a visão gloriosa e o caminho da cruz

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A visão gloriosa e o caminho da cruz Witness Lee 1 A Visão Gloriosa e o Caminho da Cruz Witness Lee CONTEÚDO 1. A visão gloriosa e o caminho da cruz (1) 2. A visão gloriosa e o caminho da cruz (2) 3. A humanidade de quem serve ao Senhor (1) 4. A humanidade de quem serve ao Senhor (2) 5. O poder da ressurreição e o ser conformado à cruz PREFÁCIO Este livro é composto de mensagens dadas pelo irmão Witness Lee em Taipé, Taiwan, em março de 1989.

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A visão gloriosa e o caminho da cruz Witness Lee

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A Visão Gloriosa e o Caminho da Cruz

Witness Lee

CONTEÚDO

1. A visão gloriosa e o caminho da cruz (1) 2. A visão gloriosa e o caminho da cruz (2) 3. A humanidade de quem serve ao Senhor (1) 4. A humanidade de quem serve ao Senhor (2) 5. O poder da ressurreição e o ser conformado à cruz

PREFÁCIO

Este livro é composto de mensagens dadas pelo irmão Witness Lee em Taipé, Taiwan, em março de 1989.

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CAPÍTULO 1

A VISÃO GLORIOSA E O CAMINHO DA CRUZ (1) Leitura bíb: At 7:2-3; Is. 6:1-5; Jo 12:38, 41; 2 Pd 1:3, 16-18; At 9:3-6; 26:19; Ap. 4:1-3; 21:10

SERVIR AO SENHOR É ALGO GRANDIOSO

Esta mensagem abordará o tema de servir ao Senhor e ser Sua testemunha. Isto é algo grandioso no universo. Já que vamos considerar a partir do ponto de vista de servir ao Senhor e ser Sua testemunha, este assunto não é nada insignificante; ambas são expressões notáveis.

Dizemos que servimos ao Senhor, porém, quem é este Senhor? Isto não é algo insignificante. Se eu fosse conhecer o presidente do meu país, estaria muito emocionado; mas isto se relaciona unicamente com o serviço ao homem. Devemos ver que o Senhor ocupa uma posição superior e que Sua glória é maior a de qualquer homem. Nós servimos ao Senhor Jesus Cristo. Muitas vezes temos falado de servir ao Senhor como se fosse algo comum e não lhe temos dado a devida importância. Assim também, dar testemunho do Senhor tampouco é algo insignificante.

Nossos pensamentos e conceitos têm que ser liberados da frivolidade e da degradação. Cada vez que falemos de servir ao Senhor, devemos fazê-lo com a devida seriedade. Sempre que falemos de servir ao Senhor, devemos ter em mente que se trata de um assunto muito importante. Servimos a Deus que é Senhor do céu e da terra e que está acima de tudo. Permita-me dar-lhes um exemplo. Suponhamos que o presidente de sua nação lhe tenha concedido um convite. É muito provável que na noite anterior ao convite você nem dormirá direito, e na manhã seu coração baterá mais rápido que o normal; ficará nervoso e com temor. Entretanto, com frequência quando falamos de servir ao Senhor, não estamos emocionados. Temos que nos dar conta de que servimos ao Senhor do céu e da terra. Se alguém professa servir ao Senhor e não expressa nenhuma emoção a respeito, isto prova que se degradou. Devemos vigiar a respeito.

PARA SERVIR AO SENHOR PRECISAMOS TER UMA VISÃO GLORIOSA

Além disso, devemos receber uma visão gloriosa. Todo aquele que serve ao Senhor necessita ter esta visão. O glorioso não é o fato de ver; mais, o glorioso é o objeto que se vê, o qual por sua vez faz que a visão seja gloriosa. A isto nos referimos quando falamos de uma visão gloriosa.

A palavra visão implica ver algo extraordinário, inédito, fora do comum e estranho. Também sugere uma cena, e um panorama especial, o qual alguém vê porque está ante seus olhos. Por exemplo, vejo diante de mim centenas de vocês que estão sentados, o qual é uma cena bonita. Se tivesse uma câmera, tiraria uma foto. Por conseguinte, uma visão é um panorama especial. Devemos saber que servir a Deus não é nada ordinário, porque o Senhor não é uma pessoa ordinária. Se servir ao Senhor e ser Sua testemunha não desperta nenhuma emoção em nós, isto mostra que não temos visão.

PARA SERVIR AO SENHOR É PRECISO QUE O SENHOR NOS CHAME

Na Bíblia vemos que todo servo do Senhor começa seu serviço ao ser chamado. Isto é semelhante à carta de admissão que se recebe ao assumir um novo emprego. Nosso chama-mento é similar. Não é a igreja que nos chama nem tampouco a obra evangelizadora, mas o próprio Senhor. Ao ser chamado, recebemos a visão. O chamamento do Senhor equivale à

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aparição do Deus da glória. Ele não nos aparece só por aparecer. Se de fato Deus nos aparecer, significa que Ele nos chama. Isto nos constitue naqueles que tem sido chamado.

O chamamento de Abraão

Na Bíblia vemos que Abraão foi a primeira pessoa a ser chamada. Ainda que Adão, Abel, Enos, Enoque e Noé viveram antes que ele, a Bíblia não menciona como foram chamadas estas cinco pessoas. Por exemplo, no caso de Abel, Gênesis só narra que depois de nascer, ele experimentou Deus segundo o que seus pais lhe ensinaram. Enos conheceu a Deus e o serviu, e a Bíblia diz que a partir de então, os homens começaram a invocar o nome de Jeová (Gn 4:26); porém a Bíblia não diz como Enos foi chamado. O mesmo ocorre com Enoque e Noé. Não é assim até o caso de Abraão que no Antigo Testamento se menciona algo novo a respeito, a saber, que Deus apareceu a Abraão e o chamou. Naquela ocasião, Abraão se achava em Ur dos caldeus (11:31). Ele não estava ali servindo ou adorando a Deus, mas adorando ídolos. A terra da Caldéia era uma terra de idolatria, estava cheia de ídolos. Além disso, foi ali onde se erigiu a torre de Babel. Aquele lugar estava repleto de ídolos. Nessas circunstâncias, o Deus da glória apareceu a Abraão. Abraão foi a primeira pessoa que foi chamada no Antigo Testamento.

O chamamento do apóstolo Paulo

No Novo Testamento vemos que o apóstolo Paulo também foi chamado pelo Senhor. Anterior-mente o nome de Paulo era Saulo. Um dia, enquanto ia a caminho de Damasco, havendo obtido cartas da parte do sumo sacerdote para prender aos que invocavam o nome do Senhor, apareceu-lhe a glória do Senhor (At 9:2-3). A aparição do Senhor é a glória do Senhor. Esta aparição capturou a Paulo, e ele foi chamado. No Antigo Testamento, Abraão foi chamado enquanto adorava ídolos; e no Novo Testamento, Paulo foi chamado enquanto se dirigia para prender a quem invocavam o nome do Senhor. Isto é realmente maravilhoso.

Nosso chamamento

Segundo nossa experiência, uma vez que o Senhor nos aparece, deixamos de ser os mesmos. A partir desse momento começa nosso chamamento. Quando a Bíblia relata o chamamento de Abraão, o faz brevemente; só menciona que Abraão vivia na Mesopotamia e que o Deus da glória lhe apareceu. No que a Deus se refere isto constitui uma aparição; enquanto que para nós, isto constitui uma visão e uma experiência muito particular na qual vemos algo que não havíamos percebido antes. Antes havíamos visto montanhas, rios, aves, animais, flores e muitas outras coisas, mas isto é diferente. De repente nos aparece uma Pessoa maravilhosa, o qual constitui o chamamento de Deus; noutras palavras, somos chamados. Se não aceitamos este chamamento, estaremos rejeitando a visão de Deus. A Bíblia nos mostra, entretanto, que quando Deus apareceu ao homem, nenhum pode desprezá-lo. A visão é maravilhosa demais. Alguns dos ídolos que Abraão adorava tinham cara de demônio; outros tinham cara de cavalo ou tinham forma de aves no templo. Isto era o que Abraão adorava. A história nos conta que em cada ladrilho do templo de Babel havia gravada uma imagem. Enquanto Abraão adorava ídolos, repentinamente uma cena se lhe apareceu ante seus olhos. Esta cena era completamente diferente dos ídolos; esta cena era Deus mesmo. O Deus da glória apareceu com tal esplendor e majestade, que a visão cativou a Abraão. Foi assim como Abraão foi chamado. Foi no contexto de tal chamamento, que Deus lhe disse: “Sai da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai e vai para a terra que te mostrarei” (Gn 12:1). A

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partir de então començou o chamamento de Abraão. No Antigo Testamento, ele foi o primeiro a ser chamado. Além dele, pelo menos duas pessoas receberam o mesmo chamamento: Isaías e Ezequiel. Ambos, como resultado de haver sido chamados, chegaram a ser profetas.

AO CHAMAR-NOS, DEUS REVELA-NOS PESSOALMENTE

Como Deus nos chama? Ele nos chama atraindo-nos a Si mesmo ao revelar-se-nos de uma maneira pessoal. Em alguns lugares do mundo existem mercados noturnos. Ali os comerciantes espalham em lotes e em caixas seus belos produtos, a bom preço, antes dos clientes. Isto deixa uma profunda impressão na gente; muitos são atraídos por estes mercados noturnos e fazem ali suas compras. Espero que alguns de vocês vejam Deus de uma maneira similar e sejam cativados por uma visão gloriosa. Todavia quero recordar a experiência que tive quando o Deus da glória me apareceu pela primeira vez. Ocorreu pela tarde do dia em que fui salvo. Quando saí do local de reunião, senti que tudo era diferente. Recordo que me detive no caminho e orei a Deus da seguinte maneira: “Oh Deus! nada me interessa; só quero a Ti”. Assim, se me apareceu o Deus da glória. Espero que, em princípio, todos tenham a mesma experiência. Não sejam como os missionários cristãos, para quem servir ao Senhor é uma profissão. Espero que sobre cada um dos que servem ao Senhor em Sua restauração brilhe e resplandeça, pelo menos uma vez, esta gloriosa visão. Não se trata de uma visão externa, sim de uma visão interna, a qual é gloriosa e específica.

UMA VISÃO QUE AFETE TODO NOSSO SER

Depois de ver esta gloriosa visão, todo nosso ser mudará: nossos conceitos, nossa atitude, nossas conversações e nossos pensamentos. Seremos completamente diferentes. Ainda que seguimos comendo, bebendo, descansando e trabalhando, nossa pessoa terá experimentado uma mudança, a qual corresponde à visão que temos tido. Sempre que vemos uma visão, isto provoca uma reação em nós. Por exemplo, se vamos ao zoológico e vemos um tigre feroz, isto certamente provocará uma reação em nós. A visão que vemos nos afeta profundamente. Nossos conceitos mudarão e nosso andar e viver deixará de ser comum.

Ainda recordo a condição em que me encontrava quando fui chamado, imediatamente depois de ser salvo. Alguns começaram a perceber que eu era diferente; não só os que me conheciam, mas também os membros de minha própria família sentiam que eu havia mudado. Eles pensaram que eu estava deprimido ou que não estava dormindo bem, e se aperceberam em que comecei a perder interesse nas coisas. Ainda que não ocorra o mesmo com todos, creio que um grande número de irmãos e irmãs tem tido uma experiência similar. Outros têm notado que somos diferentes. Talvez esta mudança não tenha ocorrido no dia em que fomos salvos; mais quem sabe três dias depois, ou três meses ou inclusive três anos mais tarde, haverá uma mudança total. Cedo ou tarde, a aparição de Deus e nossa visão espiritual nos farão diferentes dos demais. As pessoas do mundo nunca poderam explicar isto; não podem entender, porque nunca viram algo semelhante.

Além disso, sabemos que depois de haver visto esta visão, nosso estilo de vida muda por completo. Por exemplo, talvez anteriormente amávamos muito o mundo, mas agora com prazer o abandonamos. Perdemos o gosto pelo dinhero, perdemos o gosto pela moda e perdemos o gosto pelas diversões; tudo se tornou insípido. Além disso, o maravilhoso está em que pelo lado positivo, começamos a saborear a palavra do Senhor e nos sentimos atraídos para Deus. Os que não entendem isto talvez pensem que nos tornamos loucos, pelo fato de nossa reação ser muito diferente e muito incomum! Mas nós sabemos que não estamos enfermos; o que tem ocorrido é

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que todo nosso ser tem experimentado uma mudança interna. E desde esse dia, o mundo mudou de “cor” para nós. Aquela foi uma mudança genuína. Para nós o mundo perdeu totalmente seu sabor; e pelo lado positivo, nossa vida se encheu de sentido, glória e propósito por causa do Senhor. Isto comprova que temos visto a visão gloriosa.

Quando o Deus da glória se revela-nos, nossas vidas mudam. Isto não se pode imitar nem negar. Talvez haja ocasiões em que nos sintamos indiferentes ou débeis, ou inclusive nos tenhamos desviado um pouco ou estejamos desanimados. Ainda assim, não poderemos esquecer a visão. Inclusive se voltarmos ao mundo ou desejarmos as coisas mundanas não voltaremos a sentir o mesmo que sentíamos antes; perceberemos que temos perdido o gosto por tudo. Ao mesmo tempo, Deus preparará situações que nos farão voltarmos a Ele. Ele nos revelará Sua glória novamente e fará que nos reconsagremos ao Deus da glória.

A VISÃO NOS REGE NA PREGAÇÃO DO EVANGELHO

Nesta manhã, espero que cada um dos que participam na pregação do evangelho seja um homem de visão. Ninguém deve sentir-se persuadido a participar da pregação. A persuasão só durará uns três dias. Temo que depois de três dias, isto já não servirá de nada. Tem que haver algo que nos motive interiormente, e esse algo é o Deus da glória, quem se revela-nos e nos ilumina, e quem nos provê de uma força indescritivel para que sigamos servindo ao Senhor passo a passo.

Alguns dias depois que regressei a Taiwan, recebi uma chamada de uma das equipes do evangelho. Os irmãos e as irmãs desta equipe estavan muito emocionados. Disseram-me que em três semanas haviam batizado 82 pessoas, e que o primeiro domingo assistiram a reunião do partir do pão 23 crentes novos. Isto é sem dúvida muito encorajador; mas devemos entender que se não temos uma visão que nos sirva de apoio, todo esse entusiasmo se desfará rapidamente. É como o clima que temos experimentado nestes dias. Em ocasiões vem uma frente fria, e a temperatura cai e sobe rapidamente. Mais se temos visto a visão, ainda que venham frentes frias ou quentes, não nos afetaram. É necessário entender que pregamos o evangelho nas casas devido termos recebido uma visão interiormente. A visão gloriosa nos regerá e nos dará o vigor necessário para seguirmos adiante.

A VISÃO NOS CAPACITA A FALAR POR DEUS

Atualmente estamos encorajando muito aos irmãos e irmãs a que profetizem nos domingos nas reuniões. Isto é falar por Deus. Entretanto, para falar por Deus devemos ter um requisito básico, a saber, que primeiro devemos ver a Deus. Por exemplo, lhes será muito difícil a vocês descrever minha aparência física sem primeiro terem-me visto. Não creio que pudessem dizer muito de mim. Mais ao estar sentados aqui esta manhã nesta reunião, vocês podem ver até o menor de meus movimentos e terão muito que dizer sobre mim. Portanto, se queremos profetizar e falar pelo Senhor, primeiro devemos ter comunhão com Ele. Devemos vê-lo e conhecê-lo antes de poder proclamá-lo.

Além disso, devemos estar muito conscientes de que nosso labor evangelizador não é uma espécie de trabalho, mas é um êxtase. Se não estamos em um êxtase, nossa pregação do evangelho não será eficaz. Mais se recebemos a visão, levaremos a cabo a obra de uma maneira distinta. Quando Isaías foi chamado por Deus para que falasse pelo Senhor, não saiu a dar sermões; antes, ele proferiu palavras de repreensão.

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A maioria dos 66 capítulos do livro de Isaías, conteem o que ele falou da parte de Deus. Isaías pode falar porque Deus lhe concedeu visão. Ele viu o Deus da glória sentado no trono e exclamou: “ai de mim! Estou perdido! Porque sou homem de lábios impuros, habito no meio de um povo de impuros lábios, e os meus olhos viram o Rei, o SENHOR dos Exércitos!” (6:5). Esta é a mensagem de Isaías. Em 1:9 ele diz: “Se o SENHOR dos Exércitos não nos tivesse deixado alguns sobreviventes, já nos teríamos tornado como Sodoma e semelhantes à Gomorra.” Ele realmente havia visto a visão, e isso o capacitou para falar pelo Senhor.

Espero que todos os que vão participar na pregação do evangelho nas casas, tenham também esta visão interior; que quando verem as pessoas sinta o encargo de falar-lhes, inclusive de falar incessantemente ao ponto de que pareçam “loucos”. Cada profeta do Antigo Testamento era um “louco”, e cada apóstolo do Novo Testamento também era um “louco”. E cada evangelista deve ser mais “louco”, inclusive. Tenho observado que os irmãos e irmãs que integram as cinco equipes do evangelho estam um pouco “loucos”. Diria que o grau da locura que eles experimentam se deve a que tenham sido afetados pela visão.

Repassemos mais uma vez o relato do chamamento de Pedro, de Tiago e de João. O Senhor os chamou enquanto eles se achavam pescando (Mt 4:18-22), mais esse chamamento não lhes afetou muito. Um dia os três foram com o Senhor Jesus a um monte, e ali, o Senhor subitamente se transfigurou: Seu rosto resplandeceu como o sol, e Seus vestidos se tornou brancos como a luz (Mt 17:2). Mais adiante, Pedro narrou em sua epístola que, no monte da transfiguração, ele foi testemunha ocular da majestade do Senhor. Ele não só viu a glória do Senhor, mais que contemplou Sua majestade. Comparada com a majestade, a glória é mais comum. A majestade desperta assombro nas pessoas. Pedro disse que pode nos dar a conhecer as coisas que nos comunicou porque havia sido testemunha ocular da majestade do Senhor. O que ele nos deu a conhecer não foram mitos habilmente criados, mais sim aquilo que havia visto com seus próprios olhos (2 Pd 1:16).

Agora entendemos porque Pedro e João eram tão poderosos quando pregavam o evangelho e laboravam para o Senhor. A razão se deve a que eles haviam recebido uma visão, e tal visão foi seu chamamento. A majestade que viram chegou a ser a mensagem que pregaram. Por conse-guinte, se temos de entregar-nos ao mover da pregação do evangelho, primeiro devemos receber a visão gloriosa.

UMA VIDA DE SERVIÇO A DEUS CONFORME A VISÃO

Quando o apóstolo João era já velho, foi exilado na ilha de Patmos e ali recebeu visão após visão. Todo o livro de Apocalipse, desde o primeiro capítulo até o último, consta de visões, sendo a última destas a Nova Jerusalém (Ap. 22). Portanto, vemos que João apresentou as visões que ele recebeu. Ele não narrava contos, sim que descrevia cada detalhe do que havia visto. Disto se compõem o livro de Apocalipse; é verdadeiramente uma revelação.

Espero que quando forem às casas para pregar o evangelho, comunique as pessoas a visão que vocês viram; isto será uma revelação para elas. Não serão meros ensinamentos vazios; pelo contrário, vocês lhes impartiram a visão que tem recebido. Esta visão se converterá em uma revelação para elas, e desta maneira também poderão ver o que vocês viram. A isto me refiro quando falo da visão gloriosa.

Em 2 Pedro 1:3 diz que Deus “nos chamou para Sua própria glória e virtude”. No Novo Testamento, toda pessoa que seja salva deve receber o glorioso chamamento de Deus. Todos têm visto Sua glória, temos sido atraídos para Ele e seguimos sendo influidos Dele. Não podemos seguir sendo o que éramos antes, pessoas comuns e mundanas. Agora somos um povo especial, porque o Senhor nos tem chamado. Não nos interessa nem o céu nem a terra, pois a glória que temos visto é o que dá sentido a nossa vida. Tal glória também se tem convertido em nossa meta, nossa comissão e nosso encargo. Não nos importam as circunstâncias que nos rodeiam, nem o que outros pensem de nós. Em nosso interior há algo que não podemos negar nem desobedecer: a visão gloriosa. Temos que servir a Deus conforme esta visão pelo resto de nossas vidas.

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CAPITULO 2

A VISÃO GLORIOSA E O CAMINHO DA CRUZ (2) Leitura bíblica: Mt 16:24-26; Lc 9:57-62: Fl 3:10; Ap. 1:9; At 20:24; 2 Tm 4:7-8; 1 Co. 9:27; Hb

12:1-3

No capítulo anterior vimos o tema da visão gloriosa. Agora, neste capítulo, falaremos acerca do caminho da cruz. Onde houver uma visão, haverá também um caminho; a visão gloriosa sempre nos conduz a um caminho. Se tivermos a visão, devemos também andar conforme ela, e este andar é o caminho da cruz.

A CRUZ SIGNIFICA PRINCIPALMENTE: “JÁ NÃO...EU”

Para muitos, a cruz é sinônimo de sofrimento; mais em realidade, o princípio da cruz não tem que ver com o sofrimento. Durante o século XV, Thomas A. Kempis escreveu o livro entitulado A imitação de Cristo, o qual pouco depois foi traduzido em chinês pelos católicos. Em tal livro se discute detalhadamente acerca da cruz. Entretanto, tudo o que diz está distorcido no sentido de que considera a cruz como certa classe de sofrimento. Inclusive Madame Guyon foi muito influenciada por este livro.

Sabemos pelo Novo Testamento que o significado principal da cruz não é que soframos, e sim que morramos. Quando uma pessoa é cravada na cruz, não só experimenta sofrimento, mais também morte. A pessoa mesma é eliminada. O Novo Testamento nos mostra que o Senhor Jesus foi o primeiro a tomar a cruz. Quando os homens o crucificaram, Ele não só sofreu, mais faleceu.

Uma vez que tenhamos visto a visão, esta certamente nos guiará ao caminho da cruz. A ênfase de tal caminho não é o sofrimento, e sim “já não...eu”. O caminho da cruz é o caminho que nós deixamos de viver. Todos os que transitam por este caminho se negam a si mesmos. O único que permanece é Cristo, só permanece Deus.

NEGAR-SE A SI MESMO EQUIVALE A PERMITIR QUE O SENHOR SEJA A PESSOA

Muitos de vocês são casados. O matrimônio une as vidas de duas pessoas. Antes de casar-se, você faz tudo o que quer; mais depois de casar-se, já não é tão fácil fazê-lo. A vida matrimonial nos exige levar a cruz. O esposo deve morrer, e a esposa também deve morrer. Já que é assim, quem viverá então? Cristo viverá e Deus viverá. Em todo o mundo é muito difícil encontrar a uma família que realmente viva em unidade. É um fato maravilhoso acerca de quem cremos no Senhor que, a partir do momento em que O recebemos como nossa vida, chegamos a ter outra pessoa em nosso ser. Ou seja, nós somos uma pessoa, e o Senhor é a outra. Quem manda então? Quero que fique gravado em vocês que a cruz significa que nós somos postos de lado. Mediante a cruz, nosso ser e nossa vida estão sendo postos de lado.

O Novo Testamento faz referência com frequência ao eu e a alma. Se compararmos Lucas 9 com Mateus 16, podemos ver que o eu e a alma se referem ao mesmo. Em Mateus se menciona a alma (16:26), enquanto que em Lucas se fala do eu (9:25). Por conseguinte, a alma é o eu, e o eu é a alma. Temos um hino que fala acerca de negar-mos o eu e, também temos outro acerca de negar a alma. Faz mais de vinte anos, um irmão manifestou suas objeções a um dos hinos que eu havia escrito. Disse-me que era incorreto falar de negar a alma. Segundo este irmão, a alma é a pessoa; portanto, uma vez que se negue a alma, já não há mais nós, ou seja, deixamos

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de viver. Ele não sabia que, conforme a Bíblia, negar a alma não consiste em negar as funções da alma —a saber: a mente, a emoção e a vontade—, falamos em negar a pessoa da alma e a vida do eu. Isto não significa que você deixa de usar suas faculdades, sim que já não é mais você quem vive.

Este assunto é misterioso. Por um lado, o Novo Testamento nos manda negar nossa alma e nossa pessoa, e por outro, todavia, devemos seguir trabalhando. Não obstante, nossa maneira de servir já não é a mesma de antes. Anteriormente, a servir, você era o amo, ou seja, a pessoa que servia era você mesmo. Mais agora, tal pessoa se encontra posta na cruz; assim que, a pessoa já não é você, sim o Senhor. “Com Cristo estou juntamente crucificado” (Gl 2:20). Ser crucificado significa que cheguei ao meu fim. Agora já não vivo eu, mas vive Cristo em mim. Se voluntariamente nego a pessoa e a vida de minha alma, ainda assim permanecem as faculdades de minha alma. Todavia tenho uma mente, uma emoção e uma vontade. O que tem mudado é o amo que controla tais faculdades; já não vivo eu, mas vive Cristo em mim.

É NECESSÁRIO QUE OS MEMBROS SE COORDENEM ENTRE SI

Hoje em dia, vocês mais jovens se entregaram ao Senhor a fim de pregar o evangelho nas casas. Vocês creem que podem fazê-lo por si mesmos? É claro que não, não podem fazê-lo sozinhos. Não digam que podem porque tem ao Senhor. Ter o Senhor não é suficiente; vocês necessitam ter companheiros. Devem coordenar-se com outros membros do Corpo. Por um lado, vocês são irmãos e irmãs; por outro, são membros uns dos outros.

Os membros não podem estar deslocados, mas devem estar unidos. A união entre os membros tem como fim a coordenação. Ao servir o Senhor, não podemos fazer nada separados do Senhor, nem tampouco podemos fazer nada separados dos membros. É preciso nos dar conta de que ao separar-nos dos demais membros, ficamos separados do Corpo. Por exemplo, se minha mão se separa de meu braço, não só ficará separado do braço, mas também de todo o corpo. Basta só se separar-se de um membro, que você fica separado de todo o corpo. Portanto, a maneira em que vocês trabalhem para o Senhor deverá ser distinta da maneira em que labora as pessoas do mundo. Eles podem trabalhar de maneira individualista, mais nós não podemos servir o Senhor assim. Isto se deve a que nosso serviço ao Senhor é o mover de todo o Corpo. Todos somos membros do Corpo e devemos coordenar-nos uns com os outros.

O SEGREDO DA COORDENAÇÃO É PERMANECER NA CRUZ E NÃO TER OPINIÕES

Qual é o segredo da coordenação? A coordenação deve manifestar o fato: “já não...eu”. Já não deve viver em você seu eu. Sempre que você ou eu esteja presente, não haverá coordenação. O dia em que foram enviados as equipes do evangelho, os chamei por telefone do estrangeiro. Quanto louvo e agradeço ao Senhor! Recebi muitas notícias boas; mais também outras notícias que não foram tão boas. Os membros das equipes descobriram que não é nada fácil coordenar juntos, pois cada um tem suas opiniões. Talvez você argumente que não é possível viver sem opiniões. Mais o estranho é que a Bíblia nos exige que não tenhamos opiniões.

Em Filipenses 2:2 Paulo diz: “completai o meu gozo, para que sintais o mesmo, tendo o mesmo amor, o mesmo ânimo, sentindo uma mesma coisa.” Em outras palavras, para que o gozo de Paulo fosse completado, os filipenses deviam não ter opiniões. Entretanto, não é fácil estar livres de opiniões. Esta manhã lhes direi um segredo: a melhor maneira é permanecer na cruz. A melhor maneira para que duas pessoas sirvam juntas sem ter discusões, opiniões ou desgostos, é que ambas sejam crucificadas. Agradeço ao Senhor que na cruz o EU já teve o seu fim!

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Permita-me compartilhar minha experiência. Durante as últimas décadas que venho servindo na obra do Senhor, tenho observado que tanto Sua obra como Sua igreja sempre tem sido destruída por um tipo: a ambição. A ambição é o desejo de ser alguém, de ocupar uma posição alta e de obter uma boa reputação. É o desejo de que os demais falem bem de mim, de que me considerem uma pessoa importante e de que eu possa exercer a liderança a onde quer que vá. Desde jovem, o homem gosta de competir; aspira ser alguém e por ser o primeiro. Só pelo fato de ser o “número dois” sente inveja do “número um”. Ainda que seja possível que o “número dois” tenha menos idade, com tudo deseja ser alguém e sempre aspira a ser a cabeça. Tenho observado isto por mais de sessenta anos. E agora, desde que estou nos EUA, não só tenho podido observá-lo novamente, mais que eu mesmo me tornei o meio e o centro de ataques. Tenho estudado os dardos que me foram lançados e, em termos simples, todos estavam relacionados com o desejo que alguns tinham de ser alguém, de exercer a liderança e de ocupar uma posição distinguida. Sabemos que os que são ambiciosos nunca se expressariam nestes termos; em vez disso, usam expressões e palavras agradáveis para encobrir-se. Falando estritamente, não estavam tratando de atacar-me; o que eles buscavam era ser alguém.

Qué é a opinião? Falando com franqueza, a opinião é simplemente o desejo de ser alguém. Antes que o Senhor fosse a cruz, Ele dirigia um grupo de discípulos, entre os quais sobressaiam Pedro, João, Tiago e André. Eles seguiram o Senhor dia após dia por três anos e meio. Se o Senhor Jesus ia a Galilea, eles também iam a Galilea. Se o Senhor Jesus subia em um barco eles também subiam. Aonde quer que o Senhor Jesus fosse, eles iam com Ele. Se você lê os quatro evangelhos, descobrirá que eles certamente tinham opiniões. Por exemplo, uma vez, enquanto ia com o Senhor a Jerusalém, no caminho Ele lhes disse claramente que ia a Jerusalém e que ali os escribas e os fariseus o crucificariam, mais que ao cabo de três dias ressuscitaria. O Senhor repetiu isto em três ocasiões, mais os discípulos não entenderam em absoluto. Imediatamente depois que Senhor Jesus terminou de falar, eles começaram a discutir acerca de quem devia ser o primeiro. Hoje em dia, na obra que o Senhor leva a cabo na igreja e entre as equipes do evangelho, devemos recordar que sempre nos esperaram problemas.

Quando eu era jovem, sempre que se casavam um irmão e uma irmã, eles esperavam que eu dissesse algo em suas bodas. No princípio sempre compartilhava algo agradável, mais depois que fiz 40 anos de idade, não disse mais coisas agradáveis. Não obstante, pesadas eram minhas palavras já não eram agradáveis, mas era a verdade. Até o dia de hoje, não creio que seja possível que uma família tenha uma doce lua de mel por mais de trinta dias sem discutir. Faz pouco tempo, soube por boca de um irmão que ele e sua esposa discutiram no terceiro dia de sua lua de mel. Normalmente, quando uma família discute, a verdadeira contenda gira em torno de quem tem mais poder, se o homem ou a mulher. Quem tem a última palavra: ele ou ela? Quem dos dois deverá tomar a decisão? Por exemplo, eu vivo com a irmã Lee. Eu gosto de pão chinês, mais ela prefere dar-me arroz. Cada vez que ela me servia arroz, eu franzia a testa. Entretanto, como não tinha mais opção, comia. Talvez me perguntem que mais posso fazer. Não posso fazer nada. A única opção é a cruz. A cruz é o caminho.

SEM ENTRAR EM CONSIDERAÇÕES E OCUPAR-NOS SÓ EM LABORAR

Por exemplo, talvez haja duas tarefas que requeiram atenção na obra do Senhor. Talvez uma delas se estime como uma tarefa maior e a outra como uma tarefa menor. Escolheria você a tarefa que se estima como importante ou a que se estima como insignificante? Todos deveram aprender a não julgar se uma tarefa é grande ou pequena; somente devemos preocupar-nos por levá-la a cabo. Se vocês consideram interiormente: “É esta tarefa grande ou pequena? Se escolho a tarefa grande, não estou levando a cruz. Assim, devo tomar à pequena!” Se pensam desta maneira, não estaram levando a cruz, mais sim julgando como política. Por isso, não é bom que

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escolham a tarefa grande deste modo. Mais se escolhem a tarefa pequena por motivo próprio, o resultado será mal igualmente. Não é bom abrigar este tipo de consideração. Não dediquem tempo a estas considerações.

Alguns têm vindo até eu dizer-me: “Irmão Lee, o irmão fulano agora coopera conosco. Mais ele só gosta dizer aos demais o que tem que fazer”. Deixe-me dizer-lhes que esse irmão — a quem só gosta dizer aos demais o que deve fazer— ele tem violado o princípio da cruz. Se ele estivesse na cruz, não diria aos demais o que tem que fazer. Entretanto, o irmão que se queixa tampouco está na cruz. Quando todos estão na cruz, não há necessidade de dizer nada o que se deve fazer; simplemente cada um se ocupa de seu labor. Se eu não entendo algo, você me dirá como fazê-lo; e se você não entende algo, eu lhe direi como fazê-lo. Se sua intenção é dizer a outros o que devem fazer, você não está na cruz; por outro lado, se eu me queixo de que você me está dizendo o que devo fazer, tampouco estou na cruz. Se estamos na cruz, pode ser que você me diga o que devo fazer e que eu o escute, sem que nenhum dos dois tenha o sentir de que está levando a cruz. Não existirá tal coisa como dizer ou não dizer a outros o que devem fazer, nem tampouco haverá tal coisa como escutar ou não escutar o que outros nos digam. Cada um se ocupará somente em cooperar.

Pela misericórdia do Senhor, desde que comecei a participar na obra do Senhor em 1935, só me tenho ocupado em laborar. Espontâneamente, eu estava na cruz. Isto não quer dizer que não tive problemas; só significa que, espontâneamente, tivemos menos problemas. Isto se aplica de igual maneira na igreja, na obra e em nosso andar espiritual. Como podem solucionar-se os problemas? Resolvem-se mediante a cruz. Na família, o esposo deve morrer, e a esposa também deve morrer. Se não há morte, não haverá vida. Se depois de casarmos não experimentamos a morte, surgiram discussões todos os dias e não haverá vida matrimonial. Hoje, para seguir o Senhor e trabalhar para Ele, o segredo é estar na cruz e permanecer lá.

SEM TER PREFERÊNCIAS, E SOMENTE OBEDECER

Que o Senhor me cubra com Seu sangue. Ele pode ser minha testemunha. Enquanto estive na China continental, jamais intentei iniciar uma obra em nenhum lugar. Para mim, todos os lugares eram iguais. Eu só recebia ordens. Aonde quer que se apresentava alguma necessidade, ali era enviado; ainda mais, aonde quer que houvesse um lugar difícil para trabalhar, sem dúvida me encaregavam que fosse para ali. Eu não tinha preferência alguma. Depois que a China continental caiu nas mãos dos comunistas, a obra me designou para Taiwan. Eu falava o dialeto do norte, mais na ilha de Taiwan se falava o dialeto do sul. Por causa disto, me indicaram um irmão que conhecia o dialeto do sul para me ajudar. Ele chegou três ou quatro meses depois que eu havia chegado. Depois de examinar o lugar, foi dizendo que não se mudaria para Taiwan porque estava subdesenvolvida; havia ruas sem asfalto, e as pessoas agitadas por todas as partes com tamancos de madeira.

Peço aos irmãos e irmãs de Taiwan que me perdoem pelo que vou dizer. Quando vimos a Taiwan faz mais de quarenta anos, Taipé só tinha umas poucas ruas pavimentadas com asfalto. A maioria das ruas era empedrada. Tudo o que se via era muito subdesenvolvida. Ainda que eu estivesse disposto a tomar a cruz, às vezes, quando estava descançando em casa, ficava olhando do terraço e me perguntava por que havia vindo pra cá e o que se podia fazer. Dou graças ao Senhor e o louvo, pois agora me sinto muito feliz. Para mim hoje, Taiwan é o melhor lugar que existe em toda a terra para laborar.

O que quero comunicar-lhes é que na obra do Senhor vocês devem aprender a por seu “eu” de lado. Em outras palavras, devem estar livres do “eu”. Devem ocupar-se unicamente em laborar,

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ministrar, orar e tocar no Senhor. Não devem ter nenhuma outra consideração em mente. Não devem limpar os banheiros com a intenção de obter certa reputação e ser conhecidos como a pessoa que sempre limpa os banheiros. Aos olhos dos demais, isto pode parecer espiritual, mais de longe esta classe de “espiritualidade” é vaidade. Quando vierem, devem fazer tudo o que se necessite fazer. Quando os banheiros necessitarem de limpeza, vocês devem limpá-los. Quando houver necessidade de por em ordem a plataforma, vocês devem fazê-lo. Não devem ter preferências nem inclinar-se para fazer nada em particular. Tampouco devem esforçar-se por falar, nem por não falar. Se há necesidade de falar, vocês devem falar; e se não há necesidade de falar, não devem falar. Este é o caminho da cruz. Se o Senhor lhes provê abundantemente, simplesmente desfrutem a provisão do Senhor e lembrem-se dos necessitados; e se o Senhor lhes provê menos, ainda ao ponto de experimentar pobreza, não murmurem. Em toda a terra, nenhum servo do Senhor jamais morreu de fome. Nenhuma situação deve perturbar-nos, nem devem dar nenhum lugar ao eu. Este é o caminho da cruz.

SEM TER NENHUMA AMBIÇÃO NEM ENTRAR EM CONSIDERAÇÕES, SOMENTE EXPERIMENTAR A CRUZ E A RESSURREIÇÃO

Entre os chineses existe o ditado: “A força de um cavalo se prova com a duração da viagem, enquanto que o coração de um homem se prova com o passar do tempo”. Tenho estado colaborando com alguns irmãos por 45 anos, e com outros entre 20 ou 30 anos. Recentemente, têm acontecido coisas que me tem entristecido. Entre nós se fala muito acerca da cruz e também se fala muito acerca da ressurreição. Mais quando se apresentam as situações práticas, não se tem visto muito da cruz em alguns destes irmãos, nem tampouco tem havido muita evidência da ressurreição. Espero que na restauração atual outros possam ver mais da cruz e da ressurreição, tanto em nosso andar como em nossa obra, e também em nossa vida matrimonial. Permita-me repetir-lhes que o caminho da cruz é o caminho de por o “eu” de lado. Desta maneira, não haverá ambição na obra. Entre nós não há títulos, posições nem considerações. Não há nada que ganhar nem nada que ambicionar. Entretanto, devo dizer-lhes que na obra, há alguns que retem o eu. Na obra, não deveríamos dar-lhe importância quer os outros nos tratem bem ou mal; não deveríamos entrar em tais considerações. Meu único interesse consiste em andar conforme o Espírito. Para com os demais, eu devo ser humilde, amável e amoroso; e para com a obra, só sei estar ocupado e laborar. Se outros levam a liderança, eu levo a cabo qualquer coisa que eles disponham. Não tenho nenhuma preferência, inclinação nem consideração. Este é o caminho da cruz.

Não vale a pena falar de quão difíces são nossas circunstâncias externa. Se vierem sofrimentos, que venham. Não entrem em consideração. Que significam as considerações? Significa que há ambição. Também significa que queremos estar por cima dos demais; que queremos ter o melhor. Entrar em consideração equivale a ter em alta estima nosso eu; eu devo ser o número um, ou número dois, ou três e inclusive também o último. Tudo se centra em mim mesmo. Que significa tomar o caminho da cruz? Significa que eu deixo de ser o número um, e que tampouco sou o segundo nem o terceiro; nem sequer sou o último. Significa que chegamos a ser nada. Isto é morrer! Quando já não há nada de nós mesmos, então tudo irá bem. Não haverá problemas quando tivermos de sofrer. Não haverá problemas se outros irmãos ou irmãs nos tratam mal ou nos interpretam mal. Você não se importará nem entrará em considerações a respeito. Isto é o que significa tomar o caminho da cruz. Se aprenderem bem esta lição e prosseguirem no caminho da cruz, seu labor será eficaz e estará cheio de benção. Isso é tudo o que tenho que dezer-lhes esta manhã. O que tenho dito pode resumir-se em uma só frase: já não...eu. Quando for às casas pregar o evangelho, em qualquer lugar que estejam, permita que Cristo seja tudo e que não haja mais vocês. Já não vivo eu, mas vive Cristo em mim.

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CAPÍTULO 3

A HUMANIDADE DE QUEM SERVE AO SENHOR (1) Leitura bíblica: Gn 1:26; Gl 2:20; Mt 5:44; Lc 23:34

ESBOÇO

I. Ser como Deus: por meio da divindade. II. Ser como o homem: por meio da humanidade. III. Possuir as virtudes mais elevadas:

A. Amor extraordinário. B. Compreensão ilimitada. C. Fidelidade incomparável. D. Humildade absoluta. E. Suma pureza. F. Santidade e justiça supremas. G. Resplendor e retidão.

A HISTÓRIA DE COMO O SENHOR NOS VEM GUIANDO

Agora que estive preparando minha viagem de regresso a Taiwan, tive um sentimento muito profundo e intenso. A luz de minha experiência durante os últimos sessenta anos na restauração do Senhor tenho chegado finalmente ao questionamento acerca da humanidade dos cristãos.

Desde o dia em que fui salvo, não voltei a ter nenhuma amizade mundana; nem sequer vejo com frequência meus próprios parentes. Durante os últimos sessenta anos, só tenho me relacionado com uma classe de pessoas: os cristãos. E mais, a maioria dos cristãos que tenho me relacionado são cristãos que amam ao Senhor. Entretanto, o que tenho visto e experimentado nesses sessenta anos de relacionamento com eles faço questionamentos acerca da humanidade dos cristãos.

Eu fui salvo em 1922 em uma cidade pequena do norte da China. Foi ali também que o Senhor me chamou para por em prática a vida da igreja. Naquela época, comecei a aprender a falar pelo Senhor. Depois, o Senhor, passo a passo, me guiou a mudar-me para Shanghai e cheguei a conhecer pessoas de diversas nacionalidades. Todas estas experiências me fizeram abrir cada vez mais os olhos.

Em 1949 me mudei para Taiwan. Em 1956 viajei para as Filipinas e outras regiões do sudeste asiático. Em 1960 fui até o ocidente e viajei para os Estados Unidos e Canadá. Finalmente, escolhi o último da terra — a cidade de Los Angeles — como a base de meu labor. Em anos subsequentes, visitei Pittsburgh, Detroit, Nova York, Londres, Dinamarca, o Líbano, Iraque, Irã, India, Tailandia, Japão, Hong Kong, Hawai e muitas outras regiões e países. Hoje existem mais de mil igrejas com aproximadamente 150.000 santos em todo o mundo (dados de 1989). Estas igrejas estão compostas por toda classe de pessoas. Assim, pois, tenho conhecido todo tipo de gente e enfrentado toda classe de situações.

Devido a isto, pela misericórdia do Senhor e baseando-me na história de como Ele nos tem guiado no passado, me sinto na obrigação de compartilhar acerca da humanidade dos que servem ao Senhor. Todas as pessoas que me relaciono são cristãs. Com um detalhe, muitos deles são cristãos que buscam o Senhor, o amam e tem abandonado o mundo. Entretanto, a

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humanidade de muitos deles é inapropriada. É evidente que há certo problema, o qual me inquieta muito. Tudo isto me levou a considerar duas grandes verdades: a regeneração e a transformação.

Apesar de existir tantos grupos cristãos, não sei de nenhum que dê tanta ênfase na regeneração e a transformação, como nós o fazemos. Quando em 1962 o Senhor me guiou a iniciar meu labor nos Estados Unidos, concentramos primeiro nossa atenção nos dois temas: a oração e o espírito humano. Foi assim que começamos. Mais adiante, apresentamos muitas verdades acerca da transformação e também publicamos vários livros. Tudo isto aconteceu faz 20 anos. Entretanto, devido ao que tenho podido observar e ao contato que tenho com as pessoas, uma interrogação surge em meu ser. Como é possível que pessoas que tenham sido regeneradas e transformadas, todavia tenham problemas no que diz respeito a sua humanidade? Como é possível que algo assim ocorra na restauração do Senhor?

AS ETAPAS DO TRABALHO DE PUBLICAÇÃO NA RESTAURAÇÃO DO SENHOR

Até o presente, o trabalho de publicação dos escritos na restauração do Senhor pode-se dividir em duas etapas. A primeira etapa da obra esteve debaixo da direção do irmão Nee, desde 1922 até 1952. A segunda etapa se iniciou em 1952 com a publicação da revista The Ministry of the Word [O ministério da palavra] e continua até nossos dias. Nesta segunda etapa, começou-se a publicar com maior frequência meus escritos. Antes de 1952, todo o trabalho de publicação era realizado pelo irmão Nee.

Em 1928 o irmão Nee parou a publicação de sua primeira revista: [O cristão] e, por volta de 1934, tornou a publicação da mesma; foi então que me confiou o trabalho de editor. Além disso, o irmão Nee assumiu a responsabilidade editorial de outra revista de caráter mais profundo, entitulada [O testemunho atual]. Os primeiros anos em que estive editando O Cristão, trabalhei exclusivamente com as mensagens que o irmão Nee havia dado. Uma vez que terminei de editar a maioria delas, também publiquei algumas de minhas mensagens relacionadas ao reino.

Devemos deixar claro que entre nós, o trabalho de publicar escritos era absolutamente um ministério pessoal do irmão Nee. Nem sequer podia considerar-se como um trabalho nosso como co-autor. Naquela época, só participei no serviço como editor da revista O Cristão. O campo de nosso trabalho não era muito amplo. Aparte de mim havia outro irmão, o irmão Yu, quem tinha alguma participação nisto. Este irmão prestava muita atenção ao tema da vida interior, promovia os escritos dos místicos e realizou algumas traduções. Mais, em general, a Gospel Bookroom [Livraria evangélica] publicava só os escritos do ministério do irmão Nee.

Por volta de 1948 houve um grande avivamento entre nós. O ministério do irmão Nee foi restaurado. Ele tomou novas medidas com respeito ao trabalho de publicação do Gospel Bookroom e simultaneamente publicaram-se quatro novas revistas. A de caráter mais profundo era O testemunho atual, da qual o irmão Nee pessoalmente se encarregou. A outra revista era mais simples e se entitulava [O caminho], muito parecida com O Cristão, de cuja publicação o irmão Nee pediu que me encaregasse. Além destas duas publicações, foi impressa uma revista para a difusão do evangelho e outra entitulada [Os ministros], equivalente a que antes se chamou [As notícias das igrejas]. Eu também fui um dos editores desta revista. Aconteceu que um ano após ter começado a se expandir o trabalho de publicação, os comunistas tomaram o poder na China e o trabalho se interrompeu. Foi então que saí da China e me estabeleci em Taiwan.

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Portanto, 1952 constituem uma linha divisória. Nos primeiros 30 anos, publicaram-se principalmente os escritos do irmão Nee. Desde 1952, eu continuei neste ministério com a publicação de O Ministério da Palavra. Em 1963, quando me mudei para os Estados Unidos, publiquei neste país a revista [O manancial] e fundei a Living Stream Ministry. Em 1974 comecei a publicar as mensagens que compoem os estudos-vida; tanto as mensagens como o número de exemplares publicados foram numerosos. Esta é pois, uma breve resenha histórica de nosso trabalho de publicação.

NOSSAS DIFICULDADES PROVEM PRINCIPALMENTE DOS CRISTÃOS

Quis fazer um passeio histórico para mostrar-lhes que durante todos estes anos tenho me relacionado normalmente com cooperadores e presbíteros; e o que me preocupa e me causa dificuldades, é a humanidade de alguns deles. Em anos anteriores, e especialmente durante os primeiros 30 anos, vi como isto causou problemas ao irmão Nee.

A primeira igreja da restauração do Senhor se estabeleceu em 1922, em Fuchow, cidade natal do irmão Nee. De fato, isto marcou o começo da restauração do Senhor. Durante 20 anos que se seguiram, o irmão Nee experimentou muitos sofrimentos. Houve situações difícies, críticas, julgamentos e ataques; vinham um após outro, por todos os lados. O pequeno grupo de cooperadores que éramos próximos do irmão Nee sempre teve a impressão de que ele parecia não ter nem um só dia de paz. As tormentas vinham uma após outra. A maioria das dificuldades foi causada pelos cristãos, e não poucas delas provieram dos cooperadores e dos presbíteros.

A partir de 1950 comecei a trabalhar no estrangeiro. No começo estive em Taiwan. Depois saí de Taiwan e viajei pelo oeste e sudeste asiático para finalmente chegar ao ocidente. Durante os últimos 30 anos, eu também tenho enfrentado muitas dificuldades, a maioria das quais foram ocasionadas por cristãos.

Naquela época, o irmão Nee não era bem recebido pelo cristianismo na China. Isto se deveu a luz que ele recebeu, o caminho que ele tomou e o terreno sobre o qual se manteve firme, não eram do agrado do cristianismo. Portanto, algumas das dificuldades que surgiram na China provieram do cristianismo. Na realidade, esta oposição não nos importa tanto. O que mais nos preocupa é a oposição que se tem levantado entre os presbíteros e cooperadores na restauração do Senhor durante os últimos sessenta anos.

Em certa ocasião, faz uns 50 anos, o irmão Nee se aproximou de mim e disse-me: “Irmão Witness, olhe como até os cristãos mentem!” Naquele tempo também me detive muito surpreendido, e era difícil de crer. Esse foi o primeiro sinal de alarme que recebi. Além disso, o crente ao qual o irmão Nee se referia não era um cristão comum, sim alguém que buscava muito ao Senhor e o seguia; não obstante, esta pessoa mentia. Desde então, me tenho encontrado com dificuldades, uma após outra, as quais têm causado uma grande perturbação em meu ser.

O ESTUDO DA NATUREZA HUMANA

Durante os últimos sessenta anos venho observando a humanidade dos cristãos. A humanidade, ou seja, a natureza humana, a que me refiro não é a de uma pessoa comum, mais a de um servo do Senhor. Refiro-me a humanidade daqueles entre nós que buscam fervorosamente ao Senhor, que tem renunciado o mundo e que amam intensamente ao Senhor.

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A natureza humana constitui um tema muito amplo e profundo. Até onde eu sei, o Novo Testamento é o livro que fala mais apropriadamente do assunto. E no Novo Testamento, a pessoa que mais toca o tema é Paulo. Nas epístolas de Paulo, encontramos muitas passagens que falam acerca da natureza humana.

Aparte disto, em diversos países do mundo encontramos filosofias que estudam a natureza do homem. Os confucionistas chineses são estimados como aqueles que têm realizado os melhores e mais profundos estudos sobre a natureza humana. O ensinamento de Confúcio é muito elevado porque gira em torno da ética. Poderíamos considerar que a ética constitui o estudo principal da natureza humana. A ética estuda as relações humanas, tais como as existentes entre pais e filhos, irmãos, irmãs e amigos. O confucionismo coincide muito com a Bíblia no que diz respeito a ética. A única diferença é que quando a Bíblia fala da ética, o faz em relação com a vida divina; enquanto que a ética dos confucionistas não tem nada que ver com Deus, sim com o viver da natureza humana. Não há nada de divindade nela. Portanto, a diferença entre ambos é enorme.

O HOMEM FOI CRIADO EM CONFORMIDADE COM O QUE DEUS É: LUZ, AMOR, SANTIDADE E JUSTIÇA

O homem foi criado por Deus. Mais ainda, o homem foi criado à imagem de Deus (Gn 1:26), ou seja, em conformidade com o que Deus é. Segundo a Bíblia, os Dez Mandamentos são uma descrição de Deus. Toda lei constitui uma descrição de quem a formula. Os Dez Mandamentos são leis promulgadas por Deus mesmo e podem resumir-se em quatro palavras: luz, amor, santidade e justiça. Estas constituem a essência e natureza dos Dez Mandamentos; também representam o que é a imagem de Deus.

A lei no Antigo Testamento constitui um testemunho e uma descrição. Quando o homem foi criado, foi criado em conformidade com o que Deus é em todos estes aspectos. Deus é luz; portanto, o homem que Ele criou, é também luz. Apesar de termo-nos degradado e corrompido, todavia anelamos a luz. Até um ladrão aspira a certas coisas que são honestas e retas. Se roubava banco, ele não quer que outros façam o mesmo. Isto demonstra que a luz é um elemento que forma parte de sua natureza humana. Em nossa natureza humana também se acha presente o amor. Quando éramos meninos aprendemos a amar a nossos irmãos e irmãs. Todos podem amar, e todos aspiramos amar. Este amor foi criado por Deus. Mais isto não é tudo. O que Deus é, inclui além disso, santidade e justiça. No idioma chinês se usa expressões que significam “resplendor e retidão”, assim como “santidade e justiça supremas”, para descrever a natureza humana. Todas estas se manifestam no homem que Deus criou em conformidade com o que Ele é.

A HUMANIDADE DE QUEM SERVE AO SENHOR É SEMELHANTE A DEUS POR MEIO DA DIVINDADE

Os confucionistas dizem que “o caminho da aprendizagem suprema consiste no desenvolvi-mento da virtude luminosa”. Segundo eles, tal virtude luminosa é a fonte de nossa bondade. Isto se refere à função de nossa consciência. Wang Yang-Ming, um filósofo da escola “Li-shue” da época da dinastia Ming, ampliou o ensinamento acerca “da virtude luminosa” a chamá-la “a função da consciência”. Desenvolver e cultivar a função da consciência equivale a desenvolver a virtude luminosa. Estas filosofias são boas, mais apenas no sentido estritamente humano, já que nenhum poder externo é acrescentado a elas. Por exemplo, uma pessoa pode empurrar um bonde com suas próprias forças; mais se aplicarmos a eletricidade, o bonde se moverá de uma maneira suave, pois seria impulsioado pela eletricidade.

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Depois de haver estudado muito, temos que concordar com o que diz Paulo: “Porque querer fazer o bem está em mim, mais não o realizá-lo” (Rm 7:18b). Todos entendemos bem que uma coisa é saber algo, e outra muito distinta é leva-lo a cabo. Em João 3 encontramos um relato acerca de um fariseu chamado Nicodemos, quem chamou o Senhor de Rabi e lhe disse: “Rabi, sabemos que és vindo de Deus como mestre” (v. 2). Provavelmente, Nicodemos pensava que o que ele necessitava era de melhores ensinamentos que lhe permitissem superar-se. Mais o Senhor lhe respondeu: “O que não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus” (v. 3). Era como se o Senhor estivesse dizendo a Nicodemos que o homem, depois de ser criado, só tinha a imagem de Deus, mais não a vida de Deus nem o poder para fazer o bem. Portanto, Nicodemos necessitava nascer de novo, isto é, necessitava nascer da água e do Espírito para poder entrar no reino de Deus (v. 5b). Entretanto, como Nicodemos ainda assim não entendia, o Senhor teve que dizer-lhe de novo: “E do modo por que Moisés levantou a serpente no deserto, assim importa que o Filho do Homem seja levantado, para que todo o que nele crê tenha a vida eterna.” (vs. 14-15). Quando o Filho do Homem foi crucificado para levar nossos pecados a cruz e removê-los, nós fomos regenerados e recebemos a vida eterna. O mesmo Deus que entrou em nosso ser e se mesclou conosco, é o que produziu todas as virtudes humanas.

A verdadeira humanidade de um cristão não só incluem os atributos divinos que enchem seu ser, mais também aqueles atributos que lhe foram dados na criação. Quando o homem foi criado, somente possuia a imagem dos atributos divinos, mais não tinha o conteúdo nem a realidade de tais atributos. É por isso que devemos receber o Deus da criação em nosso ser para que Ele venha ser nosso conteúdo. Quando Ele nos enche, podemos verdadeiramente amá-lo. Em tal caso, não por nós mesmos, mas vivemos Nele; este viver resulta da divindade e se expressa por meio de nossa humanidade. Esta é a humanidade que é própria de um cristão.

Entretanto, muitas vezes nem nós nem outros crentes expressamos a devida humanidade em nosso viver. Pelo contrário, às vezes manifestamos uma degradação muito profunda, e isto me tem tirado o sono. A resposta que tenho encontrado se mostra no exemplo de um enxerto. Depois que um ramo é enxertado em uma árvore, a árvore continua produzindo os mesmos frutos de antes; só os frutos produzidos pelo ramo enxertado são os frutos desejados. Se não há divindade em nossa humanidade, o único que expressaremos em nosso viver será nossa velhice. Portanto, é necessário entender que como cristãos não vivemos conforme uma só classe de atributos; mais, devemos viver conforme uma vida “dupla”, que consta de duas classes de atributos. Tanto os atributos divinos como os atributos humanos devem estar presentes. Só isto nos garantirá que possuimos a humanidade apropriada.

No Novo Testamento, Paulo disse: “Já não vivo eu, mas vive Cristo em mim” (Gl 2:20). É certo que Cristo vive hoje, mais devemos estar conscientes de que Ele vive em nós. Ele vive e se expressa desde nosso interior. Isto é o que o Evangelho de Lucas nos revela. Os atributos divinos de Deus se expressam por meio das virtudes humanas do homem. A natureza divina se mescla com a natureza humana. A natureza divina é a fonte e o conteúdo, e a natureza humana é a expressão e a forma. A isto nos referimos quando falamos de humanidade. Também podemos chamá-la moralidadee ou virtude. Referimos-nos, pois, a certo caráter que é próprio de um cristão e que todo servo do Senhor deveria ter.

A HUMANIDADE DE QUEM SERVE AO SENHOR É HUMANA: POR MEIO DA NATUREZA HUMANA APROPRIADA

Ser humano consiste em conduzir-se apropriadamente como um homem; equivale possuir a ética moral apropriada. A humanidade de quem serve ao Senhor deve: 1) proceder de Deus e 2) ser completamente humana, ou seja, deve possuir um autêntico sabor humano. Se não possui

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sabor humano, no melhor dos casos seria semelhante a um anjo, e no pior dos casos seria semelhante a um demônio. Se quisermos servir ao Senhor, não devemos ser nem como anjo nem como demônio, mais devemos ser humanos, ou seja, devemos ser como homens. Se saimos para pregar o evangelho nas casas e causamos nas pessoas a impressão de que somos como anjo, temo que ninguém se atreverá aproximar-se de nós. Portanto, devemos ser humanos. Isto também forma parte de nossa humanidade.

PARA SERVIR O SENHOR É NECESSÁRIO POSSUIR VIRTUDES EXCELENTES

A moralidade mais sublime é aquela na qual a divindade se adiciona a nossa humanidade; consiste em que os atributos divinos de Deus se expressem nas virtudes humanas com as quais foi criado o homem. Tal moralidade é também a virtude mais excelente. Segundo nosso entendimento da Bíblia e conforme a nossa própria experiência, existem 7 aspectos relacionados com estas virtudes excelentes:

Amor extraordinário

O primeiro aspecto destas virtudes excelentes é o amor. Este amor é extraordinário, já que podemos amar, inclusive, a nossos inimigos (Mt 5:44).

Compreensão ilimitada

Ser compreensivo implica perdoar. Para perdoar é requerido que nosso coração seja amplo, sem limite algum. Uma pessoa com um coração estreito não pode perdoar. Portanto, é requerida uma compreensão ilimitada. Devemos ser compreensivos ao ponto de poder perdoar aos nossos inimigos que nos odiam.

Por experiência temos aprendido que é mais fácil amar nossos inimigos que perdoa-los. Em certas ocasiões, encontramos que, podemos amar a outros mais não perdoa-los. Por exemplo, é possível que eu o ame, mais talvez não seja capaz de esquecer que você me ofendeu. Pelo fato de amá-lo e que você é meu inimigo, posso até presente-á-lo com uma Bíblia; entretanto, me é muito difícil esquecer a ofensa que você me causou. Assim pois, não é fácil perdoar. Por esta razão, o Senhor estabeleceu nos Evangelhos um bom exemplo para nós. Ainda que as pessoas o injuriavam incessantemente enquanto esteve na terra, a última coisa que Ele fez antes de morrer foi orar pelo homem, dizendo: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem” (Lc 23:34a). Isto é o que significa compreensão ilimitada.

Fidelidade incomparável

Ao relacionarmos com os demais devemos ser consistentes e fiéis. Não deveríamos trair os outros nem ao Senhor. Tem que haver uma fidelidade incomparável.

Humildade absoluta

Nossa humildade deve ser absoluta. Não somente devemos ser humildes, mais também estar humilhados. Ser humildes implica uma atitude de indignidade, mais estar humilhado implica que somos pequenos. Para servir ao Senhor requerer-se humildade absoluta.

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Suma pureza

Não somente devemos estar limpos, mais além disso, devemos ser puros. E devemos ser puros ao máximo.

Santidade e justiça supremas

Com respeito a Deus, devemos ser santos ao máximo, e com relação ao homem devemos ser justos ao máximo. Em relação a Deus, devemos estar completamente separados para Ele; e com respeito ao homem, em tudo devemos conduzir-nos apropriadamente, sem falta alguma. Nisto consiste a santidade e justiça supremas.

Resplendor e retidão

O primeiro aspecto é o amor, e o último, a luz. O resplendor a que nos referimos aqui é muito distinto do que se fala no mundo. Nós nos referimos à luz, pelo fato de que temos que andar na luz. Tudo o que façamos deve ser feito na luz e não deve estar em trevas. Temos que ser completamente retos e honestos, e não devemos ser estreitos em nossa maneira de pensar nem de nenhum modo ser desconfiado.

Estes sete aspectos em seu conjunto formam a humanidade apropriada do servo do Senhor.

Em conclusão, a humanidade do cristão consiste em levar uma vida na qual se mesclam os atributos divinos e a moralidade humana com que fomos criados. Que o Senhor nos guarde para que lhe sirvamos pelo resto de nossos dias, sem olharmos para atrás nem desviar-nos. Que todos expressemos em nosso viver a humanidade apropriada de alguém que serve ao Senhor. Que o Senhor tenha misericórdia de todos nós.

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CAPÍTULO 4

A HUMANIDADE DE QUEM SERVE AO SENHOR (2)

Leitura bíblica: Fl 3:9, 4:8, 9, 11-13

Oração: Senhor Jesus, te amamos e apreciamos Tua palavra. Leva-nos a aprofundar em Tua palavra. Pedimos-te que nela possamos encontrar-Te, tocar-Te, desfrutar-Te e ganhar-Te. Pedimos-Te novamente esteja conosco na reunião desta manhã. Oramos para que abras Teu ser a nós a fim de que cada dia possamos receber o que Tu queres que aprendamos. Queremos ser como Paulo, quem disse que havia aprendido o segredo. Oh Senhor, lembra-Te de nós e também destes irmãos e irmãs jovens, para que eles aprendam este segredo desde sua juventude, o qual consiste em poder fazer tudo Naquele que nos reveste de poder. Pedimos que se expressem em nosso viver tudo o que se acha escrito em Filipenses 4. Oh Senhor, edifica-nos! Molda nosso caráter e nossa humanidade, de modo que estes sejas Tu mesmo. Oramos para que Teu sangue nos limpe e nos cubra novamente. Amém!

UMA EXPLICAÇÃO DA EXPRESSÃO “HUMANIDADE”

Precisamos examinar novamente a humanidade de quem serve ao Senhor. A palavra chinesa ren-ke, que temos traduzido como humanidade, é uma palavra difícil de explicar. As definições variam segundo os dicionários que se consulte; existem distintas definições para esta palavra. Até onde eu sei, inclusive existe uma definição jurídica da palavra, na qual se refere à posição e direitos de um ser humano. Em termos jurídicos, perder nosso ren-ke, a nossa humanidade, significa perder a posição e direitos que nos pertenecem como seres humanos. Por isso é um assunto muito sério.

De acordo com o que tenho experimentado e observado, a humanidade de uma pessoa refere-se a tudo o que ela é. O que a pessoa é intrinsecamente, finalmente toma uma forma na qual se expressa diante dos homens. Não é fácil encontrar um equivalente em português para a palavra ren-ke. Talvez a palavra que mais se aproxima em significado seja a palavra personalidade. Entretanto, personalidade só se refere ao caráter de uma pessoa. Isto difere um pouco do que uma pessoa é. Humanidade da ênfase a expressão externa, enquanto que “personalidade” reforça a natureza interna. Geralmente, o que uma pessoa é interiormente, se expressa exteriormente de certa maneira ou de certa forma. Portanto, estes dois aspectos estão muito ligados. Um é interno, e o outro é externo. Com respeito ao interno, falamos de personalidade, e com respeito ao externo, falamos de humanidade.

A HUMANIDADE DE QUEM SERVE AO SENHOR E A EXPERIÊNCIA DE SER ACHADO EM CRISTO

Filipenses 3:9 diz: “e ser achado Nele, não tendo como minha justiça a que vem da Lei”. A Versão União do idioma chinês traduz a primeira parte deste versículo: “E estar não”. Entretanto, há uma grande diferença entre ser achados Nele e estar Nele. “Estar Nele” não tem nada que ver com nossa humanidade; só comunica o fato e a esperança de estar Nele. A tradução correta é: “ser achado Nele”. “Ser achado Nele” sim, tem relação com nossa humanidade.

Nossa humanidade deve ser Cristo mesmo. Cristo deve ser minha forma humana. Os demais devem ver certa forma em mim, e esta forma é Cristo. Cristo deve ser minha humanidade.

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Em Filipenses 1 Paulo diz: “Como sempre, agora também será magnificado Cristo em meu corpo, seja na vida seja na morte” (v. 20b). Para Paulo não lhe preocupava viver ou morrer. Ele sempre magnificava Cristo em seu corpo. O fato de magnificar implica uma forma. Poderíamos comparar esta forma com os quadrados do caderno de caligrafia nos quais escrivíamos os caracteres chineses quando éramos jovens. A professora escrevia nos primeiros quadrados da página os caracteres que serviam de modelo, e logo, os estudantes deviam copiar esses caracteres dentro dos outros quadrados. Ali havia uma forma; os estudantes não podiam escrever como quisessem. Hoje em dia, nós também temos um quadrado ao nosso redor, o qual é Cristo.

ESTAR EM CRISTO É MAGNIFICAR CRISTO

A humanidade a que nos referimos não é a mesma que ensinam os confucionistas. Tanto eles como nós falamos do que é a humanidade do homem, mais ao que nós nos referimos difere deles em elemento e natureza. A natureza humana dos confucionistas no máximo é de bronze, mais a nossa é de ouro. Tomemos como exemplo um relógio. Talvez todos tenham um relógio, mais seu relógio é de bronze ou aço e o meu é de ouro. Sem dúvida, todos são relógios, mais nem todos são iguais. A diferença está em sua natureza e elemento. É importante que vejamos isto.

Quando falamos da humanidade dos cristãos não nos referimos a nossas virtudes naturais, mais ao Cristo que vive em nós e se expressa por meio de nós. Segundo Filipenses, somos pessoas que estão em Cristo. Quando fomos salvos, fomos transferidos de Adão a Cristo. Segundo a parábola do semeador em Mateus 13, o Senhor se semeou em nós. Entretanto, em 1 Corintios 3 se apresenta nossa salvação como uma semeadura (v. 6); nós fomos semeados em Cristo. Por um lado, Cristo cresce em nós, e nosso coração é o terreno onde Cristo pode crescer. Por outra, estamos em Cristo Jesus, pois Deus nos pois Nele (1:30); Deus mesmo nos transferiu de Adão para Cristo. Hoje estamos em Cristo; esta é nossa posição. Entretanto, é necessário alcançar uma condição na qual sejamos achados em Cristo. Ainda mais, Cristo deve ser magnificado em nosso corpo, seja pela vida ou pela morte. Esta é a humanidade apropriada dos cristãos.

A VELHA CRIAÇÃO FAZ COM QUE NOSSA HUMANIDADE SEJA INAPROPRIADA

Nos últimos sessenta anos, tenho visto acontecer muitas coisas. Nos primeiros trinta anos, presenciei tudo o que sucedeu ao irmão Nee, e nos trinta anos seguintes, eu mesmo o experimentei. Ambos nos demos conta de que, ainda que alguns cristãos amam ao Senhor e se tornaram mais tarde até cooperadores e presbíteros, depois de certo tempo mudaram e sua humanidade chegou a ser um problema. Era evidente a falta de amor, de perdão e de fidelidade; tampouco havia humildade nem pureza. Em vez disso, havia mentiras. Isto é um fato inegável. Faz mais de vinte anos um cooperador me escreveu, em um tom muito positivo, uma carta cheia de palavras bondosas. Mais depois de três dias alguém me enviou de Manila, a cópia de uma carta escrita pelo mesmo irmão, cujo conteúdo era totalmente negativo. Que o sangue do Senhor me cubra por dizer isto. Isto tem deixado uma profunda impressão em mim e ao mesmo tempo, me tem sido de grande ajuda.

Em 1962 cheguei aos Estados Unidos e, durante os primeiros dois anos as mensagens que dei tratavam da transformação. A transformação é uma espécie de metabolismo. Quando alguma coisa é acrescentada a outro elemento, a substância desta mescla é transformada. Antes de ser salvos, só melhorávamos nossa conduta. Mais ao ser salvos foi acrescentado a nós o elemento químico celestial, que é o Senhor Jesus mesmo. A partir desse momento, possuímos outro elemento em nós, e gradualmente começamos a ser transformados.

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Agora estamos em Cristo, e estamos sendo transformados a fim de serem pessoas achadas Nele. Isto corresponde à experiência de Paulo: em 2 Corintios 12 ele disse que era simplemente um homem em Cristo (v. 2), enquanto que em Filipenses 3 disse que queria ser achado em Cristo (v. 9). Quando fomos salvos, a graça e a misericórdia do Senhor nos capacitaram para que nos consagrássemos completamente a Ele e o amássemos de uma maneira pura. Naquele momento, certamente estávamos em Cristo, o expressávamos em nosso viver e outros nos achavam Nele. Mais depois de muitos anos, fomos perturbados pelo desejo de obter uma posição, por interesses pessoais e por outros fatores; e como resultado deixamos de viver em Cristo e deixamos de magnificá-lo.

É necessário ver que é só quando o Senhor regressar e nossos corpos sejam redimidos que seremos totalmente liberados da velha criação. Mais até que isso suceda, parte de nosso ser todavia estará na velha criação. Essa parte de nós que ainda está na velha criação, é a que prejudica nossa humanidade.

O RAMO SUPERIOR É ENXERTADO NA ÁRVORE POBRE, E ESTE PRODUZ DUAS CLASSES DE FRUTO

Como vemos na Bíblia, o enxerto se efetua ao unir um ramo de qualidade superior a uma árvore pobre: Cristo é o Ramo superior, e nós somos a árvore pobre. A árvore pobre só cresce até o ponto onde ocorreu o enxerto; logo, opera o elemento do Ramo superior; como resultado, tudo o que produz o Ramo superior é bom. Entretanto, tudo o que produz os outros ramos da árvore continua sendo de qualidade inferior.

Podemos ilustrar isto na vida matrimonial. Suponhamos que o esposo se levanta de madrugada para ter comunhão com o Senhor, orar e a ler a Bíblia. Poderíamos dizer que ele está produzindo bons frutos. Mais chega na hora de tomar o café. Logo, nota que sua esposa está incomodada com ele e que a expressão de seu rosto mudou. Esta situação faz que o esposo perca o que ganhou durante seu avivamento matutino, e que agora ele também comece a falar com um semblante decaído. Cinco minutos antes se achava nos céus, mais agora caiu por terra. Este tipo de experiência nos ocorre muito corriqueiramente.

Devemos nos dar conta de que as duas árvores do jardim do Eden estão agora em nós. Uma é a árvore da vida, e a outra e a árvore do conhecimento do bem e do mal. Enquanto o esposo toca o Senhor pela manhã e é avivado, ele come da árvore da vida. Mais na hora do café, quando se irrita com sua esposa, se reverte da árvore da vida para árvore do conhecimento do bem e do mal. Suponhamos que enquanto o esposo almoça na oficina, se tranquiliza e reflete sobre o ocorrido. Nesse momento começa a lamentar-se pela maneira como se dirigiu a sua esposa, e decide não fazer o mesmo na próxima vez; determina ser paciente e não se irritar mais. Isto não descreve nem o aspecto maligno da árvore do conhecimiento do bem e do mal nem tampouco a árvore da vida; o esposo simplesmente está tratando de melhorar-se a si mesmo segundo o aspecto bom da árvore do conhecimento do bem e do mal. Tudo isto descreve nossa verdadeira condição.

Portanto, se desejamos ter uma humanidade apropriada, devemos permitir que o Ramo superior, que é Cristo, seja enxertado em nós, a árvore pobre, a fim de que possamos crescer e produzir bons frutos por meio do ramo enxertado.

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EXEMPLOS NO NOVO TESTAMENTO

Demas ama este século e abandona Paulo

Em 2 Timóteo 4, Paulo menciona os nomes dois irmãos. O nome do primeiro é Demas. Paulo disse: “Demas me abandonou, amando este século, e indo a Tessalônica” (v. 10). Demas era um colaborador de Paulo. Paulo jamais escolheria um cooperador apressadamente. Mais Ainda que Demas tenha sido selecionado para ser um cooperador, ele mudou depois. Cremos que esta mudança deveu-se as circunstâncias de Paulo. Em princípio, Demas também havia amado o Senhor e se consagrado a Ele. Ele havia trabalhado com Paulo e era como a árvore pobre que produzia bons frutos. Mais depois de ver como Paulo foi atacado, preso e enviado a Roma, e mais tarde julgado pelo César e encarcerado por dois anos sem nenhuma libertação, ele não pode suportar esta lastimosa situação e começou a amar o presente século. Agora, ele era uma árvore pobre que voltava a produzir frutos de baixa qualidade. Ele se deixou afetar pelas circunstâncias externas.

Alexandre causa muitos males a Paulo

Além de Demas, se menciona outro nome, Alexandre. Paulo escreveu em 2 Timóteo 4: “Alexandre ... causou-me muitos males” (v. 14). O fato de que ele ter causado muitos males a Paulo, comprova que tinha certo vínculo com Paulo. Se Alexandre nunca houvesse conhecido Paulo nem se relacionado com ele, não poderia te-lo perseguido. Por exemplo, se duas pessoas nunca chegaram a casar-se, jamais teriam oportunidade de divorciar-se. O marido e sua esposa têm a possibilidade de divorciar-se pelo fato de estarem casados. Portanto, é possível que Alexandre fosse salvo, ou seja, que tenha sido um irmão, e que ainda assim houvesse causado muitos males ao servo do Senhor. Não só temos estas coisas na Bíblia, mais que eu mesmo tenho visto suceder coisas entre os irmãos, semelhantemente.

Hoje todos vocês estão sendo treinados no centro de treinamento de tempo integral. Diariamente vocês exercitam seu espírito e levam uma vida celestial. Mais se um irmão ou irmã chegar a ofender-lhe e acusar injustamente, abandonaria você o treinamento? Temos que nos dar conta de que a natureza corrupta da velha criação ainda permanece dentro de nós, e que ainda não temos sido totalmente libertados dela. Isto é semelhante a uma borboleta bonita, a qual anteriormente era uma lagarta peluda. Essa mariposa jamais voltará a ter os desagradáveis movimentos de uma lagarta. Entretanto, enquanto seguimos sendo uma lagarta peluda, seguiremos vendo seus movimentos feios. Todos estes exemplos nos advertem que a velha criação ainda está em nós. Por conseguinte, se não estamos em Cristo, estaremos na velha criação, e isto fará que tenhamos problemas relacionados com nossa humanidade.

DEUS REGULA O HOMEM POR MEIO DA AUTORIDADE DELEGADA E DA CONSCIÊNCIA

É importante nos dar conta de que a velha criação e a vida natural, as quais estão em nós, são capazes de qualquer coisa. Se não houvesse leis em nosso país, poderíamos inclusive chegar a roubar bancos. Hoje Deus em Sua soberania estabelece as nações e os governantes da terra. Romanos 13 diz: “Todo homem esteja sujeito às autoridades superiores; porque não há autoridade que não proceda de Deus; e as autoridades que existem foram por ele instituídas.” (v. 1). As autoridades governam a fim de que Deus preserve a situação mundial em ordem. Se não houvesse tribunais, governos ou delegacias de polícia na terra, não poderíamos viver nem trabalhar sossegadamente.

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Além disso, Deus criou o homem com uma consciência. A consciência controla nosso andar e nossa conduta. E tem mais, nós que temos sido salvos, temos Deus em nossa consciência. A consciência constitui uma parte de nosso espírito humano. Posto que Deus vive em nosso espírito, Ele vive em nossa consciência. Não obstante, Deus não nos rege pela força, mais que em lugar disso nos atrai com Seu amor. Podemos observar isto na pergunta que o Senhor fez a Pedro: “Me amas?”, ao que Pedro respondeu: “Sim, Senhor, Tu sabes que te amo”. Depois, o Senhor lhe disse: “Pastoreia as Minhas ovelhas” (Jo 21:16). Isto mostra como Ele nos atrai com Seu amor. Se não amamos ao Senhor, perdemos a restrição que nos impõe este tipo de atração e somos capazes de fazer qualquer coisa.

NOSSO AMOR PELO SENHOR SALVAGUARDA NOSSA HUMANIDADE

Se um cristão deseja servir ao Senhor, deve possuir a humanidade de um servo do Senhor. Não devemos esperar a ser regulados pelo governo, por um tribunal de justiça ou por um agente de polícia. Tampouco devemos ser regidos somente por nossa consciência. A devida humanidade se obtém ao amar a Deus. Fomos plantados Nele, e agora estamos dispostos a viver Nele e que outros possam achar-nos Nele. Além disso, o que expressamos em nosso viver é simplemente Cristo mesmo. Deste modo permitimos que Cristo seja sempre magnificado em nosso corpo. Sem importar quais sejam nossas circunstâncias — sejam de pobreza, riqueza, sofrimento, desfrute, paz, perigo ou inclusive de morte—, sempre lhe magnificamos. É assim como Ele mesmo chega a ser nossa humanidade.

Entretanto, é possível perder tal humanidade elevada. Ou seja, podemos degenerar-nos ao ponto em que nossa humanidade já não seja nobre sim baixa, de modo que abandonemos nossa posição e direitos como homens. É possível que os cristãos cheguem a degradar-se a tal ponto. Isto foi o que aconteceu com Alexandre; ele não tinha a humanidade apropriada. Inclusive, foi capaz de causar muitos males a um servo que amava e servia ao Senhor. Assim também, Demas amou o presente século e abandonou a Paulo.

Hoje em dia, devemos ser pessoas que estão dispostas a permanecer em Cristo e a ser achados Nele. Deste modo, poderemos fazer tudo Naquele que nos reveste de poder (Fl 4:13). As seis virtudes mencionadas em Filipenses 4:8 — tudo o que é verdadeiro, tudo o que é respeitável, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama—, são difíceis de alcançar do ponto de vista humano. Mais nós podemos tudo Naquele que nos reveste de poder. Deste modo, podemos ter um viver piedoso e uma humanidade apropriada, o qual é simplesmente Cristo quem se manifiesta em nossos corpos e se expressa por meio de nosso viver.

Por conseguinte, não devemos pensar que pelo fato de sermos cristãos nossa humanidade está salvaguardada. Nossa humanidade estará salvaguardada sempre e quando amamos ao Senhor e nos consagremos a Ele. Para isso, a nova maneira nos está ajudando a ser reavivados cada manhã e vencer cada dia. Um viver assim nos manterá na condição apropriada. De outro modo, nos será impossível expressar em nosso viver uma humanidade que seja normal e apropriada.

Em fevereiro deste ano visitei as igrejas próximas de San Francisco. Um irmão dali perguntou-me — Se alguém que leva tantos anos no Senhor e que trabalha em um campo tão vasto e leva uma carga tão pesada na obra—, alguma vez poderia ter problemas? Respondi-lhe que certamente tem e terá muitos problemas. Então este irmão me perguntou se eu sentia paz interiormente. Respondi-lhe que ainda que os problemas sejam numerosos, a paz é ainda maior. Isto se deve porque a obra não é minha, sim do Senhor. Podemos dizer o mesmo com respeito à pregação do evangelho. O fato de que as pessoas sejam salvas ou não, depende do Senhor.

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Nosso dever é simplemente pregar o evangelho. Se outros o aceitam, receberão a graça; mais se o desprezam, não obterão a graça. Quanto a mim, isto não me perturba em absoluto. Isto é algo que todos necessitamos saber.

PERMANECER FIRMES EM CRISTO E NÃO TEMER AS ONDAS

É preciso ver que primeiro devemos equipar-nos de tal humanidade; só então estaremos aptos para servir ao Senhor. Uma vez que perdamos tal humanidade, perderemos a posição e o direito de servir ao Senhor. Em segundo lugar, sei que vocês são jovens, e que levo uma vantagem de pelo menos sessenta anos. Eu conheço muito bem este caminho, mais a vocês, todavia lhes falta um longo caminho por percorrer. Ao largo do caminho se encontram muitas dificuldades. “Deus não nos tem prometido que sempre teremos um céu azul, nem que sempre haverá flores a beira do caminho de nossas vidas” (C-55). Por isso vocês devem, pela graça, permanecer firmes em Cristo agarrando-O e tomando Sua humanidade. Assim que, quando verem uma tormenta, não deem ouvido aos rumores nem se deixem afetar por aqueles que tenham mudado. Não tratem de averiguar a causa. Quando um homem muda, simplemente muda, e isso é tudo. Temos que pedir hoje ao Senhor Sua misericórdia para que nos guarde de mudar e nos preserve até o fim.

Marcos 4 narra que o Senhor estava com Seus discípulos no barco enquanto passavam para o outro lado do mar. De repente se levantou uma grande tempestade de vento, e as ondas invadiram o barco de tal maneira que o barco estava inundando. Os discípulos se encontravam muito atemorizados, mais Jesus dormia na popa, recostado sobre o travesseiro (vs. 37-38). A popa de um barco pequeno é a parte que se agita com mais facilidade. Mais apesar daquele movimento forte, o Senhor podia dormir com tranquilidade.

Que o sangue do Senhor me cubra, mais devo testificar que hoje tenho a mesma sensação. Ainda que venham vendavais, posso dormir na popa. Espero que vocês também experimentem o mesmo. Devem saber que ainda em uma viagem tão curta como cruzar o mar de Galilea, haverá frequentes vendavais e se levantarão altas ondas.

Paulo disse em 2 Timóteo 1 que todos os que estavam na Asia o haviam abandonado (v. 15). No capítulo quatro vemos que também Demas o havia abandonado (v. 10), e que Alexandre lhe havia causado muitos males (v. 14). Parece que não havia nada que fosse um com Paulo. Mais graças ao Senhor, Timóteo, todavia era um com Paulo, e é por isso que em 2 Timóteo Paulo não mostrava sinais de desânimo; mais, entoava uma canção de vitória. Ele disse: “Combati o bom combate, completei a carreira, guardei a fé. Já agora a coroa da justiça me está guardada, a qual o Senhor, reto juiz, me dará naquele Dia; e não somente a mim, mas também a todos quantos amam a sua vinda.” (4:7-8). Se amarmos Sua manifestação, seremos preservados na esfera onde Cristo é nossa humanidade. Assim, quando Ele regressar, certamente seremos recompensados.

(Mensagem dada pelo irmão Witness Lee em Taipé, o 16 de março de 1989)

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CAPITULO 5

O PODER DA RESSURREIÇÃO E O SER CONFORMADO A CRUZ

Leitura bíblica: Fl 1:19; 2:12-16; 3:9-10; 4:8, 12-13

Nesta mensagem examinaremos especificamente o poder da ressurreição e o ser conformados a cruz. Todos sabem que Filipenses é um livro que trata especificamente de como experimentar Cristo; como tal, é um livro de experiência. Ainda que as verdades contidas nele tenham um caráter profundo, são apresentadas a nós no contexto da experiência. Este livro consta de quatro capítulos, e na leitura bíblica temos alguns versículos em cada um deles. Tais versículos representam a essência do livro. Uma vez que temos aprofundado neles, podemos afirmar que conhecemos o livro de Filipenses.

MAGNIFICAR A CRISTO POR MEIO DO ESPIRITO TODO-INCLUSIVO

Filipenses 1:19 diz: “Porque sei que disto me resultará salvação, pela vossa oração e pelo socorro do Espírito de Jesus Cristo”. Aqui a palavra salvação não se refere ao fato de ser livrados do castigo de Deus ou da perdição futura, como é dito nos versículos 20 e 21. Devemos ser salvos ao ponto de que seja “magnificado Cristo em meu corpo, seja na vida seja na morte”. Assim, pois, a salvação revelada em Filipenses não consiste somente em expressar a Cristo em nosso viver, mas também em magnifica-Lo em nosso corpo.

Cristo, como homem, passou pelas experiências de encarnação e viver humano, e finalmente foi crucificado. Aos olhos humanos, todos estes processos são muito insignificantes. Inclusive hoje em dia, ainda que se pregue o evangelho em todo o mundo, o sentimento do homem a respeito não tem mudado. Quando Paulo escreveu o livro de Filipenses, ele se achava encarcerado em Roma (Fl 1:13) durante o reinado do César romano. As pessoas desde então, especialmente os da casa de César, não tinham um alto conceito de Jesus. Mais Paulo, quem sofria muito e experimentava muitas dificuldades como prisioneiro, ao ponto de ser executado a qualquer momento, teve a oportunidade de experimentar a Cristo e de magnifica-Lo diante de César e de todos os que o rodeavam, seja na vida seja na morte. Como resultado de Paulo ter magnificado a Cristo, alguns membros da casa de César creram em Cristo e foram salvos.

Se Paulo não houvesse magnificado a Cristo enquanto era interrogado e acusado na prisão, isso significaria que ele não haveria sido salvo naquela circunstância. Não é nada fácil ser salvo em uma atmosfera semelhante à de um cárcere; isto é algo que ninguém pode conseguir por sua própria conta. Como podemos então ser salvos? Só mediante a abundante provisão do Espírito de Jesus Cristo podemos magnificar a Cristo, seja na vida seja na morte.

Na história e nas biografías vemos que todos os mártires, antes de morrer, receberam um poder especial do alto. Nunca esquecerei uma história que escutei faz 50 anos. Ao norte da China, onde está minha cidade natal, um dia conheci um irmão que anteriormente havia sido comerciante. Ele havia abandonado sua profissão para converter-se em um evangelista itinerante. Nesse dia perguntei-lhe como havia sido salvo e ele me contou o seguinte:

Ao final da dinastia Ching, teve na China o que se chama a guerra dos bóxers. Oito nações formaram uma expedição militar para guerrear em Pequim. Durante os motins provocados, muitos cristãos foram perseguidos e inclusive morreram por crer no Senhor. Naquela ocasião o

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homem que me falou era um aprendiz em uma escola de Pequim. Certo dia, os bóxers desfilavam pelas ruas enquanto levavam cristãos ao campo de execução; os bóxers gritavam e brandiam suas espadas. Era uma cena aterradora. Todas as casas, incluindo comércio, haviam fechado suas portas. Movido por sua curiosidade, este homem olhou pela fenda da porta, e no meio do desfile viu uma jovem cristã de uns vinte anos de idade, que ia a caminho de sua execução. Ainda que os bóxers que a rodeavam tinham um aspecto feroz, aquela irmã cantava e louvava com regozijo na carroça que a transportava ao campo de execução. Isto não somente produziu assombro naquele homem, mais o comoveu profundamente. Ele determinou fazer um estudo minucioso acerca da religião cristã tão logo terminasse a rebelião, a fim de descobrir de onde vinham as forças aquela jovem. Pouco depois de iniciar sua investigação, creu no Senhor e decidiu deixar o seu negócio para tornar-se num evangelista. Este foi o resultado daquela jovem magnificar a Cristo no dia de sua execução.

Na provincia de Jiangxi, muitos cristãos também morreram durante os tumultos comunistas. Um missionário ocidental foi capturado e, antes de morrer, pronunciou uma frase célebre: “O rosto de todo mártir resplandece como o rosto de um anjo”. Isto nos mostra que o Cristo que se experimenta em Filipenses, nos capacita ao ponto de que podemos morrer como mártires. Sabemos que não há sofrimento mais severo que ser martirizado; não há nada mais difícil que isto. Por esta razão, Paulo disse que mediante a abundante provisão do Espírito de Jesus Cristo ele podia magnificar a Cristo, seja na vida seja na morte.

SUBMETER-NOS A DEUS E TOMAR O CAMINHO ESTREITO DA CRUZ

Em Filipenses 2 Paulo faz alusão, várias vezes, a submissão. Ser submisso é sermos de acordo com o que Deus diz. No coro de um hino do irmão A. B. Simpson diz: “Ao calvário irei”. Isto é o que o Senhor tem disposto e ordenado para nós. Já que o Senhor morreu na cruz, nós também devemos tomar o caminho estreito da cruz. Por um lado, a vida cristã consiste em viver cada dia; e por outro, consiste em morrer cada dia. A vida matrimonial do esposo e a esposa é uma vida de “mártir”. Diariamente a esposa mata o esposo, e o esposo também mata a esposa. Se durante toda sua vida nada o tem matado e se sente orgulhoso disso, você é um cristão derrotado. Como cristão você deve ser “martirizado”, não só ante o César romano, mas inclusive ante seu cônjuge. Em outras palavras, permita que seu cônjuge o mate e acabe com você.

Hoje vocês vivem no centro de treinamento, e cada dormitório é um matadouro. Segundo o Antigo Testamento, sabemos que ao oferecer um holocausto o primeiro passo era matar o animal; logo, havia que esfolar e corta-lo em pedaços; e finalmente, tinha que po-lo sobre o altar para que fosse queimado até converter-se em cinzas. Só então seria aceito o sacrificio e se consideraria consumada a oferta. Tudo o que sobrava do holocausto era um montão de cinzas. Se hoje entro em seus dormitórios e não vejo cinzas, isto mostra que você não tem sido ainda “martirizado”, que não tem sido “imolado” e que não tem sido consumido até converter-se em cinzas. Talvez ainda não tenha tomado o caminho estreito da cruz.

Em Filipenses 2:17 Paulo disse: “E, ainda que seja oferecido por libação sobre o sacrifício e serviço da vossa fé, folgo e me regozijo com todos vós.” Na fé dos filipenses, Paulo lhes acrescentou a libação; e isto com o fim de animá-los ao mostrar-lhes que, ainda que eles passavam por dificuldades e sofrimentos por haverem crido no Senhor, os sofrimentos de Paulo na prisão eram maiores que os deles. Era como se eles fossem o holocausto, e ele a libação que se acrescenta a este. Isto é o que significa ser martirizado. De fato, antes que Paulo fosse martirizado fisicamente, ele já havia experimentado o martírio. Em seu sentir, ele era imolado cada dia, era martirizado diariamente.

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Não obstante, devemos ver que este tipo de martírio é uma salvação. Se vocês em suas casas sempre ganham e nunca são imolados, todos são um fracasso. Mais se continuamente são imolados, ainda que aparentemente estão sendo aniquilados e derrotados, a realidade é que vocês estão sendo salvos.

Na atualidade, a taxa de divórcios nos Estados Unidos é bastante alta. Muitas pessoas tornam a se casar, algumas até duas ou três vezes, e outras inclusive até mais vezes. Temos que nos dar conta de que os cônjuges se separam porque nenhum dos dois quer sacrificar-se. A palavra sacrifício em chinês é muito significativa. Deriva da palavra touro, o qual indica que é um touro, um macho do gado que se usa como sacrificio. Quando se dá morte do animal, o resultado é um sacrificio. Isto descreve o caminho da cruz.

OBEDIENTES ATÉ A MORTE PARA LEVAR A CABO NOSSA SALVAÇÃO

Hoje nossa vida matrimonial, nossa vida familiar e nossa vida de igreja são um “matadouro”. Não só devemos ser salvos mediante a abundante provisão do Espírito de Jesus Cristo, mais também devemos obedecer a Deus e aprender a levar a cabo nossa salvação com temor e tremor. Paulo disse em Filipenses 2:12 “De sorte que, meus amados, assim como sempre obedecestes, não só na minha presença, mas muito mais agora na minha ausência, assim também operai a vossa salvação com temor e tremor”. A palavra “salvação” deste versículo é a mesma que se emprega no capítulo um. Enquanto a frase “também opere”, no idioma original tem o sentido de expressar no viver. Em outras palavras, Paulo tenha a esperança de que os filipenses expressaram a salvação em seu viver diário.

Hoje devemos ver que nosso viver equivale a nossa obra. Ao expressar a salvação em nossa vida diária, estamos levando a cabo nossa salvação. Uma vez que o Senhor Jesus entra em nós, Ele mesmo é nossa salvação; e mais Ele ainda não tem sido expressado em nosso viver como nossa salvação externa. Por exemplo, suponha que enquanto você come no centro de treinamento, uma irmã da mesma mesa lhe diz algo que te fere muito. Talvez você trate de não dar explicações e se esforce por ser paciente enquanto termina de comer. Mais depois da comida, você se vai a um lugar onde ninguém pode vê-la e começa a chorar para desabafar. Depois de chorar, talvez você atue como se nada tivesse acontecido. Isto mostra que você não expressou a salvação em seu viver; em lugar disso, você manifestou sua “hipocrisia”.

Por conseguinte, expressar a salvação em nosso viver, e levar a cabo nossa salvação, é uma obra espiritual muito importante. A.B.Simpson diz em seu hino: “conformado a Sua morte”. Este é o requisito necessário para levar a cabo nossa salvação. Para levar a cabo nossa salvação, temos que ser obedientes até a morte e permanecer na morte. Devemos obedecer em tudo o que o Senhor nos tem designado. Isto é morrer. Se não morremos, não estamos sendo obedientes. Quando se apresente uma situação difícil, devemos dizer: “Louvado seja o Senhor!” Temos que nos dar conta de que isto é o que foi preparado pelo Senhor para nós. Devemos levar a cabo nossa salvação por meio da abundante provisão do Espírito de Jesus Cristo.

Em 2:13 Paulo diz: “porque Deus é o que opera em vós tanto o querer como o efetuar, segundo a sua boa vontade.”. O Deus que se menciona aqui é o mesmo Espírito de Jesus Cristo mencionado no capítulo um. Ele é também o Espírito que nos oferece a abundante provisão e opera em nós para que possamos cumprir Seu beneplácito, o qual consiste em que expressemos a salvação em nossa vida diária. Não somos salvos por meio de nossas obras, sim pelo Espírito que opera dentro de nós. Por meio da abundante provisão de nosso Deus, podemos obedecer ao que Ele nos atribui.

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O que Deus tem disposto para nós hoje e a porção que Ele nos tem designado em todas as circunstâncias, é a morte. Isto é especialmente certo em nossa vida matrimonial, e também no cuidado e na criação de nossos filhos. Quanto mais morrer nosso eu, mais vencemos mais espirituais somos e mais capazes somos em levar a cabo nossa salvação.

FAZER TUDO SEM MURMURAÇÃO E ARGUMENTOS, TOMANDO A PALAVRA DA VIDA

Em Filipenses 2:14 Paulo disse: “Fazei todas as coisas sem murmurações nem contendas”. Ainda que as murmurações e os argumentos sejam duas coisas insignificantes, certamente são dois problemas muito reais. É difícil encontrar uma família que não murmurem nem argumentem entre si. Além disso, temos visto que as murmurações estão relacionadas com a emoção e que provem principalmente das irmãs; os argumentos têm que ver com a mente e provem principalmente dos irmãos. Os problemas que surgem na vida familiar são pequenos e são provocados pelas irmãs com o que dizem. Tão pronto abrem a boca para dizer algo, brotam murmurações. Logo, quando os irmãos respondem, o fazem com argumentos. Talvez a vida que vocês levam no centro de treinamento não seja muito diferente. Mais sempre que murmuremos e argumentemos, não estaremos levando a cabo nossa salvação.

Por isso, Paulo disse nos versículos 15 e 16: “para que sejais irrepreensíveis e sinceros, filhos de Deus inculpáveis no meio duma geração corrompida e perversa, entre a qual resplandeceis como astros no mundo; retendo a palavra da vida, para que, no Dia de Cristo, possa gloriar-me de não ter corrido nem trabalhado em vão.” Nós que temos sido salvos, somos luminares; estamos capacitados para refletir a vida divina de Cristo frutificando e mostrar a outros a palavra de vida. Preservar a palavra da vida de Deus também faz parte de nossa salvação.

Filipenses 1 nos diz que ser salvos é magnificar a Cristo. Segundo o capítulo dois, ser salvos é expressar a salvação em nosso viver e preservar a palavra de vida. Segundo o capítulo três, ser salvos é ser achados em Cristo (v. 9). Se murmurarmos ou argumentarmos, os demais não nos acharam em Cristo. Temos que nos dar conta de que o caminho que Deus tem estabelecido para os cristãos é o caminho da salvação, que é também o caminho de expressar e magnificar Cristo. E a chave para participar em todas estas experiências, é a morte de nosso eu. Quando isto suceder, outros poderam ver que somos pessoas em Cristo. A justiça em nós não será o produto de haver guardado a lei; mais, será a justiça procedente de Deus baseada na fé (v. 9). Isto é ser salvos; isto é também magnificar a Cristo e expressar a salvação em nosso viver.

O PODER DA RESSURREIÇÃO E O SER CONFORMADO A CRUZ

Em Filipenses 3:10 Paulo acrescenta: “para o conhecer, e o poder da sua ressurreição, e a comunhão dos seus sofrimentos, conformando-me com ele na sua morte”. Nesta passagem vemos algo mais quanto ao segredo para experimentar a Cristo. Um dos segredos é o poder da ressurreição, outro, o ser conformados a Sua morte, que equivale a ser conformados a Sua cruz. Na primeira estrofe de Hinos 321 diz: “Se ressurreição anelo, devo a cruz de Cristo amar”. O poder da ressurreição é nossa riqueza. Se você fosse um homem rico, gastaria seu dinheiro com alegria. Ser conformados a cruz é a maneira em que gastamos nossas riquezas. Esta passagem nos descreve a experiência de Paulo. Mostra-nos que se não conhecemos o poder da ressurreição nem vivemos em ressurreição, não há maneira que possamos morrer por nossa própria conta. É o poder da ressurreição que nos sustém até experimentarmos a morte e o que nos conduz pelo caminho da cruz.

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Hoje, o Espírito Santo é a realidade da ressurreição de Cristo. Quando vivemos no Espírito, vivemos na realidade da ressurreição. O Espírito é quem nos sela. Assim, não pensemos que são nossos colegas ou nosso cônjuge os que nos causam problemas. Mais é o Espírito Santo em nós quem nos leva a experimentar a morte do Senhor, a fim de que possamos ser conformados a Sua morte. Portanto, ser conformados a cruz é algo que se experimenta mediante o poder da ressurreição.

É por isso que devemos aprender a exercitar nosso espírito, a experimentar o Espírito e a aceitar a cruz, a qual nos mata. Se não aceitamos a cruz, mais só exercitamos nosso espírito, tal experiência do espírito não será confiável. O verdadeiro exercício do espírito certamente nos levará a morrer e ser crucificados. A cruz e o Espírito Santo operam juntos; o que um faz o outro segue. Por um lado, devemos aceitar a cruz a fim de que o Espírito Santo possa levar-nos; por outro, devemos estar cheios do poder do Espírito Santo a fim de que possamos aceitar a cruz. Os dois se complementam um ao outro. A luz de Filipenses 3:10 vemos que o poder da ressurreição é o Espírito, e que ser conformados a cruz significa morrer. Este é o segredo para que experimentemos a Cristo.

EXPRESSAR EM NOSSO VIVER UMA HUMANIDADE ELEVADA, NAQUELE QUE NOS REVESTE DE PODER

No final da epístola aos Filipenses, Paulo estava pleno de sabedoria e mencionou seis virtudes: “Finalmente, irmãos, tudo o que é verdadeiro, tudo o que é respeitável, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, se alguma virtude há e se algum louvor existe, seja isso o que ocupe o vosso pensamento” (4:8). Estas seis virtudes descrevem a humanidade apropriada de um cristão; não obstante, somente podemos obter estas virtudes por meio da cruz. Por esta razão, Paulo acrescentou: “de tudo e em todas as circunstâncias, já tenho experiência ... tudo posso naquele que me fortalece.” (vs. 12-13). O segredo aqui consiste em experimentar a morte e a ressurreição. Somos conformados a cruz por meio do poder da ressurreição. Nós expressamos a salvação em nosso viver mediante o Deus que opera em nós, e também expressamos em nosso viver a semelhança de Sua morte, ou seja, magnificamos Cristo mediante a abundante provisão do Espírito.

É necessário que vejamos que experimentar Cristo desta maneira é totalmente diferente de cultivar [a virtude luminosa], segundo ensina o confucionismo. Não importa quanto os confucionistas consigam melhorar sua conduta, eles não têm em seu interior o poder da ressur-reição, o qual é o Espírito juntamente com Sua abundante provisão. Os confucionistas somente podem desenvolver sua consciência, a qual possui por natureza; entretanto, isto é bastante limitado. Nós, por nossa parte, obedecemos ao Deus que opera em nosso interior. Nossa consci-ência e sentimento interno são o Espírito mesmo juntamente com Sua abundante provisão. Ao experimentar dia após dia o Espírito, expressamos uma humanidade elevada em nosso viver.

Paulo, em uma epístola tão breve como Filipenses, empregou as mais excelentes e sublimes expressões, a saber: a abundante provisão do Espírito, o Deus que em nós opera, o poder da ressurreição e o Cristo que nos reveste de poder. Estas expressões foram usadas para mostra aos filipenses como experimentar Cristo. Um servo do Senhor deve conhecer bem estas verdades. Ao mesmo tempo, necessitamos ver que esta é a humanidade que nós, que servimos ao Senhor, devemos ter. Nossa humanidade é a expressão da obra que o Deus Triúno realiza em nós. Quanto ao Espírito, é a abundante provisão; quanto ao Pai, é o Deus que opera em nós; Quanto ao Filho, Ele é o que nos reveste de poder. No final, o Deus Triúno chega a ser nosso poder interior em ressurreição, e por meio deste poder, somos conformados a Sua morte.

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O Deus que opera, o Espírito que abastece abundantemente e o Cristo que reveste de poder, trabalham continuamente em mim. No final, o Deus Triúno chega a ser em mim a ressurreição mesmo, e como tal, me prove diariamente o poder da ressurreição. Se viver por este poder, certamente desejarei ser conformado a cruz. Finalmente, expressarei a salvação em meu viver e Cristo será magnificado em mim. Terei a humanidade mais elevada e se achará em mim tudo o que é verdadeiro, tem honra, justo, puro, amável e de bom nome.

Ainda que o livro de Filipenses seja breve, espero que tenham comunhão detalhada acerca dele. Não só devem aprender estas verdades, mais necessitam receber a luz que nelas se revela, de maneira que desde sua juventude vocês possam ir desenvolvendo uma humanidade apropriada e inclusive cheguem a ter a humanidade mais elevada.

(Mensagem dada pelo irmão Witness Lee em Taipé, em 21 de março de 1989)