abordagens participativas: novas fronteiras nos estudos do

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Abordagens Participativas: Novas Fronteiras nos Estudos do Trabalho Tom Dwyer IFCH/UNICAMP Grupo de Pesquisa da Sociologia do Trabalho/UFMG GT - Trabalho e Sociedade Encontro Anual da ANPOCS 23-27 de outubro de 2000 Petrópolis, RJ

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Abordagens Participativas:

Novas Fronteiras nos

Estudos do Trabalho

Tom Dwyer IFCH/UNICAMP

Grupo de Pesquisa da Sociologia do Trabalho/UFMG

GT - Trabalho e Sociedade

Encontro Anual da ANPOCS

23-27 de outubro de 2000

Petrópolis, RJ

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Introdução

Uma grande parte dos sociólogos que discutem o trabalho hoje, tratam suas dimensões estruturais e a

adequação de fatores humanas, políticas e sociais a estas dimensões. Assim vemos que se dá prioridade a

temas tais como: globalização, enfraquecimento do movimento sindical, emergência de novas formas de

representação de interesses, necessidade para maior qualificação em certas áreas, mudanças na estrutura de

emprego e desemprego e suas consequências. Examinar estes temas, normalmente através dos paradigmas

marxistas ou funcionalistas, tem uma importância singular para a sociologia contemporânea e para a

compreensão geral da transformações do mundo ao nosso redor.

Existem porém outros temas importantes e outras perspectivas teóricas. No meu próprio trabalho

teórico sempre dei uma atenção especial à questão da transformação da ação social em locais de trabalho e

para fazer isto recorro ao acionalismo fenomenológico fundado por Alfred Schutz . Para construir ligações

entre fenômenos a nível micro com questões de ordem macro faço referência ao acionalismo histórico de

origem existencialista de Alain Touraine. (Dwyer, 1993) Esta combinação de teorias acionalistas foi

destacada pelo Michael Rose no seu livro Industrial Behaviour (1975) como sendo o alicerce de uma ampla

renovação da sociologia do trabalho (ver o apendice a este paper). Além das fronteiras dos estudos de

trabalho, o paradigma fenomenológico goza de grande prestígio, sendo considerado tanto por Giddens quanto

por Habermas com o mais promissor disponível à sociologia contemporânea.

Dentro da ótica teórica exposta iniciei uma série de estudos e neste paper vou resumir elementos

chaves de três deles. Faz um certo tempo fiquei fascinado pelo fato de que a sociologia dialogava pouco com

algumas disciplinas que também pesquisam temas relacionados à ação humana em locais de trabalho

(engenharia de produção, ergonomia, medicina) e dialogava um pouco mais com a psicologia, e comecei a

pesquisar a relevância dos resultados de estudos feitos nestas disciplinas para a sociologia e vice versa.

(Dwyer, 1997) Mais tarde percebí que a penetração da informática em locais de trabalho estava sendo

acompanhada pela produção de efeitos perversos e esta percepção levou-me a fazer uma investigação sobre os

processos de tomada de decisões relacionados à concepção e à implementação de sistemas informatizados.

Finalmente a popularidade da noção de ‘sociedade de risco’ proposta por Ulrich Beck e Anthony Giddens me

levou a voltar a um antigo objeto empírico das minhas pesquisas e a refletir sobre as ações a nível micro que

levariam à produção dos acidentes com grandes consequências. (Dwyer, 1999/2000) A partir destes três temas

percebí que a percepção que os trabalhadores têm a respeito de seu próprio trabalho está adquirindo uma

importância crescente como objeto de estudos, e junto com isto a noção da participação. Porém, o fato dos

temas da percepção e da participação surgirem nas três áreas empíricas mencionadas, constitue um

reconhecimento claro dos limites do paradigma da modernidade, do qual tanto o marxismo quanto o

funcionalismo fazem parte, e levam a perceber que em diversas frentes há a emergência de uma nova

concepção do mundo na qual referência à percepção dos atores sociais e eventualmente sua participação nas

decisões que afetam suas vidas é considerada fundamental. Entretanto o conceito participação é, em mesmo

tempo, de natureza ideológica e científica, e falta uma teorização sociológica adequada a respeito.

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Na realidade hoje em dia fala-se em participação por toda parte. Da política através de temas tais

como o orçamento participativo, até o mundo de trabalho; tanto em países desenvolvidos quanto em países em

vias de desenvolvimento tais como África do Sul (Sitas, 1998), Taiwan (Huang, 1997) e Brasil (Cardoso,

1997). No Brasil embora não existem dados a respeito da penetração de técnicas de gestão participativa,

nenhum autor sugere que ela esteja em declínio. Há um debate quanto a natureza de gestão particpativa. No

setor calçadista no Rio Grande do Sul Elaine Antunes sugere que a participação transforma de maneira

postiva aspectos de gestão e abre novas perspectivas para os trabalhadores. “As atitudes da gerência dão

indício de uma mudança na gestão e nas relações de trabalho, na ideologia empresarial etc…. Resta saber se

os trabalhadores pensam similarmente à gerência entrevistada. Será que é isto que querem, desejam

(participação, responsabilidades, multifunções)?… Como que poderiam tirar melhor proveito da GP (gestão

participativa) enquanto classe trabalhadora? Será que gostam da forma como a gestão participativa vêm sendo

desenvolvida? Ou teriam algo mais atrativo a propor?” (Fensterseifer, 1995, 364) No seu estudo Martins

emite uma avaliação negativa a respeito; “A forma Taylorista/Fordista de organização do trabalho, baseada no

controle rígido dos trabalhadores nos aspectos mais específicos do exercício do seu trabalho, parece estar

dando lugar a uma forma de controle que ao mesmo tempo é mais flexível e fundamentalmente sútil.” Há a

idéia, neste artigo, de que a implantação de formas de gestão participativa são uma exigência associada aos

novos tempos do capitalismo e de “A ação do capital atinge em cheio o universo simbólico e imaginário dos

trabalhadores… ao oferecer ópio no almoço e ambrosia no jantar.” (sd, 371, 373)

Onde ficamos então? A gestão participativa constitue uma ferramenta da dominação ou algo que seria capaz

de permitir a emancipação dos trabalhadores brasileiros? É impossível responder de maneira clara a tal

interrogação, na ausência de uma conceitualização clara sobre gestão participativa e de estudos precisos. A

partir de uma análise da bibliografia internacional, Hodson alerta que os procedimentos de gestão

participativa "do trabalho ainda estão nos momentos preliminares de seu desenvolvimento e a natureza de

suas consequências são indeterminadas neste momento…. Pesquisadores vão precisar desenvolver novos

conceitos para poder descrever e analizar estas novas relações em locais de trabalho." (1996, 735)

1. Um Limite do Paradigma da Modernidade-

Informatização de Empresas e a Descoberta do Paradoxo da Produtividade

Durante anos observou-se um paradoxo associado ao investimento em tecnologias novas. Nos Estados

Unidos investia-se muito e não houve os aumentos previstos de produtividade. Uma série de tentativas foram

feitas para explicar o fenômeno que passou a ser conhecido como o ‘paradoxo da produtividade’. Dois autores

importantes nestas investigações são Strassman (1990) e Landauer (1995).

Os autores analisaram diversos aspectos da atividade econômica, tanto do sistema quanto de setores, e

observaram a ausência de uma correlação entre investimentos em tecnologias informatizadas e aumentos de

produtividade. Landauer lança a hipótese de que “o baixo retorno de investimentos em computadores, e

tecnologias da informação no geral, parece ser a peça que falta na quebra cabeças da produtividade” onde nos

Estados Unidos, a partir do meados da década de 70 investia-se cada vez mais sem no entanto ter tedo os

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ganhos de produtividade previstos, na realidade em bases anuais o produto estava 1,5% abaixo das previsões

dos modelos entre 1974 e 1983. (1995, 45) Strassmann (1990) trabalhou sobre uma grande variedade de

indústrias e demonstrou que a relação entre gastos em tecnologias de informação e lucro sobre investimentos

era quase zero.

Os autores desenvolveram famílias de explicação para as causas do paradoxo. Para Strassman estas

são principalmente de natureza gerencial. Há porém uma série de outras explicações entre as quais: os dados

econômicos não estão coletados de modo a permitir a medição dos efeitos positivos das tecnologias de

informação, os investimentos acabam produzindo efeitos não previstos e até não desejados que acabam

aumentando custos as empresas (ex. salários de técnicos, os custos de aprendizagem, resistência, efeitos

perversos tais como LER) ou que fazem que economias previstas não são realizadas (ex. embora o conteúdo

de seu trabalho mudou o número de secretários não diminiu com o advento de tecnologias de informação,

pessoas acabam acrescentando novas funções a suas tarefas), a concepção inadequada dos equipamentos e

softwares leva eles a não serem usados de maneira desejada. (Landauer, 1995, 115-136)

Soluções Dado a variedade de causas possíveis do paradoxo um amplo leque de soluções é proposta.

Para Strassmann a resposta mais importante é adequar as técnicas e procedimentos de gestão às tecnologias e

racionalizar os processos decisórios. Por exemplo, as tecnologias de informação permitem descentralização e

comunicações horizontais por esta razão ganhos de produtividade serão produzidos se os níveis hierárquicos

nas empresas formem reduzidos, é também preciso transformar a natureza de processos de aprendizagem,

implementar programas de racionalização do uso de computadores entre outros. Tais soluções correspondem

a explicações sociológicas de natureza funcionalista, o autor busca adequar as estruturas econômicas e

tecnológicas dos sistemas para que determinados tipos de ação social se produzam.

Landauer sugere uma outra série de soluções de natureza mais global. É necessário centrar a estruturação

de sistemas tecnológicos no usuário em todas suas fases: concepção (‘design’), desenvolvimento, e uso.

Ou seja, o usuário tem que ter um papel central, um papel ativo na construção das tecnologias com quais

trabalha. Assim o trabalhador consultado seria capaz de prever os danos e de sugerir melhorias levando à

implementação de um sistema tecnológico formulado na base de uma lógica diferente da lógica dominante.

Nesta seção do paper vou tratar principalmente a questão da implementação de concepção participativa

defendida por Landauer e outros autores. A defesa feita por Landauer parte do cálculo de suas vantagens

econômicas: "cada programa (de computador) sujeito à concepção bem elaborada centrada no usuário (ganha

por ano) 40 a 80 por cento de eficácia". (1995, 234)

A idéia de concepção participativa está sendo desenvolvida há mais de 30 anos; Fred Emery, originário

do Instituto de Tavistock elaborou uma metodologia de análise e implementação. (Emery, 1993) Embora o

uso do conceito não se restringe apenas ao mundo do trabalho (por exemplo, os esforços de orçamento

participativo patrocinados sobretudo por governos municipais do Partido dos Trabalhadores no Brasil, as

políticas de transparência e participação local patrocinadas pelo Banco Mundial têm um parentesco com este

conceito) vou concentrar meu tratamento sobre o mundo de trabalho.

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A concepção participativa se resume a uma lista de princípios que visam colocar o usuário no centro do

processo de design, embora que este processo seja conduzido e coordenado por um profissional. Dentro desta

lista é preciso respeitar o usuário independente de seu nível ou poder na organização e cada um deve ser

percebido como um especialista no seu próprio trabalho. Os trabalhadores devem ser tratados como a fonte

primária de inovação, idéias sobre concepção emergem a partir da coloboração junto com uma variedade de

participantes. A tecnologia não é a única opção com a qual problemas emergentes podem ser tratados, assim é

necessário que o designer desenvolva uma visão global do sistema, redes de pessoas, práticas e tecnologias

que fazem parte de determinados contextos organizacionais. É preciso tentar entender a realização de

trabalho dentro de seu contexto, e testar inovações em situações reais em vez de situações de laboratório.

Problemas que aparecem em locais de trabalho devem ser tratados em vez de problemas construídos por

atores que trabalham fora destes locais. Sugere-se que um esforço concreto seja feito para mudar aspectos do

local de trabalho identificados como problemáticos pelos participantes tais como estresse, monotonia,

posturas inapropriadas etc. O conjunto de espaços de trabalho num local deve ser concebido de modo a

permitir novas possibilidades para o exercício da criatividade, aumento de controle pelos trabalhadores sobre

o conteúdo, a medição e os relatórios sobre o trabalho desempenhado, e deve-se permitir trabalhadores a

comunicar e se organizar com seus pares em outros locais transpondo linhas hierárquicas dentro da

organização. Finalmente, o profissional de concepção deve ter uma capacidade de desenvolver uma postura

reflexiva em relação a suas práticas. (Emery, 1993; IE, 1995; Sclove, 1995, 83-99; Schuler e Namioka, 1993)

Existe um movimento de concepção participativa (‘participative design’) que está se expandindo por

diversos setores. Na área de alta tecnologia podemos ver sua atuação no design de novos equipamentos, na

concepção de ambientes virtuais, na redação de cursos à distância etc. Podemos observar antropólogos que

fazem estudos etnográficos para modelar os procedimentos empregados no trabalho e para desenvolver idéias

sobre os parametros de concepção, operação, ação, percepção e outros temas em locais reais de trabalho.

Muitos vezes, os antropólogos são funcionários de grandes corporações e seus estudos servem a ajudar os

tecnólogos a elaborar novas concepções de postos e tecnologias a serem usados no trabalho. A idéia de

concepção participativa, originária da escola socio-técnica foi incorporada em grande escala na pesquisa e no

trabalho industrial nos países escandinavos antes de cruzar o Atlântico onde encontrou um clima adequado a

seu desenvolvimento sobretudo em Silicon Valley na California. No plano internacional desde 1990 o bi-

annual Participatory Design Conference serve para construir uma comunidade de pesquisadores de diversas

formações disciplinares e que, em base na crença da participação, desenvolvem um projeto e uma linguagem

comum.

Do ponto de vista de uma sociologia do trabalho estes esforços demandam uma postura reflexiva na qual

o designer desenvolve uma capacidade de entender de um lado que os processos participativos são

socialmente construidos e, do outro lado, uma reflexão sobre a natureza das interações entre os sistemas

técnicos propostos e os sistemas de relações sociais com os quais as atividades dos trabalhadores serão

gerenciadas. Esta demanda efetivamente embute a necessidade do designer ter uma teoria do mundo social,

uma teoria sociológica. Pelle Ehn, o pai intelectual de uma parte do moderno movimento de concepção

participativa, desenvolveu um aparelho conceitual a partir da fenomenologia existencialista de Heidegger no

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qual ele elaborou uma reflexão consistente a respeito do mundo social e do papel da concepção participativa

em relação à democracia e às habilidades no trabalho (na minha linguagem conceitual, traçada no apendice,

em relação aos níveis de comando e organização). Ele crítica o projeto através do qual as disciplinas

tradicionais que são aliadas ao capital impuseram certas condições sociais e técnicas dentro das quais pessoas

são obrigadas a trabalhar. A reflexão de Ehn busca construir uma outra concepção de trabalho. Assim o autor

desenvolve um projeto emancipatório, no qual a vida no trabalho seria não apenas democrática mas também

permitiria a busca do prazer e de uma vida criativa.

Para Ehn "Gestão participativa (que ele chama 'autonomia responsável') em vez de controle direto

pode passar a ser, na era do computador, a estratégia dominante de gerenciamento. Chamar esta nova situação

'capitalismo com um rosto humano' pode ser ir longe demais. Mas, com certeza, a situação abre algumas

novas e desafiadoras oportunidades para a concepção de computadores baseado em habilidades. O risco é que

o aspecto democrático da concepção orientada ao trabalho pode ser perdida.... (no nível micro através da)

subordinação da concepção baseada em habilidades ao interesse da gerência e a perda de uma visão clara das

mudanças desejáveis do ponto de vista dos interesse do mundo de trabalho". (Ehn, 1988, 468)

Ou seja, nesta citação volta uma velha questão em relação ao esforço participativo: quando se pede

aos trabalhadores que eles participem, será que eles acabam construindo e supervisionando sua própria

dominação? Será que a particiapção constitue uma forma de manipulação ou, com pregam Ehn e os social

democratas, de emancipação?

2. Interdisciplinaridade-

Disciplinas não-sociológicas analisam o local de trabalho

Na seção anterior vimos que a busca de superar um dos entraves ao desenvolvimento de uma sociedade

de informação levou a uma reflexão quanto à necessidade de iniciativas participativas para garantir uma

conceitualização adequada de locais de trabalho. Uma vez concebida de maneira adequada, é necessário

também o desenvolvimento e uso das tecnologias em bases participativas. (Landauer, 1996, 301-344) Esta

‘prise de conscience’ ocorre por razões origem bastante distintas: gerenciais (ligadas aos fracassos do modelo

atual), reformistas (ligadas ao avanço da perspectiva sócio-democrática e a demandas do movimento sindical)

e científicas (ligadas à percepção da necessidade de renovar o paradigma dominante de concepção). A

separação Cartesiana entre sujeito e objeto (onde os trabalhadores são tratados como objetos sobre quais se

reflete para, em seguida, impor transformações no seu local de trabalho) que é a base do paradigma dominante

cede o lugar a uma visão na qual o antigo objeto é transformado em sujeito e como tal suas percepções e

ações são sujeitas à teorização para serem, em seguida, incorporadas ao processo de concepção.

Kuhn no seu livro A Estrutura de Revoluções Científicas descreve um processo de mudança na área

científica onde a acumulação de anomalias dentro do paradigma dominante numa disciplina leva à busca de

uma nova teorização por membros da disciplina, teorização capaz de integrar as anomalias e os

conhecimentos teóricos anteriormente validados num novo paradigma. Assim se busca uma reformulação ao

interior da disciplina e, em mesmo tempo, isto pode levar a uma reformulação dos relacionamentos entre a

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disciplina em questão e as outras relacionadas. Existem, porém, diferenças importantes entre as ciências

naturais analisadas por Kuhn e as ciências sociais, além do fato de que estas últimas são poli-paradigmaticas.

Os indivíduos ou grupos estudados pelas ciências sociais como se fossem objetos podem se transformar em

sujeitos e assim criar anomalias dentro do paradigma empregado. Quando isto acontece o pesquisador é

obrigado a buscar explicações em outro paradigma, ou a reformular sua agenda de pesquisa. Podemos ver que

uma parte da atual renovação paradigmática das disciplinas tais como ergonomia, medicina e engenharia de

produção que têm suas origens nas ciências naturais consiste na revisão do papel atribuído aos trabalhadores

antes vistos meramente como objetos de suas reflexões. É nesta revisão da percepção do trabalhador que se

cria uma ponte para a construção de um diálogo entre as ciêncais sociais e naturais.

A medicina do trabalho Um importante desafio ao paradigma dominante da medicina do trabalho foi

lançado a partir do começo da década de ‘60 por militantes, profissionais, cientistas sociais e trabalhadores na

Itália.

Buscou-se produzir conhecimentos médicos de modo a redefinir as causas de doenças e mal estar em

função de suas origens em locais de trabalho, isto foi feito de modo a conectar definições de causa com

categorias da percepção, categorias estas que são ao mesmo tempo fruto da ação coletiva dos trabalhadores e

capaz de alimentar novas ações. Num primeiro momento definiu-se quatro grupos de fatores que levam à

doença: fatores de ambiente fora e dentro da fábrica, fatores de risco característicos da fábrica, fatores

derivados do esforço físico e outras causas de fadiga. Esta ordenação constitue o quadro de referência que

permitiu o encontro entre o senso comum dos trabalhadores e o saber científico dos profissionais. Os

conhecimentos mais específicos relacionados aos locais de trabalho foram construídos na base de quatro

princípios: o princípio da não-delegação (conhecimento deve ser produzido pelos trabahadores sem que o

processo seja dominado pelos profissionais), o princípio do grupo homogêneo (relações causais são

estabelecidas fazendo referência à situação coletiva de trabalho), o princípio de subjetividade operária

(relações causais são estabelecidas na base de experiências subjetivas do mundo de trabalho) e o princípio de

validação consensual (os trabalhadores constroem modelos das ameaças à sua saúde em bases consensuais).

Estes princípios contêm não apenas referência à participação dos trabalhadores no processo de definição das

causas de doenças mas, também, referência ao processo de construção de uma consciência das relações

causais entre trabalho e doença. Deste modo os relacionamentos entre várias situações e relações de trabalho e

doenças foram redefinidos e as perspectivas da medicina do trabalho dominante questionadas. "Desta

maneira, a principal inovação do Modelo Operário... reside... no reordenamento dos fatores de risco, de tal

forma que são coincidentes com a experiência operária direita na fábrica." (Laurell e Noriega, 1989, 86;

Milanaccio e Ricolfi, 1976)

O Modelo Operário italiano ensina algumas dimensões fundamentais de uma certa equação

participativa, em vez de tratar de concepção o Modelo visa reforma do local de trabalho a partir da construção

de novas definições de causa (incorporadas por trabalhadores e profisssionais) de um lado e um aumento da

capacidade de ação coletiva dos trabalhadores do outro lado. Assim, em definidas situações e relações de

trabalho tanto os conhecimentos quanto as motivações relacionadas a ações desmpenhadas serão

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transformadas. A adesão aos quatro presupostos do modelo permite a construção de processos participativos

onde os efeitos das relações sociais no local de trabalho que distorcem a percepção e a expressão dos

trabalhadores, (relações sociais a níveis de organização, comando e recompensa na minha linguagem teórica)

são bastante reduzidos. Assim o espaço construído para a expressão e o diálogo entre trabalhadores e

profissionais parece se aproximar à 'situação do discurso ideal' de Habermas.

Podemos fazer uma hipótese, onde a participação dos trabalhadores em processos de definição das

causas dos problemas que os afetam (ex. de natureza ergonômica, técnica, ligada à qualidade) é tão ampla

quanto aquela proposta no Modelo Operário italiano, um espaço para o exercício da liberdade de expressão é

construido. Faço a hipótese de que neste espaço as respostas dos trabalhadores à atuação disciplinar são

produzidas na sua forma mais ‘pura’. Assim processos participativos aparecem como lentes que permitem o

desenvolvimento de novas compreensões do dia-a-dia no trabalho, e através destas as bases para a formulação

de novos modelos de ação tanto pelos trabalhadores quanto pelos profissionais.

Num outro contexto James Chriss examinou as implicações das teorizações de Goffman e Habermas

para a ação profissional, ele percebeu que o sociólogo pode desempenhar um papel fundamental a dirigir

iniciativas participativas em organizações que passam por problemas. (É preciso notar que o próprio

Habermas evitou a análise do trabalho quando formulou sua teoria de comunicação, o que sugere a

necessidade de cautela no emprego de seus conceitos neste universo fortemente dominado pela lógica

econômica. (Zarifian, 1999) ) Para Chriss, "Eu imagino um refinamento do esquema de ação comunicativa de

Habermas-Goffman que pode servir eventualmente como base de uma prática clínica sociológica. Esta prática

profissional abraçará a ajuda a pessoas, grupos ou organizações que estão tendo dificuldades comunicativas

ou outras, nos seus relacionamentos quotidianos. Esta prática... consistirá na aplicação das habilidades de

Verstehen a situações do dia a dia, dando ênfase a fatores sociais e culturais, em vez de fatores individuais,

psicológicos ou as sintomas implicados em tais distúrbios."(Chriss,1995. 562)

Engenharia Devido à fragmentação de mercados de trabalho e das ‘situações coletivas’ o

Modelo Operário italiano não tem mais a mesma força social nem capacidade explicativa

que tinha no passado. Apesar disso o Modelo contém um desafio claro às bases tradicionais

das práticas da medicina do trabalho e podemos ver que este desafio é lançado em outros

contextos embora com menos força. Na Inglaterra Armstrong (1984) aponta a necessidade

de incluir uma ‘visão ampliada do paciente’ nas práticas médicas. Nos Estados Unidos

houve um crescimento acentuado da ‘medicina comportamental’(behavioural medicine) de

orientação psicológica, e também da influência da sociologia na disciplina. Karasek,

Gardell e Lindell (1987) demostram de maneira clara a necessidade de se pensar a medicina

do trabalho num sentido mais amplo; eles observam que depois de controlar o fator ‘idade’

o fator principal para prever a saúde do ser humano é seu trabalho. Situação coletiva, vivida

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de maneira individual e que leva trabalhadores a adoecer muitas vezes sem ter o menor

conhecimento de causa. Dado a importância do trabalho na determinação do estado de

saúde das pessoas é fundamental para o êxito científico da medicina que ela rompa com o

modelo sujeito-objeto que está na base de sua reflexão. Hoje, não apenas a medicina mas

também a engenharia e a ergonomia são confrontadas com desafios a seus modos

tradicionais de construir conhecimento, e veremos que com frequência as respostas levam à

constatação da importância de participação. Frente as transformações ligadas aos avanços da computação Kenyon de Greene vislumbra a

necessidade para uma "mudança paradigmática" nos procedimentos de análise de grandes sistemas

tecnológicos. "Avanços recentes na teoria sistêmica sugerem que as abordagens existentes" ao gerenciamento

da complexidade usando a informática podem constranger e canalizar a cognição humana e, por esta razão,

"são indadequadas... é preciso uma mudança paradigmática." (Greene, 1991) Ele sugere uma busca no campo

da 'ergonomia evolucionária'.

Os ergonomistas frente aos mesmos problemas buscam dois caminhos, o da psicologia ou o da

sociologia. Sheridan fala de responsabilidades nos seguintes termos: "tecnologias baseadas em computadores

impõe novas demandas para pessoas que participam de sistemas tecnológicos de grande escala e para os

designers dos sistemas a serem mais explícitos sobre os objetivos, para garantir que a nova tecnologia é

introduzida sem alienar pessoas, para estimular advocacia e objetividade, e para tratar de maneira honesta e

construtiva o erro humano." (1989, 96-97) O engenheiro Sheridan se refere a uma variedade de temas

próprios à tradição sociológica sem, no entanto, reconhecer a possível contribuição da disciplina. O artigo de

Greene retoma as mesmas idéias e exige que referência seja feita à ergonomia.

Dentro da bibliografia de ergonomia e psicologia, dois temas se destacam: o conhecimento e a

participação. O surgimento destes temas vinculam a idéia de que uma remodelação fundamental está

ocorrendo em processos de trabalho e na maneira na qual se gerencia o trabalho. Na minha linguagem

conceitual isto constitue uma remodelação aos níveis de organização e de comando. As repercussões desta

remodelação para a sociologia do trabalho podem ser identificadas em diversas análises e agora tratarei de

duas delas.

A ergonomia britânica se vê sem ferramentas analíticas adequadas, o que leva à busca de uma

'ergonomia participativa.' John Wilson postula que ela seja uma possível fundação e quadro de referência para

a disciplina. Num primeiro momento Wilson destaca a confusão existente em torno da participação e os

perigos da falsa participação. Para ele, muitas vezes trabalhadores detêm percepções de problemas que

escapam aos profissionais e, por esta razão, a disciplina deve refletir sobre o papel da participação. Uma

variedade de estudos é citada e a complexidade do gerenciamento do processo participativo é salientada.

Wilson desenvolve uma prescrição para uma abordagem participativa: "o processo deve ser voluntário,

colaborativo, subjetivo e objetivo, descontraido, não diretivo (mas tem que ter direção e finalidades),

dinâmico, flexível, deve permitir acordos e facilitar a criatividade.... (para ajudar a participação) o

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ergonomista deve ter os papeis de quem facilita, consultor de grupo, conselheiro técnico, assistente na

resolução de problemas, ao mesmo tempo em que é educador, advogado e ponto de apoio." (1991, 75) O que

desperta a atenção é que Wilson, um dos mais importantes líderes mundiais da ergonomia, propõe a

ergonomia participativa como fundação da disciplina sem, no entanto, ter uma idéia clara sobre os

requerimentos do processo participativo!

Destaca-se o desenvolvimento de soluções inovadoras através de métodos "que fornecem

ferramentas, conhecimento e confiança aos trabalhadores na análise de seus próprios problemas no trabalho e

no desenvolvimento de alternativas realistas." (Wilson, 1991, 70) A citação marca a ruptura com as tradições

de tratamento dispensado pelas ciências naturais ao local de trabalho. A ergonomia francesa caracteriza este

movimento como sendo a ruptura com o Taylorismo e Alain Wisner (1993) fala da introdução da

"Inteligência no Trabalho".

Através dessa janela, construida pelas limitações das práticas disciplinares, uma busca em duas

direções pode ser observada: numa, para elementos não descobertos de dinâmicas organizacionais dentro de

locais de trabalho; na outra, para o conhecimento de outras disciplinas. Os ergonomistas franceses vão

procurar dentro da psicopatologia e da antrolopologia cognitiva de Lave e Rogoff e outros. (Wisner, 1993a)

Mais tarde tanto o ergonomista Wisner quanto o psicopatologista Dejours passam a trabalhar com a sociologia

de origem fenomenológica de Erving Goffman (1974) na tentativa de avançar nas suas análises de problemas

emergentes.

O conceito de "representações para a ação", por exemplo, reune a psicologia e a ergonomia francesa

na "análise de funções e instrumentos cognitivos que o sujeito possue ou desenvolverá para poder agir no seu

meio e na análise das modalidades de uso e de organização do meio sobre o qual as atividades se executam."

(Weill-Fassina, Rabardel e Dubois, 1993, 13) Pesquisas bastante específicas são reunidas para decompor e

recompor todo o campo de conhecimento sobre as qualificações.

A situação é semelhante àquela em que emergiram os conhecimentos precursores da ergonomia

moderna. Porém a fadiga problema tão central na pré-história da ergonomia (Rabinbach, 1990) não é mais o

objeto central de investigação. No seu lugar surge a questão do conhecimento. Num mundo em que o

conhecimento tornou-se força de produção, a fragmentação e a complexidade fazem parte de todas as

disciplinas ao mesmo tempo que se buscam novas conceitualizações. Porém os autores de "Representações

para a ação" concluem que o estado da arte não permite "grandes sínteses teóricas ou metodológicas." (Weill-

Fassina, Rabardel e Dubois, 1993, 13)

Cabe à sociologia interpretar os estudos, reflexões e movimentos das diversas disciplinas. Dentro

delas há muitos índices do futuro que se produz, futuro sobre qual sociólogos são chamados a opinar.

O futuro do trabalho - crescente participação ou uma nova Taylorização? Diante da ausência de

grandes sínteses teóricas ou metodológicas, iniciativas que abraçam formas de gerência e concepção

participativa se multiplicam por toda parte inclusive no movimento sindical. (Wilson, 1997) Tanto no

exemplo da concepção participativa, quanto no caso da emergência de perspectivas interdisciplinares a

referência às percepções que os trabalhadores têm de seu trabalho e de suas próprias ações passa a ser cada

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vez mais presente, e com isto a participação do trabalhador na definição e reformulação de seu trabalho passa

a ser mais comum. Em diversas áreas onde a computação está associada ao aumento da complexidade do

trabalho parece que processos participativos são adotados por exigências funcionais do sistema! Será que no

futuro chegaremos a um ponto onde conceber e gerenciar sem recorrer a processos participativos (em

definidos setores) será visto como impossível, ou, pelo contrário, será que uma vez que os conhecimentos

foram extraídos dos trabalhadores através de processos participativos haverá uma nova onda de Taylorização,

desta vez dos aspectos cognitivos do trabalho?

3. A Emergência da Noção de Sociedade de Risco

e sua Importância para os Estudos do Trabalho

Enquanto alguns importantes sociólogos falam que as socidades modernas estão virando pós-

industriais ou informacionais outros falam que estão virado “Sociedades de Risco.”

Ulrich Beck lança a idéia de que o acelerado desenvolvimento da modernidade levou à formação

deste novo tipo de sociedade. Anthony Giddens fala da produção de “um mundo de riscos de grandes

consequências”. (1991, 143) Na perspectiva de Beck (1992) uma parte importante do processo de tomada de

decisões a respeito de risco nestas sociedades foge de controle político. “Apenas uma parte das competências

em quais são baseadas as tomadas de decisões se juntam no sistema político e estão sujeitas aos princípios da

democracia parlamentar. Uma outra parte é removida das regras de fiscalização e aprovação pública e

delegada às empresas em nome da liberdade de investimento e da liberdade de pesquisa na ciência.” (Beck,

1992, 184) Ou seja, para Beck, uma parte do processo de tomada de decisões foge do controle político.

Bem antes da onda intelectual criada em torno da ‘sociedade de risco’ autores de orientação

Marxista, tais como Castleman, elaboraram uma idéia bastante poderosa de que os países de terceiro mundo

passarão a sofrer maiores níveis de risco relativo aos desenvolvidos por causa da transferência de tecnologias

perigosas destes últimos para os primeiros. “A classe de problemas contidas na exportação de perigos

constitue uma ameaça crescente ao meio ambiente mundial, saúde e relações internacionais.” (Castleman,

1983, 301) A hipótese central desta abordagem é: por razões ligadas a sua posição na estrutura de uma

economia capitalista cada vez mais mundial, os países em desenvolvimento seriam condenados a maiores

níveis de degradação ambiental, doenças causadas por novos processos industriais e danos produzidos por

acidentes ampliados.

Numa primeira impressão esta hipótese parece se verificar quando se lembra de alguns dos grandes

acidentes produzidos ao longo destes últimos anos: Bhopal, Vila Socó, San Juan Ixhuatepec. Os dados

estatísticos parecem fortalecer ainda mais esta primeira impressão. No período de 1974 a 1987 dois terços dos

acidentes químicos ampliados se produziram em países de primeiro mundo mas apenas 8% das mortes

ocorreram nestes países, e nestes países cada acidente resultou numa média de 9 mortes enquanto nos países

de periferia a média gira em torno de 190 mortes. (Freitas, 1996, Tabela XXX) A partir desta observação

uma hipótese suplementar se sugere: por causa da maior eficácia de arranjos feitos para conter os efeitos de

acidentes e por causa da eficácia de políticas de remoção de populações ameaçadas e de tratamento de

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vítimas, acidentes idênticos terão menores consequências sobre a vida humana e o sistema ecológico no

primeiro do que no terceiro mundo. A tese de doutorado de Carlos Machado de Freitas (1996) trata de

maneira muito competente aspectos destes arranjos e políticas prestando atenção especial ao caso brasileiro.

Acidentes ampliados se transformam numa fonte importante de morte produzida pelo homem em tempos de

paz Na civilização industrial os grandes acidentes foram produzidos no processo de mineração

de carvão e a grande maioria de suas vítimas eram trabalhadores, os acidentes de Courrières, Monoongha,

Senghenydd são os exemplos bastante conhecidos. (Dwyer, 1991) A ocorrência destes desastres contribuí

para acelerar processos políticos, científicos e profissionais que levaram a profundas transformações em

técnicas, normas, nos conhecimentos e poderes de trabalhadores e, através disso, ao controle e à redução das

consequências deste tipo de acidente nos países desenvolvidos.

Embora estes grandes acidentes mataram muito menos trabalhadores do que os rotineiros acidentes

do dia-a-dia eles chamaram muito mais atenção. Hoje, além dos trabalhadores, os acidentes ampliados

ameaçam populações civis, futuras gerações e o sistema ecológico. Por enquanto ninguém imagina que este

tipo de acidente mata tantas pessoas quanto outras fontes daquilo que os epidemiologistas chamam de ‘morte

por causas externas’. A importância dos acidentes ampliados está contida no fato, amplamente demonstrado

no caso de Chernobyl, de que pela primeira vez o homem, através de atividades concebidas para garantir seu

próprio progresso e nível de vida, pode produzir um nível de destruição capaz de matar grandes números de

civis, abalar os aliceres da estrutura econômica e política não apenas do país onde o acidente foi produzido

mas também de seus vizinhos, ameaçar numa escala massiva as capacidades reprodutivas humanas e causar

enormes danos ao meio ambiente.

As consequências tanto desastrosas quanto imprevisíveis destes grandes acidentes que são

classificados com ampliados levam o fenômeno a merecer uma atenção especial tanto da parte dos poderes

públicos quanto acadêmica. A sociedade passa a delegar responsabilidades a diversas instituições para

garantir a prevenção, para assegurar a redução das consequências de eventuais acidentes através de medidas

de contenção e, eventualmente, de remoção e tratamento, e para garantir a indenização das vítimas e seus

dependentes.

A historia dos acidentes do trabalho demonstra que na medida em que a importância de certos tipos

empíricos de acidente é reduzida novos tipos aparecem. Ou seja, uma parte dos ensinamentos derivados da

análise de acidentes ampliados pode ser aplicada para examinar e controlar novos riscos. No Brasil vejamos

casos de verdadeiros desastres provocados por ‘processos produtivos’ em outras áreas, por exemplo, na área

hospitalar onde 126 pacientes foram intoxicados e pelo menos 64 morreram no Instituto de Doenças Renais

em Caruaru em 1996. Este exemplo, e a incapacidade das associações profissionais médicas de enfrentar

questões relacionadas às responsabilidades, tanto do ponto de vista técnico quanto ético, dos profissionais

envolvidos no processo (e outros processos parecidos), levanta uma dúvida de natureza mais geral. Quais são

as capacidades das instituições brasileiras às quais a responsabilidade do gerenciamento da segurança é

confiada? Será que estas instituições têm a capacidade de garantir níveis aceitáveis de segurança através do

uso de poder para disciplinar e dirigir as ações de seus membros? Sabemos que o desenvolvimento de certos

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processos de biotecnologia e de engenharia genética no país envolverá membros da profissão médica e outras

profissões especializadas na prevenção de riscos, é fundamental perguntar se estas profissões são equipadas

para responder à altura dos desafios que o desenvolvimento destes processos colocam? (Doyle e Persley,

1996) O recente livro de Freitas, Porto e Machado (2000) sugere uma resposta negativa.

Da estrutura do capitalismo mundial ao local de trabalho Os dados citados sobre acidentes

ampliados parecem sustentar a hipótese de que os países em desenvolvimento, por causa de sua posição

subalterna e dominada na divisão internacional de trabalho, assumem riscos fora de seu controle. Seus líderes

empresariais e políticos escolhem estratégias de investimento onde elevados riscos são aceitos em troca de

desenvolvimento econômico ou empresarial. Na medida em que estes riscos acabam afetando a saúde

financeira e política de empresas, do país ou de seus vizinhos, na medida em que os movimentos sociais e

políticos mobilizam para contestar os riscos, se cria forças capazes de transformar políticas de investimento e

controlar determinados tipos empíricos de risco. Ou seja, países têm escolhas!

Embora o modelo de controle direto de processos produtivos por agentes do Estado não garante a

ausência de acidentes ampliados nem nos países desenvolvidos nem nos países sub-desenvolvidos, o visível

fracasso que cada acidente representa aponta a necessidade de desenvolver novos modelos de causa e

prevenção. Modelos onde as responsabilidades daqueles que lidam com a produção e prevenção de acidentes

numa base cotidiana serão definidos. Mas, será que é preciso falar apenas em termos de governos, de

profissões e de empresas? Será que estes não são compostos de pessoas que têm conhecimentos, pensam,

agem e refletem sobre as consequências de suas ações? Ou será que, conforme o modelo de explicação

estrutural de origem marxista, membros destas instituições apenas aceitam de maneira passiva os riscos que

lhes são impostos?

Para responder a estas interrogações é preciso entender o que acontece nos locais onde se produz

aqueles acidentes do trabalho que se transformam em acidentes ampliados. Na França o engenheiro de

segurança na área de energia nuclear Michel Llory levantou três perguntas: “Qual é a origem das pressões que

levam à tomada riscos em organizações complexas? Como é que estas são passadas para o conjunto dos

quadros das organizações? Qual é seu impacto sobre as ações do conjunto de trabalhadores no dia-a-dia?”

(1996, 323)

A resposta à primeira pergunta, na ótica de Theo Nichols (1997), deve ser buscada numa teorização

sofisticada a respeito do papel dos meios de acumulação numa sociedade capitalista. Para responder à

segunda pergunta Daniel Berman (1978) fez um estudo de inspiração Marxista sobre as profissões de

segurança do trabalho nos Estados Unidos, demonstrando como elas se estruturaram de modo a servir aos

interesses do capital. Seu estudo traça a maneira como estas instituicões se formaram de modo a responder a

demandas de segurança como se estas fossem apenas técnicas, de culpabilizar as vítimas dos acidentes e de

produzir uma percepção de que havia uma redução de perigos e assim garantir a aceitação dos perigos

restantes. Berman também demonstrou que nem todos os profissionais de segurança aceitaram este processo

por entender que ele servia interesses contraditórios ao bem estar do trabalhador. Mais tarde Walsh (1987),

Duclos (1989) e outros autores passaram a estudar estas profissões em maior profundidade. Em resposta à

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terceira pergunta Nelkin e Brown (1984) demostraram que aqueles trabalhadores americanos que vivem

sujeitos a múltiplos perigos se sentem, a grosso modo, incapazes de transformá-los.

Ou seja, estes três grupos de autores retratam um mundo onde o poder de uns sobre os outros se

manifesta de várias formas. As profissões de segurança se formam de modo a fazer com que, de um lado,

riscos sejam gerenciados como se fossem meramente técnicos e, do outro lado, a vasta maioria dos acidentes

que acontecem são considerados resultados de atos falhos dos trabalhadores. Neste texto o referencial

derivado da sociologia do trabalho clássico e reconstruido dentro da fenomenologia, parte do exame da vida

como ela é vivida pelos atores sociais, atores que convivem no seu dia-a-dia com riscos, a teorização requer

que os conhecimentos e capacidades dos trabalhadores frente ao mundo do trabalho assim como as

motivações que levam à ação sejam examinados para poder identificar causas.

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Intervalo - A sociedade pós-industrial e a

transformação do campo de análise dos acidentes Uma característica central do sistema

econômico da sociedade pós-industrial é que o conhecimento vira força de produção. Não é a toa que o

estatuto de conhecimento de profissionais sobre o mundo que eles imaginavam dominar se tornou um dos

principais desafios das disciplinas e profissões (inclusive na área de segurança do trabalho) hoje em dia. No

campo intelectual os fracassos de uma disciplina levam a uma busca de conhecimentos de outras e assim à

busca da interdisciplinaridade. Um gerente com longa experiência na área de análise de riscos citado por

Freitas observa; “por mais que as análises de riscos procurem fechar o cerco em torno das falhas possíveis,

parece que sempre existem algumas que não são aprendidas e previstas, escapando pelas bordas.”(Freitas,

1996, 98) Está acontecendo hoje em dia aquilo que Michel Llory define com uma “mudança radical de

paradigma que acontece a partir do momento em que demos prioridade a fenômenos sociais e culturais em

vez de comportamento individual na medida em que leva à busca para dados e informações diferentes, à

análise e processamento diferente destes dados e informações e uma articulação e interpretação diferente

destes dados e informações.” (Llory, 1997, 6)

Processos de investigação de acidentes Análises de risco não contemplam, de modo sistemático,

relações sociais como causas de acidentes. Dada a suposta infalibilidade dos sistemas de segurança os

profissionais e gerentes responsabilizam aquele fator que eles não controlam, os trabalhadores, pelos

acidentes. Nas palavras de um: “A negligência, a indisciplina, o esquecimento e até a falta de conhecimento

dos procedimentos são as causas mais corriqueiras de ocorrência dos acidentes.” (Galli, 1997, 120)

Trabalhadores identificam os perigos, convivem com eles no dia-a-dia e são normalmente suas primeiras

vítimas, excluir referência a suas percepções reduz a capacidade dos gerentes de conhecer sua organização e

de agir preventivamente na base de seus conhecimentos. Esta exclusão passa a parecer irracional tanto do

ponto de vista econômico (porque favorece a existência de riscos que são potencialmente custosos) quanto

social (porque favorece a produção de acidentes). Do ponto de vista político, porém, a exclusão parece ter sua

racionalidade, ela permite os profissionais a manter seu poder, isto porque reconhecer o valor dos

conhecimentos e percepções ‘do outro’ significa reconhecer as limitações de seus próprios conhecimentos e

percepções.

A produção de acidentes no dia-a-dia A hipótese central da teorização por traz desta secção

do paper é de que o estado de gerenciamento do relacionamento entre o trabalhador e os perigos de seu

trabalho em cada nível da realidade social está associada com a produção de acidentes naquele nível.

Consequentemente, uma mudança neste gerenciamento seria associada com uma mudança na produção de

acidentes. Na planta investigada por Ester Galli foi possível ver como as relações sociais produzem acidentes

concretos e são reconhecidas como produzindo trabalho em situações de risco. O trabalho em situações de

risco é reconhecido tanto por chefes quanto por trabalhadores, e nele repousa a faísca que pode acender o

acidente ampliado.

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Traçar um paralelo entre as observações de Ester Galli e as de Michel Llory é pertinente: “A Bhopal,

na empresa Morton Thiokol (empresa contrada pela NASA, antes do acidente do Challenger), a Three Mile

Island, e nos casos de outros acidentes, as pessoas assumem a responsabilidade de prevenir seus superiores:

através de cartas, as vezes repetidas, ofícios confidenciais, as vezes mesmo através de campanhas de cartaz...

eles tentam prevenir seus superiores empregando os últimos meios dos quais se dispõe... antes que a catástrofe

se produz.” (Llory, 1996, 337)

Inflexão no campo de análise O reconhecimento a partir do final dos anos 70 de um novo

objeto, os acidentes de consequências ampliadas, levou a uma importante renovação no pensamento a respeito

de acidentes no mundo inteiro. Hoje existe uma luta no mundo das idéias entre duas perspectivas que

podemos chamar de técnica e social.

A perspectiva técnica fortalece o poder dos profissionais de criar e gerenciar o risco. Assim, o

trabalhador que vive o risco no dia-a-dia não é considerado o ‘homem bem informado’, pelo contrário, ele é

tratado como se tivesse cedido o controle de seu destino a representantes da ciência e as disciplinas

embevecidos com sua capacidade de se impor ao mundo (poder) e de render dividendos para seus mestres

(grande capital e estados). A cada vez que ocorre um acidente, esses representantes lavam suas mãos, quase

sempre buscando culpar os trabalhadores pelas suas ações.

A segunda perspectiva, de natureza social, complementa a perspectiva técnica através da referência à

aquilo que a primeira ignora. É uma perspectiva de origem recente e elementos dela foram esboçados em

diversos momentos neste texto. Ela exige que os profissionais reflitam sobre como as relações sociais do dia-

a-dia geram riscos e como seu próprio trabalho, também inserido dentro de sistemas de relações sociais, é um

produto não apenas de suas capacidades técnicas mas também de sua inserção num sistema de relações

sociais.

A coexistência das duas perspectivas é visível entre membros do meio profissional entrevistados por

Ester Galli. Contradizendo a posição dominante um profissional diz: “os acidentes não ocorrem por falha

humana, existem sempre outras causas para serem descobertas se a análise for feita com menos preconceito.”

Este professional é da opinão de que o nível de organização é responsável para a produção da maioria dos

acidentes em indústrias de processo contínuo. “Isso é muito fácil de ser verificado” ele sustenta

“principalmente depois de18 anos de companhia, atuando na prevenção dos acidentes.” (Galli, 1997, 120)

Dotado de uma capacidade de análise reflexiva ele comenta as dificuldades tidas em manter esta perspectiva

diante do peso da perspectiva técnica dominante: “é muito fácil se deixar influenciar pelos engenheiros, pois a

idéia de que a falha humana explica a maioria dos acidentes é tão corriqueira entre eles que acaba fisgando a

gente. Eu estou sempre caindo nessa armadilha, mas estou sempre saindo dela também, só que leva um certo

tempo.” (Galli, 1997, 121)

A força da perspectiva técnica se revela nas definições de causas de acidentes. Na primeira parte da

década de 80 Perrow (1984) notou que entre 60 e 80% das análises de acidentes identificaram falhas do

trabalhador como causa. No começo da década de 90 numa grande empresa multinacional do setor química no

Estado de Rio de Janeiro falhas dos trabalhadores eram vistas como causa de 77% dos acidentes investigados

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pela empresa! (Freitas, 1996, 89) Freitas cita Drogaris (1993) que mostra uma evolução na maneira de definir

causas, de 121 acidentes químicos ampliados registrados no MARS da Comunidade Européia entre 1980 e

1991, 23% tiveram suas causas imediatas atribuidas a falhas dos operadores e 43% a falhas de componentes.

Para que haja uma atuação mais eficaz é preciso romper com a perspectiva técnica e sua idéia de

causalidade para reconhecer a importância de relações de poder, que se cristalizam em relações sociais, na

produção de erros, acidentes do trabalho e os acidentes ampliados.

O controle social na sociedade de risco - Participação

como maneira de controlar a produção de acidentes ampliados A perspectiva de que acidentes são

socialmente produzidos tem respaldo na bibliografia sociológica, numa parte da bibliografia especializada

sobre acidentes e, também, nas percepções e nas palavras dos que trabalham. A perspectiva técnica introduz

um contraponto, ela atribui a maioria dos acidentes aos erros dos indivíduos. No futuro o reconhecimento

crescente da natureza social da produção dos acidentes na literatura científica e especializada terá seus efeitos

sobre a formação de profissionais, sobre a maneira de analisar as causas e de perceber a prevenção dos

acidentes e sobre as concepções que os profissionais terão de suas responsabilidades. (Dwyer, 1992)

Michel Llory chegou a uma conclusão análoga; “É necessário então desenvolver as formas de

inquérito que permitam detectar realmente certos tipos de causa de comportamentos no trabalho, demonstrar a

dinâmica da distância entre o trabalho prescrito e o trabalho real, as maneiras de regulamentar esta distância....

” Ele reconhece que a engenharia (sua disciplina de origem) não está sozinha no campo, é necessário buscar

apoio de diferentes disciplinas que estudam o homen no trabalho, entre as quais ergonomia, psicologia e

sociologia do trabalho, e de maneira diferente de hoje quando os inquéritos buscam culpabilizar o indivíduo.

Finalmente, deve-se conduzir “Inquéritos que respeitam as regras fundamentais da ética e doentologia

habituais (e serem) capazes... de verificação e validação. ” (Llory, 1996, 319)

Ulrich Beck examina a questão da produção de novos riscos nos laboratórios que são tão importantes

para o desenvolvimento da sociedade pós-industrial quanto eram as fábricas para a sociedade industrial.

Nestes locais de trabalho as relações sociais, que têm enorme importância na produção tanto nos acidentes

clássicos de trabalho quanto de acidentes ampliados, também desempenham um papel fundamental. Muitos

defendem a capacidade de auto-regulação das novas indústrias que nascerão a partir das experiências

conduzidas em biotecnologia, inteligência artificial, medicina, engenharia genética e outras áreas em

expansão. Para Beck é fundamental que as vozes daqueles que lidam, no dia-a-dia, com os novos processos

sejam ouvidas e que se estimule o debate. “É preciso proteger institucionalmente as avaliações alternativas, as

práticas profissionais alternativas, debates dentro de organizações e profissões sobre as consequências de seu

próprio desenvolvimento e proteger a desconfiança reprimida.... Apenas quando a medicina se opõe à

medicina, a física nuclear se opõe à física nuclear, a genética humana se opõe à genética humana ou a

tecnologia da informação se opõe a tecnologia da informação que o futuro que está sendo hoje incubado nos

tubos de ensaio passará a ser inteligível e capaz de ser avaliado no mundo externo. Permitir autocrítica em

todas as suas formas não representa um perigo, é provavelmente a única maneira através do qual os erros que

mais cedo ou mais tarde destruirão nosso mundo poderiam ser detectados de antemão.” (Beck, 1992, 234)

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Ou seja, para poder combater as forças que produzem a sociedade do risco e que escondem atrás do

domínio técnico das profissões, atrás da complexidade das organizações e instituções é preciso construir um

espaço onde se pode construir um diálogo crítico. Um diálogo que introduz, talvez nos moldes do Modelo

Operário italiano uma outra maneira de definir os objetos de estudo das disciplinas e de relações causa e

efeito, um novo objeto construido na base da particpação ativa dos trabalhadores, que estes sejam operários,

cientistas ou técnicos, num ambiente no qual eles possam se exprimir de maneira livre.

Do Mundo de Trabalho para o Mundo

Diante do colapso do grande paradigma ocidental herdado de Descartes e da emergência de uma

sociedade de risco, dos limites dos conhecimentos puramente disciplinares e da descoberta do paradoxo da

produtividade emerge a necessidade não apenas para uma transformação na maneira de produzir ciência sobre

o trabalho mas também de fazer política.

No coração das observações feitas aqui há a idéia de que uma teoria sociológica, baseada na

fenomenologia é capaz de servir de base para uma análise do mundo do local de trabalho que seja mais

adequada dos que as outras porque dá prioridade à subjetividade dos atores sociais na sua compreensão do

mundo a seu redor e examina como esta se articula com suas ações. Notamos que o avanço tecnológico ligado

à computação não teve os benefícios imaginados por seus advogados, o fracasso constatado no termo

‘paradoxo da produtividade’ levou ao desenvolvimento de uma nova abordagem à concepção de

equipamentos e sistemas. Usuários foram colocados no centro de um movimento renovador dos princípios de

design. Na medida em que os limites das abordagens tradicionais se mostraram na prática na medicina,

engenharia e ergonomia aparecerem movimentos para corrigir os rumos e, como vimos de maneira muito

resumida neste texto, uma busca de abordagens que incluem referência aos trabalhadores, suas percepções do

mundo e seus modos de agir na vida no trabalho. A confusão reina, e isto pode ser claramente percebida na

ergonomia onde Wilson apresenta uma prescrição para uma abordagem participativa sem, no entanto, ter

nenhuma teoria da daquilo que está propondo. Por final, pela primeira vez na história da humanidade, há a

possibilidade de que ações produzidas em locais de trabalho possam levar à destruição em escala maciça. Este

fato acresenta uma urgência prática à busca de abordagens capazes de suprir as lacunas tradicionais.

Abordagens capazes de fazer que os atores que vivem em situações onde se produz riscos passariam a ter as

armas conceituais e políticas que os permitirão a ser responsáveis não apenas dentro de seus ambientes de

trabalho mas também diante da sociedade na qual vivem.

Assim participação pode ser vista como tendo diversas faces, de aumentar o controle que as pessoas

têm sobre os elementos de design nas suas vidas, de fazer com que as disciplinas possam, através de

referência às concepções dos atores sociais, ter uma base para se refundar de modo a poder enfrentar

problemas emergentes e, tanto para dentro quanto para fora, de fazer que as pessoas tenham as condições para

se responsabilizar e a serem responsabilizadas para suas ações. A sociologia do trabalho tem hoje a

responsabilidade de formular uma teoria de participação que seja operacionalizável, capaz de esclarecer

quando participação é associada com emancipação ou com manipulação, que seja capaz de promover o

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dialogo entre as diversas disciplinas que estudam a atividade humana em locais de trabalho e contribuir à

renovação não apenas de teorias do trabalho mas também da democracia.

Minha hipótese, já exposta em 1997, (Dwyer, 1997) é que embutido dentro do movimento

participativo há uma profunda remodelação das bases do conhecimento científico, da atuação profissional e

do papel de usuários e trabalhadores nos sistemas de produção e de consumo. A pergunta passa a ser: será que

a incorporação ampla de abordagens participativas, tanto no trabalho das instituições quanto nas práticas de

atores organizados, não poderia se transformar em base de novos eixos de poder e de uma nova ordem,

produzindo seus próprios processos de inclusão e exclusão e levando, quem sabe, a estruturas cada vez mais

abrangentes de inclusão social em mesmo tempo que as diferenças são reconhecidas? Parece uma pergunta

bastante utopica! Mas será que no começo da sociedade industrial a democracia política tal como a

entendemos hoje, não era apenas uma demanda política utópica passando, em seguida, a se respaldar? Nos

países centrais a implantação da democracia abalou antigas estruturas de poder e de mando e assim garantiu

transformações estruturais que levaram aos grandes êxitos do paradigma da modernidade e estes êxitos

levaram, por sua vez, aos fracassos por toda parte identificados hoje como sendo anomalias ou efeitos

perversos.

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APENDICE

Poder – um conceito central

A análise empregada neste texto é desenvolvida dentro do paradigma fenomenológico. Sigo a

orientação dada por Michael Rose (1975) no seu livro Industrial Behaviour na qual o futuro da sociologia do trabalho repousa na integração da abordagem de acionalismo fenomenológico de Schutz e de acionalismo histórico de Touraine. Esta teorização já foi apresentada num encontro anterior deste GT e depois publicado. (Dwyer, 1993) O poder é um dos conceito mais clássicos das Ciências Sociais. Segundo o Dicionário de Ciência Política de Noberto Bobbio et ali.: “Num primeiro momento se pode dizer que o comportamento de A visa modificar a conduta de B: A exerce Poder quando provoca intencionalmente o comportamento de B.” (Bobbio et ali., 1991, 935) Em situações de trabalho A opera de maneria a fazer que o trabalho de B se efetue de maneira desejada por ele. Em situações de risco, por exemplo, A age de maneira a fazer que B trabalhe na presença de riscos, assim o trabalho é cumprido. Fazendo assim A exerce poder e um efeito previsível, mas não desejado, deste exercício de poder é o acidente do trabalho produzido através da ação de B. A noção 'situações de risco' é usada aqui apenas para ilustrar a teorização, esta noção poderia ser substituida por outras tais como outros 'aspectos problemáticas do trabalho', 'padrões de qualidade', 'dificuldades', 'ritmos excessivos' etc. e suas corelatas consequências. A bibliografia define diversos tipos de poder, cada um é vivido de maneira distinta pelos atores superiores e subalternos. John Kenneth Galbraith (1989) distingue três tipos distintos de poder: compensatório, condigno e condicionado no seu livro ‘Anatomia de Poder’. Etzioni (1961) traz o conceito de poder para dentro da área da sociologia das organizações, ele sugere que três tipos operam dentro de organizações: coercitivo, remunerativo e normativo. Os dois primeiros tipos de Etzioni são compatíveis com os dois primeiros de Galbraith enquanto o poder normativo de Etzioni tem, conforme sua aplicação, um caráter de poder coercetivo ou condigno. O poder condicionado de Galbraith é descrito da seguinte maneira: “Enquanto o poder condigno e compensatório são visíveis e objetivos, o poder condicionado, em contraste é subjetivo; nem os que o exercem, nem os que se sujeitam a ele estão necessariamente sempre cientes de que ele está sendo exercido. A aceitação da autoridade, a submissão à vontade alheia, torna-se a preferência mais alta daqueles que se submetem.” (Galbraith, 1989, 25) Numa sociedade moderna este último tipo de poder corresponde, em parte pelo menos, ao poder disciplinar sobre qual Michel Foucault escreveu. O exercício deste poder na área de segurança em locais de trabalho concretos é identificado ao trabalho daqueles profissionais que agem em torno da questão: engenheiros, médicos, técnicos, psicológos, ergonomistas. Uma idéia básica pode ser derivada de Etzioni e Galbraith: na sua vida em sociedade pessoas mantem diversos papeis, agindo dentro destes elas entram em relacionamentos interdependentes mas desiguais com outras. Na medida em que um ator inferior recusa a agir conforme os desejos do ator superior este último recorre ao recurso de poder, empregando incentivos e punições, para “provocar intencionalmente o comportamento desejado.” Os atores superiores também buscam organizar o mundo material e social para que ele seja aceito pelos atores inferiores na maneira em que é apresentado a eles, assim eles exercem poder (condicionado) sem se sentir na necessidade de recorrer aos dois outros tipos. No mesmo modo em que os diversos tipos de poder se exercem na sociedade como um todo eles também se exercem dentro de instituições e grandes organizações e na vida do dia-a-dia. É justamente na vida, no trabalho no dia-a-dia que acidentes são produzidos e prevenidos. Para prevenir não é necessário abolir (à la Castleman e outros) o capitalismo, nem fortalecer o aparelho do Estado mas estimular uma inversão de relações de poder no nível micro e, no caso sendo examinado neste texto, em locais de trabalho onde os riscos de acidentes ampliados se apresentam. Para poder falar de maneira concreta dos locais de trabalho é preciso recorrer a estudos que permitam ‘ver’ as relações sociais que produzem os erros que podem resultar em acidentes ampliados, pouco frequentes mas muito destrutivos.

Na matriz teórica a ser empregada neste texto, três tipos de poder são conceitualizados em locais de trabalho e estes se articulam em três níveis de relações sociais: recompensa, comando e organização, e num nível não social o do indivíduo membro. A relação social é a maneira na qual o relacionamento entre pessoas e seu trabalho é gerenciada. Dado que a teoria é amplamente divulgada em outras publicações (Dwyer, 1991, 1993) eu não pretendo usar o pouco espaço disponível neste texto para reescrevê-la.

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