aa presidente vargas, 314 one: 241 -3204 • belém - pará ... · sistindo a quase tudo. a maioria...

54
^àãOremado eci- sào sse tci ta. »e- le ^traços de autorítarísZT^l : ^.^.^ ldmi no em Coll Má^.. ^sfe .i ; ^'M 0 mascuJini Reportagem loco ,| div «-sa s veSíTl?* a A "o futuro Li". com Porta\ cia das o .? 1C10 da pj ^.^ateS^fuloC P V í '^^Cas?er nidade J «nero^í^-^o. o con ete gr a d e J S c q " ea r tatu « ,r «" situações í de ^fínitivameme desvan taj| CoIJor dXn .' a ,m ^nda dg^vida 'arenta, mente ^ sívida^, 10 e a^^^l ode te desagM #\à

Upload: vuongduong

Post on 09-Nov-2018

217 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

^àãOremado

eci- sào sse tci ta. »e-

le

^traços de autorítarísZT^l : ^.^.^ ldmino em Coll

Má^..

^sfe

.i

; ^'M0 mascuJini D» Reportagem loco,|

div«-sas veSíTl?* aA

"o futuro Li". comPorta\ cia das o .?1C10 da pj

^.^ateS^fuloC

PVí'^^Cas?er■nidadeJ «nero^í^-^o. o con

ete™gra„deJScq"eartatu

«,r «" situações í de

^fínitivameme desvantaj| CoIJor dXn .' a ,maÊ ^nda dg^vida

'arenta, mente ^

sívida^, 10 e a^^^l

ode te desagM

#\à

MAZONIA E AMAZÔNIA

..aa Presidente Vargas, 314 one: 241 -3204 • Belém - Pará - Brasil

{tffijjP0^ = ■ = Pelo menor preço: ==■=--=■■=-== == ■=- = ==== = = = =

LIVROS DIDÁTICOS - LITERATURA EM GERAL - LIVROS TÉCNICOS E CIENTÍFICOS - LIVROS DE ARTES - POCKET BOOKS DICIONÁRIOS EM GERAL - LITERATURA INFANTIL E JUVENIL.

MATERIAL ESCOLAR - MATERIAL DE EXPEDIENTE ARTIGOS PARA FESTAS E PRESENTES - MATERIAL TÉCNICO

Representante e Distribuidor

EDITORA FTD - AO LIVRO TÉCNICO - LTC - LIVROS TÉCNICOS E CIENTÍFICOS E OUTRAS.

Trav. Padre Eutíquío, 397 - Fones: 223-1709 - 224-3077 - 241-5272

fp LIVRARIA EDIÇÕES PAULINAS

Livros, discos, cassetes, audiovisuais. Fitas de Vídeo, cartões, papel de carta,

cartazes e mensagens em geral

Rua Ó de Almeida. nfi 545 - Fone: (091) 241-3607 66020 - BELÉM - PARÁ

DE VISTA MKT & COMUNICAÇÃO

GENTIL, 1754 229-5267 NAZARE-BELÉM-PA

Revista ÜNIPOP

é^xD ew

Instituto Universidade Popular

Conselho Diretivo: Diretoria Executiva:

- Dir. Geral: Dario Schaeffer — Secr. Geral: Ivana Freitas

- Tesoureiro: Thaddeus Scalon Coordenação dos Núcleos

— Curso Regular: Aldalice Otterloo João Simões Filho

— Estudos Ecumênicos: Rosa Marga Rothe Francisco Cetrulo

— Extensão: Georgina Galvão Cristina Alcântara

— Cultura: Wlad Lima

Geyza Pimentel

— Comunicação: João Cláudio Arroyo

Ivana do Carmo

— Serviços Gerais: Rubens do Vale

Elgis Castro

— Conselho de Representantes: CUT, CBB, FETAGRI, CPB.

1ECLB, IPAR, Igreja Anglicana, SDDH, FASE, CIPES, Centro 19 de Julho, CAMPOS, CPT,

NAEA, Proex/UFPa.

REVISTA UNIPOP Publicação Trimestral do Instituto

Universidade Popular de caráter formativo que busca o debate teórico e político sobre as questões de inte- resse dos movimentos sociais pro- pondo-se como instrumento de liga- ção entre a prática e a teoria dos mi- litantes que lutam por uma sociedade democrática, sem explorações, opres- sões, injustiças e discriminações.

Edição: João Cláudio Arroyo Fotos: Arquivo do UNIPOP/Qéditos

Ilustrações: Paulo Teixeira, Branco, Nailson.

As matérias assinadas não represen- tam necessariamente as posições da entidade.

Projeto Gráfico

PSNTO DE VISTA

Gentil, 1754 Fone: 229-5267

MKT & COMUNICAÇÃO

ECOLOGIA E CO Rosa Marga Rothe

cação Popular í Osi \ /

PEDAGOGIA POPULAR EM QUESTÃO... 10 Aldalice Otterloo

Conjuntura

PRESIDENTE-PATRÃO João Cláudio Arroyo CVi

Movimento Sindical

SEM MEDO DE SER FELIZ 22 Edmilson Rodrigues

eologia e Política

—g

A CRIAÇÃO DE UMA NOVA MÍSTICA REVOLUCIONARIA Dario Geraldo Schaeffer

Internacional

Cultura

_____ _____

A MUDANÇA QUE VEM DO LESTE 30 Luiz Araújo

, CARIDADE 35 CARA Paulo Roberto Martins

A DEMOCRATIZAÇÃO DA COMUNICAÇÃO SOB CONTROLE POPULAR 36 Wlad Lima

Entrevista

VALDIR GANZER 40

Teoria e Estratégia

DEMOCRACIA E CIDADANIA 44 Sérgio Schaefer

HUMOR 55 Paulo Emmanuel

Revista UNIPOP 3

989 foi um ano mágico, de profundas mudanças no Brasil e no mundo. Foi o ano que sintetizou todo o conjunto de transformações radicais que se processou quase que subterranea- mente no curso da década de 80. No Brasil, a Ditadura Mi-

litar dá lugar à Nova República. O povo é traído na campanha das Di- retas, espera cinco intermináveis anos de empobrecimento no gover- no Samey, e chega às eleições pre- sidenciais, depois de 29 anos, re- sistindo a quase tudo.

A maioria silenciosa, conserva- dora e desinformada "venceu" mais uma vez; as elites festejam. Os torturadores da Ditadura, os banqueiros e grandes especulado- res voltam a dormir tranqüilos. Mas, os setores populares organi- zados nunca chegaram tão perto do poder, e com tanta consistência.

No mundo, a imagem da demoli- ção coletiva e popular do Muro de Berlim, é a melhor figura da infeti- gável busca do Homem pela sua li- berdade, pela sua humanidade. Caem mitos, desintegram-se dog- mas, e as verdades absolutas são questionadas. 1989 endossou a pro- fecia de Marx e Engels, segundo a qual "tudo que é sólido desmancha

RITUAL DO TEMPO

Curva-se o Muro de Berlim e aponta novos caminhos. Migalhas caem sobre o véu da América, sobre cabeças frias de concretude corações sedentos de novas atitudes. É tempo de repensar a História. Reconstruir o caminho da Liberdade.

Paulo Roberto Martii

1990 vem nesta crise de moder- nidade. Do novo, inimaginado, que rompe as estruturas e revoluciona os sistemas estabelecidos, na tenta- tiva de soluções humanas e ecoló- gicas para homens, mulheres, a Terra. Um desafio inarredável.

Nós da UNIPOP buscamos as- sumir este desafio em toda a sua complexidade, o que significa as- sumir o ser humano em sua tem- pestade de contradições. Buscamos a utopia e a ação, o sonho e a reali- zação, a teoria e a prática.

%m

i-

Com o cotovelo levantado

e a mão sobre uma espada

mal dissimulada por sua capa

esvoaçante, o Cavalheiro vira

um instante a cabeça mas

continua a avançar sempre,

a grandes passos, para o

desconhecido e as aventuras

que o esperam.

David Duncan

CAVALHEIRO

DE CAPA

(Nanquim sobre

papel de

Pablo Picasso)

•^ ^

K-ã- '/.

ECOLOGIA

Ecologia Consciência

Rosa Marga Rothe

6

ma das trágicas caracte-

rísticas da mentalidade do

subdesenvolvido e a imi-

tação de tudo que vem dos

centros desenvolvidos. Se

olharmos à nossa volta,

constatamos que, desde

a arquitetura até o que se

encontra visível dentro das casas,

pouco ou nada está associado à

realidade amazônica. Na época

do Natal, deparamo-nos com

frutas importadas, pinheiro de plás-

tico e imitação de neve, além do

Papai Noel. Na Páscoa, coelho e ovo, símbolos da Ressurreição em

culturas européias distintas, na

verdade nada significam para o

amazônida - a não ser o atestado da

perda de identidade e de consciên-

cia. Na televisão, as crianças assis-

tem ao lixo cultural de outros paí-

ses ou então às produções "glo-

bais": Xuxa e Trapalhões.

Como robôs teleguiados, a grande

massa inconsciente votou no

milagreiro colorido que prometia fazer, sozinho, tudo o que o povo

sonha. A palavra mágica e ''desen-

volvimento", na velha fórmula

fracassada "fazer o bolo

crescer para depois distribuir".

Enquanto essa distribuição não se concretiza, a indústria das ilu-

sões vai faturando, mediante os co- nhecimentos que detém a respeito

da psicologia de massa. A esqui- zofrênica cisão entre o ser e o

fazer permite que as pessoas se

movimentem dentro de uma reali-

dade da qual não têm consciência.

O corpo vive na Amazônia mas a

cabeça sonha estar em outro lugar

onde tudo é arrumadinho. de açor-

ECOLOOIA

única espécie: assim vemos nas

fotos e revistas dos países ri- cos. Acreditamos que aquela ordem

é sinônimo de progresso. Como não

temos pinheiro, recorremos ao eu- calipto ou outra espécie. As técnicas

agrícolas utilizadas nas monocultu- ras também não se adequam à nos-

sa realidade ambiental, mas é as-

sim que prescrevem os manuais de-

senvolvimentistas.

Temos a maior farmácia viva do

mundo. Mesmo assim, as farmácias que

vendem medicamentos químicos proli-

feram graças afeita clientela. 84% dos

medicamentos vendidos no Brasil sao produzidos por multinacionais, cujo

lucro está na doença. Assim como há

empresas estrangeiras explorando nos-

sas plantas medicinais, assim também

acontece com os alimentos que depois

nos são devolvidos em forma de en- latados, com pior qualidade e maior

preço. Diante da constalação desses

fatos, ouvimos frases como: "é, mas

não tem jeito", "todo mundo faz as-

sim" ou "sempre foi assim, pobre não

tem vez aqui na terra".

SABER NATIVO. CIÊNCIA, CRIATIVIDADE E MUITA

TEIMOSIA

Na culinária e na medicina caseira, encontramos ainda vestígios de uma

sabedoria secular que persiste, princi-

palmente entre os grupos sociais de

baixo poder aquisitivo. No interioi; nas periferias urbanas., nas feiras e nos

terreiros de umbanda, encontramos alimentos e remédios naturais, cuja

origem remonta à vida tribal de ín-

Revista ÜN1POP

dios, negros e caboclos. Cada vez

mais, cientistas constatam que essas populações, antes estereotipadas como

sendo primitivas e atrasadas, deíànna

verdade um vasto saber, historica- mente acumulado e repassado. Vários

estudos mostram o grande valor que tem esse saber para a humanidade.

Entre os agrônomos criativos pode-

mos citar o Nasser que, no Espírito

Santo, desenvolve cultura de hortaliças, grãos e frutas, sem capinar nem ex-

terminar as chamadas ervas daninhas, pois estas são na verdade proteção pa-

ra o sedo contra sol, chuva e vento,

além de atraírem para si os insetos que

normalmente atacam as culturas. Sem

uso de pesticidas, adubos químicos ou

sementes compradas, Nasser surpre-

ende os agricultores que visitam horta,

roça e pomar, totalmente fora do pa-

drão de ordem, limpeza e uniformida-

de. A incredulidade inicial dos visi-

tantes vai-se transformando em es-

panto quando vêem a excepcionalida-

de da produção, em quantidade e qua-

lidade, com impressionante economia

de área, insumos, mão-de-obra e re-

cursos financeiros. Na SUMA ET- NOLÓGICA BRASILEIRA, edita-

da por Darcy Ribeiro, encontramos no volume 1 - "Etnobiologia', estudos

de vários cientistas sobre a consciên-

cia ecológica dos índios Kayapó. Ve-

jamos alguns dados que podem nos

ajudar a refletir: Os índios sabem que dentro da heterogeneidade da floresta

amazônica existem muitas eco-zonas que produzem determinados recursos.

A localização das aldeias é determi-

nada pelo conhecimento geográfico e

o cuidado com os seres vivos que po-1

Revista UN1POP

ECOLOGIA

8

voam o meio ambiente, pois cada eco-

zona está associada a plantas e ani-

mais específicos. Além do conheci-

mento no plano horizontal, índios e

caboclos classificam os vários níveis

verticais, acima e abaixo do solo, on-

de se concentram recursos animais e

vegetais diversos. O mesmo acontece

com os níveis aquáticos onde, de

acordo com a alimentação existente,

se encontram peixes, tartarugas, crus-

táceos etc. Mediante o conhecimento

•indígena e caboclo, a Ciência e a

Tecnologia poderiam estar contribuin-

do para reverter a degradação am-

biental, alimentar, econômica, social,

cultural e ideológica dos amazónidas.

A sete quilômetros de Paragominas,

três cientistas (agrônomo, biólogo e

ecólogo) realizam uma experiência de recuperação do solo em pastos aban-

donados. Se e possível recuperar um

solo que nem capim para boi mais

produz, então deve ser possível tam-

bém a recuperação das consciências

adormecidas.

A ocupação pecuária, em Paragomi-

nas, começou 20 anos atrás e hoje

qualquer leigo pode constatar o crime

ecológico cometido ali, em nome de

um falso progresso, cada castanheira

produzia ali, por ano, 20 quilos de

castanha beneficiada, contendo 21%

de proteína. Hoje, por cada hectare,

sao produzidos 22 quilos de carne bo-

vina, contendo 19% de proteína. A

mandioca para farinha, é produzida 70

vezes mais, enquanto, milho e feijão,

20 vezes. Pastos e serrarias se alastra-

ram em paragominas, graças à política

"Se viu que a preservação da criação do Senhor ao mesmo tempo que impede o lucro do explorador é essencial à vida de todo trabalhador.

Desde o que mora na selva e vive dos frutos dela até quem está na fábrica que a fumaça aperta a goela do que está no escritório ao que se atola em favela.

Porém falta ao movimento entender a ecologia em toda a sua amplitude ligando com maestria o geral desta questão com as lutas do dia-a-dia

Que temos que pesquisar em cada uma região qual deve ser o projeto que tem maior condição das selvas da Amazônia aos desertos do sertão.

Que precisamos unir a luta sindicalista dos argumentos e fatos à luta ambientalista juntando isso tudo contra o ódio capitalista.

Que precisamos lutar contra o governo incorreto mas que devemos pensar em ter o poder completo assumindo o governo mantendo o nosso projeto

governamental, com incentivos da Su-

dam para os predadores.

Temos pois, diante de no's, um

grqnde desafio. E o poeta Crispiniano

Neto, de Mossoró, expressa, de modo

profético, o que é preciso fazer:

(versos 3,4,5.11,12 e 14 do seu

poema TUDO É ECOLOGIA)* * ROSA MARGA ROTHE é Pastora Luterana, presidente da SPDDH e Coordenadora do Núcleo de Estudos Ecumênicos da UNIPOP.

Revista ÜNIPOP

N OT AS / CARTAS

O ATRASO DA REVISTA

A Revisw deve sjdr s.^^ ^uedasee^a^ses ^ ^hoeomubo^oax ^

dos resultados.

A REVISTA E AS ENTIDADES

A Revista da Unipop se propõe como um espaço aberto prioritaria- mente para as entidades dos movi- mentos sociais. Neste sentido, qualquer entidade interessada em trabalhar com a revista, basta nos procurar para que possamos enca- minhar a solicitação.

COMO PARTICIPAR DA REVISTA

Todo companheiro interessado em participar da feitura da revista, propor temas e pauta ou escrever artigos, deve nos procurar imedia- tamente, porque já começamos a trabalhar no próximo n9.

No caso das propostas de pauta ou sugestões de tema para ser aborda- do no próximo n9, o prazo de en- trega é o dia 15 de fevereiro pró-

(

/O O T ^-Ov?

ximo. E se o interesse for de parti- cipar através de um artigo ou re- portagem, o prazo é o dia 10 de março. O artigo ou reportagem de- ve ter no máximo 8 laudas. Para nós. a lauda corresponde a 20 linhas com 60 toques cada. As matérias deverão ser entregues no prazo e datilografadas.

MOVIMENTO POPULAR

A partir deste n9, passamos a re- servar uma seção para o movimento sindical, ecumênico e para o movi- mento popular. Estes são espaços destinados às questões específicas dos movimentos para análise e de- bate. Mas estamos encontrando di- ficuldade para que as próprias enti- dades ocupem este espaço. Assim, apesar de termos reservado uma se- ção/espaço para o movimento po- pular, não foi possível ocupá-lo; mas continuamos abertos, é lógico.

Gostaria de receber o n- 0 da Re- vista da Unipop e ser seu assinante.

Zelmar Antônio Guioto Santa Ma ri a-RS.

Solicito mais informações sobre a Unipop e se for possível gostaria de receber um n9 da revista.

Kazuo Issayama Araçatuba-SP.

CADERNoS DOCEAS

^oí^XZCEAS m- Revista da Un^on ^ ^ « ** Pessoas qZ^ ***** ^am P^ir da dL. eressaram a CBAS. Pela Z^30 fe«* Pelo

^-itogra^crter^- «-ontem conosco.

J Revista UNIPOP

EDUCAÇÃO POPULAR

AU£N«?AO...

BTN...

CAPITAL...

peSrtPPOPR WÇ^b...

ESTAPO...

RJüOSORA...

ôOLPe PE GSTA&O...

tíISTÓR/A...

INFMÇ*?..,

JUSTIÇA ^CCJAL...

^EVAOESIANC'...

ueeRPApe...

/WAJS-VAUA...

Nforis/vio... oi.ieA«<?üiA...

PARTipO...

CJüERlôíOA...

HEFORmA AGRÁAIA.

SoClAuSMO...

Te7«(A...

OToPIA...

V4U0K...

WeLTAMSCHAUüMS...

XeMOfOfriA..-

yiM-VAHô...

ZWIHGMA^ISMo...

Pedagogia popular em questão Aldalice Otterloo

10. Revista ÜN1POP

EDUCAÇÃO POPULAR

Trabalhando desde 1970 junto ao Movimento Popular em Belém, ao lado de educadores de várias Entidades do nosso Estado e de Entidades de outras Unidades Federadas, senti a necessi- dade de analisar o que de fato foi feito nesses quase vinte anos de experiên- cias educativas no seio do movimento popular e sindical em Belém, procu- rando identificar a concepção de edu- cação que orienta essa prática peda- gógica e a concepção de conheci- mento que mediatiza a relação educa- dor-educando no processo educativo.

QUE CONCEPÇÃO NORTEIA NOSSA PRÁTICA?

A educação popular é um compo- nente essencial na construção da de- mocracia. E mais que a simples ins- trumentação funcional dos setores po- pulares, em conhecimentos e "destre- zas" de aplicação imediata à sua vida material. Trata-se de "criar espaços, estímulos e conhecimentos para que a consciência espontânea do trabalhador desabroche em consciência do indiví- duo singular, da classe social e de es- pécie humana e frutifique em ação transformadora: ação de alcance tanto imediato como histórico, tanto exte- rior - de construção do mundo - quanto interior - de construção de si próprio enquanto sujeito singular e plural, individual e coletivo" (Marcos Arruda).

A reflexão coletiva sobre esses in- dicadores tem nos levado a concordar com Gramsci, quando diz que "criar uma nova cultura não significa apenas fazer individualmente descobertas ori- ginais, significa também, e sobretudo, difundir criticamente verdades já des- cobertas, socializá-las,por assim dizer; transformá-las, portanto, em base de ações vitais, em elemento de coorde- nação e de ordem intelectual e mo- ral...", ao mesmo tempo que nos per- mite perceber o papel da educação popular pensada no interior das práti-

cas organizativas, ou seja, pensar a prática pedagógica a partir da própria estratégia organizativa que o campo popular vai construindo.

Para entender essa concepção de educação popular, é fundamental destacar três elementos:

O primeiro diz respeito a que o processo educativo deve estar vinculado ao processo organizati- vo.

Nossa estratégia de educação deve guardar uma relação orgânica com a estratégia político-organizativa que o movimento vai delineando. Isto nos

Se nós acreditamos que a formação de uma estratégia vai-se fazendo de maneira coletiva no interior dos mo- vimentos, e sabendo que existirão parcelas com tarefas diferenciadas, o nosso trabalho educativo teria que criar condições para que as pessoas pudessem pensar e agir de forma au- tônoma, pudessem ser criativas e de- senvolver suas capacidades de crítica e auto-crítica, dirigentes capazes de estimular e incentivar métodos e esti- los democráticos de condução de tra- balho, enfim, formar dirigentes-edu- cadores.

Curso Regular da Unipop, importante momento de amadurecimento da práxis pedagóglco-transformadora

diferencia de certo pensamento peda- gógico que atribui à educação um pa- pel prévio à ação organizada, ou seja, primeiro conscientizar para depois agir. Essa proposta a nosso ver, mos- tra a sua inviabilidade histórica, por- que assume um caráter dogmático, ortodoxo, de propaganda ideológica, que tenta provocar a adesão das mas- sas a um projeto do qual ela não parti- cipou, o que leva o grupo dirigente a se distanciar das bases.

O segundo elemento que explica essa concepção de educação popular articulada é a intcgralidade dos processos formativos.

A implicação pedagógica dessa no- ção de intcgralidade é que ela neces- sita trazer para o centro de trabalho educativo, os elementos do cotidiano da vida popular em todas as suas di- mensões: econômica, política, rela- ções sociais e grupais, de cultura po- pular, dos elementos da espiritualidade 11

Revista UNIPOP

EDUCAÇÃO POPULAR

12

do nosso povo, ou seja, pensar diale- ticamente a relação subjetividade/ob- jetividade que nos possibilite uma re- flexão profunda sobre os valores hu- manos e éticos desse novo ho- mem/mulher que queremos construir desde já, para essa nova sociedade, de tal modo que se rompa com a noção do trabalho educativo parcial.

O terceiro elemento diz respeito à produção e apropriação do co- nhecimento e à relação teoria- prática, nessa concepção meto- dológica.

E decorrência do ponto de vista educativo dessa relação entre teoria e prática, que a educação das camadas populares, no processo de produção do conhecimento, tem três tarefas concretas.

1--Propiciar a apropriação do conhecimento universal acu- mulado, entendendo apropria- ção no sentido ativo e não passivo de se encarar o co- nhecimento acumulado como algo acabado e, sim, como histórico.

2- - Criar condições e desenvolver entre os trabalhadores os ins- trumentos de crítica a esse co- nhecimento.

3- - Criar condições para a criação e produção coletiva de um no- vo conhecimento, entendido na sua articulação com o conhe- cimento histórico.

Empreender um processo educativo implementando essa concepção meto- dológica global, significa colocar em prática uma determinada teoria do co- nhecimento. Para Oscar Yara, "a con- cepção metodológica dialética é orientada pela teoria dialética do co- nhecimento. Toda ação educativa é um processo de descobrimento, cria- ção e recriação de conhecimentos e afirma que:

- A prática social é fonte dos co- nhecimentos;

- A teoria está em função do co-

Curso Ecumênico de Teologia Popular.

nhecimento científico da prática e serve como guia para a ação transformadora;

-a pratica social é o critério da verdade e o fim último de todo o processo de conhecimento".

Acompanhando os debates que vêm se travando no Estado do Pará, por educadores populares tanto da área ru- ral como urbana e tanto do Movi- mento Popular como Sindical, obser-

va-se um relativo consenso quanto à concepção metodológica que permeia as suas praticas educativas, assim co- mo as interrogações que se eviden- ciam a partir da concretização dessas práticas, quais sejam:

1) Como criar espaços ou oportuni- zar o conhecimento, análise e interpretação da realidade tanto para o educador quanto para os educandos?

Revista ÜNIPOP

EDUCAÇÃO POPULAR

2) Como explorar a questão eco- nômica para um processo políti- co - organizativo mais amplo?

3) Como desenvolver um processo de formação no interior do pro- cesso organizativo?

4) Quem elege os conteúdos? Co- mo se dá a apropriação do co- nhecimento?

5) Como combinar a liberdade do sujeito com a persuasão necessá- ria para se desencadear um pro- cesso educativo?

6) Como se dá a transmissão do conhecimento historicamente acumulado e a produção do novo conhecimento na prática con- creta?

Essas e outras questões foram dis- cutidas, não na perspectiva de busca de "receitas" mas, fundamentalmente, na busca de uma compreensão maior do seu trabalho, de coerência entre o discurso e o fazer pedagógico e de re- sultados que possam em tempo não muito longo, ampliar e fortalecer os processos organizativos das classes populares.

COMO SE DÁ A RELAÇÃO EDUCADOR-EDUCANDO NA PRÁTICA PEDAGÓGICA DA

EDUCAÇÃO POPULAR

Os sujeitos com os quais trabalha- mos para serem livres, têm que supe- rar não só as necessidades econômicas que condicionam e limitam a liberda- de, mas também a limitação moral e intelectual, ou seja, a limitação da li- berdade pelo conhecimento e pela éti- ca.

É preciso reconhecer que nós, que temos mais acesso a esse conheci- mento universal acumulado e ao poder econômico (recursos materiais e fi- nanceiros), estamos sempre discutindo o processo de libertação econômica e política e. não, da libertação intelec- tual e moral, fundamentais para que não haja a subordinação dos educan- dos aos educadores.

Isso só é possível quando há cons- ciência tanto pelos educadores como pelos educandos das desigualdades existentes. O projeto dos educadores, suas motivações, tendem a ter uma natureza estratégica. Sua ação educa- tiva visa alcançar objetivos abran- gentes, de dimensão histórica e não apenas imediata.

Ao tomarmos consciência dessa de- sigualdade de percepção sobre a práti-

ca social, faz-se necessário conhecer as contradições objetivas (as práticas contraditórias), que estão na origem de cada necessidade, e os diferentes caminhos para transformá-las. Sem conhecer os processos contraditórios (econômicos, sociais, políticos, cultu- rais, etc), que produzem as necessida- des vividas, pelo conjunto da catego- ria ou parcela da população, e como estas sentem e interpretam necessida-

J3 Revista CJNIPOP

EDUCAÇÃO POPULAR

Dinâmica de Grupo: Peça fundamental de uma pedagogia que globalize o ser humano.

des, os educadores enfraquecem a sua capacidade de convencer, educar e organizar os educandos para o en- frentamento da realidade vivida. "O ato de conhecer é um caminho para a compreensão da realidade; em si o co- nhecer não transforma a realidade; só a conversão do conhecimento em ação; transforma a realidade. Chama- mos práxis a esta contínua conversão do conhecimento em ação transforma- dora e da ação transformadora em co- nhecimento" (Marcos Arruda).

É esse processo de reflexão que exige a presença de sujeitos (indivi-

•1 k duais ou coletivos) intelectualmente

14.

capacitados não apenas no sentido de dar respostas às demandas apresenta- das pelas lideranças e ou militantes desses movimentos; mas, a partir des- tas, inserir novos conhecimentos críti- cos e analíticos sobre o processo con- traditório vivido.

A intervenção destes intelectuais no processo de reflexão dos militantes e lideranças de categorias ou seg- mentos populares dominados, tem sido denominada de educação popular. E o processo específico de reflexão mais sistemática, no qual os intelectuais - também chamados de educadores populares - inserem com maior inten-

sidade conhecimentos e/ou valores produzidos a partir de outras expe- riências, tem sido denominado de ati- vidades de formação.

E fundamental, portanto, que o educador popular tenha claro que sua intervenção junto aos militantes e li- deranças apresenta sempre valores intelectuais (elementos de conheci- mentos) e morais (elementos de von- tades que pretende objetivar), e que estes valores podem ser escolhidos pelos próprios educadores, pelos edu- candos ou por alguma mediação entre ambos.

A escolha de conteúdos tem sido

Revista ÜNIPOP

um elemento crucial na relação edu- cador/educando, pois revela na prática concreta a concepção de homem, de mundo, de educação e de conheci- mento que tem o educador.

E importante perceber que, de mo- do geral, a maioria dos educadores populares sofre influência de duas concepções: a concepção positivista, que predomina quase de forma hege- mônica nos processos de formação dos intelectuais brasileiros, e a con- cepção metodológico-dialética, que, mesmo explicativa pelos educadores populares, reproduz na sua prática uma concepção tradicional de conhe- cimento, pois não basta partir da prá- tica, se esta não for interpretada como um movimento contraditório (com as- pecto de unidade e de luta entre os sujeitos), podendo se reproduzir como uma relação de dominação/subordina- ção ou como um processo libertador ("catártico", na expressão de Grams- ci). Afinal, é sempre importante lem- brar que o ser é livre quando ele auto- determina as suas escolhas. Quem não tem este poder - seja por razões eco- nômicas, políticas e/ou culturais - aliena a sua vontade (a sua liberdade), e uma prática pedagógica libertadora tem como objetivo final co-produzir a capacidade intelectual e moral dos se- res sociais despossuídos para que pos- sam escolher caminhos e tomar deci- sões sobre seu futuro e o da socieda- de.

Aqueles que se dispõem a contri- buir para atingir esse objetivo final, têm que estar conscientes de que, en- quanto educadores, estão também em processo de construção e aprendizado permanente, e, como nos ensina Paulo Freire, "somos ao mesmo tempo, edu- cadores e educandos dos trabalhado- res .

É importante refletir sobre isso, pois, à medida que os trabalhado- res vão ganhando domínio sobre os processos e os instrumentos de conhe- cimento e de poder, o educador vai fi- cando cada vez menos "indispensá-

EDUCAÇÃO POPULAR

vel" e precisa estar atento para o mo- mento de reduzir a sua "assessoria". Para isso faz-se necessário uma atua- lização contínua da realidade ampla e restrita, que pressupõe a busca de in- formações tanto em livros e revistas como nos meios de comunicação e a

alternativa, um projeto popular de transformação da sociedade, que con- cebe a produção coletiva do conheci- mento como aquele que vai sendo produzido no processo educativo, na prática pedagógica, enfim, na relação educador-educandos.

(^ENSINÍR) ÍNOEg)

çvimmm

®®®©®©©© ? ? ? ? ?77 ??????

u

\

R A R

^sr

criação de fóruns de reflexão mais amplos que a sua militância imediata, para troca de experiência e a busca de hegemonia das forças progressistas nesse processo de transformação.

Isto serve para qualquer lugar onde se queira desenvolver uma educação

' ALDALICE OTTERLOO é pedagoga, assessora da FEP, membro do CEPEPO e coordenadora do Curso Básico da UNIPOP.

A guisa de conclusão, pode-se de- duzir que as questões analisadas no decorrer deste artigo são cruciais, tanto para a educação formal como in- formal, que queira corresponder com sua prática pedagógica às aspirações populares.*

.15 Revista ÜNIPOP

CONJUNTURA

Collor e Xerfan em carreata durante a campanha em Belém

Presidente Patrão

16

Collor venceu apertado e seus apoios são indigestos. A esquer- da, principalmente o PT, saiu mais forte do que nunca.

Os setores populares organiza- dos sofreram um doloroso golpe com a derrota do candi- dato da Frente Brasil Popular, Luís Inácio LULA da Silva.

Uma mistura de angústia e frustração tomou parte dá militáncia, que caiu triste e apática assim que a apuração definiu o resultado.

Ora, só sente tristeza e frustração quem disputou para ganhar, e não eram poucos os que no início da cam- panha, apesar de achar que deveriam jogar pra valer, avaliavam que as chances de Lula eram remotíssimas.

Mas o curso da campanha foi conven- cendo do contrário até os mais céticos e no final ninguém mais tinha dúvidas de que existiam chances concretas e até uma acentuada tendência no senti- do da vitória, que não se confirmou, daí a tristeza e a frustração.

Se compararmos a campanha presi- dencial a uma maratona teríamos, de

João Cláudio Arroyo

saída, que observar o ponto de partida e o de chegada de cada candidato para sabermos quem, de fato andou mais.

Collor de Mello partiu em campa- nha aberta no meio de 1988, na capa da revista Veja em matéria paga, co- mo "Caçador de Marajás',' e na arti- culação de legendas de aluguel, como o PTR, PJ, o próprio PRN dentre ou- tras, para a utilização dos programas dos partidos na televisão. Enquanto que Lula era lançado em campanha apenas no início de 89, sendo que o grosso da militáncia arregaçou as mangas somente após o VI Encontro

Revista ÜNIPOP

CONJUNTURA

Nacional do PT realizado no início de junho/89. E na TV, Lula apareceu somente no programa de seu partido.

No primeiro turno, uma espécie de posto intermediário antes da linha de chegada, Collor de Mello passou com 20 milhões de votos e Lula com 11 milhões. Na reta final emparelharam e na linha de chegada o olho eletrônico registrou 35 a 31 milhões de votos. Uma diferença inferior a 5% do total de eleitores.

Apenas do l2 para o 2- turno ve- mos que Collor cresceu em 15 mi- lhões de votos e Lula em 20. Se con- siderarmos ainda o ponto de partida de cada um, e o fato de que, enquanto um boiava sobre as águas do conser- vadorismo do senso comum, o outro remava contra a maré, veremos que a candidatura da Frente Brasil Popular andou muito mais.

"Só sente tristeza e frustração quem disputou pra ganhar".

A "maioria silenciosa" já não é tão maioria e cada vez mais silenciosa. O Brasil acelerou o seu processo de de- mocratização e de politização. A es- querda saiu fortalecida principalmente com a conquista de uma unidade nun- ca vista na história. A sociedade civil consolida-se e percebe a importância da organização. Mas estes fatos com- põem um quadro dinâmico onde as tendências podem ser revertidas, tan-

- to mais se considerarmos que as elites permanecem no poder, no mando do governo central e que Collor não ga- nhou as eleições à toa, ganhou porque teve extraordinária competência na manipulação dos meios de comunica- ção de massa, e isso pesa e muito em um governo, ainda mais quando se trata de um populista. Portanto todo cuidado é pouco.

ro "D c K c o

Ê < d o

Com Lula, escreveu-se uma página importantíssima na história da Luta Popular.

O GOVERNO PATRÃO

Apesar da vitória política da Fren- te, e em particular do Partido dos Tra- balhadores, a vitória político-eleitoral de Collor de Mello está associada ao conservadorismo cultural hegemônico na população e a um projeto de go- verno mudancista na forma mas conti- nuísta na essência. Portanto é correto

"A 'maioria silenciosa' já não é tão maioria e cada vez mais silenciosa".

dizer que "Venceu o Patrão", não apenas por que a candidatura vitoriosa de fato representa os grandes empre- sários, mas fundamentalmente no que ela representa de conservação de rela- ções autoritárias e de manipulação dos

17 Revista ÜNIPOP

CONJUNTURA

18

mais carentes economicamente. "Pa- trão" significa aqui muito mais a tra- dição cultural do termo do que a sua expressão estritamente econômica, e penso que desta forma devemos ca- racterizar o novo governo.

O NOVO JÂNIO

Collor de Mello em tudo que fez, traz a inhaca de patrão, do mesmo modo distante com o qual se relacio- nou com o povo durante a campanha, agora muda de tática mas mantém a distância e o estilo à "Jânio Qua- dros", tentando fazer "barulho" com o seu silêncio.

A situação do país é dramática, a inflação de janeiro era projetada para 75% e Collor passeava nas Ilhas Sey- chelles. Mas, ao lado do clima de mistério que ele tenta manter em tomo de si, fazendo com que as pessoas o vejam muito mais como querem vê-lo do que como ele é na realidade, exis- tem problemas reais.

PROBLEMAS

Certamente não é só o estilo que mantém o novo presidente afastado e silencioso, problemas políticos sérios contribuem para esta aparente calma- ria, vejamos alguns deles:

É público e notório que o conjunto da "massa crítica" do país apoiou a candidatura da Frente, foram centenas dos nossos melhores cientistas, artis- tas e críticos, sindicalistas e políticos progressistas, que no 29 turno, quase unanimemente entoaram o Lula-Lá. Este fato ajuda a perceber o esvazia- mento qualitativo do grupo que vai governar.

Também por esse motivo é que ve- mos nomes como o de Mário Henrique Simonsen e Marcos Antônio Coimbra voltarem à cena com destaque no no- vo governo, tendo sido importantes e assíduos colaboradores da Ditadura Militar. Collor tenta não se compro-

Revista ÜNIPOP

CONJUNTURA

meter com a ressurreição destes fan- tasmas do regime de Figueiredo, Me- diei e cia., mas a falta de quadros o deixa sem opções. E quadros compe- tentes são fundamentais para enfrentar os desafios econômicos e políticos que se colocam ao Brasil.

O primeiro grande desafio é fazer o país acompanhar uma era da economia mundial que se inaugura com a cons- tituição dos grandes blocos econômi- cos como o da Comunidade Econômi- ca Européia, o do EUA/Canadá, o do Japão e países asiáticos e o bloco do leste europeu com URSS etc.

Como redefinir o perfil da produ- ção nacional, ainda voltado para a ex- portação de matérias-primas, quando a substituição destas por outros produ- tos avança em 5,2% ao ano? Ou seja, para ficar mais claro, como reapro- veitar todo o Pólo Siderúrgico de Ma- rabá-PA, por exemplo, já que este foi montado para produzir Fe-Gusa que, a cada dia que passa, concorre em maior desvantagem com ferro-velho no mer- cado mundial? Além de ser altamente

a poluente e devastadora?

Como reestruturar a relação capital X trabalho no Brasil quando em ou- tros países o custo com a mão-de-obra não passa de 18% do custo total do carro alemão e 2,5% do japonês, por exemplo? Como colocar o país nos tempos da robótica sem que isso seja o mesmo que jogar milhões ao desem- prego?

A nível imediato, como segurar uma inflação que segundo o próprio IBGE, atingiu 1.774% em 1989 e está acelerando? Como reverter o dramáti- co quadro social no qual vivemos? Só para citar um exemplo caseiro, a si- tuação da educação pública no Pará é lastimável. Em 1989, 22,54% das

■o <3

o E < o

o LL

Com a Nova República,os grandes empresários substituíram os generais no poder Igual aos primeiros , fecham os olhos aos anseios populares.

"Patrão mais a

aqui significa muito tradição cultural do

termo do que a sua expressão estritamente econômica".

crianças em idade escolar ficaram fora das escolas, e para 1990, projeta-se uma falta de vagas na ordem de 72% da demanda no pré-escolar, 42% no l9 grau e 84% no 22 grau. Dados do IDESP.

Mas o maior de todos os desafios é acreditar que Collor tenha condições políticas para enfrentar estes proble- mas sem penalizar os trabalhadores, sabendo sua origem e seus compro- missos.

Enquanto os trabalhadores dormem assombrados sabendo que o seu di- nheiro estará 3% menor na manhã se- guinte, os industriais dormem tran- qüilos porque suas empresas cresce

Revista UNIPOP 19

CONJUNTURA

ram 2,5% somente entre janeiro e ou- tubro de 89, segundo o IBGE. Collor mudará esta realidade?

A corrupção governamental é na casa dos cem milhões de dólares como na mamata da telefonia móvel que be- neficiou o todo poderoso Roberto Ma- rinho, dono da Rede Globo. Poderá Collor contrariar o seu mais empenha- do cabo-eleitoral?

No campo político, Collor por mais que tente se aproximar de setores centristas com pinta de esquerda "res- ponsável" como o PSDB, só consegue adesões de direitistas e ultra-direitistas como Maluf e Caiado, e dos oportu- nistas de qualquer canto. Na verda-

de, Collor canta setores da esquerda mas trabalha duro os acordos com a direita, o número e a qualidade dos governadores e parlamentares que o apoiam é sintomático.

Collor, para ganhar respaldo no Congresso, só tem uma saída, reeditar o Centrão, ou mais precisamente, ree- ditar a ARENA (partido de sustenta- ção da Ditadura), já que terá de dar forma partidária aos que aderirem ao governo. Com uma base de apoio destas, poderá Collor cumprir as exi- gências sociais da Constituição, como a reforma agrária, por exemplo?

Collor comprometeu-se com a con- tinuidade do pagamento da Dívida Externa. Será que ele, pelo menos, te- rá condições de negociá-la com os banqueiros internacionais, garantindo nossa soberania, já que nem quando negociou com os usineiros de Alagoas isto foi possível?

'A 'massa crítica' do país ento- ou o Lula-lá".

OPOSIÇÃO RADICAL OU "RESPONSÁVEL"

Se a consolidação da democracia no Brasil, de um lado, estabelece con- dições mais exigentes na relação entre sociedade e governo, já que com as eleições o presidente possui legitimi- dade e promessas a cumprir. De outro, estabelece novas exigências também entre sociedade e oposição, que ainda por causa das eleições, também ga- nhou legitimidade e assumiu uma série de compromissos políticos e éticos frente à população que se não forem respeitados podem impor grande des- gaste político mesmo à condição de oposição. E que a democracia faz com que ser oposição, já não seja tão con- fortável quanto no passado.

Precisamos de uma oposição siste- mática, unida na estratégia política, plural, profissionalizada, competente, radical e responsável. Radical, porque deverá revelar à sociedade a raiz dos

20. Xerfan, Collor e Dionísio Hage tentam disfarçar, mas são mesmo "Filhotes da Ditadura".

Revista ÜNIPOP

CONJUNTURA

problemas sem se limitar à superfície das questões, oferecendo propostas concretas. Radical, ou seja, pela raiz, também deve ser a ligação da oposi- ção aos movimentos sociais populares, principalmente no sentido de trabalhar sobre a base eleitoral de Collor sabi- damente inorgânica e despolitizada.

Quando se coloca uma contraposi- ção entre oposição radical e oposição "responsável", na verdade querem igualar o termo radical a ser "por- ra-louca" e o termo responsável a ser politicamente comedido, sem "e- xageros". Nesta polarização, ser "responsável" é ser domesticado pela institucionalidade.

O PT é o principal alvo desta falsa polarização, sofrendo pressões de se- tores internos e externos ao partido. O PT não pode aceitar as duas opções, resgatando os seus melhores momen- tos de combinação da luta institucio- nal com a luta político-prática do mo- vimento real, às vezes até contraditó- rias. Combinação esta, como é feita na luta pela Reforma Agrária, tão im- portante no parlamento quanto sobre a própria terra, rompendo as cercas dos latifúndios. Sobre estas questões Wla- dimir Palmeira, deputado pelo PT-RJ, oferece interessantes inquietações em seu artigo publicado no último número da revista Teoria e Debate.

A oposição, em particular o PT como sua principal organização, não pode aceitar as pressões que tentam impor a avaliação de que as prefeitu- ras concorreram pesadamente para a derrota eleitoral. Na pesquisa do Da- ta-Folha sobre a aprovação popular das prefeituras de capital após o pri- meiro ano de mandato, o vitoriosíssi- mo Xerfan (Belém) está apenas dois pontos à frente de Erundina (SP), 22 a 20%. Xerfan perde para Olívio Dutra (23%) PT-POA, Marcelo Alencar (33%) PDT-RJ e Vítor Buaiz (37%) PT-Vitória.

O problema das prefeituras é outro, está relacionado com a questão insti- tucionalidade X movimentos sociais, diz respeito ao controle popular sobre o executivo, a questão dos Conselhos não efetivados etc.

No entanto, me parece ser o cen- tral a construção de uma estratégia revolucionária que oriente hegemoni- camente a política da oposição, e do conjunto dos socialistas. Sem uma es-

tratégia, continuaremos ao sabor das ondas conjunturais, sem ter muito cla- ro em que porto atracar, e correndo um enorme risco em naufragar. Mas este é apenas um reforço ao alerta cantado por um número cada vez maior de companheiros que investi- gam no campo da estratégia, as res- postas que precisamos. Esta é uma ta- refa e um caminho para ser percorrido coletivamente.*

* JOÃO CLÁUDIO ARROYO é educador popular, coordenador do Núcleo de Editoração e Comunicação da UNIPOP.

.21 Revista UNIPOP

MOVIMENTO SINDICAL

1990 P-o^e-S"^ ao movimento sindica^ P ••novo'governo e »Pen» wes umaV™,ae0osÕ Param o pais e

A UITA CONTINUA:

Sem medo A formação social brasileira é a

síntese histórica da forma perversa como se estruturou o capitalismo em nosso país. Nunca em qualquer outra parte deste planeta acumulou-se ri- quezas de forma tão fácil, e sempre a partir de interesses externos e colo- niais. Daí a nitidez da dualidade ex- pressa na estrutura econômico-políti- co-social.

Por exemplo, existe no Brasil um parque industrial provido de tecnolo- gias das mais avançadas, relações so- ciais de produção capitalistas, coexis- tindo com formas de produção pré-ca- pitalistas.

O crescimento econômico sempre agudizou as disparidades regionais e sociais. A exagerada concentração de terras e os grandes monopólios e oli- gopólios polarizam com os bolsões de miseráveis e despossuídos, alienados de qualquer riqueza social. Enfim, é neste país de contrários que os anta- gonismos sociais impulsionam as grandes massas humanas trabalhado- ras a organizarem-se e lutarem pela socialização das riquezas produzidas.

Apesar dos mecanismos de repres- são e dominação ideológica impostos pelas classes dominantes e pelo Estado marcadamente autoritário, particular- mente na última década a classe tra-

nTbalhadora brasileira acumulou de for-

Edmilson Rodrigues

ma significativa forças, na perspectiva de hegemonia da sociedade, através de inúmeras vitórias obtidas no pro- cesso de luta de classes, construindo a CENTRAL ÚNICA DOS TRA- BALHADORES que pouco a pouco se afirma como única porta-voz dos operários, camponeses, e demais clas- ses trabalhadoras.

As eleições presidenciais de 1989 foram, também, palco de manifestação dos antagonismos sociais. De um lado, LULA, difundindo pelo Brasil afora o discurso da classe trabalhadora e dos oprimidos. Do outro lado, o candidato das elites dominantes, meticulosa- mente empacotado para ser vendido como o melhor produto aos eleitores brasileiros, no afã de anular a "ótica da construção de uma democracia am- pla e pluralista, na qual o poder real das classes trabalhadoras e das massas excluídas regula os ritmos históricos crescentes da República democrática em instauração" (1). O resultado des- se processo, como sabemos, foi equi- librado em termos de votos. E a insig- nificante diferença a favor de Mello por si só já mostra as dificuldades que enfrentará para administrar os destinos da nação. Principalmente consideran- do-se que o grosso de sua maioria re- lativa (42%) de votos foi obtida nos menores e mais atrasados municípios.

além de que, via de regra seus eleito- res não atuam de forma organizada (sindicatos, associações de oradores, etc.) na sociedade.

Porém, o elemento fundamental

'A classe trabalhadora brasi- leira acumulou forças de forma significativa, construindo a CUT na perspectiva da hegemonia da sociedade".

relativo ao possível incremento dos confrontos entre o movimento sindical e o novo governo, através de greves ou outras formas de luta, é a patente inescrupulosidade do programa de go- verno (se é que assim pode ser cha- mado) e da equipe que certamente comporá esse governo, a começar pelo presidente eleito. Existe ainda um fa- tor a ser relevado: trata-se do conjunto de compromissos fisiológicos com seus apoiadores. Como questiona Compa- rato, ao se referir ao montante de 300. milhões de dólares aplicados na cam- panha do candidato vencedor, "... tais verbas não são propriamente despesas, mas investimentos efetuados pelos

Revista ÜNIPOP

MOVIMENTO SINDICAL

de ser feliz meios empresariais, visando um retor- no certo e politicamente exigível?" (2). Como sabemos, a essência da po- lítica econômica do governo Samey

gamento da dívida externa e a sub- missão à lógica imperialista e do sis- tema financeiro internacional; 2) Não existe qualquer menção aos parâme-

'^muf

ui

BK^^^^^ática. Classista e de Massa CONCUT: Decidindo por uma Central ü

será mantida a partir da transferência da faixa presidencial. Senão vejamos: 1) A sangria de nossas riquezas conti- nuará a ser efetivada através do pa-

tros da "renegociação da dívida in- terna", o que nos faz crer que a es- peculação com os títulos da dívida publica continuarão fazendo aumentar

o déficit público e a crise; 3) A neces- sidade histórica de se realizar a refor-

'A essência da política econô- mica do Governo Sarney será mantida a partir da transferên- cia da faixa presidencial, ou seja, o velho receituário do FMI e a tese de que o salário é o principal agente inflacionário".

ma agrária articulada com uma políti- ca agrícola popular nem ao menos é mencionada, acirrando assim os con- flitos fundiários, o êxodo rural, a in- flação e o desemprego; 4) A política salarial prevê um arrocho ainda maior do que a do governo Samey.

Ora, qualquer mente sã sabe que o receituário do FMI expresso no pro- grama acima não resolve; ao contra- rio, agudiza a crise e a conseqüente miséria que advirão da recessão e de- semprego. Aliás, a velha e a Nova Re- publicas foram exímias em defender a tese de que o salário é o principal agente inflacionário. 23

Revista ÜNIPOP

MOVIMENTO SINDICAL

Como vemos, segue determinada lógica a campanha já desencadeada pela classe dominante de que qualquer ato anti-govemo Mello deve ser de- nunciado como "radical" e "irrespon- sável". Ou seja, os trabalhadores e a CUT deveriam abrir mão de suas rei- vindicações históricas, de seus planos de lutas e participar do "entendimento nacional". Quer dizer: ou mellamos a vida de nossos filhos e de nosso país ou seremos jogados contra nosso povo como inimigos de nós mesmos (da na- ção brasileira).

'Ou o novo governo implementa mudanças estruturais, ou terá que enfrentar duros combates com os trabalhadores".

M -—^

Porém, não haveremos de ceder um milímetro de nossas bandeiras, as úni- cas que por sua base científica pode- rão, efetivamente, dar um salto rumo ao desenvolvimento social, que, ga- rantindo a melhoria das condições materiais de vida da massa de despos- suídos, bem como o acesso à educa- ção e a produção científica e tecnoló- gica, criará as bases para a implanta- ção do socialismo com democracia e liberdade. Desta forma, possivelmen- te, vivenciaremos um dos períodos mais críticos de nossa história. Haja vista que, ou o novo governo imple- menta mudanças estruturais na socie- dade (o que implicaria abandonar os compromissos assumidos com o capital monopolista nacional e estran- geiro e com os latifundiários) ou terá que enfrentar duros combates dos tra- balhadores organizados e de todos os setores comprometidos com os princí- pios éticos e materiais de uma verda- deira democracia.

Portanto, sem querer nos tomar proféticos, julgamos que não está des-

*} k cartada a previsão do maior sociólogo

brasileiro, Florestan Fernandes, em ar- tigo supracitado: "O perfil na nação mostrou-se de modo nítido: chegamos ao limite. Agora, ou a mudança social estrutural vem por bem ou terá de sur- gir regada a sangue, por uma guerra civil, que deixou de ser potencial".

Está claro pois, que a responsabili- dade pela paz e o desenvolvimento social está nas mãos do governo. Cabe

'Ou mellamos a vida dos nossos filhos e do país ou seremos jo- gados contra o povo como ini- migos de nós mesmos".

à CUT, e à sociedade civil de modo geral, convencer os milhões de miserá- veis que inconscientemente elegeram Mello de que o "entendimento nacio- nal" passa pelo compromisso com a democracia, a soberania nacional já bastante divulgada na forma de pro- grama de governo da Frente Brasil Popular.*

1) Fernandes, Florestan: Vitória da Derrota, FSP, pA 102, 25/12/89. 2) Comparato, Fábio Konder: Ética e Democracia, FSP, p.A-3, 26/12/89.

* EDMILSON RODRIGUES Deputado Estadual do FT-PA e Secretário do SINTEPP.

Revista ÜNIPOP

TEOLOOIA E POLÍTICA

Por que uma grande fatia da classe trabalhadora não optou por Lula nas

eleições presidenciais? Por que a ca- mada mais pobre da população, em grande parte, resolveu dar seu voto a Collor de Mello, e com isso avalizou o continuísmo pretensamente moderno daqueles que estão no mando da ex-

ploração no Brasil?

Estas perguntas vão ficar .incomo- dando ainda por algum tempo, durante as avaliações que estão sendo feitas pelas forças de esquerda, após as elei- ções. Especialmente se, lá no fundo, acredita-se que a opção do pobre pelo

pobre é automática, o trabalhador que vota no trabalhador.

A lógica popular, constituída de vários fatores, no entanto é outra. Não há nada de automático na política, as- sim como também não há espaço nela para a sorte e o azar. Tudo tem uma razão de ser quando se trata de rea- ções do ser humano.

É para ajudar a procurar as razões de Lula não ter ganho as eleições, como se esperava, que são escritas

estas linhas.

Na campanha presidencial a questão das Igrejas e da Reli- giosidade Popular foram um dos pontos chaves para o sucesso das candidaturas e se coloca- ram entre os principais desafios teóricos e políticos aos setores progressistas.

A razão a ser olhada neste espaço reside no fato de que a Frente Brasil Popular e as esquerdas em geral no

f\ r Brasil não deram um valor justo a um

Teologia Libertadora

A criação de uma nova mística revolucionária Dano Geraldo Schaeffer

/O.

dos componentes culturais mais ca- racterísticos do povo brasileiro: sua religião.

A revolta por parte das esquerdas contra as Igrejas alienantes e aliena- das, contra os aproveitadores do nome

de Deus - como Collor, nesta campa- nha -, por mais compreensível e justa que seja, não resolve o problema nem muda o fato de que uma grande massa de trabalhadores está intimamente li- gada à sua fé. Sua simpatia ou antipa-

Revista ÜNIPOP

TEOLOOIA E POLÍTICA

tia não são ativadas por discursos po- líticos, mas pelos códigos que são gerados por esta fé.

Somente quem consegue penetrar nesses códigos é capaz de dialogar

com o povo, entender sua lógica, sua mística, sua esperança, sua visão de mundo. Quem se nega a fazer isto - ou usa códigos de outra natureza -

está condenado a passar de longe pela história do povo trabalhador, sem ter

condições de conviver com ele no plano político e muito menos tem a possibilidade de transformar sua fé

"Não há nada de automático na política, assim como também não há espaço para a sorte e o azar. Tudo tem uma razão de ser quando se trata de reações do ser humano".

alienante numa fé engajada na trans- formação.

Por que setores do movimento so- cial têm pjeriza em relação à fé cristã?

Uma grande parte dos militantes, em seus primórdios de participação, estava ligada a alguma comunidade religiosa. Quando assumiu uma posi- ção crítica frente às razões da opres- são, não mais se sentiu bem em sua relação comunitária e rompeu os la- ços. Ficou, na sua subconsciência, a imagem de uma Igreja tradicional, sem vínculo com a transformação. Esta imagem ficou sendo sinônimo de fé. Quando entra em contato, muitas

vezes superficial ou distorcido, com postulados marxistas, acaba deixando

de lado a preocupação com a religião. E, com isto, deixa de lado também os que se preocupam com ela.

Este fato não é trabalhado sufi- cientemente pelas organizações dos trabalhadores. As comunidades de Ba- se tentam suprir esta lacuna, mas é uma luta árdua em duas firentes: Igreja

tradicional e Estado burguês. As lutas intestinas das Igrejas de-

monstram que o relativamente peque- no grupo de cristãos conscientes e militantes da transformação não têm vida fácil, mesmo tendo apoio de al- guns bispos. Esta relação complicada e não digerida cientificamente a nível popular leva à revolta ou então ao de- sinteresse, que acaba em julgar a questão religiosa como sendo de me- nor valor.

Por outro lado, trabalhadores que não têm acesso ao trabalho de cons-

cientização passam a engrossar muito rapidamente a massa daqueles que são atraídos pelas Igrejas pentecostais.

Os códigos usados por estas Igrejas são extraídos do senso comum popu- lar e transcodificados para uma lin- guagem religiosa. A grande aceitação disto pelo povo reside na falta de con-

fiança nas instituições. Esta confiança é jogada para o religioso, o incomen- surável, o imprevisível. Suas catego- rias de pensamento e de preocupação

não situam-se mais na esfera do polí- tico, mas do religioso, que para ele são grandezas separadas. Somente al- guém que corresponda ao seu critério religioso é válido; o que não corres- ponde, não o é. O critério e a conse- qüente proposta são pensados em mo- delos rígidos de comportamento. Por isto são conservadores.

A participação de Collor em mis- sas, fazendo uso de sua aparente, por- que hipócrita, "profunda fé em Deus", com o apoio tendencioso de jornais, através de comparações foto- gráficas a ele favoráveis (código sim- ples, mas positivo para a visão da

21 Revista ÜNIPOP

TEOLOOIA E POLÍTICA

28

massa religiosa), começou a render- lhe milhões de votos. Quando a Frente

Brasil Popular deu pelo fato, jogou tudo o que tinha a seu dispor nesta

área, para tentar reverter o fato que acabou sendo decisivo nas umas: as

Igrejas de massa se posicionaram ao lado de Collor e do continuísmo. E

mais: fizeram campanha aberta para isto.

"A Frente Brasil Popular e as esquerdas em geral não de- ram um valor justo a .um dos componentes culturais mais característicos do povo brasi- leiro: sua religião".

A Frente por sua vez, passou a ter o apoio nada desprezível - e pela pri- meira vez na história -, de Bispos, padres e pastores. Enquanto os católi-

cos eram combatidos por Roma (o fe- chamento de seminários no Recife não aconteceu por acaso na época da cam- panha presidencial), os envagélicos históricos eram combatidos por suas bases de índole burguesa. Mas a pre- sença de líderes de Igreja foi contí-

nua. O encontro das CEBs em Duque de Caxias garantiu um apoio de uma camada consciente e ampla da Igreja católica de base.

Mas a reversão deveria mesmo acontecer no eleitorado evangélico.

Os pedidos de cultos ecumênicos começaram a se multiplicar, de emer-

gência, da manga, seja como for. Co- missões de evangélicos pró-Lula di- vulgaram manifestos e abaixo-assina- dos por todo o Brasil. Foi tão penosa quanto comovente a tentativa de se fazer um corpo-a-corpo nas praças no

Dia da Bíblia (10 de dezembro), em que as Igrejas evangélicas celebravam um ato público.

Mas a solução do problema já não estava mais ao alcance de atitudes cir- cunstanciais. Ele se encontrava insta- lado nas cabeças e nos corações de

milhões, pertencentes à classe de ren- da mais baixa do país: a salvação, pa- ra eles, só poderia vir pelas mãos de alguém que conhece a máquina do governo e ao mesmo tempo representa os valores cristãos e patrióticos inse-

ridos em seu programa de vida. E Collor soube se aproveitar muito bem

disso. A Bíblia alertava os crentes, no Apocalipse, contra o dragão que emer-

ge do mar - o comunismo e seu repre- sentante: Lula. "Caso Lula ganhar, este será o sinal para o desenvolvi- mento dos sofrimentos últimos pre- vistos na Bíbüa".

O problema se situa num nível pro- fundo:

Vamos encontrá-lo, em verdade, nas raízes da cultura religiosa do povo brasileiro. Historicamente, ele não foi apenas oprimido economicamente, materialmente. Mas o foi primordial- mente a nível ideológico, cultural- mente. A cabeça foi preparada para ser subjugada, A tradição étnica dos vários povos do Brasil foi destruída e foi colocada em seu lugar a cultura pré-fabricada para povos oprimidos, obedientes e que aceitam como normal o fato de haver classes oprimidas e opressoras.

Isto se fez através das Igrejas e da religião de um modo todo especial. As expressões religiosas - salvo honrosas exceções - foram concreções da sub-

serviência a um Deus que era manco- munado com a ordem, existente: o Deus oficial.

A aculturação aconteceu através dos séculos, de escola em escola , de

pai para filho. Os que não se adapta-

"As Igrejas Pentecostaís transcodificaram o 'senso Co- mum' para uma linguagem reli- giosa, jogando a confiança po- pular para o incomensurável, o imprevisível".

vam eram excluídos e o são até hoje.

Esta atitude de exclusão gerou um fato curioso, que hoje se repete. Diz-

se: Se não concordo com algo, afasto-

me disto e procuro meus próprios ca- minhos. Este posicionamento filosófi- co individualista se tomou senso co- mum e foi levado para dentro das lu- tas de esquerda. Forma fundante das

atitudes sectárias, no caso, em relação a manifestações religiosas.

Tal atitude leva ao afastamento não apenas ideológico mas político e so-

Revista UNIPOP

TEOLOGIA E POLÍTICA

ciai entre grupos, bem como da práti- ca do debate, da discussão, do conví-

vio com a divergência, da luta dialéti- ca, e finalmente sobrevive (?) apenas o pensamento corporativista que aceita unicamente os iguais, sem for- ças para avançar para onde estão os que sofrem de maneira idêntica, mas

pensam de maneira diferente.

O efeito disso é a excomunhão de um pelo outro. Não há como estabele- cer o contato com os da mesma classe.

Ouviu-se muito de um lado: "Você é cristão? Não tenho nada a ver contigo, não creio em Deus". De outro: "Tu és do PT e apoias Lula? Não tenho nada

a ver contigo. És comunista". Esta pseudo-colocação alternativa é mostra

"Os pedidos de Cultos Ecumênicos começaram a se multiplicar, de emergência, da manga, 'seja como for'... Mas a solução do problema já não es- tava mais ao alcance de atitu- des circunstanciais".

de imaturidade. Na verdade, não está aí a diferença, não está aí o problema. Quem olha conscientemente para o que vive e para o que sofre, sabe que o problema reside na exploração e na conseqüente miséria. Mas criou-se

uma separação artificial para facilitar a dominação. E, como esta divisão é aceita de ambos os lados, está trazen- do dividendos fabulosos para os que estão no poder e querem continuar nele. Estão colocados para as esquer- das brasileiras dois problemas no as-

sunto abrangido por este artigo: 1 - A resistência das organizações

em tratar assuntos teológicos ligados à

questão política, no mais comovente e conservador estilo de "política e fé não se misturam". Como superá-la?

2 - Os que superam este precon- ceito defrontam-se com a tarefa difícil de penetrar na massa dos trabalhado- res com uma proposta de teologia li- bertadora ou com a proposta de cria- ção de uma nova mística revolucioná-

ria.

O primeiro problema somente se resolvera através de um novo processo de formação política, :. de concepção plural. Nesta formação deverá estar incluída a formação teológica de cu- nho ecumênico como parte integrante,

e não mais estigmatizada, como algo restrito às Igrejas e às denominações religiosas. Não se pode fazer política sem levar em conta, de modo sério, o componente teológico fundante da so-

ciedade.

O segundo problema não propõe o uso de códigos e de métodos usados pelas Igrejas ou seitas de massa. Mas sim o respeito às tradições evangélicas que trazem em si uma mensagem de libertação. Pois somente com a serie- dade de um estudo aprofundado da teologia política e econômica, pode-se chegar a libertar a teologia do ranço conservador e arrancá-la das mãos de seus exploradores, colocando-a de volta para aqueles que a fizeram pri- mordialmente: os trabalhadores. Com ela, o povo pode se instrumentalizar para assumir seu processo de liberta- ção.

O segredo de fazer com que as massas trabalhadoras iniciem este pro- cesso nos é colocado como um desa- fio. Mas sem dúvida começa pela aceitação da proposta de uma nova formação política pelas próprias lide-

ranças e pelas organizações dos tra- balhadores, que lutam pelo socialismo no Brasil.

A eleição, quem sabe; teria sido vitoriosa para Lula se tivesse aceitado isto antes.

Mas outras eleições virão..."^

' DAHIO G. SCHAEFFER é Pastor Luterano, Educador Popular e Diretor Geral da UNIPOP.

29 Revista UNIPOP

PERESTROIKA E GLASNOST

Uma análise objetiva da rea- lidade soviética e dos paí- ses do leste europeu ao longo dos últimos 30 anos, em especial do período Gorbachev, demonstra que sua evolução vive a con- tradição entre dinamismo e

imobilismo. Um dinamismo que re- sulta do crescimento econômico e social impressionante, mas que vem tendendo à estagnação a partir dos anos 70. É um imobilismo resul- tante do controle burocrático sobre o Estado e a Sociedade, que priva o país, principalmente a classe tra- balhadora, de boa parte dos avan- ços da revolução.

E importante ressaltar que na União Soviética "a propriedade estatal de todas as empresas indus- triais, de transporte e financeira importante (isto é, dos meios de produção e circulação) combinada

com a supressão legal (constitucio- nal) do direito de sua apropriação privada; o planejamento econômico centralizado e o monopólio estatal do comércio exterior implicam a ausência de produção de mercado- ria generalizada e do domínio da lei do valor na URSS" (1). Ou seja, a economia já não é capitalista. Contudo, ainda sobrevive a produ- ção de mercadoria - essencialmente meios de consumo - devido à pres- são do mercado mundial, o nível das forças produtivas, o conflito de interesses entre classes sociais (o- perários, camponeses) e camadas sociais (burocracia), e as diferenças estruturais entre a indústria e a agricultura, dentre outros fatores.

A burocracia não é uma nova classe dominante. Seus privilégios materiais se restringem à esfera do

Revista ÜNIPOP

INTERNACIONAL

consumo, sob duas formas: rendi- mentos monetários (inclusive rou- bos e corrupções) e vantagens não monetárias, como acesso às lojas especiais, automóveis, etc. Pos- suem um acesso maior e melhor aos bens de consumo, mas não possuem a propriedade privada dos meios de produção. Isto se deve à não exis- tência de mecanismos econôniicos?

pelos quais a satisfação de seus próprios interesses possa ajustar-se à otimização do crescimento eco- nômico.

E em meio à crise do modelo bu- rocrático de desenvolvimento que surge Gorbachev e a necessidade da Perestroika. Superar a diminui- ção contínua do crescimento eco- nômico e evitar uma queda na es- tagnação é o objetivo principal da Perestroika, da equipe de Gorba- chev e da ala da burocracia que o impulsiona. "O que se pretende hoje é a manutenção do planeja- mento central nos setores básicos - como de transporte, comunicação, matérias-primas fundamentais, ele- tricidade e combustível - portanto, um planejamento de caráter estraté- gico mais acoplado à autonomia ge- ral das empresas, dos coletivos dos trabalhadores, dos agricultores e da própria iniciativa individual" (2).

A reconstrução de Gorbachev é resumida na fórmula Racionaliza- ção e Rentabilidade, visando aumentar a quantidade, a variedade e sobretudo, a qualidade dos bens produzidos: fazê-los com menores custos, obter melhores resultados com relação aos investimentos efe- tivados, etc. Para tal, se faz neces- sário também a modernização: uma economia de equipamentos, energia e matéria-prima; informatizar e ro- botizar os setores de ponta; au- mentar a autonomia das empresas e

do rendimento individual dos traba- lhadores; e melhor integração ao mercado mundial.

Essas reformas econômicas, al- gumas das quais tentadas anterior- mente (Reforma Liberman por exemplo), não terão resultados pal- páveis se não motivarem as massas

"0 socialismo não está em crise, o que presenciamos é o colapso do modelo de partido único fundido com Estado gi- gante, sob a direção de uma camada separada da classe".

e quebrarem os privilégios da buro- cracia - neste ponto é que encon- tramos as maiores limitações da Pe- restroika. Até agora, a mesma ob- teve tímidos resultados econômi- cos, devido ao boicote de parcelas da burocracia estatal (18 milhões de pessoas se encontram fora da

produção trabalhando no aparelho do Estado Soviético) e pela falta de motivação e iniciativa criadora da população trabalhadora. Por isso só podemos entender a Perestroika combinada com sua variante políti- ca - a Glasnost, ou abertura.

A Glasnost tem objetivos deter- minados, que visa a "afastar os re- presentantes mais tenazes do imo- bilismo em todos os escalões do aparelho, isto é, abrir o caminho para a Perestroika nas esferas supe- riores da sociedade, engrenar esse processo da sociedade, a fim de li- berar energias criadoras e permitir iniciativas indispensáveis para o sucesso da própria Perestroika" (3).

Nessa abertura política, podemos reconhecer como avanços a libera- lização da mídia e a liberdade de discussão e crítica, a modernização e depuração do aparelho estatal, como também a flexibilização das instituições e mecanismos de exer- cício de poder. Neste último as- pecto houve mudanças importantes

Ernesto Císneros do FMLN. Em dabate promovido pela Unipop e Centro de Solidariedade "19 de Julho": "A Perestroika é um Fenômeno Mundial".

31 Revista ÜNIPOP

no que diz respeito ao fortaleci- mento do poder dos sovietes, numa maior separação entre Partido e Estado e no próprio processo elei- toral. Contudo, existe uma resistên- cia muito grande em dar passos mais decisivos, como pôr fim no partido único e reconhecer o direito de organização de oposições nos marcos constitucionais (legalidade socialista).

O processo de reestruturação de- sencadeia mecanismos bastante contraditórios, estimulando interes- ses opostos uns aos outros. Seria um erro gigantesco subestimar as possibilidades de avanço que as reformas em curso proporcionam ao processo de consciência e orga- nização independente das massas. A burocracia tem conhecimento desses riscos, porém o risco de uma estagnação e de um declínio eco

nômico acelerado é maior para seu

INTERNACIONAL

status quo, ou seja, sua posição so- cial.

O processo já não pode ser ga- rantido com o uso da força bruta. Conquistar a hegemonia na socie- dade é a principal mensagem de Gorbachev e de suas reformas. Elas provocam a instabilidade política (veja o caso do leste europeu), mas, paradoxalmente, são a única alterna- tiva política de que dispõe a buro- cracia, para evitar um lento e segu- ro processo de decomposição social de amplitudes imprevisíveis. Pode- mos citar como exemplo dessa mu- dança o tratamento negociado para a greve dos mineiros.

0 LESTE EUROPEU VIROU UM VULCÃO

Os efeitos da Perestroika tiveram repercussões avassaladoras nos paí- ses da Europa Oriental. Presencia-

Revista ÜN1POP

mos, em junho, a derrota do Partido

Comunista nas eleições da Polônia com o Sindicato Solidariedade as- sumindo o poder; em outubro, o PC Húngaro se declarou extinto e foi adotado o pluri-partidarismo na Hungria; em setembro, a mesma Hungria abre suas fronteiras com a Áustria, servindo de estopim para as mudanças na Alemanha Oriental, como a explosão social durante a visita de Gorbachev àquele país e em pouco mais de um mês a queda do muro de Berlim juntamente com a de toda direção do PC; na Tche- coslováquia, em dez dias, cai toda direção do PC e, através de grande manifestação, o recém-criado Fó- rum Cívico consegue um Governo de coalizão; por último, no mês de novembro, eclode a revolução Ro- mena e a destituição de Ceauscescu que, juntamente com o PC, insistia em não mudar.

As mudanças na URSS tiveram esse efeito devastador no leste eu- ropeu, pela ilegitimidade de poder nas diferentes burocracias. Com excessão da Iugoslávia, nenhuma chegou ao poder através de revolu- ções populares, e sim pelas pres- sões e intervenções militar-buro- cráticas do Kremlin. Essa ilegitimi- dade foi reforçada pela Doutrina da Soberania Limitada, imple- mentada no Governo Brejnev, que gerou intervenções militares para sufocar revoltas populares na RDA (1953), Hungria (1956) e Tche- coslováquia (1968).

Os países da Europa Oriental, com exceção da RDA, atravessam uma grave crise, sofrendo tanto os efeitos das crises capitalistas quanto das inerentes ao seu próprio sistema. Essa crise tem como prin- cipais aspectos "o endividamento e juros crescentes da dívida em re-

INTERNACIONAL

lação ao Ocidente e à URSS; défi- cit crônico da balança de paga- mentos; investimentos insensatos com pequeno ou nenhum retomo; inflação crescente, quando não ga- lopante; redução desastrosa no ní- vel de vida das massas; e dilapida- ção maciça de recursos acompa- nhada de uma poluição que é a pior da Europa" (4).

As tentativas de superação eco- nômica, que seguiram diretrizes semelhantes às que estão sendo propostas pela Perestroika tiveram um balanço decepcionante, como é o caso da Hungria e em parte da Polônia. Nestes casos não houve reformas políticas.

Nos planos de Gorbachev, o ideal seria que, nos países da Euro- pa Oriental, se estabelecessem go-

' Conquistar a hegemonia na sociedade é a principal mensa- gem de Gorbachev e de suas reformas. Elas provocam a ins- tabilidade política, mas, parado- xalmente, são a única alternativa política de que dispõe a burocra- cia para evitar um lento e se- guro processo de decomposição social de amplitudes imprevisí- veis".

vemos de direções comunistas, comparáveis ao de Primavera de Praga, gozando de uma real legiti- midade diante das massas e traba- lhando em um quadro de relações soberanas com a União Soviética. Porém, os últimos acontecimentos mostram uma realidade mais com- plexa, senão vejamos:

Primeiro, as mudanças têm sido bem mais radicais no campo políti- co do que no ritmo da Glasnost so- viética, inclusive tendo como um dos seus eixos unitários, em todos os países, um questionamento do papel dirigente dos PCs, com a

formação de governos de coalizão, alguns de maioria não-comunista (entendida enquanto não PC), pre- vendo-se que onde ocorrerem eleições livres os PCs serãj» derro- tados,como foi o caso polonês.

Segundo, se notamos avanços Q Q

Revista ÜN1POP

INTERNACIONAL

34

políticos consideráveis, no campo econômico a realidade ainda é bastante obscura. Algumas refor- mas implementadas, como a polone- sa, húngara e iugoslava, deixam no ar a preocupação com o aumento

das desigualdades, ressurgimento do desemprego em alguns setores de trabalho assalariado privado. No entanto^ estas reformas não supera- ram a crise e não haviam sido acompanhadas por reformas políti- cas tão profundas quanto as atuais.

0 SOCIALISMO ESTARIA EM CRISE?

Após o Massacre da Praça da Paz Celestial e, agora, diante dos acontecimentos na Europa Oriental, muitos ideólogos burgueses se apressam a proclamar a falência do marxismo e das tentativas de cons- trução socialista. Mais grave, mui- tos militantes de esquerda se en- contram perplexos perante denún- cias de nepotismo, massacre, opres- são nacional etc, que vêm à tona a partir das revoltas populares no leste. É uma situação que lembra a crise do PC diante das denúncias sobre os crimes de Stalin em 56.

O socialismo não está em crise; o que precisamos é o colapso do modelo de partido único fundido com Estado gigante, sob a direção de uma camada separada da classe - a burocracia, modelo este imple- mentado a partir da década de 20/30 por Stalin na URSS e depois fotocopiado para o Leste Europeu. A repolitização das massas nestes países através de grandes manifes- tações (inclusive guerra civil, como no caso romeno) e a exigência do fim do partido único demonstram a vitalidade do marxismo. "O mar- xismo não pode ser visto como algo

cristalizado para todo o sempre. Se é uma doutrina que precisa se de- senvolver, ele progride por varia- das tendências, através de cami-

nhos múltiplos, da competição en- tre as correntes, da discussão livre (...) O Marxismo não pode ser uma doutrina imposta nas escolas dos países socialistas como catecismo religioso" (5)

Trava-se um debate em que muitos afirmam que os países do leste estariam voltando para o ca- pitalismo (alguns consideram que nunca saíram). A análise destas so- ciedades não nos garante isso, e mesmo as reformas propostas não reintroduzem as premissas básicas do capitalismo. Para que tal ten- dência se firmasse terá que revogar conquistas históricas destes povos, como o pleno emprego, e isto não se fará sem a resistência da própria classe operária destes países. Como não acredito em transição pacífica (revolução pacífica) para o socia- lismo, também a contra-revolução não existe desta forma.

Sobre os limites do socialismo, a Polônia é um bom exemplo, pois é o país onde o anticomunismo é mais forte, onde a influência da igreja reacionária é forte, mas, no entanto, estudos feitos durante 25 anos sobre o povo polonês consta- taram (6) que 66% gostariam que o mundo evoluísse para o socialismo, 70% são contrários a privatizar empresas na indústria de médio porte e comércio, enquanto 90% são contrários a qualquer privatiza- ção na grande indústria e comércio exterior.

Considero papel dos que lutam pela transformação social o posi- cionamento crítico em relação as reformas de Gorbachev, apoiando as medidas que aprofundem a de- mocratização do exercício do poder e que impliquem na melhoria de vi- da do povo, mas sendo críticos a qualquer iniciativa que vise revogar conquistas revolucionárias, assim como lutar para que haja nestes países a autogestão operária demo- craticamente centralizada e articu- lada, assegurada pelo pluralismo político.*

NOTAS

(1) - Mandei, Ernest - Além da Perestroika volu- me II, Busca Vida, 1989, pág. 169.

(2) - Gorender, Jacob • Crise Mortal ou Recons- trução in Teoria e Debate ne 8, PT/SP, 1989, pág. 09.

(3) - Mandei, Ernest - Além da Perestroika, volu- me I, Busca e Vida, 1989, pág. 126.

(4) - Idem, pág. 192. (5) - Gorender, Jacob - Op. cit. pág. 12. (6) - Nowak, Stefan - Valores e atitudes do povo

polonês, citado por Ernest Mandei.

* Luiz Araújo é licenciado em História pela UFPa, professor da rede pública de ensino e presidente do SINTEPP.

Revista UNIPOP

CULTURA

a quem não conheço.

... o corpo ainda treme e angustia o momento da caridade. Há homens ex- tremamente caridosos. Outros extre- mamente caridosos consigo mesmo. Aquela luz que havia num átimo de vida soluçou à urgente escuridão e entreolhos, triste, me surgiu a dor, como um riacho em piracema: negro, fervilhante e quente. Senti de meus olhos sair a escuridão, tomando o rosto, depois os membros, depois de todo o corpo.

Como será o mundo desconhecido do Senhor Tempo?... que não enve- lhece o amor? Como dormirá o ho- mem de olhos insistentemente relu- zentes, ao ponto de cansar-se de tanto amar-se? E como ficarão suas pernas caminhadas, dolorosamente emara- nhadas no etemo-fugidio-caminho-so- lidão? Sinto-me cansado. Automati- camente instalado neste coração. Dele fiz minha casa na tentativa de escon- der-me dessa estranha luz.

Ofereceram-me flores e recebi. Da primeira já não lembro. Mas recebi muitas flores à medida que passava o tempo. Sufocaram-me! Enterraram- me um grito engasgadamente agudo e frio na garganta. Desdobrar-me, con- solar-me... isso já me é muito pesado.

Quero falar-te de um amor que aprendi e tratei com carinho, cuidando de sua atemporalidade para que hoje pudesse te ofertar. Mas me inundei de amor. Sustentei-me em um nó frouxo e dilaceradamente impotente. E agora? Como cuidar de mim sendo sempre mais do que o eu que querem? Sendo sempre mais que o deus que dorme dentro de mim?

Sabe, quero falar-te de amor que seja simples e belo como a flor que recebi. Mas a flor secou, cristalizando o tudo que restou de mim.

Revista ÕFflPC 35

36

2--^|l imprescindível ser ponto 1 de pauta entre as insti- I tuições, entidades, gru- 1 pos e associações cultu- 1 rais, a campanha nacio- 1 nal pela Regionalização

^^^J da Produção da Televi- I são e do Rádio. Vitali-

zada pela Confederação Nacional de Teatro Amador - CONFENATA

e pelo Sindicato dos Artistas e Técnicos do Rio de Janeiro - SA- TED-RJ, esta campanha visa a des- centralização da informação e pro-

gramação dos meios de comunica- ção de massa que, hoje, neste país,

cria condições favoráveis de total controle e censura, por parte da- queles que detêm o poder sobre es-

ses meios. Apresentando uma falta de visão

sobre as diversidades regionais bra- sileiras, os programas produzidos nos grandes centros, - eixo Rio/São Paulo -procuram adequar à vida orgânica de cada região mo- dismos alienantes. Esta centraliza- ção da informação, através dos meios de comunicação, é co-autora de uma série de fenômenos de de-

sagregação cultural. É visível a força que compele os

profissionais a se deslocarem para os centros do país, em busca da "sorte" em mercados já extrema- mente saturados, pois, só ali, teriam

ínfimas chances de participarem da produção de novelas, filmes, pro-

gramas humorísticos, telejomais ou quaisquer outras atividades desse caráter.

Lutando pela transformação des- se cenário caótico, artistas, entida- des, partidos políticos e seus qua- dros, apresentaram a nível federal e

CULTURA

Campanha pela regionalização da produção da TV e do Rádio

A democratizaçi comunicação sob

popular As TVs e Rádios são conces- sões do serviço público, mas os concessionários na prática fun- cionam como os grandes pa- trões da comunicação no Brasil, centralizando a produção no eixo Rio-São Paulo e colocando os seus préstimos a serviço da sustentação política e cultural das elites econômicas e da alie- nação popular.

Wlad Lima

estadual, projetos de lei, emendas e mobilizações com a finalidade de garantir tanto a regionalização des- sa produção, quanto a abertura de mercado de trabalho a atores, auto- res, músicos, cantores, bailarinos, artistas plásticos, técnicos e outros.

Para melhor aprofundamento da discussão, publicamos a seguir o projeto de lei da deputada Bete

Mendes, sobre a regionalização.

O Congresso Nacional, decreta: Art. ls - Todas as estações de

televisão e rádio do país, localiza- das em centros de mais de 300.000

(trezentos mil) habitantes, estão obrigadas a transmitir, no mínimo,

60% de programação cultural na- cional, dos gêneros jornalísticos, cinematográfico e tele-rádio-teatral,

utilizando artistas e técnicos brasi- leiros, aqui incluídas, quer a pro-

Revista ÜNIPOP

CULTURA

o da ontrole

■ppr Exercício nP 1, Dorst e Brecht

gramação regional ou local. Art. 2- — Ao lado daqueles

emitidos em rede nacional. Rádio e TV manterão, obrigatoriamente, programas jornalísticos de realiza- ção regional ou local, no mínimo, duas vezes ao dia.

Art. 32 — Além dos jornalísti- cos, todas as estações geradoras de TV e Rádio locais e regionais são obrigadas a programar e exibir

30% de trabalhos culturais ao vivo ou em vídeo-tape, ou gravados,

feitos na região, com 50% de pes- soal técnico e artístico local ou re-

gional. Art. A- — Esses 30% serão exi-

bidos e veiculados diariamente,

entre 14 e 24 horas. Art. 59 - Além das três horas

destinadas à programação cultural, é obrigatória a exibição e veicula- ção diária de mais 01 (uma) hora de comerciais de realização regional.

Art. 6- — Para os efeitos desta lei consideram-se trabalhos cultu- rais toda e qualquer produção de tele-rádio-dramaturgia, dança, tea- tro, ópera, circo e variedades, shows musicais e espetáculos afins.

Art. 79 - E obrigatória a exibi- ção em TV de, no mínimo, 01 (um) filme brasileiro de longa metragem e 01 (um) desenho animado bra-

sileiro, por semana. Art. 89 — As emissoras terão o

prazo de 06 (seis) meses, após a edição desta lei, para se adequar a ela.

Art. 9- — Após esses seis me- ses, ausente ainda a produção nesta

proposta, fica facultada, às emisso- ras de televisão, a exibição de fil- mes nacionais, preferencialmente regionais, em substituição à pro- gramação aqui prevista e, às de rá- dio, promoção de música popular brasileira.

Art. 10 — E obrigatória a codi- ficação, para transmissão ou retrans- missão, via satélite, dos sinais emi- tidos pelas emissoras ou redes.

Art. 11 — A fiscalização pelo cumprimento ao estatuído nesta lei, caberá, inicialmente, ao Departa- mento Nacional de Telecomunica-

ções e, depois de criado, ao Con- selho de Comunicação Social, no sentido de aplicar-se aos infratores

penalidades cabíveis: a) multa progressiva, equivalente

a 25 (vinte e cinto), 50 (cinqüenta) e 100 (cem) por cento do fatura- mento de comercialização do horá-

rio, nas três primeiras ocorrências de desatendimento;

b) a partir de segunda ocorrên-

cia, a multa será aplicada conco- mitantemente à suspensão da exibi- ção da programação pelo período

desatendido, durante o qual a emis- sora devera manter no ar a expres- são: "Horário reservado à regiona- lização".

Art. 12 — Findo o prazo pre- visto no art. 99, a não observância desta lei sujeita as infratoras às pe- nalidades previstas no art. 11.

Art. 13 — O valor equivalente à multa aplicada à infringência dos preceitos desta lei será recolhido, em cada Estado da Federação, aos cofres da Fundação para o Bem Estar do Menor, ou entidade equi- valente, e destinado ao atendimento de atividades educacionais de tais

entidades. Art. 14 - Esta lei entrará em

vigor, na data de sua publicação, revogadas as disposições em con-

trário.

"Os programas produzidos nos grandes centros. Rio e S. Paulo, não respeitam as diver- sidades regionais, impondo modismos alienantes. centrali- zando a informação e promo- vendo uma série de fenômenos de desagregação cultural".

37 Revista UMÍPOP

CULTURA

JUSTIFICATIVA DO PROJETO DE LEI

O presente projeto de lei preten- de o estabelecimento da obrigato- riedade de exibição, pelas emisso- ras de TV e rádio, de programação

cultural regional, antiga aspiração do setor, hoje felizmente contem-

plada na atual Constituição Fede- ral.

Do mérito da proposição, no que diz respeito à, realização em si, não há que falar-se, eis que só a vi- são do mapa geo-sócio-político do

país, é razão bastante para justificá-

la.

Pretendendo colocar-se tão pró- ximo da atual realidade artístico- operacional do setor, quanto possí- vel, este projeto fala em regionali- zação à proporção de 30% do total o que, parece-nos, dentro do qua- dro atual, já é bastante alentador.

O projeto considerou a exibição

para regionalização de 04 (quatro) horas diárias, reserva de mercado que certamente virá a atingir posi- tivamente a médias e pequenas em- presas do setor, quer no que tange à produção cultural de rádio e TV,

quer à publicidade. Quanto ao desenho animado, a

produção nacional, conquanto inci-

38

Exercício n.02, Arrabal

Como hoje está estabelecido, predomina a programação nacional

em rede (integrada por produção nacional e internacional), e à re- gionalização, em verdade, pouquís-

sima ou nenhuma atenção é dada, salvo honrosas exceções que con- firmam a regra.

piente, é de excelente qualidade e sua inclusão no projeto tem, tam- bém, o objetivo de incentivar e es- timular sua produção.

De outro lado, prevendo as difi- culdades de adaptação, e eventual ausência de produção imediata, oferece ao lado de prazo de carên-

cia, a alternativa de exibição de programação de filmes nacionais e regionais, na TV, e de música po- pular brasileira no rádio.

Havendo a Constituição Federal prescrito a criação do Conselho de Comunicação Social, o projeto já procurou integrar a matéria da fis-

calização do mesmo, dentro de sua atribuição de órgão auxiliar do

Congresso Nacional. Por outro lado, considerando o

grau de influência a que, em espe- cial, a população de menor faixa

etária está submetida, relativamente ao programado pelas emissoras quer de rádio quer de TV, o projeto entendeu adequado canalizar os in-

gressos advindos da aplicação da penalidade às infratoras, para enti- dades de defesa à infância e ju- ventude.

Estabelecida a regionalização, faz-se indispensável, por via de conseqüência, a codificação da si- nalização que identifica as emis- sões.

RegionaUzação e cultura devem caminhar juntas, eis que funda- mentais à história do país. Deputa- da Bete Mendes.

ÀS MARGENS DO POSSÍVEL

Com a aprovação de projetos a esse nível teríamos a certeza do

processo de democratização da opinião pública nacional, pois abrir-

se-ia uma obrigatoriedade de pro- dução artística regional.

Essa obrigatoriedade traria a to- na, produções já existentes ou abri- rá perspectivas férteis de criação. Seriam recuperadas obras que, pela

Revista UNIPOP

CULTURA

"Alfredinho quem diria, acabou no Waldemar'

falta de penetração nos meios de comunicações local, caíram no es- quecimento ou no consumo restrito. Vislumbra-se a total efervescência das artes e a máxima expressão de nossas manifestações culturais.

Nas margens do possível, essa regionalização repercutirá no nível de formação de nossos produtores

culturais. Com acesso a uma boa formação e conscientes do alcance político de seu fazer artístico, have- ria uma cadeia de mobilizações a fim de transformar e equacionar a

política cultural do Estado às reais necessidades das diversas catego- rias e movimentos.

'A regionalização repercutirá no nível de formação de nossos produtores culturais".

CENTRAR FORÇA NA CAMPANHA

Entendendo a importância dessa campanha á nível dos movimentos populares, sindicais e da pastoral ecumênica, a UNIPOP se integra

nessa luta abrindo um vínculo cul- tural com as diversas entidades que a compõem e outras afins, colocan- do-se à disposição para expor e de- bater a questão cultural na defesa dessas propostas, oferecendo, in- clusive, o empréstimo de um vídeo sobre a campanha, onde encontra- se o depoimento de vários compa- nheiros da área artística, respalda- dos competentemente, como repre- sentantes de nossa categoria. Além

do que, está à disposição para dis- tribuição, cópias do livreto produ- zido pela CONFENATA e SA- TED-RJ, contendo diversos depoi-

mentos e o projeto de lei aqui pu- blicado.

Avançando nas discussões na área da política cultural do Gover- no eleito, acompanhado de uma análise crítica, tendo como referen- cial comparativo o programa de cultura da Frente Brasil Popular, para subsidiar a feitura de um pro- grama nesta área à nível das orga- nizações populares e da relação dessas com o Estado. Dentro do as- sunto tratado, poderemos citar co-

mo exemplo: a criação de um Con- selho de Comunicação Social, com representantes da sociedade civil; melhor ainda: representantes das categorias produtoras de nossa re-

gião.*

' WLAD UMA e diretora e atriz de teatro, membro da FESAT e Coordenadora do Núcleo de Cultura da UNIPOP. 39

Revista UNIPOP

ENTREVISTA

40.

Sua primeira participação em um movimento de massa foi em 1975, na distante localidade de Miritituba, na Transamazônica, quando, em compa- nhia de dezenas de outros lavradores gaúchos, apossaram-se, por algumas horas, de três caminhões do Incra. Ele próprio hoje avalia que a iniciativa foi mais um ato de coragem, sem qual- quer consciência ou o mínimo de or- ganização, pois apenas reagiram con- tra o representante do órgão, que se negava a fornecer-lhes transporte. Hoje, esse mesmo gaúcho é deputado estadual, eleito em 1986 pelo Partido dos Trabalhadores (PT), com apoio significativo dos lavradores da região do município de Santarém, inclusive de seus conterrâneos gaúchos da Transamazônica.

Essa é a trajetória política de Val- dir Ganzer, desde que chegou ao Pará, ou mais precisamente à Transamazô- nica, em 1972, com o êxodo de tra- balhadores rurais do sul, sudeste e nordeste do país, patrocinado pelo Governo Federal, através do Incra, com o intuito de povoar e colonizar a Transamazônica. Diante de uma reali- dade tão inóspita e totalmente dife- rente daquela anunciada pelo Incra, que lhes havia prometido terra, casa, criações domésticas, hospital e escola, Valdir e seu irmão Avelino, atual vi- ce-presidente nacional da Central Única dos Trabalhadores, não tarda- ram a se destacar como fortes e in- fluentes lideranças camponesas.

Mas foi somente a partir de 1976, com as influências do trabalho pasto- ral da igreja, onde chegou a ser cate- quista, que Valdir passou a imprimir, conscientemente, um sentido mais po- lítico ao trabalho de organização dos camponeses da região, estimulando-os ao engajamento sindical. Em 1979, Avelino Ganzer foi eleito delegado sindical daquela região, mesmo estan- do o STR de Santarém em mãos de di- rigentes pelegos. Nesse mesmo ano criaram a corrente sindical "Trabalha-

Retrato da luta

Valdir Ganzer dores Unidos", articulação camponesa decisiva à vitória que não tardou: no ano seguinte, a chapa de oposição saiu vitoriosa e Valdir eleito tesourei- ro do sindicato.

A compreensão política de Valdir, associada à visão histórica sobre o processo de emancipação dos traba- lhadores no Brasil, levou-o a redimen- sionar sua militância e assumiu, já em 1982, a vida partidária, quando, em companhia de outras lideranças sindi- cais, funda em Santarém o Partido do

Trabalhadores. Hoje, além de deputado estadual,

Valdir é presidente regional do PT, mas não aceita o resultado dessa tra- jetória enquanto mérito pessoal. Pelo contrario: "E a luta de dezenas de centenas de companheiros que, juntos, construíram o movimento sindical, o movimento pastoral e o movimento comunitário!", afirma. Em entrevista à Revista UNIPOP, Valdir fala sobre as últimas eleições, o futuro da Frente Brasil Popular e sobre o PT.

Revista CJMIPOP

ENTREVISTA

P - O que representaram as elei- ções presidenciais e seu resultado?

R - Representaram a consolidação de um processo de lutas de resistência e por liberdades contra os governos militares e a Nova República, no qual, depois de 30 anos, muitas centenas de companheiros morreram. Consegui- mos derrubar a ditadura e hoje temos eleições diretas. Nesse sentido, acre- dito que as eleições foram um mo- mento muito rico e importante, apesar de compreender que a democracia ainda não está consolidada. Já para avaliar seu resultado, é preciso consi- derar dois pontos. Primeiro, eu acre- dito que, depois destas eleições, a classe dominante não mais poderá nos ignorar, foi inegável o crescimento e consolidação da esquerda brasileira. Começamos com os movimentos sin- dical, popular e das comunidades eclesiais de base e de outros setores. Surgiu o PT e outros partidos, que se juntaram aos já existentes, formamos a Frente Brasil Popular (FBP) e dispu- tamos uma eleição histórica que por pouco não ganhamos.

Portanto, nós crescemos e muda- mos a cara de nosso país. Como diz o Lula: "O Brasil, a partir das eleições, não é mais o mesmo". O segundo ponto diz respeito ao trabalho da di- reita. Ela novamente se utilizou de di- versos mecanismos para se manter no poder, e nós vimos como isso se deu nestas eleições. Usou a grande im- prensa, grandes recursos econômicos e ainda algo que precisamos conside- rar, que é a despolitização das massas mais carentes e marginalizadas da so- ciedade. Esta massa está desacreditada da política e dos políticos, mas acabou votando exatamente num político que representa o continuísmo. Ou seja, não temos mais um presidente imposto pelos militares, mas a direita continua no poder, e desta vez com um presi- dente eleito diretamente. Esta é uma preocupação que devemos considerar.

P - Quais as expectativas frente ao futuro governo e as perspectivas do PT?

R - As expectativas são duas. A primeira é a do Governo Collor não cumprir as promessas que fez em pa- lanque e imediatamente sofrer grande desgaste político. A votação de Collor foi, majoritariamente, nos setores mais desorganizados da sociedade. Então, não cumprindo promessas, essa po- pulação poderá cair numa descrença e revolta muito grandes, e isso poderá possibilitar um crescimento ainda maior das esquerdas, se souberem ca- pitalizar esse possível clima de insa- tisfação. A segunda é a de que o futu- ro presidente se transforme num po- pulista, como outros que já tivemos: um populista com apoio da direita, massificando determinadas idéias e metas, levando comida aos carentes e

"A direita continua no poder, e agora pelo voto popular. Isso é preocupante!"

água pro Nordeste. Já a expecta- tiva do PT para 1990 é positiva: é de avançar em sua organização partidária, de contribuir com o cres- cimento dos movimentos sindical e popular, fazer avançar a politização da sociedade civil. Eu acredito que em 1990, mantendo-se essa união das es- querdas, vamos crescer mais ainda: eleger o governo, bancadas expressi- vas de deputados federais e estaduais, e até mesmo senadores, além de ve- readores e prefeitos nas futuras elei- ções municipais. Mas quando falo dessas perspectivas não me refiro apenas em eleger companheiros, mas em fazer crescer a politização da clas- se trabalhadora brasileira, para conse- guir maior sustentação às lutas que vamos desencadear no Brasil, rumo ao Socialismo, que é a nossa proposta.

P - O que representa a Frente Brasil Popular nesse processo?

R - Representa muito. Estas elei- ções exigiram maturidade das esquer- das e mostraram que estas têm condi- ções de ter um projeto comum, sem que isso signifique o fim de suas dife- renças. Estas vão continuar, possivel- mente, mas as esquerdas, nestas elei- ções, deram excelente demonstração de visão histórica e política do mo- mento que vive o país. Tanto isso é verdade que o resultado da eleição demonstrou que enormes setores da sociedade apoiaram o projeto das es- querdas. Não fosse a demagogia, as brutais violências patrocinadas pelos grupos pró-Collor, a utilização desca- rada dos meios de comunicação e o baixo nível da campanha collorida, o resultado teria sido diferente. Esses setores, portanto, votaram numa pro- posta de mudança. Há uma tendência nítida de que o povo brasileiro incor- pora a necessidade de transformação da sociedade brasileira. Então, eu acho que a FBP representa muito nes- se processo, pois encarna e representa essas expectativas. Ou seja, os objeti- vos da FBP vão além de simples dis- putas eleitorais.

P - Aqui no Pará, como foi o tra- balho da FBP?

R - Na prática, eu diria que nós ti- vemos problemas. Acho que a mili- tância do PT foi exemplar, apesar de não termos centralismo democrático.

A esquerda, se se mantiver unida, poderá eleger governa- dor, deputados e até sena- dor".

como o PCB e PCdoB. Trabalhamos na coordenação da campanha e assu

41 Revista ÜNIPOP

ENTREVISTA

mimos todo tipo de atividade, e foi aí, no cotidiano, que percebemos as dife- renças, desde os momentos de se dis- cutir até a hora de assumir tarefas e compromissos concretos. Quer dizer, foi no dia-a-dia do encaminhamento daquilo que era necessário à campa- nha que a gente foi se conhecendo. Eu creio que cada um dos partidos da Frente está fazendo avaliações sobre sua participação e a dos outros parti- dos nesse processo; até que possamos fazer, futuramente, uma avaliação conjunta sobre o que significou essa

0 governo paralelo do PT Inves- tigará cada um dos atos do Governo Collor".

primeira etapa dessa união das es- / y querdas.

P - Que implicações tiveram as alianças do segundo turno sobre o programa de governo do PT?

R - Eu diria que o pouco tempo entre o primeiro e o segundo turnos foi a dificuldade maior que tivemos para discutir nosso programa de go- verno com os outros partidos. Houve, inicialmente, as intransigências do PDT e PSDB, e isso exigiu, especial- mente do PT - que foi quem hegemo- nizou esse processo - grande habili- dade política. De um lado, o Brizola, que se preparou durante anos para ser presidente, demorou a se decidir, e, de outro, o PSDB, que exigia alterações nas propostas de Reforma Agrária, Dívida Externa, pontos que o PT não abria mão por considerá-los essenciais ao programa de reformas que executa- ria. A exigência do Brizola era a in- clusão dos CIEPs no programa, que o Encontro Nacional do PT acatou. Ou

seja, o PT não precisou abdicar de nenhum ponto de seu programa de governo para garantir as alianças para

"A igreja, os partidos e o mo- vimento sindical-popular for- mam o tripé das mudanças".

o segundo turno. Quanto ao governo Lula, não houve qualquer discussão com os outros partidos que se junta- ram à campanha. Nem chegou a ser cogitada, pois não aceitaríamos qual- quer apoio em troca de cargos. O que discutimos foi a necessidade de união das esquerdas para eleger o Lula e, posteriormente, discutir e construir um governo forte que tirasse o Brasil da crise. Como não houve vitória, essa discussão não houve também.

P - Qual será a postura do PT frente ao Governo Collor?

R - Será de oposição intransigente. O Lula já anunciou a formação de um governo paralelo, que investigará cada um dos atos do Governo Collor, que vai cobrar cada uma das promes- sas por ele feitas, e que convocará to- da a sociedade para discutir as ações do futuro governo. Junto a isso, va- mos trabalhar com afinco para contri- buir com o avanço do movimento sin- dical, no campo e na cidade, do mo- vimento popular e de toda a socieda- de, pois estes segmentos precisam es- tar preparados para enfrentar o futuro governo. Eu creio que esse é o grande papel do PT, de seus dirigentes, mili- tantes e simpatizantes.

P - Sem a vitória eleitoral, como ficam os conselhos populares pro- postos pelo PT?

R - A proposta dos conselhos po- pulares funda-se no princípio de que

Revista ÜNIPOP

ENTREVISTA

sejam fóruns de discussão ampla dos problemas nacionais e locais, de for- mulação de propostas, e que sejam, também, instrumento de apoio e sus- tentação de governos populares. Co- mo não ganhamos as eleições, vamos precisar encaminhar essa proposta dentro das limitações existentes. Na- cionalmente, temos prefeituras dirigi- das pelo PT onde estes conselhos, mesmo que com dificuldades, já fun- cionam. Já nas outras cidades, onde não assumimos ainda as prefeituras, os vereadores e depurados do partido de- vem pressionar as câmaras municipais e estaduais no sentido de que esses conselhos sejam reconhecidos enquan to fóruns e instâncias de representação populares.

P - Que importância teve a ação da igreja na formação do PT e nas últimas eleições?

R - Acho que a igreja - e aqui me refiro às igrejas em geral -tem uma ação destacada na política, no Brasil. Alguns de seus setores se alinham ao processo de libertação do povo opri- mido; já outros fazem o oposto. Ou seja, a mesma disputa que há na so- ciedade de classe há, também, dentro da igreja. Mas eu acredito que a trans- formação da sociedade brasileira se dará através de um tripé: o movimento social, o movimento partidário e a igreja. Ou seja, a fé, a política e o movimento sindical-popular formam o eixo central por onde devem passar as articulações rumo às mudanças que desejamos. Isso a direita já faz há muito tempo, como agora: o Collor já tem a articulação sindical que gira em tomo do Rogério Magri e costura apoio junto ao setor conservador da igreja.

P - Como ficam as relações entre as tendências internas ao PT e os novos militantes que agora se in- corporam ao partido?

R - Não tenho uma receita para di- zer como isso deve ser. Os encontros nacionais do PT, no entanto, têm de- terminado algumas questões, e uma delas diz que todos os partidos abri- gados no PT devem deixar de existir e

"Nossa preocupação é com os grupos que querem entrar no PT para descaracterizá- lo".

se transformar em tendências. E isso tem sido um processo riquíssimo para o partido, e nisso concordam os mili-

tantes mais antigos como os mais no- vos. Dos que hoje se incorporam ao PT, muitos já o fazem através das ten- dências, mesmo sem saber que elas existem, enquanto outros preferem aderir ao partido sem a elas se incor- porar. Esse é um processo natural, e acho que a preocupação maior neste momento não é com as tendências, mas sim com grupos políticos que fo- ram de outros partidos e que agora, com a ascensão do PT, queiram nele se incorporar com a intenção de des- caracterizá-lo. Esta é uma coisa que nos preocupa, mas que vamos lutar para impedir."^

Revista ÜNIPOP

TEORIA E ESTRATÉGIA

44

Oueremos introduzir este texto com uma afirmação que para muitos soa corre- tamente, de modo especial para aqueles que, vivendo no sistema capitalista, sim- patizam com o sistema so- cialista e, mais, lutam pela

derrubada do capitalismo e pela implantação do socialismo. A afir- mação é esta: "Os direitos humanos são mais respeitados no socialismo que no capitalismo".

Em principio, nada temos a objetar à afirmação acima. Como tal,| ela pode estar baseada em fatos con- cretos, e até em dados estatísticos. Fosse apenas isso, não haveria maiores problemas.

O problema e que ela pode estar baseada principalmente na aceita- ção tranqüila e não problemati- zada da teoria marxista, que diz ser o socialismo um sistema historica- mente mais avançado que o capita- lismo por tê-lo superado dialetica- mente. É isso que acabamos de di- zer que nos preocupa. A aceitação tranqüila e não problematizada das teorias, de qualquer teoria, e prin- cipalmente da teoria marxista da superação dos modos de^ produção — que, em última instância, é uma teoria da revolução — faz com que não vejamos mais além do que a própria teoria nos indica. E o que podemos chamar de fenômeno de dogmatização, — sempre presente, por exemplo, nas ideologias reli- giosas.

Quando o marxismo se torna um dogma para nós, é comum a aceita- ção não-problematizada de qual- quer aspecto que essa teoria nos ponha, mesmo que ela contenha em si mesma elementos antidogmati- zantes (que é o caso exatamente da teoria marxista). Chegando a este ponto, uma teoria deixa de ser teo- ria e passa a ser um catccismo de respostas cristalizadas, que em nada mais contribuem para o avanço da história. Ao contrário, apenas aju-

Sergio Schaefer

Democracia e cidadania

Os massacres da Praça da Paz Celestial na China e de Timi- soara na Romênia, sem comentar a invasão do Panamá e as in- findáveis atrocidades do Capitalismo, ainda sacodem o mundo e a consciência humana neste fim de século. Reforçando a certeza de que nenhum sistema, que se pretenda universal, poderá sobrevi- ver se não trouxer consigo a democracia, não como um recurso político conjuntural, mas como um valor ético constitutivo e cul- tural.

^^

Revista UN1POP

dam a atravancar esse avanço. A teoria marxista não nos auto-

riza a concluir com antecipação que os direitos humanos são mais res- peitados nas sociedades socialistas, pelo simples fato de serem socia- listas. Inclusive, o próprio fato da coletivização dos meios de produ- ção não garante teoricamente o res- peito àquilo que costumamos cha- mar direitos humanos. Por que is- so? Porque o critério último (e, pois, o primeiro) da teoria é a prá- tica. Para confirmar isso, bastaria chamar à nossa memória o período estalinista na Rússia e os fatos acontecidos recentemente na Praça da Paz Celestial, em Pequim.

A posição dogmática fecha nos- so caminho. Não mais andamos e, o que é pior, não mais queremos an- dar. Tudo isso porque absolutiza- mos as nossas posições. Estão prontas e perfeitas, sem chance ne- nhuma de serem questionadas pelos outros e, o que é pior, por nós mesmos. Nos mumificamos e, co- nosco, os dogmas.

Por outro lado — e no presente texto trata-se precisamente disso —, nada é e, sim, tudo é sendo. (1) Esta postura dialética deve percor- rer toda e qualquer discussão, in- clusive aquelas em tomo dos di- reitos humanos, que, para começo de análise, não são "entidades" anteriores à existência dos homens. Os direitos humanos não são, os di- reitos humanos nascem com os ho- mens e não em algum pré-tempo, um pré-lugar ou, até, em algum pré-livro (que seria, este último, uma espécie de livro divino, por- tanto contendo algum tipo de ver- dade ou verdades eternas). Os di- reitos humanos são-sendo.

Entre os múltiplos fatos da reali- dade, um deles nos mostra com

particular clareza o ser-sendo da realidade: é o fato-processo da re- volução. A teoria marxista, disse- mos antes, é em última instância uma teoria da revolução. Marx e

TEORIA E ESTRATÉGIA

Engels sempre teorizaram sobre a revolução, mesmo que em aspectos específicos da sua obra não consi- gamos caracterizar isso. Ou seja, todas as discussões que eles defla- graram procuraram levar ao escla- recimento do ser-sendo revolucio- nário. O mesmo aconteceu com Lê-

"A aceitação tranqüila e não problematizada da teoria mar- xista, faz com que não veja- mos mais além do que a pró- pria teoria nos indica. É o fe- nômeno da Dogmatização".

nin. Quando, por exemplo, este tentava compreender a filosofia he- geliana (cf. Cadernos Filosófi- cos) ou a situação do capitalismo na Rússia (cf. O desenvolvi- mento do capitalismo na Rús- sia) ou a questão do Estado (cf. O Estado e a revolução), este es- forço de compreensão era feito no sentido da construção da teoria re- volucionária em seu país.

O processo revolucionário não é tudo, não é o único "dado" da rea- lidade. O real não é só revoluciona- ridade. Mas para quem quer, por exemplo, uma sociedade socialista e ainda não a conquistou, e até para quem já a conquistou e não mais a quer, o processo ou o fato revolu- cionário é fundamental. O mais se "subordina" a ele (o que não signi- fica que o subordinado se tome in- ferior ou sem importância), no sen- tido de que deve ajudar a esclarecer o processo revolucionário. Este se esclarece à medida que outras questões são esclarecidas. (2)

Será, então, neste sentido preci- so que queremos integrar a discus- são deste texto na teoria revolucio- nária. Os elementos aqui trazidos para o debate querem contribuir pa- ra o esclarecimento da teoria revo- lucionária. Sendo assim, o próprios temas em debate adquirem teor re-

volucionário. Fora disso, por me- lhores que sejam, podem estar re- forçando o fenômeno da dogmati- zação.

A INEXISTÊNCIA DE IDÉIAS PREDETERMINADAS

As questões da democracia e da cidadania, e sua relação com os proclamados direitos humanos, po- dem ser encaminhadas a partir da postura marxista de que os homens "em sua efetividade" são "o con- junto das relações sociais". (3) Este ponto de partida tem, para o que nos interessa aqui, várias con- seqüências teóricas.

Üma delas está ligada com o que dissemos de passagem no item an- terior. Trata-se, como falou Marx, dessas "bagatelas idealistas" que tentam "explicar a prática a partir da idéia". (4) Conforme a concep- ção idealista, haveria a idéia "pu- ra" já anteriormente dada a toda e qualquer realidade A prática seria a realização da idéia. Assim, por exemplo, com relação à democra- cia, já haveria uma idéia pura de democracia (existente não sabemos em que pré-lugar, ou pré-tempo, ou pré-livro, ou inventada por um pré- alguém). A proporção que os ho- mens fossem vivendo, eles estariam "realizando" essa idéia, tomando-a na prática cada vez mais próxima

ou distante da tal idéia. O mesmo diz a concepção idealista a respeito

de outros fatos, como a Liberdade, a Família, a Justiça, o Amor, a Igualdade, os Direitos Humanos, o Estado, a Revolução, etc.

Uma das conseqüências, pois, para alguém que parte da concep- ção marxista do homem é que não existem as idéias predeterminadas de democracia, cidadania e direitos humanos. Estas ou quaisquer outras idéias são construídas por homens historicamente determinados. De- mocracia, cidadania e direitos hu- manos são estabelecidos em cir- 45

Revista ÜNIPOP

46

cunstâncias concretas. São-sendo, na expressão usada por Roberto Lyra Filho.

Segundo a concepção idealista, e para ficar apenas no campo dos di- reitos humanos, deveríamos defen- der esses direitos em nome do "ser humano em geral", independente- mente de suas situações econômi- cas, políticas, de classe, etc. Essa visão etérea de homem leva-nos de volta aos tais pré-lugares, pré-tem- pos, pré-alguéns. Defender os di- reitos humanos em geral e o homem em geral é uma "fantasia filosófi- ca", no dizer de Marx e Engels. (5) Significa dessituá-los, destempora- lizando-os e desespacializando-os. Significa jogá-los fora das relações sociais, tomá-los a-históricos.

E precisamente esta visão que o Papa João Paulo II proclamou no discurso inaugural à III Conferên- cia Geral do Episcopado Latino- Americano de Puebla, pronunciado em 28 de janeiro de 1979: "Te- nhamos presente, por outro lado, que a ação da Igreja em campos como os da promoção humana, do desenvolvimento, da justiça, dos direitos da pessoa, quer estar sem- pre a serviço do homem, e ao ho- mem tal como o vê na visão cristã da antropologia que adota. Não ne- cessita pois recorrer a sistemas e ideologias para amar, defender e colaborar na libertação do ho- mem. ."(6)

Na época, o jornal Le Monde comentou com espanto a posição extraideológica ou de pretensa neutralidade ideológica, a-histórica de João Paulo II. (7) Uma posição dessas, por ser idealista — estar a serviço do homem em geral, isto é, da idéia do homem em geral — além de ser falsa, é reacionária e, por conseqüência, anti-revolucionária. Subjacente a ela existe a pressupo- sição de um sujeito imanente na história: os cristãos (a Igreja, diz o Papa), por força da própria doutri- na cristã (o Papa fala em "antro-

TEORIA E ESTRATÉGIA

pologia"), têm por "missão históri- ca" promover o homem (em geral), o desenvolvimento (em geral), a justiça (em geral), os direitos da pessoa (em geral), antes mesmo de se assumirem concretamente como cristãos, automaticamente estariam sempre promovendo o homem, o desenvolvimento, a justiça, os di- reitos da pessoa, etc. O essencial de uma tal concepção é que ela se toma invulnerável à crítica, pois, estando as idéias de homem, de de- senvolvimento, de justiça, de di- reitos humanos etc. pré-fixadas, por

mais que se consiga criticar as ações concretas dos cristãos con- cretos, jamais se pode criticar as idéias em si, às quais suas ações sempre se reportam, que são "pu- ras", isto é, perfeitas por essência.

"A teoria marxista não nos autoriza a concluir com ante- cipação que os direitos huma- nos são mais respeitados nas sociedades socialistas, pelo simples fato de serem socia- listas".

Ora, o que é perfeito não pode, a priori, ser atingido por qualquer crítica. Como contrapartida prático- política, também não se pode criti- car os guardiães dessas idéias puras e perfeitas, ou seja, o clero, a co- meçar pelo ápice da hierarquia eclesial, o Papa, que se por acaso fosse contestado apelaria para a pu- reza e perfeição daquelas idéias, morrendo nessa praia de areias de- sertas qualquer onda de contesta- ção.

Algo parecido ao caso citado ocorre também com a doutrina marxista (e já nos referimos a isso no primeiro item) quando ela auto- rizaria a concluir que nas socieda-

des socialistas os direitos humanos seriam mais respeitados, pelo sim- ples fato de estas sociedades serem socialistas, jK>dendo-se dizer o mesmo para os fatos da democracia e da cidadania. Assim, por mais

"A democracia socialista não é dada pronta no ato re- volucionário da coletiviza- ção... porque a vida não é um conto de fadas..."

que conseguíssemos contestar as ações dos socialistas concretos, em seus países concretos, estes sempre encontrariam refúgio seguro na pu- reza e perfeição das idéias marxis- tas, que, como preconiza o idealis- mo, seriam inatacáveis por qual- quer crítica, viesse da esquerda ou da direita, dos próprios marxistas ou de seus adversários.

Se o marxismo fosse isso, tor- nar-se-ia um dogma imprestável, e pxKleríamos com justeza chamá-lo de "cão morto". De nada mais se- viria para aquilo para o qual surgiu: uma contribuição séria para a teoria revolucionária do proletariado sob o sistema capitalista e para o pro- letariado nos países socialistas.

Revista ÜNIPOP

TEORIA E ESTRATÉGIA 3. A DEMOCRACIA COMO

NÚCLEO DE NOSSA DISCUSSÃO

A outra conseqüência teórica pa- ra quem parte da concepção mar- xista do homem decorre da anterior e já acenamos para ela: se não existem idéias predeterminadas so- bre coisa alguma, são então os pró- prios homens que as criam e as de- vem criar à proporção que põem em prática as relações sociais, isto é, as relações econômicas, políticas etc. (8)

Aqui chegamos a um ponto da discussão que consideramos, segun- do nossa opinião, o ponto mais im- portante para os propósitos deste texto. Referimo-nos à questão da democracia. A constituição de uma série de idéias que historica- mente serão enfeixadas sob a de- nominação geral de "direitos hu- manos" nasce das experiências de- mocráticas feitas pelos homens através dos tempos. Por outra parte, a questão da cidadania também surgirá com as experiências demo- cráticas. Temos, pois, que o núcleo da nossa discussão será a questão da democracia.

A experiência histórica nos indi- ca que quanto mais ditatorial, cen- tralizador, despótico, oligárquico, absolutista um sistema político, mais antidemocrático ele é. São nesses "desmomentos" históiicos que mais se violentam os chamados direitos humanos — não necessaria- mente a série completa deles; talvez a grande maioria, mas não neces- sariamente todos. (9) É num tal "desambiente" antidemocrático que decresce assustadoramente o exer- cício da cidadania.

Há, então, uma relação constatá- vel entre democracia, direitos hu- manos e cidadania? Tudo indica que sim, hoje mais que no passado. Tudo indica que a luta pela con- cretização social dos direitos hu- manos — sejam estes quais forem, e

•&£&

"0 socialismo começa an- tes do socialismo, no sentido de que, hoje, em plena mo- dernidade, será levando a de- mocracia capitalista ao máxi- mo que estaremos conduzin- do-a revolucionariamente para a democracia socialista".

não interessa nesse momento elen- cá-los — se concretiza na luta pela democracia. Lutar a favor dos di- reitos humanos é lutar pela demo- cracia. Lutar pelos direitos huma- nos é um exercício de cidadania. A cidadania cresce à medida que cresce a democracia. Lutar pela democracia é lutar pelos direitos humanos e pela cidadania.

O que acabamos de dizer não é um mero jogo de palavras, por mais que possa parecer. Há, antes, um jogo relacionai entre democracia, direitos humanos e cidadania. Eles se estabelecem conjuntamente, ape- sar de variarem as condições histó- ricas de seus estabelecimentos, que podem ser tantas quantas forem as experiências democráticas ou, e também, as antidemocráticas.

O que há de comum neste jogo relacionai é a superação dos elementos centralizadores da vida de uma sociedade, sejam esses elementos econômicos, políticos, ideológicos, cognitivos, culturais ou de qualquer espécie. Vejamos isso mais de perto.

Quando uma teoria — que pode ser a marxista — se toma dogmática é porque centralizou-se cogniti- vamente de tal modo entre seus seguidores que estes são capazes de praticar os atos mais antidemocráti- cos em nome justamente da demo- 47

Revista ÜN1POP

TEORIA E ESTRATÉGIA

48

cracia proletária. É isto que cha- mamos de "elemento centraliza- dor", de tipo cognitivo-ideológico, neste caso. Pois, estes marxistas, para poderem voltar ao caminho democrático, precisam romper com o elemento centralizador que os impede de crescer numa democra- cia que, até teoricamente, já seria mais avançada que a democracia capitalista. A questão é que ne- nhuma teoria em estado normal sal- va ninguém de antemão. E em esta- do anormal, isto é, dogmatizada, produz exatamente efeitos destruti- vos. Para o que nos interessa aqui, esses efeitos se chamam antidemo- cracia, anti-direitos humanos, anti- cidadania.

Já que no item anterior falamos da Igreja (católica), gostaríamos-de recordar o "desmomento" histórico por que passou aquela organização religiosa, quando, no correr da época medieval, o fenômeno da dogmatização foi meridianamente exemplar em seu interior hierárqui- co, o que provocou os Tribunais da Inquisição, instrumentos de triste memória antidemocrática. (10)

Todavia, o melhor exemplo para nós que vivemos no sistema capita- lista é o elemento centralizador econômico, que nesse caso se chama classe dominante, ou me- lhor, os proprietários dos meios de produção. De fato, e todos sabe- mos, principalmente depois das análises de Marx e Engels sobre o capitalismo, que é a propriedade particular dos meios de produção o elemento centralizador que produz a fundamental antidemocracia nas sociedades capitalistas. Isto não quer dizer que o capitalismo seja absolutamente antidemocrático. Tanto isto é verdade, que nas so- ciedades capitalistas podem existir (e efetivamente existem) institui- ções relativamente democráticas, como as eleições diretas, o parla- mento, as leis (inclusive a sua con-

fecção), a educação (a rede esco- lar), a informação (os meios de co- municação de massa) etc. Também é verdade que houve um salto qua- litativo na experimentação demo- crática quando o capitalismo su- perou historicamente o feudalismo.

Entretanto, como a burguesia se constituiu em proprietária privada dos meios de produção, continuou a desenvolver, em outro nível, é claro, um elemento centralizador que dela faria historicamente uma classe antidemocrática. Voltamos a repetir que disso não se conclui precipitadamente um absoluto am-

biente burguês antidemocrático. No caso da burguesia, poderíamos di- zer como disse Lênin: a burguesia instalou uma democracia de classe. (11) É evidente, de sua classe, fa- vorecedora de seus interesses de classe — e, no entanto, democracia, inclusive com muitos reflexos po- sitivos para a classe proletária.

Apesar de a teoria marxista re- conhecer o salto qualitativo, provo-

cado pela burguesia, a mesma teo- ria — por ser em última instância revolucionária e não apenas criti- camente analítica — abre perspecti- vas revolucionárias para a classe não-proprietária dos meios de pro- dução. A saber: o proletariado deve organizar-se para superar o ele- mento centralizador que produz a antidemocracia básica no sistema — a propriedade burguesa. E isso que se proclama com todas s letras no Manifesto de Marx e Engels: a

luta pelo socialismo se caracteriza pela abolição da propriedade bur- guesa e não pela abolição de qual- quer tipo de propriedade. (12)

A teoria marxista é um apelo di- reto à revolução. Traduzindo, a teoria marxista mostra que, para ampliar a democracia na face da Terra, é preciso superar (e aí está a revolucionaridade) o foco antide- mocrático que rege o capitalismo, a propriedade de tipo burguês.

Deve-se agora trazer para a dis-

Revista ÜN1POP

TEORIA E ESTRATÉGIA

cussão o seguinte: sendo o socia- lismo a superação prática e não apenas teórica dos elementos cen- tralizadores burgueses, cujo foco é a propriedade particular dos meios de produção, poder-se-ia legitima- mente afirmar que o socialismo fos- se mais democrático que o capita- lismo? Pode-se, sim, uma vez que efetivamente a maioria, que é a classe trabalhadora, passa a ser, de forma coletiva, a proprietária dos meios de produção. A coletivização desses meios é o fato essencial do processo revolucionário socialista

e, por isso, o essencial do novo salto qualitativo democrático. Ele cria as condições concretas para a invenção da democracia socia- lista. Atente-se para o que disse- mos. A democracia socialista não é dada pronta no ato revolucionário da coletivização. Nenhuma demo- cracia surge como por um passe de mágica, porque a vida não é um conto de fadas ou um milagre. Se tivéssemos este tipo de idéia acerca do socialismo, além de ser um in- fantilismo de esquerda, estaríamos prontos a justificar historicamente todos os atos — fossem econômicos, políticos, ideológicos etc. — prati- cados nos países socialistas. Esta- ríamos prontos a defender — em nome da teoria dogmatizada — tanto a necessidade do assassinato de Trotsky como o massacre de Pe- quim, entre outros possíveis exem-

plos. Se o modo de produção socia-

lista cria as condições concretas pa- ra inventar uma democracia quali- tativamente superior à democracia capitalista, cria também as condi- ções para ampliar qualitativamente a concretização dos direitos huma- nos e da cidadania, que, como an- tes vimos, interrelacionam-se com a democracia.

Mas tudo isso precisa de com- provações práticas. Não basta re- correr magicamente à teoria para

sair por aí proclamando que "os di- reitos humanos são mais respeita- dos no socialismo que no capita- lismo". Ou tomar o texto de Lênin antes citado, onde ele enfatica- mente afirma que "a democracia socialista é um milhão de vezes mais democrático que qualquer de- mocracia burguesa. O Poder So- viético é um milhão de vezes mais democrático que a mais democráti- ca república burguesa" (13), e nele baseados ingenuamente aceitar que tudo o que se pratica em qualquer país socialista seja um milhão de

vezes mais democrático que nos países capitalistas. Precisamos ur- gentemente de nos desdogmatizar se quisermos ser revolucionários.

Tudo o que falamos nesse item a respeito da democracia pode ser re- sumido assim: a democracia precisa ser construída, de forma prática e de forma teórica. Não existe um padrão de democracia que nos sirva de referência pura, ao qual possa- mos recorrer para saber se estamos dele nos aproximando ou nos afas- tando. O que existe são experiên- cias democráticas já feitas ou se fa- zendo. As já feitas nos permitem hoje ter uma determinada idéia de democracia. Se nossa idéia de de- mocracia não superar o âmbito ca- pitalista, é claro que desenvolvere- mos nossos esforços para tão-so- mente aperfeiçoá-la (é o que pro- põe, entre outros, um Norberto Bobbio) (14), ou, o que é o mesmo, reformá-la. Como em toda reforma, não haverá neste caso mudanças radicais. Isto significa que não se superará o elemento centralizador

do sistema capitalista, a proprieda- de burguesa. Não se superará um determinado limite que esta mesma forma de propriedade impõe. Isto terá como conseqüência que pode- remos aperfeiçoar esta democracia (com repercussão nos direitos hu- manos e na cidadania) apenas até onde o limite permite. O socialismo

é fruto de um processo revolucio- nário que supera esse limite, colo- cando as condições para avançar na democracia.

E bom acrescentar, no que toca à questão democrática — e nela in- cluindo os direitos humanos e a ci- dadania — que, ao mesmo tempo em que estivermos lutando para romper com os limites impostos pelo capi- talismo, isto é, nos organizando pa- ra o socialismo, devemos lutar pela expansão máxima da democracia dentro dos próprios limites capita- listas. Saberíamos fazer avançar a democracia socialista, inventando-a

em novos e diferentes moldes, se não tivéssemos mexido sequer um dedo na experimentação democrática dentro de nossas limitadas condi- ções atuais? Mesmo assim, o pro- cesso revolucionário exige que não fiquemos contemplando narcisica- mente os possíveis passos demo- cráticos dados dentro dos limites capitalistas. Nossa luta quer romper com os limites, quer instaurar uma nova sociedade, que por sua vez te- rá novos limites, mesmo que mais amplos. O processo revolucionário nos indica que uma nova sociedade tem início no interior da velha so- ciedade. E por esse motivo que po- demos dizer que o socialismo co- meça antes do socialismo, no senti- do de que, hoje, em plena moderni- dade, será levando a democracia capitalista ao máximo que estare- mos conduzindo-a revolucionaria- mente para a democracia socialista.

4. PROBLEMATIZAR PARA AVANÇAR

O presente texto não quis ser um receituário, porque com receitas nem a teoria nem a prática avan- çam. Seu objetivo foi colocar em discussão certos pressupostos que, hoje mais que nunca, precisam com toda honestidade e radicalidade ser .49

Revista ÜNIPOP

TEORIA E ESTRATEOIA

50

esclarecidos Seja dito, entretanto, que não tivemos a pretensão de es- gotar a discussão. Nenhuma discus- são se esgota; do contrário, deixa de ser discussão.

Outrossim, devido às caracterís- ticas deste trabalho, não pudemos nos aprofundar em aspectos que deveriam merecê-lo. Assim, por exemplo, a questão do relaciona- mento entre a teoria e a práti- ca, problematizada de forma evi- dente por Marx na XI tese sobre Feuerbach. Não é que devamos jo- gar no lixo a teoria, e menos ainda

v

a teoria marxista. E nem é o caso de cairmos no extremo do praticis- mo, dando todo valor à prática. O problema mesmo reside, como diz bem Otaviano Pereira, que "toda vez que uma teoria tenta estabele- cer-se fora do horizonte da prática, ela vira pura abstração". (15) A es- se fenômeno demos, no correr do texto, o nome de dogmatização. Segundo quisemos deixar claro, os defensores da democracia, dos di- reitos humanos, do socialismo etc. facilmente podem estar imersos no sono dogmático. Insistimos, por es-

se motivo, nesse fenômeno tóxico dos dias de hoje a respeito do qual pouco se tem discutido. Isso é as- sim porque nos colocaram na cabe- ça que já nascemos com uma 'mis- são histórica" e tudo o que fizer- mos está bem feito, mesmo que fa- çamos nada ou que, se o fizermos, a teoria nos salva por antecipação. Esta postura é idealista e nada é mais contraditório para um marxista que andar nas costas de Marx com asas de anjo.

Outra questão que mereceria um sério aprofundamento, apesar de ela percorrer todo o texto, é a da modernidade. O núcleo da discus- são deveria girar em tomo do se- guinte: é caracteristico da moderni- dade a consciência da necessidade da crítica. Sendo assim, evapora-se qualquer tentativa de absoluta orto- doxia, pureza, "consciência feliz", inaceitáveis para a modernidade. A volta às origens, para lá buscar apoio ortodoxo, é antimodemo. Este tipo de volta mostra, de fato, uma consciência dogmatizada, in- capaz de superar-se.

Faz parte do moderno, hoje, re- discutir a revolucionaridade pre- sente na teoria marxista Que for- mas toma hoje o processo revolu- cionário? Como devemos hoje "a- bolir a propriedade burguesa"? É nesse sentido — e assim o coloca- mos no presente texto — que uma discussão moderna em torno da re- volução precisa analisar com toda a atenção (e tensão) a questão da democracia, e muitas outras que nem sequer abordamos (por exem- plo, a liberdade, a violência, a jus- tiça, o "centralismo democrático", as "vanguardas" etc).

Enfim, nosso texto quer ser uma contribuição para a problematiza- ção. E inegável que aprendemos muito mais com aqueles que pro- blematizam as teorias e as práticas do que com aqueles que servil- mente as aceitam."^

Revista CJNIPOP

NOTAS

(1) veja-se a postura dialética do ju- rista Roberto Lyra Filho ao encaminhar a discussão sobre o que é o Direito, O que é Direito, São Paulo, Brasilien- se, 1988, 95 ed., pp. 7-15.

(2) Assim conduz Marcos Rolim a discussão sobre os Conselhos Popu- lares no texto "A questão democrática e os conselhos" in Contribuição do Debate, publicação do gabinete do Dep. José Fortunati (PT), Assembléia Legislativa de Porto Alegre, RS, 1989, pp. 5-17. 0 autor afirma que a maldi- ção do dogmatismo e as concepções basistas constituem entraves "não apenas aos conselhos, mas é luta polí- tica revolucionária" (p.6). Todo o texto do autor tem como pano de fundo, e melhor, como objetivo evidente, a teoria da revolução.

(3) Sexta tese sobre Feuerbach, de Marx. Ver também de Marx e Engels. A ideologia alemã (I), cap. I: "Feuerbach", pp. 11-102. Lisboa, Pre- sença, 1980, 49 ed.

A uma possível crítica de que Marx, ao definir a essência humana ("os homens são..."), estaria caindo no mesmo erro metafísico que criticava em Feuerbach, temos a dizer que não é apenas o uso do verbo "ser" que tor- na uma definição metafísica. Se os homens se definem como sendo suas relações sociais (isto é, 1 econômicas, políticas, culturais, etc), seu conteúdo refere-se a uma realidade que em es- sência é histórica, ou seja, mutável. As relações sociais são-sendo. É isto que permite classificá-las historicamente como sendo escravistas, feudais, capi- talistas, socialistas, etc.

(4) A ideoligia alemã (I), op. cit., p.49.

(5) Manifesto do Partido Comu- nista, Parte III, item 1: "O socialismo reacionário". A passagem é a seguin- te: "...(os socialistas alemães não pro- pugnam) os interesses do proletário, mas os interesses do ser humano, do homem em geral, do homem que não pertence a nenhuma classe nem a rea- lidade alguma e que existe apenas no céu nublado das fantasias filosóficas".

(6) In Puebla - a evangelização no presente e no futuro da Amé- rica Latina. Petrópolis, Vozes, 1982, 4a- ed., p. 29.

(7) Le Monde, 30 de janeiro de 1979, p,.5.

TEORIA E ESTRATÉGIA

(8) É preciso entender bem o que acabamos de dizer. Afirmar que não há idéias anteriores ao homem não quer significar que cada homem em particular ou cada sociedade através da história deveriam começar sempre do zero a construir as idéias. Para nós, homens de hoje, a idéia de democra- cia, por exemplo, vem em grande parte construída por homens anterio- res a nós, desde, digamos, as expe- riências democráticas elitizantes dos atenienses. E devido ás múltiplas ex- periências democráticas anteriores a nós que essa idéia foi-nos repassada como sendo um governo "da maio- ria", "do povo", ou um sistema "onde vigora o sufrágio universal" etc.

O que a concepção materialista tem claro é que nada de humano existe antes de existirem os homens. Como a formação de idéias é uma característica decorrente da práxis humana, não po- dem existir idéias antes de existirem os homens. Ou, por acaso, ao tenta- rem os homens colocar em prática a primeira experiência democrática fo- ram buscar inspiração na idéia de de- mocracia já pronta e assepticamente instalada num "topo noetos" platôni- co?

(9) É evidente que a violentaçâo dos direitos humanos também ocorre nos conhecidos sistemas políticos demo- cráticos, seja na "democracia real'dos países capitalistas, seja na "democracia popular" dos países socialistas. Quan- do o governo norte-americano finan- cia a guerrilha dos "contras" à Nicará- gua, está violentando o direito coletivo de um povo escolher o seu sistema econômico-político. Quando o gover- no de Pequim silencia à força os estu- dantes, violenta o direito dos cida- dãos, ou que seja somente uma parte deles, de lutarem por mais ampla e melhorada democracia em seu país.

O que podemos perceber é que, historicamente, a antidemocracia tem- se manifestado, mais ou menos, sem- pre que, mais ou menos, houve a cen- tralização do poder, ou "governos fortes", que governam "de fato", fun- dados ou não no poder econômico, ou no poder ^"doscéus", etc.

(10) O comportamento normal dos quadros da Igreja ao se tocar nesse ponto é esquivar-se da discussão que realmente interessa nesse caso: o dogma como elemento centralizador da doutrina cristã. A discussão é des- viada para elementos secundários, sendo que um deles é simplesmente pedir perdão pelos atos inquisitoriais do passado. Pedir perdão não é colo- car nenhuma questão em discussão. Tudo é permitido, menos discutir o fo- co da questão, que são os elementos doutrinais dogmáticos. Enquanto o dogma não for colocado em discussão, a essência da doutrina cristã será anti-

democrática. Quanto mais os cristãos superarem o dogmatismo de sua dou- trina, mais terão contribuições para a construção da democracia.

E bom que se acrescente que supe- rar qualquer dogmatismo faz parte do processo revolucionário. Se os cris- tãos, por algum motivo, não puderem ou não quiserem superar a dogmatici- dade de sua doutrina, estarão ajudan- do, com a responsabilidade que lhes cabe historicamente, para reforço do processo contrário - a anti-revolucio- naridade, o reacionarismo - estejam estes cristãos vivendo no capitalismo ou no socialismo, ou em qualquer ou- tro modo de produção.

(11) "A revolução proletária e o re- negado Kautsky", In Obras Escolhi- das (vol. 3) de Lênin, p. 14. São Paulo, Alfa-Omega, 1980.

(12) Manifesto do Partido Co- munista, Parte II: "Proletários e co- munistas".

(13)Op. cit. na nota 11, acima, p. 19. Aproveitamos para alertar a res- peito de uma interpretação errônea da citação feita e talvez dessa obra de Lê-

nin. Para bem interpretá-la, faz-se ne- cessário integrá-la ao contexto políti- co em que surgiu: serviu para contra- atacar as deformações que Kautsky colocou no livro A ditadura do proletariado a respeito da revolução proletária e do poder soviético. Ver in op. cit., nota 1, p. 683.

Lênin não tinha nada de ingênuo e menos ainda aquela dogmaticidade muito encontrável em militantes da esquerda nos dias de hoje. O "milhão de vezes mais democrático" do socia- lismo e do poder soviético é uma for- ma enfática de Lênin contrapor mar- xisticamente a experiência democrática socialista, na época apenas começada na Rússia (Lênin principiou a escrever o livro em questão em outubro de 1918), ás posições Kautskyanas visi- velmente favoráveis à democracia ca- pitalista européia. Basta ler outros tra- balhos de Lênin para logo se concluir quão preocupado ele estava com a construção da democracia socialista, naquelas alturas nem um pouco "urr milhão de vezes" mais democrática que a democracia inglesa, por exem- plo. Por outro lado, analisando as co.- sas do ponto de vista revolucionário, a abolição da propriedade burguesa na Rússia dava as condições para uma construção mais avançada da demo- cracia que as experiências democráti- cas em andamento nos países capita- listas. E disso Lênin estava perfeita- mente consciente.

(14) BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. Rio, Paz e Terra, 1985, 3? ed.

(15) PEREIRA, Otaviano. O que é teoria. São Paulo, Brasiliense,, 1984, 35 ed., p. 76.

* SÉRGIO SCHAEFER nos autorizou gen- tilmente a publicação, aqui.desle artigo, produzido para o Encontro do Movimento Nacional dos Di- reitos Humanos de Fevereiro de 1990. ,51

Revista CJNIPOP

PECA AS PUBLIC DAUNIPOP

Cod C/003

Os cadernos de Formação Poirtica constituem a linha de publicações que tenta acompanhar os cursos e seminários promovidos pela Unipop, servindo de texto base, subsídios ou registrado do conteúdo de atividade, servindo também para estudo e discursão em grupo.

eleições presidenciais

Cod C/004

O Livro Momento Novo de Canto e Luta reúne 197 cantos surgidos nas igrejas e na Música Popular Brasileira. Incluindo ainda, poesias, citações, ilustrações e fotografias.

CANTOS ECUMÊNICOS

Momento Novo de

Canto e Luta A minha boca se escancara alegre contra meus inimigos

1 Sun 2,1

Núcleo de Estudos Ecumênicos Instituto Universidade Popular

Cod L/002

ÕES Cod W001

Esta publicação apresenta as principais p aSens do' Projeto Universidade Popular e o Estatuto do instituto. PossuiPrefac,o

em inglês e alemão.

0^=7 iXboraHão *&& R/ooi

eãOsioi

Etíouxat INTERNACIONM-

oon| '. ^mi

A Be.-Unipo^^^f0

--^ ^íela^ate e voltada iníormamo aber a para os movimentos

r \

\

idades aceitamos propostas.

---9^do9-éa-ondado^ O Preço em B UN u

baixo. _ _ —. — "^ "~ "

TABELA

Cód. Publicações Preço (BTN)

L/001 Projeto e Estatuto 3,0

L/002 Momento Novo de

Canto e Luta 5,0 R/001 Revista UNIPOP 3,0 C/001 Dialética e Consciência 1,0 C/002 Cristão - Cidadão 2,0

C/003 A produção do Esp aço 1,0

C/004 Conjuntura Nacionó 1 1,0

Cheque NP.

HUMOR

.55 Revista uniPOP

I I

INSTITUTO UNIVERSIDADE POPULAR

Av. Senador Lemos, 557 - Fone: 224-9074 CEP 66.000 - Cx. Postal 1098 - Belém-Pará

1990

^-6^.1

PsicanaUstas vé

^1» Ca,,",?,da * » K/quta?'' «' U"W PeSa°? s ^ ,ra«

^mado em ^ ^ e também . Reêina FavI teni • e

afM"e<S?,ord«'«, GaSS ^""«ca^ ™a»a que a

-^piica oi,» ,, • '"nos. "A ~ „■""""" tudo" „

«tá por ^Z Perceber o q'Uee .C.ah

so' o fiJho se ír' "Põe- Nesse

certa comnostnro não Perder . «ente viu ,.1 nada de esnom?3' em "ão L^ sf descontrola; H

e """"^ ve2e,

caoVa,Ía GaSr^^^oa? Tíf/^o te eUieaníe a CainPa-

^mposta eu c .Essa 'niaCem' .at,tudes vio/en, Pode tomar