchidos osrequisitos dos artigos 14 e 16 da Lein. 5.584/70, bem como pelofinalístico escopo de incentivar-sea promoção da defesa judicial dosinteresses individuais e coletivos dacategoria profissional. É de se terem mente que na interpretação dalei o juiz atenderá aos fins sociais aque ela se dirige e às exigências dobem comum. (TST - PROCESSO: RRNÚMERO: 700084 ANO: 2000 -PUBLICAÇÃO: DJ - 21.11.2003).

Quanto à justiça gratuita, vejoque a tese da FUNCEF não traz osmotivos de seu inconformismo, ficandoapenas no plano dogmático. Oprocesso, como ensina a melhordoutrina, é dialético, devendo as partesexpressarem o porquê de suacontrariedade às decisões judiciais,com o objetivo de se permitir a análisedas questões postas.

Sendo assim, ante a falta defundamentos e motivos por parte darecorrente FUNCEF em face da decisãorecorrida, deixo de conhecer de seuapelo no que tange à concessão dajustiça gratuita.

Quanto à tese de seremindevidos os honorários advocatícios,nego-lhe provimento.

Multa diária - Recursos doautor e da FUNCEF

O sindicato requer a fixação demulta diária a ser suportada pela CEF,até que esta conclua as providênciasnecessárias a retificar o modo decálculo da remuneração dossubstituídos da ativa, considerada anatureza salarial do auxílio-alimentação.

A FUNCEF, por sua vez, requerque seja intimada do prazo paracumprimento da decisão proferida.

Ao exame.A sentença já fixou devidamente

a cominação de multa diária emrelação à FUNCEF, no que tange aocumprimento do decisum, em relaçãoao substituído inativo (rol de f. 38, 1ºv), concedendo, para tanto, o prazo de20 dias, a part ir de int imaçãoespecífica.

Considerando o pronunciamentopela procedência, em parte, do pedidodo sindicato-autor, a multa cominatóriafixada na sentença deve ser estendida,também, à CEF, pelo mesmo prazo,porém, no valor de R$200,00 por dia deatraso, reversível aos substituídosabrangidos pela decisão ora proferida.

Dou provimento paradeterminar à 1ª ré, Caixa EconômicaFederal, que proceda à alteração nomodo de calcular a remuneração dossubstituídos abrangidos pela presentedecisão, considerada a integração doauxílio-alimentação em seusrespectivos salários, devendo serintimada, após o trânsito em julgado,especificamente para o cumprimentodessa determinação, no prazo de 20(vinte) dias, sob pena de pagamento

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de multa diária, no valor de R$200,00(duzentos reais), por substituído nãoatendido, reversível a este.

CONCLUSÃO

Conheço dos recursosinterpostos, sendo que, em relação aoapelo da 1ª ré, CEF, limito a admissãodo apelo às razões constantes dapetição de f. 1683/1687 (9º v). Rejeitoas preliminares de incompetênciaabsoluta, de ilegitimidade ativa e deilegitimidade passiva das rés. Negoprovimento ao recurso da CEF,afastando a prescrição total suscitada.Dou provimento parcial aos recursosdo autor e da FUNCEF para:

1) reformar a sentença nos itens2.8, 2.9, 2.11 e 2.12, declarando anatureza salarial do auxílio-alimentação para os substituídosadmitidos até 31.08.1987;

2) condenar a Caixa EconômicaFederal ao pagamento das diferençaspleiteadas a título de reflexos deauxíl io-al imentação, a part ir de01.10.2002, vencidas e vincendas,para os substituídos atualmenteativos, inclusive aqueles que,supervenientemente à presentedecisão, tornem-se inativos,admitidos até 31.08.1987, incidentessobre: 13º salário; horas extras;adicional noturno; horas desobreaviso ou prontidão; indenizaçãoproveniente da conversão em pecúniade APIP e licença-prêmio; vantagenspessoais/gratificações semestrais;1/3 sobre as férias;

3) pronunciar-me pelaimprocedência do pedido no que tangeaos substituídos admitidos após01.09.1987;

4) declarar a prescriçãotrintenária dos recolhimentos do FGTS

incidentes sobre a própria parcela deauxílio-alimentação, quitada no cursodo contrato de trabalho, com marcoprescricional fixado em 01.10.1977,reconhecido esse direito apenas aossubstituídos, ativos e inativos,admitidos na CEF até 31.08.1987;

5) limitar as incidências reflexasde FGTS sobre as parcelascontempladas no item 2, supra, apenasaos recolhimentos correspondentesao período imprescrito, que tem comomarco inicial a data de 01.10.2002,conforme pronunciado;

6) atribuir, exclusivamente, àprimeira reclamada, CEF, aresponsabilidade pelos recolhimentosprevidenciários para o INSS, incidentessobre o auxílio-alimentação quitado nocurso dos contratos de trabalho dosempregados substituídos. Em relaçãoàs diferenças salariais referentes aosreflexos do auxílio-alimentação nasdemais parcelas remuneratórias, cabea cada parte, empregador eempregado, a responsabilidade pelopagamento da cota-parte que a cadaum couber, nos termos da lei;

7) determinar à 1ª ré, CaixaEconômica Federal, que proceda àalteração no modo de calcular aremuneração dos substituídosabrangidos pela presente decisão,considerada a integração do auxílio-alimentação em seus respectivossalários, devendo ser intimada, apóso trânsito em julgado, especificamentepara o cumprimento dessadeterminação, no prazo de 20 (vinte)dias, sob pena de pagamento de multadiária, no valor de R$200,00 (duzentosreais), por substituído não atendido,reversível a este.

Mantenho o valor arbitrado àcondenação, bem como às custas, porcompatíveis.

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Fundamentos pelos quais,

O Tribunal Regional do Trabalhoda Terceira Região, pela sua TurmaRecursal de Juiz de Fora, julgou oreferido processo e, à unanimidade,conheceu dos recursos interpostos,sendo que, em relação ao apelo da 1ªré, CEF, limitou a admissão do apeloàs razões constantes da petição de f.1683/1687 (9º v); sem divergência,rejeitou as preliminares deincompetência absoluta, deilegitimidade ativa e de ilegitimidadepassiva das rés e, no mérito, negouprovimento ao recurso da CEF,afastando a prescrição total suscitada,e deu provimento parcial aos recursosdo autor e da FUNCEF para: 1) reformara sentença nos itens 2.8, 2.9, 2.11 e2.12, declarando a natureza salarial doauxílio-alimentação para ossubstituídos admitidos até 31.08.1987;2) condenar a Caixa EconômicaFederal ao pagamento das diferençaspleiteadas a título de reflexos de auxílio-alimentação, a partir de 01.10.2002,vencidas e vincendas, para ossubstituídos atualmente ativos,inclusive aqueles que,supervenientemente à presentedecisão, tornem-se inativos, admitidosaté 31.08.1987, incidentes sobre: 13ºsalário; horas extras; adicional noturno;horas de sobreaviso ou prontidão;indenização proveniente da conversãoem pecúnia de APIP e licença-prêmio;vantagens pessoais/gratif icaçõessemestrais; 1/3 sobre as férias; 3)pronunciar-me pela improcedência dopedido no que tange aos substituídosadmitidos após 01.09.1987; 4)declarar a prescrição trintenária dosrecolhimentos do FGTS incidentessobre a própria parcela de auxílio-alimentação, quitada no curso docontrato de trabalho, com marco

prescricional fixado em 01.10.1977,reconhecido esse direito apenas aossubstituídos, ativos e inativos, admitidosna CEF até 31.08.1987; 5) limitar asincidências reflexas de FGTS sobre asparcelas contempladas no item 2,supra, apenas aos recolhimentoscorrespondentes ao período nãoprescrito, que tem como marco iniciala data de 01.10.2002, conformepronunciado; 6) atribuir, exclusivamente,à primeira reclamada, CEF, aresponsabilidade pelos recolhimentosprevidenciários para o INSS, incidentessobre o auxílio-alimentação quitado nocurso dos contratos de trabalho dosempregados substituídos. Em relaçãoàs diferenças salariais referentes aosreflexos do auxílio-alimentação nasdemais parcelas remuneratórias, cabea cada parte, empregador eempregado, a responsabilidade pelopagamento da cota-parte que a cadaum couber, nos termos da lei; 7)determinar à 1ª ré, Caixa EconômicaFederal, que proceda à alteração nomodo de calcular a remuneração dossubstituídos abrangidos pela presentedecisão, considerada a integração doauxílio-alimentação em seusrespectivos salários, devendo serintimada, após o trânsito em julgado,especificamente para o cumprimentodessa determinação, no prazo de 20(vinte) dias, sob pena de pagamentode multa diária, no valor de R$200,00(duzentos reais), por substituído nãoatendido, reversível a este; mantido ovalor arbitrado à condenação, bemcomo às custas, por compatíveis.

Juiz de Fora, 25 de novembrode 2008.

JOSÉ MIGUEL DE CAMPOSDesembargador Presidente e Relator

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Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.48, n.78, p.279-411, jul./dez.2008

TRT-RO-01518-2007-142-03-00-9Publ. no “MG” de 01.08.2008

R E C O R R E N T E S : J A Q U E L I N ERODRIGUES FERNANDES (1)SADA TRANSPORTES EARMAZENAGENS LTDA. (2)

RECORRIDOS: OS MESMOS

EMENTA: DEMANDATRABALHISTA - SUBMISSÃO ÀCOMISSÃO DE CONCILIAÇÃOPRÉVIA - EXTINÇÃO DO FEITO,SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO,QUE NÃO SE PRONUNCIA. Aexperiência do labor forense,no dia-a-dia, vemdemonstrando a força queresulta da necessidade de afinalidade da norma - queinduvidosamente é emprestarmaior celeridade à solução dosconflitos sociais, antes mesmode serem trazidos aos órgãosjurisdicionais, pondo fim,assim, à sobrecarga nos juízostrabalhistas - não poder serdesvirtuada em nome documprimento de umaformalidade, cuja fontecriadora sequer logra alcançara natureza de normaobrigatória. Assim é que ajurisprudência trabalhista vemse firmando no sentido de nãoproclamar a extinção do feito,em hipóteses tais, à vista dasconsequências danosas quecertamente advirão de umretrocesso da marchaprocessual, notadamente parao trabalhador, parte menosfavorecida da demanda emesmo para a AdministraçãoPública, principalmentequando já na instância ad

quem se encontra o processo.

Decidir o contrário - mormentequando pairam dúvidas sobrea própria instituição da referidacomissão e não existe nosautos prova inequívoca decumprimento dos requisitosexigidos, pelas normaspertinentes, para justificativalegal da exigência desubmissão dos litígios a esseórgão - seria chancelar apatente ofensa a princípiosbasilares que informam oProcesso do Trabalho, emespecial os da economia eceleridade processuais.

Vistos etc.

RELATÓRIO

Adoto o relatório que consta nasf. 384/385, ao qual faço este seincorporar, acrescentando que a MM.Vara do Trabalho de Betim/MG, pelasentença da lavra do MM. JuizPresidente, MAURÍLIO BRASIL, julgouprocedente em parte esta reclamaçãotrabalhista, para condenar a reclamadaa pagar à reclamante

[...] diferenças de horas extras,considerando-se comoextraordinárias as horastrabalhadas além de 8 diárias e 44semanais, respeitando-se o sistemade compensação pelo banco dehoras, nos respectivos períodos devigência das convenções coletivasque o instituiu, com reflexos nasparcelas que menciona [...] eparcelas do seguro-desemprego,observadas as demais regras decálculo desse benefício.

Determinou, ainda, a deduçãodos valores pagos sob o mesmo título,

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a incidência de correção monetária ede contribuição previdenciária, naforma das leis pertinentes, além dadedução, no crédito da autora, doimposto de renda por ela devido.

Ambas as partes recorrem.A reclamante, 1ª recorrente,

propugna pela reforma da sentença, afim de que seja afastado dacondenação o reconhecimento daexistência do sistema de compensaçãopelo banco de horas, bem como pornão se tratar de matéria objeto dacontestação, a ela acrescendo-se, noentanto, a determinação de retificaçãoda CTPS, observada a projeção doaviso, bem como as horas extras dossábados (um por mês) e mais 2 horase 20 minutos extras em 15 dias de cadamês, com os reflexos e asrepercussões deferidas no d. juízo do1º grau (v. razões de f. 391/395).

A reclamada, 2ª recorrente, arguia preliminar de extinção do processo,por falta de tentativa de conciliaçãoprévia, bem como pelo fato de arescisão contratual ter sidodevidamente homologada perante osindicato dos empregados, semqualquer ressalva, o que caracteriza aeficácia liberatória quanto às parcelaspagas, segundo entendimentoperfi lhado pelo Colendo TST noenunciado da Súmula n. 330. Nahipótese de ultrapassada tal preliminar,sob ambos os fundamentos,propugna, no mérito, pelo provimentodo recurso para o fim de que sejaabsolvida da condenação que lhe foiimposta (v. razões de f. 399/405).

Valores do depósito recursal edas custas processuais recolhidos,conforme guias anexadas às f. 406/407.

Contrarrazões recíprocas, às f.409/412 e 415/421, respectivamente,em que propugnam: a reclamada, pelo

desprovimento do recurso dareclamante e, esta, pelo nãoconhecimento do recurso daquela, porintempestivo, e, no mérito, pelo seudesprovimento.

Dispensada a manifestação doMinistério Público do Trabalho, nostermos do art. 82 do Regimento Internodeste Tribunal.

É o relatório.

VOTO

Inverto a ordem de apreciaçãodos recursos, por conter o apelo dareclamada alegação preliminar dematéria prejudicial ao exame do mérito(v. f. 400, item 4.1, do capítulo 4º, dasrazões de recurso - 3º vol.).

RECURSO DA RECLAMADA - 2ªRECORRENTE

Juízo de admissibilidade

Preliminar de nãoconhecimento do recurso, dada suaintempestividade, arguida pelareclamante, em contrarrazões

Argui a reclamante, emcontrarrazões, o não conhecimento dorecurso, ao fundamento de que o prazorecursal teve início no dia 22.04, logoapós o feriado do dia 21.04, segunda-feira, pois a audiência de julgamento epublicação da sentença, conformenoticiam os autos, à f. 383 e 383 v., foiantecipada para o dia 17.04, estandoà disposição das partes no próprio dia18.04 para o seu conhecimento.

Iniciado, então, o prazo recursalnaquele dia (22.04), estaria esgotadono dia 29.04. Como a reclamadaprotocolizou o seu recurso no dia 30de abril, conforme é possível serconstatado nos autos, à f. 337 (f. 398

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na nova numeração; 3º vol. dos autos),o recurso seria manifestamenteintempestivo, conclui a reclamante.

Ao contrário do que entende aautora, ora recorrente, a certidãoexarada no verso da f. 389 destes autosrevela que ambas as partes foramintimadas do teor da decisãoimpugnada (f. 384/389) no dia23.04.08, data de sua publicação noDiário do Judiciário. Assim, tem-se queo recurso apresentado a protocolo nodia 30.04 (f.398) é induvidosamentetempestivo.

Rejeito a preliminar e conheçodo recurso da reclamada, eis quesatisfeitos todos os pressupostoslegais de admissibilidade.

Preliminar de extinção doprocesso, sem julgamento do mérito,por não submissão da demanda àComissão de Conciliação Prévia, art.625-D da CLT, arguida pela reclamadaem suas razões de recurso ordinário

Insiste a reclamada napretensão de extinção do processo,sem julgamento do mérito, com basenos arts. 625-D e 625-E, parágrafoúnico, da CLT, ao fundamento de quenão lhe cabe o ônus da prova emrelação à adesão, pelo sindicato detrabalhadores, ao contrato deprestação de serviços para o fimobrigatório de submissão dos litígiostrabalhistas da referida categoria àComissão de Conciliação Prévia deque trata o art. 625-D,supramencionado.

Aduz que a rescisão do contratode trabalho da reclamante foidevidamente homologada, semaposição de qualquer ressalvaespecífica, o que caracteriza a eficácialiberatória quanto às parcelas pagas,em consonância com o entendimento

perfilhado pelo TST no enunciado daSúmula n. 330. E mais: entende que,ao afastar a preliminar ora arguida, oMM. juiz monocrático concluiu pelainconstitucionalidade de tal dispositivo(grifei), o que não poderia ter sido feitode ofício, pois a questão sequer foiventilada nos autos, sendo certo que ocontrole de constitucionalidadesomente pode ser realizado pelosmeios difusos e concentrado, o quenão ocorreu, no caso.

Alega, por último, que, nostermos dos arts. 128 e 460 do CPC, aproibição de se decidir fora dos limitesda lide é expressa.

Verifica-se dos presentes autos(doc. de f. 268/270) existir menção daexistência de uma Comissão deConciliação Prévia na FETTROMINAS,entidade à qual se filia o sindicato dacategoria profissional da autora (v. f.270, ao alto).

No entanto, a questão posta emjuízo não se resume a esse aspecto,porquanto, consoante ressaltado pelod. juízo a quo,

Ainda que se admita comodevidamente comprovada ainstituição da Comissão deConcil iação Prévia pelaFETTROMINAS [...] não houve provacontundente acerca da satisfaçãode todos os requisitos estabelecidosna convenção coletiva exigidos paraque pudessem os litígios seremsubmetidos à Comissão.

Como se vê, a princípio areferida questão estaria a exigirsolução apenas com a definição dequem seria o ônus da prova daexistência ou não da referidaComissão, para se justif icar aexigência contida no dispositivo legalem epígrafe.

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Ocorre que a solução do casoremete o intérprete a outrasindagações, sendo certo que aexperiência do labor forense, no dia-a-dia, vem demonstrando a força queresulta da impossibil idade de afinalidade da norma - que é emprestarmaior celeridade à solução dosconflitos sociais, antes mesmo deserem trazidos aos órgãosjurisdicionais, pondo fim, assim, àsobrecarga nos juízos trabalhistas -não poder ser desvirtuada em nomedo cumprimento de uma formalidadeque sequer logra alcançar a naturezade norma obrigatória.

Assim é que a jurisprudênciatrabalhista vem se firmando noseguinte sentido, aqui adotado, verbis:

EMENTA: CARÊNCIA DE AÇÃO:DEMANDA TRABALHISTA.SUBMISSÃO À COMISSÃO DECONCILIAÇÃO PRÉVIA.EXTINÇÃO DO FEITO SEMRESOLUÇÃO DO MÉRITO QUENÃO SE PRONUNCIA.1. Revela-se consentânea comos princípios constitucionaisconsagrados no artigo 5º, XXXVe LIV, da Carta Magnainterpretação do artigo 625-Dda Consolidação das Leis doTrabalho no sentido de que anorma consolidada estabelecemera faculdade às partes detentar a composição perantecomissão de conciliação prévia,antes de buscar a soluçãojudicial do conflito. [...]2. A norma em comento tem porescopo facilitar a conciliaçãoextrajudicial dos conflitos, coma finalidade de aliviar asobrecarga do JudiciárioTrabalhista. Ora, num talcontexto, milita contra os

princípios que informam oprocesso do trabalho -notadamente os da economia eceleridade processuais - adecretação da extinção deprocesso já na sedeextraordinária. Extinguir-se ofeito em condições que tais,ainda mais na instânciasuperior, importariadesconsiderar os enormesprejuízos advindos de talretrocesso tanto para a parteautora como para aAdministração Pública, ante odesperdício de recursosmateriais e humanos jádespendidos na tramitação dacausa. Além do desperdício daprova, de todo o materialprocessual já colhido, a extinçãodo feito poderia acarretardificuldades intransponíveissobretudo para a parteeconomicamente mais fracaquanto à nova produção deprovas.3. [...] impor ao reclamante aobrigação de comparecerperante comissão deconciliação prévia somente parao cumprimento de meraformalidade, em busca dacertidão de tentativa de acordofrustrado, para somente entãoajuizar novamente areclamatória, constituiprocedimento incompatível como princípio da instrumentalidadedas formas.4. Impossível deixar deconsiderar, ademais, que ocrédito trabalhista destina-se aoseguimento das necessidadesmateriais básicas doempregado e de sua família eque o retrocesso da marcha

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processual irá postergar aindamais a satisfação do direitovindicado, protraindo no temposituação comprometedora dadignidade do trabalhador.Recurso de revista conhecido enão provido.(PROCESSO - RR-859/2002-012-05-00.1 TRT da 5ª REGIÃO(AC. 1ª TURMA REL. MIN. LÉLIOBENTES CORREA 09.11.2007)

Rejeita-se a arguição.

Juízo de mérito

Das horas extraordináriasdeferidas na sentença impugnada -Reflexos

A reclamada não se conformacom a condenação ao pagamento dehoras extras, pelo que propugna peloprovimento do recurso para que sejaabsolvida da condenação que lhe foiimposta, ao fundamento de que todasas horas laboradas pela autora - atémesmo a hora fracionada - foramcomprovadamente pagas, com oscorrespondentes reflexos, conformecomprovam os documentospertinentes acostados aos autos, queaponta em suas razões de recurso def. 402/404.

Na verdade, o que se observados fundamentos exarados nas razõesde recurso (f. 402) é um inconformismoda reclamada com o reconhecimentoda confissão em relação ao tempo àdisposição no início da jornada(aplicação da OJ n. 326, atual Súmulan. 366 do TST) e com o fato de, nãoobstante o reconhecimento daexistência e efetiva adoção do acordode compensação de horas, banco dehoras, ter sido condenada aopagamento da parcela.

No que tange à apreciação daprova e reconhecimento de confissãoficta, com consequente condenação emhoras extras decorrentes do tempo àdisposição no início da jornada laboral,não se tem como acolher as razões derecurso, pois as declarações dapreposta da reclamada foram decisivasa respeito, conforme registrado à f. 382.

Ora, o contrato de trabalho é umcontrato do tipo realidade: importa oque ocorre no terreno dos fatos; nãohavia o registro, condição meramenteformal do contrato, mas há a provainconcussa (confissão) de queefetivamente a reclamante tomava ocafé da manhã antes de bater o pontode entrada na empresa, porque sópodia fazê-lo 30 minutos depois de láchegar, eis que os ônibus dareclamada só chegavam com 30minutos de antecedência.

As razões expendidas pelareclamada em seu recurso, no sentidode que o lanche matinal não eraobrigatório e que o transporte por elafornecido também era facultativo,havendo transporte público regular àdisposição da autora, não têm ocondão de quebrar a força que emanado entendimento consolidado najurisprudência sumulada do C. TST.

Intocável a apreciação da prova,tanto no que tange ao deferimento dashoras extras resultantes do tempoconsiderado à disposição, em razão daobrigatoriedade de somente marcar oponto no início da jornada após o caféda manhã, como também quanto àcondenação da reclamada aopagamento de tais horas, em face daadoção do regime de compensaçãorelativa ao denominado “banco dehoras”.

No que se refere às demaishoras deferidas (na verdade apenasdiferenças), ou seja, aquelas

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efetivamente trabalhadas e nãocorretamente pagas, consoantefundamentação constante no 3ºparágrafo da decisão impugnada, f.387, observe-se, neste passo, que osó reconhecimento da real existênciae adoção do banco de horas nãosignifica a declaração de que inexistiuefetivo trabalho superior ao limiteestabelecido pelo regime decompensação do banco de horas, nemque o pagamento ao autor, pelareclamada, a título de trabalho emsobrejornada, esteja correto. Somenteo criterioso exame da prova produzidanos autos é que poderá autorizar umaou outra conclusão ou ambas e, comose vê, o d. juízo de 1º grau foi cuidadosonesse sentido, ao decretar acondenação.

Com efeito, consoante épossível constatar-se nosfundamentos expostos nos segundo eterceiro parágrafos da decisãoimpugnada (f. 387), após verificar ainexatidão do pagamento feito pelareclamada, a título de horasextraordinárias, mesmo nãoconsiderados os minutos extras nãoregistrados, bem como a nãocomprovação do lançamento no bancode horas no período que menciona,com labor extra significativo,reconheceu a real adoção desseregime, por parte da ré, para, apenasem parte, deferir o pleito de horasextraordinárias mediante apuração dasdiferenças, em face dos cartões deponto apresentados pela própriareclamada, cujos horários anotadosforam reconhecidos como verídicospelo d. juízo a quo.

Ora, a decisão está amparadapor prova analisada com equilíbrio eexação, sendo que a reclamada pagaráapenas as diferenças devidas e nãoquitadas, não havendo o menor risco

de prejuízo, mesmo porqueacompanhará, passo a passo, aliquidação e a execução judiciais.

Os reflexos e incidências,meros consectários, como acessóriosque são seguem a sorte do principal,não podendo, pois, ser excluídos dacondenação.

Nada há a prover.

RECURSO DA RECLAMANTE - 1ªRECORRENTE

Juízo de admissibilidade

Conheço do recurso, próprio etempestivo.

Juízo de mérito

Das horas extras - Banco dehoras

Alega a recorrente que a matériaem epígrafe não poderia ter sido objetoda condenação, eis que o banco dehoras nunca foi utilizado; a hora eracorrida, sem intervalo para refeição e aparcela não fora contemplada nopedido, situação que está acaracterizar o julgamento fora dopedido.

Não há que se falar emjulgamento extra petita. Ora, areclamante pleiteou o pagamento dehoras extras trabalhadas e não pagase o d.juízo de 1º grau apreciou o pedidoda parcela em face da defesa dareclamada que alega haver celebradocom a autora um acordo paracompensação de jornada e de “bancode horas”, bem ao contrário do quealega a reclamante (f. 115, v.1).

O denominado banco de horasencerra regime de compensação dejornada de trabalho, não sendo matériaestranha ao instituto das horas

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extraordinárias, tanto que qualquerexcesso na jornada laboral diáriaimporta em efetivas horas extras.

Como se vê, a reclamante nãoaduz em suas razões de recursoqualquer fundamento que possaautorizar a reforma do julgado, noaspecto. Aliás, o recurso é totalmentedesprovido de fundamento, sendo certoque, consoante enfatizado pelo d. juízoa quo, a prova produzida pelareclamante não a favorece, enquanto areclamada logrou comprovar suaalegação, segundo a qual haviarealmente o acordo de banco de horas,efetivamente util izado paracompensação de parte das horasextras trabalhadas, como consta dosdoc. de f. 350/375, dos autos, 2º volume.

Ora, a recorrente sequerimpugnou tais documentos, restandointacto o entendimento do d. juízo de 1ºgrau no ponto em que reconheceu alegitimidade da utilização do banco dehoras, validamente instituído sob tutelacoletiva sindical (v. doc. de f. 238/264).

Nada há a prover no aspecto.

Projeção do aviso - Retificaçãoda CTPS

Não se conforma a reclamantecom o indeferimento do pedido dereconhecimento da projeção do avisoprévio para fins de retificação da datade saída do emprego na sua CTPS,em afronta à OJ n. 82 do TST.

Data venia, não comungo com oentendimento expendido pelo d. juízo de1º grau, manifestado em descompassocom a jurisprudência consolidada noâmbito do TST, resumida na OJ n. 82 daSDI-I do TST, verbis:

Carteira de trabalho. Anotações.Aviso prévio. Baixa na CTPS. A datade saída a ser anotada na CTPS deve

corresponder à do término do prazodo aviso prévio, ainda queindenizado.

Dou provimento ao recursonesse ponto da demanda.

Das horas extras aos sábados- Confissão da preposta

Entende a reclamante que odepoimento da preposta da reclamadaconfigura confissão no que diz respeitoao trabalho extraordinário realizado aossábados, motivo pelo qual pretende areforma da sentença nesse ponto, a fimde que seja a condenação acrescidade 2 (duas) horas extraordináriastrabalhadas aos sábados, a cada mês,com todos os reflexos pleiteados.

Cumpre observar que, aocontrário do que afirma a recorrente, afragilidade da prova oral produzidanestes autos não viria em socorro desua tese, eis que, do depoimento dapreposta da reclamada, não resultaconfissão quanto ao trabalho aossábados, pelo menos na medida emque foi posto na inicial, tendo sido suaafirmação no sentido de que “Areclamante não prestava serviço paraa Iveco”, consoante enfatizado pelo d.juízo de 1º grau.

Acrescente-se, por pertinente,que a única testemunha trazida pelareclamante e ouvida em juízo nadamenciona em relação ao alegadotrabalho extra nos sábados.

Desprovejo.

Das horas extras, a partir dodia 18 de cada mês, até 19h30min e02h20min nos dias 1º e 11 de cadamês

Alega a recorrente que, além dehaver a reclamada contestado de forma

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genérica o pedido, houve confissão ficta

pelo desconhecimento dos fatos econfirmação de que a autora cumpriaas tarefas alegadas, pelo que se impõea procedência do pedido depagamento de 2 horas e 20 minutosextras trabalhados mensalmente, em15 dias de cada mês, com reflexos.

Ao contrário do que pensa areclamante, embora tenham sidopoucas as informações trazidas aosautos por meio do depoimento dapreposta da reclamada, não se pode,só por esse motivo, afirmar quedesconhecia os fatos a ponto defavorecê-la em todos os pleitos, com oefeito da confissão ficta, sendo certoque tais declarações se mostraramvaliosas, tanto que houvereconhecimento de confissão, em seubenefício, quanto ao tempo àdisposição da reclamada, por 30minutos diários para marcação doponto no início da jornada. Aliás, areclamante é que veio à Justiça comrazoáveis alegações dedescumprimento da lei pela empresaem detrimento dos seus direitostrabalhistas, mas com prova bemprecária.

Com efeito, ante a absoluta faltade prova da autora relativa ao pedidoem epígrafe, acompanho a d. decisãode 1º grau, nesse ponto da demanda,porquanto também comungo com aconclusão segundo a qual:

A reclamante não se desincumbiu deprovar que era obrigada a elastecera jornada de trabalho até por voltade 19h30min a partir do dia 18 decada mês. Os controles de jornadanão acusam a veracidade de tal fatoe a única testemunha obreira ouvidaafirmou que, quando isso acontecia,havia a anotação do ponto,corroborando a afirmação da

preposta de que, se houvessenecessidade de extrapolação dejornada nesse caso, havia o registrodo horário efetivamente cumprido(grifos dessa transcrição).Novamente, a reclamante não sedesincumbiu a contento do ônus deprovar que estendia a jornada detrabalho nos dias 1º, 11 e 21 de cadamês... (v. f. 386, in fine ,antepenúltimo parágrafo)

Nada há a prover.

Fundamentos pelos quais,

O Tribunal Regional do Trabalhoda Terceira Região, pela sua PrimeiraTurma, preliminarmente, àunanimidade, conheceu do recurso dareclamada, 2ª recorrente, e do recursoda reclamante; sem divergência,rejeitou a preliminar de nãoconhecimento, por intempestividade,alegada pela reclamante, emcontrarrazões de recurso ordinário,rejeitou, ainda, a prefacial de extinçãodo feito, sem julgamento do mérito,com base no art. 625-D da CLT, nostermos da fundamentação; no mérito,unanimemente, negou provimento aorecurso da reclamada; semdivergência, deu provimento parcial aorecurso da reclamante, 1ª recorrente,para determinar a retificação da suaCTPS, fazendo constar como data desaída aquela do término do avisoprévio indenizado.

Belo Horizonte, 28 de julho de2008.

DEOCLECIA AMORELLI DIASDesembargadora Relatora

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Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.48, n.78, p.279-411, jul./dez.2008

TRT-02101-2007-041-03-00-9-ROPubl. no “MG” de 22.11.2008

RECORRENTES: OLIVINO FERREIRADA ROSA E OUTRA.

RECORRIDOS: MAURI JOSÉ ALVES EOUTROS (1)S/A USINA CORURIPE AÇÚCARE ÁLCOOL (2)

EMENTA: CONTRATO DETRABALHO - BOIA-FRIA -RESPONSABILIDADE DAEMPRESA CONTRATANTE.Sendo o contrato de trabalhoato jurídico decorrente deacordo de vontade entre aspartes, segundo exsurge danorma expressa no art. 442 daCLT, configura-se o vínculoempregatício desde odeslocamento do trabalhadorda sua cidade de origem,quando tal fato se verifica apóso acertamento das condiçõesde trabalho mediante a adesãoà oferta de empregoformulada pela empresacontratante. Estando otrabalhador, desde já, àdisposição da empresa, esubordinado ao seu poderdiretivo, inclusive, quanto àscondições de transporte,alojamento e alimentação,realizadas às expensas dacontratante, esta sujeita-se atodas as obrigaçõesdecorrentes do contrato detrabalho relativas à suaproteção, segurança e saúde,independentemente do inícioda efetiva prestação dosserviços. Assim, a empresacontratante responde pelasconsequências de acidenteocorrido nesse ínterim.

Vistos, relatados e discutidos ospresentes autos de recurso ordinário,em que figuram, como recorrentes,OLIVINO FERREIRA DA ROSA E OUTRAe, como recorridos, MAURI JOSÉ ALVESE OUTROS (1) e S/A USINA CORURIPEAÇÚCAR E ÁLCOOL (2).

RELATÓRIO

A MM. Juíza da 1ª Vara doTrabalho de Uberaba/MG, pela r.sentença de f. 230-234, cujo relatórioadoto e a este incorporo, rejeitou aspreliminares suscitadas pelosreclamados e julgou improcedente opedido objeto da ação trabalhistaajuizada por OLIVINO FERREIRA DAROSA e MARIA CONCEIÇÃO DA ROSAem face de MAURI JOSÉ ALVES EOUTROS e S/A USINA CORURIPEAÇÚCAR E ÁLCOOL.

Recorrem os reclamantes (f.237-256), sustentando, em síntese, quea 1ª reclamada procedeu a todas astratativas necessárias para acontratação de seu filho já falecido,inclusive a realização do exame médicoadmissional, tendo sido consideradoapto a exercer as atividades; afirmamque houve a efetiva contratação e aresponsabilidade pré-contratual e oreconhecimento da existência darelação de emprego é medida que seimpõe; as condições de higiene emoradia a que os trabalhadores foramsubmetidos não se mostravam dignase a alimentação só lhes foi fornecida noperíodo noturno, às 19h; o filho nãorecebeu socorro médico, sendo devidaa indenização por danos morais emateriais. Requerem a reforma dasentença, para que seja declarado ovínculo empregatício entre as partes noperíodo compreendido entre 15.fev.2007a 17.fev.2007, condenando-se asreclamadas ao pagamento dos danos

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materiais e morais postulados naexordial, bem como pensão vitalícia,pagamento de custas e despesasprocessuais, além de honoráriosadvocatícios.

Foram deferidos os benefícios dajustiça gratuita aos autores (f. 233-234).

Contrarrazões de f. 259-271,272-282.

É o relatório.

VOTO

Admissibilidade

Conheço do recurso ordináriointerposto, presentes os pressupostoslegais de admissibilidade.

Mérito

Não se conformam osrecorrentes com a decisão que julgouimprocedentes os pleitos dedeclaração de existência da relação deemprego e anotação na CTPS, bemcomo os pedidos de indenizações pordanos materiais e morais.

Os autores relataram, na inicial,que o filho, falecido em 17.fev.2007, foicontratado pela 1ª reclamada, na cidadede Pitangueiras/SP, para trabalhar nasdependências da 2ª reclamada, emPirajuba/MG, prestando serviçospróprios à atividade-fim desta,juntamente com mais 47 trabalhadores.Todos foram transportados pelorepresentante das reclamadas, Sr. JúlioCésar Magnani, no dia 14.fev.2007.Foram submetidos a examesadmissionais no dia seguinte.

Requereram o reconhecimentodo vínculo empregatício entre o filho,VALDEMIR JOSÉ DA ROSA, e a 2ª réou, alternativamente, com a 1ª ré, noperíodo compreendido entre15.fev.2007 e 17.fev.2007, na função de

rurícola, com salário de 1,5 saláriomínimo mensal.

Afirmaram que o falecimento dofilho deu-se por culpa das reclamadas,que se omitiram na prestação desocorro; o alojamento onde o filhoesteve “não tinha nenhuma condição deser habitado” (f. 7) e ele não recebeualimentação “durante toda a viagem e,ainda, ao chegarem ao alojamentonada lhes foi disponibilizado, sequerforneceram o café da manhã no dia15/02”; os trabalhadores só vieram areceber alimentação no dia 15, por voltadas 21h.

Relatam que o filho sentiu-semal, por volta das 20h do dia 15 defevereiro, quando caiu e bateu a cabeçano solo, vindo a desmaiar.

Foi levado para um colchão peloscolegas e só no dia seguinte, por voltadas 13h, os colegas foram até à cidadebuscar ajuda; o filho foi conduzido atéum posto de atendimento, “tendo omédico de plantão ministrado umremédio e o dispensado” - f. 8.

Sem melhorar sua condiçãofísica, voltou ao posto de atendimentoe de lá foi encaminhado ao Hospitalda Universidade Federal do TriânguloMineiro, em Uberaba, onde foisubmetido a uma cirurgia no crânio.

Concluem os autores que aqueda sofrida pelo filho, quando bateua cabeça no solo, causou um quadrohemorrágico e coágulo sanguíneo,vindo este a falecer no dia 17.fev.2007.

Os autores requereram,também, pagamento de pensãomensal vitalícia, indenização por danosmorais e materiais.

Observe-se que consta, à f. 221da ata de audiência, a determinaçãode retificação da autuação e demaisregistros, “para que se faça constarcomo primeiro reclamado MAURI JOSÉALVES E OUTROS”.

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Examina-se.Ao contrário da alegação de

inexistência de vínculo de empregoentre as partes, os elementos colhidosdos autos revelam a consumação docontrato de trabalho que, de fato, existiuentre o falecido e a primeirareclamada.

O cotejo entre os depoimentosda testemunha do reclamante MárioJúnior Caetano (f. 221) e datestemunha do reclamado, Júlio CésarMagnani (f. 226), revela que o autor,assim como a primeira testemunha,receberam proposta de empregoformulada por esta última, na condiçãode preposto da primeira reclamada. Aadesão do autor à proposta deemprego foi inequívoca, na medida emque foi transportado de sua cidadepara a cidade de Pirajuba, local daprestação dos serviços. Júlio(conhecido por “Julião”) “trabalha comfrete inclusive para a primeirareclamada”. Ocorre que o autor foiconduzido até o sítio onde foi alojadopelo funcionário da primeirareclamada, chamado Marquinhos,conforme relata a testemunha Mário,que disse que, o “falecido também foitransportado no mesmo ônibus que odepoente e ficou no mesmoalojamento”. Daí o falecido, juntamentecom outros trabalhadores, foiconduzido por funcionários da primeirareclamada até a cidade para arealização do exame admissional.

É significativo o fato de que,quando os trabalhadores contratadoseram conduzidos até o sítio destinadoao alojamento, já tinham“conhecimento do trabalho”, comoassevera a testemunha que tambémesclareceu que “acredita que o falecidotenha tomado conhecimento dotrabalho do mesmo modo que odepoente...”.

Tal fato guarda coerência com adeliberação recíproca (do falecido e daprimeira reclamada), no sentido dotransporte do autor, por conta dareclamada, de sua cidade até Pirajuba,porquanto não se pode dizer,definitivamente, que as tratativas queresultaram em tais atos concretostenham permanecido no campo demeras negociações preliminares.

Como sói acontecer, tais atos integramjá a execução contratual que, no caso,ficou pendente apenas documprimento da mera formalidade doexame admissional que se realizouimediatamente após o ingresso dofalecido no alojamento da reclamada,no dia seguinte, 15.fev.2007.Exatamente após o retorno do falecidodo exame admissional - no qual,antecipa-se desde já, o mesmo foiconsiderado apto para o trabalho (f. 53)- por volta das 20h ocorreu o acidentedo qual resultou seu falecimento,depois de ter passado todo o dia semque lhes fossem fornecidas água ealimentação. No dia subsequente, oscolegas do falecido já iniciaram aprestação dos serviços.

Dessarte, desde o momento emque os prepostos da reclamadatransportaram o falecido até a cidadeda prestação dos serviços, este já sepôs à disposição da empresaexatamente nos termos do art. 3º da CLT.Isso porque, ao deixar sua cidade, já ofez depois de acertadas as condiçõesde trabalho, sendo que eventualobstáculo de ordem médica provenientedo exame admissional não passaria decondição resolutiva do contrato.

Desde que a reclamadaassumiu para si a responsabilidade dacondução do falecido até o local daprestação de serviços, assumiutambém a responsabilidade pelaproteção, segurança e saúde dos

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trabalhadores alocados, aí incluída ahospedagem e alimentaçãoadequadas.

Dos relatos testemunhais,extrai-se ainda que “o sítio não eralimpo, tinha mato, cobra, rato, sapo,fezes de ratos, percevejos, morcegos,etc.; a casa não tinha nada”. Essacircunstância é mesmo expressão dascondições em que têm laborado oscanavieiros brasileiros, como bemexplicitaram recentes e eloquentesreportagens midiáticas provenientesde levantamento das condições detrabalho dos boias-frias do setor.

Não se pode, definitivamente,sustentar que a situação do falecidose inseriu no âmbito das negociaçõespreliminares ou da pré-contratação. Doseu lado, houve mera aceitação nosentido que lhe empresta OrlandoGomes: “aceitação é a aquiescência auma proposta” (GOMES, Orlando.Contratos. 11ª ed., Rio de Janeiro:Forense, p. 67). Dessarte, o aceitanteintegra sua vontade na do proponente,tal como o fez o falecido após terrecebido a proposta de emprego quelhe foi ofertada por preposto dareclamada, sendo certo que esta, aolevar a efeito atos concretos deexecução do contrato consumado pelaaceitação (transporte do falecido,fornecimento de alojamento, etc...), foialém da proposta, mas encaminhoupara a prática de atos próprios de quemdá por celebrado o contrato.

Não se diga que não houvedefinição dos serviços a seremrealizados e do valor da remuneração.

Sendo a reclamada prestadorade serviços canavieiros e sendo ofalecido canavieiro, é de se estabelecerpor presunção hominis que entre aspartes foi acertado tacitamente otrabalho canavieiro pela remuneraçãonormalmente paga aos trabalhadores

do setor, não sendo, entretanto, crívelque tenham estabelecido tácita e nãoexpressamente tais condições, dadasas circunstâncias da contratação.

De pré-contratação não se podecogitar já que o pré-contrato é meropactum de contrahendo (GOMES,Orlando, op. cit., p. 150) e refere-se tão-somente à obrigação de contratar nofuturo. Conforme anota Carlos Henriqueda Silva Zangrando (ZANGRANDO, C.H. Curso de direito do trabalho, Tomo II,São Paulo: LTr, 2008, p. 643-646),

entende-se por pré-contrato,contrato preliminar, contratopreparatório, promessa de contratoou proposta de contrato, todaconvenção pela qual as partescriam, em favor de uma ou deambas, a faculdade de exigir aformalização e a eficácia do contratoque foi projetado. Caracteriza-sepela existência da comunicação devontade, de ambas as partesenvolvidas em negociação decontrato projetado ou futuro. Assim,adentram esta esfera sui generis

todas as declarações de vontadeobrigacionais bilaterais, expressasou tácitas, verbais ou escritas,coletivas ou individuais, tais como acorrespondência, a proposta, oprotocolo de intenções, o convite,etc. (CC, art. 427)...; a proposta decontrato obriga o proponente, se ocontrário não resultar dos termosdela, da natureza do negócio, ou dascircunstâncias do caso (CC, art.427)...; o pré-contrato de trabalhonasce apenas quando dacomunicação da seleção para avaga ao candidato escolhido. Estacomunicação pode ser formal (p. ex.telegrama, carta, fax, telefonema, e-

mail, etc.) como pode se dar atémesmo tacitamente (por exemplo:

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quando o selecionado é enviadopara fazer exames médicosadmissionais, quando o setor depessoal retém a CTPS para anotaçãoe requer a documentaçãonecessária, etc.).

Disso não se trata na situaçãoem questão, uma vez que o transportedo falecido para outra cidade, oalojamento são atos que seenquadram como atos de execução docontrato, já que é inequívoco o fato deque o falecido se colocou à disposiçãoda reclamada desde o momento emque se submeteu às condições que lheforam impostas antes e após arealização do exame admissional,inclusive para permanecer semalimentação e sem água durante todoo resto do dia em que se realizou, pelamanhã, o exame admissional.

O enquadramento acima revolveo posicionamento do direito brasileiroquanto à natureza da relação detrabalho. O titubeio da norma inscrita noart. 442 da CLT, onde se lê que “Contratoindividual de trabalho é o acordo tácitoou expresso, correspondente à relaçãode emprego”, não pode ser resolvidopor exegese que a filie no campo dasteorias acontratualistas, porque o seusentido está exatamente noreconhecimento da relação de trabalhocomo situação objetiva, sem prejuízo daprevalência da teoria contratualista,como assinala Octavio Bueno Magano(MAGANO, O. B. Direito individual do

trabalho. São Paulo: LTr, p. 25, vol. 2).Do contratualismo não abdicado pelodireito brasileiro resultou que, para aformação do contrato de trabalho, não éimprescindível o início da prestação deserviços, embora este, uma vezocorrido, constitua-se como fato objetivodeterminante para o reconhecimento daexistência do contrato de trabalho.

Assim, do acordo de vontadeentabulado entre o falecido e areclamada resultou, sim, aconsumação do contrato de trabalhoentre ambos, a partir do instante emque o mesmo se pôs à disposição daempresa, nos termos do artigo 4º daCLT. O transporte até o local de trabalhoe o alojamento em dependênciasdisponibilizadas pela reclamada, asujeição às diretrizes emanadas dosprepostos da empresa são expressãode que, desde o momento em que ofalecido se entregou aos atos diretivosda empresa, ficou à sua disposição epassou a subordinar-se às condiçõesdeterminadas por ela, inclusive a depermanecer sem alimentação e semágua durante todo o dia destinado aoexame admissional.

Acresça-se que o de cujus

gozava de plena saúde.Ocorre que no 15.fev.2007, após

ter passado o dia inteiro semalimentação e água, sentiu-se mal esofreu uma queda, da qual lheresultaram graves consequências queculminaram em sua morte, inclusivefratura craniana.

Segundo relatório do médico doHospital da Universidade deUberlândia, onde foi submetido a umacirurgia, “o achado cirúrgico foi defratura linear temporal, hematomasubdural e intraparenquimatoso,coagulado, que foi aspirado, permitindoao cérebro voltar às pulsações normaisapós a drenagem” (vide f. 26). Constado laudo de exame de necropsia que ofalecido “foi submetido a tomografiacomputadorizada que evidenciouhemotórax subdural, sendo submetidoa cirurgia na qual foi constatado fraturado osso temporal direito, comhematoma subdural eintraparaquimatoso, sendo aspirado”(f. 24).

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A causa mortis foi “hematomasubdural. Traumatismo crânio-encefálico”. Em resposta dada aoquesito oficial de n. 3: - “Qual oinstrumento ou meio que produziu aofensa?” -, os médicos peritos oficiaisaduziram: “3º) Instrumento contundente”.

Ora, estando o de cujus jáinstalado em alojamento da 1ªreclamada quando se sentiu mal esofreu a queda, constata-se que oreclamado teve culpa quanto ao fatoocorrido, sendo evidente suanegligência sobretudo quanto aoatendimento médico.

A testemunha Mário, cujodepoimento, indiscutivelmente, possuimaior relevância, porque também foilevado de Pitangueiras para o sítio SãoFrancisco, com a promessa decontratação pelo 1º réu, chegando atrabalhar para ele, efetivamente, por 27dias, relatou que:

[...] no sítio, não havia banheiro echuveiro, e só havia colchões paraaqueles que os levaram; retiraramágua de péssima qualidade de umpoço existente no sítio; chegaram nosítio umas 20h, e a alimentação só foifornecida umas 23h; foi-lhesprometido o trabalho, remuneração“livre” e boas acomodações...; ofalecido também foi transportado nomesmo ônibus que o depoente eficou no mesmo alojamento...; no dia15.02.2007, dirigiram-se até Pirajubapara fazerem o exame admissional,fizeram-no e retornaram ao sítio;chegaram no sítio por volta das18h30min/19h; em Uberaba, local darealização dos exames admissionais,não receberam alimentação ou águapor todo o dia; por volta das 20h,quando já se encontravamestressados da viagem do dia,Valdemir sentiu-se mal, quando

estava olhando a paisagem atravésde um vitrô, endureceu o corpo e caiupara trás, batendo com a cabeça nochão, sofrendo um corte nela; doisamigos presentes dirigiram-se atéPirajuba para buscar socorro, sendoque um senhor, com umacaminhonete, disponibilizou-se aprestá-lo, lá chegando por volta das4h; o falecido foi levado até Pirajubana referida caminhonete e medicado;ele estava inconsciente; no Posto deSaúde, passaram dipirona para ofalecido e o reencaminharam ao sítio,embora ele continuasse inconsciente;o falecido foi reencaminhado ao sítioem uma ambulância; o falecido, entãojá no sítio, apresentava repetidascrises convulsivas; levantaram-se às6h para começar o trabalho, e ofalecido permanecia inconsciente;foram trabalhar em umas lavouras naregião de Pirajuba; e Tim, o rapaz quetomava conta do sítio, ficou tambémcuidando da situação do falecido; Timcontou-lhes que o falecido ficavacorrendo entre os canaviais,debatendo-se e fazendo suasnecessidades fisiológicas nasroupas e que, por volta das 12h,levou-o até Pirajuba; Tim contou queprecisou provocar um tumulto noposto de atendimento de Pirajubapara que alguma providência fossetomada; disse também que o falecidofoi removido até Uberaba às12h30min; Tim disse que, ao sair dePirajuba para Uberaba, o falecido jápodia ser dado como “neutro”; no diaseguinte, ficaram sabendo dofalecimento do Sr. Valdemir; ninguémda empresa empregadoracompareceu no sítio, além de Tim edo motorista da caminhonete...; odepoente trabalhou em média uns 27dias...; ninguém teve sua CTPSanotada...; diante da situação vivida,

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os demais foram desistindo dotrabalho, e o depoente foi o último apermanecer no trabalho e no sítio...;no sítio, não foi disponibilizadacondução até a cidade, para o casode necessitarem; não havia qualquermeio de comunicação no sítio...; o sítionão era limpo, tinha mato, cobra, rato,sapo, fezes de ratos, percevejos,morcegos, etc; a casa não tinhanada; em todo o período em que odepoente trabalhou, o sítio semanteve nas mesmas condições jámencionadas; o depoente, no períodoem que trabalhou, recebia ummarmitex de dia e um à tarde; asfotografias de f. 30 a 35 são da casado sítio e do poço de onde retiraramágua para beber; a fotografia de f.28 é da estrada para Pirajuba; nãosão do sítio as fotografias de f. 54/61...; após ter deixado de trabalhar,o depoente retornou ao sítio para tirarfotografia, enquanto os colegasestavam se submetendo a examesmédicos, não tinham como sair parase alimentar, porque não tinhamdinheiro algum, e o empregador nadalhes havia fornecido - vide depoimentode f. 222-223.

A testemunha Sinoel, motoristada ambulância do Município dePirajuba, que transportou Valdemir,nada acrescentou aos fatos (videdepoimento de f. 223-224).

A testemunha Silson (f. 224-226), “motorista de um ônibus daprimeira reclamada”, que foi avisadopelos colegas de Valdemir sobre oestado deste, precisou tomar “umacaminhonete emprestada parasocorrer o Sr. Valdemir”; confirmou que“não havia telefone fixo na chácara” eque, no dia dos exames admissionais,“a alimentação foi fornecidaaproximadamente às 19h”; afirmou que

“não chegou a adentrar a casa quandodo socorro do Sr. Valdemir, nem quandolá foi levar refeição...; os colegas do Sr.Valdemir contactaram o depoente emsua casa para prestar o socorro,acreditando que tenham chegado atéele através de informações, por setratar de cidade pequena”. Atestemunha Júlio (depoimento de f.226-227) declarou que “a vaga iria serpara trabalhar na primeira reclamada;acha que o fornecimento da cana daprimeira reclamada seria para asusinas da região, que, no caso, sãoduas, a segunda reclamada e a UsinaSanto Ângelo”.

Conclui-se, pois, que o falecido,a par de mal alojado, mal alimentadoe submetido a condições degradantesafrontosas à dignidade humana, nãofoi atendido a tempo nem de formaapropriada, o que, claramente,contribuiu para o agravamento de seuestado e para a sua morte prematura.

Se a indignidade das condiçõesa que foi submetido o autor não basta,some-se a isso o fato de que, nointerregno em que lhe faltou aassistência devida e esperada, o autorpôs-se, inclusive, a correr entre oscanaviais, “debatendo-se e fazendosuas necessidades fisiológicas nasroupas”, em estado de perturbaçãopsíquica - como salientado nodepoimento transcrito acima -, até quepôde contar com a benevolência de umcolega de trabalho, sem a presençasequer de preposto ou responsávelpela empresa até então.

O dano moral sofrido pelosautores é evidente: perderam um filhoque com eles residia (segundo atestemunha Mário, “o falecido ajudavanas despesas domésticas, sendo oúnico fi lho solteiro que com elesresidia” - f. 222) e que estava comapenas 32 anos de idade.

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Ressalto que, quando se falaem indenização extrapatrimonial, nãose cogita do ressarcimentopropriamente de um dano, mas dafixação de uma quantia simbólica, a fimde reparar a dor do ofendido e compeliro ofensor a não mais agir da maneiracomo agiu. A indenização de que aquise fala, portanto, tem adornos distintosda concepção originária ou ordináriaque desfrutamos.

Tem ela, no plano do agressor, um“caráter punitivo”, assim encaradopela busca, com a condenação deum castigo pelo dano originado pelaofensa que este praticou, aliando-sea isto uma conduta e um carátereducativo e/ou corretivo, no sentidode criar, em seu íntimo, ambiente parauma reflexão sobre o mal perpetrado,a fim de que este não venha a repeti-lo novamente. De outro lado, e agorano plano do ofendido, oferece-se aele algo com “carátercompensatório”, mas não no sentidoque nos é de prática e conceituaçãocotidiana, mas na acepção doestabelecimento de um estado deprazer, em contrapartida ao malsofrido. Não se cria ou estabelece,portanto, compensação aritmético-matemática e/ou economicista, comovulgarmente nos é dado pensar.(Processo 00086-2003-067-03-00-3 RO - 5ª T. Rel. Juiz Emerson JoséAlves Lage, publicada no MG17.abr.2004)

Dessarte, quer se considereconsumada a existência da relação deemprego entre o de cujus e o 1ºreclamado, quer se considere que asituação mencionada se enquadra noâmbito de um “pré-contrato”, a culpa ea responsabilidade civil da primeirareclamada é patente.

A 2ª reclamada deveráresponder solidariamente pelos danoscausados aos autores, dado que osserviços prestados pela 1ª reclamadaintegram a estrutura empresarial damesma e a arregimentação detrabalhadores para a execução deserviços canavieiros destinados aossuprimentos de sua Usina atrai-lhe aresponsabilidade pelas condições detrabalho a que são submetidos taistrabalhadores, não somente emrelação ao cumprimento dos direitoslaborais de natureza patrimonial, mas,principal e especificamente, emrelação às condições de vida dessestrabalhadores no desempenho desuas atividades laborais.

Por todo o exposto, douprovimento parcial ao recurso para,reformando a r. sentença recorrida ejulgando procedente, em parte, a ação,condenar solidariamente os reclamadosa pagar aos autores a indenização pordanos morais no valor de R$100.000,00(cem mil reais) e uma pensão vitalíciamensal correspondente a um saláriomínimo a título de indenização por danosmateriais. Para o pagamento dessapensão mensal vitalícia deferida, osreclamados deverão constituir capitalsuficiente para garantir o cumprimentoda prestação mensal, nos termos doartigo 475-Q do CPC. Juros e correçãomonetária incidem na forma da Súmulan. 200 do TST e da Lei n. 8.177/91.

Autorizo tão-somente osdescontos fiscais, pois a indenizaçãopor danos morais e materiais não sãobase de cálculo da contribuiçãoprevidenciária (art. 214, § 9º, V, “m”, doDecreto n. 3.048/99).

Determino que seja expedidaintimação pessoal ao MinistérioPúblico do Trabalho, para que, tomandociência desta decisão, possa tomar asprovidências que entenda cabíveis.

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CONCLUSÃO

Conheço do recurso e, nomérito, dou-lhe provimento parcialpara, reformando a r. sentençarecorrida e julgando procedente, emparte, a ação, condenarsolidariamente os reclamados MAURIJOSÉ ALVES E OUTROS e a reclamadaS/A USINA CORURIPE AÇÚCAR EÁLCOOL a pagar aos autores, no prazolegal, com juros incidentes na formada Súmula n. 200 do TST, a partir doajuizamento desta ação, e correçãomonetária, a partir da publicação destadecisão, conforme o disposto na Lein. 8.177/91, a indenização por danosmorais no valor de R$100.000,00(cem mil reais) e uma pensão mensalvitalícia correspondente a um saláriomínimo, a título de indenização pordanos materiais. Para o pagamentoda pensão mensal vitalícia, f icadeferida a constituição de capital pelosreclamados suficiente para garantiado cumprimento da prestação mensaldeferida, nos termos do artigo 475-Qdo CPC.

Autoriza-se tão-somente adedução dos descontos fiscais, umavez que sobre a indenização por danosmorais e materiais não incide acontribuição previdenciária (art. 214, §9º, V, “m”, do Decreto n. 3.048/99).

Invertidos os ônus dasucumbência, arbitro à condenação ovalor de R$150.000,00 (cento ecinquenta mil reais) e fixo as custasprocessuais no importe de R$3.000,00(três mil reais), pelos primeirosreclamados.

Determinada intimaçãopessoal ao Ministério Público doTrabalho, para que tome ciência destadecisão e das irregularidadesconstatadas, adotando as providênciasque entenda cabíveis.

Fundamentos pelos quais,

ACORDAM osDesembargadores do TribunalRegional do Trabalho da TerceiraRegião, pela sua Terceira Turma, àunanimidade, em conhecer dorecurso e, no mérito, sem divergência,em dar-lhe provimento parcial para,reformando a r. sentença recorrida ejulgando procedente, em parte, a ação,em condenar solidariamente osreclamados MAURI JOSÉ ALVES EOUTROS e a reclamada S/A USINACORURIPE AÇÚCAR E ÁLCOOL apagar aos autores, no prazo legal, comjuros incidentes na forma da Súmulan. 200 do TST, a partir do ajuizamentodesta ação, e correção monetária, apartir da publicação desta decisão,conforme o disposto na Lei n. 8.177/91,a indenização por danos morais novalor de R$100.000,00 (cem mil reais)e uma pensão mensal vitalíciacorrespondente a um salário mínimo,a título de indenização por danosmateriais. Para o pagamento da pensãomensal vitalícia, fica deferida aconstituição de capital pelosreclamados suficiente para garantia documprimento da prestação mensaldeferida, nos termos do artigo 475-Qdo CPC. Autoriza-se tão-somente adedução dos descontos fiscais, umavez que sobre a indenização por danosmorais e materiais não incide acontribuição previdenciária (art. 214, §9º, V, “m”, do Decreto n. 3.048/99).Invertidos os ônus da sucumbência, emarbitrar à condenação o valor deR$150.000,00 (cento e cinquenta milreais) e em fixar as custas processuaisno importe de R$3.000,00 (três milreais), pelos primeiros reclamados.Determinada intimação pessoal aoMinistério Público do Trabalho, paraque tome ciência desta decisão e das

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irregularidades constatadas, adotandoas providências que entenda cabíveis.

Belo Horizonte, 05 de novembrode 2008.

ANTÔNIO GOMES DEVASCONCELOS

Juiz Relator convocado

TRT-00608-2007-153-03-00-6-APPubl. no “MG” de 22.11.2008

AGRAVANTE: PAULO ROQUEAGRAVADA: PROLUMINAS LUBRIFICANTES

LTDA.

EMENTA: EXECUÇÃOPROVISÓRIA - ART. 475-O DOCÓDIGO DE PROCESSO CIVIL -SUA APLICABILIDADESUBSIDIÁRIA, A FORTIORI, NOPROCESSO DO TRABALHO. Aprofunda revolução conceituale de paradigmas que assucessivas e graduaisreformas do processo civilbrasileiro promoveram a partirda última década do séculopassado, principalmenteatravés da generalização dapossibilidade da antecipaçãodos efeitos da tutela pretendidano pedido inicial e napriorização da tutela específicados direitos sobre a meramenteressarcitória em pecúniaatravés dos novos artigos 273e 461 do CPC, passou por suavez a exigir a modernização dosistema de execução provisóriadas sentenças, proferidas apóscognição exauriente, de modoa conferir-lhes efetividade pelomenos equivalente à dasdecisões antecipatórias, de

caráter necessariamenteprovisório e produto decognição apenas sumária. Issose fez inicialmente pelaalteração da redação do artigo588 daquele mesmo Código,através da Lei n. 10.444/2002,e, em seguida, pela Lei n.11.232/2005, que revogou essepreceito mas incorporou seuconteúdo, com mais avanços,ao novo artigo 475-O do CPC,hoje em vigor. Por seuintermédio, é possível, aindaem sede de execuçãoprovisória, autorizar-se oexequente a levantar depósitoem dinheiro e praticar-se atosque importem alienação depropriedade ou dos quais possaresultar grave dano aoexecutado mesmo semcaução, nos casos de créditode natureza alimentar oudecorrente de ato ilícito, desdeque respeitado o limite desessenta vezes o valor dosalário mínimo e o exequentedemonstre situação denecessidade (artigo 475-O eseu § 2º do CPC). Sendo oscréditos trabalhistas deindiscutível natureza alimentar,a aplicação subsidiária dessanorma processual comum aoprocesso do trabalho dá-se afortiori, diante da existência delacuna a esse respeito nasnormas de processo dotrabalho e por sua evidentecompatibilidade com osprincípios protetores que são aprópria razão de ser doordenamento jurídicotrabalhista (CLT, artigo 769).Estando o exequentecomprovadamente enfermo e

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sem mais receber, naatualidade, qualquer benefícioprevidenciário, a liberaçãoimediata a seu favor, por alvará,dos valores constantes dosautos a título de depósitorecursal, nos termos do artigo475-O do CPC e seu § 2°, émedida que concretiza, no planotrabalhista, o princípioconstitucional da efetividade datutela jurisdicional edesestimula o uso de recursosdesnecessários e meramenteprotelatórios. Agravo de petiçãoprovido.

Vistos os autos, relatado ediscutido o presente agravo de petição,DECIDE-SE:

RELATÓRIO

Trata-se de agravo de petiçãointerposto pelo exequente às f. 441/446,em face da r. decisão de f. 434, proferidapelo MM. Juiz do Trabalho Henoc Piva,em exercício na 2ª Vara do Trabalho deVarginha/MG, e complementada à f.441, por meio da qual indeferiu-se opedido do reclamante de liberação devalores.

O agravante pretende a reformada decisão, argumentando que a suasituação permite a liberação de valores,nos termos do artigo 475-O do CPC.Alega que a interposição de agravo deinstrumento ao TST pela executada emrazão do não-conhecimento do recursode revista interposto tem caráterprotelatório. Cita jurisprudência aamparar o seu entendimento.

Contraminuta às f. 448/452.Não se vislumbra, no presente

feito, interesse público a proteger.É o relatório, da lavra da i.

Desembargadora Relatora.

VOTO

Admissibilidade

Satisfeitos os pressupostoslegais de admissibilidade, conheço doagravo de petição e da contraminuta,tempestivamente apresentada.

Mérito

Pretende o agravante a reformada decisão de origem, a fim de que sejamliberados em seu favor os depósitosrecursais efetivados pela agravada, semnecessidade de caução. Argumenta quea inovação trazida pelo inciso I do § 2ºdo artigo 475-O do CPC visa priorizaros créditos de natureza alimentícia, eque o agravo de instrumento pendentede julgamento perante o TST constituiexpediente protelatório da executada.Pugna, pois, pela reforma da r. decisãode origem. Cita jurisprudência aamparar a sua tese.

Ao exame.Compulsando-se os autos,

verifica-se que a executada interpôsrecurso de revista (f. 389/398),pretendendo o reexame das questõesrelativas à existência de doençaprofissional, obrigatoriedade dereintegração do exequente no empregoe pagamento de indenização por danosmorais e materiais decorrentes, aoqual foi negado seguimento (f. 400/401). Foi, então, interposto agravo deinstrumento ao TST, ainda pendente dejulgamento (f. 402 verso).

É possível inferir que o recursode revista interposto pela agravada, aoqual foi negado seguimento neste Eg.Regional, tem por objeto todas asparcelas da condenação, como jádestacadas acima. Desse contexto,forçoso concluir que não existemverbas incontroversas, sendo a

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execução provisória, quanto aomontante total fixado.

O artigo 899 da CLT dispõeexpressamente que na Justiça doTrabalho é permitida a execuçãoprovisória até a penhora, ou seja, sãovedados os atos de expropriação,principalmente a liberação de valoresrelativos a depósitos recursais, quesofrem atualização até a data dopagamente efetivo e não se sujeitamao perecimento.

À luz do artigo 769 da CLT, asregras de direito processual comumserão fontes subsidiárias ao direitoprocessual do trabalho, quando severificarem os requisitos de existênciade lacuna na legislação trabalhista ede compatibilidade com as normasrelativas ao processo trabalhista.

Por sua vez, o artigo 889 da CLTprevê a incidência na execuçãotrabalhista das normas que regem oprocesso de executivos fiscais para acobrança da dívida da Fazenda PúblicaFederal, naquilo que não contrariaremos preceitos do Texto Celetista. Importadizer que o CPC é tão-somente fontesubsidiária, aplicável se não houverdisposição diversa, primeiro na CLT, e,em segundo lugar, na Lei n. 6.830/80.

Nesse contexto, ensina-nos osaudoso mestre Carrion (2007, p. 584):

Ao processo laboral se aplicam asnormas, institutos e estudos da doutrinado processo geral (que é processocivil), desde que: a) não esteja aquiregulado de outro modo (“casosomissos”, “subsidiariamente”); b)não ofendam os princípios do direitolaboral (incompatível) [...].

Até aqui, os fundamentos sãoda i. Desembargadora Relatora, comos quais me coloco de pleno acordo.

A partir daí, porém, concluiu a

d. Relatora que a regra legal queautoriza, na fase de execuçãoprovisória, o levantamento de depósito,independentemente de caução, até olimite de 60 salários mínimos, desdeque o exequente demonstre o estadode necessidade, esculpida pela Lei n.11.232/05, que introduziu o inciso I do§ 2º do artigo 475-O do CPC, mostra-seplenamente aplicável na execuçãotrabalhista, desde que esta sejadefinitiva, prestigiando a celeridade nocumprimento das condenaçõesimpostas por esta Especializada, quetem como objetivo a satisfação decréditos de natureza alimentar.Entendeu ainda que, em se tratandode execução provisória, a incidência doartigo em comento deveria ser afastada,haja vista possuir como premissa opagamento de quantia certa, mormenteno caso dos autos, em que não se teriacomprovado situação de efetivanecessidade, requisito indispensávela teor do inciso I do § 2º do artigo emquestão, salientando que não basta paraesse fim o simples fato de o exequenteser beneficiário da gratuidade judiciária.

Entendeu, por fim, ser aplicávelà hipótese dos autos o disposto naOrientação Jurisprudencial n. 56 daSBDI-II do TST, segundo a qual “Nãohá direito líquido e certo à execuçãodefinitiva na pendência de recursoextraordinário, ou de agravo deinstrumento visando a destrancá-lo”,pelo que negava provimento ao apelo.

Dela, porém, respeitosamente,divergi, pelos fundamentos a seguirexpostos, no que fui acompanhadopelo outro d. Desembargadorintegrante da Turma Julgadora.

Com renovada venia dos d.entendimentos exarados em sentidocontrário, considero ser o caso, aqui,de plena aplicação do disposto noartigo 475-O do CPC, a saber:

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Art. 475-O. A execução provisóriada sentença far-se-á, no quecouber, do mesmo modo que adefinitiva, observadas as seguintesnormas:[...]§ 2º A caução a que se refere oinciso III do caput deste artigo poderáser dispensada:I - quando, nos casos de crédito denatureza alimentar ou decorrente deato ilícito, até o limite de sessentavezes o valor do salário-mínimo, oexequente demonstrar situação denecessidade;[...].

E é essa, a meu ver, exatamentea hipótese dos autos, em que oexequente é beneficiário da justiçagratuita (por ser pobre no sentidolegal), está desempregado e nãopossui qualquer renda (f. 420).

O profundo e generosomovimento de reformas do processo civilbrasileiro, intensificado e generalizadona última década do século passadopelas modificações do Código deProcesso Civil que, através da alteraçãoda redação dos seus artigos 273 e 461,generalizaram a possibilidade daantecipação dos efeitos de mérito datutela jurisdicional pretendida epriorizaram a tutela específica dasobrigações de fazer e não fazer, significouuma verdadeira revolução conceitual ede paradigmas, com vistas a ampliar oacesso à ordem jurídica justa e aconcretizar a promessa constitucional deuma tutela jurisdicional realmente efetiva.Contudo, foi somente através dereformas subsequentes, através dasLeis n. 10.444/2002 e 11.232/2005, é queo sistema de execução provisória dassentenças proferidas em decorrência decognição exauriente foi compatibilizadocom o novo sistema de efetivação das

decisões que, como resultado decognição meramente sumária,anteciparem provisoriamente os efeitosda tutela pretendida no pedido inicial (eque, paradoxalmente, até então semostrava muito mais contundente eefetivo que aquelas execuçõesprovisórias).

Isso se fez, inicialmente, atravésda modificação da redação do artigo588 do CPC, que em seguida foiformalmente revogado pela citada Lein. 11.232/2005 mas teve seu conteúdoreproduzido no artigo 475-O do mesmoCódigo. Por seu intermédio, admitiu-se a possibilidade de se atribuir àsdecisões de mérito proferidas emprimeiro grau de jurisdição, quandoobjeto de execução provisória, efeitospelo menos equivalentes às decisõesprovisórias que antecipam os efeitosde mérito postulados pelo autor, sendoadmitido, inclusive, que o juiz daexecução autorize o levantamento dedepósito em dinheiro ou a prática deatos que importem em alienação depropriedade ou dos quais possaresultar grave dano ao executado, etudo isso sem caução, quando, noscasos de crédito de natureza alimentarou decorrente de ato ilícito e até o limitede sessenta salários mínimos, oexequente demonstrar estado denecessidade (inciso I do § 2º do artigo475-O do CPC).

A aplicabilidade dessespreceitos à esfera trabalhista, como éóbvio, é não apenas possível comoabsolutamente necessária, diante daexistência incontroversa de lacuna nasnormas de processo do trabalho e declara compatibilidade de seus efeitose de seus propósitos com os princípiose os objetivos da legislação tutelartrabalhista.

Permissa venia, hácomprovação nos autos do estado de

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necessidade do obreiro, uma vez que,conforme deflui dos relatórios médicosde f. 425/427, o mesmo ainda seencontra enfermo, padecendo de doresconstantes em razão de epicondilitelateral e medial de cotovelos, “refratáriaàs medidas convencionais detratamento”, o que impossibilita, porcerto, ou ao menos dificulta, odesenvolvimento de qualquer atividadeeconômica de sua parte. Doutro tanto,deflui do documento de f. 428, emanadodo INSS, que o autor não mais percebequalquer benefício previdenciário desde02.04.07, restando patente, assim, oseu estado de necessidade.

Trata-se, aqui, de aplicação a

fortiori do artigo 475-O do CPC (que, ameu ver, e data maxima venia, foi feitoexatamente para ser aplicado àsexecuções provisórias, e não àsdefinitivas), de modo a garantir aefetividade e a celeridade desta Justiçado Trabalho, desincentivando recursosdesnecessários e meramenteprotelatórios do feito.

Pelo exposto, dou provimentoao apelo para, nos termos do artigo475-O do CPC e seu § 2º c/c artigo769 da CLT, determinar a liberaçãoimediata ao exequente, por alvará, dosvalores depositados pela executada atítulo de depósito recursal até o limitede 40 salários mínimos (por elepleiteado à f. 420 dos autos), devendoo feito, após, retomar seu cursonormal, na forma da lei.

Custas de execução

Nos termos dos incisos IV e Vdo artigo 789-A da CLT, acrescentadopela Lei n. 10.537, de 27.08.2002, eInstrução Normativa n. 20/2002 doColendo TST, inciso XIV, alínea “d”,caberão à executada, ao final, ascustas de execução referentes ao

presente agravo de petição, no importede R$44,26 (quarenta e quatro reais evinte e seis centavos).

CONCLUSÃO

Conheço do agravo de petição.No mérito, dou-lhe provimento para,nos termos do artigo 475-O do CPC eseu § 2º c/c o artigo 769 da CLT,determinar a liberação imediata aoexequente, por alvará, dos valoresdepositados pela executada a título dedepósito recursal até o limite de 40salários mínimos, devendo, após, ofeito retomar seu curso normal, naforma da lei.

Custas, pela executada, noimporte de R$44,26, pagáveis ao final.

Fundamentos pelos quais,

O Tribunal Regional do Trabalhoda Terceira Região, pela sua QuintaTurma, à unanimidade, conheceu doagravo de petição; no mérito, pormaioria de votos, deu provimento aoagravo para, nos termos do art. 475-Odo CPC e seu § 2º c/c o art. 769 da CLT,determinar a liberação imediata aoexequente, por alvará, dos valoresdepositados pela executada a título dedepósito recursal até o limite de 40salários mínimos, devendo após o feitoretomar seu curso normal, na forma dalei, com custas pela executada, noimporte de R$44,26, pagáveis ao final,vencida a Ex.ma DesembargadoraRelatora que negava provimento aoagravo.

Belo Horizonte, 04 de novembrode 2008.

JOSÉ ROBERTO FREIRE PIMENTADesembargador Redator

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TRT-00580-2008-000-03-00-4-HCPubl. no “MG” de 12.07.2008

IMPETRANTE : SEBASTIÃO EDUARDOPEDROSO

IMPETRADO : JUIZ DA 1ª VARA DOTRABALHO DE UBERABA

EMENTA: HABEAS CORPUS -DEPOSITÁRIO INFIEL - PRISÃOCIVIL - LEGALIDADE ECONSTITUCIONALIDADE -PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTARICA. O fato de o Brasil ser paíssignatário de tratadosinternacionais que restringema prisão civil por dívidas, naesteira da supremacia eprevalência dos direitoshumanos fundamentais, comoacontece, v.g., com o PactoInternacional dos Direitos Civise Políticos e da ConvençãoAmericana sobre DireitosHumanos - Pacto de São Joséda Costa Rica, não tem ocondão de elidir a prisão civildo depositário judicial infiel, auma, porque assegurada emtexto explícito da Lei Maior,conforme se capta daliteralidade do artigo 5º, incisoLXVII, que taxativamentedispõe que “não haverá prisãocivil por dívida, salvo a doresponsável peloinadimplemento voluntário einescusável de obrigaçãoalimentícia e a do depositárioinfiel” e a duas, porque,consoante a sistemáticaconstitucional, os tratadosinternacionais depois deregularmente ratificadospassam a integrar a ordemjurídica nacional na qualidadede simples lei ordinária, que

não tem autoridade paraesvaziar a possibilidade deprisão civil prevista naConstituição da República emse tratando de infidelidade dedepósito judicial e a três,porque, ainda que o enunciadoconstitucional desafiasse aregulamentação e autorizaçãoda prisão civil em nível delegislação infraconstitucional,a situação em nadamodificaria, porque mesmoadvogando-se a tese jurídicade que o Pacto de São José daCosta Rica, como lei ordinária,teria revogado na vigência doCódigo Civil de 1916 a prisãocivil do depositário infiel, asuperveniência do Código Civilde 2002, por sua vez, aoregulamentar a prisão civil dodepositário infiel, teria tambémsob essa ótica revogado arestrição do aludido tratadointernacional, não sequestionando a licitude deimposição de restrição àliberdade do depositáriorelapso, até porque, consoantea melhor doutrina, a prisão civilnão tem a natureza jurídica depena, como previsto no DireitoPenal, sendo antes mero meioeficaz de coerção paracompelir alguém que secolocou na condição dedepositário infiel a cumprir ocompromisso assumido comoauxiliar da justiça, não tendo apena restritiva de liberdadenesta hipótese qualquerconotação de naturezacontratual, sendo indiscutível ajuridicidade de sua imposição.Quanto ao mais, demonstradonos autos que o depositário,

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que legitimamente assumiu talencargo, assinando o termo der e s p o n s a b i l i d a d econjuntamente com o auto dapenhora, furtou-se sem justomotivo à entrega do bemconstrito que se encontravasob sua guarda, tendoprocurado por todos os meios,embora sem sucesso,desfazer-se do bempenhorado, em que pese ogravame que sobre ele pendia(alienação fiduciária),caracteriza-se de formaexuberante a infidelidade dodepósito, mostrando-se lícita apena de prisão que lhe foiimposta pelo d. juízo daexecução. Habeas corpus

conhecido e, no mérito,denegado, cassando-se emcaráter definitivo a liminarconcedida.

Vistos, relatados e discutidos ospresentes autos de habeas corpus,onde figuram, como impetrante,Sebastião Eduardo Pedroso e, comoimpetrado, o Juiz da 1ª Vara do Trabalhode Uberaba.

I - RELATÓRIO

Trata-se de habeas corpus

impetrado em favor de SebastiãoEduardo Pedroso nos autos doprocesso em que é ex adversa ElieseAparecida da Silva Borges,salientando-se que o paciente teve suaprisão decretada pelo MM. Juiz doTrabalho Presidente da 1ª Vara doTrabalho de Uberaba, na qualidade dedepositário infiel, arrimando-se aordem no inciso I do artigo 648 do CPPc/c inciso LXVIII do artigo 5º c/c art. 60,§ 4º, inciso IV, da Constituição Federal;

pondera que o paciente é proprietáriode uma oficina autoelétrica, sendoacionado judicialmente na Justiça doTrabalho por uma ex-funcionária e alicondenado ao pagamento de verbastrabalhistas e honorários advocatícios;que se encontra falido edesempregado, vivendo às expensasde parentes; que em 09.11.2006compareceu em seu estabelecimentocomercial um oficial de justiça epenhorou-lhe o veículo VW/Paratiregistrado em seu nome, mas que jáhavia sido vendido para terceiro, só quesem transferência de registro, sendoque tal impedimento foi comunicado aoauxiliar de justiça, que ainda assimmanteve a constrição; em 27.03.2008foi o paciente compelido a realizar opagamento do débito ou a entregar obem penhorado, em 48 horas, sobpena de prisão, tendo registradoboletim de ocorrência na Delegacia dePolícia da cidade de Frutal; entende quesendo pessoa pobre assumiuobrigação que não lhe era justa, eisque não mais era proprietário do bemconstrito; em sua fundamentaçãojurídica a respeito da ilegalidade daprisão imposta, salienta que, na esteirado entendimento jurisprudencial doColendo STJ, não se admite a prisãodo depositário infiel quando os objetosem comento possuem naturezafungível, na esteira do julgadocolacionado às f. 03/04 dos autos; queo próprio Supremo Tribunal Federaltem adotado o entendimento de que aratif icação pelo Brasil do PactoInternacional dos Direitos Civis ePolíticos e da Convenção Americanasobre Direitos Humanos - Pacto de SãoJosé da Costa Rica - desautoriza aprisão do depositário infiel, conformejulgados colacionados às f. 06/08 dosautos, devendo por esse motivo serprocedida a imediata soltura do

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paciente, expedindo-se o necessárioalvará judicial, como medida de direitoe justiça; discrimina os documentoscolacionados com a vestibular e a finalrequer seja concedida a ordem dehabeas corpus impetrada.

Com a inicial os documentos def. 11/21 dos autos.

Em que pese irregularmenteinstruído o feito, concedi a liminar sobreceio de se cometer alguma injustiçaao paciente por mera regra detecnicalidade e determinei de imediatoa sua soltura, solicitando à d.autoridade apontada como coatora,além das informações de praxe, aremessa, para melhor exame, de todasas peças processuais do feitoprincipal, adunadas às f. 28/198, tendosido esclarecido ainda que o pacienteesteve recolhido à prisão pelo prazo de03 (três) dias.

O d. Ministério Público doTrabalho emitiu parecer às f. 206/207.

É, em apertada síntese, orelatório.

II - VOTO

1 - Juízo de admissibilidade

Admito o presente writ

constitucional, considerando-se tratarde ação gratuita e de legitimaçãoirrestrita (inciso LXXVII do artigo 5º daMagna Carta c/c o artigo 654 do Códigode Processo Penal), amparado, ainda,nas regras estabelecidas pelos artigos46, alínea “h” e 161 a 163 doRegimento Interno desta Casa.Registre-se mais que, a teor dodisposto no inciso IV do artigo 114 daLex Legum, não mais persiste dúvidaquanto à competência desta JustiçaEspecializada para o julgamento dehabeas corpus, quando o atoquestionado envolver, como na

espécie, matéria sujeita à suajurisdição.

2 - Juízo de mérito

Na exordial colocam-seobstáculos jurídicos à prisão dopaciente sob duas óticas distintas, umade ordem legal, doutrinária ejurisprudencial, e a outra de cunhoestritamente fático, a rigordemonstrável pelos atos edocumentos constantes do processoprincipal.

Aprecio pela ordem osempecilhos de ordem constitucional elegal que, em tese, estariam a obstara prisão do depositário infiel.

Plenamente injustif icada aresistência posta na exordial do writ nosentido de que não se admite a prisãodo depositário infiel quando os objetosde constrição possuem naturezafungível, eis que esta não é, d.v., asituação dos autos, onde foi penhoradoum veículo de propriedade do paciente,que não ostenta qualquer caráter debem fungível, já que, tratando-se debem móvel perfeitamente identificável,com número de chassis individual epróprio e devidamente registradoperante a autoridade de trânsitocompetente, assume sim acaracterística de bem individualizado einsubstituível, sendo passível sim nãosó de penhora como também dedepósito judicial, quando subsiste aobrigação do depositário de entregá-lo à Justiça ou a quem esta determinar,sob as penalidades previstas em lei.

No que concerne ao segundoempecilho levantado pelo ilustreadvogado do paciente, no sentido deque, sendo o Brasil país signatário detratados internacionais restritivos deprisão por dívida, como acontece como Pacto Internacional de Direitos Civis

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e Políticos e ainda da ConvençãoAmericana sobre Direitos Humanos -Pacto de São José da Costa Rica,inviável seria a prisão do paciente, porfalta de embasamento legal, conformejurisprudência do excelso SupremoTribunal Federal, colacionada às f. 06/09 dos autos, igualmente não lheassiste qualquer razão.

De fato, dispõe o Pacto de SãoJosé da Costa Rica, em seu artigo 7º,inciso 7, que “Ninguém será detido pordívidas. Este princípio não limita osmandados de autoridade judiciáriacompetente expedidos em virtude deinadimplemento de obrigaçãoalimentar”, sendo que, por sua vez,enuncia o Pacto Internacional deDireitos Civis e Políticos em seu artigo11 que “Ninguém poderá ser presoapenas por não poder cumprir comuma obrigação contratual”.

Em que pese os enunciadosrestritivos de prisão por dívida contidosnos aludidos tratados internacionais,fato indiscutível é que, pairandosobranceiramente sobre eles, naqualidade de norma ápice do país, ecomo suporte de validade de todas asnormas que lhe são inferioreshierarquicamente, dispõe de formaincisiva o inciso LXVII do artigo 5º daConstituição Federal que “não haveráprisão civil por dívida, salvo a doresponsável pelo inadimplementovoluntário e inescusável de obrigaçãoalimentícia e a do depositário infiel”.

Ou seja, é a própria ConstituiçãoFederal que torna factível a prisão dodepositário infiel, em que pese asrestrições a prisões por dívidasabrigadas em tratados internacionaisde que o Brasil seja parte.

No pertinente à análise do Pactode São José da Costa Rica à luz daConstituição brasileira de 1988, duascorrentes doutrinárias procuram

explicar a possível antinomia entre aregra constitucional autorizadora e atéimpositiva de prisão civil do depositárioinfiel e os tratados que a restringem.Ou seja, da antinomia resultante doconfronto do dispositivo constitucionalcom o artigo 7º do Pacto de São Joséda Costa Rica consiste o cerne de todaa discussão, pois podem sercolocadas as seguintes questõestormentosas: é viável a prisão dodepositário infiel? O Pacto de São Joséda Costa Rica é constitucional ao nãomais prever a prisão do depositárioinfiel?

Segundo Flávia Piovesan, emseu estudo Prisão de Depositário Infiel-Constitucionalidade, ora retratado, noentendimento de alguns respeitáveisdoutrinadores e de parte dajurisprudência, o inciso LXVII do artigo5º é inteiramente imodificável, ou seja,considera-se cláusula pétrea nãosomente o direito - “não haverá prisãocivil por dívida” - mas também aressalva “salvo a do responsável peloinadimplemento voluntário einescusável de obrigação alimentíciae a do depositário infiel”. É que aConstituição Federal teria nessaressalva uma obrigatoriedade deprisão civil. Por esse entendimento oinciso 7 do art. 7º do Pacto seriainconstitucional e, assim, inaplicávelpor tender a abolir uma cláusulapétrea.

A primeira correntesupraexposta é a mais correta, atéporque o depósito pode assumirmodalidades distintas, seja oriundo docontrato (CC, art. 627), seja da lei, comohipótese de depósito necessário,previsto nos incisos I e II do art. 647 daLei Civil ou do Decreto-lei n. 911/69,em relação à alienação fiduciária, oufinalmente decorrer de ato judicial,quando o depositário assume um

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encargo que lhe é deferido pelo PoderJudiciário, responsabilizando-se,como longa manus da Justiça, aguardar o bem até que, por ordemjudicial, seja-lhe solicitado, sendo queesta última figura, na Justiça doTrabalho, sói acontecer no processode execução. Se o depositário, comolonga manus da Justiça, quebra seudever de fidelidade e desbarata o bemou não o devolve à Justiça, mostra-selícita a sua prisão civil, eis que nãohonrou o compromisso de conservar acoisa com a devida diligência, sendopassível de repreensão para que setorne exequível a ordem judicial deentrega do bem penhorado, casocontrário esta restaria inócua edesmoralizada. A outra singularidadeé de que a prisão do depositário infielnão configura prisão civil por dívida, atéporque depositário nem sempre é odevedor principal, podendo recair emoutras pessoas, inclusive o exequente,sendo sim prisão por quebra do deverde fidelidade que em si não temfisionomia de pena, como prevista noDireito Penal, sendo sim, como dito,mero meio de coerção para compeliralguém que se colocou na condiçãode depositário infiel a cumprir fielmenteo compromisso assumido comoauxiliar da justiça. (Nesse sentido oensinamento judicioso de Edna LuizaNobre Galvão, em seu artigodoutrinário “Depositário infiel edescumprimento obrigacional”, Jus

Navigandi).Sob essa ótica inexistiria

contraste entre a norma daConstituição Federal da República queautoriza a prisão do depositário judicialinfiel e a restrição lançada nos tratadosde que o Brasil é signatário e querestringem a prisão civil por dívidas,porque se trata de institutos jurídicosde natureza diversa.

Todavia, a prevalecer a segundacorrente divisada pela doutrina, nosentido de que só é consideradaimodificável a primeira parte do inciso,a parte que veicula o direito individual“não haverá prisão civil por dívida”, aressalva seria considerada como meraexceção ao direito individual, ou seja,consiste em mera faculdade e não emuma obrigação. Permite, não obriga.Assim poderão ou não ser criadas noâmbito da legislação infraconstitucionalhipóteses de prisão civil. Poder-se-ia,inclusive, elaborar-se uma lei querevogue todas as hipóteses de prisãocivil existentes. A ressalva teria anatureza de uma norma constitucionalnão revestida da natureza de cláusulapétrea, e, nessa ordem de ideias, odecreto legislativo que inseriu o Pactode São José da Costa Rica no nossoordenamento jurídico é constitucional,uma vez que somente estaria dandomaior efetividade ao direito garantido naConstituição (excertos do artigodoutrinário de Flávia Piovesan, jácitado).

Mesmo sob essa ótica, arestrição da prisão civil do depositáriojudicial infiel não seria impedida, já queos tratados internacionais ingressam nonosso ordenamento jurídico positivo,depois de regularmente ratificados, comforça de leis ordinárias, insuscetíveis decontrariar a Constituição Federal. Aindaque se fizesse abstração da naturezajurídica do depósito judicial, que nãodecorre do contrato e nem da lei, e simde um ato judicial, a tese jurídica viávelseria a de que, com a entrada em vigorem nosso país do Pacto de São José daCosta Rica em 09.11.92, através doDecreto n. 678/92, estariam em teserevogados os dispositivos do CódigoCivil de 1916 que autorizavam a prisãocivil por dívida, situação meramentetransitória, porque o novo Código Civil

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de 2002 disciplinou novamente ocontrato de depósito e suas implicações,prevendo novamente a prisão civil dodepositário infiel, sendo que sob talaspecto, e sendo norma ordináriaposterior ao tratado invocado, estarianovamente revogada a restrição postano Pacto de São José da Costa Rica eem tratados internacionais anteriores.

Em suma: sob qualquer ângulojurídico que se examine a restriçãoposta nos tratados internacionais,subsiste sim a possibilidade de prisãocivil do depositário judicial, seja porquesua obrigação não decorre de umcontrato (e a jurisprudência do STFcitada na inicial deste writ só se reportaà vedação de prisão civil por dívida,como a resultante do contrato dealienação fiduciária em garantia), ouainda porque a prisão que se impõeao depositário judicial infiel nãoassume o caráter de pena, comoprevisto no Direito Penal, e sim de umasanção constitucionalmente previstapara obrigar o depositário a cumprir aordem judicial, que, se não fora acoerção, obraria no vácuo jurídico, semqualquer força vinculativa e efetiva.

Rechaçam-se, destarte, todasas objeções de ordem legal econstitucional exploradas na peça deingresso, sendo lícita sim a prisão dodepositário judiciário infiel.

Resta, agora, saber se pelaprova carreada aos autos o pacienteteria realmente incidido na sançãoprevista no art. 652 do Código Civil,analogicamente aplicável ao depósitojudicial, no sentido de que,

seja o depósito voluntário ounecessário, o depositário que não orestituir quando exigido serácompelido a fazê-lo mediante prisãonão excedente a um ano, e ressarciros prejuízos.

Ora, colhe-se dos autos, f. 66,que o paciente livre eespontaneamente assumiu o auto dedepósito, obrigando-se a não abrir mãodo bem constrito, sem autorização doMM. Juiz, sob as penas da lei.

Todavia, instado a devolver obem penhorado que se encontrava emsua custódia, fez ouvidos moucos, oraalegando de forma ardilosa, comoconsta da inicial do presente writ, queo bem já se encontrava vendido paraterceiro, quando a bem da verdade oveículo continuava registrado em seunome perante o DETRAN e a rigor nempoderia vendê-lo em face da alienaçãofiduciária em favor do Banco FinasaS/A, ora tentando vendê-lo a terceirosno curso da execução, com o fito detornar inócuo o pagamento do créditotrabalhista alimentar.

A infidelidade do depósito estáestampada de forma patente nasinformações da d. autoridade reputadacoatora, quando afirma que em09.11.2006 o paciente SebastiãoEduardo Pedroso foi nomeadodepositário do veículo penhorado nosautos de n. 0135/2006, sendo que ditobem foi arrematado em 25.09.2007,não tendo sido possível ao exequentelocalizar o paradeiro do depositário. Nadata de 04.03.2008, em cumprimentoao mandado de entrega do aludidobem, a oficiala de justiça certificou aafirmação do depositário de que havia“repassado o veículo a outra pessoa eportanto não poderia entregá-lo“.

Finalmente, como consta doitem 4 das informações de f. 28,intimado pessoalmente em 19.03.2008a entregar o bem ou o correspondenteem dinheiro nos autos, no prazo de 48horas, sob pena de prisão civil peloprazo de 1 (um) ano, nos termos doart. 652 do CC c/c a Súmula n. 619 doSTF, enquanto não quitada a sua

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obrigação, o depositário quedou-seinerte, razão pela qual foi consideradoinfiel e determinada sua prisão, tudo,como visto, de forma lícita e escorreita.

III - CONCLUSÃO

Em face do exposto, conheço dapresente ordem de habeas corpus e,no mérito, denego-lhe provimento,ficando cassada definitivamente aliminar deferida à f. 21 verso destesautos, devendo ser emitido novomandado de prisão contra o paciente,para que o mesmo cumpra o restanteda prisão civil que lhe foi imposta.

Dê-se imediata ciência destadecisão à d. autoridade judicialreputada coatora, com remessa decópia de seu inteiro teor.

Fundamentos pelos quais,

O Tribunal Regional do Trabalhoda Terceira Região, pela sua QuartaTurma, à unanimidade, conheceu dapresente ordem de habeas corpus; nomérito, sem divergência, denegou-lheprovimento, ficando cassadadefinitivamente a liminar deferida à f.21 verso destes autos, devendo seremitido novo mandado de prisão contrao paciente, para que o mesmo cumprao restante da prisão civil que lhe foiimposta. Dê-se imediata ciência destadecisão à d. autoridade judicialreputada coatora, com remessa decópia de seu inteiro teor.

Belo Horizonte, 02 de julho de2008.

JÚLIO BERNARDO DO CARMODesembargador Relator

TRT-00596-2008-021-03-00-8-ROPubl. no “MG” de 11.10.2008

RECORRENTE: ELIDA BARROSORIOS DE AZEVEDO

RECORRIDAS: IMAGEM - CLÍNICA DERADIODIAGNÓSTICO LTDA. EOUTRA

EMENTA: AUXILIAR DERADIOLOGIA QUE TRABALHAEM CÂMARA CLARA E ESCURA -JORNADA REDUZIDA. A Lei n.7.394/85, que regulamenta aprofissão do Técnico emRadiologia, dispõe, em seu art.11, § 2º, serem aplicáveis asprevisões dessa legislação, noque couber, aos Auxiliares deRadiologia que trabalham comcâmara clara e escura, sendocerto que o seu art. 14preceitua, ainda, que “a jornadade trabalho dos profissionaisabrangidos por esta lei será devinte e quatro horas semanais”.No caso específico dos autos,restou incontroverso que aautora trabalhava como Auxiliarde Radiologia em câmara clarae escura. Por essa razão, olabor desempenhado pelareclamante insere-se naprevisão do dispositivo legal, oqual lhe estende o benefício dajornada reduzida. Tendo emvista que a obreira, no decorrerdo pacto laboral, cumpriajornada superior a quarenta eduas horas semanais, mereceser provido o apelo para lhedeferir as horas extrasvindicadas na peça de ingressoe os consequentes reflexos.

Vistos, relatados e discutidos ospresentes autos de recurso ordinário,

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interposto em face da r. sentençaproferida pelo MM. Juízo da 21ª Vara doTrabalho de Belo Horizonte, em quefiguram, como recorrente, ELIDABARROSO RIOS DE AZEVEDO e, comorecorridas, IMAGEM - CLÍNICA DERADIODIAGNÓSTICO LTDA. E OUTRA.

RELATÓRIO

A MM. Juíza Thatyana Cristina deRezende Esteves, em exercício na 21ªVara do Trabalho de Belo Horizonte, pormeio da r. sentença de f. 121/125,rejeitou a preliminar de ilegitimidadepassiva arguida pela segundareclamada (CLÍNICA RADIOLÓGICADR. PEDRO INÁCIO DIAS) e, no mérito,julgou improcedentes os pedidosformulados por ELIDA BARROSO RIOSDE AZEVEDO.

A reclamante insurge-se contraa r. decisão primeva, interpondo orecurso ordinário de f. 127/131.Assevera fazer jus ao recebimento dajornada reduzida prevista na Lei n.7.394/85, insistindo na condenaçãodas reclamadas ao pagamento dashoras extras vindicadas na peça deingresso.

As rés, nas contrarrazões de f.134/138, pugnam pelo desprovimentodo apelo.

Dispensada a remessa dosautos à PRT, uma vez que não sevislumbra interesse público capaz dejustificar a intervenção do Órgão nopresente feito (inciso II do art. 82 do RI).

É o relatório.

VOTO

Juízo de admissibilidade

Preenchidos os pressupostosde admissibil idade, conheço dorecurso.

Juízo de mérito

Auxiliar de Radiologia - Jornadareduzida

A petição inicial narra que aautora foi admitida pela primeirareclamada, Imagem - ClínicaRadiodiagnóstico Ltda., em 15.04.2005,como Auxiliar de Radiologia, edispensada em 19.03.2008. Declina,ademais, que a obreira, no exercíciodesse mister, ativou-se em “câmaraclara e escura, separando e dosandoprodutos químicos utilizados naprodução de filmes radiográficos;lavando e abastecendo osprocessadores com os produtosquímicos devidamente preparados;separados e dosados pela própriareclamante, bem como no processo derevelação e secagem de radiografias eno preparo dos pacientes a seremradiografados” - último parágrafo de f.03. A exordial esclarece ainda que,durante todo o período contratual, aautora exerceu as mesmas funçõespara a segunda reclamada, ClínicaRadiológica Dr. Pedro Inácio Dias,empresa do mesmo grupo econômico.Descreve, ademais, que as empresasrés olvidaram a aplicação do § 2º do art.11 da Lei n. 7.394/85, o qual limita ajornada do Auxiliar de Radiologia quelabora em câmara clara e escura a 24horas semanais, haja vista que areclamante cumpria carga horáriasemanal superior a 42 horas.

Assim, a obreira vindicou acondenação das reclamadas aopagamento de 3.382,50 horas extras,com reflexos nas parcelasindividualizadas às f. 04/05.

A contestação apresentada pelaprimeira ré, Imagem - ClínicaRadiodiagnóstico Ltda., confirma asdatas de admissão e dispensa que

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foram descritas na inicial, assim comoconfirma o trabalho exercido emcâmara clara e escura (f. 34). Por outrolado, informa que a autora, nodesempenho desse mister, não estavasujeita à radiação.

A peça de resistência formuladapela segunda reclamada, ClínicaRadiológica Dr. Pedro Inácio Dias,informa que, no período de trabalhodescrito na inicial, a reclamante não lheprestou serviços.

A d. Juíza de origem, ao julgar ademanda, asseverou que a jornadareduzida prevista na Lei n. 7.394/85 temcomo objetivo teleológico o resguardoda saúde dos trabalhadores quelaboram diretamente na sala de raio X,disparando o aparelho e expondo-se àradiação de forma contínua eininterrupta. Considerou, por outrolado, que a obreira não demonstrou oseu enquadramento a essa situaçãofática, salientando que não foirequerida perícia e tampouco foramouvidas testemunhas. Assim, julgouimprocedentes todos os pedidosiniciais, reputando prejudicada, porconseguinte, a apreciação de eventualresponsabilidade da segunda ré.

A reclamante, inconformadacom o decisum, argumenta que oexercício da função de Auxiliar deRadiologia em câmara clara e escurarestou incontroverso nos autos, sendodespicienda, portanto, a produção dequalquer prova relativa à operação doaparelho de raio X. Afirma que a r.sentença é frontalmente contrária aoque dispõe o art. 11 da Lei n. 7.394/85.

Assiste-lhe razão.A Lei n. 7.394/85 regulamenta a

profissão do Técnico em Radiologia,considerando como tal aqueletrabalhador que execute técnicaradiológica, no setor de diagnóstico;técnica radioterápica, no setor de

terapia; técnica radioisotópica, no setorde radioisótopos; técnica industrial, nosetor industrial e técnica de medicinanuclear (art. 1º). O seu art. 11, § 2º,dispõe serem aplicáveis as previsõesdessa Lei, no que couber, aosAuxiliares de Radiologia que trabalhamcom câmara clara e escura, sendocerto que o art. 14 preceitua, ainda, que“A jornada de trabalho dos profissionaisabrangidos por esta Lei será de vinte equatro horas semanais.”

Pois bem.Confrontando-se os termos da

inicial e da defesa apresentada pelaprimeira ré, impõe-se concluir serincontroverso que a autora trabalhavaem benefício dessa empresa comoAuxiliar de Radiologia em câmara clarae escura. Por essa razão, o trabalhodesempenhado pela reclamanteinsere-se na previsão do § 2º do art. 11da Lei n. 7.394/85, o qual lhe estendeo benefício da jornada reduzidaestabelecida em seu art. 14, de 24horas semanais.

Data venia do entendimentoexposto na r. sentença, não seapresenta correto limitar a incidência dopredito art. 14 àqueles trabalhadoresque laboram diretamente na sala deraio X, disparando o aparelhoradiológico. Ora, essa atribuição deveser desempenhada exclusivamentepelo Técnico em Radiologia, nãopodendo ser delegada ao seu Auxiliar,sob pena de desvio funcional. Nessemesmo sentido, aliás, dispõe o art. 3ºda Resolução n. 04/2005 do ConselhoNacional de Técnicos em Radiologia,transcrita pelas rés à f. 137.

Não se pode olvidar, por outrolado, de que a interpretação sistemáticada Lei n. 7.394/85 autoriza concluir quea jornada reduzida, de 24 horassemanais, foi estabelecida não apenasem benefício do Técnico de Radiologia,

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mas também de seu Auxiliar, desde queeste trabalhe em câmara clara e escura,tal como fazia a reclamante. Esclareça-se: caso a jornada descrita no art. 14 daLei n. 7.394/85 fosse prevista apenaspara os Técnicos em Radiologia, olegislador teria inserido nessedispositivo a mesma restrição que fezno art. 16, limitando o direito alipreceituado apenas aos trabalhadoresque executem as atividades descritasno art. 1º daquele Diploma Legal, ouseja, aos Técnicos, excluindo, dessaforma, os Auxiliares. Considerando queessa restrição não consta do art. 14,conclui-se que a autora, por exercer afunção de Auxiliar de Radiologia emcâmara clara e escura, deveria tercumprido jornada de 24 horassemanais.

Cumpre ressaltar, ademais, queo fato de a reclamante não operar,diretamente, o aparelho de raio X nãoautoriza concluir pela ausência decontato com radiação, eis que,consoante esclarecido na inicial e nadefesa da primeira ré, ela efetivamenteauxiliava o Técnico de Radiologia,preparando pacientes, participandoativamente da produção de filmesradiográficos, sendo lógico concluir,portanto, que possuía amplo acessoaos locais em que permaneciam osequipamentos emissores desseagente prejudicial à saúde.

Sabidamente, a radiação éaltamente lesiva, não sendo por outromotivo que o legislador, ao instituir o §2º do art. 11 da Lei n. 7.394/85,beneficiou os Auxiliares de Radiologiaque laborem com câmara clara eescura, criando uma presunção legalde que tais trabalhadores, em virtudedo local de trabalho, sofrem os efeitosdaquele agente nocivo. Sendo assim,a interpretação teleológica suscitadana r. sentença não conduz ao

afastamento do direito obreiro aorecebimento das vindicadas horasextras.

Nesse contexto, sendoincontroverso que a reclamantelaborava como Auxiliar de Radiologiaem câmara clara e escura, necessáriopresumir-se que, em razão dessemister, embora não operasse oaparelho de raio X, ficava exposta aalgum nível de radiação. Tal presunção,decorrente de norma legal expressa, écorroborada pelos elementos fáticosque constam do caderno processual,tendo em vista que a reclamanterecebia adicional de insalubridade,quitado no importe de 40% do salárioda categoria (vide penúltimo parágrafode f. 34). Não há dúvidas, portanto, deque a obreira trabalhava exposta aalgum agente nocivo à sua saúde, oqual, entretanto, de forma conveniente,não foi identificado pela defesa.

À luz de todo o exposto, conclui-se que a reclamante deveria ter-sesubmetido à jornada de 24 horassemanais, nos termos do art. 14 da Lein. 7.394/85. Sendo incontroverso queesse limite foi ultrapassado, ela faz jusao recebimento de horas extras, assimconsideradas as que excederem da24ª hora semanal, com reflexos emRSRs, aviso prévio, férias acrescidasdo terço constitucional, 13º salários eFGTS + 40%.

Indeferem-se, por outro lado, ospretendidos reflexos de horas extras noseguro-desemprego, considerandoque a reclamante não demonstrou,como lhe competia, ter recebido essebenefício. Merece ser ressaltado que opagamento do seguro-desempregoestá vinculado a uma série derequisitos, como, por exemplo, o fato deo requerente estar desempregado, nãosendo possível a este juízo presumir,sem qualquer amparo probatório, que

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a autora efetivamente reuniu todas ascondições para o recebimento dessebenefício. Dessa forma, os “reflexosdas horas extras no seguro-desemprego”, pleiteados no item 3.8 dorol petitório de f. 05, merecem serindeferidos, por ausência de prova dofato constitutivo do direito obreiro.

A apuração do laborextraordinário deve observar os cartõesde ponto anexados aos autos, cujavalidade é inconcussa, sendo limitada,contudo, aos limites do pedido inicial(18,45 horas extras semanais e3.382,50 horas extras totais). Deverãoser observados: o adicionalconvencional previsto na cláusula 6ª (f.19) relativamente ao período devigência desse instrumento coletivo e,com relação ao período remanescente,o adicional de 50%; o divisor 120; osdias efetivamente trabalhados; aevolução salarial da obreira e a efetivaremuneração percebida mensalmente,com o cômputo de todas as parcelassalariais, inclusive do adicional deinsalubridade, conforme dispõe aSúmula n. 139 do C. TST.

A fim de evitar o enriquecimentoilícito, autoriza-se a dedução dasparcelas quitadas a idêntico título,conforme requerido em defesa.

Por derradeiro, cumpreasseverar que, à míngua decomprovação específica, ônus dareclamante, considera-se não verídicaa assertiva inicial de que asreclamadas pertencem a um mesmogrupo econômico, mesmo porque nãose provou qualquer labor à segundasuplicada, sendo, por isso,improcedente a solidariedadepretendida na postulação vestibular,excluindo-se, consequentemente, dalide, a segunda reclamada, ClínicaRadiológica Dr. Pedro Inácio Dias.

Provejo parcialmente.

CONCLUSÃO

Conheço do recurso e, nomérito, dou-lhe provimento parcial paracondenar a primeira reclamada a pagarà reclamante horas extras, assimconsideradas as que excederem da24ª hora semanal, com reflexos emRSRs, aviso prévio, férias acrescidasdo terço constitucional, 13º salários eFGTS + 40%. A apuração do laborextraordinário deve observar os cartõesde ponto anexados aos autos, sendolimitada, contudo, aos limites do pedidoinicial (18,45 horas extras semanais e3.382,50 horas extras totais). Deverãoser ainda observados: o adicionalconvencional previsto na cláusula 6ª (f.19) relativamente ao período devigência desse instrumento coletivo e,com relação ao período remanescente,o adicional de 50%; o divisor 120; osdias efetivamente trabalhados; aevolução salarial da obreira e a efetivaremuneração percebida mensalmente,com o cômputo de todas as parcelassalariais, inclusive do adicional deinsalubridade. Declaro, para finsprevidenciários, que as parcelasdeferidas possuem natureza salarial,exceto as verbas reflexas em avisoprévio indenizado, férias indenizadase FGTS + 40%. Invertidos os ônus dasucumbência, arbitro o valor dacondenação em R$10.000,00 (dez milreais), com custas no importe deR$200,00 (duzentos reais), a cargo daprimeira reclamada, excluindo-se dalide a segunda suplicada, ClínicaRadiológica Dr. Pedro Inácio Dias.

Fundamentos pelos quais,

O Tribunal Regional do Trabalhoda Terceira Região, em sessãoordinária da Oitava Turma, hojerealizada, julgou o presente processo

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e, preliminarmente, à unanimidade,conheceu do recurso; no mérito, semdivergência, deu-lhe provimento parcialpara condenar a primeira reclamada apagar à reclamante horas extras, assimconsideradas as que excederem da24ª hora semanal, com reflexos emRSRs, aviso prévio, férias acrescidasdo terço constitucional, 13º salários eFGTS + 40%. A apuração do laborextraordinário deve observar os cartõesde ponto anexados aos autos, sendolimitada, contudo, aos limites dopedido inicial (18,45 horas extrassemanais e 3.382,50 horas extrastotais). Deverão ser ainda observados:o adicional convencional previsto nacláusula 6ª (f. 19) relativamente aoperíodo de vigência desse instrumentocoletivo e, com relação ao períodoremanescente, o adicional de 50%; odivisor 120; os dias efetivamentetrabalhados; a evolução salarial daobreira e a efetiva remuneraçãopercebida mensalmente, com ocômputo de todas as parcelassalariais, inclusive do adicional deinsalubridade. Declarou, para finsprevidenciários, que as parcelasdeferidas possuem natureza salarial,exceto as verbas reflexas em avisoprévio indenizado, férias indenizadase FGTS + 40%. Invertidos os ônus dasucumbência, arbitrou o valor dacondenação em R$10.000,00 (dez milreais), com custas no importe deR$200,00 (duzentos reais), a cargo daprimeira reclamada, excluindo-se dalide a segunda suplicada, ClínicaRadiológica Dr. Pedro Inácio Dias.

Belo Horizonte, 01 de outubro de2008.

MÁRCIO RIBEIRO DO VALLEDesembargador Relator

TRT-01050-2005-056-03-00-5-ROPubl. no “MG” de 08.11.2008

RECORRENTES: 1 - SINDICATO DOSTRABALHADORES NASINDÚSTRIAS METALÚRGICAS,MECÂNICAS E DE MATERIALELÉTRICO DE TRÊS MARIAS2 - MINISTÉRIO PÚBLICO DOTRABALHO

RECORRIDA: VOTORANTIM METAISZINCO S.A.

EMENTA: AÇÃO CAUTELAR -PROCESSO PRINCIPALPENDENTE DE DECISÃODEFINITIVA - EXEQUIBILIDADEDA LIMINAR. De acordo com oartigo 807 do CPC, a medidacautelar conserva sua eficáciana pendência do processoprincipal, ou seja, até que adecisão da ação principaltransite em julgado. Assim, amera improcedência da açãonão implica automáticarevogação do ato concessivoda liminar, perecendo o seuobjeto somente após oprovimento definitivo quesubstitua a decisão de cautela.

Vistos, relatados e discutidosestes autos de recurso ordinário,oriundos da Vara do Trabalho de Curvelo,MG, em que figuram, como recorrentes,Sindicato dos Trabalhadores nasIndústrias Metalúrgicas, Mecânicas e deMaterial Elétrico de Três Marias eMinistério Público do Trabalho e, comorecorrida, Votorantim Metais Zinco S.A.,como a seguir se expõe:

RELATÓRIO

O MM. Juízo da Vara do Trabalhode Curvelo, pela r. sentença de f. 16.402-

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16.418, prolatada em 17.05.2007,rejeitou as arguições deimpossibilidade jurídica do pedido, deinépcia da inicial e de ilegitimidade ativaad causam do sindicato-autor, para, nomérito, declarando válido o acordocoletivo celebrado em 30.12.2004,legitimando o labor em turnosininterruptos de revezamento de oitohoras, julgar improcedentes os pedidosformulados na inicial, determinando quea reclamada, a partir da publicação dojulgado, cumpra o referido instrumentocoletivo e mantenha os trabalhadoressob aquele especial regime de trabalho,até a realização de nova assembleia ea conclusão de nova negociaçãocoletiva, sob pena de pagamento demulta diária de R$1.000,00.

Inconformado, o Sindicato dosTrabalhadores nas IndústriasMetalúrgicas, Mecânicas e de MaterialElétrico de Três Marias interpõerecurso ordinário às f. 16.428-16.453,suscitando, preliminarmente, nulidadeda sentença e de todo o processadoem decorrência de parcialidade da Ex.ma

Juíza prolatora, de cerceamento do seudireito de defesa e favorecimento daparte demandada, de acatamento delaudo de inspeção judicial eivado deirregularidades e de provimento ultra

et extra petita. No mérito, requer areforma e o acolhimento daspretensões contidas na peça deingresso, com antecipação de tutela ea implantação da jornada de seis horasem turnos ininterruptos derevezamento, sob pena de incidênciade multa diária.

Verifica-se às f. 16.458-16.469a oposição de suspeição da d.Magistrada monocrática, que, em31.05.2007, refutando a arguição,determinou o processamento emautos apartados e a suspensão dopresente feito, na exata forma disposta

no art. 151-A do Regimento Internodeste Tribunal (f. 16.471).

Recolhimento de custascomprovado à f. 16.470.

Prosseguimento determinado àf. 16.478 por Juíza substituta, comintimação da reclamada e do Parquet

para apresentação de contrarrazões (f.16.478).

Pedido de reconsideraçãoformulado pela empresa às f. 16.480-16.482 e denegado à f. 16.485,certificando-se à f. 16.486 a concessãode liminar em reclamação correicional,firmando o sobrestamento.

Contrarrazões pela VotorantimMetais Zinco S.A. às f. 16.489-16.529,com arguição preliminar de inadmissãodo apelo interposto, por extemporâneo.

Aditamento de recursoapresentado pelo autor em 15.04.2008,objetivando o reexame de decisão daEg. Terceira Turma deste Regional, quejulgou improcedente a suspeiçãoeriçada, com imputação de multas porlitigância de má-fé e oposição deembargos declaratórios (f. 16.537-16.542).

Conexão suscitada pelosindicato-recorrente às f. 16.544-16.545, com a apresentação dodocumento de f. 16.546-16.568, peloexame do apelo pela Eg. Quarta Turmado Tribunal.

Cópia da decisão proferida nosautos apartados da exceção desuspeição coligida às f. 16.574-16.580,com retomada dos atos e vista àreclamada e ao Ministério Público paracontrarrazões.

Manifestação da empresa às f.16.582-16.584, reiterando a respostajá apresentada e requerendo adistribuição do apelo à Eg. SextaTurma, em virtude de decisão proferidanos autos da ação cautelar incidentalde n. 00782/2006.

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Recurso ordinário interpostopelo Ministério Público às f. 16.594-16.622, acompanhado dosdocumentos de f. 16.626-16.656, comarguição preliminar de nulidade da r.sentença por inobservância de coisajulgada e dos limites da lide. No mérito,pela reforma e procedência dospedidos formulados na petição inicial.

Contrarrazões pela reclamadaàs f. 16.660-16.681, com a juntada dodocumento de f. 16.685-16.704.

Distribuição preventa em12.09.2008 (verso de f. 16.706) epedido de vista deferido à empresa à f.16.707, sem manifestação.

É o relatório.

VOTO

1. Admissibilidade

1.1. Não são dissidentes osinteresses manifestados nos recursosinterpostos pelo Sindicato dosTrabalhadores nas IndústriasMetalúrgicas, Mecânicas e de MaterialElétrico de Três Marias e peloMinistério Público do Trabalho; aorevés, têm perfeito ajustamento.

De início, então, determino sejaretificada a autuação, para que se façaconstar, como recorrida, apenas aVotorantim Metais Zinco S.A.

Ainda por pertinente, determinoo desentranhamento das folhas embranco de n. 534-543 (3º volume) e6.431 (32º volume), além de outrasassim coligidas aos autos, com arenumeração das folhassubsequentes.

1.2. Suscita a reclamada ainadmissão do recurso ordináriointerposto pelo sindicato-autor, pois ofoi anteriormente à decisão da exceçãode suspeição oposta contra juíza

prolatora, ou seja, antes mesmo deiniciada a contagem do prazo legal,caracterizando clara intempestividade(f. 16.492).

Discordo, d.v.

Referida exceção foi arguidadepois de proferida a sentença (datadade 17.05.2007), com o intuito de anulara atuação jurisdicional da Ex.ma Juízado Trabalho Vanda Lúcia Horta Moreira(f. 16.457-16.469), e não obstantetenha acarretado a suspensão do feito,na forma do art. 151-A do RegimentoInterno deste Regional, isso somenteocorreu em 31.05.2007 (f. 16.471),após a própria interposição do apelode f. 16.427-16.453 (em 25.05.2007).

Assim, penso que o reclamorecursal foi oportunamenteapresentado e, atendidos os demaissupostos legais de admissibilidade,intrínsecos (cabimento, legitimação,interesse e inexistência de fatoimpeditivo ou extintivo ao poder derecorrer) e extrínsecos (regularidadeformal, representação adequada erecolhimento de custas), dele conheço.

Exceção é feita, todavia, no queversa sobre nulidade fundada nasuspeição da julgadora (f. 16.422-16.440), por se tratar de matéria que jáfoi objeto de exame pela Eg. TerceiraTurma deste Regional, no leito daquelaexceção proposta, cabendo ao autor,se assim o desejar, alegá-lanovamente no recurso que couber dadecisão final (§ 2º do art. 799 da CLT).

Elementar que a atribuiçãodeste Órgão Julgador é a de reexamedo decidido pelo Primeiro Grau -continuação da instância; competênciaderivada -, e não de rever decisõesexaradas no mesmo grau jurisdicional.Efetivamente, não pode o autor, nomesmo grau de jurisdição, obter novaapreciação de sua pretensãoexpressamente refutada.

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Nessa esteira, também éincabível o aditamento de f. 16.537-16.542.

1.3. Conheço do recursoordinário apresentado pelo Parquet àsf. 16.595-16.622 (§ 2º do artigo 499 doCPC e artigo 127 da Carta Magna), bemassim dos documentos a eleanexados e coligidos às f. 16.623-16.656, já que posteriores à decisãorecorrida (Súmula de n. 8 do C. TribunalSuperior do Trabalho).

2. Mérito

2.1. Questões de ordem

2.1.1. Existe ação conexaproposta posteriormente ao caso sub

judice, processo de n. 00782-2006-056-03-00-5, com recurso ordináriodistribuído à Eg. Turma em 29.05.2007,conforme noticiado à f. 16.706.

Assim, preventa é a competênciadeste Órgão Julgador e haveráapreciação simultânea dos apelos,impondo-se que se traslade cópia desteacórdão para o referido processo.

2.1.2. Afasto, de outro lado, aprevenção aventada pelo autor às f.16.544-16.545, envolvendo os feitos den. 00159-2005-056-03-00-5 e 00229-2005-056-03-00-5, por se tratar deações findas (recursos ordinários jájulgados pela Eg. Quarta Turma),insuscetíveis, portanto, de ensejaralteração na distribuição, na exataforma da Súmula de n. 235 do C.Superior Tribunal de Justiça.

2.1.3. As matérias postas nosrecursos estão intimamente ligadas,especialmente no tocante ao mérito,motivo pelo qual serão objeto deexame conjunto.

2.2. Arguições preliminares

2.2.1. Arguição de nulidadefundada em cerceio de defesa -Indeferimento de provas -Parcialidade do juízo e violação doprincípio isonômico - Matériascomuns aos recursos

Diz o sindicato-recorrente decerceio de defesa e quebra do princípioda isonomia, requerendo a nulidade dasentença e de todos os atos praticadosapós o retorno da carta precatória, comdevolução dos autos à origem parareabertura da instrução processual eprodução da prova oral obstada. Alegaque, apercebendo-se que não estavamsendo considerados os elementosdisponibilizados nos autos, inclusive osapresentados pelo Ministério Público,acerca de coação dos trabalhadorespara manutenção dos turnosininterruptos de oito horas, clamou pelaoitiva de testemunhas, o que restoudeferido, sendo expedida, inclusive,carta precatória para a colheita dedepoimento de “assessor jurídico”indicado pela empresa. Entretanto, naaudiência de f. 16.192, alterou a e.Magistrada a sua orientação e indeferiua oitiva das testemunhas que haviaarrolado, fundamentando que era dedireito a matéria discutida. Mais graveainda, eis que, posteriormente, passoua receber em seu gabineteempregados conduzidos pelareclamada com o objetivo de fazer valeras suas alegações, tudo sem a suapresença ou de seus procuradores, e,agindo como “verdadeira advogada daempresa”, acatou “suposto pedido da10ª Subseção da OAB/Curvelo parareceber abaixo-assinados detrabalhadores a realizar também uma‘suposta’ audiência pública” (sic);baixou o feito “em diligência

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PROCRASTINATÓRIA” para determinara juntada de “documentos estranhos àlide”; “sem qualquer melindre ouinibição”, promoveu inspeção judicial apedido da recorrida, tudo, enfim, amacular o processo, com evidenteafronta aos postulados dos incisos LIVe LV do art. 5º da Constituição Federal(f. 16.440-16.443).

Também o Ministério Públicoentende irregulares - inusitados - osatos constantes dos autos, envolvendoaudiência pública e inspeção (f.16.600-16.602).

O caso é sumamente peculiar ea instrução do feito efetivamente nãoocorreu de forma tranquila, mas todosos incidentes foram solucionados deforma satisfatória e não existe qualquerrazão para o acolhimento da nulidadesuscitada. Interessante, aliás, que opróprio arguente, em mais de umapassagem, destaca a indubitabilidadedos fatos da lide (f. 16.449, por exemplo),pelo que não pode alegar subversão daordem processual pelo fato de ter sidoindeferida a oitiva de testemunhas.

Lembre-se de que oordenamento jurídico não impõelimitação ao exercício do poderinstrutório do juiz, a quem não é dadodispor do dever de descobrir e definir amelhor solução imposta pelos fatosdentro do critério genérico da lei, pordecorrer do princípio do juiz natural aindeclinabilidade da paga do débitojurisdicional. E eventuaisequivocidades na condução doprocesso não implicam, de pronto,nulidade e, tampouco, sugereminteresse no destino da causa.

Adentrando, mais, a questãorelacionada com a garantia deimparcialidade, não posso deixar dereportar a excertos do v. aresto de f.16.574-16.578, que decidiu asuspeição suscitada:

O excipiente não indicou na petiçãoinicial, objetivamente, qualquerdádiva recebida pela excepta ou oaconselhamento das partes ouaonde estaria o seu interesse nojulgamento da causa em favor daparte contrária.O único comportamento alegadocomo ensejador da parcialidade damagistrada teria ocorrido nainspeção judicial realizada no dia 7de maio de 2007, conforme ata de f.176-182.Ao contrário do mencionado napetição inicial, o sindicato e seuprocurador participaram ativamenteda inspeção, como se observa dasmanifestações de f. 176 e 181,lançadas no próprio texto dainspeção judicial.A inspeção judicial ocorreu no dia 7de maio de 2007 e a exceção desuspeição somente foi protocoladano dia 21 de maio de 2007, quando oprazo recursal estava em trâmite,após a improcedência do pedidoinicial.[...]Ora, se a inspeção judicial ocorreucom a presença do sindicato e deseu procurador, o mesmo deverianaquela mesma oportunidade arguira suspeição e não simplesmenteaguardar o desfecho da lide.Veja-se, também, que o sindicatoaceitou a juíza aqui recusada nahomologação do acordo de f. 496,ocorrido em 31 de maio de 2007.Some-se a tudo isso a edição extrada “Folha do Zinco” em que osindicato suscitante, dirigindo-seaos integrantes de sua categoriaprofissional, declarou,textualmente, que: “No dia08.05.2007, durante audiência deação proposta pelo Sindicatovisando anulação dos acordos de

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PPR, realizados sem a participaçãoda entidade sindical, dos anos de2003 a 2006, a Juíza do Trabalhode Curvelo, sensibilizada com asituação vivida pelos trabalhadorese após ouvir os representantes daempresa e do Sindicato,apresentou uma proposta deconcil iação às partes, visandosolucionar o processo de horasextras e acabar com a malfadadafixação dos horários” (f. 157).Ou seja, de forma clara, mesmo apóso incidente alegado como ensejadorda parcialidade da juíza, o sindicatoaceitou a participação da magistradaem audiências.Relativamente à audiência pública naqual a MM. Juíza atendeu váriostrabalhadores, participou da mesmao ilustre Presidente da 10ªSubseção da OAB local, o qualindicou a lisura no procedimento,conforme ofício de f. 231.Analisada a prova testemunhalproduzida neste incidente desuspeição, temos que Valdeci,ouvido à f. 574, mencionou que “ajuíza deixou todos os empregadostranquilos para prestarem odepoimento, não tendo havido porparte da mesma nenhum tipo depressão”.O depoimento do Dr. Antônio Carlosse limitou a relatar o trâmite dainspeção, salientando a presençado sindicato e de seu advogado aofinal, para a leitura da diligência (f.610).Diante de todos os elementosconstantes dos autos, verifica-seque não foi demonstrado qualquerfato ensejador da suspeiçãoarguida, ficando claro o intuitomeramente protelatório e temeráriodo incidente processual suscitadopelo sindicato.

O destaque é com a intençãodirigida a fazer entender que o caso éde juízo competente, não impedido enão suspeito - juízo imparcial - ,também não se verificando o alegadocerceamento de defesa.

Arguição rejeitada.

2.2.2. Arguição de nulidadefundada em laudo de inspeção judicialinválido - Recurso interposto pelosindicato-autor

Também alega o sindicato-recorrente que foi impedido departicipar da inspeção judicial e quesomente teve acesso ao laudorespectivo após a prolação dasentença, donde apresentaimpugnações no sentido de não teremsido ouvidos membros da CIPA, nãoterem sido verificadas as condiçõesde saúde e segurança dostrabalhadores e de não ter sidoquestionada a atual situação dajornada de trabalho, como era opropósito inicial, tendo a d. Julgadoraultrapassado “todos os limites daparcialidade e da legalidade”. Trata-se, assim, de ato nulo, na forma doart. 442 do CPC, o que maculatambém a sentença proferida,devendo ser determinada a reaberturado procedimento probatório oujulgada procedente a ação, com aconcessão, inclusive, de tutelaantecipada, dada a urgência damatéria debatida (f. 16.443-16.446).

Caso de nulidade não seria,mas tão-somente de reforma dadecisão, pois é amplo efeito devolutivolegalmente conferido ao recursoordinário.

Trata-se, ademais, de elementosem importância para o deslinde doconflito, como se verá.

Nada, de igual, a prover.

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2.2.3. Arguição de nulidadefundada em inobservância de coisajulgada - Recurso interposto peloMinistério Público

Argumenta o Ministério Públicodo Trabalho que, na ação coletivaanterior, o juízo se manifestou de formaexpressa sobre a nulidade do últimoacordo coletivo celebrado e da própriaassembleia que lhe deu origem, dianteda exuberante coação sofrida pelostrabalhadores, donde não poderia a d.Julgadora reapreciar a matéria,implicando o julgamento proferidoclara afronta aos artigos 836, caput, daCLT, 471, caput, do CPC, e 5º, XXXVI,da Constituição Federal (f. 16.598-16.600).

A hipótese, de igual, seria deerror in judicando, que enseja reforma,e não a nulidade do julgado.

Afasto também essa arguição.

2.2.4. Arguição de nulidadefundada em provimento ultra et extra

petita - Ponto comum aos recursos

Também alega o Sindicato dosTrabalhadores nas IndústriasMetalúrgicas, Mecânicas e de MaterialElétrico de Três Marias que a espécieé de decisão ultra e extra petita, poisjulgados improcedentes os pedidosiniciais e determinado o cumprimentode acordo coletivo que não foi sequerespecificado, para a manutenção dostrabalhadores nos turnos derevezamento de oito horas, sob penade pagamento de multa “para a própriaempresa” (f. 16.446-16.448).

A increpação é compartilhadapelo Ministério Público, que indicadanos à coletividade dos trabalhadoresrepresentados pelo autor e violação aoart. 460 do CPC (f. 16.602-16.603).

Assente na doutrina que o

julgamento extra et ultra petita, quandopuder ser adequado aos limites da lide,com o decote do excesso, não acarretaa nulidade da decisão.

Assim, o mérito da questão seráanalisado.

2.3. Turnos ininterruptos derevezamento - Acordo coletivo -Eficácia - Alteração para turnos fixos

Narram os autos que, a partirde 1998, mediante a celebração deacordo coletivo, foram implantados naárea de produção da reclamada, nasseções auxiliares e noutros setoresafins, os denominados turnosininterruptos de revezamento, emescalas de oito horas, com quatroturmas de trabalho. Referido ajuste foirenovado nos anos de 2000 e 2002,sempre com prazo de eficácia “no limitedo art. 614, § 3º, da CLT”, o último delescontado “a partir de 04 de dezembrode 2002, sendo de imediataprorrogação pela denúncia das partescom antecedência mínima de 30 dias”(cláusula 8ª; f. 122). Consta, ainda,deste último instrumento a obrigaçãode pagamento do denominado“adicional de turno”, no equivalente a6% da remuneração do empregado,exigível mensalmente, enquantopermanente o “trabalho realizado emturnos ininterruptos”, não computadas,em contrapartida, as sétima e oitavahoras trabalhadas diariamente comoextraordinárias (cláusula 1ª, §§ 1º e 3º;f. 123). Devida, mais, parcelaindenizatória única, no valor deR$1.500,00, para todos ostrabalhadores em ativação no especialregime, assegurado o pagamentoproporcional para os admitidos em dataposterior à negociação ou submetidosaos turnos eventualmente, à razão de1/24 da indenização por mês

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trabalhado (cláusula 6ª; f. 124-125).Viável, por fim, a compensação de“eventual excedimento” (cláusula 2ª, §2º; f. 124), com garantia de fruição deintervalo alimentar de 60 minutos, jácomputado na jornada de oito horas,sendo, assim, remunerado pelaempresa (cláusula 4ª, § 1º; f. 124).

Alegando, entretanto,necessidade de amenizar as agrurasexperimentadas pelos empregadosem função do labor em turnos de oitohoras, vitimados, sobremaneira, pordoenças de origem ocupacional, sempossibilidade, sequer, de afastamentodo trabalho, promoveu o sindicato-autor assembleia geral extraordináriaem 31.10.2004, para deliberações arespeito do retorno aos turnosininterruptos de seis horas, comrestabelecimento de uma quinta turmade trabalho. E a ata respectiva, juntadaàs f. 117-118, indica que, medianteaprovação “por 117 votos a favor, 85votos contra, 01 voto nulo e 35 votosem branco”, a categoria deveria “lutarpelo retorno do turno de 06 horas com05 turmas”, sendo que, “na votaçãoseguinte, 139 votos responderamafirmativamente, 60 votosresponderam negativo, 01 voto nulo e38 votos apresentaram em brancoquando a pergunta foi se, na avaliaçãodo trabalhador, o turno derevezamento... era responsável pelosurgimento de doenças...”. Decidiu-se,então, pela denúncia do acordo coletivoem vigor, o que se cumpriu deimediato, sendo comunicados aempresa (f. 108) e o Ministério doTrabalho (f. 109-110).

Elementar que o impasse seinstalou de forma contundente,obrigando a intervenção do próprioMinistério Público, que já respondia àsquestões de saúde e segurança dotrabalho, objeto do Procedimento

Investigatório de n. 479, de 2002. Semêxito, entretanto (f. 134-137), e finda aeficácia do acordo coletivo,implementou a reclamada-recorrida,como alternativa, o labor em turnos fixosde oito horas, a partir de 04.12.2004 (f.397), gerando cabal insatisfação dostrabalhadores. Esse, aliás, era o temorgeral, tanto assim que vários deles -mais de sessenta -, antes mesmodaquele marco, ajuizaram,conjuntamente, ação cautelar peranteo MM. Juiz de Direito da Comarca deTrês Marias, objetivando compelir osindicato profissional a realizarassembleia a fim de discutir a propostaque teria sido apresentada pelaempresa e, em sendo aprovada, afirmar o acordo coletivo, justamentepelo receio da fixação de turnos fixos.E a decisão, ao final proferida, indica:

Neste contexto, estou convencidode que o receio da fixação de turnosfoi a causa determinante para queos requerentes e outrostrabalhadores defendessem amanutenção do regime de turnosininterruptos de revezamento atéentão vigente, o que, aliás, se extraidos próprios termos da inicial.Nesse sentido, é de se observar queo requerente Osvaldo Carvalho sepreocupou apenas com aspropostas financeirasapresentadas, conforme se extraido seu depoimento, descartando,pois, à evidência, o labor em regimede turnos fixos, em relação ao qualnão se cogitou em propostasfinanceiras.Por sua vez, o requerente MárioLúcio declarou, em depoimento, quevotou contra a proposta de turnoininterrupto de 6 (seis) horas,porquanto “muito corrido”, semintervalo para refeição.

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A seu turno, o requerente AntônioCarlos afirmou que manifestou a suapreferência pelo turno derevezamento de oito horas ante amanifestação do supervisorconsistente na fixação de turno em8 (oito) horas se aquele turno nãofosse mantido.É interessante observar, por outrolado, que a testemunha Oziel Dyllesevidenciou as desvantagens doturno fixo, o que deixa evidenciadoque também é contra o labor emregime de turnos fixos, externandoa sua preferência pelo regime derevezamento de 8 (oito) horas emrelação ao regime de revezamentode 6 (seis) horas, concentradas namaior quantidade de folgas e namaior remuneração.Ainda que se possa admitir que ostrabalhadores visualizam outrasvantagens no regime adotado, ocerto é que o receio de labor emturnos fixos sobressai dos autos deforma evidente, exercendo inegávelpressão psicológica sobre a maioria(senão todos) dos trabalhadores. (f.469)

Fato é que, através da referidaação, obtiveram os trabalhadores aconcessão de liminar assegurando arealização de assembleiaextraordinária para tratar do assunto, oque se concretizou no dia 18.12.2004,com aprovação, por maioria de votos,da proposta de manutenção dos turnosde revezamento de oito horas, comquatro turmas, e pagamento de umabono de R$2.500,00, do adicional deturno de 6% e de mais vinte horasmensais (f. 113-116). E o acordocoletivo foi firmado pelo sindicato-autorem 30.12.2004, também emcumprimento de decisão judicial, paravigorar pelo prazo de dois anos,

“contados a partir de 03 de janeiro de2005” (data designada para retorno aosturnos ininterruptos de revezamento deoito horas, cf. cláusula 1ª, à f. 119),ocorrendo “imediata prorrogação pelanão denúncia das partes comantecedência mínima de 30 dias”(cláusula 7ª, à f. 121). Foi novamenteestabelecido o pagamento do adicionalmensal de 6%, calculado sobre aremuneração do trabalhador, sob arubrica de “adicional de turno”, bemassim de “20 (vinte) horas normaismensais incluídas na jornada normalde trabalho”, tudo enquanto prevalenteo trabalho em turnos ininterruptos(cláusula 1ª, § 1º; f. 119). Definidascomo normais as sétima e oitava horastrabalhadas diariamente (cláusula 1ª,§ 3º; f. 119), com manutenção da práticacompensatória (parágrafo único dacláusula 2ª; f. 120) e do intervaloalimentar de 60 minutos, não acrescidoà jornada do trabalho e remuneradopela empresa (cláusula 4ª; f. 120).Fixado, ainda, o pagamento de parcelaindenizatória única de R$2.500,00,inclusive para os trabalhadoresadmitidos posteriormente outransferidos para os turnos derevezamento, à razão de 1/24 por mêstrabalhado no especial regime(cláusula 6ª; f. 120-121).

Dessa forma, deu-se o retornodo “revezamento de turno à 0h do dia03.01.2005” (f. 405), situação essa quepermaneceu inalterada, ao que se temnotícia até dezembro de 2006, quandoa empresa, à míngua de novo acordocoletivo, voltou a fixar “os turnos em08h/dia, cancelando o revezamento” (cf.recurso interposto pelo sindicato-autor;f. 16.431).

Pois bem. Pela inicial, pleiteouo Sindicato dos Trabalhadores nasIndústrias Metalúrgicas, Mecânicas ede Material Elétrico de Três Marias,

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l iminarmente, “...determinação documprimento da jornada de trabalhodos... substituídos garantidaconstitucionalmente, qual seja, 6 horasdiárias, sob pena de pagamento demulta diária...”, com a condenação darequerida, “confirmando-se o pedido deantecipação de tutela, a manter ajornada diária de todos os seustrabalhadores em 6 horas diárias, sobpena de multa”, arcando, ainda, com opagamento “dos valores referentes àshoras extras efetuadas a partir de 04de dezembro de 2004, calculadas como divisor 180 horas, com adicional de50% para as 6ª e 7ª horas e adicionalde 80% para as excedentes da 8ª hora”,observados os reflexos decorrentesnos repousos semanais, no FGTS, nos13º salários, nas férias acrescidas doterço constitucional e em parcelasrescisórias, acaso existentes, comintegração, ainda, das extraordináriasà remuneração dos substituídos epagamentos das diferenças salariaisdaí resultantes ou, sucessivamente, aconcessão de indenização, na formada Súmula de n. 291 do C. TribunalSuperior do Trabalho, tudo comacréscimo de juros, correçãomonetária e honorários assistenciais(f. 11-12).

A d. Julgadora indeferiu todas aspretensões deduzidas e ordenou, deimediato, a manutenção dostrabalhadores nos turnos de oito horasde revezamento, até a realização denova assembleia e consequentecelebração de novo instrumentocoletivo, sob pena de arcar a empresacom o pagamento da multa diária noimporte de R$1.000,00. Fundamentou,a partir das provas produzidas nosautos e, muito especialmente, dainspeção relatada às f. 16.394-16.400,que o referido regime constitui a efetivavontade dos empregados, não

havendo sequer indícios da coaçãoalegada pelo sindicato-autor, que,apenas “por pura teimosia, não procuraratificar o já convencionado por anos afio”. Destacou, ainda, a força vinculantedas normas coletivas, não havendo,assim, supedâneo legal para odeferimento das horas extras,postulação, aliás, que já não serevelaria viável diante dos efeitos ex

nunc de uma eventual declaração denulidade (f. 16.411-16.417).

O sindicato-recorrente, aosargumentos anteriores, acrescenta quenão há como prevalecer a tese de queo acordo coletivo firmado em30.12.2004, por força de decisãoliminar, está em vigor, também nãosendo concebível a ideia deprorrogação do instrumento de 2002,denunciado em 2004. Assim, carece derespaldo o sistema de trabalho adotadoe cuja aplicação restou determinadapela d. Julgadora “no exercício deadvocacia empresarial”, devendoprevalecer, ademais, a condição maisbenéfica para os empregados, qualseja, a de labor em turnos de seishoras (f. 16.448-16.453).

Na mesma esteira, o recursointerposto pelo Parquet, que insisteque não se pode reconhecer a validadede pactuação anulada através dedecisão judicial anterior e que não hácomo considerar a consulta feita aostrabalhadores nas aludidas inspeçãojudicial e audiência pública (f. 16.603-16.622).

Efetivamente, descabe, nestefeito, qualquer discussão acerca devalidade do acordo coletivo de f. 119-122, que foi celebrado em 30.12.2004- para vigorar durante dois anos, a partirde 03.01.2005 - por força de liminarobtida pelos trabalhadores junto aoEx.mo Juiz de Direito da Vara Cível daComarca de Três Marias, que

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assegurou não só a realização deassembleia para deliberaçãoespecífica sobre a continuidade ou nãodo sistema de turnos ininterruptos deoito horas como, em tendo sidoaprovada a proposta apresentada pelaempresa (f. 113-116), determinou aassinatura, pelo sindicato profissional,do referido instrumento. E os efeitosde tais decisões vêm sendo discutidosnaqueles autos, indicando osdocumentos apresentados pelaspartes que foram suspensos peloextinto Tribunal de Alçada do Estado deMinas Gerais e pelo Eg. Tribunal deJustiça do Estado de Minas Gerais,tendo este declinado, também, dacompetência para esta Especializadapara o exame da matéria, tudo em razãode agravo de instrumento interpostopelo então sindicato-requerido (cf.relatado às f. 459-460). E, concretizadaa remessa do feito à Justiça doTrabalho (processo n. 00159/2005), foiproferida decisão em 22.11.2005,“tornando sem efeito a liminar deferidae reconhecendo e declarando aineficácia jurídica de todos os atospraticados em decorrência daquelamedida liminar” (f. 472).

Em sua fundamentação,ressalvou o d. Juízo trabalhista aausência de “prova firme einsofismável” acerca de nexo decausalidade entre “as patologias dasquais diversos empregados daempresa” seriam portadores e asatividades profissionais desenvolvidas,tampouco que seriam elas decorrentes“da jornada de trabalho cumprida noregime de turnos ininterruptos atéentão vigente” (escalas de oito horas).Destacou, ainda, a ausência, “paraefeitos de reflexos na saúde esegurança dos trabalhadores, designificativa diferença entre o regimede turnos ininterruptos de revezamento

de 6 (seis) horas diárias”, queassegurava “ao trabalhador o direito deintervalo intrajornada de 15 (quinze)minutos, e o regime de turnosininterruptos de revezamento de 8 (oito)horas diárias antes negociado...,porquanto na jornada de 8 (oito) horas”já se encontrava “computado ointervalo intrajornada de 1 (uma)hora..., além de intervalo para ginásticalaboral de 10 (dez) minutos, conformedeclarado pelo Presidente” dosindicato, “ou de 15 (quinze) a 20 (vinte)minutos, conforme informado pelatestemunha”, o que implicava reduçãodo “efetivo labor diário para 6 horas e40 minutos, 6 horas e 45 minutos ou 6horas e 50 minutos” (f. 465). Concluiu,entretanto, na linha de parecerapresentado pelo Ministério Público,que teria havido “coação psicológica emoral exercida pelos representantesda empresa..., capaz de macular a livree espontânea manifestação de vontadedos trabalhadores, a evidenciar,portanto, vício de consentimento nosatos até então praticados” (f. 466), justona ameaça de “proceder à fixação deturnos, caso não renovado o acordocoletivo”, além de ter facilitado “amobilização dos trabalhadores, atravésda disponibil ização de ônibus”,viabilizando os deslocamentos até oslocais de reunião e até a sede dosindicato (f. 467-468). Daí, julgouimprocedentes os pedidos iniciais etornou “sem efeito a medida liminardeferida”, declarando, expressamente,“a ineficácia jurídica de todos os atospraticados em decorrência daconcessão daquela medida liminar” (f.471).

Relevante que, na ação principalajuizada (processo n. 00229/2005),pleitearam os trabalhadores areparação de danos morais e materiaisdecorrentes da resistência revelada

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pelo sindicato-requerido, obrigado,ainda, a respeitar a decisão soberanada assembleia do dia 18.12.2004 e opróprio acordo coletivo celebrado em30.12.2004, mas não obtiveramsucesso, pelos mesmos fundamentosanteriormente expostos (f. 488-505).

Referidas decisões foraminteiramente confirmadas pela Eg.Quarta Turma deste Regional, atravésdos v. acórdãos de f. 16.049-16.058(processo n. 00159/2005) e 16.059-16.070 (processo n. 00229/2005), esteúltimo assim ementado:

SINDICATO - ATRIBUIÇÕES -ACORDO COLETIVO DE TRABALHO- RECUSA - VÍCIO DECONSENTIMENTO DE MEMBROS DACATEGORIA PROFISSIONAL -LIBERDADE - COAÇÃO MORAL. Osindicalismo não sobrevive a pelomenos uma contradição existencial:a falta de representatividade dosreais e autênticos interesses dacategoria. O Sindicato é o ente denatureza coletiva, que representadeterminada categoria profissionalou econômica, sempre porcontraposição, mas com idênticafinalidade de defesa dos interessescoletivos próprios dos respectivosrepresentados, sem qualquerinterferência negativa de gruposinternos ou externos. Em se tratandode sindicato da categoriaprofissional, sua finalidade precípuaé a luta pela melhoria das condiçõesde trabalho, nas quais se inseremreivindicações de ordem econômicae social, sempre com o fito de realçara dignidade humana naquilo que temde mais distintivo entre os seresvivos: sua força psicofísicalaborativa, com a qual agregavalores à matéria-prima para ofornecimento de bens e serviços

para uma sociedade de consumo.Assim, a entidade sindical é adefensora das ideias e dos ideais,dos anseios e das aspirações, dossonhos e da realidade, das lutas edas conquistas, resultantes dasíntese majoritária da vontade dacategoria, que, em princípio, sepresume livre por parte dosindivíduos que a compõem. No casodos autos, a liberdade dos membrosda categoria profissional emcontraposição à empresa não serevelou escorreita, regular, límpida.Ao revés, padeceu de vício deconsentimento, consubstanciado nacoação moral. Caio Mário da SilvaPereira ensina que existem duasmaneiras de se obrigar o indivíduo apraticar um ato jurídico: pela violênciafísica, que resulta na ausência totalde consentimento, que se denominavis absoluta; ou pela violência moral,cognominada de vis compulsiva,que atua sobre o ânimo da pessoa,levando-a a uma declaração devontade viciada. A propósito dasegunda espécie, vale dizer, daviolência moral, o i. jurista asseveraque: “embora haja uma declaraçãode vontade ela é imperfeita pois nãoaniquila o consentimento do agente,apenas rouba-lhe a liberdade...omissis ...na sua análise psíquica,verifica-se a existência de duasvontades: a vontade íntima dopaciente, que emitiria seconservasse a l iberdade, e avontade exteriorizada, que não é asua própria, porém a do coator, aele imposta pelo mecanismo daintimidação” (Instituições . 19ªedição, vol. I, p. 334/335). O quadrofático delineado nos autos denotaclaramente a conduta ilegal daempresa, ser coletivo por naturalassimilação, que, em retaliação à

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recusa do Sindicato Profissional deprorrogar o acordo coletivo detrabalho, especialmente no quetange aos turnos ininterruptos derevezamento de 8 horas, exerceucoação moral sobre os seusempregados, com o objetivo depressionar o sindicato a realizarassembleia geral, na qual sediscutiria o tema, impedindo, dessaforma, o exercício regular daliberdade individual de cadatrabalhador, pilar sobre o qual seescora a vontade maior, da vidaassociativa, inclusive em ofensa aoart. 2º da Convenção n. 98 da OIT,ratificada pelo Brasil. Neste viés, pormenor e mais indireta que seja, aingerência da empresa sobre avontade de seus empregadosimporta no enfraquecimento doprincípio da liberdade sindical, porinterferir na autonomia do sercoletivo, que é o porta-voz da realvontade da maioria dostrabalhadores, apurada no seio deassembleia livre e soberana. Poroutro lado, arranhado, comprometidomesmo, fica o princípio da lealdadee da boa-fé, assim como atransparência da negociaçãocoletiva, intimamente vinculada aorespeito da equivalência doscontratantes em sede coletiva, ondeo direito é construído por intermédioda participação direta dos principaisinteressados. O Direito Coletivo doTrabalho estrutura-se e adquiredinamismo à medida que equilibra aforça de reivindicação e deresistência da categoria querepresenta, e, que, em última análise,é uma das partes da relação deemprego, e em cujo estuáriocomutativo irão se acomodar eproduzir os efeitos jurídicos asnormas criadas pelas partes, sob o

manto legitimador e indefectível doprincípio nuclear da liberdadesindical, que, segundo Javill ierconstitui um elemento indispensávela todo sistema de relaçãoprofissional entre empregadores eempregados, como, de resto, a todademocracia política. (Droit du

Travail, p. 384). Logo, se a empresa,equiparada a um ser coletivo, atua,ainda que entre sombras, nosespaços reservados à l ivre esoberana deliberação dosempregados perante a entidadesindical, procurando fazerprevalecer a sua vontade ou mesmoinfluenciar, interferir, na deliberaçãoda assembleia, a consequência é anulidade dos atos então praticados.Desprovimento dos pedidos dainicial, que se impõe, eis queescorados na vis compulsiva ,exercida pela empresa sobre seusempregados, não sendo cabível aindenização por danos materiais emorais, postulada por algunsempregados em face do sindicatorepresentativo de sua categoriaprofissional.(Publicação em 13.05.2006)

Assim, não cabe, neste feito,qualquer discussão acerca dalegitimidade do acordo coletivo de f.119-122, que foi f irmado emcumprimento daquela medida liminar,cuja validez restou afastada, comdeclaração expressa de ineficáciajurídica de todos os atos deladecorrentes. Nisso estãoabsolutamente corretos osrecorrentes.

Ocorre que referidas decisõesainda não transitaram em julgado,reconhecendo o próprio sindicato-recorrente, à f. 16.433, a existência deagravos de instrumento pendentes de

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julgamento nos dois processos(00159/2005 e 00229/2005), o que écorroborado pelas informaçõesconstantes da home page desteTribunal (http://as1.trt3.jus.br/c o n s u l t a p r o c e s s u a l /consultaProcessual). E o aspecto é desuma relevância, pois, enquanto nãooperada a coisa julgada, através doúltimo recurso cabível, a força deimutabilidade daquele provimentodenegatório não se consolida e aconsequência é a de prevalência dosefeitos próprios das liminares queforam concedidas e que geraram acelebração do instrumento coletivoprofligado.

É dizer que, de acordo com osartigos 807 e 808 do CPC, a medidacautelar conserva sua eficácia napendência do processo principal, ouseja, até que a decisão da açãoprincipal transite em julgado. Assim, amera improcedência da ação nãoimplica automática revogação do atoconcessivo da liminar, como adverteTHEOTÔNIO NEGRÃO (in Código de

processo civil e legislação processual

em vigor. 40ª ed., São Paulo: Saraiva,2008), perecendo o objeto da liminarsomente após o provimento definitivoque substitua a decisão prolatada nacautelar.

Galeno Lacerda, a despeito deressalvar que a manutenção da cautelanão deva perdurar além dos recursosordinários de segundo grau, doutrinaque “a apelação tem como efeitoessencial de continuar essapendência” a que se refere a norma,ou de “prolongar a instância, seminterrompê-la, na continuidade mesmada relação processual”. Daí, “em facee em virtude de apelação tempestiva,o processo principal ainda pende dedecisão superior e, assim, nos estritostermos do art. 807, a medida se deva

conservar.” (Comentários ao código de

processo civil. Volume VIII, tomo I, Riode Janeiro: Forense, 1980)

No mesmo sentido, o escólio domestre e doutor em Direito do TrabalhoFrancisco Antônio de Oliveira, que,citando Modestino Martins Netto, afirmaque, ainda que “a medida ou açãocautelar espelhe provisoriedade,regulando a situação transitória,enquanto não se decide do mérito dopedido principal, ela pode serexecutada.” (Tratado de direito

processual do trabalho. Volume II, SãoPaulo: LTr, 2008)

Portanto, tanto em razão dorecurso ordinário aviado no processoprincipal quanto em razão do apelointerposto diretamente no processocautelar, ambos sem decisão definitivatransitada em julgado, não há comoafastar a eficácia da liminar concedidaaos trabalhadores, que ainda perdura.

E se assim consoante seafirma, em relação às sétima e oitavahoras extras pleiteadas pelo labor emturnos ininterruptos, abrangendo operíodo compreendido entre03.01.2005 (retomada do regime derevezamento, em razão do acordocoletivo firmado em 30.12.2004) edezembro de 2006 (implantação dosturnos fixos), não há mesmo comodecidir de forma diversa da sentençaprolatada na presente actio, ainda quedivergente a fundamentação adotada.Prevalente a eficácia da liminar queassegurou a celebração da normaconvencional, conferindo estabilidadee segurança no âmbito das relaçõesjurídicas instrumentalizadas, descabeaté mesmo reparação indenizatória poreventuais danos que possa teracarretado até a sua efetiva revogação.

Aspecto, aliás, corretamenteobservado pela i. Magistrada deprimeiro grau:

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No pertinente às horas extrasvindicadas e seus reflexos, não hásupedâneo legal ao deferimento,considerando-se a eficácia doacordo coletivo, ou seja, suamantença. Ainda que assim nãofosse, os efeitos ex nunc de umaeventual declaração de nulidadeinviabilizariam a pretensão. (f. 16.417- grifei)

Enfatiza-se, pois, anecessidade de preservação dasrelações regulamentadas pela normacoletiva, obstando a concessão deprovimento judicial com eficáciaretroativa e que lhes venha subtrair aforça vinculativa. Não sem razão, porexemplo, que as cláusulas dassentenças normativas são exigíveis deimediato, independentemente dapublicação do acórdão, e, sendo esteobjeto de recurso, havendo reformapela Instância Superior, a restituiçãodas vantagens já recebidas ficavedada, conforme dispõe o § 3º do art.6º da Lei n. 4.725, de 1965.

Jamais, por essas razões, aconfirmação definitiva daimprocedência da ação principal e aconsequente revogação daquelamedida cautelar poderão produzirefeito repristinatório.

Nesses termos, não temprocedência o pedido de pagamentode horas extras, inclusive assupostamente prestadas após a oitavahora, aspecto da lide não examinadona origem, sem que a parteinteressada tenha buscado a viaintegrativa do julgado, por meio dosdeclaratórios, para o suprimento nainstância prolatora, nos termos doinciso II do art. 535 do CPC.

Lembra-me, então, da extensãodo efeito devolutivo, que é determinadapela impugnação (CPC, art. 515). Como

não se pode impugnar senão aquiloque se decidiu, não se devolve aorevisor o conhecimento de matériaestranha ao âmbito do julgamento doÓrgão inferior, imposição doordenamento instrumental que obstaa admissão da polêmica.

Patente, assim, a preclusãotemporal, subtraindo a oportunidadede enfrentamento do aspecto.

Quanto ao mais, ou seja,“...determinação do cumprimento dajornada de trabalho dos... substituídosgarantida constitucionalmente, qualseja, 6 horas diárias, sob pena depagamento de multa diária...”, muitoimporta a regra da legalidade, nosentido de que ninguém pode serobrigado a fazer ou deixar de fazeralguma coisa senão em virtude de lei(inciso II do art. 5º da ConstituiçãoFederal).

Devo esclarecer. O sindicato-recorrente, fiel à soberana decisão deassembleia dos trabalhadores por elerepresentados, não aceita firmarinstrumento coletivo estabelecendoturnos ininterruptos de revezamento deoito horas. E o regime legal é deativação durante apenas seis horasnessas condições (inciso XIV do art. 7ºda Carta Magna), ante o desgaste queacarreta para o empregado. Mas nãohá no ordenamento jurídico pátrio leique obrigue o empregador a adotar oreferido sistema de trabalho, tratando-se de mero exercício de um direito seu,no campo do seu poder diretivo,exatamente como pontuado na decisãode f. 458-473 (especificamente à f. 469,2º §).

Em outros termos, é facultadoao empregador, segundo o seu livrearbítrio, implantar o regime de turnosininterruptos de revezamento. Assim ofazendo, está obrigado a observar ajornada reduzida de seis horas, “salvo

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negociação coletiva”, como se refere opreceito constitucional citado. Optando,todavia, pelo regime dos turnos fixos,não há que se olvidar de que se obriga,apenas, à regra de duração do trabalhonormal não superior a oito horasdiárias e quarenta e quatro semanais(inciso XIII do art. 7º da ConstituiçãoFederal), sem que incorra em qualquerirregularidade.

Dessarte, a conclusão é óbvia,d.v. A pretensão do recorrente, emboraencerre grande valor social - ostrabalhadores se sentem, à evidência,prejudicados pela adoção dos turnosfixos -, não encontra amparo legal oujurisprudencial, descabendo, nosentido, a singela invocação de“condição mais benéfica”. Areivindicação somente pode seralcançada pela via negocial, ou seja,através de negociação coletiva,tratando-se de matéria típica dessaorla.

Nesses termos, não temprocedência também o pedido de f. 11,objeto, inclusive, da almejada tutelaantecipada.

Comporta acolhida apenas opleito recursal de afastamento dadeterminação constante da r. sentença,de manutenção dos trabalhadores noregime de turnos ininterruptos de oitohoras, até a realização de novaassembleia e a conclusão de novanegociação coletiva, sob pena depagamento de multa diária deR$1.000,00, pois nada foi vindicado noentorno, havendo evidente error in

judicando, d.v.

Como ensina Nelson NeryJúnior, a

sentença citra ou infra petita podeser corrigida por meio de embargosde declaração, cabendo ao juizsuprir a omissão; a sentença ultra

ou extra petita não pode sercorrigida por embargos dedeclaração mas só por apelação.Cumpre ao tribunal, ao julgar orecurso, reduzi-las aos limites dopedido.(Código de processo civil

comentado e legislação

extravagante. São Paulo: RT, 2003)

Logo, deve ser decotada dasentença proferida a partedesbordante.

Provimento parcial nessestermos, prejudicada a pretensão deconcessão de honoráriosassistenciais.

3. Conclusão

Determino seja retif icada aautuação, para que se faça constar,como recorrida, apenas a VotorantimMetais Zinco S.A. Determino, ainda, odesentranhamento das folhas embranco de n. 534-543 (3º volume) e6.431 (32º volume), além de outrasassim coligidas aos autos, com arenumeração das folhassubsequentes.

Rejeito a intempestividadesuscitada pela empresa em suascontrarrazões e conheço do recursoordinário interposto pelo Sindicato dosTrabalhadores nas IndústriasMetalúrgicas, Mecânicas e de MaterialElétrico de Três Marias, exceto no queversa sobre nulidade fundada emsuspeição da julgadora a qua, por setratar de matéria que já foi objeto deexame pelo Tribunal, inadmitido, ainda,o aditamento de f. 16.537-16.542;conheço do recurso ordinárioapresentado pelo Parquet, bem assimdos documentos a ele anexados ecoligidos às f. 16.623-16.656, na formada Súmula de n. 8 do C. Tribunal

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Superior do Trabalho; rejeito asarguições de nulidade fundadas emcerceio de defesa, parcialidade dojuízo, invalidade de laudo de inspeçãojudicial, inobservância de coisajulgada e provimento ultra et extra

petita; no mérito, dou provimentoparcial aos recursos, para afastar adeterminação constante da sentençarecorrida, de manutenção dostrabalhadores no regime de turnosininterruptos de revezamento comduração de oito horas.

Traslade-se cópia desteacórdão para o processo n. 00782-2006-056-03-00-5.

Motivos pelos quais,

ACORDAM osDesembargadores do TribunalRegional do Trabalho da TerceiraRegião, pela sua Sexta Turma,preliminarmente, em determinar sejaretificada a autuação, para que se façaconstar, como recorrida, apenas aVotorantim Metais Zinco S.A.; emdeterminar, ainda, o desentranhamentodas folhas em branco de n. 534-543(3º volume) e 6.431 (32º volume), alémde outras assim coligidas aos autos,com a renumeração das folhassubsequentes; sem divergência, emrejeitar a intempestividade suscitadapela empresa em suas contrarrazõese em conhecer do recurso ordináriointerposto pelo Sindicato dosTrabalhadores nas IndústriasMetalúrgicas, Mecânicas e de MaterialElétrico de Três Marias, exceto no queversa sobre nulidade fundada emsuspeição da julgadora a qua, por setratar de matéria que já foi objeto deexame pelo Tribunal, inadmitido, ainda,o aditamento de f. 16.537-16.542; emconhecer do recurso ordinárioapresentado pelo Parquet, bem assim

dos documentos a ele anexados ecoligidos às f. 16.623-16.656, na formada Súmula de n. 8 do C. TribunalSuperior do Trabalho; em rejeitar asarguições de nulidade fundadas emcerceio de defesa, parcialidade dojuízo, invalidade de laudo de inspeçãojudicial, inobservância de coisajulgada e provimento ultra et extra

petita; no mérito, sem divergência, emdar provimento parcial aos recursos,para afastar a determinação constanteda sentença recorrida, de manutençãodos trabalhadores no regime de turnosininterruptos de revezamento comduração de oito horas. Traslade-secópia deste acórdão para o processon. 00782-2006-056-03-00-5.

Belo Horizonte, 21 de outubro de2008.

EMÍLIA FACCHINIDesembargadora Relatora