ação civil jussara

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA Nº 2009.70.03.004805-3/PR AUTOR : UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO RÉU : AILTON VIEIRA DE MATTOS ADVOGADO : EDVALDO CARLOS LIMA VALÉRIO RÉU : DARCI JOSÉ VEDOIN : LUIZ ANTÔNIO TREVISAN VEDOIN : SANTA MARIA COMÉRCIO E REPRESENTAÇÃO LTDA ADVOGADO : ANDRE LUIS ARAUJO DA COSTA RÉU : FRED JOEL DE ALENCAR ADVOGADO : DEOLINDO ANTONIO NOVO SENTENÇA 1. Relatório A UNIÃO propõe Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa em face de AILTON VIEIRA DE MATTOS, DARCI JOSÉ VEDOIN, LUIZ ANTONIO TREVISAN VEDOIN, SANTA MARIA COMÉRCIO E REPRESENTAÇÃO LTDA e FRED JOEL DE ALENCAR, requerendo "seja deferida, liminarmente, inaudita altera parte, medida cautelar de indisponibilidade de bens, determinando, para tanto, o efetivo bloqueio de bens dos Réus, móveis e imóveis, de valor apto a assegurar o efetivo e devido ressarcimento ao erário federal do valor de R$ 64.000,00, devidamente atualizado até a data do efetivo pagamento" (destaques originais). Para tanto, requer: a) indisponibilização, via convênio Bacen-Jud, de valores creditados às contas dos réus, até o montante malversado; b) expedição de ofício aos Cartórios de Registros de Imóveis constantes da listagem anexa, noticiando a decretação de indisponibilidade de bens dos Réus, bem como requisitando informações sobre a existência de bens imóveis em seus nomes; c) a expedição de ofícios para as mesmas finalidades ao DETRAN, através do sistema RENAJUD, à CVM; d) expedição de ofício à Delegacia da Receita Federal requisitando as declarações de renda dos réus, a partir do ano 2000, como meio de acompanhar as evoluções patrimoniais. Tece, inicialmente, considerações acerca das condutas dos réus, a fim de inseri-las no contexto da improbidade administrativa, dizendo, em resumo, que: em 2006, conforme divulgado pela imprensa nacional, o País tomou conhecimento da desarticulação de esquema fraudulento perpetrado por uma organização criminosa, descoberto por meio de investigações feitas pela Polícia Federal, e que se baseava principalmente na venda irregular de ambulâncias - denominadas Unidades Móveis de Saúde - em vários Estados da Federação, inclusive com envolvimento de dezenas de parlamentares do Congresso Nacional; as atividades, apesar de gerarem efeitos em relação a quase todos os Estados, tinham como base geográfica o Estado do Mato Grosso, haja vista que seus principais componentes eram empresários estabelecidos no Município de Cuiabá; as investigações tiveram início no ano de 2002, na Procuradoria da República do Estado de Mato Grosso; a partir da realização de diligências pela Secretaria da Receita Federal, verificou-se tratar de um grupo de empresas "de fachada", sem existência de fato nos endereços indicados nos respectivos contratos sociais, com a finalidade de apropriar-se

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Condenação do ex-prefeito Ailton Vieira de Mastos, de Jussara

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Page 1: Ação civil Jussara

AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA Nº 2009.70.03.004805-3/PR AUTOR : UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO RÉU : AILTON VIEIRA DE MATTOS ADVOGADO : EDVALDO CARLOS LIMA VALÉRIO RÉU : DARCI JOSÉ VEDOIN : LUIZ ANTÔNIO TREVISAN VEDOIN : SANTA MARIA COMÉRCIO E REPRESENTAÇÃO LTDA ADVOGADO : ANDRE LUIS ARAUJO DA COSTA RÉU : FRED JOEL DE ALENCAR ADVOGADO : DEOLINDO ANTONIO NOVO

SENTENÇA

1. Relatório A UNIÃO propõe Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa em face de AILTON VIEIRA DE MATTOS, DARCI JOSÉ VEDOIN, LUIZ ANTONIO TREVISAN VEDOIN, SANTA MARIA COMÉRCIO E REPRESENTAÇÃO LTDA e FRED JOEL DE ALENCAR, requerendo "seja deferida, liminarmente, inaudita altera parte, medida cautelar de indisponibilidade de bens, determinando, para tanto, o efetivo bloqueio de bens dos Réus, móveis e imóveis, de valor apto a assegurar o efetivo e devido ressarcimento ao erário federal do valor de R$ 64.000,00, devidamente atualizado até a data do efetivo pagamento" (destaques originais). Para tanto, requer: a) indisponibilização, via convênio Bacen-Jud, de valores creditados às contas dos réus, até o montante malversado; b) expedição de ofício aos Cartórios de Registros de Imóveis constantes da listagem anexa, noticiando a decretação de indisponibilidade de bens dos Réus, bem como requisitando informações sobre a existência de bens imóveis em seus nomes; c) a expedição de ofícios para as mesmas finalidades ao DETRAN, através do sistema RENAJUD, à CVM; d) expedição de ofício à Delegacia da Receita Federal requisitando as declarações de renda dos réus, a partir do ano 2000, como meio de acompanhar as evoluções patrimoniais. Tece, inicialmente, considerações acerca das condutas dos réus, a fim de inseri-las no contexto da improbidade administrativa, dizendo, em resumo, que: em 2006, conforme divulgado pela imprensa nacional, o País tomou conhecimento da desarticulação de esquema fraudulento perpetrado por uma organização criminosa, descoberto por meio de investigações feitas pela Polícia Federal, e que se baseava principalmente na venda irregular de ambulâncias - denominadas Unidades Móveis de Saúde - em vários Estados da Federação, inclusive com envolvimento de dezenas de parlamentares do Congresso Nacional; as atividades, apesar de gerarem efeitos em relação a quase todos os Estados, tinham como base geográfica o Estado do Mato Grosso, haja vista que seus principais componentes eram empresários estabelecidos no Município de Cuiabá; as investigações tiveram início no ano de 2002, na Procuradoria da República do Estado de Mato Grosso; a partir da realização de diligências pela Secretaria da Receita Federal, verificou-se tratar de um grupo de empresas "de fachada", sem existência de fato nos endereços indicados nos respectivos contratos sociais, com a finalidade de apropriar-se

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de recursos públicos federais destinados à saúde, liberados pelo Fundo Nacional de Saúde, órgão do Ministério da Saúde; em 2004, por solicitação da Procuradoria da República do Estado de Mato Grosso, foram instaurados cerca de 70 (setenta) inquéritos policiais, visando à apuração da autoria e materialidade dos ilícitos penais praticados pelo grupo, no bojo dos quais foi autorizada a interceptação das comunicações telefônicas mantidas pelos principais membros da quadrilha. Na seqüência, descreve, em síntese, a forma cronológica do funcionamento dos atos apurados: 1º) na primeira etapa, os integrantes da família Vedoin, ou seus prepostos, acordavam com os prefeitos municipais a aquisição superfaturada de unidades móveis de saúde, mediante convênio com o Ministério da Saúde, utilizando-se de fraude às licitações; 2º) depois, no âmbito do Congresso Nacional, eram apresentadas emendas ao Orçamento da União, mediante contrapartida financeira para os parlamentares, em percentual previamente combinado, com o objetivo de comprar as ambulâncias e equipamentos hospitalares para os Municípios ou Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP's); 3º) reservada a verba do orçamento, a quadrilha se encarregava de agilizar a sua execução, apressando a liberação das verbas no Ministério da Saúde, por meio da assinaturas de convênios com Municípios de vários Estados, inclusive contando com apoio de agentes públicos; 4º) firmado o convênio, a organização criminosa, juntamente com integrantes da estrutura administrativa dos Municípios (prefeitos e servidores do setor de licitações), manipulavam licitações de maneira que o objeto da licitação era direcionado a algumas das empresas constituídas de forma irregular, exatamente com finalidade de fraudar o processo licitatório; 5º) por fim, os valores públicos superfaturados era repartidos, com aparente licitude, entre todos os envolvidos no esquema de corrupção, dentre eles parlamentares, agentes públicos do quadro funcional do Ministério da Saúde e dos Municípios envolvidos, prefeitos, lobistas e empresários. Destaca que na maioria dos casos a quadrilha fraudava indevidamente o objeto licitado, de maneira que, realizando diferentes licitações de valor não superior a R$ 80.000,00, justificava-se a utilização da modalidade convite, cuja simplicidade facilitava a participação de empresas integrantes do esquema fraudulento e concedia ao certame uma aparência de legalidade, ou seja, ao invés de promover um processo licitatório para aquisição de Unidade Móvel de Saúde, desmembrava-se o procedimento em uma licitação para aquisição do veículo e outra para aquisição dos equipamentos que necessariamente o devem guarnecer, culminando, entre os anos de 2000 e 2006, com a movimentação de recursos federais da ordem de R$ 110.000.000,00 (cento e dez milhões de reais). Em relação ao caso concreto envolvendo os réus noticia que, em 22 de outubro de 2001, o Município de Jussara-PR, à época representado pelo então Prefeito AILTON VIEIRA DE MATTOS, ora réu, firmou o Convênio n. 300/2001, SIAFI nº 422952, que teve por objeto a aquisição de 01 (uma) unidade móvel de saúde, tipo Van, com todas as características e equipamentos discriminados no Plano de Trabalho, competindo à União/Concedente o repasse ao Município da quantia de R$ 64.000,00 (sessenta e quatro mil reais), obrigando-se o Município a uma contrapartida de R$ 12.800,00, conforme Cláusula Terceira do mesmo Convênio. Para a efetivação da compra, prossegue, o Município, por meio de seu prefeito e da Comissão de Licitação, presidida pelo Sr. FRED JOEL DE ALENCAR, também réu

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nesta demanda, promoveu licitação pela modalidade de Carta Convite, sob n. 012/2001, a qual foi direcionada no sentido de convidarem-se apenas as empresas SANTA MARIA Comércio e Representação Ltda., VEDOVEL Comércio e Representações Ltda., e Latina Veículos Ltda., todas empresas integrantes do esquema fraudulento desbaratado por operação da Polícia Federal Brasileira. Ao final, afirma, os membros da Comissão de Licitação declararam como vencedora do certame a empresa SANTA MARIA Comércio e Representação Ltda., tendo sido constatadas, no entanto, diversas irregularidades na licitação após a realização da Auditoria n. 5000, pelo Departamento Nacional de Auditoria do SUS, órgão do Ministério da Saúde, em conjunto com a Controladoria-Geral da União. Tais irregularidades, associadas aos fatos apurados no inquérito policial instaurado pela Polícia Federal no Estado do Mato Grosso, permitem perceber tratar-se de uma pequena parcela de um esquema grandioso que causou enormes prejuízos ao Estado Brasileiro. Discorre sobre a competência da Justiça Federal para processar e julgar o feito, bem assim sobre a legitimidade ativa, destacando que as verbas do Convênio n. 300/2001 originaram-se do Ministério da Saúde e que sua aplicação está sujeita à fiscalização do Tribunal de Contas da União. Em seguida, diz que a prova colhida pelos órgãos estatais demonstra a frustração do caráter competitivo dos procedimentos licitatórios de que se trata e a repartição do produto da conduta ilícita entre os réus. Sustenta que as empresas convidadas integravam uma mesma estrutura que se mobilizou para perpetrar fraudes em desfavor dos cofres públicos da União e do Município, pois o grupo Vedoin era o administrador efetivo da SANTA MARIA, conforme os termos de depoimentos e de interrogatório. Além disso, a VEDOVEL, outra pseudoconcorrente da licitação realizada pelo Município de Jussara, tinha como sócio originário Luiz Antônio Trevisan Vedoin, o que por si só levantaria suspeita sobre o processo licitatório, mas a fraude fica comprovada pela análise do interrogatório de Luiz Antônio, que afirma ter sido a VEDOVEL criada apenas com a intenção de direcionar as licitações de interesse do grupo e que os nomes das sócias também teriam sido emprestados para constituir aquela empresa meramente de fachada; enfim a SANTA MARIA e a VEDOVEL integravam o grupo empresarial da família Vedoin, e suas constituições ocorreram apenas para fraudar licitações. Afirma que a empresa LATINA também integrava a organização criminosa, servindo de poderoso parceiro para a concretização das fraudes, concluindo-se que as três empresas convidadas pelo Município de Jussara integravam o mesmo consórcio criminoso e, atuando com a participação do prefeito e da comissão de licitação, consumaram ato lesivo aos cofres da União e daquela municipalidade. Acrescenta que o Convênio foi firmado com valor distinto do previsto no Plano de Trabalho e no Parecer Técnico, o que é um indício de direcionamento da licitação para a modalidade Convite; a Comissão Municipal de Licitação de Jussara não fez orçamento estimativo nem realizou pesquisa de preços para fornecer parâmetros adequados ao julgamento das propostas, violando da legislação aplicável; uma das empresas foi inabilitada, acarretando a existência de apenas duas propostas válidas, motivo pelo qual o convite deveria ter sido repetido; houve superfaturamento do objeto da licitação, pois o veículo foi adquirido por R$ 76.380,00, enquanto o preço de mercado alcançava o

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valor de R$ 46.658,05, gerando uma diferença de R$ 29.721,95, equivalente a 63,70% do valor do bem adquirido. Sobre a conduta do réu AILTON VIEIRA DE MATTOS, ex-prefeito municipal, afirma que o mesmo deu início ao processo licitatório objetivando aquisição de bem diverso do aprovado no plano de trabalho; participou do direcionamento da licitação, tendo frustrado o caráter competitivo do procedimento; e homologou e adjudicou proposta manifestamente superfaturada e que gerou a aquisição de bem diverso do aprovado no convênio. Em relação à situação de DARCI JOSÉ VEDOIN e LUIZ ANTÔNIO TREVISAN VEDOIN, afirma enquadrar-se no art. 3º da Lei de Improbidade, pois participaram de organização criminosa na qualidade de líderes da base empresarial de todo o esquema montado, sendo os principais responsáveis pelos contatos mantidos com parlamentares, seus assessores, prefeitos e agentes públicos dos quadros dos Municípios e do Ministério da Saúde, fundamentais para a concretização da fraude; além disso, como verdadeiros proprietários e controladores da empresa "vencedora" do certame, SANTA MARIA, forneceram a unidade móvel objeto do Convite. Tinham funções distintas na organização. Enquanto LUIZ ANTÔNIO geria os negócios da empresa, executando licitações, projetos e prestações de conta aparentemente lícitas, DARCI perambulava pelo Congresso Nacional em busca de políticos dispostos a integrarem o esquema de fraudes e corrupção. Tinham ligação com Maria da Penha Lino, servidora pública federal, ex-empregada de outra empresa dos réus, a Planam Comércio e Representações Ltda., que ocupava o cargo de Assessora do Ministério da Saúde, em Brasília-DF, cuja principal função era a de patrocinar os interesses daquela empresa, agilizando o andamento dos processos referentes aos convênios, de modo a liberar a verba pública de forma mais célere possível, conforme degravações de conversas telefônicas que transcreve. Tais réus incorporaram em proveito próprio as verbas oriundas do Convite n. 12/2001 do Município de Jussara, pois a nota fiscal lavrada pela sociedade de fachada SANTA MARIA demonstra o pagamento do valor do contrato àquela empresa e, por consequência, aos réus, ou, pelo menos, concorreram mediante ardil para a constituição de empresa de fachada (VEDOVEL). Prossegue afirmando que a SANTA MARIA COMÉRCIO E REPRESENTAÇÕES LTDA. foi beneficiada pelos atos ilícitos praticados, devendo responder com seu patrimônio, sujeitando-se às sanções legais, aplicando-se não somente a pena de proibição de contratar com a Administração ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, mas também deve ser condenada à reparação do dano causado ao Erário e ao pagamento de multa. Afirma que o réu FRED JOEL DE ALENCAR, presidente da comissão de licitação, era considerado agente público e não denunciou nenhuma irregularidade de que teve conhecimento. Em razão da fraude, conclui que a licitação é nula e todo o pagamento se deu indevidamente, sendo o valor do prejuízo a integralidade do repasse efetuado pelo Convênio (R$ 64.000,00). Argumenta acerca da previsão Constitucional da indisponibilidade de bens para fins de ressarcimento ao erário, bem assim a adoção pela Lei 8.429/92 de algumas medidas

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cautelares como forma de assegurar a eficácia de eventual decisão favorável à pretensão, invocando o art. 7º e seu parágrafo único da mesma Lei. Aduz que a decretação da indisponibilidade liminar dos bens dos réus se torna imprescindível, estando presentes o fumus boni iuris e o periculum in mora, este na possibilidade de não se tornar eficaz futura decisão final favorável, por inexistência de meios para a produção de efeitos concretos, tendo em vista provável dilapidação patrimonial promovida pelos réus. Requer a notificação dos réus para oferecimento de manifestação por escrito e, recebida a inicial, a citação para, querendo, apresentarem contestação; a intimação do Ministério Público Federal e a procedência final, com a condenação dos réus, segundo a conduta de cada um, às penalidades da Lei de Improbidade Administrativa, ou seja, em resumo, à perda de bens e valores acrescidos indevidamente ao seu patrimônio, suspensão de direitos políticos, multa civil, proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais. Requer, por fim, a produção de todos os meios de prova em Direito admitidos, especialmente a oitiva de testemunhas e depoimento pessoal dos réus, a juntada de documentação e a expedição de ofício à autoridade bancária solicitando cópia das movimentações financeiras dos réus no período entre janeiro de 2001 e dezembro de 2004, tudo com forma de apurar eventual recebimento de valores provenientes da fraude apontada. Decisão inicial determina a notificação dos réus e a intimação do Ministério Público Federal (fl. 768). Manifestação dos réus Ailton Vieira de Mattos e Fred Joel de Alencar às fls. 773/782, onde defendem a regularidade da licitação e requerem a rejeição do prosseguimento da ação. Os réus Luiz Antonio Trevisan, Darci José Vedoin e Santa Maria Comércio e Representação Ltda manifestaram-se às fls. 822/838. Disseran que as irregularidades apontadas são de ordem administrativa, não podendo os licitantes serem punidos pelos atos ilícitos, visto que o objeto da licitação foi efetivamente entregue, tendo o Poder Público Usufruído do bem. Alegam, preliminarmente: a inépcia da inicial; a incompetência absoluta deste Juízo em razão do ajuizamento de diversas ações por improbidade administrativa contra os réus Darci e Luiz Antonio, distribuídas perante a Justiça Federal de Mato Grosso, tornando prevento o juízo, por força do § 5º do art. 17 da Lei n. 8.429/92. Deve ser declarada a incompetência da Justiça Federal do Paraná. Quanto ao mérito, na hipótese de serem rejeitadas as preliminares, refutaram totalmente as afirmações da autora, reservando-se o direito de contestá-las oportunamente, caso a inicial venha a ser recebida. Intimado, o Ministério Público Federal manifestou-se pelo prosseguimento da demanda (fl. 890).

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Decisão de fls. 892/897 recebendo a petição inicial. Nela foram decididas também as preliminares arguidas pelos réus, bem como determinado que os réus apresentassem bens suficientes ao ressarcimento do prejuízo causado ao erário. Contestação do réu Ailton Vieira de Mattos (fls. 901/912), na qual alega a regularidade do processo licitatório e inexistência de prejuízo ao erário. O réu Fred Joel de Alencar, por sua vez, ofereceu contestação (fls. 932/939), reiterando os termos da defesa preliminar apresentada às fls. 773/782. Contestação dos réus Darci José Vedoin, Luiz Antonio Trevisan Vedoin e Santa Maria Comércio e Representação Ltda. (fls. 964/993), repisando os termos da defesa preliminar. Impugnação às contestações (fls. 1112/1120). Manifestação do Ministério Público Federal (fl. 1128). O Juízo indeferiu os requerimentos formulados pelo réu Fred Joel de Alencar de expedição de ofício à Justiça Federal de Sinop/MT e solicitação de informações ao Município de Jussara/PR, determinando a produção de prova oral (fls. 1136/1137). Os réus Ailton Vieira de Mattos e Fred Joel de Alencar foram ouvidos em audiência (fls. 1145/1146). Manifestação do réu Ailton Vieira de Mattos (fls. 1148/1155), na qual alega a ilegitimidade ativa da União e do Ministério Público Federal, bem como junta laudo de avaliação do veículo produzido por perito da Polícia Federal (fls. 1156/1164). O réu Fred Joel de Alencar alegou a prescrição da ação de improbidade administrativa em relação a si (fls. 1166/1168). Manifestações da União e do Ministério Público Federal (fls. 1173/1176 e 1178/1180). As partes apresentaram alegações finais (fls. 1188/1193, 1196/1212 e 1216/1220). É o relatório. Decido. 2. Fundamentação 2.1. Preliminares As preliminares de falta de justa causa, incompetência do Juízo, conexão e ausência de documentos indispensáveis à propositura da ação já foram devidamente analisadas e afastadas pela decisão de fls. 892/897, tratando-se, pois, de questão preclusa. Resta apreciar a preliminar de ilegitimidade ativa arguida pelo réu Ailton Vieira de Mattos.

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Sustenta o réu Ailton Vieira de Mattos a ilegitimidade ativa da União, já que o veículo foi adquirido por valor superior ao que a União se comprometeu a repassar ao Município de Jussara mediante convênio (R$64.000,00). No caso, ainda que não tenha havido superfaturamento, entendo presente a legitimidade da União à propositura da presente demanda, pois a fraude à licitação, mesmo que não resulte em prejuízo de ordem econômica, implica, no mínimo, em grave violação aos princípios que regem a Administração Pública, em especial à Impessoalidade e à Moralidade, mormente porque o direcionamento das licitações impede a seleção da proposta mais vantajosa para a Administração, frustrando os objetivos da Lei nº 8.666/1993 e da própria Constituição Federal (art. 37, XXI). Ademais, entendo que não há como separar os recursos da União daqueles do Município, haja vista que ambos são recursos públicos. Constatado eventual superfaturamento, a União deve ser ressarcida em percentual idêntico ao de sua participação no convênio (83,33%) Por fim, a questão "superfaturamento" é atinente ao próprio mérito da ação e com ela será analisada. Afasto, pois, todas as preliminares. 2.2. Prejudicial de Mérito O réu Fred Joel de Alencar sustentou que, por ter deixado de exercer função de confiança em 02/01/2003, operou-se a prescrição das pretensões aqui deduzidas, a teor do disposto no art. 23, I, da Lei n.º 8.429/1992: Art. 23. As ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas nesta lei podem ser propostas: I - até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança; II - dentro do prazo prescricional previsto em lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos de exercício de cargo efetivo ou emprego. (...) Entretanto, conforme declarado pelo próprio réu em audiência (fl. 1146), ele é funcionário público do Município de Jussara desde 1991, não se tratando da hipótese do inciso I, mas do inciso II. No caso, portanto, o prazo prescricional é de 05 anos, contados da data em que o fato se tornou conhecido (art. 142, I e § 1º, da Lei n.º 8.112/90). O fato se tornou conhecido em virtude auditoria n.º 5000 da Controladoria Geral da União, iniciada em novembro/2006 (fls. 49/75), não tendo decorrido, por óbvio, 05 anos entre o conhecimento do fato e ajuizamento da presente demanda (24/09/2009). Rejeito a prejudicial de mérito. 2.3. Mérito

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2.3.1. Improbidade Administrativa A Lei nº 8.429/92, normatizando em nível infraconstitucional o § 4º do art. 37 da CF/88, dispôs que os agentes públicos, servidores ou não, que atentem contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem assim das outras entidades mencionadas em seu art. 1º e respectivo parágrafo único, estão sujeitos às penalidades nela previstas, cabendo ao Ministério Público ou à pessoa jurídica interessada a propositura da ação correspondente (art. 17). São previstas três ordens de atos de improbidade na Lei 8.429/92: a) os que importam em enriquecimento ilícito do agente; b) os que causam lesão ao patrimônio público; e c) os que atentam contra os princípios da administração pública. Os atos de improbidade que importam em enriquecimento ilícito do agente estão disciplinados no art. 9º, que prevê: Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente: I - receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de comissão, percentagem, gratificação ou presente de quem tenha interesse, direto ou indireto, que possa ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público; II - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem móvel ou imóvel, ou a contratação de serviços pelas entidades referidas no art. 1° por preço superior ao valor de mercado; III - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a alienação, permuta ou locação de bem público ou o fornecimento de serviço por ente estatal por preço inferior ao valor de mercado; IV - utilizar, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidores públicos, empregados ou terceiros contratados por essas entidades; V - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para tolerar a exploração ou a prática de jogos de azar, de lenocínio, de narcotráfico, de contrabando, de usura ou de qualquer outra atividade ilícita, ou aceitar promessa de tal vantagem; VI - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para fazer declaração falsa sobre medição ou avaliação em obras públicas ou qualquer outro serviço, ou sobre quantidade, peso, medida, qualidade ou característica de mercadorias ou bens fornecidos a qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei; VII - adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público; VIII - aceitar emprego, comissão ou exercer atividade de consultoria ou assessoramento para pessoa física ou jurídica que tenha interesse suscetível de ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público, durante a atividade;

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IX - perceber vantagem econômica para intermediar a liberação ou aplicação de verba pública de qualquer natureza; X - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indiretamente, para omitir ato de ofício, providência ou declaração a que esteja obrigado; XI - incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei; XII - usar, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei. Por seu turno, os atos que causam prejuízo ao erário público estão previstos no art. 10, verbis: Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente: I - facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei; II - permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie; III - doar à pessoa física ou jurídica bem como ao ente despersonalizado, ainda que de fins educativos ou assistências, bens, rendas, verbas ou valores do patrimônio de qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem observância das formalidades legais e regulamentares aplicáveis à espécie; IV - permitir ou facilitar a alienação, permuta ou locação de bem integrante do patrimônio de qualquer das entidades referidas no art. 1º desta lei, ou ainda a prestação de serviço por parte delas, por preço inferior ao de mercado; V - permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço por preço superior ao de mercado; VI - realizar operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea; VII - conceder benefício administrativo ou fiscal sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie; VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente; IX - ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento; X - agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio público; XI - liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular; XII - permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente; XIII - permitir que se utilize, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidor público, empregados ou terceiros contratados por essas entidades.

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Já os atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da administração pública vêm descritos no art. 11: Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência; II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício; III - revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva permanecer em segredo; IV - negar publicidade aos atos oficiais; V - frustrar a licitude de concurso público; VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo; VII - revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço. A cada uma das espécies foram atribuídas penalidades próprias. Assim, nos termos do art. 12 da Lei 8.429/82, independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, o responsável por ato de improbidade está sujeito às seguintes cominações: I - na hipótese do art. 9°, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos; II - na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos; III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos." (Grifei). A aplicação das penalidades não ficou condicionada à existência de fatores externos à aferição, por parte do Poder Judiciário, da presença de alguma das condutas encartadas nos artigos acima transcritos. É o que se extrai do artigo 21 da LIA, in verbis: Art. 21. A aplicação das sanções previstas nesta lei independe:

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I - da efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público, salvo quanto à pena de ressarcimento; (Redação dada pela Lei nº 12.120, de 2009). II - da aprovação ou rejeição das contas pelo órgão de controle interno ou pelo Tribunal ou Conselho de Contas. Estas são, em síntese, as principais características da legislação aplicável ao caso concreto. Aos réus foi imputada a prática das condutas descritas nos artigos 9, 10 e 11 da Lei de Improbidade. Logo, é pertinente mencionar que as condutas descritas no artigo 10 concretizam-se tanto mediante a atuação dolosa quanto culposa do agente. Por outro lado, a violação aos princípios da Administração Pública prescinde de qualquer elemento subjetivo, bastando a simples ilicitude ou imoralidade administrativa para ficar configurada a prática de ato de improbidade. Nesse sentido: ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE. ARTS. 10 E 11 DA LEI 8.429/92. UFPEL. IRREGULARIDADES NOS PROCESSOS SELETIVOS. DANO AO ERÁRIO. ELEMENTO SUBJETIVO. DOLO. CULPA. MÁ-FÉ. 1. O ilícito capitulado no artigo 10 da Lei n.º 8.429/92 concretiza-se tanto mediante a conduta dolosa do agente, quanto em face de sua atuação meramente culposa, exigindo, em qualquer das hipóteses, a ocorrência de lesividade consistente em dano ao erário. 2. Na modalidade de ato ímprobo prevista no artigo 11 da Lei n.º 8.429/92, a exemplo do que ocorre com o artigo 9º, somente o comportamento comissivo ou omissivo doloso do agente é passível de sanção, dispensado o prejuízo material ao patrimônio público. 3. Em qualquer destas modalidades de ato de improbidade, a propósito do aspecto subjetivo que envolve o ilícito, deve-se investigar se, no ato reputado ilegal, seja a título de dolo ou de culpa, há indícios que denotem a presença de comportamento desonesto, capaz de legitimar a aplicação de penalidades da Lei n.º 8.429/92. 4. É preciso distinguir, dentre os administradores faltosos, aqueles que agiram de ilicitamente e aqueles meramente inábeis. Em princípio, somente os primeiros é que se inserem no objetivo sancionatório da Lei de Improbidade. O administrador incompetente só será alcançado e punido se causar prejuízo ao erário. 5. Equívocos administrativos, atribuíveis alguns ao réu, outros a fatores externos, independentes da conduta do mesmo, são insuscetíveis de punição como atos de improbidade. 6. Recurso improvido. (TRF4, AC 0002357-67.2007.404.7110, Terceira Turma, Relator João Pedro Gebran Neto, D.E. 11/03/2011)(grifei) ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DESPESAS DE VIAGEM. PRESTAÇÃO DE CONTAS. IRREGULARIDADE. LESÃO A PRINCÍPIOS ADMINISTRATIVOS. ELEMENTO SUBJETIVO. DANO AO ERÁRIO. COMPROVAÇÃO. DESNECESSIDADE. SANÇÃO DE RESSARCIMENTO EXCLUÍDA. MULTA CIVIL REDUZIDA. 1. A lesão a princípios administrativos contida no art. 11 da Lei nº 8.429/92 não exige dolo ou culpa na conduta do agente nem prova da lesão ao erário público. Basta a simples ilicitude ou imoralidade administrativa para restar configurado o ato de improbidade. Precedente da Turma. 2. A aplicação das sanções previstas na Lei de improbidade independe da aprovação ou rejeição das contas pelo órgão de controle interno ou pelo tribunal ou conselho de contas (art. 21, II, da Lei 8.429/92).

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3. Segundo o art. 11 da Lei 8.429/92, constitui ato de improbidade que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, notadamente a prática de ato que visa fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto na regra de competência (inciso I), ou a ausência de prestação de contas, quando esteja o agente público obrigado a fazê-lo (inciso VI). 4. Simples relatórios indicativos apenas do motivo da viagem, do número de viajantes e do destino são insuficientes para comprovação de despesas de viagem. 5. A prestação de contas, ainda que realizada por meio de relatório, deve justificar a viagem, apontar o interesse social na efetivação da despesa, qualificar os respectivos beneficiários e descrever cada um dos gastos realizados, medidas necessárias a viabilizar futura auditoria e fiscalização. 6. Não havendo prova de dano ao erário, afasta-se a sanção de ressarcimento prevista na primeira parte do inciso III do art. 12 da Lei 8.429/92. As demais penalidades, inclusive a multa civil, que não ostenta feição indenizatória, são perfeitamente compatíveis com os atos de improbidade tipificados no art. 11 da Lei 8.429/92 (lesão aos princípios administrativos). 7. Sentença mantida, excluída apenas a sanção de ressarcimento ao erário e reduzida a multa civil para cinco vezes o valor da remuneração recebida no último ano de mandato. 8. Recurso especial provido. (STJ; REsp 880662 / MG; Relator(a) Ministro CASTRO MEIRA (1125); Órgão Julgador T2 - Segunda Turma; Data do Julgamento 15/02/2007; DJ 01/03/2007 p. 255) Todo e qualquer agente público, seja ele agente político ou não, tem o indeclinável dever de zelar pela observância dos princípios constitucionais que regem a Administração Pública - notadamente aqueles explicitados no art. 37, caput, da CF/88 - , razão pela qual os artigos 2º a 5º da Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92) buscam abranger toda e qualquer pessoa que, de alguma forma, tenha participado dos atos administrativos sob investigação. Cito o teor de tais dispositivos: Art. 2° Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior. Art. 3° As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta. Art. 4° Os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são obrigados a velar pela estrita observância dos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos assuntos que lhe são afetos. Art. 5° Ocorrendo lesão ao patrimônio público por ação ou omissão, dolosa ou culposa, do agente ou de terceiro, dar-se-á o integral ressarcimento do dano. Art. 6° No caso de enriquecimento ilícito, perderá o agente público ou terceiro beneficiário os bens ou valores acrescidos ao seu patrimônio.

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Consigno, por fim, dispensável a prova do superfaturamento na aquisição da unidade móvel de saúde objeto dos autos, na medida em que a fraude à licitação enseja, no mínimo, grave violação aos princípios que regem a Administração Pública, em especial à Impessoalidade e à Moralidade. Ademais, o direcionamento das licitações impede a seleção da proposta mais vantajosa para a Administração, frustrando os objetivos da Lei nº 8.666/1993 e da própria Constituição Federal (art. 37, XXI). 2.3.2. Da conduta dos réus Sustentou a União que os réus Ailton Vieira de Mattos e Fred Joel de Alencar são responsáveis pela prática de ato de improbidade previsto no art. 10, V, VIII e XII, da Lei nº 8.429/92, tendo com suas condutas malferido, ainda, o disposto no art. 11, caput e inciso I, dessa mesma lei. O primeiro réu, segundo a inicial, deu início ao processo licitatório objetivando aquisição de bem diverso do aprovado no plano de trabalho; participou do direcionamento da licitação, tendo frustrado o caráter competitivo do procedimento; e homologou e adjudicou proposta manifestamente superfaturada e que gerou a aquisição de bem diverso do aprovado no convênio. O segundo réu, por seu turno, como presidente da comissão de licitação, era considerado agente público e não denunciou nenhuma irregularidade de que teve conhecimento. Aos réus Darci Jose Vedoin e Luiz Antonio Trevisan Vedoin imputou, invocando o art. 3º da Lei nº 8.429/92, a prática das condutas previstas no art. 9º, XI, e no art. 10, VIII, da referida Lei, já que constituíram sociedades com o objetivo de fraudar procedimentos licitatórios e incorporaram ao seu patrimônio as verbas superfaturadas oriundas do Convite nº 012/2001 do Município de Jussara. Afirmou que a pessoa jurídica SANTA MARIA COMÉRCIO E REPRESENTAÇÕES LTDA. foi beneficiada pelos atos ilícitos praticados, devendo responder com seu patrimônio, sujeitando-se às sanções legais, aplicando-se não somente a pena de proibição de contratar com a Administração ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, mas também deve ser condenada à reparação do dano causado ao Erário e ao pagamento de multa. Passo, assim, à análise dos elementos de prova existentes nos autos. Os depoimentos de LUIZ ANTÔNIO TREVISAN VEDOIN e DARCI JOSÉ VEDOIN, prestados perante a Justiça Federal de Cuiabá (MT), desvendaram o esquema notoriamente conhecido como Máfia das Ambulâncias, objeto da "Operação Sanguessuga", deflagrada pela Polícia Federal após expediente instaurado pelo Ministério Público Federal no Mato Grosso, com o auxílio da Secretaria da Receita Federal naquele Estado. Por meio da operação foi descoberta uma rede criminosa de extensão nacional, infiltrada nos mais altos cargos dos Poderes Executivo e Legislativo, assim como em Municípios de diversos Estados, inclusive do Paraná, engendrada com o objetivo de fraudar processos licitatórios voltados à aquisição de unidades móveis de saúde com verbas públicas federais. Constatou-se que no comando da organização encontrava-se o Grupo Planan, de propriedade da família Vedoin, que cooptava agentes políticos das mais diversas esferas, garantindo o controle de todas as etapas políticas e burocráticas para o direcionamento dos recursos públicos disponibilizados por meio de emendas

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orçamentárias a Municípios e Organizações de Sociedade Civil de Interesse Público, assim como da execução orçamentária, inclusive com a elaboração de projetos e pré-projetos necessários à formalização de convênios do Ministério da Saúde com os referidos entes, tudo de forma a garantir a descentralização das verbas federais. No âmbito das municipalidades beneficiadas, havia a manipulação dos processos licitatórios, visando à adjudicação do objeto pelas empresas do grupo econômico. O direcionamento das licitações era assegurado pela participação no certame de empresas constituídas irregularmente pelo grupo, com a utilização de interpostas pessoas, bem como de empresas de diversas regiões, que apenas emprestavam o nome a fim de conferir aparência de legalidade ao ato, o qual visava, na verdade, a frustrar o caráter competitivo do certame. Dados constantes no Relatório Final dos Trabalhos da CPI das Ambulâncias, juntados às fls. 595/608, dão conta de que a Controladoria-Geral da União: "... identificou a ocorrência de coincidências de fornecedores e participantes dos processos licitatórios de unidades móveis de saúde em vários municípios de diferentes Estados, e passou a monitorar esses acontecimentos. Concluiu, então, que as irregularidades verificadas em alguns municípios quando da aquisição de ambulâncias e equipamentos médicos e hospitalares não eram casos pontuais e isolados. Era comum a prática de direcionamento de licitação, superfaturamento, simulação de licitação, licitações fraudulentas, falsificação de documentos públicos, adulteração de documentos fiscais e aquisição de veículos e equipamentos médicos e hospitalares em desacordo com o plano de trabalho pactuado. A CGU verificou, também, que havia a presença do mesmo grupo de empresas, revezando-se entre si, na tarefa de contratar com o Poder Público, e beneficiando-se de recursos originados de emendas parlamentares. Evidenciou-se, a partir daí, que as fraudes na licitação e outras irregularidades não se limitavam ao Estado de Rondônia, e que as empresas Santa Maria Comércio e Representações Ltda., Comercial Rodrigues, Leal Máquinas Ltda., Klauss Comércio e Representações, Planam Comércio e Representação Ltda., Manoel Vilela de Medeiros, Francisco Canindé, Vedovel, etc., também participavam de licitações em outras unidades da federação, agregando e repetindo um método linear de atuação para o direcionamento das contratações e práticas de superfaturamento de preços" (fl. 598). No caso específico ora analisado, a fraude alegada pela parte autora reside no Convênio nº 300/2001 (fls. 96/103), SIAFI nº 422952, firmado entre a União e o Município de Jussara (PR), este último representado pelo então Prefeito Ailton Vieira de Mattos, para a aquisição de uma unidade móvel de saúde. Para levar a cabo a compra do veículo, o Município promoveu licitação pela modalidade Carta Convite, que recebeu o número 012/2001. Sobre esse fato em particular, a Auditoria nº 5000, realizada pelo Ministério da Saúde em conjunto com a Controladoria-Geral da União, constatou inúmeras irregularidades (fls. 55/264), a saber: a) Convênio firmado com valor distinto do Previsto no Plano de Trabalho e no Parecer Técnico;

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b) não aplicação, no período de 13/11/2001 a 07/01/2002, dos recursos repassados no mercado financeiro, contrariando a Cláusula Segunda, item II, subitem 2.12 do Convênio e incisos I e II do parágrafo 1º do artigo 20 da IN STN 01/1997; c) processo de licitação sem Portaria de nomeação da comissão de licitação, contrariando o inciso III do artigo 38 da Lei nº 8.666/93; d) ausência de orçamento estimativo e de realização de pesquisa de preços, em desrespeito ao inciso do § 2º do artigo 40 da Lei n.º 8.666/93; e) divergência entre o Edital e o Plano de Trabalho. O Plano de Trabalho prevê a aquisição de uma UMS (Unidade Móvel de Saúde) para atendimento odontológico. Entretanto, a Carta Convite requisitou a aquisição de uma UMS para remoção de pacientes. Não constou do processo nenhum documento autorizando a mudança; f) a autorização de retirada de edital pela empresa Santa Maria ao Sr. Luiz Vedoin foi assinada por ele próprio, com a mesma data da autorização e da retirada do edital; h) existência de apenas 02 propostas válidas, sendo necessária a repetição do certame (artigo 22, III e VII, Lei 8.666/93); i) ausência de atesto do agente recebedor na nota fiscal; j) a nota fiscal foi emitida com data anterior (27/12/2001) à data da nota de empenho (28/12/2001), ferindo os artigos 60, 61 e 63, § 2º, da Lei n.º 4.320/64; l) de acordo com os cálculos do SGI/CGU foi constatado prejuízo ao erário na aquisição da Unidade Móvel de Saúde de 63,70%. Considerando que a participação financeira do Ministério da Saúde na execução do convênio foi de 83,33% o prejuízo proporcional para a União ficou em R$ 24.773,39, que deverá ser ressarcido ao Fundo Nacional de Saúde/MS, com os devidos acréscimos legais. Nesse contexto, consigno que nos depoimentos prestados perante a Justiça Federal da Subseção Judiciária de Cuiabá (MT), os réus DARCI JOSÉ VEDOIN e LUIZ ANTÔNIO TREVISAN VEDOIN descreveram detalhadamente aspectos relacionados ao modus operandi, à estrutura, às articulações e às conexões da organização voltada à fraude de licitações. Forneceram detalhes, descrevendo os contornos da participação deles próprios e de vários outros envolvidos, indicando nomes, datas, locais, valores e circunstâncias. O réu DARCI JOSÉ VEDOIN confirmou que a empresa Santa Maria foi criada com o intuito de fraudar licitações, conforme trecho abaixo transcrito: (...) que a empresa Planam foi constituída em 1993, com o objetivo de prestar assessoria aos municípios do interior do Estado de Mato Grosso; que por esses serviços prestados, a empresa recebia cerca de cinco salários mínimos por município; que posteriormente a Planam também começou a desenvolver projetos para os municípios, nas mais diversas áreas de atuação; que no ano de 1998, alguns municípios do Estado de Mato Grosso receberam recursos para a aquisição de unidades móveis de saúde; que na época não existia nenhuma empresa na região centro-oeste que transformasse veículos em unidades móveis de saúde; que pelo fato do reinterrogando prestar assessoria a vários municípios do Estado, tomou conhecimento, através de prefeitos, de que existia uma empresa no Estado do Paraná que comercializava unidades móveis de saúde; que é a partir desse momento que o reinterrogando conhece Silvestre Domanski, sócio-proprietário das empresas Domanski e Domanski, Saúde sobre Rodas, Martier e Maitê; que Silvestre chegou a ir a Cuiabá para conversar com o reinterrogando, haja vista prestar assessoria a diversos municípios no Estado; que Silvestre, por meio do reinterrogando, passa a ter contato com alguns prefeitos do Estados, os quais eram

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assessorados pelo reinterrogando; que nesse primeiro momento, não houve nenhum acerto prévio de comissão com parlamentares; que o direcionamento das licitações se dava mediante acordo com o prefeito do município; que participavam dessas licitações as empresas pertencentes a Silvestre Domanski; que a primeira venda de veículos, através do reinterrogando, no Estado, ocorreu no ano de 1998, no qual cerca de oito unidades móveis foram comercializadas; que pela mesma sistemática do direcionamento das licitações, no ano de 1999, foram vendidos mais ou menos oito unidades; (...) que o reinterrogando e Luiz Antonio, nessa época na Planam, passaram a ter problemas na entrega das unidades móveis, haja vista que nem todas as unidades, transformadas por Silvestre, possuíam exatamente as características do bem licitado, ademais dos constantes atrasos na entrega; que por essa razão, Luiz Antonio e o reinterrogando decidiram começar a transformar os veículos em unidades móveis em Cuiabá, para posterior revenda aos municípios; (...) que no momento em que decidiram começar a transformar os veículos em unidades móveis em Cuiabá, para posterior venda aos municípios, Luiz Antonio e o reinterrogando adotaram a sistemática de direcionamento das licitações, até então utilizada por Silvestre Domanski com suas empresas; que é nesse contexto que são constituídas as empresas Santa Maria, Klass e Enir Rodrigues de Jesus - EPP; que essas empresas, apesar de possuírem em seus contratos sociais terceiras pessoas, pertenciam, de fato, à família Vedoin; que era através dessas empresas que as unidades móveis eram vendidas aos municípios; (...) (fl. 465). No mesmo sentido, LUIZ ANTÔNIO T. VEDOIN afirmou (fl. 308): (...) que no ano de 1993 foi constituída a empresa Planam, com o objetivo de prestar serviços de consultoria e assessoria aos municípios do Estado do Mato Grosso; que em razão desses serviços prestados aos municípios, o interrogando teve conhecimento acerca das dificuldades sofridas pelos municípios do Estado para aquisição de unidades móveis de saúde; que diante dessas circunstâncias que entre os anos de 1998 e 1999 é constituída a empresa Santa Maria, a qual passa a participar de licitações e vender veículos aos municípios; que a empresa Santa Maria foi constituída em nome da acusada Maria Leodir e de sua irmã, Rita; que a constituição em nome dessas empresas se deu a pedido do interrogando; que foi outorgada uma procuração em favor do interrogando, que passou a ser o administrador de fato da empresa. De igual modo, os depoimentos de Maria Leodir de Jesus Lara e Rita de Cássia Rodrigues de Jesus evidenciam que, embora seus nomes constassem como sócias-proprietárias da empresa Santa Maria Comércio e Representações Ltda., em verdade, a administração estava a cargo de LUIZ ANTÔNIO TREVISAN VEDOIN (fls. 569/573). Destaco também, no caso específico envolvendo o Convênio 300/2001, que o crédito orçamentário para a aquisição de unidade móvel de saúde pelo Município de Jussara (PR) foi proveniente de emenda parlamentar de autoria do Deputado Federal Santos Filho (Emenda de Bancada nº 15070009, sob Funcional Programática nº 20.606.0806.1494.0826), consignado no orçamento do Ministério da Saúde (fls. 77/80). E, sobre esse parlamentar, o réu LUIZ ANTÔNIO VEDOIN disse em depoimento (fls. 321 e 391): (...) que o procedimento de direcionamento das licitações pode ser dividido, basicamente, em três fases: que a primeira fase consistia na obtenção de emendas de

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parlamentares destinadas à saúde (...) e que todos os parlamentares tinham conhecimento do futuro direcionamento do processo licitatório. (...) que acordou com o parlamentar pagar 10% sobre o valor das emendas que tivesse a destinar na área de saúde, para aquisição de unidades móveis de saúde (...). Acrescentou, ainda, que pelo fato da homologação da licitação, empenho e pagamento estar a cargo dos prefeitos, sem exceção, os prefeitos sabiam das circunstâncias em que a licitação iria ocorrer (fl. 324). Na descrição do modo como o procedimento de direcionamento das licitações ocorria, o réu LUIZ ANTONIO TREVISAN VEDOIN afirmou que era o próprio grupo organizado por ele e pelo réu DARCI VEDOIN que informava o nome das empresas que deveriam receber a carta-convite e que essas empresas sempre eram ligadas ao grupo (fls. 308/309 e 323/324): (...) que para evitar a tomada de preço, havia o fracionamento do objeto licitatório, sendo uma licitação destinada exclusivamente à aquisição da unidade móvel de saúde preparada para a instalação dos equipamentos médico-hospitalares e uma outra licitação, exclusivamente para a aquisição desses equipamentos; que com o fracionamento da licitação, garantia-se a modalidade de carta convite à licitação e, com isto, o controle de seu resultado (...) (fls. 308/309). (...) que nas hipóteses em que a licitação se dava na modalidade de carta convite, o grupo repassava às entidades beneficiadas, sejam elas municípios ou instituições não governamentais, o nome das empresas que deveriam receber as cartas convites; (...) que as cartas convites sempre eram expedidas para as empresas ligadas ao grupo (...) (fls. 323/324). Embora o réu AILTON VIEIRA DE MATTOS, prefeito do Município de Jussara à época, negue, em seu depoimento pessoal (fl. 1145), ter conhecimento do esquema ou do direcionamento da licitação, contraditoriamente, em sua defesa prévia, ele afirma que "em suas viagens para Brasília, atendendo interesses do Muncípio de Jussara/PR, o então prefeito municipal tomou conhecimento através de alguns deputados federais, que as empresas SANTA MARIA e VEDOVEL, do Estado do Mato Grosso, poderiam atender o objeto da licitação, pois já atendera outros muitos municípios" (fl. 776). Confirmando os indícios de fraude ao processo licitatório, as empresas participantes do certame foram exatamente aquelas integrantes do esquema de direcionamento de licitações comandado por DARCI VEDOIN e LUIZ ANTÔNIO VEDOIN, nenhuma das quais com sede no Estado do Paraná. Quanto ao réu FRED JOEL DE ALENCAR, presidente da comissão de licitação, restou evidente que o mesmo teve conhecimento do direcionamento da licitação e não tomou qualquer providência, não observando os deveres funcionais de ser leal às instituições que servir e de representar contra ilegalidade, omissão ou abuso de poder (art. 116, II e XII, da Lei 8.112/1990). É o que se depreende do excerto de seu depoimento pessoal abaixo transcrito (fl. 1146): "... Que recebeu ordem do gabinete do prefeito para fazer a licitação pela modalidade de convite e bem como o nome das empresas que deveriam ser convidadas, constante da Ata de Julgamento às fls. 194 do processo. Que a comissão concluiu que a melhor proposta foi feita pela empresa Santa Maria Comércio e Representação Ltda. Que a

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ordem para convidar as empresas foi dada pelo Chefe de Gabinete do prefeito, Sr. Irineu Ribeiro." O vasto acervo documental constante nos autos, consubstanciado na auditoria realizada pela Denasus/MS e pela CGU (fls. 49/264), depoimento dos réus DARCI VEDOIN e LUIZ ANTÔNIO TREVISAN VEDOIN perante a Justiça Federal da Subseção Judiciária de Cuiabá (fls. 306/536), Relatório Final da CPI das Ambulâncias (fls. 594/608) e Acórdão nº 1207/2004 do TCU (fls. 22/48), demonstram de forma cristalina que DARCI VEDOIN e LUIZ ANTÔNIO TREVISAN VEDOIN constituíram sociedades e, por meio delas, fraudaram o procedimento licitatório nº 012/2001; que AILTON VIEIRA DE MATTOS, na qualidade de Prefeito do Município de Jussara (PR) à época dos fatos, ao homologar o certame e adjudicar o objeto em favor da empresa vencedora, acabou por ratificar as irregularidades perpetradas em desfavor do erário; que o réu FRED JOEL DE ALENCAR, presidente da comissão de licitação, igualmente contribuiu para lesão ao erário, ao manter conduta omissa diante do direcionamento da licitação; que a pessoa jurídica SANTA MARIA COMÉRCIO E REPRESENTAÇÃO LTDA serviu de instrumento para o cometimento do delito por parte de seus verdadeiros administradores (os réus LUIZ ANTÔNIO TREVISAN VEDOIN e DARCI JOSÉ VEDOIN. Dessa forma, não restam dúvidas quanto à fraude perpetrada: as empresas convidadas pelo Município de Jussara integravam o Grupo Planam e, atuando com a anuência do Prefeito, direcionaram o resultado da licitação para a aquisição de uma unidade móvel de saúde. 2.3.3. Do prejuízo ao erário Segundo o resultado da auditoria da Controladoria-Geral da União, durante a qual foram feitas visitas in loco com o intuito de promover a verificação física da unidade móvel de saúde e equipamentos adquiridos pela Prefeitura de Jussara, com recursos federais, ocorreram os seguintes danos ao erário (fl. 70): De acordo com os cálculos do SGI/SGU foi constatado prejuízo ao erário na aquisição da Unidade Móvel de Saúde de 63,70%. Considerando que a participação financeira do Ministério da Saúde na execução do convênio foi de 83,33% o prejuízo proporcional para a União ficou em R$ 24.773,39 (vinte e quatro mil setecentos e setenta e três reais e trinta e nove centavos) que deverá ser ressarcido ao Fundo Nacional de Saúde/MS com os devidos acréscimos legais. A participação da Prefeitura foi de 16,67% caracterizando prejuízo proporcional para o Município de R$ 5.023,66 (cinco mil vinte e três reais e sessenta e seis centavos). De início, afasto a pretensão da União de ressarcimento integral do valor repassado à municipalidade (R$ 64.000,00), em razão de aquisição de UMS diversa da prevista no plano de trabalho, pois, segundo conclusão da própria CGU, o veículo vem atendendo sua finalidade social, constando da conclusão do relatório (fl. 70): "veículo utilizado de acordo com o objetivo proposto no Plano de Trabalho". Por outro lado, contrapondo-se ao valor de mercado do veículo apontado pela CGU (R$ 46.658,05 - fls. 74/75), encontra-se encartado nos autos laudo produzido pela Unidade Técnico-Científica da Polícia Federal (fls. 1156/1164), para fins de instrução do

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Inquérito Policial n.º 0392/2009-4-DPF/MGA/PR, o qual conclui que o valor de mercado do veículo à época era de R$ 67.554,54, havendo divergência de R$ 8.825,46 entre o valor de mercado (R$ 67.554,54) e o valor da aquisição (R$ 76.380,00). Considero que o laudo produzido pela Polícia Federal deve ser acatado como prova do valor de mercado do bem e consequente superfaturamento, pois, além de confeccionado por perito técnico especialista, trata-se de documento autônomo, produzido por respeitável entidade pública que não é parte no processo, ao contrário da CGU, órgão diretamente ligado à União. Assim, entendo caracterizado prejuízo ao erário no valor de R$ 8.825,46, para 27/12/2001 (data da emissão da nota fiscal), devendo a União ser ressarcida da importância de R$ 7.354,25, correspondente ao percentual de sua participação financeira no convênio (83,33%). Noutro giro, apesar de cabalmente comprovado o direcionamento criminoso da licitação objeto de análise nestes autos, bem como o superfaturamento do bem adquirido, é possível extrair do laudo elaborado pela Polícia Federal e relatório da própria CGU, que a unidade móvel de saúde foi entregue em conformidade com os requisitos exigidos no processo licitatório e vem atendendo sua finalidade social. Dessa forma, entendo não caracterizada a prática de ato que tenha importado enriquecimento ilícito dos réus AILTON VIEIRA DE MATTOS e FRED JOEL DE ALENCAR, eis que não comprovado nos autos que qualquer parcela do valor acima foi por eles apropriada. O mesmo não se pode dizer dos demais réus (DARCI VEDOIN, LUIZ ANTÔNIO TREVISAN VEDOIN e SANTA MARIA), já que a quantia superfaturada foi por eles recebida, restando caracterizado ato de improbidade por enriquecimento ilícito (art. 9º, XI, da Lei nº 8.429/92). 2.3.4. Individualização das condutas e das penas Pela prática dos fatos acima delineados, tenho que os réus AILTON VIEIRA DE MATTOS e FRED JOEL DE ALENCAR não ostentaram preocupação alguma com os princípios da moralidade e da probidade administrativas, pois, de forma livre e consciente, anuíram às condutas dos beneficiários da fraude, negligenciando a seus deveres como administrador público e servidor público, respectivamente, tudo com o intuito previamente articulado de permitir o direcionamento do procedimento licitatório, com consequente prejuízo ao erário. Assim agindo, incidiram nas condutas previstas nos artigos 10 (incisos V e VIII) e 11, caput e incisos I e V, ambos da Lei nº 8.429/92. Imputo-lhes, assim, a pena de perda da função pública e suspensão dos direitos políticos por 8 (oito) anos, a contar do trânsito em julgado da sentença; ressarcimento integral do dano causado ao patrimônio da União (R$ 7.354,25), proibição de contratar com o Poder Público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 05 (cinco) anos; e multa civil no montante de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), para cada um, a ser revertida em favor da União, com respaldo no art. 12, incisos II e III, da mesma lei.

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Os réus DARCI VEDOIN e LUIZ ANTÔNIO TREVISAN VEDOIN articularam todo o esquema de direcionamento do procedimento licitatório ora analisado, utilizando-se, para tanto, de empresas por eles criadas com a finalidade única de fraudar licitações e enriquecer ilicitamente. Com isso, incorreram nas infrações previstas artigos 9º, inciso XI, 10, inciso VIII, e 11, caput e incisos I e V, ambos da Lei nº 8.429/92. Não prospera a pretensão de absolvição em razão da eficácia da delação premiada por eles promovida, já que a delação premiada na esfera criminal não tem o condão de afastar a responsabilização do delator pela prática de ato de improbidade administrativa e imposição das respectivas sanções, cujo caráter é eminentemente civil. Em razão disso, imponho-lhes as penalidades de suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 10 (dez) anos, a contar do trânsito em julgado desta sentença; ressarcimento integral do dano causado ao patrimônio da União (R$ 7.354,25), proibição de contratar com o Poder Público municipal, estadual e federal ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, por 10 (dez) anos, a partir do trânsito em julgado; e multa civil no valor de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) para cada um, a ser revertida em favor da União, com respaldo no art. 12, incisos I, II e III, da lei supramencionada. A empresa SANTA MARIA COMÉRCIO E REPRESENTAÇÃO LTDA, embora criada pelos réus Darci Vedoin e Luiz Antônio Trevisan Vedoin com o único fim de fraudar licitações, possui patrimônio e existência distinta da de seus integrantes, de modo que responde pelas condutas tipificadas na Lei de Improbidade Administrativa. Sendo assim, imponho a ela o dever de pagamento de multa civil no importe de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais), a ser revertida à União; bem como o de ressarcimento integral do dano causado ao patrimônio da União (R$ 7.354,25), proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 10 anos. As penalidades de perda da função pública e suspensão dos direitos políticos não se aplicam, por se tratar de pessoa jurídica. 3. Dispositivo Ante o exposto, afasto as preliminares, rejeito a prejudicial de mérito e julgo parcialmente procedente o pedido, declarando extinto o processo, com resolução de mérito (art. 269, I, do CPC), para o fim de reconhecer a prática pelos réus de atos de improbidade administrativa previstos artigos 9º, XI, 10 (incisos V e VIII) e 11, caput e incisos I e V, ambos da Lei nº 8.429/92 e condená-los às sanções previstas no artigo 12, incisos I, II e III, da Lei n.º 8.429/1992, nos seguintes termos, conforme fundamentação acima: a) AILTON VIEIRA DE MATTOS e FRED JOEL DE ALENCAR: a pena de perda da função pública e suspensão dos direitos políticos por 8 (oito) anos, a contar do trânsito em julgado da sentença; proibição de contratar com o Poder Público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por

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intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 05 anos; e multa civil no montante de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), para cada um, a ser revertida em favor da União. b) DARCI JOSÉ VEDOIN e LUIZ ANTÔNIO TREVISAN VEDOIN: suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 10 (dez) anos, a contar do trânsito em julgado desta sentença; proibição de contratar com o Poder Público municipal, estadual e federal ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, por 10 anos, a partir do trânsito em julgado; e multa civil no valor de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) para cada um, a ser revertida em favor da União; c) SANTA MARIA COMÉRCIO E REPRESENTAÇÃO LTDA: pagamento de multa civil no importe de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais), a ser revertida à União; bem como proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 10 anos; Condeno os réus, ainda, solidariamente, a ressarcirem a União da importância de R$ 7.354,25, para 27/12/2001, devidamente atualizada pelo IPCA-e, mais juros de mora de 0,5% ao mês até a vigência do Novo Código Civil, e, a partir de então, 1% ao mês. As multas impostas deverão ser atualizadas pelo IPCA-e, a contar da data da prolação da sentença, acrescido de juros de mora de 1% ao mês desde o trânsito em julgado, nos termos do art. 406 do CC c/c art. 161 § 1º do CTN e dos Enunciados nºs 20 e 164 do CJF. Deixo de fixar honorários advocatícios decorrentes da procedência do pedido, por força do disposto no art. 18 da Lei n. 7.347/85. A despeito dessa norma ser dirigida à parte autora, a mesma regra deve ser aplicada aos réus, pois, em face do princípio da isonomia processual, não tendo havido qualquer comportamento dos réus do qual pudesse ser inferida a má-fé processual, inviável condená-los em honorários advocatícios. Nesse sentido: AC 200372090009807, 2003.71.01.000304-0/RS e AC 2000.04.01.031627-9/RS. Custas processuais pelos réus. Após o trânsito em julgado, comunique-se à Justiça Eleitoral a suspensão dos direitos políticos dos réus, bem como inscrevam-se seus nomes no cadastro do Conselho Nacional de Justiça - CNJ. Comunique-se, ainda, a perda da função pública dos réus AILTON VIEIRA DE MATTOS e FRED JOEL DE ALENCAR aos respectivos órgãos em que exercem suas funções públicas. Nos termos do art. 1º, § 4º, da Resolução n° 49/2010, Tribunal Regional Federal da 4ª Região, ficam as partes cientes de que, na eventual subida do processo ao Tribunal, os autos serão digitalizados, passando a tramitar no meio eletrônico (sistema e-Proc), sendo obrigatório o cadastramento dos advogados na forma do art. 5º da Lei nº 11.419/2006. Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

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Maringá, 22 de fevereiro de 2012.

José Jácomo Gimenes Juiz Federal