a05v32n1.pdf

4
ARTIGO Déficit Público: Revisão de um Debate lnacabado- Paulo Cesar Vaz Guimarães Economista pela Universidade de Brasília (UNB); Mestrando em Administração Pública na EAESP/FGV; Técnico da Fundação do Desenvolvimento Administrativo (FUNDAP). * RESUMO: O texto discorre sobre diferentes abordagens para a análise do déficit público, realçan.do osJ"0~lem~s de conceituação e mensuração. Três conceiice sao discutidos: Necessidade de Financiamento do Setor Público, Déficit Operacional do Setor Público e Déficit Real. O primeiro es- teve presente nas relações com o FMI nos anos 80, ~endo substituído pelo conceito operacional em razão das distor- ções geradas pela inflação. Já o Déficit Real representa u.ma interessante alternativa ainda não utilizada. Conclui-se que não existe uma opção definitiva, a 9ual depe~de das ca- racterísticas institucionais da economia e do aprimoramen- to das contas públicas, além do tipo de análise que se preten- da desenvolver. 44 Revista de Administração de Empresas * PALAVRAS-CHAVE: Déficit Público, Política Fiscal, Conta- bilidade Pública. * ABSTRACT: The paper presents different approaches to Pu- blic Deficit' s study, stressing the conceptual and measure- ment problems. Three concepts are analysed: P.ublic Sec~o.r Borrowing Requirement, Public Se~tor O~era~lOnal I?eficlt and Real Deficit. The first was used in the eighiie« âuring the negotiations with the IMF and it was replaced by the opera- tional concept due to distortions caused by inflation. The Real Deficit represents an interesting alternatiz;e which h~s. ~ot been applied yet. It is concluded that there IS not a deiinitioe option, which depends on the instit~tional featu res.of the e~o- nomy and the improvement of public accounts, besides the in- tended kind of analysis. * KEY WORDS: Public Deficit, Fiscal Policy, Public Accounting. * Agradeço a orientação do Prof. Dr. Eurico ~orff na real!z~ção do es- tudo e os comentários do Prof. Paulo Nogueira Batista JUnior. São Paulo, 32(1) 44-47 Jan./Mar. 1992

Upload: carlos-henrique-borges

Post on 14-Dec-2015

5 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: a05v32n1.pdf

ARTIGO

Déficit Público:Revisão de umDebate lnacabado-• Paulo Cesar Vaz Guimarães

Economista pela Universidade de Brasília (UNB);Mestrando em Administração Pública na EAESP/FGV;Técnico da Fundação do DesenvolvimentoAdministrativo (FUNDAP).

* RESUMO: O texto discorre sobre diferentes abordagenspara a análise do déficit público, realçan.do osJ"0~lem~s deconceituação e mensuração. Três conceiice sao discutidos:Necessidade de Financiamento do Setor Público, DéficitOperacional do Setor Público e Déficit Real. O primeiro es-teve presente nas relações com o FMI nos anos 80, ~endosubstituído pelo conceito operacional em razão das distor-ções geradas pela inflação. Já o Déficit Real representa u.mainteressante alternativa ainda não utilizada. Conclui-seque não existe uma opção definitiva, a 9ual depe~de das ca-racterísticas institucionais da economia e do aprimoramen-to das contas públicas, além do tipo de análise que se preten-da desenvolver.

44 Revista de Administração de Empresas

*PALAVRAS-CHAVE: Déficit Público, Política Fiscal, Conta-bilidade Pública.

*ABSTRACT: The paper presents different approaches to Pu-blic Deficit' s study, stressing the conceptual and measure-ment problems. Three concepts are analysed: P.ublic Sec~o.rBorrowing Requirement, Public Se~tor O~era~lOnal I?eficltand Real Deficit. The first was used in the eighiie« âuring thenegotiations with the IMF and it was replaced by the opera-tional concept due to distortions caused by inflation. The RealDeficit represents an interesting alternatiz;e which h~s. ~otbeen applied yet. It is concluded that there IS not a deiinitioeoption, which depends on the instit~tional featu res.of the e~o-nomy and the improvement of public accounts, besides the in-tended kind of analysis.

*KEYWORDS: Public Deficit, Fiscal Policy, Public Accounting.

* Agradeço a orientação do Prof. Dr. Eurico ~orff na real!z~ção do es-tudo e os comentários do Prof. Paulo Nogueira Batista JUnior.

São Paulo, 32(1) 44-47 Jan./Mar. 1992

Page 2: a05v32n1.pdf

DÉFICIT PÚBLICO

INTRODUÇÃO

Embora o tratamento da restrição orçamentária do go-verno e suas diferentes formas de financiamento se-jam tradicionais na Teoria Econômica, também o é,

como nos lembra Carneiro" a problemática da transfor-mação de conceitos analíticos em números que orientema política econômica. Isto é excepcionalmente verdadeironos dias de hoje, a despeito do aprimoramento no ferra-mental auxiliar disponível, quando a complexidade dasrelações intersetoriais parece torná-las ainda mais nebu-losas e indefinidas. E exatamente deste ponto que diver-sos analistas brasileiros e estrangeiros têm se ocupado,procurando desvendar os mitos e compreender a real di-mensão do impacto do déficit público.

Assim, este texto tem por objetivo retratar pontos dealgumas contribuições que abordam os aspectos con-ceituais e de mensuração', a fim de reforçar a opiniãode que o debate está longe de ser concluído, deman-dando estudos que vislumbrem com maior clareza ascontas públicas e seus desdobramentos na economiabrasileira.

NECESSIDADE DE FINANCIAMENTO DOSETOR PÚBLICO (NFSP)

o conceito de Necessidade de Financiamento do Se-tor Público adotado pelo FMI pode ser considerado re-lativamente recente no Brasil, e é utilizado para captara pressão das atividades do governo sobre o setor pri-vado. A fundamentação é nitidamente ortodoxa, sendoum dos pilares de sustentação a prevenção do crawdingout' do setor público pelo setor privado, já que decorreda equação de restrição orçamentária ser assumida co-mo uma função e não como uma identidade.' Logo, assuas metas representam a tentativa de limitar o créditoao governo na expectativa de que a poupança privadanão seja drenada indevidamente.

Um dos primeiros problemas consiste na delimita-ção da abrangência do setor público. Dado o tamanhodo mesmo e a complexidade das contas públicas, torna-se um exercício estafante a manipulação dos númerospara o cálculo de déficit.

Um dos principais problemas encontrados pelos ana-listas do caso brasileiro até pouco tempo era a existênciade três orçamentos - Orçamento Geral da União(OGU), Orçamento Monetário e Orçamento das Empre-sas Estatais - com o complicador de que todos eram decaráter híbrido," Também a vigência da conta movimen-to entre o Banco do Brasil e o Banco Central dificultava otratamento do comportamento das Autoridades Mone-tárias (AM), além da flexibilidade permitida pela LeiComplementar nº 12.6 Mais recentemente, no entanto, oinício da unificação orçamentária e a extinção da contamovimento facilitaram os estudos voltados para a con-solidação das contas públicas', mas ainda não podem-serconsideradas suficientes.'

Foi neste terreno" acidentado" que o FMI optou pelaNFSP restrita, não levando em consideração o setor pú-blico financeiro. Através deste procedimento, foram in-

cluídos os governos federal, estadual e municipal, a ad-ministração indireta, a previdência e as contas fiscaisdo orçamento monetário. Como conseqüência, obteve-se o aprimoramento das estatísticas, principalmenteporque as informações disponíveis até 1983, que ti-nham como fonte as Contas Nacionais, apenas permi-tiam a análise (parcial) do déficit do Tesouro." Todavia,ao ser excluído o setor financeiro, talvez tenha sido co-locado em segundo plano o cerne da questão do déficit,como procuraram demonstrar Lundberg e Castro."Nas palavras destes pesquisadores, como as Autorida-des Monetárias eram intermediadoras da dívida exter-na com importante papel no financiamento do setor pú-blico não financeiro, o desequilíbrio financeiro do go-verno se encontrava no orçamento monetário. Os auto-res frisavam que, diante do processo de estatização dadívida externa", o conceito de NFSP incorria em duplacontagem por incluir os juros pagos pelas instituiçõespúblicas às Autoridades Monetárias, assim como os en-cargos pagos pelo Tesouro sobre os títulos colocados àvenda pelo Banco Central. O mais grave, entretanto, eraa incapacidade de estabelecer uma distinção entre polí-ticas monetárias e fiscais, à medida que a esterilizaçãodos efeitos da expansão monetária, em razão do au-mento das reservas internacionais ou do crédito do

1. CARNEIRO,D. "Passivo do gover-no e déficit público no período1970/1985". In: LOZARDO, E. (org.)Déficit Público Brasileiro: PolíticaEconômica eAjuste Estrutural. Rio deJaneiro. Ed.PazeTerra, 1987, p. 217.

2. É necessário frisar que outros au-tores tratam desta temática utilizan-do conceitos que aqui não foramprivilegiados (Déficit de Caixa, porexemplo). Tal fato, no entanto, estámais afeto à opção por uma linha deargumentação do que a uma seleçãodos "melhores" conceitos. Para umbom trabalho que examina algumasoutras variáveis, ver COSTA, M.; PE-REIRA, L. & SILVA, C. Medidas dodéficit público: variações em tornodos principais conceitos. Rio de Ja-neiro, Centro de Estudos Fiscais,IBRE/FGV,jan.1988.

3. Crowding out é o termo cunhadopela Teoria Econômica que designaa transferência de recu rsos do setorprivado para o setor público, moti-vada por alguma política pública.

4. BRESSER PEREIRA, L. & DAL-L'ACaUA, F. "A composição finan-ceira do déficit público". In: LOZAR-DO, E. (org.) Op. cit., p. 17.

5. Para uma descrição dos orça-mentos, ver MEREGE, L. Externaidebt and public economics in Brazil(1980-1984). Syracuse. Universida-de de Syracuse. Tese de Doutorado,1988, pp. 53-100. (mimeo)

6. OLIVEIRA, J. "déficits dos orça-mentos públicos no Brasil: concei-tos e problemas de mensuração" In:LOZARDO, E. (org.) Op. cit., p. 261.

7. Ficaa ressalva de que alguns auto-res colocam dúvidas quanto ao efeti-vo fechamento da conta movimento.Ver PISCITELLI, R. "O processo deelaboração e execução orçamentáriano Brasil; algumas de suas peculiari-dades". Revista de Economia Políti-ca, 8(3):90, jul. 1988.

8. Tal opinião é corroborada porKorff, que frisa enfaticamente a ne-cessidade da transparência orça-mentária. Ver KORFF,E.O Setor Pri-vado da Economia e o déficit Públi-co. São Paulo, FIESP/CIESP, 1987,pp.2-3.

9. ROSSI, J. "Notas sobre o concei-to apropriado de déficit públicoreal". Pesquisa e Planejamento Eco-nômico, 15(3):567, dez. 1985; AL-VES, S. "O desafio do déficit públi-co". In: LOZARDO, E. (org.) Op. cit.,pp. 56-7; ALVES, S. "tratamento daCorreção monetária dos juros da dí-vida interna". Revista de EconomiaPolítica, 9(3):69, jul/set. 1989; FRA-GA NETO, A. & LARA RESENDE,A."déficit, dívida e ajustamento: umanota sobre o caso brasileiro". Revis-ta de Economia Política, 5(4):57-8,out/dez. 1985.

10. LUNDBERG, E. & CASTRO, A."Desequilíbrio do setor público eseu impacto sobre o orçamento mo-netário".ln: LOZARDO, E. (org.) Op.cit., p. 96.

11. Para uma análise desta questão,ver CAVALCANTI, C. "Transferênciade recursos e substituição da dívidaexterna por dívida interna". Revistade Finanças Públicas, ano XLVII,(372):16-42, out/nov/dez. 1987.

45

Page 3: a05v32n1.pdf

RAE

Banco Central ao setor privado, era compreendida co-mo incremento no déficit.

Diante de tantas dificuldades e inconsistências con-ceituais, cabe reafirmar a advertência de Werneck" deque é errôneo supor que a NFSP corresponde a um in-dicador adequado da situação fiscal do Estado. Istoporque, afora os problemas citados, estar-se-á tendopor base apenas a variação no passivo público, sem le-var em conta as variações no seu ativo.

Batista Jr.13, por sua vez, chama a atenção para o fatode que a NFSP "não representa e nem pretende representaruma medida direta do déficit público", pois em seu cálculoestão computadas as necessidades de financiamento pa-ra investimento do setor público. Além do mais, a NFSP(assim como outros conceitos de déficit) é enganosa co-mo indicadora de política fiscal quando a economia seencontra em recessão e/ ou processos inflacionários. Ba-tista Jr. sublinha, ainda, que o método baseado na dife-rença do saldo da dívida (regime de caixa) entre duasdatas pode dar margem a incorreções, pois podem estarsendo consideradas ao déficit operações, tais como o cré-dito ao setor privado, que não representam pressões nosistema financeiro atribuíveis ao setor público.

Outro eixo de críticas é feito por Alves nos artigos jácitados, que considera a NFSP um conceito por demaisrestrito, não dando conta nem do perfil da dívida ("es-trutura da maturidade") nem da possível monetização,ambos essenciais para a política monetária. Entretanto,o enfoque principal do autor recai sobre a inconsistên-cia em aceitar que os pagamentos devidos à correçãomonetária sejam computados no déficit, enquanto asamortizações do principal não o são.

Em linhas opostas se encontram França" e Rama-lho". A preocupação de França é derivada diretamentedo paradigma neoclássico, que prevê a subida nas taxasde juros em função da colocação de títulos públicos nomercado. Enquanto para Ramalho a opção por critériosreais resultada incorreta cisão entre políticas monetá-rias e fiscais, fruto da análise dicotômica entre curvas ISe LM. Assim, somente um conceito suficientementeamplo abrangerá toda a restrição orçamentária, neces-sitando serem incorporadas as variáveis que possamser utilizadas como instrumentos de política econômi-ca. Entretanto, como as premissas do modelo de Rama-lho fazem uso de hipóteses comportamentais (ilusãomonetária, por exemplo), cabe com muita pertinência oalerta de Bastos et alii para que aquelas não sejam fixa-das em apenas um lado da equação." Desta forma, porexemplo, se existe ilusão em relação à dívida, esta tam-bém estará presente nos aumentos de impostos nomi-nais, o que poderá afetar o deslocamento da demanda.

No meio de tanta discordância, uma aparente con-vergência se encontra na negação do uso da relaçãoNFSP /PIB como indicador da situação fiscal. Em Bres-ser Pereira e Antinori", está disponível uma argumen-tação simples e clara de como o processo inflacionárioeleva artificialmente a mencionada relação, visto con-fundir fluxos e estoques. A explicação decorre da NFSPser medida a preços de fim de período, enquanto o PIBé deflacionado pelo valor médio da variação de preços.

46

Por fim, os próprios membros do staft do FMI reconhe-ceram que as comparações internacionais não devemser feitas com base na relação NFSP /PIB, em razão dasdistorções criadas pela inflação."

DÉFICIT OPERACIONAL DOSETOR PÚBLICO (DOSP)

oDéficit Operacional do Setor Público surgiu para evi-tar alguns dos problemas gerados pelo processo inflacio-nário para a mensuração do déficit público. Assim, oDOS-P exclui do cálculo das Necessidades de Financiamentodo Setor Público as correções monetária e cambial, a fimde propiciar um melhor indicador da situação fiscal.

Percebe-se da definição que algumas dificuldadescom a NFSP permanecem com o OOSP. Uma primeirarestrição para o seu uso no Brasil até recentemente foidesconsiderar o setor financeiro, ignorando o orçamen-to monetário, os problemas com o Sistema Financeiro deHabitação, os "estouros" dos bancos estaduais etc. Isto éque permitiu que em certos períodos, como em 1984,fosse divulgada a eliminação do déficit público opera-cional, enquanto persistiam pressões desestabilizado-ras." Batista Jr.20 é incisivo quanto a este ponto, pois cri-tica a disposição da visão heterodoxa, ou inercialista, deaceitar sem mais críticas as estatísticas oficiais.

No tocante à consistência interna do conceito, é rele-vante a observação de Rossi" de que o OOSP realizauma contabilidade pela metade. A explicação reside nofato do passivo do governo ser atualizado apenas par-cialmente, pois embora a dívida seja ajustada correta-mente, para o autor, a base monetária não o é. Pela suaótica, o imposto inflacionário fica praticamente esqueci-do, justificando sua preferência pelo Déficit Real. Nãoentrando ainda no estudo deste conceito, é necessárioassinalar que outros autores" chamam a atenção para acomplexidade da mensuração do passivo público, oqual comporta variáveis pouco acessíveis como o valorpresente da dívida e futuras pensões previdenciárias.

Atentando para o cálculo do OOSP para a economiabrasileira, um fator que logo ganha destaque é a alter-

12. WERNECK, R. Empresas Esta-tais e Política Econômica. Rio deJaneiro, Ed. Campus, 1987, pp.44-5.

13. BATISTA JR., P. "Dois diagnós-ticos equivocados da questão fiscalno Brasil". Revista de Economia Po-lítica, 5,(2):19-23, abr/jun. 1985.

14. FRANÇA, P. "déficit público epolítica econômica".ln: LOZARDO,E. (org.) Op. cit., p. 130.

15. RAMALHO, V. "Adequação dodéficit público global como indica-dor para política de estabilização".Revista Brasileira de Economia,41 (3):296-300, jul/set. 1987.

16. Bastos, C.; LOPES, F. & SERRA-NO, F. Conceitos de déficit Público.Rio de Janeiro, lEI/UFRJ, 1989, p.11.(Mimeo)

17. BRESSER PEREIRA, L. & ANTI-NORI, M. "Nota sobre o déficit públi-co e a correção monetária". Revistade Economia Política, 3(4):136-7,out/dez. 1983.

18. TANZI, V.; BLEJER, M. & TEIJEI-RO, M. "Inflation and the measure-ment of fiscal deficits". IMF Staff Pa-pers, 34(4):730-1, dez. 1987.

19. Fraga Neto, A. & Lara Resende,A. Op. cit., pp.58-9.

20. Batista JR., P. Op. cit., p.31.

21. ROSSI,J. Op. cit., pp. 571-2.

22. CARNEIRO, D. Op. cit., p. 217;BUITER, W. "Measurements of thepublic sector deficit and its implica-tions for policy evaluations and de-sign". IMF Staff Papers, 30(2):310,jun.1983.

Page 4: a05v32n1.pdf

DÉFICIT PÚBLICO

nância de metodologias para a determinação das corre-ções monetária e cambial. Como conseqüência, é bas-tante factível que as pressões do setor público sobre osistema financeiro estejam superdimensionadas quan-do a correção oficial ficar abaixo da variação dos preços,ou subdimensionadas em situações opostas." Tendo emvista tal problemática, um estudo de Ciambiagi" procu-rou estimar o DOSP a partir da inflação, e não com basenos critérios oficiais. As suas conclusões demonstramque, afora a consistência conceitual que permite o proce-dimento, os resultados sofrem alterações significativas.

Na verdade, como se procurou demonstrar notexto, não pode existir um conceito definitivo dedéficit público a ser aplicado universalmente.

Uma defesa mais enfática da utilização do DOSP parao caso brasileiro é o recente estudo de Alves." O cerne domodelo apresentado por este autor é que a inflação nãoafetaria necessariamente o valor real das receitas (vistoque existem instrumentos de controle por parte das au-toridades fiscais) nem das despesas, em função dos me-canismos de indexação; por outro lado, elevaria o paga-mento de juros através de um efeito Físher" completo,que garantiria a taxa real de retomo desejada, restringin-do fortemente a capacidade das autoridades econômicasatuarem sobre a conta juros. Logo, as parcelas devidas àrecomposição do principal em termos reais deveriam sertratadas como amortizações e, portanto, ficariam fora docálculo do déficit. Neste sentido, o DOSP realmente po-deria ser um bom instrumento, mas é de difícil mensura-ção e só deveria ser utilizado quando o refinanciamentoda parcela corrigida da dívida não implicasse pressõesinflacionárias", ou seja, quando o refinanciamento da dí-vida estivesse automaticamente garantido.

DÉFICIT REAL

O conceito de Déficit Real significa o DOSP menos oimposto inflacionário. Na opinião de Bastos et alii, es-te representa o melhor indicador, pois permite distin-guir os impactos do setor público sobre a demandaagregada e a forma de alocação da riqueza privada."Rossi" também acolhe como vital a receita propiciadapelo imposto inflacionário, pois considera que estariaem tomo de 2% do PIB em 1985. Indubitavelmente, es-tá presente para ambos a premissa de inexistência deilusão monetária, ou propensão marginal a consumirdesprezível sobre a correção monetária, nas palavrasde Rossi. Caso contrário, o déficit, calculado segundo ametodologia da NFSP, poderia ser mais apropriado.

Parece inegável a importância das tentativas de men-suração do Déficit Real para a análise das finanças públi-cas. Como bem ilustra o estudo sobre o Plano Cruzado

elaborado por Cysne", a exclusiva atenção sobre a rela-tiva estabilidade do comportamento do Déficit Opera-cional no período 1985-86encobria o fato de que ocorriauma explosão de consumo. Esse fenômeno vinha na es-teira do aumento na renda disponível do setor privado(fruto da queda do imposto inflacionário), que estavarefletido diretamente na elevação do Déficit Real.

Cabe alertar que também são feitas críticas ao DéficitReal enquanto indicador da situação fiscal, tal qual àNFSP e ao DOSP. Ramalho", por exemplo, considera oDéficit Real enganoso e de uso inadequado nas políticasde estabilização. Através do modelo que desenvolve apartir da equação de restrição orçamentária do governo,conclui que a opção pelo conceito em termos reais equi-vale a duvidar da efetividade das políticas monetárias efiscais, o que já não ocorre com o conceito nominal. Con-forme o autor, "o tamanho e a variação do déficit real não dãoqualquer indicação do impacto do governo sobre a inflação, eisso reafirma exatamente a tese do déficit nominal" .32

COMENTÁRIO FINAL

A exposição anterior retrata, em grandes traços, avariedade de hipóteses que podem ser feitas com rela-ção ao déficit público. Todo o esforço que vem sendodispendido procura acumular conhecimento das rela-ções entre os setores privado e público, para melhoravaliação das alternativas de política econômica. Entre-tanto, conforme procuraram demonstrar Boskín" e Eis-ner", pouco se conhece dos reais impactos do déficit,nem mesmo nas economias mais desenvolvidas, ondeexiste um maior esforço de pesquisa.

Conclui-se que de forma alguma constitui privilégioda economia brasileira a discórdia a respeito do tema.Na verdade, como se procurou demonstrar no texto,não pode existir um conceito definitivo de déficit públi-co a ser aplicado universalmente. Pelo contrário, a dis-cussão dos três conceitos reforça a idéia de que as op-ções de cada analista estão condicionadas às caracterís-ticas institucionais da economia, ao conhecimento dis-ponível das contas públicas e ao tipo de estudo que sepretende desenvolver. O

23. CARDOSO, E. & REIS, E."déficits, dívidas e inflação no Bra-sil". Pesquisa e Planejamento Eco-nômico, 16(3):595, dez. 1986.

24. GIANBIAGI, F. "Os conceitos decusto da dívida mobiliária e déficitoperacional do setor público: umacrítica". Revista de Economia Brasi-leira, 43(1 ):69-74, jan/mar. 1989.

25. ALVES, S. Op. cit., pp. 74-80.

26. O efeito Fisher está presentequando, em uma economia inflacio-nária, as taxas nominais de jurostendem a uma taxa real mais a taxaesperada de inflação.

27. TANZI, V. et alii. Op. cit., pp.727-8.

28. Bastos, C. et alii. Op. cit., p. 16.

29. ROSSI, J. Op. cit., p. 572.30. CYSNE, R. "O Plano Cruzadofrente às reestimativas do déficitOperacional entre 1984 e 1987". Re-vista Brasileira de Economia,44(2):164-6, abr/jun. 1990.

31. RAMALHO, V. "déficit Público:do paradoxo ao déficit Nominal".Revista Brasileira de Economia,44(2):243, abr/jun. 1990.

32. RAMALHO, V. Op. cit., p. 247.

33. BOSKIN, M. "Federal governme-nt deficits: some myths and reali-ties. American Economic Review,72(2): 297-301, maio 1982.

34. EISNER, R. "Which budget defi-cit? Some issuesof measurement andtheir implications". American Econo-mic Review,74(2):138-9, maio 198

47