a verdade sobre nós

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  • AMANDA GRACE

    A verdade sobre ns

    TRADUO DE REGIANE WINARSKI

  • Copyright 2013 by Amanda GraceTodos os direitos reservados.

    TTULO ORIGINALThe Truth About You and Me

    PREPARAOngelo Lessa

    COPIDESQUEMarcela de Oliveira

    REVISOCarolina RodriguesEduardo Carneiro

    ARTE DA CAPAMrcia Quintella

    IMAGEM DE CAPAAleshyn Andrei/Shutterstock.com

    REVISO DE EPUBFernanda Neves

    GERAO DE EPUBIntrnseca

  • E-ISBN978-85-8057-538-5

    Edio digital: 2014

    Todos os direitos desta edio reservados

    EDITORA INTRNSECA LTDA.Rua Marqus de So Vicente, 99/3o andar22451-041 GveaRio de Janeiro RJTel./Fax: (21) 3206-7400www.intrinseca.com.br

  • Para a mesa das crianas:Bree Ogden, Gordon Warnock,

    Kristin Miller-Vincent e Vickie Motter.Porque s quando estamos juntosme sinto uma garota descolada.

  • Querido Bennett,

    possvel que voc no leia isto, mas talvez elesleiam, o que pode ajud-lo. Esta carta no podefazer nada por ns, porque no existe ns nomais.

    S em dizer isso fico sem ar.Espero que, de alguma forma, voc encontre

    foras para ler isto at o fim, at a ltima palavra,pois talvez, caso se lembre de como as coisasaconteceram se vir tudo como eu vejo noconsiga me odiar.

    Voc nunca disse que me odiava, mas noconsigo deixar de pensar que talvez odeie,considerando o que fiz, em que o levei a acreditar.

    No entanto, foi necessrio. Tive que mentirporque precisava de voc, e, se voc soubesse averdade, jamais teria movimentado as engrenagens,no teria dado incio a algo como dois trensdisparando pelos trilhos.

    A batida era inevitvel, porque eu no era quem

  • voc pensava que eu fosse.Ainda estou a dois anos de ser.Essas mentiras e meias verdades iniciaram algo

    que o arruinou, e sei que no capaz de me perdoar,mas quero que se lembre de mim da maneira certa,de como tudo realmente aconteceu, e no da formafeia como tentaro fazer com que parea.

    Ento, para voc, para mim, para eles, aqui est:A verdade sobre ns.

  • *NAQUELE DIA, quando entrei em sua sala de aula, euestava uma pilha de nervos. Talvez seja clich ficarnervosa ao comear em um colgio novo, mas noera um colgio novo qualquer.

    Era a faculdade.Eu me sentia uma criana. E a parte triste disso

    tudo que, de acordo com a polcia, isso mesmoque sou. Ento, talvez eu devesse ter dado ouvidos ameus instintos. Se tivesse agido da forma como mesentia, voc saberia a verdade. Teria percebido a umquilmetro de distncia e ficaria mexendo em seuMacBook sem me olhar nos olhos e sorrir daquelejeito que faz seus calorosos olhos azuis se apertarem.

    Mas no agi da forma como me sentia. Ergui acabea, estiquei a coluna, passei pela porta e entreina sala. J estava nervosa antes, e, quando nossosolhos se encontraram, o frio na barriga se tornou umanevasca. Eu me virei e fui at a fileira de trs para quevoc no me visse enrubescer. Encontrei um lugar ao

  • lado de uma garota alta e bonita, cujos olhoscastanhos e exticos pareciam naturalmente ardentese sensuais.

    Nunca vou entender por que voc reparou emmim, com uma garota como aquela sentada a meulado. Passei a vida toda sendo invisvel por causa degarotas assim. Garotas que destilam o tipo desensualidade que no consigo fingir nem em frente aoespelho do banheiro.

    Mas talvez o mundo real seja diferente. No vi obastante para ter certeza. Com certeza pareciadiferente quando estvamos juntos.

    A aula era de biologia, mas voc j sabe disso.Acho que preciso escrever tambm esse tipo decoisa para eles, para que saibam a verdade. Vocter que me perdoar por eu dizer o que j sabe.

    Eu era boa em biologia. Muito boa. No gostavada matria tanto quanto de leituras como O morrodos ventos uivantes e Shakespeare, mas, para mim,era fcil como escovar os dentes.

    Matemtica tambm. Sabia que fiz prova de

  • clculo sem nunca ter cumprido os pr-requisitos?Pulei pr-clculo. Acho que por isso meus paisconfiavam tanto em mim na poca. fcil confiar emuma garota inteligente.

    Garotas inteligentes no deveriam fazer coisasestpidas.

    O dia estava lindo. O sol do fim de setembroatravessava a folhagem das rvores enormes docampus e tingia a superfcie de minha nova carteiraquando me joguei no assento e peguei um caderno deespiral novinho. Minha me no ficou muito feliz aodescobrir que o material escolar e os livros custarammais de trezentos dlares, mas pelo menos notnhamos que pagar a mensalidade. Isso ficava porconta da Enumclaw High School, como parte doprograma Running Start. Eles bancavam todas asminhas aulas na Green River Community College, que uma faculdade que voc frequenta antes de entrarna universidade propriamente, e eu s precisavamanter a mdia C. Conseguiria crditos da faculdadee do ensino mdio ao mesmo tempo.

  • Talvez algum j tenha lhe explicado tudo issoagora. Provavelmente j mencionaram, mas talvezvoc no tenha prestado ateno, no tenha paradopara pensar no assunto. Aposto que agora pensa.

    Enquanto eu destampava minha caneta roxa fofa algo que parece to imaturo agora , voc selevantou da cadeira de couro e foi at o centro dasala dando apenas alguns passos com essas suaslongas pernas.

    De cara, gostei da organizao da turma; ascarteiras estavam distribudas em um semicrculo, deforma que voc podia ir at o centro, e todosficvamos ao redor enquanto voc falava, sorria egesticulava com suas mos perfeitas, speras s osuficiente para serem masculinas.

    Bem-vindos Biologia 1 disse voc, e,apesar de no haver nada de especial nas palavras, aforma como falou fez diferena. Era como se nosdissesse que estvamos sendo convidados para algoextraordinrio.

    No sei se foi amor primeira vista. Voc

  • acredita nisso, em amor primeira vista? Queria terfeito essa pergunta semanas atrs, quando tiveoportunidade. Queria ter feito essa pergunta diasatrs, quando estvamos um nos braos do outro.

    Provavelmente no poderei mais lhe fazerpergunta alguma, e talvez voc no respondesse,mesmo se eu as fizesse. provvel que voc tambmtenha muitas perguntas.

    Voc sorriu ao entregar a ementa e ao escreverseu nome no quadro branco Sr. Cartwright com uma letra masculina, mas sem ser feia, perfeita.O nome pareceu britnico.

    Sabia que voc parece britnico? Seu rosto temaquele aspecto afilado e austero, j com uma levebarba por fazer s nove da manh, e seu narizmarcante tem uma ligeira protuberncia no meio,como se, no passado, um cara qualquer em um pubtivesse lhe dado um soco.

    Agora sei que no verdade, mas naqueleprimeiro dia eu o imaginei bebendo uma caneca decerveja em algum lugar do Reino Unido, usando um

  • palet com cotovelos de couro. Acho que teria feitomais sentido se voc fosse um professor britnico.Mas voc parecia um conhecedor do mundo, e foiessa a imagem que minha mente criou.

    Para mim, aos dezesseis anos, at a imagem devoc bebendo uma caneca gelada de Budweiser nobar fora do campus era extica. Era mais comum veros caras do meu colgio do ensino mdio seempurrando em frente mquina de refrigerante.

    Quando a ltima ementa foi posta diante de mim impressa em um papel verde-claro , eu aguardei no fichrio e levantei o olhar enquanto vocdiminua a luz e iniciava a apresentao emPowerPoint.

    Quando baixou a cabea na direo doMacBook, a garota sentada a meu lado se inclinou.O leve aroma do perfume e do laqu dela chegou atmim.

    Ele bonitinho sussurrou, curvando oslbios de uma forma diablica e confiante.

    Corei, como se, de alguma forma, ela soubesse

  • que eu estava pensando a mesma coisa. Quantos anos acha que ele tem? perguntei

    baixinho.Ela cerrou os olhos e o observou por um

    momento, e quase desejei no ter perguntado,porque no queria que ela olhasse para voc. Achoque isso estranho, o fato de eu j sentir uma levepontada de possessividade, mas no to diferentede olhar os caras no refeitrio. Existe um cdigoentre meninas que diz que no se pode ir atrs de umgaroto se uma amiga tambm tiver uma queda porele, e com voc isso no seria muito difcil deacontecer.

    Vinte e quatro? Vinte e cinco, talvez? Talvezum pouco mais...

    Ento voc olhou para ns como se tivesseouvido toda a conversa. Mas sei que era impossvel.Ela pareceu no se importar de voc nos pegarsussurrando, e voc no disse nada quando passouos olhos por mim e fez um calor percorrer meu corpointeiro. Depois afastou o olhar, andou at a frente e

  • puxou uma grande tela branca, e as palavrasComposio Celular piscaram.

    Meu nome Katie disse a garota,esticando a mo. Suas unhas eram bonitas, pintadasde rosa-claro, mas bem curtas.

    Eu a cumprimentei. Madelyn respondi. Nome bonito.Ela sorriu, virou-se e olhou para voc. Eu queria

    dizer que ela sim era bonita, mas tive a sensao deque Katie ouvia isso o tempo todo.

    A maior parte desta unidade repetir o quevocs aprenderam em biologia no ensino mdio, mas a base para o que vem depois. Ento, vamosabordar o assunto para relembrar antes de seguirmosem frente comentou voc.

    Mas eu no precisava relembrar. Alunos doensino mdio fazem biologia no segundo ano, o que,para mim, foi no ano passado. Para todas as outraspessoas, havia sido uns trs anos atrs.

    Voc olhou de novo para a tela e apertou um

  • boto do pequeno controle remoto, e o diagrama deuma clula apareceu. Quando falou com entusiasmo arespeito da mitocndria e do ncleo movendo asmos para todos os lados, foi potico. Uma ou duasvezes voc passou a mo pelo cabelo castanhodesgrenhado, bagunando uma parte. Ficoudesarrumado, mas de um jeito bom, natural.

    Voc estava certo. Todo o assunto da aula erafamiliar. Ento eu me permiti sonhar acordadaenquanto voc falava, vendo seus lbios se moverem,mas sem ouvir as palavras. As duas horas passaram,e voc estava fechando o MacBook. Fiquei chocadapor ter acabado to rpido, por ter me perdido tantoem pensamentos.

    Amanh ser nosso primeiro dia nolaboratrio comentou voc. No 3A, do outrolado do ptio. Vejo todos vocs l s nove emponto.

    Carteiras estalaram, cadeiras rangeram e ps semoveram. Todos j estavam quase na porta antesmesmo de eu guardar as coisas, ainda piscando e

  • tentando sair do estupor. Pensei em um milho decoisas, e nenhuma delas tinha relao com diagramasde clulas. At mesmo Katie saiu antes que eudissesse alguma coisa, o quadril balanando e assapatilhas bsicas e estilosas fazendo barulho no pisode cermica.

    Acho que foi por ter sido a ltima a sair que vocreparou em mim, me olhou de verdade, com umsorriso, franzindo o canto da boca, de um jeito toatraente que me fez perder o flego.

    Tudo bem at agora? perguntou vocenquanto ajeitava a pulseira prateada do relgio e euseguia em direo porta.

    Enrubesci por um segundo, at perceber queestava sendo boba.

    , acho que consigo acompanhar.Parei diante da porta, e uma mecha comprida e

    embaraada de meu cabelo ondulado e louro-escuroescorregou para a frente, por cima do ombro. Poruma frao de segundo, seus olhos a acompanharam,antes de voc voltar a olhar para o computador.

  • Voc fitou o smbolo da ma no MacBookfechado sem piscar, e no entendi muito bem o quehavia acabado de acontecer.

    Mas agora sei. Sei que voc estava serepreendendo por deixar os olhos irem aonde nodeveriam.

    Sei que, quando eles lerem isto, talvez pensemque voc planejou tudo, que sente atrao pormenores. Mas espero que lembrem que estvamosem um campus de faculdade e que voc achava queeu tinha dezoito ou dezenove anos, a idade de todosos outros.

    Voc se irritou consigo mesmo por causadaquele olhar de um quarto de segundo para umaaluna porque no foi profissional.

    No por achar que eu era menor. Voc nosabia.

    Voc no sabia. timo comentou voc, os olhos ainda

    voltados para aquela ma mordida.Ser que, naquela hora, voc pensou na ironia?

  • Que, evitando olhar para mim, estava olhando para ofruto proibido? Porque, embora voc achasse que eutinha dezoito anos, ainda assim eu era proibida.Alunos e professores no podem se relacionar.

    Eu no sabia de nada disso. S achei que haviaficado constrangido. Mas voc voltou a me encararcom olhos delicados, calorosos, convidativos.

    Espero que goste de minha aula, senhorita Hawkins. Mas pode me chamar de Madelyn. Bem, nesse caso, pode me chamar de sr.

    Cartwright disse voc em tom de brincadeira,com os lbios se curvando o bastante para revelarum dente esquisito.

    Seu sorriso era meio torto. A coisa toda era toincompatvel com seu ar sofisticado que me pegoudesprevenida.

    Eu ri, e no foi uma gargalhada bonita, mas umarisada feia como um latido, que me deixariaenvergonhada pelo restante do dia.

    Fiquei ali por tempo demais, at que a situaose tornou constrangedora. Ento, percebi que voc

  • estava esperando que eu sasse, ou pelo menosfizesse alguma pergunta.

    Tudo bem, ento. Tchau, sr. Cartwright. Atamanh despedi-me, finalmente passando pelaporta assim que os primeiros alunos de sua aulaseguinte comearam a entrar, trazendo consigo umzumbido de vozes.

    Tchau. At amanh respondeu voc.Eu queria ouvi-lo dizer meu nome apenas

    Madelyn, no srta. Hawkins , mas isso aconteceusomente no segundo dia.

  • *CHEGUEI EM CASA pouco depois do meio-dia. Issoera o mais legal do Running Start: uma carga horriacompleta consistia em apenas trs aulas. Duas delasduravam uma hora, cinco dias por semana, masbiologia, a aula que durava duas horas, era s steras, quartas e quintas. O restante de meus amigosainda estava no colgio, ouvindo as mesmas fofocasde sempre, comendo no mesmo refeitrio de sempre,assistindo s mesmas aulas de sempre. Como podiamser felizes assim? Como no sentiam aquelas paredeshorrveis de concreto se fechando, como um caixopara prend-los eternamente?

    A casa estava vazia, porque meus pais trabalhamem perodo integral. Minha me engenheira naBoeing e meu pai, professor de educao fsica.

    Na Enumclaw High School.E ele nem o tipo de professor de quem as

    pessoas gostam, o que nunca me rendeu pontos comos colegas de turma. Pai, se por algum motivo estiver

  • lendo isto, desculpe pelo que acabei de escrever.No por voc no ser bom no que faz. Voc . Sque muito exigente, no o tipo de professorlegal de quem os alunos gostam. At voc devesaber que preferimos professores tranquilos edivertidos, e no os que sempre nos pressionam.Mas exatamente isso o que voc faz. Quem voc .Voc pressiona os alunos como sempre fez comigo.

    Para ser justa, voc s pressiona at onde sabeque pode. S quer que todo mundo explore seupotencial. Eu sei disso. Voc estava certo no anopassado: Ben Phillips era preguioso, e, se no fossepor voc, ele no teria entrado no time de futebolamericano, o que sempre disse que queria, mas aindano havia conseguido.

    Em determinado ponto, antes do ensino mdio,encarei tudo isso como um desafio. Quase umapaixo, na verdade. A busca da perfeio, a buscadaquele abrao, da recompensa, de saber que me sabem. Eu me tornava melhor a cada aprovao querecebia de meus pais.

  • E por isso que, em todos os boletins ao longode toda a minha histria, havia um reluzente A emtodas as matrias. At em educao fsica, rea demeu pai, o que era quase impossvel de conseguir, jque herdei a capacidade atltica de minha me, e noa dele.

    Bem, a questo que, em algum momento davida, percebi que havia subido em um avio e oobservara decolar, e tudo que podia fazer erapermanecer sentada com o cinto de seguranaapertado, esperando pousar em um destinopredeterminado. Um destino que eu no tinha maiscerteza de desejar.

    Em certo momento, decidi que no queria maisser pressionada. No queria ser perfeita em tudo,no queria o exato caminho que me levasse aHarvard ou ao MIT. S queria parar, desafivelar ocinto de segurana e pular do avio, mas no sabia sehaveria paraquedas, se teria um pouso seguro.

    E, para minha me e meu pai, ter um plano B eraabsolutamente necessrio. No se pode dar ponto

  • sem n. Mas a admirao de meus pais j nobastava mais. Os comentrios de bom trabalho, ostapinhas nas costas no significavam nada.

    Naquele dia, enquanto assistia TV, em vez deme sentir sufocada e presa, minha mente se encheude imagens suas, Bennett, sorrindo para mim.Repassei o momento em que seus olhos desceram, e,mesmo horas depois, minhas bochechas ardiam, etorci com todas as foras para no ter imaginadoaquele olhar, porque ele me fez sentir diferente.Viva. Desejada.

    s trs da tarde, levantei-me do sof e fui para oquarto. Espalhei os livros no cho, com algumasfolhas aleatrias das aulas, e me sentei no meio detudo.

    Como se cronometrado, a porta da garagem fezbarulho. Ento, a dos fundos foi aberta e fechadacom um silvo, e ouvi os tnis de meu pai avanarempelo piso velho de madeira, cada tbua gemendoconforme ele passava.

    Cruzei as pernas e me inclinei para a frente,

  • apoiada nos cotovelos. Peguei a ementa de sua aula eolhei para ela como se ali estivesse o sentido da vida.

    Meu pai entrou no quarto, sua sombra seespalhou pelo cho, e olhei para cima, fingindosurpresa.

    Ah, oi cumprimentei-o, pondo a ementa nocho.

    Para disfarar, bocejei e me espreguicei.Meu pai sorriu conforme passava os olhos por

    meus livros, desempenhando seu papel com preciso. J se adiantando?Assenti, e conclu que esfregar os olhos seria

    demais. Ento, em vez disso, brinquei com umamecha de cabelo, enrolei-a nos dedos, lembrando-me de todas as vezes que minha me prendera meucabelo em um coque perfeito e brilhoso quando eudanava bal.

    . Acho que algumas matrias vo ser bemdifceis.

    Nada que voc no consiga encarar comentou ele, olhando-me nos olhos.

  • No era uma pergunta, apenas uma simplesconstatao. Ele esperava que eu concordasse, queaceitasse o desafio, exatamente como sempre fiz,porque ele estivera l para me ver entrar no avio eapertar o cinto. Ele assistira minha trajetria duranteanos, e aquele era apenas um quilmetro a mais paraeu me aproximar de meu destino.

    Nunca entendi o ditado No se v a florestaquando se olha s para uma rvore. Para mim,parece mais que no possvel enxugar direito quemest bem a seu lado o tempo todo. No d para vero momento em que essas pessoas mudam, omomento em que querem ser outra pessoa, porquevoc sempre as ver da mesma forma.

    Pode deixar concordei, virando para medeitar de bruos e pegar o livro de ingls.

    E ento, bem quando o roteiro progrediu parasada de cena, ele foi para a cozinha preparar ojantar.

    Bennett, todos os dias eram assim. Todos os diaseu fazia as coisas do jeito certo. Explorava meu

  • potencial. Desafiava a mim mesma. Pensava nofuturo.

    Bl-bl-bl. Dia frustrante aps dia frustrante, eupermanecia no avio, olhando para a frente e meperguntando por que no queria mais ir quele lugarque antes parecia to promissor.

    E naquele dia meu pai no me questionou porqueviu apenas a pessoa que fui durante anos. A filhaperfeita e estudiosa que eu no queria mais ser. Eutinha seis anos quando, pela primeira vez, ele medisse que, assim como minha me, eu estudaria emuma faculdade da Ivy League. Que eu faria escolhasinteligentes, assim como ela, e no teria objetivospretensiosos e idiotas, que poderiam se estilhaar assim como aconteceu com a patela dele , nemteria sonhos que poderiam ser desfeitos, como o delede jogar na liga de futebol americano.

    Eu traaria uma trajetria cuidadosa e alcanariao sucesso de maneira calculada, ou ento estariafadada a uma carreira de segunda categoria comotcnica de futebol americano em algum colgio ou

  • professora de educao fsica. Porque seacomodar era o mesmo que falhar.

    Veja bem, Bennett, eu estava cansada de tudoisso. Muito cansada.

    Escolhi o programa Running Start porque viliberdade nele. Vi as horas que teria s para mim. Via fuga para um campus onde meu pai no dava aulano ginsio B.

    E naquela noite, quando adormeci, vi voc.

  • *NO DIA SEGUINTE, peguei trnsito no caminho eentrei a toda no estacionamento, com o coraodisparado, preocupada, sem saber se na faculdadehavia algum tipo de advertncia por atraso.

    Cheguei dez minutos atrasada na aula de ingls,que comeava s oito. Quando passei sem flegopela porta, o professor j estava na frente da sala,falando sobre nossa primeira dissertao. Meu rostoficou quente quando todos os alunos olharam paramim no momento em que a porta se abriu. Achei queseria repreendida, mas no fui.

    A faculdade mesmo diferente. No demorei aentender que ningum liga se voc vai ou vem. Semastiga chiclete, olha pela janela ou no entrega umnico trabalho. Quanto mais aprendia sobre as regrasda faculdade, mais percebia que os professores doensino mdio so como babs, e na faculdade issono existe.

    E eu gostava muito dessa ideia, gostava da

  • perspectiva de que talvez, quando ningum estivesseolhando, pudesse me tornar outra pessoa.

    Eu no queria chegar atrasada segunda aula,ento, quando a primeira finalmente terminou, saantes dos outros alunos.

    engraado como naquele dia eu estava toobcecada com o horrio. Se pudesse ter umsuperpoder, acho que desejaria a capacidade dealterar a velocidade do tempo. Voc deseja issoagora? Agora que tanta coisa est acontecendo todevagar e voc deve estar a sentado, esperando epensando e aguardando para ver o que vaiacontecer, o que vai desmoronar e o que vai serreconstrudo?

    Se tivesse esse poder, eu lhe daria. Voc deveprecisar dele mais do que eu.

    Atravessei o campus naquela manh, o orvalhogrudando em minhas sapatilhas pretas bonitinhas,satisfeita por no ter que pegar o mapa de novo paralembrar aonde estava indo. O campus, que seespalhava por uma colina, era cercado de rvores.

  • Eu me sentia completamente adulta e no controle aoseguir meu percurso, passando entre os prdios parachegar ao laboratrio. No haveria sinal indicando ocomeo da prxima aula nem monitores noscorredores para nos apressar.

    O laboratrio 3A estava vazio quando entrei, ouao menos pensei que estivesse. Mas, quando passeipor uma porta de armrio aberta, voc se virou emminha direo, e nos esbarramos.

    Voc esticou as mos para pegar meus braos eme segurar.

    Voc tocou em mim, no deixou que eu casse, efiquei to perto que senti seu cheiro, uma fragrncialimpa e amadeirada se espalhando a meu redor. Eracompletamente diferente do desodorante Axe que osgarotos do ensino mdio adoram, com aquele cheirosufocante que queima e parece segui-los como umanuvem. O seu era sutil, sofisticado.

    Madelyn! exclamou voc, as mos fortessegurando meus braos.

    Encarei-o com olhos arregalados, e minhas

  • bochechas coraram e ficaram quentes. Eu dera decara com voc como uma garota atrapalhada doensino mdio que no olha por onde anda.

    Desculpe falei, torcendo para que meurosto no estivesse to corado quanto eu sentia.

    E foi ento que meu crebro e meus ouvidossincronizaram, e percebi que voc disseraMadelyn. Isso me fez abrir um sorriso to grandeque devo ter ficado com cara de maluca.

    No, foi minha culpa, no me dei conta deque j eram nove horas. S estava pendurando meucasaco. Por cima do ombro, voc apontou com opolegar para o armrio logo atrs.

    Naquele dia, voc no estava com o suter degola V por cima da camisa de boto, e foi mais fcilver sua silhueta, o jeito como o tecido de algodogrudava em seu corpo.

    Na verdade, cheguei um pouco cedo comentei, para faz-lo se sentir melhor.

    Nunca fiquei to feliz por chegar cedo, poraquele momento de sorte em que nossos corpos se

  • esbarraram. Foi assim conosco. Um dia, ramosduas pessoas separadas. No seguinte, nosesbarramos, e nenhum de ns teve a menor chance.

    Eu gostaria de poder lhe dizer que me arrependide tudo que aconteceu depois.

    Entrei na sala e, em vez de me sentar no fundo,como no dia anterior, eu me joguei em uma carteirabem a sua frente. Assim, quando voc se sentou emuma cadeira no canto, ficamos a poucos metros dedistncia.

    Eu queria lhe dizer mais alguma coisa, algoespirituoso, mas outros alunos chegaram, dois carasque riam ao passar pela porta. Isso destruiu qualquermomento que poderia haver entre ns, qualquerimpresso que eu pudesse causar.

    Eles ocuparam a mesa do fundo, e a sala ficoucheia. Ento, Katie se sentou a meu lado, dando seusorriso bonito e natural.

    Oi, Madelyn cumprimentou, jogando amochila na carteira.

    Oi respondi, apesar de estar a mil

  • quilmetros de distncia.No, eu me encontrava a trs metros e meio de

    distncia, no lugar em que estava quando voc metocou.

    Tudo bem se eu me sentar aqui? perguntouela, brincando com as pontas recm-pintadas de cor-de-rosa em seu cabelo escuro.

    Como ela teve tempo para fazer algo to bonitonas vinte e quatro horas desde que nos vimos pelaltima vez?

    Aposto que precisaremos de parceiros delaboratrio.

    Pois concordei, forando-me a voltar aopresente. Katie estava fofa naquele dia, com calajeans justa e um suter decotado.

    Naquele momento, eu me perguntei se mepareceria com ela e me comportaria da mesma formaem dois anos. Ela dava a impresso de se sentir tobem com o corpo, to confiante, e de formadescontrada. As garotas no ensino mdio, asbonitas a confiana delas parecia forada, frgil,

  • pura aparncia.Mas Katie no era assim. Aposto que ela se

    sentia confiante at o ltimo fio de cabelo.Ela meio que fez uma careta. Mas justo avisar que sou um desastre em

    cincias. Tudo bem. Eu sou muito boa nessa matria.

    Tive biologia avanada ano passado.Ela se animou. mesmo? De que colgio voc era? Eu

    estudei no Kentlake. Tivemos que fazer biologia nosegundo ano, e parece que foi h um milho de anos.Na poca, passei raspando, e seja l o que aprendij sumiu do meu crebro a esta altura.

    Ah falei, com a voz falhando um pouco. H, eu frequentei o Enumclaw. Temos fsica nosegundo ano e biologia no terceiro. Ento, estudeibiologia at alguns meses atrs.

    Foi minha primeira mentira deslavada, e nem seidireito por que fiz isso. Voc no estava ouvindo nemnada. Mas acho que eu gostava de Katie. Gostava

  • de seu sorriso caloroso e de sua facilidade parapuxar papo. No queria que ela me achasse novademais e uma perda de tempo.

    Ah... Estranho comentou. Mas isso fazde hoje meu dia de sorte!

    S que o dia de sorte era meu, porque no faoamigos com tanta facilidade. Mas foi exatamente issoque pareceu acontecer com ela. Eu era mesmodiferente na faculdade. Estava mudando e evoluindo,j naquele segundo dia.

    Quer uma bala? perguntou Katie, tirandouma do bolso da frente da mochila.

    Voc me observou abri-la. Voc me observoulev-la boca. Depois desviou o olhar e se levantou.

    Ok, pessoal. Antes de comearmos, vamosfalar sobre algumas regras de segurana bsicas nolaboratrio. Regra nmero um disse voc com umcantarolar divertido na voz , nada de comidas ebebidas.

    Katie e eu trocamos um olhar, e ela enfiou namochila a bala ainda fechada que segurava.

  • Usei a lngua para empurrar a minha para o cantoda boca, mas no sei por que fiz isso, uma vez quevoc j tinha visto.

    Por que me viu chupando aquela bala e no meimpediu? Estava sendo condescendente ou estavabrincando comigo?

    Regra nmero dois: no h aula de reposiode laboratrio. Se voc faltar, no recebe nota, e issoafeta sua nota final. Se perder um dia de aula terica,poder ler o livro. Se perder um dia de laboratrio,perder o laboratrio. Ponto.

    Voc circulou pela sala entregando maos defolhas grampeadas. Usava sapatos bonitos naqueledia, de couro marrom, no exatamente botas, nembem mocassins, mas algo entre um e outro. Gostei daforma como a cala cinza-chumbo larga roava nassolas.

    Voc se vestia de forma muito diferente dosgarotos de meu colgio. Eles s usavam jeansrasgados e camisetas desbotadas. Voc se importavacom a aparncia, e isso ficava evidente.

  • Katie mexeu em nosso mao minha frente, eolhei para os papis quando ela se inclinou na minhadireo.

    Professores no deveriam ter permisso paraserem to bonitos disse ela.

    Dei uma risadinha. Verdade sussurrei.Voc voltou para seu lugar, e seu cabelo

    desgrenhado caiu nos olhos quando olhei em suadireo.

    A aula de hoje bem simples, mas vai nos darferramentas para as prximas. Estamos trabalhandono bsico para qualquer bom experimento: manterum grupo de controle adequado, criar hiptesessensatas, e assim por diante. Por favor, leiam omaterial e comecem o trabalho. Se tiverem perguntas,falem comigo, seja durante a aula ou no horrio deatendimento em minha sala, que consta do programado curso. Hoje de meio-dia s duas concluiu.

    Katie e eu nos inclinamos to para perto uma daoutra que nossas cabeas quase se tocaram, e ela leu

  • as instrues baixinho. Posso pegar os bqueres falei quando ela

    terminou. timo. Vou pegar o corante alimentar.Empurramos nossas cadeiras para trs e

    andamos para extremidades opostas da sala; eu, parauma rea de gavetas bem ao lado do armrio ondevoc pendurou o casaco.

    No ensino mdio, os garotos usam agasalhos detimes, pulveres de l ou casacos mais pesadosquando est frio demais. Ao pegar um cilindro e doisbqueres, tentei imaginar como era seu casaco.

    Quando voltei para a mesa, voc estava ali,perguntando a Katie qual era nossa hiptese. Elagaguejava alguma coisa sobre um arco-ris, e, quandome aproximei, os olhos dela se voltaram para mim,suplicantes.

    Estamos formulando a hiptese de que cadacor, misturada gua, vai ferver mesmatemperatura respondi, passando rapidamente porvoc para me sentar. Era uma experincia boba.

  • Uma experincia de ensino mdio. Mas estava dentrodaquilo que voc queria de ns.

    Bom. Muito bom disse voc, seus olhosencontrando os meus, e parecia que uma fagulhahavia se acendido entre ns. Vou deixar vocstrabalharem acrescentou, passando para a mesaseguinte.

    O restante da manh foi assim, com voccaminhando pela sala e eu sempre ciente de sua exatalocalizao, de com quem falava.

    Embora Katie no soubesse nada de cincias,era uma boa parceira. Fazia exatamente o que eumandava, e sua caligrafia era perfeita. Confiei a elanosso registro do experimento e expliquei osprocedimentos conforme os executamos, e, ao mever falar sobre as diferenas entre o grupo decontrole e o experimental, comparando-os aexperimentos com remdios e placebos, voc paroue sorriu daquele seu jeito especial.

    Eu queria ver aquele sorriso agora.Eu me pergunto se ao menos voc ainda sorri.

  • *SBADO DE MANH voc mudou sua rotina, e, porcausa disso, nossos caminhos se cruzaram.

    Acha que foi o destino, Bennett? Acredita emdestino?

    Eu acredito. Assim como acredito em almasgmeas e em amor primeira vista. Acho que no dpara acreditar em apenas uma dessas coisas. Tenho aimpresso de que so preciso as trs.

    Eu estava apoiada no tronco de um cedroretorcido e inclinado, tentando recuperar o flego.Ainda no havia chegado metade do caminho parao topo do Peak. Voc sempre chamou de montanhaPeak, lembra? Porque assim que aparece nosmapas. Mas ningum em Enumclaw se refere a eledessa forma.

    Para os locais, apenas pico Peak. Acho que um nome esquisito, como um rio chamado gua.

    De qualquer modo, eu estava olhando paraminhas botas surradas de caminhada, tentando

  • acalmar meus pulmes, que ardiam, quando ouvi umcachorro latir. Olhei para a frente e vi um lindogolden retriever subir a trilha. Seu pelo dourado-avermelhado balanava ao vento e a lngua caa docanto da boca.

    No tenho medo de ces nem nada (voc sabequanto amo seu cachorro), mas quando ele correu eps as patas em meu colo, quase me derrubando,no fiquei nem um pouco animada.

    No! Desce! ordenou voc, e quandoergui o rosto meu corao parou.

    Quer dizer, parece que o corao no conseguebater quando despenca at os joelhos.

    Seu rosto estava corado e a camiseta de mangascompridas que usava, grudada em seu corpomusculoso, com uma ligeira linha de suorescurecendo-lhe os ombros. Quando voc olhoupara cima e encontrou meu olhar, estava prestes apedir desculpas. Mas acabou sorrindo e disse:

    Ah, oi, Madelyn.Como se nos conhecssemos, como se fssemos

  • amigos. Voc se aproximou para prender uma guiavermelha na coleira do cachorro enquanto ele pulavaem mim. Eu no me importava mais por ele terdeixado duas marcas de patas sujas de lama emminha camisa nem por pisar em meus ps.

    Oi, sr. Cartwright cumprimentei,imaginando se meu rabo de cavalo estavabagunado, se meu rosto ficava to bonito quanto oseu quando corado de cansao ou se eu apenasparecia suada e feia.

    Acho que podemos dispensar as formalidadesfora da sala de aula comentou voc, esticando amo como se estivssemos simplesmente nos vendopela primeira vez. Pode me chamar de Bennett.

    Sabia que voc tem um belo aperto de mo? forte, firme.

    Naquele momento, um desejo intenso tomouconta de mim. Eu queria que nossas mos estivessemjuntas de outra forma. Queria segurar a sua de umjeito descontrado, com nossos dedos entrelaados, equeria que voc tambm desejasse isso.

  • Ao menos foi o que pensei. No sei o quepassou por sua cabea quando nossas peles setocaram. Todos os momentos que passamos juntos,todas aquelas conversas, e nunca perguntei o quevoc sentiu na primeira vez que nos tocamos deverdade. Quer dizer, voluntariamente. O encontrono laboratrio no conta.

    Seu cachorro escolheu aquele instante para saircorrendo, puxando-o para longe de mim, e vocmeio que me levou junto por um momento antes desoltar minha mo.

    Foi assim que acabamos caminhando juntosnaquela manh silenciosa e enevoada. Eles podempensar que voc planejou, que pediu para me verfora da sala de aula, mas foi pura coincidncia.

    Em geral a montanha Peak movimentada, mastalvez as pessoas tivessem preferido no subir at lsabendo que havia neblina e a vista ficaria encoberta.Passamos por apenas duas pessoas naquela manh, enenhuma delas prestou muita ateno em ns.

    Tambm gostei disso. De nenhuma delas achar

  • estranho o fato de estarmos juntos. E ento? Voc vem muito aqui?

    perguntou-me com voz debochada enquanto abriaum sorriso.

    Voc tem um timo senso de humor. Talvez eudevesse usar o verbo no passado. J no sei mais.

    Venho. Quase todos os sbados. Gosto datranquilidade daqui. Antes de o resto do mundoacordar.

    Voc olhou para mim. Olhou de verdade. Seusolhos azuis tm esse jeito de parecerem meiointensos, sabe? No na aula, mas quando ramosapenas ns dois, e voc baixava a guarda e deixavatransparecer quem realmente . Voc maisdescontrado em pblico, mas sua sinceridadesilenciosa assumia o controle quando estvamos ass.

    Sei o que quer dizer comentou voc. relaxante.

    Exatamente.Estvamos caminhando havia alguns minutos, e

  • nossa respirao ficou mais pesada. Chegamos metade do caminho at o topo da montanha, masdecidi que acompanharia seus passos longos. Voc pelo menos quinze centmetros mais alto, ento, paramim, aquilo no era pouco, mas eu no suportava aideia de ficar para trs como uma criana bobacomendo poeira.

    E voc? Vem muito aqui? perguntei. Caminho aqui todos os fins de semana, mas

    do outro lado respondeu voc, apontando com opolegar.

    Pela estrada? . Eu nem sabia que existia uma trilha deste

    lado tambm, mas na semana passada, quandoestava no topo, vi algum surgir daqui, onde a trilhatermina.

    mais bonito. Sempre preferi este caminho.Voc assentiu. . Tambm gostei mais deste lado.Voc estava falando da trilha, mas imaginei que

    tambm estivesse se referindo a mim, que gostava de

  • caminhar comigo. Posso fazer uma pergunta? indagou voc. Claro.Voc olhou para mim, ainda respirando com

    dificuldade. Minha aula parece fcil para voc. Voc foi a

    primeira a terminar o teste-surpresa. Como pode serto inteligente?

    Sorri e baixei o olhar em direo trilha,concentrada em pr um p na frente do outro.

    No sei. Meu pai professor de educaofsica. muito focado, quer que eu me d bem. Elesempre esteve a meu lado quando precisei de ajuda,e eu sabia quais eram as expectativas. Se que issofaz sentido.

    Voc olhou para mim. Uau! E foi horrvel? Estudar no colgio em

    que seu pai trabalha?Duas coisas me ocorreram:1. A ltima coisa que eu queria era conversar

    sobre meu pai com voc.

  • 2. Voc fez a pergunta no passado porque supsque eu j havia me formado. Mas era mesmo nopassado, Bennett. Ainda . Eu nunca voltaria para oensino mdio porque j estava na faculdade. Talvezainda no tivesse um diploma s teria em doisanos , mas estava na faculdade, e era o queimportava.

    por isso que voc tem de saber que, quandorespondi, no estava mentindo. Sei que ainda assim,para todos os efeitos, eu o enganei, mas estavagostando do jeito como falava comigo. Como sefssemos iguais, apenas um garoto e uma garotacaminhando.

    Eles dizem que no ramos um garoto e umagarota, mas um homem e uma garota. Ento precisamsaber que, quando respondi, eu o levei a crer quehavia me formado. Foi a primeira de muitas meiasverdades. Lembre-se apenas, Bennett, de quenaquele momento eu ainda nem sequer sonhava quevoc passaria a gostar de mim, que realmente haveriaalgo entre ns. S queria algum que conversasse

  • comigo como voc conversava. Algum que no mevisse como a rata de biblioteca de sempre, estudiosademais, uma estraga-prazeres, mas que construsseuma nova imagem de mim baseada no que eucontasse.

    Era isso que eu queria. Pintar o prprio retratopela primeira vez, em vez de fazer o que meus paisdelinearam com tanto cuidado.

    Foi bem ruim comentei, rindo como se nofosse nada de mais. Estou contente por essa etapada minha vida ter acabado.

    Aposto que sim. Qual o nome do seu cachorro?

    perguntei, desesperada para mudar de assuntoenquanto observava o animal entrar no riacho queladeava aquela parte da trilha, as patas chapinhandona lama.

    Voldemort respondeu voc, sorrindo paramim daquele seu jeito especial, torto e perfeito aomesmo tempo.

    Eu ri e voc tambm, e o momento teve uma

  • espcie de brilho. Ele mastigou meu par de sapatos favorito no

    dia em que o levei para casa, ento no conseguievitar. Normalmente, s o chamo de Mort porqueacho que sou velho demais para ter um cachorro comesse nome, sabe?

    Quo velho exatamente? perguntei deforma descontrada.

    Minhas pernas queimavam, mas no suportei aideia de voc achar que eu estava fora de forma eque era incapaz de acompanh-lo.

    Mais velho do que voc.Talvez voc estivesse tentando erguer uma

    barreira entre ns, apagar a amizade espontnea. Seutom no foi rude, mas sua inteno ficou clara.

    Voc estava me dizendo que era velho demaispara mim, que, se eu o enxergava daquela forma,no deveria, que era para recuar, eliminar qualquerideia infantil que tivesse.

    Mas era tarde demais. Comecei a me apaixonarno momento em que pousei os olhos em voc,

  • mesmo que naquele dia, na montanha, eu nosoubesse disso.

    Ah, pare pedi, com as pernas queimandopelo cansao da caminhada. D uma dica.

    Seus olhos brilharam quando voc me encarou,como se estivesse gostando da fluidez da conversa.

    Vamos ver. Dizem que a msica que faziamais sucesso no ano em que nasci era La Bamba.

    Voc esticou a mo e quebrou um galho aopassarmos por um arbusto. Depois, comeou aarrancar as folhas, deixando-as para trs como umatrilha de migalhas de po.

    Voc mesmo um ancio comentei. Essa msica no , tipo, da Idade Mdia?

    Sua gargalhada foi contagiante. Espero no tertirado isso de voc. No suportaria saber que vocno ri mais daquele jeito.

    Dos anos 80, muito obrigado. E voc? O que tem eu? perguntei, fitando de novo

    a trilha e percebendo tarde demais que havia abertouma porta que deveria ter mantido fechada.

  • Por que havia perguntado sua idade quando isso,obviamente, s apontava os holofotes para a minha?

    Que msica fazia sucesso quando vocnasceu?

    Se eu tivesse falado que era uma msica deDiddy, antes de ele ser P. Diddy, quando ainda eraPuff Daddy, voc saberia? Teria percebido que euera apenas uma criana, que no merecia suaspalavras e seus sorrisos e suas gargalhadas?

    Ento, balancei a mo e respondi: No sei direito. Mas tem que ser melhor do

    que La Bamba. Ei, os anos 80 tm timas msicas

    comentou voc, em um tom brincalho e indignadoao mesmo tempo.

    Pee Wee Herman tambm.Estremeci de um jeito exagerado. Ah, por favor. Como se os anos 90 tivessem

    sido melhores rebateu voc jogando o ombrocontra o meu.

    Voc sabia que eu havia nascido nos anos 90,

  • sabia que eu era mais nova, mas tenho certeza de queestava pensando na outra metade daquela dcada, naprimeira.

    Sorri e tambm esbarrei meu ombro no seu. Ns somos responsveis pelo Nirvana

    comentei.Fui pesquisar quando voltei para casa naquele

    dia. Sabia que Kurt Cobain morreu antes de eunascer? Trs anos antes de eu nascer. No seimesmo por que mencionei o Nirvana. Nem gosto dabanda. Mas quando as pessoas pensam nos anos 90e em Seattle e Enumclaw um subrbio deSeattle , sempre se lembram do Nirvana.

    Ento, talvez, naquele momento, naquela trilhacalma no monte, sem saber, eu tenha plantado a ideiade que era mais velha, de que j havia nascido napoca em que o Nirvana ainda tocava. Se fosseverdade, teria pelo menos dezenove anos, o quetransformaria tudo que aconteceu em algo normal.

    E como eu poderia rebater um argumentodesses? perguntou voc.

  • Estvamos nos aproximando do topo, em umaparte plana da trilha. Voldemort corria frente,perseguindo um esquilo em meio mata, e voc odeixou ir e se virou para observar a vista diante dens.

    Eu havia me enganado a respeito da neblina.Quando chegamos ao topo, havia poucos filetes denuvens pairando baixo em alguns campos distantes,acima de grandes celeiros.

    No me canso dessa paisagem comentouvoc, ainda com a respirao pesada, enquantoolhvamos para as fazendas leiteiras espalhadas epara as colinas verdes. Eu poderia v-la todos osdias e no enjoaria.

    Sabia que d para ver meu colgio do altodaquela montanha? No comentei naquele dia pormotivos que devem ser bvios agora, mas, se voltar acaminhar por l, olhe para oeste. Voc ver osprdios marrons espalhados ao longe, onde a reaverde das fazendas encontra o cu azul infinito.

    mesmo, a vista linda. S gostaria que

  • desse para ver a montanha acrescentei.Quando disse a montanha, estava me referindo

    ao monte Rainier, claro.Voc se virou e olhou para trs, mas os picos

    mais altos ainda estavam escondidos pelas nuvenscinzentas. Em um dia limpo, de tirar o flego, todoo composto de rochas escarpadas e picos cobertosde neve, o tipo de coisa que se vende em cartes-postais por toda a Seattle. Em Enumclaw, d paraver bem de perto. Com zoom.

    Voldemort saiu correndo do meio das rvores, ecocei atrs de suas orelhas. Ele se sentou, apoiando-se em minha perna, e dessa vez no me encolhi porcausa da sujeira e da lama que com certeza ficariamem minhas roupas. Afinal, se ele era seu, como eupoderia no ador-lo?

    Ele gosta de voc. Foi seu comentrio.Eu lhe dei um sorriso, ainda acariciando o

    cachorro. Golden retrievers gostam de todo mundo. Ah, mas ele no um cachorro comum.

  • Seus olhos azuis estavam iluminados, vivos de umjeito que no ficavam na sala de aula.

    Ah, ? Ele Lorde Voldemort!Gargalhei, e voltamos para a trilha, bem mais

    tranquila naquela parte do que na cansativa subida.Ns combinvamos, voc e eu, como duas peas

    que se encaixam perfeitamente.Dez anos no muito, sabe? Se eu tivesse vinte e

    voc, trinta, ser que algum se importaria? Parececruel que quatro aninhos sejam to importantes,capazes de mudar uma vida.

    Na verdade, s dois importavam. A diferenaentre dezesseis e dezoito.

    A diferena entre o amor que pode durar umavida e o amor que nunca pode acontecer.

  • *NAQUELA TARDE, sentei-me encolhida na cama,encostada na parede, com os dedos no teclado,digitando seu nome em uma caixinha branca.

    Gostei do nome Bennett no momento em quevoc o pronunciou. Combinava. Era aristocrtico esofisticado e se encaixava na imagem que eu tinha devoc tomando ch ou cerveja ou outra bebida emoutro pas.

    No sei por que fiquei fascinada por voc torpido, mas fiquei. Tenho certeza de que no sou anica pessoa na histria do universo que leu tanto nasentrelinhas a ponto de acreditar que algo estcrescendo e se construindo mesmo que no seadmita.

    Como naqueles sites de relacionamentos repletosde histrias de caras e garotas que se conhecem eseguem caminhos distintos, mas nunca se esquecemum do outro, mesmo que jamais tenham de fato sefalado. um sentimento bonito, no acha? Que

  • algum rapaz solitrio morando em uma cidade grandeache que conheceu sua alma gmea, apesar de osdois nunca terem conversado, e que ela escapou porentre seus dedos, e agora ele querer uma segundachance?

    Seria legal saber se voc acreditava em almasgmeas, esse tipo de coisa. Se acredita, talvezvoltemos a ficar juntos um dia.

    De qualquer modo, eu no estava nesse tipo desite naquele momento. Estava no Facebook e haviaacabado de encontrar seu perfil, e meu coraopulou quando sua foto apareceu. De to acelerado,deve ter soado como os batimentos de um beb emum ultrassom.

    Acho que Bennett Cartwright no um nomemuito comum, porque foi bem fcil encontrar seuperfil. Voc estava com uma camiseta grudada nocorpo musculoso e seu cabelo, castanho, estava maiscurto na foto; no chegava a cair nos olhos, comoagora.

    Voc no parecia muito mais velho do que os

  • alunos que haviam terminado o ensino mdio no anopassado, quando eu era do segundo ano. Como setalvez a vida no nos separasse tanto.

    Sua ltima atualizao de status?O novo trimestre comeou. Que comecem as

    peripcias.Olhando para trs, voc acha graa do status?

    Voc tinha vinte e cinco anos. Agora eu sei. Vinte ecinco anos e nove meses quando nos conhecemos,porque comemoramos seu vigsimo sexto aniversriojuntos. bem jovem para um professor de faculdade.

    Eu no sabia na poca, mas aquele era para serseu primeiro ano como professor em tempo integralpor todo o ano letivo. No ano anterior, voc deraapenas algumas aulas, sem horrio integral.

    Naquele dia, enquanto olhava seu perfil, quissaber que tipo de peripcias voc achava que o anoreservava. Queria fazer parte delas. At aquele pontoda minha vida, nunca tinha feito parte de nada quefosse descrito como peripcia. Nada de trotes, nadade deteno, nem mesmo cheguei perto de ficar de

  • castigo.Eu era To Perfeita...Examinei seu perfil. No era privado, e vi fotos

    de todos os tipos. Eu no deveria contar, mas salveialgumas no computador.

    Acho que no tem problema contar. Minha meconfiscou meu computador h alguns dias, e por essemotivo estou tendo que escrever tudo isso mo. Apropsito, peo desculpas pela letra. Eu a odeio.Esta carta parece o caderno de caligrafia de um alunodo primeiro ano do fundamental: alta e redonda ondedeve ser, inclinada para a direita em outras partes.

    Sem nenhum trao marcante.Mas estou praticamente presa agora, sem

    telefone, computador nem nada, ento ter que serassim.

    Naquele dia, enquanto olhava seu perfil,encontrei algo que nem sabia que estava procurando.Sorri e me deitei de novo na cama, com aquela nicapalavra se repetindo sem parar em minha mente.

    Solteiro.

  • Voc estava solteiro.Saiba, Bennett, que fiquei feliz. No porque achei

    que ficaramos juntos. Sabia que isso no podiaacontecer. Nem esperava que voc se interessassepor uma garota como eu. No dessa forma, pelomenos.

    Mas queria que voc fosse solteiro do mesmojeito que uma garotinha quer isso de seu astrofavorito, o dolo da boy band. No por ela acharque vai se casar com ele. porque no consegueimaginar o garoto que ama, mesmo de longe, comoutra, amando-a na vida real, quando tudo que essagarotinha tem a imaginao.

    Queria que voc fosse solteiro porque achavaque pensar em voc casado estragaria aquelas duashoras de aula todos os dias. Pensar em voc indopara casa encontrar uma esposa adulta e bonita,talvez sua namorada da poca de colgio, sabendoque eu ainda estava no colgio.

    Tudo que eu queria era conversar com voc,quem sabe construir para ns uma arrebatadora

  • histria de amor no estilo Orgulho e preconceito.Tudo na minha cabea, claro, mas o que mais

    eu podia fazer? Nesta casa, com todos os deveres,todas as expectativas e a presso? Meus pais meamavam (no sei se ainda amam depois de tudoisso), mas eu queria um tipo diferente de amor.

    Saber que voc era solteiro fez com que nohouvesse problema em criar fantasias com voc mepedindo que ficasse depois da aula. No haviaproblema em me imaginar beijando-o.

    Sei que vai considerar isso algo idiota de se dizer.Porque seu estado civil nunca foi a informaoimportante.

    No, Bennett. A coisa mais importante, deacordo com voc, de acordo com eles, o fato deeu ter dezesseis anos.

  • *DURANTE TODO O FIM DE SEMANA desejei que suaaula no fosse apenas s teras, quartas e quintas.Desejei de corao que fosse cinco dias na semana.

    Quando entrei em sua sala na tera cincominutos adiantada, claro , voc baixou os olhosao ver o que eu vestia, como naquele primeiro dia,mas por outro motivo.

    Voc olhou para meu colo por causa da camisetaque eu usava. Porque, no domingo aps nossacaminhada, revirei os shoppings o dia inteiro, e estavausando uma camiseta preta com NIRVANA escrito.

    Sorriu para mim daquele seu jeitodesembaraado, de um homem que sabe quem e oque quer.

    Mandou bem disse.Sorri. Eu ia usar minha cala do MC Hammer, mas

    estava lavando.Voc balanou a cabea, lutando contra um

  • sorriso e perdendo feio.Vestia outra vez a combinao de suter, camisa

    de boto e cala, e admito que gostei muito. Gosteiporque o Bennett que conheci na montanha, com acamiseta de mangas compridas e cala Nike, era spara mim. Katie e todos os outros alunos ficavamapenas com o sr. Cartwright, o professor.

    Tnhamos algo sobre o qual ningum sabia.No que estivssemos tentando manter segredo,

    mas eles surgiram naturalmente entre ns. Tnhamosaquela caminhada e nos encontramos ali, naquelatera, e sabamos que algo havia mudado, masnenhum dos dois disse nada.

    No contei a seu respeito para minha mequando voltei para casa depois da caminhada.

    No falei nada para Katie quando sentamosjuntas na aula daquele dia.

    Mas pensei sem parar no que aconteceu.Eu me sentia adulta com voc, Bennett. No uma

    garotinha perdida envolta por uma casca bonita eperfeita, mas uma adulta no controle da prpria vida,

  • indo atrs do que queria. Eu me sentia como sefinalmente tivesse entrado no cockpit e decididotraar minha rota.

    Voc me v de outra forma agora que sabe averdade? Acha que sou apenas uma criana e bemburra? Ou ainda v a garota que fui o tempo todo? Ainteligente, que gabaritava todas as suas provas e ofazia rir?

    Naquele dia voc andou lentamente de um ladopara outro durante a explicao, e me encarou. Spor um momento, mas significou algo para mim.

    Significou mais do que voc imaginava.

  • *DIAS DEPOIS precisei passar no colgio pela primeiravez desde o incio do ano letivo. Quando abri a portadupla do saguo principal, fui recebida pelo silncio.

    Foi estranho andar pelos corredores ouvindo obaque seco de meus passos no carpete gasto,escutando o tinido de um armrio ao longe sendotrancado. As portas das salas a meu redorencontravam-se fechadas, estava tendo aula. Atrsdelas, havia o zumbido baixo de vozes.

    Poucos meses haviam se passado desde o fim demeu segundo ano, mas pareciam sculos. Como seeu tivesse me formado anos antes e estivessepassando l para dar um oi.

    Era um sentimento bobo. Eu ainda estavamatriculada l. Ainda era uma aluna. E, mesmo assim,quando Marina Reynolds, uma garota de quem j tivemedo, surgiu no corredor com aquele olharpenetrante e to familiar, examinando minha roupaantes de soltar um sorrisinho de deboche, no senti a

  • pontada de mal-estar de sempre. No puxei a barrada camisa nem desviei o olhar na esperana de queela no me visse.

    Eu tinha um segredo, Bennett, um segredo quesuperaria qualquer trofu do ensino mdio, as saiasdas lderes de torcida e os pares nos bailes. Eracomo uma vela brilhando dentro de mim, aquecendo-me, acabando com a escurido.

    Era isso que voc representava para mim. Umbrilho de calor em um mundo que parecia to frio,to vazio to sem sentido.

    Virei em outro corredor. O letreiro Diretoria merecepcionou. Passei pela porta e segui por umcorredor que me levaria ao escritrio da minhaorientadora. Eu precisava v-la regularmente paraplanejar os estudos. Nem todas as aulas na faculdadecontavam para os requisitos da formatura do ensinomdio, ento ela precisava ver meu planejamento, tercerteza de que eu me matricularia nas matrias certasno trimestre seguinte.

    Acho que foi sorte biologia contar para meu

  • diploma. E se tivesse sido qumica, Bennett? Eujamais teria conhecido voc.

    Espere: talvez no tenha sido sorte, no paravoc. Talvez tenha sido uma coincidncia fatdica.

    A porta do escritrio estava aberta, ento bati naimitao de carvalho, e ela ergueu o olhar do celular,a testa franzida transformando-se em um sorriso largodemais.

    Madelyn! Voc chegou cedo.Soou como uma acusao, como se eu tivesse

    interrompido algo mais importante do que a trajetriado resto da minha vida.

    Desculpe. Devo voltar depois?Ela negou com a cabea, e os cachos tingidos de

    ruivo balanaram ao redor das orelhas. No, no, tudo bem. Vou pegar sua pasta.

    Venha, sente-se.Entrei e me sentei rpido demais na cadeira em

    frente mesa dela, e o acolchoado de vinil doassento chiou um pouco com a passagem de ar entreas fissuras. Ela atravessou a sala e abriu um dos

  • armrios pretos, passando os dedos pelas abas atencontrar o arquivo que continha os ltimos anos deminha vida.

    Havia tanto sobre mim acumulado naquela pastafina Tantos boletins, notas de simulados, panfletosde faculdade com marcas destacando as exignciaspara matrcula.

    Ainda assim, to pouco estava ali de verdade. Apessoa presa naquela pasta era uma estranha, umrob. Uma garota em uma gaiola dourada que sabiasorrir na hora certa.

    A garota que minha famlia conhecia, a garotacom quem eu no conseguia mais me identificar.

    Muito bem. E ento? Como foram as duasprimeiras semanas? Algum problema?

    Balancei a cabea. No, as aulas so boas. No so muito difceis? Eu estava um pouco

    preocupada com o volume de disciplinas dos cursosgerais logo de cara. A maioria dos alunos faz artes ouinformtica no primeiro trimestre. Para se acostumar

  • com as coisas. Ela fez uma pausa e me observoupor cima do aro dos culos estilosos, de um azulvibrante. Afinal, voc tem dezesseis anos e estassistindo s aulas com adultos.

    No gostei da forma como ela disse aquilo, comose eu tambm no fosse adulta. Mas ela no meconhecia.

    Sim, mas no sou boa em artes respondi,sorrindo para afastar uma expresso emburrada. Juro que no sei nem pintar com o dedo. E emeducao fsica tambm no me saio bem. Mas souboa em biologia, clculo e ingls.

    Bom, ento, tudo bem. Nesse ritmo, vai selivrar do bsico logo. Se planejarmos bem, voccompletar o ciclo bsico na poca de pegar odiploma do ensino mdio. Em seu primeiro semestrefora do ensino mdio, j ser aluna do terceiro anoda faculdade.

    Meu sorriso ficou meio tenso. Senti a formacomo os cantos de minha boca enrijeceram; nodava para continuar sorrindo. Era uma reao boba,

  • na verdade, porque ela s estava repetindo o que jhavamos conversado, o que j havamos acordado.Sempre pretendi me formar no ensino mdio com ociclo bsico da faculdade, pois era isso que meu paiqueria e minha me esperava.

    H, certo, esse o plano concordei. mesmo? Tecnicamente, voc s precisa de

    sete crditos por ano, mas est matriculada em nove.Caramba, vai se formar seis meses antes nafaculdade se continuar assim. Mas seu pai

    Parei de sorrir e apenas assenti enquanto franziaos lbios.

    Ele conversou com voc? perguntei. Pensei que isso fosse proibido.

    De repente, ela se esticou toda. Bem, esticou-sesentada, e considerando que tinha um pouco mais deum metro e meio, no foi to impressionante.

    claro que no discuti com ele coisasespecficas sobre as quais conversamos quando vocest em meu escritrio. Esta sala segura, pode mecontar o que quiser. Voc sabe disso.

  • At parece.O que eu sabia mesmo era que, aparentemente,

    meu pai havia visitado minha orientadora do ensinomdio e pedido que ela me encorajasse a pegar maismatrias. Pedido que ela exigisse mais de mim.

    Exigir, exigir, EXIGIR. Quando isso acabaria?Quando eu poderia apenas respirar?

    No entanto, claro que seu pai tempermisso para saber que matrias voc estcursando. Ele precisa assinar a papelada damatrcula, ento essa informao relevante para ele. Ela olhou para os formulrios de matrcula doprimeiro trimestre, onde eu via claramente aassinatura dele. Ento, no senti necessidadealguma de esconder, j que ele veria de qualquerjeito.

    Quando ele veio aqui? O qu? perguntou ela, erguendo o olhar

    dos papis. Meu pai. Veio cinco minutos atrs? Talvez

    ontem e hoje de manh de novo, para garantir que

  • voc soubesse o que estava planejado. Para garantirque voc no cometeria uma besteira, que faria o queele precisava que fizesse.

    A nica reao dela foi um leve brilho no olhar,provavelmente uma reao ao fato de eu terlevantado a voz.

    Controle-se, pensei. Desculpe falei, por fim, enquanto ela me

    encarava. S no achei que ele viesse falar comvoc. Realmente no quero E deixei minha vozmorrer.

    Se eu contasse a ela que no queria fazer novematrias por ano enquanto meus colegas de turmade ensino mdio faziam sete , no faria diferena.E pior: ela iria correndo contar para meu pai. Ento,ele chegaria em casa e eu ouviria um sermo dequarenta minutos sobre a importncia dos estudos ecomo ele tinha passado a vida inteira desejando terse esforado s um pouco mais, chegado s umpouco mais longe.

    No entendo por que ele no pode simplesmente

  • se esforar mais. Por que no pode ser mais do queum professor de educao fsica de ensino mdio.Talvez, se tivesse malditas aspiraes prprias,parasse de me encher o saco e percebesse que noestou mais sorrindo, no estou gostando disso.

    Fazia anos que eu nem sequer tinha amigos deverdade. Anos. Minha melhor amiga no mundointeiro se mudou quando estvamos no stimo ano, eeu nunca a substitu realmente. Tive amigos decolgio, amigas de bal e vizinhos mas, meu Deus,no tenho amigos de verdade. No, mesmo.

    E, para variar, se meu pai parasse de mepressionar, talvez eu deixasse de sentir que todas asminhas aes eram controladas por outra pessoa,como se minha mente e meus membros estivessemsendo puxados e manipulados por cordas.

    Deixe para l pedi, com a velha sensaode desesperana tomando conta de mim.

    Tudo bem, ento respondeu ela comalegria, feliz demais em deixar de lado meu surtomomentneo. Vamos falar sobre o que voc far

  • no prximo trimestre. A lista de matrias sair embreve, e as turmas ficam cheias rapidamente. Noprecisamos decidir hoje, mas devemos comear

    Matemtica, cincias, histria indiqueiautomaticamente. Preciso das trs, e posso muitobem pegar os cursos mais avanados de matemticae cincias logo depois dos introdutrios, para quetudo ainda esteja fresco em minha mente antes deseguir adiante. S me diga quais contam nasexigncias do ensino mdio.

    Tem certeza de que no quer fazer algumacoisa mais tranquila dessa vez? Fotografia, talvez?

    Precisei me controlar para no soltar umagargalhada. Fotografia. , eu seria tima nisso. Tinhamuita experincia mesmo em sair pelo mundo, emcriar arte.

    No, vou ficar comO que se espera de mim.O que tenho que fazer.Quem devo ser.Quem eles planejaram que eu fosse.

  • Podemos decidir isso outro dia? perguntei,com uma estranha sensao de poder tomando contade mim.

    E quando ela sorriu a chama daquela velacresceu, inclinou-se e queimou, derretendo algo aoredor de meu corao. Algo que no tinha nada a vercom voc, Bennett.

    Mas de alguma forma tinha tudo a ver com voc.

  • *NAQUELE SBADO, esperei por voc no carro ao pda montanha Peak. Cheguei cedo porque no queriaperd-lo.

    Eles precisam saber disso. Se eu no tivesse idopara l naquele dia, desejando e torcendo para fazeroutra caminhada em sua companhia, voc jamais teriadado o passo seguinte. As coisas teriam ficadonaquela sua sala de aula, e seu muro (construdo decamisas de boto e suteres de gola V, de bquerese cilindros, de PowerPoint e da ementa) teriapermanecido entre ns.

    Mas no foi o que aconteceu, Bennett. Porquevoc chegou naquela picape S-10, com Voldemortpreso na caamba pulando sem parar e malcontrolando a empolgao.

    Voc planejava apenas uma caminhada normal.Como tantas outras que provavelmente j fizera. Maseu planejei uma caminhada exatamente igual quelacom voc.

  • Eu sou a responsvel por ficarmos juntos naqueledia. Sempre fui eu que criei oportunidades, quecultivei o relacionamento. Para voc, isso um ato demanipulao? Olhando para trs, parece mesmo umpouco isso. Mas no tive essa sensao na poca.S parecia que voc era irresistvel e eu precisava demais.

    Sa do carro antes de voc parar, para fingir quehavia acabado de chegar. Tirei o casaco do banco detrs, fechei o zper e segui na direo da trilha comose nem tivesse reparado em voc.

    Voldemort me deu a deixa. Ele latiu, e eu me vireipara olh-lo, fingindo surpresa. Pareceu verdadeiro,Bennett? Voc acreditou em minha atuao?

    Voc torceu para me ver, assim como torci parav-lo?

    Tudo que eu queria era que continussemoscompartilhando esse segredo, essas caminhadas queeram s nossas.

    Lembre-se disso. Enquanto eu o esperava sombra da montanha Peak, ainda no sonhava que

  • nos tornaramos o que fomos. Eu s gostava decomo me sentia perto de voc, gostava de, ao menospor um momento em minha existncia, no precisarfingir ser uma pessoa que no era.

    Acho que isso o cmulo da ironia, poder ser eumesma perto de algum que achava que eu era umapessoa completamente diferente. Mas saiba queminha idade a nica coisa que nunca compartilheicom voc. Tudo o mais era verdade.

    Quando voc saiu da picape, vi que usava ummoletom com capuz. Havia uma enorme guia dotime de futebol americano Seattle Seahawks na frentee as cordinhas tinham sido retiradas. Era surrado eficava bem em voc.

    Ainda tenho esse moletom, sabia? Eu me esquecide tir-lo naquela manh em que me deixou em casae no olhou para trs. Espero que no seja umproblema eu ficar com ele. tudo que tenho agora.

    O moletom e as lembranas de voc quandocomeamos a andar pela trilha, com Voldemortpulando e balanando o rabo e tremendo de

  • empolgao, mais ou menos como meu coraoficava sempre que voc me encarava.

    Ento, Madelyn comeou voc, quandofizemos a primeira curva e adentramos as sombrascoloridas da floresta.

    Ento, Bennett respondi, enfiando as mosnos bolsos do casaco.

    Voc olhou para mim um tanto surpreso quandofalei isso. Acho que havia se esquecido de que medissera seu primeiro nome.

    Grandes planos para o fim de semana? perguntou.

    Dei de ombros. Ah, voc sabe, s uma maratona de filmes

    ruins comendo besteiras no intervalo entre osestudos. Sabia que tenho um professor de biologiaque um feitor de escravos? Temos umas folhas deexerccios bem irritantes

    Voc riu e me deu um empurrozinho no brao, eeu soltei uma risadinha de to feliz que fiquei porvoc ter feito aquilo, por ter me tocado outra vez.

  • Era para ser um flerte, Bennett, ou uma brincadeiraentre amigos?

    Mas acho que irrelevante. Talvez voc nemsaiba.

    Ento, voc revirou os olhos e perguntou,ignorando minha provocao:

    O que caracteriza um filme ruim? Qualquer coisa da dcada de 80 respondi

    com sarcasmo.E voc riu de novo e balanou a cabea, mas no

    conseguiu tirar o sorriso daquele seu rosto lindo. Gosto de voc.Foi algo simples de se dizer, um sentimento

    simples de se sentir (voc provavelmente gostava deum monte de coisas), mas aquilo mudou meu mundo.

    Porque mudou o que achei que poderamos nostornar. Bastaram essas trs simples palavras, e eu meperguntei se realmente importava que voc fossesolteiro, se realmente importava que estvamoscaminhando juntos, se realmente importava queparecamos ter algo de verdade.

  • Foi naquele momento que decidi, Bennett, quequeria ficar com voc e que, apesar de haver umbom motivo para no termos alguma coisa, euconseguia pensar em um milho de motivos paratermos.

    Joguei o cabelo nos ombros com falsaarrogncia, sorri para voc e disse:

    Eu sei, sou irresistvel.Vi que voc gostava de autoconfiana, e eu

    queria ser aquela garota, a que era dona de si, queadorava isso, que brincava com o lado sensual. Umagarota que eu jamais havia tentado ser em outrolugar.

    Voc tem esse olhar, Bennett, esse tipo de olharcom um brilho muito especial quando tenta controlaro sorriso, mas mal consegue. Seus olhos brilham, evoc fica simplesmente lindo.

    Ficamos em silncio enquanto caminhvamos, efoi confortvel, mas eu queria conversar mais, queriame conectar.

    E voc? Grandes planos para o fim de

  • semana? perguntei. Relatrios. Tenho uns trs mil relatrios de

    laboratrio para corrigir. Somos apenas vinte e cinco alunos na turma. Tenho trs turmas. Que bom que voc professor de cincias. Por qu? Porque pssimo em matemtica.Eu sorri para voc e me senti espirituosa.Eu nunca havia me sentido espirituosa, sabe?

    Sempre me achei inteligente, mas jamais esperta,jamais espirituosa. No colgio, eu me sentia apenasum entre mil e duzentos alunos, cada um perdido econfuso e inseguro de um jeito ou de outro.

    Mas voc me transformava. Fazia eu me sentirinteligente, engraada e ousada.

    verdade confessou voc.Ento, parou por um segundo e assobiou para

    Voldemort, porque ele ia muito frente na trilha. Elese virou, voltou at ns e, a um metro, saiu correndode novo.

  • Acho que Voldemort quis dizer que estvamosdevagar demais, mas eu no tinha vontade de andarnem um pouco mais rpido. Queria que a caminhadadurasse uma eternidade.

    Se tivesse aquele superpoder, o de interferir notempo, eu o teria usado naquele dia. A caminhadateria levado dias e mais dias.

    Voc faz muitas caminhadas? perguntei,porque senti os pulmes ardendo, quase explodindo,e voc mal ofegava.

    Sim, algumas vezes por semana. Para onde mais voc vai?Voc olhou para o cu, um brilho azul entre as

    rvores. Meu lugar favorito High Rock. Onde fica? No Parque Nacional do monte Rainier. Bem

    depois de Eatonville e Elbe. Do que gosta l?Chegamos a um trecho em zigue-zague, a trilha

    se estreitou, e voc parou e me deixou ir na frente.

  • Eu me perguntei se me observava caminhar. Meupescoo formigava, e desejei ter olhos na nuca, poisqueria muito saber se estava me olhando. Tentei fazermeus quadris gingarem como os de Katie, mas nosei se deu certo, e, como eu estava caminhando, erabem difcil e s me deixava mais sem flego ainda,ento desisti.

    difcil explicar. Eu deveria lev-la um dia.Voc ia adorar.

    Fiquei to incrivelmente radiante e surpresa porseu convite que perdi a capacidade de falar. Fiqueiboquiaberta. Ainda bem que voc estava atrs demim e no me viu daquele jeito, parecendo um peixefora dgua.

    , seria incrvel comentei.Houve um momento de silncio entre ns, e me

    perguntei se voc tinha se arrependido do convite,como se tivesse falado j achando que eu recusaria.

    Depois, voc me contou que havia sido umreflexo, algo que dissera sem pensar, sem lembrarque eu no era uma amiga, no de verdade, e foi esse

  • o motivo daquele silncio. Pois, naquele momento,voc se deu conta de que no deveria ter meconvidado.

    Tambm se deu conta de que queria. Achopossvel que aquele tenha sido o momento em quereconheceu que tambm queria alguma coisa comigo.Talvez ainda no um relacionamento, talvez no oque nos tornamos, mas alguma coisa.

    Olhei para voc por cima do ombro, com umpouco de dor no peito porque sabia, simplesmentesabia, que voc ia dizer algo como: Mas nopodemos fazer isso, porque sou seu professor.

    Mas voc no disse isso. Apenas falou: Teramos que ir logo. Quando a neve se

    acumula, o parque fechado durante o inverno. s dizer quando. Porque agora voc me

    deixou curiosa. Poderamos ir no fim de semana que vem.Em parte soou mais como uma pergunta do que

    como uma afirmao. Houve apenas um leve indciode hesitao, e notei que voc no estava muito

  • seguro do que estava fazendo enquanto as palavrassaam de sua boca. s vezes, parecia que o coraofalava por ns e o crebro no estava presente.

    Em vez de caminharmos na montanha Peakde novo completou voc.

    Meu corao cantou, Bennett. Pulou de meupeito e pairou no topo daquela montanha.

    No sei o que voc sentiu naquele momento.Excitao, preocupao, as duas coisas? Voc tinhaque levar em conta sua carreira e percebeu queestava violando o regulamento da faculdade.

    Ou talvez a regra se aplique apenas a namoros, ecaminhadas no se enquadrassem nisso, certo? Foi oque voc pensou?

    Parece incrvel. Estou dentro.Conversamos sobre os assuntos mais variados

    enquanto subamos a montanha. E, quando chegamosao topo, eu tinha certeza de que aquela vista estavaainda mais bonita do que na semana anterior.

  • *A SEMANA SEGUINTE foi puro sofrimento. Para voctambm foi assim?

    Voc alguma vez se arrependeu de me convidarpara a caminhada, Bennett? No estou falando deagora, que voc sabe como tudo terminou, porquesei que deve se arrepender. Mas naquela poca,quando s havia possibilidades diante de ns.

    L atrs, quando achava que eu tinha dezoitoanos, Bennett. Voc se arrependeu?

    Seria quase a morte para mim pensar que vocse arrependeu, que passou a semana todaimaginando formas de escapar, de cancelar ocompromisso sem muito estardalhao. Porque s apromessa daquela caminhada j me ajudou aenfrentar muita coisa naquela semana.

    Meu irmo foi para casa na segunda. Meu IrmoMuito Perfeito. Meu pai preparou sua Lasanha MuitoFamosa e minha me saiu do trabalho mais cedo paratermos um timo Jantar de Famlia, como fazamos

  • quando eu era pequena, quando era a Filha MuitoObediente. Talvez eu ainda fosse aquela garota, jque nunca tinha dado um passo em falso, jamaisfizera nada inesperado ou andara fora da linha.

    At surgir voc, pelo menos.Meu pai me fez lustrar a prataria porque

    receberamos um convidado, embora fosse apenasTrevor. Meu irmo CDF, bem-sucedido em tudo,para quem, aparentemente, era importante saber secomeria ou no na melhor porcelana.

    Meu pai e minha me Morrem de Orgulho deTrevor. Meu pai se gaba dele sem parar e minha meconversa com ele sobre nmeros e ngulos e seja lque lixo se estude em engenharia. Ele o elogiado,aquele cujo exemplo devo seguir.

    Lembra quando contei que era boa emmatemtica e cincias? por causa de minha me.Os nmeros so fceis para mim e para Trevor. boa gentica ou coisa do tipo.

    Nunca quis seguir os passos de Trevor, masmeus pais jamais enxergaram isso, porque, quando

  • percebi, eles j haviam se acostumado com a ideia,deixado-a crescer como um enorme p de feijo, ecomo eu o cortaria? Quando nem sequer sabia quepoderia escolher outra coisa? Fazer birra porque noquer algo sem ter outra opo em mente comportamento de uma criana de dois anos.

    difcil decidir o que ser quando voc s sedestaca naquilo que no quer ser.

    Essa era minha vida. Em preto e branco. E eudesejava cor. Mas sabia que acabaria me formandoem algo nada interessante. Para mim, seriaengenharia, cincias ou alguma carreira para o qual ocaminho estava bem-trilhado e seria fcil depercorrer.

    Foi nisso que pensei naquele dia, sentada nacadeira de encosto alto comendo salada, sentindo aalface amarga demais na lngua, ouvindo Trevor falarsobre seu estgio em uma empresa de engenharia emSeattle, vendo meu pai radiante e minha me noscus, e pensando em como nunca poderia ser quemeu queria sem decepcion-los.

  • Achei que participar do Running Start e ir para afaculdade aos dezesseis anos seria o bastante paratir-los de meu p, que me daria tempo paradescobrir o que eu queria. Mas naquele momentofinalmente percebi com horrvel clareza, em altadefinio, que jamais haveria uma trgua, ummomento em que eles recuariam e me deixariam empaz para seguir para onde quer que meu caminhosinuoso me levasse.

    Sabe, Bennett, o triste em relao a expectativas que se voc as frustrar (um pouco oucompletamente, no importa) decepcionar aspessoas. E meus pais... eles no tm padres baixos.E meu irmo... s os aumentava.

    Eu queria diverso, o tipo de diverso que jamaishavia tido. O tipo de vida e aventura que sonhavaque voc tivesse. Havia assistido MTV o bastantepara saber que outros adolescentes curtiam,xingavam e viviam altos e baixos nosrelacionamentos. Estragavam tudo, mas, de algumaforma, acabavam voltando a ficar juntos.

  • Mas eu nunca havia vivenciado nada disso.Voc tinha apenas algumas fotos no Facebook,

    mas, atravs delas, criei um mundo inteiro para mim,algo bem parecido com o que achava que todomundo vivia. Eu me imaginei jogando futebolamericano ou rgbi ou o que quer que voc estivessefazendo nas fotos, sob o cu azul-vibrante, voc comuma camisa de uniforme com um grande nmerodoze e com as bochechas coradas. Eu seria pssimano jogo, claro, mas voc riria e me ajudaria, e seriadivertido. No seria competitivo, e ningum seimportaria se eu fosse desajeitada.

    Tambm me imaginei numa viagem a Paris,tirando fotos com a Torre Eiffel ao fundo e eu nafrente, fingindo segur-la com as mos, exatamentecomo voc fez. Seramos turistas bobos, evitandotodos os destinos educacionais aos quais meus paisesperariam que eu fosse.

    E me imaginei cinco anos depois, em um bancode bar a seu lado, descontrada, segurando umalongneck, aquela luz non brilhando atrs de mim.

  • Atrs de ns.Enquanto meu irmo falava e minha me

    murmurava humms de vez em quando para indicarque estava escutando, deixei a mente vagar de voltapara a montanha, e as lembranas de nossa conversame mantiveram acordada.

    Talvez tivesse aperfeioado a arte de sonhar deolhos abertos.

    Qual a sensao de ficar para trs, Trevor? perguntou minha me ao espetar um aspargo queparecia fugir dela havia dois minutos.

    H?Trevor tomou um gole de gua gelada e encarou

    minha me.Vi seu ego piscar e brilhar daquela forma

    defensiva de sempre, aquele olhar fcil de interpretar,o cabelo escuro com o gel de sempre. Porque, paraele, a aprovao de minha me era tudo. Eleescalaria o Everest e daria a volta na Lua s paraimpression-la. Alguns obstculos no eram nada.

    Madelyn est cursando clculo na faculdade

  • aos dezesseis anos. Voc no fez essa matria algunstrimestres atrs?

    Ah... Em algum momento do ano passado, .E ele piscou, s uma vez, e percebi que no

    gostou do que minha me havia acabado de dizer,das insinuaes por trs das palavras. Ela noprovocava de propsito, como meu pai fazia, mas ainteno estava sempre intrnseca a tudo que dizia.

    Sempre quis um irmo mais velho, algum quecuidasse de mim e mostrasse como eu deveria viver,mas tudo que tive foi um rival. Sou quatro anos maisnova do que Trevor e, ainda assim, ramos jogadosum contra o outro, sempre comparados para verquem era o preferido do dia.

    E eu queria que minha me no tivesse feitoaquilo, jogando minhas realizaes na cara de Trevordaquele jeito. Porque sabia que ele voltaria a elevarainda mais os padres, tornando impossvel que euos alcanasse o que, para mim, significava ficarsempre em segundo lugar.

    Voc j esteve em uma panela de presso,

  • Bennett? J sentiu como se tivesse corrido pela casados espelhos tentando ignorar aquelas vinte versesde voc, algumas altas e magras, outras tortas e feias,para chegar ao fim e se dar conta de que no haviarota de fuga, apenas mais espelhos, mais versessuas?

    Voc era minha rota de fuga. Minha porta paraoutro mundo, um reflexo que se parecia mais com apessoa que eu queria ser do que com a que eraobrigada a ser.

    Estamos muito orgulhosos de Madelyn disse meu pai, e sua voz estava meio rouca, ou grave,ou sei l o qu, como sempre, resultado do hbito defumar que ele achava que ns, crianas,desconhecamos.

    Era um vcio que ele no conseguia assumir,porque no combinava com o histrico de atleta nafaculdade, de professor de educao fsicacontrariava completamente o homem que ele fingiaser.

    Minha famlia assim, sabe? Todo mundo tem

  • um vcio secreto.Meu pai fuma e minha me toma vinho todas as

    noites (s uma taa), mas bebe em uma caneca decaf, como se no percebssemos nada.

    s uma taa, Bennett. S uma. Sei porquefiquei curiosa uma vez e acompanhei quanto restavana garrafa. Mas o fato de ela esconder, de noquerer admitir o hbito de uma taa por dia E meupai escondendo os cigarros na gaveta das meiasBem, assim que so as coisas em minha casa.

    Voc tem que ser perfeito, e se no for, bom, melhor fingir muito bem.

    E eu fingia muito bem, Bennett. Assim comodepois daquele seu primeiro dia de aula, quandopassei a tarde sentada no sof, pensando em voc,mas ainda assim meu pai pensou que eu ficaraestudando, porque eu sabia que deveria abrir oslivros e espalhar as folhas de exerccios assim que eleentrasse na garagem.

    Ento, naquela noite com Trevor, fiquei sentadana cadeira da sala de jantar e fiz minha obrigao, e

  • pensar em voc tornou tudo mais fcil. Pensar emnossa caminhada que se aproximava, pensar no localchamado High Rock, torcer para que fosse to altoque nos levasse a outro lugar e jamais tivssemos quevoltar.

    Veja: meu pai tinha os cigarros e minha me, ovinho. E eu, bem, eu tinha voc.

  • *NA QUINTA, no fim da aula, precisei atrasar minhasada porque no havamos combinado onde nosencontraramos, mas no podia falar sobre isso nafrente de mais ningum. Foi o primeiro dia em quetive que me esforar de verdade para nos esconderde todo mundo.

    Katie estava meio que guardando o material,segurou os livros no colo e parou para me esperar.Balancei o brao e disse:

    Preciso fazer uma pergunta ao sr. Cartwrightsobre a prova da semana que vem.

    Tinha me acostumado a pensar em voc comoBennett, e dizer sr. Cartwright provocou umasensao estranha em minha lngua, mas voc sabeque eu precisava fazer isso.

    Katie assentiu e saiu da sala, ento ficamos a ss.Voc no fingiu mexer no laptop, nos papis nem

    nada do tipo. Apenas ergueu o olhar e sorriu paramim, e, naquele momento, minha preocupao

  • evaporou, porque aquela no era a expresso dequem queria cancelar os planos.

    Ei, voc cumprimentou-me, e li tanta coisanas entrelinhas, um ar descontrado e confortvel naspalavras, que me deixou vontade.

    Ei, voc. S queria saber onde vamos nosencontrar.

    Por que no na montanha Peak, e entoseguimos juntos de l? J que precisamos ir naqueladireo mesmo

    timo. S mais uma pergunta acrescentei,parando a seu lado.

    Seus olhos miraram por cima de meu ombro paraas janelas, embora estivssemos a uma distncianormal para um aluno e um professor. Dei umpequeno e quase imperceptvel passo para trs, epareceu que voc havia voltado a respirar, e algo emsua reao me magoou, s um pouquinho.

    Voc achou que eu ia me aproximar, Bennett?Que eu tocaria em voc ou flertaria bem ali, em suasala de aula, vista de qualquer passante?

  • Eu no teria feito isso. Queria que fosse segredotanto quanto voc. Mas acho que seu nervosismo eracompreensvel, ento tentei no ficar chateada.

    O qu? perguntou voc. Como gosta de seu caf?

  • *SUA PICAPE CHEIRAVA a pinheiro naquele dia, umaroma quase sufocante. Voc comprou aromatizadorcom formato de rvore por minha causa, no foi,Bennett? Fiquei com medo de perguntar, porque se aresposta fosse no eu teria me sentidocompletamente idiota. Mas sabia a verdade.

    No havia uma migalha de lixo e nenhumamanchinha de sujeira na cabine. Voc uma pessoaorganizada (eu sabia pela forma cuidadosa comopendurava o casaco na sala de aula, pelo aspecto dearrumao de sua bolsa-carteiro), mas vi que havialimpado a picape para mim. Quando iniciamos olongo caminho at High Rock, abri um pouco a janelapara o aroma de pinheiro no nos sufocar.

    Eu sabia que ficaramos l bem mais tempo doque minhas caminhadas normais levavam, ento dissea meus pais que iria biblioteca do colgio estudarpara sua prova.

    Engraado, no ? O fato de eu mencionar seu

  • nome e eles no desconfiarem de nada. A maisestranha sensao de prazer e de rebeldia, decerta forma, tomou conta de mim naquela manhquando dei um passo fora de casa sabendo que teriaum dia inteiro para mim, que teramos um dia inteiropara ns e meus pais nunca descobririam, porque ir biblioteca estudar se encaixava na imagem da FilhaMuito Perfeita.

    Eu sabia que desde que fosse perfeita por fora,no importava como me sentia por dentro. Ento,apreciei aquele longo trajeto at High Rock enquantoo observava tomar o caf que comprei, feliz por vocbeber at a ltima gota.

    Dirigimos por estradas de terra cheias de curvase ladeadas por rvores, passamos por lagos e colinase atravessamos pequenas pontes. Quanto mais nosdistancivamos do colgio, de casa, da vida, maismeu humor mudava, tornava-se mais leve, com umdia de infinitas possibilidades surgindo diante de ns,assim como a estrada.

    Ainda gosta da minha aula? perguntou

  • voc.Sorri e o encarei. De algumas partes mais do que de outras

    respondi. E qual sua parte favorita? Voc respondi, sentindo-me ousada.Acho que voc corou, apenas uma leve corzinha

    surgiu em suas bochechas (que pareciam mais lisas ebarbeadas do que em um dia comum de aula), eento comentou:

    Tenho que admitir que minha aula das onzehoras no a mesma coisa.

    H?Voc assentiu, curvando os lbios bem de leve. Eu no deveria dizer isso. Mas quero que diga. s vezes, tenho dificuldade de no olhar para

    voc um monte de vezes durante as duas horas. Vouacabar arrumando problema.

    A forma como sorriu, com os olhos aindagrudados na estrada, mostrou aquele seu dente torto.

  • Minha me diria que isso acrescenta personalidade;eu s achava que fazia voc parecer ainda maisatraente.

    Acho que tenho sorte, ento. Tenho que olhars para voc mesmo comentei.

    Voc esticou a mo e cutucou meu brao debrincadeira, e eu o cutuquei, e estvamos sorrindo efoi lindo, no foi? Ns dois sendo apenas um garotoe uma garota dizendo o que pensvamos.

    Di muito pensar em como tudo ficoucomplicado, tendo comeado de uma forma tobonita.

    Depois de passar por Elbe e descer por umarea estreita de asfalto, voc ligou a seta e virou emuma estrada de cascalho. Quanto mais nosdistancivamos da realidade, mais eu desejava quesua picape tivesse um banco inteirio, pois queriadeslizar at nossas coxas se tocarem. Queria ver sevoc colocaria a mo em meu joelho ou, quem sabe,passaria o brao pelos meus ombros e deixaria eu merecostar em voc.

  • Voldemort havia permanecido em silncio latrs, na caamba da picape, enquanto seguamospor estradas pavimentadas, mas depois ele se agitoue comeou a abocanhar o vento e qualquer galho quealcanasse. Foram mais alguns quilmetros naquelaestrada cheia de poas, e quando voc passava porburacos largos, quase vovamos de nossos assentos,e depois ramos.

    Por fim voc estacionou a picape, e fiquei muitosatisfeita por ver que no havia outro carro ali.

    Trouxe luvas? perguntou voc quandosamos.

    Estava muito mais frio l nas montanhas do queem casa. Fiquei surpresa com o ar gelado, mas sabiaque no seria to ruim quando comessemos aandar.

    H, no respondi. Tenho um par a mais.Voc tirou a mochila dos ombros e jogou para

    mim um par daquelas luvas pretas de tecido elstico.Eu as coloquei, imaginando que voc j as havia

  • usado, ento era quase como se estivssemos demos dadas. Parece muito infantil agora, como umagarota vivendo sua primeira paixonite, mas eraimpossvel impedir que esses pensamentos tomassemforma.

    E, um instante depois, no precisei imaginar,porque voc segurou minha mo e disse:

    Venha. E me puxou na direo do incioda trilha.

    Voc estava diferente naquele dia, menoscauteloso, como se o fato de sermos professor ealuna no importasse.

    Voc no agiria daquela forma se soubesse queeu tinha dezesseis anos. Era nisso que eu pensavaquando voc segurou minha mo. Que eu estavafazendo algo que no deveria, que o estava traindo,que voc jamais precisaria saber, que eu poderia tero que queria e que, talvez, anos depois ns riramosde tudo.

    Espero que eles saibam disso. Saibam que tudoque fez, cada passo que deu, cada vez que tocou em

  • mim, foi porque achava que eu tinha dezoito anos.Voc soltou minha mo quando chegamos

    trilha, porque no havia espao para andarmos lado alado, e ficamos em silncio enquanto subamos acolina.

    Por ser mais ngreme do que a montanha Peak,era mais difcil acompanhar o ritmo que voc imps,e paramos diversas vezes, sentados um ao lado dooutro em troncos cados no cho. Voldemort corriaat ns e afundava o focinho em meu colo, mefazendo rir, e voc fez carinho na cabea dele.

    Eu queria me encostar em voc quandoparvamos. Queria que voc tocasse em mim.

    Mas ainda no havamos chegado l. Voc aindase controlava.

    Devemos ter levado quase duas horas parachegar ao ponto em que as fileiras de rvores ficarampara trs e uma enorme pedra escarpada se inclinavabruscamente acima de ns. A caminhada toda tinhaapenas dois quilmetros e meio, mas o ngulo, ainclinao da montanha, fez com que fssemos mais

  • devagar, e por mim estava tudo bem. O que isso? perguntei, olhando para um

    cabo de ao na superfcie da pedra.No topo, havia uma cabana caindo aos pedaos. uma surpresa.Eu me virei e o encarei com as sobrancelhas

    erguidas, mas voc parecia to feliz, to ansioso, comos olhos azuis reluzindo daquele jeito, que apenas mevirei e o segui.

    No havia rvores, arbustos nem grama, apenaso grande pico de pedra. Mas no era vertical, e eusubi com a ajuda do cabo. Conforme a cabana seaproximava minha curiosidade aumentava. Seu rostoassumiu um certo brilho, como se voc estivesseprestes a compartilhar alguma coisa especial comigo.

    Foi uma daquelas vezes em que voc pareceumuito jovem, mesmo aos vinte e cinco anos.

    Voc tinha aquele ar cosmopolita e sofisticado,mas quando seu sorriso brilhante se abria, eu o viaclaramente como um aluno de ensino mdio, igual aqualquer outro garoto que se sentava a meu lado na

  • sala de aula. E isso fez toda a culpa que eu sentia porter dezesseis anos e guardar esse segredo se dissiparpor completo, me fez pensar que eu no estava topara trs, no estvamos to distantes.

    Chegamos ao topo e vi que no era apenas umacabana, mas um chal antigo completo, com varanda.Ficava empoleirado no pico, a poucos metros doprecipcio.

    Senti medo de soltar o cabo, mas, ao ficar ali dep, segurando-me, meu corao parou.

    Eu via tudo daquele ponto. O mundo todo,Bennett.

    O monte Rainier e o monte St. Helens.O monte Hood e o monte Adams.Quatro dos picos mais altos do estado de

    Washington, e eu os via daquele ponto em toda a suaglria coberta de neve, um contraste intenso com asmontanhas arborizadas que os cercavam.

    Abaixo de ns se estendia o Parque Nacional.Quilmetros e quilmetros e quilmetros de verde,vales e montanhas ngremes, cortados apenas por um

  • lago ou rio ocasional.Era de tirar o flego.Voc era de tirar o flego. Que lugar este? perguntei por fim.Voc chegou atrs de mim sem precisar se

    escorar no chal, como eu, e ficamos to prximosque me senti segura o bastante para largar o cabo.

    Muito tempo atrs, foi construdo paralocalizao de focos de incndio. Incndios florestais,sabe? Foi construdo nos anos 30. Precisaram usarburros para trazer todo o material, e ento um senhorficava aqui por dias e dias no vero, vigiando sinaisde fumaa e fogo.

    Que incrvel!Devia ser mgico ficar l em cima durante dias

    sem fim. O vigia provavelmente se sentia a nicapessoa na Terra.

    Venha, tem mais.Eu no conseguia imaginar nada mais espetacular

    do que havia acabado de ver. Voc pegou minhamo de novo e a apertou, depois me levou at a

  • varanda. Abriu a porta, e ns entramos.No havia muita coisa l dentro. S uma mesinha

    e uma cama sem cobertores.E um caderno.Voc o pegou e gesticulou para que eu o

    seguisse at a varanda dos fundos, e ento nossentamos ali, com os ps pendurados na direo daspedras. Balancei as pernas enquanto voc seacomodava a meu lado e abria o caderno de espiral.

    Sabia que vem gente de todos os cantos paraver este chal, e eles escrevem aqui seus nomes euma mensagem?

    Voc tirou uma caneta da mochila e a entregou amim.

    Escreva alguma coisa por ns dois.Foi simblico quando voc me entregou aque