aa_r01.5_e

57

Upload: izzy-cullen

Post on 29-Oct-2015

35 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: AA_R01.5_E
Page 2: AA_R01.5_E

Razorland 1.5 –Endurance Ann Aguirre

Traduzido por Grupo Shadows Secrets 2

CRÉDITOS

TRADUÇÃO E REVISÃO:

Grupo Shadows Secrets

Page 3: AA_R01.5_E

Razorland 1.5 –Endurance Ann Aguirre

Traduzido por Grupo Shadows Secrets 3

SINOPSE

Quando a rebelião destruiu o mundo subterrâneo em que Thimble e Stone

cresceram, eles pegaram o filho de Stone e tentaram escapar do caos. Ao longo do

caminho, precisaram fugir das Aberrações, seres que se alimentam de carne humana.

Deixando para trás as funções de Construtora e Reprodutor que lhes foram atribuídas

quando nasceram, eles percorreram os túneis subterrâneos, à procura de segurança ainda

com medo de ir até a superfície, onde segundo a lenda a luz e a água poderiam queimar

suas peles e seus ossos.

A sua viagem conduziu-os para cima num inimaginável mundo de alimentos

enlatados, móveis confortáveis, e livros. Longe de sua sociedade regimentada pela

primeira vez, e ainda enfrentando o perigo iminente, Thimble e Stone reconheceram a

atração proibida que ambos negavam há anos.

Page 4: AA_R01.5_E

Razorland 1.5 –Endurance Ann Aguirre

Traduzido por Grupo Shadows Secrets 4

1

O enclave estava quieto no dia em que a normalidade morreu.

Normalmente, Thimble ouvia os Caçadores se preparando para a patrulha. Eles

haviam promovido um par de sangues novos para preencher seus números, e eles

mantiveram o território College limpo da existência de Aberrações—a ruína de suas

existências, a razão para os Caçadores e os bloqueios. As criaturas selvagens espreitavam o

mundo subterrâneo, onde eles viviam, alimentando-se de tudo que encontrassem. Eles

comeriam animais se pudessem encontrá-los, ou pessoas, ou até seus próprios mortos. As

bestas eram horríveis, e só o Guardião das Palavras sabia de onde elas vinham.

Como guardião de toda a sabedoria do enclave, o Guardião das Palavras decidia

quais histórias deveriam ser contadas, e que informações passaria. Ele era um ancião no

enclave; embora fosse mais jovem que Whitewall—o ancião chefe—ele tinha um ar mais

malvado. O Guardião das Palavras possuía longos dedos, como patas de aranha, e olhos

avermelhados, provavelmente de analisar atentamente artefatos trazidos a ele por pessoas.

Thimble tinha escutado suas histórias quando era uma pirralha, e ele sempre a assustava.

Seu olhar permanecia sobre ela com uma fraca desaprovação, ele não apoiava a fraqueza

de permitir que uma criança defeituosa estivesse a recursos da comunidade, mesmo que

ela fosse útil, mesmo se ela trabalhasse duas vezes mais duro que os outros Construtores.

Do seu tempo no joelho do Guardião das Palavras, Thimble conhecia as lendas

antigas—de que seu povo tinha vindo para o subterrâneo há muito tempo para escapar

dos perigos da superfície. Água caia do céu queimando suas peles e seus ossos, e o ar era

como fogo. Em Cima, pessoas morriam em massa; seus corpos apodreciam onde caíam.

Apenas Embaixo eles estavam seguros. A terra oferecia abrigo.

Havia algum tipo de comunicação entre as tribos subterrâneas, mas a maioria era

isolada, permitindo apenas o comércio ocasional. Nassau tinha sido seu vizinho mais

próximo, mas as Aberrações a eliminaram. Comeram todos. Os anciãos fingiram que o

enclave tinha feito algo errado, que mereciam o seu destino. Thimble temia que o pior

fosse inevitável, mas ela não era importante o suficiente para que todos escutassem suas

preocupações. Ela era somente uma Construtora, que mantinha os outros cidadãos com

coisas proveitosas.

Depois de os anciãos banirem sua melhor amiga, Deuce, alegando roubo e

colecionismo, o descontentamento aumentou. Poucos acreditavam verdadeiramente que a

Caçadora havia cometido o crime, por que ela tinha levado a sério o seu dever de proteger

a comunidade, mas todos temiam mostrar apoio. Se o exílio aconteceu com ela, poderia

acontecer com qualquer um. Tinha sido tão difícil para Thimble deixar que isso

Page 5: AA_R01.5_E

Razorland 1.5 –Endurance Ann Aguirre

Traduzido por Grupo Shadows Secrets 5

acontecesse, sem protestar, mas ela não foi corajosa o suficiente para se juntar a sua amiga.

Ela havia dito para si que seu pé ruim somente atrasaria Deuce; na maior parte das noites,

isso servia como um conforto desagradável. Do lado de fora, a vida continuou, eles

fingiram seguir antigos decretos, mas em conclaves secretos, as pessoas sussurravam, e

essas palavras suaves estimularam a rebelião.

Por agora, ela deveria ter ouvido os Caçadores saírem. Seu coração bateu um pouco

mais rápido. Ao invés, soaram passos além do labirinto, feitos de restos de metais e

tecidos. Então Twist entrou na área da cozinha, com lâminas em suas mãos; era proibido o

uso de armas por ele como o assistente de Whitewall. Ele havia sido um Construtor antes

de sua elevação de função, e não deveria estar armado. Sua expressão era firme enquanto

ele abanava com as mãos, os novatos se juntavam para devorar pedacinhos dos outros

pratos. Isso teria sido chocante o suficiente, mas 20 cidadãos estavam atrás dele,

silenciosamente apoiando sua quebra de regras do enclave. Eles eram muito misturados,

alguns Caçadores, alguns Reprodutores e alguns Construtores, mas todos compartilhavam

da firme determinação de Twist.

Thimble olhou fixamente. Ela parou, esperando que isso não significasse o que ela

temia. Mas possivelmente esse confronto era inevitável. Mudanças tinham sido

preparadas desde que os anciãos enviaram Deuce e Fade na longa caminhada; Twist

anunciava a revolução.

“Whitewall banirá a todos por isso,” Copper cuspiu.

Ela também era uma anciã, e servia como fêmea ocasional para Whitewall, embora

ambos já tivessem passado da idade reprodutiva. Anciãos vinham de todas as três castas,

supostamente para tomar decisões justas, mas Thimble nunca tinha visto nenhuma

evidência de que esse era o caso. Uma vez que um cidadão completasse 22 anos, ele era

elegível à promoção das castas de Construtor, Reprodutor ou Caçador para ancião, e havia

um processo eleitoral, mas as pessoas sussurravam há um tempo que essa eleição era

corrupta e somente aqueles que apoiavam o status quo1 de todo coração tinham alguma

chance de chegar a esse posição.

“Não, ele não vai,” Twist respondeu. “Você não mandará ninguém mais na Longa

Caminhada. Você matou um inocente pela última vez.”

Thimble se lembrou de Banner, que havia morrido no banheiro feminino com seus

pulsos cortados. As pessoas diziam que a menina, que tinha sido uma Construtora, devia

ter se envolvido em atividade física desautorizada, resultando em uma gravidez proibida.

Incapaz de suportar o pensamento da Longa Caminhada, ela tinha tirado sua própria vida

e de seu novato não nascido para poupá-los da vergonha e degradação de uma morte mais

lenta. Mas houve murmúrios de discordância daqueles que a conheciam e falavam bem

dela, embora nunca chegassem aos ouvidos dos anciões.

1 Situação presente ou momento atual.

Page 6: AA_R01.5_E

Razorland 1.5 –Endurance Ann Aguirre

Traduzido por Grupo Shadows Secrets 6

“Ela não teria feito isso,” eles diziam. “É apenas mais um exemplo dos anciões que

regem através de pavor.”

Terror apertou a garganta de Thimble. As regras podem ser terríveis e injustas, mas

o que aconteceria com o enclave se tudo ficasse em pedaços, se permitisse conflito dentro

das barreiras? Os túneis mediam distâncias inimagináveis, ninguém sabia exatamente até

onde iam ou porque tinham sido construídos. Não havia mapas. O Enclave College era o

único mundo que ela conhecia. Thimble nunca tinha visto os túneis por ela mesma, apenas

ouvido histórias de Caçadores que retornavam.

Ela não conseguia falar, observando com olhos horrorizados o desastre que se

aproximava. O som da carne assando parecia muito mundano para este momento;

gordura chiava nas chamas, enquanto pingava, pontuando a raiva que irradiava de Twist

como uma doença. Ele era um homem pequeno, atrofiado e não fisicamente capaz de

qualificar-se como um Caçador, mas ele segurava sua arma sem medo. Thimble teve a

impressão de o mundo desmoronar sob ela, enquanto Copper e Twist trocaram olhares.

“Os caçadores vão destruí-lo,” Copper prometeu.

Twist sorriu. “Eles não são cegamente leais. Alguns vão ficar e lutar comigo.

Embora eu queira matar todos vocês pelo que fizeram para Banner, isso não tem que

acabar assim. Eu sou melhor do que você. Portanto, se Whitewall permitir uma eleição

honesta para novos anciões, que irão avaliar nossas práticas atuais e se necessário alterá-

las, então essa disputa pode ser resolvida pacificamente. Eu quero o que é melhor para o

enclave, não o que me dá mais poder.”

Antes que Copper pudesse responder, a multidão se afastou para revelar

Whitewall, curvado e murcho, com um brilho de pura maldade em seus olhos castanho-

amarelados.

“Só pode haver uma resposta àqueles que transgredem as leis. Se você vier contra

mim, traidor, esteja preparado para morrer.”

“Eu estou,” Twist disse. “Você está?”

Whitewall mexeu a mão para pegar sua arma.

Sem hesitar, Twist estendeu a faca para o ancião. Thimble acompanhou cada

movimentação da lâmina, como se o tempo tivesse ficado mais lento. E, então, as coisas

voltaram para a velocidade normal. A adaga vibrou quando atingiu Whitewall no peito, e

ela entendia o suficiente do corpo humano para entender que quando o ancião caísse, ele

não levantaria novamente. Gritando, de olhos arregalados com choque, Copper agarrou

uma panela de metal pesado. Ela atacou, quase criando um rombo no crânio de um dos

novatos.

Page 7: AA_R01.5_E

Razorland 1.5 –Endurance Ann Aguirre

Traduzido por Grupo Shadows Secrets 7

Isso acordou todos os demais do estranho estado catatônico em que se

encontravam. Enquanto o caos explodia ao seu redor, Thimble se agachou, acenou para os

novatos assustados. Eles não tinham ideia do que estava acontecendo, e eles eram jovens

demais para tomar partido, eles só sabiam que seu mundo estava se dissolvendo.

“Venham!” Thimble chamou num tom baixo. “Depressa!”

Alguns obedeceram instintivamente, gemendo de medo, mas outros correram,

saindo da área da cozinha. Lágrimas queimaram em seus olhos. Oh, Stone. Eu preciso

encontrar você. Ele era o único amigo que ela tinha desde Deuce tinha ido. Mas ela não

podia se virar. Os novatos eram prioridade.

“Por aqui,” ela insistiu.

Podia não haver segurança em qualquer lugar, mas ela tinha que tentar. Cinco

novatos cujos números ela não sabia arrastaram-se com ela através do enclave. A batalha

se desenrolava ao redor, lutas por todos os lados, e o doce metálico fedor de sangue

pairava na fumaça. Se não lutarmos, nós estaremos bem quando o conflito terminar. Eles não

matarão sobreviventes neutros se eles quiserem que o enclave resista. Eles precisam de nós para

reconstruir e repovoar.

Era uma esperança fraca e desesperada, e que a permitia seguir um perigoso

caminho até o distante fim do dormitório dos novatos. Por duas vezes, ela veio de

encontro a um Caçador armado e manchado de sangue, que pairava sobre ela no escuro, e

Thimble quase morreu de medo. Com um novato agarrado em cada mão, e em ambas as

pernas, ela não poderia lutar. E mesmo se tivesse uma arma, ela não tinha a habilidade e

coordenação.

Então, ela sussurrou, “Por favor.”

Ela não estava muito orgulhosa em implorar por suas vidas. Em uníssono

comovente, os novatos ecoaram aquelas palavras. Nas duas vezes, os Caçadores recuaram

e permitiram-lhes passar. Não havia como dizer quais eram suas alianças, Twist ou

Whitewall, mas eles não eram monstros assassinos. Desde suas primeiras respirações,

foram treinados para proteger o enclave, não para atacar seus cidadãos mais indefesos.

Thimble tropeçou diante, tentando ficar longe, o mais longe possível do impossível. O

impensável. No final, ela chegou em segurança, onde encontrou outros novatos

encolhidos. Eles rastejaram para ela com as palmas das mãos sangrentas, de sua fuga em

pânico. Provavelmente, os Caçadores não quiseram machucá-los, mas acidentes

aconteciam. Thimble pegou um dos divisores de tecido e ajeitou ao redor deles numa

patética tentativa de ocultação. Os jovens enroscaram-se em volta dela enquanto ouviam

os gritos dos moribundos.

Page 8: AA_R01.5_E

Razorland 1.5 –Endurance Ann Aguirre

Traduzido por Grupo Shadows Secrets 8

2

Stone nunca havia matado nada. Nem um animal. Nem um inseto. Seu dever mais

sagrado era a preservação da vida: ele cuidava dos novatos quando eles adoeciam, os

alimentava, brincava com eles. Às vezes ensinava-os pequenas coisas, como cortar a carne

ou amarrar um nó—nada muito importante, os anciões deixavam claro. Não era com se ele

desempenhasse um papel vital na vida do enclave, não como o Guardião das Palavras.

Qualquer um com duas mãos podia limpar o traseiro dos novatos.

Temendo um ataque de Aberrações, ele havia ido aos trancos para a área comum,

pronto para ajudar, e descobriu que seus companheiros tinham enlouquecido. Thimble

tinha mencionado algo sobre agitação, mas ele a tinha ignorado. Ele tinha pensado “você se

preocupa demais”. Como se provou, ela tinha razão. Gostaria de ter escutado, mas como alguém

poderia esperar por isso? Ao seu redor, eles lutavam com qualquer arma que tinham em

mãos. As pessoas estavam sangrando e morrendo, a morte pairava forte no ar.

Ele recuou, pensando apenas em se esconder, mas o olhar de um Caçador o parou

como se prometesse o seu fim a menos que ele fizesse a coisa certa. O garoto empurrou

uma arma para ele. Stone pegou a lâmina sem jeito, bobo com o choque.

“Lute ou morra,” o Caçador exigiu. “Você está conosco?”

“Com quem?” Ele ouviu a pausa em sua voz, sabendo que o nervosismo o tornava

fraco—inadequado para qualquer tarefa, exceto reprodução e cuidar dos jovens. Um

homem mais inteligente saberia o que fazer, então talvez fosse bom que lhe tenha sido

dado apenas um trabalho simples. Mas essa falta agora o deixava indefeso.

“Twist, ou os anciões. Whitewall está morto, e o corpo do Guardião das Palavras

está logo ali.”

Stone lutou contra sua vontade de olhar, mas, no fim, ele não pôde evitar. O ancião

estava deitado de lado, uma poça escura se espalhando de sua garganta cortada. Atrás

dele, sangue respingava as paredes. Seu estômago embrulhou, e ele apertou sua mão sobre

a faca para tentar controlar a náusea.

Não havia nenhuma maneira de sair deste pesadelo. “De qual lado você está?”

“Estou com Twist,” o Caçador vociferou. Como se aquilo fosse óbvio. Talvez tivesse

sido para qualquer outra pessoa.

Mesmo na melhor das situações, ele não era rápido para conectar as peças do

quebra-cabeça ou resolver as coisas. Sempre teve Thimble pra isso. Uma dor surgiu em seu

peito.

Page 9: AA_R01.5_E

Razorland 1.5 –Endurance Ann Aguirre

Traduzido por Grupo Shadows Secrets 9

Onde ela está?

O olhar do Caçador disse a Stone que se ele respondesse errado, teria um punhal no

seu peito e acabaria numa pilha ao lado do Guardião das Palavras. Deste ponto em diante,

tudo iria mudar. Não importa quem ganhasse, o enclave não poderia continuar como era.

Muitas vidas já tinham sido perdidas.

“Eu também,” ele disse rapidamente.

Com isso, o caçador deu um aceno satisfeito. “Não estou surpreso. Você deve ter

notado quão injustas as regras são e como são poucos os transgressores da lei que

realmente fizeram alguma coisa. Sua melhor amiga foi para a longa caminhada, não foi?

Assumiu a culpa por você.”

A dor em seu coração aumentou. Ele soube o que ela estava fazendo. Stone fingiu

acreditar na confissão de Deuce para liquidar qualquer duvida que os anciões pudessem

ter sobre ele. Ele estava pensando no novato em seus braços, o pequeno que ele não

deveria amar. Infelizmente, ele sabia qual pertencia a ele, o menininho com seus olhos e

seu sorriso, e era impossível para ele não se importar. Apenas o amava. Ele teria dito

qualquer coisa para manter seu novato seguro, e ele tinha. Virou as costas para a sua

melhor amiga e a deixou morrer. A culpa daquele momento sempre iria assombrá-lo. Mas,

talvez seus momentos estivessem contados, e isso não importasse mais.

Aparentemente, ele tinha acabado de se juntar à rebelião.

Ele foi com o Caçador para a batalha, e apenas sorte o deixou suportar o massacre.

Stone ficou perto de seu companheiro e esfaqueou com dúvida desesperadora qualquer

coisa que se aproximasse. Seu tamanho ajudou; era raro alguém crescer tanto. O Guardião

das Palavras disse que ele era um retrocesso, o que quer que aquilo significasse, uma

relíquia dos tempos em que as pessoas comiam melhor e cresciam mais. Stone sabia

apenas que seus longos braços permitiam que ele jogasse as pessoas pra longe. Ele não

queria machucá-las. A ideia de usar a lâmina em alguém revirava seu estômago. Mas ele

não podia evitar. Stone tentou, mas eles continuaram vindo. Apenas empurrá-los não era

suficiente, e o Caçador estava olhando.

Alguém o atacou, e ele reagiu. Com um golpe, ele matou uma garota, uma

Caçadora, que veio da mesma classe que Deuce. Ela não era experiente, forte ou

particularmente habilidosa. Sua garganta rendeu-se à faca dele como a carne que ele

cortava para os novatos, e sangue quente fluiu sobre seus dedos. O cheiro era doce e

acobreado e fez sua língua sentir-se espessa para respirar o ar pesado. O corpo dela caiu, e

outro Caçador o atacou.

Por que eles não paravam? Qual era o objetivo?

Stone chorou enquanto lutou até que seus braços estivessem pesados e ele sentir o

cheiro de nada, exceto carne queimada e desespero. Seus pulmões queimavam, seus olhos

Page 10: AA_R01.5_E

Razorland 1.5 –Endurance Ann Aguirre

Traduzido por Grupo Shadows Secrets 10

ardiam com o suor escorrendo para dentro deles. Sua lâmina ficou pegajosa até que o

enojava segurá-la. O Caçador sorriu ao seu lado, como se eles tivessem feito um bom

trabalho.

E então acabou.

O bando de Silk os cercou. A loira que comandava os Caçadores avançou,

exigindo, “Abaixem suas armas.”

O Caçador rebelde atacou e morreu em sua lâmina. Com uma força enganadora, ela

pegou o rapaz que uma vez liderou e o colocou ao lado dos outros corpos. Em outra

pessoa, Stone teria julgado a expressão dela como sem vida e infinitamente pesarosa.

Mas Silk firmou seu queixo, a expressão desvaneceu, e ela nivelou um olhar gélido

sobre ele. “Você prefere a morte ou a longa caminhada, traidor?”

O que viria a ser do Garoto23? Esse era o numero de seu novato. Parecia impossível

e errado que ele nunca fosse saber o nome do garoto ou se ele sobreviveu. Ele tinha traído

Deuce por nada. Talvez, ele pensou, alguns destinos não podem ser evitados e eu sempre vou ser

banido pelo crime de amá-lo.

A longa caminhada havia se tornado sinônimo de morte lenta. Para aqueles das

tribos do subterrâneo, significava o exílio, mas não havia luz no fim do túnel. Outras

colônias não iriam dar refúgio a um transgressor da lei, e todos sabiam que aventurar-se lá

Em Cima era a morte. Poderia ser melhor levar uma facada no estomago. Mais rápido, de

qualquer maneira,.

Mas ele não conseguiu juntar a coragem de dizer aquelas palavras. Em vez disso,

outras saíram. “Eu vou, se puder pedir um favor.”

“Você não está em posição de barganhar comigo,” ela respondeu. “Eu não tenho

tempo para isso.”

E ela não tinha. Era verdade. Os sobreviventes tinham de se livrar dos corpos antes

da praga chegar. Carne morta atraía coisas ruins. Se eles não agissem rápido, o enclave iria

ficar repleto de Aberrações. Isso poderia acontecer de qualquer maneira, se o cheiro

chegasse até os monstros e os levasse a loucura.

“Deixe-me encontrar Thimble para diz adeus, nos éramos colegas quando novatos.”

Essa não era a única razão, é claro. Ele queria pedia a ela para cuidar do Garoto23 por ele,

mas Silk não iria entender o porquê. Uma despedida, ela entenderia.

“Certo. Encontre-a e diga o que precisa. Seria dado a você tempo para recolher seus

objetos pessoais em circunstâncias normais, de qualquer maneira.”

Page 11: AA_R01.5_E

Razorland 1.5 –Endurance Ann Aguirre

Traduzido por Grupo Shadows Secrets 11

Stone endireitou seus ombros, grato porque lhe seria permitido tanto. Viver seria

difícil de qualquer maneira, depois das coisas que ele tinha feito. Reprodutores geram vida

e a preservam. Eles não matam.

“Espere.” Ele pareceu reconsiderar, observando a área comum arruinada. “Veja, eu

sou a última anciã. O que significa que estou no comando. E eu nem sempre concordei

com o modo que eles conduziam as coisas.”

Eles, significa Copper, Whitewall e o Guardião das Palavras? Ele esperou que ela

continuasse.

“Se você jurar lealdade, o enclave poderia usá-lo. Eu vou fazer as eleições como

Twist queria e tudo mais, embora a reconstrução tenha de ser a minha prioridade.

Francamente, nesse momento, nos não temos números que me permitam mandar pessoas

para Lá Em Cima por causa de antigas tradições.”

“Eu juro,” ele disse roucamente. “Eu não vou lutar com você. Eu não vou tramar

nada.”

“Então encontre Thimble. Faça uma contagem e deixe-me saber quantos

sobreviveram.”

“Incluindo os novatos?”

“Sim.” Com isso, ela virou-se para seus Caçadores restantes e vociferou instruções

concisas em relação à limpeza, mas Stone não esperou para ouvir mais.

Ele jogou a faca e correu numa velocidade cada vez maior, através dos corpos e de

pilhas de lixo fumegantes. A organização precisa de seu enclave havia desaparecido em

poucas horas devastadoras. Levaria semanas para restaurar a ordem. Quando ele passou

pelo corpo imóvel de Twist, ele parou. Você conseguiu o que queria, eu acho, mesmo que não

esteja vivo para ver. Você mudou as coisas.

Com cada momento em que não conseguia encontrar o Garoto23 e Thimble, seu

coração pressionava a sua garganta. Parecia que seria dividido em dois pedaços de carne e

sairia num jorro quente de doença, agravada pelo mau cheiro dos mortos e moribundos.

Esse lugar não parecia mais com a sua casa; não havia segurança. Apenas destroços.

Se eles estiverem mortos, eu também vou estar. Não posso sobreviver a isso sem eles.

Então ele chegou finalmente ao dormitório dos novatos, onde ele viu movimento

em um abrigo improvisado bem dentro das sombras. Stone voou através da distancia, mal

ousando ter esperanças. Quando ele abriu a cortina e encontrou Thimble lá, sã e salva,

cercada por novatos, ele sorriu pela primeira vez o que parecia ser desde sempre. Ele estava

lá, meu pequeno Garoto23. Ela o salvou. Oh, Thimble.

Page 12: AA_R01.5_E

Razorland 1.5 –Endurance Ann Aguirre

Traduzido por Grupo Shadows Secrets 12

Ele caiu de joelhos e passou os braços ao redor de todos eles. Ele poderia ficar assim

para sempre.

Page 13: AA_R01.5_E

Razorland 1.5 –Endurance Ann Aguirre

Traduzido por Grupo Shadows Secrets 13

3

A princípio, o alívio não deixou Thimble falar.

Ela agarrou-se a Stone, inalando seu odor de fumaça. Ele tremeu contra ela, seu

coração batendo como se fosse atravessar do seu peito para o dela. Ele a tocou como nunca

tinha feito, suas mãos no cabelo dela, nas costas dela, não toques casuais, mas sim

ardorosos, como se não acreditasse que ela tinha sobrevivido, como se isto significasse

tudo.

Não interprete muito disto, ela disse a si mesma. Vocês são amigos. Novatos

amigos. Nada mais é permitido entre um Reprodutor e uma Construtora.

“Como você o encontrou?” ele perguntou, quando se sentou, com uma repousando

sobre a cabeça do novato.

Thimble olhou mais de perto e compreendeu tardiamente que este era o novato de

Stone. Ela deveria confessar que tinha sido por acaso—que ela não o tinha salvado através

de nenhuma habilidade especial ou esforço. Mas ela não podia perder o olhar em seus

olhos.

“Apenas sorte,” ela murmurou.

“Obrigado.” Ele beijou o topo da cabeça do novato e o menino entrou em seus

braços aninhando-se de encontro a um dos lados de Stone como ela tinha visto tantas

vezes. “Eu tenho de descobrir quantos cidadãos sobreviveram e reportar-me a Silk. Vocês

vão ficar aqui?”

Thimble colocou-se de pé e quase caiu quando seu tornozelo virou. Ele a pegou

como havia feito antes e o rosto dela esquentou. Ela não queria ser fraca e imperfeita aos

olhos dele.

“Ela está no comando agora, certo?” Ela não esperou a confirmação.

Rapidamente, Thimble contou os novatos, que choramingavam de medo e fome.

Eles não tinham conseguido de terminar suas refeições. Nenhum sino tocou mais a hora,

mas tinha se passado um tempo. Mas, talvez toda a comida não tivesse sido arruinada.

Carne fria e queimada era melhor que nada.

“Pode cuidar dele pra mim?” Stone perguntou.

Ela pegou o novato sem hesitação; o pequeno importava para seu amigo, então ela

faria o seu melhor. “Eu não sei o quanto é seguro aqui,” ele acrescentou em voz baixa. “Eu

irei procurar vocês mais tarde.”

Page 14: AA_R01.5_E

Razorland 1.5 –Endurance Ann Aguirre

Traduzido por Grupo Shadows Secrets 14

Ela afirmou com a cabeça. “Eu vou tentar encontrar algo para comermos.”

Para a surpresa dela, ele inclinou-se e beijou sua bochecha. Ela tinha visto os

Reprodutores trocarem tais gestos, que se tocavam com um calor adorável e descuidado,

mas Stone nunca tinha feito mais do que colocar seu braço em volta dos ombros dela ou

estabilizá-la quando tropeçava. Maravilhada, com seus dedos ela tocou o espaço quente

em sua pele e o assistiu caminhar a passos largos para a sombria escuridão.

“Bem,” com algum esforço, ela reanimou-se para o bem dos novatos. “Fiquem

juntos. Deve haver alguma comida por aqui em algum lugar.”

“Senhorita Thimble?” disse um novato timidamente.

“Sim?”

“Por que o mundo acabou?”

Não era uma pergunta sobre Lá em Cima; ela compreendeu bem aquilo. Então ele

queria saber sobre a luta recente. Impossível explicar essas coisas para alguém tão jovem.

Mas ela tentou conforme escolhia cuidadosamente um caminho através dos

destroços. “Os anciões tinham regras que não eram justas. Eles puniam pessoas que não

tinham feito nada errado. Algumas outras pessoas ficaram zangadas e queriam que os

anciões parassem, mas eles não queriam. Então eles lutaram.”

“Quem ganhou?” sibilou uma menina.

“Ninguém,” Thimble disse suavemente.

“Tudo está quebrado e sujo e nos não conseguimos nenhum café da manhã,” outro

novato colocou.

Ela não conseguia lembrar quantos eles eram. Isso não era incomum no enclave.

Apenas amigos-novatos camaradas preocupavam-se em aprender as designações

numéricas de todos em seu dormitório. Para todos os outros, os novatos estavam abaixo

deles e eram substituíveis, a menos que provassem ser fortes o bastante para ganhar um

nome. Hoje, isso a entristeceu.

O novato mais alto perguntou, “Quem vai cuidar da gente?”

“Eu vou,” ela respondeu.

“Mas você é uma Construtora.”

“Quando as coisas voltarem ao normal, os Reprodutores irão voltar. Se um número

suficiente deles tiver sobrevivido. Mas até lá, vocês estão comigo.”

“Obrigado.” O novato segurou a mão livre dela e a apertou.

Page 15: AA_R01.5_E

Razorland 1.5 –Endurance Ann Aguirre

Traduzido por Grupo Shadows Secrets 15

O novato de Stone passou um braço em volta do pescoço dela e colocou a cabeça

em seu ombro. Um polegar sujo entrou em sua boca. Uma suavidade estranha irradiou-se

através dela pelo modo como ele tinha se aninhado, com tanta confiança. Esse novato era

parte do garoto que ela—bem, seu amigo, Stone.

Ela falou com mais confiança do que sentia. “Vamos.”

Thimble desviou seus olhos para longe do pior da carnificina, guiando seus novatos

para longe dos mortos. Mas uma menina ficou parada, sua face doente e pálida enquanto

ela olhava para uma mulher caída.

Depois de intermináveis momentos, ela ergueu olhos úmidos em um rosto magro e

sujo. “Essa era a minha mãe. Eu não deveria saber, mas ela me dava carne extra nas

refeições.”

Thimble teria se sentido melhor se a novata tivesse chorado, mas a menina engoliu

as lágrimas como cascalho e seu olhar ficou duro e quieto, fixando-se em nada em

particular. Ela não olhou mais para a Reprodutora morta. Com uma reafirmação muda

que nem mesmo ela acreditava, Thimble foi em direção à cozinha, onde o conflito tinha

começado. Ela encontrou vísceras, sangue, pedaços de carne, membros decepados, e

cadáveres já atraindo moscas. O fedor roubou seu fôlego.

Nós não podemos comer aqui.

“Deve haver suprimentos em algum lugar,” ela disse em voz alta.

O novato que havia perguntado sobre seu bem-estar sugeriu, “As piscinas de

peixe?”

“Vamos ver.”

Por favor, deixe-os estar intactos.

Ela se moveu tão rapidamente quanto seu pé ruim poderia levá-la. As piscinas de

peixes eram proibidas para qualquer um, exceto Copper e Whitewall, mas neste momento

as regras antigas não importavam. Os novatos constituíam uma remota esperança para o

futuro e ela tinha de mantê-los. Para seu grande alívio, o túnel obscuro onde seus

antepassados haviam quebrado buracos na rocha permaneceu intocado. Nenhum morto

enchia esta parte do enclave; a luta não havia se espalhado tanto.

À fraca luz das tochas, a água ondulava com o movimento. O que significava que os

peixes estavam vivos. Frescos. Saudáveis. Um pouco da preocupação afrouxou o domínio

sobre seu peito. Thimble agarrou a rede próxima e retirou três peixes. Ela não sabia

cozinhar, como prepará-los, mas sabia que eles não tinham ossos ou escamas quando ela

os comeu, então aquilo era um começo.

“Nós não podemos cozinhar na área da cozinha,” um novato disse. “É ruim lá.”

Page 16: AA_R01.5_E

Razorland 1.5 –Endurance Ann Aguirre

Traduzido por Grupo Shadows Secrets 16

“Eu vou construir uma fogueira.”

De alguma maneira.

Page 17: AA_R01.5_E

Razorland 1.5 –Endurance Ann Aguirre

Traduzido por Grupo Shadows Secrets 17

4

Stone demorou mais do que gostaria para contar os sobreviventes. Não porque eles

eram muitos, mas porque ele não era bom com números. Mais de uma vez ele teve de

começar de novo, até finalmente ter o depressivo número para levar a Silk. Todos que ele

viu o questionaram sobre o que ia acontecer com College agora que a batalha havia

acabado. Ele podia apenas sacudir a cabeça.

Na área comum, Silk já tinha feito algum progresso lidando com os corpos. Seus

Caçadores restantes haviam sido postos para trabalhar, limpando os destroços. Ele não via

como seria possível fazer a comunidade tão boa de novo, tinha levado anos para

transformar toda a sucata.

A comandante dos Caçadores cumprimentou-o com um olhar impaciente. “Bem?”

Depois de Stone fazer seu relatório, Silk andou de um lado para o outro. “Isso é menos da

metade da nossa população original. E os novatos?”

“Perdemos quatro.”

“Melhor que todos,” falou um Caçador grande.

Crane, ele pensou. Deuce havia lutado com ele durante a exibição. Ele era firme,

forte, e inabalável em sua lealdade a Silk. Algo sobre o modo como o Caçador se portou

fez Stone pensar que Crane tinha sentimentos pela sua capitã que não deveria ter. Não que

Silk tenha notado. Caçadores não tinha permissão para ter conexões pessoais.

“Como esta a limpeza fora da área comum?” ela perguntou. “A cozinha?”

“Temos pessoas trabalhando nisso,” Crane respondeu.

Stone aproveitou aquela chance para escapar, mas antes dele encontrar Thimble e o

Garoto23, um Construtor o encurralou. “Você é forte. Deveria estar removendo os

corpos.”

Ele respirou fundo, querendo protestar, mas parte dele sentia que ele deveria sofrer

por seu papel na batalha. “Mostre-me aonde ir.”

Como na luta, suas horas na limpeza passaram num borrão miserável. No momento

que ele terminou de limpar sua seção do enclave, ele estava meio cego de exaustão. Stone

não conseguia se lembrar da última vez que tinha comido ou dormido. Mas antes de

encontrar um local calmo e limpo para se deitar ele tinha de encontrar Thimble e o

Garoto23. Eles tinham se tornado seu centro.

Page 18: AA_R01.5_E

Razorland 1.5 –Endurance Ann Aguirre

Traduzido por Grupo Shadows Secrets 18

Então, ele tropeçou por todo o enclave, olhos ardendo, e não parou até localizar

Thimble junto às piscinas de peixe. Uma fogueira fumaçava preguiçosamente diante dela,

e ele cheirava os restos de uma refeição. Ela havia improvisado camas para os novatos, e

eles dormiam juntos por calor e conforto. A expressão dela iluminou-se quando o viu, mas

ele levantou uma mão para impedi-la de se levantar.

“Você está bem?”

“Cansada,” ela disse suavemente. “Não sei quando estive tão cansada. Ainda nem

tive a chance de ver a oficina.”

Ele fez uma careta. “Está ruim. Limpei lá mais cedo.”

“Então foi por isso que você demorou tanto.”

“Você estava preocupada?” Stone sabia que não deveria estar feliz por ela se

importar quando tudo estava uma bagunça, mas ele estava.

“Um pouco.”

“Ele te deu algum trabalho?” Stone inclinou a cabeça para seu novato.

“Não, ele é doce. E está dormindo.” Ela moveu-se, revelando um Garoto23 enrolado

para o seu lado atrás dela.

“Obrigado novamente. Não sei o que eu faria se algo acontecesse com ele.”

Apesar do seu olhar aguçado, ela não disse nada. Ele sempre foi capaz de dizer

qualquer coisa a Thimble, e ela era gentil quando suas piadas eram estúpidas, sem graça.

Às vezes, ele não percebia quando tinha ido longe demais ou mencionado algo

desnecessário. Outros não eram tão gentis.

Ela levantou um ombro, diminuindo sua própria importância, com ela sempre

fazia. “Guardei alguns peixes para você.”

“Obrigado.” Stone comeu vorazmente. Não sabia quando ele já tinha tido algo tão

bom, mesmo que estivesse queimado por fora e cru por dento.

“Eu não sou uma boa cozinheira.” Aqueles eram Construtores especializados, que

haviam estado sob a supervisão de Copper. Stone não tinha ideia de quem iria conduzir a

cozinha agora.

Eventualmente, disse ela suavemente, “Devemos descansar.”

Thimble atirou-lhe um cobertor e ele se cobriu. O chão era duro sem até mesmo

uma fina camada de retalhos para sua cama improvisada, mas era bom esticar-se. Como

eles tinham feito mil vezes antes no dormitório dos novatos, ela deitou-se perto dele, perto

Page 19: AA_R01.5_E

Razorland 1.5 –Endurance Ann Aguirre

Traduzido por Grupo Shadows Secrets 19

o suficiente para que ele pudesse tocá-la se ele esticasse seus braços. E ele queria; não sabia

exatamente o porquê, exceto que ela era inteligente e corajosa, e sempre estava lá.

Hesitante, Stone estendeu sua mão e roçou uma mecha do cabelo escuro dela entre

o polegar e o indicador. Ela olhou para ele sobre a curva de seu braço, com os olhos

arregalados, mas ela não lhe disse para parar. Em vez disso, a mão dela envolveu os dedos

dele e ele os enroscou. Ele adormeceu assim, sentindo apenas o toque de Thimble e

ouvindo apenas as confortantes, respirações baixas que significava que os novatos

estavam sãos e salvos.

Pela manhã, os Reprodutores remanescentes vieram em busca dos pequenos. “O

dormitório está limpo. Nós podemos levá-los. Você deve retornar também.”

Um arrepio percorreu sua espinha enquanto ele observava os novatos irem embora

com olhares desamparados sobre seus ombros. Eles tinham um laço com Thimble e

nenhum deles queria deixá-la. Lágrimas escorriam por seus pequenos rostos, borrando a

fuligem. Mas quando a sua prole chorou, Stone o pegou, ganhando um olhar duro, mas

ele desafiou a mulher a dizer alguma coisa. Esta não era a hora.

“Eu vou ficar com ele,” ele disse, sem encontrar o olhar dela. “Depois que eu

verificar com Silk, irei me juntar a vocês.”

A Reprodutora franziu a testa. “Verificar o quê?”

Não era da conta dela como ele tinha ficado em apuros. Estritamente falando, ele

nem era mais um Reprodutor puro, porque tinha quebrado as regras e lutado. Ele tinha

usado armas e derramado sangue. As memórias da batalha surgiram em uma loucura

tingida de vermelho, e ele fechou os olhos. Não os abriu até ouvir silêncio onde antes

havia movimento.

“Você não parece bem,” Thimble disse.

Seu tom de voz saiu mais mordaz do que pretendia. “Isso é uma pena, já que é o

que eu faço de melhor.”

As pessoas frequentemente comentavam sobre sua aparência, agindo como se ele

não pudesse ser ferido pelos seus tons de voz desdenhosos. Às vezes ele queria gritar que

poderia ser mais que um Reprodutor, se o deixassem. As poucas vezes que disse algo

nesse sentido, as risadas o calaram. Eles tinham zombado, “Por que você iria querer outra

coisa? Você tem comida e trabalho fácil, só esqueça isso.”

As mãos dele se fecharam em punhos. Alguns dos Caçadores agiam como se ele

tivesse sorte por ter de acasalar quando mandado. Mas não era maravilhoso quando era

trabalho. Às vezes era até difícil encontrar o interesse necessário, se ele não gostasse da

Reprodutora a que ele tivesse sido ordenado. Às vezes era horrível; e, às vezes, apenas

Page 20: AA_R01.5_E

Razorland 1.5 –Endurance Ann Aguirre

Traduzido por Grupo Shadows Secrets 20

estranho. Eles vão precisar ainda mais de você nos próximos dias. O pensamento de trazer mais

novatos para esta situação o enojava.

“Você é bom com os novatos.”

E em matar meninas, também. A cabeça dele nadava em imagens escuras.

“Eu espero que as coisas se acalmem,” ele murmurou.

“Eu também.” Mas a expressão dela não mostrava muita esperança. “O que

aconteceu, Stone? Nós nunca mentimos um para o outro e eu posso ver que há alguma

coisa, mas se você prefere não me contar, é só dizer.”

“Eu lutei.” Duas palavras não deveriam cortar sua garganta daquele jeito. O enjoo

se intensificou.

Thimble aquietou-se, como se estivesse tentando decidir como responder.

Finalmente, ela perguntou, “Por quem?”

“Pela minha vida. Eu não tive muita escolha.”

“Foi ruim?” Sua simpatia quase o matou.

“Sim,” ele respondeu asperamente. “Ruim.”

Eles trocaram um olhar preocupado, e então ela disse, “Eu deveria ir para a

oficina.”

Ele acenou com a cabeça, movendo o Garoto23 para uma posição mais confortável

em seu quadril. “Vejo você em breve.”

Page 21: AA_R01.5_E

Razorland 1.5 –Endurance Ann Aguirre

Traduzido por Grupo Shadows Secrets 21

5

Thimble encontrou a oficina em absoluta desordem.

Uns poucos Construtores tinham chegado antes dela, e eles estavam tentando

colocar alguma ordem no caos, salvando os materiais que não haviam sido destruídos. Ela

podia dizer quais itens haviam sido usados como armas pelas manchas escuras já secas

sobre eles. Rod, o líder dos Construtores, tinha sobrevivido e liderava a restauração, mas

ele mostrava um olhar tenso e triste, como se entendesse que um conflito como aquele só

terminava em tristeza. Ele era o mais velhos dos Construtores; tinha poucos amigos

próximos, mas a oficina havia sido o seu orgulho e alegria.

Finalmente, Rod voltou-se para Thimble com um suspiro. Ele não parecia acreditar

que eles poderiam restaurar a ordem, mas disse, “Comece separando por tipo.”

Ela começou a trabalhar. Um bom tempo depois, ela ainda estava trabalhando

quando a gritaria começou. Não era o tom estridente de alarme; era o som da pura agonia

humana. Thimble lançou um olhar a Rod, que parecia aborrecido e vazio. Ele deveria estar

dando instruções, estar no comando, mas em vez disso, ela teve de instigá-lo.

“O que está acontecendo?”

Antes que ele pudesse responder, o odor a atingiu, distinto do cheiro de cadáver,

carne queimada e sangue derramado. Esta era uma podridão mais forte, da profunda

decomposição de ossos, e embora nunca tivesse cheirado ela mesma, tinha ouvido as

histórias dos Caçadores. De Deuce.

O horror paralisou a garganta dela por incontáveis momentos, então ela murmurou,

“Aberrações.”

Rod ofereceu um aceno de cabeça fraco e sem esperança. Agora, nenhuma palavra

poderia ser suficiente.

“O que vamos fazer?”

O líder dos Construtores deu de ombros. “Esconder-se. Morrer. Não importa. O

enclave está acabado, como Nassau. Nós não temos os números ou recursos para afastar

um ataque agora.”

“Eles estão dentro das barricadas?” ela perguntou.

“Se não estão agora, então em breve. Não há nenhum objetivo em nada disso.” Com

isso, ele saiu da oficina; embora para onde ele estava indo, Thimble não tivesse ideia. A

Page 22: AA_R01.5_E

Razorland 1.5 –Endurance Ann Aguirre

Traduzido por Grupo Shadows Secrets 22

morte estava montada em seu ombro como uma sombra alada, perseguindo-o a cada

passo, e ela sabia que não iria vê-lo novamente.

Eu deixei os novatos, ela se lembrou. Os Reprodutores estão com eles. Com sorte, eles vão

protegê-los. Encontrar um lugar para se esconder.

Mas quando ela ouviu ao longe o grito de crianças, abruptamente interrompido, ela

percebeu que não havia sido o suficiente. O medo e a fraqueza a colocaram de joelhos, e

isso a fez sentir como se as longas horas em que ela tinha os protegido tivessem sido em

vão. A consciência lhe bateu tão forte que ela perdeu o fôlego. Perder novatos era

inevitável no enclave. Às vezes, eles ficaram doentes, e não melhoravam. Era triste, mas

era a vida. Mas isso? Não era normal. Não perder tantos de uma vez para bestas

monstruosas, famintas.

Eu os deixei ir. Eu os decepcionei. Eles eram o nosso futuro.

A perda se estabeleceu em seu coração como uma lâmina enterrada em seu peito.

Ninguém jamais seria capaz de desenterrá-la. Ela morreria com essa faca cortando-a

infinitamente por dentro. Eu deveria ter lutado por eles quando o Reprodutor veio. Porém, isso

era irracional; teria desrespeitasse as regras do enclave, e ela verificou o pensamento sob a

maré de tristeza.

Logo além da oficina, Silk ordenava aos seus Caçadores. “Levem a luta até eles.

Guardem o ponto de acesso. Se os forçamos a se estreitarem, temos uma chance.”

“Realmente temos?” Uma profunda voz masculina perguntou.

O silêncio veio em resposta. Talvez eles tivessem saído do alcance sonoro. Talvez.

Mas Thimble podia imaginar o que a pequena e feroz mulher diria. Chances não

importam. Nós lutamos. Até o último homem, até o último suspiro, nós lutamos. As palavras

imaginadas ecoaram em sua própria cabeça, dando-lhe a coragem para ficar em pé. O

tornozelo dela pulsava com uma dor que percorria todo o caminho até seus dedos do pé.

Ela ignorou; estava acostumada à dor.

Sons de combate surgiram por todo o enclave, que ecoava com rosnados e

grunhidos, gritos desumanos de dor sufocados em um gorgolejo molhado. Os Caçadores

estavam dando tudo o que tinham. Sobre o barulho, Silk gritava ordens, mas ela estava

com falta de ar. Ela não estava apenas comandando, ela estava lutando. E isso significava

que a situação era terrível.

Eu tenho que sair daqui. Mas pra onde?

Conforme ela ia numa corrida irregular, ela nunca tinha odiado mais sua desgraça,

mas Thimble bateu em Stone antes que ela tivesse conseguido dar 20 passos. A colisão a

deixou sem ar. Ele passou o braço livre ao redor dela, ele tinha o Garoto23 preso no outro.

Rapidamente, em silêncio, ele encostou sua testa na dela. Era algo que eles sempre faziam,

Page 23: AA_R01.5_E

Razorland 1.5 –Endurance Ann Aguirre

Traduzido por Grupo Shadows Secrets 23

um segredo que Deuce não tinha compartilhado, e com este furtivo Olá, eles disseram

uma série de coisas. Ele transmitiu afeto por um colega-novato; ela falou das emoções que

não estava autorizada a sentir por ele.

“Se ficarmos, nós vamos morrer,” ela disse calmamente.

No entanto, fugir pode resultar no mesmo fim. A ideia de ir para os túneis a

aterrorizava. Ela nunca tinha deixado o enclave em sua vida, e seu pé ruim acrescentava

outra desvantagem para uma situação já impossível. Aberrações viviam nos túneis—

desumanas e loucas de fome. Ela não estava exagerando o perigo. Se Silk e seus caçadores

caíssem, eles não tinham esperança.

Pela sua expressão, Stone já sabia disso. “Eu posso sentir o cheiro deles.”

Thimble inalou. O mau cheiro que ela havia notado antes tinha crescido

intensamente, era de uma profunda podridão, como um cadáver de 10 dias cheio de larvas

se contorcendo. Era mais poderoso do que os outros cheiros ruins no enclave, indicando

muitos monstros.

“Eles estão perto,” ela disse.

Thimble estremeceu. Ela não sabia quantos Caçadores resistiam, mas as Aberrações

viriam averiguar esta área, uma vez que terminassem de se alimentar dos outros. A falta

de ação iria condená-los.

“Nós temos que tentar,” ela sussurrou.

“Por quê?” A voz dele falhou. “Perdemos tudo. Não tem sentido.”

Ela odiava vê-lo assim. O desespero dele era tangível, como uma teia de aranha

flutuando através da pele dela. “Nem tudo. Você salvou seu novato. Estamos vivos, e Silk

está lutando. Reúna alguns suprimentos. Eu vou voltar para a oficina. Encontre-me aqui

assim que puder.”

“Você acha que temos uma chance?”

“Acho,” ela mentiu.

Ele era um Reprodutor. Ela era uma Construtora. Como eles poderiam sobreviver

aos túneis e às coisas terríveis que espreitam neles, ela não tinha ideia, mas também não ia

consentir em morrer no escuro. Ideias eram a sua especialidade, por isso, como suas vidas

dependiam disso, ela teria a ideia perfeita.

Apenas veja.

O desafio a levou para longe de Stone, para dentro da escuridão e de volta para os

domínios dos Construtores. Thimble encontrou uma série de invenções úteis, não testadas,

algumas suas. Ela colocou-as em uma mochila, tentando ser rápida. Suprimentos médicos,

Page 24: AA_R01.5_E

Razorland 1.5 –Endurance Ann Aguirre

Traduzido por Grupo Shadows Secrets 24

armas em potencial que não exigissem muita habilidade para empunhá-las, armaduras

para tornar mais difícil a penetração dos dentes e das garras das Aberrações. Muitas

dessas coisas tinham sido destinadas para uso dos Caçadores, mas eles não iriam precisar

delas novamente.

Silk não podia vencer essa luta. O conflito havia diminuído demais seus Caçadores,

e as Aberrações eram numerosas. Fortes. Empanturrados da carne que eles reivindicaram

em Nassau. Mesmo agora, Thimble ouvia a batalha diminuindo. Feridos e cansados, os

Caçadores iriam lutar até o último homem, até o último suspiro, mas não seria o suficiente.

College estava perdido. Ceder este terreno não parecia estar desistindo, porém. Não

quando ela estava febrilmente planejando o futuro.

Tão difícil acreditar que tudo pode mudar tão rapidamente, mas não havia objetivo

em desejar. Ela poderia muito bem desejtar ter de volta sua melhor amiga, enquanto ela

estava nisso, porque Deuce sempre soube como lutar. Sua facilidade com armas poderia

salvar Stone e Thimble, pelo menos.

Mas ela tinha que trabalhar com suas próprias forças, a maioria dos quais pareciam

amargamente inadequadas para sobreviver aos túneis. Ainda assim, ela colocou a

armadura que pretendia dar de presente a sua amiga; não houve chance antes que Deuce

fosse para a longa caminhada. Ela era menor do que a outra menina, de modo que os laços

tinham de ser apertados. Não importava. Thimble tratou disso com firme determinação. O

couro e o estofamento iriam manter os dentes e as garras longe de sua carne frágil.

Se apenas o meu tornozelo fosse mais forte.

Seu pé—não que ela tivesse deixado ninguém ver—era virado para dentro. Ela

havia criado suporte para evitar que ele falhasse em circunstâncias normais, mas essa

tentativa de fuga exigiria grande resistência. Thimble não sabia se ela poderia acompanhar

Stone, mas sem a sua determinação, ele não iria. Ela sabia disso. Eles haviam ficado mais

próximos desde que Deuce tinha sido mandada embora, e ele tinha chorado nos braços de

Thimble.

“Ela confessou por mim,” Stone sussurrou.

Na época, parecia vital fingir aceitar o julgamento, a fim de manter a sociedade

funcionando enquanto eles procuravam por alguma alternativa melhor. Mas aquela

trapaça havia sido por nada. Eles poderiam muito bem ter organizado a rebelião para dar

certo, por todo o bem que fez mais tarde. Agora, as velhas leis jazem quebradas sem nada

para substituí-las. Thimble se perguntou se as crueldades e restrições tinham valido a

segurança resultante—era uma pergunta difícil, e não era uma que ela pudesse responder.

Problemas maiores estavam caindo ao redor do enclave, matando sobreviventes.

Enquanto ela olhava em volta da oficina, a tocha crepitando, uma ideia apareceu. Perigosa.

Possivelmente sem esperança, mas melhor do que não tentar. Ela deixou escapar uma

Page 25: AA_R01.5_E

Razorland 1.5 –Endurance Ann Aguirre

Traduzido por Grupo Shadows Secrets 25

respiração lenta. O cheiro ficou mais forte, o que significava que ela não tinha muito

tempo.

Thimble começou a trabalhar.

Page 26: AA_R01.5_E

Razorland 1.5 –Endurance Ann Aguirre

Traduzido por Grupo Shadows Secrets 26

6

Os sons o aterrorizavam.

Stone sabia que não era másculo admitir isso, mesmo para si mesmo, mas ele não

fora criado para coragem. Nesse momento, ele tinha um peso esmagador de dor por todos

os novatos que não protegeu. Como Reprodutor, ele tinha apenas um trabalho: cuidar dos

jovens, e perde-los num ataque-surpresa das Aberrações não fazia a falha mais fácil de

suportar. A ideia de lutar novamente o fazia querer vomitar. Ecos enlouquecedores

daqueles que matou soavam em sua cabeça. Não monstros. Cidadãos. Mas não era apenas

a sua vida na balança. Tinha que considerar a de Thimble também.

Então ele fez como ela pediu e achou mantimentos. Em seus braços, Garoto23 se

virou e fez um som baixo de bebê em seu pescoço. Ele ainda não falava. Às vezes

balbuciava coisas sem sentido, mas desde que a luta começou ele estava assustado e

quieto. Ele não tinha nem iniciado o treinamento básico de novatos. Que começava aos

três, e aos oito se dividia em três subgrupos. Aos quinze se juntavam à casta para a qual

treinaram. Mas nada disso esperava o Garoto23; ele não iria ao menos se lembrar do

enclave, se eles sobrevivessem. Não parecia provável.

No entanto ele não iria desistir. Não quando Thimble e o seu novato precisavam

dele. Nesse momento, ela estava fazendo sua mágica para tentar salvá-los. Ele não poderia

fazer menos.

Na confusão a caminho da oficina, Thimble o encontrou na metade do caminho. Seu

passo hesitante a denunciou antes que ela entrasse em seu campo de vista, uma tocha

queimando em sua mão. Ele deu um passo para perto dela, porque ela representava tudo

que ele ainda tinha. A familiaridade de seu rosto estreito com os grandes olhos e queixo

pontudo lhe deu esperança; vibrou em seu peito com uma firme doçura. Ele queria

alcançá-la como sempre fez, colocando-a sob seu braço. Ele se sentiria melhor se

mantivesse Thimble por perto.

“Tenho uma ideia,” ela disse.

Essa era a especialidade dela, não dele. Para falar a verdade, ele imaginava qual era

o seu propósito, além de fazê-la se sentir menos solitária. Ele podia carregar coisas, supôs.

Stone estava acostumado a carregar dois ou três novatos por aí, um em cada braço, e às

vezes, um em seu pescoço também. Isso o fez relativamente forte, no mínimo. Os amigos

Construtores dela disseram que ele tinha um nome digno, porque ele era burro como a

pedra lisa e plana em que seu sangue caiu durante o ritual de nomeação. Com a mão livre,

ele tocou a pedra em seu bolso em busca por conforto e segurança.

Page 27: AA_R01.5_E

Razorland 1.5 –Endurance Ann Aguirre

Traduzido por Grupo Shadows Secrets 27

“O que posso fazer?”

Rapidamente, ela explicou e então lhe entregou os suprimentos necessários para a

sua parte. Porque Thimble parecia certa de que daria certo, ele não perdeu fôlego com

dúvidas. Talvez fosse isso o que ele poderia fazer: mostrar fé cega nas habilidades dela,

porque sem elas, ambos estariam condenados.

A resistência dos Caçadores remanescentes havia silenciado momentos antes.

Agora havia apenas sons molhados, bater, mascar e grunhidos de prazer. Sem palavras,

ele subiu e amarrou a corda como ela pediu. Fragmentos de metal e sucata, bobinas, coisas

que ele sequer reconhecia, ela manuseava com grande perícia. Isso aumentou ainda mais o

respeito dele. Ela era tão esperta. Ele fez pouco mais do que segurar a tocha ou segurar

algo que era pesado demais para ela carregar, mas o tempo todo, ele sabia o quanto aquilo

era uma corrida. Se não conseguissem terminar...

Não havia motivo em imaginar como as coisas poderiam piorar. O enclave já estava

em ruinas.

Trabalharam sem descansar. Se os Caçadores não tinham sido capazes de derrotar

as Aberrações, que esperança eles teriam em combate abertos? Simples. Então eles não

lutariam. Uma onda de calor e admiração brilhou através dele conforme completavam as

preparações. Só Thimble poderia olhar para as sobras na oficina e inventar algo para

salvar suas peles.

Depois que Stone terminou, ele entregou o Garoto23 para Thimble; ele não

precisava dizer a ela para cuidar do garoto com a sua vida. Ela o faria. Ela o manteve salvo

antes. Posso fazer isso. A mão dele tremeu quando tomou a tocha das mãos dela. Luz para

afastar a escuridão.

“Eu queria poder,” ela começou.

Stone balançou a cabeça. “Sou rápido. Vem de perseguir novatos por todo lugar.”

Ele não mencionou a sua enfermidade. Nem ela. Mesmo se ele fosse tão covarde, ela

não podia terminar o trabalho. Eles estariam nela em dois passos. Com grande esforço, ele

se acalmou e focou nos olhos escuros dela, encarando-o com tanta confiança. Ela sempre o

olhou assim, como se ele fosse um pouco melhor do que sabia ser. Talvez fosse porque

durante o tempo de pirralhos, ele bateu em todos que tiravam sarro dela. Logo, eles

pararam de fazer graça dela, ao menos onde ele podia ouvir.

Os ruídos se aproximavam. Sons de alimentação—dentes rasgando carne.

Movimento agitou o ar e trouxe um cheiro pútrido. Ele nunca respirou algo assim antes.

Diversas vezes, em seus anos de novato, Aberrações se aproximaram muito do enclave

antes que os Caçadores os afastassem. Não havia mais Caçadores. Apenas ele, Thimble e o

Garoto23.

Page 28: AA_R01.5_E

Razorland 1.5 –Endurance Ann Aguirre

Traduzido por Grupo Shadows Secrets 28

E mais as armadilhas brilhantes dela.

Não importa o que acontecesse com a sua própria segurança, ele não poderia deixar

nada acontecer a Thimble ou Garoto23. De alguma forma, de algum jeito, ele tiraria os dois

daqui. Ele sorriu conforme se endireitou, o ferro de marcar flamejante em mãos. Tudo

dependia da sua velocidade e habilidade de lembrar onde guardaram as armadilhas e

lâminas de gatilho. O papel dele era simples em comparação às coisas maravilhosas e

mortais que ela construiu tão rápido. Ele era uma isca e sabia disso.

As Aberrações e os Caçadores estavam lutando nos bloqueios. Lá dentro, o enclave

era projetado em seções: o dormitório dos novatos, espaço da cozinha, instalações de

banho, as piscinas de peixes, oficina dos Construtores, a área comum, o salão dos

Caçadores e alojamentos para todos os cidadãos. Os monstros soavam como se tivessem

chegado à área comum. O que significava que eles estariam no aglomerado que levava à

oficina logo.

“Quase lá,” ela sussurrou.

“Se esconda.” Era a primeira vez que ele usou aquele tom com ela, o mesmo que ele

usava com os novatos. Os olhos dela se arregalaram, mas ela obedeceu, com os novatos

sempre faziam.

Hora de correr.

Com o som ecoando, uma parede interna caiu. Stone ficou de guarda, observando

Aberrações se empurrarem em sua direção. Na parte de trás, um deles olhou a situação, e

então inexplicavelmente, foi embora. Antes de se virar, ele teve um vislumbre de suas

características mutantes e monstruosas: pele pálida cheia de ferimentos, presas amarelas,

olhos leitosos, sobrancelhas protuberantes com cabelo esparso. O corpo deles parecia

quase humano: mesmo número de olhos, pernas, braços, mas a pele e os rostos os

identificavam como outros. Eles ergueram as suas cabeças, farejando. Eles provavelmente

não enxergavam bem, então ele balançou a tocha. Terror e repulsa estavam entalados em

sua garganta, mas enquanto esses sentimentos não o paralisassem, estaria tudo bem.

Ele esperou até o primeiro correr para ele, então ele virou, soltando a armadilha,

desviando para a direita para evitar a armadilha. A luz em suas mãos cegou as

Aberrações, os deixando incapazes de imitar o seu caminho. Atrás dele, ele ouviu o estalo

da corta e o ruído metálico, depois um rosnado animal tanto de dor quanto de raiva. Ele

correu, mantendo em mente o caminho que eles haviam decorado.

Desvio significava morte.

Page 29: AA_R01.5_E

Razorland 1.5 –Endurance Ann Aguirre

Traduzido por Grupo Shadows Secrets 29

7

Arrepios de puro terror se arrastaram pela pele de seus braços. Thimble se enrolou

em uma bola ainda menor, desejando que ela pudesse ver, mas ela só ouvia o estalo e

encaixe de suas armadilhas. Como se sentisse a necessidade absoluta de paralisar-se e ficar

em silêncio, Garoto23 aconchegou-se em seu torso, dedos em sua boca. Se ela se levantasse

para olhar, as Aberrações poderiam sentir o movimento, não tanto pelos olhos, mas pela

agitação do ar. Enquanto ela ouvisse Stone correndo, ainda não estava acabado. Ele era

muito mais corajoso que ela imaginava.

Seus passos velozes ressoavam ao redor, mais rápido do que as Aberrações

famintas em seu rastro. Metal tinia e as Aberrações gritavam. Às vezes parecia que

estavam chorando. Os barulhos perturbavam o garoto em nos braços dela e ele chorava

silenciosamente, sua respiração vinda em pequenos soluços. Ele certamente estava além

da fome e exaustão, mas ele conseguia sentir o perigo. Caso contrário, ele estaria

queixando-se a plenos pulmões, como crianças faziam algumas vezes.

“Shh, shh,” ela sussurrou, batendo suavemente em suas costas. “Ele vai voltar. Ele

não irá nos deixar.”

A espera parecia infinita.

Finalmente, Stone a trouxe para fora do esconderijo com uma mão em seu braço.

Seu peito se agitava da corrida, mas tirando o suor, ele parecia estar intacto. Rosnados e

gemidos de dor chegavam aos seus ouvidos. Algumas Aberrações estavam lutando contra

as armadilhas; outras haviam sido mortas instantaneamente. Ela ouviu monstros se

movendo por perto, em busca de presas.

“Eu deveria tirá-los de seu sofrimento,” ele disse severamente.

Era do conhecimento geral que Aberrações se alimentavam de seus próprios

mortos, mas eles não atacavam Aberrações enquanto vivas. Assim, o ferido poderia sofrer

por um longo tempo. Enquanto seu estômago embrulhava, ela assentiu, vasculhando sua

mochila para encontrar uma faca. Ela estava grata por ele ter nervos para isso; apesar de

toda sua habilidade de criar instrumentos de dor, Thimble não sabia se era capaz de

afundar uma lâmina em carne. Esse nunca foi seu papel e enquanto o enclave funcionasse

tudo que ela precisava era construir. Agora, isso tinha que mudar.

Um por um, os sons ameaçadores silenciaram enquanto ela confortava o Garoto23,

e quando Stone voltou com a tocha, seus olhos azuis intensos tinham um brilho duro.

Nesse momento, Thimble sentiu como se não o conhecesse. Ele manteve o punhal na mão,

grande e intimidador nas sombras que os cercavam.

Page 30: AA_R01.5_E

Razorland 1.5 –Endurance Ann Aguirre

Traduzido por Grupo Shadows Secrets 30

“Isso deve nos dar algum tempo para fugir,” disse ela.

“Se conseguirmos.” Mas ele não parecia tão desesperado como antes. “Nós não

eliminamos todos eles.”

“Isso seria impossível. Apague a tocha e vamos.”

Pela primeira vez em sua vida, Thimble foi em direção às barricadas com a intenção

de sair. Seu coração trovejava em seus ouvidos, mas ela ignorou o medo. Depois de pegar

o Garoto23, Stone a ajudou a escalar, e depois eles estavam nos túneis. Onde as Aberrações

viviam.

Ela engoliu seu medo. A mochila em seus ombros era reconfortante, cheia de coisas

feitas com suas próprias mãos. Coisas que poderiam salvá-los. As armadilhas funcionaram,

ela disse a si mesma. Você pode fazer isso.

Aqui, era tão escuro. Chegaram sussurros silenciosos de atrás deles, outros

sobreviventes correndo para a saída, talvez, mas ela não gritou. Levaria todo seu engenho

para salvar Stone e o Garoto23. Nada a obrigava a resgatar aqueles que se encolheram

covardemente enquanto eles punham as armadilhas.

Embora ela nunca tenha tido um treinamento de privação visual como uma

Caçadora, ela fechou os olhos e virou o rosto para um e outro lado do túnel. Stone esperou

ao lado dela em um paciente silêncio. Essa era a coisa que ela mais gostava sobre Stone, ele

nunca questionava a sua competência. Thimble não tinha dúvidas que ele acreditava que

ela iria levá-los para a segurança. E, portanto, ela estava determinada a não decepcioná-lo.

As coisas tinham mudado tão rápido. Um dia, Stone tinha sido tão além dela.

Construtores não socializavam muito com Reprodutores, depois que deixavam o

dormitório infantil. Ela notou que ele tinha menos tempo para ela após a sua cerimônia de

nomeação, e menos afeto também, e isso a tinha cortado mais profundamente do que as

três cicatrizes que ela tinha em seu braço, feitas quando ela se comprometeu a criar para o

bem do enclave. Stone só usava uma marca, representando seu valor como material

reprodutor. Ela sabia há eras que se importava mais com ele do que era permitido—e que

ele saia para fazer coisas no escuro com outras Reprodutoras. Aquilo doeu, também,

porque ela nunca poderia sentir mais do que o braço descuidado dele sobre seus ombros.

E talvez ele nem sequer quisesse fazer o que ele fazia, mas os anciões definiam o

cronograma para a reprodução, e sua missão era seguir suas ordens.

Tinha sido a dela, também.

Mas não mais.

“Tem ar se movendo naquela direção,” ela disse, finalmente. “Você pode carregar

uma arma e o Garoto23?”

“Eu preciso, não é?” Sua voz era fria.

Page 31: AA_R01.5_E

Razorland 1.5 –Endurance Ann Aguirre

Traduzido por Grupo Shadows Secrets 31

Ele não era o amigo simples e carinhoso de sua infância, não mais. Esses dias o

tinham mudado para sempre. Ele tinha matado. Talvez ele não fosse um Caçador, mas ele

não era um Reprodutor, também. As circunstâncias o tinham forçado a se adaptar, a se

tornar alguma coisa nova. E ela o amava de todos os ângulos. Ela o tinha amado desde a

primeira vez que ele havia erguido o pulso e socado o menino que a estava insultando.

Stone aceitou a arma que ela havia feito: uma longa lança de madeira com uma

ponta de metal presa. Os Caçadores haviam preferido facas e porretes. Eles disseram que

essa arma era muito longa para ser usada nos túneis, particularmente em locais estreitos—

e era muito provável infligir danos colaterais em um parceiro no escuro—mas nas mãos

grandes de seu amigo, parecia certo. Ela se perguntou se ele sabia o que fazer com a arma,

ou se ele se sentiria insultado se ela explicasse.

Provavelmente não, ela decidiu. Ele sempre aceitou que ela era a mais inteligente

do que tinha sido seu inseparável trio. A terceira pessoa—Deuce—havia ido embora há o

que parecia ser uma eternidade, e agora o enclave estava quebrado totalmente. Então não

havia razão para imaginar que ele se importaria com uma explicação.

“Você não irá cortar com isso,” ela sussurrou. “Serve para empalar a garganta ou o

torso.”

Stone assentiu. “Eu não tenho que ser extravagante com ela, então. Eu posso me

preparar para o ataque deles.”

“Você precisa ser rápido para soltar,” ela avisou.

“Ou vou ficar preso e não ficarei pronto a tempo da próxima Aberração.”

“Exatamente.” Ela gostou da compreensão rápida de Stone e a falta de desprezo

dele em relação às suas ideias. Os outros caçadores haviam se recusado a tentar usar sua

ideia. Ela ainda podia ouvir a zombaria:

Não seja estúpida, Construtora. Você nunca esteve fora do enclave, e uma aleijada como você

nunca sairá. Você não sabe o que precisamos. Por que você não me faz alguma mobília decente?

Mas ele já estava planejando a primeira luta. “Então, preparar, perfurar, puxar,

perfurar, certo?”

E a ideia de ele usaria armas pelo bem dela trouxe lágrimas aos seus olhos.

Ninguém jamais pensou que ela valia a pena salvar antes, porque ela era defeituosa.

Imperfeita. Não importava que ela fosse inteligente ou que ela trabalhasse duas vezes mais

que qualquer outro Construtor porque temia que os anciãos decidissem que ela não valia o

custo da alimentação depois de tudo.

“Sim.”

“Ao primeiro sinal de problema, pegue o Garoto23 e se escondam atrás de mim.”

Page 32: AA_R01.5_E

Razorland 1.5 –Endurance Ann Aguirre

Traduzido por Grupo Shadows Secrets 32

Assentindo, Thimble engoliu a maré de emoção e se voltou para a agitação contra

sua pele que poderia anunciar segurança em um mundo que tinha se tornado totalmente

estranho e feroz. “Por aqui.”

“Como você sabe?”

“Eu escutava os Caçadores, às vezes. Eles falavam sobre seguir o ar fresco. Há

fissuras na rocha para deixar o vento entrar.”

“De onde?”

Ela encolheu os ombros. “Tudo o que sei é que, se o ar não cheira a Aberrações,

você o segue.”

Page 33: AA_R01.5_E

Razorland 1.5 –Endurance Ann Aguirre

Traduzido por Grupo Shadows Secrets 33

8

Eles caminharam por um longo tempo.

Ruídos distantes insinuavam que havia Aberrações nos outros túneis, mas eles

andaram com cuidado para não chamar atenção. As mãos dele estavam suadas segurando

a arma, e Stone preocupava-se se ele seria forte o suficiente para defendê-la. Chegaria o

momento em que a sobrevivência deles dependeria dele.

Isso nunca havia acontecido, pelo menos não desta forma. Alimentar os novatos,

certificar-se de que eles estavam a salvo? Isso não era um trabalho perigoso, apesar de ser

triste se um morresse, por mais que ele tivesse se esforçado. Ele havia se acostumado a

cuidar deles, mas não se apegar. Muito sofrimento poderia deixá-lo louco, e ele teve que

bloquear o pensamento de seus pequenos corpos fora dos bloqueios, sendo levados pelos

Caçadores para que as Aberrações os devorassem e deixassem o enclave em paz.

Mas esse costume não existia mais. Nada familiar persistia em seu mundo.

Exceto Thimble e o Garoto23.

Ela devia estar cansada. Seu tornozelo não era forte nem nas melhores

circunstâncias. Ele era maior e mais forte, mas até mesmo ele precisava de descanso. No

entanto, ele não poderia pedir para parar, enquanto ela continuasse colocando um pé na

frente do outro. Se ela tinha resistência para continuar, então ele também teria. Stone

queria desesperadamente que ela pensasse bem dele. Afinal, ela era a última amiga que ele

tinha no mundo. Ele esperava que ela não odiasse o fato de estar presa com um

Reprodutor inútil, em vez de um Caçador mais capaz. A única coisa que ele sabia fazer era

gerar novatos, e isso não seria de muita ajuda dali para frente.

Mas ele conseguiu levá-los tão longe com a ajuda dela. Ele tinha protegido o

Garoto23; o novato adormecera em seu ombro há muito tempo.

O chão áspero dificultava o caminho, particularmente no escuro. Várias vezes ele a

viu tropeçar, mas com suas as mãos segurando o novato e a arma, ele não podia apoiá-la.

Não podia ajudá-la. Era como uma segunda natureza para ele consolar e aconchegar,

estender a mão e oferecer conforto mesmo em uma situação sombria.

“Aqui.” A voz dela era rouca, um sussurro para evitar que fossem descobertos.

Ele não conseguiu ver o que ela fez, mas parou quando ela tateou alguma coisa, e,

em seguida, parte da parede deslocou-se para dentro. Não, não uma parede. Uma porta.

Cheirava a mofo, mas não chegava a ser desagradável. Depois de entregar Garoto23, Stone

entrou primeiro para ter certeza de que era seguro. Em seguida, ele fechou-a atrás deles e

Page 34: AA_R01.5_E

Razorland 1.5 –Endurance Ann Aguirre

Traduzido por Grupo Shadows Secrets 34

criou um berço improvisado para o novato. Garoto23 se remexeu, mas não chegou a

despertar.

Ia ser difícil sem uma Reprodutora para alimentá-lo. Ele havia começado a comer

alguns alimentos sólidos, mas ainda mamava no peito, como todos os novatos faziam até

completarem oito anos, para terem ossos fortes. A maioria das Reprodutoras mantinha seu

leite mesmo depois de parar de dar à luz. Ele poderia ser usado para outros fins; ele

gostava mais do queijo, mas a maioria dos produtos era para os novatos, enquanto os

caçadores comiam a maior parte da carne. Reprodutores recebiam o mínimo de comida,

uma vez que eles só geravam a prole, mas não engravidavam ou produziam leite.

Como nós iremos conseguir alimentá-lo aqui fora? Era uma pergunta que não tinha

resposta.

Thimble tirou de sua bolsa uma tocha e a acendeu com um pouco de esforço.

Felizmente, ele podia ver muito bem, mesmo sem muita luz. A maioria dos cidadãos

podia, embora às vezes eles nascessem sem essa capacidade, um retrocesso do povo de

Cima, como sua própria altura. Ele observou quando ela colocou a tocha em um suporte

de metal próprio. Ela provavelmente havia inventado aquilo—difícil não se sentir burro ao

lado dela.

Depois que seus olhos se ajustaram, a luz deu a ele uma visão melhor do espaço

que eles haviam descoberto. Parecia mais um armário do que um quarto, mas quando ele

se virou, viu que a porta tinha uma tranca. Estantes metálicas cheias de sucata velha

cobriam as paredes. Para seus olhos, era tudo lixo, nada útil, mas Thimble estava

vasculhando o material, comentando sobre vários objetos. Ele optou por não perguntar o

motivo, porque o faria soar como um idiota.

O Garoto23 dormia, exausto por tanto esforço. Stone preparou uma refeição

simples, enquanto ela procurava, e logo que Thimble terminou de explorar, ela comeu com

gosto. Pela luz da tocha, ele percebeu que ela tinha belos olhos, escuros como as sombras

que os rodeavam, e seus cabelos faziam um pouco de onda. A caminhada tinha desfeito

um pouco do laço que o prendia, deixando uma massa bonita de tufos desgrenhados sobre

seu rosto fino. Ela comeu habilmente em pequenas e elegantes mordidas, e ele observou

sua boca, sentindo-se confuso. Ele não conseguia recordar de ter percebido que ela era

uma mulher antes. Ao menos não de um jeito particular—era um fato que ele sabia, mas

não se demorou mais, talvez porque ele soubesse que não poderia fazer nada sobre isso,

mesmo que ela o fizesse sentir coisas.

“Eu acho que aqui é seguro para nós dormirmos,” ela disse depois que eles

terminaram.

Ele examinou cuidadosamente a porta. Era feita de metal e parecia ser robusta,

apesar de parecer bem antiga. “O verdadeiro teste virá quando sairmos.”

Page 35: AA_R01.5_E

Razorland 1.5 –Endurance Ann Aguirre

Traduzido por Grupo Shadows Secrets 35

“Se nos encontrarem, você irá combatê-los.” A fé dela lhe deu confiança, e ele tocou

a arma ao seu lado.

Eu posso fazer isso. Eu posso.

Quando ela se deslocou para puxar um cobertor de sua mochila, seu pé ruim girou

embaixo dela, e ela gritou. Sem pensar, ele a alcançou como faria com um dos novatos. Os

sapatos dela eram simples, provavelmente feitos por ela mesma, e ela usava uma tira ao

redor do seu tornozelo malformado. À luz da tocha, a expressão dela mostrou incerteza.

“Posso dar uma olhada?” Embora ele não fosse o encarregado pela parte médica,

muitas vezes ele tratou pequenos machucados, já que os novatos eram muito propensos a

se machucarem. E, dada a falta de habilidade de Bonesaw, seus próprios esforços

geralmente rendiam melhores resultados, em todo caso.

Ela agitou a cabeça. “É feio.”

Stone olhou rapidamente para ela com surpresa. “Nada em você poderia ser.”

O sorriso no rosto dela o surpreendeu, parando sua respiração. Por um momento,

ele esqueceu o que deveria estar fazendo. Ele soltou as tiras e depois retirou seu sapato. O

tornozelo não parecia normal, e o pé dela virava para dentro. Também estava inchado pela

caminhada. Ele não pediu permissão: simplesmente colocou o pé em seu colo e passou a

massageá-lo com os dedos. De vez em quando ela choramingava, mas ele não achava que

era por causa da dor. Quando eles tivessem que andar novamente, seria doloroso, mas

talvez aquilo ajudasse um pouco. Era tudo o que ele poderia fazer. Seus pequenos

gemidos e suspiros entrelaçaram-se dentro dele no mais poderoso desejo, maior do que

qualquer coisa que ele já se sentira ao fazer o seu dever para o enclave. Ele mal conseguiu

evitar atacá-la e cobri-la de beijos.

Eventualmente, ela se afastou. “Obrigada. É a primeira vez que alguém vê—” A

expressão dela se encheu com as palavras cruéis que os outros usavam. “Bem, desde que

eu nasci de qualquer maneira. Eu o mantinha coberto no dormitório.”

“Eu me lembro,” ele disse calmamente.

“Sempre significou muito pra mim quando você me defendia.”

“Significou?”

Ele sempre tentava fazer isso para que ela não ouvisse o que os outros novatos

diziam. Na maioria das vezes apenas uma ameaça funcionava, mas às vezes ele dava umas

palmadas na cabeça quando precisava, para que eles se calassem. Houve um menino em

particular, quem tinha prazer em atormentá-la. Ele estava morto agora, assim como a

maioria do enclave. Pensamento aterrorizante.

“Sim. Estou contente por termos chegado até aqui juntos.”

Page 36: AA_R01.5_E

Razorland 1.5 –Endurance Ann Aguirre

Traduzido por Grupo Shadows Secrets 36

Suas palavras aqueceram-no, e ele pegou a mão dela. “Eu também.”

Dedos calejados e delicados se entrelaçaram com os dele. Ele maravilhou-se com o

que ela podia fazer com aquela mão que parecia tão frágil. Aqueles dedos inteligentes

tinham construído as armadilhas que salvaram as vidas deles. Para seu deleite, Thimble

não puxou de volta, e o calor o confortou.

Ela apagou a tocha com um punhado de pó branco. Eles poderiam ter usado as

duas mãos para se prepararem para dormir, mas em vez disso, eles conseguiram, com

uma mão só, espalhar seus cobertores e se deitarem.

E eles dormiram assim.

Page 37: AA_R01.5_E

Razorland 1.5 –Endurance Ann Aguirre

Traduzido por Grupo Shadows Secrets 37

9

Thimble acordou com grunhidos e passos abafados além da porta. O coração dela

retumbou em seu ouvido. Não havia como saber quantas Aberrações estavam lá fora, mas

elas sabiam que haviam acuado sua presa. Ela tinha certeza de que poderia ser mais

esperta que elas novamente, mas escapar envolvia lutar também. Ela se inclinou para

acordar Stone, mas ele já estava alerta.

Assim como o Garoto23. Julgando pela comida esfarelada em seu rosto, Stone havia

conseguido alimentá-lo com pasta de cogumelos. Ela estava preocupada com o que o

novato iria comer, porque ele ainda não tinha nem dentes. Eles podiam mastigar carne

para ele, é claro, mas ele precisava de leite também, e ela não era uma Reprodutora.

Mas eles tinham assuntos mais preocupantes no momento.

“Precisamos de um plano,” ela sussurrou no ouvido dele.

Ele não se moveu, apenas ouviu enquanto ela delineou a sua estratégia. Após um

curto aceno, ele se inclinou e roçou os lábios contra a bochecha dela como havia feito

antes. Porque esse momento poderia não acontecer novamente e porque ela não queria

arrependimentos depois, ela enrolou os dedos no cabelo dele e puxou seu rosto para o

dela. Foi um beijo cego, nascido da espera silenciosa e desesperadora.

Ele prendeu a respiração e a beijou de volta, corretamente, porque ele sabia como—

claro que sabia—e ela teria odiado o por quê disso, exceto que a boca dele era quente e

feroz e doce como água limpa. Ela tocou a sua boca com dedos sonhadores enquanto ele

ficava de pé. Em acordo com o plano mestre, ela se afastou para o fundo do cômodo com

Garoto23 em seus braços, fora do alcance das presas das Aberrações, fora do alcance da

arma dele, mesmo na volta.

A respiração dele soava estranhamente alta no espaço confinado; ela podia ouvir o

medo dele tão claramente quanto as garras arranhando contra o metal. A maçaneta

tremeu. Mais distante, as batidas aumentaram; eles deviam ser capazes de ouvir

movimentos. Bons ouvidos, então. Bons narizes também, provavelmente.

Você consegue, ela disse silenciosamente a Stone, e como em resposta à urgência dela,

ele ficou em posição, então destrancou e abriu a porta. Ela não podia ver quantos havia lá,

mas ele matou um facilmente, como se tivesse praticado os movimentos em sua cabeça.

Exatamente como ele disse na noite anterior: perfurar, puxar, perfurar. Seus movimentos

eram econômicos, e ele ia direto aos olhos ou garganta. Não era sofisticado, como ele

disse, mas eficiente. Assim que Stone os cegava cortando de lado em seus rostos, eles

ficavam frenéticos, se virando uns contra os outros em uivos de raiva—e porque não

Page 38: AA_R01.5_E

Razorland 1.5 –Endurance Ann Aguirre

Traduzido por Grupo Shadows Secrets 38

conseguiam ver o que estavam atacando. Então ele os matava por misericórdia, não por

medo, sem fúria em seus movimentos, mas com uma terrível ternura, como se eles fossem

criaturas dignas da sua pena. No fim do bando, uma Aberração se virou e correu, como se

sentisse que havia algo diferente sobre a sua presa.

Aquele comportamento a confundiu. Thimble nunca tinha ouvido falar de uma

Aberração com instinto de autopreservação. Stone deu um passo.

“Deixe pra lá,” ela disse.

Eles não podiam se permitir serem jogados em uma armadilha. Mas a mudança no

comportamento a preocupou. Uma Aberração que mostrava tal inteligência constituía

uma enorme ameaça, pois invalidava tudo em que o enclave acreditava sobre os monstros.

Isso também queria dizer que a criatura era capaz de mais que uma fome cega; a coisa

poderia estar até planejando o próximo encontro deles. Um arrepio percorreu a espinha de

Thimble e ela manteve o Garoto23 perto.

Sangue fétido respingou nas pedras quebradas; ela podia sentir o cheiro, podre,

como carne ruim, mas também doce e metálico. Antes desse pesadelo começar, o seu

mundo tinha sido composto de coisas, não de ações, tirando aquelas que criavam coisas.

Ela ansiava pela segurança da sua oficina, mas não havia mais. Agora ela deveria achar

outra maneira de viver.

Pelo menos não estou sozinha.

Thimble se ergueu usando as prateleiras, respirando pela boca para bloquear o

cheiro do sangue pútrido deles. Perto dela, Garoto23 tagarelava; comida e descanso o

animaram consideravelmente. Com punhos rechonchudos, ele puxou o cabelo dela. Essa

dor querida. A pilha de cadáveres estava perto dos joelhos dela fora do corredor, e diante

deles, Stone—com a arma dela em mãos. Os anciões diriam que ele era burro demais para

sobreviver a tal catástrofe, e ela era muito fraca, mas eles provaram que eles estavam

errados. Juntos, eles eram inteiros. Juntos, eles tinham uma chance.

Ele estendeu a mão sobre a carnificina para pegar a sua descendência. Mesmo que

ela não tivesse direito de clamá-lo, Garoto23 parecia ser o novato dela também.

“Está seguro,” ele disse. “E você estava certa. Usando o limiar para evitar que eles

me cercassem. Genial.”

“Você é grande o bastante para bloquear a porta. Foi um bom palpite.”

“Você sabia que iria funcionar.”

“Eu esperava.” Ela havia assistido os Caçadores treinar mais de uma vez, porque

esse era o passatempo preferido de sua amiga Deuce. Durante aquelas lutas de

treinamento, Thimble frequentemente predizia o vencedor ao analisar os estilos de luta.

Às vezes, ela planejava contra-estratégias em sua cabeça.

Page 39: AA_R01.5_E

Razorland 1.5 –Endurance Ann Aguirre

Traduzido por Grupo Shadows Secrets 39

“Bah,” Garoto23 balbuciou, balançando os braços no ar. “Bah, bah, bah. Bah!”

Um simples passo enviou agonia até seu joelho. A longa caminhada do dia anterior

estava cobrando seu preço. Exalando um suspiro interrupto, ela se ajoelhou para apertar o

suporte, embora seu tornozelo estivesse inchado demais para ela prender as tiras.

Determinada, ela ignorou a dor e apertou ainda mais.

Eu não vou atrasá-lo. Ele precisa de mim. Eu tenho que ser forte por Stone e Garoto23.

Ele jogou sua mochila sobre os ombros, e depois a dela, antes que ela pudesse

protestar. Então ela decidiu não fazer um drama disso. Ele era mais forte; ela era mais

esperta. Se ambos jogassem com seus pontos fortes, eles conseguiriam. Então era melhor

não insistir quando o máximo que ela conseguia fazer era manter seu próprio peso se

movendo pra frente, quanto mais sua parte dos suprimentos. Stone arrumou sua arma

contra a parede enquanto Thimble se moveu em direção à porta do corredor. Sem pedir

permissão, ele envolveu um braço em sua cintura, erguendo-a como se ela pesasse nada.

Ele a girou para fora do armário e para dentro do túnel com aquele enorme poder físico

que fez dele um Reprodutor popular.

“Não quero você tropeçando por aí,” ele disse gentilmente.

Ah. Os cadáveres no escuro. Ela era desajeitada o bastante para tropeçar, e acabar

de cara no sangue. Então o seu cheiro iria atrair todas as Aberrações por perto. Melhor não

testar a sua sorte. Mas ela também se deleitou na força dele; o braço envolto da sua cintura

parecia certo e seguro.

Muito cedo, ele a soltou. Os arrepios de prazer demoraram muito para ir embora, e

pelo menos a sensação boa a distraiu do pulsar constante de seu pé fraco. Aleijada.

Deformada. Falha. Certa vez, ela ouviu o Guardião das Palavras conversar sobre ela com o

Whitewall. Foi logo antes da sua cerimônia de nomeação, e ela estava tão feliz que se

esgueirou perto deles durante uma reunião privada para discutir as suas perspectivas. Ela

nunca esqueceria as palavras dele.

“Acho que vale a pena mantê-la,” o ancião disse. “Nossos predecessores escolheram

bem.”

O Guardião das Palavras assentiu. “A deformidade dela não afeta as mãos, então

ela é capaz de trabalhar. Inútil para qualquer cargo, menos um Construtor, é claro.”

“Ao menos, ela mostra atitude e desejo,” Whitewall havia dito.

“Diferente da maioria dos novatos. Você acha que ela sabe o quão perto chegou de

ser comida das Aberrações?”

Ela não sabia até aquele momento. Thimble andou para longe, fria com terror e

vergonha. Em silêncio, ela chorou com as juntas dos dedos entre os dentes. A partir daí, a

cena de seu nascimento a assombrou. Ela podia ver no olho de sua mente, como se

Page 40: AA_R01.5_E

Razorland 1.5 –Endurance Ann Aguirre

Traduzido por Grupo Shadows Secrets 40

estivesse assistindo, encarando a coisa de rosto vermelho que gritava. O Ancião que

governava antes teria estudado seus pés, virando-os nesta direção e naquela. Ela via a

discussão que aconteceu, uma briga, realmente, e então alguém com um mínimo de

bondade prevaleceu. Eles decidiram não deixa-la nos túneis para morrer.

O que tornava tão irônico que a sua vida tenha ficado desse jeito.

Page 41: AA_R01.5_E

Razorland 1.5 –Endurance Ann Aguirre

Traduzido por Grupo Shadows Secrets 41

10

Você é mesmo um Reprodutor.

Apesar de terem inúmeras outras coisas para se preocuparem, Stone ficou

pensando sobre aquele beijo. Ele queria perguntar a ela sobre isso, mas se ele desse muita

importância para aquilo, ela poderia se sentir embaraçada, dado que eles só tinham um ao

outro agora. Eu não deveria ter feito isso. Ele não era autorizado a se deitar com Thimble e

tocá-la assim como ele tinha feito com outras.

Mas essas regras não existem mais.

E ela fazia disso mais. Ela fazia melhor. Às vezes, na reprodução, havia beijo, mas

com ela, todo o seu corpo pegava fogo. Um tremor o percorreu, apenas pela lembrança de

seus lábios macios.

Então ele continuou a pensar. Os dias se passavam em uma interminável

monotonia. Túneis iam em tantas direções diferentes que ele não tinha mais ideia de onde

eles estavam. Para descansar, eles encontravam pequenos espaços que pudessem bloquear

de algum jeito, e depois eles continuavam, embora ele não fizesse ideia do que eles

estavam procurando.

Às vezes, ele lutava. Era mais fácil do que ele tinha imaginado que seria. Ele os

farejava muito antes de vê-los, dando-lhe a chance de passar o Garoto23 a Thimble. As

Aberrações não eram tão grandes quanto ele. Eram coisas magras e miseráveis, com olhos

selvagens e vozes penetrantes. Stone muitas vezes pensava que elas soavam tristes. E por

que não? Quem quer ser uma Aberração?

Desta vez, quatro vieram a ele com rosnados ferozes. Thimble retrocedeu com o

novato em seus braços, dando-lhe espaço. Ela nunca duvidava. Nunca entrava em pânico.

Enquanto ele se preocupava que a confiança dela podia não estar certa, ele não vacilou. Ele

foi diretamente para os pontos fracos, longe do osso. Atravessando-os pelos olhos, pela

garganta, para cima pelo queixo. Ela havia aprendido tão rápido as melhores maneiras de

matar aquelas coisas, que o enojava.

Mais distante, ele ouviu um barulho, como se alguém tivesse pisado em pedras

soltas. Ele chamou, “Tem alguém aí?”

Mas não houve resposta, apenas o fedor das Aberrações mortas sob seus pés.

Thimble surgiu ao lado dele e colocou a mão dela na sua, entrelaçando os dedos, e

era mais doce, mais excitante, do que o cruzar de corpos com qualquer outra pessoa. Era

loucura o quanto de prazer ele conseguia de sua mão pequena e quente contra sua pele.

Page 42: AA_R01.5_E

Razorland 1.5 –Endurance Ann Aguirre

Traduzido por Grupo Shadows Secrets 42

Ele queria arrastá-la para seus braços e enterrar o rosto em seu cabelo. Ela havia se tornado

todo o seu mundo.

“Você ouviu?” Ele perguntou.

Solenemente, ela assentiu com a cabeça. “Há algo nos seguindo.”

Um pavor perfurou seu peito, mas eles não podiam fazer nada, senão continuar em

frente. A esperança os tinha trazido até aqui; e a resistência tinha que fazer o resto.

No sexto dia desde que eles fugiram do enclave condenado, Thimble tropeçou. Ele

não a deixou cair. Mesmo no escuro, ele sempre sabia exatamente onde ela estava e a

vigiava com o mesmo cuidado que ele deu aos novatos que estavam ao seu encargo. Mas

Stone sabia que não era a mesma coisa. Nem um pouco. As coisas que ele sentia por ela

eram maiores, mais profundas, e o preenchiam até fazer o peito doer, ficando mais difícil

de respirar.

“Cansada?” ele perguntou. Eles haviam elaboraram um código. Essa era a pergunta

que ele fazia quando ele queria saber como estava seu pé.

“Nós deveríamos começar a procurar um lugar para nos esconder.” E era dessa

forma que ela respondia quando estava tão mal que poderia chorar de dor, se não fosse

tão forte e orgulhosa, e ele queria levá-la nas costas, caminhar por ela se necessário.

Mas, enquanto ela permitia certa assistência, como carregar sua bolsa, mas ela não

ia aceitar mais ajuda do que isso. Stone sabia que ela não queria se sentir como um fardo

para ele, mas era tão obviamente o contrário. Ela era praticamente o cérebro deles. Sem o

planejamento dela, eles certamente já teriam morrido há dias antes.

Além disso, mesmo se ela tivesse concordado, ele não poderia. Não com duas

mochilas em suas costas, sua arma, e o Garoto23. Havia limites para o que ele podia fazer.

E esse pensamento deu-lhe uma ideia.

“Por que você não pega a arma? Ela pode funcionar como uma bengala.”

“Obrigada.” Ela aceitou com gratidão, o que indicou o quanto estava doendo.

“Vou ficar de olho em um abrigo,” ele continuou, mudando o assunto.

Ele queria dizer tantas outras coisas a ela.

Desta vez, ele encontrou mais do que uma porta. Metade da parede havia

desmoronado ali, e a pedra parecia ser mais velha por trás disso. O chão se inclinava para

baixo. Isso parecia ser melhor do que ir para Lá em Cima, onde a luz incendiava você, e a

água queimava a pele de seu corpo. Ajoelhando-se, ele correu os dedos sobre a junção das

pedras. Homens haviam juntado estas rochas. Aquilo não era natural. Pelo menos isso ele

sabia.

Page 43: AA_R01.5_E

Razorland 1.5 –Endurance Ann Aguirre

Traduzido por Grupo Shadows Secrets 43

O cheiro era limpo. Thimble andou ao lado dele, inclinando a cabeça para testar o

ar.

“Eu acho que devemos ver aonde isso leva.” Ombros curvados, ele esperou por ela

zombar dele, como todos faziam quando ele se atrevia a expressar uma ideia.

Mas ele julgou-a mal. Assim como ele nunca havia zombado dela, ela nunca agiu

com ele como se fosse estúpido, bom apenas para uma coisa. “Eu concordo.”

“Tomara que nós achemos um lugar seguro para descansar. Deixe-me ir primeiro.”

Thimble não discutiu; ela só desceu atrás dele, mas ele ouviu a forma como seu pé

se arrastava em ritmo com o ruído seco da bengala no chão. Agora devia estar doendo

demais para ela levantar o pé. Um passo, um deslize. Um passo, um deslize. A coragem e

a bravura dela faziam-no tão orgulhoso de estar ali com ela. Quando tudo desmoronou,

ela tinha vindo em busca dele. E isso significava tudo.

O ar no túnel estreito cheirava a umidade, o que significava que eles deveriam

encontrar água em breve. Uma coisa boa. Suas garrafas estavam quase vazias. Ele tinha

ouviu falar de enclaves onde eles reciclavam os fluidos corporais durante tempos de

escassez, mas a situação nunca havia ficado tão ruim em College, em razão da gestão

cuidadosa dos recursos e do controle da população. Sua garganta ardia; como um

Reprodutor, era sua função ficar sem água. Garoto23 vinha primeiro, e então Thimble. Ele

mal tinha bebido um gole durante todo o dia.

E estava mais escuro também. Por vezes, nos túneis maiores, as pedras formavam

fendas sobre as cabeças deles, permitindo feixes de luz. No caminho até aqui eles tinham

passado por várias bestas grandes de metal viradas de lado. O chão estava coberto de

linhas de metal, algumas quebradas e torcidas. Mas aqui, era diferente. Mais recente. Mais

limpo. Ele decifrou formas, as paredes em torno dele. Ele ouviu movimento. Carne,

deslizando. Os Caçadores tinham trazido estes animais de volta em sacos para serem

transformados em ensopado ou para serem assados em um espeto. Logo, a comida ia

acabar, e isso se tornaria seu trabalho também. Ele não estava preocupado. Thimble viria

com a melhor maneira de conseguir pegar essas criaturas.

Mais abaixo na passagem, a parede havia desmoronado para o lado de dentro.

Uma brisa fresca soprou contra seu rosto, e ele estendeu a mão para encontrar a fenda. Ela

havia dito que ar fresco significava coisas boas, então eles provavelmente deveriam checar

essa área. Ele adiantou-se pela escuridão e algo foi esmagado sob os seus pés. Na

escuridão, ele não conseguia ter certeza de em quê ele estava pisando, então virou-se para

Thimble.

”Você tem alguma tocha sobrando?”

”Vou acender uma.”

Page 44: AA_R01.5_E

Razorland 1.5 –Endurance Ann Aguirre

Traduzido por Grupo Shadows Secrets 44

Ele não se mexeu enquanto ela remexia na bolsa que ele carregava para ela, e então

a luz foi acesa, iluminando o chão diante dele. No começo, ele não entendeu o que ele viu,

o que os brilhos brancos representavam. Atrás dele, Thimble inspirou forte, e seus dedos

se entrelaçaram com os dele. Ele puxou-a para perto, um braço ao redor dos ombros dela.

Em seu outro lado o Garoto23 olhou, embora fosse difícil dizer o quanto o novato entendia

daquela situação.

”Que lugar é esse?”

”Eu não sei,” ela respondeu.

Thimble ajoelhou-se para examinar os ossos e então olhou para cima em direção a

ele. “Eles estão lisos.”

“O que significa que eles não foram mastigados.” Um sorriso brilhante mostrou que

ela estava contente com ele. Era a primeira vez que ele podia se lembrar de ser elogiado

por algo diferente do que a sua força. “Então eles não foram mortos pelas Aberrações?”

“Eu acho que não. Eles parecem como se tivessem sido jogados aqui. Não houve respeito em

como foram manuseados, também. Os ossos estão em pilhas, como se corpos tivessem sido

empilhados.

Lembre-se de como o Guardião das Palavras sempre falava da doença que matou várias

pessoas Lá Em Cima e como nosso povo desceu para Lá Embaixo porque era mais seguro?”

Era tantas histórias que era impossível saber o que era verdade. Havia lendas que

pareciam ser muito improváveis, e ainda assim, obviamente, alguma coisa tinha deixado o

mundo em um estado terrível. Essas pessoas não tinham sido mortas por violência, o que

deixava a doença. Essa parte das histórias do Guardião das Palavras tinha sido verdade,

então.

Ela assentiu. “Eu me pergunto se eles só selaram os corpos desse jeito, longe de

vista.”

Um calafrio passou por ele. “Talvez. Mas não foi assim que eles entraram.”

Thimble seguiu seu olhar para o lado mais distante do aposento, onde uma escada

de pedra em ruínas conduzia para cima.

Page 45: AA_R01.5_E

Razorland 1.5 –Endurance Ann Aguirre

Traduzido por Grupo Shadows Secrets 45

11

Eles tinham mais do que Aberrações para se preocupar agora. Fingindo uma

confiança que não sentia, Thimble caminhou cuidadosamente ao redor dos mortos. Os

ossos se agitavam, sacudiam, e às vezes, se quebravam, e ela segurou um grito no fundo

de sua garganta. Apenas a presença sólida de Stone atrás dela a impedia de entrar em

pânico. A tocha vacilava enquanto ela caminhava, lançando sombras terríveis sobre as

paredes manchadas.

Para piorar a situação, quando ela se aproximou da parede—que estava intacta—ela

viu fracas letras marrom-avermelhadas espalhadas sobre a superfície pálida. A maioria

estava muito apagada para o seu significado ser claro, mas duas frases haviam sido

escavadas na rocha com os dedos em carne viva de alguém, primeiro: salve-me, e depois,

mais abaixo, correndo em direção ao chão como se em desespero: deus nos esqueceu. A

verdade registrou-se no mesmo segundo. Eles não estavam todos mortos quando foram

trancados aqui. Ela podia imaginar poucos destinos mais horríveis do que morrer em

confinamento, sem nenhuma esperança.

“Este era um tipo de isolamento de doentes,” ela disse então. “Onde eles

mandavam as pessoas para morrer. Sem esperança. Sem comida e água.”

Stone fechou os olhos por um longo momento, visivelmente controlando sua reação

ao aposento onde eles estavam. Talvez o enclave não fosse tão ruim, afinal.

Thimble afastou-se da terrível inscrição da parede e dirigiu-se para as escadas.

“Não era tão ruim quanto poderia ter sido, mas estava longe de estar perfeito.”

“Você acha que devemos?” Pela sua expressão refletida pela trêmula luz da tocha,

ele não queria ir para o Lado de Cima.

Nem ela.

Thimble raciocinou, “Não sobe muito, e descemos um pouco para chegar aqui.”

“Então ela pode nos levar para o lugar onde estávamos? Ou outro no mesmo

nível?”

“Suspeito que ela se conecte a um conjunto diferente de túneis. Talvez estes sejam

mais limpos, e as Aberrações não os tenham encontrado. Eles tendem a caçar perto de

enclaves.”

“Você sabe onde estamos?”

“Não exatamente,” ela admitiu.

Page 46: AA_R01.5_E

Razorland 1.5 –Endurance Ann Aguirre

Traduzido por Grupo Shadows Secrets 46

“Então estamos perdidos.”

Ela arriscou um meio sorriso. “Você diz como se fosse uma coisa ruim. Considere-

nos exploradores. Eu acredito que há algo melhor lá fora. Se vivermos tempo suficiente—

suportarmos tempo suficiente para encontrar.”

“Certo.” Mas ele sorriu de volta, pronto para seguir onde ela levasse. Havia um

poder incrível, delicioso nisso. Ela não se deixou pensar sobre o beijo.

Não aqui. Não agora.

Mais tarde, quando ela tivesse um momento seguro no escuro, ela reviveria o

momento como o fazia cada vez que eles paravam para descansar. Cada passo doía, mas

não era possível parar ainda, então ela encontrou um lugar em sua cabeça para onde a dor

retrocedeu. Ela disse a Stone que precisava descansar, mas não seria impossível dormir

cercado por tantos mortos. Força. Vamos encontrar segurança em breve.

Mas era uma promessa vazia, uma em que ela já não podia acreditar

completamente. Como os dois poderiam sobreviver quando o enclave inteira foi perdido?

Thimble não se permitiu demonstrar seu desespero. Quando ela chegou, a porta estava

trancada. É claro que estava. E deveria estar obstruída também pelo lado de fora, ou

certamente tantas pessoas a teriam quebrado com puro peso. A menos que eles estivessem

tão doentes que não tivessem forças.

“Você pode...” Ela começou a perguntar, mas um barulho roubou sua voz.

Era o som de passos, alguém—ou alguma coisa—tentando ficar quieto. Talvez seja

um sobrevivente, ela pensou, mas o medo fez seu coração bater um pouco mais rápido.

Depois o barulho sumiu por alguns segundos. Voltou na dispersão de algumas rochas.

“Vamos ficar aqui e esperar ele nos encontrar ou devemos atacar?” Stone

perguntou.

Thimble estremeceu. “Você quer lutar em uma sala cheia de ossos?”

“Seria difícil conseguir firmar meus pés.”

“Então vamos seguir em frente.”

Ele assentiu. “Tome Garoto23 e desça as escadas. Dê-me algum espaço.”

Porque ele nunca questionou suas ideias, ela lhe fez a mesma cortesia. Tocha na

mão, ela desceu quatro degraus e se sentou, permitindo esse descanso a seus pés. O

menino veio para ela com um emaranhado de sons tranquilos, “ahs” e “oohs” que não

significavam nada. Stone virou a arma larga, batendo-a contra a maçaneta enferrujada da

porta. Sua força bruta mostrava-se em cada golpe; o metal tremeu, e então se curvou. Na

sexta vez, o trinco foi arrancado e saltou à distância, descendo para as sombras e os restos

esqueléticos.

Page 47: AA_R01.5_E

Razorland 1.5 –Endurance Ann Aguirre

Traduzido por Grupo Shadows Secrets 47

Ele se agachou para espiar pelo buraco. “Há uma barra de metal do outro lado, mas

está podre. Eu acho que posso quebrar.”

Sem esperar por sua resposta, ele empurrou a ponta da arma através do buraco

onde o trinco costumava estar. Ela ouviu um pop suave, e então ele bateu o ombro na

porta. Ela estremeceu com cada impacto; deve tê-lo machucado, mas ele não vacilou. Uma

vez, duas vezes, e na terceira tentativa, a porta foi empurrada e aberta com um alto chiar.

“Estamos livres.” Bem, talvez não totalmente, mas ele merecia o elogio sem

ressalvas. “Vamos ver o que há lá em cima?”

“Tem que ser melhor do que aquilo.” Ele lançou um olhar para trás, e ela sabia

exatamente o que ele quis dizer.

“E Aberrações tentando nos comer. Você acha que eu deveria apagar a tocha?”

Para sua surpresa, ele se abaixou e beijou-a levemente sobre a boca. Ela olhou para

ele em confusão. “Por que você fez isso? Não é uma resposta.”

“Gostou?”

“Essa é uma pergunta diferente.”

“Responda a minha, e então eu vou responder a sua.”

Um rubor se espalhou por suas bochechas, e à luz, ele veria. Thimble reuniu sua

coragem e sussurrou, “Sim. Eu quis isso durante anos.”

“Eu não podia,” ele disse suavemente. “Havia regras.”

“Não há nenhuma regra agora, exceto aquelas que nós escolhemos.”

Ele assentiu. “É a melhor parte, mesmo que o resto seja aterrorizante.”

“Mas você disse que iria me dizer o porquê.”

“Você é a única pessoa que já pediu a minha opinião sobre qualquer coisa. Agora,

ou antes.” Com um olhar sombrio, ele imitou o ancião, “Cale-se, Stone. Criadores não

precisam pensar.”

“E é por isso? Porque eu percebo que você tem uma mente, assim como um corpo

bonito e forte?” A sensação de rubor em suas bochechas aumentou.

Como uma Construtora, ela não deveria notá-lo daquela forma, mas ela tinha.

Talvez ele risse da ideia de que ela ficava olhando-o de longe com esses sentimentos muito

antes dele se tornar consciente da existência dela. Eles estavam tão sozinhos, e se ele não

sentisse o mesmo, tudo estaria arruinado.

Page 48: AA_R01.5_E

Razorland 1.5 –Endurance Ann Aguirre

Traduzido por Grupo Shadows Secrets 48

Mas o rosto dele caiu em linhas pensativas, acendeu com alegria que ela o visse

como mais do que outra pessoa jamais viu. Pelo menos, ela achou que era como ele se

sentia, porque ecoava seu próprio estado de espírito perfeitamente. Com ele, ela não era

apenas uma Construtora imperfeita. Ela poderia ser qualquer coisa ao lado dele.

“Você me faz sentir como uma pessoa inteira.”

“Você me faz sentir assim também,” ela sussurrou.

Então ele pegou seus pertences e o garotinho, e eles caminharam juntos.

Page 49: AA_R01.5_E

Razorland 1.5 –Endurance Ann Aguirre

Traduzido por Grupo Shadows Secrets 49

12

Dois túneis menores levaram a mais escadas. Então mais. Stone não sabia como se

sentia sobre isso; ele havia esperado emergir para o fogo que queimava a pele de seus

ossos. Thimble se agarrava à sua mão como se sua presença lhe desse coragem, mas ela

estava se movendo mais devagar agora. Sua perna arrastava.

Ela não pode continuar por muito mais tempo.

Este era um corredor, e não um túnel. Stone não sabia como ele tinha certeza disso,

quando tudo que ele tinha visto sobre o velho mundo foram fotografias, mas as paredes

eram mais suaves. Polidas. Elas brilhavam à luz da tocha. Mas antes que ele pudesse

explorar mais, uma Aberração irrompeu pela porta. Ela não hesitou dessa vez. Ela já havia

os sondado duas vezes antes, e esteve reunindo suas forças, enquanto a jornada havia

drenado as deles. A besta se arremessou para frente, usando sua força para derrubar

Stone. Ele não tinha a arma; Thimble estava usando-a como uma bengala, e ele tinha

Garoto23 embalado em um braço. Impotente para lutar com qualquer força, ele cambaleou

para a parede, protegendo o novato com o peito.

Thimble gritou. Stone enrolou a mão em um punho e bateu para trás, mas não

podia ver atrás de si, e não se atrevia a se virar. Não se isso significasse que a Aberração

teria uma chance de ferir Garoto23, que chorava em suaves fôlegos. Isso era estratégia. A

Aberração os tinha observado e aprendido seus padrões de comportamento. Ela tinha

programado seu ataque perfeitamente, atacando quando ele estava cansado e carregando

seu novato. Felizmente, as mochilas entraram no caminho da besta, que rasgou suas

posses, tentando chegar à sua carne.

Itens caíram, fazendo barulho no chão. Dentes se afundaram em suas costas. Garras

o arranharam.

E então a Aberração gritou. Ele girou então, bem a tempo de ver Thimble espetá-lo

com a arma. Ela empurrou a lâmina através de seu queixo, o ângulo de ataque mais fácil

para uma menina de seu tamanho. Ela se inclinou sobre o monstro, ainda segurando o

cabo, enquanto as lágrimas escorriam pelo seu rosto sujo.

“Eu não podia deixar... Quão ruim ela machucou você?”

Ele tinha um pouco de dor nas costas, mas o sangue escorria em vez de jorrar. “Eu

vou viver. Você pode levá-lo para mim?”

“É claro.” Com o pedido, ela recuperou um pouco de sua compostura.

Page 50: AA_R01.5_E

Razorland 1.5 –Endurance Ann Aguirre

Traduzido por Grupo Shadows Secrets 50

Thimble pegou o novato e o acarinhou, sussurrando coisas tranquilizadoras

enquanto ele arrastava o cadáver de volta para o caminho pelo qual vieram. Ele o jogou

pelos degraus para a sala de ossos e depois voltou. Ela estava juntando seus pertences

espalhados.

“Você está bem?” perguntou ele.

Ela soltou uma expiração instável. “Eu não sabia se podia fazer isso, mas sim. Eu

estou.”

“Vamos ver se podemos encontrar um lugar para descansar.”

Ao contrário das passagens abaixo, estes corredores tinham portas em distâncias

regulares. Ele contou 20 passos, e então havia outra à esquerda ou direita. Elas eram fortes,

grossas, e em melhor estado do que as lá de baixo. Limpas. Eles tinham letras e números

escritos, mas ele nunca tinha se preocupado muito com essas lições. Reprodutores não iam

a qualquer lugar, e eles não faziam nada. Não havia nenhuma razão para que ele tivesse

que entender o que as palavras significavam. Então, ele esperou que ela os lesse em voz

alta.

“Markowitz, subnível três F.”

Ela passou para a próxima. “Shelley, subnível três-E.” Mais palavras do mesmo tipo

seguiram, mas elas não significavam nada para ele. Quando eles se aproximaram da sexta,

algo surpreendente aconteceu.

A porta se abriu.

Ele se afastou rapidamente. Ela se fechou deslizando.

“Ela sabe que estamos aqui,” Thimble sussurrou, os olhos arregalados.

Stone não sabia de nada que pudesse explicar comportamento como este de uma

porta. Às vezes, quando o Guardião das Palavras estava de bom humor, ele lia histórias

dos arquivos para os novatos. Havia um livro sobre magia, onde pirralhos podiam fazer

magia, e eles iam para uma escola especial para aprender como. Talvez não tivesse sido

apenas uma coisa inventada, como todos os novatos disseram. Talvez a magia fosse real.

Para testar a porta, ele se aproximou novamente. Ela se abriu.

Não era um acidente.

“Você acha que é magia?” questionou a Thimble.

Ela balançou a cabeça. “Eu acho que é ciência.”

Isso não significava nada para ele. “O quê?”

Page 51: AA_R01.5_E

Razorland 1.5 –Endurance Ann Aguirre

Traduzido por Grupo Shadows Secrets 51

“Você sabe como eu construo coisas, e elas funcionam, mesmo que você não

entende por quê?”

Ele assentiu.

“A porta é assim. Alguém a construiu, só não sabemos como.”

“Bem, devemos entrar?” ele perguntou.

“Parece que é o querem que a gente faça.”

“Isso não quer dizer que é uma boa ideia.”

“Nós sentiríamos o cheiro se houver algum Aberração aí.”

Isso era verdade. E nada terrível tinha saltado sobre eles nas duas vezes em que a

porta se abriu. Não havia nenhum cheiro repugnante, como se algo tivesse morrido. Ele

esperava que não houvesse mais Aberrações seguindo-os, mas, por precaução, eles

precisavam encontrar um lugar seguro para descansar e comer, um lugar onde Thimble

pudesse cuidar das feridas em suas costas. Reunindo sua coragem, Stone passou pela

porta e encontrou um mundo perdido. Estas relíquias, tão perfeitamente preservadas,

representavam uma colheita de proporções inimagináveis. Ao lado dele, Thimble

engasgou maravilhada.

O espaço era apenas um aposento, mas cinco vezes maior do que o espaço que lhes

era distribuído para quartos de dormir. Em sua busca por respostas sobre para que

finalidade este lugar tinha servido, ele encontrou um leito alto e macio, grande o suficiente

para duas pessoas descansarem confortavelmente, juntamente com uma área de estar.

Livros de todos os tamanhos, formas e cores estavam colocados ordenadamente em suas

prateleiras. Para algumas das coisas, ele não tinha nome, mas ele podia adivinhar sua

utilização pela maneira que pareciam; estes eram mobiliário, mas mais sofisticado do que

qualquer coisa que ele já tinha visto. Os tecidos eram suaves e macios, materiais elegantes

e brilhantes.

A porta se fechou atrás deles quando eles se moveram para longe dela. Ele não

conseguia encontrar uma tranca em lugar nenhum.

Thimble já estava explorando o local, abrindo armários e exclamando enquanto

encontrava latas de alimentos, garrafas de água. Estas eram velhas, mas eles haviam

comido essas coisas antes e não tido nenhum dado ao usá-las. Você geralmente sabe

quando abre se o conteúdo está estragado.

Ela pegou uma lata amarela desbotada. “Diz aqui que é leite em pó. Podemos

adicionar água a ele, e nós vamos ter leite para o Garoto23 beber.”

“Eu quero nomeá-lo,” disse ele.

Page 52: AA_R01.5_E

Razorland 1.5 –Endurance Ann Aguirre

Traduzido por Grupo Shadows Secrets 52

Isso chamou sua atenção; ela colocou o leite em pó na mesa e o olhou com um

pequeno cenho franzido. “Não com a cerimônia? Ele é muito novo para nós o cortarmos.”

“Não. Sem cicatrizes. Apenas um nome que damos a ele, juntos, porque ele é nosso,

e eu tenho que acreditar que ele vai conseguir, que todos nós vamos.”

“Nosso,” ela repetiu, com os olhos líquidos. Não lágrimas, mas outra coisa. Alegria.

“Eu nem me lembro do rosto da parideira dele. Ela lhe deu a vida, mas você o

salvou. Mais de uma vez.”

“Eu estarei com vocês, a cada passo do caminho,” ela prometeu. “Enquanto você

não se importar...”

“Não,” ele implorou. “Você é perfeita. Você é você. Você é a minha vida inteira.”

Page 53: AA_R01.5_E

Razorland 1.5 –Endurance Ann Aguirre

Traduzido por Grupo Shadows Secrets 53

13

As lágrimas derramaram dos olhos dela, então. Thimble pensou que ele a teria

beijado, mas Garoto23 se agitou. Ignorando o tornozelo latejante, ela misturou um pouco

de leite e encontrou um copo; Stone explorou enquanto ela tentava alimentar o novato. No

começo, Garoto23 franziu a boca e olhou, mas com alguma persuasão, ele esvaziou o

recipiente e soltou um arroto satisfeito.

Stone mostrou-lhe uma ferramenta de prata brilhante com alças arredondadas e

lâminas individuais. “Você já viu algo assim antes?”

Ela balançou a cabeça.

Ele tirou um pano branco fora de um dos leitos e cortou em quadrados. Apesar de

terem feito o melhor que podiam nos túneis, Garoto23 precisava desesperadamente tomar

banho e ser trocado. Stone tratou dessa tarefa com uma habilidade nascida da prática, e

Thimble inclinou-se para assistir. Ela precisava aprender também. Felizmente, a assadura

não era muito ruim, e com cuidado, Garoto23 não teria nenhum dano permanente.

Ela sorriu com quão cuidadoso Stone era com sua prole, beijando o topo da cabeça

do novato quando terminou. Então ele colocou Garoto23 no chão, o pirralho engatinhou

em direção à mesa mais próxima.

Apesar de seu pé ruim ainda doer, ela ficou de pé. Mais exploração levou-a até o

final da sala, perto da porta, onde havia uma mesa com uma superfície brilhante. Ela se

sentou e examinou. Tocá-la chamava novas imagens.

“Stone! Venha ver isso.”

Ele se juntou a ela e depois olhou fixamente, com os olhos arregalados. “Você pode

lê-lo?”

“Algumas coisas.” Ela bateu, e então uma voz estranha disse, “Vedação hermética

ligada.”

Outro toque iluminou a sala ao ponto que ela teve de sombrear os olhos. “Eu acho

que nós não precisamos da tocha.”

“Aqui diz, energia solar 88 algo. Eu não sei o que isso significa.” Thimble indicou o

símbolo que parecia dois círculos equilibrados em uma vara inclinada.

“Eu também não sei o que é energia solar,” ele admitiu.

“Eu estou supondo que é o que nos dá luz.”

Page 54: AA_R01.5_E

Razorland 1.5 –Endurance Ann Aguirre

Traduzido por Grupo Shadows Secrets 54

“O que é uma vedação hermética?”

“Não tenho certeza. Mas eu tenho uma ideia.” Thimble mancou até a porta, e desta

vez, ela não abriu.

“Então, é como uma fechadura.”

“Mais ou menos,” disse ela. “Mas não do tipo que usamos.”

“Definitivamente não. Você acha que estamos seguros aqui?”

Thimble olhou ao redor da sala limpa com todas as suas maravilhas. Animação a

percorreu. Poderia levar semanas para aprender tudo o que este quarto poderia ensiná-la,

e não havia ninguém mais adequado para estudá-la. Mas isso era egoísta. Esgotamento

tinha gravado linhas ao lado da boca de Stone da carga constante de Garoto23, seus

pertences, a arma, e o conhecimento de que ele era o responsável pela sua segurança.

Aliviou-lhe que ele poderia descansar enquanto ela trabalhava. Apesar de várias

atribulações, ela não o tinha desapontado. Juntos, eles tinham aguentado tudo que o túnel

atirou contra eles.

“Eu acho. Há suprimentos para nós ficarmos o tempo que quisermos. Eu quero ler

esses livros, e tentar descobrir o propósito deste lugar.”

E o que realmente aconteceu Lá em Cima.

“Eu vou montar uma refeição, então. Você sente-se.”

“Eu posso...”

“Por favor, Thimble? Fique de olho no Garoto23 para mim.”

Stone buscou os livros que ela queria e insistiu para que ela colocasse o pé para

cima. Ele tinha inchado ao ponto que agora estava machucado. Ninguém nunca tinha

cuidado dela assim; havia algo tão confortante na ternura de um Reprodutor. Então, ela

examinou os livros e Garoto23 brincou enquanto Stone abria latas. Ela sentiu-se

estranhamente bem, como se tivesse esperado a vida inteira para este momento.

Depois de comer, ele massageou o pé enquanto ela lia mais. Isso a fez sentir tão bem

que quase deixou cair o livro, mas então as palavras a prenderam. Ela se esqueceu de

Stone— possivelmente, pela primeira vez em sua vida. Quando ela olhou para cima

novamente, ele estava abraçando Garoto23.

“Eu encontrei algo chamado diário.” Thimble lhe mostrou o livro azul com letras

douradas, sabendo que ele não podia lê-las. Alguns Reprodutores aprendiam facilmente,

mas Stone nunca tinha sido um deles. Ele disse a ela, uma vez, que as letras não parecem

estar na mesma ordem que as outras pessoas viam.

“O que é isso?”

Page 55: AA_R01.5_E

Razorland 1.5 –Endurance Ann Aguirre

Traduzido por Grupo Shadows Secrets 55

“Parece ser um livro onde alguém escreve pensamentos.”

“E que pertencia a alguém que viveu aqui?”

Ela assentiu com a cabeça. “Deixe-me ler um pouco. ‘Mamãe e papai acham que

estaremos seguros aqui embaixo. Eles compraram um bunker no subnível da cidade, onde parece ser

limpo e livre de doenças. Eles estão poupando desde os primeiros surtos, e agora, aqui estamos nós.’”

Ela entendeu a maior parte disso, embora algumas palavras, como “bunker” e

“surto”, nunca tivesse visto antes. Este lugar foi concebido como um esconderijo, onde

estes outros deveriam estar seguros. Mas algo deve ter dado errado ou os corpos ainda

estaria aqui, se tivessem morrido naturalmente de velhice. Alguém os tinha transportado

para fora.

Thimble virou a página. “Esta é mais tarde, eu acho. Os números na página são

maiores. ‘Mamãe ficou doente. Houve um problema com o sistema de ventilação. Papai está

tentando esconder sua doença quando fazem verificações de status, mas como todos nós fomos

expostos, eles vão nos despejar lá embaixo. Eu esperava viver para ver meus dezesseis anos.’”

“O escritor era jovem,” ele disse suavemente. “Como nós.”

“Ele—ou ela—se escondeu aqui, até que sua parideira ficou doente. A doença se

espalhou. Então, eles acabaram na sala de ossos. Isso vai acontecer com a gente?” Ela não

sabia o suficiente sobre as doenças—de onde eles vinham, como ou por que lhe faziam

mal, ou quanto tempo duravam. Poderia este quarto ainda estar cheio de coisas invisíveis,

letais?

“Não. O que quer que os deixou doente desapareceu. Eles morreram, e a doença

com eles. Nós estamos seguros. “Ele soou como se acreditasse. “Nós vamos ficar aqui o

tempo que você quiser, até você sentir vontade de ir embora, e então podemos explorar.

Ver o que o mundo guarda para nós e descobrir o que é verdade.”

“Juntos?”

Ele acenou com a cabeça. “Sempre.”

Com a ponta do dedo, ela desenhou uma linha invisível dentro da capa do diário.

“Aqui diz ‘Propriedade de Robin Schiller’.”

Stone inclinou a cabeça, parecendo pensativo. “É como deveríamos chamar o

Garoto23.”

“Robin Schiller?” Ela não tinha certeza se nomear o novato com o nome de alguém

morto era uma boa ideia. Algumas crenças do enclave ficaram com ela, e era por isso que o

dedal com o qual ela tinha sido nomeada permaneceria para sempre em segurança junto

dela. Enquanto o objeto estivesse seguro, ela estaria, também. Talvez fossem apenas mais

mentiras, mas oferecia algum conforto quando o mundo era cheio de incerteza.

Page 56: AA_R01.5_E

Razorland 1.5 –Endurance Ann Aguirre

Traduzido por Grupo Shadows Secrets 56

“Só Robin. Lembra-se do livro do alfabeto?”

“Oh!” disse ela, lembrando-se. “‘R é para Robin2, uma coisa bonita, quando o pássaro

traz a promessa da primavera’?”

Ao crescer, ela tinha lido o livro do alfabeto para Stone mais de uma vez. Para

recompensá-lo por bater nos novatos que zombavam dela.

“Você gostou?”

“Eu gostei,” disse ela, inclinando-se para cutucar o novato suavemente. “O que

você acha? Gostou?”

“Bah,” disse Robin.

Stone puxou-a para seu colo e beijou-a até ela ficar sem fôlego. Um suspiro trêmulo

escapou quando ela se afastou. “Eu quis você desde sempre.”

“Você quis?” Ele olhou para ela com olhos azuis, azuis.

“Eu odiava saber o que você tinha que fazer no enclave. Com tantas meninas que

não eram eu, e que eu nunca poderia ter você. Porque eu sou...” No enclave, as pessoas

não beijavam ou se tocavam ou cruzavam porque eles queriam. Elas não escolhiam seus

parceiros. Os anciões eram os encarregados da população e agenda de reprodução. Tanta

liberdade assim era incrível e assustadora.

Se o mundo não tivesse acabado, eles não poderiam estar juntos assim. Nunca.

“Você não é,” disse ele bruscamente. “Você é a razão pela qual nós sobrevivemos.

Com sua mente maravilhosa, e ideias incríveis. O fato de que você poderia sentir alguma

coisa por alguém como eu, é...”

“Inevitável,” ela cortou. “Não se menospreze. Eu não vou ouvi-lo.”

“Talvez devêssemos aceitar que formamos a equipe perfeita,” ele disse com um

meio sorriso.

“Bah,” disse Robin.

Quando eles descobrissem os segredos e deixassem a segurança daquele lugar,

haveria mais perigo. Mas, o que quer que viesse, Thimble sabia que eles podiam suportar.

Juntos.

FIM 2 Robin é uma espécie de pássaro, conhecido no Brasil como pisco-de-peito-ruivo.

Page 57: AA_R01.5_E

Razorland 1.5 –Endurance Ann Aguirre

Traduzido por Grupo Shadows Secrets 57

AVISO

Esta tradução foi feita pelo grupo Shadows Secrets de forma a propiciar ao leitor o acesso à obra, incentivando-o à aquisição integral da obra literária física ou em formato ebook. Os grupos tem como meta a seleção, tradução e disponibilização apenas de livros sem previsão de publicação no Brasil, ausentes qualquer forma de obtenção de lucro, direto ou indireto.

No intuito de preservar os direitos autorais e contratuais de autores e editoras, o grupo, sem prévio aviso e quando julgar necessário, poderá cancelar o acesso e retirar o link de download dos livros cuja publicação for veiculada por editoras brasileiras.

O leitor e usuário fica ciente de que o download da presente obra destina-se tão somente ao uso pessoal e privado, e que deverá abster-se da postagem ou hospedagem do mesmo em qualquer rede social, blog, sites e, bem como abster-se de tornar público ou noticiar o trabalho de tradução do grupo, sem a prévia e expressa autorização do mesmo. O leitor e usuário, ao acessar a obra disponibilizada, também responderá individualmente pela correta e lícita utilização da mesma, eximindo-se os grupos citados no começo de qualquer parceria, coautoria ou coparticipação em eventual delito cometido por aquele que, por ato ou omissão, tentar ou concretamente utilizar da presente obra literária para obtenção de lucro direto ou indireto, nos termos do art. 184 do código penal e lei 9.610/1998.