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L´ogicadaA¸ ao Coletiva, Institui¸ c˜oes e Crescimento Econˆomico: Uma Resenha Tem´ atica sobre a Nova Economia Institucional Newton Paulo Bueno Departamento de Economia, Universidade Federal de Vi¸ cosa, Brasil Resumo As institui¸ oes s˜ ao em essˆ encia restri¸ oes ao comportamento indi- vidual criadas pelos pr´ oprios indiv´ ıduos para permitir as intera¸ oes sociais. Os mais promissores avan¸ cos te´ oricos e emp´ ıricos no es- tudo desse tema tˆ em sido alcan¸ cados nos ´ ultimos anos pela Nova Economia Institucional (NEI), mas s˜ ao ainda relativamente pouco difundidos no Brasil, o que motiva essa resenha tem´ atica. Al´ em de identificar os princ´ ıpios metodol´ ogicos e as proposi¸ oes comuns em suas principais obras, as quais definem o espa¸ co te´ orico ocupado pela NEI, o artigo procura mostrar algumas insuficiˆ encias de seus textos cl´ assicos em explicar os processos hist´ oricos de mudan¸ ca institucio- nal, apontando, no entanto, como trabalhos mais recentes procuram tornar mais convincente o modelo interpretativo b´ asico. Finalmente procura-se sugerir como derivar, com base na NEI, proposi¸ oes em- piricamente test´ aveis sobre a evolu¸ ao das estruturas de governan¸ ca e da pr´ opria matriz institucional de sociedades espec´ ıficas. Palavras-chave: Institui¸ oes, Nova Economia Institucional, Resenha Tem´ atica Revista EconomiA Julho 2004

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Ação coletiva

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  • Logica da Acao Coletiva, Instituicoes

    e Crescimento Economico: Uma

    Resenha Tematica sobre a Nova

    Economia Institucional

    Newton Paulo Bueno

    Departamento de Economia, Universidade Federal de Vicosa, Brasil

    Resumo

    As instituicoes sao em essencia restricoes ao comportamento indi-vidual criadas pelos proprios indivduos para permitir as interacoessociais. Os mais promissores avancos teoricos e empricos no es-tudo desse tema tem sido alcancados nos ultimos anos pela NovaEconomia Institucional (NEI), mas sao ainda relativamente poucodifundidos no Brasil, o que motiva essa resenha tematica. Alem deidentificar os princpios metodologicos e as proposicoes comuns emsuas principais obras, as quais definem o espaco teorico ocupado pelaNEI, o artigo procura mostrar algumas insuficiencias de seus textosclassicos em explicar os processos historicos de mudanca institucio-nal, apontando, no entanto, como trabalhos mais recentes procuramtornar mais convincente o modelo interpretativo basico. Finalmenteprocura-se sugerir como derivar, com base na NEI, proposicoes em-piricamente testaveis sobre a evolucao das estruturas de governancae da propria matriz institucional de sociedades especficas.

    Palavras-chave: Instituicoes, Nova Economia Institucional,Resenha Tematica

    Revista EconomiA Julho 2004

  • Newton Paulo Bueno

    Classificacao JEL: JEL, B15

    Abstract

    Institutions are in essence restrictions to the individual behavior

    created by the own individuals to allow social interactions. The most

    promising theoretical and empiric progresses in the study of

    that theme have been reached in the last years by the New Insti-

    tutional Economy (NIE), but they are still relatively little known in

    Brazil, what motivates this thematic review. Besides identifying the

    methodological principles and the common propositions in its princi-

    pal works, which define the theoretical space of the NEI, the article

    try to identify some inadequacies of its classic texts in explaining

    the historical processes of institutional change, showing, however, as

    more recent works have tried to turn more convincing the basic in-

    terpretative model. Finally the paper suggests as reeaching, with base

    in NEI, at empirically testable propositions about evolution of both

    governance structures and institutional matrix of specific societies.

    1 Introducao

    Instituicoes e o termo generico que os economistas institu-cionais utilizam para representar o comportamento regular epadronizado das pessoas em uma sociedade, bem como as ideiase os valores associados a essas regularidades; sao exemplos deinstituicoes: as leis e os costumes que regulamentam o direito depropriedade, as praticas comerciais formalmente codificadas ounao vigentes nas diferentes sociedades, as formas de casamento e

    Email address: [email protected] (Newton Paulo Bueno)

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    ate as regras de etiqueta a` mesa. A maior parte de nossas ativi-dades diarias, assim, obedecem a padroes porque, consciente ouinconscientemente, calculamos que agir de acordo com as normasestabelecidas e mais vantajoso do que adotar comportamentos al-ternativos. Os autores denominados de antigos institucionalis-tas, como Veblen, Commons e Mitchell, embora houvesse muitadivergencia entre eles a respeito de detalhes especficos, acredi-tavam que essas normas nao podiam ser compreendidas comosendo resultantes apenas da acao de indivduos buscando al-cancar objetivos pessoais. A razao e que os objetivos individuais,eles proprios, sao moldados por outros fatores, como a evolucaotecnologica, as formas de comportamento coletivo preexistentese a acao de organizacoes como as grandes empresas; isto e aspreferencias individuais sao moldadas pelas instituicoes sociaispre-existentes. Assim, segundo esses autores, para compreendero processo de formacao de instituicoes temos que empregar comounidade de analise as proprias instituicoes e nao um indivduo denatureza supostamente imutavel no tempo historico, que constroiregimes polticos, formas padronizadas de trocar bens e normassociais e culturais isto e instituicoes para atender objetivospessoais. A premissa fundamental do novo institucionalismo, eexatamente oposta a do antigo institucionalismo, isto e pres-supoes ser possvel explicar as instituicoes em termos de decisoestomadas por indivduos racionais; nesse sentido adota como pro-cedimento basico o individualismo metodologico. 1 O fato de quenem sempre tem sido bem compreendido pelos leitores nao fa-miliarizados com seus textos classicos que, apesar de adotar umapremissa metodologica tao restritiva, a nova economia instituci-onal tem produzido insights extremamente originais e relevantespara a compreensao dos processos economicos e sociais mo-tivou a realizacao desta resenha tematica. Alem de identificar

    1 Para uma discussao mais detalhada sobre as diferencas entre o novoe o antigo institucionalismos, embora viesada em favor desta ultimainterpretacao, ver Hodgson (1989).

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    os princpios metodologicos e as proposicoes comuns em suasprincipais obras, as quais definem o espaco teorico ocupado pelaNEI, o artigo procura mostrar algumas insuficiencias de seustextos classicos em explicar os processos historicos de mudancainstitucional, apontando, no entanto, como trabalhos mais re-centes procuram tornar mais convincente o modelo interpretativobasico. Finalmente procura-se sugerir como derivar, com base naNEI, proposicoes empiricamente testaveis sobre a evolucao dasestruturas de governanca e da propria matriz institucional desociedades especficas. Antes de iniciar a discussao, talvez sejaconveniente resumir seus aspectos essenciais.

    Embora abrigue uma consideravel diversidade interna, pode-seafirmar que os autores que se alinham a essa corrente parti-lham de um postulado fundamental sobre a formacao de insti-tuicoes, a saber: o de que estas sao criadas, por meio de com-plexos processos de negociacao entre as partes envolvidas, parareduzir os custos contratuais que surgem quando agentes sujeitosa` racionalidade limitada e propensos a agir de forma oportunistaassociam-se para realizar um empreendimento conjunto. Em umapalavra, os indivduos aceitam restringir seu comportamento nor-malmente oportunista, de aproveitar as oportunidades inclusivecontornando e mesmo descumprindo normas pre-estabelecidas(se a punicao por faze-lo for menor do que o ganho que obtemagindo dessa forma), para que os outros indivduos se sintam con-fiantes o suficiente para fazer negocio com eles. Em um contratode aluguel, por exemplo, o locatario tem que oferecer garantiassuficientes de que nao ocupara o imovel por mais tempo do que oinicialmente combinado, assim como o locador tem que se com-prometer a nao aumentar o aluguel,ou exigir o imovel de volta,por um perodo que compense ao locatario os custos incorridosna mudanca, inclusive os de adaptacao dele e de seus filhos a`nova vizinhanca.

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    A NEI adota uma perspectiva micro-analtica, no sentido que deque, por um lado, enfatiza as instituicoes que regulam transacoesentre agentes economicos em nvel microeconomico. Por exemplo,procura explicar porque em uma determinada situacao uma em-presa prefere verticalizar-se, fundindo-se com empresas fornece-doras ou usuarias de seus produtos e, em outras circunstancias,a mesma empresa, ou outra pertencente ao mesmo ramo, es-colhe terceirizar parte de suas atividades; os trabalhos semi-nais dessa linha de pesquisa foram produzidos por Coase (1937)e Williamson (1996, 1985). O segundo sentido em que a NEIe micro-analtica e o de que, quando focaliza o nvel macro-institucional, procura entender os resultados agregados, do com-portamento dos indivduos, firmas e governos a partir do nvelmicroeconomico. Os trabalhos mais importantes nessa vertenteforam os de Douglass North que recebeu o premio Nobel deEconomia em 1993. Uma de suas principais preocupacoes foitentar mostrar que a perspectiva da NEI poderia ser util paracompreender porque as instituicoes de um pas podem ser maisou menos propcias ao desenvolvimento economico. Por exemplo,porque em alguns pases se fixam direitos de propriedade bemdefinidos, enquanto em outros prevalece uma situacao de inse-guranca generalizada que compromete o desempenho economicode longo prazo dessas sociedades.

    A resposta que North e seus seguidores vem formulandoa` essa questao fundamental e extremamente rica em novos in-sights sobre o processo de desenvolvimento economico para ospases mais pobres. Mas, ao basear-se na premissa de que as insti-tuicoes resultam essencialmente de negociacoes entre os agentesrelevantes, ainda nao parece inteiramente convincente, embora,em seus textos mais recentes North tenha enfatizado cada vezmais o carater path dependent, e assim historicamente determi-nado, da evolucao institucional. Os trabalhos hoje classicos deMancur Olson complementam a discussao acima mostrando que

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    o fato de uma situacao ser desejavel para os agentes envolvidosnao garante que essa situacao ideal ira prevalecer.. Usando oinstrumental da teoria dos jogos, e facil demonstrar que, agindoracionalmente, os indivduos muitas vezes podem nao atingir umacordo via negociacao que os levem a` melhor situacao possveldentro das circunstancias. Ao contrario, muitas vezes a sociedadepode ficar aprisionada a um equilbrio do tipo dilema do pri-sioneiro, nao apenas porque nao existem instrumentos institu-cionais que permitam a`s pessoas alcancar o grau de confiancamutuo necessario para alcancarem solucoes mais eficientes parao problema fundamental da escassez, mas principalmente devidoa problemas de pura logica da acao coletiva.

    O que Olson especificamente sugere e que nao ha uma razaologica para a transformacao de uma sociedade particularista,em que prevalecem instituicoes que favorecem comportamentosfree rider e rent seeker, em uma sociedade coordenada por me-canismos impessoais e por isso compatvel com uma economia demercado plenamente desenvolvida. Para isso, as sociedades pre-cisam dar um salto, que nao ha razoes para imaginar que seradado automaticamente, para uma nova arquitetura institucio-nal, se desejam se desenvolver economicamente. Para compreen-der porque esse salto so acontece eventualmente, mostram Olsone seguidores, e necessario acrescentar uma dimensao poltica a`analise essencialmente economica proposta nova economia insti-tucional dos custos de transacao.

    O lay-out geral desta resenha tematica e o seguinte: na segundasecao apresentam-se os fundamentos da nova economia institu-cional, mostrando que tanto no nvel das estruturas de gover-nanca, como no nvel macro-institucional, a ideia de que as pes-soas aceitam restringir seu comportamento para reduzir custosde transacao e altamente inspiradora para analisar a evolucaoinstitucional das sociedades. Na secao 3 sugere-se que, no en-

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    tanto, a NEI, em usa versao tradicional, nao consegue ser tao con-vincente quando se trata de explicar porque algumas sociedadesdao um salto institucional, cujas consequencias nao podem serprevistas a priori e outras nao; argumentar-se-a que essa in-suficiencia decorre do fato de a NEI, em usa versao de econo-mia dos custos de transacao, deixar de incorporar questoes rela-cionadas a problemas de acao coletiva, estudados por MancurOlson e seguidores A secao 4 conclui o trabalho, fazendo umacomparacao entre as duas correntes interpretativas que podemser consideradas como integrantes da nova economia instituci-onal: a economia dos custos de transacao e a teoria da acaocoletiva.

    2 A Nova Economia Institucional em sua Versao Tradi-

    cional: A Economia dos Custos de Transacao

    A nova economia institucional, para introduzir a discussao,emerge e se difunde dentro da propria economia mainstream,mas o faz como um ramo que ganha crescentemente maior au-tonomia teorica. Suas principais proposicoes sao: a) a de que asinstituicoes importam quando se trata de explicar os processoseconomicos e b) a de que a dinamica institucional, isto e o sur-gimento e a evolucao de instituicoes, e passvel de teorizacao. Asegunda proposicao e a que de fato define o locus teorico da novaeconomia institucional, na medida em que a teoria economicaortodoxa nunca evidentemente afirmou que as instituicoes naoeram importantes para explicar os processos economicos. O queela, em geral de forma implcita, assume e que o ambiente insti-tucional nao e passvel de teorizacao, devendo por isso ser consi-derado como um conjunto de parametros do sistema economico,cujas alteracoes (exogenas) conduziriam a economia para diferen-tes configuracoes Pareto-otimas. A nova economia institucional,

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    ao contrario, parte do princpio que os mesmos princpios uti-lizados para derivar proposicoes puramente economicas podemser utilizados para estudar como as instituicoes originam-se ese transformam ao longo do tempo, influenciando e sendo influ-enciadas pelos processos economicos; sua tese fundamental e ade que as instituicoes sao restricoes ao comportamento humanodesenhadas para reduzir custos de transacao.

    Os desenvolvimentos teoricos obtidos pela nova teoria institu-cional desdobram-se em duas direcoes principais comple-mentares. 2 Em uma delas, a preocupacao central e analisar asmudancas no meio ambiente institucional geral das economias,isto e no conjunto de regras polticas, sociais e legais funda-mentais, por exemplo nas regras regulando os direitos de pro-priedade e os contratos, que estabelecem a base para a producao,troca e distribuicao de mercadorias em uma certa sociedade.A segunda corrente, por sua vez , ocupa-se basicamente do es-tudo da interacao entre as unidades economicas nos processo deproducao, troca e distribuicao, enfatizando a forma como surgeme se desenvolvem instituicoes que asseguram a cooperacao entreas unidades economicas nesses processos.

    A primeira dessas correntes deriva fundamentalmente dos tra-balhos de Douglass North, cuja principal preocupacao e enten-der de que forma as macro-instituicoes de um pas afe-tam seu desempenho economico no longo prazo, identificandoaquelas que sao mais propcias ao desenvolvimento economicoe mostrando porque em alguns pases as instituicoes mais ade-quadas nao sao adotadas, eternizando uma situacao de subde-senvolvimento economico. 3

    2 Ver Williamson (1993:111).3 Alguns dos trabalhos recentes mais representativos sao North(1996, 1994, 1991).

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    A segunda corrente, que versa basicamente sobre o comporta-mento individual de firmas e indivduos, origina-se com o famosotrabalho de Coase (1937), mas so vem a frutificar muito maistarde com base nas contribuicoes de Oliver Williamson (1979,1985). 4O objetivo principal dessa corrente e entender como seformam e como se modificam as estruturas de governanca paradeterminadas transacoes; isto e o conjunto de instituicoes quepermite que um determinado tipo de transacao se realize deforma contnua.

    2.1 As instituicoes como uma forma de reduzir custos detransacao em nvel macro: A contribuicao de DouglassNorth

    A forma mais facil de entender o que sao custos de transacao ecomparando-os com os custos de transformacao, que sao os rela-cionados a` utilizacao dos recursos produtivos pela firma ou pelaeconomia como um todo. Estes, como ja assinalado por AdamSmith, sao reduzidos quando a economia (para raciocinarmos emtermos agregados) aprofunda o processo de divisao do trabalho.O classico problema smithiano era: como assegurar que a de-pendencia resultante da divisao do trabalho se transforme em co-operacao em um mundo em que cada indivduo passa a dependermais do outro em razao da divisao do trabalho. Smith achava queisso estava garantido pela busca do interesse proprio que faziafuncionar o mecanismo da mao invisvel, mas isso deixava de con-siderar uma questao essencial. O avanco da divisao do trabalhorequer uma expansao do tamanho dos mercados, mas a expansaodo comercio para alem dos mercados locais aumentava a insegu-ranca nos negocios e portanto os custos associados a`s transacoes

    4 Os principais trabalhos inspirados pelos trabalhos deCoase/Williamson estao reunidos em Williamson (1993, 1990).

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    entre os indivduos. No comercio a longa distancia, por exem-plo, vultosas somas de capitais precisavam ser imobilizadas, naohavia normalmente como garantir a priori a qualidade do pro-duto a ser entregue pelo fornecedor usualmente desconhecido enao estava de modo algum garantido ate que o consumidor deprodutos industriais exportados, digamos pela Inglaterra, sim-plesmente nao se apropriasse da carga dos navios sem pagar.Todos esses riscos evidentemente inibiriam o desenvolvimentodo comercio, e portanto da divisao do trabalho, se nao fossemcriadas instituicoes que socializassem estes riscos entre as partesenvolvidas no comercio de longa distancia, isto e se nao fossemcriadas instituicoes que reduzissem os custos da cooperacao entreos indivduos. O significado de custos de transacao e exatamenteeste: os custos incorridos pelos indivduos quando, ao deixaremde ser auto-suficientes economicamente, passam a depender dosoutros para obter os bens que necessitam.

    Os custos de transacao assim incluem, entre outros: i) os cus-tos de adquirir e processar informacoes relativas a contratosreferentes a eventos futuros que nao podem ser previstos comcerteza; ii) os custos de monitorar o desempenho de cada partecontratante no perodo especificado, por exemplo os decorrentesda contratacao de firmas de auditoria contabil; iii) os custosorganizacionais incorridos pelo comportamento ineficiente daspartes contratantes, por exemplo requerendo a constituicao deestoques para eventuais falhas no fluxo de entrega de mercado-rias e a necessidade de adquirir insumos por precos superioresaos contratados inicialmente; e iv) os custos legais associadosa` punicao por quebras de clausulas contratuais. 5O custos de

    5 Embora negligenciados pela teoria neoclassica os custos detransacao sao extremamente significativos nas economias modernas;segundo Wallis e North (1986), ja em 1970 45% do produto nacionalnorte-americano era gerado pelos ramos produtores de servicos rela-cionados exclusivamente a` transacao de bens [citado por North, 1994,

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    transacao referem-se, portanto, aos riscos contratuais existentesna transacao especificada. A principal proposicao da NovaEconomia Institucional, como ja mencionado, e que as insti-tuicoes de uma sociedade se formam por meio de complexos pro-cessos de negociacao entre indivduos e grupos de indivduos,de modo a reduzir esses custos, isto e, os custos potenciais derompimentos dos acordos implcitos ou explcitos estabelecidos,em condicoes de racionalidade limitada, para realizar empreendi-mentos conjuntos. Um exemplo simples pode ajudar a entendermelhor este aspecto chave da questao.

    Em comunidades em que os vnculos pessoais sao fortes e comumque se organizem mutiroes de fins de semana para reformasou construcao de novas moradias; os indivduos que participamdesses mutiroes aceitam sacrificar os dias de descanso porquesabem que a reciprocidade no futuro esta garantida pela forcado costume e da reprovacao social aos comportamentos opor-tunsticos. Em comunidades maiores, nas cidades por exemplo,os indivduos nao tem as mesmas garantias de que colabo-rando com seus vizinhos assegurarao a colaboracao destesdepois. Assim se desejar ampliar sua casa, uma pessoa tera decontratar o servico de um pedreiro que, mesmo morando na co-munidade, so aceitara trabalhar para o primeiro em troca de din-heiro, que e a unica forma de assegurar a cooperacao impessoalinter-temporal do restante da comunidade. A forma especficade garantir que a transacao seja realizada denominada de es-trutura de governanca dependera das condicoes do ambienteinstitucional em que ela ocorre, mas o que a NEI postula e queos indivduos procurarao a forma que seja menos custosa paraeles. Se for possvel usar as formas tradicionais de garantir re-ciprocidade entao, bem, nao sera necessario recorrer a contratos,advogados e ate a` polcia para garantir o acordo. Mas se isso

    p. 360].

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    nao for possvel, sera necessario redigir um contrato, estabele-cendo com graus variados de minucia as condicoes em que opagamento sera feito, o nvel de qualidade esperado do servico, oprazo para o termino da obra, as multas pelo nao cumprimentodas clausulas estabelecidas e assim por diante. Mesmo que naotome muito tempo redigir um contrato desse tipo, e necessarioque haja garantias de que um juiz imparcial fara a parte even-tualmente recalcitrante cumprir o estabelecido no contrato. Istoe, e necessario que haja formas de fazer com que aquele que re-cebeu cumpra sua parte no trato da forma combinada e com queaquele que pagou apenas uma parcela do montante total com-binado nao se recuse a pagar o restante depois de concludo otrabalho.

    O que acontece se a comunidade e grande o suficiente para naopoder contar apenas com os vnculos pessoais para induzir aspessoas a atuarem de forma cooperativa, mas nao dispoede instituicoes que garantam os contratos individuais e que osempreendimentos coletivos nao serao realizados ou so o serao emparte. Os novos institucionalistas acreditam que e exatamenteisso o que ocorre nos pases menos desenvolvidos: nao se desen-volveram instituicoes que permitam a essas sociedades usufruirplenamente os benefcios da divisao do trabalho. O porque dissonao ter acontecido, incluindo as razoes de porque e virtualmenteimpossvel simplesmente copiar as instituicoes mais eficientes desociedades economicamente mais bem sucedidas, tem explicacoesrelacionadas com as solucoes institucionais que as sociedadesmenos desenvolvidas deram ao problema economico fundamen-tal da escassez em momentos anteriores da sua historia. O pontodos novos institucionalistas e que os mecanismos que promovema cooperacao entre os indivduos nao se desenvolvem automati-camente com a expansao do mercado como sugere a metafora damao invisvel.

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    Para que a cooperacao inerente ao funcionamento de uma econo-mia de mercado possa ocorrer de forma sistematica os indivduosprecisam confiar naqueles com os quais estao negociando ou, nafalta dessa confianca pessoal, nas instituicoes que induzem ourestringem o comportamento individual em favor da cooperacao.Sociedades diferentes desenvolvem instituicoes distintas, as quaisoperam com graus muito diferentes de eficiencia, para permitirque transacoes interpessoais acontecam. Em alguns lugares, astransacoes comerciais se basearam desde o princpio em criteriospersonalistas, de raca, parentesco ou religiao. Em outros, me-canismos mais impessoais, como direitos de propriedade e insti-tuicoes que garantem esses direitos, se desenvolveram de formainicialmente mais ou menos acidental e, depois, porque apresen-tavam claras vantagens sobre as outras formas de organizacaodisponveis

    As formas mais impessoais sao mais eficientes porque reduzem oscustos de transacao entre as partes. Para esclarecer esse ponto,imagine-se uma empresa que se instalasse, digamos, no Mexicodo seculo XIX (para usarmos um exemplo classico de DouglassNorth). Alem dos custos normais de producao que ela incorreriaem qualquer lugar, se depararia no Mexico dessa epoca com cus-tos caractersticos de um meio-ambiente institucional baseadoem relacoes personalsticas, que forcariam a empresa

    ...to operate in a highly politicized manner, using kinship net-works, political influence, and family prestige to gain privilegedaccess to subsidized credit, to aid various stratagems for recruit-ing labor, to collect debts or enforce contracts, to evade taxesor circumvent the courts, and to defend or assert titles to lands.Success or failure in the economic arena always depend on therelationship of the producer with political authorities local offi-cials for arranging matters close at hand and the central govern-ment of the colony for sympathetic interpretations of the law and

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    intervention at the local level when condition required it. . . 6

    A empresa, em outras palavras, teria que contabilizar como cus-tos os gastos para assegurar simplesmente nao ser preterida pelasempresas concorrentes que estao sujeitas a`s mesmas restricoesinstitucionais. Observe-se que os custos a que se esta se referindonao tem nada a ver com os custos de transformacao, que normal-mente sao maiores em pases menos desenvolvidos em razao dedesvantagens tecnologicas e escalas menos eficientes de producao,referindo-se apenas ao meio ambiente institucional em que a em-presa se localiza; nao ha meios de a empresa reduzi-los interna-mente.

    As empresas nesses ambientes institucionais operarao em sumacom custos pouco competitivos internacionalmente. Entao naoapenas utilizarao os recursos internos ineficientemente, comonao terao condicoes de exportar seus produtos, quando essestem que concorrer com produtos similares produzidos porfirmas operando em pases onde as instituicoes sao menosonerosas para a atividade economica

    A questao obvia que a discussao acima suscita e: porque algunspases conseguem desenvolver instituicoes mais compatveis coma eficiencia economica? Na secao 2.3 a` frente apresenta-se a ex-plicacao de North de porque nao so o Mexico da citacao acima,mas todos os pases de colonizacao iberica apresentaram umaevolucao institucional desfavoravel do ponto de vista economicoquando comparados aos Estados Unidos.Antes porem, examina-se uma questao correlata previa: por que e tao difcil substituiruma matriz institucional economicamente ineficiente por outra?

    6 Coatsworth, J. apud North, 1990, p.116.

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    2.2 A natureza path dependent da evolucao institucional

    A matriz institucional de uma sociedade em um determinadotempo e constituda de regras e normas formais e informais,bem como pelas instituicoes que garantem a aplicacao (enforce-ment) dessas regras, e e em razao principalmente das restricoescomportamentais informais que se pode dizer que a evolucaodessa matriz, ao longo de tempo, e path dependent. Isto porquesao estas que, em ultima instancia, dao legitimidade a`s regrasformais e estao sujeitas a um processo muito mais gradual deevolucao, visto implicarem rendimentos crescentes. O fato deque, em uma sociedade cuja matriz institucional recompensa apirataria, organizacoes piratas prosperarao ilustra este ponto.Quanto menores a`s restricoes a` corrupcao, por exemplo, maisprovavel e que muitas das instituicoes existentes adotem essaspraticas e maior o incentivo para que as que inicialmente nao ofazem venham a se tornar corruptas no futuro. Assim e relati-vamente facil mudar leis e regulamentos formais, mas, como ocodigo nao escrito de comportamento e muito mais pervasivo, asmudancas institucionais sao em geral muito mais incrementaisdo que radicais.

    Um segundo elemento que explica a estabilidade da matriz insti-tucional esta relacionado a` hipotese de racionalidade (limitada)adotada pelos neo-institucionalistas. Os indivduos perseguemseus interesses e neste sentido agem racionalmente. Mas o fazemda forma como os percebem, o que nao necessariamente implicaque eles avaliem corretamente as opcoes disponveis, nem quepossam medir precisamente as consequencias de suas decisoes. Asopcoes sao feitas de acordo com modelos mentais que propiciamuma representacao da realidade. Tais modelos sao elaborados apartir de estruturas geneticamente dadas, que se modificam a`medida que sao confrontadas com a experiencia. O quanto al-

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    teramos nossos modelos mentais a partir da experiencia medeo aprendizado que conseguimos realizar. Essas alteracoes entre-tanto nao ocorrem simplesmente substituindo um modelo men-tal por outro, mas por meio da constante re-elaboracao do mo-delo inicial, atraves principalmente de analogias. Uma forma deavaliar a sofisticacao de nossos modelos mentais e avaliar o graude generalidade de nossas metaforas.

    A heranca cultural comum em uma sociedade fornece um meiode reduzir a divergencia entre os modelos mentais individuais.As estruturas explicativas que passam de geracao para geracaosao entao explicacoes sobre fenomenos alem da experiencia ime-diata que os indivduos compartilham na forma de religioes, mi-tos e dogmas. Tais estruturas tiveram mais importancia nas so-ciedades pre-modernas, mas possuem ainda hoje um papel fun-damental na construcao das instituicoes economicas e sociais,moldando as regras formais e as normas informais que regem ocomportamento. Os modelos mentais sao assim representacoesque os indivduos criam para interpretar o ambiente em quevivem, enquanto que as instituicoes sao os mecanismos que de-senvolvem para atuar sobre este ambiente (North, 1996, P. 348).

    2.3 Ilustracao da teoria de North: As diferentes trajetorias ins-titucionais no novo mundo

    A revolucao ocorrida na tecnologia militar nos seculosXVI tornou proibitivos os custos da guerra a particulares. Masmesmos os Estados nacionais que surgem e ou se fortalecemno perodo sao incapazes de arcar com esses custos sem mu-dar as formas institucionais que historicamente sustentavam aextracao do excedente dos suditos. Na Inglaterra desse perodo,por exemplo, o governo transformou-se numa burocracia cujaprincipal tarefa era controlar e regular a economia, de modo a

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    aumentar a producao e extracao do excedente. Tal tarefa foi malsucedida, e assim o financiamento da Guerra dos Cem anos deuorigem a sucessivas crises fiscais que induziam a Coroa a aumen-tar ainda mais a pressao sobre os suditos. Estes reagiram atravesda oposicao do Parlamento, que se manifestava em duas frentes.Em uma, lutava-se por estabelecer direitos de propriedade maisseguros e, em outra, por se estabelecer direitos civis que per-mitissem aos parlamentares escapar da ira real. O processo foicomplexo, envolvendo avancos e recuos entre as partes, o qualnao pode descrito apenas como um conflito bipolar entre umamonarquia absolutista e um parlamento unificado, mas culmi-nou com a vitoria deste ultimo em 1689.

    A vitoria do Parlamento induziu um amplo processo de mudancainstitucional, o qual como mencionado na secao anterior definiuas bases de uma matriz institucional que favorecia o apareci-mento de instituicoes e organizacoes que so poderiam vicejarem um ambiente em que os direitos de propriedade estivessemplenamente assegurados. A` criacao do Banco da Inglaterra em1694, refletindo os retornos crescentes propiciados pela nova ma-triz institucional, seguiu-se o desenvolvimento de uma serie denovos instrumentos financeiros que reduziram expressivamenteos custos de transacao e puseram a disposicao do Estado umvolume sem precedentes de fundos para financiamento da guerraem curso contra a Franca. E possvel argumentar inclusive que avitoria inglesa nao teria sido possvel sem isso, o que teria impe-dido que a Inglaterra emergisse como principal potencia mundialapos a segunda vitoria contra a Franca em 1714 (North, 1990, p.139).

    A estrutura de governanca que emergiu nos pases ibericos parafinanciar os custos militares foi completamente distinta. Se naInglaterra a matriz institucional ao proteger os direitos de pro-priedade incentivava a inovacao tecnologica e a acumulacao de

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    capital, o afluxo de riqueza proveniente do novo mundo abriuuma outra possibilidade. Ao inves de terem de negociar, os reispuderam manter e mesmo ampliar seu poder, criando enormes ecustosas burocracias para adminsitrar a manutencao dos fluxosde riqueza. Em Portugal, caso que mais interessa aqui, o marquesde Pombal teria reinado como um virtual ditador entre 1755 e1777, colocando o comercio colonial sob o controle estrito daburocracia real Segundo North (1989: 1329), quando a Camarade Comercio de Lisboa protestou contra o controle excessivo,Pombal simplesmente a dissolveu, aprisionou alguns de seusmembros e fundou uma outra associacao comercial sob controleestrito da coroa.

    Como a divergencia de trajetorias institucionais nas metropolesinfluenciara as colonias? A resposta e que a America inglesaformou-se exatamente quando o conflito entre a monarquia eo Parlamento estava no auge. A diversidade poltica e religiosana metropole reproduziu-se na colonia pelos dois motivos apon-tados na secao anterior. Os rendimentos crescentes gerados e aadaptacao dos modelos mentais favoreciam ambas as coisas: aformacao de instituicoes semelhantes a`s inglesas, principalmentea`s relacionadas a`s garantias do direito de propriedade, 7 e o pre-domnio do controle local sobre o central, o que, entre outrasconsequencias, permitiu um grau de liberdade economica quenunca remotamente tiveram as colonias latino-americanas.

    Nestas ultimas, formadas quando nas metropoles o rei recupe-rava seu poder apos os descobrimentos, perpetuaram-se ascaractersticas associadas a` estrutura de governanca burocraticaadotada por Portugal e Espanha para administrar seus imperioscoloniais: personalismo nas relacoes economicas e polticas,

    7 Os norte-americanos parecem ter sido mesmo mais rigorosos nadefinicao de regras que protegessem esses direitos que os propriosingleses (North, 1989, p. 1329).

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    regulacao estatal, direitos de propriedade mal definidos e nemsempre adequadamente defendidos pelo Estado, e outras queao inves de estimular restringiram a atividade economica. Oresultado em termos de desempenho economico desse tipo deevolucao institucional e que a matriz institucional dos paseslatino-americanos ira favorecer o desenvolvimento de or-ganizacoes rent-seeker e desestimular organizacoes produtivascapazes de elevar a produtividade da economia (North, 1990,p.9).

    2.4 As contribuicoes de Coase e Williamson

    A questao principal que Coase colocou de forma aparente-mente ingenua no texto seminal de 1937, e que deu origemao formidavel boom de literatura em estruturas de governancacom Wiliamson, foi a seguinte: porque a firma existe? Se a di-visao do trabalho e a consequente especializacao de tarefas saotao importantes para elevar a produtividade do trabalho e, as-sim, a eficiencia economica com que os indivduos transformamos recursos em bens, por que surgem estruturas hierarquizadas,isto e firmas, que realizam a coordenacao de fatores de producaosem a intervencao do mecanismo de precos? A explicacao paraisso e que existem custos envolvidos nas transacoes atraves domercado que tornam mais vantajoso, a partir de certo ponto,produzir internamente os bens necessarios

    No primeiro caso a firma tera de assegurar a cooperacao de seusfornecedores atraves do mercado; no segundo ela mesma pro-duzira o bem, digamos o insumo, que necessita para realizara etapa seguinte do seu processo produtivo. Os neo-institucionalistas postulam que a firma escolhera uma ou outraopcao estrutura de governanca comparando os custos detransacao associados a` cooperacao via mercado com os custos

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    a serem incorridos para expandir a firma, de modo a integra-laverticalmente para incorporar o controle de etapas adicionais doprocesso produtivo.

    Ao colocar as coisas desse modo, o que os neo-institucionalistasde fato fazem e formular uma nova teoria da firma, combase na constatacao de que a producao hierarquizada na firmae a producao orientada pelo mercado nao sao exatamente formasmutuamente exclusivas, mas instituicoes complementares paraa organizacao da producao; o espaco da firma aumenta quandoos custos de transacao associados a` coordenacao pelo mercadocrescem.

    Toda uma gama de novos problemas de pesquisa emerge quandose considera a firma deste novo ponto de vista. Por exemplo, emque ramos da economia e mais provavel a coordenacao pelo mer-cado e em quais e mais provavel encontrarem-se formas verticali-zadas? Ou, de um ponto de vista mais normativo, em que ramosda economia deve-se adotar uma postura anti-truste rgida e emquais essa poltica, se implementada com rigor, pode reduzir aeficiencia economica, por elevar custos de transacao? Algumasdessas questoes serao listadas a` frente em uma agenda prelimi-nar de pesquisa, mas um ponto deve ser estabelecido desde ja:a teoria neo-institucionalista da firma permite fazer proposicoestestaveis sobre a estrutura industrial das economias.

    O desenvolvimento de instituicoes que permitem reduzir custosde transacao, entretanto, nao assegura que esses custos venhama ser sempre baixos. Os contratos, por mais acurados que sejam,sao por definicao incompletos, no sentido de nao ser possvelpor meio deles eliminar completamente a incerteza associada aoperacoes destinadas a produzir efeitos em momentos separa-dos no tempo. Esse problema e maior quando as partes con-tratantes devem imobilizar grandes somas de capital durantelongos perodos de tempo; nesse caso mudancas imprevistas na

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    conjuntura, isto e nos pressupostos sob os quais o contrato foidefinido, podem provocar prejuzos significativos para a parteque mais imobilizou capital. Em outros casos (a serem especi-ficados a` frente), os riscos de perda nao sao tao grandes e afirma tem flexibilidade para se adaptar a`s mudancas de cir-cunstancias. Uma proposicao chave dos novos institucionalistas,inspirada pelo trabalho pioneiro de Coase (1937) e desenvolvidapor Williamson (1985), e que a maior ou menor probabilidade deprejuzo envolvida nas transacoes define o espaco da coordenacaoda producao pelo mercado, por formas hbridas, especificadas emcontratos de longo prazo e por hierarquias, por exemplo quandoa firma decide aumentar seu grau de verticalizacao, ao invesde continuar a adquirir insumos dos fornecedores habituais.

    A formula neo-institucionalista pode ser resumida no seguinte:quanto maior for o prejuzo potencial associado a` transacao,maior sera o estmulo para a firma evitar depender do mercadonas suas operacoes; nesse caso pode ser mais vantajoso adquirira unidade produtiva do fornecedor, integrando-se verticalmentepara garantir o fluxo de insumos requerido para sua producao fi-nal atraves de planejamento interno, do que depender do forneci-mento atraves de compras e vendas, mesmo que o volume destas,prazos, qualidade do produto e outras caractersticas sejam es-pecificadas por contrato.

    Isto porque nem mesmo contratos minuciosos podem ser sufi-cientes para assegurar um mnimo de seguranca para a firmano que diz respeito ao fornecimento de insumos vitais para suasatividades. Ja se mencionou essa possibilidade acima e agora enecessario aprofundar um pouco mais a discussao.

    Os neo-institucionalistas fazem duas pressuposicoes basicas so-bre o comportamento humano quando se trata de realizar umatransacao: a) os termos da transacao sao definidos em condicoesde informacao incompleta (bounded rationality), o que significa

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    que os agentes estao sujeitos a` racionalidade limitada, isto eagem racionalmente mas sem conhecimento completo das opcoesdisponveis e de todas as consequencias possveis das opcoesque conseguem discernir e b) os agentes sao oportunistas, nosentido de que se for de seu interesse desistirao das obrigacoespactuadas se nao houver restricoes suficientemente fortes. Aquestao e: dadas essas duas hipoteses sobre o comportamentohumano, em que condicoes tenderao a prevalecer as operacoespredominantemente via mercado, os casos intermediarios, com oestabelecimento de contratos mais ou menos minuciosos entre aspartes envolvidas, ou o caso extremo de integracao vertical?

    A regra geral e a de que prevalecerao formas de contratacaomais rgidas e minuciosas, e eventualmente integracao verticalde plantas produtivas, em segmentos da economia onde o graude especificidade de ativos for mais elevado. Isso sera melhor ex-plicado a` frente mas pode-se resumir a ideia basica no seguinte:como o agentes sao oportunistas e agem sob condicoes de in-formacao limitada as firmas que comprometem mais seu futurocom outras, imobilizando seus ativos para atender uma demandamuito especfica, tornam-se presa facil para aquelas que podemobter seus insumos e vender seus produtos finais para variasoutras. Colocando em termos simples, a firma cujos ativos saomais especficos encontra-se em uma situacao em que ou vendepara uma determinada firma ou nao vende para nenhuma; nes-sas condicoes a firma usuaria pode extrair quase-rendas daprimeira, a menos que esta tenha imposto como condicao inicialpara imobilizar seus ativos um contrato suficientemente minu-cioso para evitar este comportamento oportunista. Em algunscasos isto acontece, e de fato como se mostrara a` frente formasde contratacao mais rgidas tendem a prevalecer em segmentosda economia onde o grau de especificidade de ativos e alto masnao excessivamente alto. Em outros casos, entretanto e virtual-mente impossvel manter os perigos do oportunismo abaixo de

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    um limiar considerado aceitavel pela firma e a forma que prevale-cera e a firma verticalmente integrada.

    Os principais tipos de especificidade de ativos, que definem ograu de rigidez da relacao contratual, sao os seguintes: 8

    especificidade locacional (site specificity) ocorre quando asdecisoes ex ante baseadas em outros custos que nao os detransacao determinam a construcao de plantas muito proximasuma das outras, praticamente impondo uma relacao fornecedor-usuario entre elas

    especificidade em ativos fsicos (physical asset specificity) manifesta-se quando uma ou as duas partes contratantes faz in-vestimentos em equipamentos de uso especfico para a transacao

    especificidade em capital humano (human-capital specificity) surge como consequencia de processos de learning-by-doing oude transferencias de conhecimento entre firmas

    especificidade em ativos vinculados a` escala de producao (ded-icated specificity) ocorre quando investimentos de naturezageral sao realizados com base no pressuposto de que uma quan-tidade significativa do produto final sera vendida para um con-sumidor particular.

    O grau de especificidade de ativos portanto tem a ver com oscustos de transacao, de acordo com a seguinte regra geral: naausencia de instituicoes que os reduzam, os custos de transacaoserao tanto mais altos quanto maior for o grau de especifici-dade dos ativos nos sentidos expostos acima. Mas os agenteseconomicos desenvolvem salvaguardas e mecanismos de garan-tia dessas salvaguardas para reduzir os custos de transacao. Por

    8 Ver Williamson (1983:526).

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    Fig. 1.

    exemplo, uma firma de auto-pecas so fara investimentos para am-pliar sua capacidade de fornecimento de componentes para umadeterminada firma montadora, aumentando os graus de especi-ficidade em ativos fsicos, em ativos vinculados e eventualmentelocacional (se os investimentos envolverem a construcao ou am-pliacao de plantas proximas a` industria montadora), se pudergarantir, por contrato, a demanda de uma quantidade mnimade componentes por parte da montadora em um perodo deter-minado de tempo. Se a montadora se recusar a oferecer essasalvaguarda ela tera de disputar com as demais a oferta poten-cial de componentes disponvel, vale dizer tera de pagar precosmaiores pelos componentes do que no primeiro caso. O esquemaabaixo ilustra o raciocnio.

    Na parte superior do diagrama esta representada uma transacaoque nao envolve investimentos em ativos especficos por parteda firma de auto-pecas (k = 0) e na parte inferior uma queenvolve (k > 0). Quando a transacao e do segundo tipo, elapode ocorrer de duas formas: com a firma montadora oferecendoalguma garantia contratual (s > o), por exemplo de aquisicaode um volume mnimo de componentes por um perodo especi-

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    ficado de tempo, ou sem a concessao de garantia de qualquerespecie (s = 0). Neste ultimo caso a firma de auto-pecas soaceitara aumentar sua dependencia em relacao a` montadora seesta se dispuser a pagar um preco unitario pelo componente dep1 > p2; tudo se passa como se a firma de auto-pecas exigisseum preco maior de modo a constituir uma provisao para com-pensar eventuais atitudes oportunistas por parte da montadora.A especificacao de garantias contra essas atitudes por contrato,por outro lado, permite a` montadora reduzir o custo de obtencaodo componente em p2 p1; a instituicao do contrato, em outraspalavras, permitiu reduzir o custo de transacao exatamente nestemontante menos os custos de escrever, monitorar e garantir essecontrato.

    Voltando ao diagrama, mas sem se limitar aos casos extremosrepresentados, pode-se concluir entao que a transacao entre asduas firmas pode-se dar de tres formas basicas:

    i) quando o grau de especificidade de ativos e reduzido, oscustos de transacao serao pequenos nao justificando o estabe-lecimento de garantias contratuais, que custariam mais do queos proprios custos de transacao incorridos se a transacao forrealizada diretamente atraves do mercadoii) quando o grau de especificidade de ativos e relativamentealto, sera mais barato para a firma montadora incorrer noscustos de concessao de garantias contratuais do que pagar opreco que induziria a firma de auto-pecas a fornecer o com-ponente sem garantias; as garantias contratuais terao de sertanto mais favoraveis a` firma de auto-pecas, quanto mais ele-vado evidentemente for o grau de especificidade de ativos queela tiver de incorreriii) quando o grau de especificidade de ativos for excessiva-mente alto, as garantias para induzir os investimentos da firmade auto-pecas teriam de ser tao grandes que nao compensariam

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    a queda de precos do componente se ele fosse comprado e naoproduzido pela propria montadora; neste caso compensaria a`firma montadora adquirir o controle da propriedade da firmade auto-pecas, integrando-se verticalmente e produzindo elapropria o componente.

    O sentido geral do raciocnio e o de que as instituicoes, comoos contratos de prazo mais longo e a propria forma da firmaintegrada verticalmente, sao criadas para reduzir custosde transacao. Quando o espaco para o oportunismo entre osagentes e reduzido, e isto acontece quando o grau de especifi-cidade dos ativos e pouco expressivo, eles preferirao relacionar-se atraves do mercado que permite, devido a` divisao do tra-balho, utilizar os recursos de modo mais produtivo, possibili-tando aos agentes fornecerem-se produtos mutuamente a precosmais baixos. Mas quando a especificidade de ativos a ser in-corrida e maior comecarao a se desenvolver novas formas de co-operacao, como aquela garantida por contratos de longa duracao,para preservar cada parte do comportamento oportunista daoutra. A forma extrema, associada ao grau mais elevado de es-pecificidade de ativos, e a eliminacao total da cooperacao atravesdo mercado pela integracao vertical.

    A proposicao de que a forma como se estrutura um determi-nado segmento da industria (isto e o tamanho e a na-tureza das firmas participantes, as formas organizacionaise os padroes de concorrencia entre elas) depende dos custos detransacao incorridos pelas firmas participantes, os quais por suavez sao determinados pelo grau de especificidade de seus ativose uma proposicao testavel da teoria neo institucionalista de or-ganizacao industrial. Na secao seguinte, apresenta-se parte daevidencia emprica mais relevante disponvel relacionada a essaproposicao.

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    2.5 Duas ilustracoes da teoria de Coase-Williamson

    a) as estradas de ferro e o surgimento da grande empresa mo-derna

    Com base na magistral descricao de Alfred Chandler (1965, 1977)do surgimento da empresa multidivisional moderna a par-tir da constituicao das empresas ferroviarias americanas noseculo passado, Williamson sugere que estas ultimas adotaramfinalmente a forma de empresas integradas, que foram o modelopara as demais empresas industriais, para reduzir os custos detransacao decorrentes de um elevadssimo grau de especificidadelocacional de ativos, como exposto na secao anterior. A seguintepassagem, traduzida livremente do texto original (Williamson,1985, pp. 275-276), resume o cerne do argumento:

    As primeiras empresas ferroviarias tpicas detinham li-nhas de cerca de cinquenta milhas de extensao. Essas empresasempregavam em media cinquenta trabalhadores e eram ad-ministradas por um superintendente e diversos gerentes fun-cionais.... Isto era adequado enquanto os fluxos de trafego eramrelativamente simples e os fretes nao eram feitos para regioesmuito afastadas. Mas a promessa das estradas de ferro so pode-ria ser plenamente cumprida se a densidade de trafego fosseaumentada e os fretes de longa distancia introduzidos. Comoisso foi feito?Em princpio, sucessivos sistemas ponto-a-ponto poderiam serligados por contrato. Mas esses contratos teriam de ser es-tabelecido entre as partes em termos extremamente minucio-sos, desde que os investimentos por cada parte em ativos es-pecficos em termos locacionais eram consideraveis. Dois tiposde dificuldades contratuais estavam envolvidos. Nao apenasas empresas ferroviarias tinham de chegar a um acordo so-bre como lidar com uma serie de complexos aspectos opera-

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    cionais utilizacao, custos e manutencao do equipamento,adaptacao para atuar cooperativamente frente a problemasinesperados, atribuicao de responsabilidades quanto a even-tuais reclamacoes dos clientes, acidentes etc mas tinhamtambem de solucionar os problemas envolvidos nas transacoesentre o consumidor e varias empresas autonomas.Havia varias possibilidades. Uma era ser paciente e deixar omercado fazer as coisas funcionar. A segunda era mover-separa o outro extremo e adotar um processo de planejamentoabrangente para coordenar as atividades. A terceira era de-senvolver inovacoes organizacionais intermediarias entre essasduas formas extremas.

    A estrutura de governanca que acabou prevalecendo foi a doembriao da moderna empresa multidivisional: as empresas fer-roviarias tornaram-se imensas unidades detentoras de varias cen-tenas e a`s vezes varios milhares de milhas de trilhos, sendo a co-ordenacao pelo mercado suplantada em grande parte pela orga-nizacao administrativa. Nos termos discutidos na secao anteriordeste trabalho, os custos de transacao associados a` coordenacaopelo mercado eram tao elevados que as empresas preferiram ado-tar a forma integrada fundindo-se entre si.

    b) especificidade de ativos e a organizacao da industria de energiaeletrica americana

    Um estudo emprico mais detalhado, embora de alcance teoricomais limitado, sobre a importancia dos custos de transacao nadefinicao da estrutura da industria e o realizado por Joskow(1985, 1991) para a industria de energia eletrica norte ameri-cana. A conclusao e analoga a` obtida por Williamson para asestradas de ferro: nos segmentos da industria em que se requereminvestimentos em ativos mais especficos, os contratos sao maisminuciosos e cobrem perodos mais longos; em alguns casos, en-tretanto, a especificidade de ativos e tao expressiva que as firmas

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    integram-se verticalmente. O argumento pode ser resumido noseguinte.

    Mais de metade da energia eletrica nos Estados Unidos era pro-duzida na epoca em que os trabalhos foram escrito a partir docarvao, de modo que essa industria respondia sozinha por maisde 80% do consumo domestico desse recurso natural. O padraolocacional das usinas variava no pas de acordo com as especi-ficidades de cada regiao e a qualidade do carvao disponvel. Osquatro principais padroes eram os seguintes:

    i) a usina situa-se em uma regiao em que podem adquirircarvao de um grande numero de minas dispersas por umagrande area, atraves de operacoes a` vista no mercado ou con-tratos de curto prazo;ii) a usina localiza-se em uma area em que podem comprarcarvao de poucas minas situadas proximas umas das outras,produzindo carvao de qualidade similar;iii) a localizacao da usina implica que ela deve comprar carvaoexclusivamente de uma ou duas minas durante toda sua vidautil, sendo que tanto as minas como a usina precisaram fazergrandes investimentos: as primeiras para atender a demandapresente e futura de carvao e a segunda, em linhas ferreas evagoes para o transporte do carvao da mina para a usina;iv) a usina localiza-se a` boca da mina e obtem todo o carvaoque utiliza de uma ou duas minas adjacentes, as quais temcomo unico consumidor a usina; esta, alem disso realizou ini-cialmente pesados investimentos em linhas de transmissaopara distribuicao de energia para grandes centros urbanos.

    Do exposto anteriormente e facil perceber que o grau de especifi-cidade de ativos e muito maior nos dois ultimos casos tanto paraas minas, cujos ativos sao vinculados a` escala de producao, comopara as usinas nessas situacoes, que tem que realizar pesados in-vestimentos em uma determinada regiao. No caso particular das

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    usinas localizadas a` boca das minas parecem estar presentes pelomenos 3 tipos de especificidades de ativos: a) locacional,visto que a usina e construda deliberadamente proxima a`mina para reduzir outros custos que nao os de transacao, comocustos de transporte; b) especificidade em ativos fsicos, ja que aplanta e projetada para utilizar o tipo de carvao produzidopor uma mina especfica e c) especificidade em ativos vin-culados a` escala de producao, ja que nem a mina, nem ausina seriam construdas se nao fosse a expectativa que haverademanda e oferta garantidas de carvao por cada uma das partesnum horizonte de planejamento suficientemente longo.

    A hipotese da teoria neo-institucionalista , como discutido nasecao anterior, e que as usinas do tipo 4, portanto, serao mais ver-ticalizadas do que as demais ou estabelecerao com seus fornece-dores contratos mais minuciosos e abrangendo perodos de tempomuito maiores do que os realizados pelas outras usinas.

    A conclusao de Joskow e que a evidencia emprica e consistentecom essa hipotese. Das 21 plantas localizadas a` boca da mina,que respondiam em conjunto por 15% da demanda domestica decarvao em 1982, apenas duas compravam algum (pouco) desteinsumo no mercado em operacoes a` vista. Dez delas obtinhamtodo o carvao utilizado de subsidiarias e as restantes, atravesde contratos extremamente minuciosos, especificando clausulaspara precos e quantidades por um prazo medio de 35 anos. Odado mais significativo entretanto, por seu carater comparativo,e que embora respondam por apenas 15% do carvao consumidoas usinas a` boca da firma respondem por mais da metade daoferta gerada por usinas integradas verticalmente.

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    2.6 Algumas proposicoes empiricamente testaveis da teorianeoinstitucionalista da firma

    Sugeriu-se na ultima secao que a teoria do custo de transacaopermite formular hipoteses testaveis sobre teoria da firma denatureza completamente diferente das derivadas da teoria mi-croeconomica tradicional e mesmo das baseadas na teoria da or-ganizacao industrial inspirada nos trabalhos pioneiros de Labini,Bain e Steindl. Acredita-se que o fato de, ate onde se sabe, a teo-ria do custo de transacao nao ter ainda estimulado o desenvolvi-mento de trabalhos empricos para verificacao dessas hipotesesno Brasil talvez se deva a uma falta de interesse alimentada pordesconfianca de origem por aqueles que poderiam realiza-los deforma mais proveitosa. Explico: os economistas de orientacaoortodoxa estao atualmente muito pouco preocupados, para dizero mnimo, com o estudo de temas de elevado conteudo empricocomo organizacao industrial, preferindo dedicar-se a` formulacaode modelos teoricos de equilbrio geral, que por sua propria na-tureza nao podem tratar das questoes levantadas pela abordagemdo custo de transacao, como as que serao mencionadas a` frente.Ja os autores menos ortodoxos que tiveram algum contato coma teoria, e que eventualmente teriam maior interesse em suaspossibilidades empricas, provavelmente a descartam por ter elase originado no proprio coracao da economia mainstream, o queja seria suficiente, de seu ponto de vista, para compromete-lacom pressuposicoes nao aceitas doutrinariamente como as deequilbrio e a de individualismo metodologico.

    Pode ser que essa desconfianca seja de fato legtima e que ateoria do custo de transacao, como concepcao geral, deva ser afi-nal posta de lado. Mesmo se isto for verdade, entretanto, naosignifica necessariamente que ela nao possa fornecer insights es-clarecedores sobre a forma como a industria de um pas se or-

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    ganiza. Parece proveitoso portanto, indagar em que condicoessuas proposicoes podem (ou nao) ajudar a compreender melhora estrutura da economia brasileira. Tres questoes, entre inumerasoutras, podem ser listadas numa agenda preliminar de pesquisaem torno dessas proposicoes:

    1. a possibilidade de as formas empresariais verticalmenteintegradas na economia brasileira, em termos de controle dapropriedade e/ou dos processos produtivos, como as ob-servadas atualmente na producao integrada de frango pelasmaiores empresas do setor e no ramo de extracao e benefi-ciamento de minerio de ferro por exemplo, poderem ser ex-plicadas como resultando de uma estrategia empresarial deminimizacao de custos de transacao, ou por outros fatorescomo as exigencias tecnologicas e estrategias competitivasde longo prazo. A metodologia a ser utilizada em traba-lhos neste tema deve ser aproximadamente a mesma que autilizada por Joskow, na pesquisa resenhada neste trabalho, asaber: devera consistir idealmente, mas nao necessariamente,numa analise comparativa de empresas participantes de ummesmo ramo de atividade que operem em condicoes de pro-dutividade semelhantes, mas que apresentem graus de inte-gracao vertical distintos; nessas condicoes podem-se coeterisparibus excluir as exigencias tecnologicas como um fator queimpoe a integracao vertical. O mesmo raciocnio aplica-se a`sestrategias competitivas de longo prazo, procurando-se isolaro grau de heterogeneidade de custos e de produtos, que indicao grau de monopolio existente no setor, do grau de vertical-izacao da producao. A hipotese sera verificada, isto e os custosde transacao serao importantes na determinacao da estruturada industria, se as empresas do ramo em estudo forem tantomais verticalizadas ou seus contratos forem tanto mais rgidosquanto mais especficos forem seus ativos. Uma proxy paraessa medida pode ser por exemplo os tipos diferentes de es-

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    pecificidades presentes nos ativos das empresas estudadas;2. a possvel utilidade da teoria do custo de transacao paraexplicar processos de concentracao regional e de clustering in-dustrial na economia brasileira. Uma das hipoteses que podeser testada a respeito e que, por estarem sujeitos a rendimen-tos crescentes, tais processos sao cumulativos na medida emque acabam por favorecer por exemplo uma crescente concen-tracao de capital humano de alta qualidade em certas regioesdo pas, o que atrai novas empresas, atraindo ainda mais capi-tal humano. O capital humano e atrado porque a existenciade um numero significativo de empresas em um mesmo ramo(no caso do clustering), ou de empresas industriais de ramosdiferentes mas que usam trabalhadores de alta qualificacao(como no caso da concentracao regional de atividades gerado-ras de maior valor adicionado), permite ao trabalhador espe-cializado manter um relativamente alto grau de independenciaem relacao ao seu emprego atual porque tem a opcao de traba-lhar em empresas concorrentes. A concentracao de atividades,nas duas formas acima, confere a`s empresas um grau de flexi-bilidade analogo ao conferido ao trabalhador, tornando menora especificidade de seu capital humano. A explicacao e queao treinar seu trabalhador, a empresa torna-se mais depen-dente dele, na medida em que demitindo-o tera de incorrernovamente nos custos de treinamento. Mas se varias empre-sas em um clustering por exemplo estao fazendo o mesmo,a empresa podera atrair um trabalhador de outra empresa aum custo menor do que o de treinar um trabalhador novo. Oresultado e que tanto a`s empresas como os trabalhadores alta-mente qualificados expoem-se menos ao oportunismo mutuo,reduzindo custos de transacao, concentrando-se em determi-nadas regioes. Nao se esta realmente afirmando que o processoacima seja de fato o mais importante na formacao de clustersindustriais, o que se deseja indicar e um dos possveis usos daabordagem do custos de transacao em uma das areas de fron-

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    teiras da ciencia economica de mais rapido desenvolvimentonos ultimos anos; 9 e por ultimo3. a possibilidade da teoria do custo de transacao ser utilizadapara entender a estruturacao da industria em ramos onde asdecisoes empresariais estao mais sujeitas a` incerteza. Comovisto, a incerteza nao pode ser eliminada totalmente pelo esta-belecimento de contratos, na medida em que estes sao sempreem alguma medida incompletos. Mas, independentemente deoutros fatores, o grau em que as decisoes empresariais estaosujeitas a incerteza, varia muito de ramo para ramo, sendomenor por exemplo em industrias que produzem bens de con-sumo duravel do que naquelas que produzem bens de capital. Econcebvel portanto que os contratos tendam a ser mais incom-pletos (genericamente falando) nessas ultimas industrias doque nas primeiras. Se, alem disso, adicionar-se a informacao deque os ativos da industria de bens de capital tendem a ser emalguns segmentos altamente especficos em termos fsicos, umahipotese plausvel sobre a estrutura industrial desses ultimossegmentos e que as firmas tendam a ser mais verticalizadasou que apresentem um padrao de relacionamento fornecedor-usuario diferente do de outros ramos da economia, em razaotanto da incerteza como da especificidade de ativos. Espera-se encontrar especificamente, na medida em que as empresasprodutoras de bens de capital dificilmente integram-se para a`frente, clausulas contratuais bastante restritivas no ramo deproducao de bens de capital, na medida em que as relacoesfornecedor-usuario que essas empresas estabelecem com as de-mais nao sao continuadas, mas espacadas no tempo.

    9 Ver a respeito entre outros Krugman (1998), Malmberg & Solvell(1995) e Schmitz (1997).

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    3 A Nova Economia Institucional e a Logica da Acao

    Coletiva

    3.1 Racionalidade e dilemas de acao coletiva

    Um dos pressupostos metodologicos que melhor distingue a teo-ria economica das demais ciencias sociais e o de que os economis-tas levam mais longe do que qualquer outro o princpioda racionalidade. Vimos que os novos economistas institucionaiscolocam esta hipotese no centro do seu argumento, ainda quesupondo que esta racionalidade seja limitada, no sentido de queos indivduos procuram atender seus interesses mas sem conhecerintegralmente as circunstancias em que irao fazer isso. Uma dasrazoes de porque as pessoas, mesmo as mais sofisticadas, nao po-dem prever as consequencias completas de suas decisoes e porquetais consequencias dependem do que as demais pessoas irao fazer.Muitas vezes, nessas circunstancias, e melhor adotar um com-portamento defensivo que implique minimizacao de danos parao indivduo, independentemente do que os demais facam. As-sim agir racionalmente pode significar que os indivduos adotemum tipo de comportamento que nao produz a melhor situacaoque um indivduo em tese poderia alcancar se todos os demaisagissem de forma mais cooperativa. Configura-se nesse caso umdilema de acao coletiva.

    A tese classica sobre a existencia de problemas de acao coletiva,formulada inicialmente por Olson (1965) e desenvolvida mais re-centemente por Hardin (1982) e Bates (1995) e de que muitasvezes e impossvel alcancar solucoes cooperativas por negociacao.Existem situacoes, definidas como dilemas sociais, em que, porrazoes associadas por exemplo a` existencia de externalidades, associedades sao incapazes de alcancar configuracoes eficientes nosentido paretiano, porque indivduos e firmas, agindo racional-

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    mente, irao engajar-se excessivamente na producao de bens quegeram externalidades negativas e deixarao de produzir bens eservicos que geram externalidades positivas, esperando que ou-tros o facam por eles. Nessas condicoes o assim chamado teoremade Coase deixaria de ser valido nao apenas porque existem custosde transacao que impedem que as pessoas negociem de forma aalocar privadamente os custos implicados pelas externalidade. Arazao principal porque as instituicoes que garantiriam a eficienciasocial nao sao em geral adotadas e que essas instituicoes naointeressam a grupos de indivduos capazes de se organizar po-liticamente para se beneficiar de comportamentos do tipo freerider e rent seeker. As negociacoes que os novos economistasinstitucionais supoem serem a fonte do processo de evolucao ins-titucional, em outras palavras, se dao dentro de estruturas for-madas na arena poltica. Assim, parafraseando Bates (1995) naoe que a teoria neo-institucionalista esteja essencialmente incor-reta em suas formulacoes; o problema e que ela deixa de incluirem suas analises a dimensao essencialmente poltica do processo.Este trabalho tentara contribuir para essa discussao sugerindouma forma de incluir a poltica nos modelos economicos do neo-institucionalismo.

    Segundo a classica formulacao de Olson, as solucoes cooperativasmais importantes assumem a forma de bens publicos, definidoscomo bens que apresentam duas propriedades: nao rivalidade,no sentido de que seu consumo por um grupo de indivduos naoreduz sua disponibilidade para o consumo de outros, e nao ex-cludabilidade, que significa que indivduos nao podem ser im-pedidos de usufruir do bem mesmo que nao contribuam parasua provisao. 10Os bens publicos, assim, podem estar sujeitos a`provisao insuficiente em grupos grandes, visto que, sabendo queagentes que nao podem ser excludos de seu consumo terao incen-tivos para atuar como free-riders, sera uma estrategia racional

    10 Ver a respeito Drazen (2000:cap.9).

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    do ponto de vista de cada indivduo nao contribuir para suaprovisao. Posteriormente, Hardin (1982) demonstrou que esseproblema pode estar presente, definindo o grupo como latente,mesmo em grupos pequenos se nao houver nesses grupos umsub-grupo eficaz. Um sub-grupo eficaz e aquele que tem incen-tivo para financiar o bem publico, mesmo se os demaisnao contriburem. A existencia de mais de um sub-grupo eficazno mesmo grupo, entretanto, pode gerar problemas de provisaoporque cada um desses grupos esperara que o outro assuma ofinanciamento do bem publico.

    Para garantir a oferta de bens publicos e preciso entao mobilizarincentivos seletivos, como a coercao direta, ou explorar a possi-bilidade de, sob certas circunstancias, ser vantajoso para atoressociais suficientemente grandes incorrer nos custos de gerar in-dependentemente as externalidades positivas para o restante dasociedade. 11A primeira possibilidade implica o uso de poderpoltico e a segunda, a mobilizacao de interesses poderosos, isto einscrevem-se no ambito da acao essencialmente poltica, nao con-templada suficientemente pela teoria neo-institucionalista tradi-cional.

    A principal implicacao dessa conclusao para a teoria dasinstituicoes e que nao se pode esperar que as instituicoes maiseficientes para o crescimento economico possam ser alcancadasatraves de negociacoes entre agentes racionais, a nao ser quandose forma um quadro institucional que torne as decisoes cooperati-vas racionais do ponto de vista individual. Isto acontece quandoocorre uma mudanca em cascata do aparato institucional pre-existente. Mostro, em seguida, que uma das razoes de porque emais facil alcancar solucoes racionais do ponto de vista coletivoquando o numero de pessoas envolvido e menor e que e mais facil,nessas condicoes, criar capital social Finalmente tento mostrar

    11 Ver especialmente Bates(1995:42).

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    que o nao desenvolvimento de algumas instituicoes como asque garantem o direito de propriedade tem implicacoes maisserias para o desenvolvimento economico; nao obstante, algunspases a minoria no mundo conseguiram faze-lo. Como eles ofizeram?

    3.2 O conceito de capital social

    Examinando a questao de por que e tao difcil alcancar solucoescooperativas para problemas coletivos com base na conhecidametafora do dilema do prisioneiro (explicitada adiante), pareceplausvel que a cooperacao possa acabar prevalecendo sobre acompeticao se os agentes interagem continuamente, como suge-rido por North (embora se apresentem uma serie de qualificacoesa essa possibilidade na secao seguinte). Em jogos repetidos emque os agentes nao percebam claramente a existencia de um jogofinal, como acabou se tornando por exemplo a Guerra Fria (em-bora em varios momentos a hipotese de haver um end gametivesse sido realisticamente considerada), os agentes adotam es-trategias tit for tat, que tornam a solucao cooperativa racional doponto de vista individual, visto que cada jogador pode (em tese)testar a superioridade dessa solucao e eventualmente alterar seucurso de acao. 12

    12 Segundo North (1996:13): ...the most dismal aspects of Olsonsanalysis and prisioner dilemma problems reflect the static nature ofthe analysis and the fact that is a one shot game. That is, when theprisioner dilemma game is played only once, it is a dominant strat-egy for players to defect and therefore not to achieve what would bean efficient outcome with respect to the aggregate well-being of theplayers. However, it is well known that defection is not the dominantstrategy if the situation is repeated over and over again, as many col-lective action problems are. In an iterated prisioners dilemma game,

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    A implicacao e que a criacao de instituicoes que possibilitam ocomportamento cooperativo e um processo cumulativo em que setorna mais facil alcancar solucoes cooperativas mais complexasquando as pessoas conseguem estabelecer relacoes de confiancaem situacoes mais simples que envolvem menor comprometi-mento de recursos e menores riscos pessoais. Mas ha um segundoaspecto da questao relacionado a` cumulatividade do processo quee central para explicar porque as solucoes encontradas sao distin-tas para os grupos humanos, as quais ajudam a compreender porexemplo porque os pases seguem normalmente trajetorias de de-senvolvimento economico tao distintas. Trata-se do fato de que assolucoes encontradas em cada situacao delimitam as escolhas quepodem ser feitas nas etapas seguintes da trajetoria. O estoquede solucoes cooperativas que uma sociedade alcanca assim podeser considerado uma especie de capital capital social no sen-tido de que essas solucoes, ao gerar confianca inter-pessoal, agemcomo um insumo na producao sem o qual muitos empreendimen-tos coletivos nao podem ser realizados; mas tambem de maneiraanaloga ao capital fsico, o capital social tranca (locks in) aevolucao futura da sociedade em determinadas trajetorias ins-titucionais que podem ser mais ou menos eficientes em termosde desenvolvimento economico.

    O conceito de capital social diz respeito a` estrutura de incen-tivos e sancoes ao comportamento individual, definida por umconjunto pre-existente de regras formais e informais, comporta-

    one that is repeated there is no dominant strategy. In a now-famoustournament, Robert Axelrod found that the winning strategy underthese conditions of continuous repeated play is a strategy of tit-for-tat, one in which a player responds in kind to the action of the otherplayer. This led to Axelrods celebrated The Evolution of Coopera-tion (1984), an optimistic book about the ability of human beings todevise cooperative solutions to problems without the intervention ofa coercive state.

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    mentos organizados e organizacoes, que promovem a confianca ea cooperacao entre as pessoas. Engloba, assim, em primeiro lugara rede de contatos sociais que um indivduo tpico mantem, im-plicando portanto comportamentos sociais relativamente estaveisno tempo e por isso confiaveis. Mas inclui tambem uma dimensaode bem coletivo, no sentido de que se um determinado numerocrtico de indivduos pertence a essas redes, a comunidade comoum todo se beneficiara na medida em que emerge um ambientegeral de confianca e seguranca, o qual incentiva a cooperacao en-tre as pessoas e, como ja vimos, melhora a eficiencia economicada comunidade. 13

    Duas comunidades com dotacoes semelhantes de recursos na-turais, capital fsico e capital humano, assim, podem apresen-tar desempenho economico muito diferente se as dotacoes decapital social forem diferente. Em interessante estudo realizadoem estabelecimentos rurais na Tanzania por exemplo, Narayan(1997) descobriram que, mesmo nas condicoes de extrema po-breza deste pas, as famlias que participavam mais ativamente deorganizacoes coletivas tinham renda mais alta do que as demais.Essa situacao relativamente mais favoravel derivava de cinco fa-tores, todos eles compreendidos no conceito de capital socialexplicitado acima. Primeiro, essas famlias utilizavam praticasagrcolas mais eficientes, ja que ao participarem das organizacoescoletivas recebiam informacoes que as induziam a utilizar maisinsumos modernos e sementes melhoradas; segundo, dispunhamde melhores informacoes sobre o mercado; terceiro, estavam dis-postas a aceitar mais riscos, devido a se sentirem mais protegidaspelas redes de relacionamentos de que participavam; quarto, in-fluam na melhoria dos servicos publicos, inclusive participandomais ativamente das escolas, e quinto, cooperavam mais em nvelde municpios.

    13Os trabalhos precursores classicos no tema do capital social saoColeman (1990) e Putnam (1993).

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    O capital social pode em alguns casos ter um efeito negativosobre as comunidades, como quando estimula ou sanciona com-portamentos criminosos; o caso da Mafia na Siclia por exem-plo descrito no ja classico livro de Gambetta (1993). Mas emgeral os efeitos sao positivos, ja que dificilmente comunidadescuja principal atividade economica seja o crime podem sobre-viver por longos perodos. A questao e: porque o capital sociale tao frequentemente insuficiente em pases pobres, o que colocauma outra pergunta, a saber: pode o capital social ser criadoou aumentado em prazo aceitavel em termos de planejamentoeconomico? Comecemos pela primeira questao.

    O capital social, diferentemente do capital fsico, nao se desgastacom o uso. Ao contrario tem o potencial de desencadear ciclosvirtuosos em pases onde a estrutura de incentivos pune compor-tamentos oportunistas e ciclos viciosos, onde os codigos de com-portamentos, os costumes e o aparato jurdico formal sancionama desonestidade e a corrupcao. Num pas onde vigore uma estru-tura de incentivos do segundo tipo, e racional do ponto de vistaindividual nao se comportar de maneira cooperativa, na medidaem que nao se pode esperar que os demais indivduos cumpramsua parte nos acordos. Exatamente como no caso classico dodilema do prisioneiro, o equilbrio cooperativo seria benefico parao conjunto dos indivduos, mas os custos das provaveis defeccoessao tao elevados que nenhum dos indivduos isoladamente es-tara disposto a cooperar, sendo a estrategia dominante a naocooperacao.

    Em uma sociedade do segundo tipo acima, portanto, prevaleceraum equilbrio negativo, onde por exemplo os elevados ndices decriminalidade tornam pouco racional andar desarmado e o portede armas de fogo, por parte da maioria da populacao, torna asociedade progressivamente mais violenta e a vida mais insegurapara os indivduos, do que em uma sociedade onde a solucao

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    cooperativa de banimento geral de armas de fogo pudesse seralcancada. O equilbrio positivo representado pelas solucoes coo-perativas, entretanto, baseia-se na reciprocidade e esta so existequando a cooperacao esta fundamentada no interesse proprio,porque a sociedade nao e constituda de santos mas de homenscomuns que, em sociedades cooperativas, vivem num sistema emque o altrusmo no curto prazo e em geral uma forma de bus-car o interesse proprio no longo prazo. Nos mutiroes familiarespara a construcao de casas proprias por exemplo, frequentes en-tre as populacoes mais pobres dos pases subdesenvolvidos, osindivduos sacrificam seu descanso semanal para auxiliar naconstrucao da casa do vizinho porque esperam que, mais paraa frente, seu vizinho fara o mesmo por ele. E evidente que senao tiver essa garantia de reciprocidade sera racional do pontode vista individual ir ao bar ou a` igreja no domingo ao invesde carregar tijolos e construir lajes, embora toda a vizinhancapermaneca desse modo em uma situacao pior, pagando aluguel evivendo em moradias precarias, do que se cooperasse formandoo mutirao.

    Quando entretanto uma solucao cooperativa e alcancada o graude confianca aumenta porque, em primeiro lugar, ficam clarospara os indivduos os benefcios dessa solucao e, talvez mais im-portante, fica claro que essa solucao e possvel para uma seriede outros empreendimentos. Quanto mais extensas as redes derelacoes pessoais, que se estabelecem entre as pessoas envolvi-das nesses empreendimentos, menor o estmulo ao oportunismo,porque os indivduos que consideram adotar esse comportamentosabem que tenderao a ser excludos de muitos outros empreendi-mentos se se mostrarem como nao confiaveis. O capital socialassim, que em ultima instancia e produto do grau de confiancainterpessoal em uma sociedade, aumenta progressivamente emsociedades que conseguem libertar-se do equilbrio negativo dassolucoes nao cooperativas e tende a ser insuficiente em pases

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    onde prevalece o cada um por si e as relacoes economicas e so-ciais coordenadas atraves da coercao (relacionamentos verticais)ao inves da cooperacao voluntaria (relacionamentos horizontais).Em seu classico estudo sobre a Italia, Putnam (1993:174), resumeo argumento no seguinte:

    ... as tradicoes cvicas do norte da Italia do norte proveem umrepertorio historico de formas de colaboracao que, tendo provadoseu valor no passado, esta disponvel aos cidadaos para tentarresolver novos problemas de acao coletiva. Foram construdassociedades de ajuda mutua, nas fundacoes arrasadas dos velhosgremios , cuja experiencia foi utilizada por cooperativas e par-tidos polticos de massa. Os movimentos ambientais italianoscontemporaneos, por exemplo, foram uma dessas associacoes queutilizaram este precedente mais cedo. Por outro lado, onde nen-hum exemplo anterior de colaboracao cvica bem sucedida existe,e mais dificil superar as barreiras de suspeita e descompromisso.Em todos os lugares, colocados face a novos problemas que re-querem compromisso coletivo, homens e mulheres tendem a olharpara as solucoes dadas a esse problemas no passado. Os cidadaosde comunidades cvicas acham exemplos de relacoes horizontaisprosperas em sua historia, enquanto os habitantes das regioesmenos cvicas acham, no maximo, exemplos de clientelismo ver-tical.

    Mas, pode esse equilbrio estagnante da solucao nao cooperativaser rompido? Isto e pode o capital social ser criado, quando exis-tente em quantidade insuficiente, de modo a viabilizar projetosde investimentos modernizantes, que contemplem por exemploinvestimentos em sistemas de irrigacao?

    Os autores pioneiros na discussao do tema, Putnam por exemplo,sao pessimistas a respeito, na medida em que veem o processode mudanca institucional como muito lento, devendo ser medidona melhor das hipoteses em decadas, em razao dos efeitos auto-

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    reforcadores que conduzem as sociedades a equilbrios positivosou negativos; neste ultimo caso, a desconfianca e a traicao mutuasao reforcadas em crculos viciosos difceis senao impossveis deromper.

    E possvel, entretanto, encontrar na literatura mais recenteinumeros casos em que o capital social parece ter sido criadoou adaptado rapidamente produzindo resultados apreciaveis emtermos economicos.

    Um dos exemplos mais interessantes de como a estrutura de in-centivos pre-existente, por mais irracional que pareca, pode serconsiderada como capital social e assim ser utilizada em favorda implantacao de sistemas de irrigacao baseados em tecnolo-gia moderna e o caso de Burkina Fasso, relatado em Smale eRuttan (1997). Nesse caso, utilizou-se uma instituicao existente,os Kombi-Naam, que sao grupos de jovens que tradicionalmentededicam um ano ao trabalho voluntario da aldeia, para construirdiques que viabilizaram a implantacao de tecnicas agrcolas maisavancadas.

    Outros exemplos que merecem ser destacados sao os seguintes: oestudo de Ostrom (1997), que mostra que, de 108 sistemas de ir-rigacao pesquisados no Nepal, aqueles governados pelos propriosusuarios apresentaram resultados melhores em termos deeficiencia e de incremento da produtividade agrcola do queos administrados pelo governo. A principal razao detectada paraessa maior eficiencia comparativa foi a de que a manutencao daadministracao nas maos dos usuarios preservava mais o capitalsocial historicamente constitudo para lidar com os problemasdo dia a dia, e assim produzia menos perturbacoes nas relacoessociais entre produtores; um segundo caso ilustrativo e relatadopor Narayan (1997) em estudo de 121 projetos de irrigacao lo-calizados em 49 pases em desenvolvimento da Africa, Asia eAmerica Latina. A conclusao novamente e a de que a

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    participacao dos usuarios no processo de tomada de decisoes ecrucial para explicar o grau de sucesso com que tais projetos saoimplementados e operados.

    Respondendo a` segunda questao colocada anteriormente, entao,pode-se dizer que embora a criacao de capital social pareca ser defato um processo lento, a adaptacao do capital social ja existentepara outros fins parece poder ser feita em perodos de tempo bemmais curtos; a principal forma de fazer essa adaptacao e atravesda participacao dos indivduos pertencentes a`s comunidades aque os projetos de investimento se destinam. Definindo par-ticipacao como o processo voluntario pelo qual as pessoas influen-ciam ou controlam as acoes que as afetam, pode-se afirmar, combase na discussao acima, que a participacao dos usuarios e funda-mental em projetos de construcao de infra-estrutura porque issopermite que elas acrescentem o capital social ja existente a`s novasrelacoes de producao implicadas, entendendo por capital sociala estrutura de incentivos que lhes permite viver em comunidadee lidar com seus problemas economicos atuais. Ao permitir aparticipacao, portanto, os programas nao tem de construir umainteiramente nova estrutura de incentivos, que quase sempre naofunciona, visto ser a estrutura de incentivos pre-existente com-posta em boa parte de regras quase invisveis, muitas vezes comoja mencionado destitudas de qualquer racionalidade do ponto devista dos financiadores do projeto.

    3.3 Por que algumas vezes as instituicoes mais eficientes sedesenvolvem mas na maioria dos casos nao: a teoria deMancur Olson

    Ate aqui examinamos casos em que um numero relativamentereduzido de agentes estao envolvidos no jogo . Mas o quese pode dizer de sociedades? E mais difcil ou mais facil obter

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    a solucao cooperativa em grupos maiores? De que tipo sao asinstituicoes que representam essas solucoes cooperativas?Quais sao as instituicoes crticas para que uma sociedade possadesenvolver-se? Por que a maioria das sociedades nao conseguedesenvolver essas instituicoes? Tais sao as questoes que MancurOlson procurou responder em duas das suas obras classicas sobreacao coletiva que resumimos a seguir.

    A forca da metafora do dilema do prisioneiro para ilustrar dile-mas sociais, isto e a dificuldade de se atingir solucoes social-mente superiores, reside mais na sua beleza e simplicidade do queem seu poder explicativo propriamente. 14Quando a sociedade

    14 Ha muitas outras situacoes de interacao social onde ha motivostanto para cooperar como para agir isoladamente. As matrizes depay-offs abaixo retratam os quatro arquetipos mais conhecidos deinteracao social, incluindo o do dilema do prisioneiro:

    Dilema do PrisioneiroC NC

    C 3,3 1,4NC 4,1 2,2Jogo da Confianca

    C NCC 4,4 1,3NC 3,1 2,2Batalha dos Sexos

    C NCC 1,1 3,4NC 4,3 2,2Jogo da Coragem

    C NCC 3,3 2,4NC 4,1 1,1

    Comparado com o dilema do prisioneiro, ha um maior incentivo a`cooperacao no jogo da confianca porque os pay-offs de ambos os jo-gadores aumentam expressivamente ao deixarem de agir isoladamente

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    e passarem a cooperar, isto e passarem da celula (NC,NC) para acelula (C,C). Como entretanto existe o risco de defeccao, e possvelque um agente que decida cooperar tenha sua situacao piorada se ooutro decidir nao cooperar; o jogo portanto ilustra a importancia daconfianca entre os agentes envolvidos para que a solucao cooperativapossa ser alcancada.O jogo da Batalha dos Sexos, que e frequentemente encontrado emsituacoes de negociacao entre agentes no mundo real, ilustra a im-portancia da coordenacao entre as decisoes individuais. Como estearquetipo nao e tao conhecido, vale a pena lembra o tipo de situacaoque ele r