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A VIVÊNCIA DA GESTÃO DEMOCRÁTICA NAS ESCOLAS: POSSÍVEIS AVANÇOS E LIMITES Itelma Mirian Alves de Medeiros João Luiz Gasparin -Orientador Resumo A ampliação dos espaços de participação pautados em relações igualitárias é uma marca das reivindicações no contexto atual. O objetivo deste estudo é contribuir para a vivência da gestão democrática no âmbito escolar. O enfoque de totalidade nos leva inicialmente a refletir sobre a questão da gestão para em seguida apresentarmos o percurso de nossa intervenção didática que se deu em forma de um curso de capacitação, cujo fundamento metodológico é o movimento dialético ação-reflexão- ação. Essa reflexão teórico-prática se organiza em cinco passos, que são apresentados por Gasparin (2007) em sua obra, “Uma Didática para a Pedagogia Histórico-Crítica”. Os estudos oportunizaram ao grupo, composto por membros dos órgãos de gestão colegiada, a tomada de consciência da realidade, que foi compreendida em sua concreticidade, sendo possível verificar como os limites impostos pelos condicionantes das estruturas mais amplas restringem as práticas de gestão democrática. Verificou-se que essa análise da realidade e a busca de sua compreensão, conforme a metodologia de ação contida na proposta de trabalho, foi possível aos gestores elaborarem um plano de ação que contemplou a fala de todos os segmentos da comunidade escolar. Palavras-chave Gestão escolar. Democracia. Órgãos Colegiados Introdução Nossa história recente denuncia que nem mesmo num contexto marcado pela abertura política, vivenciado por nós na década de 80 - terreno fértil em que se produziram bases legais norteadoras da reconstrução de uma nova sociedade - não conseguiu vislumbrar avanços significativos rumo à legitimação da tão sonhada vivência democrática. Isso se verifica na prática social mais ampla como também nos micro-espaços sociais, nos quais se insere a escola. No campo educacional, tal afirmativa se pauta em nossa experiência nos últimos dez anos de trabalho na Equipe Pedagógica do NRE de Maringá com gestores, diretores e pedagogos. Essa vivência nos permitiu constatar a ausência de práticas democráticas na condução da organização da escola. Neste período, verificamos apenas algumas 1

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A VIVÊNCIA DA GESTÃO DEMOCRÁTICA NAS ESCOLAS: POSSÍVEIS

AVANÇOS E LIMITES

Itelma Mirian Alves de Medeiros

João Luiz Gasparin -Orientador

Resumo

A ampliação dos espaços de participação pautados em relações igualitárias é uma

marca das reivindicações no contexto atual. O objetivo deste estudo é contribuir para a

vivência da gestão democrática no âmbito escolar. O enfoque de totalidade nos leva

inicialmente a refletir sobre a questão da gestão para em seguida apresentarmos o

percurso de nossa intervenção didática que se deu em forma de um curso de

capacitação, cujo fundamento metodológico é o movimento dialético ação-reflexão-

ação. Essa reflexão teórico-prática se organiza em cinco passos, que são apresentados

por Gasparin (2007) em sua obra, “Uma Didática para a Pedagogia Histórico-Crítica”.

Os estudos oportunizaram ao grupo, composto por membros dos órgãos de gestão

colegiada, a tomada de consciência da realidade, que foi compreendida em sua

concreticidade, sendo possível verificar como os limites impostos pelos condicionantes

das estruturas mais amplas restringem as práticas de gestão democrática. Verificou-se

que essa análise da realidade e a busca de sua compreensão, conforme a metodologia de

ação contida na proposta de trabalho, foi possível aos gestores elaborarem um plano de

ação que contemplou a fala de todos os segmentos da comunidade escolar.

Palavras-chave

Gestão escolar. Democracia. Órgãos Colegiados

Introdução

Nossa história recente denuncia que nem mesmo num contexto marcado pela

abertura política, vivenciado por nós na década de 80 - terreno fértil em que se

produziram bases legais norteadoras da reconstrução de uma nova sociedade - não

conseguiu vislumbrar avanços significativos rumo à legitimação da tão sonhada

vivência democrática. Isso se verifica na prática social mais ampla como também nos

micro-espaços sociais, nos quais se insere a escola.

No campo educacional, tal afirmativa se pauta em nossa experiência nos últimos

dez anos de trabalho na Equipe Pedagógica do NRE de Maringá com gestores, diretores

e pedagogos. Essa vivência nos permitiu constatar a ausência de práticas democráticas

na condução da organização da escola. Neste período, verificamos apenas algumas

1

tímidas iniciativas de gestão democrática realizadas por alguns gestores. A gestão

escolar, em sua grande parte, caracteriza-se por posturas tradicionais marcadas por

práticas autoritárias, revestidas de discursos democráticos, uma vez que as tomadas de

decisões, que orientam a condução da vida escolar, são tomadas por um pequeno grupo,

que não considera a comunidade escolar através do envolvimento de pais, alunos e

profissionais da educação.

Nessa trajetória profissional, as angústias sempre vinham acompanhadas de

alguns questionamentos, sendo eles, agora, o norte de nossa proposta de trabalho.

Dentre as várias questões possíveis, elegemos algumas que consideramos mais

importantes. São elas: Quais são as dificuldades vivenciadas pelo gestor-diretor que o

impedem de tomar e aceitar decisões coletivas? Quais as reais possibilidades do gestor

abrir canais de participação da comunidade na condução da vida da escola e assim

efetivar uma possível gestão democrática?

As respostas a estes questionamentos desvelarão os limites e possibilidades da

efetivação de uma Gestão Democrática e, conseqüentemente, indicarão caminhos para

orientar a construção de práticas democráticas na gestão escolar.

Nesse sentido, propomos os seguintes objetivos para nosso trabalho:

* Desvelar as formas de gestão que vem se configurando no contexto escolar, apontando

avanços e limites vivenciados, na tentativa de criar espaços democráticos e indicar

possíveis formas de encaminhamento que superem os limites vividos pela escola.

* Reconhecer, sob o olhar da comunidade escolar, pais, alunos e profissionais da

educação, os avanços e limites da atual gestão escolar, a fim de eleger formas de gestão

que possibilitem e viabilizem uma gestão democrática;

* Apontar possibilidades de ampliação de espaços democráticos no contexto escolar,

para que possam ser implementadas e vivenciadas no projeto político pedagógico da

escola.

Como tivemos a oportunidade de verificar, a relevância deste estudo se justifica

pela necessidade histórica de efetivação dos princípios democráticos na vida da escola

como afirma Saviani, em sua conhecida frase, já apropriada por todos nós,

“democratizar a escola é democratizar a sociedade”. O contexto social, tecido por

contradições, também espera da escola a efetivação do anunciado na Carta Magna e na

LDBEN: a formação cidadã, uma vez que, vivida pela escola, passa a ser vivida pela

prática social mais ampla. Não é possível ensinar a ler e a escrever, sem ensinar nossas

crianças a conviver participando das decisões que conduzem as vidas coletivas dos

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homens, uma vez que trabalhar o micro espaço da sala de aula é também atingir o macro

espaço social

Para compreender essa realidade em suas dimensões de totalidade e

complexidade, faz-se necessário traçar o seguinte percurso: Inicialmente precisamos

definir o termo “democracia”, uma vez que ele expressa a essência do fenômeno de

nossa investigação/intervenção. Num segundo momento, faremos um breve retorno

histórico na configuração da administração escolar no Brasil, até chegarmos às Políticas

Educacionais do Estado do Paraná. Num terceiro momento, apresentaremos nosso

percurso de intervenção na realidade escolar. Com esse olhar mais instrumentalizado,

foi possível interpretar as práticas de gestão assumidas pelas escolas, seus avanços,

dificuldades e indicar alguns encaminhamentos de intervenção pedagógica que

possibilitarão a construção de espaços democráticos no interior das escolas.

Definindo os termos: caminhos para compreender os fundamentos da gestão

democrática.

Para conhecermos os fundamentos da gestão democrática faz-se necessário

definir o termo “democracia”, só assim poderemos compreender suas interfaces

presentes na dinâmica da escola, mais especificamente no espaço administrativo,

enquanto entrelaçado e articulado ao contexto presente.

No dicionário Aurélio, o vocábulo democracia assim é definido:

s.f. 1. governo do povo; soberania popular. 2. Doutrina ou regime político baseado nos princípios da soberania popular e da distribuição eqüitativa do poder, ou seja, regime de governo que se caracteriza, em essência, pela liberdade do ato eleitoral, pela divisão dos poderes e pelo controle da autoridade, i. e., dos poderes de decisão e de execução (FERREIRA, 1995).

As bases desses conceitos foram produzidas no século XV com os iluministas,

período em que vários pensadores, ao negar o regime absolutista começaram a propor

outro modelo de governo. Elaboraram, assim, uma nova concepção para a organização

social e política, elegendo a forma de governo democrática, como a mais adequada. É

por essa razão que vamos apreender o conceito acima citado, como desdobramentos do

conceito cunhado por Rousseau “governo do povo”. Foi ele um dos principais

pensadores a lançar os primeiros fundamentos para o atual entendimento do termo

democracia.

Para Rousseau, a democracia tem como base um Contrato Social, cujo objetivo é

garantir a vontade geral. A democracia se afirma na idéia de uma organização social que

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prima pela soberania popular, portanto, o contrato social consiste em um tratado social,

que visa assegurar a igualdade e a liberdade. A democracia instala-se a partir do

momento que as vontades particulares dão lugar à vontade geral, é “uma existência

livre, porém socializada” (ROUSSEAU, 1999, p.38-39).

Coutinho (1994), ao estabelecer um diálogo entre a produção teórica de

Rousseau e Gramsci, traz contribuição deste último, para ampliar nosso conceito de

democracia ao tratar de um de seus principais conceitos, o conceito de hegemonia. Na

hegemonia, prepondera o interesse universal sobre o interesse meramente privado.

Segundo os estudos de Coutinho, Gramsci se aproxima de Rousseau ao propor o

conceito de “vontade coletiva nacional-popular” que se aproxima da “ vontade geral”.

Outrossim, do mesmo modo como há em Rousseau um estreito vínculo entre contrato e vontade geral, também em Gramsci tem lugar uma íntima articulação entre hegemonia e o que ele chama de “vontade coletiva nacional-popular” (COUTINHO, 1994, p.140).

O conceito de democracia vai sendo tecido sempre acompanhando os contornos

ditados pelos conflitos sociais. Quando as contradições do sistema capitalista expõem os

conflitos por ele engendrados esse conceito vai tomando diferentes formas de

entendimento. Isso ocorre em meados do século XVIII, quando o capitalismo começa a

tomar forma mais clara. A sociedade burguesa se apropria de um ideário que vai nortear

a condução da nova organização social; para isso elege a democracia liberal como

modelo a ser seguido. No bojo das contradições desse sistema, uma nova forma de

entendimento e de vivência social opõe-se à concepção burguesa: o modelo soviético

elege a democracia totalitária.

Para Vieira (1992) a democracia totalitária tem como objetivo a transformação

do ideal de igualdade humana em realidade, portanto, ela só poderia ocorrer numa

sociedade sem classe, sem domínio sem exploração de uma classe por outra. A

igualdade entre os homens só ocorreria, com o estabelecimento de uma sociedade sem

classes.

Já a democracia liberal está alicerçada no capitalismo, “O pensamento liberal é

produção ideológica que reflete os interesses e pretensões da sociedade burguesa [...]”

(VIEIRA, 1992, p.67). A valorização da liberdade individual se vincula à democracia,

igualdade de oportunidade. Na democracia liberal, não se fala em direitos sociais; a

igualdade jurídica parece transcender e assim assegurar os demais direitos.

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Essas duas variações conceituais gestadas nas contradições do sistema

capitalista, século XVIII, estão presentes na atualidade, isto porque as práticas deste

modelo de produção continuam estruturando a dinâmica das relações. Esses dois

núcleos conceituais antagônicos, vão apresentar diferentes concepções de mundo,

diferentes formas de estabelecimento de contratos sociais que definirão os direitos e

deveres que vão se configurar em princípios de vida e organização coletiva de uma

sociedade, bem como definirão também os papéis do Estado, e da educação; enfim vão

direcionar todos os campos que compõe a complexidade social.

A democracia liberal continua defendendo a democracia representativa como a

forma mais viável de exercício democrático; constitui-se no regime no qual a elite é

autorizada a governar representando a “vontade geral”, através do estabelecimento de

consensos (VIEIRA, 1992). É uma democracia “restrita, mínima” (BOFF, 2000).

A democracia socialista ou marxista, atualmente sem espaço de atuação, uma

vez que é impedida de manifestar-se e, conseqüentemente, de efetivar-se, por ser uma

força contrária ao capital, continua defendendo a participação na forma de conselhos e

colegiados.

Com um entendimento mais esclarecido sobre as questões que giram em torno

do conceito de democracia, é possível agora conhecermos brevemente a história da

organização escolar através de sua administração, hoje denominada gestão escolar.

Conhecendo um pouco da história da administração escolar no Brasil e as

Políticas educacionais do Estado do Paraná

Para compreender a atual forma de organização da dinâmica escolar, mais

precisamente no seu aspecto administrativo, hoje denominado gestão escolar,

vivenciada nas escolas públicas do Paraná, faz-se necessário realizar um breve retorno

histórico. Nesse sentido, aceitamos o convite de Andery, ao explicar que “o olhar para a

história é um caminho para a compreensão da ciência hoje” e para nós, é o caminho

para compreender a atual forma de gestão escolar (ANDERY, et all, 1988, p.11 ).

Ao recuperar as diferentes práticas de administração gestadas nos diferentes

momentos históricos da educação no Brasil, é possível reconhecer a necessidade da

mudança de paradigma defendida atualmente: de administração escolar para gestão

escolar.

Para realizar esse percurso histórico, nos apoiaremos em estudos realizados por

renomados pesquisadores da área. Com Sander (2007), identificaremos os diferentes

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enfoques assumidos pela administração escolar, sempre no sentido de acompanhar o

movimento do modo de produção econômica, a organização social e política do país.

Os estudos de Sander, apresentam a genealogia da administração da educação

brasileira até a contemporaneidade. Ao sintetizar seu pensamento evidenciamos que a

evolução histórica da administração escolar caracteriza-se, inicialmente, por sua

institucionalização com a força da lei, assumindo um enfoque puramente jurídico. Mais

tarde, no período de crise e recessão econômica dos anos 20, ela passa a utilizar

elementos das teorias de Taylor e Fayol, de controle e racionalidade. A partir desse

momento, com pequenas alterações, vigora até os dias atuais assumindo a abordagem

empresarial do modo de produção capitalista para a organização do sistema educacional

e escolar.

Com a abertura política do país, na década de 80, é possível expressar uma visão

mais crítica da administração escolar. Félix (1989), desvela a relação/vinculação da

administração escolar x administração geral x modo de produção econômica,

explicitando como a organização da escola através da administração atende as

exigências do sistema capitalista. Essas novas formas de entender a educação,

concebidas pela vertente progressista, propõem a crítica e a negação do vivido pela

escola.

Felix (1989) e Paro (1987) fundamentam-se em pressupostos marxistas para

analisar a escola como elemento determinante e determinado da sociedade capitalista.

Enraizados nessa matriz teórica, com a qual também comungamos, é fundamental a

compreensão do modo de produção capitalista para entender os vínculos entre

administração geral/empresarial x administração/gestão escolar, bem como a função

assumida pelo Estado como órgão de controle no sentido de assegurar a adequação da

educação ao projeto econômico.

Paro, nessa mesma linha de Felix, faz denúncias do caráter conservador da

administração escolar e propõe uma administração para a transformação social. Ele

justifica a necessidade de se contrapor à concepção de “administração escolar”, que tem

suas bases teóricas na administração geral/empresarial, subserviente ao sistema

capitalista, substituindo-a por uma administração escolar de base teórica educacional,

que considere a natureza da especificidade do processo pedagógico ao se sustentar no

tripé aluno x saber x conhecimento. Essa abordagem se opõe à visão mercadológica

empresarial do modo de produção econômica capitalista.

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A concepção de administração escolar, hoje reconceituada no enfoque de gestão

democrática, traz as marcas dos novos campos teóricos que estão sendo produzidos para

explicar a educação no Brasil.

Os estudos produzidos na década de 80 possibilitaram aos educadores terem uma

visão mais crítica da administração escolar, uma vez que a educação passa a ser

compreendida com uma finalidade sóciopolítico. Félix e Paro são os principais

expoentes dessas novas concepções de administração escolar. Nela, a participação da

comunidade na tomada das decisões é fundamental, o que caracterizaria a gestão

democrática.

A gestão democrática passa a ser um meio e não um fim; por defender a

participação da comunidade visa atender os objetivos educacionais: “educação de

qualidade para todos”.

Muitas são as discussões sobre o assunto, mas ainda não se propôs um modelo

teórico para orientar as práticas de organização da gestão democrática.

É com essas concepções gestadas em um novo cenário de abertura política e

educacional do país, que o Estado do Paraná irá construir sua proposta educacional.

As políticas educacionais do Estado do Paraná

Como tivemos a oportunidade de verificar, logo após a abertura política do país,

terreno fértil de produção teórica para construção de uma nova sociedade e, portanto,

um novo entendimento e direcionamento educacional, os reclames sociais parecem que

já estavam sendo atendidos, em forma de proposta de governo.

Na gestão política de governo dos anos 1987-1990, o Plano da Secretaria de

Estado da Educação defende a construção de uma escola democrática. Segundo o

Secretário de Educação da época, Belmiro Valverde Jobim Castor, a democratização

deveria estender-se a todas as dimensões de seu funcionamento educacional. São alguns

recortes de sua fala,

[...] dar às escolas a maior autonomia possível em relação à gestão de seu cotidiano, concentrando recursos na própria escola para a administração do dia-a-dia[...]; [...] aproximar a escola de sua comunidade[...]; [...]assegurar que a escola responda de maneira efetiva àquilo que a comunidade espera (PARANÁ, 1987, p VI).

A comunidade é solicitada a participar como co-responsável pelo bom

desempenho da escola. São chamados os pais, professores e comunidade para que

firmem esforços conjuntos, “não sendo mais necessário, depender e esperar pelo poder

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público” (idem, 1987). Essa postura era interpretada pela equipe, mentora do projeto,

como uma medida de desburocratização da administração educacional. Como podemos

confirmar:

Espera-se, com essa estratégia operacional, conferir à participação comunitária condições de pleno fortalecimento e suporte mais duradouro. A comunidade entrosada com a vida da escola, co-responsável pelo funcionamento, estará sendo solicitada a avaliar, discutir e assumir tarefas atuando de forma concreta (PARANÁ, 1987, p. 16).

Certamente alguns desses termos utilizados saltam aos nossos olhos, “co-

responsabilidade”, “assumir tarefas”. Quais seriam as dimensões dessas

responsabilidades? Em nenhum momento elas foram explicitadas nos documentos

oficiais. A amplitude do discurso e o distanciamento da prática, comprovados pela

história, poderiam causar sérias preocupações no campo educacional. Fica claro, assim,

a transferência de tarefas que paulatinamente vai retirando do Estado sua real função:

garantir a educação pública de qualidade.

Na gestão 1991-1994, do governador Roberto Requião, percebemos uma

sensível alteração nos moldes de gestão do sistema de ensino escolar, Gonçalves (1994),

aponta a defesa da autonomia que vem ligada a um dos principais eixos da proposta

educacional denominada: Escola cidadã. Pela primeira vez na história do Paraná, as

escolas tiveram autonomia para elaborar seu Projeto Político-Pedagógico.

Na 1ª gestão 1995-1998 e na 2ª gestão 1999-2002, do governo Lerner, os estudos

realizados por Amaral (1996), indicam que foram marcadas pela concepção de

“Qualidade Total”1

A gestão democrática, representada pela “escola cidadã”, é substituída pela

“gestão compartilhada” do governo Lerner. Essa mudança de denominação significa

mudança na concepção da gestão da escola (SILVA, 1998.).

A gestão compartilhada visava a divisão de responsabilidade de gerir a escola

com a comunidade, e assim, com a união de esforços, conquistar a excelência na

educação, os documentos oficiais justificam que essas mudanças eram necessárias para

que a escola acompanhasse as reformas econômicas.

Nesse período, as escolas eram incentivadas a participarem do “Prêmio de

Excelência da escola”. Eram premiadas as instituições que mais se destacavam pela

eficiência e produtividade. Esse modelo de proposta estimula a competitividade entre as

1 A Qualidade total é entendida como resultado da competitividade entre as empresas.

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escolas, a individualidade, tudo para atingir o padrão de excelência. Esses princípios

passam a nortear as ações administrativas e as relações nas escolas. Com essas posturas

o Estado imprimiu a lógica de mercado no sistema público de ensino.

A escola passa a ter autonomia para tornar-se eficiente, atingir o padrão de

excelência, reduzir custos, gerenciar com flexibilidade, alcançar resultados imediatos,

com baixos custos, tornar-se ágil; enfim tornar-se moderna e racional seguindo a lógica

do mercado para acompanhar as reformas econômicas que é uma exigência histórica.

Para atingir esses objetivos deve estabelecer parcerias com a comunidade através

da gestão compartilhada, utilizando-se dos meios de comunicação de massa, a TV; a

sociedade civil é chamada para auxiliar a escola, são os “amigos da escola”.

Após um longo período de fortalecimento do ideário neoliberal na educação

paranaense, passamos a vivenciar um sensível recuo destas propostas com a defesa de

uma concepção progressista no direcionamento da educação, com a mudança de gestão

de governo.

Essa mudança de paradigma educacional ocorre na 1ª gestão, 2003-2006 e na 2ª

gestão, ainda em curso, do governo Roberto Requião. Logo no início da gestão

percebemos um novo direcionamento que possibilitou um novo entendimento e, por sua

vez, impulsionou um novo encaminhamento à educação. Várias mudanças ocorreram no

sentido de favorecer de forma direta e indireta a efetivação de uma gestão democrática

nas escolas.

A LDBEN, antes interpretada e assim “pensada e realizada” como defensora dos

princípios de direitos, agora passa a ser a guardiã destes direitos, através da criação de

mecanismos de efetivação destes. Assistimos a um deslocamento que vai do plano dos

princípios para a materialização destes. São algumas mudanças:

* “Defesa da escola pública e gratuita”. Esse princípio constitucional defendido pela

primeira Carta Magna, Constituição do Império de 1824 ((RIBEIRO, 2000), também

bandeira do Movimento dos Educadores da Escola Nova, hoje é retomado, através de

medidas que proíbem qualquer tipo de cobrança nas escolas públicas, como as históricas

taxas de matrículas que eram aceitas sob a forma de contribuição, mas que escondiam o

caráter de obrigatoriedade de muitas escolas;

* O livro didático público para os alunos do ensino médio, foi uma grande conquista;

* Com as mudanças da última LDBEN, efetivadas no governo Lerner, o ensino

profissionalizante ficou relegado à iniciativa privada; chegou a ser obrigado a fechar,

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nas escolas públicas que o ofereciam; logo no início da atual gestão a SEED retoma a

criação dos cursos e amplia consideravelmente sua oferta;

* Sob o manto do discurso da inclusão escolar, a modalidade de educação especial

estava sendo desativada/desassistida/desarticulada pouco a pouco; mas logo no início da

gestão em curso, houve até concurso para professores de educação especial. Mais

recentemente, neste ano, vimos através dos meios de comunicação, a SEED inaugurar,

na capital do estado, uma escola modelo de atendimento à educação especial.

Como tivemos a oportunidade de verificar, várias foram as mudanças efetivadas

nesta gestão, que tiveram como objetivo dar um outro direcionamento para a educação,

no sentido de materializar a letra da lei.

Mas especificamente na área de gestão, a SEED estabelece como um de seus

princípios a gestão democrática. Para que eles não se tornem letra morta de uma lei,

foram criados vários mecanismos que visavam criar espaços para a vivência de práticas

mais participativas, ou seja, mais democráticas na instância escolar. Os órgãos de gestão

colegiada: Grêmios Estudantis, APMFs, Conselho Escolar, foram revitalizados através

de seus estatutos e de novas orientações, que consistiam em transformá-los em espaços

de exercício de cidadania, ou de vivência democrática com a revitalização do Projeto

Pedagógico; esse, passa a denominar-se Projeto Político-Pedagógico, com um enfoque

sóciopolítico que nega a visão neoliberal de educação.

São esses alguns retratos dos caminhos percorridos pela educação paranaense

nos últimos anos.

A Lei Magna é produzida para assegurar a construção de uma sociedade

democrática e garantir, aos cidadãos, a tão sonhada igualdade entre os homens, mas as

forma como ela se reveste na sua materialização, pode até negar sua intenção. O Estado,

na sua condição de gerenciador institucional do poder, assume ou não seu papel

compromissado em resguardar, ou não, o direito da sociedade civil.

Após apresentar esse quadro de totalidade é possível apontar nosso percurso de

intervenção na escola.

Gestão democrática: do “pensar” ao “fazer” na escola

Falar da gestão democrática, de suas dimensões e necessidades para a prática

social e educacional é um grande desafio, dada a conjuntura social e política que marca

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o presente momento histórico. Nesse contexto, o ideário neoliberal, ao defender a

lógica do capital, limita os espaços de participação democrática, sufocando as vontades

e interesses coletivos dos homens. Torna-se mais difícil ainda propor encaminhamentos

para a vivência de relações igualitárias no chão da escola, porque esse é o local de

síntese das múltiplas manifestações sociais e, portanto, o espaço de expressão das

contradições do sistema.

Como a educação reflete as mazelas sociais, estamos cientes dos limites de

nossa intenção e, diante da necessidade de abrir novos caminhos, somos induzidos a

apresentar uma proposta de intervenção didático-pedagógica, que será desenvolvida em

forma de curso de formação continuada para gestores da escola. Sua finalidade é

ampliar os espaços democráticos na instância escolar. Esse encaminhamento didático

está fundamentado na teoria histórico-crítica, porque esta é uma proposta emancipatória

de educação que, ao primar pela apropriação dos saberes produzidos historicamente

pelos homens, contribui para atingir os fins da educação.

Nossa intenção é utilizar a elaboração teórica de Gasparin (2007) para capacitar

profissionais ligados ao campo da gestão, já que se trata de uma proposta de reflexão

teórica sobre a prática social. Formamos um grupo de estudos em uma escola, do qual

participam os gestores que são componentes/integrantes dos órgãos colegiados.

Acreditamos que a reflexão coletiva sobre a realidade prática, seguida da busca de

saberes que a explicitam, é um caminho necessário para a promoção de mudanças no

interior da escola. A superação das relações autoritárias que, ainda hoje, marcam o

cenário educacional é uma mudança basilar para que outras transformações didático-

pedagógicas venham a ocorrer no espaço escolar.

Primeiras reflexões

O discurso da gestão democrática vem se ampliando nos espaços das discussões

educacionais, mas, contraditoriamente, a prática denuncia a não vivência de relações

igualitárias de participação na dinâmica da organização escolar. Diante disso, propomos

um encaminhamento didático que subsidie a vivência da gestão escolar numa dimensão

11

democrática. Assim, iniciamos o relato de nosso trabalho refletindo sobre o

entendimento de educação assumido por nós e como pensamos o novo fazer para a

prática de gestão escolar.

Quando entendemos a educação escolar como um processo de apropriação do

conhecimento produzido pelos homens no decorrer da história, a escola passa a ser um

espaço privilegiado de mediação para essa apropriação por meio dos saberes que ali

circulam. Essa constatação evidencia a importância da função da administração/gestão

no espaço escolar, uma vez que os gestores são considerados representantes máximos

da instituição e, portanto, responsáveis pela condução dos encaminhamentos assumidos

pela escola.

É pertinente ressaltar que a mediação ocorre sob o manto de diferentes

concepções pedagógicas e de educação, atendendo assim diferentes interesses.

Portanto, no delineamento/condução dessas propostas podem estar presentes elementos

de caráter alienante ou emancipatório. Na mediação que permeia o processo de ensino e

aprendizagem, vivencia-se o constante movimento dialético de transposição entre

conhecimento individual obtido no cotidiano e conhecimento universal, conhecimento

sistematizado e prática social, diálogos de poder estabelecidos nas relações entre os

indivíduos, cujo fim podem ser silenciar ou incentivar o direito de expressão do outro,

tanto no micro-espaço da sala de aula, com suas repercussões e extensões de

reproduções, como no macro-espaço sociológico mais amplo.

Nesse movimento dialético de constante deslocamento entre local/geral,

particular/coletivo, micro/macro, os saberes vão assumindo uma materialidade

concreta, já que os educandos, ao se reconstruírem como sujeitos, vão tecendo novas

práticas sociais, uma nova cultura, uma nova sociedade. Vazquez (2007, p.51), ao

interpretar os postulados de Engels e Marx, apresenta o homem como responsável pela

transformação da realidade. Ele assume “uma concepção do homem como ser ativo e

criador, prático, que transforma o mundo não só em sua consciência, mas também em

sua prática, realmente”. Desse ponto de vista, um novo homem está sendo construído

como singularidade e, conseqüentemente, como ser coletivo. Nesse constante vir-a-ser,

está sendo gestado um novo contexto histórico cultural e uma nova humanidade.

Ao propor uma intervenção, devemos ter muito cuidado para não cair no

idealismo ingênuo e acreditar que a escola por si só é capaz de promover mudanças na

prática social. Saviani (1991), em sua obra “Escola e democracia”, aponta algumas

formas de evitar posições idealistas. Ponderando sobre os pressupostos da concepção

12

crítico-reprodutivista, ele nos auxilia a evitar a repetição desses possíveis equívocos.

Aponta possibilidades de superação e de construção de uma nova educação por

intermédio dos fundamentos da pedagogia revolucionária e crítica, apresentando a

educação na sua relação dialética com a sociedade, como elemento determinado e ao

mesmo tempo determinante. Segundo ele, essa é uma teoria que “[...] coloca nas mãos

dos educadores uma arma de luta capaz de permitir-lhes o exercício de um poder real,

ainda que limitado” (1991.p 41).

Nesse sentido, a escola , “[...] ainda que elemento determinado, não deixa de

influenciar o elemento determinante. Ainda que secundário, nem por isso deixa de ser

instrumento importante e por vezes decisivo no processo de transformação da sociedade

(SAVIANI 1991 p.75). É o momento de lembrar da conhecida frase de Lênin que fora

apropriada pela cultura popular“[...] toda mudança precisa vir acompanhada de uma

teoria revolucionária”, isto porque ao negar as atuais concepções se rompe com o velho,

o que não significa jogar fora o velho, mas inaugurar o novo que emerge dele, do

“velho casulo”.

Comungamos com Saviani (1991) sobre a necessidade de se adotar a pedagogia

crítica como principal arcabouço teórico que dará direção ao pensar e fazer pedagógico.

Ela norteará toda compreensão do trabalho educacional e, no caso específico, indicará

um possível caminho didático para gestão escolar.Assim, ele define a teoria crítica:

Uma pedagogia articulada com os interesses populares valorizará, pois, a escola; não será indiferente ao que ocorre em seu interior; estará empenhada em que a escola funcione bem; portanto, estará interessada em métodos de ensino eficazes. [...] favorecerão o diálogo dos alunos entre si e com o professor mas sem deixar de valorizar o diálogo com a cultura acumulada historicamente (SAVIANI, 1991 p. 79).

A pedagogia revolucionária, apresentada pelo mesmo autor, é vinculada à

defesa da escola democrática:

Uma pedagogia revolucionária centra-se, pois, na igualdade essencial entre os homens. Entende, porém, a igualdade em termos reais e não apenas formais. Busca, pois, converter-se, articulando-se com as forças emergentes da sociedade, em instrumento a serviço da instauração de uma sociedade igualitária (SAVIANI, 1991, p. 75).

A “mediação” da gestão escolar comprometida com a emancipação das classes

trabalhadoras faz parte da concepção que assumimos. A gestão na perspectiva

democrática garante a participação da comunidade escolar nas discussões sobre os

rumos da instituição. A comunidade, ao tomar conhecimento da realidade concreta da

escola, passa a exercer pressão no sentido da formulação de políticas educacionais

13

específicas. É uma ação que propõe intervenção no micro-espaço escolar e se estende à

prática social mais ampla.

Em se tratando de gestão democrática/participativa, temos consciência dos

limites desta participação, já que as condições históricas atuais são marcadas pela

globalização e pelo ideário neoliberal. No inicio do século XVIII, a escola foi chamada

para formar o homem democrático necessário para consolidação da sociedade

capitalista. Hoje, no mesmo sentido, a instituição educacional parece estar sendo

chamada para dar sua contribuição para que a classe popular aceite um novo contrato

social semelhante ao estabelecido por Rousseau. Esse contrato limita ainda mais a

vontade individual em nome da vontade coletiva, que hoje é permeada pelos interesses

mais explícitos do capital globalizado sustentado pelo ideário neoliberal.

Com base nesse arcabouço teórico, é possível delinear uma concepção

metodológica para o processo de gestão escolar. Embora cientes do espaço limitado

pelos condicionantes da prática social mais ampla, trilhamos os caminhos apontados

pela pedagogia histórico-crítica. Os estudos elaborados por Gasparin (2003) indicam

um conjunto de procedimentos que orientam a prática pedagógica para o processo de

ensino e aprendizagem, mais especificamente cinco passos voltados para o ensino dos

conteúdos e seus diferentes saberes. Entendemos que esses procedimentos didáticos

também podem se estender a outras dimensões do fazer educativo, como a de gestão

educacional ou escolar.

Por tratarmos da especificidade da gestão escolar, consideramos relevante

explicitar alguns termos que dão sentido ao nosso trabalho. Gestão democrática, por

exemplo, não se relaciona ao cunho funcionalista (SILVA, 2008 palestra do PDE), que

prevê a descentralização de tarefas junto à comunidade escolar visando dinamizar a

organização e funcionalidade da escola. Tampouco se trata da perspectiva conceitual

que se prende a discursos, reflexões e debates que ocorrem pontualmente nos

momentos de reunião, sem nenhum interesse em materializá-la no cotidiano escolar. A

gestão democrática se pauta em princípios de descentralização, autonomia, participação

da administração/na gestão (LUCK,2006) escolar, de forma a garantir à instituição

vivenciar, no dia a dia da escola, uma relação igualitária na busca da defesa de seus

interesses educacionais.

A gestão democrática ocorre no cotidiano da escola, na distribuição de

informação, na partilha de decisões, no respeito ao pensamento oposto, no

reconhecimento de que é no confronto de idéias que se abrem os espaços para que o

14

novo possa emergir. No entanto, é preciso cuidado para que esses princípios, ao serem

transpostos para o fazer da escola, não se deixem mesclar por interpretações que os

negam.

O conceito de autonomia está relacionado às tendências mundiais de globalização e mudança de paradigmas que têm repercussões significativas nas concepções de gestão educacional e nas ações delas decorrentes. Descentralização do poder, democratização de ensino e de sua gestão, busca crescentes de qualidade, instituição de parcerias, flexibilização de experiências, mobilização social pela educação, sistema de cooperativas e interdisciplinaridade na solução de problemas são alguns dos conceitos relacionados a essa mudança. Portanto, a autonomia da gestão faz parte de um conjunto de demandas e orientações, sem as quais a mesma não se realiza (LUCK, 2006, p.127).

A prática democrática que defendemos tem na autonomia outro de seus apoios

conceituais:

[...] autonomia corresponde a uma forma de agir que caracteriza a capacidade de quem a exercita, de assumir responsabilidade pelos seus atos, de comprometer-se com a sua melhoria, tendo como pano de fundo e visão de futuro o bem comum, os interesses amplos da sociedade e, no caso da educação, os fundamentos, princípios e objetivos ducacionais que visam à formação competente dos seus alunos. Para tanto, não se pode transferir a outrem a responsabilidade que lhe cabe (LUCK, 2006, p.126, 127).

Consideramos que nenhuma escola é inteiramente autônoma. A instituição

escolar faz parte de um sistema de ensino que se articula a proposições legais, ao

Sistema Nacional de Educação, Estadual e Municipal. Esses órgãos, de certa forma,

restringem o espaço de autonomia da gestão escolar e, portanto, impõem limites às

vontades individuais/particulares em nome do coletivo.

A transposição da gestão democrática para a prática educativa precisa contar com o

grande suporte dos órgãos de gestão colegiada:

Um órgão colegiado escolar constitui-se em um mecanismo de gestão da escola que tem por objetivo auxiliar na tomada de decisão em todas as suas áreas de atuação, procurando diferentes meios para se alcançar o objetivo de ajudar o estabelecimento de ensino, em todos os seus aspectos, pela participação de modo interativo de pais, professores e funcionários. Em sua atuação, cabe-lhe resgatar valores e cultura, considerando aspectos socioeconômicos, de modo a contribuir para que os alunos sejam atendidos em suas necessidades educacionais, de forma global (LUCK, 2006, p.66).

O documento orientador da SEED para a construção do regimento escolar das

escolas apresenta como Órgãos Colegiados de representação da comunidade escolar, e,

portanto, responsáveis por assegurar a gestão democrática: Associação de Pais e Mestre

e Funcionários, Conselho Escolar, e Grêmio Escolar (PARANÁ, 2007). Reconhecemos

15

que a escola já conta com esses instrumentos basilares, cujo fim é efetivar a gestão

democrática, mas é necessário criar mecanismos para que eles se tornem o embrião de

uma verdadeira gestão colegiada.

A gestão colegiada representa os diferentes segmentos que compõem a

comunidade escolar, tornando-os instrumentos legais que favorecem a vivência da

participação e a conquista da autonomia da escola. Essa é a razão pela qual

desenvolvemos uma ação diretamente com os membros que compõem esses órgãos, um

trabalho organizado com base em encontros sistemáticos, que podem ser denominados

de formação continuada para gestores. Esse trabalho mobiliza toda a comunidade

escolar. São considerados gestores de órgãos colegiados da escola: o diretor, a equipe

pedagógica, os representantes de pais, professores, funcionários, alunos e membros da

comunidade externa que compõem o Conselho Escolar.

Em nossa proposta, partimos da análise da realidade concreta vivida pelo grupo

de gestores da escola e temos como fim a elaboração coletiva de um plano de ação, a

ser aplicado na escola e avaliado continuamente. Acreditamos que esse trabalho

também pode contribuir para a revitalização do Projeto Político Pedagógico da escola,

uma vez que a ele se encontra articulado.

Da utopia a um possível encaminhamento didático

Nosso entendimento de gestão democrática como campo conceitual está

intimamente ligado à autonomia, participação e descentralização. Por isso, tomamos

como referência o conjunto de procedimentos didáticos postulados por Gasparin

(2003), os quais se traduzem pelo movimento do trabalho pedagógico que vai da prática

social inicial à nova prática social (final) com a mediação da teoria. Também buscamos

nos apoiar em Kosik (2002), Vazquez (2007) e Saviani (1999), entre outros autores

citados.

Esse movimento “dialético” de construção do conhecimento conduz à apreensão

da totalidade concreta da realidade. “O processo do abstrato ao concreto, como método

materialista do conhecimento da realidade, é a dialética da totalidade concreta, na qual

se reproduz idealmente a realidade em todos os seus planos e dimensões”. (KOSIK,

2002, p.37). Esse pressuposto está contido nos cinco passos propostos por Gasparin

(2003): 1- Prática social inicial do conteúdo - conhecimentos prévios; 2-

Problematizarão – questionamento da realidade; 3- Instrumentalização - ações didáticas

para aprendizagem; 4-Catarse - expressão elaborada da nova forma de entender a

16

prática social; 5- Prática social final do conteúdo - nova proposta de ação a partir do

conteúdo aprendido.

Os passos inerentes à teoria histórico-crítica podem orientar o trabalho coletivo

destinado aos gestores da escola. Esse percurso didático de conhecimento da realidade

concreta que permeia o trabalho de gestão escolar, passa à reflexão e à discussão, de

forma a fundamentar o retorno à prática social, em cujo âmbito se dão

encaminhamentos e tomam decisões. Acreditamos que os participantes dos órgãos de

gestão colegiada, ao realizar esse percurso, constroem os caminhos necessários para

que a escola se concentre no cumprimento de sua real função social: promover a

educação sistematizada.

O trabalho destinado aos gestores da escola refere-se à gestão democrática. Para

que esta se efetive é preciso mobilizar os gestores para assumir práticas traduzidas pela

participação, descentralização de poder e autonomia da escola. A vivência de relações

igualitárias que permeiam o dia-a-dia da escola faz com que a função dos órgãos de

gestão colegiada não fique presa à mera formalidade de sua limitada existência

constitucional, tal como ocorre hoje.

Cabe, neste momento do trabalho, explicitar como se deu esse trabalho de

transposição dos conceitos didático-pedagógicos propostos por Gasparin (2007) para o

espaço dos gestores da escolar.

Retrato do campo de pesquisa

Nossa intenção foi realizar uma intervenção em uma escola pública de Educação

Básica do Estado do Paraná, localizada na cidade de Maringá. Essa escola a qual estou

lotada como pedagoga oferece Ensino Fundamental de 5ª a 8ª série e Médio, é

considerada de médio porte, por atender aproximadamente 881 alunos. Seu quadro de

recursos humanos, compreende aproximadamente 10 auxiliares de serviços gerais, 8

técnicos-administrativos, 45 professores, 6 pedagogos, uma direção geral e uma direção

auxiliar. Está localizada em um bairro que liga a zona central da cidade a outros bairros

considerados periféricos. Quanto ao rendimento escolar, a comunidade através do

Projeto Político-Pedagógico, reconhece um índice alto quanto à evasão de (9,75%) e a

reprovação de (16,26%) no ano de 2006.

O fazer na escola: um percurso teórico-prático

17

Para que o exercício de um diálogo democrático permeie o fazer educativo

legitimando assim a escola como espaço de exercício da democracia, pensamos em uma

intervenção, que se deu em forma de curso de capacitação, envolvendo os gestores,

mais precisamente os representantes dos diferentes segmentos que compõem a

comunidade escolar. O curso corresponde à modalidade de Formação Continuada em

Serviço, uma vez que ela permite a reflexão da comunidade sobre a gestão vivenciada

na escola e a partir daí encontre caminhos para superar o vivido rumo a uma gestão

efetivamente democrática. Nesse sentido um dos critérios de participação do referido

curso foi que os participantes fossem os representantes dos órgãos de gestão colegiada:

APMFs (Associação de pais e funcionários da escola), Conselho Escolar, Grêmio

Estudantil. Portanto, fizeram parte desse grupo de estudo: um representante dos pais,

dois representantes da equipe pedagógica, a direção geral, cinco professores e quatro

alunos.

Nossa intenção foi oportunizar um espaço de reflexão teórico-prática junto aos

gestores, para que estes tomassem consciência da prática de gestão vivida por eles na

escola; identificassem os empedimentos/problemas que dificultavam a efetivação desse

diálogo aberto na escola. A teorização sobre a prática, através de leituras e discussões

era imprescindível para que o grupo retornassem à vivência com um outro olhar

(teorizado) sendo possível apontar caminhos para transformar a realidade.

O curso constituiu-se de oito encontros de quarenta horas realizado no período

noturno, teve início no mês de maio e término em julho de 2009, ocorreu regularmente

uma vez por semana, respeitado os dias de férias escolar e outros compromissos do

grupo. A freqüência foi de 100%, o grupo demonstrou interesse, envolvimento e

participação ativa em todas as atividades realizadas.

Iniciamos o trabalho apresentando nossa proposta à Equipe Diretiva e

Pedagógica da escola, que aceitou sem propor nenhuma alteração.

O primeiro passo: nossa prática social inicial

O curso teve início com a apresentação dos objetivos e conteúdos aos cursistas,

quando foi deixado espaço aberto para possíveis mudanças e alterações do grupo. Nesse

primeiro dia os participantes responderam a um questionário que objetivava levantar

alguns conhecimentos prévios trazidos por eles referentes ao entendimento dos

conceitos de “gestão democrática”. Nesse questionário também foram abordados

18

questões para diagnosticar se o grupo percebia a escola como uma instituição

democrática e se identificavam os obstáculos que impediam tal vivência.

Lembramos que a prática social inicial do conteúdo pode ser entendida como o

diagnóstico da realidade da gestão escolar. Caracteriza-se como o momento em que os

gestores tentam conhecer a prática social mediata, por meio da coleta/levantamento de

dados que retratam a realidade. Também é a ocasião de ouvir os diferentes segmentos

que compõem o grupo de estudos, levá-los a expor sua compreensão sobre a realidade

escolar. O coordenador do grupo apresentou e discutiu com os participantes os

resultados da pesquisa de campo.

A análise do pensamento do grupo foi apresentada a eles no segundo dia de

trabalho. Nossa análise evidenciou que todos conheciam o conceito de gestão

democrática, “como uma participação nas decisões na vida da escola”; reconheciam

também a escola como democrática. Apenas o representante do grêmio, destoou dos

demais, por considerar a escola como espaço não democrático. Segundo ele, a escola

não é democrática “porque na maioria das vezes não podemos expressar nossas idéias”.

Como entrave para efetivação da gestão democrática, os participantes do grupo

apontaram como responsável a forma de organização do espaço e tempo escolar

expresso no calendário de forma engessado nas 800 horas e 200 dias letivos, o que

segundo eles não permite momentos de discussão coletiva na escola. As hora-

atividades, diluídas durante a semana nas diferentes disciplinas, não oportuniza o

encontro do coletivo da escola. Outro fator apontado pelo grupo foi à falta de interesse

dos pais, que não participam das reuniões. Após apresentar os resultados obtidos na

análise do questionário, realizamos a leitura e discussão de trechos de documentos

norteadores da ação escolar que tratam de questões referentes à gestão democrática.

Exemplo disso é o Projeto Político Pedagógico e o Regimento Escolar. São alguns

recortes que compõem o material analisado pelo grupo, presentes no PPP que tem como

título “Princípios da Gestão Democrática”.

“A gestão escolar é o processo que rege o funcionamento da escola, compreendendo tomada de decisão conjunta no planejamento, execução, acompanhamento e avaliação das questões pedagógicas e administrativas, envolvendo a participação de toda a comunidade escolar que é o conjunto constituído pelos profissionais da educação, alunos, pais ou responsáveis e funcionários que participam da ação educativa na escola (PPP. p. 66).”

19

Também foram estudados alguns fragmentos do Regimento Escolar, entendido

como documento que dá normatização de legalidade ao PPP, constituindo-se, portanto,

em orientação legal:

“Art.6º A organização democrática no âmbito escolar fundamenta-se no processo de participação e co-responsabilidade da comunidade escolar na tomada de decisões coletivas, para a elaboração, implementação e acompanhamento do Projeto Político-Pedagógico (Regimento Escolar, p.9).

Art. 8º São elementos da gestão democrática a escolha do(a) diretor(a) pela comunidade escolar, na conformidade da lei, e a constituição de um órgão máximo de gestão colegiada, denominado de Conselho Escolar (Regimento Escolar, p. 9).”

O conjunto de textos estudados revelam a concepção de gestão presente nos

discursos dos órgãos de ação colegiada, bem como a concepção defendida no Projeto

Político Pedagógico da escola.

Após as reflexões e muitas discussões do grupo, foi consenso interpretar os

documentos como uma expressão de um ideal, e, portanto, muito distante da prática

vivenciada pela escola. Nesse sentido, segundo o grupo, a escola não consegue realizar

a gestão democrática. Nesse momento o grupo reconhece a contradição de suas falas,

retratadas nas respostas do questionário diagnóstico, quando diziam, na sua maioria, que

a escola era democrática. Essa tomada de consciência deixou o grupo um pouco

desolado, uma vez que suas crenças foram desfeitas. Com isso, “a escola deixou de ser

democrática”. O próximo assunto discutido pelo grupo foi, identificar os problemas que

impedem a vivência de diálogos democráticos no espaço escolar.

Segundo passo: levantamento dos problemas

Este passo consiste no confronto da prática social inicial com os conteúdos

necessários para sua compreensão. A problematização emerge do confronto entre a

teoria e a prática do fazer cotidiano e a cultura elaborada, ou seja, a reflexão sobre a

prática social. Ao problematizar a realidade concreta, abre-se espaço para o

levantamento de problemas que angustiam os gestores.

Antes de levantarmos coletivamente os problemas vivenciados pelo grupo,

lemos um texto de Saviani (1991), que busca através da reflexão recuperar a

problematicidade do “problema”

20

O texto provocou intensa discussão do grupo que passou a interpretar outras

situações da escola. Após realizarmos a interpretação do texto, o grupo sente

dificuldade em identificar os problemas vividos pela escola que impedem a efetivação

de um diálogo democrático na escola, e passam a negar alguns problemas, antes

considerados por eles como problemas, referentes a outras questões que permeiam o

cotidiano escolar. Como por exemplo, comportamento indisciplinado dos alunos, a falta

de interesse dos mesmos pelo conhecimento. Após muito exercício reflexivo o grupo

entra em consenso e levanta três questões: A primeira, é a grande dificuldade em

mobilizar e envolver a comunidade escolar em questões mais gerais,(como por exemplo

PPP da escola) mesmo que essas possam contribuir para assegurar a aprendizagem dos

alunos. A segunda, consiste na falta de autonomia da escola para disponibilizar

“tempo” para troca de idéias, experiências e avaliar o trabalho do dia-a-dia da escola. A

terceira, diz respeito ao atendimento das solicitações da mantenedora, quando a escola

acaba acatando todas as orientações dos órgãos superiores, Secretaria de Estado de

Educação- SEED e Núcleo Regional de Educação - NRE, sem ter condições para

resolver sozinha as questões.

Gasparin (2007, p.6), ao evidenciar a importância desta fase, afirma: “O

levantamento e o questionamento do cotidiano imediato e remoto de um grupo de

educados conduzem à busca de um suporte teórico que desvele, espreite, descreva e

explique essa realidade”. Todo questionamento realizado no coletivo adquire outro

significado, uma vez que, expressando as angústias do grupo, torna-se a síntese da

manifestação da comunidade escolar.

Apontados os problemas, passamos a instrumentalizar os participantes para

compreenderem a prática.

Terceiro passo: instrumentalização ou a busca da teorização

Como ocorreu o percurso coletivo de teorizar a prática?

As ações didático-pedagógicas – o ensino e a aprendizagem - são consideradas o

alicerce para a compreensão da realidade. “Como as coisas não se mostram ao homem

diretamente tal qual são e como o homem não tem a faculdade de ver as coisas

diretamente na sua essência, a humanidade faz um detóur para conhecer as coisas e a

sua estrutura”`. (KOSIK, 2002, p,27). Essa busca para chegar à verdadeira

compreensão do fenômeno caracteriza-se pela instrumentalização.

21

Com o auxílio de Vazquez (2007), interpretamos essa etapa da

instrumentalização como um convite para se alcançar o conhecimento.

No entanto, em sua atitude natural, o homem comum e corrente mostra também certa idéia – limitada e obscura que seja – da práxis, uma idéia à qual continuará aferrado enquanto não sair da cotidianidade e se elevar ao plano reflexivo que é o plano próprio, em sua forma mais elevada, da atitude filosófica (VAZQUEZ, 2007, p.32).

Para Saviani, esse momento é reservado para a teorização, que consiste na

apreensão do conhecimento.

Trata-se de se apropriar dos instrumentos teóricos e práticos necessários ao equacionamento dos problemas detectados na prática social. [...] Trata-se da apropriação pelas camadas populares das ferramentas culturais necessárias à luta social que travam diuturnamente para se libertar das condições de exploração em que vivem (SAVIANI, 1991, p.81).

Ao se teorizar a prática, torna-se evidente a distância entre o conhecimento do

cotidiano e o conhecimento universal, complexo, distância essa que é reduzida pela

apropriação desse conhecimento. É possível, assim, compreender o que está além das

aparências identificadas no primeiro passo, na prática social inicial do conteúdo, e

romper com a pseudoconcreticidade.

[...] O pensamento que destrói a pseudoconcreticidade para atingir a concreticidade é ao mesmo tempo um processo no curso do qual sob o mundo da aparência se desvenda o mundo real; por trás da aparência externa do fenômeno se desvenda a lei do fenômeno; por trás do movimento visível, o movimento real interno; por trás da fenômeno a essência (KOSIK, 2002, p.20).

Esse desvelar da realidade, se deu através do percurso teórico desenvolvido pelo

grupo. Inicialmente passamos a discutir a definição do termo “democracia”, partimos

do conceito cunhado por Rousseau e, com o auxílio de Coutinho, apresentamos as

interfaces deste conceito, com a leitura dos textos de Benno Sander abordamos a

administração no Brasil até os dias atuais. Compreendido o histórico da gestão escolar

no Brasil, demonstramos como as Políticas Públicas da Educação do Estado do Paraná

apresentam a Gestão Democrática, quando indicam a função das instâncias Colegiadas

como mecanismos de efetivação da gestão participativa. O grupo demonstrou interesse

pelo assunto através de uma participação ativa. Alguns chegaram a solicitar

bibliografias complementares. Não foi necessário retomar as questões inicialmente

postas pelo grupo referente aos problemas levantados, isso porque as discussões

propostas dava impressão de que tudo começava a ficar claro e inteligível. Foi assim

que as respostas aos problemas já estavam sendo dadas, não de forma tão explícita, mas

22

novas interpretações do real estavam sendo tecidas, o novo entendimento estava sendo

posto em substituição as antigas crenças.

O material escolhido para trabalhar com o grupo abriu campo para debates e

discussões. Consideramos esses conteúdos como essenciais para a compreensão da

realidade desde os primeiros passos, desde o desenrolar das atividades iniciais

marcadas pelo ponto de partida da prática social inicial.

Confirmamos nossas suposições com base na seguinte afirmação: “A teorização

é um processo fundamental par a apropriação critica da realidade, uma vez que ilumina

e supera o conhecimento imediato e conduz à compreensão da totalidade social”.

(GASPARIN, 2007, p.7).

Acreditamos que o conhecimento apreendido em grupo atingiu um nível de

criticidade mais elevado. A prática inicial passou a ser compreendida de maneira

diferente, podendo até mesmo chegar a ser negada; isso porque as possíveis hipóteses

levantadas para justificar os dados do diagnóstico apresentado na prática social inicial

conduziram a outros entendimentos.

Quarto e quinto passos: a catarse como a síntese das idéias e a prática social final

A catarse é uma expressão elaborada da nova forma de entender a prática social.

Esta fase pode se desmembrar em dois momentos: o primeiro, referente à elaboração

teórica da nova síntese, e o segundo, expressão prática da nova síntese. A catarse pode

ser definida como “[...] o momento da expressão elaborada da nova forma de

entendimento da prática social [...] Trata-se da efetiva incorporação dos instrumentos

culturais, transformados agora em elementos ativos de transformação social”.

(SAVIANI,1991, p.81).

Para que isso ocorra é necessário reorganizar os conhecimentos apropriados.

Isso pode ser feito por meio de reflexões, debates e discussões, finalizando com a

análise e sistematização coletiva das necessidades vivenciadas pela comunidade escolar

em suas práticas sociais.

Agora ele traduz oralmente ou por escrito a compreensão que teve de todo o processo de trabalho. Expressa sua nova maneira de ver o conteúdo e a prática social. É capaz de entendê-los em um novo patamar, mais elevado, mais consistente e mais bem estruturado. Compreende, da mesma forma, com maior clareza, tanto a Problematização quanto a Instrumentalização

A Catarse é a síntese do cotidiano e do científico, do teórico e do prático a que o educando chegou, marcando sua nova posição em relação ao

23

conteúdo e à AA forma de sua construção social e sua reconstrução na escola (GASPARIN, 2007, p.130).

No momento catártico, as questões referentes à prática social e à

problematização ganham um novo sentido, uma vez que o conteúdo passa a ser

compreendido em sua totalidade. Dessa forma, é possível compreender a articulação

existente entre a gestão vivenciada na escola e suas relações com outras dimensões. É o

momento de apreensão da realidade.

[...] É um processo de concretização que procede do todo para as partes e das partes para o todo, dos fenômenos para a essência e da essência para os fenômenos, da totalidade para as contradições e das contradições para a totalidade; e justamente neste processo de correlação em espiral no qual todos os conceitos entram em movimento recíproco e se elucidam mutuamente, atinge a concreticidade. [...] A compreensão dialética da totalidade significa não só que as partes se encontram em relação de interna interação e conexão entre si e com o todo, mas também que o todo não pode ser petrificado na abstração situada por cima das partes, visto que o todo se cria a si mesmo na interação das partes ( KOSIK, 2002, p. 50).

Definida como procedimento didático, a “[...] catarse é a demonstração da nova

postura mental do educando. Essa atitude manifesta-se em seu modo de proceder ao

agir intelectualmente que, necessariamente, deve ser muito diverso daquele expresso na

Prática Social Inicial do Conteúdo”. (GASPARIN, 2003, 133).

Ficamos apreensivos no momento da catarse, quando o grupo iria construir um

plano de ação, que visava ampliar os canais de participação mais efetiva da comunidade

nas decisões da escola. Preocupados com a possibilidade da dificuldade, na construção

coletiva deste plano, fomos para o encontro, com uma possível previsão de ações que

consistia basicamente na realização de uma reunião de cada segmento com seus pares

(pais, alunos, professores e funcionários), envolvendo assim toda a comunidade escolar,

em momentos separados, para inicialmente apresentar suas funções, já definidas nas

orientações da SEED, contidas no PPP e no Regimento Escolar, e em seguida propor

possíveis ações que subsidiariam a revitalização do PPP da escola. Mas para nossa

surpresa, as discussões tomaram outro rumo. O grupo propôs ouvir cada segmento

(alunos, pais, funcionários e professores) através de um instrumento de coleta de dados,

aplicado a toda a comunidade escolar. O questionário destinado aos pais foram

aplicados para alguns representantes das turmas. Cada segmento levantaria os principais

problemas da escola e apontaria os possíveis encaminhamento no sentido de sua

superação. Nesse dia nos debruçamos para na elaboração deste instrumento constante.

24

Esse trabalho não estava previsto em nosso projeto inicial, mas como foi uma

proposta que demonstrou o compromisso do grupo para com a instituição escolar, ela

foi logo acatada por nós. Após a coleta de dados, que consistiu em ouvir o coletivo da

escola, pais, alunos, professores e funcionários, tivemos um diagnóstico muito amplo e

completo das reais necessidades da instituição. De posse destes dados, em outro

momento, o grupo se reuniu para elaborar o plano de ação conjunto. Nesse dias os

trabalhos foram cansativos, pois as discussões e debates que permeavam todas

propostas levantadas pelo grupo, expressavam as próprias tensões e contradições

presentes nas práticas sociais mais amplas. Esse plano de ação que apresentava os

problemas da escola e seus possíveis encaminhamentos, foi apresentado à comunidades

escolar, que estava representada por seus diferentes segmentos, mas que nesse momento

contou com a presença de um número maior de representantes, isso porque a proposta

era de que, se necessário, fosse alterado, complementado ou até modificado o plano de

ação. Foram feitas pequenas alterações que em nada modificou o conteúdo da proposta.

Esse plano também foi apresentado para a comunidade escolar nos três turnos da escola,

manhã, tarde e noite.

A prática social final do conteúdo corresponde à nova proposta de ação e

apreensão do conteúdo aprendido. Gasparin (2007) deixa claro que, de acordo com a

tendência histórico-crítica, o ponto de chegada do processo pedagógico na perspectiva

dialética é o retorno à própria Prática Social, agora não mais entendida em termos

sincréticos, mas entendida sob a forma de síntese e de totalidade.

Nesse percurso dialético entre Prática Social Inicial do Conteúdo e a Prática

Social Final, podemos compreender que:

[...] o mundo real, oculto pela pseudoconcreticidade, apesar de nela se manifestar, não é o mundo das condições reais em oposição às condições irreais, tampouco o mundo da transcendência em oposição à ilusão subjetiva;é o mundo da práxis humana. É a compreensão da realidade humano-social como unidade de produção e produto, de sujeito e objeto, de gênese e estrutura. O mundo real não é, portanto, um mundo de objetos “reais” fixados, que sob o seu aspecto fetichizado levem uma existência transcendente como uma variante naturalisticamente entendidas das idéias platônicas; ao invés, é um mundo em que as coisas,as relações e os significados são considerados como produtos do homem social, e o próprio homem se revela como sujeito real do mundo social (KOSIK 2002, p.23).

Vazquez (2007) enaltece este retorno à prática e afirma que: “[...] os trabalhos

mais sistemáticos e especializados sobre a práxis costumam limitar-se a seu aspecto

gnoseológico, isto é, a prática como fundamento do conhecimento e critério de

25

verdade”. (VAZQUEZ, 2007, p. 57). No entanto, o fato de a prática engendrar

contradições entre o “ser e não ser”, “é e pode não ser”, se deve ao fato de a unidade ser

permeada pela dialética, pela teoria e prática.

[...] Em primeiro lugar,é preciso esclarecer que o problema da unidade entre teoria e prática só pede ser justamente formulado quando temos presente a prática como atividade objetiva e transformadora da realidade natural e social, e não qualquer atividade subjetiva,ainda que se oculte sob o nome,como faz o pragmatismo (VAZQUEZ, 2007, p. 257).

É com este entendimento que tomamos como referência a afirmação “[...] a

prática social referida no ponto de partida (primeiro passo) e no ponto de chegada

(quinto passo) é e não é a mesma” (SAVIANI, 1991, p.82). Por isso, acreditamos que

os gestores escolares que, ao mesmo tempo, são representantes da comunidade escolar,

ao se apropriarem dos conhecimentos científicos, passam a olhar a mesma realidade,

compreendendo-a em seus múltiplos aspectos, em sua totalidade concreta.

Gasparin explicita o movimento dialético afirmando: “[...] isso porque a Prática

Social Inicial e a Prática Social Final constituem um todo dialético, freqüentemente

contraditório, no qual se evidencia uma luta constante entre o velho e o novo”

(GASPARIN, 2003, p.148). Referindo-se aos procedimentos práticos em que se

evidencia o deslocamento para o campo das ações, esclarece:

A Prática Social Final é a nova maneira de compreender a realidade e de posicionar-se nela, não apenas em relação ao fenômeno, mas à essência do real, do concreto. É a manifestação da nova postura prática, da nova atitude, da nova visão do conteúdo no cotidiano.É, ao mesmo tempo, o momento da ação consciente, na perspectiva da transformação social, retornando à Prática Social Inicial, agora modificada pela aprendizagem (GASPARIN, 2003, p.149).

Os estudos de Kosik (2002) tiveram como objetivo principal evidenciar a

importância da dialética da totalidade concreta na compreensão e condução de uma

práxis consciente para as ações humanas. Consideramos necessário recorrer aos seus

escritos para aclarar questões presentes nesse movimento dialético entre o primeiro

passo, prática social inicial e o quinto passo, prática social final.

[...] O homem tem sempre uma certa compreensão da realidade, anterior a qualquer enunciação explicativa. Sobre este estágio de compreensão pré-teórica, como estrato elementar da consciência, se apóia a possibilidade de cultura e de instrução, mediante a qual o homem passa da compreensão preliminar ao conhecimento conceitual da realidade. É profundamente errônea a hipótese de que a realidade no seu aspecto fenomênico seja secundária e desprezível para o conhecimento filosófico e para o homem; deixar de parte a aparência fenomênica significa barrar o caminho ao conhecimento do real (KOSIK, 2002, p.68).

26

A manifestação de uma nova atitude prática, resultante da compreensão da

realidade concreta dos problemas da escola, conduz à elaboração e à aplicação do plano

de ação. A aplicação exige uma avaliação de seus resultados em face dos objetivos

educacionais que agora serão perseguidos numa perspectiva de participação

democrática. É nesse movimento teórico e prático permeado por relações igualitárias de

poder que a comunidade escolar tem a possibilidade de reconhecer a função da

educação como espaço de mediação no seio da prática social.

Por isso, a prática social final do conteúdo ultrapassa o nível institucional para tornar-se um fazer prático-teórico no cotidiano extra-escolar nas diversas áreas da vida social (GASPARIN, 2003, p.147).

Nesse sentido, Gasparin postula a dimensão política da educação,

Assumir esta teoria do conhecimento no campo da educação significa trabalhar um conhecimento científico e político comprometido com a criação de uma sociedade democrática e uma educação política (GASPARIN, 2003, p.8)

A articulação do trabalho desenvolvido na escola com a esfera da prática global

significa a ampliação de espaços democráticos vivenciados pelas instâncias colegiadas,

uma vez que extrapolam os muros escolares e chegam a atingir a dinâmica social, com

vistas às relações igualitárias de poder e a serviço da mediação do conhecimento.

Conclusão

Ao propormos o movimento de deslocamento do campo das idéias, dos

discursos, para sua efetivação no chão da escola, tomamos consciência dos limites de

nossa proposta de trabalho. Consideramos que é no campo da materialidade que se

explicitam, de forma mais evidente, as contradições inerentes à complexidade da

realidade concreta que permeia nossa prática social. No campo dessa prática, parece ser

até mesmo inconciliável a vivência de relações igualitárias, já que o contexto

socioeconômico produz e reproduz as desigualdades entre os homens.

Nas reflexões realizadas pelo grupo percebeu-se que, assim como a Democracia

apresenta suas interfaces que expressam as tensões entre os diferentes interesses sociais

do modelo de sociedade que temos, a gestão democrática produzida nessa tessitura de

prática social caracterizada por contradições, sofre os condicionamentos, que impõem

limites para a efetivação de uma vivência realmente democrática no espaço educativo.

Isso se desvela no momento em que o grupo aponta os problemas que impedem o

diálogo democrático na escola, quando os entraves impostos pela estrutura

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organizacional de espaço/tempo escolar encontra-se em sintonia ao modelo de

organização e produção do trabalho no sistema capitalista, que não contempla

espaço/tempo de diálogo, reflexão e discussão do coletivo da escola. Para que ocorresse

nosso trabalho foi necessário que os participantes estendessem seu tempo para um

terceiro turno (noite) ou para os sábados, para não ferir às 800 horas e os 200 dias

letivos de efetivo trabalho pedagógico com alunos.

Os princípios de gestão democrática tais como a autonomia e participação ficam

distantes do cotidiano escolar, embora tenhamos que reconhecer que o exercício do

“pensar” e do “fazer” coletivo vivenciado pelos participantes do grupo demonstrou

caminhos de avanços significativos uma vez que pais, funcionários, alunos nunca

tinham sido chamados para pensar, de forma tão efetiva, sobre os rumos da escola. Foi

um momento em que sentiram-se participantes da visa da escola. Na elaboração do

plano de ação, fruto do pensar coletivo, que será aplicado com a finalidade de

transformação da organização da vida escolar, vivenciou-se o respeito às idéias do

outro, e do coletivo da escola como um todo. Uma vez que os trabalhos realizados

conduzirão para essa nova postura dentro da escola, a transformação pode ser

construída por meio de diálogos igualitários, por meio da tessitura de novos contratos

sociais, inicialmente vividos no espaço escolar para depois se estender à prática social

mais ampla.

Podemos afirmar que, por meio deste encaminhamento didático, a comunidade,

representada pelos órgãos colegiados, pode realizar um percurso de aprendizagem que

parta da realidade vivida no cotidiano da gestão escolar. É essa vivência que permite

desenhar um quadro que retrata a realidade tal como ela se apresenta. Os estudos,

discussões e reflexões permitem retornar à prática social inicial/final com um

conhecimento da realidade concreta. Com o auxílio da ciência no momento em que os

membros da comunidade se colocam como sujeitos de transformação da realidade

histórico-social, é possível redesenhar a mesma paisagem, agora com novas expressões

e significados.

Nesse sentido, o encaminhamento metodológico que se desenvolveram em

cinco passos didáticos e que teve como base os pressupostos elaborados por Gasparin

(2007) permitiu-nos olhar com outros olhos para a gestão escolar. Embora ele tenha

como enfoque a didática como atividade mediadora do processo de aprendizagem,

vislumbramos a possibilidade de utilizar sua proposta com o foco voltado para o

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trabalho de gestão escolar, cuja especificidade também consiste em atingir os fins da

educação.

A pedagogia histórico-crítica pode contribuir para que a escola rompa com seu

papel de reprodutora do sistema capitalista e assumir sua dimensão político-social de

transformação da realidade presente. A gestão escolar compreendida numa perspectiva

democrática, hoje assegurada apenas na letra da lei, constitui um poderoso instrumento

de participação da classe trabalhadora na defesa de seus interesses que, no espaço

escolar, consiste na luta pela apropriação do saber.

Referências Bibliográficas

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GASPARIN, João Luiz. Uma didática histórico-crítica. 4 ed. Campinas: Autores associados, 2007. Coleção educação contemporânea.

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PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO DO COLÉGIO “PRESIDENTE KENNEDY”. Maringá PR, 2006.

REGIMENTO ESCOLAR DO COLÉGIO “PRESIDENTE KENNEDY”. Maringá PR, 2006.

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