a unasul contra a lógica da subordinação: uma união pela autonomia

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A Unasul Contra a Lógica da Subordinação: uma união pela autonomia Renato Henrique de GASPI 201111020

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Texto apresentado como Monografia para conclusão de curso na FACAMP.O texto é uma abordagem teórico-prática sobre a UNASUL sobre a mirada da Teoria Crítica de Segurança, a Escola de Copenhague e o Realismo Ofensivo

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A Unasul Contra a Lgica da Subordinao: uma unio pela autonomiaRenato Henrique de GASPI 201111020

FACULDADES DE CAMPINAS FACAMPRENATO HENRIQUE DE GASPI

A Unasul Contra a Lgica da Subordinao: uma unio pela autonomia

Monografia apresentada no curso de Relaes Internacionais das Faculdades de Campinas (FACAMP) como requisito parcial para obteno do ttulo de Bacharel em Relaes Internacionais, sob orientao do Professor Lucas Pereira Rezende.

CAMPINAS2014

Ficha Catalogrfica:Biblioteca da Facamp

D363uDe Gaspi, Renato Henrique. A Unasul contra a lgica da subordinao: uma unio pela autonomia / Renato Henrique De Gaspi. Campinas: [s.n.], 2014. 54 f.

Orientador: Lucas Pereira Rezende.Monografia Faculdades de Campinas, Curso de Relaes Internacionais.

1. Unio de Naes Sul-Americanas - UNASUL. 2. Integrao econmica - Amrica Latina. 3. Escola de Gales. I. Rezende, Lucas Pereira. II. Faculdades de Campinas, Curso de Relaes Internacionais. III. Ttulo.

CDD: 338.981

Ao Rafa e ao Ricardo, meus irmozinhos ainda em formao. Que eles sejam sul-americanos to apaixonados quanto o irmo e lutem, cada um a seu modo, por um continente mais igual, mais unido e mais humano...

AGRADECIMENTOSAos meus pais, Fernanda e Renato, por terem me ajudado em tudo o que puderam durante toda a minha formao.Ao meu orientador, Lucas Pereira Rezende, por me ensinar as questes da Defesa e da Segurana e me despertar para um debate to rico. minha namorada, Marina, pela fora nas horas difceis e por todo amor despendido nesses quase cinco anos juntos, sem nossos debates e trocas de ideias, essa monografia no seria possvel.Aos meus avs, Alcides e Clia, por serem pessoas to abertas para discutir os temas que gosto. Apesar de s vezes no compreenderem, meu instinto para ser professor vem deles e de sua ateno e curiosidade.A toda a minha famlia, sob o risco de esquecer algum, prefiro citar todos de uma vez.Ao Renato Brollezzi, por ser uma influncia to positiva e me despertar para o maravilhoso.Ao Fbio Iaderozza por me ensinar tanto o seu mtodo de ensinar, extrovertido e competente e me mostrar que o Brasil to complexo, que o mero fato de estud-lo j um mrito.Ao Jos Csar Magalhes que me fez questionar at o que eu j tinha questionado.Ao Thiago Borges por me dar oportunidades e incentivar meu senso crtico.Ao Marcelo Carvalho por me levar para a Pastoral Operria e, com isso, contribuir para a minha formao como ser humano.Ao Matheus Augusto Soares pelos comentrios e pelas dvidas sobre meu trabalho e sobre a Teoria Crtica de Segurana. Ao Fabrcio pelo Foucault, ao Caio pelo Adorno, ao Rodrigo pela crtica econmica, Juliana pelas instituies, Carol, minha gmea, pelo R2P e toda a galera pela Zoeira Sem Limites.A todos que contriburam nesse caminho, meu muito obrigado e meu desejo sincero que vivamos em um pas e em um continente mais justo, mais unido e mais humano. Paz e bem.

No me encanta la histria de Amrica Latina, sino como cambiarla...

ResumoEssa monografia, que pretende ser uma contribuio para o debate sobre a integrao sul-americana, ir discorrer sobre perspectivas tericas distintas, como o construtivismo de Ken Booth (1991 e 2007), Barry Buzan e Ole Wver (2003) e o realismo de John Mearsheimer (2001). Essas trs perspectivas, que a primeira vista parecem completamente antagnicas, so colocadas em nosso desenvolvimento como essencialmente complementares e contribuem para a argumentao apresentada.Com essa base terica colocada, visaremos abordar o processo de autonomizao da Amrica do Sul a partir de uma poltica externa que quebrou com os paradigmas vigentes de subordinao da regio pelas potncias do centro do Sistema Internacional. O segundo captulo da monografia ir focar no recente esforo de integrao da Amrica do Sul a partir de uma anlise da gnese da Unasul e de seu Conselho de Defesa, demonstrando como o seu funcionamento contribui para o processo de autonomia.No terceiro captulo, avaliaremos algumas mostras de autonomia dadas pelos pases sul-americanos nos ltimos anos. Por vezes, esses pases agiram em bloco para contrariar os quereres das potncias do centro, principalmente sob a liderana brasileira.Em nossa concluso, ser colocada a questo da incompletude desse processo e que, apesar da demonstrao de avanos, o continente ainda est distante de se autonomizar e poder ter um processo decisrio independente.Palavras-chave: UNASUL, Autonomia, Escola de Gales, Escola de Copenhagen, Realismo Ofensivo.

AbstractThis Monograph intends to be a contribution to the debate about South American integration and will discuss about different theoretical perspectives, like Ken Booths constructivism (1991 and 2007), Barry Buzan and Ole Wver (2003) and John Mearsheimer (2001). These three perspectives, which, at first sight, seem to antagonise completely, are put in our article as essentially complementary and will contribute to our argument.With this theoretical basis, we will aim to discuss the autonomization process of South America through a paradigm breaking foreign policy, which parted from the former logic of subordination to the central powers. The second chapter of this monograph will focus on the recent effort of integration of South America through an analysis of the birth of Unasur and of its Council of Defence, demonstrating how its functioning contributes to the autonomization process.In our third chapter, we will evaluate some showings of autonomy from the South American countries on recent years. Sometimes these countries acted as a bloc to be a counterweight to the wills of the central powers, mainly under the Brazilian leadership.In our conclusion it will be shown the question of the incompleteness of this process and, although advancing, the continent is still distant of its autonomization and an independent decision-making process.Key Terms: UNASUR, Autonomy, Welsh School, Copenhagen School, Offensive Realism.

A UNASUL Contra a Lgica da Subordinao: uma unio pela autonomia

Introduo111.Exploraes tericas: Gales, Copenhagen e o Realismo Ofensivo121.1.A Escola de Gales de Booth e o construtivismo de Bellamy: segurana, emancipao, comunidade e identidade131.1.1.Booth e seu pensamento sobre Segurana e Emancipao131.1.2.O Pensamento Construtivista e da Escola de Gales sobre Comunidade e Identidade151.2.A Escola de Copenhagen: consideraes sobre um ponto de vista dos Complexos Regionais de Segurana171.3.A distribuio de poder na Amrica do Sul sob a tica do Realismo Ofensivo191.3.1.A Questo do Poder Latente e do Poder Real no continente sul-americano201.3.2.Breves consideraes sobre a distribuio de poder na Amrica do Sul221.3.3.A questo da liderana brasileira na regio para alm da medio de poder231.4.Consideraes sobre nossas Exploraes Tericas242.A Gestao e Consolidao da UNASUL e do Conselho de Defesa Sul-americano252.1.A Comunidade Sul-Americana de Naes262.2.A Gnese da UNASUL e do CDS272.2.1.O Brasil em consulta pelo CDS292.2.2.O Grupo de Trabalho e a construo tratativa do CDS302.2.3.Uma breve anlise sobre o funcionamento da UNASUL342.3.Desafios para a UNASUL e o CDS: entraves para um frum autnomo353.Ativos e Altivos: as mostras de autonomia dos pases sul-americanos373.1.Autonomia e alinhamento no campo da poltica internacional: os pases sul-americanos e a concertao no discurso.383.1.2.O Caso Paraguai: opinio de bloco contrria OEA403.1.3.A Sexta Cpula das Amricas e a posio comum sobre Cuba413.1.4.A Posio dos pases sul-americanos ante as denncias de Edward Snowden423.2.Cooperao em sua rea mais sensvel: a Defesa, a tecnologia militar e o Conselho de Defesa Sul-americano443.2.1.Os Planos de Ao de 2010-2011, 2012 e 201345O primeiro Plano de Ao feito pelo CDS foi o de 2010-2011, contemplando quatro eixos centrais, o documento foi aprovado pelos pases membros, os quais se comprometeram em estabelecer um esforo conjunto para melhorar a unidade de Defesa na regio.454.Consideraes Finais: h autonomia, mas no bem assim47Referncias Bibliogrficas49

A Unasul Contra a Lgica da Subordinao: uma unio pela autonomiaHe dicho Escuela del Sur; porque en realidad, nuestro norte es el Sur. No debe haber norte, para nosotros, sino por oposicin a nuestro Sur. Por eso ahora ponemos el mapa al revs, y entonces ya tenemos justa idea de nuestra posicin, y no como quieren en el resto del mundo. La punta de Amrica, desde ahora, prolongndose, seala insistentemente el Sur, nuestro norte (GARCA, 1984).

IntroduoEssa monografia vem a contribuir com o debate da subordinao da Amrica do Sul e suas tentativas de autonomizao. Utilizamos como inspirao textos seminais sobre o assunto como As Veias Abertas da Amrica Latina (GALEANO, 2010), Quinhentos Anos de Periferia (GUIMARES, 1999) e A contra-revoluo liberal-conservadora e a tradio crtica latino-americana (MELLO, 1997).De fato, por serem as periferias, no sentido que coloca Guimares (1999), Estados sujeitos a crescentes desigualdades internas e externas, a choques sbitos e violncia de sociedades mais poderosas (p. 19), forma-se, nesse bojo, uma academia bastante crtica. Coloquemos a Comisso Econmica para a Amrica Latina e Caribe (CEPAL) como exemplo e veremos que essa tradio crtica no se d em vo. Os textos de Prebisch e Celso Furtado, por exemplo, so absolutamente centrais na formao da academia sul-americana, principalmente na rea econmica.Ainda assim, no se pode colocar que essa escola de pensamento cepalina gerou emancipao[footnoteRef:1] aos Estados perifricos, mas pode-se colocar que criou um arcabouo terico central para o pensamento do ser periferia e das possveis solues para tal Estado. [1: Discutiremos emancipao mais adiante sob a tica da Escola de Gales.]

De acordo com essa escola, no h como se pensar que o livre jogo das foras de mercado ir desfazer as assimetrias e a subordinao intrnseca relao centro-periferia. Esse subdesenvolvimento consistiria ento, segundo Furtado (apud. MELLO, 1997), em uma assimetria entre o padro de consumo dos pases desenvolvidos e as debilidades estruturais da periferia e que essa desigualdade tende a se aprofundar se continuarmos a insistir futilmente em copiar o seu modelo de consumo.Para Mello (1997), o Centro capitalista exerce seu controle por meio de trs pilares: a) o processo de inovao tecnolgica, assim incluso o poder financeiro; b) a moeda e finana internacionalizada, estando o poder industrial colocado e c) poder poltico-militar e o controle das armas. Dessa forma, a subordinao dos pases perifricos estaria completa e essas naes estariam merc de suas contrapartes desenvolvidas. Que deciso, portanto, poderia ser tomada que acabaria com essa subordinao? Se continuadas essas assimetrias, de acordo com Booth (2007), nenhuma deciso autnoma poderia ser colocada, principalmente porque a vida da nao j estaria determinada por uma profunda insegurana, gerada por sua completa inferioridade e dependncia externa.No se trata aqui, porm, de ser defendido um discurso simplesmente isolacionista. Mas sim de que a Amrica do Sul necessita buscar sua insero internacional de forma que se torne mais autnoma e que possa negociar igualmente com os pases do centro.Nossa problemtica vai abarcar a UNASUL como resultado e catalisador da autonomia que os pases da Amrica do Sul atualmente se esforam para ter. Dessa forma, a UNASUL seria um produto dessa conjuntura, mas tambm uma instituio que auxilia esse processo de autonomizao. Para isso, nos parece necessria uma desconcentrao do poder. Guimares (1999) coloca que a concentrao ou desconcentrao de poder determina as questes da equidade, da violncia, do bem-estar e mesmo da viso de como e com que objetivo funcionam os sistemas econmicos, polticos e sociais. (p. 65).Assim, o poder concentrado nos campos tecnolgico, poltico ou econmico so centrais para que expliquemos a relao entre centro e periferia e Guimares (1999) explora muito bem esse ponto. Aqui no buscaremos solues para o problema, mas sim contribuir com o debate por meio de uma discusso sobre a insero da Amrica do Sul por meio da UNASUL e o novo estado das Relaes Internacionais no ps-Guerra Fria.Com esse objetivo, dividiremos a monografia em trs captulos. Primeiramente, abordaremos as trs escolas tericas escolhidas e as relacionaremos com a atual conjuntura da Amrica do Sul. No segundo captulo discutiremos a gnese da UNASUL e seu funcionamento, visando demonstrar as virtudes e limitaes da instituio. No terceiro captulo, demonstraremos exemplos de aes autonomistas dos pases da Amrica do Sul no cenrio internacional, demonstrando o papel da UNASUL nesse processo.1. Exploraes tericas: Gales, Copenhagen e o Realismo OfensivoO exerccio aqui proposto caracterizado por Hannah Arendt (apud. YOUNG-BRUEHL, 1982) como Perlenfischerei, ou pesca de prolas. A ideia retirar de trs teorias diferentes e dificilmente miscveis algumas bases e conceitos para que possamos melhor testar nossa hiptese. Sem escolher lados ou favorecer nenhuma das teorias propostas, apenas discriminaremos conceitos bem explorados pelas trs vises com o objetivo de criar bases slidas para nossa argumentao posterior. Nossa hiptese vai no sentido de que, primeiramente, os pases da Amrica do Sul so mais autnomos na atual conjuntura e que a UNASUL resultado disso, agindo agora como catalisador desse processo. Por conta da dificuldade do teste dessa hiptese, no seria possvel utilizar apenas uma base terica. Primeiramente abordaremos cinco autores em trs escolas tericas. So eles: Ken Booth (1991; 2007) representante da Escola de Gales e Alex Bellamy (2004), autor australiano de cunho construtivista, importantes por sua discusso sobre comunidades de segurana e sobre a relao entre segurana e emancipao; Barry Buzan e Ole Wver (2003), representantes da Escola de Copenhagen discutem as Relaes Internacionais com um foco regional e, portanto, so essenciais para nossa discusso; e John J. Mearsheimer (2001), representante da tradicional escola do Realismo Ofensivo discute segurana e um autor essencial para que entendamos a distribuio de poder na Amrica do Sul e discutir uma possvel hegemonia brasileira e sua liderana na regio.1.1. A Escola de Gales de Booth e o construtivismo de Bellamy: segurana, emancipao, comunidade e identidade...emancipation implies an egalitarian concept of liberty. When the homeless are told, for example, that they now have more liberty (...) because they can buy shares in privatized industries, that liberty is meaningless (BOOTH, 2007. P. 10).1.1.1. Booth e seu pensamento sobre Segurana e EmancipaoImportante escola dos Estudos Crticos de Segurana (CSS, na sigla em ingls), a Escola de Gales se diferencia dos estudos mainstream de RI por se aproximar muito dos demais campos das cincias sociais. Em sua obra mais extensa, Ken Booth (2007) passa por diversos autores como Adorno, Gramsci, Marx entre outros. Isso resulta em um trabalho rico e, nem por isso, menos focado na temtica da segurana; o que nos interessa do texto de Booth seu novo olhar com relao segurana internacional, a qual difere diametralmente das vises mais tradicionais da disciplina. Assim, iniciaremos nossas exploraes pelos conceitos apresentados de segurana e emancipao, comunidade e identidade segundo a Escola de Gales.Para Booth (1991; 2007), a insegurana uma condio determinante de vida[footnoteRef:2]. Mais do que o campo poltico-militar, a segurana vai alm, reina sobre questes econmicas e sociais. O autor coloca que a insegurana significa viver com medo da violncia ou opresso estrutural e pobreza; uma vida insegura uma vida determinada. [2: Traduzido de life-determining condition. ]

O que isso significa, ento, para a Amrica do Sul? Digamos, como Eduardo Galeano (2010), que a Amrica do Sul, desde muito cedo, se especializou em perder (p. 1) e nos tornamos estruturalmente oprimidos por um sistema mundial em que a distribuio de poder no nos favorecia; os Estados da regio, a rigor, poucas vezes tiveram sua sobrevivncia contestada, porm, nunca tiveram segurana no sentido que coloca Booth (2007). Sempre se viram inseguros e subordinados, ora pela metrpole histrica dos perodos coloniais, ora pela crise financeira, ora pela prpria distribuio de poder e pelos regimes internacionais. Para Booth, a segurana vai alm da sobrevivncia: Sobrevivncia uma condio existencial: significa continuar a existir. (...) Confundir a condio existencial da sobrevivncia com a instrumentalidade poltico-social da segurana um erro nos estudos de segurana, apesar de ser comum (BOOTH, 2007. P. 102). Portanto, utilizando-nos de nosso instrumental terico, a vida da Amrica do Sul tem sido determinada pela insegurana vivida pela regio desde sua primeira insero no Sistema Internacional. No uma insegurana no sentido classicamente explorado pelos autores tradicionais das Relaes Internacionais. Essa insegurana nada tem a ver com o medo de ser varrido do mapa; como vimos, a insegurana vivida pelos pases dessa regio mais tem a ver com seu lugar no prprio Sistema Internacional, tem relao com sua incessante subordinao no decorrer da histria.Booth (1991; 2007) explora a instrumentalidade da segurana na emancipao dos indivduos e naes[footnoteRef:3]. Para o autor, a segurana (em seu sentido amplo) possibilitaria aos indivduos um maior desenvolvimento como seres humanos e maior autonomia para naes. claro que no negaremos aqui as presses estruturais que, em maior ou menor escala, determinam decises globalmente, porm, trataremos da tese de certa autonomia relativa dos pases sul-americanos em relao ao centro do Sistema Internacional por conta de uma nova conjuntura global (a qual explicaremos adiante), da nova abordagem sul-americana em sua poltica externa e, como concretizao desses fatores, a nova instituio sul-americana: a Unio de Naes Sul-Americanas (UNASUL). [3: Apesar de no escrev-lo explicitamente, em correspondncia com o autor, confirmamos o fato de que a pobreza e a dependncia estrutural a decises externas torna os Estados inseguros e determina suas vidas.]

Assim, a definio de segurana nesse escopo terico bastante simples. Indo na contramo do mainstream dos estudos em sua disciplina, Booth (2007) discorda da tese de que segurana um termo intrinsecamente complexo e de difcil definio. O autor defende que no h dificuldade nessa definio se h uma situao de insegurana patente em processo. Ora, se o indivduo se encontra em uma situao de pobreza ou de opresso estrutural, ele saber que est inseguro e, portanto, a definio de segurana no deveria ser to complicada.Continuando o argumento, a segurana, para Booth, deveria ser pensada tendo como fim ltimo o bem-estar dos indivduos e no a mera sobrevivncia dos Estados. Como tambm colocado por Hedley Bull, que uma sociedade mundial (entre pessoas) mais fundamental e primordial do que uma ordem internacional (entre Estados) (BULL apud. BOOTH, 1991).A definio de Booth (2007) muito simples, mas engloba uma srie de fatores; ao invs de abordar segurana diretamente, o autor simplesmente coloca que a insegurana uma condio determinante de vida e ela oriunda das mais variadas fontes: pobreza, opresso estrutural, guerra etc. No se trata apenas de vulnerabilidade violncia. Muito alm, a insegurana perpassa pelas condies materiais e sociais do indivduo e pelas condies econmicas e polticas do Estado. Assim, podemos colocar que sem dvidas [uma] vida insegura, para grupos ou indivduos, uma vida determinada[footnoteRef:4] (BOOTH, 2007. P. 101). [4: An insecure life, for groups or individuals, is a determined life (Traduo Nossa).]

Aps essas definies, no difcil perceber a relao terica entre segurana e emancipao. Para Booth (2007), a segurana uma condio necessria emancipao. Continuando nosso exerccio, mais uma vez faremos a pergunta: o que isso significa para a Amrica do Sul? Significa que o continente deve buscar sua segurana, tornando-se mais autnomo em sua tomada de deciso e menos vulnervel a presses externas. Recentemente, perceptvel uma melhora nas questes econmicas. Os pases sul-americanos hoje so menos dependentes do Fundo Monetrio Internacional e mais autnomos em suas decises econmicas, o que j aumenta consideravelmente sua segurana, mas no suficiente para garantir sua autonomia em relao aos pases e organizaes do centro do sistema. Fica claro que a Emancipao no foi alcanada em nenhum lugar do mundo, pois essa no um fim nela mesma, mas um processo inacabado e inacabvel, perene. Uma meta que deve ser perseguida para que caminhemos em direo a uma nova realidade (JONES, 2005).1.1.2. O Pensamento Construtivista e da Escola de Gales sobre Comunidade e IdentidadeEm 2004, Alex Bellamy escreve sua obra sobre Comunidades de Segurana. Com um pensamento alternativo ao realismo, Bellamy compreende essas comunidades de um ponto de vista prprio aos CSS, complementando as ideias de Ken Booth e da Escola de Gales. Fundamentalmente, a crtica de Bellamy (2004) aos realistas de que o to citado estado de natureza uma analogia e no um fato histrico. O Estado no surgiu para resolver um famigerado e perptuo dilema de segurana[footnoteRef:5] que ocorria entre indivduos. O ponto defendido pelo autor que o realismo no explica as comunidades que surgem para alm da tica da desconfiana, da anarquia e do estado de natureza. [5: Conceito trabalhado primordialmente por Herz (1950).]

Ademais, o autor vai mais alm colocando que os conceitos de Estado-nao e fronteiras so altamente questionveis por serem primordialmente abstratos (ASHLEY, 1988). Como Booth (2007) coloca, dificilmente definvel quem somos ns e quem so eles para que faamos separaes to estanques dentre os Estados e comunidades.Dos vrios tipos de comunidade descritos por Bellamy e pelos autores que por ele so citados, um valor parece ser comum a todos: o valor da identidade e a que precisamos retornar ao pensamento de Ken Booth (1991;2007) e avaliar quais so as consequncias para a UNASUL e tambm para o seu Conselho de Defesa (CDS).Exploremos, ento, o que define uma comunidade de segurana: segundo Deutsch (1957), uma comunidade de segurana existe quando um grupo de Estados politicamente separados desenvolve uma srie de prticas e instituies que levam a certo senso de comunidade. Dessa forma, a poltica entre as naes ocorre independentemente da rivalidade militar (BOOTH, 2007. P. 145). Esse argumento ganha fora at nos textos mais seminais do realismo; Edward Hallet Carr, em seu livro 20 Anos de Crise 1919-1939, faz apologia extenso do conceito de comunidade como uma das poucas solues para os problemas aparentemente intratveis das relaes entre os Estados, assim como o fez Morgenthau (2001)[footnoteRef:6], alguns anos depois (BOOTH, 2007). [6: Primeira edio em ingls de Politics Among Nations data de 1948.]

O desenvolvimento de uma comunidade poderia, ento, aumentar o grau de emancipao (ou autonomia) dos Estados? A resposta que sim, principalmente se essas tiverem as caractersticas do que o autor coloca como comunidades emancipatrias (BOOTH, 2007. P. 140):Essa discusso aponta para uma proposio fundamental para a Teoria Crtica de Segurana: igualdade precisa ser priorizada sobre diferena. A priorizao da poltica de identidade (especialmente se baseada em um nico fator) no calculada para promover a coexistncia em um mundo em que culturas, naes e religies cada vez mais precisam viver nos bolsos umas das outras[footnoteRef:7]. [7: This discussion points to a fundamental proposition for a critical theory of security: equality must be prioritised above difference. The prioritising of identity politics (especially if based on a single marker) is not calculated to promote co-existence in a world in which cultures, nations, and religions increasingly have to live in each others pockets (Traduo Nossa).]

Aparentemente, portanto, a construo dessa comunidade ideal perpassa pela criao de uma identidade e pela ideia de que os membros no iro utilizar de uma possvel distribuio desigual de poder para ganhar vantagens. O que isso traz, portanto, para nosso debate sobre a Amrica do Sul? possvel dizer que o Conselho de Defesa da UNASUL se qualifica como comunidade de segurana? Ou que a UNASUL se qualifica como comunidade emancipatria? Isso no poder ser diagnosticado nesse momento da discusso, porm, o que podemos colocar que, pelos menos na esfera discursiva, a instituio tem o propsito de agir como comunidade de segurana, buscando formar uma identidade de defesa, mitigar as diferenas de poder e diminuir as tenses militares entre os pases membros (UNASUL, 2008). Isso ser discutido mais adiante, quando abordarmos a criao da UNASUL e de seu CDS.1.2. A Escola de Copenhagen: consideraes sobre um ponto de vista dos Complexos Regionais de Segurana[Debemos] mirar hacia el mundo, pero sin olvidarnos del valor de la regin. Si bien el MERCOSUR est plagado de dificultades, pobre de nosotros si no estuviera vigente y caminara en estos tiempos! Es bueno ser como ese animalito prodigioso que nunca se olvida dnde come (MUJICA, 2013).O livro de Barry Buzan e Ole Wver Regions and Powers (2003) denota um ponto de vista a partir da ideia de Complexos Regionais de Segurana (CRS)[footnoteRef:8] que muito nos interessa para a discusso de segurana internacional, principalmente no que tange o entendimento do sistema internacional no ps-Guerra Fria, quando o nvel regional se torna mais importante do que nunca. [8: Complexos Regionais de Segurana foram definidos originalmente por Buzan (1983) como um grupo de Estados os quais tem preocupaes primrias com sua segurana suficientemente prximas para que suas seguranas nacionais no possam ser razoavelmente consideradas separadas (Traduo Nossa).]

Os autores, portanto, no negam o carter anrquico e estatocntrico do sistema internacional, isso no seu objeto de estudo. O ponto defendido que a segurana do entorno estratgico, ou da regio de um Estado, a mais importante a ser entendida, colocando o conceito intuitivo de que ameaas prximas so mais importantes do que ameaas que se colocam distantes (BUZAN & WVER, 2003). importante que definamos o conceito de Complexo Regional de Segurana. Nas palavras dos prprios autores: Os CRS podem se apresentar de duas maneiras distintas: Padro ou Centrado. O primeiro assume uma forma Vestfaliana, com dois ou mais poderes e uma agenda de segurana predominantemente militar-poltica (BUZAN & WVER, 2003. P. 55)[footnoteRef:9]. Nos CRS padro, a dinmica de segurana no dominada pelos polos em seu centro (sejam l quantos forem) e no contm poder de nvel global. Desta feita, em um CRS padro perfeitamente possvel que sejam distintas entre as dinmicas endgenas e exgenas ao CRS (BUZAN & WVER, 2003, p,55). [9: with two or more powers and a predominantly military-political security agenda (Traduo Nossa).]

Os CRS centrados so diferentes dos padro e podem ser apresentados de quatro formas distintas: (1) unipolar, quando o polo discriminado ou uma grande potncia (Rssia na Comunidade dos Estados Independentes) ou (2) uma superpotncia (Estados Unidos da Amrica na Amrica do Norte)[footnoteRef:10]; (3) uma regio integrada por instituies e no por um polo propriamente dito e (4) um CRS unipolar quando a potncia regional no o em nvel global, esse quarto caso colocado pelos autores como um caso extra por colocarem que teoricamente isso poderia existir, mas no se verifica na prtica (BUZAN & WVER, 2003). [10: Para uma definio sobre potncias ver Wight (2001) em A Poltica do Poder. Apesar de colocar superpotncia como Potncia Dominante, o autor tem uma definio seminal sobre o tema.]

Os CRS centrados so mantidos pela ideia de que as dinmicas de segurana perpassam dominantemente por um centro localizado dentro da regio. Ento, a estabilidade desse CRS dado por quo dominante o centro (o grau da assimetria de poder) e quo aberta a hegemonia, ou seja, o quanto os pases dominados tm acesso aos processos polticos e s tomadas de deciso (BUZAN & WVER, 2003. P. 58).A tese defendida por Fuccille e Rezende (2013) e aqui subscrita que o CRS sul-americano exatamente o caso que os autores da Escola de Copenhague consideram no verificvel de facto. Trata-se de um CRS centrado no qual a potncia centralizadora no uma potncia global.A liderana brasileira na Amrica do Sul pode ser controversa[footnoteRef:11], mas nos parece chave para dar base ao CRS sul-americano e para reunir os dois sub-complexos presentes, a saber, o Cone Sul e o Norte-Andino. O que Fuccille e Rezende (2013) colocam que, no ps-Guerra Fria a regio se torna menos instvel politicamente, com maior relao entre os Estados e com uma dinmica de integrao regional mais intensa. [11: Abordaremos teoricamente essa hiptese sob a tica do realismo na prxima subdiviso.]

Como dissemos, subscrevemos tese dos autores do texto e de sua atualizao do trabalho feito por Buzan e Wver (2003). Nos parece, por exemplo, bastante apropriada a questo: o Brasil a potncia unipolar na regio? Isso controverso, mas, ainda assim, parece ser solucionvel por um clculo de poder na regio que realizaremos mais adiante. No momento, vale dizer que Fuccille e Rezende (2013) e tambm Rezende (2013) parecem colocar a Amrica do Sul como uma regio unipolar ou quase isso, dependendo do reaparelhamento das foras armadas brasileiras. Em nosso texto, colocaremos que a unipolaridade j vigora na regio[footnoteRef:12], porm, a ressalva colocada por Rezende (2013) vlida. Se o Brasil no se confirmar e se mantiver como potncia unipolar, a liderana brasileira tambm no vigoraria, dificultando as possibilidades das iniciativas de integrao da regio e, conforme a hiptese desse trabalho, tambm enfraqueceria seus esforos de autonomizao. [12: Visto que o reaparelhamento das Foras Armadas brasileiras est ocorrendo, como mostraremos em sees posteriores, colocaremos a unipolaridade brasileira como vlida, mas em xeque. No momento, como se a liderana e a hegemonia regional do Brasil estivessem em estado probatrio. ]

Assim, o que podemos colocar que a Amrica do Sul um Complexo Regional de Segurana bastante particular, com caractersticas diferentes do restante do sistema internacional e que, agora mais do que nunca, tem a possibilidade de se tornar mais cooperativo e institucionalizado[footnoteRef:13], dependendo da fora, manuteno e legitimidade da liderana brasileira. Como coloca Serbin (2009. P. 16): [13: No se deve confundir Complexos Regionais de Segurana com Instituies ou Comunidades de Segurana. Um CRS no necessariamente institucionalizado ou cooperativo. ]

Nesse contexto, a consolidao da Unasul e da liderana brasileira na regio como parte do processo de afirmao da Amrica do Sul como um polo relevante no mundo enfrenta uma srie de desafios, tanto polticos como institucionais.Vale a pena agora voltarmos ao mainstream dos estudos de segurana para podermos fazer uma medio do poder regional e tentar responder a pergunta que fica sobre a unipolaridade brasileira. O realismo ofensivo parece ser uma boa fonte para que faamos nossas observaes, afinal, quo slida a liderana do Brasil?1.3. A distribuio de poder na Amrica do Sul sob a tica do Realismo Ofensivo claro que no nos colocaremos aqui a fazer uma discusso indita sobre o tema, mas impossvel no passar pelo realismo quando falamos de medio de poder, o realismo o campo das RI onde mais se discute o hard power e as questes quantitativas militares. Desta feita, nunca foi nosso objetivo utilizar apenas uma teoria exatamente por esses motivos. Como compreender nossa hiptese sem compreender a emancipao, as comunidades, o regionalismo e, agora, a distribuio de poder na Amrica do Sul? Aparentemente, as teorias que colocamos no se misturam, mas dentro de nossa hiptese, a discusso ficaria incompleta se no passssemos por todos esses caminhos.Assim, o que nos proporemos a discutir o Realismo Ofensivo, apresentado no livro The Tragedy of Great Power Politics (MEARSHEIMER, 2001), e as implicaes dessa tica terica para a relao de poder entre as naes sul-americanas.A diferena principal de Mearsheimer (2001) dos realistas que o precedem, como Kenneth Waltz e Hans Morgenthau, o entendimento de hegemonias regional no plano internacional. Enquanto Waltz (1979) compreende o mundo a partir de uma lgica em que apenas a balana de poder global define a polaridade do sistema.Esse tipo de pensamento nos parece obsoleto nesse atual momento de ps-Guerra Fria e no nos permite corretamente avaliar as novas dinmicas regionais de segurana. Assim, podemos colocar que a teoria Realista Ofensiva complementa a teoria dos Complexos Regionais de Segurana, compreendendo o sistema a partir de uma perspectiva regional[footnoteRef:14]. [14: Esse pensamento de complementaridade tambm est em Fuccille e Rezende (2013) e em Rezende (2013).]

Assim, prosseguiremos com nossa anlise da polaridade da regio sul-americana e apontaremos algumas de suas causas.1.3.1. A Questo do Poder Latente e do Poder Real no continente sul-americanoHe chose money over power - in this town, a mistake nearly everyone makes. Money is the Mc-mansion in Sarasota that starts falling apart after 10 years. Power is the old stone building that stands for centuries (HOUSE OF CARDS, 2013. Captulo 2).No terceiro captulo de seu livro, Mearsheimer (2001) aborda os conceitos de poder latente e poder real. Isso particularmente interessante para que se analise o continente sul-americano. Sobre o conceito de poder propriamente dito o autor coloca: O poder se encontra no corao da poltica internacional, ainda assim existe discordncia considervel sobre o que poder e como medi-lo (MEARSHEIMER, 2001. P. 106)[footnoteRef:15]. [15: Power lies at the heart of international politics, yet there is considerable disagreement about what power is and how to measure it (Traduo Nossa).]

Se a medio to controversa, como medir o poder dos Estados? Mearsheimer oferece uma alternativa bastante crvel para esse problema. Para o autor, a balana de poder est em funo de uma srie de ativos tangveis que um poder controla e, portanto, existem dois tipos de poder: o poder latente e o poder real.O autor segue sua explicao: Essas duas formas de poder so proximamente relacionadas, mas no sinnimas porque so derivadas de tipos diferentes de ativos. O poder latente se refere aos ingredientes socioeconmicos que servem para construir o poder militar; largamente baseado na riqueza de um Estado e o tamanho de sua populao (...) o poder latente de um Estado se refere ao potencial cru que pode ser trazido quando competindo com Estados rivais.[footnoteRef:16] (MEARSHEIMER, 2001. P. 106). [16: Latent power refers to the socio-economic ingredients that go into building military power; it is largely based on a states wealth and the overall size of the population () a states latent power refers to the raw potential it can draw on when competing with rival states (Traduo Nossa).]

O poder econmico de um pas, portanto, importa sim a um pas, mas no diretamente contabilizado em um clculo de Balana de Poder, pois como um poder esperando para ser utilizado, um poder em stand by.Mas se assim o , por que os Estados se importam tanto com as questes econmicas, se colocadas apenas como poder latente? Simplesmente porque riqueza e populao abundantes so pr-requisitos para que sejam construdas foras militares.Mais uma pergunta que se coloca porque no analisar poder pelos resultados das relaes entre os Estados, mas pelas suas capacidades materiais? Mearsheimer (2001) coloca que a balana de poder nem sempre um medidor confivel para sucesso militar, devido aos fatores intangveis que interferem no resultado do conflito.Essa anlise de Mearsheimer (2001) controversa, mas ganha fora com os exemplos colocados pelo autor. No entraremos aqui no mrito das crticas e no vamos aqui a sair em defesa de uma ou outra teoria. Nesse momento, nossas exploraes tericas vm a criar um instrumental de anlise para que testemos nossa hiptese e as hipteses que dela derivam. O que tiramos, portanto, dessa frao do pensamento do autor? O que dados recentes confirmam que a Amrica do Sul tem apresentado um crescimento mais consistente e robusto como bloco do que a mdia mundial (WORLD BANK, 2013). tambm perceptvel que este poder latente do subcontinente, tem substancialmente aumentado os gastos em defesa. Nos ltimos cinco anos os gastos em defesa dos pases sul-americanos dobrou, sendo o Brasil o pas que mais gasta em termos absolutos, porm, em termos de porcentagem do PIB, Equador e Colmbia lideram a lista (DEFENSE NEWS, 2012). O que deve ser perguntado se no seria mais plausvel que Estados sul-americanos se balanceassem uns contra os outros, criando um Dilema de Segurana clssico ao modo que coloca Herz (1950). Nessa monografia, porm, abordaremos tambm o que coloca Walt (1987), que os pases no se balanceiam contra o poder, mas contra ameaas, essas identificadas pela inteno. Apesar de nunca ser possvel estar certo da inteno de seus vizinhos, uma concertao de defesa como o CDS, por exemplo, poderia mitigar a possibilidade de um Dilema de Segurana ou de uma corrida armamentista que prejudicasse a integrao na regio.Assim, de fato, os pases sul-americanos tm maior poder latente do que outrora, isso significa que tm mais poder? Nesse caso sim, pois os investimentos na modernizao do aparato defensivo se faz presente, aumentando o poder real do bloco como um todo[footnoteRef:17] (IISS, 2013). [17: Mais frente abordaremos a questo com mais profundidade.]

Relacionando com nossa hiptese, maior poder significa maior autonomia? No necessariamente, pois esse poder pode estar atrelado a potncias externas, ou a contratos unilaterais com potncias nicas no centro do sistema. Novamente, no isso que vemos nos equipamentos militares na Amrica do Sul. Existe uma pluralidade de fornecedores, partindo desde a China, passando por Sucia e Rssia e chegando at os Estados Unidos; de fato, os pases sul-americanos aumentam seu poder militar comprando armamentos de diversas praas. Ademais, existem tambm projetos prprios dos pases sul-americanos, como o blindado brasileiro Guarani (PORTAL BRASIL, 2014) e o caso do avio de treinamento UNASUL I, um projeto conjunto entre os pases da regio (UNASUL, 2012).O poder sul-americano aumentou ao passar dos anos. Tanto o latente com o seu crescimento econmico, quanto o real com seu aumento considervel nos gastos em defesa (IISS, 2013).Cabe agora analisarmos o poder no mbito da Amrica do Sul em sentido comparativo e avaliarmos se existe uma liderana concreta na regio.1.3.2. Breves consideraes sobre a distribuio de poder na Amrica do SulNo nos ateremos demais a essa questo aqui, pois um clculo de poder completo tomaria muito tempo e deveria ser um trabalho bastante minucioso. Alm disso, um trabalho como esse j foi feito recentemente, sendo bastante preciso e atualizado por Rezende (2013). Dessa forma, o que iremos fazer , primeiramente, colocar o Brasil em franco primeiro lugar em relao ao poder latente. Maior Produto Interno Bruto (PIB) da regio, o pas tambm tem a maior populao e territrio. Ademais, o pas representa um pouco mais do que 50% dos gastos de defesa da Amrica Latina (IISS, 2013) e o 12 pas do mundo que mais gasta em defesa (CARMO, 2009).Enfim, bastante patente a superioridade nos gastos em defesa e no poder latente brasileiro, apesar de um pouco menos de 70% dos gastos brasileiros em defesa ser destinado a gastos com pessoal (PORTAL BRASIL, 2013), ainda assim, o Brasil lidera com folga.Sobre o poder real, o Brasil lidera por uma pequena margem no nmero de homens em seu efetivo combinado nas trs foras armadas, superando a Colmbia. Essa pequena vantagem parece ainda menos expressiva, se colocarmos que a soma do efetivo dos demais pases somaria 238% do efetivo brasileiro; assim, o Brasil no pode ser considerado hegemnico nesse quesito (REZENDE, 2013).Essa mesma tendncia se apresenta no nmero de blindados e de peas de artilharia. O Brasil ainda fica em segundo lugar em nmero de embarcaes militares e no apresenta superioridade hegemnica em suas aeronaves de combate (REZENDE, 2013).O que isso nos mostra que o Brasil se mostra como lder na regio pela medio de poder, mas no como hegmona nas questes militares pelo menos. O Brasil no tem poder militar suficiente para se impor como soberano ltimo da regio, apesar de ter considervel vantagem em nmero de efetivo e equipamentos blicos.1.3.3. A questo da liderana brasileira na regio para alm da medio de poderO Brasil exerce liderana por diversos motivos na Amrica do Sul. Os tamanhos de sua populao e de sua economia so claras foras motrizes, principalmente se somados aos ganhos conseguidos nos ltimos anos atravs de uma poltica externa assertiva, seu sucesso econmico e sua estabilidade poltica (VISENTINI & REIS DA SILVA, 2010).Como coloca Malamud (2011), o Brasil classificado como um dos pases monstro, no mesmo grupo nos quais so colocados Rssia, ndia, China e Estados Unidos da Amrica, porm, ao contrrio de suas contrapartes, o Brasil no assusta ningum.O Brasil, ento, se torna uma hegemonia consentida, como colocada por Burges (2008)? Talvez. A resposta que coloca Malamud (2011) que o Brasil se vale de recursos instrumentais de liderana, conseguindo-a atravs do tamanho de seu mercado, capacidade exportadora e peso de seu investimento na regio. Nesse tocante, podemos colocar, por exemplo, outro tipo de integrao na Amrica do Sul em questes de infraestrutura, na qual o peso brasileiro central (SENHORAS & VITTE, 2006).Ainda assim, Malamud (2011) questiona a efetividade da liderana brasileira., colocando que, apesar de sua proeminncia regional, o Brasil no exerce sua liderana efetivamente e falha em conseguir apoio regional a seus objetivos globais. O que podemos provocar que talvez a liderana brasileira seja um trabalho em progresso e que a UNASUL poder auxiliar na consolidao desse papel.Ademais, talvez um dos fatores mais importantes para nosso trabalho o trabalho proativo desenvolvido pelo Brasil na criao da UNASUL. O projeto brasileiro venceu na queda de brao com os pases desinteressados e com projetos mais combativos colocados pela Aliana Bolivariana para os Povos de Nossa Amrica (ALBA) (GALERANI, 2008; FUCCILLE & REZENDE, 2013).Portanto, mesmo assim, por mais que seja contestvel, existem mostras da liderana brasileira na regio, resta saber se a Unasul ser um catalisador desse papel regional do Brasil. 1.4. Consideraes sobre nossas Exploraes TericasPodemos colocar que nossas Exploraes foram bem-sucedidas no que se predispunham a fazer: construir um bom ferramental terico para que possamos analisar como e se a UNASUL e o CDS podem influenciar na autonomizao das tomadas de deciso da Amrica do Sul.Os escritos de Booth (2007) trazem uma perspectiva mpar para que possamos entender o que determina a vida das naes. Assim, no s compreendemos a emancipao, como tambm a subordinao. O que torna as pessoas ou os Estados subordinados a seus pares mais poderosos? O que colocamos e respondemos que a vulnerabilidade a presses externas, econmicas, violncia e a prpria opresso estrutural podem determinar a vida e as decises de um pas. Assim, podemos colocar, que com essa nova era de relativa prosperidade e crescimento sul-americano (WORLD BANK, 2013) tem sido uma pedra angular para diminuir nossa vulnerabilidade a presses externas no mbito econmico.Descobrimos tambm que as dinmicas regionais ganharam mais importncia no ps-Guerra Fria (BUZAN & WVER, 2003) e, portanto, existe uma possibilidade para que os pases da Amrica do Sul foquem mais nas dinmicas internas ao bloco do que com relao s potncias do centro do sistema. Isso pode ser visto como uma oportunidade: pases antes sem voz no sistema internacional, hoje tm um bloco particularmente ascendente para que expresso de suas vontades, sem depender diretamente de uma grande potncia e, alm disso, tendo como segurana os pases componentes do grupo[footnoteRef:18]. [18: Veremos as mostras de autonomia da Amrica do Sul como bloco na Organizao dos Estados Americanos e na Organizao das Naes Unidas.]

O que pudemos analisar tambm que a Amrica do Sul tem aumentado seu poder, seja pelo lado do poder latente ou do poder real e que o Brasil, apesar de ter um potencial para ser o hegmona na regio, no tem poder militar suficiente para balancear a regio de forma que essa seja unipolar. Apesar disso, no s de armas feita a liderana brasileira e seu papel na constituio da UNASUL demonstra isso. A questo a ser perguntada nos prximos captulos se o Brasil exerce a liderana que lhe cabida.

2. A Gestao e Consolidao da UNASUL e do Conselho de Defesa Sul-americanoComo instituio, a UNASUL a materializao da nova fase em que se encontra o continente e o mundo. De fato, essa nova configurao do sistema internacional d mais oportunidades para iniciativas regionais, por conta de que agora o foco das Relaes Internacionais no mais est nas grandes potncias, mas sim no entorno regional (BUZAN & WAEVER, 2003).No caso mais especfico do continente sul-americano, a conjuntura favorece bastante a integrao entre os pases da regio. Primeiramente, a regio passa por um perodo de relativa estabilidade e crescimento econmico, visto que os pases do subcontinente tiveram uma mdia percentual de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) quatro vezes maior do que o resto do mundo desde a crise de 2008 (WORLD BANK DATA). Ademais, existe toda uma conjuntura poltica tanto interna Amrica do Sul, com a ascenso dos governos de esquerda (esses mais voltados para a regio do que para os Estados Unidos) (GASPI, 2013), como tambm externamente, por conta de certo descaso da potncia do norte com sua poltica externa para a Amrica Latina (COLOMBO & FRECHERO, 2012).Adicionado a esses fatores, a proeminncia do Brasil no cenrio internacional, puxado por uma poltica externa descrita como ativa e altiva pelo ex-Ministro das Relaes Exteriores Celso Amorim (AMORIM, 2013), foi fundamental para que o bloco se consolidasse. Esse cmbio em nossa poltica externa se tratou no s de uma nova maneira de lidar com os demais pases do sistema, como tambm em uma nova maneira de enxergar o Brasil, esse mais voltado a ser um protagonista nas relaes internacionais[footnoteRef:19]. Isso foi absolutamente central para que se encaminhasse um projeto de liderana regional bastante ligado ao projeto da UNASUL e s polticas conjuntas de defesa, a qual tambm passa a ser estudada com um projeto mais bem-acabado; so exemplos disso o aperfeioamento da Poltica Nacional de Defesa (PND), o afinco sobre o projeto de prospeco estratgica Brasil em Trs Tempos (GALERANI, 2011), assim como tambm a publicao da Estratgia Nacional de Defesa e do Livro Branco de Defesa Nacional. [19: Isso ser claramente percebido em alguns dos discursos que sero abordados no terceiro captulo.]

Nosso objetivo nesse captulo ser sublinhar a gestao da UNASUL desde a Comunidade Sul-Americana de Naes (CASA) at seu desenvolvimento culminando na Unio de Naes Sul-americanas, dando enfoque principal no Conselho de Defesa Sul-Americano (CDS).2.1. A Comunidade Sul-Americana de Naes A CASA foi criada em 2004 em uma iniciativa conjunta dos 12 pases da regio no Peru, pela Declarao de Cuzco com o objetivo de integrar o continente nos mbitos poltico, social, econmico, ambiental e de infraestrutura (FUNAG, 2005). Como podemos auferir por esse documento, a CASA tinha uma proposta bastante ampla, assim como a UNASUL, um objetivo de integrar todos os pases sul-americanos em uma instituio de largo escopo.Esse tipo de iniciativa demonstra uma vontade poltica de integrao sul-americana plena no sentido geogrfico, um interesse que parecia inexistir em instituies anteriores, as quais eram mais exclusivas e menos amplas em seu ramo de atuao. A CASA inaugura uma nova maneira de se pensar a poltica internacional no mbito sul-americano, ps o fracasso nas negociaes da rea de Livre Comrcio das Amricas (ALCA), o continente, tendo evitado sua dissoluo no bojo da hegemonia estadunidense (VENTURA & BARALDI, 2008), passa a se voltar mais para sua prpria regio.O projeto da CASA aparentava ser uma tentativa do Brasil de ressuscitar a rea de Livre Comrcio da Amrica do Sul (ALCSA) e de incluir novos mbitos nessa integrao, com o objetivo de sepultar a impresso de que tnhamos muitas ideias para pouca integrao (VENTURA & BARALDI, 2008). Agregando-se as questes econmicas aos j aventados campos da defesa, com a Conferncia de Ministros de Defesa da CASA e a I Reunio Ministerial sobre Defesa e Segurana da Amaznia, onde ficou acordado que era necessria uma maior concertao entre os Ministrios de Defesa da Amrica do Sul, consolidando a UNASUL como uma rea de paz e estabilidade (GALERANI, 2008) e da infraestrutura (como o caso da Iniciativa para a Integrao da Infraestrutura Regional Sul-Americana [IIRSA]) (WAGNER, 2005), vai ganhando corpo uma iniciativa de integrao de largo espectro, um embrio do que hoje a UNASUL. Mais do que uma mudana de nomes, estava criada a partir de 2008 uma nova instituio internacional, com sede, tratado constitutivo e uma mirade de conselhos com elevado potencial tcnico e de concertao, potencial esse que ainda est por ser alcanado de maneira plena.2.2. A Gnese da UNASUL e do CDSA UNASUL criada institucionalmente em 2008 pelo Tratado Constitutivo da Unio de Naes Sul-Americanas, esse documento, assinado pelos 12 pases da Amrica do Sul a 23 de maio de 2008 em Braslia, tem traos muito caractersticos de seu tempo e espao e demarca a nova fase da poltica externa sul-americana, demonstrando um claro compromisso (pelo menos discursivo) com a mitigao das desigualdades sociais, a participao de movimentos da sociedade civil, a emancipao e a unidade regional e uma clara referncia igualdade de gnero. Esses fatores denotam a fora que os governos esquerda do espectro poltico tiveram na constituio do bloco (VENTURA & BARALDI, 2008; UNASUL, 2008).O Brasil teve papel central na criao da UNASUL, sendo o fiel da balana entre dois projetos concorrentes e uma espcie de no-projeto que visava deixar a Organizao dos Estados Americanos como grande responsvel pelas discusses sobre a Segurana e Defesa regionais. Como considerao prpria sobre este tpico, o que afirmamos que esta hegemonia cooperativa brasileira[footnoteRef:20], ao aproximar os dois subcomplexos regionais de segurana, possibilitou que a integrao sob o guarda-chuva da UNASUL se desse no modelo atual, nem tanto aos quereres da Venezuela que queria uma aliana militar clssica (uma OTAN do sul) (GALERANI, 2011) e nem tanto Colmbia que, no nascedouro do CDS, no aceitou de pronto a proposta, colocando que este papel deveria ser realizado pela OEA (EL UNIVERSO, 2008). [20: Como coloca Rezende (2005), o Brasil atendeu as expectativas ao agir efetivamente como hegmona regional, mas o fez de maneira cooperativa com os demais Estados da regio, assim, possibilitando nosso argumento acima. Ainda assim, o autor considera um perodo diferente do daqui determinado, caberia fazer, em outra oportunidade, uma anlise mais aprofundada e atualizada da questo.]

Esse tipo de representatividade brasileira na regio fruto de uma nova abordagem da Poltica Externa Brasileira (PEB) a partir de 2003, que via a regio como o locus natural de sua atuao diplomtica. Muito mais do que buscar uma integrao econmica, o Brasil queria ver o subcontinente como um bloco coeso de pases, capazes de discutir internamente matrias como defesa, direitos humanos, integrao energtica, sade pblica e infraestrutura (GALERANI, 2011). O resultado dessa mediao de interesses e da representatividade da vontade brasileira deu origem a uma instituio com uma clara vocao de mitigao das diferenas regionais, como demonstrado em seu tratado constitutivo: A Unio de Naes Sul-americanas tem como objetivo construir, de maneira participativa e consensuada, um espao de integrao e unio no mbito cultural, social, econmico e poltico entre seus povos, priorizando o dilogo poltico, as polticas sociais, a educao, a energia, a infra-estrutura, o financiamento e o meio ambiente, entre outros, com vistas a eliminar a desigualdade socioeconmica, alcanar a incluso social e a participao cidad, fortalecer a democracia e reduzir as assimetrias no marco do fortalecimento da soberania e independncia dos Estados (UNASUL, 2008).Outro claro objetivo colocado no tratado constitutivo o da criao de uma identidade sul-americana, como podemos conferir no item i do Artigo 3 do Tratado de Braslia:...consolidao de uma identidade sul-americana atravs do reconhecimento progressivo de direitos a nacionais de um Estado Membro residentes em qualquer outro Estado Membro, com o objetivo de alcanar uma cidadania sul-americana (UNASUL, 2008).Outra inciativa relevante do tratado a de colocar em seu prembulo a questo da emancipao da regio, baseado no passado de lutas pela liberdade da regio. De certa forma, todas as tratativas sobre a integrao da regio perpassam pelo tema da autonomia do bloco e dos pases que o compe frente a terceiros. Porm, nunca foi logrado esse objetivo de maneira comunitria, apenas nacional (FUENTES & SANTANA, 2009).Como uma das vias de garantir essa maior autonomia, o CDS apresentado para discutir um dos temas mais sensveis da agenda internacional de maneira interna regio. Para a criao do Conselho de Defesa Sul-Americano, o Brasil teve papel central e esse papel pode ser bem representado pelo tour feito pelo ento Ministro brasileiro Nelson Jobim, que visava criar o Conselho de Defesa da recm-nascida instituio sul-americana, apesar da resistncia apresentada pelo ento presidente da Colmbia lvaro Uribe (GALERANI, 2011).2.2.1. O Brasil em consulta pelo CDSComo principal promotor do modelo atual do CDS, o Brasil saiu em busca do consentimento e aprovao dos demais pases da regio e tambm da OEA, em vias de criar o mnimo possvel de constrangimento com a criao do novo frum de defesa (GALERANI, 2011), seguindo os princpios diplomticos do Itamaraty. Ao mesmo tempo, era necessrio que se criasse um conselho efetivo, que possibilitasse a concertao nos temas de defesa. A opo que se fez ento foi o de uma diplomacia ministerial de defesa, bastante centralizada na figura do Ministro Jobim. Foram onze pases visitados no continente, alm da Junta Interamericana de Defesa e dos Estados Unidos da Amrica que foram consultados previamente para que no houvessem atritos logo no nascedouro da instituio, apesar de que esses empecilhos surgiram mais adiante. No total, em pouco mais de um ms, o Ministro havia visitado todos os pases da Amrica do Sul, a tempo de completar seu giro quatro dias antes da assinatura do Tratado de Braslia que constituiu a Unasul. Graas a esse esforo, foi criado, em conjunto com a assinatura do documento constitutivo, um Grupo de Trabalho para que se avaliasse a possibilidade de funcionamento do CDS. O quadro poltico da Amrica do Sul era favorvel e Jobim se mostrava confiante na concretizao do Conselho como um dos rgos da Unio de Naes Sul-americanas (GALERANI, 2011).Tabela 1 Jobim e o Quadro Poltico na Amrica do SulPasData da VisitaPresidente em Vigncia e PartidoResultado da Consulta

Venezuela15/04/2008Hugo Chvez Frias (Partido Socialista Unido da Venezuela)Apoiou imediatamente a proposta.

Guiana21/04/2008Bharrat Jagdeo (Partido Progressista Popular)Apoiou imediatamente a proposta.

Suriname22/04/2008Ronald Venetiaan (Partido Nacional do Suriname)Apoiou imediatamente a proposta

Colmbia28/04/2008lvaro Uribe (Hoje no Centro Democrtico, poca apoiado por uma coalizao conservadora)Ficou de avaliar a proposta e foi o mais crtico ideia.

Equador28/04/2008Rafael Correa (Aliana Pas)Apoiou imediatamente a proposta

Peru28/04/2008Alan Garca Prez (Aliana Popular Revolucionria Americana)Ficou de avaliar a proposta

Paraguai07/05/2008Nicanor Duarte Frutos (Partido Colorado)Apoiou imediatamente a proposta

Argentina 13/05/2008Cristina Fernandez Kirchner (Partido Justicialista)Apoiou imediatamente a proposta

Chile 14/05/2008Michele Bachelet (Partido Socialista do Chile)Apoiou imediatamente a proposta

Uruguai 16/05/2008Tabar Vasquez (Frente Ampla)Ficou de avaliar a proposta

Bolvia19/05/2008Evo Morales (Movimento para o Socialismo)Apoiou imediatamente a proposta

Fonte: Elaborao prpria com base na tabela apresentada em GALERANI, 2011.

Apesar de a tabela demonstrar a ressalva de diversos dos presidentes sul-americanos, quando da data da assinatura do Tratado de Braslia e da constituio da UNASUL em 23 de maio de 2008, todos os pases concordaram em estabelecer um grupo de trabalho para averiguar a factibilidade do Conselho, pensando em contemplar a Defesa Nacional de maneira ampla e democrtica entre os membros.Noventa dias depois, quando da expirao do prazo dado ao grupo de trabalho, o nico presidente a apresentar empecilho sua participao do Conselho foi o membro do Partido Conservador lvaro Uribe, alegando que a Colmbia vivia o um momento distinto dos demais pases da regio e que era necessrio um fortalecimento de sua democracia. Nas palavras de Uribe, diferentemente dos demais pases sul-americanos, onde os grupos guerrilheiros lutaram para estabelecer a democracia, na Colmbia esses grupos no tinham o contedo ideolgico necessrio para tal, no passando de meras organizaes mercenrias. Apesar dessas ressalvas, a Colmbia no se ops formao do Conselho diretamente (GALERANI, 2011). 2.2.2. O Grupo de Trabalho e a construo tratativa do CDSAo Chile, como presidente Pro Tempore da UNASUL naquele momento, foi tambm atribuda a presidncia do Grupo de Trabalho do CDS. Esse grupo logrou definir as linhas gerais mnimas para constituio da instituio em quatro reunies.A primeira reunio do grupo de trabalho definiu os princpios do CDS, seguindo os princpios colocados no Tratado de Braslia e com o compromisso de estabelecer uma zona de paz e segurana, livre de armas nucleares e a uma diminuio nas assimetrias entre os Estados-membros da organizao. Essa primeira reunio ainda tratou da tenuidade entre os temas de defesa e segurana no ps-Guerra Fria, o que poderia ser um empecilho para o tratamento dos temas. Assim, fica acordado que primeiramente seriam identificadas as similitudes entre os pases sul-americanos (UNASUL, 2008; GALERANI, 2011). Com o relativo sucesso dessa primeira reunio, a segunda reunio ocorre entre os dias 22 e 23 de julho, j com a participao de um representante colombiano. A Colmbia aceitaria participar do CDS desde que fossem cumpridos os requisitos colocados por Uribe, os quais representavam uma clara tentativa de alienar os grupos guerrilheiros de seu pas da discusso do CDS: a) as decises deveriam ser por consenso; b) somente as foras reconhecidas pela constituio dos pases-membros deveriam ser reconhecidos; c) os grupos violentos extra-constitucionais deveriam ser repelidos. O Grupo de Trabalho, aps largas discusses, decidiram por acatar a primeira sugesto, porm, adiaram a deciso das outras duas condies para a terceira reunio (GALERANI, 2011).Ainda na segunda reunio, o Grupo de Trabalho definiu os objetivos gerais e especficos do CDS. Regido pela Carta das Naes Unidas, pela Carta da OEA e pelo tratado constitutivo da UNASUL, o CDS define como seus principais objetivos: a) a construo de uma Zona de Paz e cooperao como forma de promover o desenvolvimento integral[footnoteRef:21] dos povos sul-americanos; b) a construo de uma identidade sul-americana em defesa, que considere as caractersticas sub-regionais e nacionais e contribua para o fortalecimento da unidade da Amrica Latina e Caribe e c) a gerao de consensos para fortalecer a cooperao regional em matria de defesa (UNASUL, 2008). Esses objetivos demonstram uma vontade poltica para estabelecer conceitos de identidade, comunidade e at de emancipao. O CDS tem em seu tratado constitutivo uma srie de interessantes exemplos discursivos de autonomia, os quais apresentaremos posteriormente em nosso estudo sobre seus objetivos especficos. [21: No fica claro aqui o que se coloca como desenvolvimento integral. Pelo restante do documento, essa escolha lexical pode ser entendida como uma tentativa de formao da pessoa humana nos povos sul-americanos, visando uma certa emancipao dos indivduos que habitam a regio.]

Ao dia 26 de agosto de 2008, foi realizada a terceira reunio do Grupo de Trabalho. Esse encontro tinha por objetivo discutir o papel das foras armadas, o rechao violncia dos grupos armados ilegais e a participao cidad no campo da defesa. Fica claro que os dois primeiros temas foram discutidos para atender s demandas colombianas, a qual seguia condicionando sua participao no Conselho discusso desses temas.Sobre o papel das foras armadas, Bogot pressionou para que a frase reconhecer as foras armadas consagradas constitucionalmente pelos Estados membros como as nicas instituies encarregadas pela defesa nacional fosse o princpio condutor do documento constitutivo do CDS. Muito contestada, a frase no foi inclusa no documento, mas foi revisada para que se tornasse menos incisiva, alcanando o consenso no Grupo de Trabalho (GALERANI, 2011). Por outro lado, na questo sobre o rechao dos grupos armados ilegais, no houve acordo na terceira reunio. Os governos de Bolvia e Venezuela colocaram que a colocao desse repdio nos princpios do CDS descumpriria as diretrizes de no-interveno e autodeterminao dos povos. Ademais, os dois governos colocavam que no convinha adotar como princpio uma situao enfrentada por um Estado-membro especfico (GALERANI, 2011).No tema da participao cidad nos temas de defesa, o Grupo de Trabalho logrou alcanar um consenso na proposta apresentada pelo governo paraguaio. No documento final, a clusula aprovada l: promover, em conformidade com o ordenamento constitucional e legal dos Estados membros, a responsabilidade e a participao cidad nos temas defesa, como bem pblico que diz respeito ao conjunto da sociedade (GALERANI, 2011; UNASUL, 2008). Entre a terceira e a quarta reunio, o Grupo se reuniu tambm em situao de ocasio na VIII Conferncia de Ministros de Defesa das Amricas em Banff, no Canad. Nessa oportunidade, ficou acordado que a responsabilidade pelo texto final do documento constitutivo do CDS no deveria ser deixado aos presidentes, cabendo a esses somente a aprovao dos documentos previamente discutidos. Ainda nesse recorte, visando dar celeridade ao processo de soluo de controvrsias, a Presidncia Pro Tempore na poca, ocupada por Michelle Bachelet redigiu um rascunho de documento final para ser discutido pelo Grupo de Trabalho em seu prximo encontro.Entre 10 e 11 de dezembro, o documento foi analisado, revisado e aprovado clusula a clusula, alcanando, por fim, consenso sobre as demandas colombianas e partindo para a assinatura dos presidentes no que se tornou o Documento Constitutivo da UNASUL.Aps as discusses extensas do Grupo de Trabalho, finalmente, um documento foi produzido, o qual daria origem ao Conselho de Defesa Sul-americano. Podemos ver diversas questes no documento que merecem ateno, por demonstrarem pinceladas da base terica apresentada anteriormente. Primeiramente, podemos notar em seus objetivos a compreenso da necessidade da paz em todos os pases do continente, como modo de assegurar a paz a todos os demais, claramente colocando a importncia do Complexo Regional de Segurana, ademais, o conceito de identidade aventado nos objetivos, demonstrando uma vontade poltica de criar uma comunidade de segurana regional[footnoteRef:22], velha pretenso irrealizada dos pases sul-americanos (MIJARES, 2011). Os objetivos seguem assim: [22: claro que muito dificilmente estaramos falando de uma Comunidade Emancipatria como colocada por Ken Booth; porm, poderamos colocar que a palavra Comunidade de Segurana poderia ser colocada como o conceito de Deutsch (1957) ou de Bellamy (2004). Uma Comunidade Emancipatria reconhece que pessoas tm identidades mltiplas, que a identidade de uma pessoa no pode ser satisfatoriamente definida por uma nica atribuio (religio, classe, raa, etc.) e que as pessoas devem ser permitidas a viver simultaneamente em uma variedade de comunidades, expressando vidas multifacetadas. Uma Comunidade Emancipatria , portanto, uma livre associao de indivduos, reconhecendo sua solidariedade em relao a concepes comuns do que viver uma vida tica, fazendo com que fiquem juntas com um senso de pertencimento e uma rede distinta de ideias e apoio (BOOTH, 2007, p. 139). Assim, a UNASUL no parece servir a esses propsitos; o debate sobre se ela ou no uma Comunidade de Segurana existe, mas, de um ponto de vista realista, a UNASUL no se configura como tal (MIJARES, 2011).]

a) a construo de uma Zona de Paz e Cooperao no subcontinente, pois essa seria a base para a estabilidade democrtica e para o desenvolvimento integral dos povos sul-americanos, alm de contribuir para a paz mundial; b) a construo de uma identidade sul-americana em defesa, que considere as caractersticas sub-regionais e nacionais e contribua para o fortalecimento da unidade da Amrica Latina e do Caribe;c) a gerao de consensos para fortalecer a cooperao regional em matria de defesa (UNASUL, 2008).Esses objetivos para a cooperao regional parecem trazer o anseio de que as Foras Armadas da Amrica do Sul, subordinadas aos organismos civis cabveis, contribuiro, atravs de um uso diversificado, contribuir para a manuteno da estabilidade democrtica do subcontinente. Os anseios e o prprio funcionamento do Conselho vo encontrar diversos obstculos, porm, o Conselho contribuir bastante para a manuteno da paz no continente logo em seus primeiros dias de trabalho e continuar aprofundando vagarosamente os laos da cooperao em defesa dos pases membros.Esse emaranhado de objetivos e aes parece razoavelmente consistente com a origem poltica do CDS, desde a proposta grandiosa de Chvez de uma OTAN do Sul (ou OTAS), passando pelas pequenas mostras na existncia da CASA e a relutante adeso da Colmbia, o estatuto da UNASUL contm um pouco de tudo e, por isso, no segue uma linha clara de ao (MIJARES, 2011). No fundo, o estatuto do CDS uma colcha de retalhos pensada e escrita para balancear os interesses de todos os pases membros de maneira consensual e razoavelmente equnime, tarefa que foi facilitada pela similaridade ideolgica de boa parte dos pases membros (Argentina, Bolvia, Brasil, Chile, Equador, Paraguai, Venezuela e Uruguai com governos de esquerda ou centro-esquerda).Ademais, o momento para a criao desse bloco de discusso em defesa tambm foi facilitada pelo momento histrico. O perodo marcado por uma ascenso dos pases em desenvolvimento e por certo descaso da Poltica Externa estadunidense com relao Amrica Latina (COLOMBO & FRECHERO, 2012). Nessa nova conjuntura de ps-Guerra Fria, de aumento da importncia dos atores regionais e de retrao hegemnica, podemos encontrar um momento relativamente propcio para a criao desse frum e autonomizao dos pases sul-americanos. Entre avanos claros e dificuldades latentes, a UNASUL vista com um misto de admirao e ceticismo pela academia do subcontinente[footnoteRef:23]. [23: Exemplos de ceticismo podem ser vistos em Ventura e Baraldi (2008) e Mijares (2011) e exemplos de entusiasmo podem ser vistos em Serbin (2011) e Fuentes e Santana (2009).]

2.2.3. Uma breve anlise sobre o funcionamento da UNASULA UNASUL foi criada com um total inicial de quatro rgos: o Conselho de Chefas e Chefes de Estado e Governo, o Conselho de Ministros e Ministras de Relaes Exteriores, o Conselho de Delegadas e Delegados e a Secretria Geral (UNASUL, 2008). Assim, aps a sua criao ficaram colocados os seus doze conselhos setoriais:a) Conselho Energtico Sul-americano;b) Conselho de Defesa Sul-americano;c) Conselho de Sade Sul-americano;d) Conselho sul-americano de Desenvolvimento Social;e) Conselho sul-americano de Infraestrutura e Planejamento;f) Conselho sul-americano sobre o Problema Mundial das Drogas;g) Conselho sul-americano de Economia e Finanas;h) Conselho Eleitoral da UNASUL;i) Conselho sul-americano de Educao;j) Conselho sul-americano de Cultura;k) Conselho sul-americano de Cincia, Tecnologia e Inovao;l) Conselho sul-americano em matria de Segurana Cidad, Justia e Coordenao de Aes contra a Delinquncia Organizada Transnacional.Esses rgos consultivos tm todas as suas decises tomadas por consenso e suas diretivas trazem os resultados das reunies feitas pelos ministros responsveis pelas reas especificadas. O resultado so planos de ao de alto nvel tcnico que auxiliam em uma discusso autnoma dessa vasta gama de temas no mago da Amrica do Sul. Ao invs de uma consulta em rgos com a presena de potncias externas, a UNASUL opta por discutir esses temas de maneira interna e os resultados so positivos no mbito das tratativas. Apresentaremos, em nosso ltimo captulo, alguns exemplos de aes no mbito da UNASUL, ou de alinhamento do discurso em rgos internacionais externos que so frutos dessa institucionalizao da integrao sul-americana.Ainda assim, no possvel simplesmente deixar de lado os inmeros desafios a esse projeto de integrao que so impostos por fatores endgenos e exgenos que sero abordados a seguir.2.3. Desafios para a UNASUL e o CDS: entraves para um frum autnomoApesar disso, a resistncia integrao regional bastante grande. Desde polticos influentes nos pases membros que so cticos sobre o projeto sul-americanista (BUENO, 2014; EL UNIVERSO, 2014), passando pelos objetivos socioeconmicos dos pases membros (FUENTES Y SANTANA, 2009) e pelos interesses das poderosas elites presentes em seu interior, as quais defendem um alinhamento maior com a potncia do norte (BATISTA, 1994). Ademais, podemos apresentar os obstculos apontados por Mijares (2011) de maneira razoavelmente crtica, so eles: a) persistente primazia regional estadunidense; b) sistema competitivo de alinhamentos; c) crescentes influncias extra regionais. O raciocnio que coloca Mijares est baseado em uma lgica neorrealista, a qual abordaremos de maneira crtica. Apesar de correto logicamente, colocaremos essas trs dificuldades de maneira perspectiva, at por conta de que a base terica que baseia a Monografia mais heterognea e permite uma viso bastante distinta daquela do autor. Nossa argumentao tentar demonstrar que esses desafios na atual conjuntura so menores do que outrora. Esse exerccio nos auxiliar no encerramento desse segundo captulo e incio do terceiro, onde abordaremos exemplos concretos de autonomizao.Sobre a primazia regional dos EUA, podemos citar, por exemplo, a fala de Celso Amorim na Conferncia 10 anos de Poltica Externa, em So Bernardo do Campo. Na oportunidade, o j Ministro da Defesa dissertou sobre a oposio que o Brasil tem ido contra os interesses estadunidenses nos ltimos anos de sua poltica externa, as diferenas em relao ao projeto da ALCA, Guerra no Iraque e ao golpe contra Chvez em 2002, apoiado institucionalmente pela OEA (AMORIM, 2013)[footnoteRef:24]. [24: Essa uma acusao feita pelo prprio presidente Hugo Chvez Frias, o qual acusou a Comisso de Direitos Humanos da OEA de apoiar e ser conivente com o Golpe de 2002 (MAISONNAVE, 2010).]

Ademais, Amorim afirmou que o Brasil ainda se ops aos Estados Unidos na Rodada Doha, no caso do Ir e sua fiscalizao sobre assuntos nucleares e que vai continuar se desenvolvendo em uma poltica externa ativa e altiva. Esses fatores, colocados pelo ex-Ministro de Relaes Exteriores do Brasil, demonstra certa insatisfao com a manuteno de um status quo de subservincia potncia do norte.Sobre a questo dos alinhamentos competitivos dentro do bloco, deve ser reconhecido que existem, sim, posies ideolgicas e projetos de Poltica Externa conflitantes na regio, porm, a relativa unio que se criou em torno de uma relativa autonomizao deve ser citada. Colocaremos, posteriormente, alguns casos de clara concertao entre os pases do subcontinente em torno de pautas comuns, sobretudo no que tange segurana e defesa da regio e a pautas de Poltica Externa como a incluso de Cuba na Cpula das Amricas.Sobre as influncias extra regionais, podemos dizer que, de fato, na atual conjuntura do Sistema Internacional, qualquer pas est sujeito a influncias, o terico Martin Wight (2001), no captulo XVI de A Poltica do Poder, at no contexto de Guerra Fria, diz que ningum est livre das influncias da configurao do poder. Todos os pases esto inseridos nessa lgica, porm, o que pode ser afirmado que os pases da Amrica do Sul tm, nos ltimos anos, com seu crescimento e seus recentes avanos nos campos econmico e militar, se liberado de algumas de suas inseguranas, se autonomizando, ou emancipando (BOOTH, 2007), de influncias extra regionais prejudiciais.No negamos aqui nenhuma das trs dificuldades para a UNASUL, porm, de se ponderar que todas elas esto menores agora do que outrora, principalmente se analisado pela lgica colocada no primeiro captulo de nossa monografia. O ponto principal de nossa ponderao colocar, de maneira explicativa, os exemplos encontrados que demonstram que, apesar das dificuldades e limitaes do projeto da UNASUL, essa e seu Conselho de Defesa tm conseguido avanos significativos para o subcontinente e para as discusses tcnicas nas matrias de Segurana e Defesa de maneira autnoma e independente. 3. Ativos e Altivos: as mostras de autonomia dos pases sul-americanosDentro da argumentao de nossa monografia, est posto o pensamento de que a Amrica do Sul est, de fato, se tornando mais autnoma e que a UNASUL e o CDS tm contribudo para esse processo. Demonstraremos a seguir alguns fatos empricos que corroboram essa afirmao e serviram de inspirao fundamental para que esse texto existisse. Exemplos no mbito da instituio e tambm fora da UNASUL sero demonstrados para que nossa hiptese possa ser verificada. Como demonstrado, a Amrica do Sul ainda padece de dificuldades e mazelas; porm, esses exemplos demonstram uma mudana considervel nas atitudes dos pases que compem o subcontinente. Apesar disso, o Brasil, suposto lder regional, tem negligenciado significativamente sua poltica externa a partir do segundo ano do governo Dilma Rousseff. Apesar dos avanos alcanados no mbito internacional pelos governos do Partido dos Trabalhadores (PT), a presidenta da repblica tem dado cada vez menos importncia pauta; apesar de ter sido um governo bastante assertivo em seu primeiro ano, um corte oramentrio no Itamaraty, alm da prtica de uma diplomacia mais discreta, viajando menos que Lula, a presidenta se manteve, segundo alguns analistas, longe de temas espinhosos (FELLET, 2013). Isso demonstra uma mudana de foco do poder executivo federal para outras pastas, o que poder acarretar em um esvaziamento da UNASUL dada a posio de liderana do Brasil no bloco. Ainda assim, a recente polmica com os casos de espionagem denunciados pelo whistle-blower Edward Snowden parecem ter renovado uma diplomacia presidencial mais forte. Ademais, as mostras de autonomia desde a criao da Unio so vlidas e sero demonstradas aqui. Uma incgnita surge com a reeleio da presidenta: quais sero os rumos daqui para frente? Parece seguro assumir que as linhas gerais quais sejam o piv para a Amrica do Sul e Latina e frica e a busca por autonomia - sero mantidas, mas h uma questo de intensidade posta, a qual pode prejudicar a integrao e o prprio papel de liderana do Brasil3.1. Autonomia e alinhamento no campo da poltica internacional: os pases sul-americanos e a concertao no discurso.Dividimos aqui em duas partes os nossos exemplos de alinhamento e autonomizao dos pases sul-americanos para fins didticos. Primeiramente, abordaremos exemplos de alinhamento discursivo em instituies polticas internacionais diversas. Isso se coloca por conta de que so declaraes ps-2008 e em situaes em que os pases sul-americanos tiveram posturas firmes e homogneas sobre temas complexos da poltica internacional. Posteriormente, analisaremos exemplos de alinhamento de Bases Industriais de Defesa, projetos de cooperao concretos e intercmbios tecnolgicos.3.1.1. O Plano Colmbia e o contraponto aos Estados UnidosA Colmbia um caso bastante peculiar na Amrica do Sul: enquanto ator poltico, o pas sempre foi causa desestabilizadora da regio, tendo seus confrontos internos irradiando para os demais pases vizinhos (VILLA E OSTOS, 2005). Como principais problemas, o pas palco de uma luta entre os partidos Liberal e Conservador, alm de ter a participao dos grupos paramilitares que s aumentam a instabilidade (RIPPEL, 2004).Em resposta, o governo colombiano, no ano de 1998, prope o Plano Colmbia. Ento no governo de Andrs Pastrana, era desejado um mecanismo de cooperao e negociao com os dois principais grupos paramilitares da regio, as Fuerzas Armadas Revolucionarias de Colombia (FARC) e o Ejercito de Liberacin Nacional (ELN), porm, o governo estadunidense colocou como condio necessria de seu financiamento do Plano, uma estratgia bem definida de combate ao narcotrfico. Se desenha, portanto, um Plano que abrigava forte presena militar e policial. O financiamento estadunidense s aspiraes colombianas era preponderantemente a esses fatores (RIPPEL, 2004).A situao mais relevante para nossa Monografiaocorre em 2009, no governo de lvaro Uribe. Neste governo, foi aventada a possibilidade da instalao de sete bases militares estadunidenses na Colmbia, causando uma reao imediata dos demais pases da UNASUL. O receio da maioria dos pases da regio era de que a Colmbia servisse como uma extenso dos Estados Unidos no continente. As acusaes mais fortes partiram de Hugo Chvez, que caracterizou o movimento como uma tentativa de transformar a Colmbia em uma extenso do poder americano, como Israel na Amrica do Sul (CHVEZ, 2009).Como coloca Rippel (2009), o Plano Colmbia age, de certa forma, como instrumento dos EUA para aumentar sua influncia e sua presena militar na regio, essa presena, sublinha o autor, se d de diferentes formas, como programas de treinamento, assessoria, exerccios conjuntos, venda de material militar, estabelecimento de bases areas e instalao de radares.Esta situao causou instabilidade crescente na Amrica do Sul e congelou as j complicadas relaes entre Equador e Venezuela com a Colmbia. Esse fator poderia ter sufocado o processo de integrao em seu nascedouro, tendo isso em vista, a UNASUL agendou uma reunio de emergncia em Bariloche.Assim, a UNASUL endereou a crise e surgiu com uma deciso conjunta de seus pases membros que, em sua terceira clusula operativa, colocou a seguinte considerao: Reafirmar que a presena de foras militares estrangeras pode, com seus meios e recusos vinculados a objetivos prprios, ameaar a soberania e integridade de qualquer nao sul-americana e em consequncia a paz e segurana da regio (UNASUL, 2009)[footnoteRef:25]. [25: Reafirmar que la presencia de fuerzas militares extranjeras no puede, con sus medios y recursos vinculados a objetivos propios, amenazar la soberana e integridad de cualquier nacin suramericana y en consecuencia la paz y seguridad en la regin (Traduo Nossa).]

Depois desses desenvolvimentos, o judicirio colombiano declarou o que era esperado pelos pases sul-americanos, colocando como inconstitucional a instalao das bases estadunidenses dentro de suas fronteiras (MARREIRO, 2010). Essa importante deciso tomada muito por conta dos esforos concertados dos pases sul-americanos para parar os avanos estadunidenses na regio, os quais eram apoiados pelo governo conservador de lvaro Uribe.Depois do controvertido governo de Uribe, Santos representa um novo horizonte para as relaes entre os pases da UNASUL. Diferente da presidncia anterior, Santos mantm boas relaes com o governo venezuelano, declarando que com Maduro, colocando as diferenas de lado, temos relaes magnficas (AVN, 2013) e com sua contraparte equatoriana. Desta forma, o que antes poderia ser considerado um entrave cooperao e integrao no continente, agora se coloca como e to somente como um contraponto ideolgico aos pases da Alianza Bolivariana para los pueblos de nostra Amrica (ALBA), possibilitando uma maior cooperao; a nova relao de respeito e tolerncia mtua destes pases pode ser um novo motor para a cooperao na regio sem a presena de atores alheios, apaziguando a regio mais dividida e problemtica do subcontinente.3.1.2. O Caso Paraguai: opinio de bloco contrria OEAEm 21 de junho de 2012, iniciou-se um processo judicial que tinha por objetivo o impeachment do presidente Fernando Lugo. A atividade dos pases da UNASUL se iniciou imediatamente no mesmo dia, na cpula do G20, na qual os Chefes de Estado da organizao se reuniram para discutir a situao e agendar uma reunio no mbito o Conselho de Chefas e Chefes de Estado e governo da UNASUL (EL TIEMPO, 2012).Por conta de suas polticas agrrias, Lugo gerou, segundo seus detratores, uma instabilidade na j complicada questo de terras no Paraguai (LPEZ, 2012), culminando nos acontecimentos de 15 de junho, com a morte de dezessete pessoas, contando com seis policiais e onze camponeses. O fato ocorreu quando do desalojamento de uma fazenda localizada na cidade de Curuguaty.Com estes desenvolvimentos, a situao no Paraguai ficou bastante dramtica e, por fim, o presidente Lugo foi deposto de seu cargo em 22 de junho depois de apenas 24 horas do incio de seu julgamento e, assim, assumiu seu vice-presidente, Federico Franco (RUSSIAN TIMES, 2012).Assim, rapidamente, grande parte dos pases membros da UNASUL condenaram a destituio de Lugo, com acusaes de Golpe de Estado. A reunio, ocorrida em Mendoza, na Argentina, no dia 29 de julho de 2012 bastante emblemtica no que tange o posicionamento poltico comum da regio. Apesar de heterogneos, os pases da UNASUL se colocaram contra as aes do judicirio paraguaio e decidiram por suspender o pas da instituio, com apoio legal das clusulas democrticas demonstradas no tratado constitutivo da UNASUL e nas clusulas do protocolo adicional de compromisso com a democracia, nestes a instituio deixa claro seu respeito aos processos democrticos de seus pases membros (JOST-CREEGAN, 2012).Esta atitude foi de encontro com as atitudes da Organizao dos Estados Americanos (OEA), a qual descartou a suspenso paraguaia, dizendo que isto causaria um sofrimento desnecessrio (SECRETRIO-GERAL..., 2012). A OEA ainda promoveu uma reunio em honra ao presidente paraguaio Federico Franco, esta teve um qurum bastante baixo, com os pases da UNASUL se ausentando como bloco, o que demonstra que houve uma consonncia poltica entre os 11 pases da instituio (descontado o Paraguai), em detrimento a um alinhamento com a Organizao dos Estados Americanos.3.1.3. A Sexta Cpula das Amricas e a posio comum sobre CubaNos dias 14 e 15 de abril de 2012 os lderes dos pases americanos se reuniram em Cartagena para discutir algumas das questes mais relevantes da atualidade. Desde pobreza e desigualdade at a integrao fsica da infraestrutura americana, a resoluo que foi produzida tratou de vrios temas de maneira bastante superficial (VOA, 2012).O fator que importante para essa monografia a posio poltica de bloco que se criou em torno da readmisso de Cuba Organizao dos Estados Americanos e s reunies das Cpulas das Amricas. Pases como Argentina, Bolvia, Brasil, Equador, Uruguai e Venezuela foram os mais enfticos, afirmando que esta ser a ltima Cpula das Amricas sem Cuba, outros pases como Chile, Colmbia, Paraguai e Peru reivindicaram, mesmo que de forma mais amena, a participao de Cuba, vetada nos bastidores pelo governo estadunidense (BARBOSA, 2012).A carta de Rafael Correa para o presidente colombiano Juan Manuel Santos exemplifica este tipo de comprometimento com a situao cubana: Por definio, no pode denominar-se Cpula das Amricas uma reunio a qual um pas americano intencional e injustificadamente relegado. Tem se falado de falta de consenso, mas todos sabemos que se trata do veto de pases hegemnicos, situao intolervel a nossa Amrica do Sculo XXI (CORREA, 2012)[footnoteRef:26]. [26: Do original: Por definicin, no puede denominarse Cumbre de las Amricas a una reunin de la cual un pas americano es intencional e injustificadamente relegado. Se ha hablado de falta de consenso, pero todos sabemos que se trata del veto de pases hegemnicos, situacin intolerable en nuestra Amrica del Siglo XXI (Traduo Nossa).]

O que podemos notar, portanto, que os pases da UNASUL esto em consonncia neste tocante, contrariando os interesses dos Estados Unidos da Amrica. A utilizao deste exemplo presta o servio de demonstrar a relativa autonomia da poltica externa dos pases da Amrica do Sul em relao potncia estadunidense, tanto pelos prprios esforos da Unio, quanto pela poltica externa negligente dos Estados Unidos em relao regio, como coloca Colombo e Frechero (2012).3.1.4. A Posio dos pases sul-americanos ante as denncias de Edward SnowdenUm dos grandes acontecimentos do ano de 2013 para as Relaes Internacionais, foi a srie de denncias feitas pelo funcionrio da Agncia Nacional de Segurana dos Estados Unidos (NSA, da sigla em ingls) Edward Snowden sobre a espionagem da agncia sobre diversos chefes de Estado. Ao todo, segundo as denncias do whistle-blower, todos os pases do mundo, exceto pela Gr-Bretanha, Canad, Nova Zelndia e Austrlia (ALL..., 2014). Os pases da Amrica do Sul, portanto, com seus governos em sua maioria de centro-esquerda e com posturas contrrias aos Estados Unidos, no escaparam da espionagem sistemtica da agncia sobre seus mandatrios, o que gerou indignao e fez com que ocorressem ofertas de asilo poltico a Snowden. O que mais nos importa aqui so os discursos feitos sobre o assunto pelos presidentes de alguns dos pases sul-americanos, mais especificamente Dilma Rousseff, Cristina Kirchner, Jos Mujica, Rafael Correa e Nicols Maduro.A presidenta Dilma Rousseff subiu ao plpito da 68 Sesso da Assembleia Geral das Naes Unidas (AGNU) para, como de praxe, inaugurar seus trabalhos. O discurso proferido pela chefa de Estado foi uma denncia dos casos de espionagem perpetrados contra os presidentes da Amrica Latina. A presidenta declarou:(...) Informaes empresariais --muitas vezes, de alto valor econmico e mesmo estratgico-- estiveram na mira da espionagem. Tambm representaes diplomticas brasileiras, entre elas a Misso Permanente junto s Naes Unidas e a prpria Presidncia da Repblica tiveram suas comunicaes interceptadas.Imiscuir-se dessa forma na vida de outros pases fere o Direito Internacional e afronta os princpios que devem reger as relaes entre eles, sobretudo, entre naes amigas.Jamais pode uma soberania firmar-se em detrimento de outra soberania. Jamais pode o direito segurana dos cidados de um pas ser garantido mediante a violao de direitos humanos e civis fundamentais dos cidados de outro pas. (...)(...)Como tantos outros latino-americanos, lutei contra o arbtrio e a censura e no posso deixar de defender de modo intransigente o direito privacidade dos indivduos e a soberania de meu pas. Sem ele --direito privacidade-- no h verdadeira liberdade de expresso e opinio e, portanto, no h efetiva democracia. Sem respeito soberania, no h base para o relacionamento entre as naes (ROUSSEFF, 2013).

O que pode ser analisado que o discurso toma por base uma ideia de inviolabilidade da soberania e do sigilo de certas questes de Estado. A denncia brasileira aos desmandos dos Estados Unidos demonstram a nova fase da poltica externa do pas que foi iniciada pelo presidente Lula e continuada, ainda que com menor intensidade, pela presidenta Dilma Rousseff. Como poder ser verificado nos discursos dos demais presidentes, essa demonstrao de independncia frente a potncia do norte tambm a tnica da poltica externa de diversos pases sul-americanos.O presidente Rafael Correa declarou, em entrevista ao canal Russia Today, que, se a espionagem houvesse sido perpetrada por Venezuela, Rssia, Equador ou Cuba, os presidentes seriam considerados ditadores, apontando que os Estados Unidos se sentem acima do bem e do mal. Ademais, o mandatrio equatoriano ainda afirmou: Somos parte de um mundo multipolar, democrtico, onde se atua com base nas regras do jogo e no baseado em um governo de um pas que se acha superior ao resto do mundo, e que, ao mesmo tempo, cai em tremendas contradies como a espionagem em massa que se evidenciou ultimamente (...) O Equador no tem pretenso de mudar a ordem mundial. Queremos proteger o nosso povo dessa injustia, e isso requer a integrao latino-americana. Unidos seremos mais fortes e teremos mais presena internacional (CORREA, 2013).

A indignao por parte dos atos de espionagem tomou conta das lideranas polticas sul-americanas e, como vimos, uma das solues ponderadas parece ser a integrao sul-americana. Outros presidentes tambm se pronunciaram de maneira dura sobre o tema. O presidente uruguaio Jos Mujica tambm se pronunciou sobre o tema com paixo quando disse: (...) mas sou do sul e venho do sul a essa assembleia(...) carrego as culturas originrias esmagadas, o resto do colonialismo nas Malvinas, os bloqueios inteis e tristes a Cuba e a vigilncia eletrnica filha das desconfianas que nos envenenam, contra pases como o Brasil (MUJICA, 2013).A ALBA (grupo composto por trs dos Estados mais combativos da Amrica do Sul, quais sejam, Bolvia, Equador e Venezuela), na declarao de Guayaquil, decidiu por compor um corpo tcnico-jurdico para denunciar e at processar juridicamente os Estados Unidos por sua rede de espionagem global (ALBA, 2013). Ademais, o presidente boliviano Evo Morales props, de maneira jocosa, na reunio da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), espionar os Estados Unidos para que se alcance a segurana mundial (RT, 2014).Com toda essa comoo no mbito da Amrica do Sul, a UNASUL foi chave para a convergncia desses interesses para um objetivo concreto e comum. No dia 9 de agosto de 2013, os Ministros de Comunicaes dos pases-membros se reuniram em Lima e redigiram uma declarao que, sem citar os Estados Unidos, decidiu por rechaar as aes ocorridas e agir no sentido de estabelecer uma rede de informaes sul-americana, com o objetivo de diminuir a dependncia do subcontinen