a transnacionalização das empreiteiras brasileiras e o pensamento

54
A transnacionalização das empreiteiras brasileiras e o pensamento de Ruy Mauro Marini Pedro Henrique Pedreira Campos 1 Resumo: A partir do final da década de 1960, as empresas brasileiras de indústria de construção passam a exportar capitais através da realização de obras em outros países. O movimento se direciona principalmente para os países vizinhos da América do Sul, mas também para outras nações da América Latina, da África e do Oriente Médio, contando com a forte proteção e incentivo por parte do aparelho de Estado brasileiro. A apresentação pretende dar um quadro geral desse movimento nos anos 1960 e 1970 e discutir as hipóteses explicativas para tal fenômeno. Para isso, será feita uma discussão central do conceito de subimperialismo, proposto por Ruy Mauro Marini ainda na década de 1960. 1 Doutorando em História social pela UFF.

Upload: vanliem

Post on 18-Dec-2016

215 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

A transnacionalização das empreiteiras brasileiras e o pensamento de Ruy Mauro Marini

Pedro Henrique Pedreira Campos1

Resumo: A partir do final da década de 1960, as empresas brasileiras de indústria de construção passam a exportar capitais através da realização de obras em outros países. O movimento se direciona principalmente para os países vizinhos da América do Sul, mas também para outras nações da América Latina, da África e do Oriente Médio, contando com a forte proteção e incentivo por parte do aparelho de Estado brasileiro. A apresentação pretende dar um quadro geral desse movimento nos anos 1960 e 1970 e discutir as hipóteses explicativas para tal fenômeno. Para isso, será feita uma discussão central do conceito de subimperialismo, proposto por Ruy Mauro Marini ainda na década de 1960.

1 Doutorando em História social pela UFF.

A transnacionalização das empreiteiras brasileiras e o pensamento de Ruy Mauro

Marini

Pedro Henrique Pedreira Campos

Quem foi às praias da zona Sul do Rio de Janeiro no feriado de 1º de maio de 2009

pôde ver a seguinte mensagem em faixas veiculadas por aviões que sobrevoavam o local: “O

Irã nos ferrou! Ass.: Odebrecht”. Além disso, nas ruas fechadas para tráfego, podia receber

camisas da seleção brasileira com a mesma inscrição, distribuídas gratuitamente por um grupo

anônimo. O caso foi parar na polícia, já que a empreiteira não dispõe de obras no país e a

campanha de propaganda era, na verdade, uma medida de protesto contra a iminente viagem

oficial do presidente do Irã ao Brasil. A construtora também se dirigiu ao Itamaraty para

tentar limpar a sua imagem diante da publicidade apócrifa, já que tem diversos negócios em

outros países do Oriente Médio e em mais de 30 nações ao redor do mundo2.

Essa anedota, que apareceu nos jornais no dia seguinte, foi ação provável de algum

grupo judaico que protestava contra a passagem do presidente Mahmoud Ahmadinejad no

país e contra suas polêmicas afirmações acerca do holocausto. O interessante é que para

realizar o protesto contra o país, os manifestantes escolheram uma empresa nacional de

engenharia, remetendo a um processo bastante vigoroso e recente do setor de construção

pesada na economia brasileira, o da chegada das empresas do setor a diversos países do

mundo, arrematando obras e se transformando em grandes empresas multinacionais.

O fenômeno de transnacionalização, iniciado em fins dos anos 1960, mostra-se

profundamente atual e tem gerado repercussões para a imagem do Brasil e dessas empresas

por conta das situações delicadas criadas por essas construtoras, por problemas técnicos de

suas obras e por seus métodos que muitas vezes fogem à legalidade e à razoabilidade. O

propósito desse pequeno texto não é, no entanto, discorrer sobre o caráter atual do fenômeno3

ou denunciar os métodos utilizados por essas empresas de construção no exterior4, mas

levantar dados e informações acerca da transnacionalização das empreiteiras brasileiras ao

longo do período ditatorial e analisar as possíveis explicações para esse processo, analisando

2 O GLOBO. Edição de 02 de maio de 2009, p. 26. ‘Odebrecht repudia protesto contra o Irã: Campanha “O Irã nos ferrou” circulou com a assinatura da empresa’. Reportagem de Sabrina Valle, da redação.3 Para isso, ver, dentre outros, TAVARES, Márcia. Investimento Brasileiro no Exterior: panorama e considerações sobre políticas públicas. Santiago: CEPAL / ONU, 2006. 58p.4 Um texto que realiza isso é o de GARCÍA, Nathalia Landivar. Los patrones de comportamiento de las “transbrasileñas” em Ecuador: extraterritoriando la responsabilidad del Estado brasileño. 14p.

1

detidamente a hipótese explicativa elaborada por Ruy Mauro Marini, ou seja, a noção de

‘subimperialismo’.

Alguns pesquisadores se dedicaram ao tema quando ele se mostrava uma novidade

econômica e quando era ainda mais marcante que nos dias atuais. No final dos anos 1970 e

início dos anos 1980, o grupo de pesquisa do Instituto de Economia Industrial da UFRJ fez

diversos estudos acerca da indústria da construção e de sua transnacionalização. O professor

que orientou algumas dessas pesquisas foi Carlos Lessa e o grupo incluía pesquisadores como

Julio Sérgio Gomes de Almeida, Antonio Jaime da Gama Jobim, Victor Prochnik, Marilena

Chaves, Galeno Tinoco Ferraz Filho e outros. Esse é o mais importante grupo de estudo sobre

o assunto, tendo como resultado algumas publicações5, além de dissertações de mestrado6. O

trabalho fundamental sobre o assunto é a dissertação de mestrado e a pesquisa específica de

Galeno Tinoco Ferraz Filho, que resultou em um texto balizar sobre a transnacionalização das

empresas brasileira, sobre o qual muito nos baseamos para fazer esse artigo.

Outros estudos sobre empreiteiras foram realizados no Iuperj, na Unicamp, na FGV e

na Fundação João Pinheiro. Dessa última veio um amplo estudo sobre o setor de indústria de

construção, finalizado e publicado em 1984 e contando com 20 volumes, sendo um

exclusivamente dedicado ao tema da transnacionalização das empresas de engenharia

brasileiras, ao qual recorremos em diversos momentos no nosso texto. O amplo estudo foi

coordenado pela pesquisadora Marilena Chaves e contou com o suporte e financiamento de

entidades do setor, como a ABEMI (Associação Brasileira de Engenharia Industrial), CBIC

(Câmara Brasileira de Construção Civil) e outras entidades7. Esse levantamento se mostrou

bem mais completo em termos de dados do que as pesquisas ligadas à UFRJ, dado o caráter

mais acadêmico desse último, sem contar com o suporte e informações prestadas por

empresas e das associações do setor. É importante ressaltar que a obtenção de informações

nesse tema é muito difícil. Particularmente na pesquisa de Galeno Tinoco Ferraz Filho, mas

também em todas as outras sobre o tema das empreiteiras, são colocados amplas dificuldades

para a obtenção de informações, por falta de cooperação das empresas, das entidades de classe 5 ALMEIDA, Julio Sergio Gomes de (org.). Estudo Sobre a Construção Pesada no Brasil. Rio de Janeiro: UFRJ/ANPEC, 1983. 271p; ALMEIDA, Julio Sergio Gomes de et al. Indústria de Construção e a Política Econômica Brasileira do Pós-Guerra. Rio de Janeiro: UFRJ/Finep, 1982. 206p; JOBIM, Antonio Jaime da Gama et al. Inserção da Construção Pesada na Economia. Rio de Janeiro: UFRJ/Finep, 1982. 96p.6 As três principais foram CHAVES, Marilena. Indústria da Construção no Brasil: desenvolvimento, estrutura e dinâmica. Dissertação de Mestrado em Economia Industrial. Rio de Janeiro: UFRJ, 1985. 281p; FERRAZ Filho, Galeno Tinoco. A Transnacionalização da Grande Engenharia Brasileira. Dissertação de mestrado. Campinas: Unicamp, 1981. 327p; PROCHNIK, Victor. A Dinâmica da Indústria de Cimento no Brasil. Dissertação de mestrado em Economia Industrial. Rio de Janeiro: UFRJ, 1983.7 Sobre as mesmas, ver A construção da hegemonia e a hegemonia da construção: o grupo da indústria da construção pesada e o Estado brasileiro, 1956-1984 – notas de pesquisa. Texto no prelo. Rio de Janeiro: 2009. p. 1-19.

2

e também das instituições governamentais, como o Itamaraty, o antigo Interbrás e o Banco do

Brasil8.

Nesse artigo, utilizaremos o termo transnacionalização e não o de internacionalização.

A escolha não se deve à nenhuma elaboração teórica mais profunda, mas apenas para evitar a

confusão entre o fenômeno da saída de empresas brasileiras para outros mercados com o

processo exatamente inverso, qual seja, o da entrada de empresas estrangeiras no Brasil, que

caracteriza o processo de internacionalização da economia nacional9. Da mesma forma,

focamos as empresas de construção pesada, que não são aquelas que trabalham

primordialmente com edificações urbanas, mercado imobiliário ou com a construção de

montagens industriais, mas que são as responsáveis por obras como barragens, rodovias,

ferrovias, dutos, obras sanitárias e hidráulicas e outros empreendimentos no âmbito da infra-

estrutura10.

As grandes empresas brasileiras de construção pesada se voltam para obras no exterior

em meados dos anos 1960, quando começam a sondar as concorrências internacionais abertas

em países vizinhos e quando tentam as suas primeiras licitações feitas pelos governos locais.

Em 1968, ocorre a primeira pré-qualificação de uma empresa brasileira para uma obra no

exterior. A Tenco, de Eduardo Celestino Rodrigues, consegue todos os pré-requisitos básicos

para participar da concorrência de obra de uma hidrelétrica no Chile11.

Um marco para a arrancada das obras das empreiteiras brasileiras no exterior é a

construção da usina hidrelétrica de Santa Izabel pela construtora José Mendes Júnior na

Bolívia, com contrato assinado em 1969 e obra finalizada em 197312. Ferraz Filho destaca que

é durante o período do chamado “milagre” que cresce o número de contratos estabelecidos no

exterior por empresas brasileiras13, mesmo com um regime de grande elevação das

encomendas no mercado interno e com o sistema instituído de reserva de mercado para as

empresas nacionais nas obras de construção pesada no país, a partir de 196914. Assim, no auge

8 Ferraz comenta tais empecilhos na introdução de seu trabalho. Ver FERRAZ Filho, Galeno Tinoco. A Transnacionalização da Grande Engenharia Brasileira. op. cit. p. 1-9.9 Partimos da reflexão elaborada por FERRAZ Filho, Galeno Tinoco. A Transnacionalização da Grande Engenharia Brasileira. op. cit. p. 1-9.10 Para uma explicação e conceituação dos três subsetores do ramo da indústria da construção, ver CHAVES, Marilena. Indústria da Construção no Brasil. op. cit. p. 1-28.11 Revista O Empreiteiro. Edição de setembro de 1968. no 8. Ano VII.12 CAMPOS, Pedro Henrique Pedreira. Origens da internacionalização das empresas de engenharia brasileiras. In: História & Luta de Classes. No 6. Novembro de 2008. p. 61-66.13 FERRAZ Filho, Galeno Tinoco. A Transnacionalização da Grande Engenharia Brasileira. op. cit. p. 111-228.14 Para isso, ver CAMPOS, Pedro Henrique Pedreira. ‘A construção da hegemonia e a hegemonia da construção: o grupo da indústria da construção pesada e o Estado brasileiro, 1956-1984 – notas de pesquisa’. In: História das Instituições: seminário de pós-graduandos da Uni-Rio. Rio de Janeiro: 2009. p. 1-19.

3

da demanda de obras de infra-estruturas no país, o volume de serviços de engenharia

exportados pelo Brasil cresce 700% entre 1972 e 197515.

Essa elevação se deve em boa parte ao alargamento do mercado mundial de obras de

infra-estrutura, com a abertura de licitações em países com mercados abertos e sem

construtoras muito poderosas. Fundamentais para esse processo são os países produtores de

petróleo e membros da OPEP, que, após a elevação do preço do produto no mercado

internacional, passam a utilizar os recursos excedentes em obras de infra-estrutura16. Ao

contrário dos países centrais, esses países não têm mercados fechados no setor de obras

públicas, o que fez com que a década de 1970 tenha sido um período altamente atraente para a

exportação dos serviços de engenharia não só por empresas brasileiras, mas por empreiteiras

de outros países do mundo.

Dentre as entidades do setor de indústria de construção, a que realizou o mais

completo levantamento sobre a exportação de serviços de engenharia foi a ABEMI, que em

1983 quantificou os contratos estabelecidos por empresas brasileiras de engenharia no

exterior. Esses dados foram usados por Marilena Chaves e uma série de estudiosos que

elaboraram o ‘Diagnóstico Nacional da Indústria da Construção’, no qual há diversas tabelas

acerca desse processo. Fica evidente no levantamento que dos 444 contratos firmados entre

empresas nacionais de engenharia no exterior, a maioria (304) são de ‘estudos e projetos’,

sendo apenas 66 de empresas de construção pesada. Apesar de quantitativamente inferior,

esses contratos têm valor e complexidade muito superior aos de empresas de projetos de

engenharia. São ainda 35 contratos de montagem industrial e 36 de ‘serviços especiais e

auxiliares’17.

Já dentre os contratos estabelecidos por empresas de construção pesada, a tabela 1

mostra a sua distribuição geográfica. Nele, pode-se ver que entre 1964 e 1984, prevaleceram

as obras realizadas em países da América do Sul, que correspondem a mais de 50% do

volume total de contratos, seguido pela África e, depois, a América central e Oriente Médio

empatados com 6 contratos cada. É preciso deixar claro que a tabela só explicita o

quantitativo dos contratos, tendo política e economicamente as obras estabelecidas no Oriente

Médio muito maior importância que os do Caribe e América central. Interessante notar

também que nesse período não foram firmados negócios na Ásia – para além do Oriente

15 CAMARGOS, Regina Coeli Moreira. Estado e Empreiteiros no Brasil: uma análise setorial. Dissertação de mestrado em Ciência Política. Campinas: IFCH/Unicamp, 1993. 65-136.16 FERRAZ Filho, Galeno Tinoco. A Transnacionalização da Grande Engenharia Brasileira. op. cit. p. 111-228.17 FUNDAÇÃO João Pinheiro. Diagnóstico Nacional da Indústria da Construção. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 1984. vol. 13. p. 13.

4

Médio –, na Europa e nos Estados Unidos, o que ocorreria mais tarde, principalmente com as

ações da Odebrecht18.

Na tabela número 2, é possível observar os ramos de atividade nos quais as

empreiteiras se ocupam em suas obras no exterior. Apesar de as definições ‘transportes’,

‘energia’ e ‘obras hidrelétricas e saneamento’ serem um tanto vagas e excessivamente

abrangentes, pode-se perceber que as empresas nacionais de engenharia levam para o exterior

as marcas do modelo de desenvolvimento adotado no Brasil, especializando-se em obras

como rodovias e usinas hidrelétricas, em detrimento de outros tipos, como ferrovias, obras

metroviárias e usinas termelétricas. Os transportes representam quase metade dos contratos

assinados em outros países e, desses, as obras rodoviárias são a maioria.

A terceira tabela traz uma cronologia dos contratos estabelecidos no exterior. Como a

quantidade de obras é relativamente pequena, um balanço quantitativo mais apurado se torna

pouco viável, mas é possível observar certas tendências como a de crescimento do número de

contratos ao longo da década de 1970, o que se prolonga até o ano de 1981 e passa a refluir

rapidamente a partir de então. Isso não se deve apenas a uma possível perda das capacidades

de competição das empresas brasileiras no mercado internacional, mas a um recuo geral das

encomendas de obras no mundo nos anos 80. Além disso, os dados de 1984 não são

necessariamente os exibidos no estudo, já que o levantamento foi feito antes do fim do ano.

A tabela número 4 mostra a quantidade de contratos estabelecidos por companhia

brasileira assentada no exterior. Pode-se observar que das 26 empresas de construção pesada

que atuam fora do Brasil, quase a metade delas, 12, possui apenas uma obra em outros países

e a ampla maioria, 22, tem até 3 obras. São 3 as empresas que têm de 4 a 6 contratos firmados

no estrangeiro e apenas uma ultrapassa essa barreira, tendo um total de 12 contratos fora do

país. Essa empresa é a Mendes Júnior, que conseguiu, no período, firmar-se como o caso mais

bem acabado de transnacionalização dentre as empresas de construção pesada brasileiras.

Na tabela 5 é possível observar a quantidade de países em que as 26 multinacionais

brasileiras da construção atuavam, sendo nítida a especialização das empresas em um único

país. Dessas 26, 19 atuam em apenas um país, 4 em dois países, 2 em três países e,

novamente, a Mendes Júnior se destaca das demais ao se estabelecer em 6 diferentes nações.

A concentração de obras em um único mercado é marca da maioria das incursões de empresas

brasileiras de construção no exterior, sendo um caso emblemático disso a Rabello, empresa

que teve quatro contratos no exterior, todos na Argélia.

18 Para isso, ver CAMPOS, Pedro Henrique Pedreira. Origens da internacionalização... op. cit. p. 61-6

5

A sexta tabela é feita a partir de um amplo e diferenciado conjunto de fontes e traz as

obras que conseguiram, até o momento, ser mapeadas na pesquisa. Trata-se de uma amostra

de 36 contratos dentre os 66 de construção pesada estabelecidos no exterior. Como foi

ressaltado anteriormente, a obtenção de informações pormenorizadas sobre esse processo e

seus casos particulares não conta com a cooperação das empresas, entidades e órgãos

públicos, sendo esse um trabalho de garimpagem em diferentes fontes. Os dados fornecidos

por essa tabela serão analisados nas próximas páginas.

As características da transnacionalização das empreiteiras brasileiras:

Sobre os países-alvo da atuação das empresas brasileiras, Roberto Lassance,

funcionário da empreiteira CR Almeida, afirma o seguinte:

Observamos o seguinte: nos países de indústria de construção mais desenvolvidos, como o caso da Argentina, não há, sumariamente, condições para empresas brasileiras. As chances que existem são mais reais em países como Paraguai, Bolívia etc, onde se encontra uma indústria de construção incipiente.19

A afirmação do executivo da empresa está de acordo com o que foi mapeado e que está

explícito na tabela número 6. Dentre as obras que foram identificadas, o Paraguai é o país que

mais teve contratos firmados com empreiteiras brasileiras, em um total de 7 dentre os 36

averiguados. A ele seguem a Argélia e o Iraque, com 5 contratos cada, Mauritânia, Bolívia e

Uruguai com 3 contratos, Angola e Venezuela com 2 e Colômbia, Congo, Peru e Tanzânia

com 1.

Dentre todos os contratos estabelecidos por empresas de engenharia do Brasil no

exterior, incluindo os setores de projetos e de montagem industrial, novamente o Paraguai

lidera com um total de 75 contratos dentre os 444, seguido, em ordem, por: Bolívia, Uruguai,

Nigéria, Argélia, Equador, Chile, Iraque e Argentina20. Assim, aparecem os países da América

do Sul, da África e Oriente Médio como os que mais têm contratos com empresas brasileiras.

Porém, essas quantidades não exprimem bem os valores dessas obras. Se o critério dos

preços fosse levado em consideração para a montagem de um ranking, os países produtores de

petróleo seriam os que estariam no topo da listagem como os que mais compram serviços de

engenharia brasileiros. Esse fato se deve principalmente aos bilionários projetos das

19 Entrevista com Roberto Lassance da CR Almeida apud FERRAZ Filho, Galeno Tinoco. A Transnacionalização da Grande Engenharia Brasileira. op. cit. p. 146.20 FUNDAÇÃO João Pinheiro. Diagnóstico Nacional da Indústria da Construção. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 1984. vol. 13. p. 181.

6

empreiteiras brasileiras no Iraque e na Venezuela, todos estabelecidos após 1973, sendo que,

dos US$ 4,1 bi computados na tabela 6, um total de US$ 3,3 bi foram contratados em apenas

três países: Venezuela, Argélia e Iraque, todos produtores de gás e petróleo21.

Se os países da América do Sul são o principal foco das empreiteiras brasileiras, o

Chile tem aí uma posição fundamental. Mesmo não contando com um grande número de

contratos firmados mapeados na pesquisa, foi possível perceber que várias empreiteiras

brasileiras fizeram tentativas naquele país, conforme se vê na tabela 7. Através de um

levantamento preliminar, foi possível constatar que pelo menos outras três vezes o Chile foi

alvo de tentativas de empreiteiras brasileiras, tendo sido derrotadas em concorrências a Tenco,

a Cetenco e a Esusa. O foco no país se deve principalmente à grande abertura do mercado

realizada pelo governo local após o golpe de 1973, que deu origem a um governo que

estabeleceu uma política de ampla abertura para a entrada de capitais estrangeiros.

A força de trabalho usada nas obras no exterior é mista. Os trabalhadores não-

qualificados tendem a ser recrutados na própria região, havendo alguns casos isolados de

utilização de trabalhadores brasileiros para serviços pesados, principalmente em países

vizinhos. Já os engenheiros e a força de trabalho qualificada empregada na construção da obra

é composta sobretudo de funcionários brasileiros e estrangeiros dos quadros da própria

empresa. Assim, um total de 200 funcionários especializados dos quadros da Camargo Corrêa

e da Cetenco foi trabalhar na construção da hidrelétrica de Guri, obra que chegou a empregar

dezenas de milhares de operários no auge dos trabalhos. Algumas empreiteiras estabelecem

sistema de subempreitada e subcontratação de firmas locais, tendo como objetivo uma ‘boa

relação com as empresas locais’, evitar encarecer a obra através do transporte de

equipamentos para esses locais, ou então, por simples exigência do contrato22.

Os projetos dessas obras muitas vezes são contratados a firmas de projetos brasileiras

ligadas à empreiteira. Alguns projetos já estão, de antemão, pré-definidos e são de

companhias de países centrais. A utilização de equipamentos vindos do Brasil é comum, mas

não regra, havendo o uso de equipamentos importados de outras localidades ou locais, o que

geralmente é definido no contrato. Nesse sentido, a Ecisa informou ter exportado US$ 29

milhões em equipamentos para suas obras no exterior, incluindo 150 caminhões brasileiros. Já

o uso de materiais para a obra tende a ser de produção local, mas há exceções, principalmente

em países vizinhos, que acabam importando cimento, concreto, aço e britas do próprio

Brasil23.21 FERRAZ Filho, Galeno Tinoco. A Transnacionalização da Grande Engenharia Brasileira. op. cit. p. 111-228.22 FERRAZ Filho, Galeno Tinoco. A Transnacionalização da Grande Engenharia Brasileira. op. cit. p. 239-53.23 FERRAZ Filho, Galeno Tinoco. A Transnacionalização da Grande Engenharia Brasileira. op. cit. p. 275-80.

7

Para dar início às operações fora do país ou então em decorrência do estabelecimento

de contratos alhures, as empresas criaram departamentos internacionais ou empresas próprias

para gerir suas atividades no exterior. A Camargo Corrêa sondava possibilidades no exterior

desde 1967, fazendo nesse ano a sua primeira tentativa. A Mendes Júnior criou, em 1969, o

departamento internacional da empresa e, em 1974, uma subsidiária internacional24. Outras

firmas criaram empresas próprias no exterior, geralmente em paraísos fiscais. Assim, a

Affonseca criou a Affonseca Internacional com sede no Brasil, a Ecisa criou a Dodoma

Internacional com sede no Panamá, a Rabello criou a Rabello Internacional com sede também

no paraíso fiscal de Panamá e a Esusa criou a Esusa Internacional com sede no paraíso fiscal

de Ilha Canal, em 197825.

Uma outra rota de saída para as empreiteiras brasileiras se estabelecerem no exterior é

a associação com as empresas estatais brasileiras, como a Petrobrás e a então estatal

Companhia Vale do Rio Doce. Essas firmas nacionais muitas vezes contratam serviços de

engenharia de construtoras brasileiras, processo que tem se acentuado nos últimos anos, mas

que já era verificado no período em casos como o da construtora Norberto Odebrecht e a

Petrobrás em Angola no início dos anos 198026.

Uma reclamação comum das empreiteiras em relação à sua experiência no exterior diz

respeito à concorrência de empresas de outros países, principalmente as dos países centrais.

Essas companhias – como a alemã Hochtief e a norte-americana Morrisen Knudsen, dentre

outras – dominavam amplamente o mercado internacional de obras até os anos 1970, quando

surgiu uma pequena abertura para empresas de outros países. O empresário Eduardo Celestino

Rodrigues reclama da atuação dessas companhias, entendendo que elas têm vantagens, como

o apoio maciço do aparelho estatal e a alta capacidade de financiamento, já que muitas delas

fazem parte de grandes conglomerados financeiros. Da mesma forma, Hermano Cezar Jordão

Freire, diretor-presidente da Esusa, reclama da competição das firmas norte-americanas,

européias e asiáticas27. Essas condições tornaram a emergência das construtoras brasileiras no

mercado internacional mais difícil e vieram a público em alguns casos localizados.

Após essa abordagem geral do processo de transnacionalização das empreiteiras

brasileiras e do levantamento de algumas características gerais desse processo, é possível se

deter em alguns casos localizados que devem ser citados pelo seu caráter emblemático.

24 CAMARGOS, Regina Coeli Moreira. Estado e Empreiteiros no Brasil. op. cit. p. 65-136.25 FERRAZ Filho, Galeno Tinoco. A Transnacionalização... op. cit. p. 239-43; 244-53; 281-8; 303-14.26 FERRAZ Filho, Galeno Tinoco. A Transnacionalização... op. cit. p. 111-228; CAMPOS, Pedro Henrique Pedreira. Origens da internacionalização... op. cit. p. 61-6.27 FERRAZ Filho, Galeno Tinoco. A Transnacionalização... op. cit. p. 11-27; 281-8.

8

A construtora Rabello foi fundada em Belo Horizonte em 1944 e era dominada pela

família de mesmo nome. Foi responsável por obras de grande envergadura no Brasil, como as

rodovias presidente Dutra, Castello Branco e o eixo monumental de Brasília. Porém, as

conexões políticas da família Rabello não foram muito proveitosas no período ditatorial,

como mostra a entrevista anônima feita por Galeno Tinoco Ferraz Filho em sua pesquisa de

mestrado:

Você quer ver uma empresa que foi para o brejo porque não teve boas relações políticas? Foi a Rabello. A Rabello era ligadíssima ao Juscelino; construiu Brasília, construiu a São Paulo-Curitiba, construiu a Belo Horizonte-São Paulo, etc... Era amiga de Juscelino. Sua queda começa com Jânio Quadros, se completando com a revolução de 64. [...] Nessa nossa área, o esquema político funciona. Então o Marco Paulo Rabello (presidente da Rabello) tinha bom relacionamento com Juscelino. Nesta época, houve um ‘boom’ de obras em todos os setores e o Marco fez uma senhora empresa. Ele era um senhor empresário. Posteriormente, em decorrência desse fato, com a revolução de 64, o Marco ficou de certa maneira marginalizado em termos políticos. Isto devido a suas vinculações pessoais com o Juscelino. Então, ele foi muito podado, muito cortado.28

Em outro artigo, já problematizamos e analisamos a importância de certos contatos políticos

para uma estratégia de sucesso das empresas construtoras de obras públicas e como mudanças

dos grupos dirigentes no aparelho de Estado são decisivas para a ascensão e queda de grupos

empresariais desse ramo29. O importante a destacar nessa passagem é o grande número de

encomendas de obras realizado à empreiteira Rabello nas gestões de JK, seja à frente da

presidência da República, seja também junto aos governos estadual e municipal de

Kubitschek, e a diminuição de contratos assinados com órgãos públicos com o início da

ditadura civil-militar. Mesmo tendo participado de projetos de grande envergadura, como a

construção de trecho da Transamazônica, da Rio-Santos, da usina hidrelétrica de Passo Fundo

no Rio Grande do Sul e de trecho do metrô de São Paulo, o número geral de encomendas da

empresa cai e sua posição no ranking anual de empresas nacionais de construção é decadente

ao longo de toda a década de 197030.

Paralelamente a isso, o arquiteto Oscar Niemeyer foi convidado pela recém-

independente república argelina para fazer o projeto da Universidade de Constantine. Após

fazer o desenho dos prédios da nova universidade, foi contratada uma firma francesa para

realizar o projeto dos edifícios, que acabou por declarar o projeto de Niemeyer irrealizável. O

28 Entrevista anônima. In: FERRAZ Filho, Galeno Tinoco. A Transnacionalização... op. cit. p. 95-6.29 CAMPOS, Pedro Henrique Pedreira. A formação do grande capital brasileiro no setor da indústria de construção: resultados preliminares de um estudo sobre causas e origens. In: Trabalho Necessário. 2009. p. 1-22.30 Revista O Empreiteiro. Edição de outubro de 1971, no 45, ano XI e diversos outros exemplares.

9

arquiteto brasileiro, então, contratou a empresa brasileira de projetos Projectum, do

engenheiro Bruno Contarini, companhia ligada à construtora Rabello. A Projectum concluiu

pela viabilidade da obra de acordo com o desenho de Oscar Niemeyer e a Rabello foi

convidada a realizar a obra da universidade. O contrato foi assinado em fins da década de

1960 e a obra iniciada em 1970, sem qualquer suporte por parte do governo brasileiro, seja

por meio de financiamento, incentivos fiscais ou seguro, como ocorreria mais tarde com

outras empresas. A seguradora francesa que faria o seguro da construção se recusou a fazê-lo,

o que fez com que a Rabello tivesse que assumir todos os riscos inerentes à obra. A

construção acabou sendo realizada sem qualquer problema maior31.

O sucesso nessa obra fez com que a Rabello conseguisse ainda três outros contratos no

país: o da universidade de Argel, o de um complexo industrial e o de uma barragem. Todos

ocorreram na década de 1970 e esse último teve 16% de financiamento da Carteira de

Comércio Exterior do Banco do Brasil Cacex). Porém, a Rabello também encontrou

dificuldades políticas no país:

Ao longo de sua permanência na Argélia, alguns diretores da Rabello tornaram-se amigos pessoais de um comandante do exército argeliano de grande influência no governo, onde ocupava o cargo de secretário geral da Revolução. Em virtude de um incidente internacional, este comandante caiu em desgraça, sendo afastado da vida pública até bem pouco tempo. Apesar da ligação da Rabello com tal personalidade do governo esgotar-se no plano puramente pessoal, o seu ostracismo foi desastroso para a empresa, na proporção em que de forma injustificada os interesses da Rabello foram identificados como sendo os interesses daquele homem público. Resultado: quatro anos sem obra.32

Essa nova marginalização da empresa foi crucial para sua existência e logo ela chegaria à

falência. Com o mercado interno fechado a possibilidades para a empresa, o que a mantinha

eram justamente as obras na Argélia. Com a decadência dessas oportunidades, a empresa

sucumbiria e logo deixaria de existir.

Interessante é notar a explicação dada pelo presidente da companhia, Marco Paulo

Rabello, ao êxito da construtora no exterior:

A tecnologia de ponta continua a ser desenvolvida pelos franceses, alemães e americanos, sendo que estes últimos podem ser considerados os mais importantes inovadores na moderna história da construção. [...]Neste quadro, a engenharia brasileira se apresenta como não inovadora. Na verdade, o que fez foi apenas adaptar técnicas importadas às condições locais, do

31 FERRAZ Filho, Galeno Tinoco. A Transnacionalização... op. cit. p. 303-14.32 Entrevistas junto a construtora Rabello SA. In: FERRAZ Filho, Galeno Tinoco. A Transnacionalização... op. cit. p. 311-2.

10

que resultou uma engenharia algo menos sofisticada e mais embrutecida se comparada a suas matrizes. [...]33

Assim, as empresas brasileiras não teriam chances de competição nesses países centrais,

apenas em nações de desenvolvimento incipiente ou intermediário.

Por outro lado, como traço comum observável naqueles países, encontramos um profundo sentimento anticolonialista que se revela no desejo de romper, na medida do possível, com toda e qualquer dependência para com os antigos colonizadores, vistos como prepotentes e pretensiosos.34

E a primeira obra estabelecida pela empresa no país seria representativa dessa tendência:

Constantine é, para os argelinos, uma ‘cidade mártir’, local de inúmeros massacres levados a efeito pelos colonizadores desde o século passado até a guerra da libertação mais recente. A Universidade representaria, assim, um símbolo da vitória da Nação sobre a repressão colonizadora.35

Fica explícito como a empresa absorve um discurso libertador como forma de justificar e

legitimar a sua atuação no país, moldando as suas intenções às condições sociais e políticas do

ambiente onde a empresa atua e obtém seu lucro.

O mercado argelino foi aberto pela entrada da Rabello e acabou levando à assinatura

de outro contrato. A Ecel participou de concorrência no país em 1978 e ganhou a licitação

para construção de um conjunto residencial no valor de US$ 83 milhões com financiamento

do próprio governo local. No entanto, “a morte do dirigente máximo da Argélia implicou em

mudanças administrativas que vieram a prejudicar o andamento das negociações, sendo que a

obra nem chegou a ser iniciada” e “a Ecel é pessimista quanto à sua realização.”36

Outra dificuldade encarada pelas empreiteiras brasileiras no exterior se deu no maior

contrato assinado em um país estrangeiro no período, o da construção da usina hidrelétrica de

Guri, na Venezuela. A obra foi realizada entre 1978 e 1986, sendo então a segunda maior

hidrelétrica do mundo, com uma capacidade instalada final de 10.000 MW, atrás apenas de

Itaipu. Na concorrência aberta em 1974, com a participação de empresas de diversos países do

mundo, foram vitoriosas as empresas brasileiras Camargo Corrêa e Cetenco. Empresas norte-

33 Entrevistas junto a construtora Rabello SA. In: FERRAZ Filho, Galeno Tinoco. A Transnacionalização... op. cit. p. 303-4.34 Entrevistas junto a construtora Rabello SA. In: FERRAZ Filho, Galeno Tinoco. A Transnacionalização... op. cit. p. 304.35 Entrevistas junto a construtora Rabello SA. In: FERRAZ Filho, Galeno Tinoco. A Transnacionalização... op. cit. p. 305.36 Entrevista realizada na Ecel SA. In: FERRAZ Filho, Galeno Tinoco. A Transnacionalização... op. cit. p. 273-4.

11

americanas não aceitaram o resultado da licitação e iniciaram uma série de ataques às

empreiteiras brasileiras, questionando a sua capacidade técnica e fazendo pressões pela

mudança do resultado junto ao aparelho de Estado venezuelano. A questão virou ponto de

disputa diplomático e envolveu autoridades brasileiras, que viajaram à Venezuela a fim de

garantir a validação do resultado da concorrência. O ministro de Minas e Energia, César Cals,

faz ampla campanha em prol da Camargo Corrêa e da Cetenco, tendo ele como assessor o

presidente da Cetenco, Eduardo Celestino Rodrigues. O presidente Figueiredo chegou a

enviar carta ao presidente venezuelano pressionando por um ajuste que beneficiasse as

empresas brasileiras. Porém, o imbróglio internacional acabou por pender, no final, a favor

das norte-americanas, com a inclusão de empresas daquele país no consórcio construtor da

usina, além da participação de empresas venezuelanas, o que já era previsto no edital. Assim,

a participação da Camargo Corrêa, que era inicialmente de 39% no consórcio, ficou em 24%,

e a da Cetenco foi de 22 para 15%, ficando as empresas venezuelanas com 39%. Os 22%

perdidos pelas brasileiras acabaram por ficar com três construtoras dos Estados Unidos: Gay

Atkinson, Dravo e Morrisen Knudsen. As firmas brasileiras ainda encararam dificuldades ao

longo da obra, reclamando de mudanças dos padrões trabalhistas em vigor no país37.

O caso de maior sucesso de transnacionalização de uma empresa brasileira no período

recortado é o da construtora de José Mendes Júnior, que chegou a atuar em 6 países com 12

diferentes contratos, sendo que cinco deles totalizavam US$ 1,954 bilhões, dentre os que se

conseguiu descobrir o valor. Havia, porém, outras obras de grande envergadura, como o

projeto Sifão, de obras hidráulicas no Iraque, que também atingia provavelmente a casa dos

bilhões de dólares. O nível de transnacionalização da empresa é inédito para o período,

chegando ela a contabilizar 50% de seu faturamento no exterior38. A companhia se tornou em

instrumento de política externa do governo Geisel em suas relações com o Iraque na segunda

metade dos anos 1970, inclusive com denúncias de negócios secretos de materiais e

equipamentos nucleares.

Se a Mendes Júnior teve a experiência de maior êxito de atividades fora do país no

período, a construtora baiana Norberto Odebrecht é o caso de estratégia de maior

agressividade em suas empreitadas no exterior. No ano de 1979, apresentando uma política de

baixos preços, ela arremata dois contratos para construção de obras de hidrelétricas no Chile e

no Peru e, em 1980, chegava a Angola, associada à Petrobrás. Construiria ainda a maior

37 FERRAZ Filho, Galeno Tinoco. A Transnacionalização... op. cit. p. 111-228; 244-53; 254-66.38 FERRAZ Filho, Galeno Tinoco. A Transnacionalização... op. cit. p. 111-228. A Odebrecht conseguiu contar nos anos recentes com 80% de toda a sua receita em construção em empreendimentos realizados fora do país. Ver CAMPOS, Pedro Henrique Pedreira. Origens... op. cit.

12

hidrelétrica desse país, a de Capanda, a partir de 1984, juntamente com a empresa soviética

Tecnopromoexport. A entrada da empresa no mercado angolano abriria as portas para um dos

mais promissores mercados da construtora, senão o maior, visto que a Odebrecht está até hoje

no país com projetos de obras de infra-estrutura e concessão de serviços públicos39. Em 1980,

a empresa comprou participação acionária na Companhia Brasileira de Projetos e Obras

(CBPO), de Oscar Americano da Costa, empresa que já tinha atividades no exterior, com

projetos barrageiros no Paraguai. A espécie de fusão feita entre as duas empresas deu quadro

técnico para a Odebrecht, que acumulou a carteira de uma empreiteira que já havia atuado em

grandes obras nacionais, como Itaipu e a rodovia dos Imigrantes40.

A estratégia ambiciosa da empresa não parou por aí. Logo após estabelecer os

contratos no Peru e no Chile, a empreiteira adquiriu uma ‘trading company’, ou melhor, uma

firma para comercializar os produtos brasileiros nos países onde atuava41. Na apresentação de

sua política no exterior em entrevista ao pesquisador Galeno Tinoco Ferraz Filho, a empresa

destaca que lançou preços baixos em suas concorrências no Chile e no Peru com o fito de

entrar naqueles mercados e ali conseguir novos empreendimentos. Demonstra ainda que

utiliza “contatos políticos” para chegar ao exterior42.

Faz parte da estratégia política da empresa a utilização de certas práticas irregulares.

Em entrevista realizada em maio de 1992, o empresário Emílio Odebrecht acabou

explicitando as estratégias de atuação da empresa no país, admitindo práticas como o

suborno43, e no exterior através da seguinte afirmação:

Emílio Odebrecht – Se for preciso, a gente banca o funcionário para levar de um andar para o outro e assim por diante.Jornal do Brasil – Tem de batalhar para as coisas andarem...

39 Ver CAMPOS, Pedro Henrique Pedreira. Origens... op. cit. p. 61-6; O GLOBO. Edição de 20 de agosto de 2006, p. 38. ‘Brasileiros transformam Angola em oportunidade para prosperar: Fim da guerra civil, em 2002, atraiu mão-de-obra para reconstruir a nação; A caminho do exterior: idioma comum torna estreita relação com o Brasil’. Reportagem de Eliane Oliveira, de Brasília e do Rio.40 FERRAZ Filho, Galeno Tinoco. A Transnacionalização... op. cit. p. 267-8.41 FERRAZ Filho, Galeno Tinoco. A Transnacionalização... op. cit. p. 111-228.42 FERRAZ Filho, Galeno Tinoco. A Transnacionalização... op. cit. p. 296-302.43 Em trecho já publicado em outro artigo nosso: “Jornal do Brasil – As acusações contra a Odebrecht falam de suborno. O ex-ministro Antonio Rogério Magri teria sido subornado pela Odebrecht, o governo do Acre também teria sido subornado para que sua empresa conseguisse a obra. O senhor já subornou alguém? Emílio Odebrecht – Essa é a pergunta que... primeiro vamos analisar o que é subornar? [...] Então, o que é hoje a corrupção nesse país? Eu acho que a sociedade toda é corrompida e ela corrompe. Hoje para o sujeito resolver alguma coisa, para sair de uma fila do INPS, encontra os seus artifícios de amizade, de um presente ou de um favor. Isso é considerado um processo de suborno. O suborno não é um problema de valor, é a relação estabelecida.” Entrevista com Emílio Odebrecht. In: Jornal do Brasil. Edição de 24 de maio de 1992 apud CAMARGOS, Regina Coeli Moreira. Estado e Empreiteiros no Brasil. op. cit. p. 60-1.

13

Emílio Odebrecht – É verdade. Infelizmente é verdade. O que mais impressiona é que fazemos tudo isso no exterior e não tem problema. Tudo o que fazemos no Brasil fazemos no exterior.44 [grifo nosso]

Além das estratégias particulares de cada empresa, e mais que elas, fundamentais para

compreender o êxito do movimento das firmas brasileiras de construção para o exterior foram

as políticas públicas favoráveis. Todos os empresários que se expuseram através de matérias

em órgãos de imprensa ou revistas especializadas foram unânimes em defender políticas que

facilitassem a saída das empreiteiras brasileiras para outros países. Emblemático é o trecho da

entrevista do diretor-presidente da Esusa, Hermano Cezar Jordão Freire, na revista O

Empreiteiro de outubro de 1979:

Lá fora, temos que competir com firmas americanas, européias e asiáticas que recebem vantagens fiscais e financiamentos dos seus governos de forma ampla, muito diferente do que o nosso Governo concede, tornando, portanto, muito maiores as dificuldades das firmas brasileiras para levarem a cabo as obras contratadas.45

Atente-se que o tom de reclamação dessa empresa em relação às políticas oficiais de incentivo

persistem mesmo em 1979, período em que se haviam forjado os mecanismos de

beneficiamento das empresas que atuavam em países estrangeiros.

Para a implementação dessas políticas públicas, houve a organização de interesses no

âmbito da sociedade civil, com a formação do Conselho Nacional de Exportação de Serviços

de Engenharia, o Consese46, órgão que reunia as empresas que atuavam no exterior ou que

visavam tal atividade. Esse tipo de organização foi ponto de partida fundamental para a

implementação de medidas facilitadoras para as empreiteiras brasileiras multinacionais, mas

foi completada pelo desenvolvimento de uma proposta, de um projeto de incentivos. Principal

acionista da construtora Cetenco, assessor do ministro de Minas e Energia César Cals e ex-

presidente do Instituto de Engenharia de São Paulo, Eduardo Celestino Rodrigues fez com

que sua empresa elaborasse um ‘memorial’ com uma política de amparo às empresas de

engenharia nacionais que tinham obras no exterior e o enviasse ao então ministro da Fazenda,

Antonio Delfim Netto. As propostas de política desenvolvidas por ele foram as seguintes:

44 Entrevista com Emílio Odebrecht. In: Jornal do Brasil. Edição de 24 de maio de 1992 apud CAMARGOS, Regina Coeli Moreira. Estado e Empreiteiros no Brasil. op. cit. p. 61-4.45 Revista O Empreiteiro. Edição de outubro de 1979 apud FERRAZ Filho, Galeno Tinoco. A Transnacionalização... op. cit. p. 281.46 CHAVES, Marilena. Indústria da Construção no Brasil. op. cit. p. 138-206. Apesar da citação da entidade pela autora, não foi possível verificar ainda a data de sua criação, sua atuação ou sua existência hoje.

14

1) Necessidade de fornecimento, através de órgão do governo brasileiro, Banco do Brasil, BNDE e outros, do ‘Bid-Bond’ e ‘Performance-Bond’ e de outras garantias a serem prestadas na apresentação da proposta e na assinatura do contrato;2) Concessão de facilidades para envio de equipamentos e materiais de construção para obras no exterior;3) Solução de problemas de imposto de renda, sobre os resultados da empresa lá fora e sobre a remuneração dos empregados que trabalham no exterior;4) Solução do problema da continuidade da vinculação dos mesmos empregados, à Previdência Social no Brasil;5) Ajuda para capital de giro das empresas;6) Melhoramento nas condições de competição, no sentido de forçar projetos também brasileiros, com o que haveria melhora das condições para as empresas nacionais;7) Estabelecimento de empresas tipo ‘overseas’ para o trabalho exclusivo no exterior, às quais seriam atribuídos todos os tratamentos administrativos e fiscais incentivadores da exportação de serviços;8) Apoio diplomático das embaixadas brasileiras nos respectivos países.47

Como se vê, trata-se de uma proposta completa de política de beneficiamento dos empresários

que empregam suas companhias para realizar obras no exterior, sendo importante também

destacar que a questão do financiamento corresponde à primeira proposta elaborada pela

empresa de Celestino Rodrigues.

A principal reivindicação do empresário veio com uma política implementada pela

Cacex, órgão do BB, que passou a financiar 90% do valor dos contratos estabelecidos pelas

empresas de engenharia que atuavam no exterior. O único contrato com financiamento da

Cacex que não atingiu a cifra de 90% de subsídio foi o estabelecido pela Rabello na Argélia

para construção de barragem, que teve cobertura de 16%. As condições de financiamento

eram altamente convidativas, com juros anuais de 7% ao ano, 4 anos e meio de carência e

outros 6 anos para pagar48.

As exceções eram as obras não financiadas pelo Cacex, como as duas obras da CBPO

no Paraguai, bancadas pelo Banco Mundial; uma rodovia da Mendes Júnior na Mauritânia, a

única obra financiada plenamente por entes privados, no caso, bancos alemães; e as obras em

países produtores de petróleo, geralmente financiadas parcial ou totalmente pelo próprio

demandante. Assim, os contratos financiados pela Cacex se focavam nos estabelecidos na

América do Sul e eram justificados como parte da política exterior de integração regional49.

Outros órgãos atuaram em prol das empresas brasileiras no exterior. Além da Cacex,

instituições eram elogiadas pelos empresários brasileiros, como a Interbrás, estatal brasileira

criada nos anos 1970 para dar suporte às empresas exportadoras brasileiras. As negociações

travadas pelo Itamaraty também são lembradas pelos empreiteiros como forma de facilitação 47 Exportação de serviços de engenharia – a experiência da Cetenco Engenharia S.A. apud FERRAZ Filho, Galeno Tinoco. A Transnacionalização... op. cit. p. 257-8.48 FERRAZ Filho, Galeno Tinoco. A Transnacionalização... op. cit. p. 303-14.49 FERRAZ Filho, Galeno Tinoco. A Transnacionalização... op. cit. p. 111-228.

15

das firmas no exterior. E mesmo nos seguros das obras há apoio oficial, com o exemplo dos

hotéis no Iraque feitos pela Esusa, que tiveram como segurador o IRB. Já a Ecisa, em obra

rodoviária realizada na Mauritânia, teve o resseguro feito pela companhia brasileira de

seguros Sul América50.

O apoio às empreiteiras brasileiras aumentou ainda mais em 1975 com o Decreto-lei

no 141-8/75 que estabelecia estímulo às exportações de serviços de engenharia para empresas

nacionais, que teriam o direito de reduzir de seu lucro tributável resultados com a venda de

serviços no exterior. Trata-se de um período – o governo Geisel, após o primeiro choque do

petróleo – no qual as exportações passaram a ser incentivadas em função dos crescentes

déficits comerciais auferidos em função da elevação do preço do petróleo no mercado

internacional. Segundo a empresa Ster, a sua saída para fora, assim como de outras empresas,

só se tornou possível a partir desse decreto51.

Com a implementação de todas essas decisões, as declarações de elogio em relação às

políticas adotadas é generalizada entre as construtoras. Como amostra disso, a Concic

congratula o “governo brasileiro [que] tem se esforçado para implementar a exportação de

engenharia do que é exemplo a política comercial do Itamaraty, os financiamentos da Cacex

etc...”. As demandas, no entanto, continuam: “faz-se necessário um esforço mais efetivo

(legislação específica para serviços, desburocratiação, etc...) que resultará tão somente em

benefícios mais significativos para as empresas e para o país.” 52 Além da reclamação das

empresas que já haviam fincado os pés no exterior e que queriam mais facilidades, havia a das

pequenas empresas:

A política para o setor de construção desenvolvida no governo Geisel determinou um aproveitamento restrito do mercado externo pelas firmas brasileiras. Naquele governo o que se viu foi um pequeno grupo de firmas protegidas de tal forma que se criaram obras única e exclusivamente para mantê-las atuantes. Em muitos casos, elas venciam concorrências que tinham quase que uma meta ostensiva: a de propiciar que continuasse operando em grande escala. Isso levou quase à exaustão as firmas de pequeno e médio porte, em favor desse grupo privilegiado.53

Esse grupo privilegiado a que se refere o empresário dono da Esusa é o das grandes

empreiteiras nacionais que têm experiência e poder para a arrematação de grandes projetos no

exterior. A sua exposição fica como denúncia de uma política favorável ao grande capital

presente na indústria de construção.

50 FERRAZ Filho, Galeno Tinoco. A Transnacionalização... op. cit. p. 281-8; 175-80.51 FERRAZ Filho, Galeno Tinoco. A Transnacionalização... op. cit. p. 315-22; 323-7.52 FERRAZ Filho, Galeno Tinoco. A Transnacionalização... op. cit. p. 269-72.53 FERRAZ Filho, Galeno Tinoco. A Transnacionalização... op. cit. p. 284.

16

Por fim, toda a política externa no período foi elemento que facilitou e até explicou a

entrada dessas empresas em alguns países, sendo ao mesmo tempo resultado e causa da

exportação de serviços de engenharia por parte das empreiteiras. Há de se destacar a

importância das articulações e pressões ditas ‘privadas’ para a compreensão da política

externa brasileira e da atuação dos funcionários do Itamaraty.

Segundo os analistas das relações exteriores do aparelho de Estado brasileiro, desde o

governo Costa e Silva, o Itamaraty tem se inclinado a privilegiar o conflito Norte-Sul em

detrimento da antiga divisão Leste-Oeste, altamente endossada pela gestão de Castello

Branco. Isso avançou no governo Médici e se consolidou no período Geisel, de acordo com a

análise de Carlos Estevam Martins e Celso Láfer. Fazem parte desse movimento as relações

com a África portuguesa e com Iraque, país árabe que era o maior exportador individual de

petróleo ao Brasil. A partir da aproximação realizada com esse país, o Estado brasileiro

passou a apoiar a Organização pela Libertação da Palestina (OLP), o que foi pedido

diretamente por membros do governo iraquiano. Além disso, o governo brasileiro tinha um

forte comércio de armas com o país do Oriente Médio, com a venda por parte do Brasil de

mísseis ar-terra fabricados pela Avibrás, tanques Urutu e Cascavel produzidos no Brasil pela

Engesa e reposição de peças de aviões soviéticos da aeronáutica iraquiana pela Embraer.

Ainda, no final dos anos 70 e início dos anos 80, houve denúncias públicas de conexão

nuclear e embarque secreto de urânio do Brasil para o Iraque, o que teria sido intermediado

por uma empreiteira brasileira com atividades no país. As relações diplomáticas entre os dois

países ganharam tal importância que em uma das concorrências para obras públicas no país,

houve no final um empate entre a Mendes Júnior e uma empreiteira iugoslava, tendo o

governo iraquiano decidido a favor da empresa brasileira por conta das relações mantidas com

o governo brasileiro54.

Outro ponto importante da política externa brasileira que tem direta relação com as

empreitadas das construtoras brasileiras no exterior é a política africana do Itamaraty, para a

qual tiveram grande contribuição o ministro Antônio Francisco Azeredo da Silveira, o

chanceler Mario Gibson Barboza, o diplomata Ítalo Zappa (chefe do Departamento de África,

Ásia e Oceania do Itamaraty) e Ovídio de Melo (embaixador brasileiro em Luanda) no caso

específico de Angola. A partir de 1973, é iniciada tal política com a visita de ministros do

Itamaraty e diplomatas brasileiros, além do estabelecimento de embaixadas e relações

comerciais com os países da África negra, principalmente os de língua portuguesa. A

tendência teve culminância com a independência de Angola e o reconhecimento do governo

54 FERRAZ Filho, Galeno Tinoco. A Transnacionalização... op. cit. p. 111-228.

17

do MPLA pela ditadura brasileira em 1975, tendo sido o primeiro governo do mundo a fazê-

lo, antes mesmo de Cuba e União Soviética, países que estavam implicados diretamente na

guerra civil angolana. A política possibilitou a entrada das empreiteiras em diversos países da

África negra, como o Congo, Moçambique e Angola. Para além da África subsaariana, os

países árabes Mauritânia e Argélia tinham a presença de construtoras brasileiras55.

De tudo isso se tira a relevância central que teve o Estado para o sucesso das

exportações de serviços de engenharia realizadas pelas construtoras brasileiras no período e

também para o fortalecimento dessas empresas. Em 1977, as quatro principais empresas do

setor de construção pesada alcançavam um patrimônio líquido equivalente a 80% da média

das quatro grandes montadoras de automóveis nacionais, o que é um termômetro de sua

importância econômica56. Dentre a lista dos maiores grupos privados nacionais, as

construtoras estavam muito bem representadas entre os dez primeiros grupos57. Paralelo ao

processo de transnacionalização, as firmas de construção iniciaram um processo de

ramificação que as transformaria em grandes conglomerados similares a grandes empresas de

outros setores da economia58. O presidente do BNDES, no final dos anos 1970, montando um

projeto de desestatização de empresas públicas refletiu sobre quais grupos empresariais

tinham a robustez necessária para comprar e gerir essas companhias e lembrou-se dos grupos

financeiros nacionais (Bradesco, Itaú, Unibanco e Bozano), da indústria (Ultra, Klabin,

Matarazzo e Villares), da mineração (grupo Antunes e Ermírio de Morais) e da construção

(lembrando de Camargo Corrêa, Mendes Júnior e Odebrecht)59. Segundo Guido Mantega e

Maria Moraes, no final dos anos 1970, esses conglomerados correspondiam aos grupos

econômicos nacionais que, mesmo com o predomínio do capital multinacional, haviam

alcançado um novo patamar econômico, o de capital monopolista60.

Não só em escala nacional, essas empresas ganhavam notoriedade, mas também em

níveis maiores. O Brasil passou a contar com empresas entre as 200 maiores do mundo no

ramo de construção em fins dos anos 1970, tendo duas em 1980 e três em 1982. Dentre essas,

a Mendes Júnior chegou a figurar como a 13ª maior empreiteira do mundo em 1980, caindo

com a crise dos anos 1980 para 18º lugar em 1981 e 123º em 1982. Em sentido inverso, a

55 GASPARI, Elio. Com as tropas de Fidel. In: A Ditadura Encurralada. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. p. 127-57; FERRAZ Filho, Galeno Tinoco. A Transnacionalização... op. cit. p. 111-228.56 FERRAZ Filho, Galeno Tinoco. A Transnacionalização... op. cit. p. 1-9.57 Ver BANAS. ANUÁRIO Banas. As Grandes Companhias. São Paulo: Banas, 1972-1978; Revista Visão. Quem é quem na economia brasileira. São Paulo: Visão, 1967-1979.58 Esse processo foi analisado em CAMPOS, Pedro Henrique Pedreira. Origens... op. cit. p. 61-6.59 GASPARI, Elio. A Ditadura Encurralada. op. cit. p. 333-51.60 MANTEGA, Guido; MORAES, Maria. Acumulação Monopolista e Crises no Brasil. 2ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991. p. 13-8.

18

construtora Norberto Odebrecht só cresceu no período, saindo da 211ª posição em 1980, para

a 148ª em 198161. Hoje, encontra-se entre as 20 maiores do mundo que têm investimentos no

exterior, apesar de ser apenas a 44ª do mundo em volume total de obras, o que conta obras no

exterior e no próprio país de origem62.

Em busca de uma explicação – as possibilidades abertas por Ruy Mauro Marini:

Assim que esse fenômeno se mostrou evidente, diversos autores buscaram hipóteses

para sua explicação. Os pensadores que mais se mostraram profícuos em trabalhos para tal

vieram do campo da economia, com nomes como Maria Conceição Tavares, Aloísio Teixeira,

Luiz Gonzaga Belluzo, Richard Chaves e Frederick Knickerboker63. Esses autores se

centraram nas possibilidades do pensamento de Rufold Hilfering e no rearranjo da divisão

internacional do trabalho a partir do pós-guerra e dos anos 1970.

Uma outra tese explicativa foi a da ‘tecnologia intermediária’, ‘tropicalização’ ou

‘padrão do terceiro mundo’, ou melhor, a de que as empresas brasileiras tinham técnicas e

experiência típica de países subdesenvolvidos e tropicais e teriam, por isso, sucesso em

contextos similares. A crítica dessa hipótese vem de um próprio funcionário do Itamaraty:

“Não acredito no mito da tecnologia intermediária [;] considero uma falácia dizer que somos

competitivos porque somos atrasados.”64 Parece-nos, porém, que a explicação para o

fenômeno da transnacionalização das empresas de construção brasileiras não pode se reter

apenas na questão técnica ou tecnológica.

Uma outra possibilidade de compreensão que vem ganhando fôlego hoje, tanto para o

fenômeno da transnacionalização de empresas brasileiras naquele período como nos tempos

contemporâneos, é a decorrente do conceito de ‘subimperialismo’, do pensador Ruy Mauro

Marini65. O conceito foi usado pelo pensador brasileiro pela primeira vez em 1966 em um

artigo sobre a dependência e percorreu a sua obra até a morte, passando inclusive pela tese de

livre docência defendida pelo autor na Universidade Autônoma do México em 1977 sob o 61 CHAVES, Marilena. Indústria da Construção no Brasil. op. cit. p. 207-64; FUNDAÇÃO João Pinheiro. Diagnóstico Nacional da Indústria da Construção. op. cit. p. 59-60.62 Identifica-se a partir disso a sua enorme transnacionalização. Ver http://enr.construction.com/ acessado em 21 de outubro de 2009.63 Uma revisão bibliográfica dessas obras é feita por FERRAZ Filho, Galeno Tinoco. A Transnacionalização... op. cit. p. 11-27.64 FERRAZ Filho, Galeno Tinoco. A Transnacionalização... op. cit. p. 111-228; 323-7.65 Ver, dentre outros, BUENO, Fábio; SEABRA, Raphael. A teoria do subimperialismo brasileiro: notas para uma (re)discussão contemporânea. 2009. p. 1-9; TRASPADINI, Roberta; STEDILE, João Pedro. Apresentação; Introdução In: ___ (org.). Ruy Mauro Marini: vida e obra. São Paulo: Expressão Popular, 2005. p. 7-49; MULLER, Ana Garcia. Empresas transnacionais brasileiras: dupla frente de luta. Texto inédito. Rio de Janeiro: 2009. p. 1-14.

19

título ‘A Acumulação Capitalista Mundial e o Subimperialismo’. A categoria foi logo

absorvida e desenvolvida por outros autores, como o grupo pela revista ‘Marcha’, de

Montevidéu, composto por Vivian Trias e Paulo Schilling, que criaram a ‘teoria do satélite

privilegiado’, distinta das elaborações originais de Ruy Mauro, segundo ele próprio, e que

acabava supervalorizando a dimensão geopolítica66.

A proposta desse trecho do artigo é acompanhar parte da obra de Ruy Mauro Marini e

analisar a capacidade explicativa e aplicabilidade do conceito para o fenômeno abordado na

primeira parte do trabalho. Destaca-se desde já, no entanto, que não fizemos uma leitura

pormenorizada de toda ou da maior parte da obra do autor, mas de alguns de seus principais

artigos e ensaios que estão publicados em português e que parecem ilustrativos da sua forma

de pensar.

Sintetizando o conceito, pode-se dizer que, segundo Marini, subimperialismo é a

forma que a economia dependente assume ao alcançar a etapa dos monopólios e do capital

financeiro, tendo um exercício de política expansionista relativamente autônoma, que é reação

à estreiteza do mercado interno nacional, não sendo esse um fenômeno unicamente brasileiro,

mas parte de um movimento global que inclui uma reconversão produtiva e uma nova divisão

internacional do trabalho, que emerge no pós-guerra e que possibilita tal processo67.

No texto ‘Dialética da Dependência’, de 1973, Marini traz a interessante proposta de

que não é possível entender a América Latina sem contemplá-la “na perspectiva do sistema

em seu conjunto”, ou melhor, em suas relações com as outras economias do mundo, em uma

perspectiva dialética, enxergando-a como parte de um todo. Porém, logo se vêem marcas de

um posicionamento intelectual tão comum como problemático no período assinalado:

[E]ssa noção [o pré-capitalismo na América Latina] se refere a aspectos de uma realidade que por sua estrutura global e seu funcionamento não poderá desenvolver-se jamais da mesma forma como se desenvolveram as economias capitalistas chamadas de avançadas.68

O trecho é problemático pelo viés histórico que parte de um princípio linear e evolucionista

para depois negá-lo. Por mais que o objetivo seja louvável, a idéia de uma economia com

estrutura e funcionamento distinguíveis parece um tanto estruturalista e excessivamente

moldada em rígidos ditames.66 MARINI, Ruy Mauro. Memória. In: TRASPADINI, Roberta; STEDILE, João Pedro (org.). Ruy Mauro Marini: vida e obra. op. cit. p. 57-134.67 Conceituação elaborada principalmente a partir da síntese realizada por BUENO, Fábio; SEABRA, Raphael. A teoria do subimperialismo brasileiro. op. cit. p. 1-9.68 MARINI, Ruy Mauro. Dialética da dependência, 1973. In: TRASPADINI, Roberta; STEDILE, João Pedro (org.). Ruy Mauro Marini: vida e obra. op. cit. p. 138.

20

A noção de linearidade, no entanto, ganha contornos mais nítidos quando, refletindo

acerca da condição das economias latino-americanas, ele parafraseia Marx afirmando: “se é

certo que o estudo das formas sociais mais desenvolvidas lança luz sobre as formas mais

embrionárias [...].”69 O problema dessa passagem é conceber uma forma de adaptação da

noção marxiana de desenvolvimento das forças sociais para a comparação entre economias

latino-americanas e economias industrializadas e desenvolvidas. Francisco de Oliveira é um

dos autores que refutaria esse tipo de evolucionismo mais linear ao destacar que a condição

subdesenvolvida não era uma etapa histórica de desenvolvimento, anterior às economias

desenvolvidas, mas uma etapa em si capitalista, com suas próprias características e

contradições internas70.

As críticas que podem ser direcionadas a Marini se devem em boa escala à falta de

uma ampla bibliografia citada, à falta de informações ilustrativas e a ausência de uma

pesquisa com dados que comprovem suas hipóteses. É polêmica também a sua postulação na

obra de Caio Prado Jr., o que faz com que o autor entenda a economia latino-americana, e a

brasileira em particular, não a partir de suas contradições internas e externas, mas

fundamentalmente a partir de sua subordinação às economias dominantes do sistema

capitalista internacional. Ainda, como faziam vários autores do período, Marini usa, com as

devidas ressalvas, os conceitos cepalinos de ‘deterioração dos termos de troca’ e ‘substituição

de importações’, criticadas por outros autores que escreviam também naquele momento71.

Ruy Mauro Marini faz uso, ainda, do famigerado modelo feudal, do PCB, para a economia

brasileira apontando o “sistema misto de servidão e trabalho assalariado”, criticado desde

1966 por Caio Prado Júnior, e também naquele momento, na tese de doutorado de Ciro

Flamarion Cardoso e, em seguida, pela obra de Jacob Gorender72.

O conhecimento de história econômica brasileira e latino-americana presente em sua

obra é frágil diante das pesquisas recentes da historiografia, bem como de uma abordagem

mais cuidadosa mesmo com as informações tidas naquele momento:

[A]o começo de seu desenvolvimento, a economia dependente se encontra inteiramente subordinada à dinâmica da acumulação nos países industriais, a tal

69 MARINI, Ruy Mauro. Dialética da dependência, 1973. op. cit. p. 139.70 OLIVEIRA, Francisco de. A crítica da razão dualista, 1972. In: A Crítica da Razão Dualista. O Ornitorrinco. São Paulo: Boitempo, 2003. p. 29-119.71 Sinalizamos novamente para o ensaio de Francisco de Oliveira de 1972. Vide A crítica da razão dualista. op. cit. p. 29-119.72 Ver PRADO Júnior, Caio. A Revolução Brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1966; CARDOSO, Ciro Flamarion Santana. O modo de produção escravista colonial na América. In: SANTIAGO, Théo (org.). A América Latina Colonial: ensaios. Rio de Janeiro: Pallas, 1975. p. 89-143; GORENDER, Jacob. O Escravismo Colonial. 6ª ed. São Paulo: Ática, 2001.

21

ponto que é em função da tendência à queda da taxa de lucros nestes, ou seja, da maneira como ali se expressa a acumulação de capital, que dito desenvolvimento pode ser explicado.73 [grifo nosso]

Disso se lê que a economia latino-americana não precisa do entendimento de suas condições

internas e da sua relação com o conjunto da economia mundial para ser compreendida, mas

que é explicada direta e unicamente a partir das economias mais avançadas do capitalismo

global. Novamente se vê a grande influência de Caio Prado em seu trabalho.

Algumas afirmações de Marini em sua obra também geram desconforto ao leitor por

sua carga determinista e absoluta, como a de que a dependência é “condição necessária do

capitalismo mundial”74 ou então a de que “[e]ra evidente que a economia brasileira estava em

um beco sem saída”75, quando se refere à crise econômica dos anos 1960. Ou então: “Em

prazo mais ou menos curto, é inevitável que essa cisão horizontal das relações de classe no

Brasil provoque uma guerra civil aberta”76 [grifo nosso], momento no qual Marini parece ter

dado lugar à função de previdente do futuro e não analista das condições presentes. Os termos

absolutos continuam na seqüência dessa última passagem: “A expansão imperialista brasileira

tem que se basear em uma maior exploração das massas trabalhadoras nacionais.” [grifo

nosso]. Ou então: “A ditadura militar aparece, assim, como conseqüência inevitável do

desenvolvimento capitalista brasileiro”77 [grifo nosso], afirmação que embute uma teleologia,

estruturalismo e determinismo que desafiam qualquer rigor histórico.

Avançando para além de certas características problemáticas e limitadas do

pensamento de Ruy Mauro Marini, podemos fazer uma avaliação também não muito positiva

da forma como o autor desenvolve o conceito de subimperialismo:

O desenvolvimento dessa contradição essencial do capitalismo brasileiro o leva à mais total irracionalidade, isto é, expandir a produção, restringindo cada vez mais a possibilidade de criar para ela um mercado nacional, comprimindo os níveis internos de consumo e aumentando constantemente o exército industrial de reserva.78

A dita passagem pode ser complementada pela seguinte:

73 MARINI, Ruy Mauro. Sobre a dialética da dependência, 1973. In: TRASPADINI, Roberta; STEDILE, João Pedro (org.). Ruy Mauro Marini: vida e obra. op. cit. p. 183-4.74 MARINI, Ruy Mauro. Sobre a dialética da dependência, 1973. op. cit. p. 188.75 MARINI, Ruy Mauro. Dialética do desenvolvimento capitalista. In: IDEM. Dialética da Dependência: uma antologia da obra de Ruy Mauro Marini. Petrópolis / Buenos Aires: Vozes / Clacso, 2000. p. 36.76 MARINI, Ruy Mauro. Dialética do desenvolvimento capitalista. op. cit. p. 71.77 MARINI, Ruy Mauro. Dialética do desenvolvimento capitalista. op. cit. p. 94.78 MARINI, Ruy Mauro. Dialética do desenvolvimento capitalista. op. cit. p. 97.

22

[...] isto se traduz [...] no impulso para a economia brasileira para o exterior, no afã de compensar com a conquista de mercados já formados, principalmente na América Latina, sua incapacidade de ampliar o mercado interno. Esta forma de imperialismo leva, no entanto, a um subimperialismo.79

Vemos nesse trecho que as razões explicativas do expansionismo da economia brasileira,

segundo Marini, remetem direta e privilegiadamente à questão das restrições inerentes ao

mercado interno brasileiro, o que se explica através de sua formação histórica e lógica no

âmbito da economia internacional, tendo estreita relação com a noção de superexploração da

força de trabalho.

Pode-se concluir que, apesar das características questionáveis no âmbito teórico-

metodológico da abordagem de Marini, ele apontou para um fenômeno interessante e novo da

economia brasileira e internacional, sendo um dos primeiros a fazê-lo. Lançando luz sobre a

questão da expansão das empresas e da política externa brasileira, identificou um processo

nascente e que precisava ser encarado e explicado. Sua inspiração caiopradiana, no entanto,

limitou seu viés explicativo, dando excessiva relevância à questão do mercado interno

brasileiro.

Diversos autores discutiram a obra de Ruy Mauro Marini. O primeiro balanço de suas

reflexões provavelmente foi o artigo produzido por Fernando Henrique Cardoso e apresentado

no Congresso Latino-Americano de Sociologia, em Santiago, em 1972, sendo publicado na

Revista Latinoamericana de Ciências Sociais. A crítica dura feita pelo sociólogo brasileiro à

tese de Marini é centrada na noção de superexploração e, segundo Ruy Mauro, faz uma

confusão desse conceito com o de mais-valia absoluta, em uma má compreensão de sua tese80.

A coletânea recentemente publicada acerca da obra de Ruy Mauro81 tampouco faz referência

ao problema do subimperialismo, destacando mais os conceitos de superexploração da força

de trabalho e discutindo, a partir da obra de Marini, a globalização capitalista82.

Um dos autores que fez uma das leituras mais consistentes da obra de Marini,

relacionando-o ao quadro da história do pensamento econômico brasileiro, foi Guido Mantega

em sua tese de doutorado, apesar de sua análise não ser muito simpatizada pelo teórico da

dependência83.

79 MARINI, Ruy Mauro. Dialética do desenvolvimento capitalista. op. cit. p. 98.80 MARINI, Ruy Mauro. Memória. op. cit. p. 91-2.81 SADER, Emir; SANTOS, Theotonio dos (org.). A América Latina e os Desafios da Globalização: ensaios dedicados à obra de Ruy Mauro Marini. Rio de Janeiro: PUC-RJ / Boitempo, 2009. 384p.82 Essa leitura é feita por FONTES, Virgínia. Resenha de A América Latina e os Desafios da Globalização: ensaios dedicados à obra de Ruy Mauro Marini. Texto no prelo. Rio de Janeiro: 2009. p. 1-3.83 Ver MARINI, Ruy Mauro. Memória. op. cit. p. 133-4.

23

Mantega faz, com admiração à obra de Marini, uma análise relacionando diretamente

as noções de superexploração da força de trabalho e subimperialismo nos textos do autor. Na

sua leitura, a superexploração dos trabalhadores periféricos é o que leva ao subimperialismo,

já que a classe trabalhadora desses países, explorados pela burguesia local e pela imperialista,

não tem condições aquisitivas de consumir as mercadorias produzidas pela indústria local, o

que leva à busca de mercado alhures. Assim, a superexploração seria a responsável pela

industrialização incipiente dos países latino-americanos, o que leva esses países a não ter um

mercado satisfatório. Mantega vê a influência de Trotsky no pensamento de Ruy Mauro, na

noção de desenvolvimento desigual e combinado do pensador ucraniano84.

Mantega propõe a tríade superexploração-subconsumismo-subimperialismo para

compreender as análises de Marini, destacando que esse autor cai no mesmo erro de Rosa

Luxemburgo, o das teses subconsumistas. Segundo Luxemburgo, a produção capitalista tende

sempre a crescer às custas da pauperização da classe trabalhadora, o que priva a produção

capitalista de mercados. Para superar isso, os capitais saem de seus países em busca de

mercados consumidores em regiões pré-capitalistas85. Maria Conceição Tavares nota que o

erro em que caiu Rosa Luxemburgo, que parece ter influenciado Marini, é similar ao equívoco

de John Atkinson Hobson, que para explicar as exportações de capitais no final do século XIX

e início do XX, considerou a falta de mercado interno e a busca de mercados no exterior como

explicação mais válida86.

Pode-se ver aí o elemento central do conceito de subimperialismo e também os limites

de sua aplicação. Partindo de um postulado subconsumista, Marini sobrevalorizou a instância

do mercado para a compreensão do processo de expansão territorial do capitalismo brasileiro.

Pode-se enxergar também na reflexão do pensador da dependência uma certa dose de

circulacionismo, ou melhor, a sobrevalorização da dimensão das trocas de mercadorias sobre

a da produção87. Isso é visível em sua tese de que é a busca por mercados e as limitações na

demanda interna que explicam o movimento dos capitais para o exterior nos países

84 MANTEGA, Guido. A Economia Política Brasileira. 5a ed. Petrópolis: Vozes, 1990 [1a ed. de 1984]. p. 11-21; 210-83.85 MANTEGA, Guido; MORAES, Maria. A economia política brasileira em questão, 1964-75. In: Cadernos do Presente. São Paulo: Aparte, 1978. p. 16. Para as reflexões originais da pensadora marxista alemã, ver LUXEMBURG, Rosa. A Acumulação de Capital: contribuição do estudo econômico do imperialismo. 2ª ed. Coleção Os Economistas. São Paulo: Nova Cultural, 1985 [1ª ed. de 1912].86 TAVARES, Maria Conceição. Apresentação. In: HOBSON, John Atkinson. A Evolução do Capitalismo Moderno: um estudo da produção mecanizada. Coleção Os Economistas. São Paulo: Nova Cultural, 1985. p. VII-XXII.87 Para isso, ver LACLAU, Ernesto. Feudalismo e capitalismo na América Latina, 1973. In: SANTIAGO, Théo (org.). A América Latina Colonial: ensaios. op. cit. p. 34-60.

24

subimperialistas e também em sua inspiração caiopradiana de que a subordinação da

economia latino-americana é o que vai defini-la.

A sua elaboração pode ser respondida justamente pelo autor mais citado e que mais

influenciou seu pensamento, Marx: “Se se envia capital para o exterior, isso não ocorre

porque ele não poderia ser empregado no próprio país. Ocorre porque ele pode ser empregado

no exterior a uma taxa de lucro mais elevada.”88

A partir de fins do século XIX, diversos autores observaram a economia capitalista de

então, mostrando que, mais que o comércio internacional, a característica maior da

internacionalização da economia a partir de então se dava através da intensificação da

exportação de capitais, ou melhor, dos investimentos estrangeiros diretos. O primeiro a

identificar e assim chamar esse movimento foi Hobson89 e o primeiro a conceituá-lo em

termos marxistas foi Hilferding, que definiu exportação de capital como a “exportação de

valor que se destina a produzir mais-valia no exterior.” Esse mesmo autor destacou que foram

a concentração e centralização de capitais que impulsionaram o movimento e que estes

buscam maiores taxas de lucro, não se tratando de uma simples busca de mercados. Salientou

inclusive que essenciais para esse processo foram os Estados e os bancos90.

No final do século XIX, foi possível enxergar a emergência de novos países

exportadores de capital que entravam na corrida imperialista tardiamente, como a Alemanha,

o Japão e os Estados Unidos. Também hoje, é possível vislumbrar a ascensão de empresas de

países que antes eram apenas escoadouro de capital e atualmente se mostram como

exportadores de capital, como Brasil e China. James Petras é um autor que tem defendido a

tese da existência de outros imperialismos na atualidade para além do norte-americano,

usando de maneira polêmica as noções de estratificação e hierarquização no sistema

imperial91.

A chave para a compreensão do fenômeno deve levar em conta um rearranjo da

divisão internacional do trabalho nas décadas do pós-guerra, mas também, e principalmente,

certos fatores endógenos dessas economias que passam a exportar capitais, conforme se vê na

notícia a seguir:

88 MARX, Karl. Cap. 15 – Desdobramentos das contradições internas da lei. Seção III – A lei da queda da taxa de lucro. Livro III – O processo global de produção capitalista. In: O Capital: crítica da economia política. p. 193.89 HOBSON, John Atkinson. A Evolução do Capitalismo Moderno. Op. cit. p. 325-61; ver também, do mesmo autor, Estudio del Imperialismo. Madrid: Alianza, 1981.90 HILFERDING, Rufold. O Capital Financeiro. Coleção Os Economistas. São Paulo: Nova Cultural, 1985. p. 203-16; 293-315.91 PETRAS, James. Hierarquias Imperiais: o caso da Somália. In: História & Luta de Classes. No 6. Novembro de 2008. p. 31-8.

25

Alcindo CONVAP: a união de duas forças. [...]Desde fins de 1969, denunciou-se a necessidade de concentração empresarial no campo das empreiteiras, para atender a orientação governamental no âmbito nacional, além de possibilitar o acesso a obras no exterior, que exigem sólida e eficiente estrutura administrativa. [...] Por isso, quanto maior o capital da empresa e a experiência acumulada, maiores serão as chances nas concorrências. [...]Ainda nesse sentido, estamos participando ativamente de concorrências no exterior, tendo sido pré-qualificados em concorrência para construção de 1.000 km de estradas em Moçambique.92

A reportagem relata a fusão de duas empreiteiras no ano de 1972 no Brasil, tendo os

empresários o objetivo de arrematar grandes obras em território nacional e também a

possibilidade de atuação em concorrências no exterior, a partir do novo porte adquirido. É

importante reter que esse foi um movimento apoiado e pressionado diretamente pela política

vigente, sendo feita “para atender à orientação governamental”93.

É possível apontar a partir dessa amostra que o movimento de empresas brasileiras

para o exterior, seja no âmbito da indústria de construção ou em outros, é condicionado não

pelas limitações do mercado interno, mas sim pelo novo patamar alcançado pelo capitalismo

no Brasil e pelos próprios grupos empresariais que atuavam na economia brasileira. Rufold

Hilferding destacou que a exportação de capitais era um movimento do grande capital, o que

parece ser o caso das empresas em questão. O mesmo Hilferding salienta que o processo é

auxiliado pelas políticas públicas postas em prática pelo aparelho de Estado e pelos bancos94.

Para o caso brasileiro, temos os dois elementos exercidos pelo aparelho estatal, visto que o

financiamento era em sua maior parte feito através de políticas de subsídio às exportações e

de projetos de financiamentos de bancos públicos.

Nesse sentido, pode-se propor que abandonemos a proposta explicativa de Ruy Mauro

Marini para a explicação desse fenômeno, seja para os anos 1960 e 1970, seja para os dias

atuais. Devemos, no entanto, apontar a importância de suas reflexões teóricas e,

principalmente, o fato de esse autor ter sido um dos primeiros a identificar e problematizar

esse fenômeno. A idéia de explicar a transnacionalização das empresas brasileiras a partir das

restrições do mercado interno, no entanto, não dispõe de fundamento teórico ou empírico,

lembrando que as empreiteiras começam a sair para o exterior no período de maior demanda

de suas operações no mercado interno. Parece que partir da idéia de que se tratam de grandes

empresas que, devido ao seu novo porte, iniciam a etapa de exportação de capitais, o que é

92 Revista O Empreiteiro: revista brasileira de construção pesada. Edição de maio de 1972, no 52, ano XII.93 Revista O Empreiteiro: revista brasileira de construção pesada. Edição de maio de 1972, no 52, ano XII.94 HILFERDING, Rufold. O Capital Financeiro. op. cit. p. 203-16; 293-315.

26

escorado política e financeiramente pelo aparelho de Estado, nos ajuda mais a compreender

esse fenômeno. O debate, entretanto, permanece aberto.

TABELAS

Tabela 1 – Número de contratos de construção firmados pelas empreiteiras ao redor do mundo:

Região Número de contratosAmérica do Sul 38

África 16

América central 6

Oriente Médio 6

Total 66

Fonte: FUNDAÇÃO João Pinheiro. Diagnóstico Nacional da Indústria da Construção. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 1984. vol. 13. p. 13.

27

Tabela 2 – Distribuição do número de contratos firmados no exterior por setor de atividade:

Setor de atividade Número de contratosTransporte 30

Energia 14

Edificações 12

Obras hidrelétricas e de saneamento 7

Outros e não especificados 3

Total 66

Fonte: FUNDAÇÃO João Pinheiro. Diagnóstico Nacional da Indústria da Construção. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 1984. vol. 13. p. 18.

28

Tabela 3 – Número de contratos por ano de início do projeto:Ano Número de contratos

Antes de 1970 2

1970 1

1971 -

1972 -

1973 2

1974 2

1975 -

1976 2

1977 2

1978 11

1979 5

1980 3

1981 8

1982 2

1983 3

1984 -

Total 66

Fonte: FUNDAÇÃO João Pinheiro. Diagnóstico Nacional da Indústria da Construção. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 1984. vol. 13. p. 21.

Tabela 4 – Número de contratos firmados no exterior por empresa:

Número total de empresas 1 contrato 2 ou 3 contratos 4 a 6 contratos 12 contratos

26 12 10 3 1

Fonte: FUNDAÇÃO João Pinheiro. Diagnóstico Nacional da Indústria da Construção. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 1984. vol. 13. p. 24.

Tabela 5 – Empresas de construção pesada e número de países em que elas atuam:

Total 1 país 2 países 3 países 6 países

26 19 4 2 1

Fonte: FUNDAÇÃO João Pinheiro. Diagnóstico Nacional da Indústria da Construção. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 1984. vol. 13. p. 31.

29

Tabela 6 – Obras no exterior entre 1964 e 1984 mapeadas:Empreiteira Obra País Valor Período Financiamen

to

Affonseca rodovia e aeroporto Bolívia US$ 30 mi Cacex - 90%

Affonseca aeroporto de Tariga Bolívia US$ 4 mi

Affonseca complexo desportivo Chile US$ 6,5 mi Cacex - 90%

Andrade Gutierrez rodovia Congo 1983-...

CBPO barragem Iguazu Paraguai US$ 25 mi 1973-... BIRD

CBPO hidrelétrica Paraguai US$ 6,5 mi 1973-... BIRD

Camargo Corrêa hidrelétrica de Guri Venezuela US$ 1,2 bi 1978-86 Edelca (local)

Cetenco hidrelétrica de Guri Venezuela US$ 1,2 bi 1978-86 Edelca (local)

Cetenco trecho do metrô Venezuela US$ 50 mi 1977-...

Concic porto pesqueiro Uruguai US$ 10 mi 1976-... Cacex

Ecel conjunto residencial Argélia US$ 83,5 mi 1978 local

Ecisa reforma de porto Paraguai US$ 10 mi fins dos 1960

Ecisa saneamento Paraguai US$ 12 mi 1973-...

Ecisa saneamento Paraguai US$ 14 mi 1979-...

Ecisa rodovia Tanzânia US$ 68 mi

Esusa hotel em Basra Iraque US$ 15 mi 1978-... local

Esusa hotel em Bagdá Iraque US$ 15 mi 1978-... local

Mendes Júnior hidrelétrica Bolívia 1969-73

Mendes Júnior ferrovia Iraque US$ 1,2 bi ...-1985

Mendes Júnior rodovia Iraque US$ 280 mi 1981-6

Mendes Júnior projeto Sifão Iraque 1984-...

Mendes Júnior hidrelétrica Uruguai US$ 360 mi

Mendes Júnior rodovia Mauritânia US$ 106 mi

Mendes Júnior rodovia Mauritânia

Mendes Júnior aeroporto Mauritânia US$ 8 mi

Mendes Júnior hidrelétrica Colômbia

Odebrecht hidrelétrica Peru US$ 100 mi 1979-... Cacex/BB

Odebrecht túneis de desvio Chile US$ 30 mi 1979-... 'brasileiro'

Odebrecht 'projetos' Angola 1980-...

Odebrecht hidrelétrica Angola 1984-...

Queiroz Galvão barragem Uruguai 1984-...

Rabello universidade Argélia US$ 350 mi 1970-... local

Rabello universidade Argélia 1972-... local

Rabello complexo industrial Argélia 1973-... local

Rabello barragem Argélia US$ 200 mi 1977-... Cacex - 16%

Ster ruta 9 Paraguai US$ 17 mi 1975-80 BID

Ster ruta 7 Paraguai US$ 10,8 mi 1977-... Cacex

Total 36 contratos 13 US$ 4,21 bi

30

Fonte: FERRAZ Filho, Galeno Tinoco. A Transnacionalização... op. cit.; http://www.andradegutierrez.com.br/ acessado dia 20 de agosto de 2007; http://www.mendesjunior.com.br/ acessado dia 20 de agosto de 2007; O GLOBO. Edição de 20 de agosto de 2006, p. 38; http://www.odebrecht.com.br/ acessado dia 19 de agosto de 2007; CAMPOS, Pedro Henrique Pedreira. Origens da internacionalização. op. cit.

Tabela 7 – Tentativas não exitosas de realização de obras no exterior:

Empreiteira Tipo de obra País ou região Período ObservaçãoAffonseca Bolívia com a Andrade Gutierrez

Affonseca hidrelétrica Uruguai derrotada para Mendes Jr.Alcindo CONVAP rodovia Moçambique pré-qualificadaAndrade Gutierrez hidrelétrica Uruguai derrotada para Mendes Jr.Camargo Corrêa hidrelétrica Argentina 1967Camargo Corrêa hidrelétrica Uruguai derrotada para Mendes Jr.Camargo Corrêa metrô Venezuela 1975 vencida por italianas e espanholas

Cetenco hidrelétrica Argentina derrotada para francesa

Cetenco obra rodoviária Paraguai

Cetenco estrada Costa Rica

Cetenco ferrovias Nigéria

Cetenco rede de transmissão Chile

Cetenco barragem Portugal

Esusa Oriente Médio desde 1975

Esusa Paraguai

Esusa Equador

Esusa Chile

Esusa Venezuela

Esusa América Latina

Esusa África

Tenco hidrelétrica Chile pré-qualificada para obra

Fonte: FERRAZ Filho, Galeno Tinoco. A Transnacionalização... op. cit.; CAMPOS, Pedro Henrique Pedreira. Origens da internacionalização. op. cit.; Revista O Empreiteiro. Edição de setembro de 1968. no 8. Ano VII; Revista O Empreiteiro: revista brasileira de construção pesada. Edição de maio de 1972, no 52, ano XII.

31