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3 1º semestre 2005 HISTORICO HISTORICO Acervo Divisão de Acervo Histórico da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo Leis & Letras: Inglês de Sousa Zuleika Alambert Peço a Palavra: Macatuba O Parlamento e as Ruas na Abolição Memória Visual: Política no Estado Novo

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Page 1: Acervo 3 HISTORICO 2005 - Assembleia Legislativa do Estado ... · a representação política adotada durante o Estado Novo, através de um estudo sobre o Conselho Ad-ministrativo

31º semestre

2005HISTORICOHISTORICOAcervo

Divisão de Acervo

Histórico da Assembléia Legislativa do Estado

de São Paulo

Leis & Letras:

Inglês deSousa

ZuleikaAlambert

Peço a Palavra:

Macatuba

O Parlamento e as Ruasna Abolição

Memória Visual:

Políticano EstadoNovo

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ÍndiceApresentação.................................................... 1

Política.no.Estado.Novo.................................. 2

PCB.no.Legislativo........................................ 19

Peço.a.Palavra:.Zuleika.Alambert............... 32

O.Parlamento.e.as.Ruas................................ 46

Papéis.Avulsos:.Insurreição.de.Escravos..... 54

Leis.&.Letras:.Inglês.de.Sousa..................... 71

Registro.&.Datas............................................ 93

Memória.Visual:.Macatuba

Acervo histórico, em seu terceiro número, aborda a representação política adotada durante o Estado Novo, através de um estudo sobre o Conselho Ad-ministrativo do Estado de São Paulo. Pós-Estado

Novo, é relatada a breve atuação do Partido Comunista do Brasil no Legislativo Paulista e a cassação do mandato de seus 11 parlamentares, além do depoimento da Deputada Zuleika Alambert, que integrava a bancada. A escravidão é outra temática enfocada nesse número, com a suposta insur-reição dos escravos no Vale do Paraíba e a correspondência entre as autoridades registrando a existência de um plano e as medidas adotadas para abortá-lo e punir os envolvidos, e a influência da sociedade civil nas decisões parlamentares so-bre a Abolição. Acervo histórico resgata, também, a obra de Inglês de Souza, Deputado Provincial em São Paulo e escritor das “Cenas Amazônicas”. Em sua “Memória Visual” trata da formação do município de Macatuba, iniciada com um peque-no povoado, no início do século passado.Mantendo sua orientação de incentivar e divulgar estudos com temas provenientes da farta documentação disponível na Divisão de Acervo Histórico, a revista tem ultrapassado nossas fronteiras, chegando a instituições internacionais, como os Centros de Estudos das Universidades Duke, do Texas e de Quebec. Entre seus colaboradores, estão estudiosos de várias regiões do País, interessados em debater nossa história. Não só a Academia tem, com carinho, acolhido e contribuído para o crescimento deste importante difusor da atuação e dos debates parlamentares documentados ao longo dos 170 anos de existência da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, como, também, as demais Casas legislativas e órgãos governamentais. O incentivo recebido tem nos animado a ampliar o número de páginas, possibilitando que um maior número de pesquisadores possa publicar seus trabalhos. Esperamos atender as expectativas.

DIVISÃO DE ACERVO HISTÓRICO

Mesa Diretora

Presidente: Dep. Rodrigo Garcia

1º Secretário: Dep. Fausto Figueira

2º Secretário: Dep. Geraldo Vinholi

Secretário-Geral Parlamentar: Marco Antonio Hatem Beneton

Secretário-Geral de Administração: Stanislav Feriancic

Departamento de Comunicação: Guilherme Wendel de Magalhães

Divisão de Imprensa: Marta Rangel

Serviço Técnico de Editoração e Produção Gráfica: Maria do Carmo Borges Damim

Departamento de Documentação e Informação: Maria Helena Alves Ferreira

Divisão de Acervo Histórico: Adélia Ribeiro Santos Hinz, Álvaro Weisheimer Carneiro, Christiani Marques Menusier Giancristofaro, Dainis Karepovs, Marcos Couto Gonçalves, Olívia Gurjão, Priscila Pandolfi, Roseli Bittar Guglielmelli, Solange Regina de Castro Bulcão, Suely Campos de Azambuja e Suzete de Freitas Barbosa.

Editor: Dainis Karepovs

Editora Executiva: Olívia Gurjão

Editor Assistente: Álvaro Weisheimer Carneiro

Projeto Gráfico: Lígia Gonçalves

Diagramação e Capa: Antonio Carlos Galban Dias

Fotografia: Marco A. Cardelino e Maurício Garcia

Acervo histórico é uma publicação semestral da Divisão de Acervo Histórico da Assem-bléia Legislativa de São Paulo.

Os artigos assinados refletem unicamente as opiniões de seus autores.

Av. Pedro Álvares Cabral, 201 Ibirapuera – São Paulo – SP - 04097-900 Telefones: (11) 3886-6308 / 3886-6530 / 3884-0783 - Tel./Fax: (11) 3886-6309 e-mail: [email protected] Tiragem: 2.000 exemplares

Assembléia Legislativado Estado de São Paulo

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Acervo histórico

Though this be madness, yet there is method in’t.Lord Polonius

Hamlet, cena II.

O historiador Thomas Skidmore, no seu estudo clássico sobre a política brasileira no século XX, Politics in Brazil, 1930-1964, insistiu em diferen-ciar o Estado Novo (1937-1945) dos seus congê-neres europeus. Ele lembrou que, ao contrário do fascismo, Getúlio Vargas não organizou nenhum movimento político para legitimar o regime, não fabricou uma ideologia específica, ainda que às vezes o trabalhismo tivesse desempenhado al-gum papel, e muito menos criou um Partido para o governo. Aliás, todos os partidos políticos foram abolidos em dezembro de 1937. Isso deu origem, segundo Skidmore, a uma estrutura de poder peculiar: uma política sem políticos e um modelo de dominação baseado apenas na capacidade de manipulação e conciliação das facções políticas rivais nos estados. Nas suas próprias palavras: “O sistema ‘não-político’ [sic] do Estado Novo ofe-recia o veículo perfeito para os seus [de Getúlio Vargas] grandes talentos de conciliação e mani-pulação, que por sua vez dependiam de contato altamente pessoal, com adversários e aliados”2.

Até que ponto o maquiavelismo do chefe político poderia garantir a dominação social? Como, ten-do controlado os políticos de todas as tendências, fazer política?

Uma solução administrativa para essa questão foi a reinvenção do sistema de Interventorias Fede-rais nos estados. Por meio desse sistema “Vargas pode, nos estados principais, minar os clãs políti-cos tradicionais e criar, em lugar deles, uma rede de alianças locais de orientação nacional”3.

Ainda assim restava o problema: o que fazer com os “carcomidos”?

Este artigo trata da instituição que regulou a re-presentação política das elites durante o regime do Estado Novo no Brasil: o Conselho Administra-tivo. Meu tema aqui é exclusivamente o Conselho Administrativo do Estado de São Paulo4, órgão auxiliar de governo ao lado da Interventoria Fe-deral no estado.

Criados pelo decreto-lei nº. 1.202, de 8 de abril de 1939, os Conselhos Administrativos dos es-tados, um em cada unidade federativa, eram constituídos por um número variável de quatro a dez integrantes, todos indicados pelo Presidente da República. Dedicavam-se a examinar, aprovar ou rejeitar todos os atos dos prefeitos municipais e do Interventor Federal, inclusive o orçamento estadual, fiscalizando sua execução. Na prática, eles deveriam substituir com mais eficiência e neutralidade, conforme se imaginava, as Assem-bléias Legislativas e as Câmaras Municipais. Desempenhariam, também, a função informal de “tribunal de contas”.

Meu trabalho consiste na apresentação da com-posição do Conselho Administrativo do Estado de São Paulo ao longo dos nove anos em que ele existiu e da dinâmica burocrática resultante do seu funcionamento entre 1939 e 1947. Na primeira seção do artigo discuto, em termos bastante gerais, a organização política nacional no pós-1930 e a ideologia antiliberal e antipar-lamentar que a animou. Na segunda seção, exponho o marco legal que definiu a agenda e os poderes do Conselho Administrativo. Na ter-ceira, refiro os integrantes do conselho paulista e na quarta seção relato a freqüência de suas

Adriano Nervo Codato*

Modelo e método de representação política durante o Estado Novo1

* Professor de Ciência Política na Universidade Federal do Paraná (UFPR) e coordenador do Núcleo de Pesquisa em Sociologia Política Brasileira ([email protected]).

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Depois de alguns meses na Rua Boa Vista, em fins de 1939 a sede do Conselho Administrativotransferiu-se para a Praça da República, aqui vista no início da década de 1940

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Acervo histórico

reuniões e a quantidade de decisões que pro-duziu. Na conclusão, enfatizo a impropriedade de assimilar os Conselhos Administrativos às Assembléias Legislativas.

I. InSTITuIçõES PoLíTICAS

Na proclamação que o Presidente Getúlio Var-gas fez na noite de 10 de novembro de 1937 “ao povo brasileiro”, dando conhecimento da revo-gação pura e simples da Carta de 1934 e da im-plantação de uma nova ordem política no País, a passagem mais significativa – e paradoxal – do seu discurso foi a seguinte: “A Constituição hoje promulgada criou uma nova estrutura legal, sem alterar o que se considera substancial nos siste-mas de opinião: manteve a forma democrática, o processo representativo e a autonomia dos Esta-dos, dentro das linhas tradicionais de federação orgânica” 5.

Para além do palavrório bacharelesco do discur-so redigido a quatro mãos pelo Presidente e pelo Ministro da Justiça e Negócios Interiores, o que a Constituição de 1937 fez foi justamente o oposto do anunciado: revogou a forma democrática de governo, aboliu o processo representativo e pôs fim ao federalismo que havia caracterizado a organização política nacional no período 1889-1930.

O regime político do Estado Novo, nascido da crítica às práticas oligárquicas e liberais e aos seus mecanismos representativos, cuidou de, tão logo quanto possível, edificar uma nova estrutura político-institucional com base numa ideologia antiliberal.

De acordo com a avaliação de Getúlio Vargas, o momento político da segunda metade da década de trinta ordenava “a adoção de medidas que afet[e]m os pressupostos e convenções do regi-me [constitucional vigente], os próprios quadros institucionais, os processos e métodos de gover-no”. A extensão e a profundidade dessas medidas exigiriam uma autêntica “reforma política”, o que implicava, em primeiro lugar, em restaurar a “au-toridade nacional” através do “reforço do poder central”, mediante a criação de uma série de “ins-trumentos de poder real e efetivo” 6.

O regime da Constituição de 1934, plasmado “nos moldes clássicos do liberalismo e do sistema re-presentativo”, havia, de acordo com a peculiar ló-gica oficial, comprometido a “eficiência” do Estado e denunciado a inoperância do poder legislativo – no fim das contas, um “aparelho inadequado e

dispendioso”, um verdadeiro “obstáculo” à “obra governamental”.

O quadro sucessório em 1937, por sua vez, havia subvertido a natureza e “as verdadeiras funções dos partidos políticos”, convertendo-os em agremiações sem “princípios doutrinários”. Na verdade, segundo Vargas, simples veículos de “ambições pessoais” e interesses “localistas”. A disputa pela Presidência nas eleições que se realizariam em 19387 havia denunciado também o papel dos “quadros políticos” (agentes do pro-cesso de “aliciamento eleitoral”) e transformado o sufrágio universal num “instrumento dos mais au-dazes e máscara que mal dissimula[va] o conluio dos apetites pessoais”.

Ora, a conseqüência dessa situação de “caos”, segundo o Presidente Vargas e o Ministro Fran-cisco Campos, era nada menos do que o risco da restauração das oligarquias derrotadas pela Re-volução em 1930: “O caudilhismo regional, dissi-mulado sob aparências de organização partidária, armava-se para impor à Nação as suas decisões, constituindo-se, assim, em ameaça ostensiva à unidade nacional” 8. Daí que o 10 de novembro de 1937 fosse, ou melhor, se justificasse, como a jus-ta e exata continuação do 3 de outubro de 1930.

Embora essa seja uma das idéias-força do dis-curso ideológico dos intelectuais autoritários (Francisco Campos em primeiro lugar, mas tam-bém Oliveira Vianna, Azevedo Amaral, Monte Arrais etc.), que construíram toda uma mitologia política em torno da controvertida equação 1937 = 1930, é possível compreender a sua verdade num sentido menos apologético e mais preciso.

Luciano Martins igualmente sustentou que a Re-volução de 1930 só se consumou politicamente com o Estado Novo porque foi tão-somente sob esse regime ditatorial que se encontrou, no fim das contas, as soluções para três questões-chave que surgiram já na década de vinte e que estão na base do movimento de trinta: a questão da federa-ção, a questão da representação e a questão da dominação. Esses problemas postos para as eli-tes políticas e para as classes dominantes podem ser expressos assim:

(i) “como assegurar a integração dos sub-sistemas [políticos e econômicos] regionais no sistema nacional, de forma a assegurar a conservação de diferentes estruturas de dominação”, tais como o coronelismo e o mandonismo, “e, simultaneamente, garantir a unidade nacional”?;

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(ii) “como organizar a representação políti-ca das elites [...] de forma a fazer com que o processo de diferenciação natural de seus interesses fosse resolvido no âmbito do universo das [próprias] elites e, simultane-amente, não pusesse em xeque a coalizão básica existente entre elas [...]”?; e, enfim,

(iii)“como estruturar a dominação [nas] cidades, em face da emergência de um proletariado em início de expansão e em face das novas formas de estratificação das ‘camadas médias’”? 9

Para cada um desses problemas o Estado Novo deverá criar um conjunto de “órgãos apropria-dos”10, alterando completamente a estrutura her-dada do “Estado oligárquico”. Logo, é um erro assimilar o antiliberalismo que animou a ideolo-gia oficial no período, e que na prática implicou na abolição da representação política pelas vias usuais, a uma disposição antiinstitucional.

A crítica da política liberal, para ser conseqüen-te ideologicamente e politicamente eficaz, não poderia se limitar a destruir os partidos, fechar os parlamentos e perseguir os políticos profis-sionais. Ela teria de criar instituições políticas adequadas ao espírito do tempo. Isso por uma razão trivial: a decantada capacidade de mani-pulação (das massas) e conciliação (das elites),

traço característico da liderança populista de Vargas, não seria garantida, no caso das pri-meiras, graças apenas ao carisma. E, no caso das segundas, graças somente às lealdades pessoais, devidas pelos Interventores Federais nos estados, ao Presidente da República que os havia nomeado11. Da mesma maneira, o caráter personalista do novo regime, que transformou Getúlio no centro político do Estado Novo e projetou sua imagem como árbitro da Nação e salvador do Brasil12, não seria o produto neces-sário da “falta de mediações organizatórias entre Vargas e o país, salvo a das Forças Armadas” 13,mas, ao contrário, o resultado de um conjunto de aparelhos e instituições e práticas específicas: ideológicas (o DIP e os DEIPs, por exemplo), econômicas (o CNPIC, a CME ou a CPE, por exemplo) e também políticas14. As circunstân-cias do Estado Novo, visto dessa perspectiva, ressaltam na verdade a organização de um novo sistema político (centralizado, hierarquizado e burocratizado), e não simplesmente o regime arbitrário do “ditador”, como os paulistas se refe-riam ao chefe político nacional.

Tendo presente essa lembrança sobre a impor-tância da estrutura institucional para a compre-ensão do período que se abre em 1937, vejamos como a questão da federação, a questão da representação e a questão da dominação foram equacionadas.

O presidente Getulio Vargas e o interventor paulista Adhemar de Barros a caminho do aeroporto (1938)

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Acervo histórico

O primeiro problema – a questão da federação – encontrará sua solução na fórmula político-econômica adotada pelo regime. No curso da modernização da sociedade brasileira, a integração dos subsistemas (políticos e econômicos) regionais ao sistema nacional se fará mediante dois processos paralelos e simultâneos: através da centralização de funções e decisões administrativas no aparelho central do Estado e da concentração do poder político na Presidência da República (note bem: essa operação terá, de resto, uma relação direta com o fortalecimento do “poder pessoal” do Presidente Getulio Vargas, sendo, na verdade, o segundo conseqüência da primeira, e não o contrário). Em conjunto, isso implicará numa redefinição das autonomias dos estados (seja em termos políticos, seja em termos econômicos) e numa expropriação do poder das oligarquias regionais, em especial na diminuição da sua influência sobre a definição da política econômica. Ao lado da criação dos institutos do pinho, do mate, do açúcar etc., a nacionalização da política do café, através de um departamento específico (o Departamento Nacional do Café), é aqui o melhor exemplo do poder da burocracia federal face aos aparelhos regionais do Estado e aos seus antigos controladores.

A segunda questão – o problema da represen-tação de interesses – encontrará sua solução na fórmula político-institucional assumida pelo Estado Novo: ao invés de um sistema pluralista de partidos, eleições e parlamentos, o governo irá criar uma rede de conselhos, comissões e institutos com formas “corporativistas” de participação direta das elites econômicas no processo decisório15. Tanto a representação de interesses quanto a competição serão monopo-lizadas pelo Estado e ocorrerão, a partir daí, no seu interior. O funcionamento do Conselho Federal de Comércio Exterior, um dos muitos aparelhos criados na década de trinta, é um exemplo eloqüente do processo oculto (em re-lação à sociedade), negociado (com a burocra-cia) e tutelado (pelo Estado) de formulação da política comercial16.

A última questão – o problema clássico da domi-nação – encontrará sua solução na fórmula polí-tico-ideológica encarnada por Vargas: “serão os controles e as práticas populistas estabelecidos e desenvolvidos pelo Estado Novo”17, que conjuga-ram repressão (a atividades políticas autônomas das massas populares urbanas) e concessão (de direitos sociais, sendo o caso da CLT o mais paradigmático a respeito), que irão estabelecer

um novo padrão de relação entre o Estado, de um lado, e os trabalhadores urbanos e as baixas camadas médias, de outro.

Resultam daí os traços mais significativos assu-midos pelo aparelho do Estado nesse período. Trata-se de uma instituição forte, centralizada e autônoma. Forte em função da sua capacidade de intervenção na vida social – pela via policial e ideológica – e do seu poder de regulamentação da vida econômica; centralizada em função da concentração das decisões político-administrati-vas no executivo federal; e autônoma em função da sua distância diante da sociedade. Se essa força decorre da centralização de funções, sua autonomia permite que esse “Estado forte” passe a agir não mais em nome exclusivamente dos in-teresses agro-exportadores, mas cada vez mais em nome dos interesses urbano-industriais.

Contudo, não se deve entender as transforma-ções do aparelho do Estado – a criação de inú-meros conselhos e órgãos técnicos depois de 1937 – tão-somente em função do processo de industrialização da economia e modernização da sociedade18, desprezando-se com isso seja o jogo político intra-elites (que não desaparece), seja o novo marco institucional que regulará essas dis-putas, e que não está previsto na Carta Constitu-cional do Estado Novo.

Mais precisamente: as formas corporativistas de participação das elites econômicas nas decisões econômicas não poderiam, por si mesmas, resol-ver também a questão da representação dos inte-resses sociais no sistema político. Há um proble-ma especificamente político que é o problema do poder residual das oligarquias estaduais, variável de estado para estado, mas significativo em São Paulo, por exemplo. A campanha de 1932, ainda que derrotada, denunciou a urgência do combate às fontes de poder e de autonomia oligárquicos. E mesmo o sistema de interventorias, criado em 1930, ao lado do Conselho Consultivo do Estado, de 1931 (uma espécie de ensaio do Conselho Administrativo), mostrou-se pouco eficaz para o tamanho dessa tarefa.

Em suma, temos diante de nós uma equação política complexa: ao mesmo tempo em que o Interventor Federal nomeado pelo Presidente para cuidar da política nos estados deveria ser “burocraticamente” forte (para impor as decisões do governo central) e politicamente autônomo (em relação às elites regionais), ele deveria ser também em alguma medida fraco para não constituir um novo pólo de poder paralelo ou,

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no limite, contrário ao Executivo federal. Reto-mando a questão feita a propósito desse mesmo problema por Campello de Souza: “quem guar-daria os guardas?”19. Resposta: os Conselhos Administrativos dos Estados (CAEs). Isto é: uma agência que garantisse a cooptação política das elites. Ela deveria tornar-se o mecanismo ideal para regular (isto é, filtrar e hierarquizar) a ex-pressão dos interesses dos grupos políticos es-taduais, controlar o Interventor Federal e garantir o papel de última instância do sistema decisório à Presidência da República, que arbitraria essa relação complicada entre elites e contra-elites. Ao menos em tese.

Daí, cabe a pergunta: quais os poderes desse Conselho Administrativo? No caso da unidade mais problemática do País, quem deveria com-por o Conselho Administrativo de São Paulo? Como ele funcionou? Qual a freqüência de suas reuniões? Qual a quantidade de decisões que produziu? É o que se verá a seguir.

II. o MArCo LEGAL

“[...] Observa-se, em todos os países, uma indiferença crescente pelo que se passa nos parlamentos. Ninguém, hoje, tem dúvi-das de que o meridiano político não passa mais pelas suas antecâmaras ou pelas suas salas de sessões. [...] Para as deci-sões políticas uma sala de Parlamento tem hoje a mesma importância que uma sala de museu”20.

Francisco Campos

No primeiro semestre de 1939, Getúlio Vargas, ao que parece por sugestão de Francisco Campos, resolveu dotar os estados de uma instituição que ordenasse o processo decisório e regulasse a política regional.

O “Código Administrativo”, como ficou conhecido o decreto-lei n. 1.202, publicado no Diário Oficial da União em 10 de abril de 1939, repartiu as funções governativas entre duas entidades: a Interventoria Federal, de um lado, e o Conselho Administrativo, de outro (art. 2º.). Os interventores teriam o poder de nomear os prefeitos municipais e administrar seus estados por decreto (artigos 5º. a 12); os membros do Conselho Administrativo seriam escolhidos diretamente pelo Presidente da República (art. 13) e deveriam examinar todos os projetos de decretos-lei baixados pelo Inter-ventor ou pelos prefeitos, além dos projetos de orçamento e a execução orçamentária do estado e dos municípios (art. 17). Bastaria, de acordo

com o Código Administrativo, que dois terços dos representantes do Conselho Administrativo (art. 22) se opusessem às medidas dos executivos municipais ou da Interventoria Federal para vetar suas decisões, cabendo, contudo, a deliberação final, caso houvesse recurso dos “interessados”, ao próprio Presidente Vargas (art. 19), que seria informado dos possíveis processos pelo Ministro da Justiça, Francisco Campos (art. 20).

Na avaliação ambiciosa de um dos membros do Conselho de São Paulo, a instituição, nesse sentido,

“substitui[ria] a ação legislativa das As-sembléias do Estado, do antigo Senado e da Câmara dos Deputados; substitui[ria] as Câmaras Municipais de todo o estado; substitui[ria] o Tribunal de Contas na mis-são que hoje lhe cabe de superintender a aplicação das verbas orçamentárias e a fiel execução da lei de meios. Realiza[ria] também o Conselho Administrativo a missão de um órgão de consulta, de um verdadeiro Conselho de Estado, quando esclarece e instrui os recursos cujo conhe-cimento final pertence ao Sr. Presidente da República, opinando antes dessa de-cisão final”21.

Os CAEs não podem, entretanto, ser tomados sem mais como substitutos das casas legislativas nos níveis federal, estadual e municipal. Isso porque não produzem leis, mas resoluções. Sua capacidade de iniciativa é, aliás, bastante limitada. Podem, no máximo, “propor, do ponto de vista da economia e eficiência”, alterações burocráticas em órgãos da administração estadual ou municipal (art. 17, alínea “e”). Nesse contexto institucional, os Conselhos eram mais instâncias de revisão do que de legislação. Assimilá-los aos legislativos é, no caso, aceitar a publicidade oficial do regime e a ideologia antiparlamentar da época. Adiante comentarei mais detidamente este ponto. Por ora, vale sublinhar que essa recepção incompleta de papéis sugere que é em outra dimensão que se deve buscar sua importância: em sua composição. E sua composição indica tratar-se de uma agência para representação/expressão dos interesses políticos da elite política. Essa função, frise-se, não se realizava sob a forma “parlamentar”, mas sob a forma burocrática. O que faz toda a diferença.

Se esse é o aspecto fundamental, quem são os integrantes dessa elite?

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Acervo histórico

III. A ELITE PoLíTICA

“A criação do Departamento Administrativo realça o governo de sua Excia. o sr. Pre-sidente [Getulio Vargas], pois que substitui com vantagem, e relativo pequeno dispên-dio, as Câmaras em que pacatos conser-vadores ou dispersivos livre-atiradores – sem maior exame e quase sempre sem discussão aproveitável – aprovavam a obra pessoal e imperativa dos chefes eventuais do Poder Executivo” 22.

José Adriano Marrey Júnior.

O artigo 13 do Código Administrativo estipulou que os Conselhos Administrativos dos Estados seriam “constituído[s] de 4 a 10 membros”, deveriam ser “brasileiros natos”, e “maiores de 25 anos”, sendo “nomeados pelo Presidente da República” 23, e não pelo Interventor.

Na prática, o número de integrantes de cada Conselho variou bastante e nunca chegou a dez

membros. Nos estados politicamente mais impor-tantes foram indicados sete representantes: São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Nos es-tados não tão importantes assim (ou não mais tão importantes), cinco: Pernambuco, Rio de Janeiro, Bahia, Ceará e Pará. Nos demais, quatro.

O Conselho Administrativo do Estado de São Paulo, formado de acordo com esses critérios por sete membros, tinha um presidente e seis conselheiros, sendo um deles também o seu vice-presidente. Em 1939, no primeiro ano do seu funcionamento, todos os membros do CA-ESP eram “políticos profissionais”, com ou sem experiência legislativa (para mais informações sobre seus integrantes, ver o Anexo com as bio-grafias políticas resumidas). E essa seria a regra que iria vigorar nos oito anos seguintes (com uma única exceção: Braz Arruda, que passou pelo órgão em 1947).

O Quadro 1 apresenta, ano a ano, a formação do Conselho paulista.

OBS.: A composição refere-se a julho dos respectivos anos. Legenda: P = Presidente; VP = Vice-presidente

1939 1940 1941 1942 1943 1944 1945 1946 1947

Goffredo Teixeira da Silva Telles (P)

Goffredo Teixeira da Silva Telles (P)

Goffredo Teixeira da Silva Telles (P)

Goffredo Teixeira da Silva Telles (P)

Goffredo Teixeira da Silva Telles (P)

Goffredo Teixeira da Silva Telles (P)

Goffredo Teixeira da Silva Telles (P)

Sebastião Nogueira de Lima (P)

Christiano Altenfelder Silva (P)

Alexandre Marcondes Filho (VP)

Alexandre Marcondes Filho (VP)

Alexandre Marcondes Filho (VP)

Miguel Reale

Miguel Reale

Miguel Reale

João Galeão Carvalhal Filho

Christiano Altenfelder Silva (VP)

João Galeão Carvalhal Filho

Carlos Cyrillo Júnior

Carlos Cyrillo Júnior

Carlos Cyrillo Júnior

Carlos Cyrillo Júnior

Carlos Cyrillo Júnior

Carlos Cyrillo Júnior

Carlos Cyrillo Júnior

Luiz Pereira de Campos Vergueiro

Braz de Souza Arruda

Arthur Pequeroby de Aguiar Whitaker

Arthur Pequeroby de Aguiar Whitaker

Arthur Pequeroby de Aguiar Whitaker

Arthur Pequeroby de Aguiar Whitaker (VP)

Arthur Pequeroby de Aguiar Whitaker (VP)

Arthur Pequeroby de Aguiar Whitaker (VP)

Arthur Pequeroby de Aguiar Whitaker (VP)

Innocencio Seraphico de Assis Carvalho

Innocencio Seraphico de Assis Carvalho (VP)

Antonio Gontijo de Carvalho

Antonio Gontijo de Carvalho

José Cesar de Oliveira Costa

José Cesar de Oliveira Costa

José Cesar de Oliveira Costa

José Cesar de Oliveira Costa

José Cesar de Oliveira Costa

Synésio Rocha

José de Moura Rezende

Plinio Rodrigues de Morais

Plinio Rodrigues de Morais

Antonio Ezequiel Feliciano da Silva

Antonio Ezequiel Feliciano da Silva

Antonio Ezequiel Feliciano da Silva

Antonio Ezequiel Feliciano da Silva

Antonio Ezequiel Feliciano da Silva

Lincoln Feliciano da Silva

Lincoln Feliciano da Silva

Mario Guimarães Barros Lins

Renato Paes de Barros

José Adriano Marrey Júnior

José Adriano Marrey Júnior

José Adriano Marrey Júnior

Armando da Silva Prado

Armando da Silva Prado

José Adriano Marrey Júnior

José Adriano Marrey Júnior

Quadro 1

Membros do Conselho Administrativo do Estado de São Paulo por ano (1939-1947)

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Olhada mais de perto, dessa simples relação de nomes podem-se extrair algumas conclusões.

Do ponto de vista da sua composição, o CAESP teve três fases: a fase da Interventoria de Adhe-mar de Barros, até meados de 1941; a fase da Interventoria de Fernando Costa, até o fim do regime do Estado Novo, quando o Decreto-Lei n. 8.219 extinguiu os Conselhos Administrativos do Estado; e a fase da Interventoria de Macedo Soa-res, após o Decreto-Lei n. 8.974 que restaurou os CAEs, no início de 1946. A cada uma delas cor-respondeu um perfil político bem determinado24. E as grandes modificações na formação do Conse-lho coincidiram justamente com as substituições dos Interventores Federais.

Em 1941, depois da demissão de Adhemar, metade dos conselheiros foi trocada. Entraram: Cesar Cos-ta, Antonio Feliciano e Marrey Júnior, todos em 18 de junho, duas semanas depois da posse do novo nomeado, Fernando Costa. Quando o CAESP é recriado em 1946, tendo já na chefia do governo Macedo Soares, a formação é totalmente diferente em relação àquela que terminara em 1945 junto com o Estado Novo. Mas note que agora se todos eram antigos na política estadual, a maioria (exce-to Marrey Júnior) era nova na casa.

Durante a Interventoria de Adhemar a única alte-ração que ocorre é resultado, na verdade, de uma promoção: Renato Paes de Barros foi nomeado na vaga de Mario Lins quando esse último tornou-se Secretário da Educação e Saúde Pública. Na Interventoria de Fernando Costa, descontadas as já citadas, as substituições também são motivadas por promoções: o perrepista Marcondes Filho, a convite de Vargas, assume o Ministério do Traba-lho, Indústria e Comércio e cede sua cadeira ao in-tegralista Miguel Reale. Em 1944, Armando Prado é empossado no CAESP no lugar de Marrey Junior quando esse último torna-se Secretário da Justiça e Negócios Interiores. Somente em março de 1945 há uma substituição cuja motivação é resultado de um conflito ideológico: Miguel Reale rompe publi-camente com o Estado Novo, renuncia ao posto e é substituído por João Carvalhal Filho.

Em 1947 há mais uma renovação considerável: entram dois novos membros (Moura Rezende e Braz Arruda), um retorna (João Carvalhal Filho) e Christiano Altenfelder torna-se o presidente do Conselho. Essas alterações não dizem respeito nem à conjuntura eleitoral, nem refletem a busca por parte dos conselheiros de uma carreira parla-mentar de fato com a reabertura das assembléias legislativas e câmaras de vereadores. Synésio

Rocha torna-se secretário de estado e Sebastião Nogueira de Lima e Campos Vergueiro transfe-rem-se para o Tribunal de Contas de São Paulo.

Para além desse processo monótono de substi-tuição e troca de nomes, é obrigatório enfatizar o que me parece o aspecto mais decisivo aqui: o tamanho desse grupo. Vinte e dois indivíduos (o total de membros que passaram pelo CAESP entre 1939 e 1947), sete de cada vez, deveriam concentrar, resumir e expressar toda a complexi-dade da cena partidária paulista das décadas de vinte e trinta. Eles haviam se tornado nada mais, nada menos, que os herdeiros políticos de toda elite política estadual antes reunida e dividida nas siglas do PRP, PD, FUP, PC e AIB25. Na verdade, essa é ao mesmo tempo a razão objetiva da sua força (ou do seu poder) enquanto indivíduos, e da sua relativa fraqueza, enquanto grupo.

Sua força individual como políticos (pois é disso que se trata, enfim), num regime que baniu o po-lítico “profissional” e estigmatizou a política como atividade menor, é a expressão do poder pessoal que reúnem em função do lugar que ocupam. Eles são os responsáveis por examinar, julgar e decidir todas as questões de governo, inclusive as da administração dos duzentos e setenta municí-pios do Estado de São Paulo.

Sua fraqueza política, enquanto os únicos repre-sentantes do conjunto da elite, vêm da dificul-dade de, a longo prazo, cumprir esse papel de representação tal como planejado. As numerosas relações de interdependência ou de subordinação entre facções de elite, as rivalidades e oposições, os interesses políticos de indivíduos ou grupos e, principalmente, os interesses sociais que estão na base dessa elite política e que nem sempre são conciliáveis, dificilmente poderiam encontrar uma solução adequada numa arena tão restrita. Em outros termos: há um limite para o “Estado de Compromisso”.

Por ora, vale sublinhar o primeiro aspecto: o poder desse pequeno grupo da elite. Para dimensioná-lo, veja-se o funcionamento concreto do Conselho Administrativo do Estado de São Paulo.

IV. o ProCESSo DECISórIo

“O certo é que o trabalho imenso e intenso nos absorvia, mas havia uma compensa-ção: bem poucas vezes se legislou com tanto sentido de aderência à realidade [...]”26.

Miguel Reale.

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Acervo histórico

IV.1 As sessões

O Conselho Administrativo foi, em São Paulo, mui-to atuante. Entre 14 de julho de 1939 e 8 de julho de 1947 realizou mais de duas mil e duzentas sessões (descontado o ano de 1945 para o qual não há dados). Considerando-se que nos anos de 1939 e 1947 o Conselho Administrativo só funcio-nou no segundo e primeiro semestres, respectiva-mente, temos os dados constantes do Gráfico 1.

Se a quantidade de vezes que o CAESP se reuniu para deliberar sobre os projetos de decreto-lei da Interventoria ou das prefeituras é indicativa de alguma coisa, então sua importância, tanto do ponto de vista administrativo, quanto do ponto de vista representativo é inegável.

Entre 1940 e 1946, excetuando-se 1945, houve uma média de 338 sessões por ano, praticamente uma por dia, todos os dias.

Há, como se nota, uma curva ascendente de 1939 a 1943, o que coincide com o esplendor do regime ditatorial. E mesmo a queda do número de sessões em 1944 em relação ao ano anterior

não foi tão expressiva assim: 378 reuniões contra quase o mesmo número de 1942, 384. À primei-ra vista, por esses dados, vê-se que quando os Conselhos Administrativos são ressuscitados em 1946 não têm a mesma força de antes. Fora do contexto ditatorial o número de sessões cai signi-ficativamente para menos da metade em relação a 1943 e em 1947 diminuem ainda mais (apenas 138 reuniões).

A média de sessões por semana dá uma idéia mais nítida desses valores e dessa curva, que parece acompanhar mais o contexto político na-cional que a dinâmica burocrática.

Sobrepondo-se um gráfico a outro, a história que eles contam é quase a mesma. Com uma fre-qüência de encontros mais tímida em 1939 (2,4 por semana), mesmo considerando os poderes nos quais foi investido pelo Código Administra-tivo, até o máximo de 8,6 sessões por semana em 1943, o Conselho de São Paulo foi uma das várias instituições políticas que concretizou, ao lado do DASP27 e do DIP, a aspiração da centralização/concentração do poder durante o Estado Novo.

Gráfico 1

Número absoluto de sessões ordinárias, extraordinárias e totaldo Conselho Administrativo do Estado de São Paulo por ano

(1939-1947)

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Gráfico 2

Média de sessões por semana do Conselho Administrativo do Estado de São Paulo ao ano

(1939-1944 e 1946-1947)

IV.2 As deliberações

Como qualquer organização, o Conselho tinha suas rotinas.

Uma reunião típica obedecia em geral à seguinte seqüência: após a chamada nominal para a ve-rificação da presença dos conselheiros, havendo número legal, o Presidente declarava aberta a sessão.

De acordo com o regimento interno, iniciava-se então o “Expediente”. O segundo secretário pro-cedia à leitura da ata da reunião anterior que era debatida (muito raramente) e aprovada (freqüen-temente), com retificações, caso fossem necessá-rias. O primeiro secretário procedia à leitura dos “ofícios” – isto é, as demandas dos prefeitos e do Interventor.

Esses documentos eram em geral provenientes:

– do Ministério da Justiça, comunicando as decisões do Presidente da República nas matérias que dependiam de sua aprovação direta28;

– da Secretaria de Governo, encaminhando os projetos de decreto-lei do Interventor Federal;

– das Secretarias estaduais, com pedidos específicos ao Conselho Administrativo ou dando conta das informações requisitadas para melhor informar os processos em an-damento;

– do Departamento das Municipalidades, encaminhando projetos de decreto-lei das Prefeituras Municipais;

– das próprias Prefeituras Municipais, com prestações (ou pedidos) de informações;

– de outras autoridades governamentais; e por fim

– de cidadãos solicitando providências em relação ao descumprimento das deci-sões do CAESP por parte dos prefeitos municipais (aposentadorias, pensões, promoções, revisões de ordenados etc.).

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Acervo histórico

Os projetos de decretos-lei encaminhados ao Conselho Administrativo versavam sobre os mais diferentes assuntos, indo da fixação do horário de funcionamento do comércio de um município qualquer, até a abertura de crédito especial para a realização de obras públicas pela Interventoria Federal; da mudança da denominação de um nome de rua ou praça pública, até a reorgani-zação do quadro de funcionários e a fixação dos respectivos vencimentos; da aquisição de imó-veis e da desapropriação de terrenos, à fixação de novas taxas e impostos municipais.

Todos os ofícios eram então despachados à Se-cretaria do Conselho para informação ou anexa-dos aos respectivos processos.

Passava-se daí à “Ordem do Dia”, em que eram discutidos, debatidos, votados e aprovados, com emendas ou não, ou rejeitados os projetos de re-solução. A discussão desses últimos se fazia com base nos “pareceres” elaborados pelos conselhei-ros, publicados todos no Diário Oficial do Estado de São Paulo. Nesses documentos, de especial interesse, cada conselheiro oferecia suas razões (em geral sob a forma de “conclusões”) para a

aprovação, aprovação com emendas, ou não aprovação dos projetos de decreto-lei das Prefei-turas Municipais ou da Interventoria Federal.

Podia ocorrer que, tomando conhecimento dos pareceres, os interessados contatassem o con-selheiro-relator a fim de tentar convencê-los de suas questões. O conselheiro submetia então ao Presidente do Conselho Administrativo um requeri-mento pedindo vista do processo e o adiamento da discussão e votação do projeto de resolução. Uma vez tomada a decisão, publicava-se a resolução final do Conselho Administrativo no Diário Oficial do Estado.

O Gráfico 3 ilustra o número de pareceres produ-zidos por sessão ao ano (exceto 1945).

Olhando para a produtividade do conselho paulista o que se constata é o seguinte: mesmo em 1939, no início da sua atividade, ou em 1946-1947, sob o regime liberal da Carta de 1946, quando houve menos sessões (ver Gráfico 2), ele foi, ou melhor, continuou sendo, a fonte de um volume impressionante de decisões de Estado.

Gráfico 3

Média de pareceres emitidos por sessão noConselho Administrativo do Estado de São Paulo ao ano

(1939-1944 e 1946-1947)

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Graças à centralização decisória que o Estado Novo promoveu, ao transferir para instâncias su-periores da administração pública as mais triviais decisões, o Conselho Administrativo tornou-se, ao lado da Interventoria Federal, o ponto central de todo o sistema decisório estadual.

V. ConCLuSão

O regime do Estado Novo procurou, tão rápido quanto possível, criar duas instituições que pu-dessem concretizar, na ponta do sistema político, o projeto de centralização das decisões do Estado. Essa foi uma das muitas vias, aliás, que permitiu a concentração do poder no Executivo federal. Ao lado das Interventorias, os Conselhos Administra-tivos tornaram-se, penso eu, o modelo burocrático mais curioso encontrado para compensar o peso da Presidência da República diante de elites po-líticas regionais ainda relativamente influentes e importantes sem, contudo, rebaixar de uma vez por todas sua influência e importância.

Por isso há certos aspectos que decorrem da sim-ples existência do Conselho Administrativo no or-ganograma estadual e que ultrapassam a questão de saber se suas decisões eram importantes de fato para a vida político-administrativa do estado ou não. Esses aspectos ajudam a compor um perfil mais nítido do regime ditatorial, relativizando o de-cantado “poder pessoal” do Presidente ou a influ-ência política do Interventor, permitem entender a complicada morfologia do sistema estatal no perío-do e evidenciam uma das várias modalidades que a liderança de Getúlio Vargas assumiu nos esta-dos. Mesmo em São Paulo. Por mais arbitrário que tenha sido o governo, havia método nisso tudo.

A complexidade do problema da representação dos interesses das elites no sistema decisório (sejam as elites econômicas, sejam as políticas, sejam as ascendentes, sejam as decadentes de ambos os tipos) exigiria, como se viu, uma solu-ção menos eventual e mais institucional. Note que se o corporativismo econômico resolveu o emba-raço com as primeiras, a resposta automática do Executivo federal às segundas foi reeditar o es-quema das Interventorias, tal como tentado entre 1930 e 1934. Todavia, quando a partir de 1938 ele se revelou demasiado estreito para conciliar tantos e tão diferentes interesses, o Conselho Administrativo apareceu, em 1939, como uma saída peculiar para garantir algum grau de “plura-lismo” ao regime e flexibilidade ao sistema como um todo. Daí que ainda que o Conselho Adminis-trativo do Estado de São Paulo não tenha sido a maneira mais eficaz de expressão política da elite

política paulista, ele foi, num contexto antiliberal, a única possível. E como o golpe de Estado em 1937 havia suprimido todos os canais para a par-ticipação política, mesmo os antigos mecanismos que tinham garantido a presença dessa elite nas “decisões de Estado”, a integração de líderes tra-dicionais ao governo odiado na véspera não foi um sacrifício tão insuportável assim.

Que essa função política – a representação de interesses – tenha assumido uma forma buro-crática é uma razão adicional da importância dos Conselhos Administrativos para a história política brasileira. Pelo menos por duas razões.

O fato da intensa atividade do Conselho paulis-ta aparecer aos olhos dos próprios membros do CAESP, e da literatura especializada, como uma função meramente “administrativa” 29 é o índice por excelência da (altíssima) eficácia ideológica do re-gime do Estado Novo sobre todos os observadores e protagonistas, e não a constatação da superio-ridade do julgamento técnico e imparcial sobre a política interesseira e miúda. Ao tomar a forma pela função – ou o nome (“Conselho Administrativo”) pela coisa em si mesma – o que se perde de vista é justamente que essa forma burocratizada, sinuosa, mediada por um papelório sem fim e por incontá-veis reuniões com todos os ritos que a burocracia teria direito encobria uma ação que era, no fim das contas, política. O processo decisório do Conselho Administrativo exprimia uma teia bastante complexa de relações políticas: dos conselheiros com a sua clientela preferencial (os prefeitos), do Conselho com a Interventoria Federal, do Interventor com a Presidência, do Presidente com o Ministério da Jus-tiça, do Ministro com o Conselho Administrativo e deste com o Departamento das Municipalidades.

Contudo, reconhecer esse fato político não auto-riza a ver no Conselho Administrativo o substituto funcional da Assembléia Legislativa dos estados. Esse é um segundo erro que tem sua origem na ideologia antiparlamentar difundida pelo Estado Novo, já que assimila, agora em sentido inverso, a função (supervisionar o Executivo estadual) à forma (uma câmara de representantes “da so-ciedade”). Como se recorda, a composição do Conselho Administrativo não era burocrática, mas política; sua ação não era administrativa, mas po-lítica; e sua função não era técnica, mas política. Entretanto tudo isso num sentido bem preciso. Tratava-se efetivamente de um canal privilegiado de ligação das elites políticas estaduais, através de uns poucos políticos, ao Executivo federal, e vice-versa, e não de uma casa de elaboração de leis. Esta, só viria com a redemocratização.

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Acervo histórico

AnEXo BIoGráfICoAlexandre Marcondes Filho (31 ago. 1892 - 16 out. 1974)Marcondes Filho nasceu em São Paulo (SP). Graduou-se na Faculdade de Direito de São Paulo em 1914. Secretário particular de Bernardino Campos (1914). Vereador em São Paulo (1926-1928) pelo Partido Republicano Paulista (PRP). Líder da bancada situacionista na Câmara dos Vereadores de São Paulo (1926). Deputado federal (1927-1929; 1930). Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio (1941-1945). Ministro da Justiça e Negócios Interiores (1943-1945). Senador à Assembléia Constituinte (1946). Senador (1946-1950; 1951-1954). Vice-presidente do Senado Federal (1951-1954). Presidente do Senado Federal (1954). Ministro da Justiça e Negócios Interiores (1955). Faleceu em São Paulo em 16 de outubro de 1974.Marcondes Filho foi vice-presidente do Conselho Administrativo do Estado de São Paulo entre 1939 e 1941.

Antonio Ezequiel Feliciano da Silva (22 abr. 1899 - 22 jul. 1986)Antonio Feliciano nasceu em Paraibuna (SP). Graduou-se na Faculdade de Direito de São Paulo em 1919. Vereador em Santos (1926-1928; 1936-1937). Deputado estadual (1928-1930). Deputado constituinte (1946). Deputado federal (1946-1950; 1951-1953; 1959-1962; 1963-1966; 1967-1970). Prefeito de Santos (SP) (1953-1957). Vice-líder do Partido Social Democrático na Câmara dos Deputados (1952; 1962). Ministro do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (1958). Faleceu em Santos (SP) em 22 de julho de 1986.Antonio Feliciano participou do Conselho Administrativo do Estado de São Paulo de 1941 a 1945.

Antonio Gontijo de Carvalho (29 jul. 1898-4 ago. 1973)Antonio Gontijo nasceu em Uberaba (MG). Graduou-se na Faculdade de Direito de São Paulo em 1923. Funcionário da Secretaria de Agricultura de São Paulo (1927-1930). Secretário-geral do Departamento Nacional do Café (1936). Funcionário do Ministério da Agricultura (1938). Chefe da Casa Civil do governo do Estado de São Paulo (1939). Membro da Comissão de Negócios de São Paulo (1941-1944). Presidente da Subcomissão de Organização e Finanças (1943-1944). Deputado federal suplente (1946-1950) pelo PSD. Faleceu em São Paulo, em 4 de agosto de 1973.Antonio Gontijo foi conselheiro do Conselho Administrativo do Estado de São Paulo de 1939 a 1941.

Armando da Silva Prado (11 mar. 1880-4 dez. 1956)Armando Prado nasceu em São Paulo (SP). Graduou-se na Faculdade de Direito de São Paulo em 1902. Vereador em São Paulo (1911-1913; 1914-1916; 1917-1919; 1920-1922) pela sigla do PRP. Deputado estadual (1922-1924; 1925-1927; 1928-1930). Deputado federal (1930). Procurador da Justiça Eleitoral (1935). Procurador-geral interino em São Paulo (1938). Presidente do Tribunal Federal de Recursos (1949-1956). Faleceu em São Paulo em 4 de dezembro de 1956.Armando Prado foi membro do Conselho Administrativo do Estado de São Paulo entre 1943 e 1945.

Arthur Pequeroby de Aguiar Whitaker (4 out. 1881 - 20 abr. 1947)Arthur de Aguiar Whitaker nasceu em Araras (SP). Graduou-se na Faculdade de Direito de São Paulo em 1907. Promotor Público (1908). Advogado em Jaboticabal e em São Paulo. Deputado estadual (1916-1918; 1919-1921; 1922-1924; 1925-1927 e 1928-1930). Segundo Suplente de Secretário da Mesa da Câmara Estadual (1916-1918). Segundo Secretário da Mesa da Câmara Estadual (1919-1924). Primeiro Secretário da Mesa da Câmara Estadual (1925-1927). Prefeito Municipal de Jaboticabal (SP) (1926). Presidente da Câmara Estadual (1928-1930). Membro da Comissão Executiva do Partido Republicano Paulista (1928-1930). Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (1928-1930). Secretário de Estado da Justiça e Negócios Interiores (1946). Fundador e membro da Comissão Executiva do Partido Social Democrático. Faleceu em São Paulo em 20 de abril de 1947.Arthur de Aguiar Whitaker foi membro do Conselho Administrativo do Estado de São Paulo entre 1939 e 1941 e seu vice-presidente de 1941 a 1945.

Braz de Souza Arruda (3 fev. 1895 - 24 jun. 1963)Braz Arruda nasceu em Campinas (SP). Graduou-se na Faculdade de Direito de São Paulo em 1916. Diretor da Faculdade de Direito de São Paulo (1949-1955). Faleceu em 24 de junho de 1963.Braz Arruda foi membro do Conselho Administrativo do Estado de São Paulo em 1947.

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Carlos Cyrillo Júnior (25 dez. 1886 - 31 maio 1965)Cyrillo Júnior nasceu em Curitiba (PR). Graduou-se na Faculdade de Direito de São Paulo em 1908. Deputado estadual (1925-1927; 1928-1930; 1935-1937). Líder da oposição na Assembléia Constituinte de São Paulo (1935-1937). Deputado federal (1930). Secretário-geral do Partido Social Democrático de São Paulo (1945). Deputado constituinte (1946). Deputado federal (1946-1950); Líder da bancada do Partido Social Democrático de São Paulo (1946). Presidente da Câmara dos Deputados (1949-1950). Presidente do Partido Social Democrático (1949-1951). Ministro da Justiça e Negócios Interiores (1958-1959). Embaixador do Brasil na Bélgica (1960-1963). Faleceu em São Paulo em 31 de maio de 1965.Cyrillo Júnior foi membro do Conselho Administrativo do Estado de São Paulo de 1939 a 1945.

Christiano Altenfelder Silva (15 fev. 1899 - 8 jul. 1985)Christiano Altenfelder nasceu em São Carlos (SP). Graduou-se na Faculdade de Direito de São Paulo em 1920. Promotor Público (1922-1924). Cônsul do Brasil na Venezuela (1933). Secretário de Educação e Saúde Pública (1933-1934). Chefe de Polícia (1934). Secretário de Justiça (1934-1935). Deputado estadual classista (1935-1937). Vice-presidente da Assembléia Legislativa (1936). Membro da Comissão de Finanças da Assembléia Legislativa. Secretário da Agricultura, Indústria e Comércio (1945-1946). Faleceu em São Paulo em 8 de julho de 1985.Christiano Altenfelder foi vice-presidente do Conselho Administrativo do Estado de São Paulo em 1946 e seu presidente em 1947.

Goffredo Teixeira da Silva Telles (17 abr. 1888 - 30 jul. 1980)Goffredo da Silva Telles nasceu no Rio de Janeiro (DF). Graduou-se na Faculdade de Direito de São Paulo em 1910. Vereador do PRP em São Paulo (1926-1928; 1929-1930). Prefeito de São Paulo (1932). Faleceu em São Paulo em 30 de julho de 1980.Goffredo da Silva Telles foi presidente do Conselho Administrativo do Estado de São Paulo de 1939 até 1945.

Innocencio Seraphico de Assis Carvalho (14 dez. 1887- 1952)Innocencio Seraphico nasceu em Pernambuco. Graduou-se na Faculdade de Direito de São Paulo em 1921. Vereador em São Paulo (1926-1928; 1929-1930). Deputado estadual (1935-1937). Membro do diretório metropolitano do Partido Social Democrático de São Paulo. Faleceu em 1952.Innocencio Seraphico foi membro do Conselho Administrativo do Estado de São Paulo em 1946 e seu vice-presidente em 1947.

João Galeão Carvalhal Filho (1884 - 9 set. 1955)João Carvalhal Filho nasceu em Santos (SP). Graduou-se na Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro em 1904. Deputado estadual (1925-1927) pelo PRP. Secretário do Interior do Estado de São Paulo (1927). Deputado federal (1930). Faleceu em São Paulo em 9 de setembro de 1955.João Carvalhal Filho participou do Conselho Administrativo do Estado de São Paulo em 1945 e em 1947.

José Adriano Marrey Júnior (7 ago. 1885 - 14 mar. 1965)Marrey Júnior nasceu em Itamarandiba (MG). Graduou-se na Faculdade de Direito de São Paulo em 1906. Vereador em São Paulo (1914-1916; 1917-1919; 1936-1937; 1948-1951). Deputado estadual (1919-1921; 1922-1924; 1925-1927). Membro da Comissão Executiva do Partido Democrático (1926-1927 e 1930-1931). Deputado federal (1927-1929). Secretário da Justiça e Negócios Interiores do Estado de São Paulo (1943-1945). Presidente da Câmara Municipal de São Paulo (1948 e 1950). Deputado federal (1951-1953). Secretário de Negócios Internos e Jurídicos da Prefeitura de São Paulo (1953). Presidente do Conselho do Tribunal de Contas de São Paulo. Presidente do Tribunal de Alçada (1958). Faleceu em São Paulo em 14 de março de 1965.Marrey Júnior foi membro do Conselho Administrativo do Estado de São Paulo em duas ocasiões: entre 1941 e 1943 e entre 1946 e 1947.

José Cesar de Oliveira Costa (8 mar. 1891 - 6 maio 1951)Cesar Costa nasceu em Taubaté (SP). Graduou-se na Faculdade de Direito de São Paulo em 1912. Prefeito de Taubaté (1917-1921; 1928-1930). Deputado estadual (1922-1924; 1925-1927) do PRP. Deputado constituinte (1946). Deputado federal (1946-1950). Membro do Conselho Superior da Caixa Econômica Federal (1946). Faleceu em São Paulo em 6 de maio de 1951.Cesar Costa foi membro do Conselho Administrativo do Estado de São Paulo de 1941 até 1945.

José de Moura Rezende (26 out. 1896 - 20 dez. 1965)Moura Rezende nasceu em Caçapava (SP). Graduou-se na Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro em 1919. Vereador em Caçapava (1923-1925; 1926). Prefeito de Caçapava (1926-1930). Deputado estadual (1935-1937). Vice-líder e líder da minoria na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo (1935-1937). Diretor do Departamento Estadual do Trabalho

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(1938). Chefe da Casa Civil (1938-1939). Secretário da Justiça e Negócios Interiores do Estado de São Paulo (1939-1941). Interventor Federal substituto em São Paulo (10 nov. 1939 - 26 nov. 1939). Secretário da Educação (1950; 1953-1954). Deputado federal (1951-1953). Líder da bancada do Partido Social Progressista na Câmara dos Deputados (1953). Ministro do Tribunal de Contas de São Paulo (1954). Presidente do Tribunal de Contas de São Paulo (1959-1960). Faleceu em São Paulo em 20 de dezembro de 1965.Moura Rezende integrou o Conselho Administrativo do Estado de São Paulo em 1947.

Lincoln Feliciano da Silva (20 jun. 1893 - 19 ago. 1971)Lincoln Feliciano nasceu em Paraibuna (SP). Graduou-se na Faculdade de Direito de São Paulo em 1915. Prefeito de Palmas (SP). Prefeito de Santos (SP) (1935-1937). Prefeito nomeado de Santos (1945). Deputado estadual (1947-1951; 1951-1955; 1959-1963) pelo PSD. Presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Assembléia Legislativa (1947). Presidente da Assembléia Legislativa de São Paulo (1948-1949). Secretário da Justiça (1955-1957). Secretário da Agricultura (1957-1959). Deputado federal (1955-1958). Membro da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. Interventor em São Vicente (SP) (1966). Faleceu em 19 de agosto de 1971.Lincoln Feliciano participou do Conselho Administrativo do Estado de São Paulo em 1946 e 1947.

Luiz Pereira de Campos Vergueiro (19 ago. 1882 - 5 abr. 1953)Campos Vergueiro nasceu em Viena (Áustria). Graduou-se na Faculdade de Direito de São Paulo em 1904. Vereador em Sorocaba (SP) pelo PRP. Presidente da Câmara Municipal de Sorocaba. Prefeito de Sorocaba (1926-1927). Deputado estadual (1910-1912; 1913-1915; 1916-1918; 1919-1921; 1922-1924; 1925-1927) pelo PRP. Segundo Secretário da Câmara Estadual de São Paulo. Primeiro Secretário da Câmara Estadual (1925-1927). Senador estadual (1926-1927). Deputado constituinte (1935-1937). Procurador-chefe da Caixa de Aposentadoria e Pensões dos Serviços Públicos de São Paulo (1938). Diretor-geral do Departamento Estadual do Trabalho (1941-1944). Diretor-geral do Departamento das Municipalidades (1945-1946). Ministro do Tribunal de Contas de São Paulo (1947-1950). Presidente do Tribunal de Contas de São Paulo (1949-1950). Faleceu em São Paulo em 5 de abril de 1953.Campos Vergueiro foi membro do Conselho Administrativo do Estado de São Paulo em 1946.

Mario Guimarães Barros Lins (17 de set. 1894 - 20 de ago. 1959)Mario Lins nasceu em Recife (PE). Graduou-se na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro em 1916. Membro do Diretório Central do PRP. Prefeito eleito de Jardinópolis (SP) pelo PRP de 15 de janeiro de 1929 a 25 de outubro de 1930. Prefeito nomeado de Jardinópolis (1931-1933). Prefeito nomeado de Jardinópolis (1933-1934). Prefeito eleito de Jardinópolis (1936-1939). Secretário da Educação e Saúde Pública do Estado de São Paulo (1940-1941). Diretor da Cia. Mogiana das Estradas de Ferro (1951-1955). Vereador em Jardinópolis (1955-1958). Presidente da Câmara Municipal. Faleceu em Ribeirão Preto (SP) em 20 de agosto de 1959.Mario Lins foi membro do Conselho Administrativo do Estado de São Paulo de 1939 a janeiro de 1940.

Miguel Reale (6 nov. 1910)Miguel Reale nasceu em São Bento do Sapucaí (SP). Graduou-se na Faculdade de Direito de São Paulo em 1934. Secretário Nacional de Doutrina da Ação Integralista Brasileira (1936). Secretário de Justiça e Negócios Interiores de São Paulo (1947). Presidente do Instituto Brasileiro de Filosofia (1949). Reitor da Universidade de São Paulo (1949-1950; 1969-1973). Vice-Presidente do Partido Social Progressista. Secretário de Justiça de São Paulo (1963-1964). Membro da Academia Brasileira de Letras (1975). É advogado em São Paulo.Miguel Reale integrou o Conselho Administrativo do Estado de São Paulo entre 1942 e 1945.

Plinio Rodrigues de Moraes (30 abr. 1896 - 14 jul. 1941)Plinio de Morais nasceu em Tietê (SP). Graduou-se na Escola de Farmácia de São Paulo em 1918. Membro do diretório do Partido Republicano Paulista (1927-1930). Suplente de deputado federal (1934-1935). Vereador em Tietê (SP) (1936-1937). Prefeito de Tietê (1938-1941). Faleceu em São Paulo em julho de 1941.Plinio de Morais foi conselheiro do Conselho Administrativo do Estado de São Paulo entre 1939 e 1941.

Renato Paes de Barros (1885 - 18 set. 1951)Renato Paes de Barros nasceu em Itu (SP). Graduou-se na Faculdade de Direito de São Paulo em 1906. Delegado de Polícia (1902-1912). Procurador-Geral do Estado de São Paulo (1938-1941). Membro do Conselho Técnico de Economia e Finanças do Estado. Administrador da Caixa de Previdência Social dos Ferroviários da Estrada de Ferro Sorocabana. Faleceu em Roma (Itália) em 18 de setembro de 1951.Renato Paes de Barros integrou o Conselho Administrativo do Estado de São Paulo em 1940 e 1941.

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Sebastião Nogueira de Lima (3 nov. 1880 - 2 ago. 1964)Sebastião Nogueira de Lima nasceu em Casa Branca (SP). Graduou-se na Faculdade de Direito de São Paulo em 1904. Vereador em Piracicaba (SP) (1920-1922; 1923-1925) pelo PRP. Presidente da Câmara Municipal de Piracicaba. Reitor da Universidade Popular de Piracicaba. Curador de Acidentes do Trabalho. Curador de Menores. Procurador-geral do Estado (1943). Secretário da Educação e da Saúde Pública (1943). Secretário de Justiça e Negócios Interiores (1945). Interventor Federal em São Paulo (1945). Ministro do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo. Presidente do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (1947-1948). Faleceu em São Paulo em 2 de agosto de 1964.Sebastião Nogueira de Lima foi presidente do Conselho Administrativo do Estado de São Paulo em 1946.

Synésio Rocha (5 jun. 1893 - 15 jul. 1957)Synésio Rocha nasceu em São Paulo (SP). Graduou-se na Faculdade de Direito de São Paulo em 1919. Vereador em São Paulo (1926-1928; 1929-1930; 1936-1937) pelo PRP. Procurador-geral do Estado (1942-1945). Secretário do Trabalho, Indústria e Comércio (1946). Secretário do Estado de Negócios Internos e Jurídicos (1948-1949). Secretário da Justiça (1950-1951). Ministro do Tribunal de Contas de São Paulo (1952). Faleceu em São Paulo em 15 de julho de 1957.Synésio Rocha foi membro do Conselho Administrativo do Estado de São Paulo em 1946.

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1 As informações aqui utilizadas foram compiladas a partir da pesquisa documental realizada na biblioteca particular do Dr. Goffredo da Silva Telles Jr., ao qual agradeço a amável acolhida, e na Divisão de Acervo Histórico da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. Registro igualmente o apoio dado a essa pesquisa pelos funcionários do Acervo Histórico, Solange de Castro Bulcão e Olívia Gurjão, e por seu diretor, Dainis Karepovs. Julio Cesar Gouvêa merece o crédito pelos gráficos e pela compilação das informações do anexo biográfico.2 SKIDMORE, Thomas E. Brasil: de Getúlio Vargas a Castelo Branco, 1930-1964. 10ª. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992, cap. I, p. 62.3 SKIDMORE, Thomas. Ibid., p. 60.4 A primeira denominação do órgão foi “Departamento Administrativo”. O Decreto-Lei nº. 5.511, de 21 de maio de 1943, art. 2o, modificou sua nomenclatura para “Conselho Administrativo”. Utilizo em todo o artigo esta última denominação, mesmo para o período anterior a 1943.5 VARGAS, Getulio. Proclamação ao povo brasileiro (“À Nação”. Lida no Palácio Guanabara e irra-diada para todo país na noite de 10 de novembro de 1937). In: _____. A nova política do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1938, vol. V: O Estado Novo (10 de Novembro de 1937 a 25 de Julho de 1938), p. 28, grifos meus.6 Todas as passagens entre aspas são de VARGAS, Getúlio. Proclamação ao povo brasileiro, op. cit., p. 19; 30; 23; 23; e 32, respectivamente. O pronunciamento presidencial de 10 de novembro (assim como a Constituição) foi redigido por Francisco Campos a partir de anotações com instruções gerais preparadas por Getúlio Vargas. Ver a entrada do dia 7 de novembro de 1937 em: Getúlio Vargas: diá-rio. São Paulo, Siciliano; Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 1995, vol. II (1937-1942), p. 82.7 Os principais candidatos eram Armando de Sales Oliveira (oposição) e José Américo de Almeida (situação).8 Todas as passagens entre aspas são de: VARGAS, Getulio. Proclamação ao povo brasileiro, op. cit., p. 23; 24; 24; 25; 20; 30; 20; 20; 29; 31; e 22, respectivamente.9 MARTINS, Luciano. A revolução de 1930 e seu significado político. In: CPDOC/FGV. A revolução de 1930: seminário internacional. Brasília: Ed. UnB, 1983, p. 686.10 VARGAS, Getulio. Proclamação ao povo brasileiro, op. cit., p. 32.11 Como sustentou MARTINS, Luciano. Estado Novo. FGV-CPDOC. Dicionário histórico-biográfico brasileiro (1930-1983). Rio de Janeiro: Forense-Universitária/Finep, 1983, p. 1198.

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Acervo histórico

12 Para que não restem dúvidas: “O presidente da República é o centro da nova organização estatal. Nele concentram-se atribuições atinentes à garantia da unidade nacional, da segurança do Estado e da estabilidade da ordem social”. CAMPOS, Francisco. O Estado nacional: sua estrutura; seu conteúdo ideológico. 2a. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1940, p. 97.13 Essa é a opinião de SOLA, Lourdes. O golpe de 37 e o Estado Novo. In: Carlos Guilherme Mota (org.), Brasil em perspectiva. 19a. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1990, p. 25814 DIP, Departamento de Imprensa e Propaganda; DEIP, Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda; CNPIC, Conselho Nacional de Política Industrial e Comercial; CME, Coordenação da Mobilização Econômica; CPE, Comissão de Planejamento Econômico.15 V. MARTINS, Luciano. A revolução de 1930 e seu significado político, op. cit., p. 686.16 V., sobre esse ponto, DINIZ, Eli. Empresário, Estado e capitalismo no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978. 17 MARTINS, Luciano. A revolução de 1930 e seu significado político, op. cit., p. 686.18 Esta parece ser a posição de DINIZ, Eli. O Estado Novo: estrutura de poder; relações de classes. In: FAUSTO, Boris (org.), História geral da civilização brasileira. Tomo III: O Brasil Republicano, 3o. Vol. Sociedade e Política (1930-1964). 5a. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1991.19 V. CAMPELLO DE SOUZA, Maria do Carmo C. Estado e partidos políticos no Brasil (1930 a 1964). 3ª. ed. São Paulo: Alfa-Omega, 1990, p. 95-98 e 103-104. 20 CAMPOS, Francisco. O Estado nacional, op. cit., p. 27 e 28.21 Renato Paes de Barros, em discurso pronunciado por ocasião da passagem do primeiro aniver-sário do Conselho Administrativo do Estado de São Paulo em 11/07/1940. CAESP, Anais de 1940, Vol. I (Sessões), 2

a parte, p. 1217. Para a mesma constatação, v. Boris Fausto, História do Brasil. 2a ed. São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo/Fundação do Desenvolvimento da Educação, 1995, p. 366. Cf. igualmente: Boris Fausto, Pequenos ensaios de história da República: 1889-1945. São Paulo, Cadernos CEBRAP no. 10, 1972, pp. 87-88.22 MARREY JÚNIOR, J. A. No Departamento Administrativo de São Paulo: discursos e pareceres (18/6/1941-31/12/1942). São Paulo: s. ed., 1943, p. 12.23 O art. 14. fixava algumas restrições à essa regra geral. “As nomeações de membros do Conselho Administrativo não podem recair em quem: a) tenha contrato com a administração pública federal, estadual ou municipal, ou com ela mantenha transações de qualquer natureza; b) seja funcionário público estadual, salvo quando em disponibilidade, ou municipal; c) exerça lugar de administração ou consulta, ou seja proprietário ou sócio de empresa concessionária de serviço público ou que goze de favor, privilégio, isenção, garantia de rendimentos ou subsídio do poder público; d) tenha contrato com empresa compreendida na alínea anterior, ou dela receba quaisquer proventos”.24 Interventorias em São Paulo na década de 40: Adhemar de Barros (de 27 abril de 1938 a 4 junho de 1941), Fernando Costa (de 4 junho de 1941 a 27 outubro de 1945) e José Carlos de Macedo Soares (de 3 novembro de 1945 a 14 março de 1947).25 PRP, Partido Republicano Paulista; PD, Partido Democrático; FUP, Frente Única Paulista; PC, Partido Constitucionalista; AIB, Ação Integralista Brasileira.26 REALE, Miguel. Memórias: destinos cruzados. Vol. 1. São Paulo: Saraiva, 1986, p. 171.27 Departamento Administrativo do Serviço Público.28 Cf. o art. 31 do decreto-lei 1.202/39.29 Na interpretação usual, os Conselhos Administrativos foram assimilados a uma espécie de divisão regional do DASP – os “daspinhos”. Cf. LOEWENSTEIN, Karl. Brazil under Vargas. New York: The Macmillan Company, 1944, p. 59; GRAHAM, Lawrence S. Civil Service Reform in Brazil: Principles versus Practice. Austin and London: University of Texas Press, 1968; SOLA, Lourdes. O golpe de 37 e o Estado Novo, op. cit., p. 268-269; e CAMPELLO DE SOUZA, Maria do Carmo C. Estado e partidos políticos no Brasil, op. cit., p. 96-97.

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Partidos políticos, organizações sociais diversas, eleições diretas para a escolha do presidente e de deputados, além da convocação de uma As-sembléia Constituinte. Era como se o Brasil fosse passado a limpo. O Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) tinha sido extinto, as greves, apesar da legislação que as proibia, estavam pre-sentes, provando a força do operariado. Os meios de comunicação podiam expressar suas opiniões e a população saia às ruas para comemorar um tempo novo. O fim da Guerra e o fim da Ditadura. Era a liberdade que se descortinava diante de to-dos. Era a Democracia.

Os depoimentos colhidos dão conta da par-ticipação de operários neste período e são unânimes em descrevê-lo como um tempo de abertura e de liberdades democráticas. Em um lapso de tempo, parecia que o poder estava com o povo e o destino do país pudesse ser traçado por todos. Tanto aquele momento do pós-guerra, como o do fim da Ditadura Militar, simbolizado pelo Movimento das “Diretas-Já”, é representativo e ao mesmo tempo didático. Há que se perguntar:

– Afinal, num país sem tradição democráti-ca, o que é Democracia? São esses lapsos como o é a felicidade?

Com o fim do Estado Novo, a reorganização política dos Estados estava na ordem do dia. A democracia não seria construída com a partici-pação popular. Era um presente. Edificada de cima para baixo, alicerçando-se num poder cen-

tral altamente burocratizado, tentava-se, agora, manter “democraticamente” o controle sobre os Estados. As transformações processaram-se vagarosamente. Primeiro, tivemos a forma-ção dos partidos – poderíamos dizer invenção –, que se tornaram oficiais, a manutenção da Constituição da ditadura e a permanência das interventorias; depois, as eleições federais e a escolha do presidente para, finalmente, serem autorizadas as eleições estaduais, de forma a que os Estados pudessem voltar à normalidade democrática.

O Estado de São Paulo escapou dos planos tra-dicionais. O poder político, aqui, não pôde ser tu-telado pelos partidos da elite, como queria Eurico Gaspar Dutra, nem contou com a ajuda de Getúlio Vargas. O Partido Social Democrático (PSD) e a União Democrática Nacional (UDN), que eram oposição “cordial”, tiveram que dividir seu pre-tendido controle sobre o Estado com o Partido Comunista do Brasil (PCB), o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e uma nova força política que surgia, o Partido Social Progressista (PSP), de Adhemar de Barros.

Findas as eleições em 19 de Janeiro de 1947, Adhemar e os comunistas1 seriam os grandes vitoriosos. A Assembléia Legislativa seria reaber-ta e o governador tomaria posse em seu recinto, confirmado pelos 75 deputados que comporiam este novo cenário político.

A Assembléia Legislativa de São Paulo foi rea-berta em novas instalações2 – no Palácio das

Eduardo José Afonso*

O PCB no Legislativo paulista

1�4�-1�48

* Graduado em Comunicação Social – Publicidade e Propaganda – pela Fundação Armando Álvares Penteado e em História pela Universidade de São Paulo. Mestre pela Universidade de São Paulo com a dissertação O PCB e o poder. 1935 – O Poder pela força. 1945 – O Poder pelo voto (Os comunistas na Assembléia Legislativa – 1947-1948). São Paulo, FFLCH-USP, 2004. É autor dos livros. A Guerra do Contestado e a Guerra dos Emboabas (Ática), Os povos das florestas (Editora do Brasil), Rússia Ontem e Hoje, 500 anos de América e Apartheid (IBEP) ([email protected]).

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Acervo histórico

Indústrias – no dia 14 de março de 1947. O presidente do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-SP), desembargador Mario Guimarães, abriu os trabalhos da Assembléia Constituinte Estadual, marcando o retorno de São Paulo à vida política constitucional.

Sem perda de tempo, no dia 18 de março, foi composta a Comissão para estudar a matéria do Regimento Interno e apresentar proposta, que ficou pronta no dia 26. Após a apreciação das emendas, o Regimento Interno da Constituinte foi aprovado, em sessão extraordinária. Estava pronto o caminho para o início dos trabalhos.

Os embates que se seguiram, assim como as emendas propostas e os projetos de lei apre-sentados, seriam reflexos dos acontecimentos – incertezas do mundo frente à Guerra Fria e situ-ação político-econômica interna, particularmente do Estado de São Paulo – que exerciam grande influência sobre os deputados.

A participação do PCB na Assembléia Legislativa de São Paulo, a partir de 1947, não é a mesma apresentada na Câmara Federal em 1946. O partido, desde seu III Congresso (julho de 1946), havia mudado sua postura. Os comunistas sa-biam que não eram mais vistos com bons olhos pelas elites, como ocorrera até aquele momen-to. Temerosos diante dos acontecimentos, que prenunciavam a cassação do registro de seu partido, mas ainda apostando que os pedidos de cassação não fossem atendidos, confiavam na “força moral da Democracia”. Essa crença os levou a determinar uma nova linha política, que propunha como recurso as “formas de luta cada vez mais altas e vigorosas”, desde que dentro da legalidade.

Nas eleições de 1947, o PCB, que já mostrara sua pujança política nas eleições anteriores, no Brasil inteiro sagrou 46 deputados em quinze dos vinte e um Estados e ficou em terceiro lugar na Assembléia Legislativa de São Paulo, com 11 representantes.

Havia 11 deputados comunistas, contra 64 de outras tendências. Entre os pecebistas que as-sumiram as cadeiras da Assembléia Legislativa de São Paulo, sete eram operários (Armando Mazzo, Clóvis de Oliveira Neto, Estocel de Moraes, João Sanches Segura, Lourival Cos-ta Villar, Mautílio Muraro e Roque Trevisan) e quatro intelectuais (Caio Prado Jr., Catullo Branco, João Taibo Cadorniga e Milton Cayres de Brito).

Partidos representados naAssembléia Legislativa de São Paulo

1º Legislatura – 1947/1951

Partido Social Democrata PSD 26

deputados 34,7%

Partido Trabalhista Brasileiro PTB 14

deputados 18,7%

Partido Comunista do Brasil PCB 11

deputados 14,7%

Partido Social Progressista PSP 9

deputados 12,0%

União Democrática Nacional UDN 9

deputados 12,0%

PartidoRepublicano PR 3

deputados 4%

Partido Democrata Cristão PDC 2

deputados 2%

Partido da RepresentaçãoPopular

PRP 1deputado 1,3%

A população paulista estava exultante, a im-portância do fato era inegável, o fim do Estado Novo abria grandes perspectivas e esperanças, não só para os deputados eleitos, como também para todos os que acreditavam estar vivendo um novo momento, sem repressão e de liberdades democráticas. Para os comunistas, essa etapa reforçava a crença de que as instituições demo-cráticas eram sólidas e inabaláveis.

Assumidos os seus postos, composta a Mesa e iniciados os trabalhos da Assembléia Constituin-te, o PCB vivenciaria, na prática, aquilo que seu discurso privilegiara até aquele momento em São Paulo. Nem sempre seria fácil unir a prática e o discurso.

Os trabalhos da Constituinte tiveram a presença marcante do PCB que, pre-tendendo manter-se coerente com seus princípios e as deter-minações do Comitê Central, lutou na de-fesa dos interesses dos trabalhadores e da população paulis-ta mais carente.

discurso.

DeputadoClóvis de Oliveira Neto

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Desde o início dos trabalhos, os comunistas se destacaram. A primeira comissão, que teve como finalidade a elaboração do Regimento Interno da Constituinte, contou com a presença de Caio Pra-do Jr., que a presidiu. No dia 1º de abril, foi criada a Comissão Especial de Consti-tuição, encarregada de elaborar o ante-projeto, analisar as emendas e redigir o texto final da Cons-tituição, da qual participaram Milton Cayres de Brito, líder da bancada comunis-ta, e Caio Prado Jr.

“Eles dividiam as teses e os trabalhos... Então, se era um projeto mais ligado aos operários e tal, ia ele [Deputado Sanches Segura], o Mazzo, ou outro. Se era um pro-blema de energia, era o engenheiro Catullo Branco. (...) Eles dividiam e davam tarefas. Tinha o secretário dos deputados, tinha bancada, eles faziam reunião permanente e distribuíam o trabalho”, esclarece Dona Adoração3.

Além de primar por organização e respeito à es-trutura interna, os trabalhos da bancada do PCB, no decorrer de todo o processo constituinte, foram baseados em seu programa mínimo, que defendia basicamente: soberania da Constituinte; aumento geral de salários, estímulo à produção agrícola, terras para os camponeses, reforma dos contra-tos de arrendamento, combate ao “câmbio negro”; reaparelhamento das vias férreas, aplicação do “fundo de melhoramentos” de transporte, explora-ção de todo o serviço ferroviário. Propunha, tam-bém, que os municípios recebessem, por parte do Estado, a garantia de empréstimos ou assistência técnica para a solução de seus problemas; o en-sino público e gratuito, a melhor remuneração aos professores e a criação e ampliação da rede de saúde; habitação barata e a obrigatoriedade, por parte dos fazendeiros, de construir casas para os colonos; reajuste dos vencimentos dos funcioná-rios públicos e efetivação dos extranumerários. Esse programa tornou-se um anteprojeto e foi oferecido à Comissão Especial de Constituição, sem, no entanto, ser discutido por ela.

Quando a Comissão Especial terminou seus tra-balhos, em 28 de abril de 1947, e o anteprojeto de Constituição foi distribuído pela Mesa ao plenário,

para o início das discussões e a aprovação de emendas, a bancada comunista estava prepa-rada. O Deputado Catullo Branco, nos debates sobre a situação do funcionalismo público, de-fendeu a substituição do conceito de “concurso” pelo de “prova de habilitação”. Fundamentou sua defesa no argumento de que os concursos eram ineficientes, já que, freqüentemente, eram burlados pelo protecionismo. Nos debates sobre as “comissões mistas”, o mesmo Catullo Branco apontou o fracasso do Departamento Administra-tivo do Serviço Público (DASP) no trato com a questão dos con-cursos e admissões. Discutindo a mesma questão, propôs a cria-ção de comissões mis-tas dentro das reparti-ções, justamente para evitar o “filhotismo” e o apadrinhamento no serviço público. Suas propostas, no entanto, não foram acatadas.

Nas discussões que envolveram a questão da aposentadoria, a bancada comunista defendeu que ela se desse aos 65 anos, por não consi-derar adequado o limite para 70 anos, já que a média de vida do brasileiro, naquela época, era de 45 anos. Propôs o estudo do aumento dos valores da aposentadoria, tendo em vista as dificuldades que o brasileiro enfrentava para so-breviver naquelas condições do pós-guerra. No debate sobre desapropriação de terras, o líder da bancada, Deputado Milton Cayres de Brito, criticou o latifúndio, apontando que se dedica-vam, como no período colonial, à monocultura para a exportação, razão pela qual se verificava a carência de produ-tos de primeira ne-cessidade. Definiu o regime social brasi-leiro como “semifeu-dal” – como queriam os teóricos do PCB –, com relações de produção pré-capi-talistas, e sustentou que, devido a todas essas condições, ain-da existia no campo semi-servidão.

O Deputado Caio Prado Jr., na discussão parla-mentar sobre a arrecadação tributária, defendeu

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DeputadoCaio Prado Junior

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Acervo histórico

a predominância do Imposto Territorial sobre o Im-posto de Vendas e Consignações, propôs que se o Estado fizesse um levantamento do número de imóveis rurais e seus valores venais fossem atu-alizados a uma taxa de 7%, afirmando que esse imposto suplantaria a arrecadação do Imposto de Vendas e Consignações (IVC).

Em votação nominal, quando o projeto de Consti-tuição estava sendo debatido, a Emenda nº 405, que propunha o fim da progressividade do Impos-to Territorial, foi aprovada por 38 votos a 25, e a Emenda 409, que mantinha a vigência do Imposto de Vendas e Consignações, também foi aprova-da, por 44 votos a 18.

Como os anais da Assembléia nos mostram, Caio Prado Jr. e a bancada comunista apre-sentaram 24 emendas, e subscreveram soli-dariamente mais 7, ao Projeto de Constituição. Essas emendas referiam-se: à atualização de vencimentos de inativos, à duração de dois anos de mandato de deputados, à extinção do Depar-tamento Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo (DEOPS), à constituição de comissão para resolver sobre classificação e promoção de funcionários na esfera do Ministério Público, ao levantamento aerofotogramétrico do Estado de São Paulo, ao ensino público e gratuito em todos os níveis, à fiscalização da ação da polícia pela Promotoria Pública, aos critérios para auxílio e subvenção do Estado às instituições particula-res de assistência social, à abolição da polícia política e especial, e à extensão das garantias trabalhistas aos operários do Estado e dos mu-nicípios.

Durante os trabalhos constituintes, o PCB en-volveu-se na defesa das emendas propostas e na construção de uma Constituição legítima, e também em outras questões importantes, como a discussão da proposta apresentada pela UDN, o “Ato Constitucional”4 que dava ensejo à luta da oposição pelo impedimento de Adhemar de Bar-ros. Naquela ocasião, o PCB ainda acreditava em Adhemar e esperava que ele cumprisse as pro-messas assumidas no acordo firmado antes das eleições; por isso, não defendia essa idéia.

O PCB entendia, também, que essa manobra da UDN e do PSD era uma tentativa de, ao propor urgência na imposição do “Ato Constitucional”, excluir das discussões os “dispositivos proble-máticos” que se referiam a matérias de interes-se popular. Além disso, a formação do “Bloco Parlamentar”, encabeçado pelos proponentes da emenda, tinha o intuito de cercear a ação do

Governador e limitar o raio de ação dos partidos de esquerda na Assembléia – naquele momento, representados pelo PTB e pelos comunistas. Alicerçado pela união com PSP, PTB e Partido Republicano (PR), o PCB conseguiu combater a proposição do “Ato Constitucional”, que foi retira-do pelo “Bloco Parlamentar”. Sua tranqüilidade, no entanto, seria perturbada ainda durante os trabalhos constituintes. No mês de maio, dia 7, o PCB teve seu registro cassado.

A Constituição foi promulgada em 9 de julho de 1947, com grande festa e participação popular. O povo de São Paulo via na consecução desse feito a construção da democracia no Estado. Entretan-to, a liberdade peculiar da democracia não atingi-ria o PCB na Assembléia. Cassado o registro do partido, temia-se pelos mandatos dos deputados comunistas. Os seis meses que separaram a promulgação da Constituição da cassação dos mandatos foram tempos de batalha. Os represen-tantes comunistas lutariam para permanecer pre-sentes, não só na Assembléia, como no cenário político-institucional brasileiro.

Após a eliminação do PCB, urgia, então, a cas-sação dos mandatos de seus deputados. Essa era uma questão delicada, juridicamente mais embaraçosa, porque fugia da alçada do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), sendo de competência do Legislativo. O Executivo manteve pressões sobre o Legislativo para alcançar seu intuito. Entre a ilegalização do PCB e a cassação dos mandatos de seus representantes, oito meses transcorreram.

Em São Paulo, o PCB realizou um comício no Anhangabaú em desagravo à cassação5. Na Assembléia Legislativa, a bancada comunista, pondo em prática as decisões de sua direção, simplesmente denunciava a violência policial em seus comícios e aguardava a decisão judicial sobre o recurso impetrado, enquanto se prepa-rava para as eleições municipais de novembro de 1947.

Promulgada a Constituição Estadual, em 9 de ju-lho de 1947, apesar das pressões continuamente sofridas, os comunistas mantiveram-se atuantes. Caio Prado Jr., por exemplo, passou a integrar a Comissão Permanente da Constituição e Justiça, onde ocupou o cargo de vice-presidente, além de compor a Comissão do Regimento Interno, de modo a reformulá-lo para os trabalhos legislativos ordinários. Atuou, também, como relator e mem-bro substituto nas Comissões Permanentes de Finanças e Orçamento e de Redação.

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Cancelado o registro do PCB, a aliança com Adhemar começava a se romper. Se no início, esse acordo garantiu-lhe apoio pessepista, agora, depois de efetivada a cassação, o PSP e Adhemar sentiam-se livres – e, ao mesmo tem-po, pressionados pelas forças federais – para se livrarem dos comunistas. Toda a repressão que se abateu sobre o PCB teve o apoio do gover-nador6, que ignorou e não coibiu os excessos da polícia, constantemente denunciados na Assem-bléia Legislativa.

Os vários partidos presentes na Assembléia, apesar de todo o discurso de defesa do Estado de Direito e do respeito à Constituição e à De-mocracia, se posicionavam em função de seus interesses próprios. A UDN, por exemplo, apesar de manifestar-se contra a cassação, somente o fazia porque temia reflexos sobre si, já que ainda era oposição ao governo estadual e federal. O PSD, naturalmente, seguia os ditames de sua direção e o PTB, dividido como estava, repartia igualmente suas posições. A ala pró-Borghista, PPT – Partido Popular Trabalhista7 – , que apoia-va Adhemar e não votava a favor dos comunistas, era ligada a Vargas (PTB), que fazia oposição ao governador, defendia os comunistas e combatia a cassação. Os partidos menores, como PR e

Partido Democrata Cristão (PDC), por exemplo, apesar de não esconderem sua posição contrá-ria ao comunismo, criticavam aquele ato como antidemocrático. O Partido da Representação Popular (PRP), inimigo figadal do PCB, criticava a cassação dos registros partidários porque te-mia que fosse envolvido, a exemplo do PCB, em acusação baseada no artigo 141 § 13 da Consti-tuição Federal.

Os deputados comunistas, antevendo a ação fe-deral na cassação de seus mandatos, enviaram à Mesa da Assembléia Legislativa Paulista a Moção nº 2 de 1947, pedindo o apoio da Casa.

O Deputado Auro de Moura Andrade, da UDN, contrário à cassação dos mandatos, justificou sua posição falando em nome de seu partido e lem-brando que essa moção fora assinada por repre-sentantes de vários partidos, porém teria desapa-recido misteriosamente, o que fez com que o PCB a enviasse novamente naquela data. O líder da bancada do PSD, Deputado Padre Carvalho, leu declaração de sua bancada, afirmando que não a apoiava. O Deputado Salomão Jorge, do PSP, em seu voto declarou solidariedade à Moção nº 2 por ser defensor dos princípios democráticos e da educação liberal. Apesar da defesa que fez dos

A Aliança PCB e PSP nas eleições de 1947: Luiz Carlos Prestes e Adhemar de Barros

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Acervo histórico

mandatos comunistas, contestava, também, a cassação do mandato do Senador Euclides Vieira (PSP). A bancada do PSP não esteve completa no dia da votação.

Muitos deputados estiveram ausentes para não terem de votar a Moção nº 2. O Deputado Lourival Villar, em sua oração, no dia posterior à votação, denunciou a saída de deputados de várias bancadas da Assembléia para não votarem a Moção nº 2. Eram neces-sários 38 deputados e havia somente 29 deles. A bancada do PTB, por exemplo, não se fez presente naquela sessão.

Os Anais da Assembléia nos dão conta de que o assunto era uma pauta polêmica. A Moção nº 2 havia sido proposta pela bancada comunista. Votar a favor era comprometer-se com o PCB, o que não interessava a nenhum partido naquele momento.

Os deputados do PCB não só movimentavam a Assembléia contra a cassação dos mandatos como, também, apresentavam denúncias mos-trando o quanto as forças estaduais e federais estavam envolvidas no projeto de eliminação da representação comunista.

Enquanto o Deputa-do Roque Trevisan denunciava a ação violenta da polícia na repressão a um comício patrocinado pelos comunistas no Largo da Concórdia8,seu par, Mautílio Mu-raro, em sessão sub-seqüente9, ligava os fatos ao Governador Adhemar de Barros e, repetindo o que Luiz Carlos Prestes já havia feito no Senado, pedia a renúncia de Dutra. Ca-racterizando Adhemar como um traidor, solicita-va que fosse processado de acordo com o artigo 44 letra B da Constituição Estadual10.

Os incidentes ocorridos em 1º de agosto de 1947, por razão do aumento dos ônibus e bondes, auto-

rizado pelo Governador, foram bem aproveitados pela imprensa burguesa11. Como era de costume nesses momentos de crise – ainda mais diante da ilegalização do PCB –, a imprensa acusava os co-munistas, responsabilizando-os pelos distúrbios. Muitos foram presos e acusados sem provas ca-bais. Esse episódio foi tema de grandes debates na Assembléia, com a participação, principalmen-te, dos deputados do PSD, UDN – defensores da intervenção federal no Estado – e do PCB, que exigiam responsabilidade civil do Governador, contra o PSP, PDC e PR, que o defendiam de tais acusações.

A situação do PCB – agora na ilegalidade – e de seus representantes, que lutavam para continuar a exercer o seu poder de representação, ficava cada vez mais difícil, pois não só a lei proibia comícios sem autorização, o que limitava a organização das massas contra a cassação dos mandatos, como o Ministro da Justiça de Dutra, Benedito da Costa Neto, lançava um projeto de lei que propunha a reedição da Lei de Segurança Nacional.

A tribuna da Assembléia era o palco de luta e das denúncias dos deputados e, também, de operá-rios organizados que, através de abaixo-assina-dos, enviavam seus protestos contra a situação vigente no Estado e no País. A ação da bancada comunista na Assembléia não se restringiu às denúncias e às críticas. Enquanto apontavam a violência policial nos comícios e lutavam pelo respeito às “imunidades parlamentares”, não re-conhecidas pelas autoridades policiais, continua-vam a defender seu projeto naquela Casa.

A defesa do petróleo como fonte de independên-cia econômica para o Brasil era uma preocupação do PCB, dentro de seu “programa mínimo”, que defendia o capitalismo nacional versus o imperia-lismo norte-americano.

Armando Mazzo apresentou em 5 de setembro de 1947, um quadro completo, a propósito da situação do trabalha-dor paulista – colabo-rando com a comis-são da Assembléia, encarregada de rea-lizar estudos acerca dos trabalhadores no Estado de São Pau-lo – apresentando índices de inflação, desemprego, custo de vida e situação da industria nacional,

de 1947, um quadro completo, a propósito da

Deputado Armando Mazzo

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com relação às industrias estrangeiras. Suas palavras demonstram que, apesar de todas as pressões contra a bancada, a posição do PCB, frente a seus projetos, continuava a mesma.

Todos os representan-tes da bancada comu-nista, atendendo aos anseios dos eleitores, foram incansáveis defensores de seus direitos. Enquanto o Deputado Roque Tre-visan defendia, por exemplo, a “liberdade de sindicalização e dos organismos mais representativos dos trabalhadores, fecha-dos por decretos inconstitucionais”12, o Deputado João Sanches Segura denunciava “injustiças con-tra operários da fábrica de botões Corozita”13 e a Deputada Zuleika Alambert apontava a discrimina-ção contra a mulher no trabalho, pedindo equipara-ção de salários entre homens e mulheres, além de garantias para o trabalho feminino14.

Os meses de agosto e setembro de 1947 mar-caram a Conferência de Petrópolis, que levou à assinatura do “Tratado Interamericano de Assistência Mútua”. Na Assembléia Legislativa Paulista, o Deputado Décio de Queiroz Telles, do PR, foi o primeiro a elogiar esse “Acordo de Paz” para as Américas, denunciado pelos comunistas como um controle militar do continente pelos norte-americanos.

O primeiro pacto da Guerra Fria dava aos EUA condições de controle do continente e, ao mesmo tempo, combatia as “influências externas”. Diante do cerco que se fechava, o PCB passou a adotar uma política de enfrentamento, substituindo o suave reformismo de frente popular, voltado para temas domésticos, pela retórica revolucionária15.

Ao mesmo tempo em que o PCB, na Assembléia, defendia seus princípios e apontava o desrespeito às garantias constitucionais por parte dos gover-nos federal e estaduais, os outros partidos (PR, PDC, PRP, PSP, PSD, PTN – Partido Trabalhista Nacional) apresentavam uma animosidade cada vez maior para com os comunistas, acusando-os de “lacaios de Stálin” e “agentes de Moscou”.

O mês de outubro foi particularmente importante como indicador da guerra aberta que o governo declarou ao PCB. No início desse mês, o Congres-

so Nacional, sob pressão do Executivo, aprovou decreto que permitia a demissão de todos os fun-cionários públicos suspeitos de filiação ao PCB. No dia 21, o Brasil rompeu relações diplomáticas com a União Soviética e, no dia 22, Dutra sancionou a Lei nº 121, que declarava alguns municípios16

como bases ou portos militares de excepcional importância para a defesa externa do País e para outros fins determinados no § 2º do art. 28 da Constituição Federal. Dessa forma, esses municí-pios teriam seus prefeitos escolhidos pelo gover-nador de seu estado. Coincidentemente, muitos desses municípios apresentavam altos índices de simpatia a candidatos comunistas à vere-ança e à prefeitura e as eleições seriam realizadas no início de novembro daquele ano. O Deputado Es-tocel de Moraes de-nunciou, em plenário, o intuito da Lei nº 121 e o oportunismo do PSP e de Adhemar em referendá-lo:

“Vários Srs. Deputados já fizeram, desta tribuna, o seu patriótico protesto contra a cassação da autonomia de nossa capital e da cidade de Santos, dois grandes centros, onde o proletariado e o povo, em geral, al-cançaram maior esclarecimento político. E para exemplificar, cito um fato: é o caso do maior centro industrial do País, Santo An-dré, cujo Prefeito, Sr. Alfredo Maluf, mem-bro do Partido Social Progressista, partido do Sr. Adhemar de Barros, em desespero, pela simples possibilidade de o povo eleger um Prefeito comunista, ou, pelo menos, um homem de idéias avançadas, procurou, por todos os meios possíveis, indo inclusive à Capital Federal, fazer com que fosse in-cluída no monstruoso projeto do Conselho de Segurança Nacional, a cidade de Santo André, como base militar.”17

Diante das criticas e denúncias dos comunistas à Lei nº121 e das grandes perspectivas de vitória dos “candidatos de Prestes” em muitas cidades, o governo adiantando-se e conseguiu a aprovação no Senado do projeto de lei que determinava a cassação dos mandatos dos representantes co-munistas, em 27 de outubro18.

Tencionava o Governo Dutra, diante do projeto de Lei nº 900, do líder da maioria no Senado, Se-

desses municípios apresentavam altos índices de

DeputadoEstocel de Moraes

DeputadoJoão Sanches Segura

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Acervo histórico

nador por Santa Catarina Ivo D’Aquino Fonseca (PSD), eliminar de vez o “incômodo comunista” do cenário político brasileiro. O projeto se aplicava aos comunistas quando incluía, entre os casos de extinção, a cassação do registro do respectivo partido por ser considerado “extremista” (artigo 141 da Constituição de 1946).

Foi ainda no mês de outubro, dia 21, que na Ca-pital Federal o principal órgão do PCB, Tribuna Popular, foi atacado e destruído19. Isso provocou indignação, não somente nos representantes do PCB, como também em muitos outros deputados da Assembléia Legislativa Paulista. O Deputado Caio Prado Jr., em explicação pessoal, ocupou a tribuna para protestar e pedir a solidariedade da Casa. Depois de dar detalhes e apontar a conivência das autoridades com o vandalismo, previa a continuidade desses acontecimentos. Os deputados foram quase unânimes na conde-nação a esses atos como um desrespeito à livre expressão, característica básica da democracia. No entanto, não chegaram a estabelecer, como faziam os comunistas, ligações obrigatórias entre essas ocorrências e as ações do governo rumo à cassação dos mandatos.

A partir de outubro, combatendo as ações da reação e do governo, o PCB revigorou sua luta e adotou táticas de “Propaganda Democrática”, lançando, através de seu jornal A Classe Ope-rária, estratégias de luta contra a cassação dos mandatos e pela mobilização das massas rumo às eleições vindouras.

Paralelamente ao grande esforço do PCB na luta por continuar a existir, tínhamos a preparação dos comunistas para as eleições de 9 de novembro, em São Paulo. O PCB havia apoiado, para a vice-governança, o nome de Cyrillo Jr., do PSD, que, avaliavam, era o mais comprometido com a causa popular. O apoio a um partido que, até então, tinha estado na luta contra os comunistas, e do qual partiu a denúncia que os levou à perda do registro, foi alvo de grandes ataques. As críticas vinham dos meios de comunicação e, na Assembléia, de muitos deputados que não aceitavam esse acor-do, do qual fazia parte, também, Getúlio Vargas.

Os comunistas estavam muito mais interessados em galgar as Prefeituras e as Câmaras Munici-pais nas cidades onde sabiam ter grande apoio popular, do que em pleitear a vice-governança. O partido apoiou o candidato do PSD porque não queria a interferência do Governo Federal em São Paulo, tampouco aceitava o acordo de Adhemar com Dutra, que o fortaleceria no Estado.

Com respeito às eleições municipais, o PCB iria negociar acordos em cada município, com partidos que estivessem dispostos a aceitar seu Programa Mínimo, integral ou parcialmente. Tal estratégia levou o Partido Comunista a um acor-do com o minúsculo Partido Social Trabalhista (PST). Em Santo André, por exemplo, onde os comunistas eram mais fortes, usariam essa le-genda.

O PST tinha diretório estadual em São Paulo e foi precisamente nele, a 18 de outubro, que o PCB fechou acordo, apresentando, através dessa agremiação, a chapa dos “candidatos de Prestes”. Dois dias após essa reunião, última data para o registro de candidatos às eleições de 9 de novembro, o PCB registrou no TRE-SP os candi-datos comunistas, que foram confirmados no dia 7 de novembro. O Partido Comunista ainda apre-sentou candidatos, em todo o Estado, por vários outros partidos, tais como: PSP, UDN, PTB, PSD, PTN, PSB e coligações partidárias.

As eleições transcorreram com muita dificuldade, principalmente no interior, pois a máquina pesse-pista reprimiu e limitou a ação dos partidos que não apoiavam Adhemar.

Na Assembléia Legislativa, as denúncias eram diárias, as táticas usadas pelo PCB, de apoiar visitas de operários às Assembléias, estavam sendo colocadas em prática e o expediente das “mesinhas” 20 era corrente.

Nem toda a repressão e censura foi suficiente para sufocar a ação dos comunistas, que se apre-sentavam às prefeituras – pelo menos, àquelas que estavam fora da Lei nº 121 –, com grande receptividade dos eleitores. Na cidade de São Paulo, o PCB foi o grande vitorioso, conseguiu formar a maior bancada, 17 vereadores e, em Santo André, o Deputado Armando Mazzo, que tinha se licenciado para disputar o pleito, foi eleito prefeito, com uma bancada significativa21. O Par-tido obteve, também, bancadas majoritárias em Santos e Sorocaba. Segundo o jornal A Classe Operária22, os comunistas fizeram 190 vereado-res no estado.

A grande vitória comunista, no entanto, foi abor-tada. Um movimento surgiu imediatamente após a divulgação dos resultados, suspendendo a legalidade do PST, sob a acusação de que os candidatos de São Paulo não poderiam ter-se lançado pela legenda, uma vez que o Diretório Estadual não existia no Estado. O que não cor-respondia à verdade.

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O senador do PSD, Vitorino Freire, entrou com um recurso no TSE pedindo a impugnação da candidatura dos comunistas, alegando que o Di-retório Estadual do PST não existia na ocasião. O julgamento do TSE somente ocorreria no último dia do ano. Até essa data, tudo era incerto. Os “candidatos de Prestes”, eleitos pelo PST, tinham certeza de que assumiriam seus postos.

A Assembléia Legislativa de São Paulo tornou-se um “centro” de defesa dos ideais demo-cráticos. Mesmo deputados não comunistas reprovavam o projeto Ivo D’Aquino e as notícias de que os vereadores não assumiriam seus postos. Apelavam todos ao respeito às leis e à Democracia.

O Deputado Taibo Cadorniga, em longo discurso recorrendo à Assembléia, mostrou o sucesso das eleições municipais e a importância de tal fato para a continuidade do processo democrático. Denunciou as táticas de Adhemar para se for-talecer no interior, quando, usando de violência, ameaçou o jogo democrático das eleições. A par-ticipação dos deputa-dos de outros partidos foi de apoio, inclusive do Deputado Lino de Matos, do PSP, que, apesar de não ter gostado das críticas ao Governador, ma-nifestou-se também contrário à cassação.

Tal iniciativa da bancada comunista, na sensi-bilização e no chamamento à solidariedade de todos, gerou a apresentação da Moção nº 23, proposta em 26 de novembro, que manifestava repúdio ao projeto de cassação dos mandatos e fazia um apelo à Câmara dos Deputados para que não lhe aprovasse.

Apesar da coesão de propósitos da Assembléia, os comunistas ainda enfrentariam muitos reve-ses. Neste dia, os vereadores escolhidos da cidade de São Paulo foram diplomados pelo TRE-SP; ali estavam os comunistas eleitos pelo PST. Após a diplomação, na Praça do Patriarca, quando participavam da recolha de assinaturas contra a cassação dos mandatos, sofreram vio-lenta repressão da polícia, tiveram a “mesinha” destruída e foram detidos, junto com os Deputa-dos Lourival Villar e Roque Trevisan.

Na Assembléia Legis-lativa, a 109ª sessão foi reservada à dis-cussão das arbitra-riedades policiais, da prisão dos represen-tantes comunistas e da questão das “imu-nidades parlamenta-res”. Os ânimos es-tiveram alterados. O Requerimento nº 323, do PCB, pedia urgên-cia na deliberação sobre os fatos e a presença do Secretário da Segurança Pública.

Ocupando a tribuna, o Deputado Salles Filho, líder da bancada do PR, foi um grande defensor das imunidades parlamentares, enquanto o Deputado Alfredo Farhat, do PDC, sem deixar de fazer a de-fesa das imunidades, cumprimentava a polícia por ter mantido a ordem “contra aqueles que a pertur-bavam”. A bancada comunista, protestando com veemência, fez um histórico dos fatos, provando a arbitrariedade dos atos policiais. Os jornais, na primeira capa, noticiavam os acontecimentos do dia anterior: “A prisão de deputados e vereadores suscita cinco horas de debates na Assembléia”.

Os acontecimentos envolvendo o PCB não para-ram por aí. No dia 1º de dezembro, novamente, os comunistas eram notícia de jornal. Atendendo à campanha contra a cassação dos mandatos, proposta pelo PCB, uma grande delegação co-locou-se diante da Assembléia para solicitar aos deputados providências quanto ao repúdio ao projeto Ivo D’Aquino. A polícia esteve presente para “garantir a ordem” no local; no entanto, nada fez para coibir a ação de outro pequeno grupo, liderado por um caminhão com alto-falante, que protestava contra os comunistas. Os ocupantes do caminhão, depois de muitas ameaças, pas-saram a atacar a delegação com fortes bombas de gás e de efeito moral. A polícia, à guisa de dispersar a manifestação, atacou a multidão com cassetetes e jatos d’água; foram disparados tiros e a cavalaria lançou-se sobre os manifestantes.

A sessão do dia 1º foi interrompida devido aos graves acontecimentos e somente terminou de-pois de votada a Moção nº 25, proposta por Caio Prado Jr., com substitutivo do Deputado Sylvio Pereira. O dia 2 de dezembro esteve reservado à discussão da questão.

A Assembléia Legislativa, em 4 de dezembro de 1947, votou o Requerimento a fim de nomear

Deputado Roque Trevisan

DeputadoJoão Taibo Cadorniga

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Acervo histórico

uma Comissão para apurar os fatos do dia 1º de dezembro. Os comunistas pouco puderam fazer contra essa situação. Seus dias estavam conta-dos naquela Casa.

Mesmo sabendo que sua presença na Assem-bléia não era aceita pelas forças federais e esta-duais, a bancada ainda manteve-se na defesa de seus projetos. Numa discussão que se arrastou por dois dias, quase ininterruptos, para debater o aumento do IVC (Projeto de Lei nº 333), os comunistas limitaram o acrésci-mo pretendido pelo governo do Estado. Segundo o Deputado Sanches Segura, dor-miram na Assembléia (ele e Mario Schen-berg) para assumir a tribuna, no outro dia, assim que tivessem início os trabalhos.

O Projeto de Lei nº 370, que concedia o “Abono de Natal” aos servidores do estado, foi, também, uma proposição da bancada comunista. Apresen-tado pela Deputada Zuleika Alambert, foi votado e rejeitado no dia 31 de dezembro de 1947.

Foi também no dia 31 de dezembro que o TSE, no Rio, aprovou o Recurso nº 659, de São Paulo, contra o registro dos candidatos comunistas ins-critos pelo PST, tornando nulos os registros de todos os candidatos do Partido Social Trabalhista de São Paulo23.

Como Adhemar corria o risco de ser enqua-drado no Projeto de Lei nº 900-A, “Projeto Ivo d’Aquino”24, e ainda pairava sobre sua cabeça, nesses fins de 1947, a interdição federal, lançou toda a carga contra os comunistas. Logo no início do ano de 1948, as “forças” estaduais invadiram o órgão de imprensa paulista do PCB, o jornal Hoje. Suas instalações foram destruídas, houve trocas de tiros e prisões de seus funcionários. Novamente, a Assembléia protestou contra esse ato arbitrário do Governador do Estado25, porém, apesar das criticas feitas pelos deputados quan-to à liberdade de imprensa, todos já estavam no compasso de espera para a efetivação da cassa-ção dos mandatos.

A votação do projeto Ivo D’Aquino na Câmara Federal se deu no dia 7 de Janeiro de 1948. Apro-vado, cassava os mandatos dos deputados co-

munistas. A Lei nº 211 foi decretada e sancionada pelo Presidente da República, no mesmo dia.

A bancada comunista, diante do ato consumado, ainda lutava desesperadamente, denunciando a inconstitucionalidade do fato. O deputado pece-bista Celestino dos Santos, em 8 de janeiro de 1948, fez seu protesto contra a cassação dos mandatos26.

Caio Prado Jr., no dia seguinte, servindo-se do comentário do Deputado Osny Silveira sobre a predominância da Constituição Estadual em rela-ção à Lei 211, declarava:

“A Constituição Federal, regulando a au-tonomia dos Estados, estabelece como princípio básico desse regime, o seguinte preceito incluído no artigo 18, da Constitui-ção Federal: ‘Cada Estado se regerá pela Constituição e pelas leis que adotar, ob-servados os princípios estabelecidos nesta Constituição’. (...) No exercício dessa sua autonomia constitucional, os constituintes de São Paulo, que somos nós mesmos, (...) incluíram em nossa Constituição, o princípio estabelecido no artigo 15, que é o seguinte: ‘As vagas na Assembléia dar-se-ão somente por falecimento, renúncia expressa ou perda de mandato’. Os casos de perda de mandato estão definidos no artigo 13 e seu § único. Não vou ler todo esse artigo, porque é muito longo, compon-do-se de várias alíneas, mas em nenhuma delas, nem no § único, se inclui a extinção de mandatos, se exclui a perda de manda-tos para cassação, como se está fazendo com a Lei nº 211. (...) Não está incluída em nenhum desses casos a monstruosidade jurídica estatuída na pseudo Lei nº 211, de cassação de mandatos. Não está estatuí-da. Portanto, a Lei nº 211 choca-se com a nossa Constituição Estadual.”27

O deputado pecebista acrescentava, ainda, que esta não era uma questão jurídica e sim política, cobrava a posição de cada um dos deputados na Assembléia e solicitava a análise da situação pela Comissão de Constituição e Justiça.

O requerimento, assinado por Caio Prado Jr., Osny Silveira, da UDN, e outros tantos deputados, 27 no total, que pedia o pronunciamento da Comissão de Constituição e Justiça sobre a matéria referen-te à extinção de mandatos, não teve tempo de ser votado, pois quando isso ocorreu, os comunistas não estavam mais presentes na Assembléia.

DeputadoMario Schenberg

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A luta legal e política travada pelos comunistas se arrastou até o dia 12 de janeiro, quando, ainda numa cartada final, a bancada comunista reque-reu que fosse a matéria sujeita a debate e votação em Plenário, depois de ouvida a Comissão.

O Deputado Valentim Gentil, diante da solicita-ção da bancada pecebista, preferiu, de modo a ganhar tempo – já que segundo ele o reque-rimento vinha desacompanhado do pedido de urgência –, publicá-lo para, depois, considerá-lo. Anunciava o Presidente da Mesa que, após a pu-blicação, o processo figuraria na Ordem do Dia do dia seguinte.

Apesar dos protestos do Deputado Caio Prado Junior, o Presidente da Mesa preferiu fazer cum-prir a lei federal.

O destino dos comunistas estava traçado e a discussão que se seguiu mostrava que contra a determinação federal não cabiam argumentos. Estavam cassados os mandatos dos comunistas. Após o embate entre Caio Prado Jr. e o Presi-dente da Mesa, este passou à leitura da Ata da reunião da Mesa da Assembléia Legislativa do Estado, realizada em 12 de janeiro de 1948. O Presidente declarou que o objeto da reunião era tomar conhecimento do telegrama do Sr. Ministro Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, que dava conta da extinção dos mandatos dos repre-sentantes do PCB.

O que se seguiu foi a estupefação da bancada, que, daquele momento em diante, não tinha mais assento naquela Casa. Cada deputado28 deixou lavrado para a história, como eles mesmos dis-seram, seu protesto nas páginas dos Anais da Assembléia.

O último discurso dos comunistas na Assembléia Legislativa de São Paulo foi o do ferroviário Ce-lestino dos Santos:

“SR. CELESTINO DOS SANTOS: Sr. Presidente, senhores deputados, embo-ra amanhã, talvez, não estejamos nesta Casa (...) Aquelas onze cadeiras vazias, em sua mudez, representarão o protesto dos trabalhadores de São Paulo, que fo-ram esbulhados, que viram sua escolha li-vre das urnas, de um momento para outro escamoteada, como passe de mágica.(...) essas onze cadeiras vazias. (...) repre-sentarão , sempre, dentro desta Casa , a nossa presença, porque (...) são nossas, (...) porque nos foram confiadas pelo povo.

Mas uma coisa ainda resta de toda esta far-sa (...). Resta para o povo a lembrança, a certeza do uso que foi dado ao mandato confiado aos deputados co-munistas. (...)

Um dia nós todos compareceremos na his-tória que estamos escrevendo com nossos atos. Destes dias, que estamos vivendo, essa história fará justiça àqueles que ho-nestamente cumpriram o seu dever. (...) Era o que tinha a dizer sr. presidente (Muitobem! Palmas).”29

Como a sessão do dia 12 de janeiro não esteve reservada unicamente para a comunicação da cassação dos mandatos, as orações levaram, também, os deputados a fazerem críticas ao Go-verno Adhemar de Barros e a denunciar a forma-ção do “Bloco Democrático Independente”.

Terminada a sessão, os deputados co-munistas saíram da Assembléia, em com-boio. Havia muita gen-te fora do recinto e, segundo depoimentos da Deputada Zuleika Alambert e do Depu-tado João Sanches Segura, foram segui-dos por “capangas do Adhemar”, conseguin-do despistá-los.

Sem os comunistas na Assembléia, o “Bloco Parlamentar”, auto-intitulado “Bloco Democrático Independente”, passou a dominar a cena política, fortalecendo, assim, o Governador Adhemar de Barros naquela Casa Legislativa.

Quanto às vagas deixadas pelos comunistas30,apesar da legislação determinar a organização de novas eleições, não foram preenchidas. Para John French, “a realização de novas eleições desencadearia, entre os demais partidos, uma competição pelo apoio do PCB e de seu conside-rável bloco de eleitores. Por outro lado, a decisão do TSE de dividir os assentos do PCB entre os

DeputadoCelestino dos Santos

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DeputadaZuleika Alambert

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Acervo histórico

noTAS1 O PCB estava na legalidade desde 1945 e tinha feito acordo com o PSP em São Paulo em 1947.2 A primeira sede da Assembléia Legislativa funcionou no antigo Palácio do Governo, no Pátio do Colégio, entre 1835 a 1879. A segunda sede instalada em 1879 e que funcionou no mesmo local até 1937, estava localizada no Largo de São Gonçalo. Desde junho de 1946 a secretaria da Assembléia já estava funcionando, provisoriamente, à rua da Liberdade, 32, 8º andar, ultimando os preparativos para o dia 14 de março de 1947. 3 Entrevista do ex-Deputado Sr. João Sanches Segura e sua esposa, dona Adoração Villar Segura, realizada em São Paulo, bairro de Itaquera, em 15/08/2003.4 Também conhecido como “Emenda nº 5”5 Jornal Hoje. São Paulo,19/06/1947, p.1.6 Diante do receio de ser decretada a interdição de seu Governo, Adhemar cumpre as determina-ções da justiça, expede mandatos de fechamento das sedes do Partido, confisca seus bens e proíbe seus comícios e manifestações operárias. Uma maneira “legal” de se livrar daquele incomodo que tinha caracterizado o início de sua gestão.7 Borghi foi expulso do PTB, no início de março de 1947. O partido dividiu-se ao meio. Na Assem-bléia Legislativa tínhamos o PTB, com 7 deputados, representando a ala antiborghista, e o PPT – Partido Popular Trabalhista –, igualmente com 7 deputados, representado pela ala borghista.8 Cf. Anais da Assembléia Legislativa. Vol. I. 9ª sessão ordinária, 21/07/1947, p.293.9 Cf. Anais da Assembléia Legislativa.Vol. I. 17ª sessão ordinária, 30/07/1947, p.597.10 Secção III – Da responsabilidade do Governador. Art. 44 - São crimes de responsabilidade do Governador os atos que atentarem contra: ... letra B – A Constituição Federal ou a do Estado.11 “O Show Vermelho de Piratininga” foi o título da reportagem com que a revista O Cruzeiro descre-veu os distúrbios, cuja responsabilidade creditou aos comunistas. Trezentos veículos entre bondes e ônibus foram depredados pela população, devido à alta do custo das passagens dos coletivos, autorizada pelo Governador.12 Cf. Anais da Assembléia Legislativa. Vol. I. 7ª sessão ordinária, 18/07/1947, p.227.13 Cf. Anais da Assembléia Legislativa. Vol. III. 45ª sessão ordinária, 02/09/1947, p. 596.14 Cf. Anais da Assembléia Legislativa. Vol. V. 76ª sessão ordinária, 11/10/1947, p. 160.15 SANTANA, Marco Aurélio. Homens Partidos. Comunistas e Sindicatos no Brasil. Rio de Janeiro,Unirio - Boitempo, 2001, p. 69 (Nota nº 5).16 São Paulo, Santos, Guarulhos, Recife, Manaus, Belém, Natal, Recife, Salvador, Niterói e Angra dos Reis, Florianópolis, São Francisco, Porto Alegre, Rio Grande, Santa Maria, Gravataí e Canoas e Corumbá.17 Cf. Anais da Assembléia Legislativa. Vol. V. 84ª sessão ordinária, 22/10/1947, p. 698.18 Aprovado em primeira e segunda votações no Senado, em outubro de 1947, o projeto, então, foi enviado à Câmara dos Deputados para ser votado, o que somente ocorreu em 7 de janeiro de 1947.

candidatos perdedores dava aos partidos não-co-munistas uma participação na cassação do PCB e tornaria mais difícil fazer alianças no futuro.”31

Esbulhados em seu direito, os comunistas pas-saram a adotar nova tática, determinada pelo Comitê Central, no Pleno Ampliado de janeiro

de 194832. Tática que, segundo, Salomão Ma-lina33 e Moises Vinhas34, caracterizou-se como “uma guinada radical à esquerda”. A nova de-terminação do Pleno condenava a “linha de 45”, segundo a qual, “a via eleitoral é uma ilusão burguesa, mas todas as demais formas são justas e necessárias”.

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19 O jornal ressurge mais tarde com o nome “Imprensa Popular”.20 Tática usada pelo Partido Comunista de armar “mesinhas” em praças públicas para arrecadar assinaturas contra a cassação dos mandatos dos representantes comunistas na Assembléia Legis-lativa Paulista.21 “O total dos votos válidos apurados, inclusive os em branco, na eleição de vereadores chegou a 20.434. Este total, dividido pelo número de lugares a preencher na Câmara Municipal de Santo André, resultou em 659 o quociente eleitoral. O quociente partidário obtido pelo PST alcançou 3.162 votos, propiciando ao partido sete lugares na Câmara e mais seis de sobra.” (MEDICI, Ademir. 9 de novembro de 1947: A vitória dos candidatos de Prestes. Santo André, Fundo de Cultura do Municí-pio, 1999, p.22/23.)22 A Classe Operária. Rio de Janeiro, 25/11/1947, p. 15.23 Segundo a legislação vigente, cancelados os registros dos candidatos do PST, deveria haver nova eleição para o preenchimento de suas vagas, nas câmaras. Acontece, porém, que como não haviam assumido suas cadeiras, apesar de já terem sido diplomados, não haveria necessidade, de acordo com o TRE, de se processar novo pleito, já que segundo a lei eleitoral, “para que houvesse nova eleição, nos termos do artigo 95 § 3º, seria preciso que a nulidade atingisse a mais da metade da votação nos municípios. Ora, ao pleito de 9 de novembro, na cidade de São Paulo, por exemplo, compareceram 345.971 eleitores. Os votos anulados, que conseguiu o PST, montavam apenas 79.975. Estava, por conseguinte, bem longe da metade que justificaria outras eleições. Sendo as-sim o quociente eleitoral foi refeito e os candidatos de outros partidos que não haviam conseguido número suficiente, com a nova contagem puderam assumir os postos dos vereadores comunistas em seus respectivos municípios. 24 A partir de 12/1947, o projeto 900, ganhou uma emenda, tornando-se 900-A, quando passou a prever a cassação do mandato de representantes do Executivo que tivessem suas candidaturas registradas pelo PCB.25 Ocorreram, na mesma época, atentados contra A Hora e o O Esporte .26 Cf. Anais da Assembléia Legislativa. Vol. IX. 136ª sessão ordinária, 08/01/1948, p. 551.27 Cf. Anais da Assembléia Legislativa. Vol. IX. 137ª sessão ordinária, 09/01/1948, p. 637.28 Falaram deixando mensagens de protesto, nesta ordem, os seguintes deputados da bancada pecebista: Catullo Branco, Caio Prado Jr., Mario Schenberg, Lourival Villar, Zuleika Alambert, Taibo Cadorniga e Celestino dos Santos.29 Cf. Anais da Assembléia Legislativa. Vol. IX. 139ª sessão ordinária, 12/01/1948, p. 814.30 Todos os deputados e vereadores – e o senador Prestes – eleitos pelo PCB perderam seus man-datos. Restaram apenas dois comunistas no Congresso, Diógenes Arruda e Pedro Pomar, eleitos em São Paulo na legenda do PSP.31 FRENCH, John D. O ABC dos operários. Conflitos e alianças de classe em São Paulo,1900 -1950. São Paulo, Hucitec - Prefeitura de São Caetano do Sul, 1995, p.237.1995, p.237. 32 Este Pleno foi, também, influenciado pelo Relatório Zdanov de 1947, que considerava o mo-mento político o resultado do “aguçamento geral da luta de classes em escala internacional”, que dividia o mundo em dois campos. “O PCB mudou inteiramente sua tática e sua interpretação dos processos e instituições políticas brasileiras. A linha anterior, classificada de ‘oportunista’, foi re-jeitada em favor de outra mais agressiva, orientada para a derrubada do Governo.” RODRIGUES, Leôncio Martins. “O PCB: os dirigentes e a organização” In FAUSTO, Boris (Dir.). História Geral da Civilização Brasileira – O Brasil republicano: Sociedade e política (1930-1964). T. III, vol.3. São Paulo, Difel, 1981, p. 413.33 ALMEIDA, Francisco Inácio de (Org.) O Último Secretário – A luta de Salomão Malina. Brasília, Fundação Astrojildo Pereira, 2002, p.114.34 VINHAS, Moisés. O Partidão – A luta por um partido de massas: 1922-1974. São Paulo, Hucitec, 1982, p.95.

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Acervo histórico

Zuleika Alambert, nascida em 23 de dezembro de 1922, na Rua 7 de Setembro, no bairro do Paquetá, em Santos. A primeira dos seis filhos de Juvenal Alambert e Josepha Prado Alambert iniciou sua militância política nos anos 1940. Em 1943 participou da criação da Associação Feminina pela Cultura da Mulher, em São Vicente, e na de 14 departamentos femininos anexos aos Comitês Populares Pró-Democracia. Atuou intensamente durante a II Guerra Mundial e, após seu término, ainda no Estado Novo, nas ações e atos realizados na Baixada Santista em defesa dos presos políticos, da anistia geral e irrestrita, da redemocratização do País e da convocação da Assembléia Nacional Constituinte. Em 1947, a menina de tranças, cheia de vigor, respeitada pelos trabalhadores do cais do porto, elege-se primeira suplente a Deputada Estadual pelo Partido Comunista do Brasil. No mesmo ano, o partido é declarado ilegal. No ano seguinte, em 1948, ela e os demais deputados comunistas têm o mandato cassado pelo Supremo Tribunal Eleitoral e é expedida ordem de prisão por haverem assinado um manifesto em defesa da autonomia de São Paulo. Inicia assim sua clandestinidade.

O breve período que ocupou uma cadeira na Assembléia Legislativa, onde assumiu o mandato em substituição ao Deputado Clóvis de Oliveira Neto, durante seu impedimento no período de 26 de setembro a 14 de novembro de 1947, ocupando uma cadeira efetiva a partir de 15 de novembro daquele ano, em função da renúncia de mandato do Deputado Mautílio Muraro, foi bastante intenso. Apesar da pequena produção legislativa, a deputada se caracterizou pela defesa dos interesses dos trabalhadores públicos. Apresentou o Projeto de Lei nº 370/47, que propunha a concessão de Abono de Natal para os servidores do estado; e as Indicações para a efetivação das serventes da Prefeitura Municipal de Santos e para o pagamento de gratificação a que tinham direito os servidores da Assembléia, em data anterior a 24 de dezembro. Tardiamente o Legislativo aprovou uma de suas propostas, a de Requerimento à Câmara Federal de mensagem de protesto contra a cassação de

mandatos de parlamentares, apresentada dia 20 de dezembro de 1947, aprovada em 19 de janeiro de 1948 e encaminhada em 23 de janeiro daquele ano. Por Ato da Mesa Diretora da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, seu mandato e o dos demais deputados comunistas foram declarados extintos em 12 de janeiro de 1948, em conformidade com a Lei Federal 211, de 7 de janeiro do mesmo ano. Se sua passagem pela Assembléia foi rápida, Zuleika Alambert registra uma longa trajetória de lutas, que conquistou um lugar na recente história do Brasil. Sua atuação nos movimentos políticos e sociais é registrada em livros, páginas eletrônicas, teses e memórias. Consta, também, como um dos 1.500 verbetes do Dicionário Mulheres do Brasil1, ocupando com destaque os da letra Z.

Na década de 1950, Zuleika participou ativamente em campanhas pela Soberania Nacional e pelo Estado de Direito. De 1951 a 1954, foi secretária-geral da Juventude Comunista. No início dos anos 1960, de forma semilegal atuou junto à diretoria

Zuleika Alambert aos 19 anos

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Deputada Zuleika Alambert

Peço a Palavra

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da União Nacional dos Estudantes, entre outras, nas campanhas pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e na Defesa do Monopólio Estatal do Petróleo. Teve destacada participação na Campanha de Alfabetização de Adultos e na criação e desenvolvimento dos Centros Populares de Cultura.

Após o golpe de 1964, foi perseguida pelo Serviço Secreto do Exército, teve sua casa invadida e depredada, voltando à clandestinidade, desta vez com os direitos políticos cassados por 5 anos. Com a aprovação da Lei de Segurança Nacional e a decretação do AI-5, sai do País em 1969 e vai para Budapeste, na Hungria, como ativista da Federação Mundial da Juventude Democrática, ajudando a organizar a campanha pelo término da Guerra do Vietnã. Em 1971 foi para Santiago, no Chile para participar do Encontro da Juventude Mundial contra a Guerra no Vietnã e lá permanece, participando da criação do Comitê de Mulheres Brasileiras no Exílio e nos movimentos chilenos em defesa do Governo de Salvador Allende.

Após o golpe militar no Chile, se refugia na embaixada da Venezuela. Em 1974, com a proteção da ONU instala-se em Paris, onde forma o Comitê de Mulheres Brasileiras no Exterior. Em 1979, com a anistia, retorna ao Brasil e é recepcionada pelas entidades de mulheres brasileiras. Em 1983 deixa o PCB e se dedica à questão da mulher, tendo participado do grupo de estudos para a criação do Conselho Estadual da Condição Feminina, no qual ocupou praticamente todos os cargos. A história de Zuleika Alambert está intimamente relacionada à história da luta pela promoção dos Direitos Humanos e da condição da mulher em nosso País. Recebeu inúmeros títulos e condecorações e participou como conferencista em mais de duzentos eventos, como o Fórum das ONGs da América Latina e do Caribe, na Argentina; da Conferência de Pequim, na China, e da Conferência Mundial da ONU sobre habitação (Habitat II), na Turquia.

A entrevista a seguir faz parte do projeto de História Oral da Divisão de Acervo Histórico, no qual os depoimentos de ex-deputados e funcionários, registrados em áudio e vídeo, são transcritos e ficam, juntamente com a documentação coletada para as entrevistas, à disposição dos pesquisadores e interessados. A entrevista a seguir foi registrada apenas

em áudio. Foi realizada em dois encontros ocorridos em 23 de março e seis de junho de 2004, na casa de Zuleika Alambert, no Rio de Janeiro, conduzida pelos professores Ricardo José de Azevedo Marinho ([email protected]), da Escola de Ciências, Tecnologia e Arte da Universidade do Grande Rio (UNIGRANRIO), e Renata Bastos da Silva ([email protected]), do Departamento de Ciências Econômicas da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), ambos diretores do Núcleo de Estudos Antonio Gramsci. Agradecimentos especiais à equipe da Divisão Técnica de Taquigrafia e à sua diretora Vera Márcia Máximo de Carvalho Garbosa pela transcrição das fitas.

Acervo histórico – Como iniciou seu interesse pela política?

Zuleika Alambert – Resumindo... era estudante, tinha uns 15 anos, (...) estudava no Liceu Feminino Santista, depois estudei no Tarqüínio Silva. O Liceu formava as dondocas da cidade, mas eu fui para lá porque uma senhora – a minha

O Palácio das Indústrias, no Parque D. Pedro II, foi a sede do Legislativo Paulista de 1947 a 1968

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Acervo histórico

mãe era cozinheira – pagou os meus estudos, por isso eu fui estudar lá, fiz o Ginásio, depois como eu não quis parar, eu fiz Administração e Finanças no Tarquínio Silva, que nunca usei, porque eu não gosto de dinheiro. Morava na orla do mar, em São Vicente. Eu estudava o Ginásio, mas fazia o balé também, tanto que eu cheguei a dançar no Municipal, no Jardim do Templo Chinês. (...) Era muito inquieta, (...) morando numa rua humilde, com terrenos baldios do lado, como uma pessoa assim busca um caminho? Escrevendo fases da minha vida é que eu começo a pensar, eu tirava leite de poste como a gente diz na gíria. Estudei cedo mesmo, devia ter 16 anos, nem 17 anos tinha, eu era teosofista, trabalhava na Igreja Teosófica, que tinha uma grande biblioteca e eu usava a biblioteca. A loja era ecumênica, tinha de tudo. Tanto que eu fiz palestra sobre vida, porque tinha tudo ali, eu tinha 16 anos. Eu fui estudar a vida. Por quê? Porque queria me libertar, queria me liberar, eu era uma pessoa condicionada com a família, com a sociedade, com tudo, aquilo era um arcabouço de ferro. (...) Imagina nascida na década de 20, em 1923, você imagina meu pai? Tinha que dar a benção e tudo, achava ridículo, mas tinha que fazer. Como eu não tinha visão política, fui estudar Teosofia, fui fazer teatro, fui nadadora... Meu pai era do PSD [Partido Social Democrático] e me colocou lá, ele queria que eu fizesse política, só que eu passei de um lado para outro. Assim que pude cai fora. É toda uma busca de caminho... Com a guerra, a guerra já colocou um problema mais político na cabeça, porque os navios foram afundados, os alemães que viviam na orla marítima tiveram que ir para o interior. A minha professora de balé, Rosa, era alemã e ela teve que ir para o interior. Eu comecei a me interessar por política, mas uma política que não era partidária, era uma política geral. E eu buscava a arte, o esporte, a convivência com as pessoas de cabeça... Era aluna da dona Alzira, que é mãe da Cacilda Becker, da Cleide e da Dirce. A Cacilda era bailarina, depois que ela participa de teatro.

AH - Ela era a sua professora de quê?

ZA – Dona Alzira era professora do ginásio, comecinho do Ginásio, ela era uma mulher muito aberta. A Dirce era minha colega de escola, mas já estava no segundo ano, a Cleide no terceiro e a Cacilda no quarto. É tanta coisa na minha cabeça... Se eu fosse o computador, para alinhar tudo direitinho, você ia ver a busca desesperada que eu procurava por uma coisa, que eu não sabia o que era. (...) Eu fazia a travessia do canal a nado, desde o Forte do Itaipu até a Cidade de

Santos. (...) Quando nós rompemos com o eixo, na minha casa – tudo acontecia na orla marítima – todo mundo tinha que pôr panos pretos na janela para não verem as luzes dentro de casa. E nós enfrentamos o racionamento das coisas para comer. Na minha casa não tinha pão, a minha mãe comprava macarrão, macarrão do empório, ela comprava para amassar e fazer pão. Era um momento muito especial. Então os navios foram a pique2 e ali começou aquele mal-estar dentro da população, eram crianças, velhos e tudo foi para o fundo do mar. Então, saímos para a rua pedindo que o Brasil declarasse guerra ao Eixo, essa era a primeira coisa, porque o Getúlio estava de braços dados com o Hitler, com as forças do Eixo. E depois, na segunda etapa da guerra, nós fomos trabalhar para mandar uma tropa para o fronte (...) participei de tudo que era problema neste País. Eu fui à rua para pedir que o Brasil declarasse guerra, depois eu fui para a rua para pedir que o Brasil mandasse uma tropa expedicionária, que foi para a Itália e mais razão ainda, porque a cidade toda ficou ocupada pelos pracinhas e eu ganhei um noivo lá. – Sessenta anos depois ele ainda me telefona. (risos) São as histórias de amor. – Aí, quando eles foram para o fronte, nós começamos a trabalhar como madrinhas de guerra, a gente juntava lã, sapatos, meias, remédios, tudo para mandar para eles. A minha política foi a guerra, a coisa mais política.

AH – Essa foi a contribuição para a Guerra?

ZA – Sem falar da Força Expedicionária Brasileira (...) da nossa brilhante cooperação, e destacar o serviço ativo da frente interna do País, milhares de braços mobilizados, trabalhando a terra enquanto outros trabalhavam na indústria pesada. Centenas e centenas de mãos retalhavam cascas virgens de nossas seringueiras, retirando o látex, empregado no fabrico da borracha, gênero de primeira necessidade na alimentação do maquinário de guerra. Outros semeiam café, bebida estimulante, que irá para as nossas Forças Armadas e para todas aquelas que lutam para o completo êxito das armas aliadas. Outras que plantam o algodão e uma infinidade de gêneros que vão vestir e alimentar os povos do exterior...

AH – E o episódio do azeite?

ZA – E eu nesse período... Faltava azeite na cidade, e o azeite estava estocado na Prefeitura, esperando o preço aumentar para venderem. Um dia sai na rua, peguei e fiz uma faixa e coloquei assim “vamos buscar o azeite”, eu coloquei uma mulher aqui e outra ali e sai pelo bem da

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cidade, “vamos buscar o azeite, vamos buscar o azeite”, aí os estivadores nos viram e ensinaram que tínhamos de fazer uma comissão para falar com o Prefeito. Os estivadores tinham apelidos engraçados, um era Cabelo de Rato, outro era Barriga Cortada, outro era Cor da Praia, Chaves... Esse Chaves, depois, até me ajudou muito sobre Reforma Agrária, ele foi de um piquete que se formou no Rio Grande do Sul. Revolucionário! Mas voltando ao azeite, lá fomos nós, na Prefeitura. “A senhora quer o azeite, então a senhora leva o azeite todo para casa, a senhora vende o azeite e me traz o dinheiro”, e eu não titubeei, mandei buscar o azeite, eles levaram tudo pra minha casa num caminhão e minha mãe quase morreu. Aquela fila de mulheres para pegar o azeite...

AH – E como surgiu a militância partidária?

ZA – Então, era uma menina que estudava e despertei para a vida política, sem saber o que estava fazendo, (...) entrei para o Partido Comunista e depois eu explico por que. Então, foi essa a minha primeira escola. A segunda escola foi a vida partidária. Eles [militantes do Partido Comunista do Brasil] me levaram para fazer a solidariedade aos pracinhas, depois veio a luta contra todas as mazelas do Estado Novo, pela democratização do País e eu estava nessa. E até que um dia a Rute me recrutou da seguinte maneira, a gente quando é jovem é muito ousado, ela era militante de São Vicente, não lembro o nome completo, me disse “olha, eu pertenço a um partido que muitos militantes morreram dando com a cabeça na grade, na prisão, de tanto que eles sofreram dentro do Presídio Maria Zélia3.Você quer entrar para esse partido?” E eu quis, não só quis, como eu filiei toda a minha família, depois a minha família mandou desfiliar, porque eles não queriam nada. Eu me filiei ao partido, aí eu comecei a trabalhar, isso já é fim de 46, fazia esse trabalho o de recrutar e eu falava nos comícios, esse período para mim é muito rico, porque eu fiz coisas incríveis. O meu primeiro comício foi na porta de um curtume em São Vicente, tinha uns dezoito trabalhadores. Eu dizia “hoje estou falando para esses homens, mas amanhã eu quero falar na Vila Melo”. Vila Melo era a principal cidade de São Vicente. Aí eu fui falar lá e aquilo já era pequeno para mim. Pensei: “daqui quero falar na Praça da República”, que era Santos, depois quando mudo para Santos é que eu entro em contato com o pessoal das docas. Eu não me lembro bem a data, a Espanha era governada por Franco4 e ele estava matando todo mundo, então eu lia que marinheiros, doqueiros, estivadores de todo o mundo não estavam

deixando os navios espanhóis descarregarem as mercadorias no cais, era um boicote mundial. Eu disse “o Brasil tem que fazer isso também”, e vai ser pelo Porto de Santos. Eu com a dona Jovina Pessoa, que era mulher do Samuel Pessoa5, e a mulher do Graciliano Ramos [Heloísa Ramos], nós três íamos para o cais e fazíamos o diabo lá, convencendo os estivadores e doqueiros a não desembarcarem os navios. Até que chegou o dia dos navios, o navio veio entrando com a bandeira espanhola, e o cais inteiro parado, nem se ouvia mugido, e nós lá! Não descarregaram nada e o navio teve de voltar outra vez para a Espanha.

AH – Foi um período de grande mobilização?

ZA – O partido nessa época parecia que estava crescendo e eu fui me projetando em porta de fábrica. E o nosso período de legalidade foi exatamente fins de 46/47, em 48 eles cassaram. Então, a minha experiência legal foi muito pequena, mas foi o suficiente para ser candidata a deputada do Estado, eu fiz a candidatura federal – não fui candidata, era muito menina –, eu fiz a campanha de Osvaldo Pacheco, que foi eleito. Quando vem a campanha dos deputados estaduais, eles me candidatam, eu não tinha bagagem, nada. Era nadadora, trabalhava em teatro, a minha vida é múltipla...

Cartaz de peça teatral que Zuleika Alambert protagonizou (1941)

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AH – E você disse que as prostitutas a apoiaram na sua campanha?

ZA – Apoiaram, elas trabalhavam no cais, naquele tempo os contêineres derrubavam muito café... e tudo! Agora é diferente. E elas catavam, catadeiras de café, elas catavam café. Os homens não iam catar café não. Quem apadrinhou a minha candidatura foram os estivadores e doqueiros. E os estivadores me levaram para fazer a campanha na Alta Paulista. Seis ou sete estivadores, cada um com revólver na cinta, porque o pau quebrava mesmo. Olha, era uma contradição, mas era um período de luz e sombra, como chamam. E eu fui fazendo a minha campanha alegre e feliz por aí.

AH – Na Alta Paulista?

ZA – É... até Tupã, Marília, toda essa zona, que era minha zona de trabalho. (...) quando eu fui candidata fazia um cartaz, “Zuleika vem falar hoje de noite”, bairro chinês... Eu ia com aquela pasta, pregava lá, a mulherada queria, porque todo mundo queria ver, uma menina que era candidata, de tranças, falando... e depois me davam lanche, (...) uma campanha muito diferente de hoje, não tinha televisão, a gente distribuía o santinho de casa em casa.

AH – Eles centraram em algum candidato lá em Santos?

ZA – No Martorelli e no Taibo6. Eu não era preferencial, era candidata, mas não era preferencial; o [Victorio] Martorelli era jornalista e tinha o Estocel de Moraes7. Os três eram muito mais experientes do que eu. E trabalhamos os três, quando veio a contagem de votos quem ganhou foi o Taibo Cadorniga e o Estocel de Moraes. Eu não fui eleita, mas fui a primeira suplente. Tinha um deputado que se chamava Clóvis de Oliveira Neto8 – o partido naquele tempo era terrivelmente preconceituoso, ele teve que deixar porque quando a gente entrava já assinava o ato de renúncia, titubeou toca fora... Quando ele saiu9 – tinham mandado ele renunciar –, eu entrei, fiquei deputada, e quem encontro lá? A Conceição Neves Santa Maria10, a famosa Regina Maura, do Teatro Rebolado. Ela casou com o Santa Maria, que era um médico rico. Era uma diferença muito grande entre eu e ela. Eu era uma menina, não tinha nada na cuca, maluca que só, e ela já era uma mulher chiquérrima e eu estava na fase da auto-afirmação, usava sapato de homem, tinha um casaco marrom... não queria saber, não entendia nada de beleza, tinha a beleza da juventude. Eu era assim, me pintar,

me arrumar? Tinha que parecer um pouco com homem. Eu achava que isso colocava respeito... (risos) Um dia a Helena, mulher do Caio Prado11, foi na Assembléia e achou que eu estava vestida como homem, usava sapato de homem. Ela até me ofereceu uns vestidos... Assumi em 1947, fiquei seis meses no Parlamento, não mais do que isso, com 4.654 votos pelo Partido Comunista, que era legalmente constituído – porque em 1947 foi cassado [o registro para funcionamento legal] e nós, que tínhamos mandato, continuamos no Parlamento, depois é que veio a busca, fomos cassados de casa em casa. E aí eu comecei a rodar de casa em casa, de casa em casa, na ilegalidade, até que o partido um dia me mandou para o Rio, mas demorou. Ainda tinha o problema de ser mulher, chegava lá, a mulher dona da casa ficava com ciúmes do marido. Era muito atrasado. Fiquei um bom tempo na casa do Milton de Brito12.

AH – E seu convívio com a deputada Conceição da Costa Neves? Eram só as duas mulheres...

ZA – É, não tinha mais ninguém... O dia que eu fui tomar posse – com aquela roupa esquisita – fiquei sentada na sala do café, esperando que os deputados me introduzissem no plenário, ela chegou e disse: “você quer buscar um café para mim, que eu quero tomar café”, eu respondi: “moça não sou empregada, eu vim tomar posse”. Ela ficou espantada e me disse: “se você quiser usar o meu toalete, é privativo”. Eu nunca entrei no toalete dela, eu ia ao toalete das funcionárias, por isso que eu fiz muita amizade com as funcionárias. Eu nunca pedi um toalete.

AH – Existia uma postura machista entre os comunistas?

ZA – Sempre houve, mulher era para fazer cafezinho, para fazer datilografia, taquigrafia (...) eles tinham um certo respeito por mim e tinham de dizer que o partido cuidava das mulheres. Mas o partido era machista, sempre foi. Essa mentalidade era desde a União Soviética. (...) Perguntei pela Pagu13 e me disseram que ela era uma mulher da vida. Foi a informação que me deram, da Pagu! Ela e a Eneida14, que eram as mulheres que naquele tempo nem sonhavam em fazer nada. Mas o marxismo foi um dos movimentos que primeiramente convocou e demonstrou a importância das mulheres, o papel das mulheres. Inclusive, deu voz a elas, mas eu quero deixar isso bem claro, chamou a atenção das mulheres, mas para usar a mulher como instrumento, nesse sentido. Tanto que eu tinha

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uma frase, mas veja, eu a incorporei e depois eu mudei, a mulher precisa da democracia para se organizar, para se mobilizar etc. e depois acrescentei, a mulher precisa da democracia e a democracia precisa da mulher, porque enquanto a mulher não for paritária com o homem no poder, em geral, a democracia é uma mentira.

AH – O partido, de certa forma, usava as mulheres?

ZA – Esse é o problema. O partido via a mulher como um instrumento que ele precisava, ele precisava para quê? Para fazer comício, para distribuir santinho, para tomar conta das crianças quando faziam reuniões grandes, para dar café para os homens, quando tinha um congresso internacional. Nunca se mandou mulher nenhuma para um Congresso. Tinha as comissões de trabalho, a reunião do Comitê Central, estadual, que seja, mas tinha sempre uma comissão que chamava comissão da feijoada, por quê? Era onde estavam as mulheres, por que feijoada? Porque tudo que as outras comissões não queriam, política externa, política monetária... Quando ninguém queria, caia naquele grupo, naquela comissão da feijoada, como se chamava. E tem aquela teoria, tem que ter um negro, tem que ter um índio, tem que ter uma mulher, você me entende, (...) uma colher de chá que você está dando para as mulheres, mas você aproveita isso, formando a consciência da mulher, não porque isso vai resolver.

AH – E o comportamento dos deputados?

ZA – Os deputados da bancada me apoiaram. A bancada me apoiou muito, toda vez que eu ia falar a bancada me cercava, e quando eu me atrapalhava um pouco eles entravam, então eu tive muito apoio da bancada. Mas quando eu descia, sempre tinha aqueles deputados – não os

meus companheiros de partido – me oferecendo carona. “Mas você é muito moça, muito bonita, como você fica dando dinheiro para o partido, não tem carro, não tem nada, venha comigo...” E mais, quando eu ocupava a tribuna, diziam “o que você está fazendo aqui? Vai lavar roupa, volta para a sua casa, vai casar, ter filhos”, era um negócio sério, não é como hoje, hoje é sopa. Mas eu era cara de pau, naquele tempo não tinha conversa, eu brigava mesmo. Eu xingava, era terrível. Quando eu assumi eles disseram: “então vem para cá mais uma flor”, porque tinha a Santa Maria, mas aí completaram: “cuidado que essa flor tem espinho”. (...) Eu dava uma parte grande do dinheiro para o PCB. Nunca comi tão mal na minha vida, dormia no chão, pegava ônibus – só quem tinha carro era o Caio, o líder da bancada – não era como hoje, era uma sala para todo mundo, a assessoria era coletiva, uma assessoria para assessorar a bancada, e a gente passava o dia inteiro em função daquilo, do parlamento. Aí, final de semana, ia viajar no interior para fazer a base eleitoral, então eu ia para Alta Paulista, até Marília, Tupã, aquelas bandas de lá. E depois voltava.

AH – Seu mandato foi curto, mas intenso...

ZA – Foi... Veja este recorte. “Zuleika Alambert, a quem se deve a iniciativa do projeto de lei concedendo abono de Natal, virá a esta cidade para entrar em contato com a sua população e, muito especialmente, com o elemento feminino, com as donas de casa, com as jovens, com a classe estudantil feminina, com mulheres de todas as classes sociais, a fim de com elas debater os problemas da situação brasileira. Em homenagem a essa ilustre parlamentar, vai se realizar para uma grande reunião, onde todos terão o prazer de ouvir a palavra dessa jovem lutadora. A reunião se encerrará com baile, nos intervalos de contra-danças se farão ouvir diversos oradores na defesa da Constituição e alerta ao povo para protestar contra esse abominável Projeto de Lei de cassação de mandatos, golpe de morte em nossa democracia”. Eu fiz uma miséria lá em 13 de dezembro, em Barretos...

AH - Dançou?

ZA - Dançava, era jovem... Depois fiz uma visita na Vila dos Urubus. “Cassação não, abono de Natal”, eu fui nessa Vila dos Urubus, era uma coisa horrível, só tinha barraco, era um lugar miserável, Vila dos Urubus, “pequeno pedaço de terra mineira, esquecido, espezinhado pela maioria dos governantes, que nada tem feito

Panfleto da campanha eleitoral a deputada estadual

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Acervo histórico

pelo povo e tal”. Fazia o contato com o povo, de porta em porta, de rua em rua. Fomos nós, em nossa campanha, fotógrafo do Jornal do Povoe os candidatos de Prestes, ouvir as queixas... Entramos em diversos barracos, todos pequenos, escuros, sem água, sem luz e sem ventilação...

AH – Como foi seu relacionamento com os deputados comunistas?

ZA – O Caio Prado era o líder da bancada. Nós tínhamos muitas pessoas interessantes lá, tinha o Lourival, que era borracheiro, o Sanches, que era tecelão, o Armando Mazzo... não sei o que ela era, foi prefeito de Santo André, enfim, era uma bancada, se não me engano, tinham 1415 e eles me ajudavam, rapidamente me entrosei. Eu era muito individualista e não tinha essa noção do trabalho coletivo, eu acho que eles entenderam isso e me ajudaram. Foi uma escola minha vida parlamentar. Depois, em 1948, tchau. Então, a minha presença foi muito insignificante, mas nesse pouco período eu fiz tudo o que eu podia, ia para porta de fábrica e falava, ia para o cais e falava. Eu lembro que um dia estava falando no centro da Praça da República em Santos, de repente ouvi, parecia uma voz que vinha do mar do cais: “Muito bem companheira”. Os doqueiros! Eu fui falar na Praça da República e eles meteram as patas de cavalo16 e acordei em outro lugar desmaiada. Você vê que era uma situação muito dura, e em 1948 cassam os mandatos e a gente ainda fica um pouquinho ali, até que um belo dia vem a cassação definitiva. Em 1948 ainda fiquei um tempo relativamente grande em Santos, São Vicente, fazendo comícios... Cassaram o partido, continuamos funcionando. Depois cassaram a gente. Depois do Golpe do Getúlio eu não voltei mais para Santos, não tinha condições, eu fui para o Rio.

AH – E depois da cassação?

ZA – Aqui, a gente não tinha partido, a gente enfiava os nossos candidatos nos outros partidos. Eu não fui mais candidata a nada, eu só fui do PCB. Apoiava os candidatos do partido. Os candidatos do Prestes. Quando nos cassaram, cassaram todos os eleitos, como eles diziam, sob a legenda do Prestes, não era legenda do partido, o Prestes era unificador do partido. Então, aí o partido me deu algumas missões – ainda estava na vida partidária – Secretária Geral da Juventude Comunista, o presidente era João Saldanha17;ilegalmente eu levei duas grandes delegações, uma para a Alemanha [Festival da Juventude de 1952], logo depois da guerra, e outra para a

Romênia [Festival da Juventude da Romênia, em 1961], eram mais de 200 homens. Eu conheci os horrores da guerra, o que ela deixou... Aprendi muito sobre jovens. Ajudei a formar o comitê universitário, fui secretária de massa, como eles chamavam, ocupando as tarefas de luta pela paz, defesa do petróleo. Depois, vem a minha terceira escola, que foi o exílio. Eu fui exilada em função de toda essa trajetória.

AH – Exilada no golpe de 1964?

ZA – Sim, eu agüentei até 1969, continuei no Brasil. Fiquei cinco anos penando, depois eu saio para ir trabalhar na Hungria, na Federação Democrática Internacional da Juventude. Quando eu saio, passo pelo Uruguai, pelo Paraguai, pela Argentina, e de lá eu vou para Hungria. Cheguei na Hungria e depois voltei numa delegação para o Chile, do Governo Allende18 e fiquei lá, resolvi não voltar mais do Chile. Em 1964, no dia do golpe, assisti tudo, ainda fui para uma casa que ninguém sabia onde era, dali ia para sauna, ficava o dia inteiro ouvindo a conversa daquela mulherada de milico. Olha, eu fiz o diabo, mas chegou um ponto que não dava mais para ficar no Brasil, porque o serviço secreto estava atrás de mim, por causa da União Nacional dos Estudantes. Eles achavam que tudo o que acontecia na UNE a responsável era eu. Não era não, tinha muita gente ali que

Panfleto anunciando a chegada da Deputada Zuleika Alambert em Barretos

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fazia. Eu fiz um livro, que se chama “Estudantes fazem a história”, dez mil que foram queimados em praça pública, tem um exemplar na biblioteca do Exército... Eu tinha feito um levantamento desde 1710 da luta dos estudantes (...) Não teve jeito, tive que ir embora daqui. O meu primeiro exílio foi em Santiago do Chile, quando eu cheguei, comecei a ver que as mulheres dos caras que estavam indo para o Chile não sabiam nada, eram caseiras, comecei agrupá-las para, de um lado, fazer solidariedade ao povo brasileiro e, em segundo lugar, para começarem a se enfronhar nos seus problemas. Então, formei um grupo de mulheres brasileiras no exílio, eu e mais umas duas ou três. Até que vem o golpe de Santiago. Lá eu tive muitas experiências, fui trabalhar em fábrica de autopeças, fui colher legumes na agricultura, dei curso falando da experiência do golpe no Brasil, enfim, eu trabalhei muito e o partido chileno, a Unidade Popular, me ajudava. Uns dias antes do golpe chileno fui na sede do partido e disse “olha, eu vou dizer uma coisa para vocês, vai chegar o golpe no Chile e todos nós vamos ser presos, eu quero saber o que eu faço?” Aí eles disseram: “mas aqui não vai acontecer nada, porque nós temos a estação de TV, tem rádio”, eu digo: “vão fechar tudo”, e eles me mandaram voltar para casa, só que a mamãe aqui não foi para casa, eu já fui dormir fora e aí começa a minha saga, no exílio do exílio. Eu me lembro de um dia que saí com o Ferreira Gullar19 e o Sérgio, que a gente chamava Sérgio Moraes – ele é maravilhoso e é meu amigo até hoje –, bem, voltando a Ferreira Gullar, nós fomos andando e a cidade estava toda embarricada, fomos andando encostados na parede, foi uma coisa muito difícil e muito dura e eu dizia para o Gullar, de tarde, antes de acontecer essas coisas, eu disse “olha vai acontecer amanhã, amanhã vocês me pegam de manhã e me tiram da minha casa”, fomos andando, voltamos para casa e de manhã eu já estava de malas prontas, com o meu gato embaixo do braço. Fui para o sítio, ali reunia todo pessoal...

AH – Encontrou algum deputado?

ZA – A minha casa era freqüentada por Almino Afonso, [José] Serra, todo mundo. Foi muito interessante essa minha estadia em Santiago, eu aprendi uma coisa, você pode morrer com um povo, mesmo que ele não seja seu, é a solidariedade. Já era um conteúdo muito concreto do internacionalismo proletário. Como já disse, chego lá e encontro mais de 200 mulheres que chegaram antes de mim, fugidas daqui, com os seus maridos, seus filhos, a maioria dona de

casa, aquilo me preocupou. Eu era uma mulher política, mas elas não eram. Comecei a ver como poderia integrar aquelas mulheres na vida chilena sem perderem as suas raízes brasileiras. Criei um Comitê de Mulheres Brasileiras no Exílio, eu inventei de criar um núcleo de brasileiros exilados e fazia reunião que vinha brasileiros exilados nos diferentes países da Europa e até da África. Até que veio o golpe. Entrei para a Embaixada Venezuelana, tive uma experiência do exílio chileno, organizamos o pessoal dentro da embaixada, levantava cedo, tomava banho, e esse menino aí...da Força Sindical, que hoje é não sei o que...

AH – O Luiz Antonio Medeiros?

ZA – O Medeiros e o outro... a gente pegava o jornal, lia o jornal, tomava banho... Tinha gente que dormia na piscina, porque não tinha lugar. Então, a minha outra experiência foi essa dentro da Embaixada Venezuelana em Santiago do Chile, até que a situação começa a ficar insuportável, até que um dia eu consegui criar um ambiente para sair de Santiago exilada. Sai escoltada... Levaram-me até o aeroporto, a Venezuela me deu um passaporte, eu sai e fui, me levaram dali, fui até o aeroporto, cheguei lá e não tinha avião... Como eu era exilada na Embaixada da Venezuela, eu fui para Venezuela e ali não deu tempo de fazer grandes coisas, porque eu tinha que me safar e ir para Europa. Ajudaram-me a sair da Venezuela, com visto da Embaixada Soviética. Precisava entrar em tratamento de saúde. Fiquei com o cabelo branco, branco. Foi muito difícil depois do golpe, ainda fiquei um tempo lá. De lá, me tiram para Moscou e de Moscou eu volto para Paris; de Paris para o Rio de Janeiro. Em Moscou, fui direto para o Hospital, quando tive que operar os rins, tive de fazer um tratamento todo porque eu estava ruim de saúde, muito ruim. E fiquei lá. Mas sabe, lá não se podia fazer grande coisa, porque a União Soviética não permitia fazer grandes coisas. Então, fui agüentando, até que resolvi ir para Paris. O partido francês me recebe e eu fui ficar na casa do Oscar Niemeyer. Lá fundei o grupo de mulheres brasileiras no exterior, que era as que vinham exiladas e se espalharam pela Europa... São Tomé e Príncipe... Foram para Itália, foram para Bruxelas, se espalharam. Em Paris continuei a minha solidariedade ao povo brasileiro, lá nós fizemos muitos trabalhos, fizemos jornais... a situação era outra, então eu freqüentei tudo que tinha de bom para cultura, inclusive tive contato com as feministas, não passei a ser feminista não, mas dizia que era uma mulher marxista, que estudava feminismo, estudava as mulheres. Lá

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Acervo histórico

eu consegui carteira de exilada, viajava por toda Europa, fazia aqueles trabalhos de solidariedade, saía da Europa, eu ia para outros países, viajava organizando as mulheres. Fiquei lá até o dia que veio a anistia. Então, por isso que eu digo, a guerra, o partido, o exílio, o feminismo... aprendo lá, mas não assumo. Venho para cá, desço no aeroporto com gato, violão, levei uns dias e tive um comício para falar na Casa Grande, tinha mil e tantas mulheres, me colocaram na parede, “você é feminista”, eu dizia que não, “eu sou uma mulher marxista, que estudo as mulheres”. Tinha um convite para falar no Teatro Ruth Escobar em São Paulo, digo: “não vou, primeiro vou estudar melhor esse negócio de feminismo”, porque a minha fala era que as mulheres precisam da democracia para se organizar, para lutar etc. Elas é que precisavam da democracia. Para fazer esse discurso para o grupo de mulheres, eu disse que a democracia precisava das mulheres, como as mulheres precisavam da democracia, acabei me mudando para São Paulo, fui morar lá na capital e trabalhar com a Ruth Escobar, no Parlamento, assessora técnica parlamentar...

AH – Retornou a velha Casa e o feminismo, assumiu?

ZA – Comecei em Casa Grande, no Teatro Ruth, depois eu entrei no Núcleo de Mulheres Feministas de São Paulo e comecei o meu trabalho feminismo... até que me assumo como feminista. Comecei a participar das coisas, mas aí começam as minhas contradições com o partido. Eu achei que podia reformar o partido por dentro e não consegui. Então, quando eu vi que não dava para reformar por dentro eu resolvi cair fora. Saí em 1983. Houve uma reunião no centro de São Paulo, semi-ilegal, para ver que caminho seguir, eu escrevi um vasto documento sobre o tema, cheguei lá a Polícia Federal estava em cima, prendeu todo mundo, fomos presos e ali eu me afastei e eles me afastaram, porque estava metida com o feminismo. Em São Paulo fundei o Conselho da Condição Feminina, que era um órgão governamental, porém não parasita do governo. O governo Montoro20 assumiu, depois veio o Governo Quércia21 e continuou. O Conselho da Condição Feminina se tornou o primeiro órgão governamental formado no Brasil, daí nasceu o de Minas Gerais, e depois o nacional. Fui presidente, vice-presidente, assessora especial, secretária, trabalhei no arquivo, não se fazia nada no Conselho que eu não tivesse feito. Fui a única presidente do Conselho que não tinha esquema político, fui imposta pelas mulheres,

as mulheres se uniram e disseram “é a Zuleika Alambert e acabou”.

AH – A senhora saiu do partido e não entrou em nenhum outro?

ZA – Eu ajudava o PMDB, depois houve a divisão, eu ajudei o PSDB, porque as minhas amigas ficaram no PSDB. Eu trabalhei com a Ruth Cardoso; Covas22 e Montoro me prestigiaram muito, quando mudou e veio o Quércia, eu fui lá depor o meu cargo, eu tinha um resto de mandato na Presidência e ele disse “não, você vai terminar o seu mandato, nós somos do mesmo partido e tal”, mas cada presidente, cada governador tem um estilo de trabalho, eu não concordo muito com o seu estilo... depois ainda fiquei, fui eleita para outra gestão, trabalhei para a outra presidente, acho que foi a Ida Maria, a 2ª Presidente. Isso tudo é história para toda vida. E ali eu fiquei ajudando e em todos os cargos. Eu fui a única presidente do Conselho que não saiu nem para ser governadora, nem senadora, nem cargo executivo, eu comecei a ocupar as coisas abaixo do presidente e eu aprendi tudo ali dentro, não sendo presidente. Todas precisavam da minha ajuda.

AH – A senhora chegou a acompanhar a Constituinte do Estado em 1989?

ZA – Fui recebida pela comissão pró-constituinte como deputada, que não era mais. “A Deputada Zuleika Alambert...” Fizemos vários debates na Constituinte dentro e fora da Assembléia, no conselho. Quando o Conselho fez 15 anos eu digo “chega, eu já formei muita gente, tem muita jovem que pode continuar a minha luta aqui”. Eu estava doente, me desgastei muito. Fiz o último discurso, deixei formada a nova direção e fui embora para o Rio de Janeiro, tinha cumprido a minha tarefa em São Paulo, onde fiquei 15 anos. No Rio já foi diferente, eu já cheguei doente, escrevia, dava entrevista, ajudava no que eu podia, fazia palestras, em especial para mulheres, senhoras da terceira idade... Até que fui internada. Hoje não posso mais ficar à frente de um trabalho público, ainda fiz uma viagem para Brasília para receber o título de Cidadã Bertha Lutz23. Ajudo as meninas do GAF – Grupo de Ação Feminista –, junto ao PPS, recebo o material do Brasil inteiro, elas me mandam. As coisas estão se fazendo e vou dando as minhas entrevistas... então aconteceu algo novo. Eu tinha estado com o Mário Schenberg24, foi ele que pela primeira vez me falou em energia nuclear... Nós fomos amigos na Assembléia e quando começaram a cassar os deputados eu fui para a casa dele. A gente

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conversava muito, ele era crítico de arte... Ele me dizia: “nada está parado Zuleika, tudo se move”, a minha mentalidade era física velha, clássica, e parava aí. As conversas do Mário ficaram torrando na minha cabeça. Eu precisava fazer tratamentos e fui parar no Ortomolecular, então, o que aconteceu foi o seguinte: eu comecei a ler e aprendi que tinha a Física clássica, que eu agora estou tentando recuperar e essa física. Tudo estava novo, você vê a dialética, que me entusiasmou... você está morto, você morre, nascemos, crescemos, desenvolvemos, como todo mundo, a sociedade, tudo! E morremos. Mas nada se perde, nada se cria, tudo se transforma. A energia de fazer com que você funcionasse em pensamento, consciência, tudo isso não evapora, porque é energia pura. É energia, que os físicos não enxergaram, eles só começam a enxergar um pouco agora. (...) Ver que o mundo é energia pura com mutação. A gente tem de trocar de paradigma e ver as coisas em contínua mudança, o mundo está em plena mudança.

AH – E como vê essas mudanças?

ZA – A terceira idade faz ginástica, faz hidromassagem, faz passeatas... Eles não envelhecem como os nossos avós, fazendo crochê. A mente não pode ter fronteiras, quando ela tem fronteira, você cai no sectarismo do xiita, um absurdo. Então, você vai se reciclando... Hoje, depois de anos, acho pouco dizer que eu sou feminista, eu me digo eco-feminista, por quê? Porque eu faço parte da coisa universal. Então, eu sou eco por isso, porque eu critico as outras feministas que ainda estão naquela de aborto etc... Não é que eu seja contra, mas não basta isso, porque dentro de uma nova percepção, novos paradigmas, a mulher tem de participar da luta por um desenvolvimento sus-tentável e o que existe de desenvolvimento sustentável está sendo feito pelas mu-lheres. Os ambientalistas... onde tem um grande número de mulheres. Incorporar essa mentalidade é um grande trabalho cultural que a mulher tem de fazer, trabalhando isso na educação formal, na educação informal. Tem o Brasil bonito e tem o Brasil feio, que a mídia mostra, assaltos, roubos, violências... Essa coisa nova, nós temos

que estimular, o desenvolvimento sustentável, que colhe material do lixo (...) fazem vestidos de chapinha, fazem uma série de coisas (...) que trabalha com material local, não estraga o material, tudo é replantado e reconstruído e usa mão-de-obra nacional, emprega mão-de-obra. Segunda questão, que eu chamo a paridade, homem e mulher na democracia, essa democracia de fachada, ela é representativa, só que os excluídos não se representam, nós queremos uma democracia representativa, participativa e paritária, que significa 30 senadores homens e 30 senadoras mulheres. Um país é democrático na medida em que ele incorpora os excluídos, e as mulheres sempre foram excluídas. Enquanto a mulher não tiver representação paritária com o homem no poder, a democracia será uma mentira, porque exclui a parte maior da população. Esse que é o problema e o partido via a mulher como um instrumento que ele precisava.

AH – Como analisa a reserva de um percentual para candidatas mulheres?

ZA – Veja bem, não estou subestimando as ações positivas, porque as ações positivas educam as mulheres, educam os homens também. Você pode fazer uma discussão das cotas (...) A paridade significa a mulher entrando no poder, é o que a gente chama dar poder às mulheres. O mundo só mudará quando a mentalidade humana mudar, assumir outro paradigma, esse mundo novo, que estou dando exemplo de nascer, crescer e encostar na parede o velho mundo, a velha física, os velhos paradigmas. Eu tenho ilusão nessa nova mentalidade que está nascendo, que já existe. Os velhinhos dançam

Dados de Zuleika Alambert no Livro de Assentamento dos Deputados da ALESP

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ali naquela praça, são todas ONGs que estão fazendo um enorme trabalho, exposições... Sou uma eco-feminista, que está estudando o eco-feminismo, que é a minha última escola, não creio que eu vá muito além disso. Porque estou muito tempo nisso, mas o que eu puder eu vou fazer. Não tenho nem condições de fazer uma palestra, mas dou entrevista e vou fazendo a minha parte, “se cada um carregar uma gotinha d’água você apaga o incêndio”. AH – A senhora falou de grandes paixões. E as outras grandes paixões?

ZA - Fui noiva de um pracinha, que saiu daqui sargento e voltou major, ele vive até hoje, está casado, mas de vez em quando me telefona, é um sujeito legal porque foi herói de guerra... encontrei-me com ele 58 anos depois e ele me devolveu um anel que eu dei para ele e que ele usou pendurado no pescoço durante a guerra. Estava amassado, anel de marcassita... Depois eu conheci o Armênio25, vivi com ele 26 anos, quase 27, ele me deu um aporte, me ajudou muito culturalmente, porque era um homem muito culto. Ajudou-me a entender música clássica, pintura, enfim ele é um companheiro. E não foi assim: viu, gostou; eu fui conhecendo-o na briga, na luta... Depois eu conheci um engenheiro, professor de Física, Matemática, muito progressista, eu ia na casa dele... com ele eu casei mesmo26. Meus padrinhos de casamento foram o Artigas27, e a mulher dele Virgínia Artigas. Os dois ajudaram muito a fazer a minha cabeça, e esse meu marido, meu segundo marido, me ajudou muito a conhecer cultura geral também, ele esculpia. Foi amigo do Milton Santos28, ele tinha amigos notáveis... Era um homem generoso, tirava a camisa dele para dar para os outros e eu aprendi com ele sobre solidariedade, generosidade, física, química, foi muita coisa que eu aprendi com o meu segundo marido, que tinha muito orgulho de ser o meu marido. Quando eu recebi o prêmio de cidadã paulistana, medalha de agradecimento do povo de São Paulo, ele estava lá, ele que recebia as flores... Não tive que me queixar dos meus parceiros, porque eu sempre os respeitei e eles sempre me respeitaram. Eu viajei o mundo, eu viajei o Brasil e nunca ninguém disse para mim, não vai, nem não faz, porque eu tinha a minha personalidade e eles faziam a vida deles também. Eu

sempre digo isso para as mulheres, façam uma vida em comum, onde um não se sobreponha ao outro... O meu segundo marido morreu, ele tinha um problema degenerativo... Essa foi a minha vida, eu não prego da minha boca coisas que não têm amor, realidade... AH - E você tem filhos?

ZA - Não, isso foi uma opção, eu queria fazer uma vida e não queria empurrar os meus filhos para a minha mãe, que também foi uma mulher que lutou muito. Minha mãe dizia “não quero para as filhas a vida que eu tive”, cozinheira, doceira, agricultora, cortando árvores de café, um dia eu vi a minha mãe abortando no meio do terreno... Talvez uma ou outra vez eu me lembrava que era mulher, que tive o meu condicionamento familiar, social... Tudo que tive que romper, uma coisa complicada. Quando eu tive as primeiras regras, a minha avó virou para mim, velhinha, e disse: “olha, a partir de hoje você não pode brincar com os moleques da rua, porque essa é a vergonha da mulher”, veja bem, “essa é a vergonha da mulher”, “você não pode”, hoje você é uma mulher adulta, tem que se conformar com isso, como se fosse uma cruz nas costas da mulher. Veja, a minha mãe dizia para mim “prefiro ver a minha filha morta, num caixão, com quatro velas, uma de cada lado, do que a minha filha casar e ter filhos”. Filhos, então, a minha mãe tinha horror que tivesse. Minha vida foi uma prática... defesa dos direitos humanos, defesa da mulher... Tenho um livro aí, que se chama Mulheres no Exílio,onde eu digo que tinha horas que eu me sentia como um laboratório, gerando idéias, era uma coisa! Por isso que eu digo que a gente já tem alguma energia acumulada, de outras épocas que você traz. Não é uma tábua rasa, não é, você absorve já uma consciência coletiva. Isso não tem

Convite para comício de Zuleika Alambert

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por onde. Vou fazer 82 anos, milito desde a idade de 13, 14 anos, milito não, faço política desde 13, 14 anos. Andei pelo mundo inteiro, andei por todos os municípios do Brasil, andei pelo Brasil inteiro, andei pelo mundo inteiro, idas e vindas, legal, ilegal, então essa coisa toda criou na minha cabeça uma soma de material tão grande...

AH – Uma bagagem pesada?

ZA – O que eu aprendi foi a nadar dentro das circunstâncias, eu não tenho nada que me envergonhe, tanto que a abertura do meu livro é sobre isso, que eu acho que a vida é um grande rio que você tem que atravessar, chegar até outra margem, tem gente que nunca chega e morre. Tem outros que vão, põem o pé na água, sentem frio e voltam, tem uns que vão até a metade e voltam. Então, quando escrevi isso me senti chegando do outro lado da margem, mas isso não quer dizer que eu fui em braçadas, em braçadas chegando lá, tinha dias que eu queria mergulhar, ficar mergulhada naquelas águas, vendo o mundo passar por cima e eu ali sem tomar conhecimento. Mas de vez em quando eu vinha à tona outra vez e continuava, porque o ser humano não é uma fortaleza, são com as perdas e ganhos que você vai mudando, se transformando. Eu tenho uma coisa, o livro Mulheres no Exílio, elas até se inspiraram no que eu disse, eu disse “eu não nasci para ser cobra, para ser serpente, para viver com

o ventre no chão, não nasci para isso, eu nasci para se águia, quero voar alto”, mas não era alto para ter dinheiro. Não queria ficar como serpente, ali no chão, e elas até desenharam. Eu queria ser águia, e isso é muito dolorido, porque você acerta, erra, volta, tem gente que se conforma, eu fui uma inconformada.

AH - A senhora é inconformada?

ZA - Sou, mas eu tenho que aceitar o que eu sou hoje. Porque a minha psicóloga diz isso “Zuleika, você não tem 20, 40, 60, você está com 82 anos, você não seria a mulher que é hoje se você não tivesse os seus 20, 40, então você tem que fazer as coisas considerando sua capacidade de hoje”. Fisicamente eu não tenho condições de ir para rua liderar uma passeata, ou sair sozinha pela rua gritando e juntar gente. Não tenho condição, então o que eu posso fazer hoje é dar entrevista, falar, escrever, eu tento contribuir com todos que me procuram, dando as minhas impressões, falando das minhas experiências, das minhas coisas. Isso eu faço! Os jovens me procuram, porque eles não conhecem nada, então eles querem ver as pessoas vivas, falando. Agora, não sei se eu vou viver 3 anos, 4 anos, eu tenho a impressão de que não vou viver muito não.

AH – A questão do tempo...

ZA – Quero aproveitar!

Livro mais recente de Zuleika Alambert (2004)

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Zuleika Alambert em noite de autógrafo na Livraria da Travessa, em dezembro de 2004, no Rio de Janeiro.

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noTAS1 Dicionário Mulheres do Brasil, Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2000.2 Os submarinos alemães procuraram interceptar os principais feixes de comunicações marítimas, conseguindo alcançar a cifra de um milhão de toneladas de navios torpedeados e afundados mensalmente. No Brasil foram 742 vidas entre tripulantes e passageiros, mortos ou desaparecidos em 19 navios. 3 Construída entre os anos de 1912 e 1917, pelo empresário Jorge Street, a Vila Maria Zélia foi um empreendimento inovador. Foi a primeira vila industrial a abrigar creches, escolas, salão de bailes. Sua história foi marcada por grandes transformações. Durante o Estado Novo, se transformou em presídio político. Superintendido pelo Departamento Estadual de Ordem Política e Social, o Maria Zélia foi palco de graves casos de violência e transgressão policial, inclusive fuzilamento.4 Francisco Franco desencadeou a Guerra Civil Espanhola e governou o País de 1939 a 1975, quando morreu.5 Samuel Pessoa, médico, professor da Faculdade de Medicina da USP (cassado), desenvolveu importantes estudos sobre moléstias parasitológicas. 6 João Taibo Cadorniga, natural de Santos, professor, representante do Sindicato dos Estivadores e da União Geral dos Trabalhadores de Santos. Eleito Deputado Estadual em 1947, com 8.323 votos, foi cassado e preso em 1948.7 Estocel de Moraes, também santista, ferroviário, esteve envolvido com os portuários. Foi eleito Deputado Estadual em 1947, com 7356 votos, teve o mandato cassado em 1948. Morreu prematuramente, em 1954. 8 Clóvis de Oliveira Neto, ex-militar e comerciário, eleito com 6.502 votos, foi afastado, conforme registro na Assembléia Legislativa, para tratamento de saúde. Fazia parte do Comitê Estadual do PCB. Cassados os mandatos dos deputados, continua ligado a ala esquerdista do Exército.9 A Deputada Zuleika Alambert, no período de 26 de setembro a 14 de novembro de 1947, substitui o Deputado Clóvis de Oliveira Neto, licenciado de suas funções. Em 15 de novembro daquele ano, passa a ocupar a cadeira de Deputada efetivamente, em função da renúncia do Deputado Mautílio Muraro, metalúrgico, eleito com 10.041votos.10 Maria da Conceição da Costa Neves (1908-1898), eleita pelo PTB com 12.119 votos, foi a única mulher na Assembléia Constituinte Paulista de 1947. Conceição da Costa Neves, como era conhecida nos meios políticos, foi atriz de comédia sob o nome de “Regina Maura”, foi diretora da Escola da Cruz Vermelha Brasileira, no período da II Guerra, de 1939 a 1945. Em 1946 fundou a Associação Paulista de Assistência ao Doente da Lepra. Na Assembléia Legislativa foi eleita para seis mandatos seguidos. Exerceu a 1ª Vice-Presidência da Casa em 1958-1962, ocupou a Presidência da Comissão de Finanças e Orçamento durante quatro anos e integrou a Comissão de Redação por sete anos. Foi cassada pelo AI-5, em 1969. Faleceu em 1989.11Caio da Silva Prado, historiador e advogado, um dos principais intelectuais do País, fundador da Editora Brasiliense, foi eleito Deputado Estadual em 1947, com 5.257 votos. Teve destacada atuação parlamentar até a cassação de seu mandato, em 1947. Logo após, foi preso por três meses. Em 1955 lançou a Revista Brasiliense – que debatia problemas sociais, políticos e econômicos –, proibida pelo golpe de 1964. Entre suas obras estão o livro História e Desenvolvimento, concluído antes do AI-5. Em 1970, um inquérito policial militar o reconduz à prisão. Militou intensamente até 1988, falecendo dois anos depois.12 Milton Cayres de Brito, natural da Bahia era médico e membro do Comitê Central do PCB. Em 1945 foi eleito Deputado por São Paulo na Assembléia Nacional Constituinte, promulgada em 1946. Com mandato até 1950, abandona a Câmara Federal para assumir a vaga de Deputado Estadual conquistada na eleição de 1947, com 17.692 votos. Cassado, recorre à clandestinidade. Reaparece em 1958, na fundação do Jornal da Bahia, onde atua até 1964. Em 1968 participa do lançamento da Tribuna da Bahia. Em 1979 ingressa no MDB, na ocasião era professor de publicidade da Escola de Comunicação da Universidade da Bahia. Faleceu em 1985. 13 Patrícia Rehder Galvão (1910-1962), jornalista, escritora, militante comunista, Pagu foi uma das grandes vozes da vanguarda de seu tempo. Nascida na cidade paulista de São João da Boa Vista, não tinha o comportamento típico das meninas do interior. Pintava os lábios de roxo, usava decotes e roupas transparentes e fumava em público. Fez parte do movimento da Antropofagia. 14 Eneida de Morais (1904-1971), escritora e jornalista paraense, a partir de 1932 começa uma intensa atividade política no ilegal Partido Comunista. Foi uma mulher à frente da sua época. Atuou em espaços

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onde a presença masculina era majoritária, como as redações de jornais e o próprio PCB. Foi rotulada de prostituta, por separar-se do marido e viver com o jornalista Oswaldo Póvoa. Durante os anos 1940 e 1950 organizava caravanas de escritores, para discutir literatura em vários pontos do País. 15 Lourival Costa Villar, João Sanches Segura e Armando Mazzo (marceneiro), deputados eleitos pelo PCB com, respectivamente, 8.288, 6.267 e 6.140 votos. Os dois primeiros faziam parte do Comitê Central do PCB e o terceiro, eleito prefeito de Santo André junto com os “candidatos de Prestes” pelo PST foi impedido de tomar pose em 1º de janeiro de 1948, só o fazendo, simbolicamente, 41 anos depois, quando da posse do Prefeito Celso Daniel naquela cidade. Compõem a bancada de 11 parlamentares comunistas que, além dos já citados anteriormente, contavam ainda com Catullo Branco, engenheiro elétrico, eleito com 5.448 votos e Roque Trevisan, tecelão, eleito com 8.530 votos. Como três suplentes assumem o mandato: Zuleika, o ferroviário Celestino dos Santos, com 4.637, e o físico Mário Schenberg, com 3.092 votos, o número de comunistas que ocuparam as 11 vagas conquistadas na Assembléia Legislativa foi de 14 parlamentares.16 Há registro em relatório do DOPS com data de 29 de novembro de 1947, de um comício, em Santos, proibido pela Polícia. No mesmo ano, Zuleika participara, junto com o dirigente comunista Carlos Marighela, de um comício em defesa dos mandatos comunistas, realizado no Vale do Anhangabaú, em São Paulo, no dia 18 de junho. Ainda em 1947, no mês de novembro, acompanhada do também Deputado Estadual Lourival Costa Villar, participa de um comício em Belo Horizonte, que foi reprimido pela polícia. 17 João Saldanha (1917-1990), jornalista gaúcho, treinador de futebol, em 1969 dirigiu a equipe do Brasil nas eliminatórias para o tricampeonato no México.18 Salvador Allende, fundador do Partido Socialista Chileno, em 1970 ganha as eleições como candidato de uma coligação de esquerda à presidência do Chile. A sua política, a “via chilena para o socialismo”, pretende uma transição pacífica para uma sociedade mais justa. A mesma coligação obtém 43% dos votos nas eleições legislativas de 1973. Em junho desse mesmo ano, sofre uma tentativa de golpe de Estado. Em nova investida, em setembro, os militares de direita, chefiados pelo general Pinochet, matam o Presidente Allende e muitos dos seus colaboradores. O regime democrático é extinto e o país sofre um terrível banho de sangue.19 Ferreira Gullar, José Ribamar Ferreira, nascido em 1930, na cidade de São Luiz, no Maranhão. Em 1950, após presenciar o assassinato de um operário pela polícia, durante um comício de Adhemar de Barros, em São Luís, nega-se a ler, em seu programa de rádio, uma nota que aponta os “baderneiros” e “comunistas” como responsáveis pelo ocorrido. Poeta, crítico, teatrólogo e intelectual, participou ativamente das mudanças políticas e sociais brasileiras. Um dos maiores influenciadores de toda uma geração de artistas dos mais diversos segmentos das artes brasileiras. 20 André Franco Montoro, primeiro Governador eleito de São Paulo após o golpe de 1964, nas eleições realizadas em 1982. Assumiu seu mandato em 15 de março de 1983 e governou até 15 de março de 1987. 21 Orestes Quércia, governador eleito de São Paulo, em 1986. Cumpriu mandato de 15 de março de 1987 a 15 de março de 1991.22 Mário Covas, prefeito indicado de São Paulo de 1983 a 1985, pelo Governo Montoro. Foi eleito Governador do Estado em 1994 e reeleito em 1998.23 Diploma Mulher-Cidadã Bertha Lutz, concedido pelo Senado Federal. Bertha Maria Júlia Lutz (1894-1976) foi uma das pioneiras do feminismo no Brasil. Era zoóloga de profissão. Foi a fundadora da Federação Brasileira para o Progresso Feminino, em 1922.24 Mário Schenberg, físico, terceiro suplente a Deputado Estadual pelo PCB, assumiu o mandato em 1947, sendo cassado e preso em 1948. Em 1969, com a edição do AI-5, foi aposentado compulsoriamente do Departamento de Física da USP, retomando suas atividades após a anistia, em 1979.25 Armênio Guedes, jornalista e dirigente comunista, membro do Comitê Central do PCB, atuou junto com Zuleika, em Paris, na campanha pró-anistia brasileira.26 Virgílio Izoldi, com quem se casou em 15 de março de 1983.27 João Batista Vilanova Artigas, arquiteto, conviveu com os artistas populares de São Paulo do grupo Santa Helena (a chamada “família artística paulista”). Paralelamente, dedicou-se ao magistério; inicialmente na Politécnica de São Paulo, mais tarde, no curso de Arquitetura da USP. Foi um dos mais respeitados arquitetos brasileiros. Entre seus projetos estão o da sede da Faculdade de Arquitetura da USP - FAUUSP e o Estádio do Morumbi. Faleceu em 1985.28 Milton Santos, geógrafo, nasceu em 1926, neto de escravos por parte de pai, foi incentivado a estudar sempre e muito. Exilado com o golpe de 1964, aprendeu e ensinou na Europa, Américas e África. Escreveu mais de quarenta livros em diversas línguas. Morreu em 2001.

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Quando, em 10 de maio de 1888, a proposta de abolição da escravidão foi aprovada pela Câmara dos Deputados da Assembléia Geral, Joaquim Nabuco foi um dos parlamentares que, de forma mais enfática, expressou o grande júbilo que ex-perimentava naquele momento.

Com efeito, a bem sucedida passagem do projeto nº 1A pela Câmara e os prognósticos positivos sobre sua aprovação pelo Senado representavam, para Nabuco, o coroamento não só dos objetivos que firmara para a ação política empreendida há vários anos, mas também a maneira pela qual havia defendido que a chamada “questão servil” devia ser resolvida. Desde 1883, quando formulou sua teoria abolicionista de forma mais bem acabada escrevendo O Abolicionismo, Nabuco

preconizara que a abolição, no Brasil, deveria ser feita “por uma lei que tenha os requisitos, externos e internos, de todas as outras”. Não seria nas “fazendas ou quilombos” que se ganharia a “causa da liberdade”. A condução da questão pelo Parlamento, segundo Nabuco, asseguraria que a escravidão fosse suprimida de modo a se manter a ordem, preservando a sociedade do caos1.

Em maio de 1888, quando se alegrava com a aprovação do projeto nº 1A na Câmara, este as-pecto era ressaltado pelo parlamentar. “A vitória final do abolicionismo no Parlamento”, apontou ele então, “não é a vitória de uma luta cruenta, não há vencidos nem vencedores nesta ques-tão”2. O ideal abolicionista e sua realização, para o deputado Nabuco, estiveram sempre acima

Joseli Maria Nunes Mendonça*

O Parlamento e as Ruas

* Doutora em História pela Unicamp, professora do curso de História na Universidade Metodista de Piracicaba ([email protected])

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Ângelo Agostini, editor da Revista lIlustrada, aludia ao fato de os escravos não serem indiferentes ao que ocorria no Parlamento (nº 467, 1887)

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das divergências partidárias e dos conflitos fir-mados por interesses particulares. Resultado da vontade geral da nação em todos os seus seto-res “respeitáveis” – excluídos escravos e libertos –, a lei em vias de ser aprovada devia ser vista como a vitória final das batalhas abolicionistas, decorrência de um processo pacifica e gradual-mente encaminhado.

Como dissera João Alfredo, então presidente do Conselho de Ministros, ao contrário do que ocor-rera nos Estados Unidos, em cujo solo “inundado de sangue” a escravidão fora destruída “brusca e violentamente”, no Brasil o encaminhamento parlamentar da questão pudera assegurar que a abolição se fizesse gradualmente, “dentro da lei, sem ofensa dos princípios fundamentais da sociedade, como o rio, que embora volumoso e rápido, corre pacificamente em seu leito, sem transbordar”3.

As concepções expressas por Nabuco foram argumentos poderosos em outros momentos em que o Parlamento brasileiro se defrontou com a tarefa de se posicionar em relação a propos-tas de definição de leis emancipacionistas. Em 1884, quando da apresentação do chamado pro-jeto Dantas – do qual, pouco depois, adviria a lei que ficou conhecida como dos Sexagenários –, o deputado Moreira Barros ponderava que tratar da “questão servil” no Parlamento significava co-locá-la na esfera da legalidade, “retir[ando-a] das ruas, onde só se agita e nada se resolve”4.

O modus operandi defendido por Nabuco ou as concepções expressas pelo ministro João Alfre-do em 1888, ou pelos deputados em meados dos anos 1880, além de definir uma imagem específica do processo de abolição, marcada pelo congraçamento e pela ausência de conflitos decisivos, indicam também uma percepção sobre a atuação política do Parlamento. Vista como sa-neadora das agitações das ruas, a instituição era concebida como um espaço apartado da socieda-de, que pairava sobre ela, demovendo os perigos, neutralizando a mobilização social, evitando con-flitos, preservando a harmonia da nação.

uM ABISMo PErIGoSo: no PArLAMEnTo SE AGITA

Embora despontasse dos discursos parlamen-tares e se configurasse como um argumento político importante, especialmente destinado a demover a oposição dos mais resistentes às propostas de uma legislação emancipacionista, a imagem de um processo de abolição pacificamen-

te encaminhado por meio do Parlamento e com interferência culminante da regente Isabel ficou como que cristalizado na memória que, já a partir de 1888, ia sendo construída sobre a Abolição.

Não obstante, uma análise mais detalhada do processo revela os muitos conflitos e incertezas nele instaurados e a estreita confluência que ha-via entre o Parlamento e as ruas.

Os momentos de discussão de projetos relativos à chamada “questão servil” eram permeados de exacerbadas conturbações, mesmo muito antes que o tema da abolição da escravidão entrasse na pauta dos debates parlamentares. O grau explosivo das questões se evidenciou, por exem-plo, no período de 1848-1850, quando debates relacionados à regulamentação legal da repres-são ao tráfico provocaram tumultos não só nos espaços que, no Parlamento, eram destinados aos parlamentares, mas também nas galerias, de onde o público interessado – e por vezes exaltado – podia assistir as sessões e, não raras vezes, nelas interferir. Quando da votação do projeto de repressão ao tráfico em 1850 – do qual decorreu a lei conhecida como Eusébio de Queiroz –, al-gumas propostas mais delicadas ou controversas (como a que definia que o tráfico fosse equipa-rado juridicamente à pirataria) chegaram a ser votadas em sessão secreta5.

Também a tramitação do projeto do qual resultou a lei de 1871 (do Ventre Livre) evidencia as con-turbações que decorriam da introdução no Parla-mento de medidas legislativas referentes à escra-vidão. O percurso dos debates que antecederam a aprovação da lei de 1871 iniciou em 1867, quando algumas propostas elaboradas pelo conselheiro José Antônio Pimenta Bueno –então Visconde de São Vicente – foram submetidas à apreciação do Conselho de Estado6. Naquela ocasião, um forte argumento dizia respeito à impropriedade de se agitar uma questão sobremaneira delicada, quan-do o país já experimentava grande instabilidade em razão da Guerra que travava com o Paraguai. Os conselheiros, então, apelaram para a necessi-dade de prudência, e as propostas apresentadas por Pimenta Bueno – dentre elas, a de libertação dos filhos nascidos de escravas – foram deixadas para momento menos inoportuno7.

Um tanto reformuladas, as propostas de Pimen-ta Bueno foram apresentadas à Câmara dos Deputados da Assembléia Geral em maio de 1871, por iniciativa do Ministério da Agricultura. A passagem do projeto (depois batizado como projeto Rio Branco, então presidente do Conse-

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A formação do pequeno povoado, em meados de 1900, deve-se ao pionei-rismo de alguns sitiantes e lavradores

que, a procura de melhores condições de vida e trabalho – na busca por terras boas para criar e cultivar –, instalaram-se na região.

Pelo santo de devoção e protetor denomina-ram o lugar de Santo Antonio do Tanquinho, uma vez que havia no rio Lençóes vários bebedouros (tanques naturais) para os ca-valos. E foram, justamente, os cavalos que propiciaram os primeiros passos de desen-volvimento do lugar; ficaram famosas, duran-te os festejos e fins de semana, as corridas de cavalos disputadas no centro da cidade, atraindo centenas de moradores de toda a região, proporcionando um maior rendimento ao comércio local.

Com o advento do café, o progresso chegou definitivamente à vila que, em 1912, pela Lei nº 1337, de 7 de dezembro, recebe a denominação de Bocayuva – em homenagem ao Senador Republicano Quintino Bocayuva (1836 – 1912) – e passa a pertencer ao distrito de Lençóes (atual município de Lençóis Paulista).

Em 4 de dezembro de 1923, o ex-vereador e ex-prefeito de Lençóes, o deputado estadual Elias de Oliveira Rocha apresenta ao Congres-so Legislativo do Estado de São Paulo o Pro-jeto nº 48, onde eleva a categoria de município o distrito de paz de Bocayuva, do município de Lençóes, na Comarca de Agudos; sendo aprovado e em seguida promulgado pelo Dr. Carlos de Campos, Presidente do Estado de São Paulo, na forma da Lei nº 1975, de 1º de outubro de 1924.

Conforme informações do Vereador Octavio Pereira, Presidente da Câmara Municipal de

Lençóes, em ofício datado de 22 de dezembro de 1923, Bocayuva registrava 10 mil habitantes – sendo mil na cidade –, cento e trinta prédios, uma cadeia pública em construção, 4 escolas reunidas em prédio próprio, com uma renda estimada para o ano de 1924 em 54:000$000 (cinqüenta e quatro contos de réis).

Durante o Estado Novo de Getúlio Vargas é imposto pelo Decreto-Lei nº 14.334, de 30 de novembro de 1944, a mudança do nome para Macatuba (ajuntamento de macaúbas, palmei-ra que, aliás, nem existia no local).

Conforme consta, não houve boa aceitação ao nome, pois uma parte dos moradores do município preferia o nome Jauí – que significa rio dos jaús, peixe abundante nas águas de Lençóes –, mas o novo nome acabou prevale-cendo pelo apoio da maioria dos munícipes.

A sua denominação promocional é justa e concordante – “a princesinha dos canaviais” – é uma cidade bonita e aprazível e em fran-ca expansão, situada no centro do Estado, pertencente a 7ª Região Administrativa, com uma população de aproximadamente 16 mil habitantes, com um clima quente e inverno seco. Nos seus 225 quilômetros quadrados, em terreno levemente acidentado, tem na agri-cultura – café, cana-de-açúcar, arroz e milho – e na indústria – cerâmicas, olarias, produtos alimentícios, vestuário, álcool, artefatos de cimento e beneficiamento de arroz e café – a base de sua economia.

O conjunto de imagens apresentadas nesta “Memória Visual”, pertinentes ao Projeto nº 48 de 1923, faz parte da coleção de documentos, abrangendo o período de 1819 a 1947, con-servados pela Divisão de Acervo Histórico, já digitalizados e disponíveis para consulta.

Macatuba: A Princesinha dos CanaviaisMemória VisualÁlvaro Weissheimer Carneiro*

* Agente Técnico Legislativo, pesquisador da área de Pesquisa Iconográfica e Montagem de Exposições da Divisão de Acervo Histórico da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo e responsável pela seção “Memória Visual” desde o primeiro número de “Acervo Histórico” ([email protected]).

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Em razão da carência de professores foram criadas as chamadas “Escolas Reunidas”, que agrupavam as escolas urbanas e as escolas rurais, em cujas instalações eram ministradas aulas para uma ou mais séries ao mesmo tempo

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Em razão da carência de professores foram criadas as chamadas “Escolas Reunidas”, que agrupavam as escolas urbanas e as escolas rurais, em cujas instalações eram ministradas aulas para uma ou mais séries ao mesmo tempo

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“...o distrito de paz de Bocayuva é hoje um dos mais ricos núcleos agrícolas do Estado, estando grande parte de seu território ocupada por excelentes lavouras de café em franca produção...” (Representação dos munícipes de Bocayuva, datado de 8 de outubro de 1923)

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“Prova maior ainda da importância do distrito e da decisiva justificativa da sua elevação a município é o fato de possuir uma lista de leitores que passa de 500 e, finalmente, poder contar desde já, sem necessidade de elevar a tabela dos impostos que a que agora está sujeito, com uma renda de 30:000$00, importância esta que lhe basta para custear as suas despesas.” (Representação dos munícipes de Bocayuva, datado de 8 de outubro de 1923)

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“...tenho a honra de declarar a V.Excia para os devidos fins, que há, efetivamente, toda conveniência no projeto da elevação do distrito de paz de Bocayuva, desta comarca, a município, não só porque o seu progresso tem sido vertiginoso, como também, porque esta tenha a acentuar-se com o aumento da população e conseqüente aproveitamento de vasta extensão de terra...” (Ofício do Juiz de Direito da Comarca de Agudos, Dr. Alcebíades Draco de Albuquerque, prestando informações sobre o projeto de criação do novo município, ao 1º Secretário

da Câmara dos Deputados do Estado de São Paulo, e datado de 21 de dezembro de 1923)

“A intensidade da sua vida econômica e social reflete igualmente no movimento considerável e crescente do seu cartório de paz, onde se lavram mensalmente para mais de 30 escrituras e procurações, pelo registro civil que acusa uma cifra de 10 casamentos e 30 nascimentos, em média, também mensalmente.” (Representação dos munícipes de Bocayuva, datado de 8 de outubro de 1923)

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lho de Ministros) pelo Parlamento foi marcada por intensos debates e uma forte oposição tanto de conservadores quanto de liberais, que con-sideravam que as medidas de “abolição direta” representavam uma indevida intervenção do poder público nas relações até então privadas entre senhores e escravos e seriam como explo-sivos ameaçando a sociedade e a prosperidade da nação.

Com efeito, o projeto Rio Branco foi a primeira iniciativa concreta do poder público no sentido de firmar medidas emancipacionistas. Além de outros aspectos, de que falaremos um pouco adiante, o projeto previa que os filhos de escra-vas nascidas posteriormente à sua aprovação deveriam ser considerados livres. Este foi um dos principais pontos a levantar a oposição ao projeto. O argumento central era o de que tal me-dida desrespeitava o “direito de propriedade” dos senhores. Postos diante da proposta de libertar o ventre das escravas, muitos parlamentares defenderam a necessidade de que o Estado in-denizasse os proprietários, privados de sua pro-priedade pela anulação do princípio que definia a condição escrava para crianças nascidas de mães escravas. Por não pressupor a indeniza-ção, defendiam os opositores, o projeto estaria violando o direito de propriedade constitucional-mente firmado8.

A mobilização em torno do projeto – defendendo ou rechaçando-o – foi grande não só no recinto parlamentar como em vários espaços da socie-dade. Associações de proprietários inundavam a Câmara com representações; artigos favorá-veis e contrários às medidas propostas eram publicados na imprensa; a população parecia acompanhar os debates, fosse nas galerias da Câmara, pelos jornais que os publicavam ou em conversas de rua. As sessões da Câmara eram acompanhadas não só pelas pessoas que acorriam às galerias do recinto parlamentar, mas também nas conversas decorrentes da leitura e audição dos jornais que as reproduziam em suas páginas.

Um importante aspecto relacionado à atuação parlamentar e o encaminhamento de propostas candentes como eram as relativas à escravidão, portanto, é a extrema publicidade que os debates no recinto legislativo conferiam à questão e a di-luição que provocavam nos limites entre o Parla-mento e as ruas.

Este aspecto foi marcante também em 1884-1885, quando da passagem pelo Parlamento

dos projetos dos quais resultou a lei de 1885 (a chamada dos Sexagenários). Seu trâmite – mais ainda que o da lei de 1871 – foi marcado por ex-trema agitação política, porque agregou elemen-tos de instabilidades próprios do jogo político par-lamentar do Império. Durante a passagem desta lei pelo Parlamento ocorreu a dissolução de uma legislatura da Câmara, a conseqüente realização de eleições e a demissão de dois Ministérios. Ve-jamos como e porque.

Em 15 de julho de 1884, por iniciativa de um Gabinete liberal chefiado pelo ministro Dantas, foi apresentado à Câmara dos Deputados o pro-jeto de lei que, entre outras medidas, propunha a emancipação dos escravos com idade igual ou superior a 60 anos. Desde a data de sua apresen-tação, era evidente que o chamado projeto Dantas provocaria uma grave crise no interior da Câmara e do governo. As duras críticas a ele desferidas por membros do próprio Partido Liberal – que for-mava maioria naquela legislatura – prenunciavam dificuldades para o Ministério. Naquela ocasião, como em 1871, o principal “pomo de discórdia” também dizia respeito ao tão propalado direito de propriedade: o projeto Dantas não previa a inde-nização pelos escravos velhos cuja emancipação propunha. Nas críticas em relação à proposta de libertação dos sexagenários, a defesa do direito de propriedade foi, também desta feita, o estribi-lho mais entoado no recinto parlamentar.

Assim, menos de 15 dias após o projeto ter sido apresentado e sem sequer ter sido posto em dis-cussão, a Câmara, por iniciativa de um deputado liberal, votou e aprovou uma moção em que fir-mava sua incompatibilidade com o Ministério. Evi-denciada a perda do apoio parlamentar, Dantas encaminhou ao Imperador o pedido de dissolução da Câmara. A Constituição Imperial estabelecia que os impasses existentes entre a Câmara e o Ministério seriam resolvidos pelo Imperador que, no exercício do Poder Moderador, optaria entre a demissão do Gabinete ou a dissolução da Câma-ra. O Imperador, desta feita, decretou a dissolu-ção da Casa Legislativa.

Realizadas as eleições e constituída a nova legis-latura, a situação do Ministério Dantas e de seu projeto permaneceu confusa. O Partido Liberal tinha mais uma vez a maioria na Câmara, mas muitos dos opositores do projeto Dantas retorna-ram aos lugares que a dissolução havia deixado vazios.

A força da oposição ao projeto, entretanto, não tardou a manifestar-se. Em 4 de maio de 1885,

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a Câmara votou e aprovou outra moção de des-confiança ao Ministério Dantas. O Imperador, tendo que optar entre dissolver uma Câmara recém-eleita ou demitir um Ministério que talvez avaliasse impossibilitado de arregimentar apoio consistente ao projeto, demitiu Dantas e convidou o Senador José Antônio Saraiva para compor um novo Gabinete.

Embora pertencesse às fileiras do Partido Liberal, o novo presidente do Conselho de Ministros tinha trânsito fácil entre os conservadores e fora muito bem recepcionado por boa parte dos deputados que haviam feito oposição ao Ministério Dantas. Já na apresentação de seu programa de gover-no, o ministro Saraiva contemplara a questão do “elemento servil”, cuja “solução”, para ele, deveria “apressar o mais possível a libertação de todos os escravos, dando porém tempo à [...] indústria agrícola para reorganizar o trabalho, e até auxiliando essa reorganização com uma parte do valor do escravo”9. Essas palavras já pareciam soar como promessa de indenização aos senhores que tivessem escravos libertados pela lei.

Com efeito, o projeto Saraiva, apresentado em 12 de maio de 1885 em substituição ao projeto Dantas, definia que “os escravos de sessenta anos serão obrigados, a título de indenização pela sua alforria, a prestar serviços aos seus ex-senhores por espaço de três anos”. Fixada como forma de indenização, a obrigação de prestação de serviços cessaria para os escravos que atin-gissem 65 anos, não importando que tivessem cumprido um tempo de serviços menor que os três anos10.

De fato, com Saraiva à frente do Ministério, oprojeto foi discutido, emendado e aprovado. O clima de extrema instabilidade política, entretan-to, não se dissipara. No dia 14 de agosto, quan-do foi publicado na forma em que seria remetido ao Senado, já se aventava a possibilidade de que a Câmara negasse confiança ao Ministério Saraiva. Antes que tal idéia se tornasse concre-ta, entretanto, o ministro encaminhou ao Impera-dor um pedido de demissão. D. Pedro II, depois de aceitar a demissão de Saraiva, compôs um Ministério de minoria liderado por um “velho fazendeiro-político pró-escravatura” – o conser-

O deputado Andrade Figueira, como foi representado na Revista Illustrada (nº 436, 1886)

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vador barão de Cotegipe. Sob este Gabinete, e enquanto mais uma vez a Câmara era dissolvida pelo Imperador, o projeto foi enfim aprovado pelo Senado.

Assim, 440 dias após a proposta ser introduzi-da na Câmara, depois da dissolução de duas legislaturas da Câmara e da demissão de dois Gabinetes, o Imperador sancionava a lei também conhecida como Saraiva-Cotegipe ou dos Sexa-genários.

As conturbações experimentadas quando da tra-mitação do projeto pelo Parlamento, entretanto, não se restringiram ao interior do jogo político-parlamentar. O próprio processo eleitoral ocorrido no período contribuía na publicidade que a ques-tão servil tomava, ao adentrar no ambiente par-lamentar. Em 1884, nas eleições que definiriam os mandatos da legislatura que deveria substituir aquela dissolvida pelo Imperador, a escravidão e a abolição tornaram-se temas centrais na cena política. O deputado Andrade Figueira deixou registrado nas atas da Câmara que na campanha eleitoral que empreendeu naquela oportunidade, costumava abordar seus possíveis eleitores en-feixando o seguinte diálogo:

“– Tem alguma coisa a perder, amigo? – Tenho (Riso). – Pois então está aqui a chapa (Hilaridade); se não tem, seja abolicionista (Hilaridade prolongada).”11

Foi o próprio Andrade Figueira que, certa feita, considerou que levar ao Parlamento a “questão servil” significava agitá-la ainda mais, dando-lhe o “aval da autoridade”. “Se a história chegar a ser escrita com imparcialidade sobre estes acontecimentos”, disse ele então, “emitirá o juízo de que foi pachilice acabada tirar uma questão da rua, donde não pode ser tirada; o que se fez apenas foi agitar as massas com a cumplicidade e a autoridade do governo; não houve mais nada”12.

Um outro deputado, em 1885, comparava o quadro social do País a uma “locomotiva pas-sando por cima de um abismo”, e considerava que o Parlamento poderia, de fato, representar uma forma bastante conveniente de encaminhar aquilo que nas ruas só se “agitava”. Mas, como se tratava de passar por abismos, havia que se ter muita cautela, pois “uma ligeira imprudên-cia, um simples descuido” poderia pôr a perder a locomotiva, “com todas as vidas e riquezas que conduz”. O que faz este deputado, afinal,

é levar em conta a ambigüidade que caracteri-za o encaminhamento parlamentar da questão servil. Mesmo considerando as vantagens de canalizar-se os anseios abolicionistas através da intervenção legislativa, o deputado chamava a atenção para os perigos de abrirem-se as por-tas do Parlamento para os assuntos da abolição. Qualquer medida que fosse encaminhada pela via parlamentar devia resolver a questão de forma definitiva para que não se tivesse a neces-sidade de uma legislação posterior; isto porque, dizia ele, “a natureza da questão não permite tocar nela todos os dias”13. Para os mais ciosos defensores dos interesses senhoriais, esta era uma das primeiras dificuldades a se enfrentar pela introdução no Parlamento da discussão de um projeto sobre a “questão servil”. A discussão no Parlamento poderia avivar ainda mais a agi-tação social, acirrando os ânimos dos abolicio-nistas ou reavivando as “esperanças escravas”. O encaminhamento parlamentar do processo de emancipação tinha, portanto, este aspecto que não se pode desconsiderar.

A concretização de um novo instrumento legal a dar os rumos para a emancipação colocava-a em evidência e fazia com que o momento fosse re-conhecido como prenhe de muitas possibilidades, porque o próprio resultado estaria na dependên-cia da atuação de múltiplos agentes, com interes-ses e projetos conflitantes.

O próprio Nabuco, quando falava aos compa-nheiros deputados em maio de 1888 sobre a proposta de abolição da escravidão que lhes havia sido apresentada, conclamava-os a vo-tarem prontamente o projeto, aprovando-o com rapidez, porque sua apresentação havia instau-rado uma “crise nacional” e melhor seria que ela fosse “fechada quase imediatamente, para que ninguém [ficasse] em dúvida, nem o escravo, nem o senhor”14.

LEIS “IMPoLíTICAS” E PErIGoSAS

Nas ocasiões em que se debruçaram sobre pro-postas de criação ou alteração de dispositivos legais reguladores das relações de escravidão, muitos parlamentares – especialmente aqueles mais ciosos da defesa dos interesses senhoriais – obstinavam-se em apontar os perigos que po-deriam decorrer desta “intromissão” do Poder Público nas relações entre senhores e escravos. Um desses problemas, segundo indicavam, era o comprometimento do controle social sobre os escravos e os libertos, que acarretaria o agrava-mento da indisciplina nos plantéis.

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Mesmo a libertação de escravos ainda não nasci-dos, sob esta ótica, era avaliada como uma medi-da bastante imprópria. Foi no sentido de apontar para seus perigos que o Visconde de Itaboraí se manifestou no Senado, avaliando o projeto Rio Branco. “Não estão os escravos tão embruteci-dos”, dizia ele,

“que não reconheçam, que o mesmo direi-to que têm os filhos vindouros à liberdade, devem ter seus próprios pais; que o mes-mo princípio que determina a liberdade de uns, deve determinar a de outros; que se há razão, se é justo que seus filhos (...) sejam livres de ora em diante, a mesma razão, os mesmos princípios, a mes-ma justiça exigem a liberdade de todos (...)”15.

De fato, o estabelecimento da liberdade para alguns escravos, ainda que vindouros, poderia, como indicava o Parlamentar, tornar muito mais problemática a justificativa da permanência de outros em estado de escravidão. Mas, segundo ainda o Visconde de Itaboraí, havia um outro gra-ve problema decorrente do estabelecimento da liberdade para os nascituros. Segundo ele, era preciso considerar-se que os escravos não se encontravam também tão embrutecidos a ponto de não perceberem que, “se o legislador não dá

[a liberdade] aos que ficam em escravidão, é porque seus senhores a isto se opõem”. Os es-cravos estariam, pelo argumento encaminhado por Itaboraí, reconhecendo seus senhores como opositores de uma liberdade que o Estado atri-buía a outros. Havia que se considerar, dizia o senador, que os escravos vinham nutrindo espe-ranças embaladas “pelos escritos, pelos discur-sos, pela propaganda que se tem espalhado pelo Império”. O malogro desta esperança, somado à “convicção” de que não se tornavam livres por oposição de seus senhores, seriam elementos que, inevitavelmente, alterariam “as relações de benevolência entre os senhores e escravos”, provocariam a “irritação” dos escravos, a “aver-são” aos seus senhores.

Também a libertação dos escravos sexagenários foi avaliada nesta perspectiva e considerada uma medida ainda mais perigosa que a própria liber-tação do ventre, porque ela significava uma inter-venção muito mais direta no domínio de senhores sobre seus escravos.

De fato, nem as leis de 1831 ou de 1850, nem a libertação do ventre representaram medidas que tirassem escravos do domínio de senhores. As leis antitráfico legislaram sobre proibição de aquisição de escravos “vindouros” da África; a libertação do ventre legislou sobre indivíduos

Proclamação da libertação dos escravos, no Paço Imperial, no Rio de Janeiro, em 13 de Maio de 1888

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ainda não nascidos. Ambas não libertaram es-cravos existentes e, ainda que não deixassem de perturbar o domínio, não intervinham direta-mente sobre ele. A libertação dos sexagenários, essa sim, uma vez viabilizada, interviria direta-mente na relação de um determinado escravo com seu respectivo senhor, pondo fim a ela. Libertados pelo Estado, os sexagenários seriam “arrancados” dos seus senhores. Neste sentido, podia ser vista com bons olhos a indenização que previa um período de prestação de serviços dos libertos pela lei – tanto os velhos, como os “ingênuos”.

Antes de finalizar este texto, não posso deixar de abordar ainda um outro aspecto das leis eman-cipacionistas que dificultavam a manutenção do domínio senhorial e, neste sentido, ajudavam a provocar a derrocada das próprias relações de escravidão. Embora tenham se tornado conhe-cidas por determinadas disposições – a liberta-ção do ventre e dos escravos velhos – as leis chamadas emancipacionistas continham outros dispositivos pouco ressaltados nas abordagens da história e da memória que foram construídas sobre esses documentos legais.

Ambas as leis, por paradoxal que possa pare-cer, outorgaram direitos aos escravos. Um deles vinha firmado pela lei de 1871, que determina-va que o escravo que, por meio de doações, subscrições, legados ou mesmo de seu próprio seu trabalho, constituísse um pecúlio; com ele poderia se alforriar sem que seu senhor pudesse opor-se a isso16.

Esse direito firmado pela lei consignou aos escravos a possibilidade de acionarem seus senhores na Justiça quando estes se opunham às pretensões de alforria, amparados na legis-lação. Especialmente nos últimos anos da dé-cada de 1870 e na de 1880, vários advogados

abolicionistas ampararam causas de escravos que transformavam seus senhores em réus nos tribunais de Justiça. Além das ações na Justiça, embasadas pelo direito de comprar a própria li-berdade, os escravos ainda podiam alegar que tinham deixado de ser registrados em matrícula (o que a lei de 1871 obrigava)17.

A partir dessas indicações, já é possível ponde-rarmos sobre um outro aspecto relevante para análise da condução legislativa do processo de abolição. A atuação do Parlamento, além de avivar os debates sobre a escravidão e seu des-tino, além de dar extrema publicidade ao tema, tornando-o ainda mais candente por torná-lo central nas disputas partidárias e eleitorais, além disso tudo, a entrada da “questão servil” no Parlamento não pode ser interpretada sem que se leve em conta um aspecto que é inerente à sua existência: os dispositivos legais resultan-tes da atuação do Legislativo foram apropriados pelos grupos sociais, cujas expectativas e inte-resses eram díspares e conflitantes.

Assim, devemos já considerar que o signifi-cado das medidas postas pela legislação só pode ser apreendido a partir da apropriação que delas fizeram sujeitos históricos. Como as ações de tais sujeitos se orientaram por inter-esses múltiplos e diversos, a “aplicação” da lei compreende um processo de disputas. Assim sendo, somente nesse contexto, a definição e redefinição do aparato jurídico pode ser conve-nientemente compreendida e a chamada con-dução parlamentar do processo de abolição pode ser melhor entendida. Longe de estar marcado pelo consenso ou pela neutralização de conflitos e disputas – como quis fazer crer Joaquim Nabuco em 1888 – a condução da abolição pelo Legislativo foi repleta de incerte-zas e de possibilidades que as confluências entre o Parlamento e as ruas estabeleciam.

noTAS1 NABUCO, Joaquim. O Abolicionismo. 5ª edição, Petrópolis, Vozes, 1988 (publicado originalmente em 1883), p. 40.

2 CÂMARA DOS DEPUTADOS. Anais do parlamento brasileiro – Câmara dos Deputados (doravan-te, APB-CD), Sessão de 10 de maio de 1888. Vol. I, 1888, pp. 66-7.

3 SENADO. Anais do parlamento brasileiro – Atas do Senado (doravante, APB-S). Sessão de 13 de maio de 1888. Vol. I, 1888, p. 38-42. Vários debates das sessões em que foram tratadas questões referentes à abolição estão compiladas em BRUNO, Fábio Vieira. O Parlamento e a Evolução Na-cional. Brasília, Senado Federal, 1979.

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4 APB-CD . Sessão de 18 de julho de 1884. Vol.V, p. 352.

5 Ver: RODRIGUES, Jaime. O infame comércio. Propostas e experiências no final do tráfico de afri-canos para o Brasil (1800-1850). Campinas, Editora da Unicamp - Cecult, 2000, especialmente p. 107-119.

6 O Conselho de Estado, dentro do quadro político e administrativo do Império, teve uma função consultiva e não decisória. Cabia à instituição emitir pareceres sobre consultas efetuadas pelo Im-perador no exercício dos poderes a ele outorgados (moderador e executivo). Sobre o Conselho, ver: MACHADO, Fernando. O Conselho de Estado e sua história no Brasil. São Paulo, Escolas Profissio-nais Salesianas, 1912 e RODRIGUES, José Honório. Introdução histórica. In: SENADO FEDERAL. Atas do Conselho de Estado (doravante ACE). Brasília, Centro Gráfico do Senado Federal, 1973-1978, vol.1, p. 22.

7 Ver, entre outras, Atas de 2 e 9 de abril de 1867. ACE, v. 6, p. 188-244. Também: NABUCO, Joaquim. Nabuco de Araújo, Um estadista do Império. Sua vida, suas opiniões, sua época Tomo 3º. Rio de Janeiro, Garnier, s.d., (1866-1878). Outros aspectos referentes aos debates sobre as propostas de Pimenta Bueno foram por mim abordadas em: MENDONÇA, Joseli M. Nunes. No processo de abolição, embates em torno da liberdade. Revista Impulso, vol. 9 , nº 18, 1995, p. 53-67.

8 Os argumentos contrários à libertação do ventre sem indenização foram feitos pelo deputado Bar-ros Cobra e citados por Rui Barbosa. Emancipação dos Escravos – Parecer Formulado pelo deputa-do Ruy Barbosa em nome das Comissões Reunidas de Orçamento e Justiça Civil. Obras Completas de Ruy Barbosa. Vol. XI, Tomo I. Rio de Janeiro, Ministério da Educação e Saúde, 1945, p. 94.

9 APB-CD – Histórico de 1885, vol. III, p. 7.

10 Projeto nº 1 de 1885 – Extinção Gradual do Elemento Servil. APB-CD. Apêndice, 1885, vol. IV, p. 80 e segs.

11 APB-CD. Sessão de 31 de julho de 1885. Vol. III, p. 259.

12 APB-CD. Sessão de 31 de julho de 1885. Vol. III, p. 256.

13 Deputado Almeida Oliveira em APB-CD.- Sessão de 29 de maio de 1885. Vol. I, p. 167.

14 APB-CD. Sessão de 8 de maio de 1888. Vol. I, 1888, p. 43. Também Fábio Vieira Bruno. O Parla-mento e evolução nacional, op. cit., p. 367.

15 Apud Deputado Aristides Spínola em APB-CD. Sessão de 13 de julho de 1884. Vol. V, p. 185.

16 Lei 2040 de 28 de setembro de 1871. COLEÇÃO DAS LEIS DO IMPÉRIO DO BRASIL – ATOS DO PODER LEGISLATIVO. Rio de Janeiro, Tipografia Nacional, 1871, p. 147 e seguintes. As possibili-dades de escravos obterem rendas a partir de seu próprio trabalho, não tendo sido irrestritas, não eram tampouco inexistentes. Fiz uma discussão acerca da questão em MENDONÇA, Joseli Nunes. Cenas da Abolição, escravos e senhores no Parlamento e na Justiça. São Paulo, Editora Fundação Perseu Abramo, 2001, especialmente p. 39-42 e 55-59.

17 Além dos estudos que desenvolvi para elaboração de Cenas da abolição, já mencionado, e Entre a mão e os anéis. A lei dos sexagenários e os caminhos da abolição no Brasil. Campinas, Editora da Unicamp – Cecult - Fapesp, 1999, vários historiadores se dedicaram a estudar as disputas que escravos e senhores travaram na arena judicial. Entre outros, o precursor: CHALHOUB, Sidney. Vi-sões de liberdade: As últimas décadas da escravidão na Corte. São Paulo, Companhia das Letras, 1990. Também: GRINBERG, Keila. Liberata: A Lei da Ambigüidade. As ações de liberdade da Corte de Apelação do Rio de Janeiro no século XIX. Rio de Janeiro, Relume-Dumará, 1994 e XAVIER, Regina Célia. A Conquista da Liberdade: Libertos em Campinas na segunda metade do século XIX. Campinas, CMU - Editora da Unicamp, 1996.12 Cf. Anais da Assembléia Legislativa. Vol. I. 7ª sessão ordinária, 18/07/1947, p.227.

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A escravidão brasileira é estudada há muito tempo por diversos pesquisadores e permanece um tema atual. Hoje possuímos muitas informa-ções que nos ajudam a entender como essa ins-tituição legitimava-se, como os escravos reagiam à sua condição e como os senhores e o Estado exerciam a punição.

No entanto, os escravos que foram sujeitos dessa história não deixaram registros. As fontes de que se utilizam os historiadores são, basicamente, do-cumentos oficiais da época, correspondências en-tre autoridades, relatos de viajantes, gravuras. Os escravos, às vezes, aparecem nos depoimentos tomados por autoridades em inquéritos policiais de rebeliões. Mas não sabemos quão fiéis eram as transcrições de suas falas. Casos como o de Luiz Gama1, que passou da escravidão ao mundo dos que a história registra, são raríssimos.

A leitura de documentos da época, de tendência pró-escravatura, deixa perceptível que as vítimas da escravidão não eram passivas, tendo resistido fortemente a seus opressores e que, de toda ma-neira possível, buscavam suplantar a condição do cativeiro com a fuga individual ou coletiva. O domínio violento da escravidão praticada no Brasil não permitiu às suas vítimas organização e estratégia, o que historicamente dá uma grande relevância ao papel das ações externas (exte-riores ao sujeito), como a prática abolicionista elitista aliada ao ideário liberal do século XVIII e a necessidade de contratar mais mão-de-obra. Portanto, para analisar a ação do sujeito histórico através de relatos exteriores e não isentos – que

abordam a visão do dominador – é necessário examinar as mudanças engendradas nas formas de controle e dominação.

Como forma de resistência dos negros há registros de quilombos desde 1559 e em número crescente até a Abolição, constituídos como redutos de liber-dade e resistência em selvas distantes ou regiões pouco populosas. Os escravos abandonavam seus senhores e os trabalhos forçados em troca de uma vida precária e difícil, cuja fonte de sobrevivência muitas vezes era a pilhagem e o roubo.

Os quilombos cresciam, importantes lideranças surgiam e os quilombolas ameaçavam a ordem e a tranqüilidade das cidades. Progressivamente, o problema de ordem privada – escravos fugidos de propriedades particulares – tornava-se de ordem pública, com constantes ataques e res-gates de escravos nas fazendas. Foram criadas legislações e penalidades públicas aos escravos e empregado o dinheiro público nas capturas. A administração pública agia na mesma dimensão do senhor de escravos, aplicando castigos e ado-tando mecanismos de controle de fugas.

É necessário compreender que o trabalho escra-vo era o elemento vital da economia brasileira, não somente na lavoura, no qual foi aplicado amplamente, mas também na economia de sub-sistência e em todo tipo de ofício.

Pretende-se com esse trabalho, fazer uma re-flexão sobre esta mácula indelével na história brasileira: os três séculos e meio de escravidão,

Marcos Couto Gonçalves*

* Advogado graduado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, bacharel em Letras Clássicas e Vernáculos pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo e pesquisador da Divisão de Acervo Histórico da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo ([email protected]).

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Papéis Avulsos

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utilizando como fonte principal documentos en-contrados no Acervo Histórico da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo.

Os documentos, em várias páginas, consistem na troca de correspondência entre autoridades: o Primeiro-Secretário da Assembléia Legislativa Provincial, a Presidência da Província e o dele-gado de polícia de Lorena. Também figuram nos documentos os vereadores da Câmara Municipal de Silveiras e o Juiz de Direito de Guaratinguetá. De sua leitura depreende-se que as autoridades preocupavam-se com uma suposta insurreição dos escravos, que deveria ocorrer no dia de São João ou de São Pedro daquele ano de 1848. A notícia mobilizou o delegado e o Juiz Municipal de Lorena, o Vice-Presidente e o Presidente da Pro-víncia de São Paulo e, finalmente, a Assembléia Legislativa Provincial, que se manifestou através de seu Primeiro Secretário. Como este requisitou informações da autoridade local e os autos do processo instaurado em Lorena, o Acervo Histó-rico guarda uma parte substancial das diligências e providências das autoridades. A transcrição fiel de todos os documentos pode ser lida no anexo ao final do texto.

Cartas “reservadas” do Vice-Presidente da Provín-cia, Bernardo José Pinto Gavião Peixoto, revelam que Sua Majestade Imperial tomara conhecimen-to do caso e exigira “detalhados esclarecimentos” a respeito, particularmente, sobre a suposta participação estrangeira no planejamento da in-surreição; expressava, também, a preocupação com o envolvimento de uma suposta sociedade secreta, ora referida como Sociedade Gregoriana, ora como Sociedade Sansimoniana2.

Neste momento, concentrar-me-ei na suposta in-surreição e no seu abortamento, para depois lan-çar um olhar mais abrangente sobre a escravidão no Brasil Imperial, o comportamento dos legislado-res quanto ao que era chamado eufemisticamente de “elemento servil”, as formas de resistência dos negros e a importância dessa resistência, que foi fator decisivo quando se deu a confluência de ou-tros fatores externos (pressões diplomáticas) e in-ternos (escassez da mão-de-obra e o movimento conhecido como abolicionismo) para derrubar de vez a resistência da aristocracia escravista.

A RESISTÊNCIA DOS ESCRAVOS

Havia várias formas de resistência dos escravos: o suicídio, o assassinato do senhor, o envenena-mento, a fuga, a insurreição3. Esta última preo-cupava muito as autoridades e os proprietários,

tanto que estava prevista no Código Criminal do Império, sendo severamente punida, como vere-mos adiante.

Grande parte das rebeliões de escravos concen-trou-se no período de 1807 a 1830, período de instabilidade política advinda do rompimento dos laços coloniais. As freqüentes agitações políticas, embora elitistas – e mesmo as mais radicais – não tinham caráter antiescravagista; mas era comum, nessas ocasiões, romperem rebeliões populares nas quais estavam presentes negros e mulatos libertos e, não raro, os próprios escravos. O co-nhecido levante dos malês, uma importante re-belião de escravos na Bahia, inscreveu-se neste contexto, em 1835.

Alguns historiadores também mencionam a forte presença de escravos africanos nas rebeliões, fazendo distinções de camadas entre os homens negros. Na linguagem da época, o termo “preto” era utilizado sempre para os africanos; os negros nascidos no Brasil eram denominados “crioulos”, existindo ainda os “mulatos”, filhos de homens brancos e os “cabras”, que estavam em uma po-sição intermediária entre o crioulo e o mulato. No período de 1846 a 1849, um grande contingente de negros africanos chegou ao País através do tráfico ilegal. Esses escravos foram trazidos em grande parte da região da baía de Benin, com forte predo-mínio dos povos conhecidos como iorubas (ou na-gôs). A chegada desses novos africanos escraviza-dos correspondeu ao período em que aumentou a revolta dos escravos. Muitos historiadores afirmam que as rebeliões eram sempre mais freqüentes onde predominavam escravos africanos.

Os escravos nascidos no Brasil, os crioulos, des-cendiam de outros povos africanos: os bantos (de

Retrato de Luiz Gama feito por Ângelo Agostini na Revista Illustrada (Nº 313, 26/08/1882)

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Acervo histórico

Angola e do Congo). Tendo nascido no Brasil, já como escravos, os crioulos não tinham a experiên-cia anterior de homens livres, como os africanos re-cém-chegados. A sua resistência à escravidão era, portanto, diferente. Porém, os bantos deram origem aos quilombos, tradicional forma de resistência es-crava, desde os primórdios da escravidão.

As diferenças de camadas entre os escravos, bem como as diferenças étnicas foram utilizadas como elementos desagregadores pelos proprietários e úteis no controle das rebeliões. Esse conflito ét-nico esteve presente na revolta dos malês, onde 70% dos aprisionados eram iorubas. Os rebeldes africanos hostilizaram tanto os crioulos como os mulatos, considerados pertencentes ao mundo dos brancos. No relato de denunciantes, negros libertos, se a insurreição tivesse sucesso e os malês tomassem o poder, os brancos e os criou-los seriam mortos e os mulatos seriam poupados, para, posteriormente, serem escravizados.

AS LEIS IMPErIAIS

O tratado de 13 de março de 1827, celebrado entre Brasil e Inglaterra, dava um prazo de três anos para que fosse proibido o tráfico de escra-vos, considerando-se pirataria a prática desse comércio. Em cumprimento ao tratado, sobreveio a lei de 7 de novembro de 1831, declarando livres todos os escravos que, vindos de fora, entrarem em território do Brasil. No entanto, alguns anos depois da sua decretação, já não mais se exigia a repatriação dos escravos importados. Ficavam eles entregues a alguns fazendeiros. Esse afrou-xamento correspondia à predominância da elite cafeeira do Vale na política.

Os africanos que entraram no País a partir de 7 de novembro 1831 eram legalmente emancipa-dos, segundo o artigo primeiro da lei antitráfico dessa data. Porém, o governo brasileiro jamais tomou quaisquer medidas para devolver a liber-dade aos africanos escravizados ilegalmente. Até 1872, não havia necessidade de registrar os escravos e os proprietários não tinham reci-bos para os escravos importados ilegalmente. O Imperador e a maioria da imprensa do Brasil ignoraram o destino dessas inúmeras pessoas. O Governo, tão negligente com relação à lega-lidade das posses, permitia que o contrabando de negros fosse coisa desenvolvida e estável. Porém, há referências oficiais das entradas dos africanos, que eram conhecidas e controladas pelos impostos. Em 1846 entraram no Brasil 50.324 escravos; em 1847, 56.172; em 1848, 60 mil; em 1849, 54 mil e em 1850, 23 mil.

Nas décadas de 1870 e 1880, alguns advogados abolicionistas, nomeadamente Luiz Gama e An-tônio Joaquim Macedo Soares, libertaram muitos escravos com base nesta velha lei, “supostamen-te revogada pelo desuso”.

Um fato notável, relatado por Jacob Gorender4, ilustra bem o desrespeito das próprias autoridades à legislação e às decisões judiciais favoráveis à emancipação: em 1854, uma correspondência re-servada enviada pelo Ministro-Chefe do Gabinete Imperial, Nabuco de Araújo, ao então Presidente da Província de São Paulo, José Antônio Saraiva, recomendava a ele que descumprisse uma deter-minação judicial de emancipar um escravo pela aplicação da lei de 1831, tendo em vista a desor-ganização da produção que tais decisões trariam e evocando o “direito do senhor”.

Assim, essa lei logo acabou sabotada por uma série de subterfúgios com o objetivo de fazer dela letra morta ou, como se passou a dizer desde en-tão, uma lei “para inglês ver”.

Os juristas abolicionistas freqüentemente bran-diam a lei de 1831 para conseguir a alforria de escravos na Justiça. Se a lei fosse levada a sério, não só o escravo deveria ser libertado, como também o senhor deveria ser processado criminalmente pelo delito do artigo 179: reduzir à condição de escravo pessoa livre.

Contradizendo o próprio espírito do tratado de 1827, o Código Criminal de 1830 continha um artigo específico para os réus escravos:

“Art. 60 - Se o réu for escravo, e incorrer em pena que não seja a capital ou de galés, será condenado na de açoites e, depois de os sofrer, será entregue ao seu senhor que se obrigará a trazê-lo com ferro pelo tempo e maneira que o juiz designar.O número de açoites será fixado na sen-tença e o escravo não poderá levar por dia mais de 50.”

O jurista Thomaz Alves Junior5 a respeito desse artigo afirmou o seguinte:

“As circunstâncias especiais do País leva-ram o legislador a consignar no seu Código Penal a pena de açoites, que jamais se devera escrever em um Código de nação culta que tem foros de nação civilizada.Não seja, porém, por isso amaldiçoado o nosso Código desde que entre outros po-vos mais antigos e mais civilizados do que

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nós o castigo corporal até é consignado como pena nos seus códigos penais.Se ali, independente da necessidade nas-cida da escravatura, a pena do castigo cor-poral é admitida, por que o não seria entre nós, onde a existência fatal da escravatura justifica essa necessidade palpitante? Estudando as circunstâncias do infeliz es-cravo, conclui-se facilmente que nenhuma das penas das estabelecidas no Código pode satisfazer a correção de seus delitos.O Código admite somente que das penas gerais se lhes possa aplicar a de morte e a de galés, e que no caso de outra qualquer pena se lhes aplique a de açoites.Admitida como está entre nós a pena de morte, não havia razão para ser dela isento o escravo, e ainda foi ampliada pela lei ex-cepcional de 10 de julho de 1835.Se as nossas galés estivessem bem or-ganizadas, se elas representassem um trabalho rude e áspero, decerto que se-ria essa pena própria para aplicar-se ao escravo; mas a pena de galés como está entre nós acreditamos que oferece um es-tado mais suave que o próprio cativeiro: e então, em vez de ser uma pena que intimi-de o escravo, talvez não erremos dizendo que tenha sido mais de uma vez incentivo, que no desespero do cativeiro leve o es-cravo a cometer o crime.A condição, pois, do escravo legitima a pena de açoites de que fala o presente artigo.Se a existência da escravatura desculpa o nosso legislador admitir a pena de açoites, não podemos deixar de censurá-lo por ter deixado a aplicação ao arbítrio do juiz, de maneira que dá lugar a sentenças bárbaras

e iníquas, a que mais de uma vez tem su-cumbido o pobre infeliz escravo!Em tal caso é ir além da pena; quando o legislador adotou o castigo corporal não quis decerto que sob a pena desse casti-go exalasse o infeliz escravo o seu último suspiro.A condição de sofrer só cinqüenta açoites por dia não é bastante para contrabalançar o arbítrio, e evitar um triste resultado, talvez seja muitas vezes a causa de maus resulta-dos, e até da morte.Entendemos que se deveria limitar o casti-go às forças do indivíduo que o tem de so-frer, de maneira que se não fosse além do efeito da pena, e assim corrigia-se o arbítrio do Código.É ainda notável que os artigos 406 e seguin-tes do Regulamento nº 120 de 31 de janeiro de 1842, que tratam da execução das pe-nas, nada digam sobre a pena de açoites, de maneira que ainda maior é o arbítrio.Este artigo tem dado lugar a várias ques-tões, que provocaram decisões do poder competente.Em primeiro lugar, diremos que já a Consti-tuição do Império havia abolido os açoites;mas esse artigo constitucional não obsta a disposição do artigo 60 do Código, porque ele não se aplica a escravos.”

O mesmo jurista, 21 anos depois, na segunda edi-ção de suas Anotações ao Código Criminal do Im-pério do Brasil, mudara radicalmente de opinião, já que “a evolução de idéias fora tão progressiva que resistir à sua influência seria crime”. E pon-derava que deveria ser abolida não só a pena de açoites, mas a própria escravidão.

Jean-Baptiste Debret retratou negros no “tronco” (1834)

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A seção do Código Criminal do Império, tratando do delito de insurreição, determinava:

“Art. 113 – Julgar-se-há cometido este crime reunindo-se vinte ou mais escravos para ha-verem a liberdade por meio da força.Penas: aos cabeças, de morte no grau má-ximo; de galés perpétuas no médio, e por quinze anos no mínimo; aos mais açoites.Art. 114 – Se os cabeças da insurreição fo-rem pessoas livres incorrerão nas mesmas penas impostas no artigo antecedente aos cabeças quando são escravos.Art. 115 – Ajudar, excitar ou aconselhar escravos a insurgirem-se fornecendo-lhes armas, munições ou outros meios para o mesmo fim.Penas: de prisão com trabalho por vinte anos no grau máximo, por doze no médio, por oito no mínimo.”

O mesmo jurista comentou:

“O nosso legislador em frente da escravidão admitida e tolerada no país não quis deixar de consignar nas páginas do Código o crime de insurreição, que, sem dúvida alguma, en-tra na classe dos crimes contra a segurança interna do Império e pública tranqüilidade.Se porém não podemos deixar de reco-nhecer a boa previdência do legislador, quiséramos antes que ele não fizesse entrar nas disposições do Código seme-lhante disposição, que com melhor razão deveria ser prevista em uma lei especial.A escravidão é um fato triste e excepcional, que a nação encontrou em seu berço, foi uma herança que se viu obrigada a aceitar, e carregar com os seus ônus. A escravidão forma uma população excepcional com direitos e deveres diversos dos demais in-divíduos ou pessoas que formam a nação, portanto nem esses direitos nem esses de-veres podem ser definidos e classificados em um Código comum.Seus crimes revestem-se de caráter e gravi-dade especiais, pelo que se faz preciso que uma lei especial os defina, os puna, e lhes dê a forma do processo e do julgamento.A voz que condenou que condenou a escra-vidão soou no dia em que nasceu o Cristia-nismo, os anos foram-se passando, e ela foi sendo abolida aqui e ali, pouco resta a fazer nessa cruzada da civilização. A nação brasi-leira bem o sabe e compreende, cumpre que quanto antes os poderes do Estado tratem de formar princípios, estabelecer regras,

providenciar enfim para que a revolução, que não pode ser abafada, seja dirigida com sabedoria e discrição, triunfe um dia cheio de glória, sem abalo do bem-estar do país e sem ruína da fortuna pública e particular.A questão é urgente, acreditamos que no próximo século a escravidão será para to-dos os povos cristãos um fato histórico e de tradição.E se assim é, se a escravidão é um fato con-denado pela razão, tolerado apenas por cau-sa da ordem social e política, para que con-sagrá-la em um Código de homens livres?Seja ela consagrada em lei especial, porque no dia da completa abolição essa lei sem mais aplicação será queimada; pelo contrá-rio ficará sempre consagrada sem proveito, sem utilidade e sem aplicação, e somente como despertador da lembrança triste desse passado em que foram obrigados a consen-ti-la e a sustentá-la no interesse e circuns-tâncias peculiares de nossa sociedade.Aceitando a doutrina como se acha escrita tratemos de explicá-la, e de entendê-la em sua aplicação prática.O crime de insurreição é até certo ponto uma sedição, quando exige o número de vinte pessoas para o ajuntamento, distin-guindo-se que na sedição as vinte pessoas são livres, e na insurreição são escravas.Nota-se porém uma sensível diferença. Na sedição as vinte pessoas hão de estar ar-madas, ou pelo menos em parte; na insur-reição não se faz questão desta cláusula, estejam ou não armadas, em todo ou em parte, há sempre o crime de insurreição.Se esta latitude do art. 113 importa mais ri-gor, esse rigor é limitado pelo fim expresso que a lei dá à reunião, porque é preciso que o ajuntamento dos vinte escravos tenha por fim haver a liberdade por meio da força, logo, se não houver esse fim, não há insurreição.Não deverá porém o ajuntamento sem esse fim merecer a atenção do legislador e ser punido? Qual o crime, qual a pena?Eis o que se não diz, tudo fica entregue ao arbítrio da polícia, à vontade despótica do senhor! Tais são os reflexos das disposi-ções do Direito Romano.Há demais alguma injustiça e desigualda-de, pune-se o ajuntamento de escravos que tramam a conquista da liberdade pela força, e não se pune a trama dos escravos que pretenderem saciar suas paixões más, seus ódios, seus rancores, suas vinganças de sangue contra seus senhores e adminis-tradores?

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Na falta dessa definição ou clareza, tudo se diz insurreição, eis como praticamente se resolve; porém é certo que a filosofia ou es-pírito da lei protesta contra essa interpreta-ção, que só o rigor da necessidade justifica. Tais são os frutos da escravidão!”

Como os delitos cometidos por escravos contra a vida de seus senhores estivessem em ascensão (durante a insurreição de Carrancas, ocorrida na Vila de Ouro Preto em 1833, vários senhores fo-ram assassinados por seus escravos), a Assem-bléia Legislativa Geral aprovou uma lei excepcio-nal para os escravos: a lei de 10 de junho de 1835. Conforme o texto aprovado, os escravos que fos-sem réus de homicídio qualificado contra o senhor e sua família ou o feitor e sua família seriam jul-gados por um júri convocado extraordinariamente para esse fim. Se a sentença fosse pela pena de morte, não cabia qualquer recurso ao réu, a não ser o pedido de graça a Sua Majestade Imperial. Mas se a sentença fosse pela absolvição, o Juiz de Direito tinha que apelar de ofício. Sob essa lei, uma legião de escravos foi condenada à morte e executada de forma sumária.

Os escravos podiam sofrer esses três tipos de pena: a máxima, que era de morte por enforcamento, a

média, que era conhecida como de galés – que su-jeitava o escravo a realizar trabalhos forçados com calceta no pé e corrente de ferro – e a de açoites. Conforme determinação do artigo 113 do Código Criminal, a pena de açoites constituía por excelên-cia a punição dos escravos rebeldes. Não havia li-mites para o número de açoites, que ficava a critério do juiz. Muitas vezes o escravo escapava da pena de morte apenas para morrer no açoitamento exor-bitante prescrito pelo juiz. Observações indicavam que 200 açoites era o limite humanamente tolerável (apenas 50 açoites por dia, durante quatro dias).

Na documentação encontrada no Acervo Históri-co há uma interessante indicação da Assembléia Legislativa Provincial à Assembléia Geral: em 1853, os deputados paulistas pediram que fosse extinta a pena de galés para os escravos porque, afirmavam, ela não era eficaz quando o conde-nado era um escravo: muitos deles estariam co-metendo “delitos” para sofrerem esta penalidade, pois seria mais branda do que os trabalhos força-dos da sua condição de escravo nas fazendas. “A penalidade de trabalhos forçados não existe para o escravo, que já está submetido a condições de trabalho mais gravosas do que a pena de galés estabelecida em lei, a qual somente faz sentido para o homem livre”.

Desenho de Jean-Baptiste Debret retratando a punição ao escravo fugido (1834)

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Apesar da representação dos deputados paulistas, a pena de galés não foi abolida para o réu escravo. Já a pena de açoites, a mais aviltante de todas, foi revogada apenas dois anos antes da abolição, juntamente com a lei excepcional de 1835, ficando o escravo submetido à legislação comum.

O CAFÉ E O VALE DO PARAÍBA

De 1830 a 1880, aproximadamente, toda a energia econômica voltou-se para o cultivo do café, que era vendido, sem concorrência, ao mercado euro-peu em expansão. Tornou-se, por isso, o estabili-zador da economia do Império, a ponto de se dizer, na época, que “O Brasil é o Vale”, devido à fixação do café no Vale do Paraíba. Porém, a economia cafeeira não alterou os quadros sociais herdados do passado colonial. Ao contrário, fortaleceu a es-cravidão, a grande propriedade, a monocultura e a produção voltada para o mercado externo.

O café trouxe o escravo para a região sudeste, onde até então o negro existia em pequeno núme-ro. Daí o também conhecido aforismo dessa épo-ca, “o café é o negro”, a que se refere Robert Con-rad6. Só entre 1830 e 1850 as fazendas de café, somadas aos engenhos de açúcar, fizeram entrar no Brasil, pelo tráfico ilegal, 700 mil africanos.

O cultivo do café se consolidava definitivamente por volta de 1830, nas regiões do Vale do Pa-raíba. A cultura do café exigia grandes investi-

mentos: a terra, as construções e os escravos. Tudo levava a que cada vez mais se recorresse aos mercados africanos. A procura de negros aumentou. Enquanto nos tratados políticos o Brasil se comprometia a fazer cessar o tráfico, o interesse da lavoura exigia cada vez mais mão-de-obra escrava abundante e o tráfico se intensificava.

A lavoura cafeeira no século XIX provocou uma inflexão na fixação e no ritmo de crescimento da população escrava na Província de São Paulo. Segundo Emília Viotti da Costa, os fazendeiros de café preferiam introduzir os africanos (“boçais”), que o tráfico despejava ano após ano nos merca-dos consumidores, do que os escravos nascidos no Brasil (“ladinos”), tidos como propensos a in-surreições e atos de rebeldia.

O súbito crescimento da população escrava na região causava grande preocupação à população livre. A grande preocupação, porém, era com as revoltas coletivas e volta e meia corriam boatos de rebeliões, não confirmadas, como a que es-touraria em Areias, Bananal e vilas fluminenses. Em 1848, os boatos foram se avolumando e as autoridades abriram a devassa.

Referindo-se aos fazendeiros da região, a histo-riadora Emília Viotti da Costa diz que “o temor das insurreições apavorou-os durante todo o período da escravidão”. E prossegue:

Imagem de Jean-Baptiste Debret mostrando castigos aplicados aos escravos (1834)

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“Ao menor boato, medidas severas eram postas em prática com o objetivo de repri-mir a subversão da ordem. Viviam a tomar precauções que impedissem revoltas e agressões. Multiplicavam as proibições: os escravos só podiam sair da fazenda com permissão do senhor ou do feitor; à noite, eram trancados nas senzalas, cuja disposi-ção arquitetônica já testemunhava o intuito de promover fugas ou ajuntamentos de cativos nas horas tardas da noite. Havia se-nhores que impediam seus escravos de sair aos domingos, dando-lhes outro dia de folga na semana, de modo a impedir que se reu-nissem ao pessoal das fazendas próximas. [...] Aos escravos não era permitida posse de armas e procurava-se cercear de todas as maneiras sua aquisição. A comunicação entre eles não era fácil, em vista dos empe-cilhos antepostos à sua circulação. Tornava-se, assim, impossível a trama de uma revol-ta de largas proporções. Por outro lado não faltavam denúncias capazes de frustrar os projetos nascentes. [...] Em sessão de 09/05/1854, a Assembléia Legislativa de São Paulo resolvia que o Governo da Província mandaria pagar ao escravo que denunciara o plano de insurreição em Taubaté a quantia de dois contos, o que equivalia, nessa épo-ca, ao preço de sua alforria.[...] Por isso os movimentos de grandes proporções, tão te-midos nas áreas em que a população escra-va predominava largamente sobre os livres, foram raros nas zonas cafeeiras.” 7

Em muitos casos, os boatos de insurreições eram provocados em épocas de eleição, pois a inquie-tação da população era permanente e, por meio do incremento da insegurança pública, poder-se-ia conseguir que o Governo da Província enviasse tropas, quando não a Guarda Nacional.

As formas de controle da escravidão eram exer-cidas com rigor nas zonas cafeeiras. Portanto, as formas de resistência mais freqüentes entre os escravos eram os crimes, as fugas e os pequenos quilombos e, raramente, aconteciam levantes cole-tivos, o que talvez explique a violência da punição aplicada às lideranças da insurreição em Lorena.

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No município de Lorena há registros de vários incidentes com a escravatura. Em 1833 foram registrados 1.187 escravos e 2.442 habitantes livres e 600 fogos (unidades residenciais), sendo que este número aumentou com a expansão da

lavoura cafeeira, assim como a preocupação das autoridades que, frente aos constantes incidentes de reação dos escravos, temiam ser vítimas de uma rebelião como a ocorrida no Haiti, que culmi-nou com um massacre.

Na Vila de Lorena, a preocupação positivou-se nas Posturas aprovadas em 1832, que impunham multa de 10$000 (dez mil réis) para quem consen-tisse em sua casa ajuntamento de escravos para divertimentos e jogos; os escravos eram punidos com 50 açoites, e os donos que negavam consen-timento a essa pena sofriam multa de 10$000.

Em 1835 e 1839 há registros de assassinatos de feitores e senhores, cujos escravos foram punidos com o enforcamento. A forca era armada no Lar-go do Cemitério ou no Largo Imperial para cada execução.

Também eram comuns as fugas e capturas dos fugitivos. Em 1835, uma fuga de 21 escravos no porto de Mambucaba, terminou com a captura, em Lorena, de 6 africanos novos e 6 “ladinos”, conforme ofício de 23/10/1835. Os fugitivos ata-cavam e roubavam para matar a fome. Ofício da-tado de 16/08/1843 registra a ocorrência no bairro do Vinagre, quando uma mulher foi atacada por um fugitivo que já havia matado seu dono.

Em 1842 aprovaram-se na Assembléia Legislati-va Provincial artigos de posturas de Lorena. Entre seus dispositivos estavam os que permitiam aos escravos “os reinados que costumam fazer em certos dias do ano, contanto que se dissolva o ajuntamento antes da noite”. Dispunham tam-bém que os subdelegados de polícia poderiam “suspender e desfazer tais ajuntamentos”, se sus-peitassem de “algum resultado mau”. Previa-se também a necessidade de um “bilhete” do senhor para que o escravo pudesse dirigir-se para fora do distrito em que residia, sob pena de prisão.

Em 1846 novos artigos de posturas aprovados na Assembléia previam que o escravo preso na rua após o toque de recolher seria punido com 50 açoites.

Disposições como essas foram comuns a vários municípios da Província de São Paulo, conser-vando-se várias delas entre a documentação da Divisão de Acervo Histórico.

A InSurrEIção DE 1848

No início de 1848, as autoridades abriram uma in-vestigação sobre o suposto plano de insurreição

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de escravos, que deveria eclodir no dia de São João ou de São Pedro e irradiaria de Lorena para Silveiras, Parati e Baependi, em Minas Gerais. O caso chegou até o Presidente da Província, avisa-do pelo chefe de polícia do Rio de Janeiro, sendo que o Vice-Presidente da Província, Gavião Pei-xoto, avocou a centralização das informações e providências. Os cabeças seriam Vicente, crioulo, escravo de Faustino Xavier de Morais; Francisco, escravo de D. Maria Pereira da Guia, e o mais importante, Agostinho, crioulo, forro do finado Antônio Gaspar Martins Varanda, que sabia ler e escrever e que acabou fugindo, após descoberto o movimento.

Descobriu-se que as idéias da Rebelião eram in-sufladas pelo francês Jacques Troller, republicano e abolicionista, amigo do Sr. Varanda, que passa-va semanas em sua residência onde comumente lia jornais e livros estrangeiros e comentara, na presença de Agostinho, sobre a insurreição do Haiti. Afirmava, também, que os escravos recebe-riam ajuda dos ingleses.

Jacques Troller declarou em depoimento que não tinha envolvimento com o plano dos escravos e o motivo de ser lembrado como autor do plano ou apoiador da insurreição pelo réu Agostinho e outros seria o fato de sempre ter argumentado calorosamente sobre a necessidade da abolição da escravatura no Brasil.

O juiz municipal argumentava saber de iguais preparativos ou tendências de insurreição em alguns lugares da Província de Minas Gerais e que os escravos presos confessaram sobre o dia de São João, declarava, ainda, que vira uma carta de pessoa de confiança que asseverava te-rem sido encontrados os estatutos sobre o plano da rebelião, o que o levava à convicção de que tudo havia sido premeditado “ramificado em al-gumas províncias e quiçá pelo Brasil todo, plano

certamente devido a mais desmedida ambição, egoísmo ou inveja e ciúme, que excita o Brasil a algumas nações”.

Os escravos interrogados sofriam açoites públi-cos, mesmo quando inocentes e entregues aos seus senhores. O desfecho do processo se deu com a condenação de Francisco e Vicente à pena de 1.400 açoites – pena que exorbitava a todas as condenações conhecidas – além de usarem ganchos de ferro no pescoço por 3 anos, e a im-pronúncia do estrangeiro Jacques Troller.

A Vila teve rondas e patrulhas nas ruas enquanto durou o processo, e também se aproveitou para pedir o destacamento de 30 praças da Guarda Nacional. O apavorado governo provincial aten-deu prontamente, enviando também armamentos e munição.

CONCLUSÃO

Diante da apresentação e contextualização dos documentos e abordagens, pretendemos também contribuir com os esforços que procuram demons-trar as contradições e os conflitos existentes no escravismo a partir do escravo e suas relações, visto que ele é o elemento vital da estrutura e da riqueza colonial, sendo também o pressuposto básico do acúmulo de riquezas que impulsionou o salto para o sistema capitalista. De modo algum, nega-se a importância do aspecto econômico e social e as pressões externas para a abolição da escravidão, mas é de extrema relevância consi-derar o conflito interno da produção escravista, demonstrando que os escravos resistiam e, de toda maneira possível, iam em busca da liberda-de, decorrendo daí a violência e perversidade da exploração escravista no Brasil.

A repressão da revolta de Lorena não foi caso iso-lado, nem no Vale do Paraíba, nem no Brasil. E a

A pena de 1.400 açoites

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violência privada dos senhores, amedrontados ou simplesmente cruéis, não cessou. Em sua obra Viagem às províncias do Rio de Janeiro e de São Paulo”, o suíço Johann Jakob von Tschudi nos re-vela que em agosto de 1861, em uma fazenda de Lorena, o fazendeiro português Antonio Pereira Cardozo assassinara de modo bárbaro quinze de seus escravos. As notícias de tal crime chegaram às autoridades, que abriram investigações e Car-dozo suicidou-se.

Este senhor tivera entre seus escravos um jovem negro, filho de um homem branco com uma escra-va, vendido por seu pai para pagar suas dívidas, e que fora arrematado em leilão por Cardozo.

Seu nome era Luiz Gonzaga Pinto da Gama, que fugira de sua fazenda após receber as primeiras letras de um visitante de seu senhor e, assim, ter descoberto que, pela lei, era livre. Tornou-se advogado de causas de alforria de escravos na Justiça, promovendo centenas de ações de liber-dade e ganhando muitas delas. Foi talvez o único escravo da história do Brasil cuja voz ainda pode-mos ouvir. Foi uma grande ironia da história que tão cruel senhor tenha deixado fugir aquele que seria um ícone do abolicionismo. E quis a história coroar a ironia com mais ironia: Luiz Gama fugiu de seu cruel senhor assim que percebeu que era livre. O ano de sua fuga: 1848, o ano da grande repressão dos escravos de Lorena.

noTAS1 Luiz Gonzaga Pinto da Gama (1830-1882) nasceu em Salvador, filho de um fidalgo português e de uma africana livre. Vendido como escravo pelo seu pai endividado, trabalhou em Lorena, na fazenda do português Antônio Pereira Cardoso, até 1848, quando, tendo aprendido a ler e escrever, descobriu que era livre pelas leis vigentes (já que sua mãe não era escrava) e fugiu para São Paulo. Foi escritor, editor e participou dos jornais humorísticos Diabo Coxo, fundado por ele, e do Cabrião, este último como colaborador. Empregado como amanuense da Força Pública, começa a estudar as leis e a defender inúmeras ações de liberdade, conseguindo alforriar na Justiça mais de mil escravos. Demitido em 1869, quando houve a queda do Gabinete Liberal e as conseqüentes “derrubadas” nas Províncias, passa a participar como redator do Radical Paulistano e, depois, do Polichinelo. Em seu último ano de vida, foi advogado do Centro Abolicionista de São Paulo. Morreu em 24 de agosto de 1882, aos 52 anos, vítima de complicações do diabetes.2 A pesquisadora Fabíola Lins Caldas encontrou uma extensa documentação referente a insurreições e sublevações existentes no Arquivo Público Estadual de Pernambuco, através das comunicações dos delegados locais ao presidente da província sobre suspeitas de sublevações, insurreições e até assassinatos dos senhores, de 1842 até 1866. Eram procedimentos semelhantes aos documentos ora apresentados. De forma geral, o padrão das insurreições pesquisadas é semelhante ao da insurreição de Lorena: há o escravo que delata seus companheiros, por medo do castigo ou esperança de recompensa – quiçá a própria alforria –, as confissões dos escravos nos interrogatórios, sem que saibamos por quais métodos eram extraídas, os boatos, os pedidos das autoridades locais para o Presidente da Província enviar armas e tropas. 3 Clóvis Moura desdobrava as formas de resistência dos escravos em passivas e ativas. Entre as primeiras, enumerava: o suicídio, a depressão psicológica (banzo), o assassínio dos próprios filhos ou de outros elementos escravos, a fuga individual ou coletiva e a organização de quilombos longe das cidades. Já as formas ativas seriam: “1) as revoltas citadinas pela tomada do poder político; 2) as guerrilhas nas matas e estradas; 3) a participação em movimentos não escravos; 4) a resistência armada dos quilombos às invasões repressoras; 5) a violência pessoal ou coletiva contra senhores ou feitores.” In: MOURA, Clóvis. Rebeliões da Senzala. 3ª ed. São Paulo, Ciências Humanas, 1981, p. 251.4 GORENDER, Jacob. O Escravismo Colonial. São Paulo, Ática, 19785 ALVES JUNIOR, Thomaz. Anotações Teóricas e Práticas ao Código Criminal. Rio de Janeiro, Francisco Luiz Pinto e Cia Editores, 1864.6 Os tumbeiros... [apud Bosi, Alfredo. Dialética da Colonização. São Paulo, Cia das Letras, 2002]: “Os juízes dos distritos em que os escravos eram desembarcados passaram a receber comissões regulares, referidas como sendo fixadas em 10,8% do valor de cada escravo desembarcado. Os escravos eram trocados diretamente por sacas de café nas praias, reduzindo assim a fórmula econômica – ‘o café é o negro’ – a uma realidade”.7 COSTA, Emília Viotti da. Da senzala à colônia. 3ª ed. São Paulo, Editora UNESP, 1998, p. 353-354, 357-358.

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Acervo histórico

AnEXoOs documentos sobre a tentativa de insurreição dos escravos do Vale do Paraíba em 1848

A correspondência entre as autoridades dando conta da existência de um plano de insurreição que romperia em Parati, alastrando-se pelo Vale do Paraíba, em combinação com escravos de Lorena e Silveiras, está preservada na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo porque seu Regimento Interno (Lei nº 23 de 12 de fevereiro de 1836) previa que “sua correspondência exterior será feita pelo intermédio do primeiro Secretário, e sendo com o Governo da Província será dirigida ao Secretário do mesmo, e por ele respondida.” (art.3º) e que, caso o relator de alguma comissão quisesse informações ou documentos do Secretário do Governo, “o Primeiro Secretário expedirá as ordens.” Assim, a correspondência entre o Governo da Província e o Juiz Municipal (e também delegado de polícia) da Vila de Lorena foi requisitada pela Assembléia Legislativa Provincial, juntamente com os autos do processo que se instaurara em Lorena.

CJ48.7.1: ofício dirigido pelo Secretário do Governo da Província de São Paulo ao Senhor Doutor francisco Antônio do nascimento Lessa, 1º Secretário da Assembléia Legislativa Provincial de São Paulo, em 30 de junho de 1848, em resposta a outro, deste Secretário, em 27 de junho.

“Ilustríssimo Senhor ,

Foi presente de Sua Excellencia o Senhor Presidente da Provincia o Offíicio de V. I. com data de 27 do corrente em que declara haver a Assembléa Legislativa Provincial deliberado que lhe pedissem os seguintes esclarecimentos.1º A remessa da correspondencia reciproca com as autoridades da Villa de Lorena sobre a tentativa de insurreição, que teve lugar ultimamente na dita villa.2º Se foi preso e processado o francez indicado como agente da insurreição, e que outras providencias deu o Governo a respeito. 3º Que juizo forma o Governo sobre a importancia da tentativa, e se houveram receios de desenvolver-se. E de ordem do mesmo Exmo. Sr. passo a responder:Ao primeiro com a remessa da correspondencia reciproca havida entre o Governo e as autoridades de Lorena e Silveiras sobre o referido plano de insurreição. Ao segundo que foi preso, processado e pronunciado o suisso Jacques Troller, indiciado como agente da insurreição, mas que interposto recurso da sentença de pronuncia para o Juiz de Direito da respectiva Comarca, obteve favoravel o deferimento, sendo aliviado da prisão em que se achava com os fundamentos constantes dos autos do recurso que remeto a V.I. para serem presentes a Assembléa, cumprindo-me acrescentar que a este respeito pende atualmente uma correspondencia reservada entre Sua Excellencia e o governo imperial.Ao terceiro que igualmente de ordem de Sua Excellencia passo as mãos de V.I. para também ser presente a Assembléa o proprio processo instaurado na Villa de Lorena por ocasião do referido plano que as respectivas autoridades qualificaram tentativa de insurreição a fim de que por sua leitura possa a mesma Assembléa ser devidamente informada de toda a marcha judiciaria deste negocio.A opinião de Sua Excellencia é que houve realmente um plano de insurreição no Municipio de Lorena, como bem se manifesta do processo, plano que se procurava estender a outros Municipios mas que seo desenvolvimento foi felismente atalhado pela providencia das Autoridades, e cautelas tomadas pelos Fazendeiros, e Senhores de escravos, parecendo que nada há presentemente a recear-se por este lado. Quanto porem a importancia, extensão, e origem desse plano e sua ligação ou não com outros de igual natureza, que tem apparecido em diversas Provincias, entende Sua Excellencia que é cousa ainda não bem averiguada, e sobre a qual fora pouco seguro interpor desde já um juizo definitivo, apesar da opinião em contrario do Juiz de Direito da Primeira Comarca, opinião constante da copia junta de seo Officio com data de oito do corrente mez, respondendo a outro reservado, em que Sua Excellencia pedia alguns esclarecimentos e recomendava certas providencias.Entende, finalmente, Sua Excellencia que com quanto na actualidade não haja serio motivo de receio, não deve contudo dar-se por satisfeito com as informações obtidas, tendo por conveniente entrar no exame deste negocio até encontrar o fio que o prende. Terá V.I. a bondade de devolver-me quanto os processos, que envio (e que sua Excelência mandou vir à sua presença com o fim de obter um conhecimento cabal de seu objeto), por quanto é indispensável com toda a brevidade ao juízo d’onde foram tirados.Deos Guarde a V.I. Secretaria do Governo de São Paulo, em 30 de junho de 1848.Ilmo. Dr. Flamínio Antônio do Nascimento Lessa, 1º Secretário da Assembléia Legislativa Provincial.”

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CJ48.7.2: Carta de 02/03/1848 do Vice-Presidente da Província Bernardo José Pinto Gavião Peixoto ao Delegado de Polícia de Lorena.

“Reservada O Vice Presidente da Província vio com admiração e estranheza um offício reservado que o Chefe de Polícia da Província do Rio de Janeiro dirigio em data de 16 de fevereiro último ao d’esta Província, por isso que n’elle se contém dous factos extraordinários; 1º Os indícios de uma insurreição da escravatura no Districto da Villa de Lorena, de combinação com escravos do Município de Paraty; 2º que esta notícia fosse communicada pelo senhor doutor José Rodrigues de Sousa, Delegado de Polícia da referida Villa de Lorena ao Delegado d’aquella Cidade, sem que ao mesmo tempo fizesse chegar ao conhecimento d’este Governo a notícia hum projecto, que quando realisado, não só comprometteria a segurança e as vidas dos habitantes do Município de Lorena cnomo dos circunvizinhos. Exige portanto que o referido Senhor Delegado dê sem deshora a razão de uma semelhante omissão, e exponha mui circunstanciadamente qual a denúncia ou os indícios que teve de um tão horroroso plano; se para ele tem sido os escravos instigados, animados, e protegidos por pessoas de outras classes; quaes as medidas tomadas para prevenir que este plano se realise ; se tem sido descubertos os cabeças, e quaes as providências tomadas a respeito d’elles, e finalmente que meios de polícia se tem posto em prática para os conservar na devida obediência e sugeição.Palácio do Governo de São Paulo, 02 de março de 1848Bernardo José Pinto Gavião Peixoto.

CJ48.7.3: ofício de 07/03/1848. Dirigido pelo Juiz Municipal ao Vice-Presidente da Província.

“Ilmo. Exmo. Snr. : Cumpre-me participar a V. Exa. o Offício reservado de data de 2 do corrente em que V. Exa. estranha a omissão de minha parte de não ter feito chegar ao conhecimento d’esse Exmo. Governo o objecto que deo motivo o offício reservado do sr. Chefe de Polícia do Rio de Janeiro visto que pela gravidade do objecto se realisado fora não só comprometteria as vidas dos habitantes d’este Município como nos circunvizinhos. E depois ordena-me V.Exa. que exponha circunstanciadamente qual a denúncia, ou indícios que teve d’este horroroso plano de insurreição da escravatura se para elle tem sido os escravos instigados, animados e protegidos por pessoas de outras classes, se tem sido descubertos os cabeças, quaes as providências tomadas a respeito d’elles, e finalmente que meio de polícia tenho posto em prática para os conservar na devida obediência e sugeição ao que tudo passo a expor a V. Exa.: A mais de mez pouco mais ou menos deo-me huma pessoa d’esta Villa de todo o conceito uma denuncia que os pretos desta villa estavam apromptando para um rompimento ou levante que devia ter logar em São João ou São Pedro, isto lhe fôra communicado em segredo por uma pessoa, que tinha rasão de saber, porém que promettera a essa pessoa um inviolavel segredo de jamais declarar em tempo algum o seo nome, visto que debaixo d’esta promessa que lhe fôra communicado, passados alguns dias continuou esta pessoa a dar mais explicações a respeito do plano da insurreição, onde inferi que algum camarada, ou mesmo preto lhe communicara , então que officiei ao Delegado de Paraty que havia suspeita de uma insurreição de escravos d’esta Villa, e d’outros Municipios no mez de São João, e que este plano era de combinação com os escravos d’aquella Cidade, e por isso que aquelle Delegado averiguasse se com effeito havia disso indicios, e me avisasse, por occasião d’este Officio por mim dirigido elle participou ao Sr. Chefe de Policia do Rio de Janeiro. Entretanto tive uma denuncia de um Fazendeiro, que um seo escravo, a quem elle suppunha sabedor do plano, e mesmo n’elle entrado lhe tivera confessado, que era verdade existir o plano da insurreição, que taes e taes escravos eram os compromettidos combinando eu esta denuncia com aquella primeira, do que achei ser verdadeira pela coincidencia de certos factos, e como estivesse exercendo a vara de Juiz de Direito substituto remetti ao Delegado a denuncia, e instrucções para dirigir-se n’este negocio, mandou-se prender os pretos indiciados entre os quaes estão dous directores do plano, que segundo as averiguações devem ser considerados cabeças, evadindo-se um, que era mais influente té o presente não se pôde capturar, e depois de presos confessaram tudo, e se está organisando o competente Processo, no primeiro interrogatorio declarou um mais compromettido que se acha preso, que n’esta Villa pessoa livre não tem aconselhado e nem é entrado no plano, porém que nos Silveiras havia um estrangeiro, que mandava recados, e os dirigia, porém que o não conhecia, e nem sabia de signaes alguns caracteristicos que este estrangeiro se correspondia com Agostinho, como o verdadeiro director, este Agostinho foi que evadio-se , e sobre quem os outros lançam toda a culpa, e como fallasse em estrangeiro tornei a fazer chegar á minha presença o escravo Vicente, que o considero o mais compromettido, e que mais parte tem tomado, para interrogal-o a respeito do estrangeiro, elle confessou, que além do primeiro que tinha declarado havia outro de nome Jacob no districto dos Silveiras, que deo o plano, e que aconselhou o escravo Agostinho para este rompimento de quem era muito amigo, e que lhe declarou o escravo Agostinho do rompimento ser dirigido por branco, e que assim teria bom exito, e por esse motivo elle entrou, e começou a convidar pretos da Fazenda, mandei este interrogatorio para os Silveiras afim de tomarem as providencias a respeito d’este estrangeiro, e entrar-se n’este conhecimento. Resumindo tudo tenho a declarar a V. Exa. que se acham

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presos sete escravos tres os mais compromettidos, e quatro como socios dos clubs, e menos compromettidos, estou organisando o Processo, e continuando nas indagações precisas, como já participei ao Dor. Chefe de Policia , e Juiz de Direito da Comarca tenho requisitado soldados da Guarda Nacional e Policial para guardarem a Cadêa e sahirem de patrulhas, e rondas para evitarem a entrada dos pretos da Fazenda, apesar que estão em sugeição, e não há o menor indicio de rompimento. Aproveito a occasião para pedir a V. Exa. algum armamento, pois que a Gda. Nal. não tem, muito menos a Policia é necessario para as diligencias as pessoas particulares. Resta-me finalmente responder a V. Exa. que não levei este facto ao conhecimento do Exmo. Governo foi por motivo de não dar uma noticia atterradora sem ter fundamento para isso nem ao menos indicios , esperava occasião opportuna, e ter dados depois do que faria, como já fiz ao Dor. Chefe de Policia, e Juiz de Direito, e não por omissão, ou falta de cumprimento dos meus deveres, em que empenho todas as minhas forças para corresponder a confiança do Exmo. Governo, e ainda mais dos habitantes d’este Município, cujos destinos me foram confiados, se não cumpri exactamente minha missão será devida á intelligencia, e não á vontade.Deos guarde a V. Exa. por mtos. annos. Lorena 7 de Março de 1848.Ilmo. Exmo. Sor. Vice Presidente d’esta ProvínciaJosé Rodrigues de SousaJuiz Municipal.

CJ 48.7.4: ofício de 11 de março de 1848 de José rodrigues de Sousa, Juiz Municipal e Delegado de Polícia de Lorena ao Vice-Presidente da Província Bernardo José Pinto Gavião Peixoto.

“Ilmo. Exmo. Snr.Achando-se próximo o dia de S. Pedro marcado um plano para o rompimento da insurreição dos escravos não só d’este Município como de outros pontos, ora descoberto pelas provas do summario instaurado por este juízo, urge, a bem da segurança e tranqüilidade publica d’esta Villa, activar a Policia com a mais enérgica vigilância, afim de acautelar qualquer delicto que por ventura tentem commetter ditos escravos; sendo portanto necessário a conservação de um destacamento de trinta Praças da Guarda Nacional, commandados por um Official subalterno para, com as Praças de Permanente aqui destacadas, guarnecerem esta Va. com patrulhas e mais serviços que a necessidade exigir. Tomamos pois V. Exa. na devida consideração a expendir se dignará ordenar ao Chefe do Batalhão da Guarda Nal. d’esta Va. a prestação do dito destacamento em ordem militar, e pelo tempo que V. Exa. julgar conveniente; fornecendo-o do necessário armamento e[ilegível}, vista a falta absoluta que há n’esta Villa de taes objectos, como em outra occasião já fiz ver a V. Exa. a quem Deos guarde por muitos annos.Villa de Lorena 11 de Março de 1848.Ilmo. Exmo. Sr. Vice Presidente da Província Bernardo José Pinto Gavião Peixoto.José Rodrigues de Sousa Juiz Municipal.

CJ48.7.5: Oficio de 22 de março de 1848 do Vice-Presidente da Província ao Delegado de Polícia de Lorena.

O Vice-Presidente da Província reflectindo sobre tudo quanto expoem o Sor. Juiz Municipal e Delegado de Policia da Villa de Lorena em seus Officios de 7, e 11 de corrente mez, tem a dizer-lhe que felismente se devem reputar desvanecidos os projectos sinistros de uma parte dos escravos d’esse Municipio, a vista das medidas tomadas a tempo, captura dos indigitados como cabeças, e sua punição, como for de Direito: isto porem não deve obstar que se redobre de vigilancia, e que se esteja prevenido para os reprimir, tambem a tempo, quando, não escarmentados, intentem novamente levar á effeito um tão desastroso plano, e para isso este Governo reforçará quanto for possivel o Destacamento de Permanentes ahi existente, e brevemente remetterá alguma porção d’armamento e correame d’esta Capital. Como porém não está ao arbítrio do mesmo Governo empregar em serviço de Destacamento effectivo na mesma Villa os Guardas Nacionaes do Respectivo Municipio, sem auctorisação do Governo Imperial, por falta de quota para o pagamento de soldo aos mesmos, ordena n’esta data ao Tenente Coronel Commandante do Batalhão da Guarda Nacional d’essa Villa que forneça contingentes dos Guardas moradores dentro da Villa, e dos mais proximos a ella, para, alternadamente com os Permanentes, e Guardas Policiaes, rondarem de noite e mesmo de dia, sendo preciso, e fazerem todas as diligencias em auxilio da Justiça, de maneira que os seos Mandados sejam promptamente cumpridos; e outro sim que tenha o restante do Batalhão do seo Commando prevenido para apresentar-se ao primeiro aviso, e armados como for possivel. O mesmo Governo confia do zelo e patriotismo de todas as Auctoridades do Municipio, que desenvolverão em tão melindrosa conjunctura a maior energia, circumspeção, e prudencia, convergindo todas, e auxiliando-se reciprocamente, para o mesmo fim, isto é, religiosa observancia das Leis, manutenção da tranquillidade publica, e segurança individual e de propriedade.Palácio do Governo de São Paulo 22 de Março de 1848.Bernardo José Pinto Gavião Peixoto

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CJ48.7.6: ofício de 27 de março de 1848 do Juiz Municipal de Lorena ao Vice-Presidente da Província.

Ilmo. Exmo. Snr.Tenho a honra de accusar o recebimento do officio endereçado por V. Excellencia em 22 do corrente em que V. Exa. attendendo a minha requisição deo as providencias necessárias para desvanecerem os justos receios dos habitantes d’este Município, em consequencia de um horroroso plano de insurreição que premeditarão por em pratica os escravos porém felizmente foi descoberto a tempo de evitar-se assim funestas consequencias. Cumpre-me participar a V. Exa.. que não poupei diligencias, e as mais minuciosas pesquisas para esta descoberta, estiveram vinte e tantos pretos presos, e os hia soltando depois das indagações, visto que as provas não poderião ser sufficientes para pronuncia, e alem disto a fraqueza da Cadea não offerecia segurança, e estes mesmos pretos antes de serem soltos soffrerão castigo publicamente a requisição de seos Senhores, para exemplo dos outros, em resultado do Processo por mim organizado achão-se pronunciados um Estrangeiro de nome Jacques Troller como cabeça da tentativa da insurreição, e um escravo de nome Agostinho o qual evadio-se no principio das indagações, tenho feito todas as diligencias, não foi possível capturar-se e mais dous escravos que tomarão uma parte bastante activa forão pronunciados na segunda parte do Artº 113 do Cod. Penal, isto hé a açoites, todos estes vão ser submettidos ao julgamento do Jury no dia quatro do provindo futuro mez de Abril. Dando parte a V. Exa. do occorrido, não posso deixar em silencio a franca cooperação e appoio que tive dos habitantes d’este Município, prestando se voluntariamente para rondas, e todas as diligencias precizas, como urgia a gravidade das circunstancias, pelo Delegado forão cumpridas suas obrigações, descobrindo os cabeças da tentativa da insurreição não poupando meios ao seo alcance para colligir provas, cumpre ao Tribunal do Jury fazer o resto na punição do delicto para cujo fim estão os criminosos a sua disposição. Não foi Exmo. Snr, o plano especial a este Município, em Minas igual tentativa teve lugar em Baependy estão os pretos em castigo e segundo communicação que d’aquelle lugar tenho tido, estavão sete escravos presos, e confessarão que em São João pretendião por em pratica esse horrível plano contra os brancos, e este mesmo plano foi descoberto depois que estava organizado o processo e muito concorreu a confissão dos pretos d’este Município, para despertarem a vigilancia dos Senhores da Província de Minas, onde estão applicando todos os meios para descobrirem os auctores segundo participações que tenho tido; he o que tenho a levar ao conhecimento de Vossa Excellencia. Deos guarde a Vossa Excellencia por muitos annos.Lorena vinte e sete de Março de mil oitocentos e quarenta e oito. Ilustríssimo Excelentíssimo José Rodrigues de Sousa Delegado de Policia

CJ48.7.7: Carta do Vice-Presidente da Província ao Delegado de Polícia de Lorena.

“Reservada: O Vice Presidente da Província esperando com anciedade a continuação das noticias sobre o que de mais se tem colhido alem do que communicou o snr. Juiz Municipal da Villa de Lorena, em seo officio de 7 do corrente acerca da projectada insurreição da escravatura n’aquele Município, e no de Silveiras, acresse o dever em que se acha de dar informações circunstanciadas a respeito ao Governo Imperial, como Elle acaba d’exigir, e por isso ordena ao referido Snr. Juiz Municipal que transmitta com urgencia huma detalhada exposição do que houver colhido por meio do Processo que instaurou, declarando se hua tão criminoza combinação pode ser filha ou de inspirações próprias, ou de sugestões tramadas por alguma Sociedade Gregoriana, ou agentes dos princípios abolicionistas da escravidão, ou outra qualquer influencia estrangeira, que conspire a colocar a Administração em circunstancias difficeis para depois impor-lhe condicções, ou finalmente se por espírito da malvadeza hum outro Estrangeiro isoladamente tem acoroçoado e instigado os escravos para cometterem semelhante crime.Palácio do Governo de São Paulo 28 de Março de 1848.Bernardo José Pinto Gavião Peixoto”

CJ48.7.8: ofício de 11 de abril de 1848 dirigido ao Vice-Presidente da Província pelo Juiz Municipal de Lorena, em que noticia a condenação de dois escravos à pena de 1.400 açoites cada um, entre outras coisas.

“Ilmo. Exmo. Snr.Accuso a recepção do Officio de V. Exa. em data de 28 do mez de Março pp., ordenando-me transmitta com urgência uma detalhada exposição do que houver acolhido pelo Processo, por este juízo organizado, acerca da projectada insurreição da escravatura deste Município declarando se uma tão criminosa combinação pode ser filha, ou de inspirações próprias, ou de sugestões tramadas por alguma Sociedade Gregoriana, ou agentes dos princípios abolicionistas da escravidão, ou outra qualquer influencia estrangeira, que conspire a colocar a Administração em circunstancias difficeis, para depois impor-lhe condições, ou se finalmente por espírito da malvadeza um ou outro estrangeiro izoladamente tem e instigado os escravos para commetterem semelhante attentado, o que sobre tudo passo a responder a V. Exa..: Quanto a tentativa

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dos escravos deste Município, o principio, e meios como foi descoberta, que um estrangeiro de nome Jacques Troller e um crioulo Agostinho forão pronunciados no artº 113 do Cod. Crim. modificado pelo artº 34, e os escravos Vicente e Francisco igualmente pronunciados na segunda parte do artº citado assim como a [ilegível] vidos outros muitos escravos, que apesar [ilegível] serem convidados e estarem promptos [ilegível] dia do rompimento, não derão com [ilegível] passo algum a respeito, os quaes forão entretanto publicamente castigados por consentimento de seus senhores, para exemplo de outros escravos, já minuciosamente participei a esse Exmo. Governo, tendo agora a accrescentar que no dia 5 do corrente forão pelo Jury d’esta Villa pronunciados, isto é julgados, os pretos Francisco e Vicente, e condemnados segundo a decisão do Jury pelo Dr. Juiz de Direito em mil e quatrocentos açoutes cada um, e trazerem no pescoço ferro de gancho por espaço de três annos. Não entrárão em julgamento os réos Jacques Troller e o escravo Agostinho, considerados cabeças do crime de tentativa de insurreição, aquelle por ter interposto recurso da pronuncia, e achar-se ainda pendente no Juízo de Direito o mesmo recurso, e este por ter-se evadido logo em princípio das indagações policiaes, não tendo sido possível conseguir-se sua captura, apesar de insessantes deligencias. Quanto porem, se esta insurreição é própria dos escravos, ou filha de combinação, ou influencias estranhas supra referidas, cumpra-me observar a V. Exa. que não poderei com certeza affirmar, ser ella devida aos agentes dos princípios abolicionistas da escravidão ou outra qualquer influencia estrangeira, ou mesmo devido a malvadeza, ou outro estrangeiro [ilegível] sim posso affirmar com toda a certeza que este plano não foi filho das inspirações próprias dos escravos, devido a esse sentimento imnato de liberdade, mas sim de hábeis pensamentos que com mão occulta o dirige: é um plano a tempo combinado com bastante premeditação, pelo que se deprehende do Processo respectivo, e interrogatórios dos pretos quando declarão serem convidados para pegarem em armas para o fim de haverem suas liberdades por meio da força, para o que os Inglezes os coadjuvarião visto que o Brasil acha-se bastantemente empenhado para com aquella Nação da Inglaterra, e tanto mais por haver cessado o trafico da escravatura, e outras proposições desta natureza, não próprias de escravos que nem sabem ler. O réo estrangeiro Jacques Troller em sua interrogação declarou ter sempre argumentado e com bastante calor, mostrando a necessidade da abolição da escravatura no Brasil, e que estes sentimentos sempre francamente manifestava quantas veses nisso se tratava, o que sem dúvida daria motivo a ser lembrado pelo réo Agostinho, e outros, como autor do plano, ou apoiador da insurreição. Alem disto a coincidência de descobrir-se iguaes preparativos ou ter-se denuncias de insurreição em alguns logares [ilegível] Provincia de Minas Geraes, confessa [ilegível] escravos presos que se achava marcado o dia de São João para o rompimento da insurreição; e tendo visto uma carta de pessoa fidedigna em que assevera se terem achado estatutos do plano para essa insurreição, sendo autor dos mesmos um Francez , tudo isto, e outros mais factos me levão a convicção, que há um plano a muito premeditado, ramificado em algumas Províncias, e quiçá pelo Brasil todo, plano certamente devido a mais desmedida ambição, egoísmo, ou a inveja e ciúme que excita o Brasil a algumas Nações, ou finalmente quaes quer outros motivos que se achão occultos sob o véo do mistério, mas que tarde ou cedo será descoberto. Deos guarde a V. Exa.. por muitos annos.Lorena 11 de Abril de 1848. Ilmo. Exmo. Senr. Vice Presidente da Província Bernardo José Pinto Gavião Peixoto José Rodrigues de Souza, Juiz Municipal”

CJ48.7.9: Carta de 28 de março de 1848 dirigida pelo Vice-Presidente da Província ao Delegado de Polícia de Silveiras, pedindo informações sobre o estrangeiro que seria o líder da revolta dos escravos.

“Reservada – O Vice Presidente da Província á vista da participação que lhe dirigio o Juiz Municipal da Villa de Lorena sobre hum plano de insurreição dos escravos em combinação com os do Município da Villa dos Silveiras, constando pelas revelações já feitas por algum dos cabeças que forão presos, haver um Estrangeiro de nome Jacob que com elles se communicava e os aconselhava; ordena ao Snr. Delegado de Policia da referida Villa dos Silveiras que com urgencia informe se tem instaurado Processo a respeito, que esclarecimentos por elle tem colhido; se com effeito esse Estrangeiro se acha implicado em hum tão horroroso plano, com que fim, se de combinação com outros, ou alguma sociedade occulta, que tenha em vista a emancipação da escravatura; tudo enfim que possa prestar detalhados esclarecimentos para serem levados ao conhecimento do Governo Imperial como Elle acaba d’exigir. O mesmo Vice Presidente reitera as recomendações já feitas para que as Auctoridades constituídas se conservem vigilantes, e não poupem medidas, e providencias tendentes a tirar toda a possibilidade de realização de um semelhante crime.Palácio do Governo de São Paulo 28 de Março de 1848. Bernardo José Pinto Gavião Peixoto.”

CJ48.7.10: ofício do Delegado Suplente de Polícia de Silveiras, de 6 de abril de 1848, em resposta ao anterior.

“Ilmo. Exmo. Snr. : Accusando a recepção da Portaria de V. Exa. de 28 do mez pp. ordenando-me informe sobre o que tenho procedido sobre a insurreição dos escravos cumpre-me significar-lhe que tendo eu remetido preso para a

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Villa de Lorena o Estrangeiro Jacob por requisição do Juiz Municipal d’aquella Villa tenho a certeza que n’esse Juízo foi pronunciado como cabeça d’esse crime, e continuo a dar as mais enérgicas providencias, afim de descobrir os implicados n’essa insurreição, certificando a V. Exa. que de tudo que occorrer participarei a V. Exa. como me ordena.Deos guarde a V. Exa. por muitos annos.Villa dos Silveiras 6 de Abril de 1848Ilmo. Exmo Snr. Vice-Presidente desta ProvínciaJoaquim Ferreira da Cunha – Delegado Supplente da Policia.”

CJ48.7.11: ofício da Câmara Municipal de Silveiras ao Vice-Presidente da Província, de 3 de março de 1848, em que se pede oito soldados e um cabo.

“Ilmo. Exmo. Snr. : A Câmara Municipal da Villa dos Silveiras leva ao conhecimento de V. Exa. que este Município acha-se affectado de uma insurreição de escravos, o que já se tem exuberantemente provado pelos interrogatórios dos indigitados em processo formado na Villa de Lorena; e que sendo inquestionável q. a Policia não pode ter a necessária acção sobre os criminosos, por isso respeitosamente requer a V. Exa. digne-se mandar destacar para esta Villa uma força de 1ª linha composta ao menos de oito soldados e um cabo, para estar a ordem do Delegado de Policia; com o que ficará mantida a ordem publica. A Câmara espera q. V. Exa. annuirá á sua supplica.Deos guarde a V. Exa. Paço da Câmara Municipal dos Silveiras aos 3 de Março de 1848.Ilmo. Exmo. Vice-Presidente d’esta Província.Anacleto Ferreira Pinto, Cláudio Ribeiro da Silva, Manoel Ignácio da Silveira, Domingos Pereira da Silva, Manoel Guedes da Cunha, Manoel Bueno de Siqueira.”

CJ48.7.12: Em 6 de abril de 1848, o Vice-Presidente da Província comunica o envio de armas aos Comandantes dos Batalhões da Guarda nacional em Lorena e Silveiras.

“O Vice Presidente da Província communica ao Snr. Tenente Coronel Joaquim Honorato de Castro, Commandante do Batalhão d’Infantaria da Guarda Nacional da Villa de Lorena que pelo conductor Antonio de Moraes lhe serão entregues seis caixões com rotulo para Lorena, contendo trinta armas novas de igual adarme, trinta patronas com corrêas, trinta cinturões com cananas, trinta banhinhas de baionetas, trinta bandoleiras, e huma porção de pedras de ferir, para o serviço que se offerecer, certo porém, de que as deverá conservar em arrecadação, cuidando na sua limpeza, pois que se forem distribuídas pelos Guardas, não só terão d’ellas pouco cuidado, como mesmo as estragarão em caçadas como he costume, quando pelo contrário, sendo espingardas novas, devem estar de sobrecellente para servirem somente em casos urgentes, para o que também envia cento e oitenta cartuxos embalados; devendo este cartuxame ser entregue ao Delegado de Policia d’essa Villa, sob cuja guarda e responsabilidade deverá ficar.Palácio do Governo de S. Paulo 06 de Abril de 1848.Bernardo José Pinto Gavião PeixotoDo mesmo theor ao Major Jozé Ferreira de Abreu, Commandante das Companhias D’Infanteria da Guarda Nacional da Villa de Silveiras, quatro caixões contendo vinte armas, vinte patronas etc, e cento e vinte cartuxos embalados.”

CJ48.7.13: na mesma data do comunicado acima, o Vice-Presidente da Província comunica os Delegados de Polícia de Lorena e de Silveiras que enviou as armas.

“O Vice Presidente da Província communica ao Snr. Delegado de Policia da Villa de Lorena que ao Tenente Coronel Commandante do Batalhão da respectiva Guarda Nacional envia n’esta occasião pelo conductor Antônio de Moraes seis caixões com rotulo para Lorena, contendo trinta armas novas de igual adarme, trinta patronas com corrêas, trinta cinturões com cananas, trinta banhinhas de baionetas, trinta bandoleiras, e huma porção de pedras de ferir, para servirem somente em casos urgentes, e ao mesmo Snr. Delegado remette cento e oitenta cartuxos embalados, para serem de igual modo conservados sob sua guarda e responsabilidade, pois que só em casos extremos, e de baixo d’esta mesma responsabilidade, poderá distribuir aos Guardas Nacionaes o numero necessário, arrecadando depois, se não for preciso empregar como he d’esperar.Palácio do Governo de S. Paulo 06 de Abril de 1848Bernardo José Pinto Gavião Peixoto.Igual para o Delegado de Policia da Villa dos Silveiras sendo os objectos remettidos em quatro caixões os seguintes: vinte armas novas de igual adarme, vinte patronas com corrêas, vinte cinturões com cananas, vinte banhinhas de baionetas, vinte bandoleiras, e huma porção de pedras de ferir. Remette também cento e vinte cartuxos embalados para ser etc.”

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CJ48.7.14: ofício do Juiz de Guaratinguetá ao Presidente da Província, em 8 de junho de 1848, em que desfaz as suspeitas sobre o estrangeiro Jacques Troller e declara ser o liberto Agostinho o verdadeiro líder da insurreição.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor: Uma das Portarias de V. Exa. de vinte e nove de Maio d’este anno me determina que informe com brevidade o que tiver occorrido á respeito de um processo instaurado ao estrangeiro de nome Jacob, e a um seo companheiro residente em Lorena, em consequencia d’um plano de insurreição d’escravos. Cumprindo-me informar a Vossa Excellencia com maior individuação expedi n’esta ordem ao Juiz Municipal d’aquella Villa, para quanto antes mandar-me cópia do processo, e do recurso, que aquelle Estrangeiro Jacques ou Jacob interpoz ao Juiz de Direito, as quaes logo que cheguem terei a honra de submetter ao conhecimento de Vossa Excellencia, como suplemento á minha informação. Posso porem já dizer alguma coisa á Vossa Excellencia a respeito do facto occorrido, por que fui o Juiz, que presidi os Jurados no julgamento de dous corréos, e que provi o recurso do Estrangeiro Jacob: e demais vendo que tão cedo não poderei mandar a cópia segundo as rasões que aparecem no Officio do Juiz Municipal, que junto remetto, devo na occurrencia servir-me da lembrança que tenho do processo para esclarecer a Vossa Excellencia: Direi primeiro que os complicados no processo, ou pronunciados são quatro, a saber, Jacques Troler, Vicente creoulo escravo de Faustino Xavier de Moraes, Francisco de Nação escravo de D. Maria Pereira da Guia, e Agostinho, que foi escravo do finado Antonio Gaspar Martins Varanda. Os dous reos Vicente e Francisco forão julgados a quatro de Abril d’este anno no Jury de Lorena, e sentenciados a mil e quatrocentos açoutes cada um, e trazerem ferro de gancho no pescoço por tres annos. O Agostinho anda occulto, e consta-me por informação, e tambem se deprehende do processo, que é muito sagaz, sabe ler e escrever, e foi o principal agente da projectada insurreição. O Estrangeiro Jacques interpoz recurso antes da Sessão do Jury, e obteve provimento favoravel pelo Juizo de Direito no dia vinte e dous d’Abril, e hoje se acha solto por virtude d’esta decisão, e a vista da qual me parece não poder cumprir a determinação de Vossa Excellencia sôbre a detenção do mesmo na prisão. Ajuisando agora da moralidade d’estes factos, direi a Vossa Excellencia que a deliberação tanto do Jury, como do Juizo de Direito forão no meo entender as que cumprião ser, por quanto os dous correos Vicente e Francisco confessarão terem-se envolvido n’uma tentativa, para a qual dizem testemunhas, e pretos interrogados que elles aliciavão outros: porém pelo que respeita a Jacob não apareceo uma prova cabal; e esta falta coincidindo com as rasões expendidas em seo recurso, e com a boa reputação de que gosa dos homens mais interessados na manutenção da ordem pública, e de maior critério d’esta Comarca, fizerão crer, que esses pretos em seus interrogatorios procuravão um meio de minorar a gravidade de seos crimes, involvendo algum individuo sobre quem pudesse recahir a maior somma d’imputação, que de facto as respostas de alguns pretos faz pesar sôbre o Estrangeiro Jacob, mas que julguei não dar importancia e peso: por quanto fui informado que este Jacob homem republicano de Nação, e por princípios, tinha amisade estreita com o finado Varanda, senhor que foi do Agostinho principal agente da tentativa, ia por veses á sua casa, onde demorava-se por semanas, e ahi lia os jornaes, e noticias estrangeiras sem reserva na vista do escravo Agostinho, pagem do Varanda, e a quem por morte se disforrára: faria mesmo observações relativas ao estado actual do Brasil, reprovando a escravidão, e ponderando as consequencias, que podião seguir-se a similhança das da Ilha de S. Domingos. Ora nada mais natural do que Agostinho, preto sagaz e atilado projectar a insurreição á vista do que ouvia, insinuando que Jacob era quem fornecia os meios. E por que aparecem respostas de pretos escravos talvez de boa fé n’este sentido, e que forão aplaudidos por certos individuos, que querião d’este facto tirar proveito, guiados pela má fé, e infame especulação. Pode porém V. Exa. ficar certo que a insurreição, ou projecto d’ella não se estendia a mais do que as circumvizinhanças da Villa de Lorena, não tinha essa extenção e alcance, que alguem lhe queria dar, e menos erão involvidos Estrangeiros por principios de Sociedade Gregoriana, ou Sansimoniana. Eu que com quanto certo d’isto devo desconfiar para acautelar-se possibilidades d’esta ordem, não esitei em fazer o Officio ao Doutor Chefe de Policia interino d’esta Provincia em data de oito d’Abril pedindo providencias para se fazerem effectivas as Leis policiaes quanto a Estrangeiros, que vagão pelo centro de nossas povoações, e fazendas, e que por ventura podem incutir idêas de liberdade sempre perniciosas a escravos, que naturalmente tendem para sacudirem o jugo da escravidão; e ainda mais por que observo, que na mor parte estes Estrangeiros não curão dos meios mais honestos de viver. Fique pois Vossa Excellencia descançado a este respeito; pois que na actualidade nenhua desconfiança existe de nova tentativa de insurreição, sendo bastante o exemplo que se deo em Lorena para aquietar os espiritos, e desvanecer esses desejos da parte de escravos. Ao meo cuidado fica fazer remetter a Vossa Excellencia o processo original, ou por copia, segundo fôr mais fácil, e d’elle Vossa Excellencia melhor se informará, tirando a illação conveniente, e dando as providencias que sua sabedoria achar a proposito. Deos Guarde a Vossa Excellencia muitos annos. Guaratinguetá oito de Junho de mil oitocentos e quarenta e oito.Illustrissimo e Excellentissimo Senhor Domiciano Leite Ribeiro, D. Presidente d’esta Provincia.

O Juiz de Direito da primeira ComarcaFrancisco Lourenço de Freitas

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A narrativa das cenas amazônicas de Inglês de Sousa

* Professor da Universidade da Amazônia - PA, doutorando em Ciência Socioambiental – Núcleo de Altos Estudos Amazônicos/Universidade Federal do Pará. Autor de Cenas da Vida Amazônica. Ensaio sobre a narrativa de Inglês de Sousa (Belém: UNAMA, 2002). ([email protected]).

Um certo dia, Inglês de Sousa procurando, num “sebo”, o seu romance História de um Pescador,ouviu do velho alfarrabista a informação de que o livro era uma raridade bibliográfica. Ele o informou que a obra fora escrita por um médico italiano de São Paulo, um tal de Luís Dolzani. O escritor paraense perguntou que fim levou esse Luís Dolzani. O livreiro respondeu que ele morreu há muito tempo... Como se sabe, Inglês de Sousa assinou todos os seus romances com o pseudônimo de Luís Dolzani, que era o sobrenome de sua avó materna (Carlota Dolzani). Este acontecimento é paradigmático do destino infeliz que se apossou da obra do intelectual paraense: não tendo quase nenhuma repercussão no seu tempo, hoje é ainda mais desconhecida — com exceção do romance OMissionário. Quem é, então, Herculano Marcos Inglês de Sousa? O que ele produziu? Qual é sua importância para a região Amazônica?

Inglês de Sousa nasceu na cidade de Óbidos, às margens do Amazonas, em 28 de dezembro de 1853. Fez sua formação básica em São Luís e no Rio de Janeiro e, em 1871, entrou na Faculdade de Direito de Recife. Os anos de faculdade foram de intensa vivência intelectual, principalmente na leitura de romancistas franceses (Balzac, Flaubert etc.) e nas idéias do jurista Rodolf von Ihering. Com a mudança do seu pai (Marcos Antonio Rodrigues de Sousa) para Santos, ele

se transfere para a Faculdade de Direito de São Paulo, onde finaliza seu curso — em 1876. É em Santos que o escritor produz e publica suas obras. Será editor de vários jornais liberais, nos quais, através de folhetins, dá conhecimento ao público de sua produção literária. Exerce atividade política como Deputado Provincial, em São Paulo

Marcus Vinnicius C. Leite*

Leis&Letras

Herculano Marcos Inglês de Sousa (1853 – 1918)

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(durante duas legislaturas, de 1880 a 1883), e depois como presidente de duas Províncias (Sergipe e Espírito Santo). Em 1890, deixa a política para se dedicar à carreira de advogado. Dois anos depois, transfere-se para a cidade do Rio de Janeiro, onde ganha a notoriedade com jurisconsulto, lecionando na Faculdade Livre de Ciências Jurídicas e Sociais, e como literato ao participar da fundação, como o primeiro tesoureiro, da Academia Brasileira de Letras. Exerce, também, a direção daquela Faculdade e a presidência do Instituto dos Advogados do Brasil (1907). Falece no Rio de Janeiro em 6 de setembro de 1918.

A produção intelectual de Inglês de Sousa se restringe a cinco obras literárias e algumas de direito (principalmente comercial). Ainda em Recife, ele escreveu O Cacaulista, que seria publicado em folhetins no Diário de Santosem 1876, junto com alguns contos que seriam reunidos, em 1893, nos Contos Amazônicos — editados no Rio de Janeiro. O romance Históriade um Pescador saiu no mesmo ano daquele escrito no Nordeste, só que impresso pela gráfica da Tribuna Liberal de São Paulo. O Coronel Sangrado, mesmo já tendo seu anúncio de publicação em 1877, só foi editado em 1882 em São Paulo. A sua mais conhecida obra literária, O Missionário, só ganhou notoriedade após a segunda edição, com o prefácio do crítico Araripe Júnior, em 1899 (a primeira edição foi em Santos em 1891). De seus trabalhos jurídicos destacam-se Títulos ao Portador no Direito Brasileiro (1898) e o Projetodo Código Comercial (1912). Contudo, a síntese de seu pensamento jurídico pode ser encontrada na conferência à colação de grau dos alunos da Faculdade de Direito do Rio, em 1910 — publicada na RevistaAmericana, em fevereiro de 1911. Nesta palestra, ele apresenta a necessidade de procurarmos um outro direito, pois “o mundo não é mais romano”. Ainda nesta conferência, defende o divórcio, pois “a família, liberta dos preconceitos da superioridade do homem [...] tende a reorganizar-se sobre os fundamentos do amor e do consentimento recíproco”.

A importância da obra artística de Inglês de Sousa para a

Amazônia está na sua capacidade de plasmar as relações sociais e históricas que se entretece na forma literária. Na História de um Pescador,podemos ver o primeiro esboço de “luta de classe” na ficção brasileira — de um tapuio contra um potentado local —, expressa na forma social da fantasmagoria da dívida. N’O Cacaulista eO Coronel Sangrado, temos a radiografia da formação de compromisso que argamassa a sociedade local através da rede clientelística.

A RECEPÇÃO DA OBRA INGLESIANAPELA CRÍTICA LITERÁRIA

Em meados da década de 1940, a crítica mineira Lúcia Miguel Pereira publicou um artigo no Correio da Manhã sobre a obra do escritor Inglês de Sousa. Nele, ressaltou o destino infeliz que se assenhoreou dos três primeiros romances do autor: O Cacaulista, História de um Pescador e OCoronel Sangrado, que formam o ciclo das Cenasda Vida do Amazonas. Os três romances não tiveram, no seu tempo, repercussão merecida, assevera a crítica mineira, talvez por não haver ainda um ambiente literário para recebê-los, pois foram eclipsados pelo alvorecer da escola naturalista1. Os romances foram escritos a partir dos cânones realistas — os primeiros na ficção brasileira, segundo Lúcia M. Pereira — e não lançaram mão dos tiques e das fórmulas tão típicas daquela escola. Em termos de composição, estariam mais próximos de Flaubert do que de Zola. Não falavam em hereditariedade,

Casa de Inglês de Sousa em Óbidos (1996)

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não recorriam a dogmas científicos, portanto não eram bastante modernos para o seu tempo e não mereceram a reedição — diz a autora.

A citada intérprete considerou a obra de Inglês de Sousa, no seu conjunto, um documento social de grande valor, na medida em que buscava retratar as condições da região amazônica, o que já transparece no subtítulo dado aos livros, “Cenas da Vida do Amazonas”. No romance História de um Pescador, ela vê “a nossa primeira obra de ficção em que se esboça a luta de classe — a revolta do tapuio contra o proprietário que o explora”2. Contudo, acrescenta que este era ainda literariamente fraco e com um tom panfletário. Em relação aos dois outros romances, Lúcia Miguel Pereira os julga de melhor qualidade literária, pois neles o autor alcança um dos ideais dos romancistas: resumir o geral no particular. “Através de Óbidos, reflete-se toda a existência das vilas de província durante o império”3. Finaliza seu artigo afirmando que, com estes três romances, Inglês de Sousa introduz no movimento literário brasileiro o romance social, ao fixar o conteúdo social de sua região.

A importância da interpretação feita por Lúcia M. Pereira do citado ciclo romanesco pode ser percebida, por um lado, na sua sagaz constatação da falta de elementos da escola naturalista, na qual a história da literatura brasileira insiste em enquadrar a obra de Inglês de Sousa, numa repetição constante; por outro, na sua inserção na tradição dos romances sociais, fundada pelos literatos franceses na década de 18304. Os seus comentários vieram quebrar um círculo vicioso que sempre depositou os romances de Inglês de Sousa numa senda pela qual escorrem as mesmas imagens, a saber, de regionalista e de naturalista.

A primeira manifestação da crítica literária que constrói essa tradição partiu de Sílvio Romero, famoso protagonista do movimento do Recife e crítico literário. Na sua História da Literatura Brasileira, publicada em 1888, Inglês de Sousa é citado através do pseudônimo Luís Dolzani, com o qual assinava os seus romances. Romero considera o moderno naturalismo no romance brasileiro como um produto do “movimento do Norte”, que possuía em suas fileiras “o distinto escritor Franklin Távora e o esperançoso Luís Dolzani”5. Com essa primeira avaliação, inicia-se um processo de transmissão daquelas imagens nas interpretações ulteriores, as quais configuraram a percepção que nos chegou sobre a obra de Inglês de Sousa. Contudo, sua sedimentação só se cristaliza com

a ressonância obtida pela publicação da segunda edição do Missionário. É este romance que entrará como “o” representante do trabalho ficcional do escritor paraense no “museu” da história literária. Ao examinar este romance, não podemos deixar de observar que, se, por um lado ele permitiu uma leitura a partir dos pressupostos do naturalismo, por outro, é possível empreender leituras rompendo com essa interpretação. É necessário fugir da classificação, que subsume as obras literárias a partir de características definidas a priori.

A questão do regionalismo é posta como o vetor que costura a obra de Inglês de Sousa, pelos comentários de Lúcia M. Pereira, ou, mais precisamente, a representação das condições sociais da região amazônica. Esta tendência é fundante na tradição da prosa brasileira que, segundo Antonio Candido6, nasceu “regionalista e de costumes”, com uma ânsia em tatear a topografia e em expressar literariamente o espaço geográfico do país. Talvez, sustenta Candido, o legado dos romances oitocentistas seja menos em representar tipos, enredos e peripécias do que tornar literárias certas regiões, fazendo com que a seqüência narrativa, ao fixar-se no ambiente, torne-a quase escrava dele. Aqui está talvez o critério que pautou quase toda a crítica literária da época até a primeira metade do nosso século, a saber: a procura da verossimilhança nas narrativas dos romances, assevera Candido. Isso pode ser visto na resenha que José Veríssimo, crítico e conterrâneo do escritor, escreveu sobre O Missionário. Considerando-o um dos melhores romances da prosa ficcional brasileira, apresenta, contudo, uma ressalva: “a desproporção entre o assunto e o desenvolvimento que lhe deu o autor”7, o que se justifica com o comentário de que o drama é acanhado em comparação com o “cenário” e que o “painel” se expõe muito dilatado em relação à “pintura”, levando ao excesso, à minúcia de descrições e à ampliação de episódios. Mas, continua Veríssimo, tudo isso tende a desaparecer na fluência da narrativa e na excelente descrição do caráter das personagens. Mais adiante, ele ressaltará que o romance é um quadro vivo e exato da vida amazônica e, também, uma representação de um aspecto moral desta vida. Porém, “um quadro cuja realidade tenha sido, muito ao de leve, embora, diminuída pela pintura de memória”8. O critério de verossimilhança era complementado, para certos críticos, com a adequação aos princípios de nacionalidade de sua representação. Isto é, identificar a cor local nas narrativas em oposição à influência alienígena. Independente disso,

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o regionalismo foi um fator determinante na autonomia literária brasileira, atesta Candido.

Segundo o historiador paraense Vicente Salles, a explicação da capacidade do autor em apresentar uma ampla visão acerca da região amazônica, mesmo tendo dela se afastado já na sua adolescência e nunca mais retornado, está na influência da figura do seu pai, juiz de Direito no Baixo Amazonas, Marcos Antônio Rodrigues de Sousa. É muito difícil que Inglês de Sousa tenha construído os seus romances a partir da memória de infância e, se o fez, decorre “mais por informação do que por vivência”9. A proposição do historiador é que o pai de Inglês de Sousa possibilitou os argumentos, a partir de suas memórias, para os romances. A riqueza do vocabulário, dos usos e costumes, só poderia ter sido gerada por alguém que tenha vivido cotidianamente aquela realidade. Por isso, a obra do autor permite estudos sobre a “linguagem popular e do folclore da região, identificando-se vertentes indígenas e negras”10.

Entretanto, entendemos que o regional em Inglês de Sousa não é a representação do particular, do típico e do pitoresco. Sérgio Buarque de Holanda já afirmava que não existe algo mais distante de Inglês de Sousa do que o “gosto do documento folclórico e regional que já então era obsessivo em nossos novelistas”11. Como indicou Lúcia M. Pereira, sua obra resume o geral no particular, além de inseri-lo na tradição do romance social. Esta tem como característica marcante a definição social dos personagens, que possibilita sua leitura universal. Esta mesma sensibilidade pode ser comprovada no escritor paraense, como afirma a crítica mencionada, ao esboçar no entrecho de História de um Pescador luta de classes. Ele destoa dos seus companheiros coetâneos de letras, ao expressar vários motivos como o conflito social. Mesmo com a publicação, na década de 1960, de uma coletânea dos textos de Inglês de Sousa, organizada por Bela Josef, e a reedição d’OCoronel Sangrado (1968) e, posteriormente, O Cacaulista (1973), pela editora da Universidade Federal do Pará, não tivemos um maior conhecimento sobre sua produção literária. Talvez, com a recente edição destes

romances esgotados, respectivamente em 2003 e 2004, pela mesma editora — somado com a edição em 2004 dos Contos Amazônicos pela Martins Fontes — possamos ter uma retomada dos estudos sobre sua obra12.

A FORMA SOCIAL AMAZÔNICA E ANARRATIVA INGLESIANA

Ao estudar os mecanismos de dominação sobre os índios do rio Putumayo na Amazônia colombiana, o antropólogo Michael Taussig tem a leitura de que “não eram os rios que aglutinavam a bacia amazônica em uma unidade, mas que esses incontáveis laços de débitos e créditos se enrolavam em torno das pessoas”13.Nesse espaço social e natural, que é a região amazônica, o comércio da mão-de-obra era praticado a partir do entendimento de que o credor de um trabalhador poderia vendê-lo a outro. Esse “vender” não se refere à força de trabalho, que formalmente não existia, mas à dívida, o débito do peão com o seu patrão. Dito de outro modo, o sistema de endividamento repousa na aparênciade um comércio, no qual o devedor não é escravo nem trabalhador assalariado, mas “um comerciante, sujeito à férrea obrigação de pagar adiantadamente”14. Desta forma, o comerciante ou patrão prende o seu freguês numa realidadefictícia, constata o antropólogo.

Taussig dá-nos uma sagaz interpretação das relações sociais na Amazônia quando identifica a dívida ou a relação entre crédito e débito como a forma social predominante nesta região. Contudo, discordamos dele quando a denomina de uma “realidade fictícia”. Buscaremos construir os nossos argumentos através da apresentação da forma literária de Inglês de Sousa, principalmente

A cidade de Óbidos, em desenho de Rudolf Riehl

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na História de um Pescador. Consideramos que o romance plasmou essa problemática a partir de várias pistas, deixadas desintencionalmente. Apresentemos a questão no romance.

Assim que o tapuio José chegou à fazenda de Fabrício, este se aproximou com “ar falsamente jovial” e, batendo-lhe no ombro, disse: “— Ara muito bem, seu José, gostei da sua história. Fez muito bem em ter vindo trabalhar para pagar as dividas do seu pai”. O rapaz mostra-se admirado com as palavras do fazendeiro, que, notando sua expressão, continua com volubilidade:

“— Como! Pois não sabe que o Anselmo era meu devedor? Eu podia ficar com o sitio, que não vale nada, mas tenho pena de vocês, e prefiro que você trabalhe para pagar-me. [...] Olhe, agora mesmo estou para levantar uma casinha, e preciso de madeira. Vá cortar-me cem esteios para começar.”15

O narrador, ao construir o encontro do capitão Fabrício com José, molda-o indicando as intenções astuciosas, que, em gestos sorrateiros (“falsamente jovial” e volúvel), armam o bote ao rapaz. O capitão escorregadiamente impinge em José a marca de uma herança de dívidas. E, a partir dela, instaura-se como o credor. Esse mesmo ato pressupõe a existência de um devedor que não é outro senão o herdeiro da dívida, José. O que legitima esses papéis de credor e de devedor? Não se trata de simples posições individualizadas, eles têm um caráter de exemplaridade na sociedade amazônica.

O que a forma literária de Inglês de Sousa problematiza é a posse da condição de trabalhador livre da personagem José, que é reprimida, cerceada pela existência de uma obrigação moral de saldar uma dívida e atender aos pedidos do capitão. Este “constante mourejar”16 canaliza, diariamente, os esforços de José para satisfazer os desejos do capitão, que via perder progressivamente a sua liberdade.

Nas situações clássicas de dependência pessoal, as relações se assentam numa troca direta, isto é, o dependente tem consciência que está cedendo um produto para o seu senhor. No caso da relação de dependência na Amazônia oitocentista, temos um elemento obliterante, a saber, a dívida. Esta é a cadeia à qual a personagem José está apeada. No romance, ela é o índice da especificidade da organização do trabalho na região-palco, na qual é encenada a obra de Inglês de Sousa. Ela é configuração de uma formação socioeconômica

de transição, pois a personagem do pescador não se configura como mão-de-obra em relações de trabalho compulsórias (escravista), nem nos moldes do modo de produção capitalista, que exige um mercado de trabalho, no qual a força de trabalho está separada de seus meios de produção e de sobrevivência. Na medida em que não existe naquela região àquele tempo, formalmente estruturada, o domínio pela propriedade territorial, a terra apresentava-se livre. Portanto, a dominação desloca-se para outras formas de organização/coerção da força de trabalho, no caso, a dívida. Esta situação ambígua produz uma condição, na qual a personagem sofre, por um lado, a dependência pessoal das classes dominantes, por outro, não transfere de forma direta os frutos do seu trabalho. Para que isso aconteça, é necessário que se instaure uma relação mistificada, que permita dominá-la e extrair o seu trabalho excedente. À forma desta relação chamamos de fantasmagoria da dívida.

Nas interpretações da sociedade amazônica, focaliza-se o sistema de aviamento, como “senha de identidade”17, estruturado como uma “ideologia”18 ou transação mercantil fictícia, que encobre uma forma de exploração “paternalista”19. Porém, independente de suas várias caracterizações, ele é um sistema do adiantamento de mercadorias a crédito, no qual o comerciante ou patrão avia bens de consumo ou instrumento de trabalho para um camponês que, ao contrair tal dívida, paga com produtos extrativos ou agrícolas. Os vários estudos que tiveram como foco as relações de produção na Amazônia sempre enxergaram esse sistema, desde seu apogeu na economia da borracha até na contemporaneidade, “mascarado” por uma dupla face: trocas mercantis, sugadoras do trabalho excedente para o mercado mundial capitalista e relações de dependência pessoal.O sociólogo Carlos Teixeira, ao abordar o aviamento no seringal do município de Humaitá (AM) a partir da análise das relações sociais que são construídas para arrancar o trabalho excedente dos extratores da borracha, apresenta-nos a dívida de barracão como resultado da manipulação ideológica de categorias mercantis como o débito e o crédito, sendo usadas “menos que a expressão de um balanço real, acima de tudo um recurso destinado a reter a mão-de-obra”20. O barracão na Amazônia tem, portanto, um caráter comercial (econômico) e representa uma instituição social (espaço de convivência e de costumes e formador de uma ética social). Contudo, seu elemento caracterizador, a contabilidade é mais ilusória do que real.

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Concebe Teixeira a necessidade de se estudar a dívida “enquanto instrumento de coerção”21, isto é, busca compreender o significado da dívida como instrumento de controle. O endividamento do seringueiro possui sua expressão contável (haver/ativo versus dever/passivo ou saldo credor versus devedor), mas é ideológica, pois ela não passa de uma forma aparente, uma expressão de manipulação, na medida em que cria uma convicção do seu natural resgate pelos seus participantes. Estes acreditam que estão envolvidos numa verdadeira relação mercantil e não numa relação espoliativa. A dívida, como mecanismo contábil, criava no trabalhador a idéia de que, trabalhando muito, ele poderia obter saldo para pagá-la e até acumular algum dinheiro. A dívida só formalmente expressaria uma relação fundada na troca de equivalente, pois nas relações sociais entre seringueiros e seringalistas ela se apresenta como um elemento da “ideologia do aviamento”22. A ideologia é expressão da relação necessária entre formas invertidas de consciência e a existência material dos homens. Ela é uma distorção do pensamento que nasce das contradições sociais e as oculta. Portanto, para superá-la, dando conseqüência ao comentário de Teixeira, bastaria mostrar o processo que a dívida esconde, a saber, as trocas desiguais. É neste sentido que a personagem padre Samuel explica a situação de endividamento de José junto ao capitão Fabrício. Vejamos.

A cabeça de José ruminava umas idéias: “Sacrificar a felicidade da minha vida inteira! Eu que tenho trabalhado tanto, [...] por causa de um dever, supposto talvez...”23. Na busca de solucionar este conflito interior, resolve José procurar o seu padrinho, o padre de Alenquer (cidade do Estado do Pará), Samuel.

Após contar seu drama, José escutou as palavras de padre Samuel em tom de censura:

“Que elle fizesse isso com teu pai que era um homem ignorante, vá, mas que tu, um rapaz que mandei educar, um rapaz que sabe lêr, escrever e contar, te deixes enganar pelo capitão Fabricio...! [...] Por que não tomas nota de tudo que dás ao capitão, pedindo-lhe que faça um preço? Assim breve te verás livre dessa divida que te acabrunha.”24

Ouvindo essas palavras, o pescador sentiu-se tomado de vergonha, porém passageira em com-paração ao seu estado de alegria pelo peso que o seu padrinho havia tirado, comenta o narrador.

A explicação do padre Samuel a José pode ser considerada a tentativa de expor a sua atenção ao funcionamento da economia mercantil. Ele pede a José que dê um preço ao seu trabalho (monetarize sua força de trabalho). Em outras palavras, padre Samuel, o representante do esclarecimento em meio à floresta equatorial, quer introduzir José no jogo do mercado, no qual o preço assume a ex-pressão aparente de um equivalente.

Deixemos de lado o discurso esclarecido do pa-dre e destaquemos uma observação dele: José, mesmo educado, sabendo contar, não consegue escapar das astúcias de Fabrício. O narrador já havia chamado a atenção sobre este paradoxo: “se por um lado a educação[...] lhe facilitava o salvar-se das astucias habituaes dos regatões, [...] por outro lado o capitão Fabricio absorvia todo o producto dos seus esforços”25. Como in-terpretar este paradoxo? Tentemos uma resposta que, também, contribuirá para o deciframento da fantasmagoria da dívida.

Os regatões na sociedade amazônica são os suportes do capital comercial. E, como tais, es-tão submetidos à lei do movimento deste capital: “Comprar barato, para vender caro”26, pois só pode extrair seu lucro do preço das mercadorias que vende. O lucro obtido desta venda é igual à diferença entre o preço de compra e o de venda. Para efetivar este movimento, utilizam-se o lo-gro e a trapaça para auferir maiores lucros. Os regatões estabelecem com os camponeses um intercâmbio de mercadorias, por exemplo: meios de produção ou produtos supérfluos por produ-tos extrativos, no qual objetivam apoderar-se do trabalho excedente em decorrência da diferença entre o preço de venda e o de compra. Contu-do, não se utilizam de nenhum artifício para a obtenção dos produtos, somente estimulam a necessidade do produtor direto para as suas mercadorias, o que os levará a permutar pelos produtos de seu trabalho. O mesmo não acon-tece com o proprietário Fabrício, que se utiliza do instrumento da sujeição da vontade do traba-lhador José para apropriar-se do sobretrabalho em benefício da sua acumulação. Façamos um confronto desta questão com o estudo de Leo-narda Musumeci sobre o camponês de fronteira no Estado do Maranhão, no final da década de 1970, no qual temos a apresentação, sob uma outra abordagem, da mesma problemática.

Musumeci pergunta: “como se explica a subordi-nação do pequeno produtor ao ‘capital mercantil-usurário’ [categorização do patrão] num contexto em que dispõe da terra e dos meios de produção”?

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A maioria dos estudos que tentam responder a tal questão deixam de fora “os aspectos extra-eco-nômicos das relações de patronagem”27. A autora chama de patronagem a complexa política de re-lações sociais, que envolve negociações, troca de favores e a cooperação, até o recurso à violência aberta. O ponto chave na relação patrão/freguês é “a confiança recíproca, ou pelo menos um relati-vo equilíbrio dos interesses mútuos, nem sempre fácil de se obter e de se reproduzir”. Estas rela-ções são baseadas numa sociabilidade, na qual o compromisso moral é mais privilegiado do que as obrigações contratuais (jurídico-legais). Portanto, a representação do vínculo de patronagem é “ ‘pacto de reciprocidade’ “28.

Nessa relação, espera-se do patrão a generosi-dade no atendimento das demandas pecuniárias dos fregueses. Ele deve considerar o freguês “como ‘pessoa’ (vizinho, amigo, parente, com-padre, afilhado...) e não como ‘indivíduo’, a ele vinculado apenas por uma obrigação contratual e por um interesse específico”. Da parte do fre-guês, naquela relação, espera-se que responda à generosidade e à tolerância do patrão com a fidelidade e respeito, atitudes que se traduzem, materialmente, com o pagamento das dívidas. Temos, afirma Musumeci, “um vínculo sustenta-do na ideologia da reciprocidade, mas não pro-priamente da reciprocidade horizontal, supondo indivíduos ou grupos colocados em posições perfeitamente simétricas”29. A autora define tal reciprocidade num tipo de vínculo que parece re-produzir aquilo que Maria S. de Carvalho Franco chama de “obrigações entre pais e filhos, essa ambivalente relação de poder e sujeição estabe-lecida entre indivíduos que não se vêem como essencialmente diferentes mas como potencial-mente iguais”. Sem o monopólio da terra ou de

outros meios de produção, só resta ao patrão construir uma rede de fidelidade afetiva com o produtor. O objetivo é prender o maior número de lavradores como dependentes de um único patrão, que somente é alcançado com a constru-ção da rede de reciprocidades.

O paradoxo apontado pelo narrador de História de um Pescador e pela personagem do padre Samuel só existe para quem fica preso à trans-parência das relações econômicas. E, por isso, é estranho que, na relação com os regatões, José se saia bem e o mesmo não ocorra em relação a Fabrício. Enquanto naquela relação, os regatões, como “veículo de troca mercantil”, não exercem nenhuma coerção fantasmagórica¸ na relação com o capitão temos a mediação da dívida que serve como nexo de ofuscação30 das relações sociais no contexto da Amazônia. Por-tanto, para “José o que lhe acontecia era natu-ral”. Aquele nexo de ofuscação não o deixava ver que o “mal do Amazonas está na escravidão do trabalho, que o governo central creou com o fim de ter eleições victoriosas”31 — expõe o narra-dor. Aqui, como no conto “Voluntário”, a força do poder central, mediado pelos potentados locais, é a peça central na maquinaria de dominação oitocentista no Brasil.

Com os trabalhos de Carlos Teixeira e Leonarda Musumeci, podemos assinalar, nas interpretações de hoje, o lugar no qual se apresenta o enigma plasmado na forma literária de Inglês de Sousa. Enquanto Teixeira enfatiza o elemento ideológico da dívida, Musumeci desvenda a importância da coesão extra-econômica representada pela patro-nagem e o pacto de reciprocidade. Com efeito, te-mos novas expressões para aquela forma social amazônica, a fantasmagoria da dívida.

noTAS1 Essa escola tinha como características impor o exame do homem como se fosse um animal de laboratório e evocava o meio só para explicar as reações das personagens; seu grande divulgador foi Emile Zola, que as su-marizou no trabalho O Romance Experimental, de 1880. No Brasil, Aluísio Azevedo foi o grande vulgarizador dessa escola, com o livro O Mulato, de 1881.2 PEREIRA, Lúcia M. Inglês de Sousa versus Luiz Dolzani. In: ______. Escritos de Maturidade. Rio de Janeiro, Graphia, 1994, p. 66. 3 PEREIRA, Lúcia M. Op. cit., p. 67. 4 Em uma entrevista dada a João do Rio, em RIO, João do. O Momento Literário. Rio de Janeiro, Garnier, [s.d.], Inglês de Sousa dirá que sofreu a influência de Balzac, Dickens, Flaubert, entre outros.5 ROMERO, Silvio. História da Literatura Brasileira. Vol. 4. 7ª ed. Rio de Janeiro/Brasília, José Olympio/INL, 1980, p. 1187. Grifo do autor.

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Acervo histórico

6 CANDIDO, Antônio. Formação da Literatura Brasileira: Momentos decisivos. Vol. 2. São Paulo, Martins, 1975, p. 114.7 VERÍSSIMO, José. Um Romance da Vida Amazônica. In: ______. Estudos Brasileiros. 3ª série. Rio de Janeiro, Garnier, 1903, p. 22.8 VERÍSSIMO, José. Op. cit., p. 26.9 SALLES, Vicente. Introdução. In: DOLZANI, Luiz.In: DOLZANI, Luiz. História de um pescador. Scenas da vida do Amazonas. 2ª ed. Belém, FCPT/SECULT, 1990, p. 8.Belém, FCPT/SECULT, 1990, p. 8.10 SALLES, Vicente. Op. cit., p. 12.11 HOLANDA, Sérgio B. de. O Missionário. Revista do Brasil (3ª fase), vol. 4, n. 35, maio 1941, p. 148.12 JOZEF, Bella (Org.) Inglês de Sousa. Textos escolhidos. Rio de Janeiro, Agir, 1963; SOUSA, Herculano M. Inglês de. O Coronel Sangrado. Belém, EDUFPA, 1968; SOUSA, Herculano M. Inglês de. O Cacaulista. Belém, EDUFPA, 1973; SOUSA, Herculano M. Inglês de. O Coronel Sangrado. 2. ed. Belém, EDUFPA, 2003; SOUSA, Herculano M. Inglês de. O Cacaulista. 2 ed. Belém, EDUFPA, 2004; SOUSA, Herculano M. Inglês de. Contos Amazônicos. 3ª ed. São Paulo, Martins Fontes, 2004.13 TAUSSIG, Michael. Xamanismo, Colonialismo e Homem Selvagem. Um estudo sobre o terror e a cura. Rio de Janeiro, Paz & Terra, 1993, p. 81.14 TAUSSIG, Michael. Op. cit., p. 79.15 DOLZANI, Luiz (Herculano M. Inglês de Sousa). História de um pescador. Scenas da Vida do Amazonas. 2ª ed. Belém , SECULT, 1990, p. 34 (Edição fac-similada da 1ª. Edição.). Mantenho a ortografia original.16 DOLZANI, Luiz. Op. cit., p. 48.17 ARAMBURU, Mikel. Aviamento, Modernidade e Pós-modernidade no interior Amazônico. Revista Brasileira de Ciências Sociais. São Paulo, v. 9, n. 25, 1994, p.82-99.18 TEIXEIRA, Carlos Corrêa. O Aviamento e o Barracão na Sociedade do Seringal. (Estudo sobre a produção extrativa de borracha na Amazônia). Dissertação (Mestrado). São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, 1980.19 GEFFRAY, Christian. Chroniques de la servitude en Amazonie brésilienne. Paris, Karthala, 1995.20 TEIXEIRA, Carlos Corrêa. Op. cit., p. 5.21 TEIXEIRA, Carlos Corrêa. Op. cit., p. 197.22 TEIXEIRA, Carlos Corrêa. Op. cit., p. 248.23 DOLZANI, Luiz. Op. cit., p. 82. Grifo nosso.Grifo nosso.24 DOLZANI, Luiz. Op. cit., p. 84-85. Grifo nosso.Grifo nosso.25 DOLZANI, Luiz. Op. cit., p. 35.26 MARX, K. O Capital. Crítica da Economia Política. L. III, vol. 5. 4ª ed. São Paulo, DIFEL, 1985.L. III, vol. 5. 4ª ed. São Paulo, DIFEL, 1985.São Paulo, DIFEL, 1985.27 MUSUMECI, Leonarda. O Mito da Terra Liberta. São Paulo, Vértice/ANPOCS, 1988, p. 297 e 299. Grifo nosso.28 MUSUMECI, Leonarda. Op. cit., p. 336 e 337. O pacto de reciprocidade assenta-se na relação entre forte eO pacto de reciprocidade assenta-se na relação entre forte e fraco, no qual se exerce uma pressão social e moral sobre o forte, que cria a obrigação de ajudar o mais fraco. Este pacto pode ser interpretado como uma expressão da formação de compromisso, ainda que reciprocidade não seja igual a compromisso. A primeira pressupõe uma implicação de troca ou permuta entre duas pessoas; a segunda implica um acordo entre litigantes de um pleito.29 MUSUMECI, Leonarda. Op. cit., p. 338 e 339. Grifo da autora.30 Esta é uma expressão de Theodor Adorno. Segundo Gabriel Cohn (Difícil reconciliação. Adorno e a Dialética da Cultura. Lua Nova. São Paulo, n.20, p.5-18, maio 1990), o nexo refere-se a uma conexão cujas articulações se consolidam e se furtam à consciência precisamente em virtude da ofuscação, que aqui não significa cegueira ou deslumbramento em geral, mas incapacidade de reflexão, subordinação regressiva a relações naturalizadas.31 DOLZANI, Luiz. Op. cit., p. 49-50.

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PRONUNCIAMENTO DEINGLÊS DE SOUSA39ª Sessão Ordinária, realizada em 6 de abril de 1880.O Sr. Inglês de Sousa: – Sr. Presidente, eu não preten-dia tomar tempo à Assembléia na discussão do projeto da escola normal, no ponto em que estão os nossos trabalhos e quando está próximo o encerramento da presente sessão, tanto mais que, se não puder passar esse projeto, devemos fazer sempre alguma coisa, pois que o ensino da escola normal é uma necessidade evi-dente que não precisa de demonstração.

Mas, Sr. Presidente, autor de um projeto primitivo sobre o qual a nobre Comissão de Instrução Pública deu seu parecer, apresentando um substitutivo, corre-me de al-guma forma o dever de justificar as idéias contidas no projeto que apresentei, tanto mais quanto foram elas censuradas na imprensa como fruto da precipitação, e da falta de exame da questão.

Corre-me o dever de justificar as restrições por mim postas no referido projeto, filhas de um sistema que me pareceu bem pensado, em relação às matérias do ensino do curso normal.

Farei, Sr. Presidente, consistir a defesa do projeto pri-mitivo, no ataque das diversas disposições do projeto da nobre Comissão, visto como um é exatamente o contrário do outro.

As idéias contidas em um são radicalmente opostas às contidas em outro. Nesse intuito encararei o subs-titutivo sob diversos pontos de vista, já em relação à extensão e qualidade do ensino, já em relação à duração do cur-so, já em relação à divisão das matérias por ano.

Falarei das lacunas que encontro no projeto substitutivo e do seu preço.

A primeira questão, Sr. Presiden-te, a mais importante e que sepa-ra a Comissão do obscuro autor do projeto primitivo é a questão de extensão e qualidade do ensino que se há de ministrar aos alunos mestres da escola normal.

Entendo, Sr. Presidente, que a nossa divergência está limitada a esse ponto ao modo de entender o ensino.

Eu estabeleço uma profunda diferença entre o ensino normal e o ensino secundário.

A nobre Comissão, pelas disposições do seu projeto, parece confundir um com o outro.

Os característicos principais do ensino normal são a sua limitação e a sua profundeza. Esses característicos são as qualidades essenciais do mesmo ensino. Ministrar aos alunos uma instrução sólida e limitada, eis a missão de uma escola normal bem organizada; e para que esse ensino seja bastante profundo e possa produzir verda-deiros professores, é indispensável que seja limitado.

Quando reduzi a quatro cadeiras o número das maté-rias, não o fiz por precipitação, nem por falta de estudo; fi-lo propositalmente, porque entendi que tratando-se de professores, era preciso ensinar-lhes o que mais tarde deveriam ensinar aos seus alunos.

Trata-se de organizar uma escola normal primária, e se-gundo a legislação que rege essa matéria na província, o ensino é um e bem determinado. O que deve fazer o legislador que trata de organizar uma escola nessas condições? Ter em vista, e é essencial esse ponto, as matérias que formam o ensino elementar do país.

Qual a missão da escola normal entre nós? Criar pro-fessores que possam ensinar as matérias elementares aos que iniciam a sua carreira literária. Sob esse ponto de vista é claro que toda e qualquer matéria que se introduzir no ensino normal, sem ser da ordem das que lhe são essenciais, será pelo menos dispensável, e a escola normal, como já disse alguém, só deve ocupar-se de matérias indispensáveis. Temos um exemplo no nosso país. As faculdades superiores do Império, pela

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grande extensão que se tem dado ao ensino, hão pro-duzido efeitos contrários ao que se desejava. Vemos, dessas faculdades, sair grande número de alunos que, tendo uma tintura geral das matérias que estudam, não conhecem profundamente nenhuma delas, e são incapazes, muitos, logo que deixam os bancos da aca-demia, de exercerem a profissão para que estudaram cinco ou seis anos.

Principalmente nas academias de direito temos visto constantemente que o ensino de matérias inúteis, algumas até ridículas, sobrecarregando a inteligência do aluno, tem trazido como conseqüência, apenas uma ilustração superficial (quando essa mesma existe) e incapaz de produzir os frutos que todo homem sensato deve ter em vista.

Ora, Sr. Presidente, se observamos esse fenômeno em relação às escolas superiores de direito e de medicina em nosso país, se observamos esse fenômeno em rela-ção a essas escolas que têm por fim habilitarem o aluno a uma profissão certa e determinada, ou pelo menos ao emprego único daquelas matérias que aprendem, maior razão temos nós para temer que na escola normal, exis-tindo o ensino por demasia, no fim de dois ou três anos, quando se encerrar o curso, tenhamos professores com algumas noções das matérias que estudaram, mas completamente ineptos para ensiná-las. Não é esse o resultado que podia ter em vista a ilustrada Comissão, apresentando o seu parecer, porque deve saber que a escola normal é criada para formar professores de cer-tas e determinadas matérias, e portanto sob esse ponto de vista é que devia firmar-se a base do estudo, procurar estabelecer o ensino em ordem a produzir um resultado seguro e ilustrar o professor tanto quanto possível, nas matérias que tem de ensinar.

Nem se diga, Sr. Presidente, que a ilustração maior pode ser proveitosa ao professor, porque, para essa ilustração ser proveitosa, era indispensável que tivesse conhecimentos seguros das matérias que ia ensinar, e que essas noções gerais, sobrecarregando a inteligên-cia do professor, não viessem prejudicar o ensino das matérias essenciais.

Eu sei, Sr. Presidente, que para o homem político, para o homem literato, para aquele que se encaminha à car-reira das letras, e mesmo para qualquer homem que quiser figurar na sociedade, são indispensáveis certos conhecimentos; mas, a redução das matérias da esco-la normal não impede aos professores de, mais tarde, irem buscar esses conhecimentos, como também eles não poderão produzir efeito algum, desde que não pre-judiquem o ensino das matérias indispensáveis.

Sr. Presidente, na escola normal não se trata de formar literatos, não se trata de formar palradores, nem se

trata de formar políticos, nem homens que mais tarde possam desempenhar qualquer emprego, qualquer en-cargo do país; trata-se de formar professores, trata-se de uma profissão certa e determinada, de um ofício, se assim me posso exprimir.

De certo que a ilustrada Comissão de Justiça e Instru-ção Pública, se tratasse de organizar uma escola de ferreiro, não iria exigir para o ferreiro conhecimentos do serralheiro. Ora, o ofício de professor é um ofício como outro qualquer; a escola normal trata de formar professores e portanto as matérias que estes têm de ensinar é que devem formar o ensino da mesma escola.

Expondo essa teoria, não o faço de autoridade própria, que é nenhuma (não apoiados). Se as minhas palavras não têm autoridade, iremos buscar nos países onde a instrução está muito adiantada argumentos em favor da doutrina.

Nos Estados Unidos, Sr. Presidente, país que a muitos outros se avantaja pelo desenvolvimento da instrução popular, reconheceu-se a supremacia a esse respeito; em um país europeu muito atrasado em outras coisas, na Prússia, onde o ensino normal tem tido grande de-senvolvimento. E, irei buscar em fonte insuspeita o re-conhecimento dessa autoridade da Prússia; tenho aqui algumas palavras do relatório apresentado, em 1871, pelo Diretor da Instrução Pública ao Ministro do Interior da União Americana. (lê)*:

Desde muito tempo, Sr. Presidente, que a questão de instrução pública e, especialmente a questão de escola normal, ocupa a atenção dos estadistas prussianos. Um ministro prussiano, Bechedorff, em seus Anais Prussia-nos, publicados em 1825, disse o seguinte: (lê):

Essas palavras, de um bom senso admirável, e que mostram que naquele Estado se compreende perfei-tamente qual seja a missão das escolas normais, não ficaram sem efeito; e se em 1825 elas foram escritas, em 1854, nos famosos regulamentos da instrução pública da Prússia, tiveram a sua aplicação e foram perfeitamente contempladas.

Creio que toda a Casa conhece os regulamentos de 1854 que reformaram a instrução pública da Prússia e especialmente o primeiro, que se ocupa da organiza-ção das escolas normais evangélicas.

Ora, estudemos nas diversas disposições desses regu-lamentos a matéria em questão, e veremos que ali em seis anos de curso muito poucas matérias se exigem; são apenas: a língua alemã, cálculo, geografia, história pátria, canto e ginástica. Entretanto, Sr. Presidente, o parecer da Comissão exige, além de todas essas

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matérias, substituindo a língua alemã pela portuguesa, química, física, noções de história universal, francês e outras coisas.

Ora, se na Alemanha se julgou que seis anos eram apenas indispensáveis para ministrarem-se ao aluno conhecimentos limitadíssimos como esses, como pre-tende a nobre Comissão, em dois anos, sobrecarregar a inteligência do aluno com conhecimentos tão varia-dos e tão importantes?

Sei que a opinião da Comissão encontrará talvez eco nesta Casa, e nem eu pretendo destruir o seu projeto, e muito menos fazer prevalecer as idéias que tenho sobre a matéria; mas, como disse a princípio, cabe-me a responsabilidade de sustentar o meu projeto e, como as idéias se acham em antagonismo, eu prosseguirei na demonstração das verdades como as entendi, para chegar a conclusão de que, se as nossas idéias diver-gem, os nossos sentimentos são os mesmos. O pensa-mento que me levou a elaborar aquele projeto foi todo de ordem de utilidade pública.

Continuarei, pois, apesar do receio que tenho, na dis-cussão.

Sei, Sr. Presidente, que a maior parte das pessoas pen-sa que a língua francesa e a história universal são ma-térias indispensáveis em um curso de escola normal; e o argumento valioso, o argumento maior que se tem oferecido em discussões particulares em favor do fran-cês é que é uma língua universal, é que os compêndios de pedagogia são escritos nessa língua.

Em favor da história o argumento é que todos devemos conhecer a história universal.

Quanto ao primeiro, eu objeto que a língua francesa não está hoje tão generalizada como se pensa e, se é, a alemã é tanto como ela e a inglesa ainda mais.

Se esse argumento tem valor, devemos concordar que mais são necessárias à escola normal as línguas alemã e inglesa, tanto mais que todas as obras de pedagogia são escritas nessas duas línguas, que os maiores mestres de pedagogia têm escrito em alemão e inglês; muito poucos, não conheço nenhum, em francês.

Pode-se, porém, me objetar que os franceses traduzem tudo quanto os alemães publicam sobre a matéria. Direi que a tradução nunca vale o original, e que esse argu-mento prova de mais, porquanto seria uma vantagem para nós que os nossos literatos, aqueles que conhe-cem as línguas alemã e inglesa, se dessem ao trabalho de enriquecerem a nossa literatura traduzindo essas obras e fazendo-lhes anotações.

Portanto, longe de ser para nós uma vantagem, a adoção da língua francesa com exclusão dessas ou-tras duas, será até prejudicial, porque obstará que se enriqueça a literatura pátria com a tradução das obras alemãs e inglesas, e com o estudo mais profundo da ciência pedagógica.

Assim, Sr. Presidente, se se exigir para o curso da escola normal a língua francesa, exija-se também as inglesa e alemã; como a Comissão entendeu, e muito bem, dever excluir estas, acho que, para ser coerente, deve excluir também aquela.

Para ensinar língua portuguesa, doutrina cristã, enfim aquilo que o nosso regulamento sobre instrução pública exige para escolas elementares, não é preciso saber francês, alemão e inglês. Nunca ninguém disse que para se saber a língua portuguesa era preciso conhecer a francesa. Nós vemos que nos nossos homens de letras, nos antigos discípulos da nossa Faculdade de Direito, quando os preparatórios eram limitadíssimos, encon-tram-se muitos que conhecem perfeitamente os prepa-ratórios que estudaram no seu tempo, mais do que nós hoje, que se exigem dez preparatórios, e o resultado é que a maior parte dos alunos não sabe a metade deles.

Entre os nossos antigos legistas encontram-se homens que conhecem perfeitamente o latim; hoje é raro o discí-pulo da Faculdade de Direito que conhece essa língua.

Entre os nossos literatos mais distintos, que tanto ilus-tram a literatura portuguesa, como a brasileira, muitos deles não sabiam francês, ou tinham noções muito secundárias. Citarei, por exemplo, um grande literato e gramático, senão da escola moderna, pelo menos da antiga, porém muito abalizado, que foi meu mestre, o Sr. Sotero dos Reis, que do francês tinha apenas im-perfeito conhecimento.

Ora, se é certo que, para ensinar a língua portuguesa não é necessário saber a francesa, vejamos se ela se faz necessária para o ensino das outras matérias do curso elementar.

Vejamos quanto à doutrina cristã.

As fontes da doutrina cristã, que são os catecismos dos nossos bispos diocesanos, são escritos em português bem como todos os livros que se ocupam da matéria.

Com relação à contabilidade dá-se o mesmo, assim como com a geografia e história pátria. Resta, portanto, a questão de pedagogia, mas eu já disse que a mesma razão que havia para exigir o francês para o ensino da pedagogia, havia para se exigir também o alemão e o inglês; tanto mais que o professor não vai ensinar pedagogia, ele deve conhecê-la para saber reger a

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sua cadeira; mas não vai ensiná-la a seus discípulos, porque não é do curso, porque isso não é do programa de ensino entre nós. Portanto, desaparece completa-mente, a meu ver, a razão que milita no pensamento da Comissão de Fazenda, do ensino da língua francesa na escola normal.

Resta-me, Sr. Presidente, e é questão mais difícil, a questão do ensino da história universal.

Nos tempos que correm, a história universal tornou-se de alguma forma o conhecimento indispensável de todo homem de letras. A história universal deve porém, ser conhecida a fundo, sob pena de ser inteiramente desconhecida. Conhecer noções de história universal e não conhecer história universal, é a mesma coisa, por-que a história universal, segundo a ciência moderna, é uma parte da ciência sociológica, tem a sua filosofia, e não consiste o seu estudo na simples enumeração dos fatos. Conhecer, portanto, noções de história será, quando muito, ter algumas idéias de cronologia, mas nunca será saber história universal.

Ora, Sr. Presidente, se a Comissão de Justiça e Instrução Pública entendeu que bastava para os alunos da escola normal o conhecimento de algumas noções de história universal, eu pretendo que essas noções são inúteis e dispensáveis; inúteis, porque, como já disse, conhecer noções de história universal ou não conhecer história universal vem a ser uma e a mesma coisa, porque o estudo da história depende de outros estudos anteriores, depende de estudos que não podem ser feitos na escola normal, nem podem ser feitos em curso nenhum secun-dário. O estudo da história, pelo menos estudo profundo, o estudo útil, depende do conhecimento de ciências mui-to importantes, e que não podem entrar no programa da organização de ensino em uma escola normal.

As noções de história universal, Sr. Presidente, além de serem por esse lado inúteis, são inconvenientes porque trazem o viciamento do ensino.

Nós todos sabemos quais os resultados funestos que têm vindo para o verdadeiro conhecimento da história universal, das noções espalhadas em livrinhos sem im-portância, e que têm a funesta conseqüência de detur-par completamente a verdade histórica, de embaraçar a inteligência do aluno e de viciar o ensino. Nós sabe-mos o que o estudo da história universal mal feito, mal aplicado, tem dado em resultado; nós sabemos quais foram as noções falsíssimas que existiam entre o povo português sobre a própria história do país, quanto mais sobre a história de outros povos, até que o gênio de Alexandre Herculano, com o conhecimento das línguas dos povos, predecessores da nação portuguesa, viesse descobrir a verdade histórica no meio daquele montão de crendices e prejuízos populares.

Nós sabemos as noções falsíssimas que pode ter sobre a história universal todo e qualquer povo, todo e qual-quer indivíduo que não conhecer a verdadeira filosofia da história.

A história hoje, Sr. Presidente, é uma ciência positiva, que se baseia sobre dados de experiência, e sobre verdades reconhecidas, segundo o método da escola positiva.

A história é uma ciência complexa, cheia de leis, ou formada de leis gerais, a que muitas vezes pode preju-dicar o estudo da cronologia simples, quando mal apli-cado. O que não será, portanto, em relação à história, quando se trata de ministrar ao aluno simplesmente noções de história universal?

O que entende a ilustrada Comissão de Justiça e Ins-trução Pública por noções de história universal?

Refere-se à cronologia, ou refere-se à filosofia da histó-ria, ao princípio geral, às leis da sociologia?

Se refere-se à cronologia, teremos que esse estudo, como já disse, viciará o verdadeiro estudo da história

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universal. Se se trata, porém, do estudo filosófico, te-remos que ele é por demais superior à inteligência do aluno.

Sim, Sr. Presidente, não é com simples preparatórios do curso anexo da escola normal que se há de habilitar o aluno para estudar as verdades filosóficas da história.

Portanto, entendo que não só essas noções de história universal são inúteis, como prejudiciais; inúteis, porque não ensinam coisa alguma, prejudiciais porque viciam o estudo da história.

Sr. Presidente, resta-me ainda falar em relação à exten-são do ensino, do estudo da química e da física.

Eu pergunto, senhores, em que ocasião o professor do curso elementar de letras, do curso primário terá de aplicar em relação a sua escola, os seus conhecimen-tos de física e de química?

Pergunto ainda, se o ter a noção vaga dessas duas ciências pode constituir a ilustração de alguém? Se o saber definir um objeto segundo as leis da física ou da química pode melhorar em alguma coisa a instrução pública entre nós, e a condição do aluno em relação ao seu professor?

Pergunto ainda, Sr. Presidente, se esses conhecimen-tos, que eu suponho que a Comissão teve em vista mi-nistrar, não estão compreendidos na cadeira do projeto primitivo e do projeto substitutivo que vou ter a honra de apresentar à Casa, de pedagogia, metodologia, e noção de coisas?

Tenho me estendido demais sobre esse primeiro pon-to da questão, Sr. Presidente, e receio bem que não possa chegar ao desenvolvimento completo do meu pensamento nessa matéria; passo, porém, embora um pouco fatigado, a tratar do segundo ponto em que eu discordo do parecer da ilustrada Comissão de Justiça e Instrução Pública.

Esse segundo ponto refere-se ao tempo do concurso; e sobre ele pouco direi, em vista do que já tenho dito, porque essa segunda questão acha-se intimamente ligada à primeira.

Se eu entendo, Sr. Presidente, que as matérias do curso normal devem ser muito limitadas, para que se possa aprofundar o conhecimento delas, está claro que o tempo de dois anos marcado pela ilustrada Comissão é por demasia insuficiente.

Se a missão principal da escola normal é ministrar conhecimentos profundos, embora limitados, quanto maior for o tempo, melhor profundeza se obterá, e

como não se trata de dar noções superficiais das di-versas matérias, mas formar professores perfeitamen-te habilitados, parece óbvio que o tempo de três anos é pelo menos indispensável; e se ainda me é permitido fazer citações, eu citarei as escolas da Prússia, em que se limitando o ensino a muito menos do que eu peço, todavia se marca o prazo de quatro anos.

Em dois anos é absolutamente impossível estudar as matérias que a Comissão entendeu dever formar o programa da escola normal. Em dois anos, uma inteli-gência de primeira força não pode, absolutamente, dar conta da tarefa.

Não se estuda gramática da língua portuguesa, matéria que deve ser essencial, em dois anos; só essa matéria precisa de grande desenvolvimento, quanto mais peda-gogia, metodologia, física, química, noções de história universal, geografia, francês e outras matérias; é abso-lutamente impossível, e não há inteligência alguma que possa nesse prazo apresentar resultados satisfatórios, quando qualquer dessas matérias pode preencher no seu estudo esse lapso de tempo.

Quem é capaz de estudar todas essas matérias em dois anos? (lê): “Gramática e língua portuguesa, arit-mética, geometria, geografia, história, etc, etc.” E ainda mais o francês, língua estranha. Portanto, acho que três anos são indispensáveis para o conhecimento das matérias do meu projeto, e se passar como é possível e até provável, o projeto da Comissão, apresentarei uma emenda para ampliar o tempo a quatro anos.

Quero ser lógico: – se para o meu projeto peço três, para o da Comissão não posso deixar de pedir quatro anos.

O terceiro ponto que me separa da Comissão refere-se à divisão das matérias do ensino. Ainda nesse ponto a minha divergência é profunda.

O projeto que tive a honra de apresentar à consideração da Casa dividia as matérias por cadeiras. A Comissão no seu substitutivo dividiu as matérias por ano e arbitraria-mente. Basta ler as disposições do projeto da Comissão, para chegar-se ao conhecimento dessa verdade.

Vejamos (lê):

“1º ano, 1ª cadeira. – Gramática nacional (exame par-cial). Doutrina cristã (exame final). Aritmética (exame parcial). Sistema métrico e noções geométricas (exa-me parcial destas e final daquele). Estudos práticos de ensino.”

Só na primeira cadeira do primeiro ano, incumbida a um professor, estão as matérias que acabo de numerar, de

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forma que um professor, para que seja bom, para que possa ensinar razoavelmente, precisa ser profundo em todas essas matérias.

Na segunda cadeira, vê-se (lê):

“Noções de história universal e elementos de geografia (exame final). Francês (exame parcial).”

Não basta que o professor seja um gramático distinto, e que tenha conhecimento de história universal; é preciso que saiba francês para ensinar.

3ª cadeira (lê):

“Noções de física e química com aplicação à higiene, agricultura e indústria (exame final).”

1ª cadeira do 2º ano (lê):

“Gramática nacional, origem e períodos de língua, estu-do de redação, ensaio de estilo e declamação. História sagrada. Pedagogia teórica.”

Não é somente o desconhecimento dos princípios da especialidade do professor que se deu aqui; há ainda mais: confusão das matérias do ensino. Não é somente querer que um professor seja bom em várias matérias completamente diferentes; quer-se ainda mais que o aluno comece a aprender gramática com um professor e acabe com outro; e bem assim aritmética; quer-se que a peda-gogia, que é questão de méto-do, principie com um professor e acabe com outro; porque, na primeira cadeira do primeiro ano, está contemplada a maté-ria; mas a segunda cadeira do segundo ano trata da mesma coisa. Vejamos.

1ª cadeira do 1º ano (lê).

“Gramática nacional (exame parcial). Doutrina cristã (exame final). Aritmética (exame par-cial). Sistema métrico e noções geométricas (exame parcial destas e final daquele). Estu-dos práticos de ensino.”

Ao passo que no segundo ano está a primeira cadeira com as seguintes matérias (lê).

“Gramática nacional, origem e períodos de língua, estu-do de redação, ensaio de estilo e declamação. História sagrada. Pedagogia teórica.”

2ª cadeira do 1º ano (lê).

“Noções de história universal e elementos de geografia (exame final). Francês (exame parcial).”

1ª cadeira do 2º ano (lê).

“Gramática nacional, origem e períodos de língua, estu-do de redação, ensaio de estilo e declamação. História sagrada. Pedagogia teórica.”

De forma que estuda história universal com um e histó-ria sagrada com outro.

As noções de física e química que poderiam ser úteis ao estudo da pedagogia estão contempladas na tercei-ra cadeira do primeiro ano, ao passo que a pedagogia faz parte da segunda cadeira do segundo ano.

Na segunda cadeira do primeiro ano está o estudo da língua francesa; na terceira cadeira do segundo ano ainda o estudo da língua francesa.especialidade do professor que se deu aqui; há ainda ainda o estudo da língua francesa.

Primeira página do manuscrito do substitutivo do Deputado Inglês de Sousa que recriou a Escola Normal de São Paulo

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Não preciso mostrar os graves inconvenientes dessa divisão do curso, feita pela Comissão; não preciso demonstrar os erros que podem resultar desse sis-tema. Cada matéria tem seu método, cada professor seu sistema. Começar com um e acabar com outro é tornar improfícuo o ensino, é baralhar o estudo das matérias.

Nesse ponto divirjo completamente do parecer da Co-missão e penso que não pode prevalecer semelhante divisão.

O quarto ponto em que estou em divergência é quanto à síntese geral do projeto que terá lacunas graves.

Essas lacunas podem dividir-se em relação ao ensino, em relação ao professor e em relação à despesa; em relação ao ensino, porque o projeto da Comissão não especificou a divisão das cadeiras, não especificou as matérias por classes, as ciências como elas devem ser, mas distribuiu noções pelos diversos anos, prejudican-do a boa ordem e bom conhecimento das matérias.

Esse primeiro ponto acha-se completamente ligado à questão que acabo de ventilar, e não insistirei sobre ele; contudo, cumpre-me dizer que em relação à pe-dagogia e metodologia, houve não só baralhamento, como até lacunas.

Fala-se em noções práticas de pedagogia, que é uma ciência completa, e noções teóricas, quando se quer falar em pedagogia e metodologia, ciências diversas e também completas. Ora, Sr. Presidente, nem noção de ensino prático forma a pedagogia, nem noção de ensino teórico a metodologia; são ciências diversas e completamente acabadas; uma, refere-se ao discípulo, a outra refere-se ao modo de ensino.

A sua lacuna em relação ao professor é mais grave. A Comissão, tratando de um projeto que tem por fim melhorar a instrução pública na província, esqueceu-se das garantias que devia oferecer aos professores. Ora, se é verdade que sem bons professores não podemos ter boa instrução, é certo que se esses professores não tiverem vantagens convenientes, não teremos bons professores; a Comissão esqueceu-se do primeiro ponto de vantagem ao professor, isto é, a vitaliciedade; não diz se lhes é permitida a vitalicieda-de e em que caso.

A meu ver é uma garantia essencial ao professor e que não pode ser esquecida.

Esqueceu-se ainda mais a Comissão de remediar os prejuízos a que são sujeitos os professores públicos em exercício, que têm de vir a esta capital cursar a escola normal.

A Comissão procurou remediar esse mal facultando aos professores a prestação de exames vagos; mas, Sr. Presidente, é colocar o professor em obstáculos, em condições muito inferiores aos alunos da escola normal; e desde que tratamos de dar garantias aos professores, não podemos fazer tal coisa.

O professor público que vem à capital, embora tenha a vantagem de fazer exame vago, encontra dois grandes obstáculos, um obstáculo material e outro intelectual; o material porque o professor, para fazer o seu transporte para esta capital, precisa de tempo e de dinheiro; e inte-lectual porque, fora daqui, sem recursos, sem professo-res, sem livros e sem tempo, não poderá estudar con-venientemente de modo a habilitar-se para o exame da escola normal. Se o aluno da escola normal tem dois ou três anos para o estudo, se a província lhe paga profes-sores para explicarem as matérias, está claro que os que freqüentam as aulas estão em melhores condições do que os pobres professores do interior que vêm prestar-se a exame vago, que têm de aprender consigo mesmo.

Parece incontestável que, nessas condições, não podere-mos conseguir o resultado que desejamos, que é satisfa-zer a causa popular, desenvolver a instrução pública por meio de professores aptos para o ensino; não poderemos conseguir o que desejamos, criando obstáculos como es-tes ao pobre professor do interior, que não pode estudar na escola normal. Obstáculo intelectual, porque não pode estudar na escola normal, e material, porque têm de fazer sacrifícios de tempo e de dinheiro para vir habilitar-se.

Há ainda, Sr. Presidente, uma lacuna no projeto da Comissão, em relação à despesa.

Creio que de alguma forma a Comissão há de justificar essa falta, e me parece até que não devo fazer cabedal dela. É a questão dos ordenados da escola anexa; a Comissão criou uma escola anexa e não criou ordena-dos para os professores dela; porém deixo esse ponto para ocupar-me do preço do projeto, e pouco direi por-que já me acho fatigado como há de estar a Casa. (Não apoiados gerais).

Sr. Presidente, no projeto primitivo que tive a honra de oferecer à consideração da Casa, marquei quinze contos para as despesas de instalação e expediente da escola normal e no projeto substitutivo que vou man-dar à Mesa, para despesas de instalação, aumento de ordenados aos professores e aumento de professores, marco 18 (dezoito) contos.

A Comissão de Justiça pede 30 (trinta) contos só por-que nos dá mais noções de química e física, etc.

Só por essas noções temos de gastar mais doze contos de réis, e nem se diga que a questão não é importante,

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Acervo histórico

é importantíssima. Nessa época em que temos de lutar para a confecção de um orçamento sem déficit, em que nos vemos obrigados a desatender a importantes obras públicas, em que somos obrigados a deixar de cuidar das estradas do interior que se acham em es-tado deplorável; quando nós recusamos dinheiro para as verdadeiras fontes de renda, que vão no-lo restituir, gastamos com um diretor da escola normal, com um secretário; com a papelada enfim, soma tão elevada.

Sr. Presidente, quando se reduziu o soldo das praças do corpo de permanentes, quando se negou aquies-cência a diversas empresas de utilidade pública, o ar-gumento máximo que se invocou foi a falta de dinheiro, o estado deplorável dos cofres públicos. Quando se

nega dinheiro para estradas, enfim, a Comissão de Instrução Pública pede, para o ensino de noções de química, física e história universal, 12:000$. É caro.

São essas as objeções que eu tinha de fazer ao projeto da Comissão. Vou mandar à Mesa o meu substitutivo em que, conservando as idéias do projeto primitivo, fiz algumas alterações de modo que ele possa merecer as simpatias da maioria da Casa, que me parecem volta-das para o lado da Comissão de Instrução Pública.

Reservo-me, para na 2ª discussão, discutir artigo por artigo o projeto da Comissão, se o substitutivo não pas-sar, e oferecer emendas a cada um deles. (Muito bem, muito bem.)

noTAS* Infelizmente os Anais não transcrevem os trechos neste e no parágrafo seguinte lidos pelo orador.

A velha tapuia Rosa já não podia cuidar da pequena lavoura que lhe deixara o marido. Vivia só com o filho, que passava os dias na pesca do pirarucu e do peixe-boi, vendidos no porto de Alenquer e de que tiravam ambos o sustento, pois o cacau mal chegava para a roupa e para o tabaco. Apesar da pobreza rústica da casa, com as suas portas de japá e as paredes de so-papo, com o chão de terra batida, cavada pela ação do tempo, tinha a tapuia em alguma conta o asseio. Trazia o terreiro bem varrido e o porto livre das canaranas que a corrente do rio vinha ali depositando. E se os tipitis, as cuiambucas e todos os utensílios caseiros andavam sempre lavados com cuidado, as redes de dormir pare-ciam ter saído do tear, de brancas e novas que sempre se encontravam. Rosa tecia redes, e os produtos da sua pequena indústria gozavam de boa fama nos arre-dores. A reputação da tapuia crescera com a feitura de uma maqueira de tucum ornamentada com a coroa bra-sileira, obra de ingênuo gosto, que lhe valera a admira-ção de toda a comarca e provocara a inveja da célebre Ana Raimunda, de Óbidos, a qual chegara a formar uma fortunazinha com aquela especialidade, quando a indústria norte-americana reduzira à inatividade os te-ares rotineiros do Amazonas. Ana Raimunda seria uma coisa nunca vista no fabrico de redes de aparato, mas

não lhe receava Rosa a competência na tecedura do algodão e do tucum, talento de que tinha quase tanto orgulho como de haver parido o mais falado pescador daquela redondeza.

Pedro era em 1865 um rapagão de dezenove anos, desempenado e forte. Tinha olhos pequenos, tais quais os do pai, com a diferença de que eram vivos, e de uma negrura de pasmar. A face era cor de cobre, as feições achatadas e grosseiras, de caboclo legítimo, mas com um cunho de bondade e de candura, que atraía o cora-ção de quantos lhe punham a vista em cima. Demais, serviçal e alegre até ali. Os viajantes, tocando no porto do sítio da velha Rosa, seguindo para Alenquer ou de lá voltando, ficavam cativos da doçura e da afabilidade com que se oferecia o rapaz para os acompanhar à vila, ou dava conselhos práticos sobre a viagem e os pousos.

Quanto à generosidade, basta dizer que jamais lhe suce-dia arpoar um pirarucu sem presentear com a ventrecha aos vizinhos pobres, e se num belo dia lhe caía a sorte de matar um peixe-boi no lago, havia festa em casa. To-dos os conhecidos recebiam um naco da carne do sabo-roso mamífero, bebiam um trago da cachacinha da velha e voltavam para o seu sítio, proclamando com a língua

Um Conto de Inglês de Sousa O Voluntário

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grossa e pesada a felicidade da tia Rosa, que tinha um filho tão amigo dos pobres. Era o mais destro pescador do igarapé de Alenquer. Nenhum conhecia melhor do que ele as manhas do pirarucu e da tartaruga, nenhum governava melhor a leve montaria, nem mandava a maior altura a grande flecha empenada, que, revolvendo em vertiginosa queda, vinha fisgar certeira o caso dos ardilosos batrácios. Para o Pedro da velha Rosa, todo o mês era de piracema. Que se queixassem os outros da avareza da estação. Ele voltava sempre para casa com algum pescado, ao menos uma cambada de aruanás ou de tucunarés de caniço. Era um pescador feliz, o diacho do rapaz, e a velha Rosa devia viver muito contente!

E vivia.

A tapuia passava de ordinário os dias sentada num banquinho diante do tear, trabalhando nas suas queri-das redes, que lhe pareciam superiores às dos Estados Unidos, com cuja concorrência vitoriosa lutava debalde a rotineira indústria, e fumando tabaco de Santarém num comprido cachimbo de taquari, com cabeça de barro queimado. Quando caía a tarde, depois de ter comido a sua lasca de pirarucu assado ou a gorda posta do fresco tambaqui, com pirão de farinha d’água, molho de sal, pimenta e limão, ia sentar-se à soleira da porta, de onde contemplava o magnífico espetáculo do pôr-do-sol entre os aningais da margem do rio, e ouvia o canto da cigarra, chorando saudades da efêmera existência, que a tananá oculta, em doce estribilho, consolava.

É naturalmente melancólica a gente da beira do rio. Face a face toda a vida com a natureza grandiosa e solene, mas monótona e triste do Amazonas, isolada e distante da agitação social, concentra-se a alma num apático recolhimento, que se traduz externamente pela tristeza do semblante e pela gravidade do gesto.

O caboclo não ri, sorri apenas; e a sua natureza con-templativa revela-se no olhar fixo e vago em que se lêem os devaneios íntimos, nascidos da sujeição da inteligência ao mundo objetivo, e dele assoberbada. Os seus pensamentos não se manifestam em palavras por lhes faltar, a esses pobres tapuios, a expressão comu-nicativa, atrofiada pelo silêncio forçado da solidão.

Haveis de ter encontrado, beirando o rio, em viagem pelos sítios, o dono da casa sentado no terreiro a olhar fixamente para as águas da correnteza, para um bem-te-vi que canta na laranjeira, para as nuvens brancas do céu, levando horas e horas esquecido de tudo, imóvel e mudo numa espécie de êxtase. Em que pensará o pobre tapuio? No encanto misterioso da mãe d’água, cuja sedutora voz lhe parece estar ouvindo no murmúrio da corrente? No curupira que vagabundeia nas matas, fatal e esquivo, com o olhar ardente cheio de promessas e de ameaças? No diabólico saci-pere-

rê, cujo assovio sardônico dá ao corpo o calafrio das sezões? Em que pensa? Na vida? É talvez um sonho, talvez nada. É uma contemplação pura.

Dessa melancolia contínua dão mostra principalmente as mulheres, por causa da vida que levam. Os homens sempre andam, vêem uma ou outra vez gente e coi-sas novas. As mulheres passam toda vida no sítio, no mais completo isolamento. Assim, a tapuia Rosa, que de nada se podia queixar, com a vida material segura, suprema ambição do caboclo, foi sempre dada a triste-zas; a fronte alta e calma, os olhos pequenos e negros e a boca séria tinham uma expressão de melancolia que impressionava à primeira vista. Teria a natureza estampado naquele rosto o pressentimento de futuras desgraças, ou a mesquinhez da alma humana ante a majestade do rio e da floresta a predispunha a não oferecer resistência aos embates da adversidade? Era a saudade do esposo morto ou receio vago dos fracos diante dos arcanos do futuro?

Ninguém o podia dizer, mas é certo que até o princípio do ano de 1865 correram tranqüilos os dias no cacaual da velha Rosa.

Quem não sabe o efeito produzido à beira do rio pela notícia da declaração da guerra entre o Brasil e o Pa-raguai?

Nas classes mais favorecidas da fortuna, nas cidades principalmente, o entusiasmo foi grande e duradouro. Mas entre o povo miúdo o medo do recrutamento para voluntário da pátria foi tão intenso que muitos tapuios se meteram pelas matas e pelas cabeceiras dos rios e ali viveram como animais bravios sujeitos a toda a espécie de privações. Falava-se de Francisco Solano Lopes nos serões do interior da província como de um monstro devorador de carne humana, de um tigre incapaz de um sentimento humanitário. A ignorância dos nossos rústi-cos patrícios, agravada pelas fábulas ridículas editadas pela imprensa oficiosa, dando ao nosso governo o papel de libertador do Paraguai (embora contra a vontade do libertando o libertasse a tiro), não podia reconhecer no ditador o que realmente era: uma coragem de herói, uma vontade forte, uma inteligência superior ao serviço de uma ambição retrógrada. Os jovens tapuios tremiam só de ouvir-lhe o nome; as mães e as esposas faziam promessas sobre promessas a todos os santos do calen-dário, pedindo que lhes livrassem os queridos filhos e os maridos das malhas da rede recrutadora.

Coisa terrível que era então o recrutamento!

Esse meio violento de preencher os quadros do exérci-to era, ao tempo da guerra, posto em prática com bar-baridade e tirania, indignas de um povo que pretende foros de civilizado.

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Acervo histórico

Integrantes de companhias de índios batedores entre os Voluntários da Pátria na Guerra do Paraguai, retratados pela Revista Illustrada, de 6/8/1865

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Suplícios tremendos eram infligidos aos que, fugindo a uma obrigação não compreendida, ousavam preferir a paz do trabalho e o sossego do lar à ventura de se deixarem cortar em postas na defesa das estâncias rio-grandenses e das aldeolas de Mato Grosso. Nar-ravam diariamente os periódicos casos espantosos, reclamações enérgicas contra o arbítrio das autorida-des locais, mas o governo a tudo cerrava os ouvidos, por necessitar de fornecer vítimas às desenterias do Passo da Pátria e carne brasileira aos canhões vora-zes de Humaitá. Foi então que se mostrou em toda a sua hediondez a tirania dos mandões de aldeia. Os graúdos não perderam a ocasião de satisfazer ódios e caprichos, oprimindo os adversários políticos que não sabiam procurar, ao serviço de abastados e poderosos fazendeiros, proteção e amparo contra o recrutamento, à custa do sacrifício da própria liberdade e da honra das mulheres, das filhas e das irmãs. Sim. Não preten-do carregar os tons sombrios do quadro da miséria do proletário brasileiro naqueles tempos calamitosos, em que o pobre só se julgava a salvo do despotismo quan-do nas mãos do senhor do engenho, do fazendeiro, do comandante do batalhão da guarda nacional abdicava a sua independência, pela sujeição a trabalho forçado mal ou nada remunerado; a sua dignidade pela resigna-ção aos castigos corporais e aos maus-tratos; e a honra da família pela obrigada complacência com a violação das mulheres. Em Alenquer, por exemplo, o capitão Fabrício, nomeado recrutador, alardeando serviços ao partido de cima, praticou as maiores atrocidades, tendo por única lei o seu capricho. De toda a parte se levan-tavam clamores contra o rico e perverso fazendeiro do igarapé, mas, cônscio do apoio dos chefes do seu grupo político, continuava Fabrício obrando as maiores atrocidades, que constituíram a sua vida até o filho do Anselmo Marques, com um salutar tiro de espingarda, pôr-lhe termo à ominosa existência.

Descuidado e contente, Pedro labutava em paz, apesar das desgraças do tempo, ouvidas aos domingos, depois da missa, no adro da matriz. E quando lhe perguntavam se não receava o recrutamento, dizia com a candura habitual que nunca fizera mal a ninguém, e era filho único de mulher viúva. Não contava, porém, com a má vontade de Manuel de Andrade, mulato que era seu rival na pesca das tartarugas. Manuel era a alma danada do capitão Fabrício, em cuja fazenda vivia como agregado. Toda a gente o acusava de desapiedado executor das maldades do fazendeiro. Era tido como homem sem es-crúpulos, que matava por prazer. E as proezas pacíficas do filho da velha Rosa enchiam-lhe o coração de inveja.

Numa tarde de dezembro de 1865, ou de janeiro do ano seguinte (já não me recordo bem da data), Pedro, ao voltar da pesca, passando pelo porto da fazenda, no-tara um movimento desusado e, observando, pensara ter visto o Manuel de Andrade e dois ou três soldados,

de farda e baioneta, entidades não vulgares naquelas paragens. Sem saber explicar o estranho caso, continu-ara a remar e, em breve, aportara ao sítio e, puxando a canoa para terra, fora dar parte da pescaria à mãe, sem lhe falar do que vira na casa do vizinho.

Na manhã do dia seguinte, entretinha-se o rapaz a fazer uma cerca de varas no terreiro, quando lhe apa-recera pelo cacaual o velho Inácio Mendes, vizinho e amigo, o mesmo que morreu o ano passado afogado no Inhamundá, tentando salvar o filho, atraído pela mãe d’água. Como o assunto de todas as conversas da bei-ra do rio era a guerra, falou-se do recrutamento.

Inácio dizia-se portador de notícias frescas. O capitão Fabrício, nomeado recrutador em todo termo de Alen-quer, recebera ordem terminante do presidente da pro-víncia para mandar pelo primeiro vapor um contingente de voluntários, custasse o que custasse. Essa ordem, transmitida pelo delegado de polícia de Santarém, fora trazida a toda pressa pelo sargento Moura, acompa-nhado de cinco guardas nacionais que aquela autori-dade pusera à disposição do recrutador, prometendo enviar-lhe logo maior força, se fosse necessário.

– O capitão – acrescentou Inácio em voz baixa – não é lá homem para hesitar em se tratando de maldades.

E continuara, narrando as desgraças da época. Já o An-tônio da Silva fugira a todo o pano para Vila Bela, onde mora um negociante que é seu compadre. Na casa do

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Pantaleão Soares, português legítimo, o sargento Moura varejara os quartos em que dormiam as filhas do pobre homem, e levara o atrevimento ao ponto de revistá-las, dizendo que podiam ser homens disfarçados. O Raimun-do Nonato e o filho da tia Rita haviam-se metido pelo mato dentro, sem que se soubesse o seu paradeiro. Um tapuio dos lagos, tendo vindo à vila comprar mantimen-tos, vira-se perseguido pelos guardas e fora comido por jacarés, querendo salvar-se a nado.

E terminou entre risonho e triste o velho Inácio:

– Que quer, seu Pedro? Nestes tempos, nem os pobres velhos têm a certeza de escapar. O que vale é que Deus é grande... e o mato maior.

Três dias depois da visita de Inácio Mendes, pelas 7 horas da manhã, a velha Rosa tratava do almoço, e Pedro, sentado à soleira da porta, preparava-se para caçar papagaios, limpando uma bela espingarda de dois canos, quando viu adiantar-se para o seu lado o capitão Fabrício, com os modos risonhos e corteses de um bom vizinho. Pedro ergueu-se surpreso e acanhado e pôs-se a balbuciar cumprimentos ao fazendeiro, cujo sorriso o enleava.

– Ora bom dia, seu Pedro. Então já sei que vai à caça? E está com uma bonita arma! Quer vendê-la?

E foi lha tirando das mãos, sem que o pescador, admi-rado de tão grande afabilidade, pensasse em contra-riar-lhe o gesto.

– Eh, eh! seu Pedro, você está um rapaz robusto e de-via ser voluntário da Pátria. O governo precisa de gente forte lá no sul para dar cabo do demônio do Lopez. Ora, é uma vergonha que você esteja a matar os pobrezi-nhos dos papagaios e a arpoar os inocentes dos pira-rucus, quando melhor quebraria a proa aos paraguaios, que são brutos também e inimigos dos cristãos.

Pedro balbuciava negativas e desculpas. Era filho úni-co... não tinha jeito para a guerra... quem tomaria conta da pobre velhinha? Mas o capitão pôs-lhe a mão no ombro dizendo em voz repassada de mel:

– Pois então tenha paciência. Se não quer ser voluntá-rio, está recrutado.

Pedro deu um pulo para trás, como se fora mordido por uma cobra. Recrutado, ele! A palavra fatídica soou-lhe aos ouvidos como anúncio de irreparável desgraça. O seu ar de candura e de bondade desapareceu por encanto, e o rapaz ficou todo transformado, como o pai, quando lutava braço a braço com alguma onça traiçoeira. Os olhos injetaram-se-lhe de sangue. Os lábios entreabriram-se para deixar sair a palavra rebel-

de, mas só descobriram os alvíssimos dentes, cerrados por um esforço violento. O corpo todo tremia, como se maleitas o sacudissem e um último lampejo de razão o impediu de atirar-se ao recrutador e de o afogar nas mãos robustas.

Mas o capitão prosseguia com brandura hipócrita:

– Ora deixe-se de tolices... afinal que é que tem ser sol-dado? É até muito bonito, e as mulheres pelam-se pela farda azul-ferrete e pelos botões amarelos. Não será uma honra para a tapuia velha ter um filho oficial? Pois é o que pode muito bem acontecer, se você tiver juízo, não beber, não furtar, não fizer nenhuma má-criação, e resolver-se a aprender a leitura e a escrita, que não é lá bicho-de-sete-cabeças. É verdade que você pode ficar prisioneiro dos paraguaios e mesmo morrer de uma bala na cabeça, mas isso... são fatalidades. Também se morre na cama e até... pescando pirarucus e caçando papagaios. Por isso deixe-se de asneiras, carinha ale-gre e marche-marche para o sul. Mesmo porque você está recrutadinho da silva, e o que não tem remédio remediado está.

O rapaz soltou um grito surdo, avançou contra Fabrício, arrancou-lhe a espingarda das mãos e brandiu-a sobre a cabeça do capitão, como se fora uma bengala. Quan-do ia descarregar o golpe, sentiu-se agarrado. Eram o sargento Moura e dois soldados, que, saindo dum ma-tagal próximo, se haviam aproximado sem ser vistos. Ao ruído da luta, acudiu a velha Rosa, que, soltando brados lamentosos, tentou arrancar o filho aos solda-dos, mas o capitão Fabrício segurou-a por um braço e atirou-a de encontro a um esteio da casa.

A tapuia, caindo, feriu a cabeça, mas, erguendo-se de súbito e levantando a espingarda que estava no chão, fez pontaria contra o sargento. A arma não estava carregada.

Foi uma cena terrível que teve lugar então. A velha Rosa, desgrenhada, com os vestidos rotos, coberta de sangue, soltava bramidos de fera parida. Pedro estorcia-se em convulsões violentas e os soldados não conseguiam arredá-lo da mãe. Fabrício, ordenando que levassem o preso, lançara ambas as mãos aos cabelos da velha e, puxando por eles, procurava conseguir que largasse as roupas do filho. Os guardas, impacientes e coléricos, desembainharam a baioneta e começaram a espancar alternativamente a mãe e o filho, animados pela voz e pelo exemplo do sargento, ainda pálido do susto que sofrera.

Muito tempo teria durado a luta, se não tivessem apa-recido alguns agregados do capitão, dirigidos pelo Manuel de Andrade, em cuja larga face morena se lia satisfação de um ódio, até ali contido a custo.

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Acervo histórico

O mulato adiantou-se com ar resoluto:

– Ó gentes! Temos cerimônias?

E voltando-se para os que o seguiam:

– Amarra porco, rapaziada!

Ou pela sua profissão de vaqueiros, ou porque já se achassem prevenidos, traziam cordas consigo. Pedro e Rosa foram deitados por terra e amarrados de pés e mãos. Depois a gente do Manuel Andrade carregou o rapaz e foi depô-lo numa grande montaria que o capitão mandara buscar à fazenda.

Quando o preso, o sargento e os soldados se acha-ram dentro da canoa, Fabrício ordenou ao Manuel de Andrade e a outro agregado que tomassem os remos e seguissem para Alenquer. Depois, dando um pontapé na velha tapuia estendida em meio do terreiro, seguiu com o resto da sua gente a caminho da fazenda.

Ela desmaiara. Não dera acordo de si quando lhe levaram o filho para a canoa, nem sequer sentira a última e bestial expansão da ira do recrutador. Mas quando o sol, adiantando-se na carreira, veio ferir-lhe em cheio os olhos amortecidos, tornou a si, olhou em derredor e, recordando o que se passara, começou a agitar-se e a dar gritos que ecoavam lugubremente na floresta. Procurava pôr-se de pé, mas não o conse-guia. Não podia também desprender os braços e as pernas; as cordas eram sólidas e os nós apertados. Sozinha, abandonada no sítio deserto, exposta no terreiro, ferida e quase nua, aos raios ardentíssimos do sol, a velha Rosa, a boa e generosa velhinha, teria sucumbido miseravelmente, se por volta de meio-dia não tivesse ali chegado o vizinho Inácio Mendes. O

português vira do seu porto passar a canoa que levava o recruta e, desconfiando do que sucedera, viera, logo que pudera furtar algum tempo aos seus afazeres, informar-se do ocorrido.

Pobre tia Rosa! Em que miserando estado a encon-trara! Seria possível que Deus permitisse tão grande injustiça! O Inácio cortou-lhe as cordas, lavou-lhe a ferida com água avinagrada e teve de empregar a força para obrigá-la a deitar-se, pois ardia em febre. Depois que a viu mais sossegada, o bom do português correu a casa em busca da mulher para fazer companhia aquela noite à doente, recomendando-lhe que não dormisse, velasse toda a noite, pois o estado da tapuia era melin-droso. Apesar da advertência do marido, a enfermeira adormecera pela madrugada, e, quando acordara, a claridade de um dia esplêndido entrava pela transpa-rência do japá. A rede da velha Rosa estava vazia. A mulher do Inácio Mendes correu ao porto e não achou a montaria de pesca de Pedro.

Estava eu a esse tempo em Santarém, preparando uma viagem a Itaituba, a serviço da minha advocacia.

Passeando uma tarde na praia do Tapajós, abeirou-se de mim uma cabocla velha em quem a custo reconheci a industriosa e boa velhinha do igarapé de Alenquer, em cuja hospitaleira casa dormira algumas vezes de passagem pelo sítio. Ela, porém, me reconhecera facilmente e, parece até que a conselho de algumas pessoas, me procurava como o único doutor da terra, que exercia a profissão de advogado. Contou-me a sua história, interrompendo-se a miúdo para limpar na man-ga do vestido as lágrimas que lhe corriam, e finalizou entregando-me um embrulho com dinheiro, duzentos e poucos mil-réis, tudo quanto tinha, para que lhe livrasse o filho de jurar bandeira.

Voltei imediatamente à cidade e, por intermédio de um amigo comum, obtive do delegado de polícia a licença de ver o recruta na cadeia, mas por uma só vez, e como exceção rara. O tapuio estava mergulhado num silêncio apático, de que nada o fazia sair. O fatalismo do amazonense o convencera de que não se poderia arrancar à irreparável desgraça que o abatia. Ou não me reconheceu, ou não quis falar-me.

Requeri habeas corpus em favor de Pedro, alegando a sua qualidade de filho único de mulher viúva. O juiz de direito ordenou o seu comparecimento, inquiriu o comandante do destacamento e algumas testemu-nhas e exigiu informações do delegado. Empreguei a maior atividade nas diligências necessárias, porque sabia que era esperado a toda a hora o vapor da Companhia do Amazonas, que devia levar o contin-gente de recrutas para a capital. Uma manhã, vinha eu da casa do juiz com as melhores esperanças de

Desenho de Santa Rosa para a capa da terceira edição de O missionário (1946)

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êxito, pois se mostrava crente do direito que assistia ao meu cliente, e compadecido da sorte da velha que lhe não deixava a soleira da porta onde dormia. Vinha pensando na minha viagem pelo Tapajós acima, logo que terminasse a obra de humanidade que queria praticar, quando me encontrei com o agente da Com-panhia.

– Olhe, doutor, o vapor está entrando. Os voluntários estão prontos.

Corri imediatamente à cadeia e notei o movimento que produzira a ordem de embarque. Corri à praia, onde era imensa a aglomeração de povo à espera do vapor que vinha entrando à boca do largo Tapajós, em busca dos futuros defensores da Pátria.

Começou logo o embarque dos recrutas.

Eram vinte rapazes tapuios os que a autoridade obri-gava a representar a comédia do voluntariado. Vi-os sair da cadeia, entre duas filas de guardas nacionais, e encaminharem-se para o porto, seguidos dos parentes, dos amigos e de simples curiosos.

Iam cabisbaixos, uns corridos de vergonha, como crimi-nosos obrigados a percorrer as ruas da cidade nas gar-ras da justiça; outros, resignados e imbecis como bois, caminhando para o matadouro; outros ainda procurando encobrir sob uma jovialidade triste as amarguras íntimas; todos marchando maquinalmente, alheios ao que se passava e dizia em redor de si, oferecendo um aspecto de apatia covarde e idiota. Vestiam calça e camisa de algodão riscado, a mesma roupa com que uma semana antes arpoavam pirarucus ou plantavam mandioca nas roças da beira do rio. Alguns, aqueles de quem se des-confiava, por mais valentes e ágeis, traziam algemas.

As portas e as janelas das ruas por onde passava a nova leva de recrutas estavam apinhadas de gente. As mulheres e as crianças corriam a vê-los de perto, con-servando-se, porém, a uma distância respeitável dos guardas nacionais, que marchavam pesadamente, aca-nhados, vestidos na sua jaqueta de velho pano azul, quase vermelho, e vexados com a comprida baioneta colocada muito atrás, a bater-lhes os rins num com-passo irregular, conforme com os acidentes das ruas mal calçadas. O povo comentava o caso, analisava a fisionomia dos novos soldados, daqueles heróicos defensores da Pátria, carneiros levados em récua para o açougue.

As exclamações cruzavam-se, as pilhérias atraves-savam a rua e caíam duras como pedras sobre as cabeças impassíveis dos guardas nacionais, pobres operários, honrados roceiros, arrancados à oficina ou à lavoura para guarnecerem a cidade e fazerem o serviço

da polícia ausente. Outras vezes, eram lamentações e condolências da sorte daqueles pobres diabos que nem sabiam naquele momento se voltariam a ver a terra adorada do Amazonas.

Os curumins anunciavam os recrutas à medida que se aproximavam:

– Os voluntários! Os voluntários!

– Voluntários de pau e corda! – disse causticamente o vigário padre Pereira, fumando cigarros à porta de uma loja.

Já mais adiante, os curumins repetiam numa ironia inconsciente:

– Os voluntários, olha os voluntários!

Os recrutas caminhavam sob um sol ardente, seguidos das mães, das irmãs e das noivas, que soluçavam alto, numa prantina desordenada, chamando a atenção do povo. Os homens iam silenciosos como se acompa-nhassem um enterro. Ninguém se atrevia a levantar a voz contra a autoridade. Se a fuga fosse possível, ne-nhum daqueles homens deixaria de facilitá-la. Mas como fugir em pleno dia, no meio de tantos guardas nacionais armados e prevenidos? Nada, mais valia resignar-se e sofrer calado, que sempre se lucrava alguma coisa.

Terceira edição (2004)

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Chegaram ao porto e avistaram o vapor que fumegava, prestes a partir. As canoas que os deviam conduzir para o paquete estavam prontas. Começou o embarque em boa ordem. Nenhum dos recrutas abraçou amigos e parentes; os adeuses trocaram-se com os olhos e com as mãos, de longe.

Quando as canoas largaram da praia, as mulheres romperam num clamor; e os tapuios, acocorados ao fundo da igarité que os separava da ribanceira, se-guiam com a vista a terra que recuava, fugindo deles. Tinham os olhos secos, mas amortecidos. Um deixava naquela saudosa praia a mãe doente e entrevada, ar-rastada até ali para soluçar a última despedida ao filho que partia para a guerra. E o voluntário, resignado à morte com que contava nos sertões do sul, tinha o co-ração apertado, pensando na miséria em que deixava a velhinha, obrigada dali em diante a viver de esmolas. Outro pensava na sua roça nova, aberta pelo S. João, havia seis meses apenas, com tanto amor e trabalho, e que seria dentro em breve pasto de capivaras dani-nhas e de macacos gulosos; ou na montaria de pesca, abandonada no porto, para presa do primeiro ladrão que passasse. Este sonhava com as longas horas de imobilidade ansiosa, nas brumas da antemanhã, de pé na canoa, esperando o primeiro respirar do pirarucu possante; aquele com a gentil namorada, tanto tempo cobiçada e quase noiva, que não teria paciência para esperar-lhe a volta incerta. E todos pálidos, desespe-rados, sombrios, sentiam no supremo momento da separação que tudo estava perdido, e a morte, uma morte terrível e misteriosa os esperava lá nas terras em que dominava o monstro do Paraguai, devorador de carne humana.

Apesar da tristeza do espetáculo que me compungia o coração, não pude deixar de alegrar-me por não ver entre os recrutas o filho da velha Rosa. Acompanhei a leva desde o quartel até à praia, vi-a embarcar, não me afastei enquanto o vapor não levantou ferros e procurou a barra do Tapajós, soltando um silvo rouco e prolongado. Adquiri então a certeza de que Pedro não embarcara, de que ficara em terra, e dessa convicção augurei as melhores esperanças. Se o delegado o não enviara por aquele vapor, fora certamente por não ha-ver ainda jurado bandeira, e duvidoso se fazia o caso do seu recrutamento, em face dos fundamentos do ha-beas corpus requerido. Em todo o caso, mesmo consi-derando a polícia bem recrutado o tapuio, tinha diante de mim oito ou dez dias, o intervalo de uma chegada de paquete a outra, para trabalhar em seu favor.

Comuniquei a nova à tia Rosa que fui encontrar senta-da à porta do juiz de direito, onde passara a noite. Não partilhou da minha convicção. Na sua opinião, eu es-tava enfeitiçado. Pedro não estava no quartel e, por-tanto, seguira naquele mesmo vapor para a capital.

Levei à conta de demência a incredulidade da velha e entrei na casa do juiz para informar-me do resultado do habeas corpus.

O magistrado disse-me com alguma tristeza:

– Escusado é tentar mais nada. O rapaz já embarcou.

E como me visse atônito, sem ânimo de proferir pala-vra, compreendeu o meu espanto e acrescentou:

– Desconfiaram de mim. Ontem à noite mandaram-no numa canoa bem tripulada esperar o vapor a meia lé-gua da boca do rio.

A indignação fez-me ultrapassar os limites da conve-niência. Perguntei, irado, ao juiz como se deixara ele assim burlar pela polícia, expondo a dignidade do seu cargo ao menosprezo de um funcionário subalterno. Mas ele, sorrindo misteriosamente, bateu-me no ombro e disse em tom paternal:

– Colega, você ainda é muito moço. Manda quem pode. Não queira ser palmatória do mundo.

E acrescentou alegremente:

– Olhe, sabe uma coisa? Vamos tomar café.

Ainda há bem pouco tempo, vagava pela cidade de Santarém uma pobre tapuia doida. A maior parte do dia passava-o a percorrer a praia, com o olhar perdido no horizonte, cantando com voz trêmula e desenxabida a quadrinha popular:

Meu anel de diamantescaiu n’água e foi ao fundo;os peixinhos me disseram:viva Dom Pedro Segundo!

GLoSSárIoaningal – aglomerado de aningas, vegetação típica do limite da mata com os alagados.canarana – capim que cresce na água dos rios da Amazônia.cuiambuca – o mesmo que cumbuca.igarité – tipo de canoa.japá – esteira feita de folha de palmeira, substitui a madeira nas portas e janelas, serve de toldo nas em-barcações e para cobrir barracas, alpendres etc.maqueira – rede para dormir.tananá – inseto da Amazônia que emite um forte som agudo.tapuio – índio ou mestiço de índio.tucum – fibra tirada da palmeira de mesmo nome.ventrecha – posta de peixe, que se segue à cabeça.

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Registro&Datas• Exposição/Livro/Exposição Virtual Prudente de Moraes - Manuscritos, documentos originais, painéis fotográficos, charges e notícias que mar-caram a história do Brasil do final do Império à implantação da República e registraram a pas-sagem do notório parlamentar paulista Prudente de Moraes – primeiro presidente civil e eleito da República – na vida pública, ficaram expostos no Hall Monumental da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, dos dias 25 a 29 de outubro de 2004.

Organizada pela Divisão de Acervo Histórico, a exposição, já disponível na página eletrônica do Acervo – no Portal da Assembléia Legislativa (www.al.sp.gov.br), na aba “Documentação e Informação - Acervo Histórico” –, foi resultado de pesquisa realizada nos Acervos do Museu “Prudente de Moraes” de Piracicaba, do Museu Republicano “Convenção de Itu”, do Museu da República do Rio de Janeiro, da Faculdade de Di-reito da Universidade de São Paulo e da Divisão de Acervo Histórico da Assembléia Legislativa. Ela trata de sua trajetória pessoal e política, de vereador a presidente da República, enfatizando sua passagem pelo Legislativo Paulista.

Na abertura da exposição foi também lançado o livro Prudente de Moraes, Parlamentar da Província de São Paulo (1868 – 1889), com a presença do Presidente Deputado Sidney Beraldo, do Secretário Geral Parlamentar, Auro Augusto Caliman, do Vice-Presidente da Assembléia do Rio Grande do Sul, Deputado Manoel Maria, de parlamentares, familiares de Prudente de Moraes, pesquisadores e público interessado. As 312 páginas do livro Prudente de Moraes, Parlamentar da Província de São Paulo (1868 – 1889) são um importante instrumento para a reflexão e compreensão do importante

Detalhe da exposição “Prudente de Moraes” no Hall Monumental do Palácio 9 de Julho

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período da história brasileira e paulista, na transição do Império para a República; da monarquia hereditária e do regime escravocrata às idéias republicanas fundadas na igualdade do cidadão. O livro faz parte da série “Parlamentares Paulistas”, sucedendo os dedicados a Eugênio Egas e Caio Prado Júnior.

A série busca resgatar a memória daqueles que, por suas idéias, palavras e ações, dignificaram e engrandeceram o Brasil, São Paulo e o Parlamento Paulista. Prudente de Moraes caracterizou-se pela defesa das idéias republicanas durante a Monarquia e pela implantação e estabilização do regime republicano, como primeiro cidadão brasileiro a ser eleito pelo voto para o mais alto cargo do país. Um perfil biográfico situa-o em seu tempo, seguindo-se um levantamento de sua produção legislativa, uma seleção dos seus principais pronunciamentos e um levantamento iconográfico que ilustra o volume.

No lançamento o trineto de Prudente de Moraes, Caio Silveira Ramos, também funcionário do Legislativo Paulista, fez um pronunciamento em nome da família.

• Conselho de Cultura da Bahia – O Conselho Estadual de Cultura da Secretaria da Cultura e Turismo do Governo do Estado da Bahia encami-nhou ofício à Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, comunicando o registro feito pelo Con-selheiro Luís Henrique Dias Tavares, durante a Sessão Plenária daquele colegiado, realizada no

dia 11 de janeiro de 2005, inserida na ata de seus trabalhos e aprova-do por unanimidade, no qual afirma a importância da Revista Acervo histórico, que reproduzimos:

“Registro a publicação de mais um número da revista da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, Acervo Histórico, que é editada pela Divisão de Acervo Histórico daque-la Casa. Este número publica um estudo de Renata Bastos da Silva sobre ‘A Política Tributária de caio Prado Júnior na Constituinte Paulis-ta’, de 1947. Parecerá curioso que o autor do indispensável ‘Formação Contemporânea do Brasil’ tenha encontrado tempo e justificativa para examinar a questão tributária brasileira. Mas a professora Re-nata Bastos da Silva demonstra que o então deputado constituinte

Caio Prado Júnior dedicou sua inteligência e conhecimentos para denunciar o quanto havia de autoritário e injusto no sistema tributário imposto ao Brasil pelo Estado Novo de Getúlio Dornelles Vargas e que era o vigente naqueles dias – pode-se concluir que este trabalho do pensador Caio Prado Júnior se mantém atual, mesmo porque o tributarismo brasileiro conti-nua questão aberta.

Não é de menor interesse o trabalho da jorna-lista Olívia Gurjão, dedicado ao político Sólon Borges dos Reis. Resultou de dois depoimen-tos do político e educador. Também destaco o trabalho de Zita de Paula Rosa, ‘Prática Políti-ca do Legislativo Paulista’, no qual retorna ao tema de seu livro ‘A Dominação Legitimada – A Atuação dos Deputados e Senadores Paulis-tas na chamada República Velha (1889-1930)’. Para não me estender mais: A Revista Acervo histórico vale como exemplo para as Assem-bléias Legislativas, inclusive a da Bahia”.

A revista Acervo histórico obteve grande re-ceptividade, principalmente no meio acadêmico. Além das universidades nacionais, também foi solicitado seu envio ao Center for Latin American and Caribbean Studies da Duke University e à Nettie Lee Benson Latin American Collection da Universidade do Texas em Austin, ambas univer-sidades dos EUA, e ao Centre d’Études et de Recherches Sur Le Brésil – CERB (Centro de Estudos e Pesquisas sobre o Brasil), da Univer-sidade de Quebec, em Montreal, Canadá.

Na abertura da exposição “Prudente de Moraes”: Dainis Karepovs,Caio Silveira Ramos, Auro Augusto Caliman, Deputado Manoel Maria, Deputado Sidney Beraldo (da esquerda para a direita)

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• Imperial Cidade de São Paulo – Para homena-gear São Paulo, a Capital da Província, fundada em 1554, o Legislativo Paulista, através da sua Divisão de Acervo Histórico do Departamento de Documentação e Informação da Secretaria Geral Parlamentar, publicou o livro São Paulo – A Imperial Cidade e a Assembléia Legislativa Pro-vincial. A edição, comemorativa aos 170 anos da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, foi lançada no dia 1º de fevereiro, na Festa da Democracia e Cidadania. Presentes ao evento o Governador do Estado, Geraldo Alckmin, o Presi-dente da Assembléia, Deputado Sidney Beraldo, o 1º Secretário, Deputado Caldini Crespo, a 2ª Secretária, Deputada Maria Lúcia Prandi, o Presi-dente do Tribunal de Justiça, Luis Elias Tâmbara, o Presidente do Tribunal de Contas do Estado, Claudio Alvarenga, além de ex-Presidentes da Casa, parlamentares e convidados. A comemo-ração contou, também, com as vozes do Coral “Programa Qualidade de Vida”, da Secretaria de Estado da Educação.

O livro reconstitui, a partir da documentação preservada pela Divisão de Acervo Histórico re-ferente ao período de 1835, quando foi criada a Assembléia Legislativa Provincial de São Paulo, a 1889, o cotidiano da Cidade, temas permeados pelos hábitos e costumes de seu povo, a pavi-mentação de suas ruas, a iluminação, a saúde pública e a sua modernização em meados de século XIX, o Viaduto do Chá, o Jardim Público,

os quiosques, o Teatro, o Museu do Ipiranga, a Escola Normal e as sedes da Assembléia Provin-cial, ricamente ilustrado com fotos e documentos da época, muitos deles inéditos. Esgotada, a 1ª edição pode ser consultada em Arquivos e Bibliotecas Públicas Municipais, nas Bibliotecas das Universidades e da Assembléia Legislativa.

A história do Legislativo e dos municípios paulistas está entrelaçada há 170 anos. Durante o Império, a Assembléia Legislativa foi a responsável por aprovar as leis municipais e preserva, no seu Acervo Histórico, milhares de documentos que recompõem a história da vida política de nosso Estado, a constituição de seus municípios, assim como as políticas públicas adotadas nos diferentes períodos, o que possibilitou a publicação da obra.

• Agradecimentos – A Divisão de Acervo Históri-co agradece as publicações doadas pelas seguin-tes instituições e pessoas: Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais – Gerência de Biblio-teca e Arquivo; Biblioteca Central da Universidade Estadual de Montes Claros (MG); Centro de Pes-quisa e Documentação de História Contemporâ-nea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas; Centro Universitário São Camilo (Espírito Santo); Divisão do Arquivo Histórico Municipal da Cidade de São Paulo; Fundação Astrojildo Pereira; Instituto dos Advogados de São Paulo; Marcus Vinnicius Ca-valcante Leite; Ministério da Fazenda (Projeto Memória da Secretaria da Receita Federal).

Os três Poderes paulistas presentes ao lançamento do livro do Acervo Histórico: o Legislativo, com o Deputado Sidney Beraldo, o Executivo, com o Governador Geraldo Alckmin, e o Judiciário, com o Presidente do Tribunal de Justiça

Luis Elias Tâmbara (da esquerda para a direita)

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Acervo histórico

Acervo histórico é uma publicação semestral da Divisão de Acervo Histórico da Assembléia Legis-lativa do Estado de São Paulo e tem como objetivo a divulgação de artigos e fontes de pesquisa de História e disciplinas afins, informes parciais de pesquisa em desenvolvimento, documentos inéditos e resenhas críticas, cujos temas estejam presentes em seu acervo - preferencialmente, trabalhos realizados com os documentos desse acervo. Acervo histórico convida autores de instituições de ensino e pesquisa nacionais e internacionais e também recebe colaborações espontâneas. Publica também, em reedição e tradução, trabalhos relevantes que se caracterizem como fundamentais à sua temática, desde que, para tanto, haja a autorização expressa do editor da publicação original.Os artigos cujos autores são identificados representam o ponto de vista dos próprios autores e não a posição oficial de Acervo histórico , da Divisão de Acervo Histórico ou da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. o autor receberá, sem ônus, cinco exemplares da publicação na qual consta seu artigo.A publicação de qualquer matéria está subordinada à aprovação prévia da Divisão de Acervo His-tórico. os artigos aceitos para publicação serão revisados em língua portuguesa. no caso de cola-boradores internacionais o texto será traduzido para o português.

Normas de redação de Acervo Histórico

Apresentação dos originais

O artigo deve ter aproximadamente 15 pá-ginas. Deve ser gravado, preferencialmente, em programa Word for Windows, fonte Times New Ro-man, tamanho 12, entrelinhas 1,5, margens 3cm (superior e esquerda) e 2,5cm (inferior e direita). O espaço das notas será no final e deverá conter além das citações as referências bibliográficas, em fonte Times New Roman, tamanho 10.

As resenhas seguem as mesmas normas ge-rais e deverão ter, no máximo, 4 páginas.

Abaixo do título deverão constar o nome com-pleto dos autores e indicações quanto à titulação acadêmica, instituição outorgante e atividades que desempenham na instituição a que estão vinculados e e-mail. Para uso exclusivo do Editor, o endereço para correspondência e telefone.

Exemplos da apresentação das referências no espaço de notas:

1) Monografias:COELHO, Henrique. O Direito Público do Es-

tado de S. Paulo: Breve comentário da Lei Cons-titucional de 8 de julho de 1911. São Paulo, Casa Vanordem, 1920, p. 27-28;

SILVEIRA, Valdomiro. Os caboclos: contos. 4a ed. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1975, p. XI.

2) Artigos em revistas:THOMSON, Alistair. Histórias (co)movedoras:

História Oral e estudos de migração. Revista Bra-sileira de História, São Paulo, vol. 22, no 44, p. 341-364, 2002.

3) Artigos com autoria em obra coletiva:COSTA, Emília Viotti da. Brasil: A era da re-

forma, 1870-1889. In: BETHELL, Leslie (Org.). His-tória da América Latina: de 1870 a 1930, volume V. São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo; Imprensa Oficial do Estado, 2002, p. 705-760.

4) Artigos de jornais:ARAÚJO, Olívio Tavares de. Lívio Abramo:

1903-1992. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 28/04/1992. Caderno 2, p. 1.

KRIEGER depõe sobre a guerra da sucessão. Correio Braziliense, Brasília, 23/01/1983, p. 4.

O artigo deve ser gravado em disquete 3½, acompanhado de uma cópia impressa. Fotografias e desenhos devem ser enviados no formato “tif “ com definição de 300dpi ou no original para possibilitar boa reprodução. Gráficos, quadros, tabelas, fluxo-gramas, etc. devem ser enviados separadamente, em outro disquete 3½ com uma cópia impressa.

Textos para reedição deverão indicar sua fonte original.

Os artigos não aproveitados por Acervo histórico não terão outra utilização e não serão devolvidos.

O material deve ser enviado para o seguinte endereço:

Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo

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