a utopia nacionalista de manoel bonfim

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    Em Tempo de HistriasPublicao do Programa de Ps-Graduao em Histria da Universidade de Braslia (PPGHIS/UnB)

    N. 20, Braslia, jan. jul. 2012. ISSN 2316-1191

    A utopia nacionalista de Manoel Bomfim*Andr Luiz de Souza Filgueira1

    Resumo:Este texto dedicado compreenso da designao de nao em Manoel Bomfim. A tese que

    sustenta essa concepo a de que o Brasil se fez nao apoiado em todos os predicados

    necessrios sua consolidao (coeso social, amor terra, amor ptria e resistncia) nos

    sculo XVI e XVII. O nimo nacional, expresso utilizada por Bomfim para se referir formao da ptria, manifestou-se em momentos especficos, a saber, durante a resistncia

    invaso francesa e, depois, holandesa. Assim foi fundada a nao brasileira, na derrota dos

    invasores. O conhecimento da tradio resistente e fundadora da ptria erguida no nimo

    nacional e no suor derramado pelos herois da nao em sua defesa Bomfim os recebeu dos

    escritos de Robert Southey. O nimo nacional ganhou tonalidade nos escritos do autor emanlise porque sua fora repousa no sentimento, na paixo e no amor ptria. A nossa

    proposta expor os argumentos empregados por Bomfim que conferem sustentao aoaparecimento do fenmeno nacional, amparado no amor ptria e que, depois, efervescer as

    quatro revolues do sculo XIX (poca assinalada pela composio do Estado nacional

    brasileiro).

    Palavras-chave:nao;resistncia;Brasil.

    Abstract:This text is dedicated to the comprehension of the designation of a nation in Manoel Bomfim.

    The thesis that sustain this conception is that Brazil made itself a nation based on all the

    needed predicates to its consolidation (social cohesion, love for the land, love for the

    homeland and resistance) in the XVI and XVII century. The national strength, expression

    used by Bomfim to refer to the country formation, manifested in specific moments, known,

    during the resistance to the French invasion, and later Holland's. And thats how the Brazilian

    nation was founded, in its invader's defeat. The resistant tradition knowledge and founder of

    the the homeland - lifted by the nations strength and in the sweat drained from the heroes of

    the nation in its defense - Bomfim received writings from Rober Southey. The national

    strength gained tonality in the authors writings, in analyse, because its force relied on the

    feelings, in the passion and in the love for the homeland. Our proposition is to expose the

    arguments imposed by Bomfim, that conferrers support to the appearing of the national

    phenomenon, based on the love for the homeland and that, later, will heat it up the four

    revolutions of the XIX century (time signed by the composition of the national BrazilianState).

    Keywords:nation;resistance;Brazil.

    O Brazil no conhece o Brasil

    *Artigo submetido em 15 de mai./2012, e aprovado em 25 de jun./2012.

    1Doutorando em Literatura pelo Programa de Ps-Graduao em Literatura, mestre em Cincias Sociais peloCentro de Pesquisa e Ps-Graduao em Estudos Comparados sobre as Amricas, ambos da Universidade de

    Braslia e, graduado em Histria pela Pontifcia Universidade Catlica de Gois. E-mail:[email protected]

    mailto:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]
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    N. 20, Braslia, jan. jul. 2012. ISSN 2316-1191

    Maurcio Tapajs / Aldir Blanc

    Manoel Bomfim2 no primeiro livro da trilogia2 dedicada ao pensamento social

    brasileiro, O Brasil na Amrica: caracterizao da formao brasileira, publicado em 1929,coloca em destaquea importncia da resistncia brasileira invaso francesa, no sculo XVI.

    Esse fato, a resistncia, inaugura o aparecimento da primeira lio de patriotismo 3. Isso levou

    o autor a afirmar, com entusiasmo, que,

    certo que a defesa da terra contra os franceses antecede qualquermanifestao da alma brasileira; mas, tanto dura a luta, e tanto se estende,que valeu como a primeira lio de patriotismo s novas gentes, e deve sercitada explicitamente porque a, nas peripcias dessa defesa, pronunciam-se

    os primeiros lances de valor j propriamente brasileiro. (BOMFIM, 1997:209)

    O valor brasileiro, ao qual se refere Bomfim, o amor pela terra. Em prol da terra se

    levantaram portugueses e nativos contra os franceses. De imediato pode ser questionado se o

    portugus possua amor terra j que ele se estabeleceu na colnia por motivos econmicos.

    Segundo Bomfim, o portugus que se ops aos franceses tinha sim amor a terra. Esse

    sentimento era advindo do contato com o gentio; o portugus, no Brasil, juntou-se

    francamente, em sangue e costumes, aos indgenas. (BOMFIM, 1997: 107-108). Por isso, da

    unio de foras entre portugueses e ndios resultou a resistncia necessria para expulso do

    gauls, desejoso em assenhorear-se do domnio portugus na Amrica. (BOMFIM, 1997:

    210).

    Da resistncia ao francs vieram tona os herois nacionais. Mesmo sendo portugueses

    eles se tornaram brasileiros, brasileiros heroicos. Esses herois endossaram o levante nativo no

    Brasil, e ambos, de posse de uma instruo guerreira, defenderam a terra. Segundo Manoel

    Bomfim, nesse plano que reside um dos mritos mais candentes do nimo nacional, porqueda vem o enxame de herois.

    2Pensador social brasileiro nascido em Sergipe e que viveu de 1868 a 1932. Estudou medicina, mas desligou-se

    desse ofcio aps perder a filha, em 1894, vtima de tifo. Em seguida, Bomfim fez da educao sua morada

    profissional, no mesmo instante em que dedicou ateno reviso da historiografia brasileira. Um dos aspectos

    mais relevantes de sua anlise social a defesa do mestio, agente condutor da emancipao nacional, e acondenao colonizao portuguesa, fonte limitadora do progresso ptrio.2A trilogia social de Manoel Bomfim composta pelos seguintes ttulos: O Brasil na Amrica: caracterizao

    da formao brasileira, cuja publicao de 1929, O Brasil na histria: deturpao dos trabalhos, degradaopoltica, de 1931, e, por fim, O Brasil nao: realidade da soberania brasileira, tambm publicado no ano de1931.3 Bomfim no distingue nao, nacionalismo e ptria. Por isso, comum, em seus textos, o emprego dos

    referidos termos como equivalentes.

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    Agora, para a remisso definitiva da terra brasileira, vemos aparecer nomesque so de brasileiros, ou exclusivos da nossa histria: Cavalcanti,

    Albuquerque, Albuquerque Maranho, Souza Dessa, Rangel, Bento Maciel...

    completados por Martim Leito, Soares Moreno..., heris que, sendoportugueses de nascimento, so brasileiros em tudo mais: a educaoguerreira os interesses definitivos, e at os sentimentos. (BOMFIM, 1997:216).

    A proposta interpretativa desse pensador social consiste em sublinhar que a colnia,

    mesmo sendo cercada de limitaes que a distanciava do modelo europeu de civilizao, se

    organizou e combateu os franceses, saindo vitoriosa. Partindo desse suposto interpretativo a

    respeito da primazia da resistncia brasileira aos franceses, guiada pelos herois da nao, o

    imperativo da histria se impe a fim de trazer luz os feitos do passado, que reservam aes

    com volume patritico. O passado j produziu os seus efeitos: foi escola de patriotismo.

    Guardemos dele, apenas, o justo orgulho: o Brasil foi o nico pas onde, em lutas repetidas, a

    Frana gloriosa nunca pde impor a sua vontade. (BOMFIM, 1997: 236). Esse marco

    registrado na memria coletiva4da nao inspirou o engendrar da tradio nacional. Assim,

    Bomfim compreende que a resistncia aos franceses o fato social que funda o Brasil.

    A fundao precoce5 da nacionalidade brasileira s foi possvel pela interseo do

    amor ptria, expresso no nimo nacional. Por isso, logo no prefcio do livro O Brasil na

    Amrica dito: com o anunciar da nacionalidade, gira um sopro de vivificante aurora:

    purifiquemo-nos, reanimemos nele. (BOMFIM, 1997: 28). Manoel Bomfim diz isso por

    confiar que [a] paixo que ilumina e fortalece (BOMFIM, 1997: 28) a alma e/ou o nimo

    nacional. Esse sentimento no posse de um nico indivduo, mas ao contrrio, ele de

    posse coletiva, e por ser de posse coletiva ele o parteiro da unidade nacional, da ptria. To

    coletiva essa unidade de sentimento nacional que o prprio Manoel Bomfim se percebia

    envolvido nela. Ele se via nela envolvido porque o levava de volta a sua infncia e

    adolescncia, essa unidade, em que me reconheo, aquilo mesmo que, na conscincia,

    reflete a singela tradio nacional dos meus dias de infncia e de adolescncia. (BOMFIM,

    1997: 29).

    4A memria coletiva uma categoria pensada pelo filsofo francs Maurice Halbwachs. A ela foi designada a

    funo de recompor o passado no instante em que evocamos um fato que tivesse um lugar na vida de nosso

    grupo e que vamos, [...] ainda agora no momento em que o recordamos, do ponto de vista desse grupo.

    (HALBWACHS, 2006: 41).5 Grifo nosso. Empregamos essa palavra porque, segundo Bomfim, o Brasil foi o primeiro pas da Amrica,

    qui do mundo, a usufruir do estatuto de nao. No se encontra, por todo o resto da humanidade, um toestendido pas, em dezenas de milhes de habitantes, to aproximados em corao, to isentos de dios, e to

    livres de motivos de dissenses to unidos, enfim, como se v na Nao Brasileira. (BOMFIM, 1931: 166).

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    Isso mostra o brilho expelido pela tradio histrica nacional da qual o autor est

    contaminado. Porque a histria tambm, assim como a nao, tem como combustvel a

    paixo, e no a razo, como acreditavam os filsofos da Ilustrao. No a razo; a paixo

    que faz a histria, porque a paixo que trabalha pelo futuro. (BOMFIM, 1931: 38). Assim,

    o brilho oferecido pela tradio histrica superou at mesmo as desventuras trazidas pela

    empresa colonial no momento em que esta se rendeu ao parasitismo social6. Exploraremos

    um pouco mais a tradio patritica anunciada na concepo de nacionalidade, s que, desta

    vez, ela ser bradada por meio da resistncia invaso holandesa. Nessa conjuntura, a

    tradio nacional tropeou em um obstculo, o colonizador portugus, aquele que lutara antes

    contra os franceses, agora encontra-se degradado.

    Se, de um lado, a singularidade que saltou aos olhos de Bomfim foi a coeso social

    estabelecida entre portugueses e nativos durante a resistncia aos franceses, de outro lado, o

    que deixou o sergipano em estado de alerta foi a conjuntura social da colnia, na ocasio da

    resistncia aos holandeses. Tal conjuntura social exibida pelo declnio do Estado portugus,

    no sculo XVII:

    foi um perigo superior a quanto j tem ameaado a colnia, e esta, que j erauma ptria, esteve a desaparecer, para a tradio em que se formara, porque

    essa tradio era representada, agora, na degenerao e no apodrecimentodos dirigentes portugueses, com a misria do Estado que neles se realizava. (BOMFIM, 1997: 253).

    Mesmo perante Portugal declinado e j praticante do parasitismo social, o nimo

    nacional, expresso por meio da ao isolada dos nativos e mestios, dar, mais uma vez,

    prova do seu esprito soberano ao resistir s incurses holandesas, cujas finalidades eram:

    subtrao da terra, da matria prima e das energias daquelas gentes. De posse do nimo

    nacional,o povo, segundo Bomfim, relutou e deu provas aos portugueses e aos holandeses doseu vigor. Assim, se fez numa verdadeira substituio de valores humanos: a me-ptria7,

    que abate na misria da incapacidade; uma nova ptria que lhe salva a tradio, e a impe

    6Parasitismo social o conceito formulado por Manoel Bomfim. A origem de tal categoria deita suas razes na

    extrao da palavra parasita, cunhada na biologia para nomear corpos que subtraem partes das potencialidades deoutro animal, para aplicao na leitura da realidade social latino-americana. Para o acesso mais detalhado aos

    sentidos dado ao conceito mencionado, consultar o livro:A Amrica Latina: males de origem, publicado no anode 1905.7 Grifo nosso. Essa expresso remonta ao legado do pensador social cubano Jos Mart. Para maiores

    informaes, sobre o termo me-ptria, conferir a pesquisa do historiador Eugnio Rezende de Carvalhodedicada ao poeta nascido em Havana, cujo ttulo :Amrica para a humanidade: o americanismo universalistade Jos Mart.

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    contra todos. (BOMFIM, 1997: 255). Com isso, o pensador social afirma que a tradio

    nacional, lavrada outrora na resistncia ao francs, foi evocada naquele momento pelo povo a

    ttulo de inspirao a resistncia ao holands, considerando que a tradio nacional veio luz

    ao mesmo tempo em que os interesses esprios abatia o ex aliado da ptria, Portugal.

    O povo brasileiro, nessa conjuntura social, lutou s, apoiado na tradio histrica

    contra a ameaa instaurada pelo batavo no momento assinalado pela decadncia do

    colonizador portugus, entregue ao parasitismo social, que nada fez diante do perigo que se

    abatia sob a me-ptria. Esse enfretamento solitrio rendeu frutos. Fez reascender a chama,

    no dizer de Bomfim, do sentimento nacional, prprio do brasileiro.

    [...] os herosmos ressurgem a qualquer mais leve movimento, com a prova detudo: a decadncia do Estado portugus; a degenerao e degradao dosseus governantes, o eclipse do seu herosmo, o surgir de um sentimentonacional j prprio do brasileiro, e o mais em que se expande a paixo

    patritica virtudes, dedicaes, entusiasmos... personalidades em relevo defora de ao. E, como significao definitiva, uma vontade soberana,inflexvel, condensadora de energias, organizadora de destinos. (BOMFIM,1997: 255).

    Diante das palavras de Bomfim fixada uma interrogao, de sua autoria, que j , em

    si mesma, uma resposta afirmativa no que tange residncia do sentimento nacional na

    constituio da nao. Se no fosse legtimo o acudir proporcionado pela unidade de

    sentimento nacional, ento, como explicar que a revoluo de Dezessete8 alastrasse, como

    alastrou, e levasse as suas pretenses do Cear at a Bahia e a prpria sede da Corte?

    (BOMFIM, 1931: 143). Cabe exprimir, todavia, qual o ncleo da argumentao de Bomfim

    a respeito da invaso holandesa no contexto da degradao portuguesa. Com a derrota dos

    franceses, mrito da colnia, conquistado por portugueses e nativos, os primeiros se

    inscreveram no contexto da degradao, do parasitismo social, abandonando os nativos

    remanescentes e a parcela mestia sua prpria sorte. Desse modo, queremos atinar o ncleo

    da argumentao de Bomfim, ou seja, dizer que antes da degradao e da espoliao, o

    portugus emprestou construo da tradio histrica brasileira vigor e bravura, to

    caractersticos de sua prpria tradio.9 To caractersticos que Bomfim chamou o

    colonizador, nos ureos tempos, (antes da degradao), de Portugal heroico em um dos

    captulos que agregam o livro O Brasil na Amrica. Ele tambm exps que Portugal era

    8Grifo do autor.

    9Esse fato percebido por Bomfim j nos primeiros captulos do livro O Brasil na Amrica: caracterizao daformao brasileira, que so: cap. I Portugal herico, p. 39; cap. II O espanhol e o portugus, p. 67; e, porltimo, cap. III Os colonos formadores, p. 83.

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    dotado de bravura, tenacidade e capacidade organizativa quando se lanou navegao [no

    sculo XIV], dotes que Castela no dispunha. E foram tais qualidades que sobressaram na

    amarrao da tradio histrica brasileira contra os franceses e que permaneceram na

    formao do povo brasileiro. Aps isso, o que Portugal quis foi iniciar oparasitismo social. A

    citao a seguir longa, porm, mostra os indcios dos desejos portugueses em relao ao

    Brasil logo aps a derrota dos franceses. Tais desejos consistiam no

    amparar-se no forte [o povo brasileiro], a tem-lo, empenhado, por isso, emcont-lo e, para cont-lo, enfraquecendo-o sistematicamente, desnaturando-o.

    Desse momento em diante, a metrpole degradada, miservel, converteu-seem espoliadora feroz, no papel de um inimigo danoso. No s espoliadora,mas corruptoramente opressora, j despeitada, j invejosa, a realizar, em

    tudo, o pior dos senhores o fraco decado. Se a isto juntamos acircunstncia do gnio portugus, exaltado pelo mercantilismo, teremos aexplicao do que foi depois a vida do Brasil vitoriosamente definido, mas

    jungido a Portugal; o Brasil contrariado em todos os seus surtos naturais, enas suas legtimas aspiraes; o Brasil estiolado, tiranicamente mantido naignorncia e na obedincia absoluta, desvirtuado nas suas tradies, roubadode tudo, at da sua histria... (BOMFIM, 1997: 255-256).

    Esse o retrato social do Brasil s vsperas da invaso holandesa. Uma colnia

    enfraquecida (parasitada) por causa da pilhagem estabelecida pelo colonizador em benefcio

    doparasita.

    Mesmo diante dessa conjuntura, segundo Bomfim, quem ir expulsar o invasor

    holands ser o povo, instigado pelo nimo nacional. Ele foi quem reagiu, no Brasil, e to

    vigorosamente bateu o invasor no foi o Estado portugus, mas o nimo brasileiro

    (BOMFIM, 1997: 257). O povo organizado resistiu e lutou bravamente na varredura do

    holands. O povo era formado por nativos, mestios10e portugueses que aqui foram feitos no

    esprito da nova ptria. Contudo, a parcela significativa chamada povo, a qual Bomfim rende

    enormes louvores na expulso holandesa a pernambucana. Nesse aspecto, o mdico

    sergipano influenciado pelos escritos de Robert Southey. A respeito dos relatos histricos

    construdos por esse historiador diagnosticado o enfrentamento, liderado pelos

    pernambucanos, de acordo com Bomfim: a resistncia inicial foi organizada por um capito

    nascido no Brasil, feito no esprito da nova ptria, capaz de aproveitar as suas energias.

    (BOMFIM, 1997: 264). Seu nome era Matias de Albuquerque, um dos herois da resistncia

    holandesa. O amor ptria era to intenso que Bomfim relata, sustentado no comentrio de

    10O Brasil um pas de populao cruzada, desde os seus primeiros dias, e foi com essa populao cruzada que

    a nao apareceu e se definiu. (BOMFIM, 1997: 206).

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    Frei Manuel do Salvador, que havia pernambucanos que se matavam, para no se entregarem

    aos holandeses. (BOMFIM, 1997: 267).

    Toda resistncia do povo foi guiada por um nico sentimento: patriotismo. E o que ,

    afinal de contas, patriotismo para Bomfim? Patriotismo o sentimento que permanece na

    nao j constituda, mesmo diante de todas as insuficincias e misrias do Estado

    portugus (BOMFIM, 1997: 275), pois o patriotismo a frmula de solidariedade vivaz,

    explicita, vigorosa, concreta, porque procede na nitidez e no vigor dos motivos egostas, para

    efeitos nitidamente sociais. (BOMFIM, 1931: 170). O exemplo mximo de patriotismo so

    os das pessoas que defenderam a tradio que, [...], aqui se criara, e que j era uma tradio

    prpria o Brasil. (BOMFIM, 1997: 275).

    Portanto, em face do exposto, o que pode ser acompanhado na rabeira da leitura da

    formao nacional proposta por Bomfim : o Brasil fundado na colonizao. Isto porque o

    nome Brasil surge com a prpria colonizao (BOMFIM, 1997: 336). E no s isso, o

    autor vai alm ao avaliar que por conta das duas resistncias, precocemente estabelecidas

    contra franceses e holandeses na colonizao, fundada, na Amrica, a primeira tradio

    nacional que pode ser colocada como modelo s demais que compem esta geografia

    continental. Assim, o Brasil

    exemplo nico, por toda esta Amrica, o Brasil a nao que existe para omundo, no signo de um nome seu, muito antes de poder possuir soberania

    prpria. Quase toda a histria colonial se faz conduzida por esse nome, que,se existe, porque corresponde necessidade de indicar uma realidade aunidade ideal, superior s contingncias e vicissitudes da colonizao.(BOMFIM, 1997: 336).

    O florescer prematuro da nacionalidade brasileira devedor plasticidade do povo

    brasileiro, fincada desde a colnia e que permitiu a fuso de raas e de tradies. No livro O

    Brasil na histria, Bomfim chega afirmar que o aparecimento antecipado da nacionalidade

    originrio da plstica das raas indgenas, que permitiu aproveitaram-se, em nimo de

    juventude, as qualidades boas da nao colonizadora (BOMFIM, 1931: 293). E dessa fuso,

    no perodo colonial entre indgenas e portugueses, esses que resistiram aos intentos franceses,

    antes de se entregarem ao parasitismo social, veio luz aquilo que Bomfim chamou de

    superioridade da nossa gente, que a levou conquista do estatuto de nacionalidade, bem

    como ao progresso. Estatuto esse que foi consolidado no combate aos franceses, estabelecido

    pelo povo brasileiro, sem o auxlio do portugus que j havia rendido graas aoparasitismo

    social. Vejamos como essa argumentao, a respeito da plasticidade do povo brasileiro,

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    arranjada nas letras do texto de Bomfim, que nada mais do que um elogio mestiagem,

    cujo sinnimo a plasticidade. Recordando que a mestiagem [to condenada pelo campo

    intelectual da gerao de 1870], ou aquilo que Bomfim chamou de plasticidade do povo

    brasileiro, a chave de acesso ao reconhecimento do estatuto da nacionalidade brasileira.

    Solidariedade ntima e de coeso essencial, o povo brasileiro da colnia era,ao mesmo tempo, um nimo de liberdade, pois que se fizera na fuso de raase de tradies, em contato com a natureza virgem, estuante de energiasacumuladas. Desse cruzamento resultara para ele a capacidade primeira de

    progresso, essa plasticidade que, ainda hoje, a superioridade da nossagente, sedenta de inovaes, acessvel a todos os progressos, como sem peiasde rotina e sem preconceitos do passado. (BOMFIM, 1997: 334-335)

    A tradio histrico-social de resistncia do povo brasileiro, urdida na plasticidade

    social, calcada no amor ptria e na coeso social, so elementos indispensveis na fundao

    da nao vislumbrada por Manoel Bomfim. A resistncia do povo brasileiro, que fundou a

    nao nos sculos XVI e XVII, retorna cena pblica durante o sculo XIX, por meio de

    quatro tentativas de revolues obliteradas, que foram: a Independncia (em 1822), a

    Abdicao (1831), a Abolio (1888) e a Repblica (1889). Elas no tiveram sucesso devido

    escamoteao das elites conservadoras, aliadas ao Imprio. A revoluo no decolou em 1822

    porque a independncia significou a reunio do Brasil a Portugal sob a dinastia Bragana.

    (REIS, 2006: 198). Assim como tambm foi frustrada a tentativa de 1831, na ocasio da

    Abdicao, porque o povo que destituiu o imperador deveria tambm ter dissolvido a sua

    Cmara e avanado com a revoluo. A cmara imps a mudana dentro da lei e os

    exaltados foram tratados como facciosos e desordeiros. (REIS, 2006: 199). Assim, o

    desfecho da Abdicao foi: o bragantismo se estabeleceu definitivamente e o vampirismo

    [parasitismo] tornou-se interno. (REIS, 2006: 200). O mesmo frustro se deu em 1888 com a

    Abolio, porque se fez tardiamente, quando no havia mais nenhum pas escravocrata. O

    trfico s foi extinto quando o ingls o imps, agredindo a soberania nacional. (Bomfim

    apud REIS, 2006: 208). E tambm porque no conseguiu vencer a ordem do regime

    bragantino. (REIS, 2006: 208). Por fim temos o aborto revolucionrio da Repblica, em

    1889, haja vista a perpetuao dos interesses bragantinos de dominar e possuir. Os interesses

    pessoais se confundiam com os interesses do Estado. A Repblica foi nula quanto ao

    progresso social e defesa de ideias. (REIS, 2006: 212). Bomfim segue dizendo a tradio

    bragantina tendia ao despotismo vil. A Repblica de 1889, continuando a tradio poltica

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    portuguesa bragantina, repetiu os crimes dos governos da Metrpole e de d. Pedro II contra o

    Brasil. (REIS, 2006: 210).

    O contexto histrico que assinalou o acmulo das derrotas revolucionrias foi a

    chegada da Corte portuguesa ao Brasil, no ano de 1808. Com esse advento houve a

    consagrao do parasitismo social, como legtima instituio poltica, cunhada pelos donos

    do poder. As instituies polticas eram dedicadas, como Bomfim diz no livro A Amrica

    Latina: males de origem rapinagem e pilhagem do Brasil.

    Mesmo o sculo XIX tendo amargado quatro derrotas revolucionrias, dele emergiu

    para o cenrio nacional, no perodo entre 1845 e 1870, o lirismo, fruto do Romantismo11. Esse

    movimento, o lirismo, apresentou em versos e voz sentida a alma nacional oprimida. A

    nao brasileira reencontrou-se em seus primeiros poetas, articulou em palavras o seu

    contedo. (REIS, 2006: 204). Os nomes mais cintilantes da atmosfera lrica nacional foram

    os verdadeiros cantores da alma brasileira Gonalves Dias, lvares deAzevedo, Casimiro de Abreu, Junqueira Freire, Alencar, Varela, CastroAlves12, Machado de Assis... Falam diretamente aos coraes, e incorporamde pronto os sentimentos da nao, em contraste com o regime que a anula.Por isso mesmo a influncia dessa poesia a dissoluo das instituies emque se enfeixara o mesmo regime escravido e monarquia. (BOMFIM,1996: 293).

    A fora brotada dos versos desses poetas foi estridente, a ponto de promover a

    exploso de instituies consagradas, como a escravido e a monarquia. O lirismo esteve para

    alm dos grilhes literrios e estticos, ele estivera a servio da tradio nacional.

    Bomfim d primazia tradio dos poetas romnticos porque ela era vestida de

    aspectos americanistas13 e indianistas. Esses aspectos eram genuinamente brasileiros. Os

    poetas romnticos exploravam temas como a tradio nacional que j nos pertencia. Ao fazer

    isso esses poetas se afinavam contra as oposies depreciadoras do Brasil, disseminadas pelo

    Portugal rendido ao parasitismo. E conclamavam em seu lugar a tradio esquecida,

    sangrada pelos heris de Dezessete.

    11 O Romantismo foi um movimento literrio recolhido da Europa e aportado no Brasil no sculo XIX. O

    movimento abordava temas como amor, ptria, religio, natureza, povo e passado. O Romantismo no ficava

    preso apenas a escrita desses temas, segundo Alfredo Bosi. Ele ainda era ferramenta ideal para explorar a vida e

    o pensamento da nascente sociedade brasileira. (BOSI, 1994: 103).12

    A esse poeta foi dedicado o livro O Brasil nao: realidade da soberania brasileira, de 1931.13

    Essa expresso, admitida por Bomfim, tambm remete ao legado de Jos Mart.

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    Em Tempo de HistriasPublicao do Programa de Ps-Graduao em Histria da Universidade de Braslia (PPGHIS/UnB)

    N. 20, Braslia, jan. jul. 2012. ISSN 2316-1191

    No esqueamos que aquela gerao de romnticos, onde vemos os primeirosgrandes poetas realmente brasileiros, deu o melhor da sua inspirao aochamado americanismo14, isto , o indianismo15, aspectos puramentebrasileiros do mundo ambiente. Cantando o ndio, herosmos, sofrimentos einjustias, em contato com o colono, os nossos poetas davam-se, logo, ao quehavia de mais profundo nessa oposio Brasil-Portugal. (BOMFIM, 1931:205).

    Os poetas romnticos assim faziam, pois a poesia, qualquer que seja o grau de

    civilizao, tem sempre significao definida e consagrada, na distribuio dos fatores

    sociais. (BOMFIM, 1996: 289). E prossegue o autor a realizao da poesia o prprio

    sublime da vida humana, na contingncia das necessidades morais, que se definem em

    aspiraes, como a solidariedade se impe na cordialidade do sentir. (BOMFIM, 1996: 289-

    290).

    Aps registrar o lugar social no qual a poesia arma seu gradeamento, gostaramos de

    registrar, por ltimo, o duplo significado intrnseco ao nacionalismo por meio do furto das

    consideraes do bigrafo Ronaldo Conde Aguiar, que dizem:

    o nacionalismo do mdico sergipano tinha um duplo significado. De um lado,tratava-se de um processo de afirmao diante do parasitismo, ou seja, diantedo colonialismo [...]; de outro, era tambm uma reao ao racismo cientfico,

    que dividia a sociedade entre indivduos capazes e incapazes, superiores einferiores, teis e inteis, com vistas dominao dos ltimos. (AGUIAR,2000: 184).

    Diante do exposto, foi verificado que a concepo de nacionalismo de Manoel

    Bomfim mergulhada no nimo nacional, condensado na unidade patritica, e que ambos

    foram anunciados na resistncia s invases francesa e holandesa. A fundao nacional, nos

    sculos XVI e XVII, s foi possvel porque o povo brasileiro, habitante da colnia,

    manifestou a plasticidade social, capacidade de renovao e tradio histrica e racial do

    povo, cujo fim o progresso. Por esse prisma, junto ideia de plasticidade socialdo povo

    brasileiro, est concepo de histria de Manoel Bomfim.

    O interesse de Bomfim em revitalizar os sentidos dado ao termo nacionalismo 16,

    atravs do resgate da tradio histrica esquecida se deve compreenso da nao como

    14Grifo nosso.

    15Grifo do autor.

    16 H no artigo do historiador Jos Carlos Reis, Civilizao brasileira e otimismo revolucionrio (ingnuo):

    Manoel Bomfim e o sonho da Repblica soberana e democrtica, alguns direcionamentos crticos a respeito dainterpretao de Bomfim atribuda ao termo nao. Na dissertao de mestrado de Filgueira, a escritadescolonial de Manoel Bomfim: uma conversa com o seu pensamento social e poltico, esto disponibilizados

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    Em Tempo de HistriasPublicao do Programa de Ps-Graduao em Histria da Universidade de Braslia (PPGHIS/UnB)

    N. 20, Braslia, jan. jul. 2012. ISSN 2316-1191

    passvel de fabricao, de forja, isto , caso a tradio triunfante encarregada de produzir

    narrativas seja a dos dominadores e no a dos dominados. O exemplo disso a nao

    brasileira, seu processo de construo pontilhado de conflitos, insurreies, golpes e

    acomodaes, forjou-se a nacionalidade como categoria histrica e, no menos importante,

    como ideologia poltica e cultural. (MOTA, 1999: 200).

    Referncias bibliogrficas

    AGUIAR, Ronaldo Conde. O Rebelde Esquecido: tempo, Vida e Obra de Manoel Bomfim.Rio de Janeiro: Ed. Topbooks, 2000.

    BOMFIM, Manoel.A Amrica Latina: males de origem. Rio de Janeiro: Ed. Topbooks, 2005.

    BOMFIM, Manoel. O Brasil na Amrica: caracterizao da Formao Brasileira. Rio deJaneiro: Ed. Topbooks, 1997.

    BOMFIM, Manoel. O Brasil na histria: deturpao dos trabalhos, degradao poltica. Riode Janeiro: Ed. Francisco Alves, 1931.

    BOMFIM, Manoel. O Brasil Nao: realidade da soberania brasileira.Rio de Janeiro: Ed.Topbooks, 1996.

    BOSI, ALFREDO.Histria concisa da literatura brasileira. So Paulo: Ed. Cultrix, 1994.CARVALHO, Eugnio Rezende de. Amrica para a humanidade: o americanismouniversalista de Jos Mart. Goinia: Ed. UFG, 2003.

    FILGUEIRA, Andr Luiz de Souza.A escrita descolonial de Manoel Bomfim: uma conversa

    com o seu pensamento social e poltico. 2012. 170f. Dissertao (Mestrado em CinciasSociais) Centro de Pesquisa e Ps-graduao sobre as Amricas (CEPPAC), UnB, 2012.

    HALBWACHS, Maurice. A memria coletiva. Traduo de Beatriz Sidou. So Paulo: Ed.Centauro, 2006.

    MOTA, Carlos Guilherme. Idias de Brasil: formao e problemas (1817-1850). In: Viagemincompleta: 1500-2000 A experincia brasileira[vol. 1: formao: histrias]. So Paulo:Ed. SENAC, 1999.

    REIS, Jos Carlos. Civilizao brasileira e otimismo revolucionrio (ingnuo): Manoel

    Bomfim e o sonho da Repblica soberana e democrtica. In.:As identidades do Brasil 2: de

    Calmon a Bomfim: a favor do Brasil: direita ou esquerda?. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2006.

    outros apontamentos crticos sobre a designao de nao do mdico sergipano. Esses ltimos foram construdos

    a partir da reflexo metodolgica apoiada nos Estudos Culturais e Ps Coloniais.