abrantes - o existir humano não é sem educação

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1 O existir humano não é sem educação Angelo Antonio Abrantes O objetivo deste material é realizar uma aproximação inicial sobre a relação entre a existência humana e a educação, concebendo a educação no sentido lato. Procuraremos abordar, nos seus aspectos fundamentais, o processo pelo qual a educação torna-se elemento constitutivo do ser humano, na medida em que, para produzir e reproduzir sua existência, esse não mais pode recorrer somente às possibilidades contidas na natureza dada (biológica) e aos aprendizados decorrentes da experiência individual, mas, cada vez mais, necessita apropriar-se de uma segunda “natureza”, exterior ao seu organismo, aquela que se refere às conquistas obtidas por meio do trabalho. O ser humano, para continuar existindo, necessita indefinidamente produzir sua existência pelo trabalho, portanto, o modo característico como organiza a produção é determinação central na objetivação do seu existir. As conquistas objetivadas pelo trabalho passado integram a produção, deste modo a existência humana se faz a partir da apropriação do já realizado historicamente, movimento que pressupõe a possibilidade de superação do modo estabelecido de auto-realização humana. Para que possamos, de forma introdutória, abordar o tema da unidade entre o existir humano e a educação, realizaremos recuos, para que alguns conceitos possam ser compreendidos e avanços, considerando as contradições do modo capitalista de produzir e reproduzir a existência humana. Organizaremos nossa exposição apresentando, inicialmente, uma reflexão sobre a relação sujeito objeto considerando a própria constituição da realidade, com a finalidade de explicitar, a partir do aporte teórico do materialismo histórico dialético, como se concebe o desenvolvimento da realidade na relação com o ser humano. Em seguida, indicaremos algumas características centrais do modo de produção capitalista para que a discussão ganhe concretude, pois somente assim poderemos

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ABRANTES - O Existir Humano Não é Sem Educação

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O existir humano não é sem educação

Angelo Antonio Abrantes

O objetivo deste material é realizar uma aproximação inicial sobre a relação entre a

existência humana e a educação, concebendo a educação no sentido lato. Procuraremos

abordar, nos seus aspectos fundamentais, o processo pelo qual a educação torna-se

elemento constitutivo do ser humano, na medida em que, para produzir e reproduzir sua

existência, esse não mais pode recorrer somente às possibilidades contidas na natureza

dada (biológica) e aos aprendizados decorrentes da experiência individual, mas, cada vez

mais, necessita apropriar-se de uma segunda “natureza”, exterior ao seu organismo, aquela

que se refere às conquistas obtidas por meio do trabalho.

O ser humano, para continuar existindo, necessita indefinidamente produzir sua

existência pelo trabalho, portanto, o modo característico como organiza a produção é

determinação central na objetivação do seu existir. As conquistas objetivadas pelo trabalho

passado integram a produção, deste modo a existência humana se faz a partir da

apropriação do já realizado historicamente, movimento que pressupõe a possibilidade de

superação do modo estabelecido de auto-realização humana.

Para que possamos, de forma introdutória, abordar o tema da unidade entre o existir

humano e a educação, realizaremos recuos, para que alguns conceitos possam ser

compreendidos e avanços, considerando as contradições do modo capitalista de produzir e

reproduzir a existência humana.

Organizaremos nossa exposição apresentando, inicialmente, uma reflexão sobre a

relação sujeito – objeto considerando a própria constituição da realidade, com a finalidade

de explicitar, a partir do aporte teórico do materialismo histórico dialético, como se

concebe o desenvolvimento da realidade na relação com o ser humano.

Em seguida, indicaremos algumas características centrais do modo de produção

capitalista para que a discussão ganhe concretude, pois somente assim poderemos

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problematizar as contradições inerentes aos processos educativos na especificidade de uma

sociedade marcada pela luta entre classes sociais.

Por último, abordaremos a relação educação – indivíduo concebendo o processo de

desenvolvimento individual a partir da apropriação da cultura, sem desconsiderar, no

entanto, a determinação central do modo de produção. A discussão passa a se referir aos

contraditórios processos organizados pela sociedade para que os indivíduos se apropriem da

história humana, compreendendo a educação como determinante no processo de formação

individual.

Da natureza à realidade humana

A primeira das muitas armadilhas em que nos envolvemos quando tomamos como

objeto de reflexão a “relação sujeito – objeto”, destacando a produção da realidade na

relação com o ser humano, é que somente podemos pensá-la a partir de um posicionamento

sobre o processo de pensar, ou seja, parte-se de uma dada solução para essa relação e de

suposições iniciais que demarcam e constituem o próprio objeto, no caso, a “relação sujeito

– objeto”.

A melhor forma de minimizar a dificuldade, mesmo que não seja possível eliminá-la, é

adiantar que nos situamos no campo teórico metodológico do materialismo histórico

dialético, afirmação que explicita o sistema de categorias que se tem a intenção de utilizar

na “prática” de pensar o objeto.

Antecipamos desde já que nesta perspectiva supõe-se a exterioridade e anterioridade do

real em relação ao pensamento e a mutabilidade das condições históricas, que inclusive

determinam a produção de conceitos e categorias teóricas que orientam o pensamento, o

que se aplica ao seu próprio sistema de categorias. Por exemplo, a categoria “luta de

classes” somente tem sentido e validade numa sociedade em que existam classes em luta.

Analisar a relação sujeito – objeto partindo desses pressupostos supõe, numa primeira

aproximação, considerar o objeto como realidade, observando que estamos provisoriamente

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deixando de considerar a realidade no pensamento para considerar o objeto como a

realidade.

É evidente que somente pelo fato de nos referirmos à realidade ela já se tornou realidade

no pensamento, mas somente para iniciar o raciocínio consideremos que atualmente

algumas dimensões da realidade não foram reproduzidas no pensamento e mesmo assim se

realizam e, ainda, que existiu realidade sem ser pensada, ou para dizer de outra forma,

houve um tempo em que o pensamento ainda não se tinha feito realidade para o ser

humano.

Deste modo podemos considerar que quando mencionamos a realidade não estamos

de forma alguma nos referindo à algo estático, pois a realidade vem sofrendo processos de

transformações constantes mesmo antes do surgimento do ser humano. No entanto, como

nossa reflexão tem como tema a relação sujeito – objeto, ela somente pode fazer sentido na

medida em que na realidade exista ser humano, o que pressupõe um ser em relação com o

real.

Considerando o processo real de constituição da realidade, incluindo aí a realidade

humana, tomamos como relação inicial básica ser humano – natureza, observando que o

ser humano é aqui entendido como ser social - humanidade. A questão se vincula a um

processo em que inicialmente o ser humano não existe como realidade consciente1.

Podemos afirmar a relação ser humano – natureza e problematizá-la já devido à um

processo de transformação por que passou a realidade, pois inicialmente não existia uma

diferenciação do ser humano com a natureza. Ele existia apenas como um ser natural,

integrante da natureza e submetido a leis biológicas. Há inicialmente a identidade original

entre ser humano – natureza e um processo de desenvolvimento do homem biológico – o

processo de hominização.

Ser humano é apenas um ser natural e, como os demais organismos vivos, necessita da

natureza para manter-se vivo, exerce uma atividade vital que possibilita que as riquezas

naturais supram suas necessidades de subsistência. Mesmo que atualmente o ser humano

1 Mesmo considerando que o ser humano passou por um processo de transformação radical – de ser

biológico para ser social e histórico – manteremos a nomenclatura ser humano para os momentos de transição

no qual o humano como ser racional era apenas possibilidade.

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permaneça como organismo vivo, sujeito às determinações da natureza, ele não é mais

exclusivamente um ser natural, é também ser histórico. Retomaremos a discussão

posteriormente, por ora estamos nos referimos ao momento que se caracteriza como a

realidade se realizando de forma anterior ao pensamento sobre a realidade e sobre a

existência humana.

Nesse momento de unidade contraditória entre ser humano e natureza o pólo prevalente

é o da natureza, que impõe suas determinações a um ser vivo que necessita adaptar-se a

elas. As mudanças que ocorreram na forma de relacionamento com a natureza se deram

devido a reorganizações do próprio sistema orgânico, portanto, sujeito às leis naturais de

hereditariedade, mesmo que elas não existissem como leis.

É o momento da realidade se realizando a partir da atividade vital, é desenvolvimento do

ser humano sem se saber, portanto a relação sujeito – objeto não se caracteriza ainda como

uma relação do sujeito que conhece com o objeto a ser conhecido e sim como relação real

da natureza agindo sobre o ser humano e do ser humano reagindo à natureza.

Para avançarmos na compreensão do objeto de nosso interesse necessitamos destacar

justamente o processo de diferenciação do ser humano em relação à natureza e, para isso,

necessitamos fazer duas observações antes que surjam questões referentes a uma suposta

necessidade de delimitarmos o início desta diferenciação e a causa primordial.

Primeiro que os períodos qualitativamente distintos que identificam uma fase particular

da relação do ser humano com a natureza não têm uma delimitação rígida e somente podem

ser entendidos como processo. A transição do momento de identidade do ser humano com a

natureza e o seu “descolamento” da natureza são momentos qualitativamente distintos da

relação humana com a natureza, no entanto, esses momentos constituem uma unidade.

Mudanças quantitativas insensíveis se acumulam a tal ponto que se transformam em

mudanças qualitativas necessárias, significando que, mesmo antes que uma superação

ocorra, existem elementos de negação na própria forma estabelecida; assim as chamadas

fases não são nítidas e tão-pouco independentes umas da outras.

A segunda observação é que dentre os múltiplos aspectos determinantes de uma

transformação existe uma hierarquia de importância explicativa entre as categorias teóricas,

no entanto elas somente podem ter importância ou valor explicativo dentro de um sistema

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que expresse as várias determinações, deste modo a questão não é de identificar uma causa

explicativa do processo e muito menos de considerar uma causa fora da relação ser humano

– natureza.

O ser humano, que no momento de identificação com a natureza existia como um ser

natural, existe como parte integrante do processo em que se “liberta” da natureza,

diferenciando-se dela, num movimento que se por um lado, como afirmamos, não pode ser

pensado como tendo um início, por outro, não pode ser considerado como tendo um fim

que se efetive totalmente.

A relação ser humano – natureza é condição da existência humana: mesmo que no

processo histórico o ser humano consiga, em parte, controlar e até destruir a natureza, ele

continua dependente dela, destruí-la é destruir ao próprio ser humano.

A libertação do ser humano em relação à natureza está ligada ao desenvolvimento do seu

modo de produzir a existência. A reflexão sobre o processo de diferenciação do ser humano

em relação à natureza é um indicativo do movimento no qual seres humanos se constroem

ao construir sua existência material, base em que progressivamente se produz a razão

humana, a consciência sobre a realidade e sobre a própria realidade humana.

Já afirmamos que o ser humano como organismo vivo desempenha uma atividade sobre

a natureza para satisfazer suas necessidades básicas, aspecto que não o diferencia de

qualquer outro organismo vivo, pelo contrário, o identifica. Como nos interessam seus

aspectos diferenciais, operaremos com a relação igualdade – diferença, pois mesmo que o

ser humano no processo de relação com a natureza tenha pautado inicialmente suas ações

pela categoria adaptação, igualando-se a outros organismos vivos, foi a partir deste

processo adaptativo que constituiu as bases sobre as quais foi possível diferenciar-se e

romper com aquela unidade inicial.

É a luta pela sobrevivência a imagem que melhor expressa a relação ser humano com a

natureza no momento a que nos referimos, o que significa que há entre ser humano e

natureza a mediação de uma atividade, que, ao mesmo tempo, o identifica, na atividade

adaptativa à realidade, e o diferencia, como realidade organizada de tal forma que continha,

como possibilidade, perspectivas de desenvolver uma atividade transformadora da natureza.

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O processo da realidade se realizando (se trans-formando), na delimitação da relação

sujeito – objeto, somente pode ser considerado na dinâmica da atividade vital humana, pois

ser humano e natureza existem simultaneamente como unidade contraditória. O processo de

diferenciação no qual o ser humano não mais existe como ser natural, mas como um ser

natural humano ocorreu, e continua ocorrendo, pela acumulação de resultados advindos de

sua atividade sobre a natureza.

A possibilidade de acumulação histórica se deve à mudança qualitativa da relação do ser

humano com à natureza. A sua atividade vital passa a se processar não mais como

adaptativa a realidade natural, mas como transformadora da natureza. A relação do ser

humano deixa de ser imediata, satisfazendo suas necessidades a partir de um vínculo direto

com a realidade natural, e passa a ser mediada, pois para satisfazer uma necessidade produz

um artefato técnico a partir da natureza, transformando-a com a finalidade de qualificar a

sua relação com a natureza e melhor satisfazer suas necessidades.

Essa objetivação, que é natureza humanizada, passa a mediar a relação do ser humano

com a natureza. O instrumento seria então a natureza transformada e a atividade humana

em estado de objeto, a fusão da atividade humana com a natureza, o que acaba por

relacionar a atividade humana a um movimento de conhecer a natureza para poder

transformá-la em seu benefício.

As possibilidades de transformação não são absolutas, a natureza resiste, mas após o

processo de intervenção humana, ela existe numa nova forma, naquela em que carrega a

intenção humana e um modo social de utilização. O instrumento se apresenta como solução

possível, em um dado momento, para as dificuldades que se apresentaram durante o

processo de satisfação de uma necessidade. Ele sintetiza a dinâmica de relacionamentos do

ser humano com a natureza, desta forma, é a expressão de uma realização humana já

abstraídas as tentativas frustradas, o que significa um dinâmico processo de conhecer a

realidade.

Importante observar que as possibilidades de transformação da natureza também sofrem

mudanças, pois o vínculo do ser humano com a natureza passa a sofrer não apenas as

determinações da natureza, mas também as determinações relativas aos conhecimentos e

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instrumentos acumulados para um dado período histórico, sendo que as últimas, cada vez

mais, ganham importância no processo de produção da existência.

A produção de instrumentos nas suas formas rudimentares pode ser encontrada na

natureza também em outras espécies, no entanto, no ser humano a forma rudimentar foi

superada, ou seja, à medida que o ser humano produz, na sua atividade coletiva, um

instrumento para satisfazer uma necessidade, desencadeia um processo no qual transforma

a natureza e modifica a própria natureza. Os resultados se acumulam e um novo processo se

inicia a partir de um ponto qualitativamente superior.

A necessidade que mobiliza a atividade humana passa a não ser mais uma necessidade

natural, mas uma necessidade humana, ela própria se transforma no decorrer da produção.

As habilidades e capacidades humanas se desenvolvem na prática de se relacionar com a

natureza por meio dos objetos criados pelo ser humano e da estrutura social que se vai

criando para produzir e reproduzir a própria existência.

O gradual desenvolvimento das formas de relacionamento com a natureza a partir das

objetivações humanas gera a necessidade de desenvolver formas de comunicação cada vez

mais elaboradas para que seja possível viabilizar o trabalho coletivo nas divisões técnicas

que vão se estabelecendo. Deste modo, produz-se, em unidade, o desenvolvimento do

pensar técnico e da linguagem que permite expressar nuances da atividade humana, que

cada vez mais complexa, se cinde em ações e operações. (LEONTIEV, 1978)

A atividade humana produz a linguagem como pensamento que vai se objetivando numa

forma exteriorizada e desenvolve o pensamento, que ganha em possibilidades pela

apropriação da linguagem, na medida em que a última, de certa forma, “armazena” a

história de relações sociais e participa vivamente das relações que se objetivam entre os

seres humanos ao reproduzirem a própria existência.

A unidade contraditória entre pensamento e linguagem é um tema por si só, nos interessa

no momento apenas mencionar que o processo de trabalho realizou objetivações com

dimensões objetivas e subjetivas e que a relativa autonomia do pensamento na produção de

conhecimentos foi resultado do processo de produzir a existência. Neste movimento, as

capacidades que são especificamente humanas produziram-se e continuam a se re-produzir,

ou seja, é na determinação de um modo de produção que se produz a existência humana.

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Neste processo de produção da realidade humana até mesmo a natureza, que não sofreu

diretamente sua intervenção, deixa de ser natural, pois o ser humano acumula

conhecimentos sobre suas qualidades e ela existe como natureza e também como

possibilidade de realização humana. Na unidade ser humano – natureza o pólo dominante

passa a ser o primeiro.

Este movimento de produção e auto–produção, em que o início de uma nova atividade

ocorre a partir do acúmulo das atividades anteriores, expressa o caráter histórico do ser

humano. O ser humano passa não mais à se adaptar a realidade e sim, num processo

dinâmico de objetivações e apropriações, a produzir uma realidade humana que se

diferencia da natural.

A sua relação com a realidade não é mais apenas a relação com a natureza, é relação

com a natureza e com os resultados do que grupos humanos produziram anteriormente, ou

seja, a atividade do ser humano não se limita às possibilidades de sua natureza dada e aos

aprendizados da existência individual, mas é uma relação que faz uso da história humana

objetivada nas coisas produzidas pelo ser humano, nas relações sociais e na

linguagem.(LEONTIEV, 1978).

O processo a que nos referimos culminou na forma característica do ser humano se

relacionar com a natureza e que, em seu desenvolvimento e elaboração cada vez mais

complexa, possibilitou que a atividade vital humana se caracterizasse como uma atividade

criadora.

Antes de tudo, o trabalho é um processo entre o homem e a natureza, um processo em que o

homem, por sua própria ação, media, regula e controla seu metabolismo com a natureza. Ele

mesmo se defronta com a matéria natural como uma força natural. Ele põe em movimento as

forças naturais pertencentes a sua corporalidade, braços e pernas, cabeça e mão, a fim de

apropriar-se da matéria natural numa forma útil para sua própria vida. Ao atuar, por meio

desse movimento sobre a natureza externa à ele e ao modificá-la, ele modifica, ao mesmo

tempo, sua própria natureza. (...) No fim do processo de trabalho obtém-se um resultado que já

no início deste existiu na imaginação do trabalhador, e portanto idealmente. Ele não apenas

efetua uma transformação da forma da matéria natural; realiza, ao mesmo tempo, na matéria

natural seu objetivo, que ele sabe que determina, como lei, a espécie e o modo de sua atividade

e ao qual tem de subordinar sua vontade. E essa subordinação não é um ato isolado. Além do

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esforço dos órgãos que trabalham, é exigida a vontade orientada a um fim, que se manifesta

como atenção durante todo o tempo de trabalho (MARX, 1988: 142-143)

A citação, que de certo modo define trabalho, sintetiza toda a discussão anterior, no

entanto, gostaríamos de destacar que o intercâmbio do ser humano com a natureza ocorre a

partir de relações sociais e com participação do pensamento, portanto sua atividade

pressupõe uma intenção inicial que determina o autocontrole do comportamento, ou seja, o

trabalho não ocorre de forma espontânea, mas, cada vez mais, a partir de planejamento.

Podemos indicar o processo de trabalho como a forma humana de produzir a

existência, mas antes observamos que ele é elemento definidor do ser humano e resultado

de processos anteriores, pois o ser humano produziu em seu desenvolvimento esta forma de

existir a partir de sua atividade. Esta forma de relacionamento não apenas diferencia o ser

humano em relação à natureza, mas possibilita que este processo tenha continuidade.

Assim, quando consideramos o trabalho se realizando a partir das características acima

especificadas, não mais é possível tomar o objeto como natureza, mas é necessário tomá-lo

como realidade em desenvolvimento e desdobrada como natureza, sociedade e pensamento.

O trabalho, neste ponto da reflexão, é tratado e caracterizado como um processo criativo,

considerado em sua dimensão produtiva, como realização do novo objetivado a partir do já

existente. Adiantamos que no modo de produção capitalista, que é o modo atual de produzir

a existência, o trabalho se apresenta também em seus efeitos destrutivos.

Por ora, pretendemos reapresentar esquematicamente o processo de trabalho, ainda em

sua dimensão criativa, a partir de uma outra perspectiva: o início continua a ser uma

necessidade humana, no entanto, como já constituída socialmente, ela é considerada no

pensamento e, por este processo, torna-se um problema humano na medida em que os

conhecimentos produzidos anteriormente e a situação a ser resolvida em sua atualidade se

fundem na dimensão cognitiva.

Como problema social já contém uma perspectiva de solução, assim se desencadeiam

processos relacionados ao planejamento da atividade que têm como intenção resolvê-lo.

Gera-se um “produto”, ainda na dimensão abstrata do pensamento, que envolve idealmente

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a antecipação da objetivação que se pretende realizar e a organização da atividade social

para produzi-lo.

As operações de trabalho já “realizadas” abstratamente pelas funções cognitivas em

comunicação, finalmente realizam-se externamente sofrendo as determinações do

anteriormente planejado e das surpresas que são inerentes ao processo produtivo em

qualquer dimensão. Materializa não apenas uma objetivação enquanto objeto físico, mas ao

mesmo tempo, relações sociais ou conceitos que se fizeram necessários para a realização da

atividade de solucionar um problema social.

O resultado deste processo de objetivação são elementos novos produzidos que passam a

existir na realidade caracterizando-se como forças ativas. O elemento novo produzido,

como síntese do processo em questão, irá integrar-se à atividade produtiva transformando a

realidade, tanto objetiva como subjetivamente (VIGOTSKY, 2003).

No processo de trabalho a atividade do homem efetua, portanto, mediante o meio de

trabalho, uma transformação do objeto de trabalho, pretendida desde o princípio. O processo

extingue-se no produto. Seu produto é um valor de uso, uma matéria natural adaptada às

necessidades humanas mediante transformação da forma. O trabalho se uniu com seu objetivo.

O trabalho está objetivado e o objetivo trabalhado. O que do lado do trabalhador aparecia na

forma de mobilidade aparece agora como propriedade imóvel na forma do ser, do lado do

produto. (MARX, 1988:144).

Observamos, desde já, que as características do trabalho humano nos aspectos acima

mencionados, que primariamente estão relacionados ao metabolismo do ser humano com a

natureza, determinam as realizações humanas em outras dimensões da sua existência, como

por exemplo, nas atividades científicas, artísticas e até mesmo nas atividades educativas.

Em virtude do que foi exposto, a relação sujeito – objeto não deve mais ser entendida

como relação ser humano – natureza, mas ser humano – realidade, a última apresentando-se

em seus diversos aspectos e em unidade com a práxis humana de produzi-la.

Esta relação não pode ser considerada senão na movimentação entre os seus pólos, pois

da mesma forma que existe objeto no sujeito, ou seja, o ser humano se apropria da história

passada contida nas objetivações humanas (instrumentos, relações sociais, linguagem,

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conhecimentos, pensamentos), existe sujeito no objeto, visto que a realidade necessita ser

considerada também na dimensão das criações humanas em seus vários campos de

atividade.

Desta forma, mesmo mantendo a pressuposição da anterioridade e exterioridade da

realidade em relação ao pensamento, seria uma simplificação afirmar que a realidade exista

e se realize de forma independente ao pensamento, visto que em muitos aspectos ela é

pensamento objetivado.

Por fim, ainda nesta primeira aproximação, gostaríamos de salientar que considerar o

sujeito como humanidade, como ser social, no processo de realização do real não significa

que a possibilidade de uma relação consciente de grupos humanos com a humanidade,

tomada em seu conjunto, não seja algo relativamente recente na história.

O processo de produção de uma realidade humana não se deu de forma homogênea,

como pode parecer em nosso raciocínio, pois a relação ser humano – natureza ocorreu de

formas singulares em diferentes grupos humanos devido a modos específicos de reproduzir

a existência. A conseqüência desta diversidade foi a objetivação de distintas culturas, o que

significa maneiras também diversas de produzir, pensar e dizer a realidade.

Do desenvolvimento da realidade em sua diversidade objetiva-se a razão humana como

resultado do que os seres humanos construíram no processo de constituir a própria

existência concreta, permitindo progressivamente atribuir-se finalidades cada vez mais

independentes dos constrangimentos imediatos da vida material. Isto significa também

produzir conhecimentos sobre si (ser humano) que não se limitam às relações sociais

imediatas e às estruturas já estabelecidas, pois tornou-se possível conhecer a realidade nas

possibilidades de realização futura e em sua totalidade.

Como síntese provisória deste primeiro momento de reflexão podemos praticamente

reproduzir a afirmação do primeiro parágrafo deste texto, esperando que agora ela tenha

maior significação: a educação existe como elemento constitutivo do ser humano, na

medida em que para produzir e reproduzir sua existência, esse não mais pode recorrer

somente às possibilidades contidas na natureza dada (biológica) e aos aprendizados

decorrentes das experiências de uma existência individual, mas, o ser humano, cada vez

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mais, necessita apropriar-se de uma segunda “natureza”, exterior ao seu organismo, da

realidade naquilo que se refere às conquistas históricas obtidas por meio do trabalho.

Educação e realidade na sociedade de classes.

O exercício do pensamento que procuramos descrever até o momento tomou a relação

sujeito – objeto considerando o próprio processo de produção da realidade, privilegiando o

desenvolvimento do objeto e o seu desdobramento de realidade natural em realidade natural

e humana, em outros termos, nos referimos ao processo de produção do sujeito teórico –

prático à partir do desenvolvimento do objeto. Neste processo indicamos como aspecto

distintivo do existir humano a possibilidade de objetivar pelo trabalho a realidade social,

determinando o seu modo de produzir a existência e indicando-o como um ser que existe

historicamente.

Como afirmamos anteriormente, o ser humano necessita indefinidamente produzir sua

existência pelo trabalho, portanto o modo característico como organiza a produção é

determinação central na objetivação do seu existir, assim, ao considerar a relação entre o

ser e o existir, é o existir histórico que permite compreender a realidade humana em seu

desenvolvimento.

Para darmos seqüência à nossa reflexão tomaremos a relação sujeito – objeto na

singularidade da sociedade capitalista, assim sendo, o sujeito na realização do real é a

contradição inerente ao modo de produção capitalista. O sujeito não é mais somente o

agente de determinação na produção do real, é também pensamento sobre o real, atividade e

consciência sociais em tensão que atuam na objetivação da realidade. O objeto, da mesma

forma, é a realidade contraditória da sociedade capitalista, determinado pela luta entre

classes sociais distintas, contradição que move o processo de realização do real,

principalmente em sua dimensão humana.

Neste sentido, a luta entre classes sociais passa a desempenhar papel central, visto que é

por meio dos conflitos daí advindos que as relações sociais se transformam, ou seja, que a

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realidade se objetiva numa nova forma. Refletir sobre a realidade humana atual significa

considerar o existir humano a partir das classes sociais:

Dá-se o nome de classes a amplos grupos de homens que se distinguem pelo lugar que

ocupam em um sistema historicamente definido de produção social, por sua relação (quase

sempre fixada e consagrada em leis) com os meios de produção, por seu papel na organização

social do trabalho; portanto, pelos modos de obtenção e a importância da parte de riquezas

sociais que dispõem (BETTELHEIM, 1979:128 cita Lenin O C. tomo 29, p. 425).

Do esclarecimento acima, podemos destacar que as diferenciações técnicas do processo

de trabalho, já citadas anteriormente, transformaram-se historicamente em divisões sociais

e políticas nas quais grupos humanos passam a se diferenciar pela forma específica como se

inserem no sistema produtivo. As classes sociais se referem à objetivação de formas de

relacionamentos sociais em que uma parte da sociedade apropria-se do trabalho da outra.

Com o acontecimento histórico da propriedade privada surge a divisão da sociedade em

classes sociais.

Na sociedade capitalista as classes se constituem a partir da forma como o trabalho se

organiza e pelos objetivos da produção, visto que ela existe fundamentalmente para

produzir mercadorias que se tornarão valores destinados a trocas no mercado. Sua

finalidade primordial não é beneficiar o existir humano, mas acumular valor (capital),

processo que acaba ocorrendo em detrimento da força de trabalho, ou seja, daquela força

viva que pode criar um valor novo.

Como a realidade não pode ser tratada de forma exterior aos acontecimentos históricos,

mas somente a partir do contexto, ela necessariamente tem que ser tratada levando-se em

consideração a contradição entre capital e trabalho. Esta afirmação apenas perderia sentido

com a superação do modo de produzir capitalista.

O real como sociedade capitalista não existe somente como objeto, ou seja, como

resultado da prática social humana (dimensão prática da luta entre classes), existe, também,

como pensamento acumulado sobre a realidade, incluindo o próprio funcionamento da

sociedade capitalista (dimensão teórica da luta entre classes), ou seja, a realidade existe

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também como pensamento se realizando, como prática que se objetiva a partir de sistemas

explicativos sobre a realidade.

Com estas considerações, podemos esclarecer que a realidade que de certa forma foi

identificada como sociedade capitalista foi, na verdade, identificada com a contradição

inerente a esta sociedade, o que representa uma forma de abordagem que reconhece no seu

funcionamento as forças reprodutoras da realidade, mas que, no entanto conhece os seus

limites, visto que contém em si a sua própria negação, produzindo neste sentido forças

sociais que atuam a partir da consciência de que dentro deste modo de produção os

principais problemas humanos não podem ser resolvidos, visto que por ele são gerados.

O que estamos querendo destacar é que se na discussão anterior a realidade havia se

desdobrado como natureza, pensamento e sociedade, neste momento é necessário

considerar outro aspecto do processo de diferenciação, aquele que se objetiva a partir da

propriedade privada e da divisão social do trabalho.

As contradições advindas desta forma histórica de relacionamento acabaram por

determinar tensões e antagonismos no modo de pensar a natureza e a sociedade, na forma

de existir em sociedade e de reproduzir a existência humana.

Tanto a prática social humana como o pensamento que se acumula sobre a realidade

estruturam-se a partir de relações com o modo de produção e passam a existir como

objetivação, ou seja, passam a desempenhar papel ativo nas contradições que movimentam

o real. Assim, apesar de hegemônica, a sociedade capitalista não se caracteriza como sendo

a realidade, mas uma realidade que vem se concretizando a partir da luta entre possíveis, o

que inclui a sua própria superação.

O objeto na sua identificação como realidade da sociedade capitalista, em virtude do que

foi afirmado, não pode ser considerado como estático, pois mesmo quando se realiza

mantendo sua estruturação básica, existe a partir de forças sociais em disputa que realizam

re-posicionamentos constantes em decorrência das tensões advindas de suas contradições.

Se no momento anterior de nossa reflexão, ao abordar a relação ser humano – natureza

nos interessava o que era específico do ser humano, neste momento nos interessa o que é

específico do ser humano no funcionamento da sociedade capitalista, que é a realidade a

partir da qual as relações se objetivam.

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Realizaremos, no entanto, um recuo para fundamentar algumas afirmações e identificar

algumas características deste modo de produção, destacando a singular combinação dos

elementos do trabalho no capitalismo, que está na base de estruturação das próprias

contradições sociais. A tarefa se refere a caracterização da atual forma de relacionamento

do ser humano com a natureza para produzir e reproduzir sua existência, ou seja, como o

trabalho existe.

A primeira especificidade é a de que o processo produtivo está sob controle do

capitalista, pois ele é proprietário dos elementos do trabalho, ou seja, da atividade

produtiva, dos meios de produção e do objeto a ser transformado.

É propriedade do capitalista, definida inclusive juridicamente, o objeto a ser trabalhado

quer se trate da natureza em sua forma natural ou transformada como matéria-prima.

Também é ele, enquanto classe, o proprietário dos meios de produção, ou seja, as

realizações técnicas que sintetizam a história acumulada de relações do ser humano com a

natureza tornaram-se, não sem luta, posse do capitalista.

Por fim, decorrente de toda uma reestruturação social, também a força de trabalho passa

a existir como uma de suas propriedades, na medida em que paga por ela, com o salário, e a

coloca em funcionamento a seu favor tirando como pode o melhor proveito.

Na relação ser humano – natureza na sociedade capitalista o trabalhador trabalha sob o

controle do capitalista e o produto também é de propriedade deste e não do produtor. O

processo de trabalho, do ponto de vista do capitalista, é um processo entre coisas que lhe

pertencem, inclusive a atividade do trabalhador.

Voltemos ao nosso capitalista in spe. Deixamo-lo logo depois de ele ter comprado no

mercado todos os fatores necessários a um processo de trabalho, os fatores objetivos ou meios

de produção e o fator pessoal ou força de trabalho. Com o olhar sagaz de conhecedor, ele

escolheu os meios de produção e as forças de trabalho adequadas para o seu negócio particular,

fiação, fabricação de botas etc. Nosso capitalista põe-se a consumir a mercadoria que ele

comprou, a força de trabalho, isto é, ele faz o portador da força de trabalho, o trabalhador,

consumir os meios deprodução mediante seu trabalho. A natureza geral do processo de trabalho

não se altera, naturalmente, por executá-lo o trabalhador para o capitalista, em vez de para si

mesmo. Mas também o modo específico de fazer botas ou de fiar não pode alterar-se de início

pela intromissão do capitalista. Ele tem de tomar a força de trabalho, de início, como a encontra

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no mercado e, portanto, também seu trabalho da maneira como se originou em um período em

que ainda não havia capitalistas. A transformação do próprio modo de produção mediante a

subordinação do trabalho ao capital só pode ocorrer mais tarde e deve por isso ser considerado

somente mais adiante. (MARX, 1988:147).

O trabalhador encontra-se submetido nesta relação, inicialmente juridicamente, visto que

não é proprietário dos meios de produção e, na medida em que, existindo separado dos

meios de produção e sem condições para trabalhar individualmente, se vê obrigado a se

reproduzir pela venda da sua força de trabalho.

A subordinação inicial do trabalhador ao capitalista, num primeiro momento, não se

referia a capacidade de trabalho, visto que o trabalho era de domínio do trabalhador. Estava

subordinado porque vendia sua força de trabalho, mas ainda possuía o domínio do modo de

processar a matéria, era conhecedor das técnicas, e o capitalista explorava sua capacidade

aumentando o tempo de produção a partir de um rígido controle.

Com o desenvolvimento deste modo de produzir, o trabalhador passa a ser duplamente

submetido, pois perde o controle do próprio sistema produtivo. As relações sociais de

dominação, características do modo de produzir capitalista, se objetivam inclusive na forma

de maquinaria e o trabalhador passa a se defrontar com uma situação em que é obrigado a

se submeter ao funcionamento da produção.

O aprofundamento das relações capitalistas significou um processo de expropriação do

trabalhador de sua capacidade de controlar o trabalho e o desenvolvimento de uma luta

constante procurando reduzir o seu acesso ao mínimo possível para colocar os meios de

produção em funcionamento.

Podemos adiantar, considerando o tema educação, que o mínimo significa não apenas as

pressões por menor salário, mas também por acesso restrito aos conhecimentos produzidos,

limitando a “educação” do trabalhador à pragmática de saber operar sob controle externo,

no caso, a classe capitalista.

Não apenas as relações de propriedade estão na base do modo de produzir capitalista,

mas também a separação no processo produtivo das funções de execução e planejamento,

significando que o lugar ocupado na produção vai determinar relações específicas com os

meios de produção e papéis distintos na produção da existência humana.

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Portanto os seres humanos passam a diferenciar-se e a se definir socialmente como

grupos distintos e antagônicos pelo modo como obtêm o necessário para a própria vida e

pela importância social do lugar que ocupam.

O trabalhador, para o capitalista, é apenas mais um elemento no processo de trabalho,

mas não qualquer elemento, pois, mesmo que sua classe procure dissimular esta realidade,

ele é fator decisivo na produção do novo valor que é apropriado pelo capitalista (mais-

valia). Quem tem a possibilidade de acrescentar valor aos investimentos iniciais do

capitalista é o trabalhador, pelo trabalho vivo, que coloca em funcionamento o trabalho

passado acumulado nos meios de produção.

Esta afirmação continua tendo validade mesmo que em certos períodos o

desenvolvimento tecnológico e, conseqüentemente, das maquinarias ganhem importância

no processo de diminuição de custos e aumento dos lucros. No entanto, quando as taxas de

lucro do capitalista sofrem diminuição é sobre os trabalhadores que vão incidir as chamadas

reestruturações do processo produtivo.

As manobras ocorrem no sentido de elevar a taxa de lucro e normalmente se

caracterizam como soluções que em nada se aproximam do nível de elaboração tecnológica

alcançada, ou seja, têm sempre a tendência de aumentar o tempo trabalhado e de minimizar

os gastos com salários, operação que pode significar maior número de horas trabalhadas

mensalmente ou maior tempo de vida trabalhando.

Sintetizando, podemos afirmar que os objetivos de trabalhadores e capitalistas não são

os mesmos, pois cabe ao último, como está expresso na própria nomenclatura, acumular o

capital, que somente pode ser conseguido pelo trabalho não pago ao trabalhador, e ao

primeiro, reproduzir sua própria existência e lutar contra a dominação que vem lhe sendo

imposta.

A realidade social existe determinada por este processo, como movimento decorrente da

contradição entre capital e trabalho em suas diversas dimensões. Deste modo, qualquer

processo de reflexão sobre a realidade deve partir da consideração de que a existência

humana se fundamenta em relações sociais de dominação.

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Contradição inerente à realidade, como sociedade capitalista, na medida em que capital

e trabalho existem um em função do outro. A negação do trabalhador é o desenvolvimento

do capital, pois o trabalhador é o meio de desenvolvimento do capital, do mesmo modo, a

negação do capital é o desenvolvimento do trabalhador, pois o capital é o meio de

desenvolvimento do trabalhador.

Apesar dessa implicação, há entre capital e trabalho uma oposição na qual cada um dos

pólos busca sua emancipação, visto que são qualitativamente distintos e irredutíveis um ao

outro. Como pólos antagônicos somente podemos considerar a relação entre eles a partir de

uma mediação, no caso, a já citada luta de classes.

A dinâmica realidade se desenvolve a partir das objetivações resultantes de lutas e

tensões que vão se acumulando no processo de realização do real. O capitalista busca negar

as formas organizativas da classe trabalhadora e esta se esforça para organizar suas ações; o

primeiro busca aumentar seu lucro pelo aumento da exploração do trabalhador (mais

trabalho, menos remuneração, maior controle sobre o trabalho, menos direitos) ao passo

que esta classe luta para conquistar direitos e poder ter acesso às “riquezas” objetivas e

subjetivas produzidas pelo ser humano.

Podemos reafirmar assim, que as contradições decorrentes da unidade dialética entre

capital e trabalho se resolvem pelas lutas concretas que se travam no processo de realização

do real, que se recoloca permanentemente como um momento novo de afirmação de uma

nova contradição.

A determinação desta contradição, apesar de sua centralidade, não elimina outras

determinações na produção do real, como por exemplo, as decorrentes de formações

culturais distintas, no entanto consideramos a dimensão cultural aspecto mais imediato do

que a formação econômica estrutural. O capitalismo se constitui e se realiza em diferentes

culturas sem descaracterizar-se, mantendo aquela singular combinação entre os elementos

do processo de trabalho.

Estruturando-se como uma realidade em expansão tem a capacidade de transfigurar-se

para se manter, processo que só faz aumentar a tensão e as conseqüências históricas de suas

contradições. Continua a desempenhar papel decisivo para sua realização a correlação de

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forças entre capital e trabalho, não por acaso, atualmente os capitalistas se dirijam a países

como a China, cuja forma autoritária de funcionamento permite uma super-exploração do

trabalhador.

A realidade somente pode ser considerada levando-se em conta os aspectos culturais que

a constitui em sua diversidade, dimensão que determina as formas de realização do

trabalho, os relacionamentos sociais na sua singularidade, mas que no entanto, ela própria

somente pode ser pensada em unidade com o modo de produção que lhe determina a

existência. No momento atual do capitalismo é necessário considerar a realidade de

diferentes culturas vinculadas ao papel que as relações capitalistas globalizadas lhes atribui

na economia mundial e as resistências que vão se consolidando em relação a estes projetos.

Neste momento de nossa reflexão, o que tratamos por realidade torna-se complexo, o

que significa, por um lado, que não pode ser apreendida imediatamente pelo ser humano, e

por outro, que pode ser conhecida a partir do pensar teórico. Seus desdobramentos se

multiplicam e àquela diferenciação inicial de natureza, pensamento e sociedade, agregam-

se determinações referentes ao modo de produção capitalista, ou seja, da oposição entre

classes sociais em luta, apresentando-se a partir de relações políticas que existem na

diversidade das formações culturais.

Qualquer intervenção (atividade prática ou teórica) que se realiza na sociedade de

classes se dá a partir do lugar, enquanto posicionamento ético - político, que se ocupa no

sistema de produção social e do papel que exerce na sociedade, o que representa integrar-se

a uma força social agindo em um sentido determinado da contradição acima explicitada.

Assim sendo, consideramos a realidade como unidade entre as dimensões do existir e do

resistir e como permanente processo de produção e reprodução. São parte integrante da

realidade diferentes possibilidades de existir futuro, aspecto que leva a necessidade de

constantes indagações sobre qual realidade se está comprometido em produzir.

A possibilidade ou não de objetivar uma prática social a partir da mediação de

questionamentos sobre o existir humano na produção da realidade já é resultado das

contradições sociais que se concretizaram e um aspecto dessa luta, visto que o existir

consciente vincula-se diretamente à formação dos indivíduos.

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Podemos enfim retomar àquela afirmação de que a educação existe como elemento

constitutivo do ser humano, na medida em que para produzir e reproduzir sua existência

esse necessita apropriar-se de uma segunda “natureza”, exterior ao seu organismo, e inserir

a consideração de que a realidade que o ser humano se apropria diz respeito a atualização

das lutas que se travam em diferentes campos de atividade, determinados pela contradições

decorrentes do modo de produzir a existência.

Educação e existência individual

Se em nossa primeira aproximação visando compreender a relação sujeito – objeto a

realidade se desdobrou em natural e humana, comportando a sociedade e o pensamento, no

segundo momento, ela se diferencia ainda mais, visto que necessariamente tem que ser

considerada a partir dos antagonismos entre classes sociais que a constitui. Isto significa

que ela se realiza como luta que se objetiva no presente e, sendo assim, é portadora de

possibilidades futuras de realização.

O sujeito nessa relação perde a nitidez visto que a realização do real se movimenta a

partir de classes sociais em luta, o que significa que o próprio pensar sobre a realidade,

mesmo que indiretamente, está determinado por esta contradição.

No entanto, conhecê-la tornou-se uma possibilidade humana, visto que na sua

história vem se objetivando um processo ininterrupto de conhecimento e reconhecimento

da realidade, no qual o pensamento orientado por conteúdos acumulados ganha relativa

autonomia em relação ao real se realizando.

Construiu-se na história atividades relacionadas ao processo de produção de

conhecimentos, nas quais os vínculos com a realidade passam a se constituir a partir de

relações que envolvem três elementos, quais sejam, o de um sujeito como pensamento

científico, portanto como atividade orientada por um método de conhecer, o de um objeto a

ser conhecido como conhecimento acumulado, ou seja, como relação entre o pensamento

realizado e pensamento se realizando e, por fim, a realidade como objeto exterior e anterior

ao pensamento, que passa a constituir-se como critério de validade do conhecimento

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produzido, na medida em que a ação sobre ela se pauta por aquilo que se produziu no

movimento de conhecer

Não nos aprofundaremos nesta discussão, apenas sintetizamos, a partir da posição do

materialismo histórico dialético, essa forma de conceber a produção de conhecimentos para

afirmar que cada vez mais os resultados deste processo integram os modos como o trabalho

se objetiva, e dessa maneira o saber científico passa a ser condição da existência humana.

Sua apropriação é necessidade tanto para viabilizar a participação no processo produtivo

em si, como para qualificar a atividade social humana como práxis, ou seja, como atividade

consciente de si e de sua participação na realização humana.

Reafirmamos assim que a realidade não pode ser apreendida imediatamente pelo ser

humano, e ao mesmo tempo, que ela pode ser conhecida a partir do pensar teórico. Como

fica evidente, essa possibilidade histórica de se relacionar com a realidade somente pode

ocorrer como conseqüência de processos educativos.

Não podemos deixar de mencionar que, se no processo de constituição do capitalismo as

forças de trabalho podiam ser encontradas no mercado e o capitalista as colocava para

produzir visando atender seus interesses particulares, como citado anteriormente, com o

aprofundamento deste sistema, a atividade educativa sistemática2 passou a desempenhar

importante papel no funcionamento da produção, visto que é de interesse do capitalista a

objetivação de força de trabalho adequada ao seu modo de produzir.

Relembramos que o seu modo de produzir se caracteriza pela propriedade privada e pela

divisão social do trabalho, que se organiza a partir da cisão entre funções de execução e de

planejamento, trazendo conseqüências para a forma como o capitalista concebe a relação

educação – trabalho.

Para não nos alongarmos, apenas citaremos que é uma educação pragmática visando o

funcionamento do modo de produção, ou seja, como as funções desempenhadas no modo

de produzir são diferenciadas, o educar para o trabalho e para vida também se tornam

desiguais, estabelecendo assim, como força hegemônica, a histórica dualidade na formação

dos indivíduos a partir da objetivação de um sistema em que convivem, não sem conflitos,

2 Não abordaremos neste texto detalhes de como a educação se desenvolveu de forma específica em

diferentes modos de produção até que a educação escolar se tornasse hegemônica na sociedade capitalista.

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os integrantes da escola de elite e os da escola dos oprimidos, espaço destinado a propiciar

o mínimo de saber necessário para realização do trabalho nos limites das ações

fragmentadas. (SAVIANI, 2005)

Mas para além da diferença citada, o sistema guarda coerência no que se refere aos

objetivos de formar um ser individual que paute suas ações pelo egoísmo, funcionando a

partir de concepções que naturalizam e dimensionam exageradamente as diferenças

individuais e justificam tanto a hierarquia social quanto ascensão por mérito de grupos

restritos da sociedade.

O que estamos querendo demonstrar é a contradição colocada nos termos da atividade

educativa. Existe um pólo de forças sociais que concebe e realiza a educação a partir de

metas justificadas pelo pragmatismo de aumentar a produção e, conseqüentemente, a

riqueza, na promessa de que um dia será repartida, mas que de fato se caracteriza como

uma atuação sistemática na produção da passividade dos indivíduos.

Resiste um outro pólo que concebe e luta pela educação pública, vislumbrando a

realização das possibilidades históricas de vínculo com a realidade a partir do

conhecimento cientifico, permitindo a participação social dos indivíduos como atividade

consciente da própria participação na realização humana, ou seja, existem como resistência

forças sociais que vislumbram a produção do indivíduo que não seja passivo e pragmático e

consiga se relacionar com os verdadeiros problemas humanos, como aquele de impedir que

grupos humanos permaneçam sob o domínio das condições imediatas.

Nesta perspectiva, pressupõe-se a formação de qualidade para o conjunto de seres

humanos, universalizando o saber constituído. O indivíduo pela determinação dos

processos educativos necessita se reproduzir como realidade, não qualquer realidade, mas

aquela do estágio presente de possibilidades, como conhecimento científico, filosófico e

artístico, como pensamento impregnado de conteúdo e autocontrolado por método de

pensar, como criatividade, como atividade prática mediada por sistemas teóricos em

desenvolvimento, como práxis produtora de realidade anteriormente antecipada, como

reflexão coletiva, como luta política. Necessita se reproduzir como humanidade e existir

politicamente com consciência do próprio existir.

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Apesar das diferenças que se apresentam, o processo de autoprodução do existir humano

está sempre demarcado pelas atividades educativas que inserem as gerações na realidade a

partir das bases de um modo estabelecido de produzir a existência. A já mencionada disputa

neste campo ocorre como expressão de diferentes posicionamentos no que se refere ao

conteúdo das determinações que a atividade educativa vai exercer sobre a formação dos

indivíduos.

Evidente que a batalha se trava a partir dos sistemas educativos existentes, cuja força

hegemônica é a classe proprietária dos meios de produção, deste modo nossa reflexão

poderia prosseguir apontando as batalhas concretas travadas neste campo, visto que

estamos sofrendo as conseqüências do processo de reestruturação do capital com a

imposição das chamadas políticas neoliberais, no entanto, optamos por permanecer nas

considerações gerais do processo de desenvolvimento individual.

Ponto de destaque é que consideramos que é a realidade, como unidade de existência e

resistência, o objeto com o qual os indivíduos irão se relacionar no processo de produção da

existência. O sujeito que se desenvolve é o indivíduo em relação com outros indivíduos, ou

seja, indivíduo e indivíduos mais experientes, que têm já uma história de apropriação da

experiência humana em suas contradições.

O indivíduo humano existe, ao mesmo tempo, como natureza e como sociedade numa

unidade contraditória em que o pólo prevalente é o da sociedade. No processo de

desenvolvimento individual, as forças entre os pólos da contradição não são estáticas, pois

quando consideramos o indivíduo humano em sua plasticidade característica pressupomos

que ele sofre um processo de transformação tal que modifica radicalmente seu modo de

relacionamento com a realidade.

O indivíduo, considerado na sua singularidade, na gênese da vida sofre forte

determinação biológica em seu funcionamento, de certa forma existe inicialmente como

organismo vivo, funcionando a partir dos processos biológicos mais primitivos, mas esta

constatação obvia não invalida, mesmo para estes momentos, a afirmação de que o pólo

prevalente da relação indivíduo – sociedade é o segundo, visto que a criança sempre se

encontrará numa situação sócio-cultural.

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Nos períodos em que ainda existe nos limites da natureza dada, a situação de que

participa, sempre social, é dirigida e controlada pelo adulto mais experiente, sua relação

com a realidade se dá a partir do outro social, portanto ela não é apenas estímulos aos

órgãos do sentido, é realidade de objetivações humanas que são postas em funcionamento

nas relações entre os seres humanos.

Aquilo com que o sujeito individual se relaciona como objeto é a realidade, considerada

já em seus desdobramentos como natureza, sociedade, pensamento e em suas contradições.

O real não é considerado somente como determinação imediata de pessoas e coisas

produzidas pelo homem, acessíveis ao campo da sensação e da percepção, ela é também,

realidade de determinações não imediatamente percebidas, mas que se mantém como

determinação no processo de realização do real.

Existem acontecimentos que não são diretamente percebidos, mas que, no entanto,

continuam a determinar as formas de existir dos indivíduos. O que se está afirmando é que

no processo de tomar a relação sujeito individual – realidade social como objeto de reflexão

visando conhecer o desenvolvimento do primeiro, não é possível se limitar às situações

empíricas, pois as determinações, mesmo quando não conscientes pelos integrantes de uma

dada situação, continuam sendo determinação na produção do real.

O problema se desdobra, pois se de um lado existe a relação do indivíduo com a

sociedade num processo real de desenvolvimento, que acontece mesmo que não se tenha

total consciência, por outro, existe a relação do indivíduo – sociedade como objeto do

pensamento, que no campo científico tem implicação necessária com a relação no primeiro

aspecto.

Observação não sem importância, porque os conhecimentos elaborados sobre a dita

relação, podem passar a ser e são mediadores da própria relação no seu acontecimento

factual. Os conhecimentos sobre desenvolvimento humano constituídos historicamente

interferem na produção de objetos pedagógicos, nas relações com as crianças, na

formulação de propostas de ensino.

Os saberes do senso-comum, da sabedoria e da ciência referentes ao processo de

desenvolvimento individual, na tensão constante em que se encontram, são determinações

nas relações sociais a partir das quais ocorre o desenvolvimento individual, neste sentido,

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são realidade na medida em que se transformam em “soluções” práticas para situações

reais.

A tensão que move o processo de desenvolvimento se objetiva na organização da

atividade de que participa o indivíduo. Se o cotidiano dos indivíduos da sociedade

capitalista tem se pautado, não por acaso, cada vez mais a partir de ações espontâneas e

pragmáticas é porque o próprio cotidiano assim está estruturado, visando reproduzir

relações capitalistas e impedir a participação consciente da classe trabalhadora.

Relações espontâneas e pragmáticas, que caracterizam a existência cotidiana, nas quais

necessariamente o indivíduo irá se inserir, têm na estruturação da sociedade capitalista

invadido espaços que deveriam se pautar pelas relações conscientes e intencionais com a

história. (HELLER, 1970)

Isso ocorre com as atividades relacionadas à educação formal, em que, muitas vezes, as

concepções de desenvolvimento e as ações delas decorrentes passam a se constituir pela

demarcação da compreensão imediata, não elevada ao nível da teoria, e de soluções

pragmáticas, visando os menores atritos possíveis.

O caso é que o desenvolvimento individual ocorre por processos educativos que se

iniciam com o nascimento, momento no qual a criança se insere na realidade e dá início a

sua ativa participação na sociedade. Discutir a relação ser humano com a educação é

problematizar os contraditórios processos organizados pela sociedade para que os

indivíduos se apropriem da história humana, compreendendo educação como determinação

necessária no processo de formação individual.

Considerações finais

A discussão aqui exposta teve um caráter introdutório e uma finalidade didática de

iniciar a discussão da disciplina “Psicologia da educação: fundamentos filosóficos”. Por

este motivo, procuramos apresentar uma visão de conjunto sem aprofundamentos e

evitando utilizar citações. Nos baseamos nos postulados do materialismo histórico dialético

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principalmente como se apresentam nas produções da Psicologia Histórico-cultural e da

Pedagogia Histórico-critica

O movimento de reflexão exposto neste material parte da consideração de que a

existência humana necessita ser indefinidamente reproduzida pelo trabalho, portanto

somente a partir do modo característico como organiza a produção é que podemos

compreender o existir humano. Como as conquistas objetivadas pelo trabalho passado

integram a produção é necessário educar as novas gerações para dar continuidade à este

processo. No caso específico de uma sociedade de classe, a maioria dos integrantes da

sociedade encontra-se impedida de controlar os processos produtivos e de se beneficiar de

seus resultados, o que acaba objetivando uma contradição no próprio campo da educação,

visto que, da posição da classe trabalhadora, o problema não mais se refere ao educar para

dar continuidade ao modo de produção, mas educar para conhecer o funcionamento deste

modo de produção e suas conseqüências, o que significa produzir condições para um

movimento de ruptura com as injustiças que provoca.

O aspecto que procuramos destacar é que a educação deve ser voltada para a realidade,

por este fato é que procuramos apontar, a partir do materialismo histórico dialético, como a

realidade se constitui e se diferencia.

A realidade estrutura-se em suas diferentes dimensões, ou seja como natureza, como

sociedade e como pensamento. Ela se desenvolve a partir das contradições atualizadas da

sociedade, marcada pelos antagonismos entre classes sociais, ou seja, a partir da luta de

classes, o que representa diferentes posições no modo de compreender e existir em

sociedade. A realidade é um todo que se estrutura a partir de diferentes culturas que cada

vez mais se comunicam e se articulam como humanidade.

A realidade se produz como existência e resistência, e como realização de uma certa

hegemonia se afirma no presente. No entanto, compreende possibilidades distintas de

existir no futuro, aspecto que torna necessário recolocar constantemente o problema

filosófico de qual realidade se tem a intenção de produzir.

Por fim, consideramos a formação dos indivíduos a partir das relações que estabelecem

com a realidade nos aspectos acima retomados, considerando que quando a educação passa

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a se organizar como trabalho educativo, ela começa a ser pautada pela antecipação daquilo

que se almeja produzir.

Novamente apontamos que as contradições da sociedade demarcam diferentes posições

quanto aos objetivos da educação, indicando que o projeto de existir individual, em seu

pólo hegemônico, vislumbra a realização de indivíduo pragmático e adaptado à realidade

estabelecida e, de outro lado, como resistência a ele luta-se pelo existir do indivíduo

contemporâneo de seu tempo histórico e consciente tanto da realidade que está inserido

quanto daquela que mereça ser realizada.

As Mãos

Manuel Alegre

Com mãos se faz a paz se faz a guerra.

Com mãos tudo se faz e desfaz.

Com mãos se faz o poema – e são de terra.

Com mãos se faz a guerra – e são a paz.

Com mãos se rasga o mar. Com mãos se lavra.

Não são de pedras estas casas mas

de mãos. E estão no fruto e na palavra

as mãos que são o canto e são as armas.

E cravam-se no tempo como farpas

as mãos que vês nas coisas transformadas.

Folhas que vão no vento: verdes harpas

De mãos é cada flor cada cidade.

Ninguém pode vencer estas espadas:

nas tuas mãos começa a liberdade

Proposta de atividades

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Releia a poesia acima, de Manuel Alegre (ALEGRE, 1997) e procure relacioná-la com o

conteúdo do texto nos seguintes aspectos:-

1- A produção da realidade humana a partir do trabalho;

2- A produção da realidade a partir de classes sociais em luta;

3- A educação das “mãos” humanas no contraditório processo de existir;

4- O significado de liberdade.

Referencias bibliográficas

ALEGRE, Manuel. Trinta anos de poesia. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1997.

BETTELHEIM, Charles. A luta de classes na União Soviética: primeiro período (1917-

1923). 2 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.

HELLER, A. O cotidiano e a História. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1970.

LEONTIEV, A. Actividad, Consciência y Personalidad, Buenos Aires: Ediciones Ciências

del Hombre, 1978.

LEONTIEV, A. O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa: Livros Horizonte. 1978.

SAVIANI, D. Educação Socialista, pedagogia histórico-crítica e o desafio da sociedade de

classes, in Saviani e Lombardi (Orgs). Marxismo e educação: debates contemporâneos.

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MARX, K. O capital. Volume I: O processo de produção do capital. São Paulo: Nova

cultural, 1988.

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VIGOTSKY, L.S. La imaginación y el arte en la infância. Madrid: Akal, 2003.