acesso e sucesso escolar: três letras fazem muita diferença · nas provas do saeb 2003,...
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ACESSO E SUCESSO ESCOLAR: três letras fazem muita d iferença
Aparecida Lopes de Oliveira [email protected] Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE-2007 Pedagoga na Escola Estadual Anastácio Cerezine, de Alvorada do Sul - PR Profª Orientadora PDE: Profª Ms. Márcia Bastos de Almeida – Universidade Estadual de Londrina RESUMO Este artigo discute fatores externos e intraescolares que atuam como determinantes para o sucesso escolar, especialmente dos alunos oriundos das camadas populares. Aponta práticas educativas que interferem na relação família-escola e na qualificação do trabalho docente. Destaque é dado à atuação do Pedagogo para interpretar como esses fatores ocorrem no cotidiano da escola, de modo a propor alternativas para organizar o trabalho pedagógico nas escolas de ensino fundamental. Palavras-chave: Sucesso Escolar. Ensino Fundamental. Papel do Pedagogo. Projeto Político-Pedagógico ABSTRACT
This paper discuss the external and intra-school factors that play a determinant role in school success, especially for students deriving from popular layers. It points out educational practices that interfere in the family-school relationship and in the qualification of the teaching work. Prominence is given to the performance of the pedagogue in order to interpret how these factors occur in the daily life of the school, in order to propose alternatives of pedagogical work organization in the schools of basic education.
Key words: School Success. Basic Education. Role of the Pedagogue. Political-Pedagogic Project
A escola pública tem enfrentado inúmeros desafios, porém o que preocupa
especialmente professores e pais são os elevados índices de reprovação, evasão e
insuficiência de apreensão dos conteúdos escolares. Embora tenhamos atingido quase
a universalização de acesso ao ensino fundamental, permanece o estigma do fracasso
escolar entre os alunos da escola pública.
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Avaliações externas, tais como as realizadas pelo Sistema de Avaliação da
Educação Básica apontam que, em relação às habilidades de leitura e escrita, apenas
4,8% dos alunos de 4ª série apresentaram um nível de domínio adequado para
prosseguir os estudos na 5ª série. A maioria dos estudantes de 4ª série (55%)
encontrava-se nos estágios mais elementares de compreensão da leitura e da escrita
(INEP, 2004). Em resultado, acontece já na quinta série (sexto ano) um grande número
de reprovação, evasão e aprovação sem aprendizagem.
Quando se pretende “educar na e para a democracia” (PARO, 2001, p.35) ,
espera-se um cuidado especial com as práticas cotidianas da escola pública, que
permitam às crianças e jovens não só terem acesso à escola, num modelo de “inclusão
excludente”, mas que alcancem o domínio dos conhecimentos socialmente produzidos.
É tarefa do pedagogo articular a reflexão sobre os fatores que promovem ou que
dificultam a aprendizagem dos alunos e, a partir daí, coordenar a elaboração de
projetos de intervenção na realidade da escola visando a melhoria do processo
educativo. Portanto, tem-se a questão: Como o Pedagogo pode intervir na organização
do trabalho pedagógico de modo a promover ações que aprimorem o processo
educativo visando o sucesso escolar ?
ACESSO E SUCESSO : TRÊS LETRAS FAZEM MUITA DIFERENÇ A?
Uma brincadeira bastante apreciada pelas crianças é o “Jogo das sete
diferenças”. Trata-se de observar duas figuras aparentemente idênticas para encontrar
pequenas diferenças, somente perceptíveis após um olhar mais atento. Ao olharmos
para os índices que demonstram o acesso ao ensino fundamental, vemos que
atingimos quase a universalização dessa etapa de escolaridade. Todavia, um olhar
mais atento irá desvelar pequenas diferenças, apontando que essa universalização ao
acesso não significa que os alunos, mesmo freqüentando diariamente a escola, estejam
sendo bem sucedidos na aprendizagem dos conteúdos escolares. Assim como entre as
palavras “acesso” e “sucesso” temos apenas três letras de diferença, também no
cotidiano escolar, o apregoado acesso às matrículas não tem se mostrado
verdadeiramente o sucesso dos matriculados.
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Ao longo dos anos, sucessivos governantes organizam o sistema público de
ensino à sua imagem e semelhança. Ora adota-se o receituário neoliberal, ora as
correntes baseadas no materialismo histórico, convivendo com um fundo de
construtivismo, interacionismo , pedagogia dos projetos, tecnicismo e uma pitadinha
da pedagogia tradicional. Em todas essas mudanças, como num “samba do crioulo
doido” , o aluno permaneceu reprovando, evadindo ou sendo promovido mesmo sem
aprender, ou seja, permanece o espectro do fracasso escolar atingindo os estudantes
das camadas desfavorecidas da população. Desde 1986, Saviani conclamava os
educadores a
retomar vigorosamente a luta contra a seletividade, a discriminação e o rebaixamento do ensino das camadas populares. Lutar contra a marginalidade através da escola significa engajar-se no esforço para garantir aos trabalhadores um ensino da melhor qualidade possível nas condições históricas atuais. (SAVIANI, 1986, p. 36).
No que diz respeito ao Estado do Paraná, esse esforço por um ensino da melhor
qualidade possível ao aluno da escola pública está definido nas Diretrizes Curriculares
do Ensino Fundamental:
As escolas da rede pública estadual que ofertam o ensino fundamental pautarão todas as suas ações visando à garantia de acesso, de permanência e de aprendizagem para todos os alunos em idade escolar e para aqueles que não tiveram acesso ao ensino fundamental em idade própria. (SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO -DIRETRIZES CURRICULARES - VERSÃO PRELIMINAR - 2006, p. 23).
Assim, tanto o acesso como o sucesso do aluno no ensino fundamental são
dispositivos legais. Esse sucesso escolar relaciona-se com a responsabilidade da
escola pública em cumprir sua função de socialização dos bens culturais historicamente
produzidos.
No cotidiano da escola de ensino fundamental, os pedagogos têm a função de
organizar o trabalho pedagógico e de apresentar propostas de ações que promovam
seu aprimoramento, de acordo com o Projeto Político Pedagógico construído
coletivamente. Para realizar essa tarefa, cabe-lhe, como objeto de reflexão, visibilizar
os meios pedagógicos pelos quais os educadores poderiam implementar a melhoria do
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processo educativo, zelando pela aprendizagem dos alunos tal como determina a Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
Em primeiro lugar, importa esclarecer quais as diferenças entre acesso e
sucesso escolar. Foi divulgado pelo Ministério da Educação em 2007 que na 4ª série
do Ensino Fundamental, 29,12% dos alunos avaliados pelo SAEB alcançaram a
pontuação de Língua Portuguesa considerada adequada para essa série. Em
Matemática, o percentual ficou em apenas 20,41%. Ou seja, apenas 3 em cada 10
alunos da 4ª série aprenderam o que era adequado para essa etapa de ensino
em Língua Portuguesa, e só 2 em cada 10, em Matemática. Essa é uma definição clara
de falta de sucesso escolar.
O êxito que se almeja é que os estudantes brasileiros tenham não apenas o
acesso á escolaridade,mas que aprendem os conteúdos escolares que são, como
expressa Saviani (1986) os instrumentos culturais que lhe permitem viver dignamente
na atual sociedade capitalista, onde a falta de saberes ou a insuficiência deles reforça
as desigualdades sociais, promove injustiças e pode levar à marginalização e à
exclusão.
O que, então, influenciaria a aprendizagem dos alunos? Como o Pedagogo pode
articular ações para afetar positivamente a aprendizagem das crianças e elevar o nível
dessa aprendizagem?
A Organização do Trabalho Pedagógico e o Sucesso do s Alunos
Ao debater-se no coletivo da escola as alternativas para o aprimoramento do
trabalho educativo e as medidas para melhorar o desempenho discente, algumas
questões são recorrentes. Entre elas pode-se citar a repetência, a composição de
turmas reduzidas e homogêneas e o tempo escolar.
Quando o aluno não aprende, muitos professores consideram que o melhor meio
de garantir a sua aprendizagem é a repetência. Trata-se de dar uma nova oportunidade
para o aluno refazer os estudos dos conteúdos dos quais não conseguiu o domínio
desejado. Dessa forma, ele teria mais sucesso do que ser promovido sem
aprendizagem. Este argumento é comprovado pelas pesquisas?
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Nas provas do SAEB 2003, observou-se que os resultados pioram à medida que
o aluno é reprovado ou abandona a escola por mais de uma vez. Pacheco e Araujo,
(2004), indicam que o estudante que nunca reprovou alcançou média de 180 pontos
proficiência e o que reprovou uma vez alcançou média de 146 pontos .
Crahay apresenta uma pesquisa em que se acompanhou durante 2 anos a
evolução de alunos repetentes e alunos fracos promovidos. Esse estudo concluiu que:
a decisão da repetência, uma vez comunicada ao aluno tem um efeito desmobilizador... os repetentes começam o ano com um nível escolar superior ao de seus colegas... mas essa vantagem inicial estanca ao longo do tempo a ponto de desaparecer totalmente ao final do ano. (CRAHAY, 2007, P. 184)
O mesmo autor, ao analisar a reprovação e a promoção automática nos países
da União Européia, chegou à conclusão que a aprovação do aluno está muito
relacionado ao sucesso da turma e a critérios de subjetividade do avaliador e não
apenas ao grau de aprendizado aluno. Ou seja, nem sempre são reprovados os alunos
que aprenderam menos, e sim os mais “fracos” da turma, por que os professores
tendem a utilizar como critério de avaliação a comparação com outros alunos da turma ,
o que envolve também a severidade e ou indulgência do professor que avalia. O autor
afirma que não foram encontradas relações entre retenção e qualidade de ensino. Os
países que têm maior repetência não têm necessariamente maior rendimento.
(CRAHAY, 2007)
Se não há relação direta entre repetência e melhor desempenho, seria então o
caso de abolir a reprovação? Não, segundo Gomes, que explica:
não é de bom senso determinar que seja totalmente banida a prática da retenção no início da escolarização. Isso decorre da grande importância da alfabetização, sobretudo a leitura, para todas as séries posteriores (...). Nesse caso, o apoio educativo adicional no caso da retenção, faz maior diferença que o aumento do tempo de ensino. De qualquer modo , quanto mais cedo forem resolvidos os problemas de leitura, melhor. Os autores insistem na relação entre o aproveitamento e medidas de apoio, ou, quando a escola apresenta baixo desempenho, a própria reestruturação da escola. (GOMES, 2005, p.7).
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Assim, essa breve revisão das pesquisas sobre repetência não parece autorizar
a conclusão de que a reprovação seja capaz, por si só, de garantir a melhoria da
aprendizagem de nossos alunos. Por outro lado, a promoção automática não garante
melhor aprendizagem. Na falta de outras medidas, ela pode apenas servir para
transferir os problemas para as séries seguintes. Portanto, uma medida mais eficaz
para os alunos em dificuldade escolar é prover intervenção apropriada logo após
diagnosticada a dificuldade, principalmente nos anos iniciais do ensino fundamental.
Outro fator bastante discutido ao se elaborar o projeto político-pedagógico é a
composição das turmas. Faz parte das falas cotidianas dos professores que a ação
docente seria mais produtiva se as classes fossem homogêneas, nas quais os alunos
teriam necessidades semelhantes. Acredita-se que nas classes heterogêneas todos
perdem: os alunos mais fortes - por terem que seguir um ritmo mais lento – e os alunos
mais fracos, por não acompanharem o ritmo dos mais fortes. Freqüentemente, são
realizadas avaliações diagnósticas dos alunos no início das 5ª séries, visando formar
turmas por nível de conhecimento. A expectativa é que, assim, poder-se-ia atender
melhor aos alunos com dificuldades de aprendizagem.
No entanto, a prática demonstra que a classe homogênea tem um efeito
desmotivador sobre os alunos de menor rendimento, especialmente se as
oportunidades de aprendizagem a eles ofertada for de menor qualidade e com
professores menos experientes e /ou menos motivados.
Crahay cita uma pesquisa realizada por Dupriez e Draelant, que concluíram
negativamente quanto à eficácia das turmas homogêneas:
os professores das classes dos fracos têm geralmente tendência a adotar uma atitude fatalista... nessas turmas, tempo dedicado ao ensino é inferior àquele registrado nas turmas consideradas fortes, o número de unidades de conteúdos é menor, os encorajamentos são mais raros e menos entusiastas e os exercícios de repetição mais numerosos. (CRAHAY, 2007, p. 186)
Portanto, os estudos teóricos não parecem indicar que a formação de turmas
homogêneas por nível de aprendizagem garanta o melhor desempenho dos alunos. Ao
contrário da crença de muitos professores, as classes homogêneas, em que os alunos
fracos estudam com outros alunos igualmente fracos, não é uma medida eficaz para
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aprimorar as condições de aprendizagem desses alunos. Os teóricos garantem que o
critério composição de classes homogêneas é inoperante.
Outro argumento bastante ouvido nas discussões sobre a organização da escola
é quanto ao número de alunos por turma. Muitos professores argumentam que o
tamanho da turma é um dos determinantes da qualidade do ensino. Ou seja, a
aprendizagem poderia ser aumentada significativamente se o número de alunos fosse
reduzido. As pesquisas quanto a isso são bastante polêmicas.
Crahay , analisando os resultados de uma pesquisa longitudinal realizada
nos EUA constata que os alunos das classes com poucos alunos teriam maiores
vantagens, pois apresentaram maior desempenho em Língua Materna e em
Matemática, maior índice de conclusão da educação básica e de ingresso no ensino
superior sem vivenciar fracassos (repetências). Dessa forma, o autor conclui:
em cada nível escolar, observa-se que são as crianças mais desfavorecidas (...) que se beneficiam mais da redução do tamanho da classe. A vantagem é de duas ou três vezes mais importantes para os jovens” vulneráveis “do que para os alunos brancos de classe média. O tamanho tem tipicamente um papel ”compensatório“; trata-se literalmente de uma “discriminação positiva”, que corrige certas desigualdades devidas ao meio social de origem das crianças. (CRAHAY, 2007, p.190)
Os professores do ensino fundamental observam também que a redução do
número de alunos tem outro efeito positivo no clima da classe: maior organização e
maior motivação dos alunos para o aprendizado. Nesse respeito, é interessante lembrar
um estudo comparativo sobre as diferenças de aproveitamento em matemática na
terceira série em três países: Brasil, Chile e Cuba. Os alunos cubanos obtiveram os
resultados mais altos. Observou-se que nas escolas de Cuba havia “menos alunos por
turma; mais ordem; menos interrupções; os alunos estavam mais envolvidos; faziam
exercícios e resolviam mais problemas individualmente; com os professores circulando
e o nível de exigências cognitivas era mais alto.” (GOMES, 2005)
Por outro lado, o Ministério da Educação do Brasil divulgou um estudo realizado
por Jacobo Waiselfisz (2000), comparando os resultados das provas do SAEB com o
tamanho das turmas. Segundo esse pesquisador, “há um expressivo aumento da
proficiência dos alunos à medida que aumenta o tamanho da turma, até um pico
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localizado nas turmas de 42 alunos” (WAISELFISZ, 2000, p.25). Ou seja, quanto maior
a turma, melhor é aproveitamento evidenciado pelos alunos nas provas do SAEB/97.
Como explicar resultados tão diferentes? Waiselfisz cita os estudos de Burke
(1986), Olden (1990) e Odden (1990) para explicar que a diferença não está no maior
ou menor número de alunos na classe, mas nas estratégias adotadas pelos professores
para gerir o ensino nessas diferentes circunstâncias: o professor tenderia a utilizar nas
turmas grandes as estratégias de ensino apropriadas às turmas pequenas.
Para o professor, qual a diferença de trabalhar com turmas pequenas e turmas
grandes? Nas turmas pequenas o professor tem maior contato pessoal com os alunos,
podendo monitorar a aprendizagem passo a passo e intervir nas desigualdades de
aprendizagem desde o início. As aulas expositivas, as demonstrações, os diálogos
professor-aluno e aluno-aluno ocorrem sem maiores problemas. Em turmas grandes,
essa estratégia não é tão bem-sucedida: o nível de barulho bastante elevado, a falta de
tempo para oferecer apoio aos alunos com dificuldade e o maior trabalho burocrático
causam grande exaustão emocional e física ao professor pelo esforço em manter a
ordem na classe e administrar o conteúdo.
Nesse caso, a redução do número de alunos por turma seria o ideal para
melhorar o rendimento dos alunos, pois parece comprovado que as classes pequenas
favorecem o aprendizado, notadamente nas séries iniciais, e que esse benefício se
estende ao longo da escolaridade. Porém as autoridades alegam que o custo
financeiro para implementar essa medida nas escolas públicas seria muito elevado.
Assim, Waiselfisz sugere que mais adequado seria diminuir o desgaste do professor
ao trabalhar com turmas maiores. Para isso, seria necessário que o professor tivesse
acesso a técnicas e estratégias de ensino adequadas a grupos grandes e menos
atribuição burocrática e disciplinar. (WAISELFISZ, 2000).
Outro fator que interfere na aprendizagem dos alunos é o tempo escolar.
A LDB estabelece uma duração para o tempo pedagógico escolar: são 200 dias
e 800 horas anuais (Art.24º, Inciso I) Esse tempo escolar é sucessivamente fracionado
em semestres, bimestres, dias letivos, e cada dia subdividido em tempos nucleares: as
aulas.
O que mostram as rotinas escolares quanto ao tempo?
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A distribuição de 25 aulas, de 9 disciplinas diferentes no horário semanal de
aulas (no ensino fundamental) é, via de regra, atribuição dos Pedagogos nas escolas.
Ao tomar decisões sobre a divisão do tempo , o Pedagogo pode levar em conta o que
contribui para melhor assimilação dos conteúdos pelos alunos. Em algumas situações,
especialmente nas quintas séries, é preciso maior concentração em um único assunto
para que haja aprendizado. Ou seja, é mais favorável a divisão em aulas duplas
(geminadas), do que aulas dispersas e conteúdos fragmentados ao longo da semana.
Porém, o que freqüentemente acontece é que, ao invés de privilegiar os
interesses dos alunos, a montagem do horário das aulas torna-se um espaço de
confronto de interesses para os professores. (Teixeira, 1999) observa que a
possibilidade de que os horários das aulas sejam atribuídas
de modo mais leve e racional, ou mais pesado e desconfortável para os docentes, gera desentendimentos e barganhas, às vezes protecionismo e clientelismo, dependendo se o docente está mais próximo ou mais distante do diretor ou de quem os elabora. (TEIXEIRA, 1992, p.102)
Dessa forma, o horário das aulas leva mais em conta os imperativos dos
professores do que as necessidades educacionais dos alunos.
Outra variável a ser considerada é o tempo diário de aulas. Nas séries finais do
ensino fundamental do Paraná essa duração é de 4,3 horas, sendo esse tempo
dividido em 5 aulas diárias de 50 minutos cada, mais o intervalo para recreio. No
entanto, quando consideradas todas as interrupções, o tempo real de aula é bem
inferior a esse tempo oficial: os atrasos quanto aos horários de entrada, a antecipação
do término das aulas, a ampliação dos recreios, a diminuição da duração das aulas
(aulas de 30 minutos, por exemplo), em virtude de movimentos reivindicatórios ou para
se obter um horário para reuniões de professores, são situações freqüentes, que
diminuem o tempo oficial.
O absenteísmo dos professores devido a cursos, doenças ou atividades
particulares também contribuiu para a transgressão da norma do tempo escolar oficial.
Nesse aspecto, Soares (2007, p.146) faz uma observação interessante: “um trabalho
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importante do diretor ... é cada dia improvisar a substituição, pois ele só sabe com quais
professores pode contar minutos antes do início das aulas”.
Esse elevado índice de faltas dos professores levou à criação de um artifício: a
prática de “subir aula”, ou seja, um reordenamento de horários, feito com os professores
presentes, de modo que as turmas só fiquem com aulas vagas nos últimos horários.
Freqüentemente isso exige que o professor atenda duas turmas ao mesmo tempo.
Outra prática corrente nas escolas é a de o Pedagogo substituir o professor
ausente. Esta opção de o Pedagogo substituir a docência de disciplinas para as quais
não tem formação, deixando de lado suas atividades específicas levanta questões
muito sérias: a função do Pedagogo é tão desprezível e banal dentro da escola, que
pode ser prontamente trocada por outra tarefa improvisada? Além disso, considerar que
um professor pode ser facilmente substituível por outro, de qualquer área disciplinar e
independentemente de sua formação científica, não concorre para a desqualificação
profissional dos docentes? Essa prática tem trazido benefícios para a cultura
institucional, para o clima escolar e para a melhoria do desempenho dos alunos?
Não se pode deixar de considerar as conseqüências da perda ou do mau uso
do tempo escolar, pois conforme observam Portela e Bastos:
Embora a duração do período de aula não se constitua, por si só, em um preditor de aprendizagem, é condição necessária, principalmente para as crianças pobres, já que a sala de aula é um dos poucos espaços, senão o único, que lhes dá oportunidade de contato com o conhecimento sistematizado. Além disso, a escola é a única instituição que possibilita a ocorrência de interações entre coetâneos, tão importantes no processo de socialização. Reduzir o tempo escolar significa reduzir oportunidades de aprendizagem,seja de conteúdos acadêmicos, seja de conteúdos sócio-culturais. (PORTELA E BASTOS, 1998, p.34)
O estudo da duração do tempo letivo mostra que, embora apresente uma
associação com o rendimento escolar, essa associação não é linear e automática.
Poderia se aumentar infinitamente o tempo diário e anual de aulas sem afetar
significativamente o desempenho dos alunos. É o que acontece nas faltas de
professores, em que a preocupação maior é com o cumprimento formal do horário das
aulas, e não com a efetiva aprendizagem pelos alunos dos conteúdos escolares.
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Além destes aqui elencados, há uma multiplicidade de fatores que interferem na
qualidade do processo educativo. É importante, contudo, determinar o alcance das
ações possíveis no âmbito da escola. Isso pode ser feito quando o Pedagogo articula a
construção do Projeto Político Pedagógico, em que cada escola busca identificar as
suas dificuldades e, com clareza, prover formas de superá-las, enfrentando
coletivamente o desafio de pensar alternativas que favoreçam o sucesso escolar.
No entanto, uma visão além dos muros da escola faz perceber outras pequenas
diferenças, na forma de outros determinantes que afetam o sucesso de nossos alunos.
Fatores Externos Determinantes do Desempenho dos Al unos
Uma corrente de pesquisas a respeito dos determinantes do desempenho
escolar teve início nos anos 60, a partir do Relatório de James Coleman (Igualdade de
Oportunidades Educacionais,1966). Uma das conclusões dessa investigação foi a de que
fatores extra-escolares, tais como as condições socioeconômicas e culturais das
famílias e o contexto social da escola teriam maior influência sobre o desempenho dos
alunos do que fatores diretamente relacionados à escola. Surgiu daí um certo
pessimismo, levando à famosa frase : “as escolas não fazem diferença”, associada aos
resultados dos estudos conduzidos por Coleman.
Em linhas gerais, os fatores externos com maior impacto sobre o desempenho
dos alunos, conforme apontado pelas pesquisas são: a quantidade e a forma de
aplicação dos recursos públicos (usados para equipar escolar, pagar professores e
funcionários, etc.); a legislação que determina a organização escolar (como as
normatizações sobre média mínima para aprovação, número de alunos por turma,
sistema de contratação de professores efetivos e temporários, etc.); a localização da
escola e a origem familiar do alunado.
É interessante notar que a cidade ou o bairro onde a escola está instalada
determina o tipo de aluno que será atendido. No Paraná, o sistema de
georreferenciamento aloca o aluno à escola mais próxima de sua residência. As
escolas situadas nas periferias urbanas ou nos municípios mais pobres apresentam
geralmente piores condições materiais do que as escolas públicas situadas nas regiões
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centrais. A localização também afeta a alocação dos recursos humanos, pois os
professores mais experientes e melhor colocados na carreira docente preferem as
escolas melhor localizadas, ficando nas escolas da periferia os professores mais novos
ou menos experientes. O local da escola também determina o maior ou menor contexto
de violência. O tráfico de drogas, os confrontos entre gangues e as agressões a
professores impactam enormemente a qualidade da escola e, conseqüentemente, o
sucesso acadêmico dos alunos.
Há também pesquisas que indicam a influência dos colegas sobre o resultado da
aprendizagem, ou seja, o efeito dos pares. Sabe-se que quando alunos interessados e
motivados estudam na mesma escola ou turma o desempenho acadêmico é maior e
vice-versa. Assim, nas cidades brasileiras, onde a distribuição da população no território
é marcada por desigualdades sociais, ocorre o efeito de que “os rios correm para o
mar”: alunos com melhores condições econômicas e culturais estudam em melhores
escolas, com outros alunos mais “capazes” e com os melhores professores da rede.
Observamos, portanto, que fatores externos à escola têm peso significativamente
alto no desempenho escolar. Sobre esses fatores, nós, educadores, tempos pouca
margem de ação. Porém, as pesquisas também indicam que entre escolas públicas
submetidas a condições semelhantes de infra-estrutura, localização, legislação e corpo
discente há grande variedade de desempenho entre os alunos.
Mesmo sabendo que a escola, por si só, não muda a sociedade, podemos
afirmar que algumas escolas conseguem que seus alunos tenham um aprendizado
melhor que o esperado dentro de seus limites sociais. A escola pode ter um efeito
democratizador, ao buscar cumprir sua função social. Mas, pode fazer isso sem o apoio
da família? Como a origem social e familiar do aluno constitui-se num fator
determinante para o sucesso escolar? A resposta a essas questões é relevante para
definirmos quais intervenções escolares podem ser realizadas no âmbito do Projeto
Político-Pedagógico da escola.
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A socialização familiar e sua relação co m o sucesso escolar
Até meados do século XX predominava nas Ciências Sociais uma visão
extremamente otimista sobre o papel da escolaridade na vida das pessoas. Entendia-se
que através da educação haveria a superação do atraso econômico e do autoritarismo
político e se construiria uma nova sociedade, moderna e democrática. Pelo acesso à
escola pública gratuita, laica e universal se garantiria a igualdade de oportunidades a
todos os cidadãos. Então, de acordo com seus dons individuais, as pessoas
avançariam em suas carreiras escolares e na hierarquia social (meritocracia).
Essa concepção otimista do papel da escola entrou em crise a partir do final da
década de 50, com a divulgação de pesquisas realizadas na Inglaterra, na França e
nos Estados Unidos (Relatório Coleman). Os resultados dessas pesquisas levaram ao
reconhecimento de que o desempenho escolar não dependia exclusivamente dos dons
individuais ou da atuação da escola, e que a origem social dos alunos tem um grande
peso sobre os resultados escolares.
Um segundo motivo para a inversão do otimismo pedagógico em pessimismo
deu-se a partir dos estudos da sociologia da educação (a chamada sociologia da
reprodução). Estudos tais como de Pierre Bordieu levantaram as questões: Como a
origem social e familiar atua como um forte determinante das atitudes e
comportamentos escolares? Por que se pode dizer que as trajetórias de sucesso
escolar são mais explicáveis pela origem social do que pelos talentos pessoais dos
alunos?
Bordieu afirma que há em cada classe social uma atitude específica em relação
à educação dos filhos. As famílias da elite econômica, por não depender do sucesso
escolar dos filhos para ascender socialmente, fariam um investimento mais “liberal” na
escolarização destes, enquanto que as famílias da classe média dispenderiam um
grande esforço no êxito escolar dos filhos, visando o acesso à posições sociais e
econômicas mais elevadas.
E os filhos das classes populares, que são a maioria nas escolas públicas?
Bordieu expressa que as famílias pobres investiriam menos tempo, dedicação e
recursos financeiros na escolaridade dos filhos, por três motivos: por reconhecer que as
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chances de sucesso são reduzidas devido às precárias condições econômicas, sociais
e culturais da família; por não conseguir arcar com os custos do adiamento da entrada
dos filhos no mercado de trabalho; e, por perceber que o retorno alcançado com os
títulos escolares depende também da posse de recursos econômicos e sociais.
Portanto, para as classes populares o investimento em escolaridade se
apresenta como demasiado longo, caro e de retorno de risco. Diante disso, as famílias
tenderiam a esperar que os filhos estudassem apenas o suficiente para se manter. Não
haveria muita expectativa quanto à longevidade escolar dos filhos e se daria maior
importância às carreiras escolares mais curtas e à inserção profissional mais rápida.
Bordieu nos incita a olhar para além dos dons e talentos individuais e enxergar
que, na realidade, cada aluno recebeu como herança de sua família um sistema de
valores implícitos e profundamente interiorizados que é responsável pela diferença
inicial das crianças diante da vivência escolar e, conseqüentemente, pelas taxas de
sucesso.
Embora reconheça que o capital econômico é importante na trajetória escolar,
Bordieu argumenta que é insuficiente para explicar plenamente tal desempenho pois
outras formas de capital contribuem e interagem com o capital econômico para a
determinação do sucesso escolar. Os filhos também herdam de suas famílias o capital
social (as redes de relações sociais influentes mantidas pela família) e o capital cultural.
Este capital existe na forma de diplomas e títulos acadêmicos; no domínio da língua
culta; nas informações sobre o mundo escolar; no conhecimento sobre o mundo da
cultura; no acesso a bens culturais; gostos em matéria de arte, esportes, vestuário,
culinária, etc., que facilitam o aprendizado dos conteúdos e dos códigos escolares.
Transpondo a teoria do capital cultural para a escola pública, podemos perceber
algumas barreiras que se colocam ao êxito escolar dos alunos das camadas populares:
em primeiro lugar, há uma distância entre a cultura familiar dos alunos das camadas
populares e a cultura escolar, que faz desta uma “cultura estrangeira” para o aluno, e
até mesmo uma cultura hostil; em segundo lugar, os pais dos alunos da escola pública
são, eles próprios, pouco escolarizados, portanto não conhecem tão bem o
funcionamento do mundo escolar, o percurso da escolaridade e os códigos escolares;
e, finalmente, a escola espera dos alunos a obediência a certas regras que são mais
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facilmente atendidas por quem foi socializado em valores familiares tais como a
valorização da disciplina e do autocontrole.
A escola valoriza certos traços de socialização familiares. Porém, a própria
escola oculta que esses traços valorizados sejam fruto de herança familiar diferenciada
e não fruto de habilidades ou talentos naturais. Em outras palavras: o êxito ou fracasso
escolar é visto como resultado de diferenças de capacidade (dons), quando na
realidade é o resultado da maior ou menor proximidade entre a cultura escolar e a
cultura familiar do aluno. Estaria aí, segundo Bordieu, o maior “pecado” da escola –
considerar como mérito o que é herança.
No entanto, os professores perguntam-se: por que alunos provenientes do
mesmo extrato social e herdeiros do mesmo capital cultural, expostos ao mesmo
processo de ensino, têm resultados diferentes?
Em seu livro Sucesso Escolar nos Meios Populares (1997), Lahire contribui para
entendermos por que isto acontece. Segundo esse autor, somente a posse de capital
cultural não explica a desigualdade de desempenho escolar. Também deve ser levado
em conta a existência de condições familiares que efetivamente permitam a
apropriação ou transmissão desse capital cultural. As cinco configurações familiares
que mais importam nesta relação com a escola seriam: as condições e disposições
econômicas, a ordem moral doméstica, as formas de autoridade familiar, as formas
familiares de investimento pedagógico e as formas familiares da cultura escrita.
As condições e disposições econômicas favorecem o sucesso escolar quando
existe na família certa estabilidade econômica, em que a sobrevivência material esteja
garantida, o que inclui também a estabilidade psicológica, manifesto num ambiente
familiar que oferece segurança afetiva e conforto emocional ao longo da trajetória
escolar dos filhos.
A ordem moral doméstica pode contribuir para o êxito na escola por meio de
uma socialização familiar que enfatiza o respeito às regras de bom comportamento; a
vivência de uma rotina diária, como por exemplo: horário de refeições, de estudos, de
lazer; a valorização da disciplina, levando a criança a desenvolver uma estrutura
cognitiva que se harmoniza com aquela que é requerida pela escola.
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As formas de autoridade são importantes, pois a existência de uma autoridade
paterna/materna vivida com legitimidade se reflete na aceitação da autoridade vinda da
escola. Quando os códigos de convivência entre pais e filhos são similares aos de
convivência entre professores e alunos, temos outra importante predisposição para o
sucesso escolar.
As formas familiares de investimento pedagógico são necessárias para o
sucesso escolar dos filhos, que se manifesta, por exemplo, na compra de livros e
materiais escolares, na concessão de tempo para a dedicação aos estudos, no
monitoramento das atividades escolares.
As formas familiares da cultura escrita se manifestam no lar pela existência de
hábitos de leitura e escrita. A falta de familiaridade com a cultura letrada poderá levar
a criança a encontrar dificuldades em se adaptar a cultura escolar.
Dialogando com Bordieu e Lahire, podemos compreender que o sucesso escolar
dos alunos é determinado por um conjunto de condicionantes socioeconômicos e
culturais. Vimos que a escola não é uma instituição neutra; que a escola valoriza e
exige dos alunos determinadas qualidades que são desigualmente distribuídas entre as
classes sociais.
A análise de Bordieu deu margem ao pensamento pessimista de que a
reprodução das desigualdades sociais por meio da escola é inevitável. Por outro lado,
suas reflexões sobre a escola podem nos levar a uma análise mais crítica de como
estamos selecionando os conteúdos escolares, quais estratégias pedagógicas estamos
utilizando, e como fazemos não só avaliação de conteúdos escolares, mas também
uma avaliação moral das atitudes e comportamentos de nossos alunos.
Baseado na concepção de Lahire, pode-se compreender que a família e a escola
constituem redes que se complementam ou não e, a partir daí, geram situações de
sucesso ou de fracasso escolar. A compreensão da influência das configurações
familiares no desempenho escolar e o conhecimento dos valores socioculturais das
famílias cujos filhos têm menor probabilidade de permanência e êxito no ambiente
escolar, nos leva a buscar mecanismos para a consolidação da parceria família-escola,
sabendo que essa parceria só se efetiva quando há conhecimento e respeito mútuos
entre esses atores. O que podemos fazer, no âmbito da sala de aula e da escola para
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harmonizar os projetos educativos entre família e escola? Como estabelecer essa
parceria ? Como podemos lidar com alunos cuja socialização não se fundamenta em
valores como os descritos acima fazendo a ponte entre a necessária ordem na escola e
a ordem moral doméstica ?
A educação acadêmica e a educação familiar: coopera ção e conflito.
No primeiro século de escolaridade obrigatória, a divisão de trabalho entre
escola e família era clara: a tarefa da escola era a educação acadêmica, enquanto que
a da família era a educação doméstica . Os professores esperavam dos pais tão
somente os cuidados físicos e emocionais, a educação social e moral, para que as
crianças chegassem à escola preparadas para aprender os conteúdos escolares.
No atual contexto, a família reduziu seu papel de cuidados físicos e emocionais,
de disciplinadora moral e social, requerendo da escola a extensão de seu papel de
educação acadêmica para englobar vários aspectos de assistência no
desenvolvimento físico, social e psicológico dos alunos.
Esse novo modelo de relação família-escola muitas vezes gera conflitos,
especialmente em dois aspectos: as tarefas de casa e os comportamentos
indisciplinados.
Para os professores, a tarefa de casa é um componente importante do processo
ensino-aprendizagem, capaz de ampliar a quantidade e a qualidade da aprendizagem
escola, por ser uma oportunidade para o estudante fixar, revisar, reforçar os conteúdos
estudados em classe, além de favorecer o desenvolvimento de hábitos de estudo
independente, pontualidade, autonomia e responsabilidade. Crê-se que a prescrição de
tarefas para casa tem impacto positivo sobre a aprendizagem e o sucesso escolar.
Essa expectativa dos professores tem sido confirmada por algumas pesquisas. No
Brasil, os resultados do SAEB relacionam os maiores rendimentos dos alunos ao hábito
de fazer a lição de casa (Brasil, INEP, 2003).
Por outro lado, as crianças que vão mal na escola, que não fazem as tarefas,
são justamente aquelas cujos pais não possuem o capital cultural (na forma de cultura
acadêmica e conhecimento atualizado dos conteúdos curriculares) e nem capital
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econômico (na forma de tempo livre para acompanhar a realização das tarefas ou
recursos financeiros para pagar aulas particulares de reforço) e nas famílias onde não
aparecem as formas de investimento pedagógico que favorecem a escolaridade dos
filhos. Por esse motivo, vários especialistas e gestores dos sistemas de ensino não
consideram viável incentivar a adoção de dever de casa.
A falta dessas condições econômicas e culturais, especialmente nas famílias
pobres e de baixa escolaridade, pode ser um fator que inviabiliza a adoção das tarefas
escolares como política pedagógica para promover o sucesso escolar.
Uma alternativa para o Pedagogo discutir no coletivo da escola seria definir que
tipo de atividade se espera do aluno como dever de casa: preparação para aulas,
realização de exercícios, conclusão de tarefas iniciadas em classe. Caberia aos pais
proporcionar espaço e tempo, monitorar a conclusão das tarefas e assinar o trabalho
completo. O papel dos professores seria corrigir os deveres feitos e apontar os avanços
obtidos na aprendizagem. À escola caberia definir a freqüência, a quantidade diária de
tarefas e as formas de comunicação família-escola.
Com essas medidas, a adoção de tarefas poderia não só favorecer avanços na
aprendizagem dos conteúdos escolares dos alunos como também melhoraria a
participação dos pais na vida escolar dos filhos.
Uma segunda causa recorrente de conflito entre pais e escola é a questão
disciplinar, no contexto de sala de aula. Para entender a raiz e a influência da
disciplina/indisciplina dos alunos na relação família-escola, é preciso conhecer mais
profundamente que relações existem entre a cultura escolar e a cultura familiar e de
que forma estes dois universos culturais interagem produzindo diferentes jeitos de
conviver e de se relacionar.
Que cultura familiar temos presente no cotidiano da escola? As atitudes
valorizadas na escola, que favorecem a aprendizagem, são aquelas que envolvem a
civilidade e a obediência às regras, às normas de conduta e à horários. Essas atitudes
são aprendidas na socialização primária, que acontece no interior da família. Portanto,
a existência de uma autoridade familiar (paterna/materna) vivida como legítima favorece
a aceitação da autoridade do professor também como legítima.
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Embora alguns educadores valorizem a atividade livre e espontânea dos alunos,
e condenem a disciplina como sendo uma forma de adestramento, outros pensadores,
tais como Gramsci, reconhecem a importância dessa disciplina física e mental:
trabalha-se com rapazolas, aos quais deve-se levar a que contraiam certos hábitos de diligência, de exatidão, de compostura mesmo física, de concentração psíquica em determinados assuntos, que não se podem adquirir senão mediante uma repetição mecânica de atos disciplinados e metódicos. Um estudioso de quarenta anos seria capaz de passar dezesseis horas seguidas numa mesa de trabalho se, desde menino, não tivesse assumido, por meio da coação mecânica, os hábitos psicofísicos apropriados? (GRAMSCI, 1979, p. 133).
Dessa forma, a aprendizagem de hábitos de conduta e de convivência social são
essenciais para o desenvolvimento cognitivo dos estudantes. É nesse sentido de deve
haver convergência entre a cultura escolar e a familiar. È praticamente impossível
ensinar e aprender algo em um ambiente barulhento, desorganizado, em que alunos
circulam e falam desnecessariamente durante a aula.
Para que a aprendizagem efetivamente aconteça, é necessário que o estudante
aprenda a disciplinar-se física e mentalmente. Como escreve Gramsci: “o estudo é
também trabalho, e muito fatigante, é um hábito adquirido com esforço, aborrecimento
e mesmo sofrimento” (GRAMSCI, 1979, p. 139). Gramsci chama a atenção para o fato
de que a participação dos estudantes provenientes das camadas desfavorecidas na
escola pode levar à tendência a afrouxar a disciplina de estudo, a provocar facilidades,
que levam ao aligeiramento dos conteúdos e a um empobrecimento da qualidade do
ensino.
Seria interessante, portanto, considerar a possibilidade de inserir no Projeto
Político-Pedagógico o tema disciplina como uma vivência que atravessa todos os
saberes escolares, já que sem regras de convivência e limites não há possibilidade de
viabilizar a ação docente. Fica claro, também, que para a autoridade do professor ser
aceita como legítima, ela deve basear-se principalmente no exemplo: professores que
tratam os alunos com dignidade e respeito tendem a serem respeitados; professores
que cumprem seus deveres podem cobrar com mais propriedade que os alunos
também os cumpram.
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Em vista disso, podemos buscar uma boa integração entre família-escola, tendo
como objetivo o desenvolvimento social, emocional e cognitivo do aluno. Para que isso
aconteça, temos a necessidade de implementar diferentes estratégias para o
envolvimento da família na vida escolar dos filhos, considerando o contexto cultural, ou
seja, as crenças, os valores e as particularidades dos ambientes familiares.
Ao reconhecer as diferenças entre o ambiente familiar e o escolar, os
educadores podem estabelecer meios apropriados para fornecer orientações
específicas ao segmento família. Ao assumirem a responsabilidade de se
comunicarem de forma clara, simples e compreensível com os pais, abre-se a
oportunidade de se estabelecer uma relação efetiva entre pais e escola. Pais e
professores devem ser honestos uns com os outros e concentrar seus esforços na
aprendizagem da criança.
Os protagonistas do sucesso escolar: professores e alunos
O desempenho e o sucesso dos alunos é em grande parte determinado pelo
professor, por seus conhecimentos, seu envolvimento e sua maneira de conduzir as
atividades de sala de aula. Assim, qualquer proposta de melhoria do processo
educativo passa necessariamente por mudanças concretas no grau de satisfação e
comprometimento do professor com o trabalho na escola.
Porém, vivemos em tempo de enormes mudanças, em que o papel, a autoridade
e a qualificação do professor são constantemente questionados. Isso tem produzido
sintomas que Esteve (1987) chamou de “mal-estar docente”. O Pedagogo precisa
entender como esse mal-estar docente se manifesta e por meio da organização do
trabalho no interior da escola buscar maneiras de enfrentá-lo, de modo a promover a
melhoria do processo ensino-aprendizagem e o sucesso dos alunos.
O trabalho é a temática central das obras de Marx. Para ele, o trabalho é a
essência constitutiva do homem, que deve trabalhar para si, no sentido de que deve
trabalhar para fazer a si mesmo homem. Todavia, o trabalho não cumpre esse sentido
quando é trabalho alienado. Segundo Marx,
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o trabalho alienado se apresenta como algo externo ao trabalhador, algo que não faz parte de sua personalidade. Assim, o trabalhador não se realiza em seu trabalho, mas nega-se a si mesmo. Permanece no local de trabalho com um a sensação de sofrimento em vez de bem-estar, com um sentimento de bloqueio de suas energias físicas e mentais que provocam cansaço físico e depressão. (MARX. Manuscrito econômico-filosófico, primeiro manuscrito, xxiii – 1844 )
A partir do conceito de trabalho “alienado” podemos compreender o que
acontece com o trabalho do professor. Ele acontece como trabalho alienado quando o
professor é apenas um executor de um trabalho docente pensado e fiscalizado por
outros.
No interior da escola, é fácil o Pedagogo cair nessa estrutura de trabalho
alienado. Isso pode acontecer por força das sucessivas reviravoltas nas “tendências
pedagógicas”, que tornam pecado hoje o que era virtude ontem, e deixa em estado de
incerteza o que hoje é virtude. Tudo depende da concepção que está hegemônica, que
lhe é repetida e inculcada pelos órgãos gestores centrais. Mesmo percebendo a
armadilha, o Pedagogo termina por agir como o supervisor de fábrica que acompanha o
operário do filme “Tempos Modernos”! Desse modo tanto o Pedagogo executa o
trabalho pensado por outros, sem refletir, como também exige dos professores que
façam o mesmo.
Para romper com esse estigma que torna o trabalho docente um sofrimento sem
fim, é necessário que o Pedagogo favoreça o desenvolvimento do trabalho coletivo na
escola. A elaboração e o desenvolvimento do Projeto Político-Pedagógico é um espaço
privilegiado para essa ação coletiva, não-alienante, não solitária, mas solidária, para
que todos se reconheçam no trabalho educativo.
Em “A Banalização da Injustiça Social”, Cristophe Dejours (1999) faz referência
à outra fonte de sofrimento no trabalho: as relações de poder, que se apresentam no
ambiente de trabalho como relações autoritárias e de controle, gerando tensões e
ansiedades. Dejours descreve essa fonte de sofrimento:
Esta atmosfera tem como efeito principal envenenar as relações entre empregados, criar suspeitas, rivalidades e perversidades de uns para outros. Fica, assim, deslocado o conflito de poder. De um conflito no sentido vertical, as contradições passam a se dar então no plano horizontal. (...) Então, a permanência do controle deve
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ser relembrada por outros meios; assim, a rivalidade e a discriminação asseguram um grande poder à supervisão. (Dejours, apud OLIVEIRA, 2006)
É possível que no ambiente escolar se desenvolva o tipo de relação de poder
que contribui para o sofrimento psíquico, na forma de relações que desqualificam o
professor . Tal desqualificação tem início naqueles que estudam a educação, e tendo
um olhar distante da realidade da escola pública, enxergam no professor e sua atuação
em sala de aula a raiz de todos os males do ensino. È o caso de se perguntar: como o
professor formou-se professor? Não passou ele por uma faculdade, não foi discípulo
daqueles que depois o criticam como não tendo boa formação? Seria ideal que os
professores do ensino superior fizessem tal autocrítica.
Como exemplo dessa discriminação contra o professor da educação básica, é
possível citar um texto encaminhado para estudo aos professores, em 2008, como
parte do programa de formação continuada da Secretaria de Estado da Educação do
Paraná. O autor indicado para estudo afirma que os professores fazem uso de
“ameaça e tortura prévia dos alunos”, praticam “terrorismo”, e “sadismo homeopático”
(Grupo de estudos 2008 - 4º encontro Biologia, p.10). É possível que aqueles que
ocupam postos de gestão nos órgãos centrais acreditem que a leitura dessas idéias
preconceituosas, discriminatórias e difamantes fará dos professores melhores
professores. No entanto, estas afirmações, feitas por personalidades respeitadas no
mundo acadêmico, não contribuem para a melhoria da qualidade do ensino, nem para o
sucesso escolar dos alunos, porém têm contribuído muito para desqualificar o professor
da educação básica e para aumentar seu sofrimento psíquico.
Como Pedagogos, sabemos que o reconhecimento pelo trabalho realizado é
fundamental para a saúde do professor. Na medida em que o professor percebe que
seu trabalho é valorizado – pelos alunos, pela família dos alunos, pela burocracia
estatal e acadêmica - é capaz de responder com iniciativa e criatividade. Quando
porém, esse reconhecimento não acontece, são dadas as condições para que se
manifeste o desinteresse e insatisfação pelo que realiza.
Chegamos agora à figura central no processo escolar: o aluno. Pesquisas como
de Charlot (2000) demonstram que a relação do jovem com o saber é um dos fatores
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para o sucesso escolar. E o ato de ensinar não tem relação obrigatória com o ato de
aprender. O professor não tem o controle absoluto sobre os resultados de sua ação
docente. Como argumenta Souza:
Educa-se num sentido, o resultado nunca é exatamente aquele esperado: pais e professores sabem disso. Não se pode obrigar o desejo. Pode-se sim, incitar, multiplicar sinais e apelos, preparar uma aula interessante, já se sabe que a relação do professor com o conhecimento exerce efeitos sedutores, etc. Mas definitivamente, parte do aluno, como sujeito, o colocar-se ou não em movimento em direção ao saber (...) A tarefa fundamental da escola é aprender e o poder de colocar alguém no lugar de professor, no fundo, é do aluno. (SOUZA, 2008, p.20)
É um fato que a democratização do acesso ao ensino fundamental trouxe para a
escola um alunado oriundo de famílias que não tiveram, elas próprias, um percurso de
escolarização. Está claro, também, que alunos pobres são os que mais fracassam na
escola. Para Ireland:
A cadeia completa é a seguinte: (o aluno) é pobre, luta para sobreviver, não estuda muito, fracassa. É um erro desconhecer a importância da pobreza, outro erro é desprezar a implicação do sujeito na produção do sucesso ou do fracasso escolar. Ignorá-a é, na maioria das vezes, substituir o trabalho paciente de transformação real das situações atuais por uma denúncia sociopolítico legítima, porém impotente. (IRELAND, 2007, p.37)
Porém, a alternativa para a superação dessa não- aprendizagem, tanto por parte
de educadores neoliberais quanto de progressistas tem sido tratar o aluno com
condescendência, como um “coitadinho” de quem não se deve exigir esforço,
dedicação ou autodisciplina, como se não tivesse condições cognitivas para aprender
os conteúdos escolares, num processo de aligeiramento do ensino. Deixa-se, assim, de
considerar que o aluno é sujeito e não objeto, portanto, estabelece relações com o
saber, com a escola e com o fato de aprender (Charlot, 2000). Deixa-se de considerar,
também, que o sucesso escolar exige uma formação docente inicial e em serviço
voltada para o atendimento do aluno real, nas condições objetivas reais da escola
pública atual.
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Algumas Conclusões
Neste artigo busquei analisar o sucesso escolar através dos fatores externos e
intraescolares que impactam sobre a aprendizagem dos alunos das camadas populares
no ensino fundamental. Considerei como sucesso escolar não só a permanência do
aluno na escola e a aprovação série a série, mas a efetiva aprendizagem dos
conteúdos escolares. Sem aprendizado , dificilmente o aluno entenderá o sentido da
escola. Esses são pontos fundamentais na definição sucesso escolar. Assim a melhoria
do processo de ensino significa neste texto a elevação dos níveis de aprendizado dos
alunos.
A literatura consultada mostra que os maiores determinantes do desempenho
escolar estão fora do âmbito da escola. Tais pesquisas levaram muitos à conclusão
que a escola pesaria pouco na determinação do êxito de aprendizagem dos alunos.
Por outro lado, as teorias desenvolvidas a partir da obra de Pierre Bourdieu, apontam
que em sociedades desiguais, como a brasileira, o nível esperado de desempenho
escolar varia enormemente de acordo com o nível socioeconômico das famílias dos
estudantes.
Sabemos que a escola, por si só, não é capaz de mudar esta determinação
social, mas algumas escolas conseguem que seus alunos tenham um aprendizado
melhor do que outros alunos do mesmo contexto socioeconômico. Isso prova que o
trabalho realizado pela escola é relevante e decisivo, mesmo em face das barreiras
colocadas pela estratificação social presente na sociedade brasileira. Portanto,
planejar o aumento do desempenho escolar de alunos significa utilizar intervenções
possíveis na organização do trabalho pedagógico realizado pelo coletivo da escola.
Nas escolas da rede estadual do Paraná, essa organização do trabalho
pedagógico é responsabilidade do Pedagogo, que tem como função coordenar a
elaboração coletiva do projeto político-pedagógico da escola. Assim, o primeiro objetivo
do Pedagogo é conhecer os fatores que influenciam o desempenho dos alunos e as
dificuldades para a melhoria desse desempenho. Outras providências simples são:
garantir o bom uso do tempo escolar; implementar diferentes estratégias para o
envolvimento da família na vida escolar dos filhos, considerando o contexto cultural dos
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ambientes familiares; valorizar o trabalho do professor, criando espaços para a
discussão coletiva e contextualizada do trabalho pedagógico.
Certamente, é grande o desafio do Pedagogo em efetivar uma ação coletiva na
escola que rompa com o estigma da “inclusão excludente”. Queremos que nossos
alunos aprendam, queremos que o acesso à escola signifique também o acesso ao
conhecimento. O Pedagogo cumpre bem seu papel quando assume a liderança no
interior da escola na busca do sucesso escolar para todos os alunos e deixa de ser um
mero “executor” da decisão de lideranças acadêmicas e educacionais.
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