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Razorland 1.5 –Endurance Ann Aguirre
Traduzido por Grupo Shadows Secrets 2
CRÉDITOS
TRADUÇÃO E REVISÃO:
Grupo Shadows Secrets
Razorland 1.5 –Endurance Ann Aguirre
Traduzido por Grupo Shadows Secrets 3
SINOPSE
Quando a rebelião destruiu o mundo subterrâneo em que Thimble e Stone
cresceram, eles pegaram o filho de Stone e tentaram escapar do caos. Ao longo do
caminho, precisaram fugir das Aberrações, seres que se alimentam de carne humana.
Deixando para trás as funções de Construtora e Reprodutor que lhes foram atribuídas
quando nasceram, eles percorreram os túneis subterrâneos, à procura de segurança ainda
com medo de ir até a superfície, onde segundo a lenda a luz e a água poderiam queimar
suas peles e seus ossos.
A sua viagem conduziu-os para cima num inimaginável mundo de alimentos
enlatados, móveis confortáveis, e livros. Longe de sua sociedade regimentada pela
primeira vez, e ainda enfrentando o perigo iminente, Thimble e Stone reconheceram a
atração proibida que ambos negavam há anos.
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1
O enclave estava quieto no dia em que a normalidade morreu.
Normalmente, Thimble ouvia os Caçadores se preparando para a patrulha. Eles
haviam promovido um par de sangues novos para preencher seus números, e eles
mantiveram o território College limpo da existência de Aberrações—a ruína de suas
existências, a razão para os Caçadores e os bloqueios. As criaturas selvagens espreitavam o
mundo subterrâneo, onde eles viviam, alimentando-se de tudo que encontrassem. Eles
comeriam animais se pudessem encontrá-los, ou pessoas, ou até seus próprios mortos. As
bestas eram horríveis, e só o Guardião das Palavras sabia de onde elas vinham.
Como guardião de toda a sabedoria do enclave, o Guardião das Palavras decidia
quais histórias deveriam ser contadas, e que informações passaria. Ele era um ancião no
enclave; embora fosse mais jovem que Whitewall—o ancião chefe—ele tinha um ar mais
malvado. O Guardião das Palavras possuía longos dedos, como patas de aranha, e olhos
avermelhados, provavelmente de analisar atentamente artefatos trazidos a ele por pessoas.
Thimble tinha escutado suas histórias quando era uma pirralha, e ele sempre a assustava.
Seu olhar permanecia sobre ela com uma fraca desaprovação, ele não apoiava a fraqueza
de permitir que uma criança defeituosa estivesse a recursos da comunidade, mesmo que
ela fosse útil, mesmo se ela trabalhasse duas vezes mais duro que os outros Construtores.
Do seu tempo no joelho do Guardião das Palavras, Thimble conhecia as lendas
antigas—de que seu povo tinha vindo para o subterrâneo há muito tempo para escapar
dos perigos da superfície. Água caia do céu queimando suas peles e seus ossos, e o ar era
como fogo. Em Cima, pessoas morriam em massa; seus corpos apodreciam onde caíam.
Apenas Embaixo eles estavam seguros. A terra oferecia abrigo.
Havia algum tipo de comunicação entre as tribos subterrâneas, mas a maioria era
isolada, permitindo apenas o comércio ocasional. Nassau tinha sido seu vizinho mais
próximo, mas as Aberrações a eliminaram. Comeram todos. Os anciãos fingiram que o
enclave tinha feito algo errado, que mereciam o seu destino. Thimble temia que o pior
fosse inevitável, mas ela não era importante o suficiente para que todos escutassem suas
preocupações. Ela era somente uma Construtora, que mantinha os outros cidadãos com
coisas proveitosas.
Depois de os anciãos banirem sua melhor amiga, Deuce, alegando roubo e
colecionismo, o descontentamento aumentou. Poucos acreditavam verdadeiramente que a
Caçadora havia cometido o crime, por que ela tinha levado a sério o seu dever de proteger
a comunidade, mas todos temiam mostrar apoio. Se o exílio aconteceu com ela, poderia
acontecer com qualquer um. Tinha sido tão difícil para Thimble deixar que isso
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acontecesse, sem protestar, mas ela não foi corajosa o suficiente para se juntar a sua amiga.
Ela havia dito para si que seu pé ruim somente atrasaria Deuce; na maior parte das noites,
isso servia como um conforto desagradável. Do lado de fora, a vida continuou, eles
fingiram seguir antigos decretos, mas em conclaves secretos, as pessoas sussurravam, e
essas palavras suaves estimularam a rebelião.
Por agora, ela deveria ter ouvido os Caçadores saírem. Seu coração bateu um pouco
mais rápido. Ao invés, soaram passos além do labirinto, feitos de restos de metais e
tecidos. Então Twist entrou na área da cozinha, com lâminas em suas mãos; era proibido o
uso de armas por ele como o assistente de Whitewall. Ele havia sido um Construtor antes
de sua elevação de função, e não deveria estar armado. Sua expressão era firme enquanto
ele abanava com as mãos, os novatos se juntavam para devorar pedacinhos dos outros
pratos. Isso teria sido chocante o suficiente, mas 20 cidadãos estavam atrás dele,
silenciosamente apoiando sua quebra de regras do enclave. Eles eram muito misturados,
alguns Caçadores, alguns Reprodutores e alguns Construtores, mas todos compartilhavam
da firme determinação de Twist.
Thimble olhou fixamente. Ela parou, esperando que isso não significasse o que ela
temia. Mas possivelmente esse confronto era inevitável. Mudanças tinham sido
preparadas desde que os anciãos enviaram Deuce e Fade na longa caminhada; Twist
anunciava a revolução.
“Whitewall banirá a todos por isso,” Copper cuspiu.
Ela também era uma anciã, e servia como fêmea ocasional para Whitewall, embora
ambos já tivessem passado da idade reprodutiva. Anciãos vinham de todas as três castas,
supostamente para tomar decisões justas, mas Thimble nunca tinha visto nenhuma
evidência de que esse era o caso. Uma vez que um cidadão completasse 22 anos, ele era
elegível à promoção das castas de Construtor, Reprodutor ou Caçador para ancião, e havia
um processo eleitoral, mas as pessoas sussurravam há um tempo que essa eleição era
corrupta e somente aqueles que apoiavam o status quo1 de todo coração tinham alguma
chance de chegar a esse posição.
“Não, ele não vai,” Twist respondeu. “Você não mandará ninguém mais na Longa
Caminhada. Você matou um inocente pela última vez.”
Thimble se lembrou de Banner, que havia morrido no banheiro feminino com seus
pulsos cortados. As pessoas diziam que a menina, que tinha sido uma Construtora, devia
ter se envolvido em atividade física desautorizada, resultando em uma gravidez proibida.
Incapaz de suportar o pensamento da Longa Caminhada, ela tinha tirado sua própria vida
e de seu novato não nascido para poupá-los da vergonha e degradação de uma morte mais
lenta. Mas houve murmúrios de discordância daqueles que a conheciam e falavam bem
dela, embora nunca chegassem aos ouvidos dos anciões.
1 Situação presente ou momento atual.
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“Ela não teria feito isso,” eles diziam. “É apenas mais um exemplo dos anciões que
regem através de pavor.”
Terror apertou a garganta de Thimble. As regras podem ser terríveis e injustas, mas
o que aconteceria com o enclave se tudo ficasse em pedaços, se permitisse conflito dentro
das barreiras? Os túneis mediam distâncias inimagináveis, ninguém sabia exatamente até
onde iam ou porque tinham sido construídos. Não havia mapas. O Enclave College era o
único mundo que ela conhecia. Thimble nunca tinha visto os túneis por ela mesma, apenas
ouvido histórias de Caçadores que retornavam.
Ela não conseguia falar, observando com olhos horrorizados o desastre que se
aproximava. O som da carne assando parecia muito mundano para este momento;
gordura chiava nas chamas, enquanto pingava, pontuando a raiva que irradiava de Twist
como uma doença. Ele era um homem pequeno, atrofiado e não fisicamente capaz de
qualificar-se como um Caçador, mas ele segurava sua arma sem medo. Thimble teve a
impressão de o mundo desmoronar sob ela, enquanto Copper e Twist trocaram olhares.
“Os caçadores vão destruí-lo,” Copper prometeu.
Twist sorriu. “Eles não são cegamente leais. Alguns vão ficar e lutar comigo.
Embora eu queira matar todos vocês pelo que fizeram para Banner, isso não tem que
acabar assim. Eu sou melhor do que você. Portanto, se Whitewall permitir uma eleição
honesta para novos anciões, que irão avaliar nossas práticas atuais e se necessário alterá-
las, então essa disputa pode ser resolvida pacificamente. Eu quero o que é melhor para o
enclave, não o que me dá mais poder.”
Antes que Copper pudesse responder, a multidão se afastou para revelar
Whitewall, curvado e murcho, com um brilho de pura maldade em seus olhos castanho-
amarelados.
“Só pode haver uma resposta àqueles que transgredem as leis. Se você vier contra
mim, traidor, esteja preparado para morrer.”
“Eu estou,” Twist disse. “Você está?”
Whitewall mexeu a mão para pegar sua arma.
Sem hesitar, Twist estendeu a faca para o ancião. Thimble acompanhou cada
movimentação da lâmina, como se o tempo tivesse ficado mais lento. E, então, as coisas
voltaram para a velocidade normal. A adaga vibrou quando atingiu Whitewall no peito, e
ela entendia o suficiente do corpo humano para entender que quando o ancião caísse, ele
não levantaria novamente. Gritando, de olhos arregalados com choque, Copper agarrou
uma panela de metal pesado. Ela atacou, quase criando um rombo no crânio de um dos
novatos.
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Isso acordou todos os demais do estranho estado catatônico em que se
encontravam. Enquanto o caos explodia ao seu redor, Thimble se agachou, acenou para os
novatos assustados. Eles não tinham ideia do que estava acontecendo, e eles eram jovens
demais para tomar partido, eles só sabiam que seu mundo estava se dissolvendo.
“Venham!” Thimble chamou num tom baixo. “Depressa!”
Alguns obedeceram instintivamente, gemendo de medo, mas outros correram,
saindo da área da cozinha. Lágrimas queimaram em seus olhos. Oh, Stone. Eu preciso
encontrar você. Ele era o único amigo que ela tinha desde Deuce tinha ido. Mas ela não
podia se virar. Os novatos eram prioridade.
“Por aqui,” ela insistiu.
Podia não haver segurança em qualquer lugar, mas ela tinha que tentar. Cinco
novatos cujos números ela não sabia arrastaram-se com ela através do enclave. A batalha
se desenrolava ao redor, lutas por todos os lados, e o doce metálico fedor de sangue
pairava na fumaça. Se não lutarmos, nós estaremos bem quando o conflito terminar. Eles não
matarão sobreviventes neutros se eles quiserem que o enclave resista. Eles precisam de nós para
reconstruir e repovoar.
Era uma esperança fraca e desesperada, e que a permitia seguir um perigoso
caminho até o distante fim do dormitório dos novatos. Por duas vezes, ela veio de
encontro a um Caçador armado e manchado de sangue, que pairava sobre ela no escuro, e
Thimble quase morreu de medo. Com um novato agarrado em cada mão, e em ambas as
pernas, ela não poderia lutar. E mesmo se tivesse uma arma, ela não tinha a habilidade e
coordenação.
Então, ela sussurrou, “Por favor.”
Ela não estava muito orgulhosa em implorar por suas vidas. Em uníssono
comovente, os novatos ecoaram aquelas palavras. Nas duas vezes, os Caçadores recuaram
e permitiram-lhes passar. Não havia como dizer quais eram suas alianças, Twist ou
Whitewall, mas eles não eram monstros assassinos. Desde suas primeiras respirações,
foram treinados para proteger o enclave, não para atacar seus cidadãos mais indefesos.
Thimble tropeçou diante, tentando ficar longe, o mais longe possível do impossível. O
impensável. No final, ela chegou em segurança, onde encontrou outros novatos
encolhidos. Eles rastejaram para ela com as palmas das mãos sangrentas, de sua fuga em
pânico. Provavelmente, os Caçadores não quiseram machucá-los, mas acidentes
aconteciam. Thimble pegou um dos divisores de tecido e ajeitou ao redor deles numa
patética tentativa de ocultação. Os jovens enroscaram-se em volta dela enquanto ouviam
os gritos dos moribundos.
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Stone nunca havia matado nada. Nem um animal. Nem um inseto. Seu dever mais
sagrado era a preservação da vida: ele cuidava dos novatos quando eles adoeciam, os
alimentava, brincava com eles. Às vezes ensinava-os pequenas coisas, como cortar a carne
ou amarrar um nó—nada muito importante, os anciões deixavam claro. Não era com se ele
desempenhasse um papel vital na vida do enclave, não como o Guardião das Palavras.
Qualquer um com duas mãos podia limpar o traseiro dos novatos.
Temendo um ataque de Aberrações, ele havia ido aos trancos para a área comum,
pronto para ajudar, e descobriu que seus companheiros tinham enlouquecido. Thimble
tinha mencionado algo sobre agitação, mas ele a tinha ignorado. Ele tinha pensado “você se
preocupa demais”. Como se provou, ela tinha razão. Gostaria de ter escutado, mas como alguém
poderia esperar por isso? Ao seu redor, eles lutavam com qualquer arma que tinham em
mãos. As pessoas estavam sangrando e morrendo, a morte pairava forte no ar.
Ele recuou, pensando apenas em se esconder, mas o olhar de um Caçador o parou
como se prometesse o seu fim a menos que ele fizesse a coisa certa. O garoto empurrou
uma arma para ele. Stone pegou a lâmina sem jeito, bobo com o choque.
“Lute ou morra,” o Caçador exigiu. “Você está conosco?”
“Com quem?” Ele ouviu a pausa em sua voz, sabendo que o nervosismo o tornava
fraco—inadequado para qualquer tarefa, exceto reprodução e cuidar dos jovens. Um
homem mais inteligente saberia o que fazer, então talvez fosse bom que lhe tenha sido
dado apenas um trabalho simples. Mas essa falta agora o deixava indefeso.
“Twist, ou os anciões. Whitewall está morto, e o corpo do Guardião das Palavras
está logo ali.”
Stone lutou contra sua vontade de olhar, mas, no fim, ele não pôde evitar. O ancião
estava deitado de lado, uma poça escura se espalhando de sua garganta cortada. Atrás
dele, sangue respingava as paredes. Seu estômago embrulhou, e ele apertou sua mão sobre
a faca para tentar controlar a náusea.
Não havia nenhuma maneira de sair deste pesadelo. “De qual lado você está?”
“Estou com Twist,” o Caçador vociferou. Como se aquilo fosse óbvio. Talvez tivesse
sido para qualquer outra pessoa.
Mesmo na melhor das situações, ele não era rápido para conectar as peças do
quebra-cabeça ou resolver as coisas. Sempre teve Thimble pra isso. Uma dor surgiu em seu
peito.
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Onde ela está?
O olhar do Caçador disse a Stone que se ele respondesse errado, teria um punhal no
seu peito e acabaria numa pilha ao lado do Guardião das Palavras. Deste ponto em diante,
tudo iria mudar. Não importa quem ganhasse, o enclave não poderia continuar como era.
Muitas vidas já tinham sido perdidas.
“Eu também,” ele disse rapidamente.
Com isso, o caçador deu um aceno satisfeito. “Não estou surpreso. Você deve ter
notado quão injustas as regras são e como são poucos os transgressores da lei que
realmente fizeram alguma coisa. Sua melhor amiga foi para a longa caminhada, não foi?
Assumiu a culpa por você.”
A dor em seu coração aumentou. Ele soube o que ela estava fazendo. Stone fingiu
acreditar na confissão de Deuce para liquidar qualquer duvida que os anciões pudessem
ter sobre ele. Ele estava pensando no novato em seus braços, o pequeno que ele não
deveria amar. Infelizmente, ele sabia qual pertencia a ele, o menininho com seus olhos e
seu sorriso, e era impossível para ele não se importar. Apenas o amava. Ele teria dito
qualquer coisa para manter seu novato seguro, e ele tinha. Virou as costas para a sua
melhor amiga e a deixou morrer. A culpa daquele momento sempre iria assombrá-lo. Mas,
talvez seus momentos estivessem contados, e isso não importasse mais.
Aparentemente, ele tinha acabado de se juntar à rebelião.
Ele foi com o Caçador para a batalha, e apenas sorte o deixou suportar o massacre.
Stone ficou perto de seu companheiro e esfaqueou com dúvida desesperadora qualquer
coisa que se aproximasse. Seu tamanho ajudou; era raro alguém crescer tanto. O Guardião
das Palavras disse que ele era um retrocesso, o que quer que aquilo significasse, uma
relíquia dos tempos em que as pessoas comiam melhor e cresciam mais. Stone sabia
apenas que seus longos braços permitiam que ele jogasse as pessoas pra longe. Ele não
queria machucá-las. A ideia de usar a lâmina em alguém revirava seu estômago. Mas ele
não podia evitar. Stone tentou, mas eles continuaram vindo. Apenas empurrá-los não era
suficiente, e o Caçador estava olhando.
Alguém o atacou, e ele reagiu. Com um golpe, ele matou uma garota, uma
Caçadora, que veio da mesma classe que Deuce. Ela não era experiente, forte ou
particularmente habilidosa. Sua garganta rendeu-se à faca dele como a carne que ele
cortava para os novatos, e sangue quente fluiu sobre seus dedos. O cheiro era doce e
acobreado e fez sua língua sentir-se espessa para respirar o ar pesado. O corpo dela caiu, e
outro Caçador o atacou.
Por que eles não paravam? Qual era o objetivo?
Stone chorou enquanto lutou até que seus braços estivessem pesados e ele sentir o
cheiro de nada, exceto carne queimada e desespero. Seus pulmões queimavam, seus olhos
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ardiam com o suor escorrendo para dentro deles. Sua lâmina ficou pegajosa até que o
enojava segurá-la. O Caçador sorriu ao seu lado, como se eles tivessem feito um bom
trabalho.
E então acabou.
O bando de Silk os cercou. A loira que comandava os Caçadores avançou,
exigindo, “Abaixem suas armas.”
O Caçador rebelde atacou e morreu em sua lâmina. Com uma força enganadora, ela
pegou o rapaz que uma vez liderou e o colocou ao lado dos outros corpos. Em outra
pessoa, Stone teria julgado a expressão dela como sem vida e infinitamente pesarosa.
Mas Silk firmou seu queixo, a expressão desvaneceu, e ela nivelou um olhar gélido
sobre ele. “Você prefere a morte ou a longa caminhada, traidor?”
O que viria a ser do Garoto23? Esse era o numero de seu novato. Parecia impossível
e errado que ele nunca fosse saber o nome do garoto ou se ele sobreviveu. Ele tinha traído
Deuce por nada. Talvez, ele pensou, alguns destinos não podem ser evitados e eu sempre vou ser
banido pelo crime de amá-lo.
A longa caminhada havia se tornado sinônimo de morte lenta. Para aqueles das
tribos do subterrâneo, significava o exílio, mas não havia luz no fim do túnel. Outras
colônias não iriam dar refúgio a um transgressor da lei, e todos sabiam que aventurar-se lá
Em Cima era a morte. Poderia ser melhor levar uma facada no estomago. Mais rápido, de
qualquer maneira,.
Mas ele não conseguiu juntar a coragem de dizer aquelas palavras. Em vez disso,
outras saíram. “Eu vou, se puder pedir um favor.”
“Você não está em posição de barganhar comigo,” ela respondeu. “Eu não tenho
tempo para isso.”
E ela não tinha. Era verdade. Os sobreviventes tinham de se livrar dos corpos antes
da praga chegar. Carne morta atraía coisas ruins. Se eles não agissem rápido, o enclave iria
ficar repleto de Aberrações. Isso poderia acontecer de qualquer maneira, se o cheiro
chegasse até os monstros e os levasse a loucura.
“Deixe-me encontrar Thimble para diz adeus, nos éramos colegas quando novatos.”
Essa não era a única razão, é claro. Ele queria pedia a ela para cuidar do Garoto23 por ele,
mas Silk não iria entender o porquê. Uma despedida, ela entenderia.
“Certo. Encontre-a e diga o que precisa. Seria dado a você tempo para recolher seus
objetos pessoais em circunstâncias normais, de qualquer maneira.”
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Stone endireitou seus ombros, grato porque lhe seria permitido tanto. Viver seria
difícil de qualquer maneira, depois das coisas que ele tinha feito. Reprodutores geram vida
e a preservam. Eles não matam.
“Espere.” Ele pareceu reconsiderar, observando a área comum arruinada. “Veja, eu
sou a última anciã. O que significa que estou no comando. E eu nem sempre concordei
com o modo que eles conduziam as coisas.”
Eles, significa Copper, Whitewall e o Guardião das Palavras? Ele esperou que ela
continuasse.
“Se você jurar lealdade, o enclave poderia usá-lo. Eu vou fazer as eleições como
Twist queria e tudo mais, embora a reconstrução tenha de ser a minha prioridade.
Francamente, nesse momento, nos não temos números que me permitam mandar pessoas
para Lá Em Cima por causa de antigas tradições.”
“Eu juro,” ele disse roucamente. “Eu não vou lutar com você. Eu não vou tramar
nada.”
“Então encontre Thimble. Faça uma contagem e deixe-me saber quantos
sobreviveram.”
“Incluindo os novatos?”
“Sim.” Com isso, ela virou-se para seus Caçadores restantes e vociferou instruções
concisas em relação à limpeza, mas Stone não esperou para ouvir mais.
Ele jogou a faca e correu numa velocidade cada vez maior, através dos corpos e de
pilhas de lixo fumegantes. A organização precisa de seu enclave havia desaparecido em
poucas horas devastadoras. Levaria semanas para restaurar a ordem. Quando ele passou
pelo corpo imóvel de Twist, ele parou. Você conseguiu o que queria, eu acho, mesmo que não
esteja vivo para ver. Você mudou as coisas.
Com cada momento em que não conseguia encontrar o Garoto23 e Thimble, seu
coração pressionava a sua garganta. Parecia que seria dividido em dois pedaços de carne e
sairia num jorro quente de doença, agravada pelo mau cheiro dos mortos e moribundos.
Esse lugar não parecia mais com a sua casa; não havia segurança. Apenas destroços.
Se eles estiverem mortos, eu também vou estar. Não posso sobreviver a isso sem eles.
Então ele chegou finalmente ao dormitório dos novatos, onde ele viu movimento
em um abrigo improvisado bem dentro das sombras. Stone voou através da distancia, mal
ousando ter esperanças. Quando ele abriu a cortina e encontrou Thimble lá, sã e salva,
cercada por novatos, ele sorriu pela primeira vez o que parecia ser desde sempre. Ele estava
lá, meu pequeno Garoto23. Ela o salvou. Oh, Thimble.
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Ele caiu de joelhos e passou os braços ao redor de todos eles. Ele poderia ficar assim
para sempre.
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A princípio, o alívio não deixou Thimble falar.
Ela agarrou-se a Stone, inalando seu odor de fumaça. Ele tremeu contra ela, seu
coração batendo como se fosse atravessar do seu peito para o dela. Ele a tocou como nunca
tinha feito, suas mãos no cabelo dela, nas costas dela, não toques casuais, mas sim
ardorosos, como se não acreditasse que ela tinha sobrevivido, como se isto significasse
tudo.
Não interprete muito disto, ela disse a si mesma. Vocês são amigos. Novatos
amigos. Nada mais é permitido entre um Reprodutor e uma Construtora.
“Como você o encontrou?” ele perguntou, quando se sentou, com uma repousando
sobre a cabeça do novato.
Thimble olhou mais de perto e compreendeu tardiamente que este era o novato de
Stone. Ela deveria confessar que tinha sido por acaso—que ela não o tinha salvado através
de nenhuma habilidade especial ou esforço. Mas ela não podia perder o olhar em seus
olhos.
“Apenas sorte,” ela murmurou.
“Obrigado.” Ele beijou o topo da cabeça do novato e o menino entrou em seus
braços aninhando-se de encontro a um dos lados de Stone como ela tinha visto tantas
vezes. “Eu tenho de descobrir quantos cidadãos sobreviveram e reportar-me a Silk. Vocês
vão ficar aqui?”
Thimble colocou-se de pé e quase caiu quando seu tornozelo virou. Ele a pegou
como havia feito antes e o rosto dela esquentou. Ela não queria ser fraca e imperfeita aos
olhos dele.
“Ela está no comando agora, certo?” Ela não esperou a confirmação.
Rapidamente, Thimble contou os novatos, que choramingavam de medo e fome.
Eles não tinham conseguido de terminar suas refeições. Nenhum sino tocou mais a hora,
mas tinha se passado um tempo. Mas, talvez toda a comida não tivesse sido arruinada.
Carne fria e queimada era melhor que nada.
“Pode cuidar dele pra mim?” Stone perguntou.
Ela pegou o novato sem hesitação; o pequeno importava para seu amigo, então ela
faria o seu melhor. “Eu não sei o quanto é seguro aqui,” ele acrescentou em voz baixa. “Eu
irei procurar vocês mais tarde.”
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Ela afirmou com a cabeça. “Eu vou tentar encontrar algo para comermos.”
Para a surpresa dela, ele inclinou-se e beijou sua bochecha. Ela tinha visto os
Reprodutores trocarem tais gestos, que se tocavam com um calor adorável e descuidado,
mas Stone nunca tinha feito mais do que colocar seu braço em volta dos ombros dela ou
estabilizá-la quando tropeçava. Maravilhada, com seus dedos ela tocou o espaço quente
em sua pele e o assistiu caminhar a passos largos para a sombria escuridão.
“Bem,” com algum esforço, ela reanimou-se para o bem dos novatos. “Fiquem
juntos. Deve haver alguma comida por aqui em algum lugar.”
“Senhorita Thimble?” disse um novato timidamente.
“Sim?”
“Por que o mundo acabou?”
Não era uma pergunta sobre Lá em Cima; ela compreendeu bem aquilo. Então ele
queria saber sobre a luta recente. Impossível explicar essas coisas para alguém tão jovem.
Mas ela tentou conforme escolhia cuidadosamente um caminho através dos
destroços. “Os anciões tinham regras que não eram justas. Eles puniam pessoas que não
tinham feito nada errado. Algumas outras pessoas ficaram zangadas e queriam que os
anciões parassem, mas eles não queriam. Então eles lutaram.”
“Quem ganhou?” sibilou uma menina.
“Ninguém,” Thimble disse suavemente.
“Tudo está quebrado e sujo e nos não conseguimos nenhum café da manhã,” outro
novato colocou.
Ela não conseguia lembrar quantos eles eram. Isso não era incomum no enclave.
Apenas amigos-novatos camaradas preocupavam-se em aprender as designações
numéricas de todos em seu dormitório. Para todos os outros, os novatos estavam abaixo
deles e eram substituíveis, a menos que provassem ser fortes o bastante para ganhar um
nome. Hoje, isso a entristeceu.
O novato mais alto perguntou, “Quem vai cuidar da gente?”
“Eu vou,” ela respondeu.
“Mas você é uma Construtora.”
“Quando as coisas voltarem ao normal, os Reprodutores irão voltar. Se um número
suficiente deles tiver sobrevivido. Mas até lá, vocês estão comigo.”
“Obrigado.” O novato segurou a mão livre dela e a apertou.
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O novato de Stone passou um braço em volta do pescoço dela e colocou a cabeça
em seu ombro. Um polegar sujo entrou em sua boca. Uma suavidade estranha irradiou-se
através dela pelo modo como ele tinha se aninhado, com tanta confiança. Esse novato era
parte do garoto que ela—bem, seu amigo, Stone.
Ela falou com mais confiança do que sentia. “Vamos.”
Thimble desviou seus olhos para longe do pior da carnificina, guiando seus novatos
para longe dos mortos. Mas uma menina ficou parada, sua face doente e pálida enquanto
ela olhava para uma mulher caída.
Depois de intermináveis momentos, ela ergueu olhos úmidos em um rosto magro e
sujo. “Essa era a minha mãe. Eu não deveria saber, mas ela me dava carne extra nas
refeições.”
Thimble teria se sentido melhor se a novata tivesse chorado, mas a menina engoliu
as lágrimas como cascalho e seu olhar ficou duro e quieto, fixando-se em nada em
particular. Ela não olhou mais para a Reprodutora morta. Com uma reafirmação muda
que nem mesmo ela acreditava, Thimble foi em direção à cozinha, onde o conflito tinha
começado. Ela encontrou vísceras, sangue, pedaços de carne, membros decepados, e
cadáveres já atraindo moscas. O fedor roubou seu fôlego.
Nós não podemos comer aqui.
“Deve haver suprimentos em algum lugar,” ela disse em voz alta.
O novato que havia perguntado sobre seu bem-estar sugeriu, “As piscinas de
peixe?”
“Vamos ver.”
Por favor, deixe-os estar intactos.
Ela se moveu tão rapidamente quanto seu pé ruim poderia levá-la. As piscinas de
peixes eram proibidas para qualquer um, exceto Copper e Whitewall, mas neste momento
as regras antigas não importavam. Os novatos constituíam uma remota esperança para o
futuro e ela tinha de mantê-los. Para seu grande alívio, o túnel obscuro onde seus
antepassados haviam quebrado buracos na rocha permaneceu intocado. Nenhum morto
enchia esta parte do enclave; a luta não havia se espalhado tanto.
À fraca luz das tochas, a água ondulava com o movimento. O que significava que os
peixes estavam vivos. Frescos. Saudáveis. Um pouco da preocupação afrouxou o domínio
sobre seu peito. Thimble agarrou a rede próxima e retirou três peixes. Ela não sabia
cozinhar, como prepará-los, mas sabia que eles não tinham ossos ou escamas quando ela
os comeu, então aquilo era um começo.
“Nós não podemos cozinhar na área da cozinha,” um novato disse. “É ruim lá.”
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“Eu vou construir uma fogueira.”
De alguma maneira.
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Stone demorou mais do que gostaria para contar os sobreviventes. Não porque eles
eram muitos, mas porque ele não era bom com números. Mais de uma vez ele teve de
começar de novo, até finalmente ter o depressivo número para levar a Silk. Todos que ele
viu o questionaram sobre o que ia acontecer com College agora que a batalha havia
acabado. Ele podia apenas sacudir a cabeça.
Na área comum, Silk já tinha feito algum progresso lidando com os corpos. Seus
Caçadores restantes haviam sido postos para trabalhar, limpando os destroços. Ele não via
como seria possível fazer a comunidade tão boa de novo, tinha levado anos para
transformar toda a sucata.
A comandante dos Caçadores cumprimentou-o com um olhar impaciente. “Bem?”
Depois de Stone fazer seu relatório, Silk andou de um lado para o outro. “Isso é menos da
metade da nossa população original. E os novatos?”
“Perdemos quatro.”
“Melhor que todos,” falou um Caçador grande.
Crane, ele pensou. Deuce havia lutado com ele durante a exibição. Ele era firme,
forte, e inabalável em sua lealdade a Silk. Algo sobre o modo como o Caçador se portou
fez Stone pensar que Crane tinha sentimentos pela sua capitã que não deveria ter. Não que
Silk tenha notado. Caçadores não tinha permissão para ter conexões pessoais.
“Como esta a limpeza fora da área comum?” ela perguntou. “A cozinha?”
“Temos pessoas trabalhando nisso,” Crane respondeu.
Stone aproveitou aquela chance para escapar, mas antes dele encontrar Thimble e o
Garoto23, um Construtor o encurralou. “Você é forte. Deveria estar removendo os
corpos.”
Ele respirou fundo, querendo protestar, mas parte dele sentia que ele deveria sofrer
por seu papel na batalha. “Mostre-me aonde ir.”
Como na luta, suas horas na limpeza passaram num borrão miserável. No momento
que ele terminou de limpar sua seção do enclave, ele estava meio cego de exaustão. Stone
não conseguia se lembrar da última vez que tinha comido ou dormido. Mas antes de
encontrar um local calmo e limpo para se deitar ele tinha de encontrar Thimble e o
Garoto23. Eles tinham se tornado seu centro.
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Então, ele tropeçou por todo o enclave, olhos ardendo, e não parou até localizar
Thimble junto às piscinas de peixe. Uma fogueira fumaçava preguiçosamente diante dela,
e ele cheirava os restos de uma refeição. Ela havia improvisado camas para os novatos, e
eles dormiam juntos por calor e conforto. A expressão dela iluminou-se quando o viu, mas
ele levantou uma mão para impedi-la de se levantar.
“Você está bem?”
“Cansada,” ela disse suavemente. “Não sei quando estive tão cansada. Ainda nem
tive a chance de ver a oficina.”
Ele fez uma careta. “Está ruim. Limpei lá mais cedo.”
“Então foi por isso que você demorou tanto.”
“Você estava preocupada?” Stone sabia que não deveria estar feliz por ela se
importar quando tudo estava uma bagunça, mas ele estava.
“Um pouco.”
“Ele te deu algum trabalho?” Stone inclinou a cabeça para seu novato.
“Não, ele é doce. E está dormindo.” Ela moveu-se, revelando um Garoto23 enrolado
para o seu lado atrás dela.
“Obrigado novamente. Não sei o que eu faria se algo acontecesse com ele.”
Apesar do seu olhar aguçado, ela não disse nada. Ele sempre foi capaz de dizer
qualquer coisa a Thimble, e ela era gentil quando suas piadas eram estúpidas, sem graça.
Às vezes, ele não percebia quando tinha ido longe demais ou mencionado algo
desnecessário. Outros não eram tão gentis.
Ela levantou um ombro, diminuindo sua própria importância, com ela sempre
fazia. “Guardei alguns peixes para você.”
“Obrigado.” Stone comeu vorazmente. Não sabia quando ele já tinha tido algo tão
bom, mesmo que estivesse queimado por fora e cru por dento.
“Eu não sou uma boa cozinheira.” Aqueles eram Construtores especializados, que
haviam estado sob a supervisão de Copper. Stone não tinha ideia de quem iria conduzir a
cozinha agora.
Eventualmente, disse ela suavemente, “Devemos descansar.”
Thimble atirou-lhe um cobertor e ele se cobriu. O chão era duro sem até mesmo
uma fina camada de retalhos para sua cama improvisada, mas era bom esticar-se. Como
eles tinham feito mil vezes antes no dormitório dos novatos, ela deitou-se perto dele, perto
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Traduzido por Grupo Shadows Secrets 19
o suficiente para que ele pudesse tocá-la se ele esticasse seus braços. E ele queria; não sabia
exatamente o porquê, exceto que ela era inteligente e corajosa, e sempre estava lá.
Hesitante, Stone estendeu sua mão e roçou uma mecha do cabelo escuro dela entre
o polegar e o indicador. Ela olhou para ele sobre a curva de seu braço, com os olhos
arregalados, mas ela não lhe disse para parar. Em vez disso, a mão dela envolveu os dedos
dele e ele os enroscou. Ele adormeceu assim, sentindo apenas o toque de Thimble e
ouvindo apenas as confortantes, respirações baixas que significava que os novatos
estavam sãos e salvos.
Pela manhã, os Reprodutores remanescentes vieram em busca dos pequenos. “O
dormitório está limpo. Nós podemos levá-los. Você deve retornar também.”
Um arrepio percorreu sua espinha enquanto ele observava os novatos irem embora
com olhares desamparados sobre seus ombros. Eles tinham um laço com Thimble e
nenhum deles queria deixá-la. Lágrimas escorriam por seus pequenos rostos, borrando a
fuligem. Mas quando a sua prole chorou, Stone o pegou, ganhando um olhar duro, mas
ele desafiou a mulher a dizer alguma coisa. Esta não era a hora.
“Eu vou ficar com ele,” ele disse, sem encontrar o olhar dela. “Depois que eu
verificar com Silk, irei me juntar a vocês.”
A Reprodutora franziu a testa. “Verificar o quê?”
Não era da conta dela como ele tinha ficado em apuros. Estritamente falando, ele
nem era mais um Reprodutor puro, porque tinha quebrado as regras e lutado. Ele tinha
usado armas e derramado sangue. As memórias da batalha surgiram em uma loucura
tingida de vermelho, e ele fechou os olhos. Não os abriu até ouvir silêncio onde antes
havia movimento.
“Você não parece bem,” Thimble disse.
Seu tom de voz saiu mais mordaz do que pretendia. “Isso é uma pena, já que é o
que eu faço de melhor.”
As pessoas frequentemente comentavam sobre sua aparência, agindo como se ele
não pudesse ser ferido pelos seus tons de voz desdenhosos. Às vezes ele queria gritar que
poderia ser mais que um Reprodutor, se o deixassem. As poucas vezes que disse algo
nesse sentido, as risadas o calaram. Eles tinham zombado, “Por que você iria querer outra
coisa? Você tem comida e trabalho fácil, só esqueça isso.”
As mãos dele se fecharam em punhos. Alguns dos Caçadores agiam como se ele
tivesse sorte por ter de acasalar quando mandado. Mas não era maravilhoso quando era
trabalho. Às vezes era até difícil encontrar o interesse necessário, se ele não gostasse da
Reprodutora a que ele tivesse sido ordenado. Às vezes era horrível; e, às vezes, apenas
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estranho. Eles vão precisar ainda mais de você nos próximos dias. O pensamento de trazer mais
novatos para esta situação o enojava.
“Você é bom com os novatos.”
E em matar meninas, também. A cabeça dele nadava em imagens escuras.
“Eu espero que as coisas se acalmem,” ele murmurou.
“Eu também.” Mas a expressão dela não mostrava muita esperança. “O que
aconteceu, Stone? Nós nunca mentimos um para o outro e eu posso ver que há alguma
coisa, mas se você prefere não me contar, é só dizer.”
“Eu lutei.” Duas palavras não deveriam cortar sua garganta daquele jeito. O enjoo
se intensificou.
Thimble aquietou-se, como se estivesse tentando decidir como responder.
Finalmente, ela perguntou, “Por quem?”
“Pela minha vida. Eu não tive muita escolha.”
“Foi ruim?” Sua simpatia quase o matou.
“Sim,” ele respondeu asperamente. “Ruim.”
Eles trocaram um olhar preocupado, e então ela disse, “Eu deveria ir para a
oficina.”
Ele acenou com a cabeça, movendo o Garoto23 para uma posição mais confortável
em seu quadril. “Vejo você em breve.”
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Thimble encontrou a oficina em absoluta desordem.
Uns poucos Construtores tinham chegado antes dela, e eles estavam tentando
colocar alguma ordem no caos, salvando os materiais que não haviam sido destruídos. Ela
podia dizer quais itens haviam sido usados como armas pelas manchas escuras já secas
sobre eles. Rod, o líder dos Construtores, tinha sobrevivido e liderava a restauração, mas
ele mostrava um olhar tenso e triste, como se entendesse que um conflito como aquele só
terminava em tristeza. Ele era o mais velhos dos Construtores; tinha poucos amigos
próximos, mas a oficina havia sido o seu orgulho e alegria.
Finalmente, Rod voltou-se para Thimble com um suspiro. Ele não parecia acreditar
que eles poderiam restaurar a ordem, mas disse, “Comece separando por tipo.”
Ela começou a trabalhar. Um bom tempo depois, ela ainda estava trabalhando
quando a gritaria começou. Não era o tom estridente de alarme; era o som da pura agonia
humana. Thimble lançou um olhar a Rod, que parecia aborrecido e vazio. Ele deveria estar
dando instruções, estar no comando, mas em vez disso, ela teve de instigá-lo.
“O que está acontecendo?”
Antes que ele pudesse responder, o odor a atingiu, distinto do cheiro de cadáver,
carne queimada e sangue derramado. Esta era uma podridão mais forte, da profunda
decomposição de ossos, e embora nunca tivesse cheirado ela mesma, tinha ouvido as
histórias dos Caçadores. De Deuce.
O horror paralisou a garganta dela por incontáveis momentos, então ela murmurou,
“Aberrações.”
Rod ofereceu um aceno de cabeça fraco e sem esperança. Agora, nenhuma palavra
poderia ser suficiente.
“O que vamos fazer?”
O líder dos Construtores deu de ombros. “Esconder-se. Morrer. Não importa. O
enclave está acabado, como Nassau. Nós não temos os números ou recursos para afastar
um ataque agora.”
“Eles estão dentro das barricadas?” ela perguntou.
“Se não estão agora, então em breve. Não há nenhum objetivo em nada disso.” Com
isso, ele saiu da oficina; embora para onde ele estava indo, Thimble não tivesse ideia. A
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morte estava montada em seu ombro como uma sombra alada, perseguindo-o a cada
passo, e ela sabia que não iria vê-lo novamente.
Eu deixei os novatos, ela se lembrou. Os Reprodutores estão com eles. Com sorte, eles vão
protegê-los. Encontrar um lugar para se esconder.
Mas quando ela ouviu ao longe o grito de crianças, abruptamente interrompido, ela
percebeu que não havia sido o suficiente. O medo e a fraqueza a colocaram de joelhos, e
isso a fez sentir como se as longas horas em que ela tinha os protegido tivessem sido em
vão. A consciência lhe bateu tão forte que ela perdeu o fôlego. Perder novatos era
inevitável no enclave. Às vezes, eles ficaram doentes, e não melhoravam. Era triste, mas
era a vida. Mas isso? Não era normal. Não perder tantos de uma vez para bestas
monstruosas, famintas.
Eu os deixei ir. Eu os decepcionei. Eles eram o nosso futuro.
A perda se estabeleceu em seu coração como uma lâmina enterrada em seu peito.
Ninguém jamais seria capaz de desenterrá-la. Ela morreria com essa faca cortando-a
infinitamente por dentro. Eu deveria ter lutado por eles quando o Reprodutor veio. Porém, isso
era irracional; teria desrespeitasse as regras do enclave, e ela verificou o pensamento sob a
maré de tristeza.
Logo além da oficina, Silk ordenava aos seus Caçadores. “Levem a luta até eles.
Guardem o ponto de acesso. Se os forçamos a se estreitarem, temos uma chance.”
“Realmente temos?” Uma profunda voz masculina perguntou.
O silêncio veio em resposta. Talvez eles tivessem saído do alcance sonoro. Talvez.
Mas Thimble podia imaginar o que a pequena e feroz mulher diria. Chances não
importam. Nós lutamos. Até o último homem, até o último suspiro, nós lutamos. As palavras
imaginadas ecoaram em sua própria cabeça, dando-lhe a coragem para ficar em pé. O
tornozelo dela pulsava com uma dor que percorria todo o caminho até seus dedos do pé.
Ela ignorou; estava acostumada à dor.
Sons de combate surgiram por todo o enclave, que ecoava com rosnados e
grunhidos, gritos desumanos de dor sufocados em um gorgolejo molhado. Os Caçadores
estavam dando tudo o que tinham. Sobre o barulho, Silk gritava ordens, mas ela estava
com falta de ar. Ela não estava apenas comandando, ela estava lutando. E isso significava
que a situação era terrível.
Eu tenho que sair daqui. Mas pra onde?
Conforme ela ia numa corrida irregular, ela nunca tinha odiado mais sua desgraça,
mas Thimble bateu em Stone antes que ela tivesse conseguido dar 20 passos. A colisão a
deixou sem ar. Ele passou o braço livre ao redor dela, ele tinha o Garoto23 preso no outro.
Rapidamente, em silêncio, ele encostou sua testa na dela. Era algo que eles sempre faziam,
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um segredo que Deuce não tinha compartilhado, e com este furtivo Olá, eles disseram
uma série de coisas. Ele transmitiu afeto por um colega-novato; ela falou das emoções que
não estava autorizada a sentir por ele.
“Se ficarmos, nós vamos morrer,” ela disse calmamente.
No entanto, fugir pode resultar no mesmo fim. A ideia de ir para os túneis a
aterrorizava. Ela nunca tinha deixado o enclave em sua vida, e seu pé ruim acrescentava
outra desvantagem para uma situação já impossível. Aberrações viviam nos túneis—
desumanas e loucas de fome. Ela não estava exagerando o perigo. Se Silk e seus caçadores
caíssem, eles não tinham esperança.
Pela sua expressão, Stone já sabia disso. “Eu posso sentir o cheiro deles.”
Thimble inalou. O mau cheiro que ela havia notado antes tinha crescido
intensamente, era de uma profunda podridão, como um cadáver de 10 dias cheio de larvas
se contorcendo. Era mais poderoso do que os outros cheiros ruins no enclave, indicando
muitos monstros.
“Eles estão perto,” ela disse.
Thimble estremeceu. Ela não sabia quantos Caçadores resistiam, mas as Aberrações
viriam averiguar esta área, uma vez que terminassem de se alimentar dos outros. A falta
de ação iria condená-los.
“Nós temos que tentar,” ela sussurrou.
“Por quê?” A voz dele falhou. “Perdemos tudo. Não tem sentido.”
Ela odiava vê-lo assim. O desespero dele era tangível, como uma teia de aranha
flutuando através da pele dela. “Nem tudo. Você salvou seu novato. Estamos vivos, e Silk
está lutando. Reúna alguns suprimentos. Eu vou voltar para a oficina. Encontre-me aqui
assim que puder.”
“Você acha que temos uma chance?”
“Acho,” ela mentiu.
Ele era um Reprodutor. Ela era uma Construtora. Como eles poderiam sobreviver
aos túneis e às coisas terríveis que espreitam neles, ela não tinha ideia, mas também não ia
consentir em morrer no escuro. Ideias eram a sua especialidade, por isso, como suas vidas
dependiam disso, ela teria a ideia perfeita.
Apenas veja.
O desafio a levou para longe de Stone, para dentro da escuridão e de volta para os
domínios dos Construtores. Thimble encontrou uma série de invenções úteis, não testadas,
algumas suas. Ela colocou-as em uma mochila, tentando ser rápida. Suprimentos médicos,
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armas em potencial que não exigissem muita habilidade para empunhá-las, armaduras
para tornar mais difícil a penetração dos dentes e das garras das Aberrações. Muitas
dessas coisas tinham sido destinadas para uso dos Caçadores, mas eles não iriam precisar
delas novamente.
Silk não podia vencer essa luta. O conflito havia diminuído demais seus Caçadores,
e as Aberrações eram numerosas. Fortes. Empanturrados da carne que eles reivindicaram
em Nassau. Mesmo agora, Thimble ouvia a batalha diminuindo. Feridos e cansados, os
Caçadores iriam lutar até o último homem, até o último suspiro, mas não seria o suficiente.
College estava perdido. Ceder este terreno não parecia estar desistindo, porém. Não
quando ela estava febrilmente planejando o futuro.
Tão difícil acreditar que tudo pode mudar tão rapidamente, mas não havia objetivo
em desejar. Ela poderia muito bem desejtar ter de volta sua melhor amiga, enquanto ela
estava nisso, porque Deuce sempre soube como lutar. Sua facilidade com armas poderia
salvar Stone e Thimble, pelo menos.
Mas ela tinha que trabalhar com suas próprias forças, a maioria dos quais pareciam
amargamente inadequadas para sobreviver aos túneis. Ainda assim, ela colocou a
armadura que pretendia dar de presente a sua amiga; não houve chance antes que Deuce
fosse para a longa caminhada. Ela era menor do que a outra menina, de modo que os laços
tinham de ser apertados. Não importava. Thimble tratou disso com firme determinação. O
couro e o estofamento iriam manter os dentes e as garras longe de sua carne frágil.
Se apenas o meu tornozelo fosse mais forte.
Seu pé—não que ela tivesse deixado ninguém ver—era virado para dentro. Ela
havia criado suporte para evitar que ele falhasse em circunstâncias normais, mas essa
tentativa de fuga exigiria grande resistência. Thimble não sabia se ela poderia acompanhar
Stone, mas sem a sua determinação, ele não iria. Ela sabia disso. Eles haviam ficado mais
próximos desde que Deuce tinha sido mandada embora, e ele tinha chorado nos braços de
Thimble.
“Ela confessou por mim,” Stone sussurrou.
Na época, parecia vital fingir aceitar o julgamento, a fim de manter a sociedade
funcionando enquanto eles procuravam por alguma alternativa melhor. Mas aquela
trapaça havia sido por nada. Eles poderiam muito bem ter organizado a rebelião para dar
certo, por todo o bem que fez mais tarde. Agora, as velhas leis jazem quebradas sem nada
para substituí-las. Thimble se perguntou se as crueldades e restrições tinham valido a
segurança resultante—era uma pergunta difícil, e não era uma que ela pudesse responder.
Problemas maiores estavam caindo ao redor do enclave, matando sobreviventes.
Enquanto ela olhava em volta da oficina, a tocha crepitando, uma ideia apareceu. Perigosa.
Possivelmente sem esperança, mas melhor do que não tentar. Ela deixou escapar uma
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respiração lenta. O cheiro ficou mais forte, o que significava que ela não tinha muito
tempo.
Thimble começou a trabalhar.
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Os sons o aterrorizavam.
Stone sabia que não era másculo admitir isso, mesmo para si mesmo, mas ele não
fora criado para coragem. Nesse momento, ele tinha um peso esmagador de dor por todos
os novatos que não protegeu. Como Reprodutor, ele tinha apenas um trabalho: cuidar dos
jovens, e perde-los num ataque-surpresa das Aberrações não fazia a falha mais fácil de
suportar. A ideia de lutar novamente o fazia querer vomitar. Ecos enlouquecedores
daqueles que matou soavam em sua cabeça. Não monstros. Cidadãos. Mas não era apenas
a sua vida na balança. Tinha que considerar a de Thimble também.
Então ele fez como ela pediu e achou mantimentos. Em seus braços, Garoto23 se
virou e fez um som baixo de bebê em seu pescoço. Ele ainda não falava. Às vezes
balbuciava coisas sem sentido, mas desde que a luta começou ele estava assustado e
quieto. Ele não tinha nem iniciado o treinamento básico de novatos. Que começava aos
três, e aos oito se dividia em três subgrupos. Aos quinze se juntavam à casta para a qual
treinaram. Mas nada disso esperava o Garoto23; ele não iria ao menos se lembrar do
enclave, se eles sobrevivessem. Não parecia provável.
No entanto ele não iria desistir. Não quando Thimble e o seu novato precisavam
dele. Nesse momento, ela estava fazendo sua mágica para tentar salvá-los. Ele não poderia
fazer menos.
Na confusão a caminho da oficina, Thimble o encontrou na metade do caminho. Seu
passo hesitante a denunciou antes que ela entrasse em seu campo de vista, uma tocha
queimando em sua mão. Ele deu um passo para perto dela, porque ela representava tudo
que ele ainda tinha. A familiaridade de seu rosto estreito com os grandes olhos e queixo
pontudo lhe deu esperança; vibrou em seu peito com uma firme doçura. Ele queria
alcançá-la como sempre fez, colocando-a sob seu braço. Ele se sentiria melhor se
mantivesse Thimble por perto.
“Tenho uma ideia,” ela disse.
Essa era a especialidade dela, não dele. Para falar a verdade, ele imaginava qual era
o seu propósito, além de fazê-la se sentir menos solitária. Ele podia carregar coisas, supôs.
Stone estava acostumado a carregar dois ou três novatos por aí, um em cada braço, e às
vezes, um em seu pescoço também. Isso o fez relativamente forte, no mínimo. Os amigos
Construtores dela disseram que ele tinha um nome digno, porque ele era burro como a
pedra lisa e plana em que seu sangue caiu durante o ritual de nomeação. Com a mão livre,
ele tocou a pedra em seu bolso em busca por conforto e segurança.
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“O que posso fazer?”
Rapidamente, ela explicou e então lhe entregou os suprimentos necessários para a
sua parte. Porque Thimble parecia certa de que daria certo, ele não perdeu fôlego com
dúvidas. Talvez fosse isso o que ele poderia fazer: mostrar fé cega nas habilidades dela,
porque sem elas, ambos estariam condenados.
A resistência dos Caçadores remanescentes havia silenciado momentos antes.
Agora havia apenas sons molhados, bater, mascar e grunhidos de prazer. Sem palavras,
ele subiu e amarrou a corda como ela pediu. Fragmentos de metal e sucata, bobinas, coisas
que ele sequer reconhecia, ela manuseava com grande perícia. Isso aumentou ainda mais o
respeito dele. Ela era tão esperta. Ele fez pouco mais do que segurar a tocha ou segurar
algo que era pesado demais para ela carregar, mas o tempo todo, ele sabia o quanto aquilo
era uma corrida. Se não conseguissem terminar...
Não havia motivo em imaginar como as coisas poderiam piorar. O enclave já estava
em ruinas.
Trabalharam sem descansar. Se os Caçadores não tinham sido capazes de derrotar
as Aberrações, que esperança eles teriam em combate abertos? Simples. Então eles não
lutariam. Uma onda de calor e admiração brilhou através dele conforme completavam as
preparações. Só Thimble poderia olhar para as sobras na oficina e inventar algo para
salvar suas peles.
Depois que Stone terminou, ele entregou o Garoto23 para Thimble; ele não
precisava dizer a ela para cuidar do garoto com a sua vida. Ela o faria. Ela o manteve salvo
antes. Posso fazer isso. A mão dele tremeu quando tomou a tocha das mãos dela. Luz para
afastar a escuridão.
“Eu queria poder,” ela começou.
Stone balançou a cabeça. “Sou rápido. Vem de perseguir novatos por todo lugar.”
Ele não mencionou a sua enfermidade. Nem ela. Mesmo se ele fosse tão covarde, ela
não podia terminar o trabalho. Eles estariam nela em dois passos. Com grande esforço, ele
se acalmou e focou nos olhos escuros dela, encarando-o com tanta confiança. Ela sempre o
olhou assim, como se ele fosse um pouco melhor do que sabia ser. Talvez fosse porque
durante o tempo de pirralhos, ele bateu em todos que tiravam sarro dela. Logo, eles
pararam de fazer graça dela, ao menos onde ele podia ouvir.
Os ruídos se aproximavam. Sons de alimentação—dentes rasgando carne.
Movimento agitou o ar e trouxe um cheiro pútrido. Ele nunca respirou algo assim antes.
Diversas vezes, em seus anos de novato, Aberrações se aproximaram muito do enclave
antes que os Caçadores os afastassem. Não havia mais Caçadores. Apenas ele, Thimble e o
Garoto23.
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E mais as armadilhas brilhantes dela.
Não importa o que acontecesse com a sua própria segurança, ele não poderia deixar
nada acontecer a Thimble ou Garoto23. De alguma forma, de algum jeito, ele tiraria os dois
daqui. Ele sorriu conforme se endireitou, o ferro de marcar flamejante em mãos. Tudo
dependia da sua velocidade e habilidade de lembrar onde guardaram as armadilhas e
lâminas de gatilho. O papel dele era simples em comparação às coisas maravilhosas e
mortais que ela construiu tão rápido. Ele era uma isca e sabia disso.
As Aberrações e os Caçadores estavam lutando nos bloqueios. Lá dentro, o enclave
era projetado em seções: o dormitório dos novatos, espaço da cozinha, instalações de
banho, as piscinas de peixes, oficina dos Construtores, a área comum, o salão dos
Caçadores e alojamentos para todos os cidadãos. Os monstros soavam como se tivessem
chegado à área comum. O que significava que eles estariam no aglomerado que levava à
oficina logo.
“Quase lá,” ela sussurrou.
“Se esconda.” Era a primeira vez que ele usou aquele tom com ela, o mesmo que ele
usava com os novatos. Os olhos dela se arregalaram, mas ela obedeceu, com os novatos
sempre faziam.
Hora de correr.
Com o som ecoando, uma parede interna caiu. Stone ficou de guarda, observando
Aberrações se empurrarem em sua direção. Na parte de trás, um deles olhou a situação, e
então inexplicavelmente, foi embora. Antes de se virar, ele teve um vislumbre de suas
características mutantes e monstruosas: pele pálida cheia de ferimentos, presas amarelas,
olhos leitosos, sobrancelhas protuberantes com cabelo esparso. O corpo deles parecia
quase humano: mesmo número de olhos, pernas, braços, mas a pele e os rostos os
identificavam como outros. Eles ergueram as suas cabeças, farejando. Eles provavelmente
não enxergavam bem, então ele balançou a tocha. Terror e repulsa estavam entalados em
sua garganta, mas enquanto esses sentimentos não o paralisassem, estaria tudo bem.
Ele esperou até o primeiro correr para ele, então ele virou, soltando a armadilha,
desviando para a direita para evitar a armadilha. A luz em suas mãos cegou as
Aberrações, os deixando incapazes de imitar o seu caminho. Atrás dele, ele ouviu o estalo
da corta e o ruído metálico, depois um rosnado animal tanto de dor quanto de raiva. Ele
correu, mantendo em mente o caminho que eles haviam decorado.
Desvio significava morte.
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Arrepios de puro terror se arrastaram pela pele de seus braços. Thimble se enrolou
em uma bola ainda menor, desejando que ela pudesse ver, mas ela só ouvia o estalo e
encaixe de suas armadilhas. Como se sentisse a necessidade absoluta de paralisar-se e ficar
em silêncio, Garoto23 aconchegou-se em seu torso, dedos em sua boca. Se ela se levantasse
para olhar, as Aberrações poderiam sentir o movimento, não tanto pelos olhos, mas pela
agitação do ar. Enquanto ela ouvisse Stone correndo, ainda não estava acabado. Ele era
muito mais corajoso que ela imaginava.
Seus passos velozes ressoavam ao redor, mais rápido do que as Aberrações
famintas em seu rastro. Metal tinia e as Aberrações gritavam. Às vezes parecia que
estavam chorando. Os barulhos perturbavam o garoto em nos braços dela e ele chorava
silenciosamente, sua respiração vinda em pequenos soluços. Ele certamente estava além
da fome e exaustão, mas ele conseguia sentir o perigo. Caso contrário, ele estaria
queixando-se a plenos pulmões, como crianças faziam algumas vezes.
“Shh, shh,” ela sussurrou, batendo suavemente em suas costas. “Ele vai voltar. Ele
não irá nos deixar.”
A espera parecia infinita.
Finalmente, Stone a trouxe para fora do esconderijo com uma mão em seu braço.
Seu peito se agitava da corrida, mas tirando o suor, ele parecia estar intacto. Rosnados e
gemidos de dor chegavam aos seus ouvidos. Algumas Aberrações estavam lutando contra
as armadilhas; outras haviam sido mortas instantaneamente. Ela ouviu monstros se
movendo por perto, em busca de presas.
“Eu deveria tirá-los de seu sofrimento,” ele disse severamente.
Era do conhecimento geral que Aberrações se alimentavam de seus próprios
mortos, mas eles não atacavam Aberrações enquanto vivas. Assim, o ferido poderia sofrer
por um longo tempo. Enquanto seu estômago embrulhava, ela assentiu, vasculhando sua
mochila para encontrar uma faca. Ela estava grata por ele ter nervos para isso; apesar de
toda sua habilidade de criar instrumentos de dor, Thimble não sabia se era capaz de
afundar uma lâmina em carne. Esse nunca foi seu papel e enquanto o enclave funcionasse
tudo que ela precisava era construir. Agora, isso tinha que mudar.
Um por um, os sons ameaçadores silenciaram enquanto ela confortava o Garoto23,
e quando Stone voltou com a tocha, seus olhos azuis intensos tinham um brilho duro.
Nesse momento, Thimble sentiu como se não o conhecesse. Ele manteve o punhal na mão,
grande e intimidador nas sombras que os cercavam.
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“Isso deve nos dar algum tempo para fugir,” disse ela.
“Se conseguirmos.” Mas ele não parecia tão desesperado como antes. “Nós não
eliminamos todos eles.”
“Isso seria impossível. Apague a tocha e vamos.”
Pela primeira vez em sua vida, Thimble foi em direção às barricadas com a intenção
de sair. Seu coração trovejava em seus ouvidos, mas ela ignorou o medo. Depois de pegar
o Garoto23, Stone a ajudou a escalar, e depois eles estavam nos túneis. Onde as Aberrações
viviam.
Ela engoliu seu medo. A mochila em seus ombros era reconfortante, cheia de coisas
feitas com suas próprias mãos. Coisas que poderiam salvá-los. As armadilhas funcionaram,
ela disse a si mesma. Você pode fazer isso.
Aqui, era tão escuro. Chegaram sussurros silenciosos de atrás deles, outros
sobreviventes correndo para a saída, talvez, mas ela não gritou. Levaria todo seu engenho
para salvar Stone e o Garoto23. Nada a obrigava a resgatar aqueles que se encolheram
covardemente enquanto eles punham as armadilhas.
Embora ela nunca tenha tido um treinamento de privação visual como uma
Caçadora, ela fechou os olhos e virou o rosto para um e outro lado do túnel. Stone esperou
ao lado dela em um paciente silêncio. Essa era a coisa que ela mais gostava sobre Stone, ele
nunca questionava a sua competência. Thimble não tinha dúvidas que ele acreditava que
ela iria levá-los para a segurança. E, portanto, ela estava determinada a não decepcioná-lo.
As coisas tinham mudado tão rápido. Um dia, Stone tinha sido tão além dela.
Construtores não socializavam muito com Reprodutores, depois que deixavam o
dormitório infantil. Ela notou que ele tinha menos tempo para ela após a sua cerimônia de
nomeação, e menos afeto também, e isso a tinha cortado mais profundamente do que as
três cicatrizes que ela tinha em seu braço, feitas quando ela se comprometeu a criar para o
bem do enclave. Stone só usava uma marca, representando seu valor como material
reprodutor. Ela sabia há eras que se importava mais com ele do que era permitido—e que
ele saia para fazer coisas no escuro com outras Reprodutoras. Aquilo doeu, também,
porque ela nunca poderia sentir mais do que o braço descuidado dele sobre seus ombros.
E talvez ele nem sequer quisesse fazer o que ele fazia, mas os anciões definiam o
cronograma para a reprodução, e sua missão era seguir suas ordens.
Tinha sido a dela, também.
Mas não mais.
“Tem ar se movendo naquela direção,” ela disse, finalmente. “Você pode carregar
uma arma e o Garoto23?”
“Eu preciso, não é?” Sua voz era fria.
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Traduzido por Grupo Shadows Secrets 31
Ele não era o amigo simples e carinhoso de sua infância, não mais. Esses dias o
tinham mudado para sempre. Ele tinha matado. Talvez ele não fosse um Caçador, mas ele
não era um Reprodutor, também. As circunstâncias o tinham forçado a se adaptar, a se
tornar alguma coisa nova. E ela o amava de todos os ângulos. Ela o tinha amado desde a
primeira vez que ele havia erguido o pulso e socado o menino que a estava insultando.
Stone aceitou a arma que ela havia feito: uma longa lança de madeira com uma
ponta de metal presa. Os Caçadores haviam preferido facas e porretes. Eles disseram que
essa arma era muito longa para ser usada nos túneis, particularmente em locais estreitos—
e era muito provável infligir danos colaterais em um parceiro no escuro—mas nas mãos
grandes de seu amigo, parecia certo. Ela se perguntou se ele sabia o que fazer com a arma,
ou se ele se sentiria insultado se ela explicasse.
Provavelmente não, ela decidiu. Ele sempre aceitou que ela era a mais inteligente
do que tinha sido seu inseparável trio. A terceira pessoa—Deuce—havia ido embora há o
que parecia ser uma eternidade, e agora o enclave estava quebrado totalmente. Então não
havia razão para imaginar que ele se importaria com uma explicação.
“Você não irá cortar com isso,” ela sussurrou. “Serve para empalar a garganta ou o
torso.”
Stone assentiu. “Eu não tenho que ser extravagante com ela, então. Eu posso me
preparar para o ataque deles.”
“Você precisa ser rápido para soltar,” ela avisou.
“Ou vou ficar preso e não ficarei pronto a tempo da próxima Aberração.”
“Exatamente.” Ela gostou da compreensão rápida de Stone e a falta de desprezo
dele em relação às suas ideias. Os outros caçadores haviam se recusado a tentar usar sua
ideia. Ela ainda podia ouvir a zombaria:
Não seja estúpida, Construtora. Você nunca esteve fora do enclave, e uma aleijada como você
nunca sairá. Você não sabe o que precisamos. Por que você não me faz alguma mobília decente?
Mas ele já estava planejando a primeira luta. “Então, preparar, perfurar, puxar,
perfurar, certo?”
E a ideia de ele usaria armas pelo bem dela trouxe lágrimas aos seus olhos.
Ninguém jamais pensou que ela valia a pena salvar antes, porque ela era defeituosa.
Imperfeita. Não importava que ela fosse inteligente ou que ela trabalhasse duas vezes mais
que qualquer outro Construtor porque temia que os anciãos decidissem que ela não valia o
custo da alimentação depois de tudo.
“Sim.”
“Ao primeiro sinal de problema, pegue o Garoto23 e se escondam atrás de mim.”
Razorland 1.5 –Endurance Ann Aguirre
Traduzido por Grupo Shadows Secrets 32
Assentindo, Thimble engoliu a maré de emoção e se voltou para a agitação contra
sua pele que poderia anunciar segurança em um mundo que tinha se tornado totalmente
estranho e feroz. “Por aqui.”
“Como você sabe?”
“Eu escutava os Caçadores, às vezes. Eles falavam sobre seguir o ar fresco. Há
fissuras na rocha para deixar o vento entrar.”
“De onde?”
Ela encolheu os ombros. “Tudo o que sei é que, se o ar não cheira a Aberrações,
você o segue.”
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Traduzido por Grupo Shadows Secrets 33
8
Eles caminharam por um longo tempo.
Ruídos distantes insinuavam que havia Aberrações nos outros túneis, mas eles
andaram com cuidado para não chamar atenção. As mãos dele estavam suadas segurando
a arma, e Stone preocupava-se se ele seria forte o suficiente para defendê-la. Chegaria o
momento em que a sobrevivência deles dependeria dele.
Isso nunca havia acontecido, pelo menos não desta forma. Alimentar os novatos,
certificar-se de que eles estavam a salvo? Isso não era um trabalho perigoso, apesar de ser
triste se um morresse, por mais que ele tivesse se esforçado. Ele havia se acostumado a
cuidar deles, mas não se apegar. Muito sofrimento poderia deixá-lo louco, e ele teve que
bloquear o pensamento de seus pequenos corpos fora dos bloqueios, sendo levados pelos
Caçadores para que as Aberrações os devorassem e deixassem o enclave em paz.
Mas esse costume não existia mais. Nada familiar persistia em seu mundo.
Exceto Thimble e o Garoto23.
Ela devia estar cansada. Seu tornozelo não era forte nem nas melhores
circunstâncias. Ele era maior e mais forte, mas até mesmo ele precisava de descanso. No
entanto, ele não poderia pedir para parar, enquanto ela continuasse colocando um pé na
frente do outro. Se ela tinha resistência para continuar, então ele também teria. Stone
queria desesperadamente que ela pensasse bem dele. Afinal, ela era a última amiga que ele
tinha no mundo. Ele esperava que ela não odiasse o fato de estar presa com um
Reprodutor inútil, em vez de um Caçador mais capaz. A única coisa que ele sabia fazer era
gerar novatos, e isso não seria de muita ajuda dali para frente.
Mas ele conseguiu levá-los tão longe com a ajuda dela. Ele tinha protegido o
Garoto23; o novato adormecera em seu ombro há muito tempo.
O chão áspero dificultava o caminho, particularmente no escuro. Várias vezes ele a
viu tropeçar, mas com suas as mãos segurando o novato e a arma, ele não podia apoiá-la.
Não podia ajudá-la. Era como uma segunda natureza para ele consolar e aconchegar,
estender a mão e oferecer conforto mesmo em uma situação sombria.
“Aqui.” A voz dela era rouca, um sussurro para evitar que fossem descobertos.
Ele não conseguiu ver o que ela fez, mas parou quando ela tateou alguma coisa, e,
em seguida, parte da parede deslocou-se para dentro. Não, não uma parede. Uma porta.
Cheirava a mofo, mas não chegava a ser desagradável. Depois de entregar Garoto23, Stone
entrou primeiro para ter certeza de que era seguro. Em seguida, ele fechou-a atrás deles e
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criou um berço improvisado para o novato. Garoto23 se remexeu, mas não chegou a
despertar.
Ia ser difícil sem uma Reprodutora para alimentá-lo. Ele havia começado a comer
alguns alimentos sólidos, mas ainda mamava no peito, como todos os novatos faziam até
completarem oito anos, para terem ossos fortes. A maioria das Reprodutoras mantinha seu
leite mesmo depois de parar de dar à luz. Ele poderia ser usado para outros fins; ele
gostava mais do queijo, mas a maioria dos produtos era para os novatos, enquanto os
caçadores comiam a maior parte da carne. Reprodutores recebiam o mínimo de comida,
uma vez que eles só geravam a prole, mas não engravidavam ou produziam leite.
Como nós iremos conseguir alimentá-lo aqui fora? Era uma pergunta que não tinha
resposta.
Thimble tirou de sua bolsa uma tocha e a acendeu com um pouco de esforço.
Felizmente, ele podia ver muito bem, mesmo sem muita luz. A maioria dos cidadãos
podia, embora às vezes eles nascessem sem essa capacidade, um retrocesso do povo de
Cima, como sua própria altura. Ele observou quando ela colocou a tocha em um suporte
de metal próprio. Ela provavelmente havia inventado aquilo—difícil não se sentir burro ao
lado dela.
Depois que seus olhos se ajustaram, a luz deu a ele uma visão melhor do espaço
que eles haviam descoberto. Parecia mais um armário do que um quarto, mas quando ele
se virou, viu que a porta tinha uma tranca. Estantes metálicas cheias de sucata velha
cobriam as paredes. Para seus olhos, era tudo lixo, nada útil, mas Thimble estava
vasculhando o material, comentando sobre vários objetos. Ele optou por não perguntar o
motivo, porque o faria soar como um idiota.
O Garoto23 dormia, exausto por tanto esforço. Stone preparou uma refeição
simples, enquanto ela procurava, e logo que Thimble terminou de explorar, ela comeu com
gosto. Pela luz da tocha, ele percebeu que ela tinha belos olhos, escuros como as sombras
que os rodeavam, e seus cabelos faziam um pouco de onda. A caminhada tinha desfeito
um pouco do laço que o prendia, deixando uma massa bonita de tufos desgrenhados sobre
seu rosto fino. Ela comeu habilmente em pequenas e elegantes mordidas, e ele observou
sua boca, sentindo-se confuso. Ele não conseguia recordar de ter percebido que ela era
uma mulher antes. Ao menos não de um jeito particular—era um fato que ele sabia, mas
não se demorou mais, talvez porque ele soubesse que não poderia fazer nada sobre isso,
mesmo que ela o fizesse sentir coisas.
“Eu acho que aqui é seguro para nós dormirmos,” ela disse depois que eles
terminaram.
Ele examinou cuidadosamente a porta. Era feita de metal e parecia ser robusta,
apesar de parecer bem antiga. “O verdadeiro teste virá quando sairmos.”
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Traduzido por Grupo Shadows Secrets 35
“Se nos encontrarem, você irá combatê-los.” A fé dela lhe deu confiança, e ele tocou
a arma ao seu lado.
Eu posso fazer isso. Eu posso.
Quando ela se deslocou para puxar um cobertor de sua mochila, seu pé ruim girou
embaixo dela, e ela gritou. Sem pensar, ele a alcançou como faria com um dos novatos. Os
sapatos dela eram simples, provavelmente feitos por ela mesma, e ela usava uma tira ao
redor do seu tornozelo malformado. À luz da tocha, a expressão dela mostrou incerteza.
“Posso dar uma olhada?” Embora ele não fosse o encarregado pela parte médica,
muitas vezes ele tratou pequenos machucados, já que os novatos eram muito propensos a
se machucarem. E, dada a falta de habilidade de Bonesaw, seus próprios esforços
geralmente rendiam melhores resultados, em todo caso.
Ela agitou a cabeça. “É feio.”
Stone olhou rapidamente para ela com surpresa. “Nada em você poderia ser.”
O sorriso no rosto dela o surpreendeu, parando sua respiração. Por um momento,
ele esqueceu o que deveria estar fazendo. Ele soltou as tiras e depois retirou seu sapato. O
tornozelo não parecia normal, e o pé dela virava para dentro. Também estava inchado pela
caminhada. Ele não pediu permissão: simplesmente colocou o pé em seu colo e passou a
massageá-lo com os dedos. De vez em quando ela choramingava, mas ele não achava que
era por causa da dor. Quando eles tivessem que andar novamente, seria doloroso, mas
talvez aquilo ajudasse um pouco. Era tudo o que ele poderia fazer. Seus pequenos
gemidos e suspiros entrelaçaram-se dentro dele no mais poderoso desejo, maior do que
qualquer coisa que ele já se sentira ao fazer o seu dever para o enclave. Ele mal conseguiu
evitar atacá-la e cobri-la de beijos.
Eventualmente, ela se afastou. “Obrigada. É a primeira vez que alguém vê—” A
expressão dela se encheu com as palavras cruéis que os outros usavam. “Bem, desde que
eu nasci de qualquer maneira. Eu o mantinha coberto no dormitório.”
“Eu me lembro,” ele disse calmamente.
“Sempre significou muito pra mim quando você me defendia.”
“Significou?”
Ele sempre tentava fazer isso para que ela não ouvisse o que os outros novatos
diziam. Na maioria das vezes apenas uma ameaça funcionava, mas às vezes ele dava umas
palmadas na cabeça quando precisava, para que eles se calassem. Houve um menino em
particular, quem tinha prazer em atormentá-la. Ele estava morto agora, assim como a
maioria do enclave. Pensamento aterrorizante.
“Sim. Estou contente por termos chegado até aqui juntos.”
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Suas palavras aqueceram-no, e ele pegou a mão dela. “Eu também.”
Dedos calejados e delicados se entrelaçaram com os dele. Ele maravilhou-se com o
que ela podia fazer com aquela mão que parecia tão frágil. Aqueles dedos inteligentes
tinham construído as armadilhas que salvaram as vidas deles. Para seu deleite, Thimble
não puxou de volta, e o calor o confortou.
Ela apagou a tocha com um punhado de pó branco. Eles poderiam ter usado as
duas mãos para se prepararem para dormir, mas em vez disso, eles conseguiram, com
uma mão só, espalhar seus cobertores e se deitarem.
E eles dormiram assim.
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9
Thimble acordou com grunhidos e passos abafados além da porta. O coração dela
retumbou em seu ouvido. Não havia como saber quantas Aberrações estavam lá fora, mas
elas sabiam que haviam acuado sua presa. Ela tinha certeza de que poderia ser mais
esperta que elas novamente, mas escapar envolvia lutar também. Ela se inclinou para
acordar Stone, mas ele já estava alerta.
Assim como o Garoto23. Julgando pela comida esfarelada em seu rosto, Stone havia
conseguido alimentá-lo com pasta de cogumelos. Ela estava preocupada com o que o
novato iria comer, porque ele ainda não tinha nem dentes. Eles podiam mastigar carne
para ele, é claro, mas ele precisava de leite também, e ela não era uma Reprodutora.
Mas eles tinham assuntos mais preocupantes no momento.
“Precisamos de um plano,” ela sussurrou no ouvido dele.
Ele não se moveu, apenas ouviu enquanto ela delineou a sua estratégia. Após um
curto aceno, ele se inclinou e roçou os lábios contra a bochecha dela como havia feito
antes. Porque esse momento poderia não acontecer novamente e porque ela não queria
arrependimentos depois, ela enrolou os dedos no cabelo dele e puxou seu rosto para o
dela. Foi um beijo cego, nascido da espera silenciosa e desesperadora.
Ele prendeu a respiração e a beijou de volta, corretamente, porque ele sabia como—
claro que sabia—e ela teria odiado o por quê disso, exceto que a boca dele era quente e
feroz e doce como água limpa. Ela tocou a sua boca com dedos sonhadores enquanto ele
ficava de pé. Em acordo com o plano mestre, ela se afastou para o fundo do cômodo com
Garoto23 em seus braços, fora do alcance das presas das Aberrações, fora do alcance da
arma dele, mesmo na volta.
A respiração dele soava estranhamente alta no espaço confinado; ela podia ouvir o
medo dele tão claramente quanto as garras arranhando contra o metal. A maçaneta
tremeu. Mais distante, as batidas aumentaram; eles deviam ser capazes de ouvir
movimentos. Bons ouvidos, então. Bons narizes também, provavelmente.
Você consegue, ela disse silenciosamente a Stone, e como em resposta à urgência dela,
ele ficou em posição, então destrancou e abriu a porta. Ela não podia ver quantos havia lá,
mas ele matou um facilmente, como se tivesse praticado os movimentos em sua cabeça.
Exatamente como ele disse na noite anterior: perfurar, puxar, perfurar. Seus movimentos
eram econômicos, e ele ia direto aos olhos ou garganta. Não era sofisticado, como ele
disse, mas eficiente. Assim que Stone os cegava cortando de lado em seus rostos, eles
ficavam frenéticos, se virando uns contra os outros em uivos de raiva—e porque não
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conseguiam ver o que estavam atacando. Então ele os matava por misericórdia, não por
medo, sem fúria em seus movimentos, mas com uma terrível ternura, como se eles fossem
criaturas dignas da sua pena. No fim do bando, uma Aberração se virou e correu, como se
sentisse que havia algo diferente sobre a sua presa.
Aquele comportamento a confundiu. Thimble nunca tinha ouvido falar de uma
Aberração com instinto de autopreservação. Stone deu um passo.
“Deixe pra lá,” ela disse.
Eles não podiam se permitir serem jogados em uma armadilha. Mas a mudança no
comportamento a preocupou. Uma Aberração que mostrava tal inteligência constituía
uma enorme ameaça, pois invalidava tudo em que o enclave acreditava sobre os monstros.
Isso também queria dizer que a criatura era capaz de mais que uma fome cega; a coisa
poderia estar até planejando o próximo encontro deles. Um arrepio percorreu a espinha de
Thimble e ela manteve o Garoto23 perto.
Sangue fétido respingou nas pedras quebradas; ela podia sentir o cheiro, podre,
como carne ruim, mas também doce e metálico. Antes desse pesadelo começar, o seu
mundo tinha sido composto de coisas, não de ações, tirando aquelas que criavam coisas.
Ela ansiava pela segurança da sua oficina, mas não havia mais. Agora ela deveria achar
outra maneira de viver.
Pelo menos não estou sozinha.
Thimble se ergueu usando as prateleiras, respirando pela boca para bloquear o
cheiro do sangue pútrido deles. Perto dela, Garoto23 tagarelava; comida e descanso o
animaram consideravelmente. Com punhos rechonchudos, ele puxou o cabelo dela. Essa
dor querida. A pilha de cadáveres estava perto dos joelhos dela fora do corredor, e diante
deles, Stone—com a arma dela em mãos. Os anciões diriam que ele era burro demais para
sobreviver a tal catástrofe, e ela era muito fraca, mas eles provaram que eles estavam
errados. Juntos, eles eram inteiros. Juntos, eles tinham uma chance.
Ele estendeu a mão sobre a carnificina para pegar a sua descendência. Mesmo que
ela não tivesse direito de clamá-lo, Garoto23 parecia ser o novato dela também.
“Está seguro,” ele disse. “E você estava certa. Usando o limiar para evitar que eles
me cercassem. Genial.”
“Você é grande o bastante para bloquear a porta. Foi um bom palpite.”
“Você sabia que iria funcionar.”
“Eu esperava.” Ela havia assistido os Caçadores treinar mais de uma vez, porque
esse era o passatempo preferido de sua amiga Deuce. Durante aquelas lutas de
treinamento, Thimble frequentemente predizia o vencedor ao analisar os estilos de luta.
Às vezes, ela planejava contra-estratégias em sua cabeça.
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“Bah,” Garoto23 balbuciou, balançando os braços no ar. “Bah, bah, bah. Bah!”
Um simples passo enviou agonia até seu joelho. A longa caminhada do dia anterior
estava cobrando seu preço. Exalando um suspiro interrupto, ela se ajoelhou para apertar o
suporte, embora seu tornozelo estivesse inchado demais para ela prender as tiras.
Determinada, ela ignorou a dor e apertou ainda mais.
Eu não vou atrasá-lo. Ele precisa de mim. Eu tenho que ser forte por Stone e Garoto23.
Ele jogou sua mochila sobre os ombros, e depois a dela, antes que ela pudesse
protestar. Então ela decidiu não fazer um drama disso. Ele era mais forte; ela era mais
esperta. Se ambos jogassem com seus pontos fortes, eles conseguiriam. Então era melhor
não insistir quando o máximo que ela conseguia fazer era manter seu próprio peso se
movendo pra frente, quanto mais sua parte dos suprimentos. Stone arrumou sua arma
contra a parede enquanto Thimble se moveu em direção à porta do corredor. Sem pedir
permissão, ele envolveu um braço em sua cintura, erguendo-a como se ela pesasse nada.
Ele a girou para fora do armário e para dentro do túnel com aquele enorme poder físico
que fez dele um Reprodutor popular.
“Não quero você tropeçando por aí,” ele disse gentilmente.
Ah. Os cadáveres no escuro. Ela era desajeitada o bastante para tropeçar, e acabar
de cara no sangue. Então o seu cheiro iria atrair todas as Aberrações por perto. Melhor não
testar a sua sorte. Mas ela também se deleitou na força dele; o braço envolto da sua cintura
parecia certo e seguro.
Muito cedo, ele a soltou. Os arrepios de prazer demoraram muito para ir embora, e
pelo menos a sensação boa a distraiu do pulsar constante de seu pé fraco. Aleijada.
Deformada. Falha. Certa vez, ela ouviu o Guardião das Palavras conversar sobre ela com o
Whitewall. Foi logo antes da sua cerimônia de nomeação, e ela estava tão feliz que se
esgueirou perto deles durante uma reunião privada para discutir as suas perspectivas. Ela
nunca esqueceria as palavras dele.
“Acho que vale a pena mantê-la,” o ancião disse. “Nossos predecessores escolheram
bem.”
O Guardião das Palavras assentiu. “A deformidade dela não afeta as mãos, então
ela é capaz de trabalhar. Inútil para qualquer cargo, menos um Construtor, é claro.”
“Ao menos, ela mostra atitude e desejo,” Whitewall havia dito.
“Diferente da maioria dos novatos. Você acha que ela sabe o quão perto chegou de
ser comida das Aberrações?”
Ela não sabia até aquele momento. Thimble andou para longe, fria com terror e
vergonha. Em silêncio, ela chorou com as juntas dos dedos entre os dentes. A partir daí, a
cena de seu nascimento a assombrou. Ela podia ver no olho de sua mente, como se
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estivesse assistindo, encarando a coisa de rosto vermelho que gritava. O Ancião que
governava antes teria estudado seus pés, virando-os nesta direção e naquela. Ela via a
discussão que aconteceu, uma briga, realmente, e então alguém com um mínimo de
bondade prevaleceu. Eles decidiram não deixa-la nos túneis para morrer.
O que tornava tão irônico que a sua vida tenha ficado desse jeito.
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Você é mesmo um Reprodutor.
Apesar de terem inúmeras outras coisas para se preocuparem, Stone ficou
pensando sobre aquele beijo. Ele queria perguntar a ela sobre isso, mas se ele desse muita
importância para aquilo, ela poderia se sentir embaraçada, dado que eles só tinham um ao
outro agora. Eu não deveria ter feito isso. Ele não era autorizado a se deitar com Thimble e
tocá-la assim como ele tinha feito com outras.
Mas essas regras não existem mais.
E ela fazia disso mais. Ela fazia melhor. Às vezes, na reprodução, havia beijo, mas
com ela, todo o seu corpo pegava fogo. Um tremor o percorreu, apenas pela lembrança de
seus lábios macios.
Então ele continuou a pensar. Os dias se passavam em uma interminável
monotonia. Túneis iam em tantas direções diferentes que ele não tinha mais ideia de onde
eles estavam. Para descansar, eles encontravam pequenos espaços que pudessem bloquear
de algum jeito, e depois eles continuavam, embora ele não fizesse ideia do que eles
estavam procurando.
Às vezes, ele lutava. Era mais fácil do que ele tinha imaginado que seria. Ele os
farejava muito antes de vê-los, dando-lhe a chance de passar o Garoto23 a Thimble. As
Aberrações não eram tão grandes quanto ele. Eram coisas magras e miseráveis, com olhos
selvagens e vozes penetrantes. Stone muitas vezes pensava que elas soavam tristes. E por
que não? Quem quer ser uma Aberração?
Desta vez, quatro vieram a ele com rosnados ferozes. Thimble retrocedeu com o
novato em seus braços, dando-lhe espaço. Ela nunca duvidava. Nunca entrava em pânico.
Enquanto ele se preocupava que a confiança dela podia não estar certa, ele não vacilou. Ele
foi diretamente para os pontos fracos, longe do osso. Atravessando-os pelos olhos, pela
garganta, para cima pelo queixo. Ela havia aprendido tão rápido as melhores maneiras de
matar aquelas coisas, que o enojava.
Mais distante, ele ouviu um barulho, como se alguém tivesse pisado em pedras
soltas. Ele chamou, “Tem alguém aí?”
Mas não houve resposta, apenas o fedor das Aberrações mortas sob seus pés.
Thimble surgiu ao lado dele e colocou a mão dela na sua, entrelaçando os dedos, e
era mais doce, mais excitante, do que o cruzar de corpos com qualquer outra pessoa. Era
loucura o quanto de prazer ele conseguia de sua mão pequena e quente contra sua pele.
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Ele queria arrastá-la para seus braços e enterrar o rosto em seu cabelo. Ela havia se tornado
todo o seu mundo.
“Você ouviu?” Ele perguntou.
Solenemente, ela assentiu com a cabeça. “Há algo nos seguindo.”
Um pavor perfurou seu peito, mas eles não podiam fazer nada, senão continuar em
frente. A esperança os tinha trazido até aqui; e a resistência tinha que fazer o resto.
No sexto dia desde que eles fugiram do enclave condenado, Thimble tropeçou. Ele
não a deixou cair. Mesmo no escuro, ele sempre sabia exatamente onde ela estava e a
vigiava com o mesmo cuidado que ele deu aos novatos que estavam ao seu encargo. Mas
Stone sabia que não era a mesma coisa. Nem um pouco. As coisas que ele sentia por ela
eram maiores, mais profundas, e o preenchiam até fazer o peito doer, ficando mais difícil
de respirar.
“Cansada?” ele perguntou. Eles haviam elaboraram um código. Essa era a pergunta
que ele fazia quando ele queria saber como estava seu pé.
“Nós deveríamos começar a procurar um lugar para nos esconder.” E era dessa
forma que ela respondia quando estava tão mal que poderia chorar de dor, se não fosse
tão forte e orgulhosa, e ele queria levá-la nas costas, caminhar por ela se necessário.
Mas, enquanto ela permitia certa assistência, como carregar sua bolsa, mas ela não
ia aceitar mais ajuda do que isso. Stone sabia que ela não queria se sentir como um fardo
para ele, mas era tão obviamente o contrário. Ela era praticamente o cérebro deles. Sem o
planejamento dela, eles certamente já teriam morrido há dias antes.
Além disso, mesmo se ela tivesse concordado, ele não poderia. Não com duas
mochilas em suas costas, sua arma, e o Garoto23. Havia limites para o que ele podia fazer.
E esse pensamento deu-lhe uma ideia.
“Por que você não pega a arma? Ela pode funcionar como uma bengala.”
“Obrigada.” Ela aceitou com gratidão, o que indicou o quanto estava doendo.
“Vou ficar de olho em um abrigo,” ele continuou, mudando o assunto.
Ele queria dizer tantas outras coisas a ela.
Desta vez, ele encontrou mais do que uma porta. Metade da parede havia
desmoronado ali, e a pedra parecia ser mais velha por trás disso. O chão se inclinava para
baixo. Isso parecia ser melhor do que ir para Lá em Cima, onde a luz incendiava você, e a
água queimava a pele de seu corpo. Ajoelhando-se, ele correu os dedos sobre a junção das
pedras. Homens haviam juntado estas rochas. Aquilo não era natural. Pelo menos isso ele
sabia.
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O cheiro era limpo. Thimble andou ao lado dele, inclinando a cabeça para testar o
ar.
“Eu acho que devemos ver aonde isso leva.” Ombros curvados, ele esperou por ela
zombar dele, como todos faziam quando ele se atrevia a expressar uma ideia.
Mas ele julgou-a mal. Assim como ele nunca havia zombado dela, ela nunca agiu
com ele como se fosse estúpido, bom apenas para uma coisa. “Eu concordo.”
“Tomara que nós achemos um lugar seguro para descansar. Deixe-me ir primeiro.”
Thimble não discutiu; ela só desceu atrás dele, mas ele ouviu a forma como seu pé
se arrastava em ritmo com o ruído seco da bengala no chão. Agora devia estar doendo
demais para ela levantar o pé. Um passo, um deslize. Um passo, um deslize. A coragem e
a bravura dela faziam-no tão orgulhoso de estar ali com ela. Quando tudo desmoronou,
ela tinha vindo em busca dele. E isso significava tudo.
O ar no túnel estreito cheirava a umidade, o que significava que eles deveriam
encontrar água em breve. Uma coisa boa. Suas garrafas estavam quase vazias. Ele tinha
ouviu falar de enclaves onde eles reciclavam os fluidos corporais durante tempos de
escassez, mas a situação nunca havia ficado tão ruim em College, em razão da gestão
cuidadosa dos recursos e do controle da população. Sua garganta ardia; como um
Reprodutor, era sua função ficar sem água. Garoto23 vinha primeiro, e então Thimble. Ele
mal tinha bebido um gole durante todo o dia.
E estava mais escuro também. Por vezes, nos túneis maiores, as pedras formavam
fendas sobre as cabeças deles, permitindo feixes de luz. No caminho até aqui eles tinham
passado por várias bestas grandes de metal viradas de lado. O chão estava coberto de
linhas de metal, algumas quebradas e torcidas. Mas aqui, era diferente. Mais recente. Mais
limpo. Ele decifrou formas, as paredes em torno dele. Ele ouviu movimento. Carne,
deslizando. Os Caçadores tinham trazido estes animais de volta em sacos para serem
transformados em ensopado ou para serem assados em um espeto. Logo, a comida ia
acabar, e isso se tornaria seu trabalho também. Ele não estava preocupado. Thimble viria
com a melhor maneira de conseguir pegar essas criaturas.
Mais abaixo na passagem, a parede havia desmoronado para o lado de dentro.
Uma brisa fresca soprou contra seu rosto, e ele estendeu a mão para encontrar a fenda. Ela
havia dito que ar fresco significava coisas boas, então eles provavelmente deveriam checar
essa área. Ele adiantou-se pela escuridão e algo foi esmagado sob os seus pés. Na
escuridão, ele não conseguia ter certeza de em quê ele estava pisando, então virou-se para
Thimble.
”Você tem alguma tocha sobrando?”
”Vou acender uma.”
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Ele não se mexeu enquanto ela remexia na bolsa que ele carregava para ela, e então
a luz foi acesa, iluminando o chão diante dele. No começo, ele não entendeu o que ele viu,
o que os brilhos brancos representavam. Atrás dele, Thimble inspirou forte, e seus dedos
se entrelaçaram com os dele. Ele puxou-a para perto, um braço ao redor dos ombros dela.
Em seu outro lado o Garoto23 olhou, embora fosse difícil dizer o quanto o novato entendia
daquela situação.
”Que lugar é esse?”
”Eu não sei,” ela respondeu.
Thimble ajoelhou-se para examinar os ossos e então olhou para cima em direção a
ele. “Eles estão lisos.”
“O que significa que eles não foram mastigados.” Um sorriso brilhante mostrou que
ela estava contente com ele. Era a primeira vez que ele podia se lembrar de ser elogiado
por algo diferente do que a sua força. “Então eles não foram mortos pelas Aberrações?”
“Eu acho que não. Eles parecem como se tivessem sido jogados aqui. Não houve respeito em
como foram manuseados, também. Os ossos estão em pilhas, como se corpos tivessem sido
empilhados.
Lembre-se de como o Guardião das Palavras sempre falava da doença que matou várias
pessoas Lá Em Cima e como nosso povo desceu para Lá Embaixo porque era mais seguro?”
Era tantas histórias que era impossível saber o que era verdade. Havia lendas que
pareciam ser muito improváveis, e ainda assim, obviamente, alguma coisa tinha deixado o
mundo em um estado terrível. Essas pessoas não tinham sido mortas por violência, o que
deixava a doença. Essa parte das histórias do Guardião das Palavras tinha sido verdade,
então.
Ela assentiu. “Eu me pergunto se eles só selaram os corpos desse jeito, longe de
vista.”
Um calafrio passou por ele. “Talvez. Mas não foi assim que eles entraram.”
Thimble seguiu seu olhar para o lado mais distante do aposento, onde uma escada
de pedra em ruínas conduzia para cima.
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Eles tinham mais do que Aberrações para se preocupar agora. Fingindo uma
confiança que não sentia, Thimble caminhou cuidadosamente ao redor dos mortos. Os
ossos se agitavam, sacudiam, e às vezes, se quebravam, e ela segurou um grito no fundo
de sua garganta. Apenas a presença sólida de Stone atrás dela a impedia de entrar em
pânico. A tocha vacilava enquanto ela caminhava, lançando sombras terríveis sobre as
paredes manchadas.
Para piorar a situação, quando ela se aproximou da parede—que estava intacta—ela
viu fracas letras marrom-avermelhadas espalhadas sobre a superfície pálida. A maioria
estava muito apagada para o seu significado ser claro, mas duas frases haviam sido
escavadas na rocha com os dedos em carne viva de alguém, primeiro: salve-me, e depois,
mais abaixo, correndo em direção ao chão como se em desespero: deus nos esqueceu. A
verdade registrou-se no mesmo segundo. Eles não estavam todos mortos quando foram
trancados aqui. Ela podia imaginar poucos destinos mais horríveis do que morrer em
confinamento, sem nenhuma esperança.
“Este era um tipo de isolamento de doentes,” ela disse então. “Onde eles
mandavam as pessoas para morrer. Sem esperança. Sem comida e água.”
Stone fechou os olhos por um longo momento, visivelmente controlando sua reação
ao aposento onde eles estavam. Talvez o enclave não fosse tão ruim, afinal.
Thimble afastou-se da terrível inscrição da parede e dirigiu-se para as escadas.
“Não era tão ruim quanto poderia ter sido, mas estava longe de estar perfeito.”
“Você acha que devemos?” Pela sua expressão refletida pela trêmula luz da tocha,
ele não queria ir para o Lado de Cima.
Nem ela.
Thimble raciocinou, “Não sobe muito, e descemos um pouco para chegar aqui.”
“Então ela pode nos levar para o lugar onde estávamos? Ou outro no mesmo
nível?”
“Suspeito que ela se conecte a um conjunto diferente de túneis. Talvez estes sejam
mais limpos, e as Aberrações não os tenham encontrado. Eles tendem a caçar perto de
enclaves.”
“Você sabe onde estamos?”
“Não exatamente,” ela admitiu.
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Traduzido por Grupo Shadows Secrets 46
“Então estamos perdidos.”
Ela arriscou um meio sorriso. “Você diz como se fosse uma coisa ruim. Considere-
nos exploradores. Eu acredito que há algo melhor lá fora. Se vivermos tempo suficiente—
suportarmos tempo suficiente para encontrar.”
“Certo.” Mas ele sorriu de volta, pronto para seguir onde ela levasse. Havia um
poder incrível, delicioso nisso. Ela não se deixou pensar sobre o beijo.
Não aqui. Não agora.
Mais tarde, quando ela tivesse um momento seguro no escuro, ela reviveria o
momento como o fazia cada vez que eles paravam para descansar. Cada passo doía, mas
não era possível parar ainda, então ela encontrou um lugar em sua cabeça para onde a dor
retrocedeu. Ela disse a Stone que precisava descansar, mas não seria impossível dormir
cercado por tantos mortos. Força. Vamos encontrar segurança em breve.
Mas era uma promessa vazia, uma em que ela já não podia acreditar
completamente. Como os dois poderiam sobreviver quando o enclave inteira foi perdido?
Thimble não se permitiu demonstrar seu desespero. Quando ela chegou, a porta estava
trancada. É claro que estava. E deveria estar obstruída também pelo lado de fora, ou
certamente tantas pessoas a teriam quebrado com puro peso. A menos que eles estivessem
tão doentes que não tivessem forças.
“Você pode...” Ela começou a perguntar, mas um barulho roubou sua voz.
Era o som de passos, alguém—ou alguma coisa—tentando ficar quieto. Talvez seja
um sobrevivente, ela pensou, mas o medo fez seu coração bater um pouco mais rápido.
Depois o barulho sumiu por alguns segundos. Voltou na dispersão de algumas rochas.
“Vamos ficar aqui e esperar ele nos encontrar ou devemos atacar?” Stone
perguntou.
Thimble estremeceu. “Você quer lutar em uma sala cheia de ossos?”
“Seria difícil conseguir firmar meus pés.”
“Então vamos seguir em frente.”
Ele assentiu. “Tome Garoto23 e desça as escadas. Dê-me algum espaço.”
Porque ele nunca questionou suas ideias, ela lhe fez a mesma cortesia. Tocha na
mão, ela desceu quatro degraus e se sentou, permitindo esse descanso a seus pés. O
menino veio para ela com um emaranhado de sons tranquilos, “ahs” e “oohs” que não
significavam nada. Stone virou a arma larga, batendo-a contra a maçaneta enferrujada da
porta. Sua força bruta mostrava-se em cada golpe; o metal tremeu, e então se curvou. Na
sexta vez, o trinco foi arrancado e saltou à distância, descendo para as sombras e os restos
esqueléticos.
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Ele se agachou para espiar pelo buraco. “Há uma barra de metal do outro lado, mas
está podre. Eu acho que posso quebrar.”
Sem esperar por sua resposta, ele empurrou a ponta da arma através do buraco
onde o trinco costumava estar. Ela ouviu um pop suave, e então ele bateu o ombro na
porta. Ela estremeceu com cada impacto; deve tê-lo machucado, mas ele não vacilou. Uma
vez, duas vezes, e na terceira tentativa, a porta foi empurrada e aberta com um alto chiar.
“Estamos livres.” Bem, talvez não totalmente, mas ele merecia o elogio sem
ressalvas. “Vamos ver o que há lá em cima?”
“Tem que ser melhor do que aquilo.” Ele lançou um olhar para trás, e ela sabia
exatamente o que ele quis dizer.
“E Aberrações tentando nos comer. Você acha que eu deveria apagar a tocha?”
Para sua surpresa, ele se abaixou e beijou-a levemente sobre a boca. Ela olhou para
ele em confusão. “Por que você fez isso? Não é uma resposta.”
“Gostou?”
“Essa é uma pergunta diferente.”
“Responda a minha, e então eu vou responder a sua.”
Um rubor se espalhou por suas bochechas, e à luz, ele veria. Thimble reuniu sua
coragem e sussurrou, “Sim. Eu quis isso durante anos.”
“Eu não podia,” ele disse suavemente. “Havia regras.”
“Não há nenhuma regra agora, exceto aquelas que nós escolhemos.”
Ele assentiu. “É a melhor parte, mesmo que o resto seja aterrorizante.”
“Mas você disse que iria me dizer o porquê.”
“Você é a única pessoa que já pediu a minha opinião sobre qualquer coisa. Agora,
ou antes.” Com um olhar sombrio, ele imitou o ancião, “Cale-se, Stone. Criadores não
precisam pensar.”
“E é por isso? Porque eu percebo que você tem uma mente, assim como um corpo
bonito e forte?” A sensação de rubor em suas bochechas aumentou.
Como uma Construtora, ela não deveria notá-lo daquela forma, mas ela tinha.
Talvez ele risse da ideia de que ela ficava olhando-o de longe com esses sentimentos muito
antes dele se tornar consciente da existência dela. Eles estavam tão sozinhos, e se ele não
sentisse o mesmo, tudo estaria arruinado.
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Mas o rosto dele caiu em linhas pensativas, acendeu com alegria que ela o visse
como mais do que outra pessoa jamais viu. Pelo menos, ela achou que era como ele se
sentia, porque ecoava seu próprio estado de espírito perfeitamente. Com ele, ela não era
apenas uma Construtora imperfeita. Ela poderia ser qualquer coisa ao lado dele.
“Você me faz sentir como uma pessoa inteira.”
“Você me faz sentir assim também,” ela sussurrou.
Então ele pegou seus pertences e o garotinho, e eles caminharam juntos.
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Dois túneis menores levaram a mais escadas. Então mais. Stone não sabia como se
sentia sobre isso; ele havia esperado emergir para o fogo que queimava a pele de seus
ossos. Thimble se agarrava à sua mão como se sua presença lhe desse coragem, mas ela
estava se movendo mais devagar agora. Sua perna arrastava.
Ela não pode continuar por muito mais tempo.
Este era um corredor, e não um túnel. Stone não sabia como ele tinha certeza disso,
quando tudo que ele tinha visto sobre o velho mundo foram fotografias, mas as paredes
eram mais suaves. Polidas. Elas brilhavam à luz da tocha. Mas antes que ele pudesse
explorar mais, uma Aberração irrompeu pela porta. Ela não hesitou dessa vez. Ela já havia
os sondado duas vezes antes, e esteve reunindo suas forças, enquanto a jornada havia
drenado as deles. A besta se arremessou para frente, usando sua força para derrubar
Stone. Ele não tinha a arma; Thimble estava usando-a como uma bengala, e ele tinha
Garoto23 embalado em um braço. Impotente para lutar com qualquer força, ele cambaleou
para a parede, protegendo o novato com o peito.
Thimble gritou. Stone enrolou a mão em um punho e bateu para trás, mas não
podia ver atrás de si, e não se atrevia a se virar. Não se isso significasse que a Aberração
teria uma chance de ferir Garoto23, que chorava em suaves fôlegos. Isso era estratégia. A
Aberração os tinha observado e aprendido seus padrões de comportamento. Ela tinha
programado seu ataque perfeitamente, atacando quando ele estava cansado e carregando
seu novato. Felizmente, as mochilas entraram no caminho da besta, que rasgou suas
posses, tentando chegar à sua carne.
Itens caíram, fazendo barulho no chão. Dentes se afundaram em suas costas. Garras
o arranharam.
E então a Aberração gritou. Ele girou então, bem a tempo de ver Thimble espetá-lo
com a arma. Ela empurrou a lâmina através de seu queixo, o ângulo de ataque mais fácil
para uma menina de seu tamanho. Ela se inclinou sobre o monstro, ainda segurando o
cabo, enquanto as lágrimas escorriam pelo seu rosto sujo.
“Eu não podia deixar... Quão ruim ela machucou você?”
Ele tinha um pouco de dor nas costas, mas o sangue escorria em vez de jorrar. “Eu
vou viver. Você pode levá-lo para mim?”
“É claro.” Com o pedido, ela recuperou um pouco de sua compostura.
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Thimble pegou o novato e o acarinhou, sussurrando coisas tranquilizadoras
enquanto ele arrastava o cadáver de volta para o caminho pelo qual vieram. Ele o jogou
pelos degraus para a sala de ossos e depois voltou. Ela estava juntando seus pertences
espalhados.
“Você está bem?” perguntou ele.
Ela soltou uma expiração instável. “Eu não sabia se podia fazer isso, mas sim. Eu
estou.”
“Vamos ver se podemos encontrar um lugar para descansar.”
Ao contrário das passagens abaixo, estes corredores tinham portas em distâncias
regulares. Ele contou 20 passos, e então havia outra à esquerda ou direita. Elas eram fortes,
grossas, e em melhor estado do que as lá de baixo. Limpas. Eles tinham letras e números
escritos, mas ele nunca tinha se preocupado muito com essas lições. Reprodutores não iam
a qualquer lugar, e eles não faziam nada. Não havia nenhuma razão para que ele tivesse
que entender o que as palavras significavam. Então, ele esperou que ela os lesse em voz
alta.
“Markowitz, subnível três F.”
Ela passou para a próxima. “Shelley, subnível três-E.” Mais palavras do mesmo tipo
seguiram, mas elas não significavam nada para ele. Quando eles se aproximaram da sexta,
algo surpreendente aconteceu.
A porta se abriu.
Ele se afastou rapidamente. Ela se fechou deslizando.
“Ela sabe que estamos aqui,” Thimble sussurrou, os olhos arregalados.
Stone não sabia de nada que pudesse explicar comportamento como este de uma
porta. Às vezes, quando o Guardião das Palavras estava de bom humor, ele lia histórias
dos arquivos para os novatos. Havia um livro sobre magia, onde pirralhos podiam fazer
magia, e eles iam para uma escola especial para aprender como. Talvez não tivesse sido
apenas uma coisa inventada, como todos os novatos disseram. Talvez a magia fosse real.
Para testar a porta, ele se aproximou novamente. Ela se abriu.
Não era um acidente.
“Você acha que é magia?” questionou a Thimble.
Ela balançou a cabeça. “Eu acho que é ciência.”
Isso não significava nada para ele. “O quê?”
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“Você sabe como eu construo coisas, e elas funcionam, mesmo que você não
entende por quê?”
Ele assentiu.
“A porta é assim. Alguém a construiu, só não sabemos como.”
“Bem, devemos entrar?” ele perguntou.
“Parece que é o querem que a gente faça.”
“Isso não quer dizer que é uma boa ideia.”
“Nós sentiríamos o cheiro se houver algum Aberração aí.”
Isso era verdade. E nada terrível tinha saltado sobre eles nas duas vezes em que a
porta se abriu. Não havia nenhum cheiro repugnante, como se algo tivesse morrido. Ele
esperava que não houvesse mais Aberrações seguindo-os, mas, por precaução, eles
precisavam encontrar um lugar seguro para descansar e comer, um lugar onde Thimble
pudesse cuidar das feridas em suas costas. Reunindo sua coragem, Stone passou pela
porta e encontrou um mundo perdido. Estas relíquias, tão perfeitamente preservadas,
representavam uma colheita de proporções inimagináveis. Ao lado dele, Thimble
engasgou maravilhada.
O espaço era apenas um aposento, mas cinco vezes maior do que o espaço que lhes
era distribuído para quartos de dormir. Em sua busca por respostas sobre para que
finalidade este lugar tinha servido, ele encontrou um leito alto e macio, grande o suficiente
para duas pessoas descansarem confortavelmente, juntamente com uma área de estar.
Livros de todos os tamanhos, formas e cores estavam colocados ordenadamente em suas
prateleiras. Para algumas das coisas, ele não tinha nome, mas ele podia adivinhar sua
utilização pela maneira que pareciam; estes eram mobiliário, mas mais sofisticado do que
qualquer coisa que ele já tinha visto. Os tecidos eram suaves e macios, materiais elegantes
e brilhantes.
A porta se fechou atrás deles quando eles se moveram para longe dela. Ele não
conseguia encontrar uma tranca em lugar nenhum.
Thimble já estava explorando o local, abrindo armários e exclamando enquanto
encontrava latas de alimentos, garrafas de água. Estas eram velhas, mas eles haviam
comido essas coisas antes e não tido nenhum dado ao usá-las. Você geralmente sabe
quando abre se o conteúdo está estragado.
Ela pegou uma lata amarela desbotada. “Diz aqui que é leite em pó. Podemos
adicionar água a ele, e nós vamos ter leite para o Garoto23 beber.”
“Eu quero nomeá-lo,” disse ele.
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Isso chamou sua atenção; ela colocou o leite em pó na mesa e o olhou com um
pequeno cenho franzido. “Não com a cerimônia? Ele é muito novo para nós o cortarmos.”
“Não. Sem cicatrizes. Apenas um nome que damos a ele, juntos, porque ele é nosso,
e eu tenho que acreditar que ele vai conseguir, que todos nós vamos.”
“Nosso,” ela repetiu, com os olhos líquidos. Não lágrimas, mas outra coisa. Alegria.
“Eu nem me lembro do rosto da parideira dele. Ela lhe deu a vida, mas você o
salvou. Mais de uma vez.”
“Eu estarei com vocês, a cada passo do caminho,” ela prometeu. “Enquanto você
não se importar...”
“Não,” ele implorou. “Você é perfeita. Você é você. Você é a minha vida inteira.”
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As lágrimas derramaram dos olhos dela, então. Thimble pensou que ele a teria
beijado, mas Garoto23 se agitou. Ignorando o tornozelo latejante, ela misturou um pouco
de leite e encontrou um copo; Stone explorou enquanto ela tentava alimentar o novato. No
começo, Garoto23 franziu a boca e olhou, mas com alguma persuasão, ele esvaziou o
recipiente e soltou um arroto satisfeito.
Stone mostrou-lhe uma ferramenta de prata brilhante com alças arredondadas e
lâminas individuais. “Você já viu algo assim antes?”
Ela balançou a cabeça.
Ele tirou um pano branco fora de um dos leitos e cortou em quadrados. Apesar de
terem feito o melhor que podiam nos túneis, Garoto23 precisava desesperadamente tomar
banho e ser trocado. Stone tratou dessa tarefa com uma habilidade nascida da prática, e
Thimble inclinou-se para assistir. Ela precisava aprender também. Felizmente, a assadura
não era muito ruim, e com cuidado, Garoto23 não teria nenhum dano permanente.
Ela sorriu com quão cuidadoso Stone era com sua prole, beijando o topo da cabeça
do novato quando terminou. Então ele colocou Garoto23 no chão, o pirralho engatinhou
em direção à mesa mais próxima.
Apesar de seu pé ruim ainda doer, ela ficou de pé. Mais exploração levou-a até o
final da sala, perto da porta, onde havia uma mesa com uma superfície brilhante. Ela se
sentou e examinou. Tocá-la chamava novas imagens.
“Stone! Venha ver isso.”
Ele se juntou a ela e depois olhou fixamente, com os olhos arregalados. “Você pode
lê-lo?”
“Algumas coisas.” Ela bateu, e então uma voz estranha disse, “Vedação hermética
ligada.”
Outro toque iluminou a sala ao ponto que ela teve de sombrear os olhos. “Eu acho
que nós não precisamos da tocha.”
“Aqui diz, energia solar 88 algo. Eu não sei o que isso significa.” Thimble indicou o
símbolo que parecia dois círculos equilibrados em uma vara inclinada.
“Eu também não sei o que é energia solar,” ele admitiu.
“Eu estou supondo que é o que nos dá luz.”
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“O que é uma vedação hermética?”
“Não tenho certeza. Mas eu tenho uma ideia.” Thimble mancou até a porta, e desta
vez, ela não abriu.
“Então, é como uma fechadura.”
“Mais ou menos,” disse ela. “Mas não do tipo que usamos.”
“Definitivamente não. Você acha que estamos seguros aqui?”
Thimble olhou ao redor da sala limpa com todas as suas maravilhas. Animação a
percorreu. Poderia levar semanas para aprender tudo o que este quarto poderia ensiná-la,
e não havia ninguém mais adequado para estudá-la. Mas isso era egoísta. Esgotamento
tinha gravado linhas ao lado da boca de Stone da carga constante de Garoto23, seus
pertences, a arma, e o conhecimento de que ele era o responsável pela sua segurança.
Aliviou-lhe que ele poderia descansar enquanto ela trabalhava. Apesar de várias
atribulações, ela não o tinha desapontado. Juntos, eles tinham aguentado tudo que o túnel
atirou contra eles.
“Eu acho. Há suprimentos para nós ficarmos o tempo que quisermos. Eu quero ler
esses livros, e tentar descobrir o propósito deste lugar.”
E o que realmente aconteceu Lá em Cima.
“Eu vou montar uma refeição, então. Você sente-se.”
“Eu posso...”
“Por favor, Thimble? Fique de olho no Garoto23 para mim.”
Stone buscou os livros que ela queria e insistiu para que ela colocasse o pé para
cima. Ele tinha inchado ao ponto que agora estava machucado. Ninguém nunca tinha
cuidado dela assim; havia algo tão confortante na ternura de um Reprodutor. Então, ela
examinou os livros e Garoto23 brincou enquanto Stone abria latas. Ela sentiu-se
estranhamente bem, como se tivesse esperado a vida inteira para este momento.
Depois de comer, ele massageou o pé enquanto ela lia mais. Isso a fez sentir tão bem
que quase deixou cair o livro, mas então as palavras a prenderam. Ela se esqueceu de
Stone— possivelmente, pela primeira vez em sua vida. Quando ela olhou para cima
novamente, ele estava abraçando Garoto23.
“Eu encontrei algo chamado diário.” Thimble lhe mostrou o livro azul com letras
douradas, sabendo que ele não podia lê-las. Alguns Reprodutores aprendiam facilmente,
mas Stone nunca tinha sido um deles. Ele disse a ela, uma vez, que as letras não parecem
estar na mesma ordem que as outras pessoas viam.
“O que é isso?”
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“Parece ser um livro onde alguém escreve pensamentos.”
“E que pertencia a alguém que viveu aqui?”
Ela assentiu com a cabeça. “Deixe-me ler um pouco. ‘Mamãe e papai acham que
estaremos seguros aqui embaixo. Eles compraram um bunker no subnível da cidade, onde parece ser
limpo e livre de doenças. Eles estão poupando desde os primeiros surtos, e agora, aqui estamos nós.’”
Ela entendeu a maior parte disso, embora algumas palavras, como “bunker” e
“surto”, nunca tivesse visto antes. Este lugar foi concebido como um esconderijo, onde
estes outros deveriam estar seguros. Mas algo deve ter dado errado ou os corpos ainda
estaria aqui, se tivessem morrido naturalmente de velhice. Alguém os tinha transportado
para fora.
Thimble virou a página. “Esta é mais tarde, eu acho. Os números na página são
maiores. ‘Mamãe ficou doente. Houve um problema com o sistema de ventilação. Papai está
tentando esconder sua doença quando fazem verificações de status, mas como todos nós fomos
expostos, eles vão nos despejar lá embaixo. Eu esperava viver para ver meus dezesseis anos.’”
“O escritor era jovem,” ele disse suavemente. “Como nós.”
“Ele—ou ela—se escondeu aqui, até que sua parideira ficou doente. A doença se
espalhou. Então, eles acabaram na sala de ossos. Isso vai acontecer com a gente?” Ela não
sabia o suficiente sobre as doenças—de onde eles vinham, como ou por que lhe faziam
mal, ou quanto tempo duravam. Poderia este quarto ainda estar cheio de coisas invisíveis,
letais?
“Não. O que quer que os deixou doente desapareceu. Eles morreram, e a doença
com eles. Nós estamos seguros. “Ele soou como se acreditasse. “Nós vamos ficar aqui o
tempo que você quiser, até você sentir vontade de ir embora, e então podemos explorar.
Ver o que o mundo guarda para nós e descobrir o que é verdade.”
“Juntos?”
Ele acenou com a cabeça. “Sempre.”
Com a ponta do dedo, ela desenhou uma linha invisível dentro da capa do diário.
“Aqui diz ‘Propriedade de Robin Schiller’.”
Stone inclinou a cabeça, parecendo pensativo. “É como deveríamos chamar o
Garoto23.”
“Robin Schiller?” Ela não tinha certeza se nomear o novato com o nome de alguém
morto era uma boa ideia. Algumas crenças do enclave ficaram com ela, e era por isso que o
dedal com o qual ela tinha sido nomeada permaneceria para sempre em segurança junto
dela. Enquanto o objeto estivesse seguro, ela estaria, também. Talvez fossem apenas mais
mentiras, mas oferecia algum conforto quando o mundo era cheio de incerteza.
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“Só Robin. Lembra-se do livro do alfabeto?”
“Oh!” disse ela, lembrando-se. “‘R é para Robin2, uma coisa bonita, quando o pássaro
traz a promessa da primavera’?”
Ao crescer, ela tinha lido o livro do alfabeto para Stone mais de uma vez. Para
recompensá-lo por bater nos novatos que zombavam dela.
“Você gostou?”
“Eu gostei,” disse ela, inclinando-se para cutucar o novato suavemente. “O que
você acha? Gostou?”
“Bah,” disse Robin.
Stone puxou-a para seu colo e beijou-a até ela ficar sem fôlego. Um suspiro trêmulo
escapou quando ela se afastou. “Eu quis você desde sempre.”
“Você quis?” Ele olhou para ela com olhos azuis, azuis.
“Eu odiava saber o que você tinha que fazer no enclave. Com tantas meninas que
não eram eu, e que eu nunca poderia ter você. Porque eu sou...” No enclave, as pessoas
não beijavam ou se tocavam ou cruzavam porque eles queriam. Elas não escolhiam seus
parceiros. Os anciões eram os encarregados da população e agenda de reprodução. Tanta
liberdade assim era incrível e assustadora.
Se o mundo não tivesse acabado, eles não poderiam estar juntos assim. Nunca.
“Você não é,” disse ele bruscamente. “Você é a razão pela qual nós sobrevivemos.
Com sua mente maravilhosa, e ideias incríveis. O fato de que você poderia sentir alguma
coisa por alguém como eu, é...”
“Inevitável,” ela cortou. “Não se menospreze. Eu não vou ouvi-lo.”
“Talvez devêssemos aceitar que formamos a equipe perfeita,” ele disse com um
meio sorriso.
“Bah,” disse Robin.
Quando eles descobrissem os segredos e deixassem a segurança daquele lugar,
haveria mais perigo. Mas, o que quer que viesse, Thimble sabia que eles podiam suportar.
Juntos.
FIM 2 Robin é uma espécie de pássaro, conhecido no Brasil como pisco-de-peito-ruivo.
Razorland 1.5 –Endurance Ann Aguirre
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AVISO
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