acessibilidade no espaÇo pÚblico urbano: um … · de deslocamentos no espaço urbano brasileiro,...

10

Click here to load reader

Upload: vuongbao

Post on 22-Nov-2018

212 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: ACESSIBILIDADE NO ESPAÇO PÚBLICO URBANO: UM … · de deslocamentos no espaço urbano brasileiro, se forem somadas estas duas categorias, sem considerar outros grupos que compõem

ACESSIBILIDADE NO ESPAÇO PÚBLICO URBANO: UM NOVO DESAFIO PARA A SUSTENTABILIDADE

João Carlos Roberto Campaneli da Silva (1); Júlio César Cardoso Rodrigues (2) (1) Mestre em Planejamento e Gestão de Cidades – Universidade Candido Mendes – Campos dos

Goytacazes – Brasil – E-mail: [email protected] (2) Prof. Dr., Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ – Departamento de Urbanismo e

Meio Ambiente – Rio de Janeiro – Brasil – E-mail: [email protected]

RESUMO

Nas últimas cinco décadas, um crescimento populacional acelerado aliado à ausência de planejamento urbano, fizeram com que as cidades brasileiras chegassem ao século XXI com sérios problemas. Dentre eles, a carência de acessibilidade para os deslocamentos das pessoas, especialmente, as com deficiência. Segundo o Ministério das Cidades, esta adversidade pode comprometer sensivelmente a sustentabilidade urbana. Considerando que 14,5% da população brasileira têm algum tipo de deficiência e mais de 8,5% têm dificuldade para se locomover, em função de idade, obesidade, enfermidade, etc., a ausência de acessibilidade torna-se um problema relevante e bastante atual, demonstrado em alguns estudos. Partindo da observação direta das vias urbanas no perímetro central do município de Campos dos Goytacazes – RJ, foi possível diagnosticar que elas não oferecem, em geral, condições adequadas de acessibilidade e mobilidade para os deslocamentos de seus cidadãos. A ausência de políticas públicas específicas contribui, também, para este quadro, apesar de uma vasta legislação existente em favor da acessibilidade.

Palavras-chave: Acessibilidade e Mobilidade Urbana, Pessoa com Deficiência e Vias e Mobiliário Urbanos.

ABSTRACT

In the last fifty years, a quick enlargement of population associated with non-urban planning resulted in Brazilian cities with serious problems nowadays. An example of these problems is the less accessibility for people locomotion, especially people with deficiency. In the vision of Ministry of Cities, this adversity would be compromise the urban sustainability. The absence of accessibility becomes a important and actual problem due 14.5% of Brazilans has a kind of deficiency and over than 8.5% has difficulty to move from place to place alive age, obesity, disease, etc. These direct observation of urban ways in the central perimeter of Campos dos Goytacazes – RJ city made possible diagnostic that the urban ways don’t have, in general, appropriate conditions to locomotion and accessibility for people of cities. The absence of specific public policy corroborate to this situation too, although there was many laws in favour of the accessibility.

Key-words: Accessibility and Urban Mobility, People with Deficiency, Ways and Urban Furniture.

- 759 -

Page 2: ACESSIBILIDADE NO ESPAÇO PÚBLICO URBANO: UM … · de deslocamentos no espaço urbano brasileiro, se forem somadas estas duas categorias, sem considerar outros grupos que compõem

1 INTRODUÇÃO

O acelerado crescimento demográfico das cidades brasileiras 1, nas últimas décadas, trouxe como conseqüência um número considerável de problemas que desafiam a sociedade e o poder público constituído. Entre outros, encontra-se a carência de acessibilidade urbana que atinge mais profundamente as Pessoas com Deficiência (PCD) e as Pessoas com Dificuldade de Locomoção (PDL)2. Ela se apresenta através da inadequação de boa parte dos espaços públicos no atendimento das necessidades básicas de acesso aos bens e serviços coletivos urbanos por todas as pessoas. A precária condição de acessibilidade pode comprometer sensivelmente a sustentabilidade3 da cidade.

A acessibilidade urbana é tema atual e desperta interesse dos setores acadêmico e profissionalizante, em particular, na área da arquitetura e urbanismo. Constitui-se igualmente em preocupação crescente para os gestores da administração pública, porque a heterogenia humana e a oportunidade desigual para acesso aos espaços urbanos têm colocado mais de 10% (OMS)4 da população mundial na condição de socialmente excluídos, devido aos diferentes tipos de deficiências. No Brasil, este indicador chega a 14,5% (IBGE, 2000) da população total, atingindo 13,8% no município de Campos dos Goytacazes, estado do Rio de Janeiro. Adicionando-se a este grupo 8,5% de idosos, que representam apenas uma parte das PDL, chega-se a um total de 23% da população. Assumindo o pressuposto de que o atual percentual de PCD divulgado pelo IBGE não mude até o ano de 2025 — ano para o qual, segundo o Ministério das Cidades (2004, p.16), estima-se que 15% da população brasileira estarão com idade superior a 60 anos — ter-se-á o percentual de 29,5% de pessoas excluídas de deslocamentos no espaço urbano brasileiro, se forem somadas estas duas categorias, sem considerar outros grupos que compõem as PDL5. Estes dados salientam a essencialidade de se compreender a importância social do espaço público urbano e demonstram o quanto é fundamental e urgente adequá-lo ao conceito de desenho universal6, para a sustentabilidade da cidade.

Considerando as necessidades de deslocamentos das PCD e das PDL, surgiram os seguintes questionamentos: as vias públicas, em especial as calçadas, oferecem condição de mobilidade para acessibilidade aos bens e serviços públicos? Existem barreiras arquitetônicas influenciando os deslocamentos pela área central da cidade? A gestão municipal tem promovido políticas públicas que venham ao encontro das necessidades de acessibilidade?

A pesquisa objetivou, então, diagnosticar a oferta de acessibilidade dispensada às PCD e às PDL, no centro urbano do município de Campos dos Goytacazes, para o alcance aos bens e serviços, através da mobilidade pelo tecido citadino, observando a rede viária e as políticas públicas municipais, tendo por base o conceito de desenho universal.

O centro urbano do município foi eleito para a pesquisa, pelo fato de esta zona concentrar, em si e em seu entorno, grande parte dos principais equipamentos urbanos responsáveis pelo maior espectro de atividades comerciais e de serviços. Por outro lado, o elemento histórico acha-se presente já que o centro reúne também a maior parte das construções de prestígio da cidade possibilitando intensa

1 Em 1940, o Brasil era um país rural, com cerca de 70% da sua população morando no campo (IBGE). Em 2000, mais de 82% da população brasileira era urbana (IBGE, 2000). 2 Serão adotadas, daqui a diante, apenas as siglas: PCD para designar a pessoa com deficiência e PDL para a pessoa com mobilidade reduzida. 3 O conceito de sustentabilidade varia de acordo com o tema e as circunstâncias em que está sendo tratado. Neste trabalho, adotou-se que a sustentabilidade da cidade se encontra na compatibilização do seu crescimento e eficiência econômica com a conservação ambiental, a qualidade de vida e equidade social, de acordo com o Ministério das Cidades (2004). 4 OMS - Organização Mundial da Saúde. 5 Aquela que, temporária ou permanentemente, tem limitada sua capacidade de relacionar-se com o meio e de utilizá-lo (NBR 9050/04). A exemplos: idosos, obesos, gestantes, enfermos, etc. 6 “Aquele que visa atender à maior gama de variações possíveis das características antropométricas e sensoriais da população” (NBR 9050, 2004, p.11).

- 760 -

Page 3: ACESSIBILIDADE NO ESPAÇO PÚBLICO URBANO: UM … · de deslocamentos no espaço urbano brasileiro, se forem somadas estas duas categorias, sem considerar outros grupos que compõem

atividade sócio-cultural7. Acrescido do fato de que para esta mesma área convergem todas as linhas municipais de ônibus, tem-se, por conseqüência, que é neste espaço, e em horário diurno dos dias úteis, que se produz a circulação do maior número de pedestres em todo município.

Foi utilizada a observação direta como técnica de pesquisa, investigando nas vias públicas: as calçadas, quanto ao piso, e o mobiliário urbano quanto ao tipo e disposição espacial. Entrevistas com responsáveis técnicos da Empresa Municipal de Transporte – EMUT, Secretaria Municipal de Planejamento e Secretaria Municipal de Obras, completaram a coleta de dados.

A área da pesquisa abrangeu 24 quadras, perfazendo um total de 21 logradouros, sendo: 4 ruas inteiras, 9 seções de ruas, 4 seções de avenidas, 1 travessa, 2 praças e 1 Boulevard. Ela foi delimitada entre: Rua Barão do Amazonas, trecho entre a rua Ten. Cel. Cardoso e Av. XV de Novembro — Av. XV de Novembro, trecho entre a rua Barão de Amazonas e Carlos de Lacerda — Rua Dr. Carlos de Lacerda, trecho entre a Av. XV de Novembro e a rua Ten. Cel. Cardoso — Rua Ten. Cel. Cardoso, trecho entre a rua Dr. Carlos de Lacerda e a rua Barão do Amazonas.

2 ACESSIBILIDADE E ESPAÇO PÚBLICO URBANO: ALGUNS CONCEITOS

Acessibilidade é um conceito recente para a abordagem da deficiência. A primeira palavra, em si, é muito abrangente, podendo indicar a condição de acesso à informação, trabalho, saúde, educação, lazer, comunicação, etc. Segundo o dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, acessibilidade deriva do latim accessibilitate e significa a qualidade de ser acessível, ou ainda, facilitar o acesso a alguma coisa. A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), através da Norma Brasileira (NBR) 9050 (2004, p.2), define acessibilidade como “possibilidade e condição de alcance, percepção e entendimento para utilização com segurança e autonomia de edificações, espaços, mobiliário, equipamento urbano e elementos”.

Para Cohen e Duarte (2001, p.2),

a delimitação adequada do conceito de acessibilidade reside no seu potencial de gerar novos paradigmas para o planejamento de espaços, bem como para a reflexão e abordagem de uma temática que tem estado tão presente em discussões onde se buscam respostas para os inúmeros problemas hoje encontrados nas cidades por pessoas com deficiência.

A acessibilidade não se aplica somente as PCD, mas igualmente a outros grupos de pessoas portadoras de mobilidade reduzida: aquelas que têm necessidades especiais de receberem determinadas informações ou de se deslocarem através das vias urbanas e dos meios coletivos de transporte, devido a alguma limitação em função da idade, estado de saúde, estatura, obesidade, deficiências e outras condicionantes (Ministério das Cidades, 2004).

Como trata o presente trabalho da discussão da acessibilidade e mobilidade no espaço público urbano, faz-se necessário explicitar o conceito de espaço público adotado:

Fisicamente, o espaço público é, antes de mais nada, o lugar, praça, rua, shopping, praia, qualquer tipo de espaço, onde não haja obstáculos à possibilidade de acesso e participação de qualquer tipo de pessoa... Essa acessibilidade é física, mas também diz respeito ao fato de que não deve estar condicionada à força de quaisquer outros critérios senão daqueles impostos pela lei que regula os comportamentos em áreas comuns. (Gomes, 2002, p.162) (grifo dos autores)

7 Segundo Faria (2005, p.18), em Campos, a aplicação sucessiva de intervenções no espaço pelo poder público tem priorizado sua área central e bairros próximos, desde a década de 1880.

- 761 -

Page 4: ACESSIBILIDADE NO ESPAÇO PÚBLICO URBANO: UM … · de deslocamentos no espaço urbano brasileiro, se forem somadas estas duas categorias, sem considerar outros grupos que compõem

3 O MUNICÍPIO DE CAMPOS DOS GOYTACAZES E SEU CENTRO URBANO

Campos dos Goytacazes, antiga vila elevada à categoria de cidade em 28 de março de 1835, teve na cultura da cana-de-açúcar, desde o século XIX até aos anos 1950, a sua principal riqueza. Segundo Lopes (1988, p.5), “Talvez nenhuma outra cidade no Brasil possa melhor exemplificar a origem e a evolução de um importante centro urbano a partir da associação clássica da monocultura extensiva com o trabalho escravo”.

O município localiza-se estrategicamente na região Norte Fluminense do Estado do Rio de Janeiro, entre três importantes centros – os dois primeiros de expressão nacional - econômicos, políticos e culturais do país: Rio de Janeiro (a 274 km), Belo Horizonte (a 670 km) e Vitória (a 230 km). Com uma população de 406.989 habitantes (IBGE, 2000), é a sétima cidade mais populosa do estado e a primeira externa à sua região metropolitana. O município tem uma área de 4.032 km2 (Ibid., 2000) — que o faz ser o maior município em extensão territorial do estado — e vem conhecendo expressivo crescimento econômico, nos últimos anos, em razão dos royalties recebidos provenientes da exploração petrolífera em sua bacia, a qual é responsável por mais de 80% da produção nacional. Apesar dessas proficuidades, e acrescido de uma taxa de urbanização que já atinge 89,5% da sua população (Ibid., 2000), o município encontra-se muito aquém do esperado quanto à necessária oferta de acessibilidade para atender seus habitantes.

4 ACESSIBILIDADE NAS VIAS URBANAS DO CENTRO DO MUNICÍPIO DE CAMPOS DOS GOYTACAZES

O processo da inclusão espacial das PCD e das PDL passa necessariamente pelas condições das vias urbanas. Daí a necessidade de estas serem bem planejadas e ajustadas aos princípios do desenho universal. A via urbana deve ser um espaço construído para dar independência de mobilidade a seus usuários, quaisquer que sejam suas características antropométricas ou idade cronológica. Deve o espaço urbano se revestir da magnitude de sua função precípua de democratizar e socializar a cidade promovendo oportunidade para todos.

A Via é definida, pelo Código de Trânsito Brasileiro (CTB) (1997, p.102), como “superfície onde transitam veículos, pessoas e animais, compreendendo a pista, a calçada, o acostamento, ilha e canteiro central, delimitada em seus extremos pelos lotes lindeiros”. O mesmo CTB determina como Via Urbana as “ruas, avenidas, vielas ou caminhos e similares abertos à circulação pública” (ibid, p.102) desde que situados em área urbana. Apesar da associação comum de via urbana à rua, esta última é apenas uma das denominações possíveis para via. No âmbito deste artigo, nosso foco recai sobre as calçadas, a parte mais importante das vias para o deslocamento dos pedestres.

4.1 As Calçadas

Segundo o Ministério das Cidades (2004, p.133), o perfil do transporte urbano de pessoas no Brasil, por modal, está dividido da seguinte forma: a pé 35%, transporte coletivo 32%, automóvel 28%, bicicleta 3% e motocicleta 2%.

Os dados revelam que o deslocamento feito a pé, sobrepondo-se mesmo ao uso do transporte coletivo, ainda é o meio de locomoção mais utilizado. Este fato serve para ratificar a importância desse elemento urbano na vida cotidiana de milhões de brasileiros que é a calçada. Ela é, por excelência, conforme definição do Código de Trânsito Brasileiro – CTB (1997, p.102), o lugar reservado ao trânsito de pedestres. Ou seja, ela foi criada para facilitar a circulação do homem separando-o da competição com os veículos nas vias públicas.

Assim, a calçada só tem sentido de existência em função do pedestre. Cabe também lembrar que pedestre não define uma classe específica da população, mas uma condição temporária em que determinado indivíduo pode se encontrar. Desta forma, “com poucas exceções, praticamente todos os

- 762 -

Page 5: ACESSIBILIDADE NO ESPAÇO PÚBLICO URBANO: UM … · de deslocamentos no espaço urbano brasileiro, se forem somadas estas duas categorias, sem considerar outros grupos que compõem

deslocamentos incluem pelo menos um trecho percorrido a pé e muitos são feitos exclusivamente a pé” Gold (2003, p.2).

Nos grandes centros urbanos, com freqüência, devido ao crescimento do número de automóveis, as calçadas têm sido reduzidas para dar lugar a ruas e avenidas mais largas. “Em várias cidades não há um padrão de construção dos passeios, resultando em pisos desiguais, degraus, inclinações inadequadas, buracos e outros obstáculos”(Medeiros, 2004, p.1).

Para Gold (2003, p.2), três fatores definem a qualidade da calçada no atendimento conveniente aos pedestres. São eles:

• Fluidez – Ela está relacionada à “largura e espaço livre compatíveis com os fluxos de pedestres, que conseguem andar em velocidade constante”.

• Conforto - Quando a calçada apresenta piso nivelado e antiderrapante em sua totalidade.

• Segurança – A calçada é segura quando “não oferece aos pedestres nenhum perigo de queda ou tropeço”.

Na pesquisa de campo, encontrou-se a seguinte realidade quanto aos pisos das calçadas observadas.

Condições dos Pisos das Calçadas

02468

10121416182022

Nivelado Buraco Derrapante

de L

ogra

dour

os

NÃO

SIM

Figura 1 – Condições dos pisos das calçadas quanto às variáveis: nível, conservação e aderência. Fonte: Dissertação de Mestrado Silva (2006, p.93)

Analisando a figura 1, verifica-se, pelo gráfico, que os logradouros não atendem às recomendações determinadas pelas normas brasileiras, especialmente a NBR 9050, quanto à regularidade, à estabilidade e à segurança. Dos 21 logradouros observados, 90% apresentam-se desnivelados, com buracos e com pisos derrapantes. Os buracos, além de numerosos, destacam-se por seus tamanhos e profundidades. Alguns chegam a ter mais de 1m de diâmetro e 20 cm de profundidade, muitas vezes ocupando toda a largura da calçada. Além de dificultar a circulação, aumentam o risco de acidentes para os transeuntes. (v. fig. 2).

- 763 -

Page 6: ACESSIBILIDADE NO ESPAÇO PÚBLICO URBANO: UM … · de deslocamentos no espaço urbano brasileiro, se forem somadas estas duas categorias, sem considerar outros grupos que compõem

BA

A foto “B” da figura 2 mostra a dificuldade da pedestre ao se deparar com um buraco na calçada, implicando desvios feitos por ela para superar o obstáculo. Mas como seria vivenciada esta situação por um deficiente visual, um cadeirante8 ou um idoso?

Quanto aos tipos de pisos utilizados na pavimentação das calçadas, a pesquisa revelou os seguintes resultados:

A figura 3 representa os tipos de pisos presentes em cada logradouro observados e não a área ocupada pelos mesmos na dimensão total das calçadas. Pode-se constatar a considerável variedade de pisos encontrados na observação de campo destacando-se a pavimentação em pedra portuguesa que aparece em 20 das 21 calçadas dos logradouros analisados, o que representa 95% do total. Em 14 das 21 calçadas, havia pisos de concreto, representando 66,6% do total observado. No parecer de Gold (2003, p.17), concreto “é a superfície preferida para os passeios, provém a maior vida útil e menor manutenção”. Este piso aparece como o segundo tipo mais empregado por logradouro da área observada, porém, há de destacar que na verdade este revestimento está presente em pequenos trechos

Figura 2 – Buracos encontrados nos logradouros observados, sendo foto “A”: rua 13 de Maio; foto “B”: rua Carlos de Lacerda. Fonte: Dissertação de Mestrado Silva (2006, p.95).

Tipos de Pisos das Calçadas

0

3

6

9

12

15

18

21

PedraPortuguesa

PedraComum

Concreto Bloquete GranitoPolido

GranitoNatural

Cerâmica

de L

ogra

dour

os

Figura 3 – Tipos de pisos encontrados nos logradouros observados. Fonte: Dissertação de Mestrado Silva (2006, p.96)

8 Pessoa com deficiência que utiliza a cadeira de rodas para sua locomoção.

- 764 -

Page 7: ACESSIBILIDADE NO ESPAÇO PÚBLICO URBANO: UM … · de deslocamentos no espaço urbano brasileiro, se forem somadas estas duas categorias, sem considerar outros grupos que compõem

na extensão das calçadas. Os pisos em pedra comum, granito polido e cerâmica, menos freqüentes na pesquisa, não são revestimentos indicados para os logradouros públicos, por não oferecerem boa aderência.

Quanto às larguras das calçadas observadas, surpreende a oscilação que pode estar presente até sobre uma mesma calçada, variando de 0,30 a 3,60 metros. A NBR 9050 (2004, p.53) recomenda a largura de 1,50m para a faixa livre das calçadas, admitindo o mínimo de 1,20m.

4.2 O Mobiliário Urbano

Mourthé (1998, p.7) considera bastante apropriada a tradução do termo vindo do francês mobilier urbain, que significa decorar ou mobiliar a cidade, porém ela acrescenta que a função do mobiliário urbano vai além do simples ofício de ser mobília ou decoração de uma cidade. “Seu papel interativo entre espaços públicos e usuários influencia e é influenciado pelos comportamentos sociais e expressões culturais regionais – que têm de ser levados em conta” (ibid., p.11-12).

Para a NBR 9050 (2004, p.3), esta expressão é o conjunto de “todos os objetos, elementos e pequenas construções integrantes da paisagem urbana, de natureza utilitária ou não, implantados mediante autorização do poder público em espaços públicos e privados”.

As peças do mobiliário urbano são normalmente dispostas no espaço, considerando a sua função utilitária e decorativa, ou seja, complementando a urbanização para atender as necessidades humanas e buscando melhorar a qualidade de vida das pessoas (Laufer, Okimoto e Ribas, 2003, p.2). Assim, ele deve ser repensado enquanto peça de design citadino, principalmente pelo potencial de se tornar barreira física para a mobilidade das pessoas, quando da localização inadequada e ausência de sinalização (Silva, 2006, p.58)

Abstendo-se de levantar causas, mas considerando seus efeitos, o fato real é que o tecido citadino vem sofrendo forte invasão de peças de mobiliário urbano — principalmente de objetos não funcionais e sem valor sociocultural — fazendo do espaço público certa extensão do privado.

Diversas peças do mobiliário foram encontradas no espaço urbano analisado, destacando-se: os postes, as placas de sinalização, as lixeiras, os telefones públicos e os ornamentos vegetais como os mais presentes nas vias centrais campistas. Em relação aos postes, estes objetos encontram-se com freqüência instalados junto ao centro das calçadas, constituindo-se em obstáculos urbanísticos em 95% dos logradouros observados. Em 14 dos 21 logradouros analisados, os postes ainda são utilizados como suporte para lixeiras suspensas.

Outras peças do mobiliário urbano da cidade também afetam a mobilidade das pessoas devido à sua instalação espacialmente inadequada e a falta de sinalização, tornando-se barreiras físicas para as pessoas com deficiência. Telefones públicos, ornamentações, bancos de praça sem sinalização tátil de alerta; cestas de lixo amarradas em postes e placas de sinalização; bancas de jornal e quiosques com mesas e cadeiras estendidos sobre as calçadas, são os exemplos que apareceram, pela ordem, com mais freqüência.

A fig. 4 ilustra a dimensão que estas barreiras físicas podem ter sobre as vias analisadas.

- 765 -

Page 8: ACESSIBILIDADE NO ESPAÇO PÚBLICO URBANO: UM … · de deslocamentos no espaço urbano brasileiro, se forem somadas estas duas categorias, sem considerar outros grupos que compõem

Figura 4 – Diversos objetos do mobiliário urbano constituindo obstáculos à livre a circulação das pessoas. Fonte: Dissertação de Mestrado Silva (2006, p.102 e 104).

5 O MUNICÍPIO E ACESSIBILIDADE – REFLEXÕES FINAIS

Na análise das vias públicas, as calçadas, segundo as variáveis: fluidez, conforto e segurança do mobiliário urbano quanto à disposição espacial e à sinalização, a presença de buracos, pisos inadequados e desnivelados, deficiência de sinalização sonora e tátil, mobiliário urbano constituindo-se em barreiras arquitetônicas, etc., indicaram que o centro urbano de Campos dos Goytacazes é um ambiente inacessível para as PCD e as PDL. Este adjetivo aplica-se mesmo aos trechos da área, objetos de intervenções públicas recentes, caso das Praças São Salvador e Quatro Jornadas, em 2005 (Silva, 2006, p.94).

Certamente, diversos são os elementos que contribuíram para o constatado. Legislação urbanística municipal de cada época, nível de tolerância às atividades informais, visão limitada do conceito de cidadania, falhas na elaboração e execução de projetos urbanísticos, a formação profissional do arquiteto urbanista, são somente alguns deles. Neste artigo, foi privilegiada a análise da atual normalização federal, inclusive o grau de conhecimento acerca da mesma pelo poder público municipal.

Constatou-se, primeiramente, que não há ausência de legislação ou normalização, pois, no Brasil, diversos instrumentos legais foram instituídos, visando favorecer a questão da acessibilidade e da mobilidade urbana. Na esfera federal, quatro deles merecem destaque: a Constituição Federal Brasileira de 1998; a Lei 10.257/01, denominada Estatuto da Cidade, instrumento que regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição Brasileira, estabelecendo diretrizes gerais para a política urbana, visando ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana; o Decreto 5.296/04, que regulamenta as Lei n° 10.048, de 8 de novembro de 2000, que dá prioridade de atendimento às PCD e a Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000, que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade. Acrescente-se também a NBR 9050 (2004, p.9) que “estabelece critérios e parâmetros técnicos a serem observados quando do projeto, construção, instalação e adaptação de edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos às condições de acessibilidade”. Vale lembrar que há ainda outros instrumentos, além da esfera federal, que se ocupam

A

C

B

D

AA BB

CC DD

- 766 -

Page 9: ACESSIBILIDADE NO ESPAÇO PÚBLICO URBANO: UM … · de deslocamentos no espaço urbano brasileiro, se forem somadas estas duas categorias, sem considerar outros grupos que compõem

do tema nos níveis estadual e municipal. Pode-se, então, afirmar que as PCD e as PDL estão muito bem amparadas pela legislação e normas que orientam a construção do espaço acessível.

O descompasso entre as normas e a inacessibilidade constatada no perímetro central de Campos ensejou a realização de entrevistas com responsáveis diretos pelo planejamento e execução de obras e intervenções nas vias públicas do município, a saber: EMUT – Empresa Municipal de Transporte, Secretaria de Planejamento e Secretaria de Obras. Mesmo percebendo a boa intenção dos gestores públicos em quererem um município mais acessível, ficou transparente que, na prática, não são adotados os critérios e parâmetros técnicos normalizados para a acessibilização9 do espaço público urbano e não há política pública voltada para a inclusão espacial das PCD10. Evidenciou-se também uma tendência a se promover o fluxo de veículos nas intervenções urbanas, relegando a mobilidade dos pedestres a segundo plano. Quanto aos dois principais instrumentos federais de acessibilidade urbana, enquanto o Decreto 5.296/04 é praticamente desconhecido pelos três órgãos pesquisados, a NBR 9050 é bastante difundida. Exceto para o serviço de fiscalização da Secretaria de Obras, esta última norma constitui fonte de consulta para os encarregados das vias urbanas municipais. Tais informações nos permitem observar uma contradição face ao diagnóstico da pesquisa e identificar aí um ponto nevrálgico em torno do qual gira a questão da não acessibilização do espaço central de Campos dos Goytacazes o que, conseqüentemente, compromete a sustentabilidade do município.

6 REFERÊNCIAS ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS – ABNT. NBR 9050. Acessibilidade de Pessoas Portadoras de Deficiências a Edificações, Espaço, Mobiliário e Equipamentos Urbanos. Rio de Janeiro, 31 mar. 2004.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 05 out. 1988.

__________. Decreto 5.296 – Regulamenta as Leis nos 10.048, de 8 de novembro de 2000, que dá prioridade de atendimento às pessoas que especifica, e 10.098, de 19 de dezembro de 2000, que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida e dá outras providências. Brasília, DF, 02 dez. 2004. Publicado no DOU 03 dez. 2004.

__________. Lei 9.503 – Institui o Código de Trânsito Brasileiro. Brasília, DF, 23 set. 1997. Publicada no DOU nº 184 de 24 set. 1997.

__________. Lei 10.048 – Dá prioridade de atendimento às pessoas que especifica, e dá outras providências. Brasília, DF, 08 nov. 2000. Publicada no DOU de 09 nov. 2000.

__________. Lei 10.098 – Estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida. Brasília, DF, 19 dez. 2000. Publicada no DOU de 20 dez 2000.

__________. Lei 10.257 – ESTATUTO DA CIDADE - Regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Brasília, DF, 10 jul. 2001. Publicada no DOU 11 jul. 2001.

__________. Ministério das Cidades - Secretaria Nacional de Transporte e da Mobilidade Urbana. Manual de Referência para a Acessibilidade de Pessoas com Restrição de Mobilidade, Brasília, DF, jun. 2004.

9 O termo ainda não consta dos dicionários de língua portuguesa, mas constitui uma reivindicação significativa de alguns dos intelectuais que abraçam a causa da acessibilidade, entre os quais os Professores campistas Mário Galvão e Edissa Fragoso da Universidade Estadual Norte Fluminense (UENF). O conceito “acessibilizar” no sentido de “tornar um espaço acessível” também foi adotado na dissertação de mestrado de Silva (2006). 10 Um passo importante foi dado, quanto à gestão municipal, com a criação em 2005 do COMDE (Conselho Municipal para a Inclusão Social da Pessoa com Deficiência) Lei nº de 7755, de 22 de novembro de 2005.

- 767 -

Page 10: ACESSIBILIDADE NO ESPAÇO PÚBLICO URBANO: UM … · de deslocamentos no espaço urbano brasileiro, se forem somadas estas duas categorias, sem considerar outros grupos que compõem

__________. Ministério das Cidades – Perfil da Mobilidade, do Transporte, e do Trânsito nos Municípios Brasileiros. Brasília, DF, dez. 2004. Disponível em: http://www.cidades.gov.br/index.php?option=content&task=view&id=421. Acesso em: 18 set. 2005.

COHEN, Regina; DUARTE, Cristiane Rose. Subsídios para o planejamento de acessibilidade aos espaços urbanos. Belo Horizonte, 2001. In: Anais do II Seminário Internacional Sociedade Inclusiva, PUC-Minas (Texto encaminhado, por e-mail, pelas autoras).

FARIA, Teresa Peixoto. Introdução in Moraes, Roberto (org.), Campos dos Goytacazes – “Uma cidade para todos” – Análises e Resoluções da 1ª Conferência Municipal em 2003 – Subsídios para a 2ª Conferência em 2005, CEFET CAMPOS, 2005, pp. 17-22.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio. CD-ROM, versão 5.0.

GOLD, Philip Anthony. Melhorando as condições de caminhada em calçadas. São Paulo, 2003. 30 p. – (Nota técnica). Disponível em: <http://www.pedestre.org.br/images_conteudo/NTCalçadasPhilip-8out-22.pdf.> Acesso em: 19 mar. 2005.

GOMES, Paulo César da Costa. A condição urbana: ensaio de geopolítica da cidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. 304p.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Censo Demográfico 2000. Tabelas selecionadas municípios – Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/censo/default.php> Acesso em: 20 mar. 2005.

LAUFER, Adriana Mariana; OKIMOTO, Maria Lúcia; RIBAS, Viviane Gaspar. Modelo de Avaliação do Design Acessível de Mobiliário Urbano. 2003. Disponível em: <http://www.design.ufpr.br/lai/Publicações/Artigos/P&D 2003 > Acesso em: 10/03/2006.

LOPES, Alberto. Evolução urbanística de Campos. Aspectos de legislação. Mimeo, 1988.

MEDEIROS, Heloisa Amorim de. Calçadas, o direito de ir e vir. São Paulo, 2004. Associação Brasileira de Cimento Portland. Sala de Imprensa. Últimas notícias. Disponível em: <http://www.abcp.org.br/sala_de_imprensa/noticia_calçadas_helo.shtml> Acesso em: 16 abr. 2005.

MOURTHÉ, Claudia. Mobiliário urbano. Rio de Janeiro: 2AB. 1998. 52p.

SILVA, João Carlos Roberto Campaneli da. Diagnóstico da oferta de acessibilidade para as pessoas com deficiência e mobilidade reduzida no centro urbano da cidade de Campos dos Goytacazes. 2006. 169f. Dissertação (Mestrado em Planejamento Regional e Gestão de Cidades) - Universidade Candido Mendes, Campos dos Goytacazes, 2006.

- 768 -