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A A U UL L A A 0 01 1 A A C C R RI I S SE E D D O O D DE E U UD D A AL L I IS S M MO O ( ( S SE E C C X XI I V V) ) A TRANSIÇÃO DO FEUDALISMO AO CAPITALISMO E A CONSOLIDAÇÃO DOS ESTADOS NACIONAIS O Feudalismo foi o sistema econômico, político, social e cultural da Idade Média da Europa Ocidental Cristã. A Idade Média Ocidental corresponde ao período da desintegração do Império Romano do Ocidente (com capital em Roma) em 476 até a queda do Império Romano do Oriente ou Império Bizantino (com capital em Constantinopla) em 1453. O capitalismo define-se por oposição ao feudalismo. Neste sistema preponderam as relações servis de produção, nas quais os servos devem a seus senhores obrigações compulsórias impostas sob a forma de produtos ou serviços (a talha e a corvéia), isto é, podemos dizer que o feudalismo define-se pelas relações servis de produção, em que o senhor feudal, por ter a posse da terra, impõe ao servo um conjunto de obrigações produtivas. A Emergência do capitalismo relaciona-se diretamente com a primeira crise estrutural do feudalismo no início do século XI. A razão básica da crise do sistema feudal era o descompasso entre as necessidades crescentes da camada dominante (nobreza feudal) e a estrutura produtiva, assentada no trabalho servil, pois no capitalismo, ao contrário do feudalismo, são as relações assalariadas de produção, a nítida separação entre os detentores dos meios de produção capital e os que possuem apenas o trabalho força de produção , a produção voltada para um mercado externo (comércio), pelas trocas monetárias, pela organização empresarial e pelo espírito de lucro. Principais características do feudalismo: descentralização política em favor dos senhores feudais locais o que desenvolve grandes entraves ao desenvolvimento do comércio (altas e diversas taxas, alfândegas, diversidade de moedas, falta de segurança); as relações política entre os membros da nobreza eram definidos nos laços de suserania e vassalagem (tornava-se suserano o nobre que doava um feudo a outro; e vassalo, o nobre que recebia o feudo); sociedade basicamente rural e estamental, dividida em três ordens sociais, cada qual com uma função; economia agrária, natural e auto-suficiente (produzia-se para o consumo imediato); trabalho regulado pelas obrigações servis fixadas pela tradição e pelo costume; cultura teocêntrica, forte influência da Igreja em assuntos internos aos feudos, condenação pela Igreja dos juros e do lucro, fenômenos naturais explicados pela fé. revigoramento do comércio = o papel da burguesia (desintegradora do sistema feudal); surgimento de novas rotas comerciais; guildas (unificação contra os comerciantes estrangeiros) e corporações de ofício; fortalecimento das cidades em contraposição com uma sociedade rural. Contudo, a sociedade feudal, diante do avanço predatório do capitalismo irá tentar e da crise estrutural do feudalismo, até as suas últimas forças, manter-se no poder. Uma saída encontrada pela sociedade feudal foi, justamente, a consolidação das chamadas Monarquias Nacionais. Os Estados Nacionais (ou Monarquias Nacionais) não significam, portanto, o fim do Modo de Produção Feudal. É apenas uma nova forma de organização política - manifestações da superestrutura. O Estado Absolutista nunca foi um árbitro entre a aristocracia e a burguesia nascente contra a aristocracia: ele era a nova carapaça política de uma nobreza atemorizada pelo medo das revoltas camponesas e o avanço econômico da burguesia. Os Estados Nacionais irão resultar nos Estados Absolutistas (origem divina do poder). Fatos que levaram à formação dos Estados Nacionais: revigoramento do comércio; crise do feudalismo e desagregação do poder senhorial; transformação da renda em produtos em renda em dinheiro (a corvéia pelo pagamento); sublevações camponesas (jacqueries) = amedronta a aristocracia = aliança com o rei, este fato contribuiu para a centralização, pois o rei surgiu como articulador da aristocracia contra a pressão das massas rebeladas; progressos técnicos verificados na esfera da produção; desenvolvimento da milícia nacional; Guerras européias, que despertaram o sentimento nacionalista: a Guerra de Reconquista (expulsão dos muçulmanos da península Ibérica = formação do estado Português); A Guerra dos Cem Anos (1337 - 1453) França X Inglaterra; a Guerra das Duas Rosas (Inglaterra) briga entre duas famílias (os Lancasters e os York) que pretendiam o trono;

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Page 1: A TRANSIÇÃO DO FEUDALISMO AO CAPITALISMO E A … · no capitalismo, ao contrário do feudalismo, são as relações assalariadas de produção, a nítida separação ... O chamado

AAUULLAA 0011 –– AA CCRRIISSEE DDOO DDEEUUDDAALLIISSMMOO ((SSEECC XXIIVV))

A TRANSIÇÃO DO FEUDALISMO AO CAPITALISMO E A CONSOLIDAÇÃO DOS ESTADOS NACIONAIS

O Feudalismo foi o sistema econômico, político, social e cultural da Idade Média da Europa Ocidental

Cristã. A Idade Média Ocidental corresponde ao período da desintegração do Império Romano do Ocidente

(com capital em Roma) em 476 até a queda do Império Romano do Oriente ou Império Bizantino (com

capital em Constantinopla) em 1453.

O capitalismo define-se por oposição ao feudalismo. Neste sistema preponderam as relações servis de

produção, nas quais os servos devem a seus senhores obrigações compulsórias impostas sob a forma de

produtos ou serviços (a talha e a corvéia), isto é, podemos dizer que o feudalismo define-se pelas relações

servis de produção, em que o senhor feudal, por ter a posse da terra, impõe ao servo um conjunto de

obrigações produtivas.

A Emergência do capitalismo relaciona-se diretamente com a primeira crise estrutural do feudalismo no

início do século XI. A razão básica da crise do sistema feudal era o descompasso entre as necessidades

crescentes da camada dominante (nobreza feudal) e a estrutura produtiva, assentada no trabalho servil, pois

no capitalismo, ao contrário do feudalismo, são as relações assalariadas de produção, a nítida separação

entre os detentores dos meios de produção – capital – e os que possuem apenas o trabalho – força de

produção –, a produção voltada para um mercado externo (comércio), pelas trocas monetárias, pela

organização empresarial e pelo espírito de lucro.

Principais características do feudalismo: descentralização política em favor dos senhores feudais locais

o que desenvolve grandes entraves ao desenvolvimento do comércio (altas e diversas taxas, alfândegas,

diversidade de moedas, falta de segurança); as relações política entre os membros da nobreza eram

definidos nos laços de suserania e vassalagem (tornava-se suserano o nobre que doava um feudo a outro; e

vassalo, o nobre que recebia o feudo); sociedade basicamente rural e estamental, dividida em três ordens

sociais, cada qual com uma função; economia agrária, natural e auto-suficiente (produzia-se para o

consumo imediato); trabalho regulado pelas obrigações servis fixadas pela tradição e pelo costume; cultura

teocêntrica, forte influência da Igreja em assuntos internos aos feudos, condenação pela Igreja dos juros e

do lucro, fenômenos naturais explicados pela fé.

revigoramento do comércio = o papel da burguesia (desintegradora do sistema feudal);

surgimento de novas rotas comerciais;

guildas (unificação contra os comerciantes estrangeiros) e corporações de ofício;

fortalecimento das cidades em contraposição com uma sociedade rural. Contudo, a sociedade feudal, diante do avanço predatório do capitalismo irá tentar e da crise estrutural

do feudalismo, até as suas últimas forças, manter-se no poder. Uma saída encontrada pela sociedade feudal

foi, justamente, a consolidação das chamadas Monarquias Nacionais. Os Estados Nacionais (ou

Monarquias Nacionais) não significam, portanto, o fim do Modo de Produção Feudal. É apenas uma nova

forma de organização política - manifestações da superestrutura. O Estado Absolutista nunca foi um árbitro

entre a aristocracia e a burguesia nascente contra a aristocracia: ele era a nova carapaça política de uma

nobreza atemorizada pelo medo das revoltas camponesas e o avanço econômico da burguesia. Os Estados

Nacionais irão resultar nos Estados Absolutistas (origem divina do poder).

Fatos que levaram à formação dos Estados Nacionais: revigoramento do comércio; crise do feudalismo

e desagregação do poder senhorial; transformação da renda em produtos em renda em dinheiro (a corvéia

pelo pagamento); sublevações camponesas (jacqueries) = amedronta a aristocracia = aliança com o rei, este

fato contribuiu para a centralização, pois o rei surgiu como articulador da aristocracia contra a pressão das

massas rebeladas; progressos técnicos verificados na esfera da produção; desenvolvimento da milícia

nacional; Guerras européias, que despertaram o sentimento nacionalista:

a Guerra de Reconquista (expulsão dos muçulmanos da península Ibérica = formação do estado

Português);

A Guerra dos Cem Anos (1337 - 1453) França X Inglaterra;

a Guerra das Duas Rosas (Inglaterra) briga entre duas famílias (os Lancasters e os York) que

pretendiam o trono;

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Com a centralização do poder monárquico teremos uma unidade lingüistica, religiosa, cultural e

histórica com base num território geograficamente determinado. A burguesia será o grupo social que sairá

ganhando, economicamente, com a unificação dos Estados.

Principais teóricos do Absolutismo: Nicolau Maquiavel (1469-1527): os fins justificam os meios (o

governante pode fazer qualquer coisa, utilizar-se de qualquer meio para impor a ordem); Jean Bodin (1530

- 1596): o poder do Estado é Ilimitado; a autoridade do monarca vem de Deus – incontestável – origem

divina do poder; Thomas Hobbes (1588 - 1679): o mais ilustre filósofo do absolutismo, racionalista; os

homens são maus por natureza - necessidade de um Estado autoritário e forte para a proteção dos homens.

O poder do monarca é absoluto não porque Deus quer, mas porque os homens assim o querem; Hugo

Grotius (1583 - 1645): defesa da guerra como instrumento sagrado da manutenção da soberania; J.

Bossuet (1627-1704): Poder sagrado - origem divina.

Os Estados Nacionais nada mais são do que transformações na superestrutura. Estas transformações

correspondem às modificações que irão ocorrer na infra-estrutura. Assim, cada período do capitalismo irá

corresponder uma forma específica de poder. Ou melhor, a cada forma econômica uma forma política.

O Mercantilismo: prática econômica dos Estados Nacionais. A política econômica adotada pelos Estados Nacionais é o Mercantilismo que define-se por ser uma

política de controle e incentivo financeiro, por meio da qual o Estado buscava garantir o ser

desenvolvimento comercial e financeiro, fortalecendo ao mesmo tempo o próprio poder. Não chegou a

constituir uma doutrina, um sistema de idéias, um conjunto coerente de práticas e de ações; foi, na verdade,

um conjunto de medidas variadas, adotadas por diversos Estados modernos, visando a obtenção dos

recursos e riquezas necessários à manutenção do poder absoluto. Cada Estado procurou adotar medidas que

atendessem às suas peculiaridades: alguns concentravam-se na exploração colonial, na obtenção de metais

preciosos (metalismo), outros nas atividades marítima e comercial; e outros, ainda, optaram por incentivas

a produção manufatureira.

Mas podemos, de uma maneira geral, relacionar as principais características do Mercantilismo: a prática

do metalismo (concepção que identifica a riqueza e o poder de um Estado à quantidade de metais preciosos

por ele acumulados); a busca por uma balança comercial favorável (o Estado restringia as importações

impondo pesadas taxas alfandegárias aos produtos estrangeiros, ou até mesmo proibindo que certos artigos

fossem importados); proteccionismo econômico (proteger a produção nacional da concorrência

internacional). Nos países ibéricos, ainda podemos identificar duas características importantes, que vão

delinear toda a exploração colonial: o exclusivo comercial (todos os produtos que chegavam à Colônia ou

saíam dela tinham de passar pela metrópole, concretizando sua sujeição absoluta ao Estado explorador) e o

Pacto Colonial (a colônia deveria produzir única e exclusivamente para a demanda da sua metrópole, com

o objetivo de garantir altos lucros).

Sobre o papel que o exclusivo comercial exerce no mercantilismo, o historiador Fernando Antônio

Novais é categórico. Para ele, "é no regime de comércio entre metrópoles e colônias que se situa o

elemento essencial desse mecanismo. Reservando-se a exclusividade do comércio com o Ultramar, as

metrópoles européias na realidade organizavam um quadro institucional de relações tendentes a promover

necessariamente um estímulo à acumulação primitiva de capital na economia metropolitana a expensas das

economias periféricas coloniais. O chamado 'monopólio comercial', ou mais corretamente e usando um

termo da própria época, o regime do 'exclusivo' metropolitano constituía-se pois no mecanismo por

excelência do sistema, através do qual se processava o ajustamento da expansão colonizadora aos processos

da economia e da sociedade européias em transição para o capitalismo"?.

Ainda Novais, "o 'exclusivo' metropolitano do comércio colonial consiste em suma na reserva do

mercado das colônias para a metrópole, isto é, para a burguesia comercial metropolitana. Este é o

mecanismo fundamental, gerador de lucros excedentes, lucros coloniais; através dele, a economia central

metropolitana incorporava o sobre produto das economias coloniais ancilares. Efetivamente, detendo a

exclusividade da compra dos produtos coloniais, os mercadores da mãe-pátria podiam deprimir na colônia

seus preços até o nível abaixo do qual seria impossível ao nível dos custos de produção; a revenda na

metrópole, onde dispunham da exclusividade da oferta, garantia-lhes sobre lucros por dois lados - na

compra e na venda. Promovia-se assim, de um lado, uma transferência de renda real da colônia para a

metrópole, vem como a concentração desses capitais na camada em empresária ligada ao comércio

ultramarino"?.

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Sem dúvida, o comércio foi o ponto nevrálgico de toda a colonização do Ancièn Règime, ou seja, para

implementar as atividades mercantis processava-se a ocupação, povoamento e valorização das terras?. A

produção colonial, isto é, a produção dos núcleos criados na periferia dos centros dinâmicos europeus para

estimulá-los, era uma produção mercantil, ligada às grandes linhas do mercando internacional. Neste

sentido, Novais é esclarecedor: "desdobramento da expansão comercial e marítima dos Tempos Modernos,

a colonização, (...), significava a produção de mercadorias para a Europa"?.

Os tipos de Mercantilismo? Apesar de nunca ter-se constituído num conjunto doutrinário perfeito e coerente, o mercantilismo

apresentou uma série de características comuns, assentadas na noção de balança comercial; de monopólio,

de protecionismo e de sistema colonial. Evidentemente, a prática mercantilista variou de pais para país, de

acordo com as condições locais, que deram origem a variados tipos de mercantilismo. O elemento

estratégico dessa variação foi a posse ou não de colônias, e o tipo específico dessas colônias: se eram

colônias fornecedoras de metais preciosos ou especiarias, ou simples col8nias de povoamento.

A forma clássica do mercantilismo, o bulionismo (metalismo), foi praticada pelos espanhóis Senhores

que eram de colônias produtoras de metais preciosos na América, os espanhóis podiam importar todos os

alimentos e artigos manufaturados que desejassem dos países estrangeiros, porque sua balança comercial

sempre seria favorável, na medida em que tinham as minas produtoras de metais. Tal procedimento foi, a

longo prazo, desastroso para a economia da Espanha, pois desestimulou a produção agrícola e industrial.

O país explorou suas colônias mas não se beneficiou dessa exploração, e transferiu as vantagens para

outros países, que se organizaram para extrair os metais da Espanha através do comércio

A economia francesa ajustou-se, de certa forma, a economia espanhola, desenvolvendo suas

manufaturas de luxo para atender o mercado sofisticado existente na Espanha, e expandindo suas

companhias de comércio e a construção naval. A política industrialista francesa passou a ser identificada

com Colbert, o ministro que mais a estimulou; daí o colbertismo ser sinônimo de mercantilismo industrial.

Na Inglaterra, país sem um grande império colonial e sem capacidade de competição com a indústria

francesa de luxo - de antiga tradição - desenvolveu-se o mercantilismo comercial. Este consistia no

desenvolvimento da idéia de comprar mais barato e vender mais caro, de ganhar no frete, de estimular a

indústria de construção naval e, principalmente, de formar grandes companhias de comércio, privilegiadas

pelo Estado, tais como a famosa Companhia Inglesa das Índias Orientais, os Mercadores Aventureiros, a

Companhia da Moscovia, a Companhia do Levante e outras mais. Após a Revolução Inglesa do século

XVII, as práticas monopolistas internas foram destruídas, mas foram reforçadas no plano externo através

dos Atos de Navegação.

Nas Províncias Unidas - Holanda - desenvolveu-se um tipo eficiente de mercantilismo comercial e

industrial. Os holandeses ampliaram a industria naval, assumiram quase por completo o tráfico marítimo

internacional no século XVI, formaram poderosas companhias de comércio e construíram um grande

centro financeiro em Amsterdã. As numerosas refinarias de açúcar de Antuérpia deram a Holanda o

monopólio da distribuição do açúcar no norte da Europa. As companhias de navegação apoiadas pelo

Estado - com o qual praticamente se confundiam - e pelo Banco de Amsterdã - criado para financiá-las -,

garantiam a força operacional necessária para dominar os mercados orientais de especiarias. A

Companhia das Índias Orientais, criada em 1602, teve tal êxito que logo se multiplicaram em toda a

Europa exemplos similares, principalmente na Inglaterra.

Na Alemanha, à falta de um Estado unificado para conduzir a política, as ligas das cidades mercantis

organizaram-se com o objetivo de proteger seu comércio marítimo, agindo como intermediárias sobretudo

no comércio de cereais da Europa Orienta. Era o chamado mercantilismo cameralista alemão.

AAUULLAA 0033 –– OO RREENNAASSCCIIMMEENNTTOO CCUULLTTUURRAALL EEUURROOPPEEUU..

O RENASCIMENTO CULTURAL EUROPEU. A transição do feudalismo ao capitalismo não deve ser analisada apenas sob a perspectiva das

transformações econômicas e políticas. É importante considerar que a crise do século XIV manifestou-se,

também, nos planos intelectual e cultural. Assim, os movimentos renascentista e reformista representam

importantes respostas a uma tentativa de compreender o homem e, em última instância, o próprio universo

à época da crise geral do feudalismo europeu. O Renascimento é uma verdadeira revolução cultural que

corresponde à transição da época medieval ao mundo moderno. Assim, podemos dizer que o Renascimento

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expressa idéias, a visão de mundo da nova sociedade emergente com a crise do feudalismo e o

desenvolvimento da economia mercantil.

Podemos perceber uma mudança radical na civilização européia em todos os níveis. No nível

econômico, o comércio e a indústria tiveram grande expansão, e o capitalismo substituiu em grande parte

as formas medievais de organização econômica. No nível político, o governo central tornou-se mais forte

devido à crise do feudalismo. No nível religioso, a unidade do mundo cristão fragmentou-se com a

ascensão do protestantismo. No nível social, as pessoas bem sucedidas tanto na cidade como no campo

estavam se tornando mais numerosas e mais fortes, e preparando-se para a liderança política e cultural. No

nível cultural, o clero perdeu o monopólio do ensino, e a orientação sobrenatural da Idade Média deu lugar

a uma perspectiva secular na literatura e nas artes. A teologia, a rainha do conhecimento na Idade Média,

cedeu sua coroa à ciência. A razão, que na Idade média estivera subordinada à revelação, reivindicou sua

independência.

Muitas destas tendências manifestaram-se acentudamente durante o Renascimento. Esse termo que,

como é obvio, significa “novo nascimento” e refere-se à tentativa de artistas e filósofos para recuperar e

aplicar os antigos ensinamentos e modelos da Grécia e da Roma Antiga. O Renascimento é ao mesmo

tempo um movimento e um período culturais. Como movimento, teve origem nas cidades-estados do norte

da Itália e difundiu-se pelo resto da Europa. Como período, abrange desde o século XIV na Itália até o

século XVI, quando alcançou a Europa Ocidental.

A denominação Renascimento é decorrência da preocupação dos homens que viveram esse momento

histórico em se inspirarem nos valores e ideais da Antigüidade Clássica (greco-romana), por oposição aos

valores medievais que desprezavam - Idade das Trevas. Em vários aspectos, contudo, esse movimento

cultural representa mais uma continuação do que uma ruptura em relação ao mundo da Baixa Idade Média,

em que teve sua origem, atingindo a máxima plenitude nos séculos XV e XVI. Certamente o Renascimento

não foi um rompimento completo e súbito com a Idade Média. Muitos costumes e atitudes medievais

persistiram no Renascimento. Entretanto a tese do Historiador do século XIX, Jacob Burckhardt de que o

Renascimento é o berço dos tempos modernos não deixa de ter os seus fundamentos.

A Itália como berço do Renascimento A Itália foi o Berço do Renascimento, não por acaso, mas porque foi lá que o capitalismo encontrou as

suas primeiras formas. O capitalismo enquanto forma de contestação à economia medieval deveria

demonstrar toda uma originalidade que o diferenciasse da sociedade feudal - nova mentalidade.

A existência de uma economia dinâmica, mercantil, geradora de excedentes que pudessem ser

investidos na produção cultural, foi a condição fundamental do Renascimento. De fato, esse notável

movimento cultural não poderia acontecer numa economia que mal produzia para suas próprias

necessidades.

Junto com o desenvolvimento mercantil, nasceu uma nova classe social: a burguesia. Originaria dos

baixos estratos marginalizados da sociedade medieval, firmou-se como classe social através do prestígio

adquirido com sua riqueza. No seu processo de afirmação social, procurou integrar os quadros da

aristocracia de sangue. Nesses termos seria indispensável moldar uma nova imagem da sociedade na qual

ela ocuparia uma posição central. Por isso tornavam-se mecenas. Investiam em palácios, catedrais e capelas,

erigiam estátuas gigantescas em homenagem a seus heróis. Os novos mecenas, protetores das artes, eram

burgueses, príncipes e monarcas, cuja finalidade principal era a difusão dos novos hábitos e valores.

Procuravam transmitir uma visão racional, dinâmica, progressista, otimista e opulenta do mundo e da

sociedade, que correspondia aos valores da burguesia, à sua ideologia.

Na busca de projeção social a burguesia italiana tinha de aproximar seu estilo de vida do

comportamento da nobreza (permanência - longa duração). O máximo de ascensão social seria atingir a

condição de elite governante, em substituição à antiga aristocracia feudal que governava as cidades-estados

italianas.

Devemos recordar que o processo de unificação da Itália se dera em escala local, criando diversas

cidades-estados, que eram governados pelas elites locais que controlavam o comércio. Entre as diversas

elites locais e entre as diversas cidades-estados os conflitos eram uma constante que levaram a estas

cidades estados a nomearem um chefe de polícia - Podesta - encarregado de contratar mercenários para as

lutas, que eram conseguidos junto aos condottieri. Muitas vezes, essa extrema preocupação com a

segurança levava instalação de verdadeiras ditaduras do Podesta e do condottieri. Um exemplo clássico

dessa ditadura é o governo dos Médicis, em Florença.

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Principais características do Renascimento Cultural e artístico. Humanismo: valorização do ser humano X Espi-ritualismo (valorização do espírito)

Racionalismo: valorização da razão e da ciência X Verdade revelada pela Fé.

Naturalismo: preocupação com uma aproximação maior do homem à natureza X Espiritualismo

(aproximação do céu)

Classicismo: aproximação dos valores artísti-cos da Antigüidade clássica.

Antropocentrismo: pelo fato de que o homem é a obra prima de Deus, o mesmo deveria ser

considerado o centro do universo.

Heliocentrismo: o sol é o centro do universo.

Mecenato: agentes financiadores da cultura.

Espírito Crítico: favoreceu o desenvolvimento da ciência - experimentação.

Perspectiva: o artista estava preocupado em colocar “movimento” na pintura/escultura, em com-

traposição com a imagem amorfa e parada do medievo. Dentro os diversos cientistas e artistas que se destacam no movimento do Renascimento, temo Leonardo

da Vinci, como o principal expoente deste movimento, que desenvolveu pesquisas em numerosos campos

da ciência e projetou diversas invenções que só foram concretizadas no mundo contemporâneo (avião,

submarino...) - medicina, mecânica, escultura, pintura, matemática, física, astrofísica, geologia, botânica,

zoologia, dissecação de cadáveres etc

AS REFORMAS RELIGIOSAS DO SÉCULO XVI O século XVI foi marcado pelo surgimento de novas religiões cristãs, que acabaram com a hegemonia

política da e espiritual da Igreja Católica e abalaram a autoridade do Papa. Este processo de divisão do

Cristianismo denominou-se Reforma Protestante e às novas igrejas, protestantes. A reação da Igreja

Católica a essas novas religiões cristãs chamou-se de Contra-Reforma Católica.

A Reforma Protestante tem origens nos movimentos heréticos de Jonh Wicliff, na Inglaterra (1320-1384)

e Jonh Huss, na Boêmia (1369-1415). Os dois movimentos foram duramente reprimidos pela Igreja

Católica. Contudo, Wicliff conseguiu o apoio do Rei da Inglaterra, já Huss, foi condenado e morto na

fogueira como herege.

As principais causas da Reforma Protestante foram:

Políticas: contradições decorrentes do Universalismo da Igreja e dos Interesses dos nas-centes

Estados Nacionais; conflito entre o poder temporal e o espiritual; excessiva interferência da

Igreja nos assuntos internos dos Estados euro-peus.

Religiosas: o despreparo da maioria dos membros do clero; a necessidade de uma teologia mais de

acordo com as mudanças sócio-econômicas da época; determinados abusos da Igreja, tais como a

venda de indulgências, de relíquias e cargos.

Sócio-econômicas: interesse da nobreza e da burguesia nas terras da Igreja; necessidade uma

nova ética econômica mais adequada à época da transição (a ética cristã escolástica condenava a

usura, o comércio e o lucro);

Ideológicas: busca por parte dos humanistas, de um cristianismo mais revigorado e rejuvenescido;

o individualismo, que se afirmava, dizendo que cada um seria “sacerdote de si mesmo”.

A Reforma Protestante A Reforma Protestante iniciou-se na Alemanha – parte do Sacro Império Romano-Germânico -, região

essencialmente feudal, com um incipiente comércio no litoral norte. O fato de a Igreja possuir mais de 1/3

do território alemão despertou a cobiça dos nobres, que passaram a ambicionar as terras eclesiásticas. Essa

fato, aliado à patente imoralidade da Igreja, despertou o desejo pela autonomia em relação à Roma,

iniciando-se assim os movimentos que levariam à Reforma.

A liderança do movimento na Alemanha coube ao frade agostiniano alemão, Martinho Lutero

(1483/1546), que defendia a teoria da predestinação, da fatalidade da salvação, negando os jejuns

apregoados pela Igreja, as indulgências e outras práticas religiosas então em uso.

Lutero iniciou as suas pregações na Universidade de Wittenberg, na Saxônia, defendendo a doutrina da

salvação pela Fé. Em 1517, revoltado por causa da venda de indulgências pelo dominicano João Tetzel,

fixou na porta de sua igreja as “95 teses”.

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Em 1520, o Papa Leão X, por meio de uma Bula Papal, condenou Lutero e intimou-o a se retratar, sob

pena de ser considerado herege. Lutero, em resposta, queimou a bula em praça pública, sendo

excomungado e devendo se submeter a um tribunal secular. Contudo, o imperador Católico, Carlos V,

recém corado, não teve condições de punir Lutero, dada a sua popularidade e o apoio dos próprios príncipes

que o coroaram.

Carlos V, então, resolveu convocar uma Assembléia de todos os nobres, a Dieta de Worms (1521), à

qual compareceram todos os nobres do Sacro Império Romano-Germânico para julgar Lutero. Negando-se

a se retratar, foi considerado herege, mas, por contar com o apoio da nobreza, não foi punido. Refugiado no

castelo de Wartburg, sob a proteção do príncipe da Saxônia, Lutero traduziu a Bíblia para o Alemão,

tornando-a o primeiro documento escrito na língua alemã moderna.

O luteranismo foi-se expandindo por todo o reino. A Igreja Católica, juntamente com o Imperador do

Sacro-Império Romano do Ocidente tentaram, em vão, conter o avanço do luteranismo através da Dieta de

Spirra (1529), desencadeando inúmeros protestos. A paz só foi restabelecida no Sacro-Império Romano do

Ocidente com a Paz de Augsburgo (1555), onde se estabeleceu que a religião dos súditos seria aquela

professada pelo príncipe – Cujus regis ejus religio.

A contra-reforma Católica O objetivo principal da Reforma Católica era conter o avanço do protestantismo. A Reforma Católica

pode assim ser visualizada:

Concílio de Trento: Negou qualquer valor às doutrinas protestantes mantendo toda a doutrina

católica. Criou os Seminários para a formação de sacerdotes, proibiu a venda de indulgências e

criou o INDEX (Índice de Livros Proibidos);

A Companhia de Jesus: criada pelo Espanhol Inácio de Loyola, em moldes militares. Conseguiu

recuperar algumas áreas européias para a Igreja e contribuiu para a expansão do catolicismo nas

áreas encontradas pelos navegantes, principalmente na América, na África e na Ásia.

Tribunal do Santo Ofício (Tribunal da Inquisição): Fundado na Idade Média, perdera muito a sua

influência, sendo reorganizado agora. Encarregou-se dos hereges, feiticeiros e apóstatas.

Conseqüências da Reforma. No campo religioso: rompimento da Unidade Cristã; crescente intolerância religiosa (ambos os

lados); Um dos princípios básicos do luteranismo é a livre interpretação do Evangelho e das

Escrituras, o que possibilitou o surgimento de novas tendências, que se consubstanciaram em novas

religiões, como é o caso do Calvinismo e o Anglicanismo.

No campo político: ruptura do poder político do papado; fortalecimento do poder monárquico;

guer-ras provocadas por pretextos religiosos;

No campo econômico: expansão das práticas capitalistas, devido a determinadas teorias pro-

testantes (calvinismo)

No campo cultural: expansão da educação popular; retrocesso científico devido à extrema

importân-cia atribuída à Bíblia; negação do racionalismo.

DDIICCAASS:: AA TTRRAANNSSIIÇÇÃÃOO FFEEUUDDAALL--CCAAPPIITTAALLIISSTTAA Nesse texto destacarei os temas mais importantes na transição feudal-capitalista, passagem da idade

média para moderna, e o que os vestibulares tendem a explorar desses temas.

Nessa transição os tópicos mais valorizados são os seguintes:

Crise do Feudalismo e as Cruzadas

Renascimento Comercial e Urbano

Projeção da burguesia

Expansão Ultramarina

Formação das Monarquias Nacionais

Mercantilismo e Antigo Sistema Colonial

Renascimento Cultural

Reforma e Contra-Reforma Entendo que inicialmente, a crise feudal foi produto de questões internas, ou seja, de antagonismos

inerentes a qualquer sistema. No caso a produção limitada do mundo feudal torna-se inadequada ao

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crescimento demográfico que se acelera por volta do século XI na Europa Ocidental com o fim das

invasões bárbaras. O aumento da exploração sobre os servos resultando em fugas e revoltas, acelera a crise

já existente, agravando a problemática social para clericais e nobres.

Devemos entender as Cruzadas como guerras patrocinadas pelo ocidente cristão contra a presença

muçulmana onde quer que ela se encontre, mas, principalmente na Terra Santa (Jerusalém). Não se pode

negar o caráter religioso das cruzadas, porém não podemos reduzi-las tão somente a este aspecto.

Livrar a Europa da pressão de servos descontentes e revoltosos, induzindo-os a uma perspectiva de

sucesso espiritual e material, desviando a atenção para um inimigo comum (a servos e senhores) e externo;

reduzir a densidade demográfica e conquistar terras, tentando assim eliminar, ou pelo menos minimizar a

crise feudal; reunificar as duas igrejas cristãs (católica romana e ortodoxa). Eis aí os objetivos mais amplos

desse movimento, que ao atingir Constantinopla com a quarta cruzada, reabriu o Mediterrâneo ao ocidente

provocando o renascimento urbano e comercial.

No Renascimento Urbano e Comercial valorize as rotas (Mediterrâneo, mar do Norte e Champagne),

as feiras e a organização do comércio com as guildas e hansas (ligas de comerciantes).

A produção manufatureira desenvolve-se em unidades próprias, as oficinas, com uma certa divisão do

trabalho. As Corporações de Ofício organizando e tentando dar um certo padrão para a produção na Baixa

Idade Média.

Concomitante ao comércio monetário destaca-se socialmente a projeção da burguesia que busca

aproximar-se dos reis, representantes das monarquias nacionais (Estados Modernos). O rei

consolidaria um Estado centralizado, intervencionista e protecionista aos negócios burgueses,

unificando leis, idioma, exército e principalmente moeda, criando assim, condições favoráveis para o

desenvolvimento do capitalismo comercial. Mas o Estado Nacional absolutista não é o resultado da

aliança da Burguesia com o Rei, muito menos um Estado de equilíbrio entre a nobreza e a burguesia.

Muito pelo contrário, o Estado Absolutista será o último suspiro de uma nobreza em decadência e

atemorizada pelo avanço dos movimentos camponeses e pelo crescimento do poder econômico da

burguesia.

O monopólio italiano sobre o comércio oriental após as cruzadas, se estenderá até o início do século XV,

quando Portugal assume a dianteira da Expansão Ultramarina, que culminará na colonização da América,

partilhada principalmente por Portugal e Espanha. O Antigo Sistema Colonial deve ser entendido como

parte integrante do Antigo Regime europeu, representado economicamente pelo mercantilismo e

politicamente pelo absolutismo. Nesse sentido ser colônia significa atender os interesses da economia

central, mercantilista européia, fornecendo matéria prima tropical e consumindo manufaturas. O Pacto

Colonial, um pseudopacto na verdade, consolida essa relação de dependência da colônia. A colonização

clássica do mercantilismo europeu será a de exploração, baseada no trabalho escravo, monocultura,

latifúndio e produção voltada para o mercado externo. Desenvolve-se porém, em menor escala com

características exatamente antagônicas, a colonização de povoamento em áreas menos tropicais.

É natural que essas transformações econômicas (comércio monetário), sociais (projeção da burguesia) e

políticas (formação das Monarquias Nacionais) alterem também a questão cultural e religiosa.

Em Florença no século XIV inicia-se o Renascimento Cultural, que irá se espalhar pelo mundo

europeu ao longo dos séculos XV e XVI, difundindo uma visão mais racional, antropocêntrica e humanista,

contrária portanto ao dogmatismo e teocentrismo medievais.

Na Alemanha, no início do século XVI, surgirá Martinho Lutero, o monge agostiniano, que com suas

“95 teses” representará o início da Reforma Protestante, uma grave cisão para o cristianismo ocidental.

Um de seus discípulos, João Calvino irá consolidar a aproximação do cristianismo com o capitalismo

nascente, desenvolvendo a teoria da “predestinação”, que julgava o acúmulo de bens e a estabilidade

material como sinal de salvação. A reação da igreja católica torna-se oficial em 1545 com o Concílio de

Trento.

Em Renascimento Cultural valorize menos as obras e autores e mais os antecedentes, características e

desdobramentos. Em Reforma Protestante, além de sua contextualização, valorize seu significado

histórico e sua relação com a burguesia e o capitalismo nascentes. Na reação católica, Contra-Reforma, a

reorganização da Inquisição, a Companhia de Jesus e o Índex, merecem destaque especial.

AA AAMMÉÉRRIICCAA PPRRÉÉ--CCOOLLOOMMBBIIAANNAA EE AA CCOOLLOONNIIZZAAÇÇÃÃOO DDAA AAMMÉÉRRIICCAA..

A AMÉRICA PRÉ-COLOMBIANA.

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A origem do homem americano. Até hoje, não se descobriu, no continente americano, fósseis de primatas dos quais o homem pudesse

descender. Assim a tendência dos estudos modernos é buscar fora do continente americano as origens dos

primeiros habitantes de nossas terras.

Admitem-se quatro grandes migrações humanas para a América:

a Asiática: populações advindas da Ásia atravessaram o estreito de Bering, ocupando a América do

Norte;

a Australiana: populações vindas do pólo-sul atingiram a Patagônia, a região sul de nosso continente;

a malaio-polinésia: populações originárias das ilhas da Polinésia teriam aproveitado a corrente

marítima do Peru e navegado até o nosso continente;

a esquimó: populações vindas do pólo-norte para a América. Supõe-se que essas ondas migratórias tenham se iniciado há aproximadamente 20.000 anos. Diante da

necessidade de adaptação, essas populações migrantes teriam sofrido grandes transformações culturais

originando sociedades diversas, como a dos maias, a dos incas, a dos astecas, e as dos indígenas brasileiros.

Não se pode afirmar com segurança a qual dessas correntes migratórias o índio brasileiro pertence.

Existe, ainda, a possibilidade de que ele seja autóctone, isto é, originário do próprio continente.

Os contatos iniciais com os brancos foram amistosos, e os primeiros relatos atestavam a afabilidade do

indígena.

Como viviam os primeiros habitantes do Brasil. Os primeiros habitantes do Brasil não foram os portugueses. Muito antes deles chegarem, já moravam

aqui mais de 5 milhões de pessoas.

Hoje em dia, o povo que mora no Brasil é chamado de brasileiro. Da mesma forma, quem mora em

Portugal é denominando de português. Cada povo tem sua cultura. Antes dos portugueses chegarem, a

nossa terra não era habitada apenas por um povo, mas por vários. Cada um com a sua cultura. Cada um

ocupando uma parte de nossa terra.

Por não perceber que esses povos eram diferentes entre si, os europeus os tratavam como se fossem um

povo só. Por isso deram o mesmo nome a todos. Eram, e ainda são, chamados de índios.

Ninguém sabe exatamente como seria o modo de vida dos índios que habitavam o Brasil antes da

chegada dos portugueses. Eles não deixaram documentos escritos porque não conheciam a escrita. As suas

aldeias, por serem feitas de material vegetal, foram destruídas pela ação do tempo e dos conquistadores.

Mas os historiadores acham que o modo de vida dessas tribos não mudou muito ao longo dos séculos.

Por isso, acham que os costumes das tribos indígenas atuais nos ajudam a entender como devem ter sido os

costumes das tribos que viviam aqui antes da chegada dos portugueses.

Nenhum dos povos que aqui viviam se consideravam donos de todas as terras do Brasil. Cada um deles

tinha as suas terras. Havia a terra dos tupiniquins, dos caetés, dos guajajaras, do dos carajás e de muitos

outros.

Cada um tinha a sua própria língua. Calcula-se que 300 línguas diferentes eram faladas pelos vários

povos que aqui habitavam.

Cada um tinha a sua religião e as suas lendas. Geralmente, os povos indígenas acreditam na existência

de espíritos que vivem nos rios, nas matas e nos animais e podem prejudicar ou ajudar os homens. Entre

muitos desses povos havias pessoas que, segundo se acreditava, possuía poderes mágicos. Em alguns povos

essas pessoas eram chamadas de pajés ou xamãs. Cada um tinha as suas lendas. Elas eram explicações a

respeito de si e do mundo.

Cada povo tinha a sua própria terra. Não havia cercas, nem mesmo muro para separar as terras, mas

cada um deles sabia exatamente onde começava e onde terminava a sua terra. A não ser em caso de guerra,

um povo só entrava na terra do outro se fosse convidado.

Os índios chamavam suas casas de ocas. Um conjunto de ocas dispostas em forma de círculo, era

chamado de Maloca, ou seja, aldeias de índios. No centro do círculo formado realizavam-se as festas.

Normalmente, as ocas eram bem grandes. Na mesma oca moravam os pais, os filhos, tios, avós,

sobrinhos e outras pessoas ligadas à família. A oca era composta por uma sala só. Nessa sala, todos

dormiam, cozinhavam e conversavam. O banheiro era a mata.

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Em cada uma dessas tribos, havia um chefe. Sua função era ajudar a resolver os problemas que existiam

nas famílias. Ele ia até as casas e escutava as pessoas; conversava e dava conselhos. Quando ia tomar

alguma decisão importante para toda a tribo, ele sempre escutava os mais velhos. Suas decisões não eram

impostas, pois refletiam a vontade da tribo.

As crianças eram tratadas com o maior carinho. Elas nunca apanhavam ou ficavam de castigo. Elas

faziam quase tudo o que queriam e dificilmente eram reprimidas. Adaptavam-se com bastante facilidade

aos costumes da tribo. Elas aprendiam cedo tudo o que necessitavam para sobreviver. Quando o menino

completava 12 anos recebia arco e flecha e já podia sair para caçar. Mais ou menos nessa mesma idade, as

meninas já podiam casar-se.

Nas aldeias, havia uma rigorosa divisão do trabalho baseada nos critérios de idade e sexo. Aos homens,

cabiam a tarefas de caçar, pescar, preparar a terra para a plantação, fazer canoas, armas, buscar lenha e

construir ocas. As mulheres, por sua vez, semeavam, cuidavam da plantação e da colheita. Além disso

faziam a comida, os vasos de cerâmica e os serviços domésticos.

Nas tribos, não havia desigualdade social, isto é, não havia ricos e pobres, como existe agora em nossa

sociedade e já existiu em muitas outras do passado.

Havia, também, uma união muito grande entre os membros da tribo. Eles se ajudavam mutuamente.

Uma das formas de expressar e reforçar esta união era através das festas. Nas festas eles dividiam o

excedente de alimentos. Uma família que tinha alimentos sobrando, dava mais para a festa. Assim, se

divertiam e a igualdade social era mantida.

Como viviam os primeiros habitantes da América antes de Colombo: Unidade e Diversidade.

A distribuição populacional Segundo cálculos elaborados por professores de Universidades norte-americanas, a população indígena

na América, à época da chegada dos europeus, era de aproximadamente 80 milhões de pessoas. Em função

da dominação que se seguiu, este número se reduziu cerca de 150 anos depois a aproximadamente

3.500.000. Trata-se, sem dúvida, da maior catástrofe demográfica de toda a História da sociedade Humana,

o que levou alguns estudiosos a falar em um verdadeiro genocídio.

A distribuição desse contigente populacional era bastante desigual. Havia regiões densamente

povoadas: a ilha de São Domingos, o México central, a península de Yucatán (partes de atuais México e

Guatemala), parte central dos Andes (atual Peru) e o norte da atual Colômbia. Estas áreas, que representam

aproximadamente 5% da superfície das Américas, concentravam cerca de 90% da população indígena

(ameríndia).

Os 10% restantes estavam dispersos em 95% da extensão territorial do continente e constituem os povos

cujo desenvolvimento cultural, social, político e econômico revelavam uma maneira diferente de viver,

comparativamente aos Astecas, Incas e Maias.

Esses 10% a que se fez referência não conheciam os metais, em sua maioria eram nômades ou semi-

nômades, viviam basicamente da caça, da pesca e da coleta de frutos e raízes. Em alguns casos praticavam

uma agricultura de subsistência. No entanto, é importante assinalar que, independente de seu estágio

cultural, essas comunidades primitivas haviam alcançado um conhecimento técnico que permitia a elas

sobreviverem segundo seus costumes e valores, construírem suas próprias crenças, sua visão particular do

mundo, da vida e do homem, mantendo sua coesão. Enfim, construíram sua própria história.

Nas regiões densamente povoadas, desenvolveram-se civilizações que, sob os vários aspectos deixaram

os europeus da época maravilhados. Ainda hoje, suas realizações no campo da arquitetura, por exemplo,

provocam intensa admiração. O conquistador espanhol do século XVI, Bernal Díaz del Castillo, referindo-

se à cidade de Tenochtitlán, capital da Confederação Asteca, teria exclamado: “Nunca vi nada igual, nem

em sonho!!!”.

As altas civilizações.

Os Maias: grandes construtores. Uma das mais impressionantes e interessantes civilizações do continente americano foi a dos Maias.

Pesquisas indicam que, 400 anos de Cristo, eles já praticavam a agricultura. As primeiras cidades também

são dessa época. Com o passar dos anos, inúmeras outras foram sendo construídas.

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A construção central dessas cidades eram as pirâmides. Elas serviam como lugar de culto, túmulos e

palácios.

Cada uma dessas cidades tinham o seu próprio governo. Não estavam submetidas a um governo central

e único, por isso não formavam um Império como os Astecas e os Incas.

Praticavam a agricultura e tinham um artesanato desenvolvido. O povo pagava tributos aos governantes

trabalhando nas minas, na construção de pirâmides, no cultivo dos campos e na abertura e conservação das

estradas.

Tidos como descendentes dos deuses, os governantes eram muito respeitados. Usavam objetos e

roupas luxuosas e contavam com um grupo de escribas para ajudá-los na tarefa de governar: contabilizar

os bens, organizar os trabalhos, registrar os eventos importantes, elaborar calendários...

Grandes conhecedores da arquitetura, os Maias fizeram belíssimos templos e magníficos palácios,

ricamente decorados. Um desses templos, que os espanhóis chamaram de El Castillo, era uma pirâmide

com 365 degraus, o que demonstra que conheciam o número exato de dias do ano. Eram, portanto,

excelentes astrônomos e matemáticos. Os conhecimentos astronômicos eram usados também como fins

astrológicos: relacionar os astros celestes e os seus movimentos com a vida terrena.

Criaram um sistema de escrita bastante eficiente. Com ela era possível deixar registrado por escrito tudo

o que se falava. Com um calendário evoluídos, os Maias puderam registrar os acontecimentos da história

do povo que julgavam importantes.

Os Maias, assim como outros povos da América, praticavam um jogo com bola semelhante ao nosso

futebol. Não sabemos detalhes do jogo, mas o gol era difícil de ser assinalado e quem marcasse um

ganhava fama e recebia muito prêmios.

O conjunto de cidades que formavam a civilização Maia localizava-se na parte sul do atual México e na

América Central.

Quando os conquistadores espanhóis chegaram ao continente americano, a Civilização Maia já tinha

perdido o seu esplendor. Por razões que desconhecemos até os dias de hoje, por volta do ano 900, os Maias

foram abandonando as suas cidades, e as regiões em que viviam foram sendo ocupadas por outros povos,

de menor expressão.

Os Astecas: o maior império americano. A partir de 1510, os espanhóis, que juntamente com os portugueses, se consideravam donos do mundo

descoberto – a América – começaram a explorar o interior do continente. Encontraram vários povos, com

culturas diferenciadas, entre eles os Astecas, que vivam no território que atualmente corresponde ao atual

México. Eles construíram um Império dominando vários outros povos. Essa dominação era estabelecida

pela força ou pela diplomacia.

Os Astecas se consideravam “guerreiros do sol” e fizeram da guerra sua principal atividades. O Império

era mantido pelo terror. Quem contestava a dominação Asteca era massacrado.

A principal atividade econômica do Império Asteca era a agricultura do milho. Um agricultura muito

desenvolvida. Chegaram a construir pequenas ilhas artificiais e canais de irrigação para ampliar a área de

terras plantadas.

Cada uma das tribos que formavam o Império Asteca possuía suas próprias terras. Cada uma dessas

tribos estava dividida em várias aldeias, que eram auto-suficiente, isto é, produziam o necessário para viver.

Nessas aldeias, já havia uma certa desigualdade social, pois uma parte do que era produzida pelos

camponeses deveria ser entregue para os sacerdotes e os chefes da tribo.

Além disso, tanto as tribos que formavam o Império Asteca, quanto as tribos dominadas por eles

estavam obrigados a pagar impostos. Estes podiam ser pagos em produtos ou em trabalho. Os camponeses

estavam obrigados a trabalhar em obras como estradas, canais, templos, fortificações e palácios.

Tenochtitlán, a capital do Império Asteca, era uma cidade mais populosa do que muitas outras européias

daquela época. Com vários templos e armazéns abrigava o rei, sua família, os sacerdotes e uma burocracia

encarregada da administração. Suas construções eram em linhas retas e austeras. No centro estavam o

templo principal.

O monarca era considerado quase um deus e todos deviam obedecê-lo sem reclamar. Para ajudá-lo,

havia um conselho de chefes tribais.

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A religião tinha um importante papel na Civilização Asteca. Havia vários deuses. Os astecas atribuíam

maiores poderes a alguns deles. Dentre os mais poderosos, havia o deus da chuva e da guerra.

Os Astecas acreditavam que os deuses garantiam a sobrevivência de seu povo, provendo-os sempre de

boas colheitas e de vitórias nas guerras. Acreditavam, também, que os deuses orientavam as decisões do

chefe supremo. Por isso construíam templos luxuosíssimos, decorados com objetos de ouro e prata, para

agradá-los. Os sacrifícios humanos, geralmente de prisioneiros de guerra, eram comuns.

A sociedade Asteca era hierarquizada. A condição social do indivíduo era dada pela sua profissão ou

atividade.

Eles conheciam um tipo de escrita, criaram um calendário preciso, o que demonstra seu conhecimento

de astronomia. Eram ótimos artesãos e excelentes construtores.

A sociedade Asteca, que demorou milhares de anos para se formar e chegar a um elevado estágio

cultural, foi rapidamente conquistada e dominada pelos espanhóis, por volta de 1520.

Os Incas: o império do sol. Na América do Sul, floresceu outra civilização que impressionou os conquistadores espanhóis: a dos

Incas. O Império incaico é de formação mais recente do que o Asteca. Começou a ser formado por volta de

1430, através do expansionismo militar. Abrangia áreas dos atuais Peru, Equador, Colômbia, Chile e

Bolívia e tinha uma população de cerca de 32 milhões de pessoas.

O centro político do Império Inca era Cuzco, uma cidade com ruas largas, construções em pedra e

aproximadamente 80 mil habitantes. Os palácios eram grandiosos, ricamente decorados com detalhes em

ouro, prata e pedras preciosas e rodeados de jardins. Em Cuzco viviam o Imperador, sua família, e os

nobres. O Imperador era denominado de “Sapa Inca”, ou seja, “Filho do Sol”. Para se ter uma idéia do seu

poder, basta lembrar que seu corpo era mumificado e ele continuava a ocupar o seu palácio, com pessoas

para servi-lo, mesmo depois de morto.

O novo imperador construía outro palácio. Casava-se com uma das irmãs e o seu sucessor nascia dessa

união, mas ele tinha o direito de possuir outras esposas.

Um eficiente corpo de administradores e uma vasta rede de estradas ajudavam a manter o controle sobre

várias tribos conquistadas.

O Estado era dono de todas as terras, assim como das minas de ouro e prata e dos rebanhos de lhama.

Os camponeses, portanto, dependiam dele para poder trabalhar. Por isso tinham que pagar tributos em

espécie e/ou em trabalhos, usado, principalmente, na construção e conservação das estradas que ligavam a

capital às diversas regiões do vasto Império. Os trabalhadores eram usados também para fazer móveis,

roupas, jóias e utensílios para o Imperador e a nobreza guerreira.

O Estado Inca, todavia, tinha uma preocupação com o bem-estar da população. Velhos, doentes e órfãos

eram cuidados e alimentados. Em épocas de secas ou outra calamidade que afetasse a colheita, o governo

promovia a distribuição de alimentos para a população. Dessa forma, na sociedade incaica não havia fome,

menores abandonados ou velhos e doentes desamparados. Essa preocupação social do Estado incaico está

expressa numa oração, que se refere ao “Sapa Inca” como benfeitor dos pobres. Mas não era uma

sociedade igualitária. O luxo e a riqueza da elite incaica contrastava com a vida simples da maioria da

população.

As principais atividades econômicas eram a agricultura de milho, da batata e a criação de lhamas. Como

viviam em regiões montanhosas, fizeram fantásticas obras de irrigação, de modo a transformar as suas

terras áridas em verdadeiros jardins.

O Império Inca, assim, como o Asteca, era formado por várias aldeias. Por razões de defesa, as aldeias

ficavam no alto de montanhas. Nessas aldeias viviam de 200 a 300 pessoas, que durante o dia desciam das

aldeias para trabalharem nas plantações.

Esse rico Império despertou a admiração, mas atiçou, também, a enorme cobiça dos espanhóis.

O EXPANSIONISMO MARÍTIMO-COMERCIAL EUROPEU. Desde a Baixa Idade Média (séculos XI ao XV) quando se definiu a rota das especiarias, as raridades

orientais (seda, linho, marfim, porcelanas, temperos, pedras preciosas, etc) são levadas de suas orige, na

África e, em especial, na Ásia (Índias), até portos no Mediterrâneo, também africanos e asiáticos, como

Constantinopla, Antioquia e Alexandria. Os mercadores europeus atravessam esse mar, buscando produtos,

trazendo-os para os portos europeus, sobretudo Gênova e Veneza, de onde as especiarias são redistribuídas

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para o restante do continente. O que se observa é um comércio externo europeu restrito à bacia do

Mediterrâneo e indireto com o Oriente, devido aos portos intermediários afro-asiáticos – que inclusive,

encarecem sobremaneira os preços das especiarias.

Assim, torna-se propósito da burguesia, em fins da Idade Média, a descoberta de uma rota marítima que

pudesse conduzi-la diretamente e por via marítima à fonte das especiarias.

As viagens de longa distância são também interessantes para as recém constituídas Monarquias

Nacionais, pois terras descobertas significam mais riquezas para o estado e ampliação do poder real para

além do continente europeu.

A própria Igreja Católica vê nas grandes navegações uma possibilidade de expandir a fé católica até

outros continentes, conseguindo mais fiéis, riquezas e recuperação de seu poder, abalado com o

crescimento da autoridade real.

Não se pode perder de vista que a Europa vive, desde o século XIV, uma profunda crise, marcada pela

retração das forças produtivas e as grandes viagens podem representar uma alternativa à retomada do

crescimento econômico, num empreendimento conjunto do Estado, burguesia e da Igreja Católica.

Assim, a expansão marítima torna-se um importante negócio, nos séculos XV e XVI, a partir dos

seguintes fatores:

necessidade de crescimento das forças produtivas européias para fazer frente à estagnação do

século XIV;

desejo de os mercadores chegarem às especiarias orientais, diretamente por via marítima;

interesse na quebra do monopólio comercial das cidades italianas no Mediterrâneo;

ambição da burguesia por riquezas e mercados consumidores;

investimento das realezas, buscando a ampliação de seu poder e fortunas;

vontade do clero de expandir o catolicismo;

avanços técnicos, resultado dos elevados investimentos dos grupos interessados. As grandes navegações representaram um marco na História da Humanidade e assinalam a transição da

Idade Média para a Idade Moderna, esta compreendida entre os séculos XV e XVIII.

A MONTAGEM DO SISTEMA COLONIAL NAS AMÉRICAS. A expansão marítima, marco inicial dos tempos modernos, impulsionou o revigoramento do comércio

em escala mundial, transferindo o eixo econômico do Mediterrâneo para o Oceano Atlântico. Até o século

XV, o comércio de especiarias fazia da Ásia, especialmente das Índias, o pólo econômico principal. Mas,

como a descoberta da América, as atenções e interesses voltaram-se para o novo continente, que passou a

ser disputado por países europeus.

A formação do sistema colonial nas Américas deve ser entendida como o desdobramento da

implantação de uma ordem capitalista na Europa Ocidental, na transição feudal-capitalista. Diante disso, o

traço da política absolutista e das práticas econômicas mercantilistas torna-se marcante no Novo Mundo,

onde as colônias surgem como elementos de sustentação dos Estados Europeus.

A integração da América à economia européia se deu com a montagem do sistema colonial em

consonância com as normas mercantilistas, como o monopólio e o proteccionismo. A absoluta dependência

da colônia se estruturou a partir do pacto colonial: a colônia fornecia à metrópole, a baixo custo, matérias-

primas, metais preciosos e alimentos e comprava dela manufaturados a altos preços. Essa dependência

colônia-metrópole foi obra das monarquias absolutistas européias, apoiadas nas burguesias nacionais, que,

através da exclusividade do comércio colonial, alcançavam a meta de obtenção de uma balança comercial

favorável.

Foi sob esse caráter que as populações no Novo Mundo integraram-se à civilização européia ocidental.

Entretanto, as colônias foram colonizadas de forma diferenciada, variando de acordo com a riqueza

oferecida. Os mecanismos gerais eram, contudo, semelhante. Historicamente, porém, podemos distinguir

diferenças entre o tipo de colonização desenvolvido no Brasil por Portugal e aqueles que Espanha,

Inglaterra, França e Holanda desenvolveram em suas colônias.

O EXPANSIONISMO MARÍTIMO-COMERCIAL EUROPEU. Desde a Baixa Idade Média (séculos XI ao XV) quando se definiu a rota das especiarias, as raridades

orientais (seda, linho, marfim, porcelanas, temperos, pedras preciosas, etc) são levadas de suas orige, na

África e, em especial, na Ásia (Índias), até portos no Mediterrâneo, também africanos e asiáticos, como

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Constantinopla, Antioquia e Alexandria. Os mercadores europeus atravessam esse mar, buscando produtos,

trazendo-os para os portos europeus, sobretudo Gênova e Veneza, de onde as especiarias são redistribuídas

para o restante do continente. O que se observa é um comércio externo europeu restrito à bacia do

Mediterrâneo e indireto com o Oriente, devido aos portos intermediários afro-asiáticos – que inclusive,

encarecem sobremaneira os preços das especiarias.

Assim, torna-se propósito da burguesia, em fins da Idade Média, a descoberta de uma rota marítima que

pudesse conduzi-la diretamente e por via marítima à fonte das especiarias.

As viagens de longa distância são também interessantes para as recém constituídas Monarquias

Nacionais, pois terras descobertas significam mais riquezas para o estado e ampliação do poder real para

além do continente europeu.

A própria Igreja Católica vê nas grandes navegações uma possibilidade de expandir a fé católica até

outros continentes, conseguindo mais fiéis, riquezas e recuperação de seu poder, abalado com o

crescimento da autoridade real.

Não se pode perder de vista que a Europa vive, desde o século XIV, uma profunda crise, marcada pela

retração das forças produtivas e as grandes viagens podem representar uma alternativa à retomada do

crescimento econômico, num empreendimento conjunto do Estado, burguesia e da Igreja Católica.

Assim, a expansão marítima torna-se um importante negócio, nos séculos XV e XVI, a partir dos

seguintes fatores:

necessidade de crescimento das forças produtivas européias para fazer frente à estagnação do

século XIV;

desejo de os mercadores chegarem às especiarias orientais, diretamente por via marítima;

interesse na quebra do monopólio comercial das cidades italianas no Mediterrâneo;

ambição da burguesia por riquezas e mercados consumidores;

investimento das realezas, buscando a ampliação de seu poder e fortunas;

vontade do clero de expandir o catolicismo;

avanços técnicos, resultado dos elevados investimentos dos grupos interessados. As grandes navegações representaram um marco na História da Humanidade e assinalam a transição da

Idade Média para a Idade Moderna, esta compreendida entre os séculos XV e XVIII.

O PIONEIRISMO PORTUGUÊS. Vários fatores contribuíram para que Portugal inaugurasse o ciclo das Grandes Navegações, entre elas

destacamos:

melhores condiçòes estruturais para as navegações, como uma monarquia centralizada e

empreendedora, por ser o primeiro Estado Nacional;

ascensão da burguesia lusitana, desde a Baixa Idade Média, quando o Atlântico passa a ser

utilizado como rota intermediária do comércio entre o norte e o sul da Europa, destacando-se o

porto de Lisboa;

subida ao trono da Dinastia de Avis, no final do século XIV, cujos soberanos não mediram

esforços para empreendimentos de todo tipo.

Financiamentos externos obtidos junto à banqueiros e comerciantes, especialmente italianos e

holandeses, interessados nos vultuosos lucros da revenda das especiarias – a diluição desses lucros

no futuro, explica, em parte, a descapitalização do Estado Português, apesar do pioneirismo nos

negócios ultramarinos;

Contribuição financeira e intelectual da Igreja, especialmente da Ordem dos Templários

(Cavaleiros do Templo), ordem religiosa medieval, fundada em Jerusalém, no século XII, cujos

membros se enriquecem com valiosos tesouros, mapas e informações, que despertam cobiças e

perseguições entre soberanos, nobres e papas europeus. Encontrando refúgio em Portugal e

rebatizada como Ordem de Cristo passa aos marinheiros lusos importantes informações e

conhecimentos. Como símbolo de sua presença no expansionismo, vale salientar as cruzes vermelhas

nas velas das embarcações portuguesas que simbolizam a Ordem de Cristo.

Desenvolvimento técnico bem superior ao das demais nações européias;

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Posição geográfica favorável, para a nabegação rumo ao Atlântico e ao índico, objetivando atingir

as Índias pelo contorno da África, de acordo com a teoria portuguesa. O marco inicial do expansionismo português é a tomada de Ceuta, em 1415. Cidade do norte da África,

até então sob domínio árabe, Ceuta funcionará como escala para futuras viagens e entrepostos comercial de

produtos africanos para Portugal (como ouro e escravos vindos do interior do continente africano).

Ao longo do século XV, durante a “Descida do Atlântico”, os portugueses dominavam várias áreas,

fundando diversas feitorias pelo litoral africano. Sabe-se, porém, que as conquistas sãos lentas, resultado de

muitas viagens feitas ao longo de décadas e da superação de difíceis obstáculos: os elevadíssimos custos (o

que explica a busca até de financiamentos externos pelos portugueses), a precariedade das embarcações, as

epidemias que provocavam milhares de mortes durante a viagem, os perigos reais (ventos, correntes

marítimas, tempestades e calmarias) e irreais (visões de figuras lendárias que permeavam a mente dos

marinheiros, tais como, bruxas, demônios, dragões, etc.), o que levavam a chamar o Atlântico de Mar

Tenebroso.

Em 1453, os Turcos-Otomanos, através de uma grande ofensiva militar dominam Constantinopla e

diversas outras regiões que intermediam o comércio das especiarias Índias-Europa, passando esses turcos a

controlar tal comércio, elevando os preços dos produtos e restringindo a sua distribuição. A Tomada de

Constantinopla, considerada pela historiografia oficial (que está em desuso pelos atuais historiadores)

como o fato limítrofe entre as Idades Média e Moderna, acelera o processo de busca de um novo caminho

marítimo às Índias através do Atlântico, sem, contudo determiná-lo, uma vez que as viagens portuguesas

iniciam-se bem antes, em 1415 com a conquista de Ceuta.

Em 1488, o português Bartolomeu Dias finalmente atinge o extremo sul da África, quebrando o mito

da “Travessia do Mar Tenebroso” e chegando ao Cabo das Tormentas, rebatizado de Cabo da Boa

Esperança, para essa viagem e as subseqüentes.

O QUE QUE ESSE GENOVÊS, QUE FOI DESPREZADO PELO REI DE PORTUGAL E QUE AGORA ESTÁ SOB AS ORDENS DOS REIS ESPANHÓIS, ESTÁ FAZENDO NO MAR?

Em 1492, o genovês Cristóvão Colombo, após ter sido desprezado pelo rei português D. João I, obtém

dos reis católicos da Espanha, Fernando de Aragão e Isabel de Castela, três embarcações para uma

conturbada, mas histórica viagem: a ida às Índias a partir da travessia do Atlântico no sentido leste-oeste.

Imaginando ter chegado ao Oriente, Colombo descobre o continente das Américas.

A Espanha vangloria-se de ter chegado às Índias antes de Portugal e os lusos duvidam das informações

de Colombo, preferindo acreditar na descoberta de uma nova terra pelos espanhóis (na verdade a descrição

feita por Colombo é bem diversa daquela narrada por alguns aventureiros que conheciam o Oriente por

difíceis rotas terrestres: nada de indícios de uma vida urbana, de atividade comercial, de presença de

especiarias e, estranhamente, a descrição de homens de pele vermelha, chamados por Colombo de índios,

por alusão ao local onde imaginava estar.

Estabelece-se a controvérsia entre os países ibéricos, a ser solucionada pela via diplomática, com a

mediação do Papa Alexandre IV, que apresenta uma solução para a disputa ela região das Índias: seria

traçada uma divisão do globo, através de uma linha imaginária a 100 léguas a oeste das ilhas de Cabo

Verde, ficando as terras à direita dessa linha para os portugueses (que se apropriariam das Índias, de acordo

com a sua teoria) e as terras à esquerda dessa linha para os Espanhóis (que igualmente, de acordo com a sua

teoria se apropriariam das Índias). A sugestão papal é formalizada em 1493, através da Bula Inter Coetera.

Entretanto, Portugal recusa a proposta do Papa e sugere o afastamento da linha divisória para 370 léguas

a oeste de Cabo Verde. Com o consentimento espanhol (talvez sem dar conta das dimensões do Continente

descoberto por Colombo), os dois assinam o definitivo Tratado de Tordesilhas, 07 de junho de 1494, na

cidade espanhola de Tordesilhas.

A linha de Tordesilhas é uma evidência de que Portugal:

Tem o conhecimento de que as Índias estão, de fato, no Oriente;

Imagina que a descoberta de Colombo pode ser uma nova terra, de grandes proporções;

Tenta obter parte dessas terras espanholas, ao afastar a linha divisória do globo mais para oeste;

Envia a expedição de Cabral, em 1500, para verificar a existência de terras antes da linha de

Tordesilhas (portanto, no lado português do globo) e tomar posse delas – o que também demonstra

a intenção da chegada de Cabral ao Brasil.

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A definitiva comprovação das idéias portuguesas vem em 1498, quando a expedição de Vasco da

Gama finalmente chega às Índias, numa viagem marcada por obstáculos no mar (ao enfrentar ventos

contrários no sul da África, Vasco da Gama é obrigado a fazer uma grande volta rumo ao oeste, no

Atlântico o que o faz perceber sinais de terras onde está o Brasil – informação passada ao próprio Cabral) e

em terras orientais (a presença portuguesa nas Índias não é pacífica e a tomada das especiarias revolta os

nativos).

Em agosto de 1499, Vasco da Gama voltou após ter aportado e comerciado em Calicute, onde, devido à

oposição dos comerciantes árabes, não fora bem recebido. A viagem deu-se no reinado de D. Manuel I

(1495-1521), que sucedera ao primo D. João II, morto em 1495. Por ter sido o soberano que primeiro

desfrutara das riquezas do comércio oriental, tão tenazmente perseguidas pelo predecessor, esse rei foi

chamado de o Venturoso.

A expansão de seu poder político, a vastidão dos territórios conquistados e, sobretudo, as fabulosas

riquezas adquiridas – as especiarias no Oriente, e os metais preciosos nas Américas – fazem das nações

ibéricas as principais potências mundiais nos séculos XV e XVI.

ACHARAM O BRASIL? A descoberta do Brasil foi um acontecimento menor na busca portuguesa de uma rota marítima até os

mercados orientais. O projeto de circunavegação da África, concebido durante o reino de Afonso V (1438-

1481), aproximava-se do final, quando o genovês Cristóvão Colombo, navegando a serviço de Castela,

passou por Lisboa em março de 1493, de volta do Novo Mundo, afirmando ter tocado as costas das Índias.

Se fosse verdade a expedição espanhola ameaçaria, a um passo da vitória, a conquista lusitana da rota

africana das especiarias.

A expedição de Pedro Álvares Cabral, em 1500, parte com 13 embarcações e 1200 homens (um recorde

na época) rumo a dois objetivos previamente estabelecidos: Brasil e Índias.

A viagem ao Brasil, relatada com minúcias pelo escrivão Pero Vaz de Caminha em carta ao rei

Português D. Manuel I – o Venturoso, representa mais uma comprovação do acerto das idéias portuguesas,

com a posse de terras à direita de Tordesilhas. Após a chegada, ocorrida em 22 de abril, e um amistoso

contato com os índios nativos, Cabral determina o retorno de uma de suas embarcações, a de Gaspar de

Lemos, para entregar ao Rei a Carta de Caminha, com a descrição do “achado”, ainda sem notícias de

grandes riquezas – observa-se aqui, que o acerto do caminho de volta por essa nau, bem como da trajetória

seguinte, em direção às Índias, é mais um argumento contrário à antiga tese da descoberta ocasional: Cabral

sabia perfeitamente onde estava, invalidando as idéias de que sua expedição se perdera no oceano, ao

atingir o Brasil.

Chegando à Calicute, nas Índias, a esquadra cumpre duas missões: uma política, de renegociar com o

samorim indiano os negócios das especiarias em troca de valiosos presentes (o que explica a chefia da

expedição a um nobre sem experiência de navegação), outra militar, de combater árabes também

interessados nas riquezas locais (salienta-se que quase a metade da tripulação cabralina é formada por

soldados).

A descoberta da Terra de Santa Cruz não causou grande sensação em Portugal. O capitão-mor Pedro

Álvares Cabral voltou das Índias com as naves abarrotadas de preciosas mercadorias. Era o início do

estando das especiarias orientais que, por alguns anos, faria a felicidade da Coroa e das elites lusitanas. A

caravela que retornara à Lisboa, enviada por Cabral, trazendo as boas novas do “achado”, portava notícias

de homens nus, pássaros exóticos, terra exuberante e pouco para ser escambado, comprado ou sequer

saqueado, a não ser pau-brasil e outros produtos de menor valor. Nos porões dos navios de Gaspar de

Lemos vieram toras do pau-brasil como amostra.

Os contatos iniciais entre nativos e portugueses foram pacíficos e profícuos. A extração do pau-brasil

requeria conhecimento do território e grande esforço físico. Na época, a produção do pau-brasil era inviável

sem o apoio voluntário dos brasilienses. Para viabilizar os extrativismo, os europeus estabeleceram contatos

fortuitos ou permanentes, relações de amizade e de alianças políticas com as comunidades da costa. Nos

anos seguintes ao “achado”, portugueses e franceses – e em menor número espanhóis e ingleses –

limitaram-se a levantar rústicas feitorias à beira-mar (Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco) ou a atracar os

navios próximos às praias. Essas feitorias, no máximo, possuíam alguns barracões precários para abrigar

seus membros e suas mercadorias. Em troca dos produtos manufaturados, os nativos encontravam,

cortavam e ainda carregavam as toras de pau-brasil para as feitorias e depois para os navios. A isso dá-se o

nome de escambo.

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Em 1519, no encerramento das navegações Ibéricas mais famosas, Fernão de Magalhães, a serviço da

Coroa Espanhola executa a primeira viagem de circunavegação, num percurso de três anos, durante o

qual o próprio Magalhães morre, nas Ilhas Felipinas, no Pacífico, combatendo nativos. Embora os

navegantes da época já soubessem da forma arredondada do planeta, fica comprovada a esfericidade da

terrestre.

Por fim, vale a menção da existência também de viagens inglesas, francesas e holandesas, nos séculos

XVI e XVII, mas não explicitadas por não representarem o objetivo de nossa análise.

São inúmeras as transformações decorrentes do expansionismo marítimo europeu, dentre as quais

destacam-se:

Deslocamento da principal via marítima para o comércio internacional do Mediterrâneo para o

Atlântico;

Revigoramento comercial, desenvolvendo a atividade mercantil, através do Atlântico, entre

metrópoles e colônias.

Revolução dos Preços: onda inflacionária que atinge o continente europeu, a partir da entrada

maciça de metais preciosos da América;

Formação de um pensamento metalista, valorizador do ouro e da prata enquanto moedas

internacionais (o metalismo será a principal base de sustentação do Mercantilismo).

Desenvolvimento do sistema bancário, dado o grande volume de negócios e moedas em circulação;

Crescimento de uma acumulação primitiva de capital;

Afirmação econômica da burguesia, embora a classe não disponha de poder político (nas mãos do

rei, da nobreza e do parte do clero);

Desenvolvimento de uma política colonialista, ou seja, desenvolvimento de uma política de

exploração de colônias extra-européias, fundamentada no exclusivo comercial das colônias com as

suas metrópoles (Pacto Colonial) e na adoção de trabalho compulsório nas áreas coloniais, com a

utilização dos nativos ou de africanos (estes últimos, empregados como escravos, podendo ser

comprada ou vendida).

Surgimento de modelos distinto de colonialismo nas Américas: o ibérico e o britânico.

Extensão do poder real às terras descobertas e ampliação na própria metrópole, resultado de mais

riquezas e tributos, servindo de base para o absolutismo;

Garantia de certos privilégios feudais à nobreza parasitária, pela aliança com o rei, aquisição de

cargos políticos nas cortes européias e manutenção, em seus feudos, de muitas obrigações servis;

Maior divulgação do catolicismo nas colônias, especialmente latino-americanas, cumprindo destacar

a ação dos jesuítas.

Declínio do poder político da Igreja, em razão do crescimento da força do Estado;

Crise dos valores culturais católicos, resultado da perda de político dos papas, dos abusos

cometidos pelos membros do clero, da ascensão do capitalismo e do materialismo burguês

(combatidos pela igreja) – tornam-se ultrapassados os conceitos medievais de céu-inferno, pecados,

combate à usura (lucro), imposição do justo-preço, etc.

Imposição de valores culturais europeizados pelo mundo (religioso, étnicos, lingüisticos, dentre

outros), nem sempre de forma pacífica, desconsiderando-se a ética entre as relações humanas e as

tradições culturais dos nativos (americanos, asiáticos ou africanos), onde o domínio político-

econômico-militar é acompanhado de destruições, pilhagens, escravizações e mortes nas áreas

coloniais.

A COLONIZAÇÃO DAS AMÉRICAS. A formação do sistema colonial na América deve ser entendida como o desdobramento da implantação

de uma ordem capitalista na Europa Ocidental, na transição feudal-capitalista. Diante disso, o traço da

política absolutista e das práticas econômicas mercantilistas torna-se marcante no Novo Mundo, onde as

colônias surgem como elementos de sustentação dos Estados Europeus.

A forma como o colonizador dominará a região produzirá dois tipos de colonização: exploração, típico

das Américas portuguesa e espanhola, e povoamento, típico da América inglesa.

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Independentemente da forma adotada, percebe-se que as civilizações serão submetidas e/ou destruídas.

No caso particular da América Latina, a ação da Igreja Católica será fundamental para se preservar a

cultura européia no Novo Mundo, o que não ocorre na América Inglesa.

Além da ação da Igreja, existem várias outras formas de dominação, como se verá adiante.

Sistema Colonial na América Espanhola.

A América Espanhola, parte continental colonizada pela Espanha, apresenta particularidades culturais,

políticas, econômicas e sociais características de cada região, além de diferentes níveis de desenvolvimento,

presentes desde a chegada dos colonizadores espanhóis, liderados por Cristóvão Colombo.

A dominação pode ser sintetizada da seguinte forma, segundo Pablo Neruda: “a espada, a cruz e a

fome iam dizimando a família selvagem”.

A ocupação e exploração da América foi um desdobramento da expansão marítimo-comercial européia

e elemento fundamental para o desenvolvimento do capitalismo.

A ocupação e exploração da América foi um desdobramento da expansão marítimo-comercial européia

e elemento fundamental para o desenvolvimento do capitalismo. A colonização promovida pelos espanhóis

deve ser entendida a partir da lógica mercantilista, baseada portanto no Exclusivo metropolitano, ou seja,

no monopólio da metrópole sobre suas colônias.

A organização econômica

A exploração mineradora foi a atividade econômica mais importante na América Espanhola, na verdade

foi a responsável pela colonização efetiva das terras de Espanha, apesar de já haver ocupação anterior, no

Caribe e América Central. O ouro na região do México e a prata na região do Peru, foram responsáveis pelo

desenvolvimento de uma clara política de exploração por parte da metrópole, que passou a exercer um

controle mais rígido sobre seus domínios.

A mineração tornou-se responsável pelo desenvolvimento de atividades secundárias, complementares,

diversificando a produção nas regiões vizinhas, responsáveis pelo abastecimento das minas, com produtos

agrícolas - batata, milho, tabaco e cana de açúcar - sendo que os dois últimos destinavam-se à exportação;

desenvolveram também a atividade criatória, fornecendo mulas e cavalos para as minas. Mais tarde a

pecuária se desenvolveu na região sul, fornecendo couro e charque à metrópole.

A produção artesanal indígena foi permitida, porém passou a ser controlada pela burocracia espanhola

na colônia. Esse "sistema de obrajes" representava, na prática, uma forma de explorar a mão de obra

indígena, forçado a trabalhar por seis meses, durante os quais recebia um pequeno pagamento.

A exploração do trabalho indígena

A exploração do trabalho indígena constituiu-se na base da exploração da América, e utilizou-se de

duas formas diferentes: a encomienda e a mita. É importante lembrar-mos que o colonialismo e o

escravismo foram características da política econômica mercantilista.

A encomienda foi um sistema criado pelos espanhóis, e consistia na exploração de um grupo ou

comunidade de indígenas por um colono, a partir da concessão das autoridades locais, enquanto o colono

vivesse. Em troca, o colono deveria pagar um tributo à metrópole e promover a cristianização dos indígenas.

Dessa forma o colono de origem espanhola era duplamente favorecido, na medida em que utilizava-se da

mão de obra e ao mesmo tempo, impunha sua religião, moral e costumes aos nativos.

A mita era uma instituição de origem Inca, utilizada por essa civilização quando da formação de seu

império, antes da chegada dos europeus. Consistia na exploração das comunidades dominadas, utilizando

uma parte de seus homens no trabalho nas minas.

Os homens eram sorteados, e em geral trabalhavam quatro meses, recebendo um pagamento. Cumprido

o prazo, deveriam retornar à comunidade, que por sua vez deveria enviar um novo grupo de homens.

Apesar de diferente da escravidão negra adotada no Brasil, a exploração do trabalho indígena também é

tratada por muitos historiadores como escravismo. Porém o termo predominante nos livros de história é

Trabalho Compulsório.

A ação colonizadora espanhola foi responsável pela destruição e desestruturação das comunidades

indígenas, quer pela força das armas contra aqueles que defendiam seu território, quer pela exploração

sistemática do trabalho, ou ainda através do processo de aculturação, promovido pelo próprio sistema de

exploração e pela ação catequética dos missionários católicos.

É importante destacar o papel dos religiosos no processo de colonização, tratados muitas vezes como

defensores dos indígenas, tiveram uma participação diferenciada na conquista. Um dos mais célebres

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religiosos do período colonial foi Frei Bartolomeu de Las Casas que, em várias oportunidades, denunciou

as atrocidades cometidas pelos colonos; escreveu importantes documentos sobre a exploração, tortura e

assassinato de grupos indígenas. Muitas vezes, a partir desses relatos a Coroa interferiu na colônia e

destituiu governantes e altos funcionários. No entanto, vale lembrar o poder e influência que a Igreja

possuía na Espanha, e o interesse do rei (Carlos V)em manter-se aliado à ela, numa época de consolidação

do absolutismo na Espanha, mas de avanço do protestantismo no Sacro Império e nos Países Baixos. Ao

mesmo tempo, a Igreja na colônia foi responsável pela imposição de uma nova religião, consequentemente

uma nova moral e novos costumes, desenraizando os indígenas.

A ESPADA, A CRUZ E A FOME IAM DIZIMANDO A FAMÍLIA SELVAGEM.

AA CCOOLLOONNIIZZAAÇÇÃÃOO PPOORRTTUUGGUUEESSAA NNAA AAMMÉÉRRIICCAA..

O SISTEMA DA COLONIZAÇÃO. A história colonial do Brasil está intrinsecamente vinculada à expansão comercial e colonial da

Europa moderna. A história da expansão colonial, por sua vez, insere-se no quadro competitivo das

nações européias.e É pois, necessário compreender o sistema de colonização da Europa Moderna e seus

mecanismos mais profundos, a partir dos quais se explica a organização econômica e social do Brasil,

nos inícios da implantação da colonização portuguesa.

O sistema colonial é o conjunto de relações entre as metrópoles e suas respectivas colônias em

uma determinada época histórica. O caso que particularmente nos interessa, isto é, o sistema colonial

da época moderna entre o Renascimento e a Revolução Francesa, é conhecido como Antigo Sistema

Colonial da época mercantilista. Esse elemento é de tal forma explicativo que dá sentido à expansão

colonizadora européia.

Assim, o sistema colonial do mercantilismo abrangeu desde o século XVI até o século XVIII.

De acordo com Caio Prado Júnior, o “sentido” da colonização é, justamente, o de uma colônia destinada

a fornecer ao comércio europeu alguns gêneros tropicais ou minerais de grande importância, como o açúcar,

o algodão, o ouro.

Quando estabelece um sistema de dominação entre povos, o conquistador, de maneira geral, procura

garantir a ocupação do território conquistando, impedindo que outros ameacem seus domínios. Além disso,

procura com freqüência colonizar a nova região, ou seja, estabelecendo-se nesse domínio e enviando

pessoas da sua própria população para o local conquistado. Desse modo, seus hábitos e costumam se

instalam, algumas vezes convivendo com os preexistentes, outras vezes modificando profundamente a

cultura local.

A COLONIZAÇÃO PORTUGUESA A exploração da Colônia Portuguesa na América realizou-se através da produção mercantil, ou seja,

destinada ao mercado. Esta produção estava organizada com base no trabalho escravo e orientada pelos

interesses metropolitanos (pacto colonial). Pioneiro na produção açucareira em algumas ilhas do Atlântico,

Portugal usou sua experiência para dar início a uma empresa agrícola na colônia brasileira, transformando-a

em economia complementar, destinada a fornecer produtos para o mercado europeu. Três elementos eram

fundamentais para esse tipo de exploração: dominação política da metrópole sobre a colônia; garantia da

exclusividade do comercio colonial para Portugal; trabalho escravo.

O ouro descoberto na região das Minas Gerais no século XVII superou o açúcar como principal produto

e mudou a estrutura da economia colonial. Quando o ouro declinou, em fins do século XVIII, o açúcar

voltou a ser a principal fonte de renda para Portugal, mas o período colonial estava perto de terminar.

Podemos dividir o período colonial brasileiro em três fases distintas: período pré-colonial, período de

colonização efetiva e a crise do sistema colonial.

Período pré-colonial (1500-1530) O período pré-colonial foi marcado pela ausência de interesse de Portugal pela sua colônia americana,

em virtude dos altos comércios auferidos com o comércio com as especiarias da Índia. Durante este período,

o litoral brasileiro será invadido constantemente pelos corsários franceses, que, através do escambo,

adquirirão toneladas de pau-brasil junto aos índios. Esta madeira será indispensável para os franceses em

virtude de seu mercantilismo (colbertismo) estar vinculado ao mercado de luxo espanhol. Portugal se

interessará somente em enviar para a sua colônia americana algumas poucas expedições com o objetivo de

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combater os invasores e estabelecer um mínimo de atividade comercial. O Brasil, para Portugal, não se

encaixava, naquele momento, naquilo que Adam Smith denominou de Mercantilismo.

Período de Colonização efetiva (1530-1808). Com a decadência do comércio de especiarias das Índias e diante de uma virtual perda do território para

os franceses, os portugueses terão que mudar a sua postura diante de sua colônia. Será montada uma

estrutura política-administrativa-econômica na colônia com o objetivo de inserir o Brasil no contexto

mundial e colonizá-la. Assim será montada uma estrutura denominada, posteriormente de Antigo Sistema

Colonial, que se caracteriza pela existência do Pacto Colonial. Economicamente, Portugal utilizará da

Plantation (monocultura, latifúndio e escravidão) para fazer com que a colônia se encaixe no sistema

econômico da época - Mercantilismo.

A organização econômica se enquadra dentro das características e necessidades do colonialismo

mercantilista. Havia uma total ausência de autonomia dos produtores, caracterizando uma situação de

dependência externa.

Dois produtos chamam a atenção: o açúcar e o ouro. Ao lado deles, algumas atividades

consideradas auxiliares: pecuária, tabaco, aguardente, algodão, drogas do sertão, entre outros.

Toda a vida colonial girava em torno das relações econômicas com a Europa: buscava-se produzir

o que interessava à metrópole nas maiores quantidades possíveis e pelo menor custo.

O Açúcar. A escolha do cultivo da cana-de-açúcar por parte de Portugal se deu, como vimos, a partir da

experiência acumulada no seu cultivo pelos lusitanos e pela grande procura deste produto no mercado

europeu. No século XIII e XIV, o açúcar era uma especiaria de elevado valor, apreciada pelas qualidades

medicinais e culinárias. Não raro era arrolado nos testamentos e inventários de bens reais. O açúcar, nessa

época, era considerado privilégio das classes nobres. A gente comum costumava adoçar a boca e os

alimentos com o mel de abelha.

A solução encontrada por Portugal foi a de introduzir no Brasil o cultivo da cana-de-açúcar A cana-de-

açúcar era considerada especiaria na Europa e por isso o seu preço era alto mesmo sendo amplo o mercado

consumidor. Este produto reunia diversas vantagens para Portugal: a) era muito solicitado na Europa,

podendo ser vendida cobrando altos preços; b) o clima e algumas faixas do território brasileiro eram

adequados à sua produção; c) Portugal já conhecia o sistema de plantação de cana-de-açúcar,

experimentado com sucesso em outras colônias sob sua supervisão.

De acordo com o Caio Prado Júnior, “na agricultura, o elemento fundamental será a grande propriedade

monocultural trabalhada por escravos. Este tipo de organização agrária, que corresponde à exploração

agrícola em larga escala, em oposição à pequena exploração do tipo camponês, não resulta de uma simples

escolha, alternativa eleita entre outras que se apresentavam à colonização. E é todo interesse, para avaliar a

profundeza com que penetram as suas raízes, indagar das causas que o determinaram. Dando à organização

econômica da colônia esta solução, a colonização portuguesa foi estritamente levada pelas circunstâncias

em que se processou, e sofreu as contingências fatais criadas pelo conjunto das condições internas e

externas que acompanham a obra aqui realizada por ela. A grande exploração agrária – o engenho, a

fazenda – é conseqüência natural e necessária de tal conjunto; resulta de todas aquelas circunstâncias que

concorrem para a ocupação e aproveitamento deste território que havia de ser o Brasil: o caráter tropical da

terra, os objetivos que anima os colonizadores, as condições gerais desta nova ordem econômica do mundo

que se inaugura com os grandes descobrimentos ultramarinos, e na qual a Europa temperada figurará no

centro de um vasto sistema que se estende para os trópicos a fim de ir buscar neles os gêneros que aquele

centro reclama e que só eles podem fornecer. São estes, em última análise, os fatores que vão determinar a

estrutura agrária do Brasil-Colônia. Os três caracteres apontados: a grande propriedade, monocultora,

trabalho escravos são formas que se combinam e completam; e derivam diretamente e com conseqüência

necessária daqueles fatores. Aliás, em todas as colônias em que concorrem, não só no Brasil, tais caracteres

reaparecem”.

Assim, a cana-de-açúcar é introduzida no Brasil, com a finalidade de gerar lucros para Portugal,

contudo deveria obedecer à alguns critérios: a) a produção deveria ser muito volumosa, pois só assim

geraria lucros satisfatórios - para isso deveria ser produzida em grandes quantidades e em grandes

propriedades (latifúndios); b) a produção deveria ser exclusiva, isto é, concentrada num único produto, para

que atingisse as quantidades necessárias à obtenção de lucros (monocultura); c) a mão-de-obra deveria ser a

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mais barata possível, para não comprometer os lucros. A solução encontrada foi, então, a escravidão.

Temos aí a base fundamental da colonização de exploração: latifúndio - monocultura - escravidão.

Um problema então continuava: como obter recursos para implantar os engenhos de açúcar? Os

equipamentos eram caros, produzidos na Europa e deveriam ser transportados para o Brasil. Onde arranjar

dinheiro para montar a estrutura? A solução foi pedir auxílio aos holandeses, que se tornariam responsáveis

pelo refino e distribuição deste produto na Europa. Investindo nos equipamentos par o Brasil, os holandeses

estariam também garantindo a qualidade e maior quantidade. Dessa forma, o Nordeste brasileiro passa a ser

uma região voltada exclusivamente para o açúcar. Com a entrada dos holandeses na montagem do engenho,

Portugal encontra solução para o problema da cana-de-açúcar. Os holandeses serão os primeiros parceiros

comerciais de Portugal.

O açúcar era o "Ouro Branco Português" devido à diversos motivos: a) A colônia era um instrumento

de acumulação de capital para os centros europeus; b) Era através do monopólio colonial (exclusivo

comercial) que a metrópole controlava a produção nas colônias e preservava os super lucros para fora da

colônia; c) Devido ao exclusivo metropolitano houve uma transferência da renda da colônia para a

metrópole e uma concentração de capitais nas mãos dos empresários ligados ao comércio ultramarino.

Assim, podemos dizer que a economia colonial agrícola baseada na monocultura, no latifúndio e na

escravidão, e tinha o seu funcionamento voltado para o mercado externo, transferindo o capital para a

metrópole, que controlava a circulação mercantil, contribuindo, desta forma, para a acumulação primitiva

de capital.

União Ibérica Durante os anos de 1580 a 1640, a coroa portuguesa esteve sob o domínio do rei da Espanha, Felipe II.

Este fato ficou conhecido como União Ibérica.

Com a União Ibérica tem-se, na prática, a supressão da linha do Tratado de Tordesilhas e a divisão

interna do Brasil, em 1621, com a criação do Estado do Brasil (ao sul) e o Estado do Maranhão (ao norte).

Durante a União Ibérica, a Holanda, inimiga política e religiosa da Espanha e parceira de Portugal na

questão açucareira, fica com sua permanência vetada na Colônia. Diante deste fato, os flamengos invadem

o Brasil em duas ocasiões: a primeira, fracassada, na Bahia em 1624 e a segunda, vitoriosa, em

Pernambuco em 1630.

Após uma série de conflitos contra os brasileiros, os holandeses conseguiram efetivar o seu domínio

naquela região. A exploração da região pela Holanda ficou a cargo da Companhia das Índias Ocidentais,

chefiada pelo Conde João Maurício de Nassau (1637-1644). Durante o governo de Nassau, os holandeses

dominaram o litoral brasileiro desde o atual estado do Maranhão até Sergipe, só não conseguindo

conquistar a Bahia, formando a Nova Holanda.

Para normalizar a produção açucareira e garantir o domínio holandês no Brasil, a aliança com os

senhores de engenho foi fundamental. Nassau adotou uma política que atendia aos interesses dos ricos

latifundiários locais: reativou a produção açucareira, concedendo empréstimos aos senhores de engenho, e

garantiu o abastecimento de escravos, graças à conquista de Angola e de São Tomé, na África. Além disso,

saneou e modernizou Recife, transformando o pequeno vilarejo num centro urbano pontilhado de obras

arquitetônicas. Além dessas modernizações, os holandeses inovaram ao permitirem a liberdade religiosa.

Como conseqüência dessa hábil administração, ano a ano, a Companhia das Índias Ocidentais

aumentava seus rendimentos com o açúcar brasileiro.

Em 1640, enquanto Nassau levava o progresso ao nordeste brasileiro, Portugal restaurava sua

autonomia frente à Espanha. Com o apoio da Holanda e da Inglaterra, conseguiu vencer a luta contra os

espanhóis e passou a ser governada pela dinastia de Bragança, tendo como rei D. João IV.

Com a trégua entre a Holanda e Portugal, a Companhia das Índias Ocidentais retirou Maurício de

Nassau da administração da Nova Holanda, provocando uma série de insatisfações junto aos

pernambucanos.

Com o apoio da Inglaterra e da Metrópole, os pernambucanos vão se rebelar contra a nova

administração da Companhia das Índias Ocidentais, e os expulsarão definitivamente do Brasil em 1654.

Este movimento ficou conhecido como Insurreição Pernambucana.

Após a expulsão os holandeses deram início à produção do açúcar nas Antilhas, estabelecendo poderosa

concorrência, nefasta à produção brasileira.

Outras atividades.

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Contudo, não era somente a cana-de-açúcar que se plantava no Brasil. Ao lado da atividade

exportadora, desenvolveu-se o setor de subsistência, sempre dependente dela. A agricultura de subsistência,

destinada ao mercado interno e à manutenção da colônia, baseava-se na pequena propriedade, na

policultura, na produção para o consumo interno e no trabalho do próprio lavrador.

O setor de subsistência era subsidiário, dependendo exclusivamente do setor exportador. As principais

culturas eram: mandioca - também chamado de pão da terra - (em todo o Brasil, particularmente no Norte);

o milho e trigo (sul); feijão (centro-sul); arroz (litoral); hortaliças e frutas. A pecuária também era um

produto de subsistência e é considerada o maior fator de penetração ao interior da colônia, conquistando

territórios para além do tratado de Tordesilhas.

Toda a população que vivia na colônia, neste momento em que a economia do açúcar é preponderante,

está sob a tutela do senhor de engenho. A grande exploração agrícola – única que se pôde estabelecer –

absorve toda a economia colonial; monopoliza, por conseguinte, os meios de subsistência e subordina

assim a massa da população – já sem contar a escrava, naturalmente ligada aos senhores por sua condição

servil – aos grandes proprietários rurais

O Ouro Com a decadência da economia açucareira, intensificaram-se os movimentos bandeirantistas com vistas

a encontrar metais preciosos. Os bandeirantes eram, quase sempre, de origem vicentina (capitania de São

Vicente, atual São Paulo). Esta capitania ficara às margens dos interesses mercantis metropolitanos e um

das maneiras que a população encontrou para sobreviver foi a atividade bandeirante.

Em uma dessas bandeiras, por volta de 1693, foi encontrado ouro na região atualmente compreendida

entre os estados de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso. De imediato esta região, até então inexplorada,

recebeu um extraordinário afluxo de pessoas vindas da metrópole e de outras regiões da colônia (Emboabas

= estrangeiros), originando um conflito de interesses com os paulistas (vicentinos), do qual resultou a

Guerra dos Emboabas

O período de auge da mineração compreendeu os anos de 1693 a 1760.

A regulamentação da atividade foi extremamente minuciosa, com a aprovação, em 1702, do Regimento

dos Superintendentes, Guarda-Mores e Oficiais-Deputados para as Minas do Ouro.

Os mineradores estavam sujeitos ao pagamento do quinto (Quinta parte do ouro extraído), adotando-se

diversos mecanismos para evitar o contrabando ou o roubo. Criaram-se as Casas de Fundição, onde se

deveria levar todo o ouro extraído para ser pesado e transformado em barras. Estabeleceu-se uma quota

mínima anual de 100 arrobas. Quando não se completava essa soma, organizava-se a derrama, obrigando-

se a população a completar a soma.

A cobrança do quinto assumia ares de verdadeira guerra. Diversas rebeliões se verificaram (Pitangui,

Vila Rica) quando foram criadas as Casas de Fundição.

A decadência da atividade mineradora prende-se ao esgotamento natural das jazidas, à pobreza

técnica. A Coroa jamais enviou geólogos ou engenheiros de minas para ministrar conhecimentos aos

colonos, o que provocou uma perda muito grande de ouro.

O ouro enviado à metrópole, contudo, não permaneceu por lá e muito menos serviu como

estímulo ao desenvolvimento industrial ou econômico de Portugal e quiçá do Brasil. O ouro das Minas

Gerais foi reenviado para a Inglaterra para o pagamento das dívidas decorrentes do Tratado de Methuem,

assinado em 1703.

A Escravidão Para efetivar a colonização, os lusitanos terão que trabalhar a terra. Entretanto, a falta de braços na

Metrópole será um problema sério. A saída encontrada por Portugal será a implantação do trabalho

escravo no Brasil. Inicialmente, será utilizada a mão-de-obra escrava indígena, que não dará certo no

Brasil em virtude de inúmeros fatores, além de não render lucros diretos para Portugal. A solução será a

importação de negros da África, como escravos - prática esta já conhecida pelos portugueses. A

importação de escravos para o Brasil será altamente lucrativo para a Metrópole, uma vez que esta

atividade se encaixará perfeitamente na política econômica de Portugal.

Na América, o Brasil foi uma das primeiras colônias a conhecer e a última a abolir o escravismo

colonial. Durante mais de três séculos, homens e mulheres feitorizados produziram mercadorias e

trabalharam como mouros nos mais diversos e pesados ofícios. Para sustentar a fome insaciável de braços

da economia negreira, de 3 a 5 milhões de africanos chegaram escravizados ao Brasil. Não há estimativas

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sobre o número de brasis reduzidos à servidão. O tráfico de homens escravizados ao Brasil constitui

uma das mais patéticas, significativas e descuradas páginas da nossa história – uma história de

horrores sobre a qual a historiografia tradicional prefere silenciar. O tráfico negreiro, apesar de seus

horrores, mostra-se hoje como um fenômeno histórico e, portanto, racional: uma forma econômica de

transferência transatlântica de força de trabalho.

A Sociedade A sociedade será reflexo fiel da estrutura econômica. Assim teremos, em um primeiro momento, com a

produção açucareira, uma sociedade agrária, conservadora, patriarcal, aristocratizada e escravocrata.

Com a descoberta de ouro na região das Minas Gerais, a partir do final do século XVII e início do XVIII,

aparecerá uma sociedade urbana, liberal, mas escravocrata.

As Revoltas do período colonial brasileiro. Era próprio e inerente ao sistema colonial o seu funcionamento contraditório. Por exemplo, não se podia

explorar a colônia sem desenvolvê-la; sem aumentar o povoamento, ampliar e valorizar a área ocupada,

incrementar e diversificar a produção. Por outro lado, desenvolver a colônia significava tornar a sua

sociedade mais complexa e estimular o aparecimento de interesses próprios, como por exemplo o de lutar

para que a riqueza produzida na colônia permanecesse na colônia. Não conseguindo esse objetivo, a

colônia começaria a se opor à metrópole, para concluir, afinal, que a única solução era a independência.

Existia ainda, uma outra contradição: a exploração colonial ativou a economia européia, possibilitando a

Revolução Industrial, iniciada pioneiramente pela Inglaterra. Acontece que o capitalismo industrial era

incompatível com as barreiras mercantilistas, ou seja com o regime de exclusivo metropolitano e com o

regime escravista de trabalho. Em resumo, a colonização acionou o mecanismo de desenvolvimento que

aumentou ainda mais a complexidade sócio-econômica da colônia, colocando-a em oposição crescente aos

interesses da metrópole. Por sua vez, o sistema colonial estimulou as economias centrais em direção ao

capitalismo industrial. As rebeliões coloniais, que culminaram nos movimentos de independência, e as

revoluções burguesas na Europa foram as manifestações particulares das contradições do Antigo Regime na

colônia e na metrópole.

Do final do século XVII ao início do XIX, diversos movimentos armados desafiaram o controle de

Portugal sobre a colônia brasileira. Juntamente com as mudanças ocorridas no cenário internacional, tais

revoltas aceleraram o processo de independência do Brasil.

Revoltas sem caráter de independência (Revoltas Nativistas): a Revolta de Beckmam (MA, 1684)

Liderada pelos irmãos Beckman Tomás Beckman, teve como causas a insatisfação com o

monopólio da Companhia Geral do Comércio do Maranhão e o controle da mão-de-obra indígena pelos

Jesuítas. Os revoltosos conseguiram ocupar o poder por pouco tempo. Foram vencidos. Reconhecendo,

porém, que a Companhia de Comércio do Maranhão era prejudicial à região, a Coroa decidiu extinguí-la.

A Guerra dos Emboabas (MG, 1708-1709)

Foi a luta dos paulistas contra os portugueses e brasileiros de outras regiões que chegavam às

minas. Os paulistas, descobridores do Ouro, estavam sofrendo concorrência de forasteiros (Emboabas) que

chegavam às minas em número cada vez maior. Os Emboabas, liderados por Manuel Nunes Viana,

conseguiram vencer os paulistas, que eram em número menor.

A Guerra dos Mascates (PE, 1710)

O movimento surgiu das rivalidades entre os senhores de terra de Olinda e os comerciantes portugueses

de Recife, que eram chamados, pejorativamente de Mascates, pelos olindenses. Tendo Recife recebido

obtido do Rei a sua elevação à Vila, começou a luta entre as duas populações motivadas por questões de

limites. A ordem só foi restabelecida com a chegada do novo governador Félix José Machado.

A Rebelião de Felipe dos Santos (MG, 1720)

Essa revolta ocorrida em Vila Rica teve como causa a medida adotada pela metrópole de instalar casas

de fundição para melhor controlar a arrecadação de impostos. O Conde D'Assumar sufocou violentamente

o movimento, tendo sido Felipe dos Santos condenado à morte.

Revoltas com projetos de Independência: Inconfidência Mineira (MG, 1789)

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Em virtude do esgotamento das minas de ouro, a coroa portuguesa estava ameaçando a população de

declarar a derrama (cobrança forçada de todos os impostos atrasados), além de imporem sérias restrições

ao desenvolvimento da colônia. Isto gerou um descontentamento muito grande em setores da população

que começaram a sonhar com um Brasil independente e livre (idéias que estavam circulando na Europa,

através do movimento Iluminista). O movimento já tinha até uma bandeira que seria hasteada no dia com

os seguintes dizeres: “Libertas Quae Será Tamém”. Logo começaram a tramar um movimento que

culminaria na declaração da Independência do Brasil e na sua transformação em República, no mesmo dia

em que a coroa portuguesa declarasse a Derrama, além da criação de uma Universidade em Vila Rica.

Entretanto a abolição da escravidão não seria tomada. Contudo, um comerciante, endividado com a coroa,

percebendo que o movimento não daria certo, resolveu entregar todo o plano de independência para a coroa

em troca da anistia de sua dívida, o seu nome: Joaquim Silvério dos Reis. Com isso, a coroa pôde prender

todos os inconfidentes a acabar com um sonho de Independência e Liberdade. Todos os inconfidentes, que

foram presos, pertenciam à classe rica das Minas Gerais, eram letrados e funcionários públicos (Cláudio

Manuel da Costa, poeta e desembargador; Tomás Antônio Gonzaga, poeta e ouvidor; Álvares Maciel,

filósofo; Domingos Vidal Barbosa, médico; oficiais das forças militares, membros do clero e alguns

comerciantes), exceto o alferes de cavalaria Joaquim José da Silva Xavier, mais conhecido como

Tiradentes. No processo que foi instalado em Portugal, conhecido como Devassa, todos foram condenados

à morte exemplar – à forca. Contudo, no dia 21 de abril de 1789, a Rainha D. Maria, a Louca, concedeu a

“Clemência” e condenou todos ao degredo perpétuo na África, exceto Tiradentes, que era o mais pobre de

todos, que foi enforcado. O seu corpo foi partido em diversos pedaços que foi espalhado pelo caminho de

Vila Rica ao Rio de Janeiro e sua casa foi salgada.

A Conjuração do Rio de Janeiro (RJ, 1794).

Entre as conjurações mineira e baiana, ocorreu uma Conjuração no Rio de Janeiro, em 1794, que não

teve planos nem ações de rebeldia.

Apesar de não ser muito citada nos manuais didáticos, a Conjuração Carioca deve ser compreendida

pois demonstra a generalização da ideologia liberal na colônia, na última década do século XVIII, e o nível

de repressão do governo metropolitano.

Um grupo de intelectuais, poetas, médicos, estudantes e artesãos, a partir de 1786, organizou uma

agremiação, intitulada Sociedade Literária, e nela se reunia para debater assuntos de interesses científicos e

culturais, e também, as novidades estrangeiras, sobretudo as francesas.

Dez pessoas foram denunciadas em 1794 ao vice-rei como “subvertedoras da ordem” e foram presas.

Após dois anos de prisão, não se apurando quaisquer culpas graves, os intelectuais, entre eles Mariano

Pereira da Fonseca, futuro Marquês de Maricá (que fora preso por possuir uma obra de Rousseau), foram

considerados inocentes e postos em liberdade.

Conjuração Baiana (BA, 1798)

Na Bahia também era grande a insatisfação popular contra a dominação portuguesa. Influenciados

pela Revolução Francesa, um grupo de pessoas começaram a discutir e divulgar idéias de independência

para o Brasil, através da Loja Maçônica Cavaleiros da Luz. No dia 12 de agosto de 1798, a cidade

amanheceu com papéis afixados nas casas, exortando o povo à revolução. Nestes panfletos falava-se em

Liberdade para todos (inclusive negros) igualdade entre todo, República, melhores soldos e salários. Logo

a repressão lusitana abateu sobre a capitania da Bahia. Diversas pessoas foram presas, e quatro delas foram

condenadas à morte. Nenhum desses presos e muito menos os que foram condenados à morte pertenciam à

Loja Maçônica, eram pessoas simples e pobres, escravos e mulheres, sem instrução, e que sequer sabiam

ler e escrever.

A Revolução Pernambucana (PE, 1817)

Em 1817, o Brasil já estava em profunda crise econômica e a dominação portuguesa era questionada

com mais ênfase, haja vista os diversos processos de independência da América Latina. As mesmas idéias

de Liberdade, Igualdade e Fraternidade estavam presentes neste movimento que se expandiu por todos os

setores da sociedade: quartéis, clero, classe média, produtores de açúcar e etc. O movimento iniciou-se

quando o governador de Pernambuco deu ordem de prisão ao líder dos revolucionários. Logo, toda a região

do Nordeste estava em conflito contra as forças portuguesas. No final de 1817, o movimento não agüentou

resistir as forças militares e portuguesas e capitulou-se.

Organização da mão-de-obra na América Portuguesa: o trabalho escravo.

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Trabalhar com História é, antes de tudo, compreender os conceitos. Os conceitos são construções

intelectuais abstratas que partem do estudo empírico de uma tal realidade, eles permitem compreender uma

sociedade no tempo e no espaço que ela está envolvida. Entretanto, não são imutáveis e mudam de acordo

com a realidade dos homens. Assim, podemos dizer que são construções históricas, e, portanto, susceptíveis

à adaptação temporal. O Tempo histórico é o principal agente da construção conceptual. Dessa forma o que

para nós é considerada uma coisa moral, tempos atrás era imoral. A título de exemplo podemos dizer que

nos séculos XV ao XIX, a escravidão era uma coisa natural, uma infelicidade histórica; com o passar dos

anos, a escravidão foi tornando-se incômoda para os homens e, hoje se falarmos de mão-de-obra escrava

estaremos cometendo um crime hediondo.

Bem entendido o porque de se estudar os conceitos, tentaremos definir, de modo bem sucinto, o que

vem a ser a escravidão e escravismo, instrumentos indispensáveis para a efetivação da empresa colonial.

Acreditamos que a escravidão é a relação social caracterizada pelo sujeição pessoal de um indivíduo

pelo outro; significa dizer que, além de o escravo ser propriedade do senhor, sua vontade estava

sujeita à autoridade do dono e seu trabalho podia ser obtido pela força. Portanto, o escravo podia ser

comprado, vendido, alugado, doado, leiloado, hipotecado. Os direitos do senhor como proprietário

sobre o escravo eram assegurados por lei, permitindo ao dono explorar o seu trabalho, castigá-lo e

mesmo matá-lo. Ou seja, ser escravo significava não ser livre. Além disso, a escravidão proporcionava

ascensão social, uma vez que sem um único escravo qualquer pessoa era considerada pobre. Possuir

escravo era mais importante que possuir terras, porque terra havia muita e poder-se-ia ser tirada à força dos

indígenas.

O Escravismo, por sua vez, é o sistema econômico, político e social baseada na propriedade privada,

inclusive de seres humanos – escravidão – predominante no Brasil até os fins do século XIX. Este sistema

atendia perfeitamente aos interesses da metrópole no período colonial e depois aos interesses dos grandes

proprietários rurais, na medida que gerava altos lucros para os seus dignatários.

O sistema de trabalho escravo já era amplamente conhecido pelos portugueses. A origem está na

Reconquista Cristã, quando os lusitanos aprisionaram sarracenos. Entretanto, a sua vida era efêmera, ou

seja, mudava de acordo com os interesses dos senhores e com o desenvolvimento de novas relações sociais.

No período medieval, havia uma tendência para a conversão de escravos em servos ou homens livres. “No

ambiente da sociedade feudal, o trabalho escravo não passou de reincidência acidental de uma relação de

produção extinta”

O escravismo garantiu para a metrópole altos lucros. Uma das medidas de se conseguir estes lucros tão

necessários para os lusitanos quanto o ar que respiravam, foi o tráfico negreiro. Este consistia em tirar o

negro de seu território natural e transportá-lo para o seu destino (América ou Europa). Este tráfico negreiro

para ser mais lucrativo estava inserido naquilo que se convencionou denominar de comércio triangular: os

navios saíam dos portos europeus lotados de mercadorias baratas – bugigangas – que eram trocadas, nas

costas africanas, por homens, mulheres e crianças; quando chegavam nos seus destinos os cativos eram

trocados, direta ou indiretamente, por produtos coloniais, que, por sua vez, eram revendidos a altos preços

na Europa.

É de fato numa base essencialmente escravista, ninguém o ignora, que assenta a economia colonial

brasileira. Sem escravos não era possível aos colonos abastecerem-se da mão-de-obra de que necessitavam.

A imigração branca era, no primeiro momento da colonização, escassa, e tornava indispensável a utilização

de escravos de outras raças. “Tratava-se apenas de seguir o exemplo da metrópole, onde a instituição servil

largamente se difundira desde as guerras da conquista. Os mouros aprisionados eram em geral reduzidos

ao cativeiro”.

O escravismo era um sistema racional para o seu tempo. Era legítimo possuir escravos. Em determinada

época só o emprego de mão-de-obra escrava era legítimo e racional. Ele somente adquire elementos de

irracionalidade depois do advento do capitalismo na Europa e quando as relações assalariadas assumem a

hegemonia enquanto relação social. De acordo com Jacob Gorender, “toda comparação entre o trabalho

escravo e o trabalho assalariado livre converte-se em exercício especulativo quando destacada das

circunstâncias históricas existentes. E conduz, como ocorreu com Weber, a considerar o escravismo

composto de elementos ditos ‘irracionais’. Mas esses elementos são irracionais unicamente sob o prisma

da racionalidade capitalista”.

A Resistência Indígena.

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No início do século XVI, Portugal necessitava de mão-de-obra para efetivar a colonização do Brasil.

Não se coloniza sem trabalho e sem ocupação. E foi com este objetivo que os lusitanos lançaram

utilizaram-se, inicialmente, da mão-de-obra nativa tal qual ocorria nas colônias espanholas, através do

sistema de encomienda.

Muito se fala da inaptidão dos índios ao trabalho. Afirmariam os colonizadores do início do século XVI

que “o índio é um ser preguiçoso, inapto para o trabalho braçal”. Entretanto, qual ser humano está apto para

trabalhar forçosamente sem receber, todavia, uma remuneração? Os aborígines desconheciam a escravidão

até a chegada dos portugueses. Aqueles que eram prisioneiros de guerra, quando não eram “devorados” em

verdadeiros autos de fé, era assimilado pela tribo, sob uma condição de inferioridade e, por fim, em

igualdade de condições. De acordo com Gorender, “a colonização foi incapaz de introduzir a escravidão

no seio da formação tribal, porém a habituou ao tráfico de escravos. Os prisioneiros, antes devorados ou

assimilados, passaram a ser trocados pelas bugigangas européias”. Vale ressaltar que tal prática foi

amplamente utilizada não só pelos portugueses, mas também pelos holandeses e franceses.

Quando D. João III concedia aos donatários as capitanias brasileiras, um dos direitos que constava nas

Cartas de Doação era o de poderem cativar o “gentio que quisessem para o seu serviço”, e mesmo a de

levarem alguns para o Reino. Entretanto, a “autorização” para reduzirem os gentios à escravidão não foi

fácil, haja vista que muitas tribos se indispuseram com os lusitanos.

A utilização da mão-de-obra indígena era, inicialmente, o sistema de trabalho que mais rendia

dividendos para os colonizadores, haja vista que não há necessidade de dispender capital com a compra do

nativo já que são naturais da própria terra. Até meados do século XVII a mão-de-obra indígena foi o

principal pilar de sustentação da agromanufatura do açúcar. Os lusitanos argumentavam que a escravidão

dos nativos iria salvá-los da morte em guerras, além de introduzi-los no catolicismo. De acordo com o

economista Celso Furtado, na fase inicial da implantação da empresa açucareira, foi o trabalho escravo

indígena que permitiu a produção no engenho.

Entretanto, os autóctones (indígena) reagiram com violência à escravidão, chegando muitas vezes às

vias de fato – conflitos armados. De acordo com Prado Júnior, “os processos brutais empregados pelos

portugueses para forçarem os indígenas ao trabalho não eram de molde a despertar nos índios grande

entusiasmo pela colonização branca. Preferiam permanecer no recesso das matas, longe da cultura

européia de que só chegavam a conhecer os horrores da mais atroz das opressões. Foi preciso ir buscá-

los”.

A Igreja Católica, através da Companhia de Jesus? – Os Jesuítas – exerceu um papel fundamental na

colonização do Brasil e da América latina em geral, domesticando as tribos e os gentios mais hostis.

Ninguém ignora qual tenha sido a participação dos missionários na obra de penetração da civilização

ocidental entre os povos mais primitivos. De acordo com Prado Júnior, “são eles que formam a vanguarda,

preparando o terreno com a domesticação dos naturais”. Um processo bastante parecido com o

neocolonialismo africano e asiático: antes dos capitais norte-americanos ou europeus, aparece a cruz de

Jesus Cristo.

Diante da pressão dos religiosos – principalmente dos Jesuítas – pela não redução dos indígenas à

escravidão e depois de vários conflitos entre os religiosos e os colonos?, a Metrópole baixou uma legislação

repressiva e complexa, onde se permitia somente a escravidão de dois tipos de indígenas: os prisioneiros

resultantes de guerra justa e os prisioneiros de outras tribos, resgatados pelos colonos. Esse tipo de

legislação vai perdurar no Brasil até meados do século XVIII, quando foi totalmente abolida pelo Marquês

de Pombal. No entanto, vemos ainda em 1808 as Cartas Régias de 13 de maio, 24 de agosto, 05 de

novembro e 02 de dezembro declararem guerra justa aos índios botocudos e permitirem o cativeiro dos

prisioneiros. Essas cartas só foram revogadas pela Lei de 27 de outubro de 1831.

“Não sois gente, animais é que são” – Uma tipologia do trabalho escravo no Brasil. Os portugueses introduziram no Brasil o sistema de escravidão negra, pois, para eles, era a solução

natural para solucionar a falta de braços na América e na metrópole, pois ao contrário do expansionismo

grego ou romano na Antigüidade clássica que foi impulsionado pelo crescimento populacional, na

expansão moderna, o combustível foram, justamente, fatores econômicos e comerciais. “A introdução de

escravos negros e até mesmo asiáticos serviu de compensação parcial de semelhante perda populacional”

Um número indeterminado de africanos foi trazido para o Brasil com os primeiros colonizadores ou foram

introduzidos na agromanufatura do açúcar. Calcula-se que cerca de 3,5 milhões de africanos tenham vindo

ao Brasil como escravos – fora os que morreram durante a travessia. Se incluirmos os que foram para a

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Europa, além dos mortos, mais de 60 milhões de africanos foram arrancados de suas terras. A viagem da

África para o Brasil era extremamente penosa, de cada dez africanos, quatro não conseguiam chegar ao fim

da viagem. Os que morriam durante a viagem eram simplesmente jogados no mar como animais.

A expansão da atividade açucareira no Brasil favoreceu o estabelecimento do chamado sistema de

Comércio Triangular entre a América, a Europa e a África. Neste processo, navios portugueses seguiam

para a África obtendo escravos em troca de armas e outras mercadorias; atravessavam então o Atlântico e

vendiam os escravos no Brasil, para depois retornarem para Portugal com os porões – os mesmo que dias

antes transportou os escravos – cheios de açúcar, tabaco e outros produtos de exportação, mas

principalmente o açúcar.

Ao chegar no Brasil, o escravo não era considerado ser humano, mas como mercadorias, os negros eram

tratados nos mercados como peças: não se respeitava a estrutura familiar e social do africano. Era um fato

comum as famílias serem separadas logo ao desembarcarem no Brasil. Muitas vezes pessoas de tribos

diferentes eram misturados nos mercados e vendidas para o mesmo senhor. Este fator ajuda a explicar o

processo de dominação imposto pelos senhores, e a dificuldade de os negros, num primeiro momento, de se

organizarem contra a escravidão. Às vezes pessoas de tribos que na África eram inimigas são obrigadas a

trabalharem juntas no mesmo canavial e dormirem na mesma senzala (locais onde os escravos viviam.

Eram habitações extremamente insalubres, escuras, sem divisão de compartimento e sem instalações

sanitárias. Os doentes conviviam com os sãos, as mulheres com os homens. Casados e solteiros

compartilhavam o mesmo teto. Muitas senzalas possuíam apenas uma única janela e porta, que facilitava a

fiscalização por parte dos guardas). Sem comunicação não há organização, e sem organização não há

como impedir o autoritarismo.

Para se comprar uma peça os escravistas estabeleceram um senso comum ou um conjunto de critérios

para o exame daquele bem que pretendiam comprar. Idade, sexo e robustez constituíram um dos critérios

permanentes na determinação do preço de compra do escravo. Tais critérios foram estabelecidos em

padrões empíricos, extraídos da experiência acumulada de mistura com superstições e preconceitos. De

acordo com Gorender, no seu clássico, O Escravismo Colonial, nos dá um relato bastante enriquecedor

acerca do assunto, vejamos: “Levavam em conta [os escravistas] o tipo de cultivo ou atividade urbana em

que empregariam o escravo, a nação de origem do africano (subentendendo com isso aptidões especiais,

grau de resistência física, docilidade ou rebeldia etc), a proporção em que interessava adquirir mulheres

(preferidas para os serviços domésticos e, em grau variável, para certas tarefas produtivas) ou moleques e

molequinhos que teriam de ser criados durante anos. A partir de semelhantes critérios, procediam os

compradores a minucioso exame das qualidades dos escravos oferecidos à venda”.

Um relato de época nos dá a verdadeira dimensão do fato: “Quando se apresenta um comprador, fazem

erguer os que indica; ele os apalpa, toma-lhes o pulso, examina-lhes a língua, os olhos, assegura-se da força

dos seus músculos, fá-los tossir, saltar, sacudir violentamente os braços. O escravo que se negocia presta-se

a todas estas verificações, procura mesmo fazer valer as suas qualidades”.

Como escravos eram obrigados a trabalharem de sol a sol nos latifúndios dos senhores, em condições

extremamente penosas. Alguns eram “escolhidos” para exercerem funções dentro das casas-grandes. Como

o caráter de nossa economia colonial era unicamente agrário, irão existir momentos em que o trabalho

atingirá picos, como na época de colheitas, de exploração e haverá momentos de ociosidade na época da

entressafra.

“O horário de trabalho de campo, quando o engenho não está em funcionamento, vai de seis às seis; na

maioria dos engenhos onde eles [os escravos] trabalham em qualquer parte do estabelecimento antes e

depois destas horas (...) Durante a estação da colheita, de setembro a fevereiro ou março, além da usual

jornada de trabalho são divididos em duas turmas de trabalho na moenda, uma turma trabalhando de seis às

doze e a outra das doze às seis; meia hora ~e concebida para a refeição da manhã e duas horas no meio do

dia, exceto durante a estação da moagem quando se arranjam para comer da maneira que puderem”

Os escravos estavam sob estreita fiscalização de capatazes – homens se confiança dos senhores de

escravos. Se os capatazes desconfiassem de motins ou sublevações ou qualquer desvio por parte dos

escravos, estes eram castigados severamente. Entre os castigos mais comuns destacam-se: o tronco, em que

os negros eram presos pelas canelas para serem açoitados com cordas de bacalhau que abriam verdadeiras

fendas nas costas dos negros – só para se ter uma idéia de como o escravo era maltratado, nas fendas se

colocava sal; o viramundo, onde os escravos eram presos e virados de ponta-cabeça; a gargalheira, colar de

ferro com vários braços em forma de gancho. Além desses castigos para os crimes considerados leves,

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iremos assistir para as faltas mais graves as seguintes penalidades: a amputação dos seios, a castração, a

quebra dos dentes com martelo e o emparedamento vivo.

Entretanto existiam outras modalidades? de escravidão, que não se fundava na exploração da mão-de-

obra escrava em grandes latifúndios. Um exemplo disso eram os Escravos de Ganho. De acordo com as

professoras Liana Maria Reis e Ângela Viana Botelho, “escravo ao ganho era aquele que, após executar

tarefas na casa do senhor – como serviços domésticos – saía para as ruas para vender produtos, como as

negras de tabuleiro?, ou vender seus serviços como barbeiros, carregadores etc”?.Para este tipo de

modalidade de escravidão, era necessária a existência de um “acordo” entre as partes, pois o cativo deveria

ter liberdade de movimento e de circulação.

A Resistência Negra.

Os negros não aceitaram passivamente a condição de escravos. Eles resistiram. E resistiram de inúmeras

formas. Muitos se suicidavam, outros matavam feitores e capatazes, outros ainda fugiam; a estes, os

capitães-do-mato – profissionais de caça - perseguiam como verdadeiros animais, e caso os encontrassem

recebiam recompensas valiosas.

Uma das mais importantes manifestações de resistência negra são os quilombos. Segundo o rei de

Portugal, os quilombos eram “habitações de negros fugidos que passem de cinco, em parte despovoada,

ainda que não tenham ranchos levantados nem se achem pilões neles”. Bem entendido, se o rei de Portugal

chegou a definir o que vem a ser quilombo, isto que dizer que a metrópole sabia da existência de

“habitações de negros fugidos” e que isto os incomodava.

Entretanto, a maioria dos quilombos era nômade. O nomadismo era um recurso utilizado para evitar que

os capitães do mato os localizassem. Muitos quilombos, por isso, não deixaram registro para a História.

Mas só pelo fato de sabermos que existiam quilombos podemos afirmar que a luta contra a escravidão foi

intensa.

O Quilombo dos Palmares? foi o maior? e o mais importante foco de resistência negra contra a

escravidão, chegou a resistir quase um século a dezenas de expedições repressivas das autoridades coloniais

e dos senhores, que em 1681, resolveram firmar uma União Perpétua contra Palmares. Foi somente em

1695, que a Metrópole e os senhores conseguiram impor a derrota ao quilombo. A expedição vitoriosa foi

comandada por Domingos Jorge Velho, que entrou para a historia como o homem que destruiu Palmares e

acabou com o medo negro.

Um negro chamado simplesmente de Zumbi foi o mais importante líder do maior quilombo do Brasil.

Zumbi dos Palmares, como ficou historicamente conhecido, conseguiu fugir do cerco de Domingos Jorge

Velho em 1694, mas no ano seguinte foi emboscado e combateu até a morte que se deu em 20 de

novembro de 1695. Hoje, a data é comemorada como o Dia Nacional da Consciência Negra.

A cultura também é uma forma de resistência. Os negros mantiveram vivos os seus costumes e hábitos,

principalmente os religiosos e alimentares. Essa resistência irá marcar profundamente a vida dos brasileiros,

seja no campo lingüístico, religioso ou no alimentar.

Vários pratos típicos da Bahia são resultados da influência negra, entre eles merece destaque: o vatapá,

o acarajé, a cocada, o quindim, o pé-de-moleque e outros. Do nosso vocabulário palavras como batuque,

cachaça, caçula, cachimbo, dengo, moleque, quitute, quitanda entre outras foram contribuições negras.

Diversos instrumentos musicais utilizados pelas bandas de pagode, de samba e até mesmo de Rock’n Roll

vieram da África, tais como o atabaque, berimbau, tamborim, reco-reco, agogô. Da mesma forma, certos

ritmos de dança e de música receberam forte influência africana como o maracatu, a congada, o samba, o

frevo etc.

Mas uma das maiores permanências da resistência afro no Brasil está no campo religioso. Embora

fossem obrigados a seguir o catolicismo – religião oficial de Portugal – os negros não deixaram de lado as

suas crenças e os seus rituais. Dessa maneira, as crenças religiosas africanas misturaram-se com as católicas,

resultando num sincretismo religioso. Muitas divindades negras, os orixás, passaram a ser identificadas

com os santos católicos, tais como:

DIVINDADE NEGRA NO CATOLICISMO É... Oxalá (pai dos orixás) Nosso Senhor do Bonfim

Xangô (protetor contra os trovões e

tempestades)

Santo Antônio ou São João

Ogum São Jorge

Iemanjá Nossa Senhora da Conceição

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Essas divindades continuam sendo cultuadas até hoje, nos terreiros de Umbanda ou Candomblé –

religiões de origem africana – espalhados pelo Brasil. Segundo Mircea Eliade e Ioan Couliano, esses cultos

representam hoje um componente essencial da vida religiosa do Brasil Entretanto no início do século XX

tais prática religiosas eram comumentemente reprimidas.

Política e Administração Colonial Na campo político-administrativo, a organização se deu, inicialmente, com a montagem de uma

estrutura descentralizada, através do sistema de Capitanias Hereditárias: o território foi dividido em

grandes lotes de terra (todos eles maiores que Portugal) e concedido a pessoas interessadas em vir colonizar

a terra com os seus próprios recursos, chamados de Donatários.

Dois documentos regiam o sistema: as Cartas de Doação e os Forais. A Carta de Doação é o

documento através do qual o governo concedia o lote ao donatário e especificava quais os poderes de que

ele estava investido. O Foral determinava os direitos e os deveres dos donatários.

A experiência não surtiu os efeitos esperados. Diversos problemas impediram o êxito das capitanias,

pois apenas duas conseguiram um certo resultado econômico.

Modificou-se, então, o projeto descentralizador, com a criação do Governo Geral (1548), encarregado

de prover o apoio e coordenação às capitanias. O Governo Geral seria auxiliado pelo Provedor-Mor

(finanças), o Ouvidor-Mor (Justiça), e o Capitão-Mor (defesa).

O Período Pombalino (1750-1777): o Despotismo Esclarecido Português. A segunda metade do século XVIII marcou, ao mesmo tempo, o período de apogeu e da crise do

sistema colonial.

Portugal, nessa altura, completamente dependente da Inglaterra, ocupando uma posição secundária no

quadro europeu, organizou todo um esquema político-econômico para preservar sua influência num mundo

cada vez mais competitivo.

O Brasil constituiu-se no endereço principal dessa política, sofrendo, por conseguinte, uma opressão

violenta, que, elevada ao seu limite, serviu para mostrar à classe dominante colonial, sobretudo aos

proprietários, as contradições entre seus interesses e os da metrópole. Daí, as insurreições coloniais que

tiveram por palco Minas, Bahia, Rio de Janeiro e Pernambuco, atestando que na colônia se vivia um

processo de germinação revolucionária que acabaria por demonstrar que a independência era um processo

irreversível.

O Reformismo Ilustrado: a ação de Pombal.

Em 1750 com a morte de D. João V, ascendeu ao trone D. José I (1750-1777) e, com ele, Sebastião José

de Carvalho e Melo, futuro Marquês de Pombal, que, como primeiro ministro e por mais de 25 anos, dirigiu

os destinos portugueses e coloniais, disposto a retirar o atraso de seu país em relação aos centros mais

dinâmicos da economia européia e diminuir o grau de dependência do mesmo para com a Inglaterra.

Durante o governo de Pombal, instaurou-se o despotismo esclarecido em Portugal e ocorreu uma série

de eventos que se relacionaram a um só esforço: a nacionalização da economia luso-brasileira. O

Despotismo Esclarecido se caracteriza por ser um regime de governo no qual se entrelaçam os princípios

filosóficos do século das luzes e o poder absoluto dos monarcas.

A era de Pombal coincidiu, no Brasil, com o período da decadência da mineração. A necessidade de

estreitar os laços coloniais apareceu como forma de reafirmar o mercantilismo na colônia.

Como representante do Despotismo em Portugal, Pombal colocou os interesses do Estado acima de

qualquer outro interesse, reafirmando, entre outras cores, o absolutismo.

Para isso ele organizou uma política de fomento industrial para o Reino e de intervenção do Estado nos

diferentes setores da vida colonial visando obter maior eficiência na exploração colonial.

Primeiramente, procurou diminuir a influência de todos aqueles que poderiam fazer frente ao poder real

e à sua política, os nobres de maior importância e os membros da Companhia de Jesus. Depois, com o seu

poder fortalecido na Metrópole, voltou-se para os domínios ultramarinos, sobretudo o Brasil, que era a

colônia mais importante de Portugal.

A Reforma Pombalina .

Estabelecimento da Derrama (cobrança dos impostos atrasados). É curioso ressaltar que este

imposto não foi aplicado, ficando apenas no campo das ameaças, em virtude das constantes reações

dos colonos.

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Em 1751, ampliou o Estado do Maranhão, que passou a englobar o Pará, constituindo-se no Estado

do Grão-Pará e Maranhão, com capital em Belém

Em 1755 criou a capitania de São José do Javari, mais tarde do Rio Negro, hoje Estado do

Amazonas.

Criação em 1755 da Companhia Geral do Comércio do Estado do Grão-Pará e Maranhão, que deteria

o controle exclusivo do comércio colonial por vinte anos, em troca do estímulo às culturas do

algodão e do arroz, através do fornecimento de créditos e de facilidades no transportes e nos

fretes, na venda de maquinários e na regularização do fornecimento de escravos negros para a

região. As atividades da Cia Geral de Comércio do Estado do Grão Pará e Maranhão, serviu, como

Pombal assim desejava, para “consolidar o estabelecimento do Império que El-Rei Nosso Senhor

determinou fundar nessas capitanias”.

Extinção do regime de Capitanias, em 1759, transformando as donatarias ainda existentes em

reais.

Elevação do Estado do Brasil à Vice-reino em 1762, com capital sendo transferida de Salvador para

o Rio de Janeiro (com esta transferência se reconheceu que o centro de gravidade econômico-

militar havia se transferido decididamente do Nordeste para o Centro-Sul.

Em 1757, foram publicadas leis referentes aos índios do Estado do Maranhão e Piaui, que, um ano

depois, foram estendidas ao restante da colônia. Essas leis acabaram com a administração

temporal dos padres da Cia de Jesus nas missões e proibiam a escravização do índio. As missões

maiores deveriam ser transformadas em vilas e, para cada vila, seria nomeado um diretor leigo, até

que os nativos se mostrassem capazes de se administrarem. Obrigava-se a introdução da língua

portuguesa e estendia-se a obrigatoriedade aos indígenas de pagarem os dízimos. Os jesuítas

sentiram-se duramente atingidos por essas leis, e Pombal intensificou o cerco à Companhia de

Jesus.

Em 1759, Pombal expediu uma lei que expulsou os Jesuítas de Portugal, alegando que no ano

anterior, a Companhia de Jesus havia insuflado os índios contra a vida do Rei, além de serem

acusados de enriquecimento à custa dos índios. Mais de 500 religiosos foram expulsos do Brasil,

trazendo enormes prejuízos para os aldeamentos indígenas e para a educação e o ensino na colônia,

até então nas mãos da Igreja. Assim, dever-se-ia estabelecer na Colônia o ensino leigo, criando-se

para isso, em 1777, um imposto – o subsídio literário – para manter as aulas régias. Entretanto, não

se conseguiu evitar grande desorganização no setor educacional.

Criação da Companhia Geral do Comércio de Pernambuco e Paraíba em 1759, com o objetivo de

estimular o cultivo da cana e do tabaco, através de investimentos de capitais diretamente na

produção do açúcar e da exportação de créditos.

1761: Instalação da Real Fazenda em Lisboa, com o objetivo de centralizar a receita e a máquina

estatal arrecadadora e se tornou o seu primeiro tesoureiro, ou seja, o primeiro ministro da

Fazenda de Portugal.

1765: extinção do sistema de frotas, liberando os navios para navegarem da melhor forma que lhes

conviesse.

Em 1772, ordenou a divisão do Estado do Grão-Para e Maranhão em dois: Estado do Maranhão e

Piauí, com sede em São Luís, e Estado do Grão-Pará e Rio Negro, com sede em Belém.

Foi durante o governo de Pombal que os conflitos territoriais com a Espanha foram sanados

(assinatura dos tratados de Madri em 1750, Tratado do Pardo em 1761, Tratado de Santo

Ildefonso em 1777)

A crise do sistema colonial (1808-1822) A partir de meados do século XVIII o sistema colonial começa a entrar em crise. Essa crise tem como

causa a profunda transformação econômica verificada nos países centrais da Europa. Temos, de um lado a

Revolução Industrial, que ocorreu na Inglaterra graças ao ouro advindo do Brasil, e a substituição

gradativa do capitalismo comercial (mercantilismo) pelo capitalismo industrial.

Assim, o sistema colonial entrará em choque com o capitalismo industrial porque não concorda com o

regime de monopólio (exclusivo comercial), nem com o regime de trabalho escravo, pois o sistema colonial

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através dos monopólios garante o mercado das colônias para os comerciantes das metrópoles, e através da

escravidão não gera um mercado consumidor, pois o escravo não recebendo uma remuneração pelo seu

trabalho não pode ser consumidor dos produtos industrializados.

Além do desenvolvimento do capitalismo industrial como causa externa, que age no sentido de

desestruturar o Antigo Sistema Colonial brasileiro, temos também as Revoluções Burguesas, o surgimento

do movimento do Iluminismo, e as independências da América Latina.

As principais revoluções burguesas foram: a Independência das 13 colônias Americanas (14 de julho de

1776); a Revolução Industrial (Inglaterra, segunda metade do século XVIII) e a mais importante de todas, a

Revolução Francesa (França, 1789).

Com as proclamações de Independência das Colônias Espanholas na América no início do século XIX,

assistir-se-á a um verdadeiro assalto da Inglaterra às ex-colônias americanas. A preocupação da Inglaterra

era garantir a dependência econômica destes novos países.

Com a Revolução Francesa, em 1789, o Antigo Regime é destruído e uma nova sociedade surge: a

sociedade capitalista burguesa e liberal.

As monarquias européias ficaram assustadas e tentaram invadir a França Revolucionária para impedir

que as idéias revolucionárias se alastrassem. Nessa luta da França Burguesa contra as monarquias absolutas

européias afim de evitar que burguesia francesa fizesse frente ao domínio dos mercados mundiais.

No início do século XIX o Imperador francês, Napoleão Bonaparte, consegue, em uma contra-ofensiva,

derrotar as monarquias feudais e dominar quase toda a Europa, mas não consegue derrotar a marinha

Inglesa, a melhor do mundo no momento. Dessa forma, Napoleão percebendo que não poderia derrotar

militarmente a Inglaterra tenta derrotá-la economicamente decretando, em 1806, o Bloqueio Continental,

que proibia todos os países europeus (seus aliados) de comerciarem com Inglaterra.

Como Portugal possuía diversos acordos e uma enorme dívida para com a Inglaterra ficou em uma

situação complicada: se atendesse ao decreto de Napoleão, os ingleses invadiriam o Brasil; e se contrariasse

Napoleão, sofreria a vingança Francesa. Para salvar a coroa portuguesa, ameaçada de ser invadida pela

França, o príncipe regente D. João, foge para o Brasil auxiliado pelos Ingleses, trazendo consigo cerca de

15.000 pessoas, principalmente nobres da Corte.

Para a colônia brasileira, a presença da família real portuguesa trouxe inúmeras conseqüências, a

principal delas a oportunidade de se transformar em sede do governo português, o que ocorreu em 1812,

com a elevação do Brasil em Reino Unido à Portugal e Algarves, deixando, desta forma de ser uma Colônia.

Isso significava, expansão econômica, contatos entre as capitanias. Só não significava, ainda, liberdade.

Com a transferência da Família Real Portuguesa, em 1808 para o Brasil, impulsionada pela invasão

de tropas napoleônicas em Portugal e a conseqüente abertura dos portos às nações amigas de Portugal e

Algarves, o pacto colonial deixa vigorar. A Inglaterra será a principal beneficiária com esta medida,

uma vez que poderá comerciar livremente com o Brasil, inclusive com taxas menores que as cobradas pelos

produtos portugueses, em virtude de inúmeros tratados de amizade e de comércio assinado com o Império

Britânico. Em 1815, o Brasil será elevado à categoria de Reino Unido de Portugal e Algarves, deixando,

definitivamente, de ser apenas uma colônia. O Brasil agora parte do Império Português.

Durante a permanência de D. João no Brasil, algumas medidas são tomadas, entre elas destacam-se: o

embelezamento e melhoria do Rio de Janeiro (sede do governo colonial desde o ciclo do ouro,

transformado em capital do Império Português); a criação do Banco Brasil, Jardim Botânico e Casa da

Moeda; criação de escolas de ensino superior; instalação dos Ministérios do Reino, da Marinha e da Guerra;

liberação da entrada de estrangeiros e permissão para instalar indústrias no Brasil; e assinaturas de diversos

tratados com a Inglaterra, liberando os seus produtos do pagamento de diversos impostos

As Cortes: A Revolução do Porto empurra o Brasil para a Independência Entretanto, com o fim do Império Napoleônico e o restabelecimento das antigas monarquias através do

Congresso de Viena, Portugal passará a ser governado por um inglês - Lord Beresford - que recebia ordens

emanadas pelo rei de Portugal, D. João VI, que estava no Brasil.

A situação se invertia: agora era o Brasil quem dava as ordens. Esta inversão colonial irritou

profundamente a já descontente burguesia portuguesa, que se rebelou nas Cortes de Lisboa, e derrubou o

absolutismo de D. João VI, e obrigou o rei à voltar para Portugal e cancelar todas as medidas em favor do

Brasil numa tentativa clara de recolonização. D. João VI, sob a pressão de perder a coroa, voltou para

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Portugal, deixando no Brasil o seu filho, o príncipe D. Pedro, como regente. A tentativa de recolonizar o

Brasil foi duramente criticada pela aristocracia brasileira, que não aceitava o retorno à condição anterior.

(Assim, depois de inúmeras tentativas de negociação, de estabelecimento de uma Monarquia Dual, o

príncipe Regente, D. Pedro, influenciado pela aristocracia colonial - principalmente José Bonifácio - irá

proclamar a Independência do Brasil em 07 de setembro de 1822, sem a participação popular,

contrariamente do que ocorreu nos países latino-americanos, e até mesmo nos EUA. A presença da Família

Real no Brasil será bastante benéfica para o nosso país. Serão fundadas faculdades, bancos, jardins

botânicos, bibliotecas, estruturação das cidades, enfim o Brasil passará por transformações dignas para

receber uma família real. Entretanto, também ocorrerão inúmeras revoltas, e a mais importante será a

Revolução Pernambucana em 1817, que, influenciado por idéias iluministas, proporá a separação definitiva

do Brasil em relação à Portugal. A rebelião será duramente esmagada e os líderes executados).

A Articulação da Independência do Brasil. Durante o período em que D. João VI esteve no Brasil, a colônia portuguesa conseguiu liberdade

comercial e autonomia administrativa. Com a volta do rei para Portugal, as coisas iriam mudar. Para os

brasileiros a esperança de liberdade. Para os portugueses a esperança de recolonização, com tentativa de

acabar com as regalias obtidas no período joanino.

Em virtude da tentativa recolonizadora das Cortes de Portugal, grupos políticos liderados pelos

latifundiários começaram a ser organizados. A idéia de Independência começou a ser construída, diante da

intolerância do Parlamento Português.

O movimento pela Independência do Brasil estava dividido entre dois grupos: a) o Partido Português:

integrado por comerciantes portugueses, interessados no retorno do Pacto Colonial, por militares

portugueses e por alguns funcionários da Coroa. Desejavam a Recolonização do Brasil; b) o Partido

Brasileiro: reunia a aristocracia rural do Sudeste, os comerciantes nativos e a burocracia estatal, ou seja, os

grupos beneficiavam com as liberdades econômicas concedidas por D. João VI. Não defendia, de início a

separação de Portugal, pois se interessava apenas em conservar as conquistas obtidas; e c) os Radicais: era

um pequeno grupo com influência nos setores médios e urbanos: pequenos comerciantes, advogados,

padres, professores, farmacêuticos, funcionários públicos do baixo escalão, alfaiates, estudantes etc.

Tinham como ideal a independência política e o estabelecimento de uma república.

Duas correntes distintas se formaram no seio da sociedade patriarcal em busca da maioridade política.

Uma, em que pontificava o elemento mais arraigadamente conservador, receoso de perder a capacidade de

traçar os rumos da nova situação e basicamente comprometido com os interesses e as aspirações do

absolutismo; por isso mesmo propenso, em matéria política - ainda depois do ato formal de Independência -

a preservar a união das Coroas, com a vaga idéia de um laço institucional associativo que adquirisse forma

permanente. Outra, constituída em larga parte de elementos liberais, que se inclinavam por um projeto

institucional mais autêntico, o qual, desfazendo para sempre os laços da união, tornava politicamente

irreversível o ato da separação.

Essas duas correntes não bracejaram nem porfiaram em duelos acadêmicos, não se alçaram a esferas

meramente abstratas e teóricas, senão que mediram suas forças no terreno concreto da realidade, marcando,

em campos hostis, a divisão política de suas idéias e interesses.

A grande maioria da população não participava diretamente dessas movimentações políticas. Escravos

ou lavradores pobres, continuavam passivos diante do que acontecia.

Os brasileiros reúnem-se, então para tramarem a independência, esperando contar com o apoio do

príncipe regente, D. Pedro, e convencem-no a não embarcar para Portugal (exigida pelas Cortes). No dia 09

de Janeiro de 1822, D. Pedro diz que fica no Brasil. Este dia fica conhecido como o Dia do Fico. Em maio

de 1822, decretou-se o Cumpra-se. Devagar, D. Pedro foi armando a Independência.

Os conservadores do Partido Brasileiro, liderados por Gonçalves Ledo, temendo uma revolta popular

sem proporções, convence D. Pedro a convocar uma Assembléia Constituinte, o que vai ser aceito pelo

Príncipe Regente, em junho de 1822.

Embora a facção conservadora tenha obtido o controle da situação e o texto da convocação da

Constituinte apresentasse declarações favoráveis à permanência da união entre Portugal e Brasil, através de

uma Monarquia Dual (o Brasil continuaria pertencendo à Portugal, contudo, manteria uma certa autonomia),

as Cortes de Lisboa insistiam na tentativa da Recolonização do Brasil, e decretaram que o Príncipe deveria

retornar imediatamente para a metrópole.

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Roberto Amaral e Paulo Bonavides são esclarecedores a este respeito: “não era fácil conciliar vínculos

ultramontanos com o sentimento nativista caldeado com o sangue de Tiradentes e dos revolucionários

republicanos de 1817; estes últimos, herdeiros das tradições de combate que coroaram a expulsão dos

invasores holandeses. Mais difícil ainda, como vimos na Introdução à Independência, seria conciliar os

interesses materiais, objetivíssimos, em conflito”.?

Em 07 de Setembro de 1822, D. Pedro, forçado pelas circunstâncias, rompe definitivamente os laços de

união política com Portugal. Culminou, desta forma, o longo processo de emancipação, iniciado em 1808

com a vinda da família real. A 12 de Outubro de 1822 D. Pedro foi aclamado, e a 1º de Dezembro de 1822

tornou-se o primeiro imperador do Brasil e defensor perpétuo do Brasil, com o título de D. Pedro I.

A Independência do Brasil não foi obra do Brasil como um todo, mas, particularmente, da região sul e

da aristocracia rural. A emancipação política não implicou nenhuma alteração da estrutura social

transmitida pelo passado colonial. A enorme população de escravos e de homens livres não-proprietários,

dispersa pelo Brasil e distante dos principais centros, permaneceu absolutamente indiferente às

transformações do quadro político. Entretanto, nos centros urbanos, a massa popular aderiu, em várias

ocasiões, aos impulsos revolucionários, que foram esmagados por José Bonifácio, utilizando como pretexto

a ameaça republicana.

Neste sentido, a Independência do Brasil foi fruto de ações organizadas pela aristocracia rural liderada

por José Bonifácio, que inicialmente, não preconizava a emancipação política, mas a Monarquia Dual,

como queira a camada senhorial. A sua fidelidade à Coroa e sua longa experiência administrativa fizerem

dele o homem adequando para assessorar D. Pedro, após o Dia do Fico. Por fim, o seu ideal do

abolicionismo gradual da escravatura o colocava em sintonia com os radicais. Essa ambigüidade, observada

em seu pensamento político, refletia as forças contraditórias que atuavam no sentido do rompimento

colonial.

Depois do 7 de setembro, o processo da Independência permaneceu ainda complexo, sujeito a

oscilações decorrentes da massa dos interesses em jogo, das controvérsias internacionais, do sopro de idéias

novas, da presença de formas coloniais de organização social, fundada aqui na tradição, no privilégio e na

suposta legitimidade do trono e do altar, assentados, pois, além do mais, sobre a estrutura de uma economia

agrária, cujas portas o inglês, volvendo-se para o interesse de sua expansão industrial, forçara em 1808 com

a abertura dos portos.

O País da cana-de-açúcar, dos pequenos burgos, do braço servil, tinha sua alvorada liberal precoce,

animada do exemplo europeu. As elites nativistas, escoradas em reminiscências sugestivas do passado, se

encorajavam para o debate e o desafio da emancipação. O imperialismo inglês, cerca de cem anos antes da

Revolução Francesa, já sepultara o feudalismo, e se fizera de último, nosso aliado natural naquelas

circunstâncias singulares.

A Colonização Espanhola. Os espanhóis se atrasaram na corrida colonial em relação aos portugueses porque enfrentaram

problemas com os mouros que dominavam a Península Ibérica. Começaram ocupando a Ilha de Hispaniola

(atual Haiti), de onde partiram Fernando Cortez e Francisco Pizarro para a conquista do México aos

Astecas e do Peru aos Incas. Os metais preciosos, em falta na Europa, sobravam na América do Sul.

A América espanhola, parte continental colonizada pela Espanha, apresenta particularidades culturais,

políticas, econômicas e sociais características de cada região, além de diferentes níveis de desenvolvimento,

presentes desde a chegada dos colonizadores espanhóis, liderados por Cristóvão Colombo.

A dominação espanhola foi resumida pelo poeta chileno e ganhador do Prêmio Nobel de Literatura,

Pablo Neruda da seguinte forma: “a espada, a cruz e a fome iam dizimando a família selvagem”.

O que isso significa? A espada mostra a superioridade militar e bélica européia, por meio do uso de

armas de fogo, do uso do metal e do cavalo (até então desconhecido dos povos pré-colombianos); a cruz é

o símbolo da subjugação da cultura nativa pela Igreja Católica, dominando-a como forma de obtenção de

vantagens econômicas e sociais para os brancos europeus; e finalmente, a fome e as doenças, resultado do

contato dos nativos com os brancos europeus e até mesmo com os escravos africanos, desestruturaram toda

a sociedade pré-colombiana, pois os nativos não apresentavam defesas imunológicas para evitar essas

moléstias.

A estrutura econômica montada pelos espanhóis, ao iniciarem sua dominação na América, era voltada

para o extrativismo mineral. Essa exploração acontecia paralelamente à imposição da cultura européia, o

que ocasionou o massacre de valores nativos.

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O sistema colonial espanhol voltou-se unicamente para a obtenção de metais preciosos. A área mais

importante era o golfo do México, o porto de Vera Cruz, de onde saíam ouro e prata rumo a Sevilha, cuja

Casa de Contratação controlava o comércio colonial. Os metais preciosos, inicialmente saqueados nas ilhas

do Caribe, determinam a rota da colonização e da destruição na medida em que são encontrados na Área

Continental (México, América Central, Colômbia e Venezuela). Destaca-se a mineração de prata do

México, do Peru e da Bolívia (em especial a cidade de Potosí). A exploração mineral mais intensa é

diretamente proporcional às pilhagens e destruições das civilizações nativas. No início do século XVI,

Hernán Cortez destrui o Império Asteca, no México (1521) E Francisco Pizarro conquista e submete o

Império Inca, no Peru (1533).

Mas não era essa a única forma de economia desenvolvida na América. Tem-se, na região do rio da

Prata, o crescimento da pecuária e, no Caribe, a agricultura de produtos tropicais, objetivando-se a

exportação.

Para que os colonizadores alcançassem seus objetivos mercantilistas, tornou-se necessária a utilização

da mão-de-obra nativa, abundante e qualificada para a exploração dos metais, devido ao fato de os povos

pré-colombianos conhecerem as minas e as técnicas de extração.

A forma de emprego dessa mão-de-obra, por meio do trabalho compulsório, era realizada de diversas

maneiras, como:

A mita ou repartimento: os espanhóis exigiam o trabalho indígena, por determinado tempo,

escolhido em sorteio, nas mais variadas atividades econômicas, predominantemente nas minas de

prata, em troca de um salário baixíssimo, não necessariamente pago em moedas.

A encomienda: os espanhóis utilizavam-se dos serviços dos nativos, sem remuneração, desde que os

mesmos fossem catequizados. Além disso os nativos pagavam um tributo à Coroa Espanhola. Era, na

prática, uma escravidão camuflada.

O escravismo africano: utilizado na região das Antilhas, na produção da lavoura de exportação. O trabalho compulsório indígena leva à desorganização das estruturas existentes o que provoca a

escassez dos produtos agrícolas. Na tentativa de superar essa crise, donos de minas e comerciantes

organizam estâncias, regiões destinadas à criação de gado e as haciedas, áreas produtoras de cereais.

Devido aos baixos salários, os nativos se viam, constantemente atrelados a dívidas, uma vez que eram

obrigados a recorrer a adiantamentos de salários como forma de obterem alimentos. Esse fato gerou a

escravidão por dívidas.

A forma de vida desses trabalhadores era muito precária, com uma alimentação deficitária e maus tratos

constantes. Para tentarem fugirem dos constantes massacres, a prática do genocídio e do infanticídio,

muitas vezes era vista como única alternativa dessas famílias.

Outras formas de resistência empregada por alguns nativos eram as lutas contra a dominação e a

manutenção de sua cultura de forma clandestina. Faziam os rituais católicos e, no recinto do lar, realizavam

suas cerimônias antigas, cultuando seus deuses. Dessa forma, publicamente pareciam cristãos, mas

conservavam suas características politeístas.

No que se refere à sociedade colonial espanhola, os brancos eram os mais privilegiados. A sociedade

mostra-se racista, hierarquizada e aristocrática, e pode ser assim dividida:

Os Chapetones (guachupines): eram os espanhóis, de confiança dos reis, representavam a elite

econômica detentora dos poderes políticos e dos mais elevados cargos da administração colonial.

Os Criollos: eram os brancos nascidos na América, possuindo privilégios econômicos (terras e

minas), mas não políticos.

Os Índios: grupo mais numeroso e base de sustentação do sistema colonial. Trabalhavam em

funções diversas e, legalmente, não podiam ser escravizados.

Os negros: escravos de origem africana. Encontram-se predominantemente, nas Antilhas, na

atividade agrícola. Os primeiros conquistadores que chegaram à América, os Adelantados, recebiam da Coroa amplos

poderes para governarem as terras americanas. Detinham direitos civis vitalícios e poderes jurídico e militar,

desde que garantissem à Coroa o pagamento do quinto do ouro e da prata extraídos.

Com a descoberta de grandes riquezas e expansão da colonização, a Espanha anula essas concessões

particulares, montando na América, na segunda metade do século XVI, uma aparato burocrático capaz de

controlar as atividades coloniais. Destacam-se:

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A Casa de Contratação, com sede em Sevilha (Espanha), órgão responsável pela organização da

atividade comercial e pela regulamentação da cobrança do quinto;

O Conselho Supremo das Índias, responsável pelos assuntos jurídicos e militares, regulamentando

a administração colonial por meio de vice-reinos e de capitanias gerais. No que se refere à administração, havia na América espanhola um poder descentralizado, pois ela era

dividida em quatro vice-reinados: Nova Espanha (México e América Central); Nova Granada (Equador,

Colômbia, Panamá e Venezuela); Peru (Peru, Bolívia e Chile); e Rio da Prata (Argentina, Uruguai e

Paraguai).

O Sistema Colonial na América Inglesa. As Treze Colônias Americanas, como ficaram conhecidas as colônias inglesas na América, foram

povoadas e exploradas de fato, a partir do século XVII, para atender a objetivos diferentes daqueles vistos

na América Ibérica.

A colonização inglesa relaciona-se à expansão do comércio e da frota mercante da Inglaterra naquele

período, em contraste com uma lenta, mas perceptível decadência da Espanha (na Segunda metade do

século XVII, a mineração de ouro e prata na América espanhola já se encontrava esgotada).

O governo inglês concede terras donatárias a elementos da elite nobiliárquica, além de privilégios a

Companhias de Comércio, para ocupação, exploração, defesa e administração das terras americanas.

A partir de 1620, a colonização ganha novo impulso devido a uma circunstância específica no momento

por que passa a Inglaterra: perseguições políticas e religiosas, durante o governo absolutista dos Stuarts,

provocam a fuga de milhares de famílias puritanas para a América do Norte. Outro aspecto particular a

mencionar é o êxodo rural crescente no país, vitimando camponeses que perdem suas terras no processo

conhecido como cercamentos – muitos dirigem-se aos centros urbanos, e, diante das precárias condições

de vida, mudam-se para a América, onde trabalham como servos de contrato.

Assim, tem-se a colonização inglesa na América do Norte como resultado:

Do crescimento econômico inglês;

Da ação colonizadora do Estado;

Das perseguições político-religiosas, ocasionando a fuga de famílias;

Dos cercamentos. Outra especificidade da colonização inglesa é que ela é realizada por grupos familiares, os quais

objetivam a sua transferência definitiva para a América.

Dessa forma, aliado ao baixo interesse inglês sobre as terras americanas, que não apresentam uma

riqueza para ser explorada imediatamente, foi-se desenvolvendo um sistema colonial baseado no

povoamento, na defesa e no crescimento das terras americanas, em contraste com a colonização de

exploração vista na América Ibérica.

O sistema inglês, mais liberalizante, se comparado à América espanhola e portuguesa, foi alicerçado na

negligência salutar. Essa política garante um certo autogoverno (Self-Governmente) aos colonos, que

controlavam os impostos, limitando, assim, a ação dos governadores das Treze Colônias nomeados pela

Inglaterra.

Insiste-se, porém, que as circunstâncias internas da metrópole, assim como a ausência de uma

grande riqueza na América Inglesa, determinam o colonialismo de povoamento. Portanto, jamais se

deve atribuir esse novo tipo de colonização à condição da Inglaterra de “boa metrópole”, com visão

colonizadora privilegiada em relação a Portugal e Espanha, as “metrópoles más”.

As colônias do Norte (New Hampshire, Massachusetts, Connecticut, Rhode Island). As Colônias do Norte, também chamada de Nova Inglaterra, por apresentarem um clima semelhante

ao da Metrópole, não privilegiam a atividade agrícola de exportação.

Nelas são desenvolvidas atividades voltadas para o mercado interno com o uso de mão-de-obra livre,

muitas vezes familiar em pequenas propriedades territoriais (minifúndios) com diversidade agrícola

(policultura). As atividades artesanais, a construção naval e a pesca também se destacam. Dessa forma, a

burguesia acaba por prosperar e há o crescimento do comércio com as Colônias do Sul, as Antilhas

inglesas, a África e com a própria metrópole. A este comércio dinâmico, deu-se o nome de Comércio

Triangular.

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Uma das formas desse comércio pode ser assim resumida: os americanos buscam nas Antilhas o melaço,

para ser transformado em rum e levado à África para ser trocado pelos escravos, que seriam mandados às

Antilhas.

Colônias do Sul (Virgínia, Geórgia, Carolina do Sul e Carolina do Norte). Com um clima semelhante ao tropical, as Colônias do Sul se desenvolveram de forma diferenciada das

do Norte. A agricultura expandiu-se por grandes extensões territoriais (latifúndios), com a especialização

de um produto (monocultura), tabaco ou algodão e com o emprego da mão-de-obra escrava africana.

Esse sistema conhecido como Plantation, objetivava atender ao mercado externo.

Embora com características semelhantes às de certas áreas coloniais da América Latina, as Colônias do

Sul, assim como as do Norte e do Centro, não se submetem ao exclusivismo colonial (Pacto Colonial).

Colônias do Centro (Nova Iorque, Pensilvânia, Nova Jérsei, Delaware, Maryland). Apresentando aspectos sócio-econômicos semelhantes às áreas do norte e do sul, sobretudo do Norte, as

Colônias do Centro têm como atividade de destaque a agricultura do trigo, o comércio de peles e uma

crescente manufatura.

Salienta-se, no centro, a fundação da cidade de Nova Amsterdã, hoje, Nova Iorque, por colonos

holandeses.

Sociedade e Religião As características da sociedade americana são desdobramentos de seus particularismo econômicos. No

Norte há maior mobilidade social com maiores possibilidades de ascensão econômica. O Sul, por sua vez,

apresenta menor mobilidade social, sendo rígida, hierarquizada e escravista.

Nas Treze Colônias, entretanto, havia liberdade de culto, diferentemente na América Ibérica, onde

ocorreu a imposição da religião católica. Dessa forma, não houve a preocupação em catequizar os nativos.

Muitos deles, no entanto, foram eliminados com a chegada do colonizador que também caracteriza

destruição da sua cultura.

O Sistema Colonial Francês. Os franceses iniciaram tardiamente as suas viagens e conquistas. Isto porque a França experimentou

problemas internos realmente graves, no que se refere à obra de centralização política

Ao longo do século XVI, os franceses estiveram na América, mas isso não significava uma atitude

sistemática e coerente desenvolvida pela Coroa. Era, no mais das vezes, atuação de corsários e de uns

poucos indivíduos. Como exemplo, pode-se mencionar as invasões do litoral brasileiro, à procura de pau-

brasil, e algumas visitas à América do Norte.

Ocorreram, também, tentativas de ocupação, como aquela em 1555, em que os calvinistas perseguidos

tentaram ocupar o Rio de Janeiro e ali fundar a França Antártica. Não foram bem sucedidos no entanto.

Já no século XVII, outra tentativa de ocupar áreas brasileiras: a instalação da França Equinocial, ou

Equatorial, no Maranhão, de onde também foram expulsos.

Somente durante o governo de Luís XIII e de seu primeiro ministro Richelieu é que a ocupação da

América pelos franceses assume um caráter mais decisivo com a ocupação do Canadá e de algumas ilhas da

América Central: Guadalupe, Martinica e o Haiti (parte da Ilha de São Domingos, que era de propriedade

espanhola).

No Canadá os colonos praticaram a agricultura de subsistência, aliada ao comércio de peles, de alto

valor no mercado europeu.

Nas Antilhas, a produção de açúcar era a atividade fundamental, empregando a mão-de-obra escrava

africana, atividade aliás, que possibilitou vultosa acumulação de capitais.

Mas a França não conseguiu ficar muito tempo com essas áreas. Com efeito, rivalidades na Europa,

principalmente com a Inglaterra, levaram os franceses a perder Guadalupe, Martinica e o Canadá (devido à

Guerra dos Sete Anos – 1756/1763) para aquela nação.

Restaram pois, o Haiti, a Guiana Francesa e uma parte central da América do Norte – a Lousiana –

posteriormente vendida aos norte-americanos, no século XIX.

O MOVIMENTO ILUMINISTA E A ECONOMIA POLÍTICA

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As transformações em todos os níveis – econômico, político, social e cultural – que ocorreram no século

XVII, principalmente no que se referia à economia das sociedades européias, exigiam correspondente

alteração na forma de encarar o mundo. Para a sociedade européia havia a necessidade de uma nova

filosofia adequada ao espírito do capitalismo. A este novo modo de pensar e de compreender o mundo

e a sociedade, os historiadores deram o nome de Iluminismo, e deve ser compreendido e apreendido

dentro do contexto de crise geral do Ancièn Règime (Antigo Regime, ou também, “crise do feudalismo”).

Contribuem para essa situação alguns fatores que já estudamos, característicos do mundo moderno: o

Expansionismo Marítimo, a Revolução Comercial, a construção dos Sistemas Coloniais nas Américas, Ásia

e África, o Mercantilismo, o Absolutismo, o Renascimento e a Reforma.

O que se verá, dos séculos XVII ao XIX é o questionamento e a derrubada desse Antigo Regime,

baseado no Estado Centralizado e interventor da Idade Moderna. O processo de edificação de uma nova

ordem é típico do século XVIII (transição do mundo moderno para o mundo contemporâneo) e comandado

pela burguesia, que defende a conquista de seu espaço político, a afirmação do pensamento liberal e a

consolidação do capitalismo, fundamentais para a constituição de uma ordem liberal burguesa e capitalista.

A Revolução Científica do século XVII, as bases filosóficas do pensamento liberal nos séculos XVII e

XVIII, a Revolução Francesa do século XVIII e a Revolução Industrial, a partir do século XVIII, conduzem

a burguesia ao poder político e, simultaneamente, reafirmando o seu poder econômico. O denominador

comum a tendência ao predomínio da visão racionalista do mundo, marca inconfundível da sociedade que

se tornava cada vez mais burguesa.

As repercussões na América, como o questionamento do sistema colonial, são consideradas

manifestações do pensamento liberal nas colônias, a partir da ação da burguesia colonial.

A Revolução Científica O desenvolvimento das ciências e, particularmente, do uso da razão, permite o desenvolvimento de uma

revolução no campo do saber, comumentemente denominada de “Revolução Científica”. Tal fato encontra

o seu espaço de manifestação no século XVII, questionadora das tradicionais instituições baseadas no

autoritarismo (o Estado Centralizado) e na fé (Igreja Católica). Tais idéias encontrarão na burguesia, nos

séculos XVII e XVIII, o respaldo necessário para sua difusão, servindo e base para o pensamento liberal,

político e econômico, que irá alterar significativamente o Estado Moderno.

Historicamente, vê-se na Idade Média, o domínio político cultural da Igreja Católica ditando o

pensamento e a ciência; exalta-se a espiritualidade; divulgam-se as idéias da Antigüidade Clássica, de

Aristóteles e Ptolomeu: o universo é concebido pela vontade divina; a terra não se move e está no centro do

Universo, com os planetas, o sol e as estrelas girando ao seu redor, através de órbitas circulares; a

experimentação é desnecessária para se chegar a conclusões científicas; os movimentos são intrínsecos aos

corpos (inexiste, portanto, a crença nas forças naturais, apenas nas divinas).

Ao longo da Idade Moderna, um conjunto de fatores altera o pensamento e a ciência européia:

Os contatos com os povos extra-europeus, como árabes e chineses, permitem o conhecimento de

importantes inventos, como o astrolábio e a bússola, fundamentais para a navegação para as

Grandes navegações;

As necessidades advindas das Grandes Navegações fazem evoluir a cartografia e a construção de

embarcações;

A invenção da imprensa faz difundir as idéias e o conhecimento com muito mais facilidade;

A Reforma estimula a liberdade de pensamento na medida em que critica o autoritarismo, os

abusos e a cultura católica da Idade Média;

O Estado Centralizado necessita de ciência para seus empreendimentos e modernizações, como a

melhoria das armas de guerra, das embarcações para fins comerciais, dos rendimentos agrícolas e

do extrativismo mineral;

O Renascimento, ao valorizar o homem e a vida, permite um maior contato com a natureza

(naturalismo) e a crença na possibilidade de cada vez mais conhecê-la, dominá-la e altera-la. Um grande número de personagens renascentistas colaboraram para o avanço científico na Era Moderna,

ilustrando o que se mencionou:

Nicolau Copérnico, polonês, no século XV, através da teoria do heliocentrismo, afirma ser o Sol, e

não a Terra, o centro do Universo, embora acredite nas órbitas circulares dos planetas;

Tyclo Brahe, dinamarquês, no século XVI, afirma que os corpos celestes são mutáveis;

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Johanes Kepler, alemão, também no século XVI, descreve como sendo elípticas as órbitas dos

corpos celestes;

Galileu Galilei, italiano, nos séculos XVI e XVII, ao lado de diversos inventos, sugere o método

experimental para as ciências: observações e experimentações são necessárias para se chegar a

conclusões e generalizações. Galileu também inventou o telescópio, descobriu as montanhas da lua,

as manchas solares e os satélites de Júpiter. Sua concepção sobre o movimento da Terra em torno

do Sol provocou uma revolução e levou a Igreja a submetê-lo ao Tribunal do Santo Ofício, onde

negou tudo. A partir dessa linha evolutiva, o século XVII (fase posterior à do Renascimento) assiste à contribuição

de outras importantes personagens para a ciência:

Issac Newton, inglês, através da Teoria Gravitacional (ou Lei fundamental da atração e gravitação

universal), revoluciona a mecânica celeste, descrevendo os movimentos da Terra e de qualquer

lugar do Universo a partir da ação de forças naturais e não divinas, expressando-as

matematicamente.

Francis Bacon, inglês, baseando-se em Galileu, lança o método indutivo ou experimental, para

formulação de leis, em sua obra Novum Organum (1620).

René Descartes, francês, explicita o método dedutivo, pelo qual em Discurso sobre o Método

(1637), sem necessariamente utilizar experiências, pode-se pensar, investigar, deduzir, com base

na razão, com o auxílio de teorias matemáticas criando, com isso, a geometria analítica. O que se percebe pela descrição da evolução da ciência até se atingir o século XVII é o gradual

questionamento das “verdades” da Igreja Católica, ensinada desde a Idade Média. baseadas na fé, e sua

substituição pelos fundamentos científicos, baseados na razão e no conhecimento.

Como desdobramento do que se mencionou, o século XVII reserva um importante questionamento

filosófico: sendo o universo regido por leis naturais e o homem um membro deste universo, porque não

defender também a existência de leis naturais para a política e a economia?

Fica dessa forma, lançado o gradual questionamento do intervencionismo do Estado, típico da Era

Moderna, caracterizado pelo Absolutismo e pelo Mercantilismo, e sua substituição pelo Estado Liberal,

marcado pela ausência de intervencionismo, no campo político e econômico.

O Iluminismo. O termo Iluminismo indica um movimento de idéias (ideologia) que tem suas origens no século XVII,

mas que se desenvolve especialmente no século XVIII, denominado, por isso de “o século das luzes”.

O Iluminismo é uma filosofia militante de crítica da tradição cultural institucional; seu programa é

a difusão do uso da razão para dirigir o progresso da vida em todos os aspectos. A filosofia Iluminista

voltou-se para o estudo da natureza e da sociedade. O uso da razão era considerado indispensável à

compreensão dos fenômenos naturais e sociais, e o alcance do estado de felicidade.

Segundo os Iluministas até a crença deveria ser racionalizada. Por isso eram Deístas, ou seja,

acreditavam que Deus está presente na natureza e, como o homem faz parte da natureza, Ele também se

encontra presente no coração do próprio homem que pode descobri-lo através da razão e da felicidade.

Assim, a instituição da Igreja torna-se dispensável, pois era criticada pela sua intolerância, ambição

política e pela inutilidade das suas ordens monásticas.

Não se trata de um movimento homogêneo; não é possível encontrar nele um sistema de idéias ou

uma escola; dir-se-ia que é, acima de tudo, uma atividade da mentalidade, uma atitude cultural e

espiritual, que não é somente dos filósofos, mas de grande parte da sociedade da época, de modo

particular da burguesia, dos intelectuais, da sociedade mundana e até de alguns reinantes.

Os Iluministas consideravam os homens bons e iguais perante a natureza e que a desigualdade

existente entre eles era provocada pelos próprios homens, isto é, pela sociedade, pela civilização. Para

corrigir essa desigualdade achavam que era preciso modificar a sociedade, dando a todos liberdade de

expressão e de culto, e proteção contra a escravidão, a injustiça, a opressão e as guerras. Essa cultura

devia muito às descobertas da Revolução Científica , ao método experimental de que foram pioneiros

Galileu, Boyle e Issac Newton, bem como - e o que é mais importante - à imagem científica do universo

formada durante o século XVII.

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O princípio organizador da sociedade deveria ser a busca da felicidade, cabendo ao governo

garantir certos direitos naturais do homem: a liberdade individual assim como a livre posse de bens; a

tolerância para a expressão de idéias; a igualdade perante a lei; uma justiça serena com base na punição dos

delitos e das penas. A forma política ideal garantidora desses princípios variava segundo os pensadores. O

modelo seria a monarquia inglesa, para Montesquieu e Voltaire; ou uma república fundada sobre a

moralidade e a virtude cívica, para Rousseau.

Este modo de pensar e de sentir é difundido, no século XVIII, em muitos países da Europa. Suas

principais manifestações se encontram na Inglaterra e na Holanda, mas é um movimento que interessa

particularmente à França, onde a decadência do governo absolutista leva a filosofia a focalizar a doutrina

política e social. Aqui, as ordens privilegiadas (diferente de classes!), o clero e a nobreza (segundo e

primeiro Estado, respectivamente), possuem diversos privilégios, tais como isenções fiscais e rendas

feudais significantes, em contradição ao terceiro estado (o povo) que paga todos os tributos, além de

estarem submetidos à servidão. Por isso a burguesia, cuja a cultura e a importância econômica aumentaram

consideravelmente, a ponto de se haver tornado um sustentáculo da sociedade, condena as duas outras

ordens, chamando-as de parasitas.

Poder-se-ia afirmar que o Iluminismo expressou, em última instância, a ascensão da burguesia e

de sua ideologia.

Os principais pensadores do Iluminismo. Podemos dividir os pensadores Iluministas em dois grupos: o dos filósofos, que se ocuparam

principalmente com os problemas políticos, sociais e religiosos; e dos economistas, que procuraram uma

maneira de aumentar a riqueza das nações. Os principais filósofos foram:

John Locke (1632-1704), teórico do Partido Liberal Inglês, autor de Tratado sobre o governo

(1687) e Carta Sobre a Tolerância (1690), pregava um governo parlamentarista com plenas

garantias de liberdade individual e igualdade entre os homens vendo a origem do poder político

numa espécie de contrato social entre o povo e o soberano;

Barão de Montesquieu, ou simplesmente Montesquieu (1689-1755), publicou em 1721, as Cartas

Persas em que ironizou e ridicularizou os costumes e instituições francesas; publicou em 1748, o

Espírito das Leis, estudo sobre as formas de governo em que destacava a monarquia inglesa e

recomendava, como única maneira de garantir a liberdade a independência dos três poderes:

executivo, legislativo e judiciário.

François-Maire Arouet, mais conhecido como Voltaire (1694-1778), sem dúvida foi o mais

importante filósofo francês. Exilado na Inglaterra, publicou Cartas Inglesas, com ataques ao

absolutismo e à intolerância e elogios à liberdade existente naquele país. Fixando-se em Ferney,

França, exerceu grande influência por mais de vinte anos, até morrer. Discípulos se espalharam

pela Europa e divulgaram suas idéias, especialmente o seu anticlericalismo.

Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), teve origem modesta e vida aventureira. Nascido em

Genebra, era contrário ao luxo e à vida mundana. Em Discurso sobre a origem da desigualdade

entre os homens (1755), defendeu a tese da bondade natural dos homens, pervertidos pela

civilização. consagrou toda a sua obra à tese da reforma necessária da sociedade corrompida.

Propunha uma vida familiar simples; no plano político, uma sociedade baseada na justiça, igualdade

e soberania do povo, como mostra em seu texto mais famoso, O Contrato Social. Sua teoria da

vontade geral, referida ao povo, foi fundamental na Revolução Francesa e inspirou Robespierre e

outros.

Diderot (1717-1783), organizou a Enciclopédia, publicada entre 1751 e 1772, com a ajuda do

matemático d’Alembert e da maioria dos pensadores e escritores. Proibida pelo governo de

divulgar as novas idéias, a obra passou a circular clandestinamente. Os economistas pregaram essencialmente a liberdade econômica e se opunham a toda e qualquer

regulamentação. A natureza deveria dirigir a economia; o Estado só interviria para garantir o livre curso da

natureza. Eram os fisiocratas, ou partidários da fisiocracia (governo da natureza).François Quesnay (1694-

1774), um dos mais importantes fisiocratas franceses afirmava que a atividade verdadeiramente produtiva

era a agricultura.

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Gournay propunha total liberdade para as atividades comerciais e industriais, consagrando a frase

“Laissez faire, laissez passer”, ou seja, “Deixe fazer, deixe passar”.

O escocês Adam Smith, seu discípulo, escreveu As Riquezas das Nações (1765), em que defendeu a

seguinte tese: nem a agricultura, como queriam os fisiocratas, nem o comércio, como defendiam os

mercantilistas; o trabalho era a fonte da riqueza. O trabalho livre, sem intervenções, guiado

espontaneamente pela natureza.

O Despotismo Esclarecido: A tentativa da nobreza de se manter no poder Estimulados pelos filósofos, numerosos príncipes procuraram por em prática as novas idéias,

governando de acordo com a razão e segundo os interesses do povo, mas sem abandonar o poder absoluto,

ou seja, foi uma reforma do Estado pelo Estado. Essa aliança de princípios filosóficos e poder monárquico

deu origem a um regime de governo típico do século XVIII, o Despotismo Esclarecido. Seus representantes

mais destacados foram Frederico II, Rei da Prússia; Catarina II, czarina da Rússia; José II, Imperador da

Áustria; Marquês de Pombal (ministro do Rei José I) de Portugal; e Aranda, ministro da Espanha.

Esse tipo de governo esclarecido deve ser compreendido no contexto de uma evolução posterior desses

países, em relação aos Estados mais antigos da Europa.

Muitas dessas medidas tomadas pelos monarcas e/ou seus ministros não saíram do papel, pois não

tinham forças suficientes para impor as ordens para a sua aristocracia, já que precisavam dela enquanto

bloco de poder e de sustentação política, econômica e militar.

Esses monarcas do século XVIII sabiam, de uma maneira que seus antecessores não podiam saber, que

o conhecimento representa poder. O Iluminismo foi útil para proporcionar uma teoria em torno da qual os

Estados da Europa Central e Oriental, então recentemente unificados, puderam organizar suas políticas. A

teoria também justificava a centralização em detrimento do poder das elites locais, que desfrutavam há

muito uma situação cômoda, através de séculos de autoridade sem oposição. Assim, podemos dizer que o

Iluminismo ofereceu novos princípios para a organização do poder monárquico centralizado, mas a

centralização e a racionalização e gestão econômicas não tornaram seus praticantes os seus beneficiários

mais esclarecidos.

A adoção dessas medidas, numa tentativa de conciliação entre o absolutismo monárquico e as

concepções Iluministas foi uma tentativa desesperada de salvação de uma aristocracia decadente e arcaica e

tenderam somente a criar e agravar as contradições inerentes ao absolutismo. Mas não se iludam. As luzes

não foram criadas para reforçar o Estado Feudal. O objetivo era destruí-lo. Essa tentativa contribuiu,

também, para solapar as bases do próprio absolutismo e para a aceitação e difusão dos ideais democráticos

burgueses, expressos na filosofia Iluminista.

Entretanto, o Estado que mais fez propaganda e menos praticou as novas idéias foi a Rússia. Catarina II

(1762-1796) atraiu filósofos, manteve correspondência em eles, muito prometeu e pouco fez. A czarina deu

liberdade religiosa ao povo e educou as altas classes sociais, que se afrancesaram. A situação dos servos se

agravou. Os proprietários chegaram a ter direito de condená-los à morte.

José II (1780-1790), foi o déspota esclarecido típico. Aboliu a servidão na Áustria, deu igualdade a

todos perante a lei e os impostos, uniformizou a administração do Império, deu liberdade de culto e direito

de emprego aos não-católicos.

O Marquês de Pombal, ministro de D. José I, de Portugal, fez importantes reformas. A indústria cresceu,

O Iluminismo e a Era das Revoluções Burguesas Clássicas Todas estas idéias claramente burguesas, irão configurar a vitória da classe detentora do capital (a

burguesia). Neste momento “século das luzes”, quando o Iluminismo leva a burguesia a alcançar o poder

político, haverá a sedimentação do poder econômico e do sistema capitalista: a burguesia dá início à

Revolução Industrial; a burguesia novamente transforma o mundo.

Mas o que é Revolução?

O Professor Florestan Fernandes, apresenta-nos uma definição brilhante do que é uma Revolução. De

acordo com o Professor, “para que a revolução tenha lugar, não é suficiente que as massas exploradas e

oprimidas tomem consciência da impossibilidade de viver como antes e reclamem transformações. Para

que a revolução tenha lugar, é necessário que os exploradores não possam viver e governar como antes. É

somente quando os ‘de baixo’ não queiram mais e os ‘de cima’ não possam mais continuar a viver da

antiga maneira, é então somente [nessa circunstância] que a revolução pode triunfar. Essa verdade se

exprime em outras palavras: a revolução é impossível sem uma crise nacional (afetando explorados e

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exploradores). Assim, pois para que uma [verdadeira] revolução tenha lugar, é preciso: primeiramente,

conseguir que a maioria dos operários (ou, pelo menos, que a maioria dos operários conscientes,

ponderados, politicamente ativos) tenha compreendido perfeitamente a necessidade da revolução e esteja

disposta a morrer por ela; é preciso também que as classes dirigentes atravessem uma crise governamental

que envolva na vida política até as massas mais retardatárias (o índice de toda a revolução verdadeira é uma

rápida elevação ao décuplo, ou mesmo ao centuplo do número de homens aptos para a luta política, entre a

massa laboriosa e oprimida, até a apática), a qual enfraqueça o governo e toner possível aos revolucionários

a sua pronta substituição”. (FERNANDES, Florestan. O QUE É REVOLUÇÃO. São Paulo: Abril

Cultural/Brasiliense, 1984. (coleção Primeiros passos, vol 13) pp 07).

E é exatamente com essa concepção de Revolução que nos identificamos e tentaremos compreender as

Revoluções que ocorreram na Europa e que coroaram a transição do feudalismo ao capitalismo.

A partir da segunda metade do século XVIII, ocorre a crise final do Sistema Feudal. As transformações

político-ideológicas, provenientes do Iluminismo, e econômicas, oriundas da Revolução Industrial, levam a

burguesia a um processo de fortalecimento e à luta pela tomada do poder. Esses fatores são fundamentais

para a eclosão das Revoluções liberais burguesas que, por ocorrem no mundo ocidental capitalista e no

eixo Atlântico, são conhecidas como “Revoluções Atlânticas ou Ocidentais”: Revolução Americana,

Revolução Francesa e os Movimentos de Independência das Colônias americanas face às metrópoles

ibéricas.

A ERA DAS REVOLUÇÕES: AS REVOLUÇÕES INGLESAS DO SÉCULO XVII.

Introdução. Durante o século XVII, mais precisamente entre 1640 e 1689, a Inglaterra foi abalada por um processo

revolucionário de grandes proporções. Trata-se da Revolução Inglesa de 1640-1660, cujo desdobramento

lógico e até mesmo previsível foi chamada “Revolução Gloriosa”, 1688/1689.

No entanto, ambos os movimentos fazem parte de um mesmo processo revolucionário, que assinalou a

superação, em definitivo, do modo de produção feudal, do Antigo Regime e de suas instituições na

Inglaterra, possibilitando o advento de uma sociedade burguesa e a emergência da produção capitalista no

país. Alguns historiadores, admitem, inclusive, a possibilidade de não se dissociar a Revolução Industrial

do século XVIII da Revolução Inglesa do século XVII. Esta última teria eliminado os entraves feudais quer

serviam de obstáculos às forças capitalistas, liberando mão-de-obra, liquidando as antigas corporações, e,

dessa maneira, criando - ou acelerando - as pré-condições à Revolução Industrial.

Para se compreender o movimento revolucionário que aconteceu na Inglaterra, é necessário perceber o

quadro social lá existente, além das questões políticas e econômicas derivadas de uma sociedade onde as

forças capitalistas avançavam com rapidez, mas esbarravam numa estrutura ainda eminentemente feudal.

Ou seja, As Revoluções Inglesas devem ser apreendidas a partir de diversas transformações econômicas e

sociais porque passa o país, incompatíveis com a situação política vigente.

A Inglaterra antes da Revolução. A Inglaterra às vésperas do movimento revolucionário, apresentava as seguintes características em

termos gerais:

O Estado Absolutista inglês (desde 1603) o governo estava nas mãos da dinastia Stuart era,

apesar disso, tremendamente frágil: não possuía exército permanente nem uma burocracia

organizada, além de possuir rendimentos financeiros pouco expressivos; as tentativas dos reis

Jaime I e Carlos I em aumentarem os impostos e terem um exército à sua disposição, eram vistas

com desconfianças pelo Parlamento;

Um rápido crescimento econômico-financeiro da burguesia, a partir da aceleração do modo de

produção do setor manufatureiro, conjugado com a intensificação das relações comerciais,

inclusive com as colônias, durante a Idade Moderna. Sob os governos da dinastia dos Tudor (1485-

1603), a Inglaterra tornou-se uma grande potência marítima. Foi também neste período que o

sistema de “putting out” ou indústria doméstica surgiu, determinando mudanças na estrutura da

produção.

A afirmação da Igreja Anglicana, fundada pelo rei Henrique VIII, que rompeu com o papa

Clemente VII, determinou o confisco das terras da Igreja Católica na Inglaterra em favor do

Estado e, depois foram vendidas para a burguesia e para a nova nobreza (gentry) que estavam

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preocupadas com o cercamento das terras para a criação de ovelhas cuja lã atendia às manufaturas.

Assim, passou a haver uma estreita associação de interesses entre a burguesia mercantil e gentry;

As transformações na estrutura social, derivadas dessas transformações sociais e econômicas. A

diferenciação social entre cidade e o campo era bastante nítida. No campo estavam os Pares

(aristocracia, ou alta nobreza, essencialmente feudal); os yeomen (pequenos e médios proprietários

rurais); os arrendatários (eram empresários, mas não possuíam terras) e os jornaleiros (eram

servos expropriados e que viviam da venda de seu dia de trabalho, “jornada”, ou “jornal”). Nas

cidades, encontravam-se a burguesia mercantil, setores da gentry (comerciantes e

manufatureiros), a burguesia manufatureira e os jornaleiros urbanos. Havia, ainda, nas cidades, os

elementos ligados às corporações de ofício.

decadência sócio-econômica dos pares (Nobreza) devido ao conjunto de transformações pelas quais

o país vinha passando, desde os séculos XV-XVI (crescimento das cidades, expansão do comércio,

desenvolvimento da indústria têxtil, expulsão dos camponeses das terras de uso comum, através

dos cercamentos, ascensão de novos grupos sociais, etc);

emergência de uma pequena e média nobreza rural, conhecida pela expressão “gentry” (nova

nobreza), principal beneficiária dos cercamentos, que produzia para o mercado, com uma

mentalidade capitalista em formação e que tinha toda uma série de laços, econômicos e pessoais,

com a burguesia das cidades;

existência de uma vasta “classe média rural”, os “yeomen”, bastante heterogênea e formada por

granjeiros; pequenos proprietários, lavradores, arrendatários, etc, espremidos entre a “gentry” e

os simples camponeses sem terras;

No campo, existência de uma camada expressiva de camponeses sem qualquer tipo de posse;

Existência nas cidades de um proletariado em formação, os desempregados e marginalizados de

toda a sorte. Em 1640, para vencer os Irlandeses, Carlos I organiza um exército próprio, que será levado a lutar

contra o Parlamento. Tem início a Revolução, que passa pelas seguintes etapas:

A Grande Rebelião (1640-1642);

A Guerra Civil ou Revolução Puritana (1642-1648);

A República de Cromwell (1648-1660);

Restauração Stuart (1660-1688);

Revolução Gloriosa (1688-1689).

“A Grande Rebelião” (1640-1642) O movimento revolucionário tem início no governo de Carlos I (1625-1640), devido às tentativas desse

rei de aumentar os impostos. Em 1637 ele lançou o “ship money”, e a população se rebelou. Paralelamente,

a monarquia procurava restringir os cercamentos, afastar a gentry da Corte e reforçar os privilégios dos

Pares. Os protestos do Parlamento levaram Carlos I a dissolvê-lo, convocando um outro, que ficou

conhecido com Short Parliement (parlamento curto), logo dissolvido por se recusar a permitir novos

impostos. O parlamento convocado logo a seguir, conhecido como Long Parliement (Parlamento Longo),

toma atitudes drásticas: depõe o primeiro-ministro, revoga os impostos que o rei havia decretado e

estabelece que apenas o Parlamento poderia se autodissolver; o rei não poderia mais tomar tal atitude. Tal

movimento será conhecido como a “Grande Rebelião”, e foi, em outras palavras, o momento em que o

Parlamento, representando as aspirações da “gentry” e da burguesia, revoltou-se contra a Monarquia

Absolutista dos Stuart. O conflito deveu-se, portanto, a uma prolongada disputa pela supremacia do poder

político na Inglaterra.

“A guerra civil” ou “Revolução Puritana” (1642-1648) A “Guerra Civil” ou “Revolução Puritana” é o período em que o conflito REI x PARLAMENTO,

ampliado também por motivos religiosos e ideológicos, se transforma em um confronto armado. As

divergências religiosas se explicam pela tentativa da Monarquia Absolutista em transformar o

Anglicanismo (Igreja criada pelos Stuarts, para favorecer os seus interesses) em religião oficial do Estado e,

por conseguinte, em suporte ideológico de um processo de fortalecimento do poder monárquico. A causa

imediata da eclosão da “Guerra Civil”, foi a revolta católica na Irlanda. O rei Carlos I recusou-se a cumprir

uma exigência do Parlamento de que a escolha dos conselheiros do Rei deveria ser aprovada pela Câmara

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dos Comuns. com isso o rei invade o Parlamento e tenta prender os líderes da Câmara dos Comuns. Isso

desencadeou uma guerra civil em 1642 entre os Cavaleiros (defensores do rei, que eram constituídos pelos

anglicanos) e os “Cabeças Redondas” (defensores do Parlamento, que eram constituídos de presbiterianos e

puritanos), liderados por Oliver Cromwell, líder dos puritanos;

Parlamento Inglês era constituído pela Câmara dos Lordes e pela Câmara dos Comuns. A nobreza

tradicional do norte e do Oeste de características feudais e ligada à terra, compunha a Câmara dos Lordes.

Os burgueses e a nobreza do sul e do leste, compunham a Câmara dos Comuns; nestas regiões, onde os

interesses pela terra, pelo comércio e pela indústria se mesclavam, a população voltava-se para uma

economia mais aberta, de lucros, investimentos e expansão.

“A República de Cromwell, ou Commonwealth” ou “República Puritana” (1649-1658)

Após a vitória dos puritanos, a prisão, o julgamento e a execução do rei Carlos I, em janeiro de 1649,

foi instalada a República Puritana. A partir de então, o New Model Army, exército revolucionário

organizado e proposto por Oliver Cromwell durante a guerra civil, assume poderes cada vez maiores.

Durante a época desta República, o poder se concentrou nas mãos de Cromwell, que, em 1653 se declara

Lorde Protetor das Repúblicas da Inglaterra, Irlanda e Escócia, e começou a exercer uma ditadura pessoal

que durou até 1658. Neste período Cromwell elimina os elementos mais radicais do exército, responsáveis

pelo aparecimento de uma ideologia política que ultrapassa os limites burgueses da Revolução. A ação

ideológica mais radical, representada pelos “Levellers” (Niveladores), pretendia um aprofundamento do

processo revolucionário e sonhava com uma República de Pequenos Proprietários;

A “Restauração Monárquica” (1660-1688) Após a morte de Oliver Cromwell, seu filho, Ricardo Cromwell, assume o poder. Contudo, não possuía

a mesma determinação do pai e é considerado pelo Parlamento como incapaz, o que força a sua abdicação

em favor dos líderes militares, abrindo caminho para a restauração monárquica. O Parlamento é

reconvocado devido às brigas entre os chefes militares, e, para solucionar o problema, restaura a Monarquia

Stuart, com Carlos II (1660-1685) e, posteriormente Jaime II (1685-1688), ambos filhos do rei decapitado

durante a Revolução Puritana e de formação católica. Torna-se importante destacar que, com a restauração

Monárquica, as classes dominantes (gentry e a burguesia) pretendiam evitar qualquer possibilidade de

retorno das antigas reivindicações radicais e democratas das classes sociais inferiores. Ao mesmo tempo,

como assinalou Christopher Hill, “com essa restauração pretendiam conferir um caráter sagrado e um traço

social a uma nova ordem social. O que era realmente importante era o fato de que a ordem social a ser nova

e não poder ter sido alcançada sem revolução”;

A “Revolução Gloriosa” (1688-1689) Movimento que se apresenta como um desdobramento lógico das transformações alcançadas

anteriormente. Diante das tentativas do rei Jaime II em restaurar as antigas prerrogativas do regime

absolutista e de fortalecer o conteúdo católico da religião anglicana, o Parlamento entende ser necessário

derrubá-lo, instaurando de vez o regime parlamentarista na Inglaterra. Neste sentido convocam Maria

Stuart e seu marido, Guilherme de Orange, príncipe das Províncias Unidas (Holanda), assumir o trono,

desde que assinasse a Declaração de Direitos-1689 (Bill of Rights). Após a conivência do novo monarca,

que foi corado como Guilherme III, o rei subordinava-se em definitivo ao Parlamento. As principais

declarações foram:

*obrigatoriedade de submeter à aprovação das Câmaras qualquer previsão de aumento de impostos;

*garantia de liberdade de imprensa, da liberdade individual e da propriedade privada;

*confirmação do anglicanismo como religião oficial da Inglaterra e tolerância a todos os cultos,

exceto o católico;

*alternância periódica do ministério entre a nobreza latifundiária e a burguesia urbana. Através

dessas medidas, que consolidaram a superioridade do Parlamento sobre a vontade do rei, a

monarquia absoluta foi substituída pela Monarquia Constitucional. “O rei reina, mas não governa”. Os grupos religiosos na Inglaterra no século XVII eram:

Anglicanismo: grupo dominante, formado pela alta nobreza e pelos setores ligados ao rei. Apoiavam

o regime absolutista.

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Católicos: em pequeno número da Inglaterra, mas muito numerosos na Irlanda. Os adeptos do

catolicismo eram encontrados nos setores rurais e sofriam constantes perseguições.

Calvinistas: grupo religioso mais importante da população inglesa, dividindo em diversas correntes,

das quais as mais representativas eram:

Presbiterianos: alta burguesia e latifundiários. Moderados, propunham coexistência pacífica com o

anglicanismo.

Puritanos: média e pequena burguesia. Radicais, defendiam o liberalismo político, colocando-se

contra o absolutismo real e o anglicanismo. Os cavaleiros eram constituídos pelos anglicanos, e os cabeças redondas pelos presbiterianos e

puritanos. Dentre os puritanos destacou-se Oliver Cromwell, chefe militar dos “Costelas de Ferro”,

que acabou se tornando o comandantes das tropas parlamentares.

Com a morte de Guilherme III, sua cunhada Ana subiu ao trono britânico. Além de dar seqüência à

política antifrancesa de Guilherme, Ana (1702-1714) obteve vantagens consideráveis para a Inglaterra, tais

como:

em 1703, o Tratado de Methuen, abriu os mercados coloniais portugueses;

em 1707, com a incorporação da Escócia à Inglaterra, formou-se o Reino Unido da Grã-Bretanha;

em 1713, com o fim da “Guerra de Sucessão Espanhola” e a assinatura do Tratado de Utrech, a

Coroa Britânica obteve ganhos comerciais e territórios coloniais. Neste sentido, podemos dizer que a Inglaterra foi a primeira nação a romper com a autoridade absoluta

dos reis, através do fortalecimento do Parlamento.

A ERA DAS REVOLUÇÕES: A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL DA INGLATERRA (SÉC. XVIII).

A Revolução Industrial ocorreu na Inglaterra a partir da segunda metade do século XVIII sendo a

primeira da história e completou o movimento de revolução burguesa iniciada na Inglaterra no século XVII.

A substituição das ferramentas pelas máquinas, da energia humana pela energia motriz e do modo de

produção doméstico pelo sistema fabril constituiu a Revolução Industrial; revolução, em função do enorme

impacto sobre a estrutura da sociedade, num processo de transformação acompanhado por notável evolução

tecnológica. Quatro elementos essenciais concorrem para o pioneirismo da industrialização inglesa: capital,

recursos naturais, mercado, transformações agrárias.

Podemos dizer, de certa maneira, que a Revolução Industrial foi um desdobramento lógico da revolução

puritana, na medida em que esta liberou os entraves feudais para o sucesso da maquinofatura. Depois de

vencer a monarquia, a burguesia conquistou os mercados mundiais, avançando sobre estes por meios

diplomáticos ou militares (coerção extra-econômica). A hegemonia naval lhes dava o controle dos mares.

Era o mercado que comandava o ritmo da produção, ao contrário do que aconteceria depois, nos países já

industrializados, quando a produção criaria seu próprio mercado.

Os capitais necessários para o empreendimento vinham, muitas vezes, do tráfico negreiro que a

Inglaterra praticava (aproximadamente 100 anos depois, depois de ter acumulado capital suficiente para

financiar a sua industrialização, a própria Inglaterra se atirará no mar como real defensora dos negros

contra a ignomissível prática da escravidão) e do comércio com impérios coloniais, tais como Portugal.

Estima-se que mais da metade do ouro extraído das minas gerais foi parar nos cofres ingleses que

financiaram a construção de canais, estradas, ferrovias, indústrias e máquinas. “A disponibilidade de capital,

associada a um sistema bancário eficiente, com mais de quatrocentos bancos em 1790, explica a baixa taxa

de juros; isto é, havia ‘dinheiro barato’ para os empresários”. (ibid, ibidem)

Mas o elemento indispensável para o advento da industrialização inglesa foi a transformação da

estrutura agrária. Como a Revolução Inglesa possibilitou a ascensão da gentry ao poder, os cercamentos

(prática iniciada por volta do século XIV), que foram autorizados pelo Parlamento, expandiram-se

consideravelmente. “As divisões das terras coletivas beneficiou os grandes proprietários. A terra dos

yeomen foram reunidas num só lugar e eram tão poucas que não lhes garantiam a sobrevivência: eles se

transformaram em proletários rurais; deixaram de ser ao mesmo tempo agricultores e artesãos” (ibid,

ibidem). Muitos foram para as cidades. A população cresceu, aumentando o número de trabalhadores

disponíveis, condição sine-qua-non para o desenvolvimento industrial.

O fato de que a Revolução Industrial inglesa ter sido a primeira não significa que ela haja começado do

zero ou que não se possam apontar outras fases anteriores de rápido desenvolvimento industrial e

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tecnológico. Não obstante, nenhuma dessas lançou a típica fase moderna da história, a de crescimento

econômico auto-sustentado, mediante revolução tecnológica e transformação social perpétuas. Sendo a

primeira, ela é também, em aspectos cruciais, diferente de todas as subseqüentes revoluções industriais.

Não pode ser explicada fundamentalmente, ou em qualquer medida, em termos de fatores externos como,

por exemplo, a imitação de técnicas mais avançadas a importação de capital, o impacto de uma economia

mundial já industrializada. As revoluções posteriores, puderam utilizar a experiência, o exemplo e os

recursos britânicos. Ao mesmo tempo, como vimos, a revolução britânica foi precedida por, pelo menos,

200 anos de desenvolvimento econômico razoavelmente contínuo, que lançou seus alicerces.

A Revolução Industrial da Inglaterra do século XVIII marca a superação do feudalismo pelo

capitalismo enquanto modo de produção. Assinala-se nesse modo de produção a separação entre a

propriedade dos meios de produção e a força de trabalho. De um lado, donos do capital – os capitalistas – e,

consequentemente, dos meios de produção; de outro lado, os assalariados, donos da força de trabalho. Estes,

para poderem garantirem a sua sobrevivência, são levados a se colocarem à disposição dos primeiros, em

troca de um salário. Esta mão-de-obra constituir-se-á aquilo que denominamos de proletariado, em

oposição à burguesia, que se identifica com o primeiro grupo. As duas classes constituirão os eixos

centrais pelos quais se organiza a estrutura social capitalista.

É o funcionamento do modo de produção capitalista que faz com que se acumule em mãos dos

proprietários dos meios de produção uma boa parcela de trabalho, ou melhor, dos resultados do trabalho

executado pelos trabalhadores, uma vez que os salários recebidos correspondem apenas a uma parte do

valor que ele realmente cria ou acrescenta às mercadorias. A isto dá-se o nome de “mais-valia”.

Para compreendermos o fenômeno do capitalismo, é preciso reconhecer a existência de uma época

anterior, ou seja, uma fase pré-capitalista. O capitalismo corresponde a um estágio da evolução histórica,

sendo necessário, portanto, esclarecer de que maneira ele surgiu, quando e onde isso se operou. Isso nos

leva, agora, a examinar o meio pelo qual se criaram as condições para o surgimento do sistema capitalista.

Podemos dizer, resumidamente, que a origem do modo de produção capitalista implica a convergência de

duas ordens de transformações: 1ª acumulação primitiva de capital; 2ª a liberação de mão-de-obra.

A acumulação primitiva de capital resultou de um longo e diversificado processo de acumulação de

riqueza e de expropriação de muitos em benefício de uns poucos. Tal acumulação pré-capitalista ou

"primitiva" realizou-se, muitas vezes, em íntima conexão com a expropriação agrária da qual resultou a

liberação de uma numerosa mão-de-obra rural – os camponeses. Estes dois fenômenos – a acumulação

primitiva e a liberação de mão-de-obra – acontecem quase que simultaneamente, não podendo dissociar um

do outro, e fazem parte de um mesmo processo sócio-econômico, ou seja, a formação econômica do

capitalismo. Um exemplo típico destes fenômenos são os cercamentos dos campos, na Inglaterra do século

XIV em diante.

Paralelamente a essas duas ordens de transformações, devemos ressaltar a importância crescente de um

terceiro tipo de fenômeno, qual seja, a tendência a uma crescente divisão e especialização do trabalho. Esta

tendência é fundamental pois possibilita a introdução da máquinas no processo produtivo industrial, fato

que será urna das principais características da Revolução Industrial. Era preciso uma extrema divisão do

trabalho a fim de que as máquinas dos primeiros tempos, muito simples, pudessem ter condições de

integração no processo de produção. O empresário capitalista, nos primeiros tempos da industrialização,

buscava aumentar ao máximo a produtividade da mão-de-obra, fazendo multiplicar, assim, a vantagem que

obtém com os baixos salários pagos aos trabalhadores. Os empresários passaram a ver a máquina como

solução para o aumento de seus lucros.

Com o início da produção capitalista, desencadeia-se um processo de crescimento e, logo a seguir,

desenvolvimento econômico auto-sustentado. Configura-se então, no panorama mundial como um todo a

constituição de algumas poucas áreas que tendem a funcionar como pólos de desenvolvimento,

contrapondo-se a outras áreas, numerosas, periféricas, coloniais ou não, que se situam, quanto às primeiras,

numa relação de crescente dependência. Tais áreas coloniais subordinam-se economicamente às primeiras

de tal modo que, ao longo do processo de expansão capitalista, elas irão assumir mais e mais o papel de

regiões subdesenvolvidas. O subdesenvolvimento aparece, assim, corno algo estreitamente vinculado ao

desenvolvimento econômico de uma parte do mundo.

O conceito de Revolução Industrial, embora menos abrangente que o de advento do capitalismo, pois

não alcança todas as facetas e nuanças deste último, é, sem dúvida, o mais marcante e aquele que, para

muitos, assinala de fato o início da produção capitalista. No conceito de Revolução Industrial coexistem,

na verdade, duas idéias básicas: a primeira é a que aplica tal denominação como sinônimo de todo e

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qualquer processo de industrialização mais ou menos acelerado, subdividindo-a, em termos concretos, em

tantas “revoluções industriais” quantos são os “casos nacionais” existentes (Revolução Industriai inglesa,

alemã, japonesa, russa etc.). Nesse sentido, portanto, Revolução Industrial é sinônimo de industrialização

em geral.

A segunda é o conceito histórico preciso, segundo o qual a Revolução Industrial corresponde a um

“fato” ou acontecimento cronológico e geograficamente determinado. Nesse caso, sinônimo das

transformações ocorridas na Europa Ocidental durante a última parte cio século XVIII e a primeira do

século XIX, caracterizadas pelo aparecimento do capitalismo industrial em alguns países, sendo o aspecto

mais notável dessas transformações, sem dúvida alguma, o aparecimento da máquina ou o advento do

maquinismo no processo da produção industrial.

Alguns autores chegam mesmo a admitir, nessa ordem de idéias, que a expressão se refere basicamente

à Inglaterra, de onde a Revolução Industrial se teria, posteriormente, "propagado" a outros países. Tratar-

se-ia de um processo iniciado na Inglaterra e, posteriormente, imitado ou repetido em outros países, daí a

idéia de "propagação" (bastante discutível) da Revolução Industrial, quase sempre às custas da importação

de técnicas e técnicos ingleses.

De fato, é evidente que a Inglaterra, por força de uma série de circunstancias ligadas à sua evolução

política, social e econômica, logrou atingir, bem antes que a maioria dos demais países, a plenitude das

"pré-condições" necessárias à Revolução Industrial. Basta citar, além do mais, o fato de que na Inglaterra

do século XVIII houve unta sensível baixa na taxa de juros, possibilitando a existência, como já vimos

anteriormente, de um “dinheiro barato” e com isso, criando condições para o investimento em larga escala

nos empreendimentos industriais, de rentabilidade menor e mais demorada. Convêm acrescentar que a

Inglaterra possuía um vasto mercado colonial, além de dependências industriais (o império português e o

espanhol). O próprio mercado interno inglês, aumentará rapidamente sua demanda, de modo que tudo isso

levou a procurar aumentar a produção, pois as transformações econômicas proporcionaram uma redução da

quantidade de pessoas que viviam de uma economia de subsistência e lançaram no mercado consumidor,

um número crescente de assalariados

O processo de industrialização, por sua vez, não deve ser entendido como algo homogêneo e regular

pois, na verdade, certos setores industrializaram-se mais rapidamente arrastando os demais, cabendo papel

decisivo nessa primeira etapa aos têxteis, à metalurgia do ferro e aos transportes, vindo logo após o vidro, a

cerâmica etc. Dentro de cada um desses setores houve diferenciação do ritmo, isto é, defasagem

intrasetoriais, como se pode observar no caso da industria de tecidos de algodão face à da lã, e, na do

algodão, a diferença entre a rápida mecanização da fiação e a mais demorada adoção da máquina

tecelagem. A seda avança mais depressa que a lã em termos de mecanização talvez porque esta, mais antiga,

estivesse mais cercada pelos regulamentos e tradições artesanais. Na metalurgia, destaca-se o avanço na

produção de ferro, em função do alto-forno, com a substituição da lenha pelo carvão mineral, através, da

descoberta do processo de sua transformação em (cobre metalúrgico). Difunde-se, assim, o uso do ferro

fundido. Também ganha incremento a utilização do cobre, latão, etc. Nos transportes, assume importância

decisiva o interesse pela navegação fluvial, dando-se ênfase à construção de canais, primeiro na Inglaterra

para o transporte do minério e do algodão em barcaças. A febre dos canais ganha mais impulsos com a

invenção do navio a vapor, daí a importância nos EUA. A utilização da máquina a vapor nos meios de

transporte teve seu ponto culminante com o aparecimento da locomotiva, ponto de partida para o

desenvolvimento rápido e intenso dos transportes terrestre. A "era dos trilhos" marca de maneira indelével

todo o processo de desenvolvimento dos países capitalistas primeira parte do Século XIX.

De acordo com o historiador José Arruda, um dos maiores especialistas do tema, “podem-se distinguir

três períodos no processo de industrialização em escala mundial:

1760 – 1850 – A Revolução se restringe à Inglaterra, a ‘oficina do mundo’. Preponderam a

produção de bens de consumo, especialmente têxteis, e a energia a vapor.

1850 – 1900 – A Revolução espalha-se por Europa, América e Ásia (...) Cresce a concorrência, a

indústria de bens de produção se desenvolve, as ferrovias se expandem; surgem novas formas de

energia, como a hidrelétrica e a derivada do petróleo. O transporte também se revoluciona, com a

invenção da máquina a vapor.

1900 – nossos dias – Surgem conglomerados industriais e multinacionais (...). Avançam a indústria

Química, eletrônica, a engenharia genética e a robótica” (ARRUDA: 1997, p. 178).

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Para alguns historiadores, a Revolução Industrial começa em 1733 com a invenção da laçadeira volante,

por John Kay. O instrumento, adaptado aos teares manuais aumentou a capacidade de tecer; até ali, o

tecelão só podia fazer um tecido da largura de seus braços. A invenção provocou desequilíbrio, pois

começaram a faltar fios, produzidos da roca. Em 1767, James Hargreaves inventou a spinning jenny, que

permitia ao artesão fiar de uma só vez até oitenta fios, mas eram finos e quebradiços. A water frame de

Richard Arkwright, movida a água era econômica mas produzia fios grossos. Em 1779, Samuel Crompton

combinou as duas máquinas numa só, a mule, conseguindo fios finos e resistentes. Mas agora sobravam

fios, desequilíbrio corrigido em 1785m quando Edmond Cartwright inventou o tear mecânico. (Arruda, ibid)

Como podemos ver, a cada problema surgido, exigia uma nova invenção. Para mover o tear mecânico,

era necessária uma energia motriz mais constante que a hidráulica à base de rodas-d’água. James Watt,

aperfeiçoando a máquina a vapor, chegou à máquina de movimento duplo, com biela e manivela, que

transformava o movimento linear do pistão em movimento circular, adaptando-se ao tear. (ibid. ibidem).

As modificações introduzidas pela Revolução Industrial não modificaram somente a estrutura produtiva,

aumentando a capacidade de reprodução do sistema. A estrutura social também sofreu sérias modificações.

A industrialização concentrou os trabalhadores num único espaço geográfico: as fábricas. Uma das

primeiras manifestações da Revolução Industrial foi o desenvolvimento urbano. Londres, no final do século

XVIII chegou a ter um milhão de habitantes.

O aspecto mais importante, que proporcionou radical transformação no caráter do trabalho foi a

separação nítida do capital e do trabalho. “A mecanização desqualificava o trabalho, o que tendia a reduzir

o salário. Havia freqüentes paradas da produção, provocando desemprego. Nas novas condições, caíam os

rendimentos, contribuindo para reduzir a média de vida. Uns se entregavam ao alcoolismo. Outros se

rebelavam contra as máquinas e as fábricas, destruídas em Lancaster (1769) e em Lacanshire (1779).

Proprietários e governo organizaram uma defesa militar para protege as empresas.

A situação difícil dos camponeses e artesãos, ainda por cima estimulados por idéias vindas da

Revolução Francesa, levou as classes dominantes a cria a Lei Speenhamland, que garantia subsistência

mínima ao homem incapaz de se sustentar por não ter trabalho. Um imposto pago por toda a comunidade

custeava tais despesas.

Havia mais organização entre os trabalhadores especializados, como os penteadores de lã. Inicialmente

eles se cotizavam para pagar o enterro de associados; a associação para a ter caráter reivindicatório. Assim,

surgiram as trade-unions, os sindicatos. Gradativamente, conquistaram a proibição do trabalho infantil, a

limitação do trabalho feminino e o direito de greve.” (Arruda).

ARTESANATO primeira forma de produção industrial, surgiu no fim da Idade Média com o renascimento comercial

e urbano e definia-se pela produção independente; o produtor possuía os meios de produção:

instalações, ferramentas e matéria-prima. Em casa, sozinho ou com a família o artesão realizava

todas as etapas da produção.

MANUFATURA a manufatura resultou da ampliação do consumo, que levou o artesão a aumentar a produção e o

comerciante a dedicar-se à produção industrial. O manufatureiro distribuía a matéria-prima e o

artesão trabalhava em casa, recebendo pagamento combinado. Esse comerciante passou a produzir.

Primeiro contratou artesãos para dar acabamento aos tecidos, depois, tingir; e tecer; e finalmente

fiar. Surgiram fábricas, com assalariados, sem controle sobre o produto de seu trabalho. A

produtividade aumentou por causa da divisão social, isto é, cada trabalhador realizava uma etapa

da produção.

MAQUINOFATURA na maquinofatura, o trabalhador estava submetido ao regime de funcionamento da máquina e à

gerência direta do empresário. Foi nesta etapa que se consolidou a Revolução Industrial.

A ERA DAS REVOLUÇÕES: A INDEPENDÊNCIA DAS TREZE COLÔNIAS E A FORMAÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA.

Não é um consenso entre os historiadores a polêmica se o movimento de independência das treze

colônias inglesas na América foi uma revolução, ou uma guerra, liderada pela burguesia colonial contra a

metrópole.

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Apesar da questão ainda está em aberto, não há dúvida com relação a importância da luta empreendida

pelos colonos, que pegaram em armas - em nome da liberdade, da busca da felicidade - plantando as

sementes da Primeira Democracia Moderna.

Desde o início do século XVII, quando os começou a ocupação do território da costa leste da América

do Norte por ingleses perseguidos por motivos políticos-religiosos, o princípio do “self-government”

assegurava uma grande autonomia dos colonos frente à metrópole.

No transcorre do século XVIII, vários fatores contribuíram para a Independência das colônias,

destacando-se:

a tradição autonomista e a prática da liberdade de pensamento e de expressão;

os efeitos da “guerra dos sete anos”(1756-1763) quando os colonos, lutando ao lado das tropa

inglesas, derrotaram os franceses em território americano. A partir de então, tornava-se

necessária a presença de militares da metrópole no continente;

as medidas coercitivas tomadas pelo rei Jorge III, coroado em 1760, para obter recursos

financeiros suficientes ao pagamento das dívidas virtuosas contraídas durante a guerra contra os

franceses e para assegurar a defesa e uma administração mais eficiente;

a difusão e prática das idéias liberais do iluminismo. No dia 04 de julho de 1776, uma comissão de cinco membros, presidida por Thomas Jefferson,

preparou a Declaração de Independência rompendo de forma unilateral com a Inglaterra: “(...) todas as

vezes que uma forma de governo torna-se destrutiva desses objetivos, o povo tem o direito de mudá-lo ou

de abolir, e estabelecer um novo governo, fundando-o sobre os princípios e sobre a forma que lhe pareça

mais própria para garantir-lhe segurança e felicidade. (...) A prudência ensina que os governos

estabelecidos depois de longo tempo não devem ser mudados por causa de motivos superficiais e

passageiros (...) Mas quando uma longa série de abusos e usurpações tendendo invariavelmente ao

mesmo fim, marcam o objetivo de submetê-lo ao despotismo absoluto, é direito do povo, é seu dever

rejeitar um tal governo e por meio de um novo governo salvaguardar sua segurança futura. Tal é a

colônia hoje em dia, e daí a necessidade de se usar a força para mudar seu sistema de governo. A

história do atual rei da Grã-Bretanha é a história de uma série de injustiças e usurpações repetidas que

têm por objetivo o estabelecimento de uma tirania absoluta sobre este Estado”(trechos da declaração de

Independência dos EUA, em 04/07/1776)

A Guerra de Independência Ela eclodiu sistematicamente a 19 de abril de 1775, quando 3000 soldados ingleses tentaram destruir

um depósito de armas que os insurretos possuíam na cidade de Concord, ao norte de Boston, e foram

rechaçados por uma companhia de voluntários - foi a Batalha de Lexington. Houve, a partir daí quase sete

anos de lutas durante os quais os americanos estiveram quase sempre em desvantagem, pois lhes faltavam

quase tudo: soldados treinados e regulares, armas e munições. Tinham a seu favor o conhecimento do

terreno e o fato de que o Inglês lutava a mais de 5.000km de distância de sua pátria.

No início ela foi uma guerra civil, isto é, travada entre insurretos e um exército profissional,

porém, a partir de uma vitória americana em Saragota (06 de fevereiro de 1778), transformou-se

em uma guerra internacional com os Estados Unidos obtendo a aliança da França, Espanha e das

Províncias Unidas. Assim, ela pode ser dividida em duas fases distintas:

a primeira, do início da guerra até a Batalha de Saragota, quando os americanos a sustentarem

praticamente sozinhos, ajudados por alguns voluntários, como o prussiano Stenden, o polonês

Kosciusko e o Francês Lafayette, inferiorizados em número, organização e armas. Nesta fase

sobressaíram a decisão e a força de George Washington.

a segunda, quando receberam empréstimos, munições e navios da França e posteriormente de seus

outros aliados como Espanha e Províncias Unidas. Receberam também um corpo expedicionário em

torno de 7500 homens, comandados por Rochambeau com o qual puderam fazer frente às

fraquezas do Exército continental, mal treinado e, durante a maior parte da guerra, organizado à

base do voluntariado. Assim, a entrada da França na guerra veio reequilibrar as forças em terra e

no Mar. Até então a potência absoluta, a Inglaterra, viu-se cada vez mais em dificuldades para

realizar o abastecimento de suas tropas. Os americanos obtiveram a partir de 1780, uma série de vitórias e a 19 de outubro de 1781, o último

exército inglês, no território americano, capitulou em Yorktown.

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A Inglaterra reconhecia a independência das treze colônias e o direito das mesmas sobre o território ao

sul dos Grandes Lagos a Oeste do Mississipi.

Mais tarde, em 1787, foi promulgada a Constituição dos Estados Unidos da América, prevalecendo a

forma de estado federativa com o objetivo de fortalecer a união e evitar um atomização, fragmentação da

jovem nação.

A Constituição Americana foi a primeira escrita no mundo, influenciando a elaboração de cartas

constitucionais em vários países.

Resumo 1. As treze colônias (Nova Inglaterra) dos Estados Unidos, formadas a partir do século XVII, reuniam

nos fins do século XVIII cerca de 2 milhões de habitantes.

2. O desenvolvimento dessas colônias foi desigual.

a) no Centro-norte, predominava a pequena e média propriedade, policultura, manufatura, exploração da

madeira e da pesca;

b) no Sul prevalecia a grande propriedade, escravista e monocultora, voltada para a exportação;

c) com efeito, o Centro-norte desenvolveu-se mais economicamente;

d) o sul, por sua vez, permaneceu dependente da metrópole.

3. os excessos de produção da Nova Inglaterra criou a necessidade de novos mercados.

a) logo as atividades comerciais dos colonos do norte ultrapassaram as fronteiras coloniais;

b) para comerciar com outros países iniciaram os triângulos comerciais.

c) com o crescimento desse comércio, concorrendo com a metrópole, surgiram atritos insolúveis.

4. A reação da Metrópole ao crescimento colonial foi, no começo, a adoção de uma nova política, que

se resumia em aplicar leis já existentes/

a) a guerra dos sete anos (1756-1763), pelos prejuízos causados, ajudou na mudança de atitude da

Metrópole com relação à sua colônia americana;

b) os colonos não tinham ajudado devidamente a Inglaterra, e serviram-se da guerra para aumentar seu

comércio com os Franceses no Canadá e nas Antilhas.

5. A política de repressão adotada pela Inglaterra e a influência do Iluminismo foram fatores

importantes que determinaram a independência dos Estados Unidos

6. A guerra de independência dos Estados Unidos se iniciou com a tomada do forte Ticonderoga, em

1755.

a) a luta foi precedida pelo Primeiro Congresso Continental da Filadélfia, em setembro de 1774;

b) o Segundo Congresso Continental de Filadélfia decretou a separação dos Estados Unidos da

Inglaterra, através da Declaração de Independência, redigida por Thomas Jefferson e outros;

c) George Washington foi nomeado comandante das tropas coloniais;

d) Benjamim Franklin conseguiu o apoio da França e da Espanha;

e) a vitória final foi em Yorktown, a 17 de outubro de 1781

f) a Independência dos Estados Unidos foi reconhecida pela Inglaterra em 1783, pelo Tratado de

Versalhes.

A ERA DAS REVOLUÇÕES: A REVOLUÇÃO FRANCESA, A REVOLUÇÃO POR EXCELÊNCIA.

A Revolução Francesa (1789) A partir do século XVIII tem início, em quase todo o mundo, uma série de revoluções. Em todas elas

encontram-se causas comuns e particulares à região. Elas são revoluções burguesas: a burguesia, que

seguiu no final da Idade Média, consolidou-se durante a Idade Moderna e, a partir do século XVIII, aspira

ao poder político, correspondente à sua supremacia econômica.

O Antigo Regime, no século XVIII, começou a ser contestado pelos Iluministas, especialmente na

França governada pelos Bourbons.

A França Antes da Revolução.

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No final do século XVIII a França ainda possuía uma estrutura social com bases aristocráticas:

conservava o caráter de sua origem, da época em que a terra constituía a única forma de riqueza social e

conferia, portanto, aos seus possuidores o poder sobre os que a cultivavam, ou seja, a França nos fins do

século XVIII era ainda um país agrário, feudal. A introdução de novas técnicas de cultivo e de novos

produtos permitiu a melhoria da alimentação e, com isso, o aumento da população. A industrialização

incipiente nos grandes centros urbanos, como Paris, já era suficiente para reduzir o preço de alguns

produtos estimulando o consumo. O desenvolvimento econômico fortaleceu a burguesia, que passou a

aspirar ao poder político e a discutir os privilégios da nobreza. Os camponeses possuidores de terras

queriam por sua vez, libertar-se das obrigações feudais que deviam aos senhores. Para agravar ainda mais a

situação da França pré-revolucionária, o país enfrentava uma séria crise financeira, em virtude das guerras

dispendiosas, da manutenção da corte, da grande fome que abalou a França.

A população francesa, no final do século XVIII contava aproximadamente 25 milhões de pessoas.

Apesar do Feudalismo ter já findado, muitos vestígios feudais permaneciam existindo, notadamente na

sociedade assim hierarquizada:

1º Estado: Compreendia duas categorias: o clero superior (cardeais, arcebispos, bispos, abades) e

o clero inferior (padres, vigários), havendo entre eles uma grande desigualdade, estima-se que

existia 120 mil clérigos na França;

2º Estado: Dividia-se, também, em duas categorias: os nobres de espada (cujos títulos

remontavam aos tempos medievais) e os nobres de toga (geralmente burgueses enriquecidos que

compravam títulos de nobreza, ou que se enobreciam através de casamentos), contabilizando um

total de, aproximadamente, 350 mil membros;

3º Estado: O Terceiro Estado representava o restante da população, cerca de 98%, e havia,

também, entre os seus membros, grandes diferenças de privilégios. Formando o grupo superior

estava a burguesia, que se dividia em alta (composta por banqueiros, financistas e grandes

empresários), a média burguesia ou “classes educadas” (escritores, doutores, professores, juizes

funcionários), e a pequena burguesia os artesãos, os lojistas e, por último o povo urbano, ou Sans-

Culltotes, camada social heterogênea de artesãos, aprendizes proletários. As classes populares

rurais, que chegavam a 20 milhões de pessoas, destacando-se os servos ainda em condição feudal e

os camponeses livres e semi-livres completavam o terceiro estado.

Criação das condições objetivas e subjetivas para a Revolução. A administração francesa era complexa, confusa e corrupta. O rei, com o objetivo de aumentar a sua

renda, vendia diversos cargos no governo, e isto era uma prática comum. Isto levava ao aparecimento de

um funcionalismo incompetente e desconhecedor de administração governamental. Não existia uma

unicidade na cobrança dos impostos, no sistema de pesos e medidas, e no sistema financeiro: a moeda não

era nacional, era regional, como é no sistema feudal. Não havia, também, um sistema jurídico escrito, as

leis emanavam da vontade divina dos reis: os seus desejos eram transformados em leis, aliás eram

governantes por vontade de Deus. O sistema jurídico, era, entretanto, fundamentado no antigo Direito

Romano e no Direito Feudal Consuetudinário, ou seja, baseado nos costumes.

A burguesia, no final do século XVIII, estava controlando as finanças de Luís XVI. De acordo com o

historiador francês Albert Soboul, a burguesia francesa fornecia à monarquia não só os quadros

administrativos como também os recursos necessários à marcha do Estado. Os interesses da burguesia,

enquanto classe, se chocava com os interesses da monarquia absolutista francesa: de um lado temos uma

classe voltada para o desenvolvimento da manufatura, no mercado livre, na não interferência do governo na

produção, na mão-de-obra assalariada, no consumo, enfim uma classe capitalista; do outro temos uma

aristocracia decadente, intervencionista, esclerosada e feudal. É interessante notarmos que sempre quando

existe duas classes distintas lutando pela conquista do poder, seja ele político e/ou econômico, um processo

de revolução não só é inevitável como é independente do controle dos homens. “A humanidade jamais

levanta os problemas que ela não consegue resolver”, já afirmava o velho Marx.

Além disso, os preços na França aumentavam consideravelmente, a inflação naquele período era uma

das maiores da sua história. O povo comum passava fome, não tinha trabalho e era expulso de suas terras.

De acordo com Soboul, no período de Luís XVI tem início do declínio de Luís XVI, período de contração,

a seguir de regressão, coroada em 1787 por uma crise cíclica geradora de miséria de distúrbios. O custo de

vida popular foi gravemente afetado pela alta dos preços: com cereais aumentando mais que todo o resto,

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foi o povo o mais duramente atingido. À véspera de 1789, a parte do pão no orçamento popular tinha

alcançado 58% por motivo da alta geral; em 1789, atingiu 88%: restavam apenas 12% do rendimento para

as demais despesas. A alta dos preços poupava as categorias sociais abastadas, sobrecarregava o povo.

A indústria francesa sofreu séria crise a partir de 1786, quando foi feito um tratado comercial com a

Inglaterra, pelo qual os produtos agrícolas franceses tinham plena liberdade na Inglaterra em troca da

penetração dos produtos industriais ingleses na França. A incipiente indústria francesa não teve condições

de agüentar a concorrência, entrando em crise.

A grande seca do ano de 1788 diminuiu a produção de alimentos: os preços subiram violentamente e os

camponeses começaram a passar fome. Na cidade a miséria não era menor. A situação do tesouro francês,

que já não era favorável - pois sua dívida externa era superior a 5 bilhões de libras esterlinas, enquanto que

o seu meio circulante não passava de 2,5 bilhões - tornou-se ainda pior depois que a França apoiou a

Independência dos EUA, gastando, na aventura cerca de 2 bilhões de libras esterlinas

Nesse sentido, podemos afirmar que o terreno em que a Revolução Francesa se construiu, estava

profundamente marcada por uma instabilidade política e econômica. De acordo com Hobsbawm, A

Revolução começou como uma tentativa aristocrática de recuperar o estado. Esta tentativa foi mal

calculada por duas razões: ela subestimou as intenções independentes do ‘Terceiro Estado’ - a entidade

fictícia destinada a representar todos os que não eram nobres nem membros do clero, mas de fato dominada

pela classe média - e desprezou a profunda crise sócio-econômica no meio da qual lançava suas exigências

políticas.

Pode-se afirmar que sobre a massa da população, o terceiro estado, pesava o ônus dos impostos e das

contribuições para o rei, para o clero e nobreza. As outras duas ordens privilegiadas tinham isenção

tributária: não pagavam impostos e usufruíam as vantagens concedidas pela monarquia sob a forma de

pensões e cargos públicos. A principal reivindicação do terceiro estado era a abolição desses privilégios e

a instauração da igualdade civil.

Políticas. o governo despótico de Luís XIV, XV e XVI);

confusão administrativa;

guerras dispendiosas (Guerra dos 07 anos contra a Inglaterra e a participação da França no

processo de independência dos Estados Unidos da América);

No plano político, a revolução resultou do absolutismo monárquico e das injustiças decorrentes. O

rei monopolizava a administração, concedia privilégios, esbanjava com o luxo da corte, controlava

os tribunais e condenava à famigerada Bastilha, sem julgamento, através das Lettres de Cachet.

Era incapaz de bem dirigir a economia do Estado, constituindo-se num entrave para o

desenvolvimento do capitalismo na França.

Econômicas. o mercantilismo, que tolhia os negócios burgueses;

os privilégios que sobreviviam da época feudal;

o injusto sistema tributário e uma máquina estatal incapaz de cobrar todos os impostos, o que

levava a uma precária arrecadação dos impostos;

ascensão da burguesia;

inflação, crise econômica com a dívida chegando a 5 bilhões de libras esterlinas (situação do

tesouro francês: 60% da receita - cerca de 300 bilhões de libras-ouro - eram destinados à

amortização dos empréstimos contraídos pela Coroa; 12% para o pagamento de pensões aos nobres

e gastos da Corte. Apenas 28% cobriam todos os gastos da nação. Por isso o quadro das finanças

francesas era de déficit crônico. Ideológicas

as teorias políticas liberais: Locke, Voltaire, Montesquieu e Rousseau;

as novas teorias econômicas: Quesnay, Adam Smith.

Assim, podemos dizer que existiam todas as condições necessárias para precipitar uma revolução.

Faltava apenas o momento oportuno, uma conjuntura favorável.

Causa imediata: a crise econômica obriga o rei Luís XVI a convocar a Assembléia dos Estados

Gerais em 1788.

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A Revolução propriamente dita. Nos dias que antecederam a Revolução Francesa, ou seja, antes do rei convocar a reunião dos Estados

Gerais, o governo estava falido, devido às diversas guerras de Luís XVI e o apoio aos revolucionários

norte-americanos, e necessitava de aumentar os impostos, para manter a sua corte e continuar financiando

as suas guerras. Vale lembrar que a França já cobrava diversos impostos, mas devido à ineficiência do

sistema tributário e da incompetência daqueles que ocupavam os cargos responsáveis pela sua cobrança,

tais impostos não davam conta de suprir as necessidades de Luís XVI.

Devido a esta crise os assessores de Luís XVI propuseram à nobreza e ao clero que abrissem mão de

alguns de seus privilégios fiscais. O ministro de Luís XVI, Turgot, propôs soluções para o problema

financeiro da França, mas a oposição dos nobres foi muito grande e ele teve de demitir o ministro. Luís

XVI indicou, então, Calonne para o Ministério, que imediatamente convocou uma reunião dos nobres e dos

clérigos: a Assembléia dos Notáveis (1878). O ministro propôs que esses dois estados abdicassem dos seus

privilégios tributários, pagando impostos para tirar o Estado da falência financeira. Entretanto, como as

soluções apresentadas atingiam o interesse da nobreza e do clero, ele foi afastado de seu cargo. O novo

ministro, Necker, com a conivência dos nobres, convenceu o rei a convocar a Assembléia dos Estados

Gerais, que não se reunia desde 1614, a França entrou em caos. A idéia era que o terceiro estado pagasse os

impostos que o clero e os nobres não queriam pagar.

A nobreza e o clero acreditando que tal aumento não poderia recair sobre eles, prepararam uma grande

armação: pressionariam o rei para que convocasse os Estados Gerais para decidir sobre o assunto. Esta

reunião tinha como objetivo inicial referendar a vontade da nobreza e do clero, e impor os impostos às

classes populares, uma vez que, pelo costume, as decisões nas reuniões se davam por voto de “ordem” e

não individualmente, além de enfraquecer o poder real. Assim, a estratégia estava montada: um acordo

entre a nobreza e o clero garantiria os seus privilégios, e o Terceiro Estado, derrotado teria que aceitar a

decisão. Hobsbawm denomina de “reação feudal” esta estratégia da nobreza e do clero.

A convocação dos Estados Gerais, em maio de 1789, marca o início da Revolução Francesa. O Terceiro

Estado exigiu que se mudasse o sistema de votação e não foi atendido; queriam que a votação se

processasse por cabeça e por classe, como sempre havia sido.

Como a nobreza e o clero recusaram a proposta, os membros do terceiro estado, acompanhados dos

dissidentes dos dois primeiros estados resolveram se separar. Tendo encontrado, por ordem real, a sala de

reuniões fechada, os membros do terceiro estado mais dissidentes, dirigiram-se para um sala ao lado, onde

jogava o jogo de Péla. Proclamaram-se em Assembléia Nacional e fizeram solene juramento - só se

separariam depois de dar uma Constituição para a França. Luís XVI cedeu e ordenou aos nobre e aos

clérigos que se reunisse a eles, com o objetivo de ganhar tempo e reunir tropas contra-revolucionárias para

sufocar o movimento.

A Revolução Francesa estava iniciada. A França iria passar por uma grande modificação.

As fases da Revolução

1ª Fase: A Assembléia Nacional Constituinte - Revolução Burguesa (1789-1791) A Assembléia Nacional Constituinte - a Revolução, até então palaciana, tomou as ruas e os campos. O

povo, amotinado, organizou a Comuna de Paris e, em 14 de julho de 1789, ocorreu a tomada da Bastilha,

célebre prisão, símbolo do despotismo. Apavorados, a nobreza e o clero propuseram, na sessão de 04 de

agosto, o fim dos privilégios feudais, ou seja, os camponeses não deviam mais obrigações servis à nobreza

e à Igreja. No dia 26 de agosto, foi aprovada a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. De

inspiração iluminista, o documento defendia o direito à liberdade, à igualdade perante a lei, à

inviolabilidade da propriedade e o direito de resistir à opressão. Como o rei recusou-se a aprovar estas

medidas, a massa parisiense revoltou-se novamente. Foram as Jornadas de Outubro: o Palácio de

Versalhes foi invadido e o rei obrigado a morar em Paris, no Palácio das Tulherias. Em 1791, a constituição

ficou pronta: o poder executivo caberia ao rei e o legislativo à Assembléia, que funcionaria regularmente. O

feudalismo foi abolido, suprimindo-se os privilégios, com a proclamação da igualdade civil. Manteve-se a

escravidão nas colônias, a administração foi reorganizada e descentralizada. A nacionalização dos bens

eclesiásticos e a Constituição Civil do Clero foram confirmadas, temos início a 2ª Fase da Revolução

Francesa, a Monarquia Constitucional.

2ª Fase da Revolução Francesa - A Monarquia Constitucional (1791-1793)

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Com a promulgação da Constituição Francesa, o rei passava a ter o seu poder controlado. Ele deixara de

ser absoluto. Luís XVI, com o objetivo de ganhar tempo para preparar a contra-revolução, deu sinais de que

iria aceitar as normas da Assembléia Nacional. Contudo era só encenação, pois na verdade estava era

preparando a “reação aristocrática”

O rei Luís XVI, que conspirava contra a revolução, manteve contatos com outros soberanos absolutos

da Europa, principalmente com a Áustria. A vitória da Revolução significaria uma onda de movimentos

revolucionários por toda a Europa, questionando o absolutismo dos outros soberanos, que por sua vez

abandonaram as Reformas Esclarecidas e reaproximaram da Nobreza (o que afirma que o Estado

absolutista era uma aliança entre o Rei e a Nobreza, era o último suspiro de uma aristocracia decadente).

Neste sentido, as outras nações absolutistas, receosas do movimento francês, começaram a dar apoio a Luís

XVI, que julgou que era o momento oportuno para fugir da França e começar do exterior, com o apoio

estrangeiro e dos emigrados, a contra-revolução. O rei fugiu do Palácio das Tulherias, em julho de 1791,

mas foi reconhecido e preso em Varrenes. A suspeita de traição real foi confirmada pela fuga, e o rei foi

enviado de volta para o palácio sob forte vigilância.

O movimento revolucionário francês estava dividido em dois grupos: os aristocratas e os patriotas. A

unidade que existia entre os patriotas no início da Revolução, foi aos poucos desaparecendo, dando origem

a uma composição político-partidária bastante complexa. Assim, os patriotas se dividiram em Girondinos,

Jacobinos e Cordeliers.

Os Girondinos - Um grupo de liberais moderados, e principalmente um grupo de políticos que se

aglomeravam em torno dos deputados dos departamento mercantil de Gironda (província ao norte da

França), exercia um certo controle da Assembléia Legislativa mas pouco a pouco vão perdendo o prestígio

político. Era constituído por representantes da alta e média burguesia republicana. A burguesia moderada já

tinha chegado aonde queria chegar. Gostariam de dar um ponto final no processo revolucionário, mas os

rumos que estavam sendo tomados não mostravam isso. Os Girondinos defendiam um governo no qual os

departamentos (o equivalente aos estados, aqui no Brasil) podiam exercer controle sobre seus próprios

assuntos; eram contra a interferência do estado na economia.

Os Jacobinos, que tinha dentro de seus quadros um grupo mais radical denominado de Montanha,

defendiam um governo forte e centralizado, sendo Paris a sua capital do poder político; defendiam também

a interferência do Estado na economia para garantir as necessidades de guerra e diminuir a crise econômica.

Os Jacobinos, ao contrário dos Girondinos, eram firmes nas suas concepções, além de serem extremamente

organizados e disciplinados. Acreditavam que somente eles poderiam salvar a República. Tinham nos Sans

Cullotes, o seu ponto de apoio.

Codeliers, ou Pântano, possuíam este nome por ocuparem os lugares mais baixos da Câmara.

Caracterizam-se pela indefinição política, apoiando ora os Girondinos, ora os jacobinos.

Sans-culottes - Os pequenos comerciantes, artesãos, lojistas, artífices, pequenos empresários,

assalariados entre outros formavam este grupo, que podemos ver era basicamente urbano e disforme. De

acordo com Hobsbawm, os Sans-culottes eram organizados, principalmente, nas seções de Paris e nos

clubes políticos locais, e forneciam a principal força de choque da revolução - eram os verdadeiros

manifestantes, agitadores, construtores de barricadas. Eles formularam uma política, por trás da qual estava

um ideal social contraditório e vagamente definido, que combinava o respeito pela (pequena) propriedade

privada com a hostilidade aos ricos, trabalho garantido pelo governo, salários e segurança social para o

homem pobre, uma democracia extremada, de igualdade e de liberdade, localizada e direta. Na verdade, os

Sans-culottes eram um ramo daquela importante e universal tendência política que procurava expressar os

interesses da grande massa de ‘pequenos homens’ que existia entre os pólos do ‘burguês’ e do ‘proletário’,

freqüentemente talvez mais próximos deste do que daquele porque eram, afinal, na maioria pobres.

Movidos pela mesma vontade que a Burguesia tinha de se igualar aos nobres, ou o contrário, os Sans-

culottes queriam a igualdade com a burguesia, ou uma certa igualdade. Socialmente defendiam uma nação

de pequenos fazendeiros, ninguém devia ser dono de mais de uma oficina ou loja. Contudo, por ser um

fenômeno tão desamparado que seu próprio nome esta praticamente esquecido, ou só é lembrado como

sinônimo do jacobinismo que lhe deu no Ano II (de acordo com o novo calendário criado pela Revolução

Francesa, criado após a Proclamação da República, em 1793).

Os Girondinos tinham a maioria e o apoio do próprio rei, que neles confiava para conter os avanços da

revolução. Graças a esse fato, o rei conseguiu maioria na Assembléia para vetar o projeto que deportava os

padres refratários e convocava o exército para fazer frente aos inimigos da revolução, cuja atividade

aumentava fora da França.

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Finalmente, quando os inimigos da revolução, representados pelo exército austro-prussiano, e dos

emigrados, comandados pelo duque prussiano de Brunswick e apoiados secretamente por Luís XVI,

invadiram a França, a invasão começou, radicalizando-se a posição contra os nobres, considerados traidores.

A massa parisiense, que ganhava cada vez maior importância política, apoiando os Jacobinos e liderados

por Danton e Marat, atacou os aristocratas nas prisões. Foi o massacre de setembro. Medidas de carácter

excepcional foram tomadas para conter a invasão; o exército nacional foi convocado com apresentação

obrigatória de todos os homens válidos.

No dia 20 de setembro de 1792, o exército austro-prussiano foi batido em Valmy. Na mesma noite, em

Paris, foi proclamada a República. O rei foi considerado prisioneiro e suspeito de traição, devendo ser

julgado. O Rei foi condenado à guilhotina, acusado de traição ao povo francês. Foi guilhotinado no dia 21

de Janeiro de 1793.

Com a proclamação da República, tornar-se-ia necessária a substituição da Assembléia Nacional.

3ª Fase: A Convenção Nacional ou Revolução Popular (1792-1794). Com a proclamação da República foi formada uma nova Assembléia que deveria elaborar uma nova

Constituição para a França, agora Republicana. Esta nova Assembléia recebeu o nome de Convenção. Os

Girondinos, que eram maioria nas duas primeiras fases da Revolução, perderam força política para os

Jacobinos.

O primeiro ano da República, 1793, foi chamado de ano I, no novo calendário que foi feito. Uma nova

representação tomou posse naquele ano, eleita mediante sufrágio universal masculino, o que acentuou seu

caráter popular: foram vitoriosos na eleição os Jacobinos, destacando o grupo denominado de Montanheses

(mais radical). Pela nova constituição, os 750 deputados eleitos escolheriam a mesa dirigente do país, que

teriam funções executivas, durante os anos da República, esta mesa recebeu o nome de Comitê de Salvação

Pública.

Para combater a Revolução Francesa e impedir que as suas idéias se espalhem pela Europa foi criado a

chamada “Primeira Coligação”, que foi uma aliança entre as forças reacionárias da Europa: Holanda, o

Santo Império e a Inglaterra (esta por interesses financeiros). Para enfrentar esta Coligação, a Convenção

criou uma série de instituições: o Comitê de Salvação Pública (encarregado do controle do Exército), o

Comitê de Segurança Nacional (que garantiria a segurança interna) e o Tribunal Revolucionário

(responsável do julgamento dos contra-revolucionários).

Todos os comitês eram controlados pelos Jacobinos, que dominavam a Convenção, exceto o Tribunal

Revolucionário que foi criado e presidido durante a primeira fase pelo líder dos indulgentes, Danton,

começando então o processo de expurgo dos adversários políticos. Os Girondinos foram acusados de

Partidários do rei e dos nobres e vários de seus membros foram guilhotinados. Marat, líder dos Jacobinos,

foi assassinado por Charlotte Corday. Começava o período do Terror, que se estendeu de junho de 1793 a

julho de 1794. Este período ficou a cargo do grupo denominado Montanha, que tinha na pessoa de

Robespierre o seu líder. As perseguições aos contra-revolucionários se ampliavam cada vez mais,

abrangendo todo o país. Os indulgentes, chefiados por Danton, temiam que a onda de violência pudesse

envolvê-los, e por isso protestavam contra as mortes e pediam o fim das perseguições. Danton foi

condenado pelo Tribunal Revolucionário à guilhotina por traição ao povo francês. No extremo oposto aos

indulgentes estavam os herbertistas, seguidores de Hérbertt, que pregavam a ampliação das medidas de

violência. Hérbertt também foi condenado à guilhotina.

Robespierre conduzia o movimento tentando manter-se entre os grupos extremistas da esquerda, e como

a pressão popular, expressada pelos Sans-Culltotes, era muito grande, foi obrigado a fazer inúmeras

concessões às massas: os preços foram tabelados, os exploradores perseguidos, os impostos sobre os ricos

aumentaram, pobre, velhos e desamparados foram protegidos por leis especiais, a instrução tornou-se

obrigatória, os bens dos nobres e emigrados foram vendidos para cobrir as despesas do Estado.

Essas leis sociais provocaram ondas contra-revolucionárias em toda a França. para vencê-las foram

tomadas medidas drásticas: qualquer suspeito era condenado. O Tribunal Revolucionário aprisionou mais

de 300 mil pessoas, e destes, 17 mil foram guilhotinados, enquanto muitos outros morreram nas prisões

esperando o julgamento.

O Terror atingiu o auge em 1794, alcançando os próprios membros da Convenção. Robespierre, para

continuar no poder, tinha que eliminar todas as oposições, por isso eliminou Danton e Hérbertt.

Nessa altura, os êxitos militares do exército revolucionário diminuíram a tensão interna e a população

passou a desejar o afrouxamento da repressão. Os Girondinos, que tinham se isolado durante o Terror para

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salvar seus pescoços, voltaram à carga. Robespierre não tinha mais os Sans-Culltotes para apoiá-lo, pois

liquidara seus líderes. Em Julho de 1794 (9 Termidor pelo novo calendário da Revolução) Robespierre foi

aprisionado junto com seu companheiro Saint-Just e, em seguida, foram guilhotinados em praça pública. A

alta burguesia estava voltando...

4ª Fase - A Reação Termidoriana ou Contra-Revolução Burguesa: o Diretório (1794-1799).

Após a morte de Robespierre, o poder da Convenção ficou nas mãos do Pântano - movimento formado

por elementos da alta burguesia, de duvidosa moralidade pública e grande oportunismo político. Ligados

aos Girondinos, instalaram a fase conhecida por Reação Termidoriana.

Foi elaborada uma nova Constituição - a Constituição do Ano II - que alterou significativamente a

configuração política da Assembléia criando a figura dos diretores que tinham funções executivas: no

centro estavam os Girondinos; à direita os realistas, que defendiam a volta da monarquia; e à esquerda o

que sobrou dos Jacobinos e socialistas utópicos que defendiam a tomada de medidas de cunho mais social.

Em 1795, os realistas tentaram dar um golpe de estado que foi sufocado pelo jovem tenente de cavalaria

Napoleão Bonaparte, que estava em Paris, por acaso. Em recompensa recebeu o comando do Exército

Francês na Itália.

Em 1798, os Jacobinos voltam à cena política, vencendo as eleições. A burguesia francesa estava

desejosa de paz. Desejava um regime de governo forte que reconduzisse a França ao caminho da

normalidade. Alguns diretores - Sieyès, Roger Ducos e outros - preparam o golpe de Estado que levaria

Napoleão Bonaparte ao poder, realizado a 9 de novembro de 1799, ou, pelo novo calendário, 18 Brumário

(antes dos jacobinos assumirem). Napoleão consolidaria o poder da burguesia no contexto da revolução,

evitando tentativas jacobinas de retomar o poder.

Com o golpe de 18 Brumário, a Revolução Francesa tem um fim. E iniciamos o período Napoleônico.

Resumo

1. A Revolução Francesa foi o grande movimento social e político do século XVIII. Foi um marco na

Era das Revoluções Burguesas pelo seu caráter liberal e democrático. Enquadrou-se num movimento

revolucionário que atingiu todo o Ocidente, mas teve a sua própria originalidade.

2. A sociedade francesa da segunda metade do século XVIII, era uma sociedade de estamentos,

composta de dois grupos privilegiados que oprimiam e exploravam o terceiro grupo, constituído pela

maioria da população.

a) os impostos e as contribuições para o rei, o clero e a nobreza eram pagos pelo terceiro estado. O clero

e a Nobreza não só tinham isenção tributária como ainda usufruíam o tesouro real;

b) por isso, a principal reivindicação do terceiro estado era a abolição dos privilégios e a igualdade civil.

3. Em meio ao caos econômico, o descontentamento geral, Luís XVI tinha que tomar uma iniciativa

para superar a crise.

a) sucessivamente o rei indicou Turgot e Calonne para o ministério, com a incumbência de promoverem

reformas tributárias. Ambos foram derrubados pela nobreza;

b) o novo ministro indicado pelo rei, Necker, de comum acordo com a nobreza convenceu o Luís XVI a

convocar a Assembléia dos Estados Gerais, que não se reunia desde 1614. O objetivo era que o terceiro

estado pagasse os impostos que o clero e a nobreza se recusaram a pagar.

c) A Assembléia dos Estados Gerais reuniu-se em maio de 1789, no Palácio de Versalhes.

4. O clero e a nobreza tentaram diversas manobras o ímpeto reformista do terceiro estado (ou seja o

terceiro estado ainda não estava revolucionário). Dada a intransigência dos estados dominantes, o terceiro

estado, reunindo-se em separado a 15 de junho de 1789, proclamou-se em Assembléia Nacional, que a 09

de julho se transformou em Assembléia Nacional Constituinte.

a) a agitação tomou conta das ruas de Paris, e no dia 13 de julho eram formadas as Milícias de Paris,

organização militar-popular;

b) no dia seguinte, 14 de julho, a Bastilha (símbolo do Absolutismo de Luís XVI) foi tomada pelo povo.

c) a Revolução Francesa estendeu-se ao campo, com maior violência, onde os camponeses saqueavam

as propriedades feudais, e invadiam os cartórios para queimar os títulos da propriedade daquelas terras;

d) a Assembléia Constituinte, no dia 04 de agosto, aprovou a abolição dos direitos feudais, e a 26 a

Declaração dos Direitos do Homem. A finalidade dessas lei era de aliviar as pressões das massas populares;

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e) o rei Luís XVI recusou-se a promulgar as leis aprovadas pela Assembléia Constituinte e a massa

parisiense revoltou-se novamente - foram as Jornadas de outubro: o Palácio de Versalhes foi invadido e o

rei obrigado a morar no Palácio das Tulherias, em Paris.

f) em 1790, foi aprovada a Constituição Civil do Clero, repudiada pelo Papa.

5. Em 1791, iniciou-se a fase denominada de Monarquia Constitucional, com o rei perdendo seus

poderes absolutos, o feudalismo abolido, os bens eclesiásticos nacionalizados, a instituição civil do clero e

o reconhecimento da igualdade civil.

a) o rei Luís XVI, que vinha conspirando contra a Revolução Francesa, tentou fugir mas foi reconhecido

e preso, perdendo a pouca confiança que ainda merecia;

b) a invasão da França pelo exército austro-prussiano e pelo exército dos emigrados, batidos em 1792,

em Valmy, provou a traição do rei, que deveria ser julgado.

6. A República foi proclamada e a Convenção iniciou o governo, com supremacia dos Jacobinos,

liderados por Robespierre.

a) defendido pelos Girondinos e acusado por Robespierre e Saint-Just, Luís XVI é guilhotinado a 21 de

janeiro de 1793.

b) o julgamento e a execução do rei abalou a Europa: Inglaterra, Holanda e o Santo Império formara a

primeira coligação das forças absolutistas da Europa contra a França;

c) a fase da Convenção foi a mais radical. Nela iniciou-se o período do Terror, que se estendeu de junho

de 1793 a julho de 1794.

d) para conter o extremismo, Robespierre acabou liquidando os líderes da massa, com o Terror

atingindo os próprios membros da Convenção;

e) sem o apoio das massas - Sans-Culltotes -, Robespierre e Saint-Just acabaram sendo aprisionados e

guilhotinados em julho de 1794, quando, com efeito, os Girondinos voltam ao poder.

7. Com a morte de Robespierre, iniciou-se a fase denominada de Reação Termidoriana, que assinala a

volta da alta burguesia ao poder.

a) esse período foi marcado por uma série de golpes, tanto da direita como da esquerda;

b) ele se encera a 9 de novembro de 1799 - o 18 Brumário de Napoleão Bonaparte -, com a entrega do

poder à Napoleão.

A ERA DAS REVOLUÇÕES: O IMPÉRIO NAPOLEÔNICO, A SANTA ALIANÇA, OS MOVIMENTOS SOCIAIS E DAS NACIONALIDADES.

Enquanto no Brasil germinavam as sementes da Independência, na França florescia um novo Império.

Coube a Napoleão a tarefa de consolidar internamente e difundir externamente os ideais da Revolução. Ela

havia atingido o auge durante o Terror. A reação veio em 1795 com a implantação do Diretório. Este teve

dificuldades para governar, atacado pelos partidários da realeza, que queriam a volta do Antigo Regime, e

pressionado pelas camadas populares, que queriam a volta do Terror.

Alguns diretores resolveram fortalecer o poder do Diretório, conspirando com um líder militar popular,

que se havia destacado em guerras da França contra a Itália (1796-1797) e no Egito (1798-1799): Napoleão.

Foi ele o escolhido para chefiar o golpe que depôs o Diretório, dissolveu a Assembléia e implantou o

regime do Consulado (1799-1802).

Não passava de uma ditadura disfarçada. Em 1804, foi criado o Império, espécie de monarquia vitalícia.

Apesar de haver Constituição, Napoleão governou despoticamente. Por algum tempo, a prosperidade

resultante das reformas internas e o êxito das guerras permitiram a continuidade do regime, Com os

primeiros fracassos militares, seus fundamentos seriam abalados, até a queda em 1914.

O Consulado vira Monarquia Em 1799, a França apresentava aspecto desolador: indústria e comércio arruinados; caminhos e portos

destruídos; serviço público desorganizado; emigrados fugiam da desordem e da ameaça de confisco de bens;

clérigos que se haviam recusado a acatar a nova Constituição eram perseguidos. A guerra civil parecia

iminente.

Napoleão procurou fazer uma política de reconciliação. A Constituição, aprovada em plebiscito por

mais de 3 milhões de votos, lhe deu poderes ilimitados, sob aparência de regime republicano: o Consulado.

0 voto era universal. Fazia-se uma lista de candidatos mais votados e entre eles o governo escolhia os

encarregados das funções públicas.

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0 fraco Poder Legislativo se compunha de quatro assembléias: Conselho de Estado, que preparava as

leis; o Tribunal as discutia; o Corpo Legislativo votava; e o Senado velava pela execução. O Poder

Executivo, confiado a três cônsules nomeados pelo Senado por dez anos, era o mais forte. Quem detinha o

poder mesmo era o primeiro cônsul; ele propunha e mandava publicar as leis, nomeava ministros, oficiais,

funcionários e juízes.

Em 1802, Napoleão assinou a Paz de Amiens, pondo fim ao conflito europeu que durava desde 1792.

Seu governo reorganizou e centralizou a administração. Tomou medidas financeiras importantes, como

a criação de um corpo de funcionários para arrecadar impostos e a fundação do Banco da França, com

direito de emitir papel moeda. A situação econômica melhorou. O ensino secundário se organizou com o

objetivo de instruir funcionários para o Estado. A maior obra de Napoleão foi o Código Civil, inspirado no

Direito Romano, nas Ordenações Reais e no Direito Revolucionário; completado em 1804, continua na

essência vigorando em nossos dias.

A paz com a Igreja veio em 1801. 0 papa aceitou o confisco de bens, e o Estado ficou proibido de

interferir no culto. Os bispos, indicados pelo governo e investidos nas funções pelo papa, prestariam

juramento de fidelidade ao governo. As bulas papais só entrariam em vigor depois de aprovadas por

Napoleão.

Vitorioso interna e externamente, Napoleão pôde estabelecer a hereditariedade do Consulado em 1802:

recebeu do Senado o direito de indicar seu sucessor. Tratava-se da implantação da monarquia hereditária.

O despotismo de Napoleão Aproveitando o perigo trazido pelo reinicio das guerras, Napoleão se fez proclamar imperador. Em

1804, nova Constituição legalizava o Império e convocava um plebiscito para confirmar sua instituição. 0

papa sagrou Napoleão em Paris. Seu poder era absoluto.

Ao Código Civil, seguiram-se o Comercial e o Penal. A economia se aqueceu. Os camponeses passaram

a produzir mais e a apoiar o regime. A indústria foi estimulada. 0 governo concluiu numerosos trabalhos

iniciados no Consulado: canais, portos, estradas, embelezamento de cidades.

Napoleão tornou-se mais despótico que os antigos reis. Suprimiu as assembléias; o Tribunal e os Corpos

Legislativos perderam suas funções; não havia respeito pelas liberdades individuais e políticas; a imprensa

ficou sob censura. 0 imperador interveio na educação. Alterou o programa de disciplinas perigosas para o

regime, como História e Filosofia. Serviu-se até da religião: o catecismo ensinava os deveres para com

Deus e para com o imperador; quando o papa se recusou a integrar-se na política internacional de Napoleão,

ele lhe tomou os Estados e confinou-o em Savona (1809); os bispos que tomaram o partido do papa foram

perseguidos.

Política externa de Napoleão Bonaparte Em 1803, a Inglaterra se uniu à Rússia e à Áustria para lutar contra a França. Os ingleses venceram no

mar, em Trafalgar, na Espanha; mas os franceses bateram os austro-russos em terra, em Austerlitz, Boêmia.

No fim da guerra, a Áustria foi separada da Alemanha e da Itália, e esta submetida à França. Na Alemanha

criou-se a Confederação do Reno, sob tutela francesa, para substituir o Sacro Império.

Outra aliança se formou em 1806 contra Napoleão: a Prússia e a Rússia, ambas vencidas. Pela Paz de

Tilsit (Prússia), a Prússia foi desmembrada e a Rússia se aliou à França.

Para enfraquecer a Inglaterra, Napoleão decretou o Bloqueio Continental: todos os europeus eram

obrigados a fechar seus portos ao comércio inglês.

O desejo de conquistas na Península Ibérica abriu à França novos campos de conflito. Os austríacos

aproveitaram e retomaram as armas em 1809, mas foram batidos e também sofreram desmembramento.

O poder Napoleônico chegava ao auge. Seu organizado exército parecia imbatível. A Europa ocidental

estava submetida a seu poder. Mas as intervenções francesas provocaram revoltas nacionais,

principalmente na Prússia.

Em 1812 terminou a aliança com os russos, quando eles romperam o bloqueio contra os ingleses.

Napoleão invadiu a Rússia. Venceu a Batalha de Moscou, mas encontrou tanta resistência que foi obrigado

a uma retirada desastrosa. Na Espanha as tropas sofriam com os guerrilheiros. A família real portuguesa

fugiu para o Brasil: mais, uma brecha no Bloqueio Continental.

Prússia e Áustria então se aliaram à Rússia e venceram Napoleão em Leipzig (Confederação do Reno),

destruindo-lhe o poder na Europa (1813). Ele nem sequer conseguiu impedir a invasão da França. Os

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aliados tomaram Paris, restabeleceram a monarquia deposta em 1792 e obrigaram Luís XVIII a aceitar o

Tratado de Paris.

Preso na ilha mediterrânea de Elba, Napoleão fugiu em março de 1815 e retomou o poder (Governo dos

Cem Dias). Mas foi detido pela última coligação européia contra a França. Os ingleses o derrotaram em

Waterloo, na Bélgica. Preso na ilha de Santa Helena, costa africana, morreu em 1821.

Luís XVIII retomou o poder. Em 1814-1815, o Congresso de Viena restabeleceu o equilíbrio entre as

grandes potências (Inglaterra, Prússia, Rússia e Áustria); Alemanha e Itália permaneceram divididas; a

Inglaterra adquiriu a supremacia marítima e colonial. Para preservar a paz e evitar perturbações sociais

como a Revolução Francesa e as guerras de Napoleão, as potências criaram a Santa Aliança.

A ERA DAS REVOLUÇÕES: O SISTEMA COLONIAL - CONTESTAÇÕES E RUPTURAS

Antecedentes: Revolução Industrial; necessidade de concorrência.

Administração colonial; vice-reinados e capitanias gerais. Entraves do monopólio comercial.

Sociedade colonial: brancos, mestiços índios e negros. Conflitos entre a aristocracia criolla e os

chapetões

Movimentos precursores da guerra de independência: revolta de Tupac Amam e de Francisco

Miranda.

Vitória do movimento de independência: apoio da Inglaterra e dos Estados Unidos. Doutrina

Monroe.

À emancipação e divisão política latino-americana segue nova dependência em relação à Inglaterra.

A CRISE O fim do Antigo Regime nas ultimas décadas do século XVIII foi conseqüência das transformações

ideológicas, econômicas é políticas produzidas peto Iluminismo, pela Revolução Industrial peta

independência dos Estados Unidos e pela Revolução Francesa. Esses acontecimentos, que se

condicionaram e se influenciaram reciprocamente, desempenharam um papel decisivo no processo de

independência da América espanhola.

As elites da América colonial encontraram na filosofia Iluminista o embasamento ideológico para seus

ideais autonomistas. A luta peta liberdade política encontrava sua justificativa no direito dos povos

oprimidos à rebelião contra os governos tirânicos e à luta pela liberdade econômica na substituição do

monopólio comercial pelo regime de livre concorrência.

Por essa época a Revolução Industrial inaugurava a era da industria fabril e da produção mecanizada. A

exportação das mercadorias inglesas exigia a abertura dos mercados americanos ao livre comércio e

esbarrava nos entraves criados pelo pacto colonial. O monopólio comercial favorecia apenas as metrópoles

que lucravam duplamente revendendo os produtos coloniais à Europa e as manufaturas inglesas às suas

colônias.

Essa política monopolista, entretanto, prejudicava tanto a burguesia inglesa quanto as elites coloniais, e ,

assim, o desenvolvimento do moderno capitalismo industrial acelerou a crise do antigo sistema colonial

mercantilista. A quebra do pacto colonial e sua substituição pelo livre comércio só poderia se fazer através

da independência das colônias em relação as antigas metrópoles.

A independência das 13 colônias e a formação dos Estados Unidos, primeiro pais soberano do Novo

Mundo, tomaram-se o exemplo e a fonte de inspiração para os movimentos latino-americanos que lutavam

péla emancipação políticas e pela ruptura do pacto colonial. O regime republicano, baseado no pensamento

iluminista, exerceu enorme fascínio sobre a aristocracia criolla da América Espanhola.

O maior impacto veio, entretanto, da Revolução Francesa, cujas conseqüências se fizeram sentir tanto

na Europa quanto na América. A ascensão de Napoleão Bonaparte, a imposição da supremacia francesa à

Europa e o estabelecimento do Bloqueio Continental contra a Inglaterra desferiram um golpe de morte no

decadente sistema colonial ibero-americano. A invasão de Portugal pelos franceses rompeu o pacto colonial

luso-brasileiro e acelerou a independência do Brasil, ao mesmo tempo em que a ocupação da Espanha por

Napoleão e a imposição de José Bonaparte como rei do país desencadearam as lutas de independência nas

colônias da América espanhola.

Conjuntura Hispano-Americana

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No inicio do século XIX, quando ocorreu o choque entre a revolução industrial inglesa e a Revolução

Francesa, o império colonial espanhol na América estava dividido, em termos administrativos, em quatro

vice-reinados e quatro capitanias gerais.

Os vice-reinados existentes em Nova Espanha(México e parte do território atualmente pertencente aos

EUA, Nova Granada (Colômbia e Equador, Peru (atua! Peru) e Prata (Argentina, Uruguai, Paraguai e

Bolívia}. As capitanias gerais eram Cuba, Guatemala, Venezuela e Chile. Os cargos de vice-rei e capitão-

geral eram exercidos por representantes da coroa vindos diretamente da Espanha, como o eram igualmente

todos os altos postos da administração colonial. Dessa forma, o aparelho político-administrativo colonial!

era dominado e monopolizado por espanhóis natos.

A economia colonial baseava-se na exportação de matérias-primas e, portanto, era dependente do

mercado externo monopolizado pela metrópole através do pacto colonial. A mineração baseava-se na

extração de outro e prata e estava concentrada nó México e na Bolívia. A agricultura tropical desenvolveu-

se na América Central e nas Antilhas, com base no sistema de plantation. ou seja, grandes propriedades

monoculturas, trabalhadas por escravos. A pecuária concentrava-se principalmente no México e vice-

reinado do Prata. O comercio era praticado nas grandes cidades portuárias , como Buenos Aires, Valparaíso,

Cartagena e Vera Cruz.

A Espanha exercia o monopólio comercial entre suas colônias e a Europa, o que afetava os interesses

econômicos da elite colonial, obrigava a vender, a baixos preços seus produtos à metrópole e desta comprar,

a altos preços as manufaturas importadas. O mesmo acontecia com os comerciantes e industriais ingleses,

forçados a aceitar a intermediação da Espanha c impedidos de vender diretamente as suas mercadorias à

América.

O fim do monopólio comercial interessava, assim, tanto a elite colonial como à burguesia inglesa, a

medida em que ambas aumentariam seus lucros com a doação do livre comercio. Essa convergência de

interesses foi um fator decisivo para a vitoria do movimento de independência hispano-americano.

Por essa época a sociedade colonial era formada por população de 10 milhões de habitantes, divididos

em diversas classes sociais. Os brancos constituíam cerca de 3 milhões e 300 mil e classificavam-se em

chapetones e criollos. Os chapetones, perto de 300 mil, eram os espanhóis natos que, monopolizando o

poder político, dominavam os altos cargos da administração colonial. Os criollos, cerca de 3 milhões, eram

descendentes de espanhóis nascidos na América e formavam a elite econômica e intelectual da colônia, à

qual pertenciam os latifundiários, comerciantes, profissionais liberais e membros do baixo clero.

A contradição entre a estrutura econômica, dominada pelos criollos (partidários do livre comercio), e a

estrutura política, controlada pelos chapetones (defensores do monopólio metropolitano). foi também um

dos fatores importantes do processo de independência.

Os mestiços descendentes de espanhóis e índios, eram cerca de 5 milhões e dedicavam-se ao pequeno

comercio e ao artesanato, enquanto os índios, mais de 10 milhões, constituíam a mão-de-obra explorada na

mineração e na agricultura. Os negros perto de 800 mil, concentravam-se principalmente nas Antilhas e

formavam a mão-de-obra escrava utilizada nas plantations tropicais.

Embora sendo esmagadora minoria, eram os crioulos e chapetones que dominavam e determinavam a

condução das relações econômicas e políticas das colônias hispano-americanas e era a eles que interessava

a ligação com a metrópole ou o rompimento de laços com ela. Assim, a guerra de independência

caracterizou-se por ser um luta entre os crioulos, apoiados pela Inglaterra, e os chapetones, apoiados pela

Espanha, pelo domínio do aparelho político-administrativo.

Guerras de independências O processo de independência hispano-americano dividiu-se, grosso modo, em três fases principais: os

movimentos precursores(1780-1810}, as rebeliões fracassadas(1810-1816} e as rebeliões vitoriosas(1817-

1824}.

Os movimentos precursores, deflagrados prematuramente, foram severamente reprimidos pelas

autoridades metropolitanas. Ainda que derrotados, contribuíram para enfraquecer a dominação colonial e

amadurecer as condições para a guerra de independência travada posteriormente. A mais importante dessas

insurreições iniciou-se em território peruano em 1780 e foi comandada par Tupac Amaru. Essa rebelião

indígena mobilizou mais de mais de 60 mil índios e só foi totalmente esmagada pelos espanhóis 1783,

quando foram igualmente reprimidas outras revoltas no Chile e na Venezuela.

Inspirado no exemplo dos Estados Unidos, o crioulo venezuelano Francisco Miranda liderou, a partir

dessa época, vários levantes e se tornou o maior precursor da independência hispano-americana. Após os

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Estados unidos, a segunda independência da América foi realizada pelos escravos trabalhadores das

plantations, que. em 1793, através de uma insurreição popular contra a elite branca, libertaram o Haiti.

Em 1808, os desdobramentos políticos de José Bonaparte ao trono da Espanha iriam desencadear a

guerra de independência da América espanhola. Na Espanha, o povo pegou em armas contra dominação

francesa; na América, os crioulos pronunciaram-se pelos lealismo e se colocaram ao lado de Fernando VII,

herdeiro legitimo da Coroa espanhola Os crioulos, entretanto, evoluíram rapidamente do "lealismo" para as

posições emancipacionistas e, em 1810, iniciaram a luta pela independência.

O fracasso das rebeliões iniciadas em 1810 foi conseqüência, em grande parte , da falta de apoio da

Inglaterra, que, empenhada na luta contra a França napoleônica, não pode fornecer ajuda aos movimentos

de independência liderados pela aristocracia crioula. Os Estados Unidos, que possuíam acordos comerciais

com a Junta de Sevilha, também não forneceram qualquer ajuda aos rebeldes hispano-americanos. Em 1816,

os movimentos emancipacionistas, isolados internamente e sem apoio internacional, foram

momentaneamente vencidos petas tropas espanholas.

Após a derrota de Napoleão em 1815, a Inglaterra, liberta da ameaça francesa, passou a apoiar

efetivamente as rebeliões de independência na América, que se reiniciaram em 1817 e só terminaram em

1824 com a derrota dos espanhóis e a emancipação das suas colônias americanas. Naquele ano Símon

Bolívar desencadeou a campanha militar que culminaria com a libertação da Venezuela, da Colômbia e do

Equador e, mais ao sul, José de San Martin promovia a libertação da Argentina, do Chile e do Peru. Em

1822 os dois libertadores encontraram-se em Guayaquil, no Equador, onde San Martin entregou a Bolívar o

comando supremo do exercito de libertação.

AS INDEPENDÊNCIAS DA AMÉRICA LATINA.

Ano País Líder

1810 Argentina San Martin

1811 Paraguai Yegros e Jose Francia

1813 Venezuela Símon Bolivar e Francisco

Miranda

1817 Chile O’Higgins

1819 Colômbia Símon Bolívar

1820 México Pe. Hidalgo e General Iturbide

1821 Peru San Martin

1822 Equador Símon Bolívar e Sucre

1825 Bolíva Sucre

O processo de independência tornou-se irreversível quando, em 1823, os Estados Unidos proclamaram a

Doutrina Monroe, opondo-se a qualquer tentativa de intervenção militar. imperialista ou colonizadora. da

Santa Aliança, no continente americano. Em 1824, os últimos remanescentes do exercito espanhol foram

definitivamente derrotados pelo General Sucre, lugar-tenente de Bolívar. no interior do Peru, na batalha de

Ayacucho. Ao norte a independência do México fora realizada em 1822 pelo general Itubide, que se sagrou

imperador sob o nome de Agustin I. Um ano depois. foi obrigado a abdicar e , ao tentar retomar o poder, foi

executado, adotando o pais o regime republicano. Em 1825, após a guerra de independência, apenas as

ilhas de Cuba e Porto Rico permaneciam sob o domínio espanhol.

Conseqüências das Independências. Em 1826, Bolívar convocou os representantes dos países recém-independentes para participarem da

Conferencia do Panamá, cujo objetivo era a criação de uma confederação pan-americana. Q sonho

boliviano de unidade política chocou-se, entretanto, como os interesses das oligarquias locais e com a

oposição da Inglaterra e dos Estados Unidos, a quem não interessavam países unidos e fortes. Após o

fracasso da Conferencia do Panamá, a América Latina fragmentou-se politicamente em quase duas dezenas

de pequenos Estados soberanos. governados pela aristocracia crioula.

Outros fatores que interferiram nessa grande divisão política foram o isolamento geográfico das

diversas regiões, a compartimentação populacionais, a divisão administrativa colonial! e a ausência de

integração econômica do continente. O pan-americanismo foi vencido pela política do "divida e domine.

Assim, entre as principais conseqüências do processo de emancipação da América espanhola merecem

destaque: a conquista da independência política, a conseqüente divisão política e a persistência da

dependência econômica dos novos Estados. O processo de independência propiciou sobretudo a

emancipação política, ou seja, uma separação da metrópole através da quebra do pacto colonial. A

independência política não foi acompanhada de uma revolução social ou econômica: as velhas estruturas

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herdadas do passado colonial sobreviveram à guerra de independência e foram conservadas intactas pelos

novos Estados soberanos.

Assim, a divisão política e a manutenção de estruturas coloniais contribuíram para perpetuar a secular

dependência econômicas latino-americana, agora não mais em relação à Espanha, mas em relação ao

capitalismo industria! inglês. As jovens repúblicas latino-americanas, divididas e enfraquecidas, assumiram

novamente o duplo pape! de fontes fornecedoras de matérias-primas essenciais agora à expansão do

industrialismo e de mercados consumidores para as manufaturas produzidas pelo capitalismo inglês

OO IIMMPPÉÉRRIIOO DDOO BBRRAASSIILL –– 11882222--11888899 “Quem viu uma coisa ser e não ser ao mesmo tempo?” (Pe. Francisco de Sales,

Vigário do Limoeiro, em 1817).

PRIMEIRO REINADO (1822-1831): CARACTERIZAÇÃO GERAL ?Nunca é demasiado insistir na originalidade do processo político brasileiro, que culminou com o

estabelecimento de uma monarquia e o advento de uma nacionalidade. Tudo isso aconteceu em manifesto

contraste com o desfecho dos sucessos coloniais nas possessões espanholas e inglesas do continente, onde o

regime republicano fora a solução normal; compatível, aliás, com as fórmulas institucionais mais avançadas,

produzidas pela reflexão filosófica libertadora acerca do contrato social.

Ao contrário das colônias espanholas, o Brasil emergiu da Independência como um Estado Unitário e

centralizado. Ele não conheceu nem mesmo o federalismo que organizou, por longos anos, as ex-colônias

britânicas, onde os diversos Estados norte-americanos gozaram de uma autonomia frente ao governo

central. O Estado Monárquico, autoritário e centralizador brasileiro resultou da necessidade das elites

nacionais enfrentarem o problema da independência e da gestão constitucional do Estado, sem colocarem

em perigo a espinha dorsal da economia colonial: a produção escravista.

O Estado monárquico, autoritário e centralizador que surgiu da ruptura do Brasil com Portugal foi

criatura da escravidão. Teve como parteiro, nos momentos da definitiva ruptura com a metrópole, os

interesses dos grandes negreiros e escravistas. A independência deu-se sob a batuta cautelosa e

conservadora dos grandes senhores de escravos de todas as províncias. Os ideários republicanos, separatista

ou federalista, de importantes grupos senhoriais regionais não-hegemônicos foram reprimidos em prol da

segurança e da perpetuação da produção escravista.

A solução encontrada para a Independência do Brasil foi a mais conservadora possível. “Na sua quase

unanimidade – lembra Otávio Tarquínio de Sousa – os brasileiros de então não tiveram escrúpulo de eleger

chefe da sua revolução libertadora o regente do Brasil, os príncipe português e herdeiro do trono luso”.

Os senhores brasileiros rompiam com Portugal, mas entronizavam o herdeiro da Coroa Portuguesa.

Cortavam as amarras econômicas com a velha metrópole, mas asseguravam os interesses lusitanos no

Brasil. Rechaçavam o absolutismo da Casa dos Bragança, mas colocavam na cabeça do Novo Império um

dos seus mais autoritários filhos. Apenas a intransigência das Cortes Lusitanas impediram uma solução

ainda mais tímida: a monarquia dual, ou seja, duas nações – Brasil e Portugal – com duas constituições e

um mesmo Estado Imperial.

Entretanto, a aliança construída em torno de D. Pedro pelos grandes escravistas nacionais, associados

aos interesses lusitanos que permaneceram no Brasil após 1822, logo entrariam em crise, mostrando todas

as contradições dos acordos que levaram à Independência.

Contudo, a nossa Independência não foi conseguida apenas com o grito de "Independência ou Morte".

Para realizá-la, muitos brasileiros perderam suas vidas, confrontado-se com tropas portuguesas que

permaneceram no Brasil, principalmente no Nordeste. Estes conflitos só terminaram em 1824. Refutando a

tese da “via pacífica para Independência do Brasil, sob a égide do príncipe Pedro”, como bem o fez o

historiador José Honório Rodrigues, demonstrando a violência e cruza que revestiu a luta pela emancipação.

Foi nesse clima de repressão que atingia a todos os recantos do país que o imperador foi coroado a 19

de dezembro de 1822, em meio a uma cerimônia pomposa que lembrava os autos de poder do Antigo

Regime. Terminado o auto de fé e ainda paramentado, o jovem monarca dirigiu-se à multidão e pronunciou

a célebre frase: “Juro defender a Constituição que está para ser feita, se for digna do Brasil e de mim”.

Com essa afirmação, D. Pedro I mostrava ter aderido à facção mais conservadora liderada por José

Bonifácio de Andradas?, que planejou a Independência Brasileira.

O Reconhecimento Internacional.

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O primeiro país a reconhecer a nossa Independência foram os Estados Unidos da América (EUA), em

1824, através da chamada Doutrina Monroe.

Portugal, pressionado pela Inglaterra que queria comercializar com o Brasil mas não queria perder os

vínculos com os lusitanos, somente irá reconhecer a nossa Independência em 1825, após a assinatura de

diversos tratados e do pagamento de uma indenização à Coroa Portuguesa no valor de dois milhões de

libras. Depois disso, vários países reconhecem, diplomaticamente a nossa Independência.

A Constituição de 1824 - A constituição da mandioca. ?Contudo, para um país ser efetivamente livre é necessário possuir suas próprias Leis, organizadas

através de uma Constituição.

É neste sentido que D. Pedro I em maio de 1823, convoca eleições para a formação da primeira

Assembléia Constituinte. Os conservadores, através de seu líder, José Bonifácio, conseguiram excluir das

eleições todos aqueles que viviam de salários ou de soldos, retirando das camadas populares, dessa forma, a

participação política. A vitória da facção conservadora influiria na criação de um clima tenso quando da

instalação da Assembléia Constituinte, a 17 de abril de 1823, com o boato de que seria dissolvida, caso não

conformasse aos interesses da monarquia, em particular do Imperador.

“D. Pedro I ao proclamar a Independência do Brasil, o fez nos marcos do pacto preestabelecido, ou

seja, do respeito à soberania do príncipe e da manutenção da aliança entre brasileiros e portugueses,

contra as forças populares e os elementos radicais – particularmente os Republicanos. A Assembléia

Constituinte ousou desrespeitar esse pacto”?

Vários projetos de constituinte são apresentados e aprovados pela Assembléia Constituinte, entre eles

destacam-se uma lei, aprovada em 29 de julho de 1823, que isenta os atos da Constituinte de sanção

imperial, mais tarde repreende o monarca por ter dado títulos de nobreza, proibindo novas concessões.

Posteriormente, a 02 de setembro retira-lhe o direito de veto e de dissolução da Câmara.

O projeto de Constituição que, até então, estivera em discussão na Assembléia previa um forte controle

do Parlamento sobre o soberano e um certo grau de autonomia administrativa para as províncias. De acordo

com Monteiro (1996:135)”o Imperador, que já se insurgira contra as Cortes Constitucionais de Portugal,

repetia o mesmo feito contra a Constituinte do Império”.

Diante da tentativa de limitar os poderes do Imperador, o mesmo resolve, em 12 de novembro de 1823,

fechar a Constituinte, cercando o prédio com tropas do Exército que forçaram a sua evacuação. No decreto

imperial constava:

“Havendo Eu convocado, como tinha direito de convocar, a Assembléia Geral Constituinte e

Legislativa, por decreto a 03 de junho do ano próximo passado [1823], a fim de salvar o Brasil dos

perigos que lhe estavam iminentes, e havendo a dita Assembléia perjurado ao tão solene juramento que

prestou à Nação de defender a integridade do Império, sua independência e a minha dinastia: hei por

bem, dissolver a mesma Assembléia...”

No dia 25 de março de 1824, o Imperador jurava a Constituição que mandara redigir e que formalizava

o antigo pacto preestabelecido já citado anteriormente. Por ela, o monarca foi considerado inviolável e

sagrado, não podendo ser responsabilizado por seus atos (art. 99º) e todos os portugueses residentes no

Brasil que aderiram à Independência foram considerados brasileiros (art. 6º parágrafo 49º).

Esta foi a primeira Constituição brasileira, que foi outorgada em 1824. Outras características desta

Constituição: sistema monárquico hereditário constitucional e representativo; sistema unitário (ausência de

autonomia das províncias); garantia de ampla liberdade individual e econômica; sistema de eleições

indiretas, selecionando os eleitores mediante renda anual (voto censitário, não medida em dinheiro, mas

com base no preço da mercadoria de consumo corrente: a farinha de mandioca) – por isso esta Constituição

foi apelidada de "Constituição da Mandioca"; religião católica considerada como a oficial; o

estabelecimento do padroado régio (a relação entre a Igreja e o Estado era regulada pelo regime de

padroado, isto é, os clérigos eram pagos pelo Estado, o que os equiparava a funcionários públicos); e o

estabelecimento de quatro poderes: o legislativo, exercido pela Assembléia Geral, o Executivo (exercido

pelo Imperador e auxiliado pelos Ministros), o Judiciário (exercido pelos Juizes e Jurados) e o poder

Moderador (de atribuição exclusiva do Imperador).

Enfim, a primeira Constituição Brasileira afirmava os princípios do Liberalismo Europeu: igualdade

entre todos, garantia da propriedade privada, a liberdade econômica e de expressão. Contudo isto era

apenas formalidade. A prática era outra: a maioria da população era escrava, a propriedade estava nas mãos

dos latifundiários e diversos jornalistas foram mortos.

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As manifestações internas de insatisfação ao imperador e a sua Política Externa.

A Confederação do Equador A primeira revolta de contestação à política colonial foi a Confederação do Equador ocorrida em

Pernambuco que logo se expandiu para o resto do Nordeste e possuía um caráter separatista e republicano,

e pode ser considerada como o resultado imediato da Constituição autoritária de 1824.

As principais causas deste movimento eram: a falta de autonomia das províncias e o Poder Moderador,

considerado por Frei Caneca, um dos líderes do movimento, como a "chave mestra da opressão da nação

brasileira".

A Revolta iniciou-se quando D. Pedro tentou impor o fazendeiro Francisco Paes Barreto, homem de sua

confiança, para o governo da província de Pernambuco. Contudo, a elite já tinha eleito Manuel Paes de

Andrade. As críticas advindas de Frei Caneca aumentaram, ainda mais, a indisposição de D. Pedro I para

com a elite de Pernambuco. Os pernambucanos se revoltaram e proclamaram uma república Independente e

logo receberam a adesão das províncias do Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte, que formaram a chamada

Confederação do Equador.

A opressão Imperial foi cruel. Os ingleses, que auxiliaram as tropas legalistas, incendiaram Recife,

prenderam centenas de pessoas, dezenas foram mortas, e Frei Caneca foi fuzilado, após a recusa de

diversos carrascos em enforcá-lo.

A Questão Cisplatina, ou a Independência do Uruguai Uma outra revolta que D. Pedro I enfrentou em seu reinado foi a Questão Cisplatina. Para se

compreender esta revolta, torna-se necessário retrocedermos alguns anos.

Quando D. João VI esteve no Brasil, mandou invadir a Província Cisplatina (hoje, Uruguai).

O Uruguai nada tinha a ver com o Brasil, pois era uma colônia espanhola, por isso, em 1825, rebelou-se

contra o Brasil, reivindicando a sua Independência. D. Pedro I, que pretendia manter o Uruguai sobre o seu

controle, enviou tropas para lá. A Argentina, que também sonhava em anexar o Uruguai entrou no conflito

contra D. Pedro I. Os ingleses que não queriam que os dois maiores países da América do Sul,

controlassem a entrada do Rio da Prata e preferiam que ali tivesse um pequeno país que era mais fácil de

controlar, apoiaram o Uruguai no seu processo de Independência.

Assim, a Independência do Uruguai foi conquistada em 1828. O Brasil perdeu muitas vidas e a dívida

pública aumentou vertiginosamente. O prestígio de D. Pedro I caiu na mesma proporção.

A popularidade do Imperador irá diminuir a cada tentativa de manter um controle severo das províncias

que almejavam maior liberdade e das diversas batalhas enfrentadas por D. Pedro I. A Constituição de 1824,

que instituiu o poder Moderador gerou uma série de descontentamentos, dentro até mesmo do grupo que o

apoiava - os conservadores (latifundiários). A crescente dívida do Brasil para com a Inglaterra também

eram um fator que contribuiu para que D. Pedro I perdesse a sua popularidade.

A Luta pelo trono Português Um problema português vem complicar ainda mais a situação do Imperador Brasileiro: trata-se da

sucessão do trono português, que estava vago desde a morte de D. João VI, em 1826. D. Pedro I, como era

o sucessor legítimo da coroa portuguesa. Desde aquele ano, Portugal vinha sendo governado pelo seu irmão

D. Miguel. Contudo, D. Pedro não aceitou a idéia de perder o trono português e reivindicou para si a coroa

lusitana. A elite brasileira, temendo a idéia de que o Brasil poderia perder a sua Independência, pressionou

D. Pedro I a tomar uma decisão: ou fica no Brasil como Imperador ou volta para Portugal para reclamar o

trono português, mas deveria abdicar à coroa brasileira.

D. Pedro I fez sua opção: escolhe a coroa brasileira, e abdicou à portuguesa em favor de sua filha, Maria

da Glória. Contudo, D. Miguel não aceitou a abdicação. Inicia-se, dessa forma uma guerra em torno da

sucessão portuguesa. O Imperador brasileiro começou a utilizar dinheiro brasileiro para financiar a

permanência de sua filha no poder. Isso gerou insatisfações populares, principalmente em Minas Gerais.

A imprensa e a Câmara contra o Imperador: a crise institucional chega no seu momento crucial.

Em março de 1826, o imperador abre os trabalhos da primeira Assembléia Geral Legislativa. Dessa data

até 1831, ano em que iria abdicar do trono brasileiro em favor de seu filho Pedro de Alcântara, assiste-se a

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um crescente confronto entre a Câmara dos Deputados (eleita) o senado (vitalício e de indicação do

Imperador) e o próprio monarca.

A permanente oposição entre o Imperador e a Câmara, com o apoio da imprensa nacional, representava

um sentimento de inconformidade com as –posturas políticas do imperador, particularmente expresso no

medo dos brasileiros de que D. Pedro I aceitasse a coroa de Portugal, quando da morte de D. João VI.

Mesmo depois da abdicação do Imperador em favor de sua filha, a desconfiança continuou.

Sobre este impasse, vejamos a pertinente visão de Monteiro (1996:135-136):

“A Câmara convoca ministros para prestar esclarecimentos. Abre inquérito contra os principais

auxiliares do imperador. Critica o monarca e quer rever muitos dos seus atos. Coadjuvando a Câmara, a

imprensa não cessa de atacar o governo e o próprio chefe de Estado”.

Continua Monteiro, “O Imperador reclama contiguamente do abuso da imprensa e manda processar o

jornalista Borges da Fonseca. Entretanto, o assassinato de outro jornalista, Libero Badaró, aumentará as

críticas à sua pessoa e ao seu governo”.

Em pouco tempo, a questão sai das tribunas e começa a ganhar as ruas. Com a proposta de tentar

amenizar o descontentamento popular, D. Pedro I resolve visitar a província de Minas Gerais, onde foi

muito mal recebido pela população, que simplesmente o ignorou. Para compensar a frustração da visita de

D. Pedro à Minas Gerais, os portugueses que moravam no Rio de Janeiro prepararam uma grande recepção

ao Imperador no dia 12 de março de 1831. Os cariocas, percebendo que isto era uma afronta não concordou

com festa e entraram em choque com os portugueses. Esse episódio da História do Brasil ficou conhecido

como a Noite das Garrafadas.

Dessa forma, pressionado pela elite latifundiária a não enviar mais verbas para Portugal, sem apoio

popular e com as tropas amotinadas, D. Pedro, em 07 de abril de 1831, vê-se obrigado a abdicar do trono

brasileiro em favor de seu filho, Pedro que contava com apenas cinco anos de idade, que ficou sob a tutela

de José Bonifácio. Em fator disso, instalou-se no Brasil um governo regencial, que tinha como função

governar o país até que o herdeiro do trono atingisse a maioridade.

Com a abdicação, completa-se o processo de independência. Os portugueses que ocupavam os

principais postos da administração pública serão substituídos por brasileiros. O grupo brasileiro, ao

desvencilhar-se do imperador e seus auxiliares, passava a controlar sozinho o aparelho de Estado.

D. Pedro I foi, de certa, forma desamado em sua pátria de origem que o acolheu, e herói na sua pátria de

adoção, que o expulsou.

O PERÍODO REGENCIAL (1831-1840): O BRASIL CONSOLIDA A SUA INDEPENDÊNCIA POLÍTICA.

O período regencial caracterizou-se por ser um dos mais agitados na História do Brasil. Marcou-se por

intensa agitação social e revoltas provinciais. Foi um período de lutas pelo poder entre os membros da

classe dominante e de rebeliões populares contra a fome e a miséria de uma massa, composta por negros,

índios, mestiços e brancos pobres, que viviam miseravelmente em latifúndios improdutivos, e que era

marginalizada e espezinhada pela elite sócio-econômica.

Para melhor compreender a instabilidade desta época lembremos que este foi um momento de transição

na economia brasileira. Em um sistema econômica periférico, cuja a produção se voltava para o mercado

externo, é natural que a crise da mineração e da lavoura tradicional deixasse um vazio nas exportações e um

déficit na balança de comércio.

Apesar de o café, no período regencial, já ter-se tornado o primeiro produto brasileiro de exportação, ele

ainda não havia criado uma estabilidade econômica e social, pois não conseguira, até então, salvar o Brasil

da crise econômica e financeira herdada do Primeiro Reinado.

Além disso, as rebeliões revelavam os múltiplos desajustes de uma sociedade agrário-escravistas a

caminho de sua consolidação, depois dos abalos do processo de independência e das lutas que redundaram

na abdicação. A massa, em geral, permanecia marginalizada. Alienada do processo político, manifesta-se,

entretanto, através de revoltas como a Cabanagem e a Balaiada.

No que diz respeito à classe dominante, as suas divergências eram apenas de caráter político-

administrativo, pois entre os aristocratas, sempre houve concordância quando à manutenção da grande

propriedade e da estrutura escravista.

Será na Regência que as formas típicas de dominação da classe dominante sobre a grande maioria da

população será ensaiado.

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A crise envolve todos os níveis da sociedade: tanto em nível superestrutural, pois a população ainda não

se habituara com a idéia de que o Brasil era um país independente e estava no momento, ainda de

consolidação de algumas idéias nacionais; nível estrutural, pois a organização do poder se deu de forma

traumática, enfrentando diversas rebeliões que, inclusive, ameaçavam a soberania do país; e também crise

conjuntural, pois o Brasil atravessou um período de extrema crise econômica, sem um produto que pudesse

ser considerado como o carro-chefe das exportações, pois o café não era ainda o grande redentor nacional.

Assim, é importante compreender o período regencial, pois será neles que poderemos encontrar as

raízes de alguns dos profundos problemas que a sociedade brasileira enfrenta nos dias de hoje.

A Ação liberal e a Reação Conservadora. A abdicação de D. Pedro I fortaleceu o movimento liberal anti-absolutista.

Em 1832, a Regência, "em nome do Imperador e Senhor D. Pedro II", sancionou Lei Preparatória

decretada pela Assembléia Geral Legislativa, cujo texto conferia aos deputados que seriam eleitos para a

legislatura seguinte (1834) a faculdade de reformar determinados artigos da Constituição do Império.

A reforma consubstanciou-se com o Ato Adicional de 1834, decretado pela Câmara dos Deputados, que

instituiu as assembléias legislativas provinciais com considerável autonomia mas que não chegou, como era

desejo dos seus mais ardorosos defensores, a suprimir o Poder Moderador ou a implementar um Estado

Federativo. Às assembléias foi atribuída competência para elaborar o seu próprio regimento e, desde que

em harmonia com as imposições gerais do Estado, legislar sobre: a divisão civil, judiciária e eclesiástica

local; instrução pública, não compreendendo as faculdades de medicina e os cursos jurídicos; casos de

desapropriação; fixação de despesas e impostos; criação de cargos e empregos; estradas, penitenciárias e

outras obras públicas.

Passado o 07 de abril de 1831, definem-se três tendências principais. À direita, em torno da Sociedade

Conservadora da Constituição Brasileira, postam-se os Restauradores, ou Caramurus, que são contra as

reformas e anseiam pela volta de D. Pedro I ao trono. À esquerda, na Sociedade Federal, estão os Liberais

Exaltados, Farroupilhas ou Jurujubas, que exigem mudanças profundas e chegam a apelar para

movimentos de rua ou para tentativas de sublevação dos escalões inferiores das forças militares. No centro,

com a Sociedade Defensora da Liberdade e da Independência Nacional, estão os Moderados ou

Chimangos, que não têm um projeto preciso mas não admitem a volta do ex-Imperador nem os exageros da

Sociedade Federal. Para esses últimos, em sua maioria, era importante a existência de uma Câmara dos

Deputados forte para fazer frente aos arbítrios do Poder Executivo, já que o Senado, de nomeação imperial,

era um órgão imprevisível, tendendo muito mais para a conservação do que para mudanças.

PARTIDO

RESTAURADOR

(CARAMURUS)

PARTIDO

MODERADO

(CHIMANGOS)

PARTIDO LIBERAL

EXALTADO

(FARROUPILHAS

OU JURUJUBAS) Sociedade Conservadora

da Constituição Brasileira

Sociedade Defensora da

Liberdade e da

Independência Nacional

Sociedade Federal

tinha como principal

objetivo o retorno de Dom

Pedro I (acabou em 1834

com a morte de Dom Pedro

I).

eram partidários da

monarquia moderada, da

centralização

administrativa.

reivindicavam autonomia

para as províncias e

expressavam os interesses

dos setores urbanos

Com a morte de D. Pedro I, em 1834, os restauradores perderam sua bandeira de luta. Assim, as brigas

passaram a restringir-se aos círculos dos moderados e dos exaltados. Esses grupos lutavam ferozmente uns

contra os outros, não raras vezes chegando à violência e à morte.

O primeiro conselho de regentes, que assumiu o poder logo após a renúncia de D. Pedro I, governou até

que o Parlamento - que estava em férias - voltasse a se reunir e escolhesse os membros da Regência Trina

Permanente. Apesar de provisório, o primeiro governo regencial. tomou algumas medidas para satisfazer os

descontentes e tentar restabelecer a calma no país: expulsou os estrangeiros do Exército; a concedeu anistia

a todos os acusados de crimes políticos; e reintegrou o ministério de 20 de março, cuja demissão havia

apressado a queda de D. Pedro I.

Antes de escolher os novos regentes, o Parlamento tomou algumas decisões sobre o governo regencial:

os regentes não poderiam exercer o Poder Moderador, dissolver a Câmara ou conceder títulos e

condecorações.

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Tanto liberais exaltados quanto liberais moderados estavam de acordo com a necessidade de alterar a

Constituição imposta pelo ex-Imperador fazendo um acordo em favor de uma maior autonomia das

províncias em troca da manutenção da unidade do Império. No intuito de tentar acabar com as revoltas nas

províncias, dando-lhes mais autonomia, os liberais moderados defendiam algumas reformas na

Constituição de 1824.

Em termos políticos, o Período Regencial pode ser dividido em duas fases: Período Liberal, de 1831 a

1836, quando se procurou realizar as reformas constitucionais necessárias ao estabelecimento de maior

liberdade para as províncias, tendo o governo se orientado para descentralizar a administração; Período

Conservador, de 1836 a 1840, quando se procurou evitar que os excessos de liberdade colocassem em

perigo a estabilidade nacional, tendo o governo se orientado no sentido de centralizar a administração.

Durante esse período criou-se a Lei Regencial que suprimia o poder de dissolver Câmara e de suspender

as liberdades constitucionais.

No mesmo ano da abdicação, 1831, avançam os liberais, que constituíam a maioria no governo, em

direção à descentralização. A principal medida foi –a criação, em 18 de agosto do mesmo ano, da Guarda

Nacional, uma milícia armada dirigida pelos grandes proprietários fundiários. Em verdade, a Guarda

Nacional constitui-se em uma das principais armas do regime imperial.

Em um segundo momento, em 29 de novembro de 1832, promulgou-se o Código de Processo Criminal,

que criava a figura do Juiz de Paz. Ele era eleito por voto censitário. Tinha um poder enorme, podendo

prender qualquer um que ele achava “suspeito”.

Por fim, após inúmeras hesitações, é aprovado em 12 de agosto de 1834, o Ato Adicional a Constituição.

As principais modificações estabelecidas foram: criação das assembléias legislativas nas províncias, com

competência para legislar sobre uma série de assuntos de interesse das províncias e dos municípios;

transformação da capital do país, Rio de Janeiro, em município neutro ou município da corte, independente

da província do Rio de janeiro, cuja sede passou a ser a atual cidade de Niterói; estabelecimento da

Regência Una, sendo o regente eleito para um mandato de quatro anos; eliminação do Conselho de Estado.

Esse conjunto de medidas caracterizará o avanço liberal até 1837, quando assistiremos a uma reação

conservadora.

A eleição prevista pelo Ato Adicional leva ao poder, como regente, o padre Diogo Antônio Feijó?,

liberal moderado, disposto a garantir a unidade do Império. A situação do país estava à época da regência

do Pe. Feijó muito confusa em virtude das diversas revoltas regenciais. Premido pela oposição que sofria

no Parlamento e sentido-se sem condições de governar o país, Feijó resolve renunciar e entregar a regência

a um dos líderes mais prestigiosos da facção moderada, Araújo Lima, que era o presidente da Câmara dos

Deputados. Primeiro nomeia-o ministro do Império (o primeiro da linha de sucessão do Regente) e lhe

passa o cargo a 18 de setembro de 1837.

Apoiados por grandes fazendeiros, os moderados levaram a melhor, pois esta mudança não era apenas

uma simples passagem de governo. Na verdade, ao entregar a Regência a Araújo Lima, “Feijó colocava o

governo do Império nas mãos de facção moderada majoritária, acrescida pela aliança com os

restauradores, dentro do qual sobressairia um grupo novo, do sudeste brasileiro, envolvido com a

produção e a comercialização do café. De base agrário-escravistas, os barões do Café, concentrados em

grande parte no vale do Rio Paraíba do Sul, acabariam por controlar o aparelho do Estado,

concentrariam alianças com grupos influentes em outras províncias, “pacificariam o país” e iriam impor a

ordem escravista e latifundiária. Essa fase, se que inicia em 1837 e só irá concluir-se em 1850, seria

chamada de fase da reação monárquica ou de domínio do princípio monárquico. Estávamos em ‘plena

reação’, exclamaria Justiniano da Rocha, um publicista da época”?.

Os moderados chamavam a seu agrupamento político de “regresso”, mais tarde “conservador”. Seu

projeto político tinha como base o restabelecimento da autoridade central, por meio da revogação ou

reforma das leis da “anarquia” e a defesa da integridade do Estado Imperial, por meio da submissão dos

grupos rebeldes, pela força, por acordos, pela corrupção e o clientelismo. Para alcançar seu objetivo,

escudaram-se no carisma da monarquia, que muito habilmente promoveram e mitificaram, e na força

militar que reorganizaram e enviaram a todos os pontos onde a autoridade governamental era contestada.

Ao impor o seu projeto aos restauradores e, principalmente aos Exaltados, moderados dividiram-se, por sua

vez, em dois grupos: os progressistas e os regressistas.

Os dois grupos estavam plenamente de acordo no principal, isto é, na necessidade de manter a ordem

social e política a qualquer preço, esquecendo as reformas. A única diferença é que os progressistas eram a

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favor de algumas concessões aos exaltados, como uma maior autonomia para as províncias, o que foi feito

com o Ato Adicional de 1834.

Com o fim do período regencial, o grupo progressista deu origem ao Partido Liberal e o grupo

regressista, ao Partido Conservador. Os dois partidos revezaram-se no poder até 1889, quando foi

proclamada a república. Mas ambos defendiam os mesmos interesses, ou seja, os interesses dos grandes

proprietários. Segundo a expressão popular, eram "farinha do mesmo saco".

Para os conservadores era imprescindível desmontar todo o aparato descentralizador proposto pelo Ato

Adicional de 1834, e a aprovação ou reformas de leis que possibilitassem o retorno à centralização

governamental. Neste sentido, o Regente Araújo Lima, promulgou a Lei Interpretativa do Ato Adicional,

que entrou em vigor em 12 de maio de 1840 e marcou o início da reação centralizadora. Os conservadores -

regressistas – utilizaram do argumento de que o Ato Adicional estava dando margem a interpretações

errôneas, a Câmara explicita seus artigos, mudando radicalmente a sua essência: de descentralizador o Ato

passa a ser coadjuvante da centralização. Entre os seus principais dispositivos estavam: a recriação do

Conselho de Estado (principal órgão de aconselhamento ao Imperador); a restrição dos poderes das

assembléias legislativas provinciais; a reforma do Código do Processo Criminal (em 03/12/1841) pelo qual

a polícia e a justiça passavam a ficar sob o controle do Poder Executivo central, em última instância

subordinada ao Ministro da Justiça, “no exercício da suprema inspeção que lhe pertence como primeiro

chefe e centro de toda a administração policial do Império” (art. 1º, parágrafo 19º da lei de 03 de dezembro

de 1841). A centralização se completaria com a aprovação da Lei 602 de 19 de outubro de 1850, que

colocava a Guarda Nacional também subordinada ao Ministro da Justiça.

O Golpe da Maioridade – a Contra-reação dos progressistas. Os liberais, ou melhor, os progressistas, dariam o troco imediatamente, através de hábil manobra - golpe

da maioridade que permitiu a antecipação da maioridade de D. Pedro II de 18 para 15 anos?. Os

conservadores não tinham outra saída a não ser apoiar a proposta dos liberais no sentido de antecipar a

maioridade de D. Pedro II. O país vivia um período muito conturbado, com revoltas separatistas em várias

províncias, sem que o governo central conseguisse controlar a situação. O futuro imperador era visto por

todos - liberais e conservadores como a única figura capaz de promover o restabelecimento da paz e a

manutenção da unidade nacional.

Com a antecipação da maioridade, os conservadores, cujo governo deveria estender-se até 1842, foram

substituídos pelos progressistas, em julho de 1840. Estes formaram o primeiro ministério do Segundo

Reinado.

GOVERNOS DO PERÍODO REGENCIAL Regência Trina

Provisória (abril a

junho de 1831)

Regência Trina

Permanente

(17/06/1831-

12/10/1835)

Regência Una do Pe.

Diogo Antônio Feijó

(12/10/1835-

19/09/1837)

Regência Una

de Pedro Araújo

Lima

(19/09/1837-

23/07/1840)

1831-1840: uma economia conturbada e em crise. O início do Primeiro Reinado coincide com o começo do período, que se prolongou até 1860, em que o

comércio exterior brasileiro foi quase ininterruptamente deficitário. Isto é, importávamos mais do que

exportávamos e por isso estávamos sempre devendo.

Para pagar essas dívidas apelava-se para empréstimos externos, solução provisória que transferia o

problema para o futuro: acarretava a necessidade de novos pagamentos, referentes a juros e amortizações,

cujo único resultado era o aumento do desequilíbrio em nossas contas com o exterior.

Entre as exportações predominavam: a açúcar - ainda era o principal produto exportado durante o

Primeiro Reinado, embora alcançasse preços baixos, como vimos, por causa da concorrência do açúcar das

Antilhas e do açúcar de beterraba. a café - transformou-se no principal produto de exportação durante o

período regencial. e algodão - continuava enfrentando a concorrência da produção norte-americana. e fumo,

cacau, arroz e couros - não tinham tanta expressão e sofriam a concorrência norte-americana (arroz) e a dos

países do Prata (couros).

Quanto às importações, além dos manufaturados, cujo principal fornecedor era a Inglaterra - que ainda

se beneficiava das tarifas privilegiadas de 1810 -, importávamos trigo dos Estados Unidos e da Europa,

outros produtos alimentícios da Europa e escravos da África.

Além do desequilíbrio na balança comercial, enfrentávamos ainda a escassez de dinheiro, resultante dos

seguintes fatores: esvaziamento dos nossos cofres pela família real, que voltou a Portugal em 1821;

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indenização paga pelo Brasil a Portugal para que este reconhecesse nossa independência; gastos enormes

com a Guerra da Cisplatina e com as revoltas internas.

As indústrias não puderam desenvolver-se por falta de recursos e de máquinas. A Inglaterra havia

substituído Portugal tanto no comércio com o Brasil quanto na criação de dificuldades para o

desenvolvimento da indústria brasileira.

O caso da indústria têxtil é um exemplo típico: foi sufocada pela Inglaterra, que aqui colocava seus

tecidos em melhores condições que os brasileiros, favorecida pelas baixas taxas alfandegárias, e criava

enormes dificuldades para a importação de máquinas têxteis por brasileiros. Em 1840, mais da metade dos

nossos gastos com importação de produtos industrializados dirigia-se para o pagamento de produtos de

vestuário.

A indústria de mineração, por sua vez, só alcançou alguns progressos mediante a ajuda de capitais

ingleses.

Quanto às exportações no período regencial, o café tomou a dianteira que haveria de manter por muito

tempo, seguido de longe por outros produtos tropicais, como podemos ver no gráfico ao lado.

As dificuldades enfrentadas pela economia durante o Primeiro Reinado e a Regência foram, portanto,

multas e graves. Atingiram de maneira mais acentuada as cidades do que as grandes propriedades rurais,

que eram quase auto-suficientes.

Como podemos perceber, já nessa época passávamos por sérias crises decorrentes de empréstimos, má

administração econômica e excessivos privilégios concedidos à Inglaterra, a potência capitalista de então.

AS REVOLTAS REGENCIAIS O período regencial é marcado por intensos motins e revoltas: lutas entre pobres e ricos, brancos e

negros, escravos e senhores, geradas basicamente pelas profundas diferenças sociais existentes, além da

insatisfação dos proprietários de terras que sofriam a concorrência dos estrangeiros na exportação de açúcar

e algodão, além de ser uma manifestação contra a opressão governamental que não permitia uma

autonomia administrativa para as províncias.

As Revoltas no Nordeste. As rebeliões provinciais atingiram grande parte do nordeste: Bahia e Maranhão foram os principais

centros de rebeldia. As rebeliões nestas regiões revestiram-se de características peculiares, mas, como as

outras, tinham em comum a luta do regionalismo contra o governo central.

Revolta no Pará: a Cabanagem A rebelião que ocorreu no Pará entre 1834 e 1840 pode ser considerada um dos mais importantes

movimentos que agitaram o Brasil no período regencial. Setores populares dominaram o poder por, alguns

tempo, numa demonstração de protesto contra o domínio da aristocracia latifundiária. Para se estender a

rebelião, é preciso rever as condições gerais do Pará.

A Província do Grão-Pará era um imenso território que compreendia o atual estado do Pará e a maior

parte da Amazônia. Até a proclamação da Independência, essa região mantinha um relacionamento direto

com Portugal.

A população era composta de índios destribalizados, chamados tapuios, de negros e principalmente de

mestiços. A maioria esmagadora da população vivia em pequenos povoados nas margens dos rios, nas rotas

das chamadas “drogas do sertão”. Tinha uma vida miserável. Trabalhavam para os comerciantes na

extração das “drogas” ou na salga de peixes.

Em 1834, os radicais liberais eram um grupo de forte expressão na província. O cônego Batista de

Campos, um de seus mais importantes líderes, estava em constantes choques com o governo provincial,

representante do poder central.

Esses radicais passaram a conspirar na fazenda de um outro líder, chamado Clemente Malcher, com a

participação dos irmãos lavradores Vinagre, do jornalista Eduardo Angelin, entre outros. Descoberta a

reunião, iniciou-se em outubro de 1834 a repressão, resultando na morte de um dos irmãos Vinagre, na

prisão de Malcher e outros rebeldes.

No entanto a rebelião espalhou-se por toda a província, com tropas do próprio governo aderindo aos

revoltosos.Com armas e munições, os rebeldes cercaram o palácio do governo e mataram o presidente da

província e o comandante militar.

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Clemente Malcher, libertado, foi proclamado o novo presidente da província. Começa o governo dos

cabanos, nome pelo qual eram identificados os pobres moradores das cabanas das barrancas dos rios da

região. Daí o nome Cabanagem.

Apesar do crescimento do grupo mais radical sob a liderança de Angelin e de um dos irmãos Vinagre, a

repressão do governo central, depois de violentos combates, acabou retomando grande parte do Pará.

Houve ainda alguma resistência No interior, também reprimida. A repressão a repressão entre os rebeldes

deixou um saldo de mais de quarenta mil mortos numa população de aproximadamente cem mil habitantes.

A Balaiada no Maranhão. ?A região encontrava-se em profunda crise econômica e social desde a decadência da cultura algodoeira.

Dos duzentos mil habitantes, aproximadamente noventa mil eram escravos. Os homens livres estavam

ligados à economia da pecuária na época da expansão pelo sertão nordestino e eram marginalizados e

empobrecidos. O poder estava nas mãos de uma oligarquia que lutava entre si da mesma forma que os

liberais e os moderados da Capital.

A província do Maranhão foi agitada por lutas entre facções de sua elite, dividida entre os bem-te-vis

(liberais) e os cabanos (conservadores). A rebelião, conhecida como Balaiada, foi desencadeada devido à

prisão injusta de Raimundo Gomes Vieira, empregado rural de um padre da facção dos liberais. Após sua

fuga, Vieira retornou com reforço de simpatizantes ao movimento, ampliando a luta que acabou se

tornando uma revolta popular, concentrando-se no sul da província, junto à divisa com o Piauí e Ceará. A

cidade de Caxias foi transformada na Capital dos Rebeldes. A luta estendeu-se por toda a região e contou

com a participação popular. O líder dos homens livres empobrecidos e dos negros rebelados era um artesão

fabricante de balaios. Daí o nome de Balaiada.

A repressão imperial não tardou. O Coronel Luís Alves de Lima e Silva (futuro Duque de Caxias, título

que recebeu porque dominou o movimento e a cidade de Caxias) recebeu plenos poderes e desencadeou

violento ataque às cidades. Reprimiu os rebeldes e conseguiu tomar Caxias, a cidade que deu nome ao

título do famoso militar brasileiro. Em agosto de 1840, a maior parte dos rebeldes se rendeu, mas o

movimento ainda resistiu até o início de 1841.

A Sabinada, na Bahia. A situação geral de instabilidade no período regencial atingiu a Bahia, por volta de 1837. O grupo de

liberais iniciou a rebelião contra o centralismo do governo regencial, no momento em que Bento Gonçalves,

líder da Revolução Farroupilha retomava a liderança na rebelião sulina.

A condução da rebelião baiana coube ao amigo de Bento Gonçalves, o liberal Francisco Sabino Álvares

da Rocha, que, pode-se perceber, deu o nome ao movimento.

No dia 07 de novembro de 1837, grande parte da tropa estacionada em Salvador aderiu à rebelião. A

República foi proclamada em um clima de euforia, mas o movimento estava isolado, o que facilitou a

repressão. Depois de duros combates entre Rebeldes e força do governo central a rebelião foi controlada,

com vários rebeldes condenados à morte.

A REBELIÃO NO SUL

A FARROUPILHA ou A GUERRA DOS FARRAPOS. ?A Revolução Farroupilha iniciada em 1835 e terminada em 1845, foi o mais longo movimento rebelde

que já ocorreu em toda a História do Brasil. Uma das razões que ajuda a explicar a sua longa duração é a

tradição militarizada da região sul do País.

A região do Rio Grande do Sul só se havia integrado na economia brasileira na época da mineração

graças à produção do charque e às mulas. Formaram-se grandes estâncias e uma camada de grandes

estancieiros que enriqueceram com estas atividades.

No entanto as constantes oportunidades de ganho dos estancieiros do Rio Grande do Sul tinham um

limite, representado pela concorrência do charque argentino. Eles exigiam que o governo central impedisse

a entrada do produto estrangeiro e ainda baixasse o preço do sal, importante matéria prima da carne seca.

A economia do charque gaúcho sofria, portanto, de uma crise estrutural. Seus produtos não se

destinavam à exportação, exigência de uma economia monocultora e colonial como a nossa. No entanto, o

charque era produzido segundo uma estrutura colonial, isto é, baseado no trabalho escravo. Era uma

economia subsidiária (não era a mais importante) e, por isso mesmo, mais frágil.

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A economia sulina gerou também uma nova camada social, com base nas atividades da pecuária e no

comércio. Essa nova camada se unia na exigência de participação nas decisões políticas. Havia, portanto,

uma coincidência de interesses entre comerciantes da área urbana e proprietários da área rural.

Esse tipo de sociedade e de economia gerou uma autonomia administrativa, cujo o poder se encontrava

nas mãos dessa aristocracia rural e urbana, gerando fortes tensões com o poder central.

Essa situação latente de crise atingiu o ponto crítico com o clima agitado do período regencial.

Em 1835, Bento Gonçalves, um dos mais importantes líderes estancieiros, lançou um manifesto à

província, concitando à rebelião contra a intervenção do governo central na província do Rio Grande do Sul.

Iniciou-se a Revolução Farroupilha, alusão à Farrapo (relativo à falta de uniforme dos participantes da

rebelião). Nos combates contra o governo regencial, os rebeldes obtiveram inúmeras vitórias, o que os

levou a proclamar a República Riograndense ou de Piratini.

David Canabarro, outro importante líder farroupilha também proclamou a chamada República Juliana

ou Catarinense na região de Santa Catarina. Por volta de 1839, o movimento ganhou um líder de fama

internacional: Giuseppe Garibaldi revolucionário italiano.

O Governo Central sofreu mudanças drásticas, em 1840, com o Golpe da Maioridade. Era objetivo de

nosso governo pacificar o sul. Por isso, em 1842 foi nomeado o Barão de Caxias para a presidência da

província do Rio Grande do Sul, que já por sua experiência anterior em rebeliões de outras províncias. No

mesmo momento em que Caxias era nomeado presidente, os uruguaios atacavam o Rio Grande do Sul e a

liderança Farroupilha resolveu reconhecer o governo de Caxias e encerrar a luta, mas sob várias condições.

Entre elas destacavam-se a exigência de os rebeldes serem incorporados ao exército, anistia geral para os

soldados e alforria para os escravos que haviam lutado na revolução.

Mesmo assim, a região continuou tensa e com uma série de incidentes até 1845, quando foi

definitivamente pacificada.

PRINCIPAIS REBELIÕES DO PERÍODO

REGENCIAL

NOME LOC

AL DATA LÍDERES CAUSAS FATOS

PRINCIPAIS Cabanage

m

PA 1835-

1840

Malcher,

Vinagre, Angelin

Revolta dos

Liberais contra o

presidente nomeado

pelo governo

regencial; situação

de miséria dos

cabanos

Domínio sobre

Belém durante

um ano e lutas

no interior;

morte de mais de

30% da

população da

província

Sabinada BA 1837-

1838

Dr. Sabino Alves Insatisfação com as

autoridades

impostas pela

Regência

Organização da

República

Bahiense

Balaiada MA 1838-

1841

Manuel “Balaio”,

Raimundo

Gomes, Cosme

Insatisfação com o

presidente nomeado

pela Regência e

revotla dos

vaqueiros,

fazedores de

balaios e escravos

fugidos

Conquista da vila

de Caxias;

anistia

Guerra

dos

Farrapos

RS 1835-

1845

Bento Gonçalves,

Giuseppe

Garibaldi

Altos impostos,

exigência de

mudanças políticas,

exemplo das

repúblicas platinas

República Rio-

Grandense;

República

Juliana e Anistia.

O SEGUNDO REINADO (1840-1889): APOGEU DO SISTEMA MONÁRQUICO BRASILEIRO.

Caracterização Geral. ??Ao contrário da Regência, que foi um período turbulento de nossa História, o Segundo Reinado

conheceu um período de relativa paz, o que não quer dizer que foi um período de total tranqüilidade.

Tivemos o desfecho da guerra dos Farrapos, da Revolta Liberal em São Paulo e Minas, em 1842, a

Revolução Praieira em Pernambuco em 1848, a Guerra do Paraguai em 1868. No mais foi um período de

paz marcado pela sucessão constante entre Conservadores e Liberais no poder, que ocupam o poder por

período de tempo quase idêntico.

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Esta relativa ordem pode ser explicada se levar em consideração o susto que a elite enfrentou com as

diversas revoltas no período da Regência. Perceberam a necessidade da realização de alianças, das

articulações políticas, mesmo com outros partidos para garantir a sua sobrevivência política no regime. O

Conservadorismo não é só do Partido Conservador, mas do Partido Liberal também.

Depois do período de certa liberdade, e até mesmo, de certo radicalismo por parte das elites, que vai de

1831 a 1837, vem o Regresso. A aristocracia passa a defender os seus interesses com mais racionalidade e

prepara-se para a defesa. O início dessa defesa parte dos conservadores, que em maio de 1840 votam a Lei

Interpretativa do Ato Adicional, que esvazia todo o conteúdo descentralizador do Ato Adicional de 1832. A

resposta dos liberais não tardará. Em julho do mesmo ano, através de um golpe palaciano, decretam a Lei

da Maioridade, acabando, por vez, com a Regência e colocando no poder um Imperador com apenas 15

anos de Idade. É o início do Segundo Reinado que vai durar até o golpe militar de 15 de novembro de 1889,

quando os militares decretam a República.

Na esfera política, nada se altera. As eleições continuam indiretas em dois graus. Poucos participam do

processo político, restrita a uma pequena camada que possui renda. A Constituição de 1824 ainda vigora, e

só será substituída pela constituição republicana em 1889. Não há justiça eleitoral.

As crises de gabinete levam à substituição de partidos, em um regime parecido com o Parlamentarismo,

contudo, o rei governa, através do Poder Moderador: é o parlamentarismo brasileiro. Diferente do

parlamentarismo britânico, onde o rei é apenas uma figura política sem nenhum poder político, que se

concentrava nas mãos do Parlamento. Estas crises eram uma constante, o que levava D. Pedro II a substituir

constantemente o seu gabinete. Contudo, a crise ministerial de 1868 foi mais sentida, pois os liberais, no

ministério e com maioria parlamentar, são surpreendidos com a convocação de gabinete conservador. Era a

guerra contra o Paraguai. O Comandante desta Guerra era o Marechal Duque de Caxias, que pertencia ao

Partido Conservador e necessitava de total apoio do Governo. Muitos dos liberais ficarão desapontadas com

o regime.

A Revolução Praieira (1848-1849). Desde o período colonial, Pernambuco vem se destacando no cenário nacional devido às suas revoltas

de caráter popular. No Segundo Reinado isto não será diferente.

No início de 1848, a província de Pernambuco foi marcada por um processo revolucionário liderado por

alguns membros Partido Liberal Radical (o Partido da Praia, organizado em 1842), cujo objetivo era

realizar transformações sociais contrárias ao poder das oligarquias latifundiárias.

Até essa época o comércio de Pernambuco era controlado por estrangeiros, principalmente por

portugueses, que não empregavam brasileiros, causando um aumento do número de desempregados.

Setores populares, apoiados pelos praieiros, mobilizaram-se em torno da luta contra os portugueses,

perdendo de vista seu objetivo inicial, ou seja, o combate aos latifundiários.

Em 1848, com a queda do Ministério Liberal, foi nomeado para a Província de Pernambuco um

Presidente Conservador. Os praieiros revoltaram-se e influenciados pelo socialismo utópico, divulgaram o

Manifesto do Mundo, onde defendiam: voto livre e universal; liberdade de imprensa; nacionalização do

comércio; liberdade de trabalho; federalismo e extinção do poder moderador e do Senado Vitalício.

A revolta, iniciada em Olinda, derrubou o Presidente da Província. Ao tentarem tomar Recife, foram

derrotados e esmagados pelas tropas fiéis ao governo imperial.

A Política externa de D. Pedro II.

A questão Christie Embora o Brasil fosse independente e soberano, continuava sendo tratado pela Inglaterra como uma

colônia de Portugal. A questão Christie tem origem em dois incidentes sem muita importância, mas que

levaram ao rompimento diplomático entre o Brasil e a Inglaterra.

O primeiro foi em 1861, no Rio Grande do Sul, quando um navio inglês naufragou e sua carga foi

roubada ao atingir a praia.. O representante britânico no Brasil, Willian Christie, exigiu do governo uma

indenização de 3.200 libras esterlinas, além de exigir a presença de um capitão inglês nas investigações,

fato que feriu a soberania nacional.

O outro fato, se deu no Rio de Janeiro, em 1862, onde três oficiais da Marinha Inglesa, sem fardas e

embriagados, provocaram muitas desordens e foram presos. Depois de identificados foram soltos. Mas

Christie julgou o caso como uma grande ofensa e exigiu a punição dos oficiais responsáveis. Como não foi

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atendido, resolveu apreender três navios mercantes brasileiros na Baía de Guanabara como uma forma de

represália.

Em 1863, o Brasil rompeu relações diplomáticas com a Inglaterra. Mas, em 1865, depois de receber o

apoio do rei da Bélgica, as relações diplomáticas foram reatadas.

A Questão Platina e a Guerra do Paraguai Os mais graves problemas da política externa de D. Pedro II foram as guerras platinas: duas contra o

Uruguai, uma contra a Argentina e uma contra o Paraguai. Todas estão relacionadas, uma vez que o

principal foco das disputas era o controle sobre a navegação do Rio da Prata e seus afluentes, usados pelo

Brasil para o transporte de mercadorias da região de Mato Grosso para os portos. E para ter certeza de

poder navegar livremente pela região, o Imperador não hesitou em fazer guerras.

A maior das guerras que a América Latina conheceu foi a Guerra do Paraguai. Sem dúvida foi também

uma das mais vergonhosas.

A Guerra do Paraguai Em 1851 o presidente do Uruguai Manuel Oribe, chefe do Partido Blanco e apoiado pela Argentina.

Oribe derrubara, pouco tempo antes, Frutuoso Rivera, chefe do Partido. Colorado e que era apoiado pelo

Império brasileiro.

Durante o seu governo verificaram-se constantes violações de fronteiras e o

governo brasileiro, dos protestos diplomáticos, passou a ação armada, enviando as tropas comandadas por

Caxias. O presidente Oribe rendeu-se facilmente, mas a luta continuou contra Juan Manuel de Rosas,

presidente argentino. Apoiado por Urquiza, que governava as províncias Argentinas de Entre Rios e

Corrientes, Caxias conseguiu vencer Rosas na Batalha de Monte Caseros.

A região experimentou alguns anos de calmaria até que, em 1863, novamente a situação se complicou.

Desta vez, quem governava o Uruguai era Atanásio Aguirre, do Partido Blanco. Novamente se repetiam

os ataques à fronteira brasileira, e, mais uma vez as tropas brasileiras invadiram o Uruguai. Aguirre foi

derrotado e Venâncio Flores, Líder do Partido Colorado, assume o poder.

No entanto, o conflito não terminava. Como havia um tratado de ajuda mútua entre o Uruguai e o

Paraguai, este último país imediatamente mobilizou as tropas para cumprir sua parte do tratado.

?Ao invadir o Mato Grosso, para poder chegar ao Uruguai, Solano Lopez, presidente do Paraguai,

acabou dando início ao mais sangüinário conflito das Américas: a Guerra do Paraguai (1864-1870)

Com efeito, o Paraguai apresenta-se de modo bem diverso de seus vizinhos. O índice de analfabetismo

era quase nulo, desenvolveram uma indústria independente, não possuíam dívidas externas, nem estavam

amarrados à Inglaterra, como era o caso de todos os países da América do Sul, inclusive o Brasil, que

estavam em situação precária em virtude dos endividamentos externos e dos juros.

Assim, era de interesse da Inglaterra, destruir economicamente o Paraguai, pois representava um perigo

à presença inglesa na América do Sul, e utilizou-se do Brasil, Uruguai e a Argentina para consolidar o seu

objetivo.

O marco cronológico desta guerra é o dia 13 de novembro de 1864, quando o navio brasileiro "Marquês

de Olinda" foi aprisionado pelos paraguaios quando subia o Rio Paraguai, com destino a Mato Grosso. E

este fato provocou o início do conflito. Até maio de 1865 a ofensiva paraguaia causou pânico pois foi

realmente avassaladora. No entanto, o Brasil se reuniu à Argentina e ao Uruguai (que rompeu o acordo com

o Paraguai), formando a Tríplice Aliança.

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A Guerra foi um massacre ao povo paraguaio. Estima-se que em 1864, a população paraguaia era de

aproximadamente de 800.000 habitantes. No final da guerra, a população era de menos 100.000 habitantes.

E desses, cerca de 90% eram mulheres e crianças. O Paraguai saiu derrotado, tanto militarmente, quanto

economicamente. O objetivo inglês foi alcançado.

O Brasil perdeu cerca de 50.000 soldados, gastou aproximadamente 300.000.000,00 (trezentos milhões)

de libras esterlinas conseguidas junto à Inglaterra.

Com o fim da Guerra, o exército sai fortalecido, reivindicando uma maior participação na política

brasileira e fazendo oposição ao sistema imperial, ao defender o fim da escravidão e o estabelecimento da

República.

Economia e Sociedade - O Café pede passagem. Desde a crise do ouro em fins do século XVIII, o Brasil não tinha um produto que sustentasse a sua

economia.

Contudo, com a independência, o principal grupo político a ter vantagens foi a aristocracia rural

latifundiária, que criou o Estado de acordo com os seus interesses. Assim, a estrutura produtiva manter-se-á

intocada. O produto que agora desponta é o café?, que tal como o açúcar era: monocultor, escravista e

latifundiário.

Segundo Caio Prado Júnior, durante o período correspondente ao Segundo Reinado realizou-se uma

“verdadeira revolução” no âmbito das atividades produtivas. Essa revolução não modificou, no entanto, o

papel, destinado ao Brasil, de fornecedor de produtos tropicais às potências industrializadas e possuidoras

de capital.

Dois fatos relacionados entre si constituíram essa revolução: “um de natureza geográfica: é o

deslocamento da primazia econômica das velhas regiões agrícolas do Norte para as mais recentes do

Centro-Sul (o Rio de Janeiro e partes limítrofes de Minas Gerais e São Paulo). Outro é a decadência das

lavouras tradicionais do Brasil - da cana-de-açúcar, do algodão, do tabaco – e o desenvolvimento

paralelo e considerável de um gênero até então de pequena importância: o café, que acabará por figurar

quase isolado na balança econômica brasileira”?.

A decadência das lavouras tradicionais foi em grande parte conseqüência de condições internacionais

desfavoráveis, tais como: o açúcar de cana enfrentou a concorrência do açúcar de beterraba e as pesadas

taxas estabelecidas pelos governos sobre sua importação; o algodão brasileiro foi derrotado pelo algodão

norte-americano e ocidental e o tabaco teve sua produção prejudicada pela diminuição do tráfico de

escravos, pelos quais era trocado.

O fim da importação de escravos, em 1850 também afetou diretamente a economia agrícola tradicional,

já que ela se baseava especialmente na mão-de-obra escrava. O mesmo não aconteceu no Sul, que importou

escravos do Norte empobrecido e, depois, recorreu à imigração européia.

Apesar de introduzido no Brasil em 1727, a produção de café só adquiriu importância a partir do início

do século XIX, com a decadência da produção de ouro, para o qual estavam voltadas todas as atenções da

colônia no decorrer de quase todo o século XVIII.

Além disso, a independência dos Estados Unidos, em 1776, contribuiu para expandir a produção

brasileira de café. Grandes consumidores, os norte-americanos voltaram-se para o produto brasileiro por

duas razões importantes. A primeira tinha como objetivo se livrar da importação da Inglaterra e de suas

colônias e a segunda é devida à proximidade geográfica do Brasil.

O fato é que os Estados Unidos aumentaram constantemente a importação de café brasileiro. Chegaram

a absorver mais de 50% das nossas exportações do produto.

No decorrer do século XIX a exportação brasileira de café aumentou considerável e ininterruptamente,

como se pode observar no quadro abaixo:

Década Quantidade (em sacas de 60 kg)

1821-1830 3.178.000

1831-1840 10.430.000

1841-1850 18.367.000

1851-1860 27.339.000

1861-1870 29.103.000

1871-1880 32.509.000

1881-1890 51.631.000

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O café é uma planta mais delicada que a cana, sendo muito sensível tanto às geadas quanto ao calor

excessivo. Exige chuvas bem distribuídas e solo especial. Depois de plantado, leva de quatro a cindo ano

para começar a produzir, o que pressupõe muito tempo de espera e grande capital a ser investido. Essas

condições foram encontradas em áreas das atuais regiões sudeste e sul. Durante o período que estamos

estudando até o fim do século, o café avançou em duas etapas sucessivas: a primeira relaciona-se à

produção cafeeira no Vale do Paraíba, nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo, tornou-se o primeiro

grande centro produtor de café e o mais importante até por volta de 1870. Sua exportação se fazia do porto

do Rio de Janeiro. Esgotadas as terras do Vale do Paraíba – conseqüência da erosão e da exploração sem

cuidados -, o café, partindo de Campinas conquistou o oeste paulista. Formou-se em torno de Ribeirão

Preto, por volta do fim do século passado, o “núcleo produtor do melhor e mais abundante café brasileiro”,

conhecido em todo mundo. Nessa região, cuja exportação se fazia pelo porto de Santos, o café encontrou

um tipo especial de solo muito favorável ao seu cultivo, a chamada terra roxa.

Observe no quadro abaixo as diferenças entre o Vale do Paraíba e o Oeste Paulista:

VALE DO PARAÍBA OESTE PAULISTA Manutenção da escravidão Tendência a substituir o trabalho

escravo pelo trabalho livre

Aplicação de métodos rudimentares na

produção agrícola

Mecanização da produção

Agricultura arcaica Agricultura moderna

Baixo índice de especialização Aprofundamento da divisão do

trabalho

Estagnação econômica Progresso econômico

Latifúndios tradicionais Latifúndios capitalizados

Unidade de produção arcaica Unidade de produção capitalista

Aristocracia escravocrata e conservadora Aristocracia imigrantista e liberal

Dependência do patrocínio oficial Iniciativa privada independente

Resistência ao movimento abolicionista Aceitação do movimento

abolicionista

Relações sociais de produção escravistas Relações sociais de produção

capitalistas

Mentalidade tradicional na administração

da fazenda

Mentalidade empresarial na

administração da fazenda

Ideologia Monarquista Ideologia Republicana

Sustentáculo da Monarquia Defensores da República

O Café salva a balança. Durante o Segundo Reinado, o café conservou-se como o mais importante produto de exportação,

posição que havia alcançado durante o período regencial. Nas duas últimas décadas, participou com mais

de 50% da receita das exportações brasileiras como se pode verificar na tabela abaixo.

PARTICIPAÇÃO EM PORCENTAGEM (%) NA

RECEITA BRASILEIRA DE EXPORTAÇÕES

ANOS CAFÉ AÇÚC

AR ALGO

DÃO BORR

ACHA COUR

O OUTR

OS TOTAL

1841-1850 41.4 26.7 7.5 0.4 8.5 15.9 100

1851-1860 48.8 21.2 6.2 2.3 7.2 14.3 100

1861-1870 45.5 12.3 18.3 3.1 6.0 14.8 100

1871-1880 56.6 11.8 9.5 5.5 5.6 11.0 100

1881-1890 61.5 9.9 4.2 8.0 3.2 13.2 100

O aumento crescente da exportação de café trouxe como conseqüência imediata, a partir de 1860, a

substituição dos tradicionais déficits na balança comercial por superávits. Para certas classes sociais e

regiões houve uma melhoria do padrão de vida e algum progresso técnico – meios de transporte e

comunicação, fábricas etc. - , apesar de inteiramente dependente do exterior.

Na verdade, essa importância extraordinária do café constituiria, ao mesmo tempo, a riqueza e a miséria

de nossa economia:

Riqueza, porque trouxe divisas para o país, embora essas divisas não resultassem na melhoria das

condições de vida da população, em virtude da sua concentração nas mãos de poucas pessoas;

Miséria, por fazer a economia depender quase exclusivamente da monocultura do cafeeira. Consequentemente, qualquer crise que ocorresse em sua produção ou comercialização internacional

arrastaria consigo a economia do país, como de fato haveria de ocorrer durante o século XX,

principalmente no ano de 1929.

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Por outro lado, a expansão da lavoura cafeeira permitiu reforçar a estrutura tradicional da economia

agrícola brasileira, baseada na grande propriedade (latifúndio), na monocultura, e na exploração da mão-

de-obra escrava.

Além da lavoura cafeeira, o concurso de capitais ingleses contribuiu também para que se mantivesse

essa estrutura tradicional. A par dos inconvenientes que trouxeram, os capitais ingleses possibilitaram a

construção de estradas de ferro e de indústrias, o aparelhamento dos portos e o equilíbrio das finanças

externas, sem que fossem sacrificadas as exportações.

Observe-se que a construção de estradas de ferro e outras melhorias no país só foram efetivadas

enquanto interessavam ao capital internacional, pois facilitavam o escoamento da produção e a manutenção

da economia tradicional baseada na monocultura de exportação.

Havia um duplo interesse do capital internacional, especialmente inglês, nos empréstimos que fazia ao

Brasil: ao mesmo tempo que garantia o fornecimento de produtos primários a baixo custo, o que era

facilitado pela construção de estradas de ferro, isso era feito à custa dos brasileiros, que pagavam

empréstimos acrescidos de juros, não significando nenhum risco para os banqueiros.

Não há dados exatos sobre o valor das inversões inglesas no Brasil. Sabe-se, contudo, que de 1852 até o

fim do Império o Brasil levantou na Inglaterra onze empréstimos públicos atingindo o valor global de 60

milhões de libras, em grande parte utilizados para saldar dívidas antigas.

Outros dois fatos contribuíram para equilibrar econômica e financeiramente o país. O primeiro diz

respeito à modificação da política alfandegária, em 1844: a partir desse ano, foi estabelecida uma taxa

única sobre as importações, fixada em 30%, a chamada tarifas Alves Branco, deixando assim de vigorar a

taxa de 15% para os produtos ingleses, o que acarretou o aumento das rendas públicas. O segundo fator que

contribuiu para o equilíbrio das contas do Brasil foi, justamente, a abolição do tráfico de escravos, em 1850,

diminuindo os gastos com a importação.

A industrialização brasileira. Com a abertura dos portos, em 1808, a incipiente indústria colonial não pôde mais concorrer com os

produtos importados, que gozavam de facilidades alfandegárias. Além dessa concorrência, outros fatores

dificultaram inicialmente o desenvolvimento industrial do país, como podemos ver a seguir: a) a deficiência

de energia, conseqüência da qualidade inferior do nosso carvão e das condições precárias de exploração; b)

a insuficiência da siderurgia, pois, apesar de nosso território ter enormes reservas de ferro, elas eram de

acesso e exploração difíceis no século passado; c) a deficiência dos mercados consumidores, já que na

época a população era pouca e dispersa, com baixo padrão de vida e de consumo.

Com o passar do tempo, outros fatores, entretanto, favoreceram o estabelecimento de indústrias no

Brasil, tais como a dificuldade de pagar as importações de manufaturados acabou estimulando sua

produção interna; a elevação das tarifas alfandegárias ofereceu aos nossos produtos maiores possibilidades

de concorrência com os importados, como a tarifa Alves Branco, que fixou em 30% o imposto sobre a

maioria dos produtos importados; a produção de algodão, ocupando importância considerável no Brasil,

facilitou o estabelecimento da indústria têxtil, a primeira e uma das mais importantes do país; a mão-de-

obra abundante e barata, em decorrência do grande êxodo rural em busca de melhores condições de vida.

O primeiro surto considerável da industrialização brasileira ocorreu na última década do Império.

Resultou em grande parte da aplicação dos lucros resultantes da produção e da comercialização do café na

instalação de indústrias e na importação de mão-de-obra estrangeira. Nesses dez anos, o número de

estabelecimentos industriais passou de aproximadamente duzentos em 1881 para mais de seiscentos em

1889. Na época, 60% do capital investido era orientado para a indústria têxtil, seguindo-se a indústria da

alimentação (15%), de produtos químicos (10%) e outras de menor importância.

Mauá e o início da Modernização no Brasil?. Em meados do século XIX o Brasil apresentava alguns avanços sócio-econômicos, como o movimento

abolicionista e o crescimento de atividades urbanas, destacando-se as atividades do Barão de Mauá.

Irineu Evangelista de Souza (1813-1889), ou simplesmente Barão de Mauá, foi um dos maiores

empresários do Brasil durante o segundo Reinado. É considerado um símbolo do sucesso no meio

empresarial. Gaúcho, órfão de pai, chegou ao Rio de Janeiro em companhia de um tio, conseguindo seu

primeiro emprego aos 11 anos, como caixeiro de uma loja. Depois, numa firma importadora, aprendeu

inglês, contabilidade e a arte de negociar, terminando como sócio do empreendimento. Alguns anos mais

tarde, sozinho, inicia seus negócios à frente de um pequeno estaleiro. Em pouco tempo, já detém a maior

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indústria naval do país. Convencido de que a saída para o Brasil era a industrialização, o barão de Mauá

lidera iniciativas como a da construção do sistema de iluminação a gás no Rio de Janeiro e da primeira

ferrovia brasileira (1845), além da instalação dos primeiros cabos submarinos.

Em 1854 era inaugurada a primeira estrada de ferro brasileira. Com seus vagões puxados pela

locomotiva Baronesa, fazia um trajeto de 18 Km, entre a serra de Petrópolis e o Rio de Janeiro. Juntamente

com capitalistas ingleses, o barão também participou da construção da segunda e terceira ferrovias, a Recife

and São Francisco Railway Company e a Dom Pedro II, mais conhecida como Central do Brasil, além de

ter conseguido os empréstimos necessários para construção da São Paulo Railway, a Santos-Jundiaí. Ainda

na área de transportes, Mauá organizou companhias de navegação a vapor no Amazonas e no Rio Grande

do Sul.

Seu pioneirismo, também esteve presente na fundação de uma companhia de gás para iluminação das

ruas do Rio de Janeiro, e no setor de comunicação, com a introdução do primeiro cabo de telégrafo

submarino entre o Brasil e a Europa. Destaca-se por fim, o Banco Mauá, Mc Gregor & Cia. com filiais nos

Estados Unidos, França e Inglaterra.

Os obstáculos e a falência

Apesar de um início que parecia promissor, a “era Mauá” não conseguiu durar muito tempo. Suas

iniciativas modernizadoras, encontravam um forte revés na manutenção da estrutura colonial agro-

exportadora e escravista e na concorrência com empreendimentos estrangeiros, principalmente ingleses.

Esses, inescrupulosos pelo lucro, não mediam esforços, praticando as mais violentas sabotagens contra o

empresário brasileiro, como o incêndio provocado que destruiu a Ponta de Areia em 1857. Outro fator que

contribuiu para impedir a consolidação das iniciativas de Mauá, foi a reformulação da tarifa Alves Branco

pela tarifa Silva Ferraz em 1860, que reduziu as tarifas alfandegárias para máquinas, ferramentas e

ferragens, favorecendo os interesses do capital estrangeiro.

Para os setores mais conservadores do governo, o vanguardismo empresarial de Mauá associado ao seu

posicionamento liberal e abolicionista, era visto como uma ameaça. Sua posição contrária à Guerra do

Paraguai (1864-1870), criou mais inimizades no governo. Abandonado pelo próprio imperador, Mauá vê-se

obrigado cada vez mais a se associar com os empresários britânicos, resultando na falência ou venda de

suas empresas por preços reduzidos.

A transição para a República.

Não resta dúvida de que a manutenção de características coloniais, com base no latifúndio monocultor

escravista, representavam um sério obstáculo para o progresso urbano-industrial. O crescimento do

processo abolicionista e o fortalecimento da nova oligarquia não-escravista do oeste paulista, trabalhavam

em detrimento do regime monárquico e dos interesses a oligarquia escravista.

O antagonismo do novo (urbano-industrial e abolicionista) com o arcaico (agro-exportador e escravista),

associado a outras questões estruturais, como as restrições que a igreja e o exército passam a fazer ao

centralismo monárquico, determinam a passagem da monarquia para república, através de um golpe de

Estado, articulado pela aristocracia rural e pelo exército no dia 15 de novembro de 1889.

Para finalizar esse momento histórico, vale destacar o apoio (meramente circunstancial) da oligarquia

tradicional escravista ao movimento republicano. Essa aparente contradição, deve-se ao fato do regime

monárquico ter abolido a escravidão sem indenização para os proprietários de escravos, que percebendo a

inevitável morte da monarquia, ingressaram de maneira oportunista no movimento republicano, visando

participar do novo governo e garantir seus privilégios de classe. Nesse sentido, não por acaso, a primeira

fase da república no Brasil (República Velha) é historicamente dividida em “República da Espada” e

“República das Oligarquias”.

A população brasileira no final do Império?. A população brasileira praticamente triplicou durante o período imperial. O número de habitantes

cresceu 4,6 milhões, em 1819, para 14,3 milhões em 1890, ano em que foi realizado o segundo

recenseamento geral do Brasil.

Na época do primeiro censo, em 1872, o Brasil tinha 9,9 milhões de habitantes: 42% de mulatos, 38%

de brancos e 20% de negros. No mesmo ano, Minas Gerais era a província mais povoada, com cerca de 2,1

milhões de habitantes, seguida da Bahia, com 1,3 milhão, e de Pernambuco e São Paulo, cada uma com

aproximadamente 840 mil habitantes. O Brasil era um país predominantemente agrícola. Entre as pessoas

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em atividade, em 1872, 80% trabalhavam no setor agrícola, 13% no setor de serviços – mais da metade

como empregados domésticos – e apenas 7% na indústria, incluindo mineração.

Em 1890, o Rio de Janeiro constituía o cerne da vida política e econômica do país. Com seus 522 mil

habitantes, era praticamente o único grande centro urbano, reunindo tanto os negócios cafeeiros quanto as

diversões e os grandes investimentos em transportes, iluminação e embelezamento da cidade. Depois dele,

destacavam-se Salvador, Recife e Belém. São Paulo ocupava um modesto quinto lugar, com sua reduzida

população de 65 mil habitantes.

Em termos de educação, no final do Império, a situação era extremamente grave. Em 1872, o

analfabetismo chegava a 99,9% entre os escravos e a 80% entre a população livre; apenas16,85% dos

jovens entre 6 e 15 anos freqüentavam a escola e somente 12 mil estavam matriculados no ensino

secundário.

Enquanto os pobres não tinham acesso à escola, o governo se preocupava com a formação das elites: já

em 1827, forma criadas as Faculdades de Direito de São Paulo e de Olinda e Recife. Além disso, os filhos

dos ricos podiam fazer seus estudos superiores na Europa, razão pela qual, no mesmo ano de 1872, chegou

perto de 8 mil o número de pessoas com educação superior no Brasil.

O DECLÍNIO DO IMPÉRIO BRASILEIRO E A PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA. Após uma fase próspera, iniciada por volta de 1850, percebe-se, a partir de 1870, com o fim da Guerra

do Paraguai, o começo da decadência do Segundo Reinado. As campanhas abolicionistas e republicanas.

bem como as questões religiosas e militares, são fatores decisivos do que viria a culminar com a queda da

monarquia, em 1889.

A crise da Monarquia Com o fim da Guerra do Paraguai, o Brasil sai vitorioso e as Forças Armadas fortalecidas, e passam a

criar problemas políticos, temos então as chamadas questões militares, inúmeras e intermináveis, com certa

atuação de grupos médios da sociedade, contra as oligarquias latifundiárias que detinham o controle da

Guarda Nacional.

Ao mesmo tempo, acentua-se a campanha abolicionista, vitoriosa na extinção do estatuto escravo em

1888, com o afastamento de outro esteio do trono, os grandes proprietários desgostosos com a medida.

Houveram ainda as questões religiosas, por conflitos entre a Igreja e o Estado (regalismo), que se

estenderá até a condenação de dois Bispos brasileiros à prisão com trabalhos forçados após cumprirem

determinação papal de proibição de atuação de grupos maçônicos no interior da Igreja; a partir deste

momento a Igreja retirará o seu apoio à Monarquia.

Um outro fator que irá contribuir para a crise da Monarquia será a campanha federalista, na qual as

Províncias reivindicam autonomia - campanha de raízes antigas envolvendo políticos influentes.

Assim, temos o quadro da crise da Monarquia que resultará na sua deposição em novembro de 1889.

Os fatores do declínio do Império Mesmo com a Independência do Brasil em 1822, os laços coloniais permaneceram. A estrutura

econômica e social continuava intacta. O Brasil produzia gêneros agrícolas (açúcar, café). A produção

estruturada no trabalho escravo fazia aumentar ainda mais a dependência externa. A independência nada

mais foi que a transferência do poder político da Metrópole para os grandes fazendeiros escravistas. No

Primeiro Reinado dominaram os senhores de engenho, no Segundo Reinado os "barões do café".

Assim, o império tinha na escravidão o seu principal ponto de sustentação, pois a economia era

escravista, monocultora e inteiramente voltada para o mercado externo. Aqueles que controlavam esse setor

controlavam também o poder político. O Império expressava, dessa forma, os interesses dos senhores de

engenho e dos "barões do café" do Vale do Paraíba.

Desde 1808 os ingleses deixaram de traficar escravos para as colônias e pressionavam o Brasil para que

fizesse o mesmo. Várias leis foram feitas mas não foram cumpridas.

Em função da Tarifa Alves Branco (1844), que aumentava as tarifas alfandegárias. a Inglaterra, em

represália. lançou o Bill Aberdeen (1845), que proibia o tráfico negreiro no Atlântico. O que se percebe é

que de 1845 a 1850 o tráfico aumentou.

Em 1850 foi votada a Lei Eusébio de Queirós, que proibia definitiva mente o tráfico de escravos no

Brasil. Essa lei foi cumprida e em pouco tempo depois o tráfico foi extinto. Ela representou um duro golpe

à hegemonia dos fazendeiros escravistas.

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Inicialmente, ocorreu o tráfico interprovincial: os escravos do Nordeste eram vendidos para as áreas

cafeicultoras do Sudeste. Isso mostra o porquê de, no Nordeste, a escravidão ter acabado um pouco antes.

Mas, e depois? Como conseguir mais mão-de-obra para as plantações?

Essa mão-de-obra foi conseguida através da imigração.

A vinda de imigrantes - trabalhadores de outros países - para o Brasil foi iniciada no governo de D. João

VI, para colonizar áreas ainda não ocupadas.

Mas foi somente a partir de 1850 que o fluxo de imigrantes aumentou, devido: à necessidade de mão-

de-obra para as lavouras cafeeiras; às pressões inglesas para o fim do tráfico de escravos.

Com o crescimento das lavouras de café, as regiões produtoras, principalmente em São Paulo,

precisavam cada vez mais de trabalhadores. O escravo estava se tornando raro e caro. Além de apresentar

um trabalho de baixa qualidade. A saída estava em encontrar trabalhadores com maior experiência, que

podiam ser encontrados no exterior.

A instalação de imigrantes no Brasil baseou-se em três sistemas: na pequena propriedade, quando eram

doados pequenos pedaços de terra aos estrangeiros; no trabalho assalariado recebido pelas atividades de

cultivo; e na parceria, quando o imigrante trabalhava a terra de um proprietário, dividindo com ele a

produção.

A vida do imigrante nem sempre foi fácil no Brasil, pois muitas vezes ele era tratado como escravo.

Além disso, o sistema de parceria não deu certo, pois o imigrante já chegava ao Brasil endividado, tendo

que pagar sua viagem, ferramentas e estadia, com trabalho duro. Aos poucos, o trabalho do imigrante na

lavoura foi se tornando assalariado, o que provocou um contraste muito grande com o trabalho escravo,

pois este deveria ser vestido, alimentado, tratado em caso de doença e perseguido, se fugisse. O trabalhador

livre, ao contrário. era mais dinâmico. trabalhava em troca de salário, mostrando-se mais interessante para o

proprietário. Isso iria fazer com que a idéia de libertar os escravos no Brasil se ampliasse.

Percebe-se que o declínio da escravidão não representou o declínio da economia cafeeira, nem o fim do

caráter agro-exportador da nossa economia. Ao contrário, a monocultura e a dependência do mercado

externo continuaram.

A escravidão era um obstáculo para o pleno desenvolvimento do Capitalismo, pois o escravo não sendo

consumidor limitava a ampliação do mercado. Por isso também deveria ser eliminado.

A questão abolicionista A partir de 1865, só Brasil e Cuba insistiam em manter a escravidão. Mas, durante toda a década de

1860 a questão escravista foi colocada no Brasil como centro das discussões políticas e passou a contar

com o apoio de milhares de pessoas de todas as classes sociais.

O próprio Exército voltou da Guerra do Paraguai (1865-1870) com idéias abolicionistas e rejeitava a

função de capitão-do-mato.

Os abolicionistas mais radicais apoiavam abertamente as revoltas escravas, jornais, clubes e comícios

apareciam como favoráveis à abolição. Em Fortaleza, os jangadeiros recusavam-se a transportar escravos

que seriam vendidos no sul. Operários gráficos se negavam a imprimir panfletos anti-abolicionistas. Os

ferroviários sempre escondiam negros.

No Parlamento, os latifundiários faziam leis que pareciam libertar os escravos, mas, na verdade,

visavam proteger e preparar os fazendeiros.

LEIS ABOLICIONISTAS DO BRASIL

Lei Eusébio de

Queiroz (1850)

proibição do tráfico negreiro para o

Brasil

Lei do Ventre

Livre (1871)

Declarava livres os filhos de escravas

nascidos a partir daquela data. 0 menino

nascido a partir dali seria escravo até os 8

anos. Então, o dono poderia optar em

receber 600 mil réis de indenização do

governo e libertá-lo, ou suá-lo como

escravo até os 21 anos

Lei dos

Sexagenários

Declarava livres todos os escravos com

mais de 60 anos, mas o escravo deveria,

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(1885) trabalhar mais três anos para o senhor. A

lei previa ainda o pagamento de

indenização pelo governo ao proprietário

que libertasse negros e multa para os que

ajudassem nas fugas.

Lei Áurea (13

de maio de

1888)

Diante da absoluta falta de sustentação, a

Princesa Isabel, que na ausência do pai

assumira a regência, declarava extinta a

escravidão no Brasil

Muitos latifundiários, principalmente nordestinos ficaram revoltados e passaram a fazer forte oposição

Imperador.

Na corte deram um baile comemorativo. Os negros só puderam entrar como criados. Continuavam

discriminados, explorados, violentados (como até hoje). Enfim, com a abolição, a Monarquia perdia último

grande apoio, que eram os fazendeiros escravistas do Nordeste e do Vale do Paraíba.

NÚMERO DE ESCRAVOS IMPORTADOS PELO BRASIL

ANO QTDE ANO QTDE

1842 17345 1843 19095

1844 22849 1845 19453

1846 50324 1847 56172

1848 60000 1849 54000

1850 23000 1851 3387

1852 700 Fonte: Luís Koshiba. História

do Brasil

O Movimento Republicano Com o fim da Guerra do Paraguai, as contradições no Império ficaram claras e se aprofundaram. De um

lado, estavam os senhores de engenho e barões do café sustentando a Monarquia. De outro estavam os

novos empresários e cafeicultores do Oeste Paulista e as camadas médias urbanas, que não tinham

representação no centro de decisão política, faziam oposição à centralização e defendiam o federalismo.

A inadequação entre o poder econômico e o poder político do império provocou conflitos, levando os

setores da oposição a se organizarem-se em torno dos ideais republicanos e fundaram, a partir de 1870, o

primeiro partido republicano.

Mas, havia divergências entre os republicanos. Eles concordavam entre si apenas em um único ponto:

eram contrários à Monarquia. Dividiam-se em relação à participação ou não da massa popular no processo.

Os que defendiam sua participação eram chamados de revolucionários. Quanto aos outros, os fazendeiros

paulistas, por exemplo desejavam chegar à República sem a participação popular, através de uma evolução

ordeira e pacífica; eram os evolucionistas

Apesar da divisão interna, o Partido Republicano, nos seus manifestos, defendia a não violência e

mostrava-se favorável à transformação evolucionária.

A questão religiosa Outro sério problema a que vem perturbar o governo imperial por volta de 1870 trata-se da questão

religiosa. Este remonta à Constituição de 1824, que dava ao Imperador o direito de interferir em assuntos

da Igreja Católica, como nomear bispos e sacerdotes - o Padroado Régio - e obrigava o imperado a aprovar

ou não as determinações vindas do Papa - o Beneplácito.

Ao discordar da determinação papal em 1884, que obrigava a expulsão de padres católicos da

maçonaria, o clero brasileiro revoltou-se e retirou seu apoio ao Imperador, juntando-se, assim, a todos

aqueles que lutavam pela implantação da República.

A questão militar. Desde a criação da Guarda Nacional, na Regência, o exército tinha sido esvaziado pelo governo. Mas,

com a Guerra do Paraguai ele precisou ser reequipado e reforçado. Voltava a ter grande importância, mas,

mesmo assim, ele não tinha um papel político à altura do seu significado social. Muito dos seus oficiais

vinham das camadas médias e até dos setores baixos, e isso provocava o desprezo da aristocracia.

Os oficiais do Exército voltaram da Guerra do Paraguai abolicionistas e republicanos.

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A filosofia positivista de Augusto Comte que defendia uma espécie de sociedade tecnocrática, onde os

especialistas deveriam ser os únicos a assumir funções, aos burgueses caberia controlar a economia, aos

tecnocrátas caberia governar, ao povo caberia trabalhar sem reclamar, passa a influenciar o Exército, que se

sentia discriminado. O positivismo o estimulava a agir.

Vários atritos contribuíram para agravar o quadro.

No Ceará (1884), os jangadeiros fizeram greve e se recusaram a transportar escravos que seriam

embarcados para o sul. O Dragão do Mar (Francisco do Nascimento), líder do movimento, foi

homenageado pelos abolicionistas e pelo Exército. Em resposta, o governo demitiu do comando o tenente-

coronel Sena Madureira. Pouco depois, o coronel Cunha Matos foi punido por denunciar corrupção no

governo. Outro conflito entre o Exército e o governo colocaria o Marechal Deodoro em disputa com as

autoridades.

Os republicanos estavam de olho vivo. Perceberam que poderiam usar o Exército para alcançar os seus

objetivos.

A imigração européia. O problema da falta de braços para a lavoura do café continua a existir. O trabalho escravo era o mais

empregado, mas os fazendeiros de visão comercial mais ampla sabiam que ele estava prestes a acabar. E

mais do que isto: muitos faziam cálculos do custo de um trabalhador escravo, comparando-o com os custos

de trabalhador livre.

CUSTOS COM O ESCRAVO CUSTOS COM O

TRABALHADOR LIVRE Com 200:000$000

Compravam-se 100 escravos

Com 200:000$000

Pagavam-se 1.660 trhadores

Em 1850, cedendo às pressões inglesas, o Brasil proíbe o tráfico de escravos. Para suprir as

necessidades de mão-de-obra para a lavoura cafeeira, os fazendeiros passam a utiliza-se de mão-de-obra

assalariada, buscando na Europa pessoas interessadas em vir trabalhar no Brasil. Pelo quadro abaixo,

podemos perceber que, depois da abolição (1888), a vinda de imigrantes aumentou consideravelmente.

Ano N.º de imigrantes 1885 20.000

1886 30.000

1887 55.00

1888 a 1900 800.000

O Império Chega ao fim. Ao final da década de 1880, o governo imperial perdia o apoio dos mais vastos setores da sociedade:

militares, religiosos, políticos, intelectuais e os grandes proprietários do café lutavam pela modernização do

país, a qual acreditavam estar na república. Os grandes proprietários tradicionais, principalmente do

Nordeste, também estavam descontentes com D. Pedro II, pois este havia libertado os escravos sem pagar

nenhuma indenização.

Sob a iniciativa de grupos militares, trama-se um golpe para retirar o Imperador do poder e proclamar a

República, o que aconteceria no dia 15 de novembro de 1889. É importante notar que a instalação da

república brasileira não contou com o apoio das classes populares, justificando uma frase famosa de um

jornal da época: "... E o povo assistiu bestificado".

D. Pedro II, que estava em Petrópolis, ainda esboçou uma reação, mas já era tarde demais.

Verdadeiramente,

E o povo assistiu bestificado....

A ORDEM LIBERAL BURGUESA: EXPANSÃO E CRÍTICAS. O SÉCULO XIX O século XIX é um enorme mosaico e deve ser compreendido em seu todo, uma vez que seus

acontecimentos marcantes se interpenetram. O período representa a transição entre as Revoluções liberais-

burguesas, como a Francesa, e as guerra mundiais. Nele observa-se a expansão da ordem burguesa liberal,

especialmente numa reação ao conservadorismo do Congresso de Viena (1815), marcada pela eclosão de

movimentos nacionalistas, como as unificações alemã e italiana. Percebe-se, ainda o surgimento de

ideologias e movimentos operários, de crítica à ordem capitalista estabelecida, destacadamente o

anarquismo e o socialismo. Na segunda metade do século nota-se a expansão industrial para além dos

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limites territoriais das grandes potências, utilizando-se de contornos próprios, como a via militar é a corrida

imperialista afro-asiática, que explicita a rivalidade entre esses grandes países, expondo a contradição de

um sistema que conduzirá o mundo ás grandes guerras no século XIX.

A Revolução Industrial e as Novas Doutrinas Sociais A Revolução Industrial representou o uso da maquinofatura e a maturidade capitalista, graças à

abundância de capitais acumulados e também de mão-de-obra. Contou com o pioneirismo inglês.

As fases tecnológicas da Revolução Industrial: Primeira (1760-1850): Ferro, tecidos e vapor.

Segunda (1850-1950): aço, eletricidade, petróleo e expansão.

A partir das condições sociais durante a industrialização dos séculos XVIII e XIX, emergem lutas

e idéias antiliberais, exigindo direitos trabalhistas e sociais, a exemplo de ludismo, dos sindicatos

e do cartismo.

Ao mesmo tempo cresceram novas concorrentes de pensamento: o Socialismo utópico (Fourrier,

Saint Simon, Owen) propõe reformas sociais com base em premissas românticas; o Socialismo

científico (Marx e Engels) fundado na Revolução proletária; o Anarquismo (Bakunin, Tolstoi)

defensor da destruição do Estado; e a Doutrina Social da Igreja (Papa Leão XIII com a Encíclica

Rerun Novarum), a favor das reformas sociais.

As Internacionais Socialistas: Na primeira predominou o conflito entre Marxistas e Anarquistas;

Na segunda destacou-se a dissidência entre os Marxistas, originando a social-democracia e os comunistas

revolucionários.

A França no Século XIX A Restauração dos Bourbons com Luís XVIII e Carlos X deu-se com base na legitimidade de

Talleyrand.

A oposição burguesa desembocou na Revolução Liberal de 1830, dando início ao governo do rei

burguês Luís Felipe.

Em 1848, no ápice da agitação trabalhista e popular européia, aconteceu a Primavera dos Povos.

Na França, nas eleições de 1848, a burguesia retomou o controle político com o governo populista

de Luís Bonaparte, consolidando-o com o Segundo Império, sobrevivendo até a Guerra franco-

prussiana de 1870.

A vitória Alemã significou a humilhação da França que perdeu as ricas regiões da Alsácia e Lorena,

nascendo o ideal de Revanchismo contra a Alemanha, uma das principais marcas da Terceira

República criada em 1870.

DA CRÍTICA À CRISE DA ORDEM BURGUESA: O SOCIALISMO E AS INTERNACIONAIS OPERÁRIAS

As idéias predominantes em um período qualquer são, de modo geral, reflexo do desenvolvimento da

sociedade, isto é, de acordo com a situação das condições materiais em que tal sociedade se encontra.

As novas idéias, ou seja, as ideologias marcantes que surgiram no século XIX, são também o reflexo

das transformações que se operavam na sociedade da época. Desta forma, poderemos entender o

nascimento

Antecedentes

Na segunda metade do século XVIII, ocorreram os Primeiros movimentos de trabalhadores

contestando a realidade social criada pela industrialização inglesa;

esses movimentos se originaram das péssimas condições de vida e de trabalho em que viviam as

camadas trabalhadoras;

primeiro tipo de reação dos trabalhadores foi o LUDDISMO, que se caracterizou pela quebra de

máquinas - ocorreu por toda a Inglaterra, do final do século XVIII ao início do século XIX.

movimento dos trabalhadores ingleses cresceu na primeira metade do século XIX, em decorrência

do CARTISMO (1838-1848):

o cartismo tinha por base as reivindicações econômicas e políticas contidas na Carta do Povo;

os resultados desse movimento foram conquistas parciais em termos de condições de trabalho.

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no final da primeira metade do século XIX, constituem-se as primeiras TRADE UNIONS, que

chegam ao seu auge na segunda metade do século XIX, com a constituição do Partido Trabalhista;

na França, o movimento trabalhista tem na proibição de associação profissional (Lei Chapelier-1791)

um estímulo para a sua polinização. A organização sindical se desenvolveu no fina) do século XIX.

A evolução do pensamento socialista Excluindo as modificações que não influíram tanto sobre o desenvolvimento das teorias gerais do

marxismo. mas antes sobre as suas idéias estratégicas e táticas, as categorias de mudanças mais

significativas são:

o desenvolvimento do capitalismo mundial, que modificou o sistema a tal ponto que, em diversas

ocasiões, foi-se obrigado a reconhecer uma "nova fase" do capitalismo, como ocorreu, no fim do

século XIX, com o "imperialismo";

a difusão geográfica do marxismo e dos movimentos marxistas, que os levou a países inteiramente

diversos dos da Europa Central e Ocidental, base de grande parte das análises concreta de Marx e

dos primeiros movimentos operários marxistas (por exemplo: a China);

as revoluções vitoriosas que, pela primeira vez, colocaram os marxistas diante dos problemas da

organização estatal e da construção do socialismo, para os quais a teoria marxista anterior não

fornecia na prática nenhuma indicação concreta (o exemplo típico é a Rússia depois da Revolução

de Outubro);

os desenvolvimentos subseqüentes daquela parte do mundo na qual os movimentos ou os partidos

marxistas detinham o poder estatal, sobre os quais os escritos de Marx não continham, para fins

práticos, nem mesmo uma mínima indicação concreta (por exemplo: as relações entre países

socialistas);

o esquema desigual, divergente (e talvez convergente), do desenvolvimento em escala mundial, que

reúne em si todas as modificações acima indicadas.

Por sorte, a maior parte dessas transformações é agregada cronologicamente, de modo que uma

periodização adequada nos permite, ainda que com algumas reservas, apresentá-las não apenas

distintamente, mas também em suas interações. As principais subdivisões cronológicas que nos propusemos são as seguintes:

antes de 1848-1850. É o período das origens do socialismo e da formação do pensamento de Marx.

Coincide com a primeira grande crise de desenvolvimento do primeiro capitalismo industrial (anos

1830 e 1840), que em alguns países é ao mesmo tempo crise de transição para o capitalismo

industrial; coincide também com a crise revolucionária que tem seu ápice em 1848. Embora Marx e

Engels desenvolvessem um papel ativo e destacado na vida política, não existe ainda - para fins

práticos - nenhum movimento marxista.

1850-18 75-1883. É o período clássico do desenvolvimento capitalista no século XIX: a rápida

evolução de um sistema mundial de capitalismo liberal, que tinha seu centro na Inglaterra; as

primeiras fases de um grande desenvolvimento industrial nos mais importantes países

"desenvolvidos" do Ocidente e a conseqüente formação de um sistema internacional de Estados

capitalistas (Estados Unidos, Alemanha, etc. ); o nascimento de um movimento operário no

continente europeu (a I Internacional): a primeira "crise dos países subdesenvolvidos" (o

movimento revolucionário na Rússia);a Comuna de Paris, simultaneamente a última das revoluções

jacobinas e a primeira revolução proletária. Esse período coincide com a manutenção do

pensamento de Marx e assiste sua segunda importante intervenção na atividade política (período

da I Internacional). Todavia, com a parcial exceção da Alemanha, não existe um movimento

marxista digno de nota, sendo negligenciável o ascendente de Marx.

1883-1914. É o período marxismo desenvolvido sobretudo pelos homens e partidos da II

Internacional. Seu pano de fundo imediato é a segunda crise de desenvolvimento do capitalismo

mundial, o período de grande depressão e tensões, que vai de 1873 a 1896, e do qual emerge uma

nova fase do capitalismo (o "imperialismo"), com novas características tecnológicas, econômicas,

sociais e políticas, e, portanto, com novas perspectivas estratégicas das quais os marxistas buscam

tomar consciência a partir do final dos anos 90 ("crise do marxismo"). Todavia, não pretendemos

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introduzir em nossa apresentação todas as principais sub-periodizações. Os partidos operários de

massa, cada vez mais hegemonizados e guiados pelo marxismo (tal como esse era formulado

sobretudo pelo Partido Social-Democrata Alemão), assim como os movimentos revolucionários

marxistas nos países agrários subdesenvolvidos da Europa Oriental e Meridional, levam

rapidamente ao desenvolvimento da II Internacional, Essa expansão produz importantes

divergências, de modo geral, entre movimentos nacionais (a questão nacional): entre os países "desenvolvidos", onde esses movimentos optaram em condições de capitalismo estável e numa situação

política democrático-burguesa; são países que se distinguem ainda entre os que têm movimentos operários que seguem

as diretivas marxistas (o continente europeu) e os países onde isso não acontece (os países anglo-saxãos) e;

os países e as regiões subdesenvolvidas da Europa. Aqui encontramos condições de criar revolucionária (a jacquerie

romena, a revolução russa de 1905) e, ao mesmo tempo, movimentos revolucionários quase sempre submetidos à

influência ideológica dos movimentos proletários ocidentais {a social-democracia russa), embora devam enfrentar

problemas inteiramente diferentes;

as primeiras fases dos movimentos de libertação nacional nos países coloniais e semi-coloniais do "Terceiro Mundo",

que até aquele momento mal haviam sido tocados, com algumas exceções (indonésia, influência dos narodniks russos

na Índia), pelas teorias e pela prática dos socialistas europeus.

os países subdesenvolvidos da Europa Orienta e Meridional e do Terceiro Mundo;

a URSS, onde se colocam os problemas da pós-revolução.

Esses três setores são ligados por desenvolvimentos globais comuns, que envolvem todos ao mesmo

tempo (guerra crise pós-revolucionária bélica, depressão. fascismo; guerra), ou por um paralelismo

cronológico cuja exata natureza não cabe investigar agora (por exemplo estabilização capitalista e NEP: ou

industrialização coletivização e crise); mas também pelo esmagador predomínio da Revolução de Outubro,

da URSS. no âmbito dos movimentos revolucionários marxistas, e do "Partido Internacional" monocêntrico.

o Komintern, cada vez mais dominado pelos russos.

de 1949 em diante. É o período do marxismo de fato policêntrico (e depois aceito como tal); da

primeira estabilização geral e duradoura do capitalismo internacional desde 1914. É também o

período no qual triunfa a revolução antiimperialista do Terceiro Mundo, triunfo que assume a forma

de uma descolonização política e de urna vitória parcial da revolução social, cujo ponto mais

avançado é assinalado pela constituição de diversos Estados comunistas. Entre esses, o triunfo do

comunismo na China é de longe o desenvolvimento mais significativo. Em terceiro lugar, é o período

no qual a URSS estende o seu tipo próprio de sistema socialista a numerosos países europeus e

chega a ser a segunda grande potência no quadro do que, nesses anos, tornou-se um sistema

internacional baseado sobre uma rivalidade bilateral. A variedade e a complexidade desses

desenvolvimentos e a desintegração da força marxista predominante no período 1914-1949, o

comunismo russocêntrico, são de tal ordem que tornam extremamente difícil um exame coerente

do período. A melhor coisa será talvez considerá-lo como um período de grande expansão do

marxismo, mas ao mesmo tempo de grande crise secular, um período no qual as análises e, ao

mesmo tempo, as perspectivas dos anos 1914-1949 são substancialmente modificadas, à luz da

evolução ocorrida nos três setores do mundo. Por enquanto, não proporemos nenhuma conclusão cronológica desse período. Nossa História se

concluirá com um exame da situação do marxismo em sua nova fase pluralista e policêntrica, no qual se

tentará esclarecer a natureza dos diversos tipos de problemas que hoje se apresentam à análise marxista,

assim como das diversas escolas e correntes do marxismo de hoje.

O movimento popular na Inglaterra Antes, porém, de examinarmos como se desenvolveu esse conflito, devemos analisar rapidamente as

principais modificações no protesto popular e da classe operária provocadas pelo impacto da "dupla"

revolução. Primeiro. os principais protagonistas eram outros: os protestadores típicos já não eram os

arrendatários livres das aldeias, os artesãos urbanos ou os pequenos consumidores, mas então -

particularmente na década de 1830 - os trabalhadores industriais ou proletários. das novas cidades fabris;

nem eram eles apenas motivados pelas questões tão freqüentes no passado, como o preço do pão, mas antes

pelos salários que iam para o bolso dos trabalhadores. Além disso, à medida que a indústria se desenvolvia,

a localização do protesto transferiu-se do Sul para o Norte, da aldeia para a cidade e das velhas cidades com

privilégios reais para as modernas cidades industriais. As principais fases do movimento, até meados do

século, foram aproximadamente as seguintes:

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1ª Fase (primeiros anos da guerra, 1793-1800): marcada pelos movimentos jacobinos

"conspiratórios" em Londres, Edimburgo. Manchester (com contra-reações do movimento "Igreja e

rei" em Birmingham e Manchester) e por motins de alimentos em Londres, no sudeste da

Inglaterra e em partes do País de Gales.

2ª Fase (período final da guerra, 1811-1815): marcada pelo ludismo nos condados produtores de

malharias de Midlands e em West Riding, no condado de York.

3ª Fase (logo depois da guerra, 1815-1822): marcada pelo protesto geral nas grandes cidades

(Londres. Manchester); centros de indústria decadente (East Anglia); centros industriais em

atividade e consolidados (distritos do ferro de Gales do Sul, condados de malharias dos Midlands e

West Riding); motins de alimentos em cidades de mercado variadas (Falmouth. Nottingham, Bolton,

Carlisle).

4ª Fase (1829-1832): a mais agitada. marcada por uma nova e decisiva transferencia para os novos

distritos industriais de Midlands, Gales do Sul, Norte da Inglaterra e Clydeside; uma

transferência temporária de Londres para Birmingham e várias das velhas cidades privilegiadas

(Nottingham, York, Derby, Bristol); e um incremento final e dramático do Sul rural (deixando East

Anglia e Devon como os únicos bastiões do protesto rural pacífico até o aparecimento dos

sindicatos agrários depois de 187U).

5ª Fase (décadas de 183U e 184U): marcada pelas três fases principais do Cartismo. que se

difundiu principalmente pela Grã-Bretanha industrial, enquadrando-se em três divisões geográficas

principais: as grandes cidades em expansão (Londres. Birmingham. Manchester, Glasgow); as novas

regiões industriais da Inglaterra. da Escócia e do País de Gales; os velhos centros agonizantes da

tecelagem manual e da indústria naval no West Country inglês e no West Riding do condado de

York. Enquanto isso, o protesto agrário mais aberto limitava-se à "faixa celta" de Gales ocidental e

dos altiplanos escoceses. Depois do cartismo, porém, os velhos centros da tecelagem manual e da

indústria rural (tendo sofrido sua derrota final) desaparecem de cena, e os tecelões manuais

ingleses e os camponeses-lavradores de Gales seguem os camponeses-trabalhadores ingleses, num

desaparecimento quase total. Ao mesmo tempo. na "faixa celta" apenas os altiplanos escoceses

mantiveram sua resistência na fase final da Guerra dos Pequenos Lavradores.

A Internacional Também o movimento trabalhista francês sofreu reativação graças à crise de 1857/58: apesar da

proibição de associação houve uma onda de greves, visando a manutenção do nível salarial. Como prova de

sua política "de simpatia para com os trabalhadores", o Governo francês enviou uma delegação de 550

trabalhadores à Exposição Mundial de Londres, em 1862. Dentre os membros dessa delegação, eleitos

pelos operários, havia também adeptos de Proudhon, sob a liderança de Henry Louis Tolain. A delegação

teve contatos com o Conselho Sindical londrino e foi acertada uma demonstração conjunta em prol da

revolução polonesa para o dia 22 de julho de 1863, em Londres. No dia seguinte discutiu-se a viabilidade

de uma união internacional permanente dos trabalhadores; os ingleses instituíram uma comissão liderada

por George Odger, comissão esta que redigiu uma mensagem aos trabalhadores franceses. Conclamava à

atuação conjunta dos trabalhadores de todas as nações civilizadas, ao apoio à sublevação polonesa e a que

se impedisse a pressão salarial exercida sobre os operários ingleses mediante o recrutamento de mão-de-

obra mais barata na área continental.

A primeira reunião teve lugar no dia 28 de setembro de 1864 no St. Martins Hall, em Londres. Além

dos ingleses e franceses, ali estavam representados vários grupos de emigrantes; entre outros, os italianos

representados por um ajudante de Garibáldi, os alemães por elementos da Associação Comunista para a

Educação dos Trabalhadores, de Londres. Karl Marx foi eleito como um dos dois representantes alemães

para compor a Comissão Central, inicialmente de 32 membros. Apesar de todo o ceticismo quanto ao grau

de maturidade do movimento, Marx atribuía grande significação a essa união e, a respeito, escreveu, em 29

de novembro de 1864, o seguinte a seu amigo Ludwig Kugelmarm: "A Associação é importante, porque

nela estão presentes os chefes dos Trade-Unions londrinos, que prepararam uma recepção enorme para

Garibáldi e que custaram, graças ao comício-monstro em St. James Hall, o plano de Palmerston de uma

guerra contra os Estados Unidos. Também os chefes dos trabalhadores parisienses participam em nossos

trabalhos."

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Na elaboração dos estatutos e do preâmbulo, em que se formularam os princípios da nova organização,

Marx conseguiu impor seus pontos de vista contra os dos seguidores de Owen e de Mazzini. As Palavras à

classe trabalhadora, por ele formuladas e que foram as palavras de inauguração da Associação Internacional

de Trabalhadores, só continha ponderações a que tanto os adeptos das Trade-Unions como os seguidores de

Proudhon ou Mazzini nada tinha a opor. Invocando as idéias dos diferentes líderes operários dos diversos

países e trazendo à baila princípios comuns a todos, quis ele dar início a um processo que pudesse dar

àqueles, através das experiências colhidas em suas próprias lutas, uma maior unidade teórica e clareza.

Expressava-se ali claramente o ponto de partida da totalidade do movimento, ou seja a necessidade da luta

comum de classes por parte dos trabalhadores, embora Marx só tivesse podido incluir no programa da

internacional de forma muito condicionada a teoria política e social que apresentou em seu Manifesto

Comunista de 1848. Mas, de qualquer forma, se impediu que as idéias mutualismos dos adeptos de

Proudhon ou que as ilusões de Mazzini viessem a cunhar o programa. Com emendas apenas de menor

monta, o projeto de Marx dos estatutos e das palavras inaugurais da Associação Internacional de

Trabalhadores foi aprovado unanimemente.

A Associação Internacional de Trabalhadores assim fundada contava com a maioria dos sindicatos

ingleses, que dela se fizeram membros coletivos, e com números variados de membros individuais, além de

uns e outros dos sindicatos em outros países europeus. Seu Conselho Geral nunca chegou a possuir uma

organização própria forte nem recursos monetários consideráveis, apesar do enorme poder que lhe

inventaram os órgãos da imprensa burguesa e os serviços secretos de todos os governos, cuja atitude

estranha em relação à verdade parece sempre ter sido uma constante no decurso das mudanças históricas,

desde os tempos de Stieber e do processo comunista de Colônia, em 1852, até os dias de hoje. É bem

verdade que a autoridade e o prestígio da Internacional no seio dos trabalhadores europeus aumentaram

constantemente até a derrota das comunas parisienses, já que invocações à solidariedade fomentavam

grandes lutas trabalhistas. A Internacional ajudou a esclarecer e desenvolver a autoconscientização política

e social dos trabalhadores que ela representava. Seus membros ingleses pertenciam à Fieform League, que

a partir de fevereiro de 1865 congregou os burgueses radicais e os socialistas em torno da luta pela

democratização do direito de voto, assim condicionando o advento da lei eleitoral de 1867. Na França, aliás,

seus adeptos ainda estavam em grande parte sob a influência de Proudhon, porém a ajuda da Internacional e,

sobretudo, dos sindicatos ingleses durante o lockout do ramo do bronze de Paris, em 1867, e mais tarde nas

greves dos operários têxteis em Rouen e Lyon e dos trabalhadores nas minas de carvão em St. Etienne fez

que um grupo de líderes trabalhistas franceses, inclusive Eugène Varlin, aceitasse a necessidade da greve,

de medidas sócio-políticas e a meta da encampação da propriedade dos meios de produção. de

características monopolísticas. Os seguidores de Branqui inicialmente ainda se mantiveram afastados da

Internacional, apesar de Branqui ter comparecido ao Congresso de Bruxelas, de 1868, como ouvinte.

Trabalhadores belgas, suíços, holandeses, italianos e espanhóis se filiaram à Internacional, bem como os

lideres da primeira organização austríaca de trabalhadores. Além de uns poucos membros individuais na

Alemanha e dos emigrantes da Associação para a Educação dos Trabalhadores, de Londres, ela conquistou

o apoio moral da Associação Alemã de Trabalhadores em Geral, da Sá Jornada de Associações Alemãs de

Trabalhadores e, depois, também do Partido Trabalhista Social-Democrático da Alemanha, fundado em

1869. Logrou, assim a Internacional transformar-se na representante da quase totalidade das organizações

independentes do movimento trabalhista na Europa e levá-las todas a se darem as mãos numa ampla

cooperação e a discutirem seus objetivos e estratégias. Dessa forma deu ela aos trabalhadores dos países,

em que, em 1864, ainda não existiam os inícios de organizações trabalhistas independentes. a motivação

para se separarem do liberalismo burguês.

Na Conferência interna em Londres, de 1865, se havia evidenciado o antagonismo entre as

conceituações de Marx e as dos representantes proulhonistas da delegação francesa, antagonismo que se

acentuou ineludivelmente no primeiro Congresso público da Internacional de 1866, em Genebra. Daí por

diante todos os congressos da Internacional passaram a se caracterizar pelo fato de que nas delegações dos

países que estavam industrialmente muito desenvolvidos predominavam as conceituações de Marx

defendidas pela maioria dos membros do Conselho Geral, com o apoio, sobretudo, dos sindicatos ingleses,

enquanto nas delegações dos países essencialmente agrários (então a Itália e a Espanha e, inicialmente,

ainda a França) ou representativas de regiões caracterizadas pela pequena empresa artesanal (à época a

Suíça francesa) até a comuna parisiense ( 1871 ) predominavam conceitos proudhonísticos e, mais tarde,

bakunísticos. Esse antagonismo subsiste, na medida em que suas bases sociais ainda existem, até os dias

que correm. como o demonstra a forte posição da Federação Anarquista Ibérica (FAI) e da CNT sindical no

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movimento espanhol da resistência contra Franco. (ABENDROTH, Wolfgang. A História Social do

Movimento Trabalhista Europeu. Paz e Terra, RJ, 1977: págs. 34, 35, 36 e 37)

A FORMAÇÃO DA II INTERNACIONAL

Os primeiros Congressos ainda sessionaram sob o signo do antagonismo em relação às minorias

anarquistas, que rejeitavam peremptoriamente a luta em prol de uma legislação social por parte do Es2ado,

bem como a participação em trabalhos parlamentares. Foi o Congresso de Londres que, em 1896, encerrou

de vez estas dissenções. Ali ficou resolvido que, daí por diante, só seriam convidados representantes de

organizações que "aspiram à transformação do ordenamento socialista da produção e da propriedade e

reconheçam a participação em matéria de legislação e atuação parlamentar, com o que ficam excluídos os

anarquistas". Essa resolução refletia a evolução dos movimentos nacionais de trabalhadores. Fora da

Espanha os anarquistas subsistiam apenas como pequenos grupos isolados. Apenas na Holanda, na Itália e

no seio dos sindicatos franceses é que sua influência ainda tinha certa relevância.

Foi somente no Congresso de Paris, em 1900, que a Segunda Internacional forjou os instrumentos

técnicos para a colaboração internacional de suas organizações-membros. Foram criados um Secretariado

Internacional, um Escritório Socialista Internacional e uma Comissão lnterparlamentar. A sede do

Secretariado era em Bruxelas, seu primeiro Presidente foi Emile Vandervelde. O Escritório era constituído

de dois representantes de cada Partido-membro.

Mas a Internacional continuou a ser a réplica da evolução dos Partidos individuais que a compunham.

Funcionava como intermediária dos debates entre os grupos e internacionalizava as suas polêmicas internas.

Só raras vezes chegava a exercer influência própria sobre os partidos. Contribuiu, contudo, enormemente

para a união dos socialistas franceses.

O quarto de século até a irrupção da Primeira Guerra Mundial, que foi a era da Segunda Internacional

"clássica", se caracterizou por um novo florescimento industrial. Em todos os países já atingidos pela

industrialização aumentou o produto nacional, enquanto os países até então não industrializados ou pouco

industrializados entravam no ciclo do desenvolvimento capitalista. Na Alemanha, por exemplo, o valor

global da produção industrial anual chegou quase a dobrar desde a fundação do "Reich" até 1890, voltando

a experimentar novo incremento de 100% no período de 1890 a 1913. Grandes indústrias novas surgiram :

a eletroindústria e a indústria química iniciaram a sua ascensão, modificando as técnicas de produção em

todos os países europeus.

NACIONALISMO E AS UNIFICAÇÕES. Com a industrialização e a necessidade de mercados, as burguesias do norte italiano e alemão

construíram o projeto nacionalista de unificação.

A Europa do início do século XIX é marcada pela ascensão e expansionismo militarista francês, sob

Napoleão Bonaparte. Com a deposição do monarca, reuniu-se o Congresso de Viena em 1825 e estabeleceu

a Velha Ordem aristocrática e absolutista dos tempos anteriores à Revolução Francesa.

As unificações italiana e alemã alteraram profundamente o quadro político da Europa no século XIX,

rearticulando um equilíbrio de forças que resultaria na I Guerra Mundial (19141918). Na base desses

processos estavam os movimentos liberais, acentuadamente nacionalistas nestes países.

As condições na Itália Com as transformações econômicas e sociais que atingiram a Europa no século XIX, o norte da

Península Itálica se desenvolveu. A industrialização impulsionou o comércio e as cidades explodiram.

Criou-se uma infra-estrutura ferroviária.

A alta burguesia queria a unificação, que garantiria o progresso e lhe daria possibilidades de concorrer

no mercado externo. Para ela, a unificação tinha significado apenas liberal: o nacionalismo não passou de

instrumento. Seus objetivos se resumiam no movimento chamado Risorgimento.

A média burguesia, aliada ao proletariado urbano, desejava um Estado que adotasse medidas

econômicas e sociais de tendência democrática. Preferia uma unificação em termos republicanos, enquanto

a alta burguesia queria unificar o mais fácil e rápido possível, em torno do reino mais forte da Itália:

Piemonte-Sardenha.

A luta contra a Áustria

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Após o Congresso de Viena, a Itália ficou sob tutela do Império Austríaco, dividida em sete Estados: ao

norte, Reino do Piemonte-Sardenha; Parma; Módena e Toscaria; Reino Lombardo-Veneziano; ao centro, o

Estado Pontifício, sob domínio do papa; e ao sul, Reino das Duas Sicílias.

Em 1848, o rei Carlos Alberto do Piemonte-Sardenha tentou a unificação e declarou guerra à Áustria. O

movimento Jovem Itália estimulava o nacionalismo, completado pelo Risorgimento; a finalidade era

reviver o espírito da Renascença e do Império Romano. Vencido, o rei deixou o trono para seu filho Vítor

Emanuel II. Outras rebeliões foram sufocadas, mas o ideal de unificação continuou mais forte que nunca.

Em 1852, o ministro Cavour, do Piemonte, tomou a seu cargo a unificação; queria fazê-la por

intermédio da casa de Savóia, mas precisava de aliado forte para expulsar os austríacos. Por isso, enviou

tropas italianas à Guerra da Criméia, que opunha Rússia contra França e Inglaterra (18541856); ganhou o

direito de tomar parte no Congresso de Paris, onde se discutiu o problema da unificação italiana.

Em 1859, Cavour e Napoleão III se encontraram secretamente e fizeram um acordo: Napoleão apoiaria

o Piemonte contra a Áustria e receberia os condados da Savóia e de Nice; o Piemonte receberia a

Lombardia-Veneza, pertencente à Áustria. A guerra começou. Franceses e sardo-piemonteses tiveram

vitórias na Lombardia, mas a mobilização da Prússia e a reação dos católicos franceses amedrontaram

Napoleão, que assinou a paz com a Áustria. O Piemonte recebeu a Lombardia, a Áustria conservou Veneza.

Nesse tratado ficou combinada a formação de uma confederação dos Estados italianos sob a presidência do

papa, o que contrariava os objetivos de Cavour.

As campanhas militares de 1859 repercutiram em toda a Itália. Toscada, Parma, Módena e Romana,

Estados pertencentes ao papa, se revoltaram, querendo unir-se ao Piemonte. Napoleão III concordou, desde

que a França recebesse Savóia e Nice. Os dois condados, em plebiscito em 1860, aprovaram a passagem

para a França quase por unanimidade. Com a conivência de Cavour, Garibaldi e alguns voluntários se

apossaram da Sicília e, na volta, passaram por Nápoles e puseram em fuga o rei Francisco II. As tropas do

Piemonte invadiram os Estados papais, únicos do centro da Itália ainda não integrados.

Garibaldi, republicano, opunha-se à casa de Savóia, pois daria ao país um regime monárquico. Para não

atrapalhar a unificação, afastou-se da vida pública temporariamente. Quando Cavour morreu em 1861, o

Piemonte já dominava quase toda a Itália. Vítor Emanuel II declarou-se rei e transferiu a capital para

Florença. Para completar a unificação, faltava só a adesão dos restantes Estados papais e de Veneza.

A conquista de Veneza foi possível graças à guerra entre Áustria e Prússia, à qual os italianos se aliaram.

Vencida, a Áustria pediu o arbitramento de Napoleão III. Veneza passou à Itália após um plebiscito. A

Áustria ainda conservaria Trento e Trieste até a I Guerra Mundial.

O problema com os Estados papais era mais difícil. Roma sempre havia sido capital da Itália. Mas o

papa se recusava a entregar a cidade, garantia da independência da Igreja, e também a reconhecer a

autoridade de Vítor Emanuel II. Garibaldi tentou tomar Roma, mas Napoleão 111 enviou uma guarnição

para proteger o papa: tomar Roma pela força equivaleria a declarar guerra à França. Mas em 1870, os

prussianos invadiram e venceram a França; os italianos então tomaram Roma e ocuparam o resto dos

Estados pontifícios. Em 1871, Vítor Emanuel ofereceu ao papa as leis de garantia, mas Pio IX considerou-

se prisioneiro no Vaticano e recusou qualquer conciliação. A questão romana só se resolveu em 1929 pelo

Tratado dá Latrão, entre Mussolini e Pio XI, que criou o Estado do Vaticano, com quase cinco quilômetros

quadrados de superfície.

As condições na Alemanha O principal fator da unificação alemã foi o desenvolvimento econômico e social dos Estados

germânicos, especialmente da Prússia. A Áustria, que havia impedido a unificação tentada pela Prússia em

1850, não conseguiu impedir o progresso de seus Estados, alcançado graças ao Zollverein, a liga aduaneira

adotada em 1834. De 1860 a 1870, distritos industriais e centros urbanos surgiram em várias regiões; as

estradas de ferro passaram de 2 000 para 11000 quilômetros; as minas de carvão e ferro permitiram o

crescimento das indústrias siderúrgicas, metalúrgicas e mecânicas. Formava-se o complexo industrial

alemão. Percebendo a ameaça a seu poder, a Áustria tentou em vão fazer parte do Zollverein.

Na Prússia, a burguesia tentou controlar as despesas reais, criando um conflito político que durou até

1861, quando o rei Guilherme I convidou Bismarck para ministro. Ele era antiliberal, pró-monarquia e

contra o poder da burguesia, mas devotado à causa da unificação.

Bismarck achava que a unidade alemã deveria ser obtida pela força, através de uma luta contra a Áustria.

Por isso, organizou militarmente o Reino da Prússia. Os burgueses se negaram a aprovar o aumento do

tempo de serviço militar obrigatório e a elevação dos impostos, para financiar mais contingentes militares.

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Com aprovação apenas da Câmara dos Nobres, Bismarck passou a governar despoticamente e transformou

o exército em instrumento da unificação alemã. Explorando os desacertos internacionais, venceu por etapas

a Dinamarca, a Áustria e, finalmente, a França.

Guerras contra Dinamarca e Áustria Schleswig e Holstein, de população germânica predominante, viviam sob domínio da Dinamarca. Os

príncipes dos dois ducados quiseram tornar-se independentes quando o rei dinamarquês Cristiano IX

morreu, em 1863. A Prússia, aliada à Áustria, apoiou os príncipes e venceu a Dinamarca. Mas Bismarck

adiou a entrega de um dos ducados à Áustria. Queria com isso provocá-la. Já tinha garantido a neutralidade

da França e o apoio da Itália. Venceu os austríacos facilmente na batalha de Sadowa, pois eles tiveram de

sustentar duas frentes de combate, uma na Itália e outra na própria Áustria. Os austríacos assinaram a paz e

aceitaram a dissolução da Confederação Germânica e a passagem de Schleswig e Holstein para a Prússia e

de Veneza para a Itália.

O caminho para a centralização do norte alemão estava aberto. A Prússia anexou outros territórios, e

novos Estados germânicos se uniram a ela, formando a Confederação Germânica do Norte (1867).

Guerra contra a França No começo da guerra entre Áustria e Prússia, Napoleão 111 manteve-se conivente com Bismarck,

achando que a luta se arrastaria e lhe traria vantagens. A vitória prussiana foi desagradável: a unificação da

Alemanha constituía ameaça direta à hegemonia da França na Europa. Seu exército tinha sido

desorganizado por uma expedição ao México (1862-1867). Tentando resguardar um pouco de autoridade,

Napoleão exigiu da Prússia que os Estados germânicos do sul, de grande influência francesa, não se

unissem aos do norte.

Bismarck usou a exigência para pôr os alemães contra os franceses, que ele considerava inimigos

tradicionais. Napoleão irritaria ainda mais os alemães ao exigir a posse de Luxemburgo e os territórios

bávaros a oeste do Reno. Além disso, pedia apoio prussiano para dominar a Bélgica, sob influência inglesa.

As cartas estavam postas na mesa: Bismarck queria declarar guerra à França, pois isso ajudaria a

unificação alemã, já que o inimigo estava isolado e mal armado; a Inglaterra soube do interesse francês na

Bélgica; a Áustria, vencida, estava com problemas internos; a Itália agora se voltava contra a França, que

depois de ajudá-la havia apoiado o papa e impedido a tomada de Roma. Só faltava um incidente para

começar a guerra.

O pretexto surgiu em 1870. Uma revolução deixou vago o trono espanhol. A sucessão foi oferecida a

Leopoldo Hohenzollem, príncipe parente do rei da Prússia. Napoleão exigiu a retirada de tal candidatura e a

promessa de Guilherme I de que nenhum outro príncipe germânico ocuparia o trono da Espanha. O rei

passou a Bismarck um telegrama a ser encaminhado a Napoleão III. Bismarck mudou o texto de modo a

parecer insultuoso ao povo francês. Os jornais alemães o publicaram. E a França declarou guerra à Prússia.

Para a família imperial francesa, a guerra significava prestígio que facilitaria a condução dos assuntos

internos.

O exército alemão era mais numeroso, mais bem comandado e instruído. A superioridade se

materializava no domínio da artilharia, com canhões Krupp. A excelente rede ferroviária facilitava o

deslocamento das tropas.

A vitória prussiana foi fulminante. Seu exército cercou o francês, comandado pelo general Bazaine, em

Metz. Napoleão e o general MacMalion partiram em socorro e foram cercados em Sedan. O imperador foi

preso e capitulou em 12 de setembro de 1870.

Enquanto isso, em Paris, os republicanos punham fim ao Império, em 4 de setembro. Proclamaram a

República e organizaram um governo de defesa nacional, para iniciar a resistência, confiada a Léon

Gambetta. Em 20 de setembro, os alemães cercaram Paris. Gambetta deixou a cidade num balão, para

organizar três exércitos nas províncias. Sem forças, sob bombardeios constantes, o governo francês assinou

o armistício em 28 de janeiro de 1871.

Pelo Tratado de Frankfurt, a França cedia a Alsácia (menos Belfort, onde a resistência havia sido

heróica) e o norte da Lorena, com a cidade de Metz, e ainda se comprometia a pagar indenização de 5

bilhões de francos. Os franceses não puderam evitar a humilhação de ver o Império Alemão ser proclamado

na Sala dos Espelhos do Palácio de Versalhes, quando Guilherme 1 recebeu o título de imperador pela

aclamação dos príncipes alemães.

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A unificação da Alemanha se completava mas, ao tripudiar sobre os vencidos, os vencedores de então

iriam alimentar no sentimento nacional francês um forte espírito de revanche.

O Imperialismo e o Neocolianismo. As razões da expansão imperialista, na segunda metade do século XIX, são encontradas nas

transformações ocorridas na estrutura capitalista de alguns países europeus durante a Segunda Revolução

Industrial e na utilização de inovações técnicas e fontes de energia; a concentração empresarial (Trustes e

cartéis) e a constituição do capital financeiro.

O reaparecimento, no último quartel do século XIX, da crise que periodicamente assola os países

capitalistas, foi o desencadeador da expansão imperialista e colonialista dos países capitalistas. A expansão

permitiria a obtenção de áreas para a colocação de capitais disponíveis existentes nos países capitalistas,

encontrar novos mercados consumidores e fornecedores de matérias-primas, escoar para outras regiões o

excedente social existente na Europa além de controlar as regiões estratégicas para a construção de bases

navais.

A Partilha Afro-Asiática. A expansão e a conquista da África e da Ásia foram precedidas de expedições científicas, missões

religiosas ou de exploração. Essas iniciativas permitiram o mapeamento do potencial de cada região desses

continentes.

A conquista teve o seu ponto de partida as antigas feitorias construídas no litoral asiático e africano

durante a Época Moderna.

O Imperialismo

As razões da expansão imperialista. Entre 1870 e 1914, a Europa Ocidental e os Estados Unidos arquitetaram a conquista política,

econômica e cultural da África, Ásia, Oceania e América Latina. Repartiram o mundo entre si e

organizaram poderosos impérios coloniais que só tinham em comum o desenvolvimento da acumulação

capitalista.

A média de expansão territorial, durante este período, foi de 560.000 km2 por ano. Este período ficou

conhecido como imperialista e as causas desta expansão foram diversas. No entanto. todas se relacionam

com o desenvolvimento do capitalismo industrial nos países imperialistas.

Efetivamente, o desenvolvimento capitalista destes países, unidos a um crescimento demográfico que se

processava desde o século XVIII, significou uma transformação acelerada na estrutura econômica e nos

hábitos sociais destes países. O desenvolvimento industrial ampliou a demanda de matérias-primas, muitas

das quais se produziam em condições mais vantajosas fora da Europa e Estados Unidos, e, ao mesmo

tempo, o aumento na produção de artigos industriais ia ampliando a necessidade de mercados exteriores

que consumissem os excedentes. Por outro lado, o crescimento das populações urbanas fez aumentar a

demanda de alimentos, cuja produção na Europa havia diminuído pelo êxodo rural ou simplesmente porque

se tornara mais barato comprá-los em mercados externos.

A este conjunto de processos denominou-se imperialismo comercial, na medida em que foi o comércio

das matérias-primas, alimentos e bens manufaturados que estimulou os países industrializados a penetrar,

controlar e dominar vastas regiões do mundo.

Contudo, o imperialismo tinha outras máscaras e razões mais sutis e menos transparentes. A conquista

militar e política de milhões de seres humanos de outras raças e culturas era induzida pela exportação de

capitais que não rendiam juros suficientes na Europa. Esta forma de penetração é conhecida como

imperialismo financeiro, comandado por poderosos monopólios de banqueiros, investidores e industriais.

Em 1902, o economista inglês John A. Hobson abria o jogo ao escrever: "O fator econômico mais

importante, a grande distância dos demais, do imperialismo é a influência que tem nos investimentos. O

crescente cosmopolitismo do capital constitui-se na mudança econômica mais notável que se registrou nas

últimas gerações. Todas as nações industrialmente desenvolvidas trataram de colocar um grande parte de

seu capital fora dos limites de sua própria área política, em países estrangeiros ou em colônias, e de receber

uma renda cada vez mais alta por este investimento". E mais adiante arremata: "A riqueza destes grupos

financeiros, a magnitude de suas operações e suas ramificações organizavas espalhadas por todo o mundo

convertem-nos em elementos decisivos e fundamentais na marcha da política imperial. Têm mais interesses

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do que ninguém nas atividades imperialistas e os maiores meios de impor sua vontade às decisões políticas

nas nações".

Anos depois, outros autores retornaram as idéias de Hobson e tornaram-nas mais precisas. Lênin, em

um famoso livro publicado em 1916, O imperialismo, Etapa Superior do Capitalismo, definia este processo

histórico da seguinte forma: "U imperialismo é um capitalismo na fase de desenvolvimento, quando tomou

corpo a dominação dos monopólios e do capital financeiro, quando ganhou significativa importância a

exportação de capitais, quando se iniciou a partilha do mundo pelos trustes internacionais e terminou a

repartição de toda a terra entre os países capitalistas mais importantes".

Isto significava prognosticar um período de guerras e revoluções como conseqüência da luta entre os

países imperialistas, entre os monopólios internacionais, pelos mercados externos e melhores condições

para arrancar lucros maiores.

De fato, os grandes trustes internacionais, muitos dos quais dariam origem às grandes empresas

multinacionais de hoje em dia, nasceram em fins do século XIX. Antes de 1914, existiam 122 trustes de

origem americana, 60 ingleses e 167 franceses, alemães e suíços.

Particularmente, os monopólios que associavam grandes industriais e poderosos bancos foram um

fenômenos característico da economia americana e alemã dessa época, e, de forma menos intensa, na Grã-

Bretanha e França.

Além do mais, em todos esses países e existia um grande excedente de capitais para ser exportado. Em

1885, os quatro maiores investidores mundiais - em ordem de importância, Grã-Bretanha, França,

Alemanha e Estados Unidos - haviam colocado no exterior 2.681 milhões de libras esterlinas. Em 1914,

esta cifra foi para 7,659 milhões.

Um empresário americano, em 1898, dizia: "Quem escreve isto não é um advogado do imperialismo por

sentimentalismo, mas não teme sê-lo se isso significa que os Estados Unidos defenderão seu direito a

mercados livres em todos os velhos países que estão se abrindo para os recursos excedentes dos países

capitalistas e obtendo por isto os benefícios da civilização moderna. Que esta política leve consigo o

governo direto dos arquipélagos semi-selvagens pode ser objeto de discussão, mas do ponto de vista

econômico só há uma opção: entrar, de alguma forma, na competição, empregando capitais e empresas

norte-americanas nestes países..."

Além destes fatores de ordem econômica. outros de natureza político-estratégica, diplomática e

nacionalista intervêm na expansão imperialista.

A idéia de que um país deve transformar-se em uma potência mundial não só está ligada à própria

natureza do capitalismo Como sistema mundial, mas também se vinculou ao pensamento político de certos

governantes, grupos de intelectuais e políticos nacionalistas em geral. Esta idéia de potência mundial tinha

muito a ver com o prestígio da nação, o equilíbrio político europeu e a influência que a nação podia e devia

exercer no mundo.

Desde 1870, quando a Itália e a Alemanha acabavam de unificar-se politicamente, a concorrência

internacional e as relações entre os países haviam se tornado mais complexas. Surgem, neste período,

grandes blocos de poder. Os Estados, levados a uma concorrência política crescente com os vizinhos,

estabelecem alianças para evitar o isolamento. A primeira aliança internacional foi a austro-alemã de 1879,

que se transformou em Tríplice Aliança em 1882, com o ingresso da Itália. A França, totalmente isolada,

buscou seus próprios aliados: primeiro a Rússia, com a qual firmou tuna aliança em 1894, e em seguida, em

1904, a Grã-Bretanha. Finalmente o acordo anglo-russo de 1907 fez surgir a Entente Cordiale. Os blocos

beligerantes da I Guerra Mundial estavam formados.

Este jogo político significou que qualquer mudança de posição, de poder, dentro e fora da Europa,

prejudicaria o vizinho. Neste sentido, a formação de um império colonial por parte de um país foi vista

como instrumento de força e prestígio que podia romper o equilíbrio entre as potências. Um exemplo claro

disto, como veremos mais adiante, foi a disputa do Egito entre Grã-Bretanha e França.

Enfim, para muitos governantes, políticos e militares a condição de potência implicava a necessidade de

ter colônias, protetorados, bases navais em todos os continentes, única forma de proteger os co-nacionais,

não apenas dos governos desses lugares, como também da ação das outras potências ocidentais.

O temor de que uma potência estrangeira ameaçasse uma possessão colonial, estimulava a conquista de

uma fronteira mais extensa. Este elemento, que alguns historiadores chamaram de um "acumulativo

processo preventivo", esteve muito presente na expansão britânica sobre a índia, (...)

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Por outro lado, a condição de potência mundial estava ligada à possibilidade de controlar matérias

estratégicas tais como cobre ferro, borracha, petróleo etc.

Também é necessário lembrar outras motivações que, parcialmente, constituem outras tantas

explicações do processo de colonização mundial. Assim foi notória a visão de que a colonização era uma

missão civilizadora de uma raça superior, a branca. Esta convicção baseava-se na superioridade que o

europeu e o americano viam em suas instituições políticas, na organização da sociedade, no

desenvolvimento industrial. Ao mesmo tempo, esta imagem era estimulada por doutrinas marcadamente

racistas, como a elaborada pelo filósofo inglês H. Spencer, conhecida por "darwinismo social". Segundo

essa filosofia, a Teoria da Evolução de Darwin podia ser ampliada perfeitamente à evolução da sociedade.

Assim como existia uma seleção natural entre as espécies, ela também existia na sociedade. A luta pela

sobrevivência entre os animais correspondia à concorrência capitalista: a seleção natural não era nada além

da livre troca dos produtos entre os homens; a sobrevivência do mais capaz, do mais forte era demonstrada

pela forma criativa dos gigantes da indústria que engoliam os competidores mais fracos, em seu caminho

para o enriquecimento. O sucesso dos negócios demonstrava habilidade superior c adaptação às mudanças;

o fracasso indicava capacidade inferior. Por estas razões, a intervenção do Estado era prejudicial, já que

interrompia o processo pelo qual a natureza impessoal premiava o forte e eliminava o fraco.

Em outras palavras, se a luta pela existência resultava na sobrevivência e predomínio dos animais e

plantas mais capazes, como afirmara Darwin, uma luta semelhante se produzia entre as raças humanas e as

nações com idênticos resultados. Esta dura concorrência em âmbito internacional, que justificava a

conquista e destruição de sociedades inferiores, era feita em nome do progresso.

As etapas da Expansão A palavra "colono" vem, etimologicamente, de colere, o que quer dizer "cultivar". significando, pois, o

mesmo que "agricultor", o homem que cultiva a terra em troca de um pagamento in natura. Existiram

colônias na Antigüidade, assim como também as já mencionadas dos Tempos Modernos. "Colonização"

significa fixar colonos em outras terras e regiões, mantendo elos com o país de origem. Trata-se de uma

prática conhecida na história da humanidade desde longa data. como forma de povoar regiões desertas ou

habitadas por populações mais atrasadas, tecnicamente, e de cultivar. para manter relações de troca com a

metrópole, a cidade-mãe. Historicamente, os exemplos são de duas ordens:

as colônias que se estabeleceriam após uma conquista militar e política; nesses casos, a emigração e o

estabelecimento de colonos, em terras estranhas, resultam de uma política de poder, de dominação imperial

(imperium; autoridade, dominação absoluta);

as colônias que se estabeleceram antes da conquista militar e da dominação política; nesses casos, a

mata pioneira, a emigração, precede a instalação do imperium, da autoridade e da soberania.

No entanto, o processo de colonização européia do mundo não europeu ao longo do século XIX

apresentou certas particularidades, a saber: na primeira metade do século, caracterizada pelo capitalismo

liberal, laisser-faire, a expansão européia foi moderada; a Grã-Bretanha conservava a Índia como centro do

Império que construíra no século precedente. sobretudo conquistando-o dos franceses; a França conquista

Argel, em 1830, iniciando-se aí, um longo processo de ocupação e colonização da Argélia; a partir da

segunda metade do século - com o espetacular desenvolvimento da civilização industrial e suas

conseqüências (expansão demográfica e procura de mercados para os seus produtos), a exacerbação dos

nacionalismos burgueses, a competição entre os países capitalistas (Inglaterra, França, Alemanha), a busca

não somente de mercados e matérias-primas, mas também de campos para investimento de capitais,

mormente após 1890 - foram os Governos levados a assumir uma política expansionista; a passagem de

uma expansão "espontânea" - comandada por grandes colonizadores. pioneiros da colonização e

exploradores (Mungo Park René Caillé, Brazza), missionários (Livingstone) e empresas coloniais, com

esporádicas intervenções políticas e milhares - a uma política deliberada que levará à constituição de

Impérios e a uma nova partilha do mundo, deve ser compreendida à luz das próprias transformações por

que passava o capitalismo.

O mundo colonial Nos meados do século XIX, pouco restava dos antigos Impérios mercantilistas. Somente a Grã-Bretanha

permanecia como a grande potência marítima e "imperial", embora procurasse evitar, até 1874, novas

anexações, salvo as escalas da Índia (no Mediterrâneo oriental, na rota da Índia pelo Cabo). O problema do

desemprego industrial permitirá, ao longo do século, uma acentuada emigração para as colônias de

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povoamento (Canadá, Cabo, Austrália, Nova Zelândia), que não tardarão a adquirir uma relativa autonomia.

Nas Antilhas e na Guiana, ela mantém o sistema tradicional de colônias. A partir de 1874, após a primeira

crise de superprodução do sistema industrial, toma corpo o movimento imperialista na Inglaterra. Com a

ascensão dos conservadores (a Rainha Vitória é coroada Imperatriz da Índia por Disraeli), a campanha por

uma Greater Britain canta as glórias (e a carga) da missão civilizadora do homem branco (Kipling,

Chamberlain).

Na Ásia, em nome da defesa da Índia, ela anexa a Birmânia e a Malásia. Na África Oriental, apodera-se do

Quênia, de Unganda, com o objetivo proclamado de defender as fontes do Nilo e garantir a proteção do

Canal de Suez; ocupa,, ainda, o Egito, o Sudão, Chipre a Somália; na África Ocidental, instala-se na Costa

do Ouro e na Nigéria; na África do Sul, anexa o interior da Colônia do Cabo, através de Cequim Rhodes,

surgindo, assim. as Rodésias; em 1902, após a guerra contra os Boers, antigos colonos holandeses,

conquista o Transvaal e Orange. Em 1910, outorga o estatuto de Domínio ao Canadá, à Austrália, à Nova

Zelândia e à África do Sul.

Às vésperas da I1 Guerra Mundial, o Império Britânico era extremamente rico e poderoso. Ele se

estendia sobre um quarto da população do planeta e dominava a produção mundial de arroz, cacau, chá, lã,

borracha, estanho, manganês, ouro, níquel, juta, açúcar, carvão, cobre e, ainda, o petróleo do Oriente Médio.

Controlava 15% da produção mundial de trigo, carne, manteiga, algodão, ferro e aço. Parecia impartível e

imperecível, embora pesasse sobre ele uma nuvem de preocupação: 85% dos seus 500 milhões e habitantes

eram, constituídos de populações "indígenas" (negros, indianos, amarelos).

Já o Império Colonial Francês, menos espetacular do que o inglês, foi produto e uma expansão mais

rápida e concentrada no tempo. Em 1815, só lhe restavam vestígios do antigo império mercantilista:

Martinica, Guadalupe, Guiana, dois entrepostos quase abandonados no Senegal, a Ilha de Reunião, cinco

feitorias na Índia. A partir de 1830, anexa Argel, cuja conquista se fará lentamente, e Libreville, no Gabão.

De 1850 ;m diante, ingressa na competição pelas colônias. Em 1939, estende-se sobre 13 milhões de

quilômetros quadrados e possui 110 milhões de habitantes. Era esse o império que tornara a França uma

potência mundial. Nesse momento, 25% do comércio exterior era formado pelas importações e exportações

coloniais seus principais pontos de dominação eram os seguintes:

na África do Norte: Argélia, com 8 milhões de habitantes, dos quais perto de um milhão de

franceses residentes e colonos; a Tunísia e o Marrocos na categoria de Protetorados;

o Saara, espraiando-se para o sul, até o golfo da Guiné, e mais além, até as proximidades do Congo;

essa África negra dividia-se, para fins administrativos, em duas Federações: África Ocidental

Francesa e África Equatorial Francesa, além dos mandatos da Sociedade das Nações, Togo e

Camarões (ex-colônias alemãs);

no Oceano Índico Madagascar;

no Pacífico, a Indochina Francesa (Anam, Laos, Camboja, Cochinchina e Tonquim); na Oceania, Nova

Caledônia, além de pequenas ilhas esparsas (Taiti, por exemplo).

AA RREEPPÚÚBBLLIICCAA BBRRAASSIILLEEIIRRAA

VISÃO GERAL O período republicano pode hoje ser dividido em cinco fases:

Primeira República ou República Velha (1889-1930);

Era Vargas (1930-1945)

Governo Provisório (1930-1934);

Governo Constitucional ou Segunda República (1934-1937);

Estado Novo (1937-1945).

Populismo ou Terceira República (1946-1964)

Regime Militar (1964-1985);

Redemocratização ou Quarta República Logo depois da proclamação da República, o cenário político passou a ser dominado por uma luta entre

centralistas e federalistas para conquistar o poder. Os centralistas, na maioria militares liderados pelo

marechal Deodoro, inspiravam-se no positivismo, preconizavam um Estado forte e tinham o apoio da elite

agrária. Os federalistas dispunham de bases civis, que representavam as forças políticas e econômicas dos

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Estados, especialmente dos mais ricos, Minas e São Paulo. Eles defendiam a descentralização do governo e

a instalação de um regime federativo, controlado pelo Congresso.

Os dois primeiros governos foram militares, mas após a afirmação do novo regime, os cafeicultores

paulistas, detentores do poder econômico, conseguiram dominar também a política.

A partir do governo de Prudente de Moraes (1894-1898), Minas e São Paulo passaram a controlar o

governo central, com a conhecida política 'café-com-leite'.

A superprodução do café e a política de valorização do produto geraram uma crise econômica, agravada

pela quebra da Bolsa de Nova York, em 1929. A situação piorou com a ruptura dos acordos entre os

políticos que controlavam o país desde a proclamação da República.

Nas eleições de 1930, os paulistas decidiram quebrar a tradicional alternância do 'café-com-leite',

apresentando um outro paulista, Júlio Prestes, para suceder Washington Luís, quando seria a vez dos

mineiros.

Minas uniu-se, então, ao Rio Grande do Sul e à Paraíba, formando a Aliança Liberal, que recebeu o

apoio das elites agrárias, dos militares e de setores da classe média urbana. O gaúcho Getúlio Vargas foi

escolhido candidato à presidência, com o paraibano João Pessoa como vice. Depois de uma campanha que

mobilizou todo o país, em março, Júlio Prestes venceu as eleições, mas não chegou à presidência porque

em outubro estourou a Revolução de 30, levando Vargas ao poder.

A Era Vargas foi marcada pela gradual elevação da intervenção do Estado na economia e na

organização da sociedade, além da grande centralização do poder. Este período só terminou em 1945, com

a deposição de Getúlio, e pode ser dividido em três etapas: governo provisório (1930-34), governo

constitucionalista (1934-37) e Estado Novo (1937-45).

A participação do Brasil ao lado das forças democráticas durante a Segunda Guerra Mundial

enfraqueceu o governo de Vargas. Com isso, vários setores políticos e econômicos passaram a lutar pelo

fim da ditadura e no dia 29 de outubro de 1945 ele acabou deposto.

Com a queda de Vargas, a eleição para a Assembléia Constituinte e para presidente, o país voltou à

democracia. Este período, conhecido como a Segunda República, vai até 1964 e foi marcado pelo

fortalecimento do populismo nacionalista, pela consolidação dos partidos com ideário nacional, pela

agitação social e pela rápida expansão econômica, especialmente no governo de Juscelino Kubitschek

(1956-60). Com a renúncia de Jânio Quadros, em 25 de agosto de 1961, instalou-se uma crise política que

culminou com o golpe militar de 30 de março de 1964, afastando João Goulart da presidência.

Entre esta data e janeiro de 1985 o Brasil foi governado por regime militar. O cenário político passou a

ser dominado pelo autoritarismo, supressão das liberdades constitucionais e censura dos meios de

comunicação. Por outro lado, na economia, ocorreu uma rápida modernização e diversificação da indústria

e dos serviços, apoiada numa política de concentração de renda, endividamento externo e abertura para o

capital estrangeiro. A institucionalização da correção monetária transformou a inflação numa forma de

financiamento do Estado. Este conjunto de fatores agravou mais ainda as grandes desigualdades

econômicas e sociais do povo brasileiro.

A eleição de Tancredo Neves para a presidência da República, em janeiro de 1985, colocou um fim no

regime militar e deu início ao processo de redemocratização. Mesmo com a escolha indireta, o novo

presidente foi aclamado com entusiasmo pela população. Tancredo, no entanto, adoeceu na véspera da

posse e morreu sem assumir o governo. No seu lugar foi empossado o vice, José Sarney, que governou até

1989.

Nesta data, depois de quase 30 anos, o povo votou diretamente para presidente, elegendo Fernando

Collor de Mello, que assumiu em 1990. Dois anos depois, com um inédito processo de impeachment,

Collor foi afastado do governo. Itamar Franco, seu vice, assumiu a presidência até 1994, quando ocorreram

novas eleições, com a vitória de Fernando Henrique Cardoso.

UNIDADE I – A REPÚBLICA VELHA E A SUA CRISE: UM REFLEXO DA CRISE DO CAPITALISMO MUNDIAL NO BRASIL.

A REPÚBLICA VELHA (1889-1930)

Introdução.

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Definição Conceitual - República: sistema de governo em que o supremo poder é exercido, durante

tempo limitado, por um ou mais indivíduos eleitos pelo povo.

A instalação do sistema republicano no Brasil, como já vimos, foi feita sem a participação popular,

liderada pela aristocracia rural cafeeira e pelos militares.

A amizade que o marechal Deodoro da Fonseca devotava ao imperador suscita algumas dúvidas a

respeito de suas reais intenções ao assumir o comando das tropas e tomar o quartel-general. Pretendia ele

realmente acabar com a monarquia ou apenas forçar a mudança do ministério, isto é, modificar a orientação

governamental sem contudo derrubar o regime? Parece certo que o marechal Deodoro foi, de alguma

maneira, envolvido pelos acontecimentos. Os defensores da causa republicana, como os militares Benjamin

Constante Sólon Sampaio Ribeiro, teriam convencido o velho e doente marechal a tomar a decisão final

como única alternativa possível para evitar uma revolução, prenunciada pelas aclamações republicanas de

militares e civis concentrados no Campo de Santana.

O fato é que, no dia 16 de novembro de 1889, o Diário Oficial estampou a notícia da proclamação da

república e da organização do Governo Provisório. Na verdade, além de pequenos incidentes, não houve

reação à proclamação da república. Também não houve grandes manifestações populares de apoio. 0 povo

ficou distante, alheio ao que se passava. Isso se deve ao fato de o movimento republicano ter resultado

principalmente da ação de grandes proprietários, que tinham interesse em ocupar o poder por meio do

regime republicano. 0 exército foi utilizado como força capaz de derrubar a monarquia, especialmente por

sua insatisfação com o governo.

O regime mudou, mas o Brasil continuou sendo um país dominado pelo latifúndio e pelo imperialismo.

O capitalismo era agrário, subordinado, atrasado e selvagem.

A proclamação da República foi articulada pelos partidos republicanos, unidos aos militares de

tendência positivista. Mas, logo que objetivo foi atingido, ocorreu uma cisão entre os "republicanos

históricos", que defendiam o federalismo, e os militares, que desejavam fortalecer o poder central.

O período republicano no Brasil pode ser dividido em cinco fases, quiçá:

A República Velha (1889-1930);

O Estado Novo (1930-1945);

O Período Populista (1945-1964);

O Regime Militar (1964-1985);

A Redemocratização, ou Nova República (1985-até os dias de hoje).

O Governo Provisório Proclamada a República, formou-se o Governo provisório com o Marechal Deodoro da Fonseca como

chefe do governo. O Governo Provisório, cuja presidência coube ao marechal Deodoro da Fonseca, tratou

logo de organizar o novo regime. Passou a governar por decretos-lei (atos legislativos do Poder Executivo),

até que fosse promulgada a nova constituição, pois a de 1824 deixara de vigorar comi a proclamação da

república.

Uma das primeiras medidas do Governo Provisório, ainda no dia 16 de novembro foi o banimento da

família imperial, que deixou o Brasil na madrugada do dia 17. Esse ato seria revogado em 1921, quando os

restos mortais do imperador e de sua esposa foram trazidos para a catedral de Petrópolis. As outras medidas

foram: a instituição do regime federativo; transformação das províncias em Estados Federados; mudança do

nome do país para Estados Unidos do Brasil; grande naturalização; separação entre o Estado e a Igreja;

instituição do casamento e do registro civil; dissolução da Câmara de deputados e do senado; convocação

de uma Assembléia constituinte.

O Encilhamento. Entre todas as medidas adotadas pelo governo Provisório, destaca-se o Encilhamento, que se caracteriza

por se tratar de uma política emissionista, dividindo o Brasil em zonas e autorizando a cada uma delas um

banco emissor, localizados na Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul.

O objetivo desta medida era, além de suprir a falta de moedas necessárias para o pagamento dos

assalariados, era também expandir o crédito a fim de estimular a criação de novas empresas, visando a

industrialização. Mas a emissão desenfreada de papel-moeda acarretou uma inflação incontrolável, e ao

invés de aumentar o meio circulante e estimular a criação de empreendimentos que promovessem a

produtividade do país, resultou em uma grande especulação.

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A Constituição de 1891. A primeira Constituição Republicana inspirada no modelo norte-americano e aprovada pela Assembléia

Constituinte tinha as seguintes características: República Representativa Federativa Presidencialista; a

existência de três poderes (executivo, legislativo e o judiciário); direito de voto reservado aos maiores de 21

anos, com a exceção de mulheres, analfabetos, soldados e padres; voto descoberto; subsolo pertencente ao

proprietário do solo; confirmação da separação entre o Estado e a Igreja; liberdade de Culto religioso.

A República da Espada

A eleição do Marechal Deodoro da Fonseca A Assembléia Constituinte, após a elaboração da Constituição, transformou-se em Congresso Nacional,

encarregado de eleger o primeiro presidente da república. Candidatos: Deodoro da Fonseca (Presidente) e

Eduardo Wandenkolk (vice-presidente) contra Prudente de Morais (Presidente) e Floriano Peixoto (vice-

presidente).

O Congresso Nacional, mesmo contrário a Deodoro é coagido a elegê-lo. Prudente de Morais, que tinha

a maioria do Congresso e é derrotado. mas seu vice Floriano Peixoto é eleito.

Deodoro não pode governar com um Congresso que lhe era hostil. Para contrabalançar busca apoio dos

governos, mas contra ele atuou o mais poderoso estado - São Paulo - e o mais poderoso partido - o PRP

(Partido Republicano Paulista).

Em 03 ele novembro de 1891, sem levar em conta a proibição constitucional, Deodoro fechou o

Congresso e decretou estado de sítio para neutralizar qualquer reação e tentar reformar a Constituição, no

sentido de ampliar os poderes do Executivo.

O golpe ele estado fracassou. As oposições tanto de militares quanto de civis cresceram. Elementos da

Marinha ameaçavam bombardear o Rio de janeiro caso o Presidente não renunciasse (a 1ª Revolta da

Armada). Pressionado e temeroso de tinia guerra civil, Deodoro renuncia e assume o vice Floriano Peixoto.

O Governo de Floriano Peixoto (1891-1894) - 0 Marechal de Ferro Os primeiros atos de seu governo foram a anulação do decreto que dissolveu o Congresso Nacional, a

derrubada dos Governos estaduais que haviam apoiado Deodoro, o controle da especulação de gêneros

alimentícios através de seu tabelamento. Tais medidas desencadearam violentas reações contra Floriano.

Para agravar ainda mais a situação, muitos políticos alegavam que sua presidência era ilegal, já que o

artigo 42 da Constituição dizia que, se por qualquer causa um presidente se ausentasse do poder nos

primeiros dois anos (o que aconteceu com Deodoro), novas eleições deveriam ser realizadas. Assumindo a

Presidência sem convocar eleições, Floriano estava no poder de forma inconstitucional.

Contra as pretensões de Floriano, treze generais e almirantes do Exército e da Marinha lançaram um

manifesto (abril de 1892), exigindo a imediata realização elas eleições presidenciais, como mandava a

Constituição. Floriano reagiu afastando os oficiais da ativa e reformando-os.

A Revolta da Armada A firmeza ele Floriano em não convocar novas eleições frustrou os sonhos do contra almirante Custódio

de Melo, que ambicionava a presidência. E assim, por uma questão de pura lealdade pessoal, e não por

razões políticas e ideológicas. as Forcas Armadas dividiram-se. Custódio foi levado a liderar uma rebelião

que sublevou grande parte ela Armada (1893).

A Revolução Federalista do Sul A luta pelo poder colocava frente a frente as duas maiores facções de grandes proprietários de terras do

Rio Grande do Sul. De um lado os federalistas ("maragatos"), que exigiam uma reforma na Constituição do

estado e a implantação do Parlamentarismo. De outro os "pica-paus"-, apoiados por Floriano, que queriam a

centralização. A revolta tornou-se violenta, ganhando características ele guerra civil. o Partido Republicano

("maragatos") se uniu à Armada rebelde de Custódio, avançando até o Paraná, através de Santa Catarina.

Contra as rebeliões armadas, Floriano reagiu energicamente graças ao apoio do Exército e do Partido

Republicano Paulista.

Fortalecido pelas campanhas contra os rebeldes, Floriano consolidou seu poder e passou a ser conhecido

por Marechal de Ferro.

Por essa razão, supunha-se que ele não passaria o poder a seu sucessor, mas tentaria instaurar uma

ditadura. Ante essa possibilidade, articulou-se o Partido Republicano Paulista que representava os

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interesses da burguesia cafeeira de São Paulo, apresentando seu próprio candidato: o fazendeiro Prudente

de Morais.

A REPÚBLICA OLIGÁRQUICA?

PRUDENTE DE MORAIS (15/11/1894 – 15/11/1898). Prudente de Morais foi o primeiro civil eleito presidente do Brasil e representava, justamente, os setores

agrícolas ligados à produção e comercialização do Café. Foi o primeiro de uma série de fazendeiros de café

que exerceram a presidência e, além da grave crise econômica, enfrentou a Guerra de Canudos.

Com a burguesia cafeeira paulista no poder, terminava o período da República da Espada e iniciava a

República Oligárquica, formada pelos grandes proprietários rurais de cada estado, que assumia o controle

completo da nação, sob a hegemonia da burguesia cafeeira paulista.

Durante o seu governo, procurou atingir dois objetivos principais. O primeiro foi a recuperação da

economia, que ainda sofria as conseqüências da crise provocada pelo Encilhamento, através da

revalorização da agricultura e das boas relações com o capitalismo internacional. O segundo objetivo foi

conseguido em duas partes: a pacificou o sul do país concedendo anistia aos revoltosos da chamada

Revolução Federalista.

Neste sentido, podemos dizer que no seu governo o Brasil manteve-se agrário, monocultor, latifundiário

e exportador de produtos primários, o que fez que o país, continuasse subordinado economicamente ao

capital estrangeiro.

Campos Sales (15/11/1898 – 15/11/1902) Outro grande fazendeiro paulista, Manuel Ferraz de Campos Sales foi vaiado ao deixar a presidência da

República. A razão da vaia foi sua política econômica, que havia tornado mais difícil a vida da população.

Juntamente com seu ministro da Fazenda, Joaquim Murtinho, Campos Sales acreditava que a origem dos

problemas econômicos do país era a moeda desvalorizada, Ao mesmo tempo que procurou fazer a

valorização da moeda, Campos Sales renegociou nossa dívida externa através de um acordo chamado

funding loan, segundo o qual os credores concederam novos prazos para o pagamento dos empréstimos. As

exigências dos banqueiros para assinar o acordo foram pesadas, mas o presidente brasileiro aceitou-as,

vendo nelas a única maneira de sanear a moeda.

Campos Sales achava que a política era um privilégio das elites, gente que tinha tradição, posses,

dinheiro. Formulou sua política com base nas elites minoritárias estaduais, as oligarquias que controlavam

os governos dos estados. Era a chamada política dos governadores, que consistia numa troca de favores

entre o governo federal e os governos estaduais: os governos dos estados apoiavam o presidente,

principalmente sua política econômica, e ele concedia tudo o que os governos estaduais pediam. Uma

“democracia” sem povo, contra as classes médias e os trabalhadores.

Logo de início, suspende o auxílio à indústria, mantendo o Brasil especializado na exportação de

produtos agrícolas e importando bens de todo tipo. Meta econômica que era apoiada pelas potências

industrializadas.

Com ele, vingava a velha e enganadora tese: "O Brasil essencialmente agrícola".

Quando Campos Sales assume a presidência, a situação financeira do país era crítica: inflação, queda

brusca do preço do café nos mercados internacionais. Com o objetivo de restaurar as finanças da república,

o seu Ministro da Fazenda, Joaquim Murtinho, negociou com banqueiros estrangeiros o Funding Loan:

renegociação da dívida externa brasileira. O Brasil teria direito a 10 milhões de libras. Os juros da dívida só

começariam a ser amortizados dali a três anos. O pagamento elas dívidas teria um prazo de 13 anos para se

iniciar e 63 anos para se liquidar.

O governo recolheria e queimaria a quantidade de moeda referente ao valor do empréstimo (baixar o

índice da inflação). A garantia de pagamento correspondia a toda a renda da alfândega do Rio de janeiro, às

receitas da Estrada de Ferro Central do Brasil e do serviço de abastecimento de água do Rio de Janeiro.

A política dos governadores A "política dos governadores" de 1898 a 1902, correspondeu ao mandato de Campos Sales, que foi o

mecanismo pelo qual a oligarquia cafeeira se impôs e foi montada. Tratava-se da política dos governadores,

que consistiu em adaptar a república aos interesses dos fazendeiros de café; mais do que isso, em ajustar o

federalismo de modo a propiciar o domínio nacional aos grandes estados e dos grandes partidos

republicanos: o paulista e o mineiro.

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No plano institucional, essa questão se refletia na oposição entre o legislativo e o Executivo e nas

relações conflitivas entre o poder central e o poder estadual. Campos Sales procurou atacar o problema de

frente. Não desejando atuar com um Congresso Nacional hostil, buscou a fórmula pela qual obteria o seu

apoio. Essa fórmula chamava-se "política dos governadores" e consistia no seguinte: o presidente da

República apoiaria, com todos os meios a seu alcance - através da Comissão de Verificação - , a

oligarquia dominante de cada estado; em troca, essa mesma oligarquia garantiria a eleição, para o

congresso, de candidatos oficiais.

A Comissão de Verificação Formada por deputados, fazia o reconhecimento dos poderes, isto é, dava ao resultado das eleições o

caráter legal, oficial. O presidente da República podia, através da Comissão de Verificação, legalizar

qualquer resultado que conviesse às oligarquias estudais dominantes.

Rodrigues Alves (15/11/1902-15/11/1906) Francisco de Paula Rodrigues Alves foi mais um grande fazendeiro do café, também de São Paulo, a

ocupar a Presidência. Mas seu governo foi considerado progressista: além de entregar ao sucessor a

economia como a recebera, com as finanças estabilizadas, Rodrigues Alves modernizou o Rio de janeiro,

alargando praças, construindo avenidas, melhorando o porto; com a colaboração de Osvaldo Cruz erradicou

quase completamente a febre amarela da capital federal; comprou o Acre. Dinheiro não faltava, pois sua

presidência coincidiu com o apogeu do ciclo da borracha.

Afonso Pena (15/11/1906-14/06/1909) Mineiro, Afonso Augusto Moreira Pena assumiu a presidência com o apoio dos fazendeiros e

exportadores de café. Embora sonhasse com a industrialização do Brasil, esqueceu rapidamente tais sonhos

e empenhou-se a fundo na valorização do café. Assim, iniciou uma política de compra e retenção do café

pelo governo para forçar a alta dos preços do produto, como veremos adiante.

Outras iniciativas importantes do governo de Afonso Pena foram as ligações ferroviárias São Paulo-Rio

Grande do Sul e Rio de Janeiro-Espírito Santo, o estímulo à imigração, a fundação do Instituto

Soroterápico de Manguinhos (depois, Instituto Osvaldo Cruz).

Nilo Peçanha (14/06/1909-15/11/1910) Afonso Pena morreu antes do término do seu governo, assumindo a presidência o vice-presidente Nilo

Procópio Peçanha. Este, além de criar o Serviço de Proteção ao índio (SPI), entregando a direção ao

coronel Cândido Rondon, presidiu a uma acirrada campanha eleitoral, em que se defrontaram o marechal

Hermes da Fonseca e o civilista Rui Barbosa. Acabou vencendo o Militar, que estava mais entrosado com

os interesses dos fazendeiros de café, apesar de Rui Barbosa haver conquistado o eleitorado urbano, que

desejava reformas econômicas e políticas. Contra o coronelismo, ninguém podia!

Hermes da Fonseca (15/11/1910-15/11/1914) Apesar do apoio das oligarquias estaduais e de grupos militares, Hermes Rodrigues da Fonseca teve um

governo bastante tumultuado. Insultado e ridicularizado pela imprensa e pelo anedotário popular, que o

colocava no extremo oposto de Rui Barbosa, “o homem mais inteligente do Brasil”, o marechal Hermes

enfrentou a revolta dos marinheiros contra os castigos físicos e a Guerra do Contestado, no Sul do país. Em

seu governo, a instabilidade política e a decadência da borracha da Amazônia provocaram a retração dos

capitais estrangeiros.

Venceslau Brás (15/11/1914-15/11/1918) Venceslau Brás Pereira Gomes governou durante a Primeira Guerra Mundial, que trouxe como

conseqüência a queda temporária das importações e um pequeno surto industrial, para substituir os

produtos que deixaram de vir do exterior. Além de diversas brigas pelo poder em vários estados, que

chegaram a ter dois governos cada um (Rio de Janeiro, Espírito Santo, Alagoas e Piauí) e da continuação da

Guerra do Contestado, Venceslau Brás enfrentou greves de trabalhadores em todos os estados do Sul, a

seca de 1915, que foi arrasadora, e a gripe espanhola - conseqüência da guerra - que matou 18 mil pessoas

só na capital federal.

Delfim Moreira (15/11/1918-28/07/1919)

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Em 1918 foi eleito novamente Rodrigues Alves, que adoeceu e morreu antes de tomar posse, vítima da

gripe espanhola, que levou à morte cerca de trezentos mil brasileiros. Assumiu o vice-presidente, Delfim

Moreira, que governou até que fossem feitas novas eleições. Saiu vencedor Epitácio Pessoa, senador da

Paraíba, que as oligarquias do Sul lançaram e apoiaram com todo o seu peso contra Rui Barbosa, que

voltara a se candidatar e tornou a perder.

Epitácio Pessoa (28/07/1919-15/11/1922) Epitácio da Silva Pessoa deu especial atenção ao Nordeste, onde foram construídos, em seu governo,

205 açudes, 220 poços e 500 quilômetros de estradas de ferro. Entretanto, a situação do Nordeste continuou

a mesma, e as aparentes tentativas de solução de problemas, como o da seca, por parte do governo, não

produziram resultados. Ainda hoje, para os grandes proprietários rurais a seca chega a ser fonte de renda,

pois recebem ajuda governamental, empréstimos a juros baixos e incentivos fiscais.

Os últimos meses do governo de Epitácio Pessoa foram particularmente agitados, pois Artur Bernardes,

apesar da forte oposição em meios militares e civis, conseguiu ser eleito presidente da República.

Artur Bernardes (15/11/1922-15/11/1926) O governo de Artur da Silva Bernardes transcorreu inteiramente sob estado de sítio, em meio a

constantes agitações e revoltas políticas, que levaram o próprio Bernardes a afirmar, após deixar o cargo:

“Como presidente da República, eu fui apenas um chefe de polícia”.

O presidente conseguiu convencer o Congresso a reformar a Constituição de 1891, fortalecendo o Poder

Executivo, limitando o Habeas-Corpus e facilitando a expulsão de estrangeiros considerados perigosos. 0

alvo principal eram os trabalhadores estrangeiros, que estavam organizando o meio operário em busca de

melhores salários e melhores condições de trabalho.

Washington Luís (15/11/1926-24/10/1930) Washington Luís Pereira de Sousa preocupou-se em construir estradas e reformar as finanças.

Entretanto, a situação econômica e política não estava boa. O descontentamento era generalizado, mesmo

entre as Forças Armadas, onde muitos jovens oficiais, alguns exilados em razão das revoluções anteriores,

julgavam que a corrupção era o principal problema do regime e se dispunham a combatê-la.

Situação Econômica da República Velha

Café: a Política de Valorização do Café (o Convênio de Taubaté) Durante a República Velha, o Brasil continuou a ser um país agrário, extremamente dependente do café.

Contudo, em 1895, houve uma crise estrutural do café: crise de superprodução. Ou seja, a oferta era maior

do que a procura, o que ocasionara uma queda no preço, afetando diretamente os produtores.

A solução encontrada pelos fazendeiros de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro foi firmar um

acordo para valorização do produto, era o Convênio de Taubaté (1906) que determinava: controlar a

produção, evitando a expansão de novas lavouras; controlar o mercado de café, obrigando o governo a

comprar e reter o produto quanto necessário, para forçar seus preços; buscar empréstimos internacionais

para financiar a compra dos estoques.

Este convênio trouxe sérios problemas para a economia nacional, pois inibiu o surgimento de novas

indústrias e a diversificação da economia, além de gerar um crescimento astronômico de nossa dívida

externa.

O Convênio de Taubaté foi a primeira intervenção do Estado republicano na Economia, mas em favor

das oligarquias cafeicultoras.

Borracha Enquanto o café se expandia, surgiu o segundo produto mais importante na pauta de exportação

brasileira. Os índios já usavam a borracha, produzida do látex extraído da seringueira, para fazer calçados,

bolas, utensílios. A indústria a descobriu 1770, quando fabricou as primeiras borrachas para apagar lápis. A

partir de 1890, com o aumento da produção de automóveis, a matéria prima dos pneus (pneumáticos)

ganhou importância. A produção do Brasil, dono da maior reserva de seringueiras do mundo, passou de 31

toneladas em 1827 para a média anual de 34 000 toneladas entre 1901 e 1910, chegando ao máximo em

1912: 42 000 toneladas, ou quase 40% da exportação total do país.

Essa explosão trouxe à Amazônia luxo e riqueza para os seringalistas e doenças e miséria para os

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seringueiros. A população, de 476 000 habitantes em 1890, subiu para 1100 000 em 1906. Em 1912, veio a

derrocada, rápida e avassaladora.

A forma de exploração da borracha explica sua decadência: avançou em etapas, do Pará ao Acre. Ali se

deu um episódio que merece ser mencionado. 0 Acre pertencia à Bolívia desde 1777. Em 1903, brasileiros

chefiados por Plácido de Castro venceram tropas bolivianas enviadas contra eles e proclamaram a

independência do Acre. A gravidade da situação tinha um componente especial: a Bolívia havia arrendado

a exploração da borracha na região para a empresa americana Bolivian Syndicate. Rodrigues Alves mandou

o Exército ocupar a região e propôs um tratado à Bolívia. 0 Barão do Rio Branco conduziu as negociações.

Pelo Tratado de Petrópolis, a Bolivian Syndicate recebeu 110 000 libras esterlinas; a Bolívia, 2 milhões,

mais a ferrovia Madeira-Marnoré, tudo pago pelo Brasil. E assim, o Acre tornou-se brasileiro.

A exploração da borracha, tal como se dá até hoje, era rudimentar. No meio da floresta, extraísse da

seringueira o látex, que se defuma e enrola, para ser entregue ao seringalista. O trabalhador recebe um

salário magro e, ao fim de certo tempo, ele acumula dívidas no barracão e acaba preso ao patrão. A forma

primitiva de exploração acarreta baixa produtividade a custo elevado.

Os ingleses, no fim do século XIX, levaram mudas de seringueiras para suas colônias de Ceilão e

Singapura. O resultado seria desastroso para nós. Já em 1919 o mundo produziria 423 000 toneladas de

borracha; desse total, caberiam 382 000 ao Oriente e apenas 34 000 ao Brasil. E o que restou foi uma

Amazônia arruinada.

Cacau O cacau, também nativo da América e durante o período colonial a maior riqueza da Amazônia, fixou-

se no sul da Bahia. Dali, chegou a sair mais de 90% da produção brasileira. Seguindo a regra geral da

dependência externa, a produção cresce paralelamente ao desenvolvimento da indústria ao aumento do

consumo de chocolate na Europa e nos Estados Unidos.

A exportação tomou impulso a partir de 1880 mesma época do início do ciclo da borracha Nesse ano, a

exportação foi de 1 668 toneladas quantia que dobrou no fim da década e cresce em progressão quase

geométrica, atingindo as 6 526 toneladas em 1925. Mas aconteceu com cacau a mesma coisa que havia

acontecido com a borracha. Os ingleses repetiram a receita, agora na Costa do Ouro, África, que tomou o

primeiro lugar da produção mundial, com 40% do total Assim, em 1935, enquanto a Costa do Ouro

exportou 260 000 toneladas, restou ao Brasil um modesto segundo lugar, com apenas 100 00 toneladas.

Açúcar Substituído nos mercados externos por concorrentes em melhores condições, o açúcar teve pouca

expressão nesse período. A média anual exportada de 133 000 toneladas na década de 1891-1900 baixou a

62 000 em 1911-1920. 0 Nordeste tentou substituir o mercado externo pelo interno, vendendo para o Sul.

Mas as crises do café levaram São Paulo a dedicar-se também à cana; e a produção paulista passou de 96

000 sacas de açúcar em 1894 para mais de 1 milhão em 1930. A situação das velhas regiões produtoras do

Nordeste se agravou.

A produção começou a ser limitada a partir de 1933 e, depois, controlada pelo Instituto do Açúcar e do

Álcool (IAA) que passou a distribuir cotas de produção entre as regiões, além de controlar os preços.

A crise gerou a concentração da produção em grandes empresas; as modernas usinas substituíram os

velhos engenhos. Os fornecedores de cana perderam importância, pois as usinas passaram a ter produção

própria, e não raro se viram obrigados a vender suas terras ao novo senhor do açúcar, o usineiro.

Atividades industriais O número de fábricas passou de pouco mais de 600 em 1889 para 3 258 em 1907. Cresceu cinco vezes

nos primeiros dezoito anos de República. Um terço das indústrias ficava no Distrito Federal; outro terço se

dividia entre São Paulo e Rio Grande do Sul. 0 setor têxtil ocupava o primeiro lugar, seguido pelo

alimentício.

Ainda na Primeira República, São Paulo se tornaria o maior centro industrial do país, com cerca de 40%

da produção, graças a três fatores importantes: rendas da lavoura cafeeira; a habilitação técnica do

imigrante; abundância de energia hidráulica.

A primeira usina elétrica paulista, com capitais ingleses, belgas e franceses, começou a funcionar em

1901.

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A I Guerra Mundial daria grande impulso à indústria. Dos 13 336 estabelecimentos existentes em 1920,

nada menos que 5 936 haviam sido fundados durante o conflito. A substituição de importações é apontada

como principal causa da explosão industrial,' pois, com a guerra, muitos produtos pararam de chegar ao

país.

Ao mesmo tempo, os países litigantes precisavam de mais e mais alimentos, estimulando nova indústria,

a de carne congelada. 0 Brasil, que nem vendia carne antes da guerra, exportou 60 509 toneladas em 1918.

A conseqüência direta foi que a indústria de alimentos passou para o primeiro lugar em 1920.

O Movimento Operário Nas primeiras décadas da República, o movimento operário brasileiro refletia o que acontecia na Europa.

0 imigrante europeu divulgava as idéias de organização e, num primeiro momento, liderou as lutas dos

trabalhadores. O movimento operário foi mais intenso em São Paulo e nos Estados do Sul, que

concentraram o grosso da imigração e da industrialização.

Claro que, apesar da influência européia, o sindicalismo brasileiro tratou de adaptar-se a nossas

condições. Os líderes logo perceberam que lutavam aqui por coisas que os europeus já haviam conquistado

fazia muito tempo. As primeiras greves se voltaram contra os baixos salários, a excessiva jornada de

trabalho (de até 16 horas), as péssimas condições de trabalho das mulheres e dos menores de idade. Havia

comícios e passeatas na tentativa de atrair a simpatia da população para as reivindicações. Ficaram famosas

na São Paulo de 1910-1920 as marchas dos grevistas de bairros distantes, como lpiranga ou Mooca, rumo

ao Largo da Concórdia, no Brás, ou à Praça da Sé, no centro. O movimento de 1917 teve um aspecto

curioso: grevistas paulistas e cariocas procuravam convencer os soldados de que também eram povo e

explorados. Eles tentavam repetir o que havia acontecido na Rússia, quando tropas czaristas aderiram aos

revolucionários de outubro de 1917.

Este ano foi mesmo especial para o movimento operário em todo o mundo: a Revolução Russa criava o

primeiro país socialista da História. No Brasil, as greves se intensificaram. Pela primeira vez houve uma

greve geral, em São Paulo. Participaram todas as categorias profissionais. 0 comércio fechou; os transportes

pararam; o governo não conseguiu dominar o movimento pela força e chegou a abandonar a cidade. Os

grevistas comandaram São Paulo durante um mês. A greve só terminou quando jornalistas e deputados

serviram de intermediários e o governo prometeu atender às reivindicações sem punir os trabalhadores. A

promessa não foi cumprida.

Em 1920, para 500 000 operários existentes no país, havia mil sindicatos, o que mostra o espírito de luta

e de organização dos trabalhadores. A questão social sempre tinha sido considerada "questão de polícia": os

governantes consideravam a greve não um direito, mas um crime contra a pátria. Os grevistas eram presos e,

quando imigrantes, expulsos do país. A partir de 1907, quando saiu a primeira Lei de Expulsão do

Estrangeiro, a luta operária se voltou também contra a deportação de seus líderes mais experientes.

Os anarquistas imigrados da Europa exerceram papel decisivo nesses movimentos. Lembremos que, já

na revolta contra a vacina obrigatória em 1904, a bandeira deles tremulou nas manifestações. Uni fato

bastaria para dar idéia de sua intensa atuação para a organização dos trabalhadores: circularam 334 jornais

anarquistas durante a República Velha. Período em que também veio do Velho Mundo um dos principais

impactos sobre a economia do país: a I Guerra Mundial, gestada justamente enquanto a República brasileira

lutava para se consolidar.

O Coronelismo Apesar da Proclamação da República, a democracia representativa era uma farsa. 0 povo não escolhia

ninguém. Quem mandava eram os coronéis.

O predomínio do localismo - base do coronelismo - teve suas raízes no período colonial, quando várias

unidade se relacionavam diretamente com a metrópole, ignorando por completo os laços geográficos que as

prendiam no mesmo espaço.

O Coronel, no Império, era um título concedido pela Guarda Nacional. Com o tempo, mas sobretudo

após a mudança de regime e o fim da Guarda, coronel passou a significar latifundiário, o grande

proprietário rural, que dominava a política e a economia do município ou da região. Em geral ele resolvia

as disputas pela força das armas. Vencia quem tivesse mais jagunços, mais armas e mais disposição para a

briga.

A maior parte da terra se dividia em grandes propriedades, os latifúndios. Colonos, meeiros e posseiros

não tinham terras. Dependiam do coronel para tudo: plantar, ir ao médico e até aprender a ler e escrever. O

coronel tinha com a população de sua área um compromisso total, em todos os planos: no econômico: a

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sobrevivência dependia da boa vontade do coronel, que mandava em tudo; no social: o coronel chefiava a

grande família, formada por toda a população dependente dele; era protetor, juiz, compadre, padrinho,

organizador das festas, conselheiro; no político: dono da área, o coronel controlava os votos de seus

protegidos, que iam para quem ele mandasse; eram os votos de cabresto ou de curral.

O coronel controlava médicos, advogados, professores, padres. Os grupos formados pelos principais

coronéis regionais e por suas famílias constituíam as oligarquias estaduais, que dominavam os governos

dos Estados. No Ceará, por exemplo, durante anos dominou a família Acioli. Em certa ocasião, sendo

Nogueira Acioli presidente do Estado e José Acioli secretário do Interior, contavam-se dezenas de parentes

deles em cargos de destaque - desde deputados, senadores e comandantes militares até funcionários dos

Correios, da Higiene Pública ou da Inspeção Veterinária.

Essas oligarquias trocavam favores com o governo federal, por sua vez nas mãos de alguma oligarquia

estadual. Nove dos onze presidentes eleitos até 1930 representavam São Paulo ou Minas Gerais.

Em troca de votos para a oligarquia dominante no Estado, o coronel local conseguia dinheiro para

realizar obras no município. Em troca de votos para a oligarquia que dominava o governo federal, as

oligarquias estaduais recebiam dinheiro para obras no Estado. Era um sistema de compromisso.

Democracia não passava de uma palavra falada pelos "doutores".

A lei eleitoral sempre estimulou o voto secreto. Entre 1896 e 1916, o eleitor podia optar pelo voto a

descoberto. De um ou de outro jeito, a fraude era a regra geral. Os jornais publicavam as cédulas, para cada

eleitor recortar a de seu candidato. Mas o comum era a cédula ser entregue já fechada aos eleitores, que os

cabos eleitorais acompanhavam até a boca da urna. Entre as fraudes mais comuns, podemos destacar: os

correligionários votavam mais de uma vez, usando títulos de pessoas ausentes ou mortas, com conivência

das mesas, já que o título não continha a foto do eleitor; os mesários rasuravam as atas, escritas a bico-de-

pena, raspando-as com canivete ou lixa; através do bico-de-pena falsificava-se assinaturas (o que se

percebia quando eram encontrados erros ou grafias diferentes - é inadmissível que a pessoa escreva errado

seu próprio nome - ou quando se encontravam grupos de assinaturas nitidamente traçadas pelo mesmo

punho; livros novos a cada eleição (os livros deveriam ser usados até que se esgotassem suas páginas); isto

permitia o "esguicho", modalidade do bico-de-pena: conhecidos os números parciais de uni distrito eleitoral,

trocava-se o livro para que, numa conta de chegar, a nova ata contivesse o número de votos corretos.

Por toda parte, muitos candidatos ganharam eleições a bico-de-pena, longe dos olhares dos fiscais e dos

eleitores.

As Rebeliões da República Velha Ao abolir o trabalho escravo no Brasil, a elite não tocou no grande propriedade agrária. Ou seja,

manteve intacta a estrutura do Latifúndio. A situação social do camponês não se alterou. Com o

agravamento das dificuldades econômicas, ele teve de se contorcer para se manter vivo. Muitos não

aceitaram esta situação e rebelaram-se. Outros, serviram como massa de manobra nas mãos de fanáticos

religiosos.

Enquanto as oligarquias se mantinham no poder graças a eleições fraudadas, onde estava o povo? A

maioria vivia em estado de extrema pobreza, sem terra e sem garantias de vida.

No Nordeste, a situação era pior; calamidades naturais agravavam a miséria decorrente da estrutura

latifundiária. A seca dos dois setes (18771879) matou 300 000 nordestinos. Muitos se uniam para saquear e

assaltar, formando bandos de cangaceiros, assunto de um de nossos próximos capítulos. Outros se reuniam

em torno de um beato, um homem santo, para esquecer os males deste mundo ou mesmo lutar contra as

autoridades, que aplicavam "a lei do diabo". Embora tivessem apoio episódico de coronéis, uns e outros

foram massacrados pelas oligarquias e pelas forças do governo.

As principais revoltas que ocorreram na República Velha, foram:

a Guerra de Canudos (1893-1897);

a Revolta da Vacina (12 a 115 de novembro de 1904)

a Guerra de Contestado (1912-1916);

a Revolta da Chibata (1910);

O Cangaço (1870-1938).

A Guerra de Canudos (1893-1897)? "Em 1896, há de rebanhos mil correr da praia para o sertão; então o sertão virará praia e a praia virará

sertão".

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A profecia de Antônio Conselheiro foi colhida por um então jovem repórter: Euclides da Cunha. Seu

testemunho sobre a Guerra de Canudos está no livro "Os Sertões".

O cearense Antônio Vicente Mendes Maciel, Antônio Conselheiro, cedo conheceu a dureza da vida. Sua

família foi perseguida por latifundiários, perdeu o pai ainda jovem, teve de abandonar os estudos

eclesiásticos, fracassou corno pequeno comerciante, a mulher o abandonou.

Em fins da década de 1860 foi para o norte da Bahia e começou a pregar. Reuniu em torno de si um

número crescente de fiéis, muitos deles expulsos de suas terras pelos coronéis. Em 1893, dá-se o primeiro

choque com a polícia: Antônio queimou os editais de cobrança de impostos municipais, determinada pelo

governo federal.

Perseguidos, ele e seus seguidores se refugiaram em Canudos. De 1893 a 1897, 30 000 sertanejos,

liderados por Conselheiro, viveram em comunidade, plantando e criando rebanhos.

No sertão nordestino da época, centenas de milhares de pessoas buscavam trabalho em vão. As fazendas

empregavam pouca gente e, quando precisavam de reforço, iam às feiras de trabalhadores e escolhiam os

mais fortes. Pagavam baixos salários. Canudos passou a ser o paraíso. Rebanhos, pastagens e colheitas

pertenciam a todos. Não havia patrões nem empregados, ricos nem pobres. As feiras de trabalhadores

desapareciam; iam todos para junto de Conselheiro.

A destruição de Canudos tornou-se ponto de honra para as oligarquias e o governo federal: além de

idéias religiosas, Conselheiro pregava mensagens políticas. Ele atacava o governo republicano por ter

separado Igreja de Estado e ter instituído o casamento civil; queria a volta da Monarquia. Ainda por cima,

os milhares de seguidores lhe obedeciam cegamente, inclusive na hora de votar.

Foram necessárias quatro expedições militares para derrotar Canudos. A primeira, com cem homens

comandados por um tenente, foi vencida em violento corpo-a-corpo. A imprensa baiana noticiava: "os

sertanejos são bárbaros"; "Conselheiro, monarquista". Na verdade, ele estava contra a República porque a

culpava pelo estado de miséria do povo.

A segunda expedição, com 250 homens comandados por um major, partiu triunfante e voltou arrasada:

perdeu mais de cem soldados.

Prudente de Morais, indignado, encarregou de uma expedição definitiva, com forças federais, o coronel

Moreira César - famoso por crueldades praticadas contra os federalistas em Santa Catarina.

Escondidos nas grutas, nas pedras, nos arbustos, buscando o corpo-a-corpo, os sertanejos transformaram

a batalha num "salve-se-quem-puder". Os poderosos canhões lá ficaram, ao lado do corpo de Moreira César.

Para o governo federal, era vergonhoso. Mobilizou então 7 000 homens, com três generais no comando

e o ministro da Guerra em pessoa dirigindo as operações. Preparou-se a opinião pública: o Exército ia

salvar a República. Em 24 de setembro de 1897, Canudos estava cercada. Foram dez dias de lutas, homem

a homem. Estas são palavras de Euclides da Cunha sobre o fim de Canudos, em 5 de outubro:

"Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a história, resistiu até o esgotamento completo.

Expugnado palmo a palmo, na precisão integral do termo, caiu no dia 5, ao entardecer, quando caíram seus

últimos defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança,

na frente dos quais rugiam raivosamente cinco mil soldados"?.

A Revolta da Vacina (12 a 14 de novembro de 1904)? 0swalaldo Cruz, diretor da Saúde Pública do Rio de Janeiro, do governo de Rodrigues Alves, havia

jurado acabar com a febre, a peste bubônica e a varíola. O jovem médico contrariou a maioria ao perseguir

os mosquitos da "febre amarela". O povo, influenciado pela oposição e mal informado, impedia a ação dos

mata-mosquitos.

Com a varíola, a briga tornou-se séria. O governo decretou a vacina obrigatória; seus adversários

alegaram que ele não podia obrigar ninguém a vacinar-se e, mais, que a vacinação de mulheres era um

despudor. O povo passou a agredir os vacinadores e o Rio se transformou em campo de batalha. De 12 a 15

de novembro de 1904, os populares tomaram conta da cidade; apedrejaram, saquearam, espancaram

policiais e outras autoridades, invadiram quartéis, construíram barricadas e incendiaram bondes. Os líderes

eram homens do povo: Pata Preta, João Capoeira, Beiço de Prata, Manduca. Comícios, passeatas, bandeiras

vermelhas dos anarquistas, tudo ao embalo de dois hinos: a Marselhesa, da Revolução Francesa, e a

Internacional, dos socialistas.

No meio do caos, os oposicionistas tentaram sublevar os militares para derrubar Rodrigues Alves. Não

conseguiram. A polícia começou a agir. Centenas de pessoas foram desterradas para o Acre. Milhares

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confinadas nas cadeias. Anarquistas estrangeiros foram expulsos do país. 0 historiador Joel Rufino dos

Santos, em sua História do Brasil, observa que, é claro, o povo não tinha enlouquecido, nem a revolta se

devia simplesmente à vacina obrigatória. E relaciona as razões da "estranha rebelião": a insuportável

carestia, por causa da política econômica de Campos Sales; o desemprego, em razão da crise comercial e da

política anti-industrial do governo, que levou muitas fábricas a fechar as portas; a falta de democracia,

conseqüência da política dos governadores: a oposição só podia manifestar-se nesses momentos de

violência; a modernização do Rio, que trouxe a demolição de cortiços e desabrigou milhares de pessoas

humildes, obrigando-os a subirem para os morros; a campanha antivariólica, imposta com violência e sem

esclarecimento popular.

A Guerra de Contestado (1912-1916)? Quinze anos depois da morte de Conselheiro, começou no Sul do país uma guerra que tinha

semelhanças com a de Canudos. Ocorreu numa região de limites duvidosos, com territórios contestados por

Paraná e Santa Catarina, daí o nome: Guerra do Contestado. Envolveu cerca de 20 000 sertanejos e durou

quatro anos, de 1912 a 1916, com combates quase ininterruptos.

O problema de terras era grave na região. Os coronéis pressionavam os agregados a sair das fazendas e

estabelecer-se por conta própria, mas quase não havia terras públicas. Além disso, havia a ferrovia São

Paulo - Rio Grande do Sul. A construção tinha sido concedida ao empresário americano Percival Farquhar,

em meio a denúncias de corrupção. O capitalista, dono da Brazil Railway Company, estivera envolvido em

atrocidades na construção da famosa Madeira - Mamoré, na Amazônia. Vários fatos viriam então somar-se

para aumentar a revolta da população local: a companhia construtora, por interferência dos coronéis,

conseguiu do governo a propriedade de uma faixa de 30 quilômetros de cada lado da estrada; a população

da área foi expulsa; os operários, que chegaram a 8 000, recrutados entre desempregados e desocupados

dos grandes centros, ficaram abandonados à própria sorte quando acabou a construção; uma subsidiária da

Brazil Railway comprou 180 000 hectares no território contestado, expulsou os moradores e implantou a

maior madeireira da América Latina, voltada apenas para a exportação.

A revolta causada se aliou à religiosidade do povo, e os numerosos monges da região exploraram a

situação com fins religiosos e políticos. Ao contrário de Canudos, não havia uma personalidade mística

central. 0 monge José Maria foi apenas um dos muitos da época e morreu logo no começo do conflito. Mas

o messianismo tinha tradição na região. Os monges não eram ligados à Igreja. Eram beatos e profetas

populares.

José Maria era contra a República, a "lei do diabo", porque nela via a razão dos males porque passavam.

Era a favor do Reino Milenarista, que muitos identificavam com a Monarquia, mas que não passava de um

mundo em que vigoraria a lei de Deus, com terra para todos, paz, prosperidade e justiça.

Mas, para justificar a guerra, os coronéis e o governo federal acusaram o monge de monarquista. As

tropas agora dispunham até de pequenos, aviões de reconhecimento, contra combatentes armados de facões,

foices e outras armas rudimentares. Em quatro anos, morreram milhares de pessoas, inclusive crianças,

mulheres e velhos; e os sertanejos do Contestado foram derrotados.

A Revolta da Chibata (1910)? Os castigos corporais na Marinha, abolidos com a Proclamação da República, haviam voltado um ano

depois. Faltas leves eram punidas com prisão e ferro na solitária, a pão e água. Faltas graves, com 25

chibatadas. A revolta explodiu em 22 de novembro de 1910. Os marinheiros assumiram o controle sobre

importantes navios da Marinha de Guerra. Mataram alguns oficiais que resistiram ao movimento e

passaram a exigir o fim dos castigos e de outros aspectos aviltantes de sua condição, ameaçando

bombardear o Rio de Janeiro, sede do governo.

Pressionado, Hermes da Fonseca cedeu: aboliu os castigos e concedeu anistia aos revoltosos. Eles

depuseram as armas e entregaram os navios aos oficiais, em 26 de novembro. Dois dias depois, sentiram na

carne que tipo de anistia tinham recebido: o marechal Hermes baixou decreto excluindo-os da Marinha por

indisciplina. Em 4 de dezembro, foram presos 22 marinheiros. No dia 9, o governo decretou estado de sítio,

prendeu mais uma centena e expulsou outros.

Muitos morreram. Dezesseis, de sede, calor e sufocamento em cela subterrânea da Ilha das Cobras;

nove, fuzilados durante viagem que conduzia 105 desterrados para a Amazônia. 0 chefe da revolta, João

Cândido, sobreviveu à Ilha das Cobras e foi internado como louco no Hospital dos Alienados. Todos foram

absolvidos em novembro de 1912.

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O Cangaço, ou o Banditismo Social. O Cangaço existiu no nordeste brasileiro durante cerca de setenta anos, de 1870 a 1940. Surgiu como

reflexo das péssimas condições de vida dos nordestinos e do poder centralizado e autoritário do Coronel,

que era o dono da situação e exercia um poder muito grande sobre as pessoas.

Entretanto, muitos desses Coronéis brigavam entre si, disputando o domínio sobre uma determinada

região. Para essas lutas, esses chefes rurais formavam bandos de jagunços para lutar em seu favor. Mas,

além de jagunços, havia também o "cabra" ou cangaceiro manso, um morador comum que, para poder

trabalhar na terra se comprometia a defender sempre o seu coronel.

A palavra Cangaço vem de "canga", peça de madeira que prende os bois ao carro ou ao arado. Portanto,

podemos dizer, por extensão, que ela significa a submissão do cangaceiro ao coronel. E se encaixa naquilo

que os historiadores denominam de Banditismo social?. De acordo com o Historiador Eric Hobsbawm,

afirma que o Banditismo "surge em sociedades rurais em desagregação rurais em desagregação, contra o

avanço do capitalismo, que age como força destruidora de um universo tradicional". Nessas sociedades, de

acordo com o Historiador J. J. Arruda (1987) "o lento ritmos das mudanças não acompanha as

transformações econômicas geradas pela industrialização. Os laços familiares e os valores mais

tradicionais tendem a resistir por mais tempos às influências do mundo moderno".

Contudo, no final do século XIX a situação no nordeste brasileiro modificou-se. Conheceremos uma

aumento da produção algodoeira, o encarecimento da terra e, conseqüentemente a vida dos pobres ficou

mais difícil. Foi, justamente, nesta época que surgiram os bandos de cangaceiros independentes de coronéis

e que passaram a agir em vários pontos do nordeste. No início esses bandos surgiram para assaltar para

poderem adquirir alimentação e, também, para lutar contra as injustiças de alguns coronéis. Os bandos mais

famosos surgiram durante a grande seca de 1877-1879, quando morreram de fome e de sede mais de

300.000 nordestinos, sendo que no Ceará morreram mais de 60.000 (a população daquele estado na época

era de aproximadamente 800.000 hab. e mais de 600.000 cabeças de gado)

Os bandos de cangaceiros eram conhecidos pelos nomes dos seus chefes. O primeiro foi João Calangro.

Depois veio Jesuíno Brilhante. Em seguida, na passagem do século, surgiu Antônio Silvino, o "Governador

do Sertão". Os cangaceiros costumavam distribuir parte do que saqueavam aos pobres, por isso eram

perseguidos pela polícia, embora fossem queridos pela população, que muitas vezes os escondiam.

O principal bando de cangaceiro foi o de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião - o Rei do Cangaço.

“Virgulino Ferreira – Uma breve Biografia do Rei do Cangaço”? 28 de julho de 1938. Chega ao fim a trajetória do mais popular cangaceiro do Brasil. Virgulino Ferreira

da Silva, o Lampião, foi morto na Grota do Angico, interior de Sergipe. Por sua inteligência e destreza,

Lampião até hoje é considerado o Rei do Cangaço. Virgulino Ferreira da Silva nasceu em 1897, na comarca

de Vila Bela, região do Vale do Pajeú, Estado de Pernambuco. Dos 9 irmãos, Virgulino foi um dos poucos

a se interessar pelas letras. Freqüentava as aulas dadas por mestres-escolas que se instalavam nas fazendas.

No sertão castigado por secas prolongadas e marcado por desigualdades sociais, a figura do coronel

representava o poder e a lei. Criava-se desta forma um quadro de injustiças que favorecia o banditismo

social. Pequenos bandos armados, chamados cangaceiros, insurgiam-se contra o poder vigente e

espalhavam violência na região. Eram freqüentes, também, os atritos entre famílias tradicionais devido às

questões da posse das terras, às invasões de animais e às brigas pelo comando político da região.

Num desses confrontos, o pai de Lampião foi assassinado. Para vingar a morte do pai, entre outros

motivos, Lampião entra para o cangaço, por volta de 1920. A princípio segue o bando de Sinhô Pereira.

Mostrando-se hábil nas estratégias de luta, assume a chefia do bando em 1922, quando Sinhô Pereira deixa

a vida do cangaço. Lampião e seu bando vivem de assaltos, da cobrança de tributos de fazendeiros e de

"pactos" com chefes políticos. Praticam assassinatos por vingança ou por encomenda. Pela fama que

alcança, Lampião torna-se o "inimigo número um" da polícia nordestina. Muitas são as recompensas

oferecidas pelo governo para quem o capture. Mas as tropas oficiais sempre sofrem derrotas quando

enfrentam seu bando. Como a polícia da capital não consegue sobreviver no sertão árido, surgem as

unidades móveis da polícia, chamadas Volantes. Nelas se alistam os "cabras", os "capangas" familiarizados

com a região. As volantes acabam tornando-se mais temidas pela população do que os próprios cangaceiros.

Além de se utilizarem da mesma violência no agir, ainda contam com o respaldo do governo. Lampião

ganha fama por onde passa. Muitas são as lendas criadas em torno de seu nome. Por sua vivência no sertão

nordestino, em 1926, o governo do Ceará negocia a entrada de seu bando nas forças federais para combater

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a Coluna Prestes. Seu namoro com a lei dura pouco. Volta para o cangaço, agora melhor equipado com as

armas e munições oferecidas pelo governo.

Em 1930, há o ingresso das mulheres no bando. E Maria Déia, a Maria Bonita, torna-se a grande

companheira de Lampião. Em 1936, o comerciante Benjamin Abraão, com uma carta de recomendação do

Padre Cícero, consegue chegar ao bando e documenta em filme Lampião e a vida no cangaço. Esta

"aristocracia cangaceira" , como define Lampião, tem suas regras, sua cultura e sua moda. As roupas,

inspiradas em heróis e guerreiros, como Napoleão Bonaparte, são desenhadas e confeccionadas pelo

próprio Lampião. Os chapéus, as botas, as cartucheiras, os ornamentos em ouro e prata, mostram sua

habilidade como artesão. Após dezoito anos, a polícia finalmente consegue pegar o maior dos cangaceiros.

Na madrugada do dia 28 de julho de 1938, a Volante do tenente João Bezerra, numa emboscada feita na

Grota do Angico, mata Lampião, Maria Bonita e parte de seu bando. Suas cabeças são cortadas e expostas

em praça pública. Lampião e o cangaço tornaram-se nacionalmente conhecidos. Seus feitos têm sido

freqüentemente temas de romancistas, poetas, historiadores e cineastas, e fonte de inspiração para as

manifestações da cultura popular, principalmente a literatura de cordel. E nos versos de um poeta popular

desconhecido, sua lenda se propaga: "Seo Virgulino Ferreira, conhecido Lampião, Muito fala que é

bandido, o Imperador do Sertão”.

PRESIDENTES DO BRASIL DE 1889 A 1930

PRESIDENTE

MANDAT

O ACONTECIMENTOS

Marechal Deodoro

da Fonseca

1889/1891 Incompatibilidade entre o Executivo e o

Legislativo; promulgação da Constituição de

1891; concessão de nacionalidade brasileira aos

estrangeiros residentes no Brasil.

Marechal Floriano

Peixoto

1891/1894 Repressão dos últimos movimentos anti-

republicanos (a Revolta da Armada e a Revolução

Federalista no Sul); consolidação definitiva do

regime republicano no Brasil.

Prudente de

Moraes

1894-1896 Primeiro Presidente Civil; grande pressão

econômica devido ao Encilhamento; Revolta de

Canudos;

Campos Sales 1898/1902 Recuperação Econômica do Brasil (Funding

Loan); início de uma política deflacionária;

surgimento da política dos governadores.

Rodrigues Alves 1902/1906 Reformas Administrativas e modernização do

país; saneamento do Rio de Janeiro; introdução da

vacina obrigatória contra a varíola; deslocamento

definitivo do eixo econômico para a Região

centro-sul do país;

Afonso Pena

Nilo Peçanha

1906/1909

1909/1910

Primeira Conferência Mundial da Paz (Haia);

instituição do serviço militar obrigatório; criação

do serviço nacional de proteção ao índio e a

campanha civilista

Hermes da

Fonseca

1910/1914 Levantes oposicionistas em Pernambuco, Bahia,

Amazonas e Ceará; Revolta do Contestado e

reformas do ensino dando amplos poderes para as

escolas.

Wenceslau Brás 1914/1918 Declaração de Guerra do Brasil à Alemanha;

promulgação do Código Civil Brasileiro; reforma

eleitoral; epidemia da gripe espanhola.

Delfim Moreira 1918/1919 Política de Ajuda ao Nordeste

Epitácio Pessoa 1919/1922 Recenseamento Geral do País; realização da

Semana de Arte Moderna; Revolta do Forte de

Copacabana

Artur Bernardes 1922/1926 Decretação do Estado de Sítio (o Estado de Sítio

implicava a suspensão dos direitos e garantias

individuais, prisão arbitrária, intervenções

violentas e repressão policial)

Washington Luís 1926/1930 Último Governo da República Velha; construção

da Rodovia Rio-São Paulo, rompeu com a política

do Café-com-leite e sofreu a Revolução de 1930,

liderada por Getúlio Vargas.

A CRISE DA REPÚBLICA VELHA, A REVOLUÇÃO DE 1930 E O PERÍODO DE VARGAS (1930-1945)

A crise da República Velha: uma crise geral do capitalismo. O início da Primeira Grande Guerra Mundial (1914-1918) abriu um longo ciclo de crises para o

capitalismo. A própria burguesia tomou consciência do estado anárquico do mercado, atribuindo a crise à

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falta de planificação da produção e da distribuição. Teve início, então, a radical crítica da economia liberal;

começou a se falar na crise do capitalismo, na catástrofe eminente do sistema, temendo-se cada vez mais a

ameaças revolucionárias e o exemplo da União Soviética, que se tornou o primeiro país do mundo a adotar

o socialismo enquanto modo de produção, com a Revolução Russa de 1917.

Nos Estados Unidos da América, a crise manifestou-se com a quebra da Bolsa de Valores de Nova York.

(A queda violenta dos preços das ações negociadas nas bolsas de valores é chamada de crash ou crack.

Isto pode significar falências, desemprego, recessão e outros sérios problemas sociais e políticos).

A partir do crack da Bolsa, a economia americana mergulhou numa grande depressão. A crise era de

superprodução. Os produtos foram se acumulando sem encontrar compradores. Por isso as fábricas e o

comércio despediam os trabalhadores gerando um alto índice de desemprego. Quanto maior o desemprego,

menor ainda se tornava o número de consumidores e mais grave ficava a depressão econômica. Os reflexos

da crise nos países europeus também foram graves, isto porque estes países possuíam um significativo

volume de capitais investidos em suas economias. Com as dificuldades econômicas dos Estados Unidos,

estes capitais foram gradativamente retirados da economica européia.

No Brasil a crise também se manifestou. Fábricas fechavam em toda a parte, ocorriam demissões em

massa e os salários despencavam. As cotações do café no mercado internacional iam por água abaixo.

Principal produto de nossa balança comercial, o café permanecia estocado (em virtude da Política de

Valorização do Café), sem compradores. O pânico se alastrava entre os cafeicultores; a fome e o

desemprego assombravam o povo.

Com estas crises que abalaram o sistema capitalista mundial, o liberalismo chegou no seu limite

máximo de reprodução, sendo incapaz de sanar os problemas inerentes ao próprio sistema. Tornar-se-ia

necessário mudar a orientação da economia para evitar um surto revolucionário mundial, liderado pelos

grupos comunistas e influenciado pela consolidação da vitória da Revolução na Rússia. Assim, a saída

encontrada para a crise do capitalismo mundial apontava para a intervenção do Estado na economia,

justamente o contrário do que preconizava o liberalismo (um dos princípios do liberalismo era,

precisamente, a não intervenção do Estado da economia). O primeiro exemplo efetivo de intervenção do

Estado na economia veio dos Estados Unidos, a partir de um conjunto de medidas intervencionistas

adotadas pelo governo norte-americano que tinham como objetivo acabar com a crise, gerando mercado e

reduzindo o desemprego estrutural. Este conjunto de medidas ficou conhecido como New Deal e inaugurou

a fase dirigista do governo dos EUA na economia. O New Deal. Este plano coube ao democrata Franklin

Roosevelt, que derrotou os republicanos, árduos defensores do liberalismo.

Com o New Deal, o Estado passou a dirigir a economia, investindo maciçamente em obras públicas com

o objetivo de gerar empregos e, consequentemente, mercado consumidor; em reformas sociais (aumentando

significativamente, por exemplo, o salário; ampliação dos seguros sociais); eliminou o espírito de poupança,

gerada pela crise monetária; ampliou o crédito para o consumo; reduzindo os preços dos produtos agrícolas,

entre outras medidas de dinamização do mercado.

A partir de então, o capitalismo liberal foi abandonado pelas economias mundiais, e crescendo cada vez

mais o grau de intervenção do Estado na economia e nos planos sociais. O exemplo da moderna civilização

ocidental passou a ser o modo de vida dos americanos: o american way of life. Altos edifícios, automóveis,

residências em série, aparelhos domésticos. As diferenças sociais diminuíam: o crédito permitia a todos

comprar carro ou casa. Rádio, cinema e a indústria do lazer se desenvolveram.

Movimento Modernista e Tenentista. No início dos anos 20, a insatisfação contra o domínio político, econômico, social e cultural da elite

cafeicultora contaminou setores da classe média que expressou a sua insatisfação de inúmeras maneiras,

entre elas destaca-se o Movimento Modernista e o Tenentista.

O Movimento Modernista O movimento modernista foi a expressão cultural da reação da classe média contra as estruturas

oligárquicas.

Em 1922, organizou-se em São Paulo, a Semana de Arte Moderna – de 13 a 20 de fevereiro de 1920 – ,

um movimento cultural, que se manifestou nos diversos setores das artes (literatura, música, artes plásticas

etc.) cujo caráter revolucionário se expressava na proposta de libertar a nossa arte dos padrões europeus. A

Semana de arte moderna é uma ruptura com o servilismo aos moldes lusitanos de expressão e uma

incitação ousada à experimentação de formas brasileiras de linguagem fundada nas falas regionais e

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populares. É, também, um esforço deliberado e lúcido de busca de inspiração, tanto nas tradições indígenas

e negras como na realidade circundante, para a criação d uma arte genuinamente nacional.

Assim, um grupo de jovens intelectuais e artistas como Di Cavalcanti, Menotti Del Pichia, Mário de

Andrade, Tarsila do Amaral, Oswald de Andrade, entre outros chocavam a sociedade brasileira com suas

obras modernistas. Nesse movimento, foi possível retratar a situação de descaso em que se encontrava a

maior parte da população brasileira, o atraso econômico do país, a grande dependência estrangeira, os

problemas sociais (desigualdades sociais, preconceito, marginalidade, miséria, seca etc) o que possibilitou

o desenvolvimento do sentimento nacionalista.

A Semana de Arte Moderna, coincidindo com o centenário da Independência do Brasil, induzia a uma

reflexão: será que nesses 100 anos fomos, realmente, independentes?

O Movimento tenentista. O Movimento Tenentista foi a expressão dos jovens oficiais do exército contra as estruturas

oligárquicas.

Como a maior parte dos jovens, os tenentes eram idealistas e acreditavam que as Forças Armadas não

podiam ajudar a manter um regime político “corrupto”, como o que vigorava no país. Era necessário tomar

o poder e realizar reformas na sociedade brasileira.

Dessa forma, podemos dizer que o Tenentismo foi, então, um movimento político-militar que tinha os

seguintes objetivos:

moralização da administração;

ampla reforma político-eleitoral (adoção do voto secreto e criação de uma justiça eleitoral

autônoma);

severo controle econômico-financeiro sobre o país (combate à inflação, diminuição da dívida

externa etc);

reforma na educação pública. Entretanto, a este programa faltava, muitas vezes clareza e precisão, e se revelava, como podemos ver

nas reivindicação acima, num movimento nacionalista, liberal e reformista, comandado pelo Exército.

Podemos dividir as suas reivindicações em três blocos distintos:

a purificação do regime, estabelecendo a verdade eleitoral, ou seja, que as eleições fossem

capazes de captar a legítima vontade nacional, que o voto fosse secreto e que se eliminassem as

fraudes, a coação e a violência.

A estabilidade econômica, representada pelo rígido controle das finanças públicas, pela contenção

dos empréstimos no estrangeiro, com a consequente diminuição da dívida externa; pelo controle da

política cambial e das emissões, objetivando-se a contenção da inflação e a diminuição do custo de

vida;

A proteção governamental para todos os produtos nacionais, inclusive para os produzidos pela

indústria, acabando-se com o privilégio do setor cafeeiro. Os militares, como em 1889 (e como será posteriormente em 1937, em 1945 e em 1964) apresentar-se-

ão como a parte sã da sociedade, destinada a eliminar a corrupção dos grupos oligárquicos – os carcomidos

–, que se preocupavam apenas com os seus problemas, nada fazendo pelo país.

As lutas tenentistas iniciaram-se em 1922, com a Revolta dos 18 do Forte de Copacabana. Ela foi

liderada por 18 tenentes que, tomando o Forte de Copacabana, decidiram agir contra o governo e impedir a

posse do presidente Arthur Bernardes. O movimento foi duramente reprimido pelo governo e fracassou.

Apenas dois tenentes sobreviveram – entre eles o tenente Eduardo Gomes, mais tarde Brigadeiro e, por

duas vezes, candidato à presidência da República.

No dia 05 de julho de 1924, aniversário da Revolta dos 18 do Forte de Copacabana, eclodiu uma revolta

tenentista em São Paulo, liderada pelo general reformado Isidoro Dias Lopes. Depois de um mês de lutas na

cidades, os Revolucionários paulistas foram para o interior do estado, quando se juntaram com um outro

grupo revolucionário comandados pelo capitão de engenharia, Luís Carlos Prestes?, que vinham de Santo

Ângelo, no Rio Grande do Sul, e formaram uma coluna de revolucionários que ficou conhecida como

Coluna Prestes. Essa coluna percorreu praticamente todo o país, tendo sido perseguida até por cangaceiros

– inclusive o bando de Lampião – que atenderam a pedidos do governo federal. A Coluna Prestes, sem

conseguir, contudo, alcançar os seus objetivos, teve o seu fim na Bolívia.

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Em 1927, com a derrota da Coluna Prestes, as lutas tenentistas arrefeceram-se. O Tenentismo manteve-

se, porém, como a principal força de contestação ao regime e o fim deste resultou, sobretudo, da ação dos

jovens militares.

O movimento operário no Brasil dos cafeicultores. O desenvolvimento industrial brasileiro será o responsável pelo surgimento de novos atores no quadro

social do Brasil. Teremos o surgimento da classe média industrial e dos trabalhadores urbanos

(proletariado).

A formação do operariado brasileiro está intimamente ligado à imigração européia, e ao processo

abolicionista brasileiro.

Devido às péssimas condições de vida e de trabalho a que estavam submetidos os operários, foram

comuns os movimentos de protesto e reivindicação dessa classe, durante toda a República Velha.

Na República Velha, o operariado brasileiro aumentou sobremaneira devido à crescente urbanização e

às atividades industriais, uma vez que os serviços urbanos, principalmente os transportes e as fábricas,

passaram a recrutar um número cada vez maior de operários.

O proletariado urbano brasileiro, durante a República dos Cafeicultores teve a mesma sorte que os

operários de outros países quando o capitalismo estava se implantando: trabalhavam 14, 16 e até 18 horas

por dia, nas piores condições ambientais, sem qualquer proteção ou segurança contra os acidentes de

trabalho; não possuía estabilidade (admissão, demissão, descanso, licenças médicas, férias, maternidade,

paternidade) tudo ficava a critério dos patrões; os níveis salariais não passavam do mínimo necessário à

sobrevivência, mulheres e crianças não recebiam tratamento diferenciado. Acima de tudo, os trabalhadores

não tinham direito à atuação política, era-lhes vedado a livre associação: sociedades de auxílio mútuo,

sindicatos, ou quaisquer outras entidades deveriam ser controladas pelo governo ou pelo próprio

empresário.

Contudo, o operariado articulou-se e agiu politicamente. Chegou-se mesmo ao nível de organizações

partidárias vinculadas ao movimento operário, tais como o Bloco Operário e Camponês (BOC) e o Partido

Comunista do Brasil (PCB), fundado em 1922, e funcionando até os dias de hoje.

A partir de 1917?, em todos os grandes centros urbanos, a greve, o principal instrumento de ação

política dos operários – pois interrompe o processo produtivo –, foi fenômeno importante e constante.

Porém, foi violentamente reprimida assim como os comícios, as concentrações, as reuniões nas entidades.

Essas manifestações, apesar de terem sido tratadas como caso de polícia, ou precisamente por causa disse,

representaram abalos na organização republicana, os quais contribuíram para o desmonte do regime.

O movimento operário brasileiro, nessa primeira fase republicana, foi organizado a partir de entidades e

correntes ideológicas que procuravam articular os trabalhadores e dar organicidade às suas lutas.

Destacaram-se, nesse sentido, os anarquistas, os anarcossindicalistas e os socialistas, representados,

principalmente, por trabalhadores estrangeiros, notadamente italianos e espanhóis, que faziam parte dos

contigentes de imigrantes que haviam concentrado nos grandes centros urbanos do sul e sudeste do país.

Primeiros Movimentos grevistas no século XX.

Ano Descrição Local

1902 1ª Greve Rio de Janeiro

1903 Greve interprofissional Rio de Janeiro

1904 Greve dos Portuários Santos

1906 Greve dos Ferroviários São Paulo

1907 Greve pela redução da Jornada de Trabalho

São Paulo, Santos, Ribeirão Preto e Campinas

A crise de 1929 e o Brasil: o fim de uma era. No Brasil, o sistema político vigente à época da crise de 1929, baseava-se num acordo político firmado

entre os dois mais importantes estados da Federação. De um lado São Paulo, o maior produtor de café do

país, e por isso o Estado economicamente mais importante; do outro Minas Gerais, o estado mais populoso

e que destacava-se na produção de gado leiteiro. A esta aliança entre paulistas e mineiros, onde estabelecia-

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se uma alternância na indicação da presidência da República, deu-se o nome de Política do Café-com-

Leite.

Este acordo tinha como objetivo garantir o predomínio e a dominação político-econômica da oligarquia

produtora de café, colocando, efetivamente, a República brasileira a seu serviço. Esta Oligarquia utilizava-

se de todos os expedientes para garantir as suas vantagens e evitar prejuízos. Um exemplo disso foi o

Convênio de Taubaté, assinado em 1906, entre os “governadores” (naquela época os governadores eram

chamados de Presidente de Estado) Jorge Tibiriçá (SP), Francisco Sales (MG) e Nilo Peçanha (RJ). Este

acordo firmado, na cidade paulista de Taubaté, representava os interesses da Oligarquia cafeicultora,

estabelecia o seguinte:

os estados assumiam a obrigação de sustenta um preço mínimo por saca de café nos portos de

embarque;

o governo deveria comprar e reter uma parte da produção, o equivalente ao excesso sobre o

consumo mundial;

seriam feitos empréstimos internacionais, no valor de 15 milhões de libras-esterlinas para a

compra dos estoques. De acordo com o pesquisador Edgar Carone?, esta foi a “primeira intervenção estatal para proteger um

produto, obra de e para benefício de uma classe”. Esta Política de Valorização do Café – como também

ficou conhecido o Convênio de Taubaté – foi motivada pela queda do preço do café ocorrida nos primeiros

anos da República Velha, e a situação dos produtores de café ficou problemática. Assim, eles procuraram

estabelecer medidas que garantissem preços elevados para o seu produto, mantendo-se, assim, os seus

lucros.

Esta Política de Valorização do Café, trouxe sérios problemas para o desenvolvimento da economia

nacional, pois inibiu o crescimento industrial, haja vista que o governo não estava preocupado em investir

em obras de infra-estrutura que possibilitassem a instalação de mais indústrias em determinadas regiões.

Ora, o governo estava a serviço das oligarquias cafeeiras e não interessava-se, portanto, no

desenvolvimento industrial do país. Afinal, o nosso café garantiria o bem-estar do povo. Desta maneira,

todos os impostos arrecadados serviriam única e exclusivamente para garantir os altos lucros dos

cafeicultores.

Em 1929, entretanto, a crise mundial do capitalismo irá sucumbir as bases da Política de Valorização

do Café e a Política do Café-com-Leite. Com a crise do capitalismo, o nosso principal produto não

encontrará compradores na Europa e nos EUA. Os cafeicultores exigirão do Estado a compra de seus

estoques não vendidos no mercado internacional para garantir o preço do produto. Entretanto, não haverá

recursos no exterior para financiar tamanha compra.

Assim, de um lado a oligarquia cafeeira se desarvorou a pressionar o governo, no sentido de se

ampliarem os mecanismos de defesa dos seus altos lucros; do outro lado os setores urbanos –

principalmente o proletariado – que sofriam com a miséria e o desemprego, reagiram com greves gerais nos

principais centros urbanos, influenciados por idéias anarquistas e socialistas trazidas para o Brasil nas

consciências dos imigrantes europeus. O governo tentava auxiliar os cafeicultores com incentivos

financeiros; aos trabalhadores, o governo respondia com repressão, contribuindo, decididamente para um

clima favorável à revolta.

Em meio à crise econômica, agitou-se a questão sucessória do paulista Washington Luís, que já havia

sido aberta em 1927, quando o presidente, ao contrário do que se previa pela Política do Café-com-Leite,

insistiu na indicação de um outro paulista para sucedê-lo: Júlio Prestes, então presidente de São Paulo. Esta

postura irá levar à oligarquia mineira para a oposição, uma vez que o candidato natural seria o presidente de

Minas Gerais, Antônio Carlos de Andrada. Uma vez desarticulado a mais forte aliança oligárquica foi

possível a composição de um outro acordo político com o objetivo de derrotar São Paulo nas eleições. Este

acordo, agora envolvendo o Partido Republicano Mineiro (o partido da oligarquia mineira) o Rio Grande

do Sul – enquanto oligarquia dissidente – e a Paraíba, que representava a insatisfação dos estados

periféricos, denominou-se de Aliança Liberal, que reuniu também o Partido Democrático de São Paulo –

oposição ao Partido Republicano Paulista (PRP).

Assim, a Aliança Liberal lançou o nome de Getúlio Vargas (presidente do Rio Grande do Sul) e de

João Pessoa (presidente da Paraíba) à presidência e vice-presidência da República, respectivamente.

Podemos dizer que esta foi a única chapa que concorreu de igual para igual com a chapa da situação que

representava os interesses de São Paulo.

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A campanha oposicionista teve larga repercussão nos grandes centros urbanos, que aspiravam por

reformas, nos estados do nordeste, além de se impor em Minas Gerais e no Rio Grande do Sul. Os

Tenentes também apoiaram a chapa aliancista pois viam na vitória de uma candidato da oposição um

instrumento para a realização das reformas que eles julgavam necessárias para a salvação do país.

A eleição ocorreu em março, e o resultado, como sempre, apontou a vitória da situação, em virtude da

existência de uma Comissão de Verificação dos Diplomas dos Eleitos ou Comissão de Verificação dos

Poderes?. Vale lembrar que naquela época o voto não era secreto; o voto era controlado pelo Coronel da

região (veja nota 02), que evitava as “surpresas” eleitorais, utilizando-se dos mais diversos expedientes:

fraudes, assassinatos, chantagem etc. Era o que se chamava eleição no bico da pena, quando os coronéis

utilizavam do voto de cabresto para garantir o seu domínio político. Confira no quadro abaixo como

funcionava o sistema político-eleitoral na República Velha.

Sistema Político Eleitoral da República Velha.

Nível Federal

Política do Café-com-Leite ? união de Minas Gerais + São Paulo.

Troca de favores com as oligarquias de menor expressão.

Nível Estadual

Política dos Governadores.

Troca de favores entre os governadores e o governo federal

Nível Municipal

Pacto Coronelista.

Troca de favores entre os governos municipais e estaduais.

A vitória da chapa de Júlio Prestes nas eleições de 1930, soou estranho aos ouvidos das oligarquias

mineiras, gaúchas e nordestinas. Como uma chapa que tem o apoio do maior “curral” eleitoral do país

(Minas Gerais, com mais de 3,5 milhões de habitantes), o apoio da principal oligarquia de oposição (Rio

Grande do Sul) e das pequenas oligarquias nordestinas poderia perder as eleições? A fraude seria a resposta!

Entretanto, a Aliança Liberal aceitou o resultado das eleições, pois havia um pacto pré-estabelecido

entre os líderes das duas chapas de reconhecimento e de aceitação do resultado das eleições. Mas os

Tenentes não participaram deste pacto e propuseram uma saída revolucionária para a crise político-

econômico-social que se abatia sobre o Brasil. Alguns líderes tenentistas chegaram a procurar Getúlio

Vargas e outros líderes da Aliança Liberal para articular o movimento. Entretanto a resposta de João Pessoa

ilustra bem a “tradição conciliatória” da elite brasileira: “prefiro dez Júlio Prestes, a uma revolução”. O

clima de crise não pairava somente entre as oligarquias derrotadas no pleito de 1929, mas nos setores

urbanos, na classe média e, principalmente, entre os trabalhadores que respondiam com movimentos

grevistas cada vez mais fortes e organizados. O próprio Getúlio Vargas, percebendo o clima de insatisfação

entre o povo, percebe que não há mais saída institucional para a crise. Até o governador de Minas Gerais,

considerado um conservador, reconheceu o clima de descontentamento e chegou a afirmar que “façamos a

revolução, antes que o povo a faça”, num nítido sinal de preocupação com os ânimos da população e dos

tenentes

O clima de insatisfação aumentava entre os tenentes e alguns líderes da Aliança Liberal. No dia 26 de

julho de 1930, João Pessoa foi assassinado por João Dantas, inimigo político e pessoal, num crime

passional, em uma confeitaria em Recife (PE). O crime teve muito mais conotações pessoais que políticas.

A morte do candidato a vice-presidente na chapa da Aliança Liberal, desencadeou um verdadeiro clamor

revolucionário, muito propício às agitações tenentistas. No dia 03 de outubro de 1930 teve início o

movimento armado e revolucionário, partido do Rio Grande do Sul em direção à capital federal. Como o

apoio de Minas Gerais e de vários estados do nordeste, o movimento, depois de três semanas de combate,

saiu vitorioso. Em 24 de novembro de 1930, o presidente Washington Luís, aconselhado pelo cardeal do

Rio de Janeiro, entregou o poder a uma junta militar.

Getúlio Dornelles Vargas assumiu o poder, provisoriamente, em 03 de novembro de 1930, como

Delegado da Revolução, em nome do Exército, da Marinha e do Povo. Consolidou-se no poder e dominaria

a cena política brasileira durante os próximos 24 anos, até o seu suicídio em agosto de 1954, quando

ocupava a chefia do governo brasileiro pela segunda vez.

UNIDADE II - A CONFIGURAÇÃO DO ESTADO VARGUISTA.

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O significado da Revolução de 1930. O movimento revolucionário de 1930 contou com o apoio da maior parte da população do país.

Contudo, ele não pode ser considerado uma revolução popular.

Na verdade, ele foi comandado pelos tenentes e pelos representantes das oligarquias dissidentes,

derrotadas nas eleições de 1929, que se diziam porta-vozes dos novos interesses econômicos e sociais do

país. Como a mensagem de mudança trazida por eles interessava às camadas médias urbanas e aos setores

populares em geral – que estavam bastante descontentes com o tradicional sistema político oligárquico –

estes apoiaram o movimento.

Contudo, os rumos tomados pelo país, após o outubro de 1930, revelaram que o movimento

revolucionário, embora tivesse posto fim ao Estado Oligárquico, não atendeu às verdadeiras aspirações

populares. A revolução foi feita para impedir que o povo a fizesse.

Getúlio Vargas, ao assumir o poder em 1930, deixou claro que pretendia concentrar em suas mãos as

decisões políticas e econômicas do país, mesmo que, para isso, tivesse que enfrentar as poucas oposições

existentes. Assim, sendo, ele inicia seu mandato de chefe do executivo como verdadeiro ditador e vai

ampliando essa concentração de poderes durante toda a sua permanência na presidência até ser derrubado

em 1945.

Entretanto, Vargas, continuará dominando a vida política brasileira durante um bom tempo (ele voltará

à presidência nos “braços do povo” em 1950 e só largando depois de seu suicídio em 1954, cumprindo,

desta forma, a sua promessa de só deixar o poder depois de morto). O período que Vargas se manterá no

poder é denominado de “Construção e consolidação do Estado Populista”.

Podemos dividir o governo de Vargas em três grandes momentos:

Governo Provisório (1930-1934);

Governo Constitucional (1934-1937);

Estado Novo (1937-1945).

O Governo Provisório (1930-1934). Ao assumir o poder em 1930, Getúlio Vargas suspendeu a Constituição em vigor, fechou o Congresso

Nacional, as Assembléias Estaduais e Municipais, nomeou pessoas de sua confiança para o governo dos

estados, os chamados interventores, em geral, tenentes. Pretendia, assim, estabelecer um controle total

sobre o aparelho do Estado.

O novo governo pretendeu das ênfase a problemas sociais, urbanos e à industrialização, como deixou

claro ao criar os Ministérios do Trabalho, Educação, Indústria e Comércio. Estabeleceu, ainda, direitos

trabalhistas, como a limitação da Jornada de Trabalho, férias remuneradas de 15 dias, descanso semanal

remunerado, regulamentação do trabalho feminino e infantil etc. O trabalhismo foi uma das principais

marcas de seu governo.

Patrocinou uma política econômica que diminuísse os efeitos da crise mundial do capitalismo em 1929

sobre o setor agrícola de exportação. O Estado passou a comprar o excedente da produção cafeeira e a

destruí-lo (queimava, jogava nos rios etc.) buscando controlar a oferta e garantir o preço do produto no

mercado internacional. Entre 1930-1937 foram destruídas quase 80 milhões de saca de café. Além disso,

criou órgãos de proteção a outros gêneros agrícolas como o Cacau, Pinho, Mate, Álcool e outros.

A crise internacional de 1929, porém, na medida em que dificultava as importações, favorecia o

desenvolvimento industrial, pois se fazia necessário produzir internamento o que era difícil de se adquirir

no exterior, tratava-se da industrialização com base na substituição das importações, modernizando e

transformando o caráter da economia nacional.

Mas o Governo Provisório não parecia tão provisório assim. Getúlio Vargas demorava a convocar a

Assembléia Constituinte para dar novo ordenamento jurídico à vida nacional. Além disso, passada a euforia

inicial manifestaram-se as divergências entre os diversos grupos sociais.

Os esforços para a industrialização do Brasil quase sempre se chocaram com interesses de capitais

estrangeiros, mais precisamente com interesses da Inglaterra e dos Estados Unidos, que se emprenhavam

em manter o mercado nacional como escoadouro de suas manufaturas. O conflito recrudesceu depois da

Revolução de 1930, quando o governo de Getúlio Vargas, diante das dificuldades do balanço de

pagamentos e da crise geral do capitalismo, passou a intervir diretamente na economia tanto para regular as

relações de trabalho quanto para romper o bloqueio imposto pelos cartéis internacionais a setores básicos

da produção.

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O descontentamento pela demora na constitucionalização era mais notório em São Paulo, ali também

crescia a revolta dos fazendeiros de café, ansiosos por reconquistar a influência perdida. Em 09 de Julho de

1932, estourou a Revolução Constitucionalista de São Paulo?, comandada por Dias Lopes, com a ajuda do

Gal. Euclides Figueiredo. Em 70 dias de luta, as forças legalistas sufocaram a revolta. Alguns líderes foram

presos, outros exilados. Mesmo derrotados, os revolucionários parte dos objetivos, pois Getúlio Vargas,

convocou para o ano seguinte eleições para a Assembléia Constituinte.

1930: novos personagens entram em cena. Após a Revolução de 1930, foi formado uma nova configuração política em torno de Vargas. A rigor,

os grupos que se formaram após este movimento pode ser dividido em dois grandes blocos:

grupo daqueles que estavam mais diretamente empenhados na luta pelo poder;

grupo daqueles que, adotando posições radicais, se afastaram da luta pelo governo, por julgarem

que a verdadeira revolução brasileira ainda estava por ser feita. Assim, podemos dizer que o primeiro grupo era formado por blocos cujas propostas políticas não iam,

em geral, além de um reformismo, mais ou menos ampliado conforme o setor social que se considerasse.

Dentre esses grupos, destacaram-se os que haviam feito ou apoiado o movimento de 30 e que eram os

representantes do pensamento liberal-reformista, dos quais os principais porta-vozes eram os tenentes, que

se congregaram em torno do Clube 3 de outubro.

Ao contrário do que se poderia pensar, os Revolucionários não se apresentaram como um grupo

homogêneo, ou que pelo menos tivesse um projeto político claro. É preciso deixar claro que a Aliança

Liberal não era um partido com programa e metas definidas. Ela foi um mero arranjo circunstancial em

face da questão sucessória e havia sido desarticulada com a derrota eleitoral.

Assim, as ligações estabelecidas para se fazer o movimento de 30 não chegaram a dar ao grupo uma

unidade político-ideológico que orientasse os caminhos do novo governo.

Por outro lado, havia, ainda, aqueles que não tinham sido revolucionários, mas que estavam

descontentes com o regime e, por isso, tinham aceitado a entrega do governo a Getúlio Vargas: eram os

militares de alta patente e alguns setores empresariais (entre eles fazendeiros de café)

Não dispondo de uma proposta política clara a forma de luta desses grupos era tentar aproximar-se do

governo, ocupando as posições de influência, ou pressionar o poder acionando as máquinas políticas

estaduais que ainda não haviam sido desarticuladas.

A maior divergência verificada dizia respeito a volta à normalidade político-institucional: havia os que

pleiteava o estabelecimento de formas democráticas com a eleição de uma Assembléia Constituinte e os

que a isso se opunham (sobretudo os Tenentes), pois julgavam que a realização das eleições iria beneficiar

os antigos poderosos que embora tivessem sido afastados do governo, ainda possuíam o controle local das

instituições e do eleitorado.

O segundo bloco era formado por grupos radicais antagônicos, que eram os únicos que possuíam uma

proposta política global, que pressupunha uma concepção de sociedade e do processo histórico definida e

determinada. Os grupos eram: os comunistas e os integralistas.

Os comunistas constituíam-se no bloco mais antigo (fundado em 1922 – PCB). Sem adeptos,

consideravam que o movimento de 1930 e o governo por ele instalado representaram apenas as

contradições internas da burguesia e que, por isso, competia aos grupos da esquerda lutarem por uma

verdadeira transformação social e não entrarem nas disputas burguesas, fortalecendo este ou aquele setor.

Os integralistas era um grupo fascista organizado em 1932, sob a liderança de Plínio Salgado. Seus

adeptos adotaram o aparato simbólico do fascismo europeu: camisas verdes, desfiles, saudações pomposas

etc. Apelaram para a violência de rua contra grupos radicais de esquerda. Tinham uma concepção elitista da

sociedade brasileira e procuravam sensibilizar a classe média tentando convencê-la de que os problemas

econômicos (que eram mais claramente percebidos por esta classe) só teriam solução através de medidas

extremistas propostas pela direita.

1934: Uma nova Constituição para o País. A vitória das forças legalistas sobre tropas revoltosas em São Paulo surtiu o efeito esperado: enfim o

país voltaria à normalidade constitucional.

Entretanto, esta normalidade seria acompanhada de perto por Getúlio Vargas. Em 3 de maio de 1933

ocorreram as eleições para a formação de uma Assembléia Constituinte que ira estudar o ante-projeto de

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Constituição elaborada por uma comissão nomeada por Getúlio. Foram eleitos 250 deputados e 50

representantes de classe. A Assembléia tomou posse em 10 de novembro do mesmo ano.

A partir de 1933, os Tenentes – principal grupo contrário à constitucionalização do país –

enfraqueceram-se. Neste período o Tenentismo foi-se desagregando enquanto movimento. Não conseguira

transformar o Estado no seu partido, fracassara ou fora cortado nas tentativas de obter uma base social,

perdera forças no interior do Exército, onde ameaçava a hierarquia. Entre 1932 e 1933 vários interventores

tenentistas do Nordeste se demitiram. O Clube 03 de outubro, principal centro de organização dos

“tenentes”- tendeu a transforma-se em um “órgão doutrinário, livre de demagogia” - , como disse com

satisfação o general Góes Monteiro. Uma parte dos “tenentes subordinou-se ao governo Vargas,

participando do governo, enquanto outros foram engrossar os partidos de direita e de esquerda.

A Constituição de 1934 – promulgada em 16 de julho de 1934 – foi a terceira Constituição do país, e a

segunda da República?. Esta constituição tem sido apontada como um produto híbrido, mistura das

diferentes tendências políticas da época. Oscilava, de certa forma, entre as aspirações do liberalismo, com

tendências democratizantes e as novas formas nacionalistas, com tendências corporativistas. As principais

características desta constituição foram:

manutenção do regime federativo, presidencialista, com três poderes do governo (executivo,

legislativo e judiciário);

extinção do cargo de vice-presidente;

criação de uma Justiça Eleitoral específica.

voto secreto e eleições diretas para os poderes executivo e legislativo da União, estados e

municípios (à exceção de Getúlio Vargas, que seria eleito pela Assembléia para exercer o cargo até

03 de maio de 1938);

estabelecimento do voto para todos os cidadãos (inclusive as mulheres) alfabetizados maiores de

18 anos;

confirmação da legislação trabalhista (previdência social, jornada máxima de 08 horas de trabalho

diário, férias anuais remuneradas entre outras);

criação do mandado de segurança para defender o cidadão contra os abusos do Estado;

ensino primário obrigatório e gratuito, entre outras medidas. Terminada a sua tarefa, a Assembléia Constituinte transformou-se na primeira Assembléia Legislativa

após a Revolução de 1930, tendo o direito de eleger o Presidente da República. Getúlio Vargas foi eleito

em 15 de julho de 1934, reassumindo o poder com mandato de quatro anos, só que agora enquanto

presidente constitucional e não como chefe de uma revolução.

1934-1937: o Governo Constitucional e a Gestação do Estado Novo. Parecia, enfim, que o país iria viver sob um regime democrático.

Entretanto, Vargas não abandonara as suas pretensões centralizadoras. Alinhando com as tendências

políticas na Europa, o presidente também tendia ao radicalismo, a exemplo de Mussolini, na Itália, e Hitler,

na Alemanha. Tais regimes políticos, de caráter ditatorial e militarista receberam o nome de nazifascismo.

A Ação Integralista Brasileira (AIB), partindo de inspiração fascista, apoiado por grandes

proprietários, empresários, elementos da classe média e oficiais das Forças Armadas, surgiu em meio a esse

contexto. Seus defensores – os integralistas – pregavam a criação, no Brasil, de um Estado integral, isto é,

de uma ditadura nacionalista com um único partido no poder. Seu líder, Plínio Salgado, tinha por lema

“Deus, Pátria e Família” e representava os radicais defensores da propriedade privada, pregando a luta

contra o avanço comunista.

Na mesma época e opondo-se frontalmente aos integralistas, constitui-se uma aliança de esquerda, a

Aliança Nacional Libertadora (ANL), liderada pelo Partido Comunista do Brasil (PCB) e Luís Carlos

Prestes. Além dos comunistas, estavam na oposição à AIB todos os grupos que viam a necessidade de

reformas sociais: socialistas, tenentistas, sindicalistas etc. A primeira manifestação ocorreu em janeiro de

1935, quando foi lido, na Câmara Federal, por um jovem estudante de direito, Carlos Lacerda (que seria,

anos depois, o governador da Guanabara, e um dos mentores do golpe de 1964), o seu primeiro manifesto

A ANL definia-se como “um amplo movimento popular nascido da necessidade em que se acham os

brasileiros de emancipar-se economicamente do jugo estrangeiro e de libertar-se da lei monstro (tratava-se

da Lei de Segurança Nacional) já em votação no parlamento” (CARONE, Edgar. A República Nova (1930-

1937). São Paulo: Difel, 1974. Pp. 257).

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No primeiro semestre de 1935, a ANL conheceu uma extraordinária expansão: até maio de 1935, mais

de 1600 sedes locais haviam surgido; no mês de maio, houve 3 mil inscrições diárias. Cálculos

conservadores indicam que em julho daquele ano ela contava com aproximadamente 70 mil a 100 mil

inscritos. Ela organizava greves, promovia manifestações e caravanas de propaganda e ocupava-se com

toda espécie de reivindicação popular, incluindo direitos da mulher, do trabalhador agrícola, a proteção ao

índio etc.

A 1º de abril de 1935, Prestes havia sido eleito presidente de honra da ANL. Apesar da sua adesão ao

PCB, ele atraía e mobilizava amplos setores menos radicais que viam nele o antigo tenente, comandante da

célebre Coluna. Este carisma lhe valeu o título de Cavaleiro da Esperança.

O governo que já vinha reprimindo as atividades da ANL obteve uma excelente razão para fechá-la.

Isso ocorreu por um decreto de 11 de julho de 1935, com base na Lei de Segurança Nacional (a lei

monstro), aprovada naquele ano. Daí para frente, enquanto se sucediam muitas prisões, e isso provocou

uma radicalização por parte dos comunistas; o PCB, então, começou os preparativos para uma insurreição.

Eles resultaram na tentativa de um levante contra o governo, chamado de Intentona Comunista, que

ocorreu em novembro de 1935.

A Intentona foi desencadeada em Natal (23/11), Recife (25/11) e Rio de Janeiro (27/11), foi

rapidamente sufocada pelo governo federal. Muitos de seus líderes foram presos e, entre eles, o próprio

Prestes, capturado em 1936, principal líder do PCB, que permaneceu preso durante dez anos numa solitária

e submetido a tratamento tão desumano que o seu advogado, Sobral Pinto, chegou a invocar a Lei de

Proteção aos Animais em favor do líder comunista.

A repressão aos comunistas daria a Getúlio a oportunidade de dar um golpe de Estado e entrar em nova

fase, o Estado Novo. Segundo o historiador americano Thomas Skidimore, o levante comunista foi tão útil

aos desígnios de Vargas que parece até ter sido organizado pelo próprio governo. Segundo ele, “Vargas

possuía agora a justificativa para a repressão da esquerda: provas indiscutíveis do perigo da traição

armada”?.

O aparelho repressor entrou em funcionamento logo em seguida. Foi decretado Estado de Sítio (25/11);

a Lei de Segurança Nacional foi arrochada, dando mais poderes especiais ao presidente da República, entre

eles maior controle sobre os militares, através da promoção e da determinação do lugar de onde deveriam

servir; os movimentos de esquerda, em formação, foram praticamente eliminados pela impiedosa ação

policial; toda a liderança do PC foi presa.

O perigo comunista fazia com que o Congresso (onde a burguesia era a maioria) concedesse a Vargas

poderes cada vez mais amplos; com isso, organizava-se um governo de exceção, centralizado pelo

executivo; o estado de sítio foi constantemente sendo renovado pelo congresso até 1937.

Como o mandato de Vargas terminaria em 1937, teve início a campanha eleitoral para a sucessão do

presidente, para a qual se apresentaram 03 candidatos: o ex-governador de São Paulo, Armando Sales de

Oliveira, apoiado pelas elites paulistas; o escritor paraibano José Américo de Almeida, aparentemente

apoiado pelo presidente; e o líder integralista, Plínio Salgado. Vargas e o seu grupo de apoio tratavam de

articular um plano para suspender as eleições marcadas para 03 de janeiro de 38.

Tal como haviam feito os nazistas na Alemanha, os seguidores de Vargas usaram como pretexto a ação

dos comunistas – embora estivessem eles quase todos presos. Chegou-se a elaborar um plano falso, o Plano

Cohen, que previa uma revolução comunista e o assassinato de centenas de políticos brasileiros. Getúlio

decretou estado de guerra, que lhe permitia prender qualquer pessoa sem ordem judicial, e procurou o apoio

das Forças Armadas e dos governadores. Diante do fantasma do comunismo, foi fácil conseguir a união

geral, apesar da posição de alguns, como Armando Sales de Oliveira, que julgava possível afastar o

comunismo sem cancelar as eleições.

A situação internacional favorecia a solução autoritária. O Fascismo e o Nazismo, na época, pareciam a

muita gente regimes dinâmicos, melhores que as democracias decadentes. A desumanidade daqueles

sistemas, os métodos violentos que seus líderes usavam para chegar ao poder e manter-se nele, a

implacabilidade contra os inimigos políticos, o expansionismo, o controle absoluto sobre a vontade dos

cidadãos, tudo isso só seria percebido quando eclodisse a II Grande Guerra Mundial.

Getúlio tinha tanta certeza do sucesso do golpe, que seu ministro da Justiça, Francisco Campos, já

redigia em segredo uma nova Constituição. Com apoio militar, o golpe veio em 10 de novembro de 1937,

sem resistências. Às dez da manhã, Getúlio Vargas, já ditador, instaurou o Estado Novo e apresentou aos

ministros a nova Carta, a polaca.

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1937-1945: o Estado Novo. Quarta constituição brasileira e terceira da República, a Constituição de 1937, imposta por Getúlio

Vargas, estabeleceu a ditadura na teoria e na prática, tanto foram os poderes concentrados nas mãos do

presidente: “autoridade suprema do Estado, que coordena os órgãos representativos de graus superiores,

dirige a política interna e externa, promove ou orienta a política legislativa de interesse nacional e

superintende a administração do país”.

As principais modificações introduzidas pela nova constituição foram as seguintes:

o presidente podia dissolver o Congresso e expedir decretos-lei;

os partidos políticos foram extintos;

aboliu-se a liberdade de imprensa, com a instituição da censura prévia;

os estados passaram a ser governados por interventores;

instituiu-se a pena de morte;

o mandato presidencial foi prorrogado até a realização de um plebiscito, que é claro, nunca se

realizou. A ditadura de Vargas apoiava-se, também, no controle sobre a imprensa, pois o regime de 1937 não se

dirigia somente para os trabalhadores na construção de sua imagem. Tratou de formar uma ampla opinião

pública a seu favor. Para isso foi criado, em 1939, o Departamento de Imprensa e Propaganda – DIP –,

ligado diretamente ao presidente da República, ficou encarregado do controle ideológico e da formação de

uma ampla opinião pública a favor de Vargas e do Estado Novo. O DIP exerceu funções bastante extensas,

incluindo o controle e a censura total do cinema, rádio e publicações “nocivas” aos interesses brasileiros,

através dos quais, inoculando na sociedade o medo do “perigo comunista”, sustentava o clima de

insegurança que justificara o novo regime. Além disso, agiu junto à imprensa estrangeira no sentido de se

evitar que fossem divulgadas “informações nocivas ao crédito e à cultura do país”; dirigiu a transmissão

diária do programa radiofônico “Hora do Brasil”, que iria atravessar anos como instrumento de propaganda

e de divulgação das obras do governo.

A imagem de Vargas era cuidadosamente trabalhada pela máquina de propaganda do regime que

procurava apresentá-lo como homem do povo e, ao mesmo tempo, líder genial, que conduziria o Brasil ao

seu destino de grande nação. Getúlio era o “pai dos pobres”, a figura carismática, o “grande líder dos

trabalhadores”, o “defensor dos oprimidos”.?

Assim, “a ‘getulização’ estava em todos os espaços sociais para garantir a adesão e o controle social. O

rosto de Vargas estava em todos os lugares por meio de fotos, cartazes, lemas, dísticos, selos, placas

comemorativas. E em todas as imagens do presidente, ele era apresentado como cordial, sereno, sorridente,

equilibrado e popular”?.

O Estado Novo perseguiu, prendeu, torturou, forçou o exílio de intelectuais e políticos, sobretudo de

esquerda e alguns liberais. Mas não adotou uma atitude de perseguições indiscriminadas. “Seus dirigentes

perceberam a importância de atrair setores letrados a seu serviço: católicos, integralistas, autoritários,

esquerdistas disfarçados ocuparam cargos e aceitaram as vantagens que o regime oferecia. Eram homens

com histórias diversas, como Azevedo Amaral, jornalista e autor de um livro significativo, O Estado

Autoritário e a Realidade Nacional; Almir de Andrade, advogado e jornalista, diretor da Revista Cultura

Política; o poeta Cassiano Ricardo, ocupante de postos burocráticos; Oliveira Viana, importante sociólogo

e consultor jurídico do Ministério do Trabalho”?.

“Nas várias manifestações dirigidas ao grande público ou nas páginas de publicações como Cultura

Política, destinadas a um círculo mais restrito, o Estado Novo procurou transmitir a sua versão da história

do país. No âmbito história mais recente, ele se apresentava como um desdobramento lógico da Revolução

de 1930. Fazia um corte radical entre o velho Brasil desunido, dominado pelo latifúndio e pela oligarquias,

e o Brasil que nasceu com a Revolução. O Estado Novo teria realizado os objetivos revolucionários,

promovendo através da busca de novas raízes, da integração nacional, de uma ordem não dilacerada pela

disputas partidárias a entrada do Brasil nos tempos modernos”?.

Para controlar o aparelho do Estado foi criado o Departamento de Administração do Serviço Público?

– DASP –, o qual assumiu o comando sobre a administração e o serviço público. No nível estadual Vargas

impunha os interventores e proibia a utilização de bandeiras, hinos e outros símbolos que não fossem os

nacionais.

A partir do golpe de 1937, a ditadura de Vargas criou novos instrumentos para controlar a classe

operária e consolidar a sua imagem de protetor dos desamparados. A preocupação do novo regime era

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neutralizar e anular a influência política do operariado, fazendo os trabalhadores ligarem-se aos sindicatos.

O princípio norteador dessa política trabalhista foi a concepção corporativa do fascismo, que consistia na

negação da luta de classes e, contrariamente na afirmação da colaboração entre elas. Esse princípio não

reconhecia, portanto, as diferenças de interesses entre patrões e empregados, colocando acima das

contradições de classe, o suposto interesse, mais geral, da nação. Por isso é que na Constituição de 1937, a

greve e o lockout foram proibidos, por serem recursos “anti-sociais, nocivos ao trabalho e ao capital,

incompatíveis com os superiores interesses nacionais”.

No plano trabalhista, a ditadura estadonovista estabeleceu um rígido controle sobre os sindicatos,

submetendo-os ao Ministério do Trabalho e impondo-lhes lideranças fiéis ao regime – os chamados

pelegos? – que amorteciam as pressões dos trabalhadores?. Manteve ainda a sua política paternalista,

concedendo novos benefícios trabalhistas, como o salário mínimo e a Consolidação das Leis do Trabalho

- CLT – que até hoje regulamenta as relações entre patrões e empregados.

Em 1943, toda a legislação trabalhista foi sistematizada e ordenada na Consolidação das Leis do

Trabalho (CLT). Promulgada em 1º de maio daquele ano, a CLT era uma síntese da política trabalhista de

Vargas, incluindo a legislação social (direitos e deveres dos empregados e empregadores) e a

regulamentação da organização sindical corporativista e da Justiça do Trabalho (instituição destinada a

medir a arbitrar todas as negociações e conflitos entre empregados e empregadores. Entretanto, tal

instrumento legal não foi estendida aos trabalhadores rurais, pois a oligarquia tradicional, que apoiava o

governo, não admitia mudanças nas relações de trabalho no campo.

A CLT acabou por ampliar a popularidade de Getúlio Vargas. Contudo, a valorização do trabalho e do

trabalhador sob o signo do corporativismo resultou em uma “cidadania regulada”, que condicionou os

direitos sociais à subordinação ao Estado.

A CLT teve por base a Carta Del Lavoro, do governo fascista italiano. Um de seus principais aspectos

consiste no controle da atividade dos sindicatos, que perderam sua autonomia e ficaram presos a uma série

de normas. Entre elas, podemos destacar:

cinco sindicatos podem formar uma federação, que pode ser estadual ou interestadual; três

federações podem formar uma confederação (nacional);

não é permitida a ligação entre sindicatos, federações ou confederações de diferentes categorias

profissionais. Por exemplo, o sindicato dos bancários não pode organizar-se com os sindicatos dos

professores. Com isso evita a maior organização dos trabalhadores em Centrais Sindicais, tais

como a CUT, a Força Sindical e a CGT, por exemplo;

os sindicatos tornam-se assistencialistas: dão apenas assistência jurídica, médica, educacional,

perdendo o seu caráter reivindicativo;

somente o Ministério do Trabalho está habilitado a reconhecer oficialmente o sindicato;

são proibidas atividades políticas dentro do sindicato;

não é permitida a filiação dos sindicatos a organizações sindicais internacionais;

é negado o direito de sindicalização dos funcionários públicos;

as verbas necessárias à existência dos sindicatos também ficam sob o controle do Ministério do

Trabalho; cada trabalhador é obrigado a contribuir anualmente com o valor correspondente a um

dia de trabalho. Esse valor, chamado de Contribuição Sindical é redistribuída aos sindicatos, que

ficam com 60% do valor descontado; às federações, que ficam com 15%; às confederações, que

recebem 5% e o restante (20%) vão para a Conta Especial Emprego e Salário, administrado pelo

Ministério do Trabalho, hoje, Fundo de Amparo ao Trabalhador;

antes de realizar greves, os sindicatos devem obedecer a uma série de exigências;

o governo, através do Ministério do Trabalho, pode intervir no Sindicato toda vez que achar

inconveniente. A pouca autonomia sindical que ainda restava em algumas categorias foi finalmente liquidada com a

instituição do Imposto Sindical, cobrado compulsória e anualmente de todos os trabalhadores e equivalente

a um dia de salário anual. Este imposto era (e ainda o é) recolhido pelo Ministério do Trabalho, que se

encarregava de repassá-los aos sindicatos (60% dos valor), às federações (15%), às Confederações (5%) e

ao Fundo Social Sindical (20%) administrado pelo Governo. Esta parte era destinada à remuneração da

burocracia governista, além de financiar campanhas político-eleitorais. A maioria dos sindicatos

transformaram-se em entidades dependentes deste recurso e, portanto, do governo, perdendo, desta forma a

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sua autonomia financeira. Este fato favoreceu a criação de sindicatos pelegos, ou, “sindicatos amarelos”,

pois eram manipuláveis pelo Estado e pelos patrões. Ademais, o regime estadonovista criou novas funções

para os sindicatos, como a criação de cooperativas de crédito, escolas, assistência médica, tentando esvaziar

o conteúdo político dessas organizações.

Assim, podemos dizer que a “legislação trabalhista funcionou como principal instrumento de

legitimação da ditadura”? e o 1º de Maio constituía-se num dos principais acontecimentos públicos em que

Vargas fazia discursos emocionados sobre o papel dos trabalhadores na vida do país, aproveitando para

anunciar novas leis e benefícios que seu governo lhes concedera. Para se ter uma idéia da importância deste

acontecimento para a legitimação e a cooptação dos trabalhadores, pode-se citar a assinatura em 1º de Maio

de 1940, por Getúlio Vargas, do decreto-lei que criou o salário mínimo, que o governo fixaria em valor

correspondente aos gastos mínimos de um trabalhador com alimentação, vestuário, moradia, higiene e

transportes. De acordo Anastasia e Ribeiro?, “educação e saúde não eram incluídos nesse cálculo. Como o

custo de vida se elevava em ritmo superior ao dos reajustes salariais, o salário real sempre diminuía (...)

Assim, apesar de afirmar o contrário em seus discursos, a lei de Getúlio beneficiava, na verdade, os

empresários, aumentando seus lucros em prejuízo dos empregados”.

Com o objetivo de evitar que as conquistas dos trabalhadores nada mais eram que seus direitos e se

deviam ao mérito de suas lutas, Vargas fazia concessões tuteladoras. Agradar um pouco os trabalhadores

sem dar-lhes chances de reivindicar ou discutir eventuais mudanças, essa era a fórmula para refrear

qualquer tentativa de participação mais ativa dessa classe na política governamental.

Para facilitar a defesa e estimular o povoamento e desenvolvimento do país, criaram os territórios de

Fernando de Noronha, em 1942, e no ano seguinte os do Amapá, Rio Branco (atual Roraima), Guaporé

(atual Rondônia), Ponta Porã e Iguaçu. Os dois últimos foram extintos dois anos mais tarde.

Contra os opositores do regime, Vargas ampliou os poderes das policiais estaduais, especialmente da

polícia política, comandada por Filinto Müller (declarado simpatizante de Hitler). Ocorreram milhares de

prisões e maus-tratos, sendo as torturas constantes. A própria eliminação de pessoas não era fato raro.

Como em qualquer regime ditatorial, autoritarismo e arbitrariedade andavam juntos, um como continuação

do outro.

Para combater os comunistas, Vargas utilizou os serviços dos integralistas, ferrenhos anticomunistas,

filiados ao fascismo e ao nazismo. Foram, até mesmo, alguns elementos integralistas, entre os quais o

jovem oficial Olímpio Mourão Filho, que ajudaram a forjar o Plano Cohen. Entretanto, após a instauração

do Estado Novo, os integralistas, chefiados por Plínio Salgado, começaram a se tornar incômodos ao poder,

e o ditador resolveu deixá-los de lado, pois já não precisa da sua ajuda. Assim, seu partido, a Ação

Integralista Brasileira, foi extinto juntamente com os outros.

Inconformados, os integralistas tentaram apoderar-se do governo através de um ataque ao Palácio da

Guanabara (ou Palácio do Catete) sede do poder federal, desfechado a 11 de maio de 1938. Porém foram

rapidamente dominados pelas forças do governo. Alguns membros da Ação Integralista acabaram na cadeia

e seu chefe, Plínio Salgado, foi exilado.

Estado Novo: aliança entre a burocracia (civil e militar) e a burguesia industrial?. A centralização do Estado não significa que ele se deslocou da sociedade. A representação dos diversos

interesses sociais mudou de forma mais não deixou de existir. Até novembro de 1937, esses interesses se

expressavam no Congresso através, principalmente, dos deputados classistas, e, fora dele, através de alguns

órgãos governamentais.

A partir do Estado Novo, desapareceu a representação via Congresso, reforçando-se a que se fazia nos

órgãos técnicos, no interior do aparelho do Estado. Um exemplo expressivo é o do Conselho Federal de

Comércio Exterior (CFCE). O CFCE foi criado em 1934, com o objetivo de centralizar a política do

comércio exterior. Com o tempo, seu âmbito de atuação seria ampliado, transformando-se em um órgão de

assessoria do governo, nas mais variadas questões de política econômica; ele acabou se constituindo em

uma das principais vias de acesso ao poder por parte dos grupos privados especialmente os industriais.

Podemos sintetizar o Estado Novo sob o aspecto socioeconômico, dizendo que representou uma

aliança da burocracia civil e militar e da burguesia industrial, cujo objetivo comum e imediato era o de

promover a industrialização do país sem grandes abalos sociais. A burocracia civil defendia o programa de

industrialização por considerar que era o caminho para a verdadeira independência do país; os militares

porque acreditavam que a instalação de uma indústria de base fortaleceria a economia – um componente

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importante de segurança nacional; os industriais porque acabaram se convencendo de que o incentivo à

industrialização dependia de uma ativa intervenção do Estado.

A aproximação entre a burguesia industrial e o governo de Vargas ocorreu principalmente a partir de

1933, após a derrota da revolução paulista. Ela se fez sobretudo através da Federação das Indústrias do

Estado de São Paulo (FIESP), dirigida por Roberto Simonsem, da Confederação Nacional da Indústria

(CNI), sob o comando de Euvaldo Lodi, e da Federação Industrial de Minas (futura FIEMG), dirigida

por Américo René Giannetti. A aliança desses setores não significa identidade de opiniões. Ao contrário

dos técnicos governamentais, a burguesia industrial era menos radical no apoio ao intervencionismo do

Estado e na ênfase contra o capital estrangeiro. Ela reivindicava principalmente medidas no setor de

câmbio e das tarifas sobre as importações que resultassem em proteção da indústria instalada no país.

É significativo observar que o crescente interesse do governo Vargas em promover a industrialização do

país, a partir de 1937, refletiu-se no campo educacional. De acordo com as professoras Vanise Ribeiro e

Carla Anastasia “o controle estatal também era muito forte na área educacional. Sua função era formar

indivíduos obedientes, disciplinados, servis à pátria e empenhados em fazer do Brasil uma grande nação.

Os livros didáticos, principalmente os de História e de Moral e Civismo, eram, muitas vezes, cartilhas

oficiais que exaltavam o patriotismo e o culto aos heróis. Em vista do grande desenvolvimento industrial

neste período, a educação pública deu muita ênfase ao ensino técnico, estabelecendo, inclusive, vários

acordos educacionais com os Estados Unidos”?.

Embora o Ministro da Educação tenha promovido uma reforma no ensino secundário, sua maior

preocupação se concentrou em organizar o ensino industrial. Um decreto-lei de janeiro de 1942, instituiu a

Lei Orgânica do Ensino Industrial, com o objetivo de preparar mão de obra fabril qualificada. Pouco

antes surgira o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), destinado ao ensino profissional

do menor operário. Subordinado ao Ministério da Educação, o SENAI ficou sob a direção da

Confederação Nacional da Indústria.

A Economia no Estado Novo: desenvolvimento com intervencionismo estatal. A política econômico-financeira do Estado Novo representou uma mudança de orientação relativamente

aos anos 1930-1937. Nesse período, não houve uma linha clara de incentivo ao setor industrial. O governo

equilibrou-se entre os diferentes setores, inclusive agrários, sendo também, bastante sensível às pressões

externas. Em setembro de 1935, por exemplo, o Executivo assinou um tratado de comércio com os Estados

Unidos, sujeito a ratificação pelo Congresso. Apoiado pelo setor agrário de exportação, o acordo recebeu

fortes críticas dos empresários industriais. Eles alegavam que a indústria brasileira ficaria desprotegida, na

concorrência com os produtos americanos. Apesar das pressões de Simonsem e Lodi no sentido de impedir

a ratificação do tratado, ou pelo menos conseguir sua modificação, o Congresso aprovou por inteiro.

Getúlio interveio na disputa para facilitar a aprovação. Aparentemente, isso se deu porque o embaixador

americano assinalou sem rodeios que, caso o acordo não fosse aprovado, a isenção de direitos de

importação do café brasileiro nos Estados Unidos poderia ser revista.

Durante o Estado Novo, a economia brasileira modernizou-se e diversificou-se. Na agricultura, o

governo obteve êxito na aplicação da política de valorização do café, com queima dos excedentes e a

fixação de taxas de exportação. Em outros setores da agricultura, o incentivo governamental propiciou o

aumento da produção e a diversificação dos cultivos.

A centralização do poder estendeu-se também à economia, por meio da criação de uma série de

institutos centrais, destinados ao planejamento e controle da produção nacional: Instituto do Pinho,

Instituto do Sal, Instituto do Açúcar e do Álcool e Instituto do Cacau.

A indústria teve um impulso considerável, especialmente a partir de 1940. De um lado, o início da

Segunda Guerra Mundial (1939-1945) dificultava as importações, incentivando mais uma vez o processo

de substituição dos produtos importados por nacionais. Por outro, o intenso apoio governamental

estimulava a implantação a implantação de novas fábricas, a ampliação das já existentes e a montagem da

indústria de base estatal, como a Companhia Siderúrgica Nacional – CSN – em Volta Redonda, no Rio

de Janeiro. Ela foi financiada por créditos norte-americanos, concedidos pelo Export-Import Bank, e por

recursos do governo brasileiro.

Visando a obtenção da matéria-prima para a indústria pesada, Vargas criou a Companhia Vale do Rio

Doce (CVRD). Surgiam, assim, grandes empresas estatais que garantiriam o suprimento de produtos

indispensáveis ao desenvolvimento das demais indústrias.

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Preocupado ainda com o fornecimento de energia que movimentasse o parque industrial brasileiro, o

governo criou o Conselho Nacional do Petróleo. O órgão deveria controlar a exploração e fornecimento

desse produto e seus derivados, explorando o primeiro poço petrolífero na Bahia, em 1939.

Até 1942, a política de substituição das importações se fez sem um planejamento geral, considerando-se

cada setor como um caso específico. Em agosto desse ano, com a entrada no Brasil na guerra e o

prosseguimento do conflito, o governo tomou a si a supervisão da economia. Com esse fim, criou a

Coordenação de Mobilização Econômica, dirigida pela antigo tenente João Alberto.

O incentivo à industrialização foi muitas vezes associado ao nacionalismo, mas Getúlio evitou

mobilizar a nação em uma cruzada nacionalista. A Carta de 1937 reservava aos brasileiros a exploração das

minas e quedas d’água. Determinava que a lei regularia a sua nacionalização progressiva, assim como a das

indústrias consideradas essenciais à defesa econômica ou militar. Dispunha também que só poderiam

funcionar no país bancos e companhias de seguros cujos acionistas fossem brasileiros. Concedia-se às

empresas estrangeiras um prazo, a ser fixado pela lei, para que se transformassem em nacionais.

Essas normas estiveram sujeitas a diversos decretos-lei que expressaram a pressão dos diferentes grupos

e a ausência de uma orientação estrita por parte do governo. As empresas de energia elétrica, por exemplo,

não foram tocadas e em outubro de 1941 Getúlio negou-se a aceitar um projeto de decreto determinando

que, até agosto de 1946, os bancos e as empresas de seguros deveriam estar em mãos de nacionais. A

própria solução estatal para o caso do aço não resultou de choques, mas de um acordo com o governo

americano.

O Brasil na Segunda Grande Guerra Mundial (1939-1945). O Estado Novo (1937-1945) coincidiu, em boa parte, com a Segunda Grande Guerra Mundial (1939-

1945). Até o início da década de 1940, todas as simpatias de Vargas e de muitos de seus colaboradores da

sua equipe dirigiam-se ao bloco fascista europeu. O modelo político brasileiro também era autoritário.

Após o início da Segunda Grande Guerra Mundial, a tendência favorável aos países do Eixo (Alemanha,

Itália e Japão) tornou-se, ainda, mais forte.

Quando teve início a Segunda Grande Guerra Mundial, em 1939, entretanto, o governo brasileiro

adotou uma posição de neutralidade. Não manifestou seu apoio nem aos Aliados (Estados Unidos,

Inglaterra, França e União Soviética) nem aos países do Eixo. No entanto, o passar do tempo foi alternado o

quadro inicial. Os Estados Unidos ingressaram no conflito e passaram a necessitar de uma retaguarda

segura, sobretudo no Brasil. Afinal, a América Latina era a fornecedora de matérias-primas básicas aos

esforços de guerra dos aliados anti-eixo; e o Brasil ainda poderia fornecer uma base militar naval no litoral

do Rio Grande do Norte. Vargas sabia de tudo isso e previa também que, a partir de 1942, a Alemanha

estaria fadada a perder a guerra (justamente pela entrada dos Estados Unidos na guerra).

Essa posição garantiu ao Brasil vantagens comerciais e a obtenção de empréstimos junto aos países

beligerantes. Porém, a pressão da opinião pública brasileira e do governo norte-americano, que queriam

instalar uma base aérea no litoral do Rio Grande do Norte, alterou a decisão do governo brasileiro, que, em

janeiro de 1942, rompeu relações com os países do Eixo.

A declaração de guerra veio em 21 de agosto do mesmo ano, quando submarinos alemães torpedearam,

entre fevereiro e agosto de 1942, 17 navios brasileiros, o que resultou na morte de 607 brasileiros, numa

tentativa de impedir que a Marinha brasileira levasse materiais estratégicos para a indústria de armamentos

dos EUA. Esta declaração de guerra agradou os militares brasileiros, uma vez que, para lutar nos fronts

europeus os Estados Unidos deveriam modernizar o nosso obsoleto equipamento bélico.

Esses acontecimentos tiveram ampla repercussão no Brasil. A notícia de brasileiros mortos nos ataques

alemães ampliou a propaganda a favor dos Estados Unidos, e em 18 de agosto ocorreram manifestações e

passeatas de estudantes (organizadas pela recém-criada União Nacional dos Estudantes, a UNE) e

populares em apoio à participação do Brasil na guerra contra o Eixo. Vargas viu-se em complicada situação

política. Comandando um Estado autoritário, viu-se obrigado a romper relações com os regimes totalitários

e aliar-se à maior potência democrática do Ocidente.

É bem verdade que Getúlio Vargas “trocou” a permissão para a instalação de uma base aérea no Rio

Grande do Norte por uma Usina siderúrgica, que Vargas pretendia construir, mas não possuía recursos: em

troca da concessão para construir a base aérea e do apoio brasileiro aos Aliados, os Estados Unidos

financiaram, através de financiamento com o Exinbank dos EUA, a siderúrgica de Volta Redonda.

Eram tempos em que os governos de Washington e do Rio de Janeiro negociavam uma política de boa

vizinhança. Washington sabia do valor do apoio logístico, diplomático e político do Brasil e América

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Latina, considerando a extensão do conflito em que se envolveram a partir de 1941. Reflexo cultural da

aproximação Brasil/EUA foi a exportação de Carmem Miranda, a fim de vender uma imagem alegre,

carnavalesca e exótica de nosso país – é da mesma época a criação de um personagem brasileiro nos

estúdios Disney: o Zé Carioca.

A declaração de guerra ao Eixo implicou o envio de dezenas de milhares de soldados para lutar na

Europa, em 1944, sob o comando do Marechal Mascarenhas de Morais. Além de uma esquadrilha da Força

Aérea Brasileira, foram enviados 25 mil soldados que compunham a Força Expedicionária Brasileira (FEB),

as quais integravam o V Exército Americano, comandado pelo General Clark. O Exército Brasileiro teve

destaque na campanha da Itália, obtendo significativas vitórias em Monte Castelo, Castelnuevo e Montese.

No fim da guerra, o Brasil perdera 451 expedicionários e 37 navios.

A participação do Brasil na luta contra os regimes ditatoriais europeus criou uma contradição interna, o

que acabou por enfraquecer as bases do Estado Novo. O Brasil lutava contra as ditaduras nazifascistas, pela

liberdade, enquanto mantinha um regime ditatorial, de características nazifascistas. A oposição à Vargas

ganhou espaço, sendo realizadas diversas manifestações pela redemocratização do país.

O fim do Estado Novo. O Estado Novo foi arquitetado como um Estado autoritário e modernizador que deveria durar muitos

anos. No entanto, o seu tempo de vida acabou sendo curto, pois não chegou a durar oito anos.

A partir de 1942, em virtude, principalmente da Segunda Grande Guerra Mundial, iniciou-se no Brasil

uma crescente oposição ao Estado corporativo-autoritário Varguista, ou seja, os problemas do país

resultaram mais da inserção do Brasil no quadro das relações internacionais do que das condições internas

do país.

A fragilidade do regime nessa fase deu margem ao surgimento de várias organizações e agrupamentos

de oposição à ditadura, desafiando a censura e as proibições governamentais. Dentre elas destacamos a

Sociedade dos Amigos da América e a Liga de Defesa Nacional.

As oposições, mesmo com seus maiores líderes nas cadeias ou no exílio, uniram-se para combater o

regime de Vargas. O “Manifesto dos Mineiros”, de 1943, assinado por 76 intelectuais, políticos e

empresários de Minas Gerais exigia a redemocratização e passava clandestinamente de mão em mão.

Estudantes saíam às ruas, desafiando a ditadura. Escritores defendiam abertamente a liberdade de expressão

e as eleições. Desrespeitando a censura, jornais publicavam entrevistas com políticos de oposição.

Já é possível perceber as contradições peculiares às mudanças do processo histórico: o Vargas de 1937

fora conveniente às elites, para controlar os comunistas e movimentos populares; o Vargas de 1945 já não

mais convinha em função de seu nacionalismo, o qual, importante a um projeto industrial substitutivo,

tornara-se incômodo ao capital americano, ávido de entrar no mercado brasileiro mas que não se sujeitava a

controles de um governo forte. Isso nos ajudará a compreender porque, Luís Carlos Prestes, outrora

perseguido de Vargas, passará a apoiá-lo.

Diante desse quadro, Vargas tentava várias manobras para adiar a abertura política. Sob o pretexto de

que o esforço de guerra impedia mudanças políticas internas, prometia que, após a guerra, “em ambiente

próprio de paz e ordem”, realizaria a transição do governo para a democracia.

No início de 1945, a oposição ao Estado Novo chegara ao seu ponto mais alto, mobilizando até os que

antes apoiavam a ditadura (militares, empresários e a classe média), por temor do avanço comunista.

Pressionado por todos os lados, Getúlio Vargas, em fevereiro de 1945, assinou o Ato Adicional à

Constituição de 1937, fixando o prazo de 90 dias para a convocação de eleições e sua regulamentação. O

Ato foi criticado pelas oposições como apenas outra manobra de Vargas. Crescia o número pela

convocação de uma Assembléia Constituinte, para elaborar uma nova Carta que substituísse a Constituição

outorgada em 1937 pela ditadura.

Em abril, um amplo movimento popular com a participação de estudantes (UNE), jornalistas e

escritores, intelectuais, políticos e militares, obrigou Vargas a anistiar os envolvidos em crimes políticos,

beneficiando até mesmo os comunistas e permitindo o funcionamento de partidos políticos.

Surgem, assim, partidos de caráter nacional e ideologicamente definidos:

UDN – União Democrática Nacional – Formada por opocisionistas liberais, antigetulistas, e ligadas

aos grandes interesses econômicos. A UDN condenava: o comunismo, o totalitarismo varguista, a

intervenção estatal na economia e defendia a colaboração do capital estrangeiro e maior

aproximação com os Estados Unidos. A ideologia da UDN, politicamente liberal, no plano econômico

Page 120: A TRANSIÇÃO DO FEUDALISMO AO CAPITALISMO E A … · no capitalismo, ao contrário do feudalismo, são as relações assalariadas de produção, a nítida separação ... O chamado

se manifestava também liberal, reivindicando a liqüidação do proteccionismo, identificado como

causa principal do aumento dos preços. Isso conquistava a simplatia daquelas camadas médias,

cujas perspectivas econômicas se orientam pelo ponto de vista do consumidor. Uma ala da UDN, a

Esquerda Democrática, mais tarde se desdobraria numa nova organização, o Partido Socialista

Brasileiro – PSB. Seus principais líderes eram: Armando Salles, Júlio de Mesquita Filho, Assis

Chateubriand e Paulo Bittencourt.

PSD – Partido Social Democrático – Integrado pela oligarquias regionais, industriais e banqueiros

beneficiados pela política econômica varguista. Organizado por Vargas e Benedito Valadares

(interventor em Minas Gerais), o partido era situacionista e controlava uma poderosa máquia

eleitoral, todavia não possuía uma unidade ideológica. Principais líderes: Amaral Peixoto e Benedito

Valadares.

PTB – Partido Trabalhista Brasileiro – Criado por Vargas para manter sua popularidade entre os

trabalhadores e impedir o avanço comunista no meio sindical. Era integrado por funcionários do

Ministério do Trabalho e lideranças sindicais fiéis a Vargas. O seu principal papel era mobilizar a

burocracia sindical ligada aos trabalhadores. O governo procurava organizar assim, agora sob

forma partidária, um dos outros pólos em que se baseara seu prestígio, camadas populares urbanas,

que passaram a representar um conjunto significativo de votos. A ideologia populista deste partido

mantinha e reforçava a tradição inaugurada por Vargas. Principais lideranças: Marcondes Filho,

Hugo Borghi e Alberto Pasqualini.

PCB – Partido Comunista do Brasil – Fundado em 1922, retornou à ilegalidade e tinha forte

penetração no meio intelectual e influência na área sindical. Opunha-se ao Estado Fascista e ao

imperialismo. Principal líder: Luís Carlos Prestes.

Outros partidos de menor expressão política: O PSP – Partido Social Progressista – liderado por

Adhemar de Barros, de forte expressão em São Paulo; o PRP – Partido de Representação Popular –

chefiado por Plínio Salgado, simpatizante do fascismo e com algum apoio da classe média; o

Partido da Boa Vontade, organizado pelo Alziro Zarur e sua Legião da Boa Vontade; no Rio Grande

do Sul apareceu o Partido Libertador, composto das ruínas da rebelião de 1923, com um projeto

parlamentarista. Com a convocação das eleições presidenciais para 02 de dezembro estes partidos começaram a fazer

alianças e lançar seus candidatos.

Para concorrer à presidência da República, a UDN lançou o brigadeiro Eduardo Gomes, e o PSD

escolheu o general Eurico Gaspar Dutra, ministro da Guerra de Vargas, apoiado também pelo PTB.

Os comunistas criticavam a candidatura de Brigadeiro Eduardo Gomes e as propostas golpistas da UDN,

passando a defender a idéia de uma Constituinte com Getúlio, para evitar que os conservadores

conquistassem a direção do processo de redemocratização. Getúlio Vargas, que no durante o seu governo

concedeu aos trabalhadores inúmeros benefícios e promoveu a defesa da economia diante da exploração

internacional, principalmente nos setores considerados essenciais, o PCB e o PTB articularam um

movimento denominado “Queremos Getúlio”, movimento este que ficou conhecido como Queremismo. O

apoio do PCB ao governo de Vargas consistiu num dos fatos mais controvertidos daqueles anos. Ele se

explica por características do PCB e sobretudo pela orientação vinda de Moscou. Aí se traçou a diretiva de

que os partidos comunistas de todo o mundo deveriam apoiar os governos de seus países, integrantes da

frente antifascista, fossem eles ditaduras ou democracias. O Brasil não só entrara na guerra contra o Eixo

como, em abril, de 1945, estabeleceu relações diplomáticas com a União Soviética, pela primeira vez na

nossa história.

Saindo da cadeia pouco após o estabelecimento de relações com a União Soviética e em conseqüência

da decretação da anistia, Luís Carlos Prestes, preso político de Getúlio Vargas, confirmou o que o partido já

decidira sob sua influência. Era preciso estender a mão ao inimigo da véspera, em nome das “necessidades

históricas”. Uma medida do governo no plano econômico contribuiu também para aproximar os comunistas

de Getúlio. A medida provocaria, ao mesmo tempo, uma série de críticas da oposição liberal e pressões dos

meios de negócios americanos. Trata-se do decreto-lei de junho de 1945, para ter vigência a partir de 1º

agosto daquele ano, em que se dispunha sobre os atos contrários à ordem econômica. Especialmente

visados eram os monopólios e as práticas monopolistas com o objetivo de elevar os preços e impedir a

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concorrência. Previa-se a desapropriação pelo presidente da República das empresas envolvidas em atos

nocivos ao interesse público.

Através do PCB e do PTB, Getúlio conseguiu mobilizar as forças populares a seu favor. Foram

montados comitês “queremistas” em várias capitais. No Rio de Janeiro, forma organizadas inúmeras e

sucessivas passeatas até o Palácio do Catete exigindo a permanência de Getúlio no poder.

No início de outubro, os “queremistas” entregaram a Getúlio uma proposta de convocação de uma

Assembléia Constituinte, com o adiamento das eleições presidenciais, que só deveriam ser fixadas pela

nova Constituição. Os setores de oposição à Vargas não concordavam com a idéia de que uma Constituinte

com Getúlio. Estavam certos de que Vargas não estava disposto a realizar eleições.

Manifestações populares, favoráveis a Getúlio, e articulações conservadoras de um golpe de Estado

desenvolviam-se simultaneamente.

Para conseguir o apoio do recém legalizado Partido Comunista, Vargas apelou para um discurso de

forte conotação nacionalista. Um resultado disso foi a Lei Malaia ou Decreto-Lei n.º 7.666 que controlava a

remessa de lucros para o exterior, também conhecida como lei anti-truste. Naquele momento, no entanto,

além dos democratas progressistas também estavam interessados na redemocratização os representantes

internos do capital estrangeiro – especialmente os norte-americanos que, tendo se expandido em função da

guerra, buscava novos espaços de investimento –, e a este capital o Varguismo, com seu rígido controle

sobre a economia e sua postura nacionalista, constituía-se em obstáculo. Em outras palavras, derrubar

Getúlio passou a ser interesse do imperialismo. Aos defensores internos do liberalismo econômico tornou-

se fundamental derrubar o Estado Novo e impor um governo não intervencionista e mais flexível ao capital

externo.

Vários setores das classes dominantes, do capital internacional e das Forças Armadas concluíram que

Vargas não mais representava seus interesses e retiraram o apoio que antes proporcionavam ao Estado

Novo. Por isso, aproveitando o pretexto da nomeação, em 29 de outubro de 1945, de Benjamim Vargas,

irmão do presidente, para o cargo de chefe de polícia do Distrito Federal, os chefes militares obrigaram

Getúlio a deixar o poder, nesse mesmo dia.

Vargas, contudo, não sofreu nenhuma punição. Retirou-se para sua instância em São Borja, no Rio

Grande do Sul. A presidência foi entregue ao ministro José Linhares, presidente do Supremo Tribunal

Federal. As eleições foram realizadas normalmente no dia 02 de dezembro de 1945. Para presidente elegeu-

se o general Eurico Gaspar Dutra (PSD+PTB).

UNIDADE III - O ESPELHO INVERTIDO E REVERTIDO: NO PROGRESSO A BARBÁRIE; NO ENCANTAMENTO DO CONSUMO A OPRESSÃO; E NO RURAL – LUGAR DO NÃO PROGRESSO – A IDEALIZAÇÃO BUCÓLICA.

Persistências, Continuidades e Rupturas?. A redemocratização ambicionada por toda a oposição getulista estava limitada desde o início, pois as

forças políticas em jogo tinham sido formadas no seio do Estado Novo e não se haviam libertado do

passado recente. Basta referir aqui ao fato de o próprio Dutra ter sido ministro da Guerra de Vargas. Dutra

estava submetido ao prestígio de Getúlio, uma vez que não podia governar senão com o apoio dos grandes

partidos (PSD e PTB) formados por Getúlio no fim do Estado Novo.

A persistência do Estado Novo foi favorável ainda pela emergência do movimento operário, que

retomou seu vigor no princípio do ano de 1946, sem todavia encontrar ressonância ao nível dos partidos

políticos organizados. Estes não possuem a sabedoria de compreender que a verdadeira democracia tem que

passar pelo teste da incorporação das forças operárias. A cisão entre as elites políticas e a massa popular

facilitou a adoção de medidas repressivas, próprias do Estado Novo: intervenções nos sindicatos,

dispositivos legais que permitiam o controle e a repressão do operariado. Mesmo o PCB não soube

canalizar as forças operárias, pois era adepto da “ordem e da tranqüilidade” e estava aquém da proposta do

operariado.

Política, Economia e Sociedade no Brasil de 1945 a 1964. Com o fim da Segunda Grande Guerra e a onda neoliberal varrendo a Europa, o Estado autoritário

varguista começa a sucumbir, Vargas cria duas fortes estruturas partidárias: o PSD e o PTB, essas

máquinas eleitorais iram conduzir a política até a década de 60, tendo como principal adversários os

liberais-constitucionalistas agremiados na UDN.

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A grosso modo, podemos dizer que a máquina partidária do PSD, agremia em seus quadros a elite

agrária; já a máquina do PTB agremia em seus quadros os trabalhistas, profissionais liberais e uma parte da

classe média urbana. A UDN é a agremiação dos liberais constitucionalistas, podemos dizer que é a

burguesia comercial ligada ao comércio e ao capital estrangeiro ou imperialista norte-americano.

Em 1945, Vargas indica - depois de deposto - o nome do seu antigo Ministro das Forças Armadas,

Eurico Gaspar Dutra, para concorrer à Presidência pelo PSD, para que Vargas continue influenciando o

rumo da política e da economia. Assim sendo, o General Dutra, assume a presidência vencendo o pleito,

tendo como adversário o candidato da UDN, Brigadeiro Eduardo Gomes.

A partir de 1947, portanto, durante o governo de Dutra, o Brasil inseriu-se no contexto da Guerra Fria

caracterizada pela Doutrina Truman? como aliado da grande potência do norte. O ingresso oficial do Brasil

no cenário da Guerra Fria aconteceu com o tratado de assistência mútua, em setembro de 1947, entre o

Brasil e os EUA. Além disso, na IX Conferência Interamericana, realizada em Bogotá, o Brasil associou-se

ao sistema de segurança do hemisfério ocidental atlântico. Dutra, coerentemente rompeu relações

diplomáticas com a URSS, ao mesmo tempo em que o PCB, chefiado por Luís Carlos Prestes, voltava para

a ilegalidade.

A Constituição de 1946: uma Constituição “Liberal”. A quinta Constituição brasileira, quarta da República, foi promulgada em 18 de setembro de 1946,

resultou do trabalho da Assembléia Constituinte, convocada por Eurico Gaspar Dutra e eleita em 12 de

dezembro de 1945, após 15 anos de governo Varguista.

A Constituição de 1946, seguindo os princípios liberais vencedores do segundo conflito armado

mundial (1937-1945), atendeu tanto aos princípios defendidos pelo liberais, que haviam combatido o

Estado Novo, quanto daqueles que ainda defendiam a manutenção de um governo forte. Isso porque o texto

constitucional garantiu os direitos individuais e preservou a centralização e a força do poder executivo.

Além disso, deu grande autonomia aos Estados da federação e restabeleceu, como forma de governo, a

República Federativa e Democrática, permitiu a criação de Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI)

que deveriam investigar denúncias de corrupção e improbidade administrativa, restabeleceu a

independência dos três poderes – judiciário, executivo e legislativo – , além de restabelecer o princípio da

eleição direta para todos os níveis.

Com a nova Carta em vigor, o governo do General, que começou tumultuado, com o passar do tempo

conheceu momentos tranqüilos. Com o apoio do PSD, do PTB e de Vargas, recebia, apenas, a oposição do

PCB.

O PCB, beneficiado com a anistia promovida por Vargas, teve uma atuação destacada nas eleições de

1945. Luís Carlos Prestes foi eleito senador pelo Distrito Federal com mais de 157 mil votos, além de

eleger 15 representantes para a Câmara dos Deputados. O PCB passou a ocupar um espaço cada vez maior

entre as lideranças sindicais e entre os estudantes e foi responsável pela promoção de manifestações política

importantes e concorridas. No comício da vitória do PCB em São Paulo, 1947, por exemplo, as ruas foram

tomadas por militantes e simpatizantes, que carregavam bandeiras com o símbolo do Partido Comunista: a

foice e o martelo entrelaçados, sob um fundo vermelho.

Entretanto, a felicidade iria durar pouco. Não tardou para que a elite e setores ligados aos grupos

imperialistas pressionassem o governo para tomar uma atitude contra o PCB. Em 1946, o presidente Dutra

iniciou a sua investidura sobre o partido, demitindo todos os funcionários públicos militantes do PCB, que

eram muitos, uma vez que o PCB defendia a infiltração de militantes em cargos públicos.

A situação do governo diante dos comunistas ficou mais complicada com os resultados favoráveis ao

PCB nas eleições de 1947. Como represália e temendo uma influência muito maior do PCB, Dutra não

relutou em colocar os comunistas na ilegalidade, utilizando um dispositivo constitucional que permitia

excluir da participação política legal os partidos que fossem considerados “antidemocráticos”. Assim, em

1947, o PCB foi declarado fora da lei, decisão prontamente apoiada pelo Exército e pelos Estados Unidos.

Riqueza de poucos, miséria de muitos. Este período que estamos estudando, trata-se do desenvolvimento econômico do Brasil, principalmente

no setor da indústria de Base, que, devido à Segunda Grande Guerra, sofreu um impulso

desenvolvimentista.

A criação da Comissão de Planejamento Econômico, em 1944, foi o ponto de partida para o debate que

iria dominar o cenário político-econômico brasileiro por longas décadas. Uma corrente desse debate

defendia que o desenvolvimento econômico do país deveria ser baseado no nacionalismo. Isto é, deveria ser

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baseado numa certa independência do capital nacional do sistema capitalista mundial, explorando os

recursos e as possibilidades internas do Brasil, com o Estado comandando o processo econômico. Outra

corrente defendia o desenvolvimento com base no internacionalismo: o desenvolvimento deveria basear-se

liberalismo econômico, no predomínio da empresa priva e na associação com o capital estrangeiro.

Um marco deste período foi a criação da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), da Petrobrás, da

Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), as Usinas Hidrelétricas, e de diversas outras indústrias

indispensáveis para o desenvolvimento nacional. A partir de então, os diversos setores industriais

começaram a crescer em um ritmo nunca percebido antes.

Uma marca, também deste período, foi a instalação das primeiras indústrias automobilísticas, que

estimulou o crescimento e o surgimento de diversas outras atividades industriais.

Contudo, os automóveis produzidos por estas indústrias não se destinavam ao transporte coletivo, mas

sim, ao transporte privado. Esta política demonstra a verdadeira opção dessas indústrias: produção de

automóveis para a elite, já que a população não tinha (e ainda não tem) condições de adquirir um

automóvel.

Assim, o desenvolvimento industrial do período demonstra claramente o seu objetivo: satisfazer os

interesses consumistas da elite econômica e empurrar à classe trabalhadora os baixos salários decorrentes

da existência de um exército de reserva em abundância.

Esse surto industrial limitou-se basicamente à região Sudeste. O resultado disto foi um aumento

considerável no fluxo migracional interno, ou seja, aumentou o deslocamento entre as populações dos

diversos estados do Brasil para a região sudeste, particularmente para São Paulo, Rio de Janeiro e Minas

Gerais.

A renda produzida por estes novos trabalhadores, que trabalhavam nestas novas indústrias não serviram

para aumentar o nível de vida daqueles que produzem a riqueza, mas sim para enriquecer ainda mais os

donos dos meios de produção.

Atentados e Mortes, reformas e golpes. A eleição de 1945, se deu em um processo conturbado, pois o Brasil tinha acabado de sair de uma

guerra mundial e deposto um ditador. Concorreram três candidatos, contudo, o vencedor foi o Ministro da

Guerra de Getúlio Vargas durante o Estado Novo, Eurico Gaspar Dutra apoiado pelo PSD e PTB (partidos

que Getúlio Vargas criou para dar sustentação à política).

Durante o longo em que o Brasil esteve afundado na ditadura do Estado Novo, os políticos, e por sua

vez, a população, desaprendeu a viver em democracia. Era preciso recriar a prática política democrática nos

cidadãos.

Este afastamento da democracia, fez com que Dutra, em pleno regime democrático, cassasse o registro

do Partido Comunista do Brasil (somente em 1956, que haverá alteração no nome do PCB, que passará a

ser chamado de Partido Comunista Brasileiro, o que fará surgir um outro partido, o Partido Comunista do

Brasil, PC do B), dos seus parlamentares.

Apesar da eleição de Dutra ter sido uma vitória das forças ligadas ao getulismo, a forma pela qual ele

conduziu a economia foi diferente, principalmente no que tange ao papel do Estado enquanto agente

econômico.

No aspecto econômico, o Governo de Dutra, de saída, foi assinalado pela liberação das importações,

marcando um desafogo em relação aos rígidos controles estabelecidos na era de Vargas. De acordo com

Lopez?, o “problema é que se exportou muita coisa inútil – como Coca-Cola, dos EUA – e o país

desperdiçou preciosas divisas acumuladas durante a guerra, no exterior em face do incremente da

importação”.

Demonstrando um total afinamento com os setores defensores de um “Estado Mínimo”, o governo

Dutra adotou o Plano SALTE, cujo nome é composto das iniciais das áreas em que o Estado deveria

intervir – saúde, alimentação, transporte e energia. O plano SALTE defendia uma redução da interferência

do Estado na economia, elegendo apenas 04 áreas que seriam privilegiadas com os investimentos públicos.

Durante o governo de Dutra, observou-se, ainda, uma arrocho salarial, mantendo-se o valor do salário

mínimo, não obstante a existência de uma inflação considerável que, como sabemos, corrói o valor real dos

salários. Para se ter uma idéia da defasagem do valor do salário apresentaremos alguns dados. Em 1945,

ainda no Estado Novo, o salário mínimo valia 78,6% do valor do salário mínimo de 1953, ano que atingiu o

seu valor real mais alto. No final do governo Dutra, o salário mínimo valia apenas 50% do valor do salário

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mínimo de 1953. Para ficar mais claro: supondo que um trabalhador recebesse um salário mínimo de

R$ 100,00 em 1953, receberia R$ 78,60 em 1945 e somente R$ 50,00 em 1951. Ou seja, durante o governo

de Dutra, o trabalhador perdeu R$ 28,60 do seu salário com a inflação?. Para manter o salário baixo, Dutra

não pestanejou em utilizar-se da violência contra as manifestações operárias, derrubando lideranças e

intervindo nos sindicatos.

Ao término do mandato de Dutra, com características da repressão estadonovista, sem ter conseguido

colocar em prática seu plano SALTE e mal fixando um controle e seleção de importações, a

impopularidade do presidente era um fato. Politicamente, ele se esforçava em aproximar a UDN do PSD,

rompendo o pacto populista.

Nas eleições de 1950, Getúlio Vargas venceu as eleições, e voltou ao Palácio do Catete, "nos braços do

Povo". A sua política continuou a ser a mesma: paternalista e populista. O novo governo de Vargas

realizou-se no momento em que os países capitalistas se reorganizavam, mas dessa vez tendo como centro

os Estados Unidos. Assim, o processo de industrialização que havia sido facilitado pela Segunda Grande

Guerra Mundial foi anulado, pois o imperialismo retomou seu vigor, e a reconquista d mercado brasileiro

foi empreendida. Todavia, a política econômica de Vargas era marcadamente nacionalista, chocando-se por

isso com os interesses imperialistas, sobretudo os norte-americanos. A mais significativa decisão de Vargas

no período foi a nacionalização do petróleo, com a criação da Petrobrás, através da lei 2004 de 03 de

outubro de 1953, que estabeleceu o monopólio estatal do petróleo e a expansão das atividades da

Companhia Vale do Rio Doce (CVRD). Naturalmente, o nacionalismo de Vargas não agradava aos

capitalistas norte-americanos, e o presidente dos EUA, Eisenhower, cancelou unilateralmente o acordo de

desenvolvimento entre o Brasil e os Estados Unidos, entregando apenas US$ 180 milhões dos quase

US$ 400 milhões prometidos anteriormente.

Vargas, no seu período enfrentou um crescimento inflacionário, que resultava, muitas vezes, em greves

dos trabalhadores. Getúlio Vargas, para não perder o apoio popular, adotava medidas populistas, tais como

o aumento salarial dos trabalhadores.

Esta política de Vargas, começou a sofrer forte oposição por parte da União Democrática Nacional -

UDN. O principal expoente deste partido era o jornalista Carlos Lacerda, que em 5 de agosto de 1954,

sofreu um atentado em que morreu um de seus guarda-costas, o major da Aeronáutica Rubens Florentino

Vaz e Lacerda foi atingido no pé por um tiro. Este atentado ficou conhecido como “o atentado da rua

Toneleiros”. As Forças Armadas, especialmente a Aeronáutica, ficaram alarmadas e começaram a

desconfiar de Getúlio, já que o mesmo mandara suspender as investigações sobre o caso. As investigações

descobriram que o pistoleiro fora contratado pelo tenente Gregório – Gregório Fortunato, o anjo negro de

Vargas, o temido e fiel comandante da temida guarda pessoal do presidente. Getúlio sabia que a oposição –

que não lhe dava tréguas – aproveitaria da circunstância, quando declarou que a bala não fora dirigida a

Lacerda, mas a ele. Iniciou-se um processo de pressão sobre Getúlio que exigia a sua renúncia, ou seria

deposto. Ante as pressões, Vargas suicida-se em 24 de agosto de 1954, deixando à nação uma carta onde

afirma que "deixa a vida, para entrar na História"

O gesto de Vargas foi um dos mais expressivos atos políticos; ele praticamente paralisou a oposição em

virtude do impacto causado sobre as grandes massas populares de todo o país. O suicídio de Vargas

golpeou os que se preparavam para golpeá-lo. Os setores conservadores do Exército e da UDN e os

mancomunados com o capital estrangeiro ficaram estarrecidos, perplexos, imobilizados. Seguiu-se uma

onda emocional. o povo saiu às ruas. Por um momento, teve a lucidez de discernir os aliados de seus

inimigos. O dia foi traumático. Houve quebradeira. Os Diários Associados, de propriedade de Assis

Chateaubriand e de Carlos Lacerda, a embaixada americana foram atacados pela multidão enfurecida. os

adversários de Vargas passaram de donos da verdade a vilões. Não sendo organizada e sim espontânea, a

ação popular durou pouco, esgotou-se em um só dia. No entanto, aquele dia assegurou dez anos de

sobrevida à democracia populista. Lacerda cuja participação nos eventos que culminaram no 24 de agosto,

lhe valeu o apelido de corvo, teve que se esconder do furor popular, pois do contrário, se a massa

enraivecida deitasse a mão sobre o mártir do pé - uma alusão ao local de onde um dos tiros do atentado da

rua Toneleiros atingiu – é de supor que só lhe sobraria o outro.

Mesmo com pressões das Forças Armadas para impedir o pleito de 1955, o vice-presidente Café Filho,

que assumiu no lugar de Vargas, garantiu as eleições. Este pleito foi vencido por Juscelino Kubitschek do

PSD e a vice-presidência ficou com João Goulart, ex-ministro do Trabalho de Vargas, do PTB. Após

intensas articulações golpistas e contra-golpistas, a posse de JK foi garantida.

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Juscelino Kubitschek, assumiu o governo em 31 de janeiro de 1956 e governou até 31 de janeiro de

1961. O seu governo é marcado por ter dado à administração pública um novo alento, um impulso mais

moderno e modernizante. Foi marcado, também, pela execução de obras faraônicas, tais como a construção

de Brasília, no centro do Brasil, diversas rodovias interestaduais, hidrelétricas etc., além de oferecer

incentivos para a instalação de empresas no Brasil. Tais medidas corresponderam ao que ele chamou de

Plano de Metas, que tinha como objetivo desenvolver o Brasil "50 anos em 5". Uma conseqüência deste

plano foi o aumento vertiginoso de nossa dívida externa.

Em 31 de janeiro de 1961, assume o governo o udenista, Jânio Quadros. O governo de Jânio foi curto,

pois renunciou em agosto de 1961, e foi marcado por uma política ambígua: no plano externo adotou uma

política de independência dos EUA, aproximando-se dos países socialistas, inclusive condecorando o líder

revolucionário ê Guevara; no plano interno foi subserviente às forças conservadoras. Sofre forte oposição

do Congresso que o leva a renunciar em 25 de agosto de 1961.

Como o vice-presidente João Goulart estava em viagem à China Comunista no dia da renúncia de Jânio

Quadros, o presidente da Câmara, Ranieri Mazzili, assumiu o cargo interinamente.

Os ministros militares entendiam que a posse de João Goulart era perigoso à segurança nacional, devido

às suas posturas e ligações com os comunistas, e tentaram impedir a posse do vice. Após uma série de

articulações, o Congresso estabelece o Parlamentarismo no Brasil, com o objetivo de limitar os poderes do

presidente da República e transferi-los para o Congresso.

Mesmo com poderes restritos, João Goulart assume a presidência em 07 de setembro de 1961.

Em um plebiscito, realizado em janeiro de 1963, a população restabeleceu as prerrogativas presidenciais

da Constituição de 1946. Com o presidencialismo de volta, João Goulart adotou uma série de medidas que

seriam, em parte, responsáveis pelo Golpe de 1964, tais como: assinatura de um decreto presidencial

estabelecendo o monopólio estatal sobre a importação do petróleo e seus derivados; regulamentação em

Janeiro de 1964, da remessa de lucros para o exterior, restringindo as facilidades das empresas estrangeiras;

assinatura em 13 de março de 1964, durante um comício na estação da Central do Brasil, no Rio de Janeiro,

de decretos nacionalizando refinarias de petróleo e desapropriando, para fins de reforma agrária e

distribuição a trabalhadores rurais propriedades com mais de 100 hectares, numa faixa de 10 quilômetros às

margens das rodovias e ferrovias federais. A este conjunto de medidas foram denominadas de Reformas de

Base, que inclui, ainda, a extensão do voto aos analfabetos e a reforma universitária, garantindo liberdade

de ensino.

A Carta Testamento de Getúlio Vargas. “Mais uma vez, a forças e os interesses contra o povo coordenaram-se e novamente se

desencadeiam sobre mim. Não me acusam, insultam; não me combatem, caluniam, e não me dão o direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes.

Sigo o destino que me é imposto. Depois de decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci. Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social. Tive de renunciar. Voltei ao governo nos braços do povo. A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre.

Não querem que o povo seja independente. Assumi o Governo dentro da espiral inflacionária que destruía os valores do trabalho. Os lucros das empresas estrangeiras alcançavam até 500%

ao ano. Nas declarações de valores do que importávamos existiam fraudes constatadas de mais de 100 milhões de dólares por ano. Veio a crise do café, valorizou-se o nosso principal produto. Tentamos defender seu preço e a resposta foi uma violenta pressão sobre a nossa economia, a

ponto de sermos obrigados a ceder. Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante,

tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim mesmo, para defender o povo, que agora se queda desamparado. Nada mais vos posso dar, a não ser meu sangue. Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida.

Escolho este meio de estar sempre convosco. Quando vos humilharem, sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado. Quando a fome bater à vossa porta, sentireis em vosso peito a energia

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para a luta por vós e vossos filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no pensamento a força para a reação. Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com o perdão.

E aos que pensam que me derrotaram respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue será o preço do seu resgate. Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora vos ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da

eternidade e saio da vida para entrar na História”. Rio de Janeiro, 23/08/54 - Getúlio Vargas

O povo entra em cena. No final do período que estamos estudando, o espaço político tradicional foi marcado pela luta dos

partidos políticos na conquista ou na manutenção do poder. Contudo, um fato novo entra em cena: as

diversas organizações populares começam a reivindicar os seus direitos e a proporem alternativas para a

sociedade.

São os estudantes, profissionais liberais, professores, trabalhadores urbanos e rurais, religiosos e leigos

que começam a ir para as ruas em protestos exigindo mudanças políticas. O povo tinha aprendido o que era

ser cidadão.

Formaram-se e/ou reorganizaram-se, então, diversas entidades: a União Nacional dos Estudantes (UNE),

a Juventude Operária Católica (JOC), a Confederação dos Trabalhadores na Indústrias (CONTAG), o

Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), o Pacto de Unidade e Ação (PUA), União Brasileira dos

Estudantes Secundaristas (UBES), as Ligas Camponesas, enfim, foi um período em que a sociedade civil

pode se organizar livremente para exprimir os seus direitos e aspirações.

Contudo, como toda a ação pressupõe uma reação, a elite econômica, que vivia do trabalho alheio e que,

portanto, defendia a manutenção do status quo, também criou os seus mecanismos de defesa dos seus

interesses, entre elas destacam-se: o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), o Instituto de

Pesquisa e Estudos Sociais (IPES), o Sociedade Brasileira para a defesa da Tradição, da Família e da

Propriedade (TFP), o Comando de Caça aos Comunistas (CCC).

Durante o início dos anos 60 até março de 1964, o Brasil foi marcado pelo debate entre estas diversas

organizações sociais, como deve ser uma verdadeira democracia.

Março de 1964: o fim de uma época. As políticas adotadas por Goulart serviu de argumentos para que os setores reacionários da sociedade

brasileira defendessem o fim do governo de João Goulart, sob a alegação de que ele queria instalar no

Brasil uma República Sindicalista. Com este discurso, estes setores conseguiram convencer a classe média,

que serviu de sustentação para atitudes golpistas.

Em 31 de março de 1964, os militares apoiados pela classe média, pelos grandes empresários, pelas

multinacionais e pelos EUA, derrubaram o governo de João Goulart em defesa da Soberania e da

Segurança Nacional.

Conclusão. Podemos dizer, acerca do período estudado, que o Brasil foi palco de diversas articulações políticas,

tentativas de golpes e desrespeito à democracia. A participação da população foi cortada violentamente do

cenário político, justamente no momento em que se encontrava no auge. Mais uma vez, as elites que

sempre dominaram o nosso país, desde quando ele foi conquistado pelos portugueses, demonstraram que

estão dispostas a tudo para manter o seu poder, como foi em 54, e em 64.

A redemocratização ambicionada por toda a oposição getulista estava limitada desde o início, pois as

forças políticas em jogo tinham sido formadas no seio do Estado Novo e não se haviam libertado do

passado recente. Basta referir aqui ao fato de o próprio Dutra ter sido ministro da Guerra de Vargas. Dutra

estava submetido ao prestígio de Getúlio, uma vez que não podia governar senão com o apoio dos grandes

partidos (PSD e PTB) formados por Getúlio no fim do Estado Novo.

A persistência do Estado Novo foi favorável ainda pela emergência do movimento operário, que

retomou seu vigor no princípio do ano de 1946, sem todavia encontrar ressonância ao nível dos partidos

políticos organizados. Estes não possuem a sabedoria de compreender que a verdadeira democracia tem que

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passar pelo teste da incorporação das forças operárias. A cisão entre as elites políticas e a massa popular

facilitou a adoção de medidas repressivas, próprias do Estado Novo: intervenções nos sindicatos,

dispositivos legais que permitiam o controle e a repressão do operariado. Mesmo o PCB não soube

canalizar as forças operárias, pois era adepto da “ordem e da tranqüilidade” e estava aquém da proposta do

operariado.

É importante percebermos que com o desenvolvimento industrial do período, o mesmo serviu para

aumentar os lucros da elite política e economicamente dominante, já que a renda produzida pelos

trabalhadores não serviu para melhorar as condições de vida dos mesmos.

O que pode-se concluir do período estudado, é que quando a população começa a participar

efetivamente do processo político nacional e começa a questionar o verdadeiro estado das coisas, os grupos

dominantes são capazes de fazerem qualquer articulação para permanecerem no poder.

UNIDADE IV - A CONSTRUÇÃO DO ESTADO MILITAR-AUTORITÁRIO: O BRASIL DURANTE OS ANOS DE CHUMBO.

“(...) que foi conduzido às dependências do DOI-CODI, onde foi torturado nu, após

tomar um banho pendurado no pau-de-arara, onde recebeu choques elétricos, através de um magneto, em seus órgãos genitais e por todo o corpo, (...) foi-lhe amarrado um dos

terminais do magneto num dedo de seu pé e no seu pênis, onde recebeu descargas sucessivas, a ponto de cair no chão”?.

Antecedentes: da “Vassoura” à Baioneta – a crise do Populismo. “Varre, varre vassourinha,

Varre, varre a bandalheira, que o povo está cansado, de sofrer desta maneira”.

(jingle da campanha presidencial de Jânio Quadros) Juscelino completou seu mandato presidencial a despeito de constantes previsões de que iria cair. A

campanha para seu sucessor produziu duas figuras políticas, cada uma bizarra à sua maneira. Jânio Quadros

era um solitário que havia construído uma carreira política sobre seu carisma no estado de São Paulo.

Começara como professor de ginásio, mais tarde vendendo sua História da Gramática Portuguesa de porta

em porta, mas sua verdadeira vocação era convencer os eleitores da classe média de que ele podia limpar a

política. Era especialmente adepto de manter os holofotes sobre si soltando trechos saborosos de uma

história enquanto postergava com sucesso o desfecho. Sua campanha presidencial de 1960 exibia esse

talento. O símbolo de sua campanha era uma vassoura – para varrer os políticos corruptos. Jânio atraía um

apoio tão amplo e entusiástico que chegava ao público como uma espécie de messias. Ele foi a escolha da

UDN, que o nomeou na esperança de finalmente ter um vencedor. Mas Jânio dava pouca importância à

fidelidade partidária. No meio da campanha renunciou à indicação da UDN para caracterizar a sua

independência.

O outro candidato, Marechal Lott, ex-ministro da Guerra, representava o pacto populista (PSD e PTB).

Lott era conhecido como nacionalista e progressista. Fora ele que desempenhara o papel-chave impedindo

o golpe militar de 1956, armado para impedir a posse de Juscelino. Porém em 1960, o Marechal foi

suficientemente ingênuo para ser convencido pela esquerda (incluindo o Partido Comunista) de que ele era

o herói que poderia salvar o Brasil. Na verdade, Lott era um candidato inepto e não era páreo para Jânio.

Com a eleição de Jânio Quadros e sua “vassoura”, a UDN chega, finalmente, ao poder. Jânio conseguiu

48% dos votos, uma minoria, mas maior que a votação de Juscelino. A plataforma Sua plataforma foi a

moralidade administrativa e, com isso, ganhou as simpatias da classe média urbana, tornou-se uma espécie

de líder carismático para elas. Era, sem dúvida, um novo representante populista em perspectiva. Seu

modus vivendi dificilmente poderia contrastar de modo tão agudo com o de Juscelino. Ao invés de rodeios

e barganhas, o Brasil iria agora ter um governo transparentemente honesto, se Jânio pudesse manter suas

promessas de campanha.

Em 1961, Jânio foi empossado presidente. Deveria permanecer no poder até 1966. A situação

econômica do país era uma verdadeira calamidade, proporcionada em grande medida pelo

desenvolvimentismo juscelinista.

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Diz a Bíblia que é impossível agradar a dois senhores, Deus e Baal, ao mesmo tempo. Jânio se

comprometera com forças reformistas – sindicatos, o PTB, o eleitorado varguista – e, ao mesmo tempo,

com forças conservadoras – os chefes militares, a UDN, os grandes empresários, as multinacionais e a

grande imprensa. A quem servir?

Durante os anos em que permaneceu na presidência – de janeiro de 61 a agosto do mesmo ano – o

governo de Jânio Quadros foi marcado pela promoção da chamada política externa independente,

rompendo com o alinhamento automático com os EUA e aproximando o Brasil da URSS, da China Popular

e de Cuba, chegando, inclusive a condecorar com a Ordem do Cruzeiro do Sul (a mais alta condecoração

que um estrangeiro pode receber do governo brasileiro) um dos heróis da vitoriosa Revolução Cubana,

Ernesto Chê Guevara. Esta política desagradou profundamente os políticos da UDN e principalmente

Washington. Era do conhecimento público que Jânio Quadros não era um udenista e muito menos um

antipopulista. Neste sentido, as ações do “presidente da vassoura” fora a comprovação de que Jânio, apesar

de ter sido eleito pela sigla da UDN não se comportaria de acordo com ela, atuando segundo os seus

caprichos personalistas e sua esquisita combinação de autoritarismo e informalismo, agindo ao sabor do

humor e da improvisão, fatos que levaram Afonso Arinos a dizer que Jânio foi a “UDN de porre”- em

alusão às preferências etílicas do presidente. Parecia que o Brasil tinha eleito um “falso messias”.

No plano interno, Jânio adotou uma política de modo a agradar os conservadores. Como observou

Sílvio Tendler, o país necessitava de um estadista e encontrou um “delegado-de-costume”, pois Jânio ao se

preocupar com o aumento do custo de vida, proibiu, entre outras coisas, as brigas de galo-de-rinha e o

desfiles de Misses na televisão. Um traço da sua informalidade eram os constantes bilhetinhos que o

presidente enviava aos seus ministros.

No plano econômico, a medida 204 da SUMOC?, publicada em 13 de março de 1961, retirou os

subsídios à importação do petróleo, papel e trigo, medida antipopulista que fez subir o custo de vida, dando

um passo para a uniformização das taxas de câmbio, conforme a doutrina do FMI e das autoridades

financeiras norte-americana. Esta instrução, alterou profundamente a sistemática da política cambial

brasileira, que passou de uma transação com taxas múltiplas e variáveis para uma com taxa única e

flutuante. Ou seja, todas as importações passaram a ser feitas pelo mercado de taxas livres, exceto o

produtos já citados. Além disso, fez uma desvalorização da moeda, implantando o cruzeiro forte. No

aspecto do desenvolvimento econômico, procurou vincular-se aos interesses dos investimentos americanos,

aderindo aos princípio da “Aliança para o Progresso”, do então presidente norte-americano John Kennedy.

A tentativa janista de se equilibrar entre interesses extremos provocou críticas violentas. Descontente

com a política externa independente de Jânio, o jornalista Carlos Lacerda, agora governador do Estado da

Guanabara (ex-Distrito Federal) o atacava constantemente. Com o passar do tempo, Jânio se revelava um

aventureiro irresponsável e uma frustração para a UDN?.

Como Jânio nunca fora dado à arte da negociação e para afastar Lacerda, fortalecendo-se no poder,

Jânio imaginou um lance inesperado e dramático: uma súbita renúncia. Foi o que fez em 25 de agosto de

1961. Tal como o suicídio de Getúlio, foi uma atitude drástica e inesperada, cujos motivos são até hoje

objeto de discussão. Não resta dúvida de que ele esperava um retorno triunfal nos braços do povo,

devidamente fortalecido e podendo impor o impeachment de Lacerda. Mais ainda, supunha que a renúncia

não seria aceita pelo Congresso e forçaria-o dar-lhe plenos poderes – como ocorrera com o General de

Gaulle na recente crise francesa precipitada pela independência da Argélia – além do mais, a sua renúncia

abria a presidência ao seu vice, João Goulart, que, para muitos políticos influentes, era tido como um

getulista radical e até mesmo um comunista; em outras palavras, o retorno do populismo getulista, em sua

modalidade mais comprometida com mudanças sociais, o que provocava um mal-estar nas elites.

Assim, Jânio acreditava nas circunstâncias e na força de seu carisma. Acabou dando tudo errado para

ele. O povo não se mexeu e apenas se sentiu frustrado pelo desperdício de seu voto, nenhum grupo político

movimentou-se para convencer Jânio Quadros a voltar à presidência e a UDN viu esfumar-se o breve sonho

de poder.

A perspectiva da ascensão de João Goulart? à presidência alarmou a UDN e militares, que o

consideravam um perigoso populista disposto a acomodar os comunistas e ajudá-los a alcançar o poder. A

localização de Jango no momento de seu acesso à presidência não poderia ser confirmação mais dramática

de que aqueles temores eram bem fundamentados. Ele estava em visita oficial à República Popular da

China?. Alguns ministros militares e políticos da UDN tentaram, neste sentido, impedir que se cumprisse a

Constituição, que determinava a posse imediata do vice presidente em caso de renúncia do titular da pasta.

Estes políticos alegaram que um comunista não poderia assumir a presidência do Brasil. Entretanto, o então

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governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola – que por acaso era cunhado de Jango –, um ardoroso

líder do PTB que aspirava ao manto de Vargas, se aliou ao comandante do III Exército e, juntos, lançaram a

Campanha da Legalidade, via emissoras de rádio, conquistando o apoio de boa parte do povo. Os

legalistas argumentavam que ele havia sido democraticamente eleito vice-presidente da República e

deveria agora, portanto, ser o presidente constitucional. Brizola, neste sentido, decidiu desafiar os ministros

militares e convidou Jango a voltar para o Brasil pelo Rio Grande do Sul, obtendo a promessa do

comandante do III Exército de repelir quaisquer forças federais que viesse do norte.

Tomando conhecimento de tudo isso, lá no distante Oriente, Jango não se iludiu com as dificuldades

que teria para chegar ao governo, legalmente seu. Assim, quando um assessor lhe propôs um bride ao novo

presidente, ele retrucou propondo um brinde aso “imprevisível”.

Para se evitar uma guerra civil pela disputa da sucessão presidencial, os políticos centristas começaram

a negociar com os ministros militares e com os políticos da UDN uma saída que evitasse o confronto.

Assim, foi articulado uma saída de consenso entre os grupos antagônicos: João Goulart assumiria o poder,

porém somente após a aprovação, pelo Congresso Nacional de um Ato Adicional à Constituição de 1946

que instaurasse o regime parlamentarista. Jango assumiu, sob protestos, a presidência com poderes

bastantes restritos e, prometeu solenemente, fazer uma campanha para a restauração dos plenos poderes.

Definiu-se também, que a continuidade do parlamentarismo no Brasil dependeria de um plebiscito a ser

realizado mais tarde, ratificando ou não aquele Ato Adicional. Assim, mais uma vez na História do Brasil,

o exercício do poder Executivo passaria a ser uma atribuição de um primeiro-ministro, o qual, para efetivar

suas decisões deveria contar com a aprovação do Congresso. A 02 de setembro de 1961 foi aprovado o Ato

Adicional e no dia 07 do mesmo mês João Goulart assumia a presidência da República. Jango, voltando ao

Brasil, e agora no poder representava um Varguismo mais avançado e protegido pelo mando da

Constituição.

O que estava em jogo nessa luta? O historiador brasilianista Thomas E. Skidmore, respondeu da

seguinte maneira: “a resposta era o formato do futuro do Brasil. A acelerada taxa de crescimento da

população do país estava aumentando as fileiras dos desempregados. Para gerar empregos o Brasil

precisava intensamente diversificar sua base econômica. O debate sobre a estratégia econômica no país

estava polarizado pelos marxistas e estatistas à esquerda e pelos neoliberais à direita. Getúlio tentara

combinar elementos de ambos. No fim, sua tentativa de equilíbrio fracassara. Juscelino havia dado nova

vida à negociação entre esquerda e direita mas, com a sucessão de Jango, o Brasil estava agora diante de

uma repetição do confronto de 1954 – um presidente populista dessa vez com uma base política instável e

poderes parlamentares limitados contra os militares”?.

Jango ficou no poder menos de 03 anos. Durante este período tentou, de todas as formas, obter o

controle sobre um cenário político crescentemente dividido – uma tarefa bastante complicada pelo

aquecimento da Guerra Fria.

Para todos os efeitos práticos, a saída emergencial do Parlamentarismo foi para acalmar os reacionários

mais endurecidos. Ao longo do dois anos de Parlamentarismo, embora houvesse a figura do Primeiro-

Ministro, a figura carismática de João Goulart não deixou de se impor na cena política, inclusive porque

não só o nosso parlamentarismo veio sem legitimidade, como também veio híbrido e confuso no que se

referia ao verdadeiro papel de Jango. Tancredo neves, “velha raposa” do PSD e com vocação inata para a

negociação de bastidores convenceu Jango e ficou como o primeiro Primeiro-Ministro. Seria sucedido por

Brochado da Rocha e Hermes de Lima.

Em janeiro de 1963, cerca de 9,5 milhões de um total de 12,3 milhões de votantes responderam NÃO ao

parlamentarismo e ratificaram o programa de Reformas de Base, que se vinculara à sua restauração.

Retornava, assim, o sistema presidencialista. Era a vontade do povo. O povo brasileiro não seguiu o

conselho do Record American. O que era bom para os Estados Unidos naturalmente não o era para o Brasil.

Goulart considerou aquele resultado como outra eleição, sua verdadeira eleição para a Presidência da

República, a mais expressiva de toda a história do País, maior do que a de quadros, até então recorde, com

6 milhões de votos. Era seu triunfo pessoal, como o The New York Times reconheceu. Ele, entretanto, não

quis assumi-lo, em toda a plenitude, como um mandato popular para as reformas de base, constituindo um

Ministério eminentemente de esquerda, a fim de executá-las, com ou contra o Congresso. “Essa coroa eu

não ponho na minha cabeça” – disse a Darcy Ribeiro, seu Ministro da Educação. Seu propósito era deixar

que a onda passasse, evitando a radicalização, para depois retomar, firmemente, o caminho das reformas.

Por isso dividiu a vitória com o PSD?.

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De acordo com Lopez?, “o Parlamentarismo durou de setembro de 1961 à janeiro de 1963, veio como

modo de superar uma crise, mas o entrechoque de interesses e ministérios instáveis levaram ao imobilismo.

A massa popular tinha a necessidade de reformas que modernizassem a sociedade brasileira, assim como

Juscelino modernizara a economia. E modernizar implicava mudanças presididas pelo Estado – o

Parlamentarismo passou a ter os dias contados, na medida em que se revelou impotente para efetuá-las. As

esperanças se concentraram em João Goulart. Mas como ele poderia pôr em prática um programa

reformista, tendo as mãos atadas pela instituição do Parlamentarismo? Cumpria, pois, abreviá-lo. Com o

plebiscito de janeiro de 1963, a massa popular disse não ao Parlamentarismo Biônico e, mais importante,

evidenciou que a tendência da política brasileira começava a seguir direção das soluções mais drásticas e

rápidas para os seculares problemas brasileiros”.

A volta do presidencialismo. Com o fim do parlamentarismo, João Goulart escolheu um ministério bem indicativo de sua estratégia?:

elaborar um plano, que resolvessem o problema do descompasso do crescimento econômico em relação ao

atraso social. Neste Ministério merecem destaques a indicação do advogado San Tiago Dantas, para a pasta

da Fazenda, e do economista e professor Celso Furtado, para a pasta do Planejamento. Era um Ministério

de centro-esquerda. Buscava enfrentar os problemas econômico-financeiros com seriedade através de

figuras da chamada “esquerda positiva”, batizada por San Tiago Dantas, um destacado advogado e

intelectual, que tentara relegitimizar ao menos parte da esquerda como coerente com a democracia,

dividindo-a em alas “positiva” e “negativa”. A ala “positiva”, argumentava ele, estava disposta a participar

de soluções política democráticas. A ala negativa, ao contrário, estava comprometida com a obstrução e

deslegitimação do processo democrático – apostando na substituição do regime existente por um regime

revolucionário.

O Plano Trienal. Enquanto o presidencialismo era restabelecido, a situação econômica do país deteriorava-se

rapidamente. A inflação que no ano de 1962 fora de 52%, atingiu o índice de 80% em 1963, e no começo

de 1964, já beirava a casa dos 100%, afetou gravemente o poder aquisitivo da classe trabalhadora. Para

conter a crise, o presidente e o seu Ministro do Planejamento, lançaram o Plano Trienal, que, entretanto,

não surtiu os efeitos desejados. As pressões salariais cresciam velozmente, levando Jango decidir-se pelas

reformas de base: agrária, administrativa, fiscal, educacional e bancária, programas que prejudicavam os

interesses de grupos conservadores dominantes.

Se a política de Jango visava, de um lado, a sustentação do poder através do estímulo aos movimentos

de massa, de outro, objetivava a implantação de uma política de estabilidade. Esta foi expressa no Plano

Trienal, de autoria do economista Celso Furtado, então Ministro do Planejamento.

Foi, todavia, o projeto de Reforma Agrária, que propunha desapropriar as terras dos latifúndios

improdutivos mediante indenização, o que principalmente assustou a camada mais favorecida da população

– a elite passou a vê-la como ameaça ao direito sagrado da propriedade. Tal medida visava, entretanto,

oferecer melhores condições de vida a milhões de trabalhadores rurais, um modo de ampliar o mercado de

consumo. Ao propiciar a ampliação do mercado consumidor, garantiria um estímulo ao desenvolvimento

industrial. João Goulart frisou, textualmente, que a reforma agrária, a propriedade estaria muito melhor

defendida, pois criaria um número enorme de novos proprietários, evitando o crescimento do êxodo rural, e

garantindo uma melhor estabilidade nas cidades, na medida em que a marginalidade seria controlada mais

facilmente.

O governo de João Goulart estabeleceu, ainda, medidas que visavam conter a remessa de lucros das

empresas estrangeiras para o exterior. Com isso, João Goulart angariou também a oposição, pouco

confortável, dos Estados Unidos e dos grupos ligados ao capital internacional.

Para evitar que a inflação assumisse proporções incontroláveis, a presidência determinou a criação da

Superintendência Nacional do Abastecimento (Sunab), encarregada de estabelecer o controle de preços

internos, o que atraiu o descontentamento do empresariado.

Quais eram, então, as reformas pretendidas por Jango? Controle sobre o capital estrangeiro no Brasil,

nacionalização de riquezas básicas, redistribuição da renda, voto ao analfabeto, reforma agrária, reforma

educacional, em outras palavras, um projeto social-reformista, e não revolucionário.

“Para Jango, tratava-se de não excluir os já incluídos no mercado de consumo, mas de incluir os muitos

excluídos, corrigindo as perversas distorções nas desigualdades brasileiras. No capitalismo, a desigualdade

é inerente ao sistema. Entretanto, no Brasil, havia mais que isso: havia os simplesmente excluídos, a

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população subterrânea de nossa sociedade era precisamente com o que Jango pretendia terminar,

acreditando em um capitalismo humanizado e suprimindo estruturas arcaicas. Ao seu projeto social, era

indispensável também o nacionalismo econômico, o que, certamente, implicaria restringir a liberdade de

ação do capital estrangeiro no Brasil. Por fim, relacionado a tudo isso, igualmente se impunha uma Política

Externa Independente, ou seja, a defesa da autodeterminação dos povos e que, na prática, significou

reconhecer os países socialistas – sobretudo Cuba”?.

A esquerda temeu que Jango quisesse impor uma ditadura e, embora o acreditasse com boas intenções,

achava que sua timidez, decorrente da origem burguesa, o inibiria em seu projeto reformista. O Partido

Comunista advogava uma composição com a burguesia progressista, em prol das reformas. As Reformas

de Base tiveram seus defensores no PTB, na UNE, nos Sindicatos, no CGT e em políticos de proa como

Leonel Brizola, Miguel Arraes (governador de Pernambuco) e Francisco Julião. Quanto à direita,

evidentemente se posicionou contra as reformas.

Com tantas oposições dos setores mais favorecidos da sociedade, João Goulart, num estilo populista,

aproximou-se dos movimentos populares, estimulando diversas manifestações, atemorizando ainda mais os

seus opositores. As medidas do governo buscavam responder às reivindicações dos movimentos sociais.

O Comício da Central do Brasil. A queda de San Tiago Dantas do Ministério da Fazenda, com todas as repercussões que acarretou,

representou um momento decisivo na evolução da crise brasileira, influindo na conduta que dali por diante

os Estados Unidos adotariam em relação ao Governo de Goulart. Seu afastamento marcou o fim das

promessas, a ruptura dos compromissos com Washington, a completa desilusão de John Kennedy quanto à

possibilidade de Goulart conter a espiral inflacionária e o fluxo de massas, que se avolumava com um alude.

E a crise econômica e financeira, estremecendo toda a estrutura da sociedade burguesa, acentuou a

diferenciação dos interesses de classe. As correntes de esquerda (CGT, PUA, FPN etc) se agruparam na

Frente de Mobilização Popular (FMP), que Brizola dirigia, contrapondo-se cada vez mais ao Governo de

Goulart. O CGT ameaçou com uma greve geral para exigir que do Congresso a aprovação das Reformas de

Base, com a mudança da Constituição. Os conflitos abalaram tanto as cidades como os campos. Os

trabalhadores de Pernambuco, paralisaram pela primeira vez os engenhos de açúcar. As invasões de terras

tomaram as características das rebeliões. E as lutas de classes refletiram-se no seio das Forças Armadas,

onde a questão da inelegibilidade fomentou a radicalização política dos sargentos, antagonizados com parte

da oficialidade. As tropas da Polícia Militar, em Alagoas e no Rio Grande do Norte, amotinaram-se,

reivindicando melhores condições de vida. Os soldados do Corpo de Bombeiros do Estado da Guanabara

também. A rebeldia contaminou todos os escalões militares. E, como um arauto da tempestade que se

armava, o suboficial Gelyci Rodrigues Corrêa proclamou: “se os reacionários não permitirem as reformas,

usaremos para realizá-las, nosso instrumento de trabalho: o fuzil”?.

O ponto fulcral das reformas pretendidas por Jango, ocorreu no “Comício das Reformas” realizado no

dia 13 de março de 1964, na estação Central do Brasil, no Rio de Janeiro, perante quase 200.000 pessoas,

arregimentadas pelos sindicatos e outras organizações. Nesse comício, Jango anunciou as Reformas de

Base, que seria o aprofundamento e a aceleração das Reformas iniciadas no Plano Trienal. De início

decretou a nacionalização das refinarias particulares de petróleo e, através da SUPRA (Superintendência da

Reforma Agrária), a desapropriação de terras valorizadas por investimentos públicos, ou seja a

desapropriação de latifúndios, ao longo das rodovias federais, o tabelamento dos preços dos aluguéis dos

imóveis desocupados. O governador de Pernambuco e o do Rio Grande do Sul, Miguel Arraes e Leonel

Brizola, respectivamente, compareceram ao ato a fim de consolidar a formação e a unidade da Frente

Popular de Mobilização. Brizola era o mais enfático ao defender a convocação de uma Assembléia

Constituinte. “Jango queira usar a massa para pressionar o Congresso, um baluarte do conservantismo”?.

Ao contrário do que se pensou na época, João Goulart não planejava o golpe – o que intentava era ativar

instrumentos democráticos de pressão política. Visto retrospectivamente, o discurso pronunciado pelo

presidente naquele comício-monstro, viria a ser a sua carta-testamento – e a do populismo também, ou seja,

o comício de 13 de março de 1964 marcou o início do fim do seu governo?.Os principais itens das

Reformas de Base estão condensadas numa mensagem enviada ao Congresso Nacional com os seguintes

tópicos:

Reforma Agrária, com emenda do artigo da Constituição que previa a indenização prévia e em

dinheiro;

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Reforma Política, com extensão do voto aos analfabetos e praças de pré, segundo a doutrina de que

os alistáveis devem ser elegíveis;

Reforma Universitária, assegurando plena liberdade de ensino e abolindo a vitaliciedade de cátedra;

Reforma da Constituição para delegação de poderes legislativos ao Presidente da República;

Consulta à vontade popular, através de plebiscitos, para referendum das Reformas de Base. Essas reformas, evidentemente, não visavam o socialismo. Eram reformas democrático-burguesas e

tendiam a viabilizar o capitalismo brasileiro, embora sobre outros alicerces, arrancando-o do atraso secular

e dando-lhe maior autonomia. A reforma agrária, que a burguesia nacional retardada, raquítica e

umbilicalmente ligada ao latifúndio, não tivera condições de executar, constituía, sobretudo, um

instrumento para a ampliação do mercado interno, necessária ao desenvolvimento do próprio parque

industrial brasileiro.

A reforma agrária é a reforma mais capitalista que existe, na medida em que serão distribuídos

justamente aquilo que os defensores do socialismo repudiam: os títulos de propriedade privada. Além do

mais as desapropriações dar-se-iam mediante pagamento de indenização por parte do governo federal, que

se utilizaria do erário público para pagar os latifundiários. “Numa população de 70 milhões de brasileiros

em 1960, somente 3.350.000 possuíam terras, sendo que 2,2%, isto é, 73.737 proprietários ocupavam 58%

da área total dos hectares cultiváveis. Goulart responsabilizava essa má distribuição das terras pelo seu

baixíssimo índice de aproveitamento na lavoura e entendia que o instituto da propriedade estaria melhor

defendido se 10 milhões de brasileiros e não apenas 3.350.000 dele se beneficiassem”?. A reforma agrária

proposta por Goulart ao Congresso orientava-se pelo princípio de que o “uso da propriedade é

condicionado ao bem-estar social”, não sendo a ninguém “lícito manter a terra improdutiva por força do

direito de propriedade”.

A agitação contra Goulart então recrudesceu. Conflitos irromperam em São Paulo e em Belo Horizonte,

provocados pelos grupos conservadores. E, enquanto a UDN, parte do PSD e outros partidos menores

reclamavam o impeachment de Goulart, entidades financiadas pela CIA e pelo empresariado, como a

Campanha das Mulheres Democrática (CAMDE), Fraterna Amizade Urbana e Rural (FAUR), União

Cívica Feminina (UCF), Sociedade Rural Brasileira (SRB) e outras, articularam a realização, nas principais

cidades do país, das chamadas “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”, afim de atiçar a fúria

anticomunista nas classes médias. Como o próprio Goulart salientaria: “nas grandes passeatas os cartazes

não eram dirigidos conta a pessoa do presidente ou contra as reformas de base por ele preconizadas. Todos

visavam a atingir o sentimento profundamente religioso do povo e mostrar o perigo iminente da tomada do

poder pelo comunistas”?.

Assim, os conservadores, liderados pela esposa do governador de São Paulo Ademar de Barros?,

organizaram, no dia 19 do mesmo mês, a primeira “Marcha da Família com Deus pela Liberdade” que

correu as ruas de São Paulo, a qual contou com a presença da Igreja Católica e do empresariado. Cantos e

rezas se ergueram contra o risco do país submergir no Comunismo. Neste, como em outros casos, as

mulheres foram instrumentalizadas para campanhas antijanguistas. O inspirador da Marcha de 19 de março,

foi um pároco de Hollywood, a serviço da CIA norte-americana, o padre Patrick Peyton. Neste momento, o

exército percebeu que, em caso de um golpe, contaria com o apoio da classe média: o baluarte fiel das

grandes decisões políticas do país.

Em meio à tal agitação e radicalização de ambos os lados, o Ministro da Guerra, Marechal Dantas

Ribeiro, resolveu hospitalizar-se, a fim de se submeter a uma intervenção cirúrgica, não obstante o pedido

de Goulart para que a adiasse. Ao que tudo indica, ele não ignorava o andamento da conspiração e,

seguramente, já sabia da intenção do General Castelo Branco. Afastar-se do Ministério da Guerra, a

pretexto de tratar da saúde, seria, portanto, uma atitude confortável e uma saída honrosa. Não precisaria

trais abertamente o Presidente da República nem combater seus camaradas de Farda. E abriria caminho

para o Golpe de Estado.

Diante do quadro de intensa agitação política das camadas menos favorecidas e das organizações

políticas tidas como de esquerda, os chefes militares, entre os quais se destacavam o marechal Humberto

Alencar de Castelo Branco, chefe do Estado Maior do Exército, tomaram a decisão de derrubar o governo.

A 20 de março, através de uma Circular Reservada aos demais militares do Estado Maior do Exército e das

organizações subordinadas, o marechal Castelo Branco afirmava: “são evidentes duas ameaças: o advento

de uma constituinte como caminho para a consecução das reformas de base e o desencadeamento em maior

escala de agitações generalizadas do ilegal poder o CGT (Comando Geral dos Trabalhadores). As Forças

Armadas são invocadas em apoio a tais propósitos”, continua a Circular Reservada, “Entraram as Forças

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Armadas numa revolução para entregar o Brasil a um grupo que quer dominá-lo para mandar e desmandar

e mesmo para o gozar o poder? Para garantir a plenitude do grupamento pseudo-sindical, cuja cúpula vive

na agitação subversiva cada vez mais onerosa aos cofres públicos? Para submeter a Nação ao comunismo

de Moscou? Isto, sim, é que seria antipátria, antinação e antipovo”. Para Castelo Branco e para os militares

da Caserna, os propósitos governamentais eram ilegais e o papel do militar deveria ser estar pronto para a

defesa da legalidade, a saber, pelo funcionamento integral dos três poderes constitucionais e pela aplicação

das leis, inclusive as que asseguram o processo eleitoral, e contra a revolução para a ditadura e a

constituinte, contra a calamidade pública a ser promovida pelo CGT e contra o desvirtuamento do papel

histórico das Forças Armadas.

Com o Exército sem comando, o Ministério da Guerra acéfalo, a conspiração se acelerou. Goulart,

embora conhecendo o teor do documento, não mandou, imediatamente demitir e prender Castelo Branco. E

quando o fez, dias depois, o General Armando de Moraes Âncora, Comandante do I Exército, esquivou-se

de cumprir a ordem sob a alegação de que Castelo Branco já ameaçara suicidar-se se fosse preso. E o

General não queria carregar o peso do seu cadáver na consciência. De qualquer modo, Goulart agira

tardiamente confiando, quiçá, no sentimento legalista da maioria da oficialidade. Acontecia, porém, que o

sentimento anticomunista tornara mais forte que o sentimento legalista, mercê de intensa doutrinação,

orientada pelo Pentágono, com base nas concepções do inimigo interno, da guerra contra-revolucionária e

das fronteiras ideológicas. E Castelo Branco, assim como tantos outros militares, acreditava que, em face

da emergência política dos trabalhadores, que “a observância da legalidade conduzia ao comunismo”,

afirmava a Circular Reservada. De acordo com Bandeira?, “Depois do comício de 13 de março, ele

certamente pensara, como Odilon Barrot, o último Ministro do Rei Luís Felipe da França e Primeiro-

Ministro de Luís Bonaparte: La Legalité nous tue”?.

Entretanto, Castelo Branco, receava tomar qualquer iniciativa de violação da legalidade, sem cobertura

política e, no final, ficar só. Queria fazê-lo apenas diante de um fato que comovesse as Forças Armadas,

como a intervenção federal no Rio de Janeiro, Minas Gerais ou São Paulo, ou a convocação de uma Greve

Geral por parte do CGT, ou outra rebelião dos sargentos. A CIA se encarregou de prepará-lo.

Dias depois da Marcha com Deus, mais precisamente durante a Semana Santa de 1964, o motivo

sobreveio. Centenas de Marinheiros, reunidos sob a liderança de José Anselmo dos Santos, decidiram

comemorar o aniversário de sua Associação e, desacatando a proibição do Almirante Silva Mota, Ministro

da Marinha, que ordenara a prisão dos organizadores, correram para o sindicato dos metalúrgicos, no Rio

de Janeiro, a fim de buscar a solidariedade dos trabalhadores, os fuzileiros navais enviados para prendê-los

aderiram também à revolta. Era a penetração do populismo nas Forças Armadas e a quebra da hierarquia. O

Exército, a pedido de Goulart, interviu no movimento, abafando-o.

A liderança dos revoltosos era de alguém que, depois descobriu-se ser um agente do serviço secreto,

provocador e trabalhando para a CIA: um tal Cabo (José) Anselmo (dos Santos). Não se tratava de

conjectura, mas sim de informação oriunda da própria Marinha. Foi a gota d’água para a os oficiais

desfecharem o golpe. Era inaceitável a quebra da disciplina e da hierarquia, com a complacência do

governo, pois Jango havia anistiado os rebeldes. Não era de estranhar, aliás que Anselmo estivesse a

promover uma provocação contra o governo. A CIA, já aquele tempo, dava assistência ao Centro de

Informações da Marinha (CENIMAR) e à Polícia de Lacerda, cujos elementos também se infiltraram entre

os marinheiros, usando uniformes para fazer badernas, conforme o SFICI comprovara.

Aí, porém, a provocação já se confirmara, incompatibilizando inclusive o movimento sindical com a

maioria da oficialidade, que passaram a identificá-lo com a indisciplina e a rebelião. Justificavam-se as

diatribes de Castelo Branco e outros contra o CGT e o Governo, acusados de preparem o terreno para a

instalação do comunismo no Brasil. Para justificar e aumentar a guerra psicológica, os militares

argumentavam que se tratava da Revolta do Encouraçado Potemkin. Exibira-se até mesmo um filme para

recordá-lo. Nenhum ingrediente faltara à guerra psicológica, que evoluía para a luta armada, com a erupção

de conflitos a bordo dos navios e oficiais metralhando marinheiros no pátio do Ministério. “Conquanto uma

sublevação só triunfe quando se mantém na ofensiva, é sob a forma aparentemente defensiva que ela

melhor se desenvolve e alarga sua faixa de simpatia e de sustentação”?. E, naquele momento, não existia

pretexto mais convincente para encobrir a quebra da hierarquia e o atentado à Constituição do que a defesa

da hierarquia e o respeito à Constituição.

Assim, “na sexta-feira da Paixão, enquanto mais de 1000 marinheiros e ingênuos militantes de esquerda

se rejubilavam pelas ruas centrais do Rio de Janeiro, antecipando a aleluia e antevendo a hora da

Ressurreição social, brasileiros e norte-americanos acertavam os últimos detalhes para a execução do golpe

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de Estado. O general Castelo Branco mandou emissários a diversos estados, a fim de coordenar as ações

militares contra o governo, que deveriam principiar à noite de 2 para 3 de abril, de acordo com o seu plano,

após a realização, no Rio de Janeiro, da Marcha da Família com Deus pela Liberdade. Concomitantemente,

o Embaixador norte-americano Gordon comunicou às autoridades de Washington a iminência do levante,

adotando as primeiras medidas para dar-lhe apoio logístico e, se necessário, militar, com o fornecimento de

combustível, armas e até mesmo soldados, através de complexa operação naval e aérea, denominada de

Operação Brother Sam”?.

A crise do Populismo. O nacional-populismo se revelava impotente para atender às necessidades política da época. As massas

caminharam adiante das direções. Os acontecimentos passaram à frente das personagens. Goulart, pelo seu

temperamento, não era homem de decisões prontas e imediatas. Atormentava-o a necessidade de tomar

atitudes drásticas. Preferia o diálogo, a conciliação. Avaliava todas as opções e suas conseqüências,

consultando uns e outros. “Devido à sua origem rural, esperava, pacientemente, o momento de plantar e o

momento de colher. Tentara evitar a radicalização, recusando-se a assumir plenamente a vitória que

obtivera com o plebiscito e impor ao Congresso ou contra o Congresso as Reformas de Base. Construíra

sua carreira pública em campo aberto, por vias sempre pacíficas e recusava-se agora, como Presidente da

República, a implantar as reformas ao preço da derrocada das instituições democráticas”?.

Na realidade, o populismo estava envolto em uma crise institucional, pois aquele ingrediente que

compunha o regime de Vargas se transformara, quer dizer, o populismo getulista tivera por componente

típico o autoritarismo, que dera ao governo condições de funcionar como árbitro dos compromissos

instáveis que tinha por base.

As Reformas de Base foram um projeto embutido na própria natureza do populismo, mas à medida que

ele foi ganhando a opinião pública e a massa popular foi se arregimentando a seu redor, o pacto populista

começou a se desafazer. A autonomia e desenvoltura de um movimento popular era algo que as elites não

estavam preparadas para encarar. Ganhou corpo o receio de que essas pretendidas Reformas de Base

atingissem a sagrada instituição da propriedade privada. Desse modo o pacto populista foi, por um lado,

denunciado pela classe popular, que ansiava por mudanças e via um obstáculo nos acordos e compromissos

implícitos no populismo; e, por outro, pelas elites que passaram a enxergar no populismo uma estratégia

impotente para segurar a massa, que ele mesmo levara às ruas. A evolução do populismo, que só podia se

manter em situação de equilíbrio instável e, portanto, sem alterações, foi igualmente a condenação de sua

continuidade. Na medida em que aquele potencial de se tornar uma política popular se desenvolvesse desde

o interior do populismo, ele passaria a ser uma estratégia inevitável. As elites sabiam disso e seus líderes

mais representativos, foram radicalizando suas posições, à proporção que o projeto das Reformas de Base

foi ganhando corpo?.

Pode-se dizer que os governos nacional-populistas, que se aferravam à estatização, constituíam um

entrava ao avanço capitalista, que necessitava de incentivos ao capital privado. Neste sentido, o modelo

populista começou a dar sinais de cansaço diante da nova fase de expansão que o capitalismo internacional

experimentou nas décadas de 50 a 70. A Europa reconstruída recuperava a capacidade de investimento em

outros países, e os Estados Unidos destacavam-se como gigante econômico.

A crise política que se abateu sobre o Brasil nos idos dos anos 60, vincula-se intimamente à esta

contradição básica do populismo e também aos problemas sociais gerados pelo modelo de desenvolvimento

acelerado e dependente que o Brasil adotou a partir dos anos 40. Um modelo que produziu inflação elevada,

acentuou a acumulação de riquezas e a concentração de terras.

Acreditamos que foi justamente a “tentativa de restabelecer o cálculo econômico e, portanto, manter a

continuidade da acumulação capitalista, sem penalizar os trabalhadores, constituiu a grande contradição

que liquidaria não apenas a política econômica de San Tiago Dantas e de Celso Furtado, mas, também, o

governo de João Goulart e o próprio regime democrático, abrindo um abismo entre as forças populares e as

reacionárias. As medidas adotadas de acordo com o receituário do FMI, longe de sustar a inflação,

aceleraram a alta do custo de vida, não tendo Goulart condições para conter nem os salários nem os preços,

que disparavam. A crise social aprofundou-se no redemoinho da inflação e corroeu o prestígio do governo,

acossado tanto pela direita, quanto pela esquerda. De um lado, as associações rurais e comerciais se

eriçaram contra o anteprojeto de reforma agrária, que tramitava no Congresso, já se preparando os

fazendeiros para desencadear uma guerra civil, com o estímulo de líderes reacionários. De outro, os

sindicatos, a UNE, a Frente Parlamentar Nacionalista (FPN), o PCB e outras organizações populares

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intensificaram o combater ao Plano Trienal. As críticas à política de Goulart se acentuaram também dentro

do próprio PTB, com a radicalização do Grupo Compacto, estendendo-se a dissidência às áreas do próprio

governo. A diretriz de Almino Afonso no Ministério do Trabalho, ao fortalecer as direções operárias mais

independentes, como o CGT, o PUA, etc, colidiu com os interesses de Goulart. E as divergências se

exacerbaram quando Brizola, que combatia a compra pelo governo federal de empresas norte-americanas

falidas, voltou a ocupar uma cadeia de rádio e de televisão no dia 28 de maio de 1963, e denunciou os

entendimentos promovidos pelo Ministro San Tiago Dantas em Washington como um crime de lesa-pátria,

dizendo que se, o governo de Goulart os efetivasse criaria com ele uma situação de discordância

insanável”?.

As bases do Estado populista passaram a ser questionadas pelas classes populares, quer porque a

radicalização dos movimentos populares procurou superá-las na sua forma burguesa, que porque, por isso

mesmo, não as reconheceu como expressão de sua classe.

Neste sentido, o populismo, que “se caracterizava pelo débil compromisso entre forças contrárias da

sociedade, estava ameaçado naquilo que era a sua essência. (...) A política de mobilização acionava toda a

força direitista ou conservadora contra Goulart, e as forças populares, por sua vez, impacientavam-se a cada

dia e buscavam uma alternativa revolucionária. O Estado estava, segundo os conservadores, em franca

‘decomposição’, o que naturalmente, criou entre eles um clima de total insegurança”?.

As elites políticas e econômicas, diante das pressões populares por reformas, “optaram por uma

modernização que conservasse seus privilégios, associando o crescimento da economia a uma maior

participação do capital externo e à preservação da grande propriedade”? capitalista. Essa saída à direita –

essa opção ao autoritarismo –, foi aplaudida de pé pelos militares, mas, principalmente, pelos setores

ligados ao capitalismo internacional.

Os Estados Unidos, principalmente a sua Embaixada no Brasil, contribuiu sobremaneira para a

instabilidade política do Brasil, na medida em que assumira ostensivamente caráter de provocação,

corrompendo e aliciando governadores de Estado e prefeitos de municípios, mediante a utilização de verbas

da Aliança para o Progresso, com o objetivo de formar ela própria uma clientela dentro do Brasil, em

oposição ao Governo Federal. Isso criou um incidente diplomático na medida em que Jango obrigou o

Itamarati a comunicar publicamente o Departamento de Estado dos EUA sua disposição de não mais tolerar

aquele procedimento, que atentava contra a soberania nacional e a unidade da Federação. “O governo do

Brasil denunciaria a Aliança para o Progresso, caso a Embaixada dos Estados Unidos continuasse a não

considerar a realidade do Estado Nacional e o monopólio das relações exteriores pela União. Essa

decisão evidenciava o grau que atingira o conflito com os EUA"?.

Populistas versus militares. Esquerda versus Direita. A esquerda brasileira havia crescido constantemente desde a volta de Getúlio em 1951, mas havia-se

tornado muito mais heterogênea. Um componente era o Partido Comunista Brasileiro (PCB), com sua

longa experiência em política tanto aberta como clandestina. Os comunistas tinham agora de lidar com a

atitude cautelosa da União Soviética (em comparação à Fidel Castro) em promover a revolução na América

Latina. Além disso, o partido estava flanqueado em diversas frentes. À esquerda estava o “dissidente”

Partido Comunista do Brasil (PC do B), de orientação maoísta (chinesa), fundado em 1962, e cujo mais

famoso membro é, até os dias de hoje, João Amazonas. Esse grupo, pequeno mas ruidoso, se inspirava não

apenas na República Popular da China mas também em Cuba, onde Fidel Castro havia mostrado como

fazer uma revolução acelerando a dialética da História.

Igualmente importantes à esquerda estavam os muitos e variados “nacionalistas radicais”. Os mais

exaltados eram os grupos de esquerda filiados à Igreja Católica Romana, que haviam atraído muito

estudantes universitários e pretendiam criar uma consciência política entre as massas marginais, urbanas e

rurais. A linguagem dos nacionalistas radicais era marxista e muito de seus membros tinham estreitos

vínculos passados ou presentes com o Partido Comunista ortodoxo, mas raramente estavam sob o controle

deste e freqüentemente seguiam uma estratégia própria.

Os trabalhadores se organizavam em sindicatos que além de se multiplicarem realizavam um grande

esforço no sentido de se tornarem autônomos, libertando-se da tutela governamental. Foram organizados à

margem da legislação trabalhista o Pacto de Unidade e Ação (PUA), no Rio de Janeiro, o Foro Sindical, em

Santos, os Conselhos Permanentes das Organizações Sindicais (CPOS), em Salvador e em Belo Horizonte.

O nível de organização da classe operária foi tão expressivo, que se chegou a fundar a primeira central

sindical de caráter verdadeiramente nacional: o CGT (Comando Geral dos Trabalhadores).

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No campo, também houve uma transformação no que tange à organização política por parte dos

camponeses. Os setores esquecidos do campo, de acordo com Bóris Fausto, “verdadeiros órfãos da política

populista”?, começaram a se articular. O pano de fundo dessa mobilização pode estar vinculada ao

desenvolvimento econômico e industrial dos anos 50, haja vista essas mudanças ampliaram o mercado para

os produtos agrícolas e a pecuária, levando a uma alteração nas formas de posse da terra e de sua utilização.

A terra passou a ser mais rentável do que no passado, e os proprietários trataram de expulsar antigos

posseiros ou agravar suas condições de trabalho, o que provocou forte descontentamento entre a população

rural. Além disso, as migrações aproximaram campo e cidade, facilitando a tomada de consciência de uma

situação de extrema submissão por parte dos camponeses.

“O movimento rural mais importante do período foi o das Ligas Camponesas, tendo como líder

ostensivo uma figura da classe média urbana - advogado e político Francisco Julião. Julião promoveu as

Ligas à margem dos sindicatos e tratou de organizar os camponeses, isto é, aquela parcela da população

rural proprietária de um pedaço de terra ou com algum controle sobre ela como arrendatário, meeiro, etc.

As Ligas começaram a surgir em fins de 1955, propondo-se entre outros pontos a defender os camponeses

contra a expulsão da terra, a elevação do preço dos arrendamentos, a prática do “cambão”, pela qual o

colono – no nordeste chamado de morador – deveria trabalhar um dia por semana de graça para o dono da

terra”.

“Julião procurou dar às Ligas Camponesas uma organização centralizada e estabeleceu suas sedes na

capital de um Estado, ou no núcleo urbano mais importante de uma região. Justificava essa estratégia a

partir da convicção de que nas grandes cidades estavam as classes e grupos aliados dos camponeses – os

operários, os estudantes, os intelectuais revolucionários, a pequena burguesia – e havia aí um Justiça menos

reacionária”.

“Em novembro de 1961, realizou-se em Belo Horizonte o I Congresso Nacional dos Trabalhadores

Agrícolas, que expressou as várias linhas propostas para a organização rural. A reunião foi planejada

conjuntamente por Julião e outros membros das Ligas Camponesas e pelos dirigentes comunistas, cuja base

maior se encontrava entre os assalariados agrícolas de São Paulo e do Paraná”.

“Um avanço importante na esfera legislativa se deu em março de 1963, quando Jango sancionou uma lei

que dispunha sobre o Estatuto do Trabalhador Rural. A lei instituiu a Carteira Profissional para o

trabalhador do campo, regulou a duração do trabalho e a observância do salário mínimo e previu direitos

como o repouso semanal e as férias remuneradas”?.

Cresceu também no governo de Jango, a mobilização de outros setores da sociedade. Os estudantes,

radicalizavam suas propostas de transformação social e passaram a intervir diretamente no jogo político. A

atuação estudantil dava-se sobretudo em entidades como a UNE (União Nacional dos Estudantes) e as UEE

(União Estadual dos Estudantes); a UBES (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas), além dos

diversos Grêmios Estudantis (universitários e Secundaristas) e entidades específicas como a JEC

(Juventude Estudantil Católica), a JOC (Juventude Operária Católica), a JUC (Juventude Universitária

Católica) a AP (Ação Popular).

À direita estavam os tradicionais detentores da riqueza do Brasil. Sua voz principal era a UDN, e

dependiam de seus laços com a polícia e o Exército. Entre eles se incluíam donos de terras e muitos

industriais. Seu trunfo era a capacidade dos militares de intervir contra seus inimigos. A direita também

atacava o legado de Getúlio a despeito do fato de muitos entre eles terem-se beneficiado amplamente de sua

política econômica. Em teoria eram favoráveis ao liberalismo econômico ortodoxo. Na prática, davam

boas-vindas a subsídios ou tarifas protecionistas aos seus produtos. Também dependiam do governo dos

Estados Unidos como seu apoio decisivo. Eles sabiam que apontar para a “ameaça comunista” ressoaria em

Washington e alguns deles aceitaram prontamente fundos secretos americanos para suas campanhas

eleitorais e batalhas de propaganda. A elite econômica, que vivia do trabalho alheio e que, portanto,

defendia a manutenção do status quo, também criou os seus mecanismos de defesa dos seus interesses,

entre elas destacam-se: o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), o Instituto de Pesquisa e

Estudos Sociais (IPES), o Sociedade Brasileira para a defesa da Tradição, da Família e da Propriedade

(TFP), o Comando de Caça aos Comunistas (CCC).

No aspecto político-institucional, a “direita” estava majoritariamente representadas pelos partidos

nacionais – UDN e PSD. Suas principais expressões políticas eram os governadores Carlos Lacerda, da

Guanabara; Ademar de Barros, de São Paulo; Magalhães Pinto, de Minas Gerais, e Juraci Magalhães, da

Bahia.

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As elites conservadoras sustentavam financeiramente a criação e a manutenção de instituições especiais,

que se encarregavam de desenvolver e articular organicamente o pensamento teórico e político-ideológico

da direita, bem como de organizar formas sistemáticas de arregimentação e preparação de quadros

dirigentes e de doutrinação popular. Eram instituições ligadas às Forças Armadas e que atuavam como

órgãos de inteligência do setor militar, subsidiando-o com estudos sobre a realidade brasileira que

pudessem fundamentar e subsidiar as propostas e as posições conservadoras. Os mais importantes eram: o

IPES (Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais), fundado em 1962, o IBAD (Instituto Brasileiro de Ação

Democrática), e a ESG (Escola Superior de Guerra). A direita também controlava a imprensa. Todos os

grandes meios de comunicação, principalmente os Jornais impressos, exceto o Jornal Última Hora, eram

totalmente antijanguistas. A CIA foi o grande mentor desses organismos, fornecendo orientação,

experiência, apoio logístico e até mesmo recursos financeiros, abundantemente, no esforço de corrupção e

de intrigas, para influir nas eleições, impor diretrizes ao Congresso, carcomer os alicerces do Governo e

derrocar o regime democrático. De acordo com as palavras do próprio Goulart, eram eles que, “explorando

rendosa indústria de combate aos extremismos ou desfraldando falsas bandeiras de legalidade”, pretendiam

“manter o país em clima de constante intranqüilidade”?.

Com efeito, o IPES, surgido nos princípios de 1962, proclamou-se “contra a radicalização da política

brasileira entre esquerda e direita”?, mas logo começou a contratar militares reformados para montar um

serviço de inteligência, cuja função consistia em colher dados sobre a pretensa infiltração comunista no

governo de Goulart e distribuí-lo, clandestinamente, entre oficiais que ocupavam postos de comando,

através de todo o território nacional. De 1962 a 1964, o IPES gastou cerca de US$ 200.000 a US$ 300.000

por ano, segundo revelação de um dos seus diretores, o economista Glycon de Paiva. E não foi

gratuitamente que Lacerda, pela televisão, acusou os comunistas de manobrarem o governo de Goulart.

Este refrão, batido pelo IPES e por todos os corifeus da reação, como Lacerda, visava a assustar não

somente os militares anticomunistas, mas, também os demais setores das classes dominantes,

radicalizando-os e predispondo-os, psicologicamente, para a aceitação de um golpe de Estado.

O IPES era uma entidade sofisticada, pretensamente científica, e se ligou à Escola Superior de Guerra,

aliciando os Generais Golbery do Couto e Silva, Heitor de Almeida Herrera e muitos outros, reformados ou

na ativa. Sua influência se estendeu também aos jornais e a outros órgãos de divulgação, sustentada não

apenas pelas verbas que espalhava, diretamente, como pelo interesse das agências de publicidade,

manipuladoras das contas das grandes empresas estrangeiras. Estas contribuíram com grandes somas para a

atuação do IPES. Convém salientar que a Konrad Adenauer Stiftung, órgão do Partido Democrata-Cristão

da República Federal da Alemanha (a ex-Alemanha Ocidental – capitalista), também colaborou com o

IPES (e com o governador de São Paulo, Ademar de Barros), através da Mannesmann e da Mercedes Benz,

e que todas ou quase todas as empresas estrangeiras, sobretudo as norte-americanas, lhe destinaram grandes

importâncias financeiras. E ainda havia os que, de um lado, faziam doações ao IPES e, do outro tiravam

dinheiro do IBAD, como o poderoso banqueiro e deputado federal Herbert Levy (grupo Itaú), também

vinculado aos interesses estrangeiros.

O IBAD, por sua vez, atuava diretamente sob a direção da CIA, que a financiava, utilizando como seu

agente um certo Ivan Hasslocher. Ela mantinha íntima conexão com uma empresa de publicidade – S.A.

Incrementadora de Vendas Promotion – e, embora fundada em 1959, suas atividades somente se

intensificaram a partir da posse de Goulart na presidência da República. Em 1962, com a criação da Ação

Democrática Popular (ADEP), o IBAD interveio diretamente na campanha eleitoral, subvencionando

candidaturas de elementos reacionários, que assumiram o compromisso ideológico de defender o capital

estrangeiro e condenar a reforma agrária, bem como a política externa independente do governo brasileiro.

Possuindo uma das maiores contas bancárias de depósitos oriundos do governo norte americano, o

IBAD se transformou assim em uma espécie de holding, coordenando várias subsidiárias entre as quais se

destacavam além da ADEP, a Ação Democrática Parlamentar (ADP), a Campanha Mulher Democrática

(CAMDE) e a Frente Juventude Democrática (FJD). Seus tentáculos alcançaram o proletariado, com o

esforço de constituição da Resistência Democrática dos Trabalhadores Livres (REDESTRAL), no Rio de

Janeiro, e do Movimento Sindical Democrático (MSD), em São Paulo, que mantinham estreitos contatos

com a AFL-CIO (central operária dos Estados Unidos) e funcionavam com base nas Confederações dos

Trabalhadores no Comércio e em Transportes Terrestres, filiadas à Confederação Internacional das

Organizações Sindicais Livres – a CIOSL – e à Organização regional Interamericana de Trabalhadores – a

ORIT. A criação desse movimentos resultava na velha tentativa da CIA para influir nas atividades sindicais

do país, principalmente de São Paulo, onde, segundo informe que chegou a Goulart, o Secretário do

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Trabalho do Governador de São Paulo, Carvalho Pinto, Augusto Marzagão, acusado de cooperar com o

serviço secreto dos Estados Unidos, já em 1959, promovia encontros entre representantes norte-americanos

e líderes sindicais brasileiros, como Dante Pelacani, Francisco José de Oliveira, Olavo Previatti, Lourival

Portal e muitos outros?.

Para se ter uma idéia da quantidade de capital que estes organismos recebiam diretamente do governo

norte-americano, através da CIA, e dos grandes empresários multinacionais, o Congresso brasileiro montou

uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar a origem dos fundos que instituições como o

IBAD e o IPES recebiam. Entretanto, esta CPI teve a sua atuação embaraçada pela influência dos

deputados que os recursos do IBAD beneficiaram. “Como era de se esperar, dada a penetração do IBAD no

Congresso, um verdadeiro selecionado de deputados ibadianos foi recrutado para fazer parte da CPI” –

comentou o deputado Eloy Dutra, acrescentando que “os deputados não-ibadianos eram minoria na própria

Comissão”?. Dos nove componentes da CPI, cinco era receptadores de recursos do IBAD e/ou da ADEP,

sendo apenas 04 não-ibadianos. Ainda assim, o esforço da CPI, ou seja, dos deputados trabalhistas (PTB)

Eloy Dutra, Benedito Cerqueira e Rubens Paiva e do deputado udenista José Aparecido de Oliveira,

colaborou para inibir, em parte, a operação da CIA, comprovando que o dinheiro distribuído pelo IBAD

procedia do estrangeiro, remetido para o Brasil através do Royal Bank of Canada, Bank of Boston e First

National City Bank. A CPI constatou que, em apenas uma de suas contas, a do Bank of Canada, o IBAD

movimento Cr$ 1,3 bilhão, entre maio e outubro de 1962. O governo de João Goulart só não agiu

firmemente para não agravar, ainda mais, as precárias relações existentes entre o governo brasileiro e o

norte-americano.

Entretanto, a preocupação da CIA não era tão somente com as atividades urbanas. Os norte-americanos

procuraram igualmente penetrar no campesinato. Através do IBAD e de outros canais destinou muito

recursos ao Nordeste, não apenas visando combater a candidatura de Miguel Arraes, em Pernambuco, mas,

também, com o objetivo de dividir as Ligas Camponesas, lideradas por Francisco Julião. Foram formadas

inúmeras cooperativas de financiamento ligadas à Igreja Católica, que recebera uma quantidade muito

grande de recursos financeiros norte-americanos, entre elas se destacam a Cooperativa Leage (CLUSA) e o

Serviço de Orientação Rural de Pernambuco (SORPE). O principal objetivo dessas cooperativas foi ajudar

a reprimir o potencial revolucionário existente no nordeste brasileiro. O SORPE, sob a orientação do Padre

Crespo, conseguiu, inclusive, o controle da Federação dos Sindicatos Rurais de Pernambuco, legalizada em

outubro de 1962, pelo então Ministro do Trabalho, João Pinheiro Neto.

Com esse primoroso trabalho de aliciamento ideológico e financeiro, inédito na história do Brasil, a

CIA não somente arregimentou empresários, vereadores, deputados estaduais e federais, senadores,

governadores de Estado, jornalistas, donas-de-casa, estudantes, professores, dirigentes sindicais urbanos e

rurais, religiosos, enfim, a choldra de todas as classes e categorias da sociedade civil brasileira. Nas Forças

Armadas, onde a Cruzada Democrática, desde o início da década de 50, conspirava para desfechar o golpe

de estado reacionário, antipopular e antinacional, a pretexto de combater o comunismo, a CIA recrutou,

tanto através do IPES quanto do IBAD e até diretamente, inúmeros oficiais dos mais diversos escalões.

Um dos principais mentores da estratégia militar foi o general Golbery do Couto e Silva, que exerceu

grande influência na idealização do golpe militar e sobretudo na estruturação do sistema político que se

instalou posteriormente.

A formação de uma oposição antipopulista como esta deveu-se não tanto à luta contra o retorno do

presidencialismo, mas principalmente ao receio de que João Goulart se aliasse aos movimentos populares e

sindicais que então emergiam com grande força, parecendo irrefreáveis. O temor não era sem fundamento.

As agitações populares haviam atingido “uma variedade de formas”, chegando, segundo Wefort, a “níveis

de atividade e sobretudo de influência política sem paralelo na história brasileira”?, que culminariam, em

1962, com a criação do CGT.

Com o objetivo de confundir a opinião pública e desnortear as diligências, os agentes da conspiração

golpista, muito dos quais encastelados nos serviços secretos das Forças Armadas e das Polícias Estaduais,

começaram a propagação de boatos sobre a existência de armas com trabalhadores urbanos e rurais. Estas

armas estariam depositadas em locais secretos na Refinaria Duque de Caxias – REDUC –, na

Superintendência da Reforma Agrária – SUPRA –, no Porto e em outros locais do Rio de Janeiro e do

interior?. A guerra psicológica prosseguiu, através da imprensa reacionária, durante vários dias, como um

esforço diversionista, que tumultuava ainda mais o ambiente do país. Em 28 de setembro, porém, o I

Exército “descobriu” mais de 80 carabinas semi-automáticas, ocultadas no Educandário Nossa Senhora de

Fátima (Niterói) e na Fazenda do Arizona pertencente ao grupo Ação de Vigilantes do Brasil – um grupo

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de extrema direita. Diante do exposto, este tipo de propaganda sofreu um abalo, pois na verdade as armas

não pertenciam aos grupos de “esquerda”, como a UNE e o CGT, como imaginavam, mas sim a grupos de

direita. As investigações feitas pelo Serviço de Informações e Contra-Informações (SFICI), órgão do

Conselho de Segurança Nacional (CSN) levaram a concluir que os responsáveis se vinculavam ao

Almirante Heck.

Apesar da infiltração de oficiais ligados à Carlos Lacerda (UDN), na Secretaria Geral do CSN, o SFICI

conseguiu levantar várias pontas da conspiração. Inteirou-se de que o Governador Ademar de Barros (São

Paulo) recebia armas do Paraguai, contrabandeadas, e que o General Kruel, no Comando do II Exército não

o ignorava. Constatou o desvio de material bélico de arsenais das Forças Armadas, tomou conhecimento de

que aviões da FAB transportavam armas para os conspiradores e descobriu uma rede de transmissão no Rio

Grande do Sul, montada pelo então Major Álcio da Costa e Silva. Todo um ambiente estava montado

pronto para o golpe. João Goulart também soube, através de informantes fiéis do SFICI, que o coronel

Verton Walters?, Adido Militar da Embaixada dos EUA e agente da Defense Intelligence Agence (DIA), o

serviço secreto do Exército Norte-americano, coordenava as operações da CIA no Brasil, inclusive se

envolvendo diretamente no contrabando de armas com a colaboração de alguns brasileiros, entre os quais o

policial Cecil Borer e o industrial Alberto Byington Jr. Mas o governo, embora consciente da trama, não

adotou medidas mais eficazes para desbaratá-la. Goulart, acreditava que, com o apoio popular, neutralizaria

qualquer tentativa de golpe de Estado.

31 de Março de 1964: Golpe para uns; Revolução para outros. Em 30 de março de 1964, no Automóvel clube, Rio de Janeiro, Jango pronunciou um discurso a

sargentos e sub-oficiais – que já tinham se rebelado em Brasília, em outubro de 1963 – defendendo-lhes o

direito de votarem e serem votados. Foi a derradeira aparição pública de João Goulart como presidente.

Nesse mesmo dia, uma declaração de um Comandante das Tropas sediadas em Minas Gerais – nome

que entrou para o esquecimento, pois o Exército jamais o divulgou – afirmava que: “O presidente Goulart

deve ser removido e removido às pressas. Não há possibilidade de solução legal. Se as Forças Armadas

não agirem agora, cedo elas ficarão sem líderes”.

No dia seguinte (31 de março), o general Olímpio Mourão Filho, o homem do Plano Cohen, sublevou-

se com a IV Divisão do Exército, tendo o apoio de Magalhães Pinto. O começo causou surpresa até mesmo

aos conspiradores, mas logo souberam fazer uso das circunstâncias. Outras unidades foram aderindo. Jango

fugiu para Porto Alegre. O Ministro da Guerra, general Jair Dantas Ribeiro, estava hospitalizado e isso

ajudou aos golpistas. o governador gaúcho da época, o conservador do PSD, Ildo Meneghetti, fugiu para

Passo Fundo. Brizola quis que Jango resistisse, este não o fez, alegando não desejar derramamento de

sangue. Ambos, então fugiram para Uruguai. Jango morreria no exílio em 1976. Praticamente não houve

resistência aos golpistas e muitos deles previam resistência. Só Golbery do Couto e Silva tinha

“adivinhado” que tudo cairia como um “castelo de cartas”. Na hora do golpe, uma frota americana foi

encarregada da Operação Brother Sam? – auxiliar os rebeldes. Tendo à frente o porta-aviões Forrestal, a

Operação veio em direção à costa brasileira, mas o auxílio, como vimos, terminou não sendo necessário.

Essa mobilização, certamente, não visava apenas a fornecer apoio logístico aos sublevados, mas, também, a

intervir militarmente no Brasil, se necessário. Os chefes conjuntos do Estado-Maior do Pentágono tinham

diversos planos, prevendo todas as alternativas e ações, desde a ocupação do Nordeste, onde cerca de 5000

boinas verdes já se encontravam, até o desembarque em Santos. O próprio general Gordon, mais tarde,

diria a Lacerda estar “muito feliz” com a vitória da sublevação de Minas Gerais, porque “evitou uma coisa

muito desagradável, que seria a necessidade da intervenção militar americana no Brasil”?.

Castelo Branco superestimou a força do Governo. Goulart não tinha condições militares para sufocar a

intentona, sem desencadear a guerra civil?. Vale ressaltar que os oficiais fiéis ao presidente e à Constituição

não tiveram tempo e nem condições de reagir. Segundo depoimentos de Jango, “os generais comandantes

das grandes Divisões, embora leais ao governo e à Constituição, não contavam, para uma ação imediata,

com a colaboração dos escalões intermediários, instrumentos básicos para qualquer operação e que estavam

contaminados pela propaganda do perigo comunista, no qual honestamente acreditavam”?. Não houve

revolta. A disciplina militar, não obstante os abalos, não se rompera. Os aparelhos ideológicos de

dominação mostraram sua eficácia.

Os agentes da CIA teceram, sem dúvida, toda a rede de conspiração contra o governo de Goulart, com a

colaboração não só de militares brasileiros, mas, também, de latifundiários, comerciantes e industriais,

amatilhando os radicais da direita para atos de terror e sabotagem, lutas de guerrilha e antiguerrilha. Os

depósitos de material bélico, bem como os campos de treinamento militar, espalhavam-se por todo o país,

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escondidos em igrejas e fazendas. E organizações como Ação dos Vigilantes do Brasil, Grupo de Ação

Patriótica, Patrulha da Democracia, Mobilização Democrática Mineira e outras apareceram em todos os

Estados, como forças policiais paralelas, espécie de milícias fascistas, num processo de crescimento

considerável. E em Minas Gerais foi onde esses bandos mais se desenvolveram e ganharam maior

capacidade de atuação, à sombra da Polícia Militar, cujo adestramento estava a cargo de um perito da CIA,

chamado Dan Mitrione?.

Washington, o policial do desenvolvimento capitalista imperialista, assustou-se com a eventualidade do

surgimento de regimes de esquerda – mais nitidamente antiamericanos que os antigos populistas – como já

ocorria em Cuba, onde Fidel Castro comandou uma verdadeira revolução vitoriosa. O serviço secreto norte-

americano – a CIA – aproveitou a deixa, engajando-se em golpes militares na América Latina,

especialmente no Brasil, que eliminassem o populismo e destruíssem a esquerda, deixando campo aberto

para a liberdade de mercado. As quarteladas de 1964 no Brasil, 1968 no Peru, 1971 no Uruguai, 1972 no

Equador, 1973 no Chile, e assim por diante, contaram com o apoio – ou pelo menos com a simpatia – de

Washington. De fato, entre todas as ditaduras militares latino-americanas, as mais dramáticas foram a

brasileira, a argentina e a chilena, nas quais o Estado implantou um verdadeiro terrorismo para combater

seus opositores e conter as demandas populares.

Os militares golpistas justificaram sua ação contra a democracia com o argumento de que pretendiam

restabelecer a ordem social, retomar a expansão econômica, conter a inflação e eliminar a corrupção e

evitar a comunização do país. Nos dois dias que se seguiram ao golpe, a frase que Goulart mais escutava

era: “os oficiais não estão contra o Presidente, mas contra o Comunismo e restabelecer a verdadeira

Democracia!”. Mas já nos primeiros dias começaram a adotar medidas que caracterizavam a “nova ordem”

como ditadura, como pode ser observado pela imposição, através da força do Ato Institucional de número

01 – AI-1 –, datado de 09 de abril de 1964, e assinado pelos comandantes-em-chefe das forças armadas, e

elaborado pelos juristas Carlos Medeiros da Silva e Francisco Campos (o mesmo da carta de 1937).

Então o Comunismo era a chave para compreender a insurreição. Mas, Bandeira (1977) faz a seguinte

indagação: “que comunismo?” “Havia sovietes no Rio de Janeiro ou em São Paulo? Não. Goulart se

propunha a abolir a propriedade privada dos meios de produção? Não. O comunismo era o CGT, esse

esforço de organização e unificação do movimento sindical, que as classes dominantes, pretendendo

comprimir os salários, queriam interceptar. Era a sindicalização rural. Era a reforma agrária. Era a lei que

limitava as remessas de lucros. Era tudo o que contrariava os interesses do imperialismo norte-americano,

dos latifundiários e do empresariado. O comunismo era, enfim, a própria democracia que, com a presença

de Goulart na Presidência da República, possibilitava a emergência política dos trabalhadores”?.

Na tarde do dia 31 de março enquanto as tropas do general Mourão Filho evoluíam na direção do Rio de

Janeiro e as do General Guedes avançavam contra Brasília, Kubitschek, que rechaçara o convite do

deputado mineiro José Maria Alkimin para aderir ao movimento de Minas Gerais, o general Peri Beviláqua,

Chefe do Estado Maior das Forças Armadas (EMFA), inimigo declarado do CGT, o General Kruel,

comandante do II Exército, procuraram Goulart e lhe propôs uma solução política para a crise, mediante a

substituição do Ministério por outro marcadamente conservador, o lançamento de um manifesto de repúdio

ao comunismo, a punição dos marinheiros e outras iniciativas de igual teor, a proibição da greve geral

convocada pelo CGT, a intervenção em sindicatos, o fechamento do CGT, da UNE e UBES, o afastamento

de pessoas ligadas ao “comunismo” do governo. Goulart manteve-se firme e repeliu a proposta,

ponderando que, “se aceitasse aquelas exigências, ficaria numa situação pior que a do Parlamentarismo e

que ele não seria um Presidente decorativo”. Ao General Kruel, afirmou que “General, eu não abandono os

meus amigos. Se essas são suas condições eu não as examino. Prefiro ficar com as minhas origens. O

senhor que fique com as suas convicções. Ponha as tropas na rua e traia abertamente”. Neste momento,

Jango não sabia da Operação Brother Sam. Ao ser comunicado por San Tiago Dantas, o presidente ficou

preocupado com a internacionalização do conflito e com uma possível intervenção militar norte-americana.

Essa notícia, sem dúvida nenhuma, influiu sobre a decisão de Goulart. Ele não desejava o drama de

proporções continentais que Washington Post previra. Seus adversários conspiraram com uma potência

estrangeira para derrubar um governo legal e constitucionalmente constituído no país!

A institucionalização do regime militar. Diante do exposto, João Goulart recuou e, no dia primeiro de abril, foi para Porto Alegre; depois de

passar por algumas estâncias do sul do estado, ele saiu do país no dia 04 de abril, asilando-se no Uruguai.

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João Goulart, percebendo que Brasília não havia condições de resistência, apesar de todos os esforços

de Darcy Ribeiro, chefe da Casa Civil da Presidência da República, rumou para o Rio Grande do Sul, o

único estado que parecia seguro a Goulart, onde Brizola depusera o governador Ildo Meneghetti e, mais

uma vez, tentara levantar o povo para resistir ao golpe de Estado.

Assim, que o presidente saiu de Brasília, apesar de saber que ele não havia renunciado e que, não

obstante, estava em território nacional, pois o chefe da Casa Civil da Presidência da República, Darcy

Ribeiro, havia comunicado a sua viagem para Porto Alegre, o senador Auro Moura Andrade, Presidente do

Congresso, convocou uma sessão extraordinária e, ao abrí-la, declarou breves minutos, violentando as

normas Constitucionais e o próprio Regimento Interno do Congresso, a vacância do cargo, consumando-se,

assim, o golpe de Estado. Não foi observado qualquer formalidade legal, como, por exemplo, a votação do

impeachment de Jango. Mas bastou para que Gordon recomendasse o reconhecimento do novo governo,

ilegítimo e inconstitucional, e Johnson telegrafasse imediatamente ao novo presidente, felicitando-o pela

sua investidura na Presidência da República. O objetivo da pressa era justificar, perante a opinião pública

norte-americana e internacional, o atendimento a qualquer pedido de auxílio militar por parte do novo

Governo, segundo os termos do ajuste pormenorizado de 30 de janeiro de 1964, caso Goulart e Brizola

resistissem no Rio Grande do Sul. Logo após a queda de João Goulart, foi empossado provisoriamente na

presidência da República, no dia 01 de abril de 1964, o presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri

Mazzili (de novo!), homem de confiança dos militares.

Ao desembarcar em Porto Alegre na madrugada do dia 02 de abril, Goulart percebeu que lá igualmente

não disporia de forças para reagir ao golpe de Estado. Não havia tropas no aeroporto. Só um capitão e três

tanques formavam a guarda. Goulart reuniu-se, então, com Brizola e o General Ladário Teles, que fora

assumir o comando do III Exército já em plena crise, e com eles discutiu a situação do rio Grande do Sul e

uma possível resistência. “Brizola sugeriu a Goulart que o nomeasse Ministro da Justiça e o General,

Ministro da Guerra, e ambos tratariam de organizar a resistência. Ladário Teles, mesmo sabendo da

precariedade da situação apoiou a idéia e disse: ‘se o Presidente quiser que resista, resistirei. Sou um

General legalista. Para resistir só dependo de ordens de Vossa Excelência’. E, bastante emocionado,

arrematou: ‘um general pode te desgastes, mas, quando entra na batalha, deve esperar até milagres’.”?.

João Goulart tentou de várias maneiras permanecer no país. Entretanto a sua situação era extremamente

delicada e precária. Quando tomou a decisão de exilar-se no Uruguai, enviou um bilhete para o deputado

Doutel de Andrade, explicando que procurou “permanecer por mais tempo no Brasil, mas chegara à

conclusão de que sua presença em nada alteraria a situação de fato, criada com a sua deposição e a posse

ilegal e inconstitucional do Presidente da Câmara”. Sem dúvida, não era mais possível resistir ao golpe.

Com a queda de Jango, os cárceres encheram-se. No nordeste, onde os fazendeiros e seus capangas

chacinavam camponeses pobres, o IV Exército, comandado pelo General Justino Alves Bastos, derrubou

simultaneamente o governador de Pernambuco, Miguel Arraes e o de Sergipe, Seixas Dória, logo presos e

obrigaram as Assembléias Legislativas a votarem o impeachment de ambos, com o objetivo de legalizar a

brutalidade do ato. E enquanto a repressão se seguia com a invasão de lares, atentados aos direitos humanos

– o que aliás passará a ser a regra do novo regime – 200.000 pessoas, a sua maioria membros da burguesia

e da classe média (banqueiros, industriais, comerciantes, latifundiários, ricos e privilegiados, desfilaram

pelas ruas do Rio de Janeiro na segunda Marcha da Família, com Deus, pela Liberdade. Todos os

exploradores e parasitas festejaram a vitória. Menos os trabalhadores. Eram os derrotados.

Com a deposição de Jango e o reconhecimento do novo governo por parte dos EUA, foi formado uma

espécie de dois poderes paralelos: um civil, representado pelo Congresso, e outro militar, representado por

um tal Comando Supremo da Revolução, integrado pelos comandantes-em-chefe das Forças Armadas – o

general Costa e Silva (Exército), o brigadeiro Francisco de Assis Correia de Melo (Aeronáutica) e pelo

almirante Augusto Rademaker (Marinha).

Os líderes civis, como Amaral Peixoto e Ulysses Guimarães do PSD e Pedro Aleixo, Bilac Pinto e

Adauto Lúcio Cardoso da UDN, esforçavam-se no sentido de dar ao Congresso a direção política da

situação. Nos planos destes líderes constava, inclusive, a edição de uma ato constitucional que daria ao

Congresso o direito de eleger no novo presidente, além de instrumentos excepcionais para afastar as

pessoas indesejáveis.

Entretanto, os esforços dos civis foram inúteis. O tal Comando Supremo da Revolução adiantou-se,

outorgando o Ato Institucional de número 01, que transferiu o poder político do Congresso para os

militares. Entretanto, um desejo dos civis, os militares atenderam: o Congresso deveria eleger o novo

presidente. Mas qual Congresso?

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Assim, pelo seu caráter contra-revolucionário, o golpe de Estado antinacional e antipopular que

derrubou Goulart não se conteria nos limites formais de uma legalidade já estuprada. Para assegurar sua

continuidade o amordaçamento dos trabalhadores e de suas organizações não bastava. Era preciso erradicar

todos os focos de contestação existentes no país, sobretudo dentro do Congresso e das Forças Armadas.

Logo após a edição do AI-1, os militares realizaram cassações de mandatos e coagiu o Congresso, já

mutilado, sem os “elementos indesejáveis” e os cárceres cheios, a eleger o novo presidente da República,

indicado pelo tal Comando Supremo da Revolução, o chefe do estado-maior do Exército, o Marechal

Humberto de Alencar Castelo Branco, mais conhecido como Castelo Branco, que governou o país de

11.04.1964 a 15.03.1967.

Além de Castelo Branco, o Brasil conheceu mais 04 generais-presidentes: o marechal Arthur da Costa e

Silva (15.03.1964 a 31.08.1969), o general Emílio Garrastazu Médici (30.10.1969 a 15.03.1974), o general

Ernesto Geisel (15.03.1974 a 15.03.1979) e, por último, o general João Baptista Figueiredo (15.03.1979 a

15.03.1985). No período de 31.08.1969 a 30.10.1969, o país foi governado por uma Junta Militar, presidida

pelo general Lyra Tavares. O poder não foi transmitido, como veremos, pois os militares da chamada Linha

Dura não confiavam no vice-presidente, Pedro Aleixo, um civil da ARENA.

As organizações tidas como “subserversivas” ou “a serviço de organização estrangeira alheia à ordem

nacional” foram dissolvidas e seus líderes presos e submetidos aos bizarros Inquéritos Policiais Militares –

IPMs – provocando os primeiros exílios. As organizações mais visadas eram o CGT, a UNE, a UBES, a

UEE, o PCB e as Ligas Camponesas.

Era uma verdadeira operação plástica misturada com lavagem cerebral, com o objetivo de mudar a

cabeça do Brasil: povo calado é povo manipulado. Quem não se organiza é dominado e ajustado conforme

os interesses de outros: Brasil, “love-me or leave-me”.

Apesar dos excessos da repressão os políticos da UDN e do PSD aguardavam passivamente, com

grandes esperanças, a rápida normalização da vida política do país. O interesse de JK e de Carlos Lacerda

era preservar a ordem constitucional afim de assegurar as eleições de 1965. Ledo engano, pois em seguida,

em junho de 1964, Juscelino teve seus direitos políticos cassados por dez anos e Lacerda foi jogado no

esquecimento. A direita civil pensara que os militares tinham expulsado Jango para chamá-la, enfim, como

em outras ocasiões, a limpar o Brasil dos esquerdismos e devolver o poder a civis confiáveis.

1964: Revolução? Os autores do golpe de 1964 no Brasil, chamaram-no de Revolução; contudo, o conceito de revolução

não se aplica, absolutamente, ao ocorrido, pois este não provocou mudanças estruturais; o que houve foi a

modificação política a partir do uso da força.

O professor Florestan Fernandes é contundente ao afirmar que “a palavra revolução tem sido

empregada de modo a provocar confusões. Por exemplo, quando se fala de ‘revolução institucional’, com

referência ao golpe de Estado de 1964. É patente que aí se pretendia acobertar o que ocorreu de fato, o uso

da violência militar para impedir a continuidade da revolução democrática (a palavra correta seria contra-

revolução” ?, pois

“para que a revolução tenha lugar, não é suficiente que as massas exploradas e

oprimidas tomem consciência da impossibilidade de viver como antes e reclamem

transformações. Para que a revolução tenha lugar, é necessário que os exploradores não possam viver e governar como antes. É somente quando os ‘de baixo’ não queiram mais

e os ‘de cima’ não possam mais continuar a viver da antiga maneira, é então somente

[nessa circunstância] que a revolução pode triunfar. Essa verdade se exprime em outras

palavras: a revolução é impossível sem uma crise nacional (afetando explorados e

exploradores). Assim, pois para que uma [verdadeira] revolução tenha lugar, é preciso:

primeiramente, conseguir que a maioria dos operários (ou, pelo menos, que a maioria

dos operários conscientes, ponderados, politicamente ativos) tenha compreendido

perfeitamente a necessidade da revolução e esteja disposta a morrer por ela; é preciso também que as classes dirigentes atravessem uma crise governamental que envolva na

vida política até as massas mais retardatárias (o índice de toda a revolução verdadeira é

uma rápida elevação ao décuplo, ou mesmo ao centuplo do número de homens aptos

para a luta política, entre a massa laboriosa e oprimida, até a apática), a qual

enfraqueça o governo e toner possível aos revolucionários a sua pronta substituição”.?

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Assim, de acordo com o autor, o que ocorreu no Brasil, jamais pode ser considerado uma Revolução,

mas sim, uma contra-revolução, uma ruptura brusca das condições revolucionárias. Nos dias de hoje,

somente a classe operária é que detém as condições subjetivas para uma crescente conscientização

revolucionária, haja vista que são expropriados do valor de seu trabalho e não são governo.

A introdução do AI-1 é elucidativo:

“À Nação,

É indispensável fixar o conceito do movimento civil e militar que acaba de abrir ao

Brasil uma nova perspectiva sobre o seu futuro. O que houve e continuará a haver

neste momento não só no espírito e no comportamento das classes armadas, como na opinião pública nacional é uma autêntica revolução.

A revolução se distingue de outros movimentos armados pelo fato de que nela se traduz,

não o interesse e a vontade de um grupo, mas o interesse e a vontade da Nação.

A revolução vitoriosa se investe no exercício do Poder Constituinte. Este se manifesta

pela eleição popular ou pela revolução. Esta é a forma mais expressiva e mais radical do

Poder Constituinte. Assim, a revolução vitoriosa, como o Poder Constituinte se legitima por si mesma. Ela destitui o governo anterior e tem a capacidade de constituir o novo

governo. Nela se contém a força normativa inerente ao Poder Constituinte. Ela edita

normas jurídicas, sem que nisto seja limitada pela normatividade anterior à sua vitória.

Os chefes da revolução vitoriosa, graças à ação das Forças Armadas e, ao apoio

inequívoco da Nação, representam o povo e em seu nome exercem o Poder Constituinte,

de que o povo é o único titular”. Como podemos perceber, a manipulação das palavras consiste em peça fundamental para a legitimação

de qualquer ordem. Para um estrangeiro às coisas do Brasil, a leitura desta introdução é emocionante. Os

militares aparecem como bastião moral do povo e da nação brasileira. Mas, para nós, que estamos a

conhecer as coisas do nosso Brasil, isto não passa de uma achincalhe ideológico.

“O movimento militar de 1964 foi o momento culminante e, ao mesmo tempo, o desfecho de uma longa

crise. De fato, o regime populista, que a rigor encontrou suas origens na revolução de 1930 e na ascensão

de Vargas, foi um sistema político marcado pelas instabilidades institucionais. Subsistiu através de

compromissos igualmente instáveis e precários entre as forças que emergiram depois da derrocada do

regime oligárquico da República Velha. Três datas podem ser ressaltadas para indicar os momentos críticos

do populismo: 1954 com o suicídio de Vargas, 1961, com a renúncia de Jânio Quadros e 1964 com a

deposição de Jango”.?

Assim, podemos afirmar que o populismo servira às elites como uma forma de proporcionar a

modernização industrial, com a participação controlada das massas populares, ou seja, a modernização

burguesa do Brasil com o controle da classe operária. Quando uma efetiva participação política social

principiou a tomar forma nas entranhas do populismo e, ao mesmo tempo que gerada por ele, demonstrava

que poderia caminhar com as próprias pernas, as elites, sempre avessas a concessões e ciosas do seu espaço

político, passaram a encarar a estratégia populista com suspeição. Portanto, podemos afirmar que “o

populismo sempre teve o projeto social imbricado em seu projeto burguês – o problema foi a perspectiva de

sua concretização, fora da estratégia populista que lhe ditava o enquadramento. E, mais ainda, a inclusão da

reforma agrária no projeto”?.

A orientação nacionalista da economia também foi um fator que levou ao golpe. Esta orientação reunida

ao populismo, visto que identificava o trabalho das massas ao seu bem-estar e o incluía no contexto mais

amplo da felicidade do Brasil, além de disfarçar a realidade de que o trabalhador, a quem se ensinara que

trabalhava para o engrandecimento da pátria, trabalhava sim para o acúmulo das mais-valia (lucro) de seus

patrões privados. Este nacionalismo incomodava aos interesses do capital norte-americanos no Brasil, uma

vez que, com o fim da Segunda Grande Guerra, os Estados Unidos possuíam uma enorme quantidade de

capital a ser investido, e o nacional-populismo constituía-se em um entrave a estes investimentos.

No populismo, a participação popular era possível e previsível, desde que seja regulada, manipulada e

controlada pelo Estado. O povo não participa enquanto sujeito do processo político, muito pelo contrário, o

papel que resta à participação popular no populismo é de um mero figurante. E de tanto ser chamada, ela se

convenceu a vir e, aos poucos, descobriu que poderia sair do proscênio do palco, para o palco em si sem ser

chamada, ou seja, por conta e risco própria, mais independente de qualquer controle externo por parte do

governo. E é justamente essa autonomização das classes populares, que pôs em risco o espaço político das

elites.

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Assim, pelo seu caráter contra-revolucionário, o golpe de Estado antinacional e antipopular que

derrubou Goulart não se conteria nos limites formais de uma legalidade já estuprada. Para assegurar sua

continuidade o amordaçamento dos trabalhadores e de suas organizações não bastava. Era preciso erradicar

todos os focos de contestação existentes no país, sobretudo dentro do Congresso e das Forças Armadas. O

objetivo do golpe militar era, portanto, liquidar os movimentos sociais e políticos que não pudessem ser

controlados pela estrutura oficial de poder, entre eles destacam-se: o movimento estudantil, o sindical, as

Ligas Camponesas e os setores nacionalistas mais radicais. Segundo os militares, “todos eles ameaçavam a

estabilidade política do país” e feria a Lei de Segurança Nacional.

De acordo com Lopez?, o golpe de 1964, ocorreu exatamente no momento em que o populismo estava

deixando de questionar apenas o caráter do capitalismo para questionar a sua própria essência. Após um

curto espaço de tempo, o governo de Ranieri Mazzili foi, tecnicamente o último presidente civil do Brasil

até a posse de José Sarney, em 1985. Os militares assumiram definitivamente o monopólio do poder,

respaldados no monopólio da força armada na sua coesão como grupo decisório. Ao contrário de outras

intervenções militares em nossa história, desta vez os militares não entregaram o poder para os civis depois

de passado o momento crítico. Pelo contrário, os militares resolveram passar da posição de árbitros para a

posição de atuantes diretos, enfrentando todos os desgastes decorrentes da nova situação, mas também

usufruindo diretamente e completamente dos privilégios ligados ao exercício do poder.

A República Fardada: da repressão ao milagre. O golpe militar brasileiro marcou o início do último ciclo ditatorial ocorrido na América Latina e

sinalizava o esgotamento do modelo nacional-populista, que fora aplicado após a Segunda Grande Guerra

Mundial em vários países como a Argentina, a Bolívia, o Chile e o próprio Brasil. Esse modelo baseava-se

nos excelentes lucros obtidos pelos países exportadores de matérias-primas entre a Primeira e a Segunda

Grande Guerra Mundial. Esses lucros permitiam a diversos regimes latino-americanos dar ao Estado o

papel de motor das atividades econômicas.

Entretanto, o golpe de 1964 foi arquitetado não só por militares. Civis de renome nacional também

construíram o golpe. Entre eles destacam-se: o governador de Minas Gerais, Magalhães Pinto; o

governador da Guanabara, Carlos Lacerda; o presidente do jornal O Estado de São Paulo, Júlio de

Mesquita Filho e outros órgãos da grande imprensa (O Globo, Jornal do Brasil); setores empresariais

ligados ao capital internacional, partidos políticos, principalmente a UDN, o PSD, o PSP e uma parte do

PTB, e membros do clero católico. Esses grupos que se opunham a Goulart temiam a “esquerdização”, a

“bolchevização” do governo e a crescente mobilização popular pelas Reformas de Base. Sob o impacto da

propaganda anticomunista, uniram-se gregos e troianos contra o governo federal.

Depois do golpe militar de 1964, os militares mantiveram o poder político no Brasil por longos e

tenebrosos 21 anos, apesar de afirmarem, nos seus discursos, que a passagem deles pelo poder seria curta e

rápida, no tempo necessário de extirpar do Brasil a corrupção e a subversão e, depois, entregariam o poder

aos civis. Durante mais ou menos o primeiro ano, formaram uma aliança com a UDN, o partido

tradicionalmente antipopulista faminto pelo poder. Tratava-se de um esforço dos militares para parecerem

legítimos a despeito de sua tomada ilegal do poder.

Quando essa aliança os fez perder duas eleições fundamentais para governador de estado em 1965,

contudo, os militares aboliram todos os partidos políticos existentes e os substituíram por um novo sistema

bipartidário – um partido do governo e um único partido de oposição –, um outro esforço para legitimar o

ilegítimo. Eles não tiveram mais sucesso com a opinião pública do que antes, a oposição cresceu e a

paciência dos militares de direita – também conhecidos como Linha Dura – se esgotou em 1968. Militares

tornaram-se cada vez mais repressivos, censurando a imprensa ainda mais estritamente, provocando um

movimento de guerrilha armada urbana e rural e usando a tortura em seus esforços para esmagar toda a

oposição.

Para o historiador Jacob Gorender, “o golpe militar truncou uma fase de excepcional florescimento da

cultura brasileira. A politização das massas se tornou terreno fértil sobre o qual frutificaram iniciativas de

cultura popular como nunca havia ocorrido em épocas anteriores (...) Nos primeiros meses de 1964,

esboçou-se uma situação pré-revolucionária e o golpe direitista se definiu, por isso mesmo, pelo caráter

contra-revolucionário preventivo”?.

A hegemonia da liderança nacionalista burguesa, a falta de unidade entre as várias correntes, a

competição entre lideranças personalistas, a precariedade da organização dos movimentos, os erros de

avaliações de conjuntura, as estratégias e táticas equivocadas, as ilusões reboquistas e as incontinências

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retóricas e históricas – tudo isto em conjunto explica o fracasso da esquerda brasileira. “Houve a

possibilidade de vencer, mas foi perdida”?.

O golpe militar de 1964 foi comemorado por muitos setores significativos da sociedade, criando-se um

clima de amplo apoio popular, pelo menos no que diz respeito à classe média urbana. A Ordem dos

Advogados do Brasil, pretensa defensora dos ideais de liberdade, democracia e legalidade, foi um dos

setores que aplaudiu a deposição do governo e nem tomou ciência das irregularidades e defeitos legais da

transição para o governo inconstitucional de Ranieri Mazzili.

A Igreja Católica também deu a sua parcela de colaboração ao golpe. No dia 26 de maio um grupo de

bispos influentes elogiou o golpe. A hierarquia católica considerava que o golpe militar tinha impedido a

implantação de um regime “bolchevista”, “soviético” no país e assim reforçava os receios da classe média

que temiam pelo seu futuro ante o avanço reformista do governo de Jango. É bem verdade que a igreja

procurou defender os ativistas leigos progressistas de acusação de serem comunistas. De qualquer modo, a

posição da hierarquia irritou profundamente os jovens militantes da Ação Católica Brasileira e da Ação

Popular, que se identificavam com a esquerda. Mais tarde, quando esses jovens foram presos e torturados,

muitos membros do episcopado reconsideram seu apoio ao golpe.

Os Governos Militares: política e economia; resistência e repressão?.

Castelo Branco. Os militares que comandaram o país de 1964 a 1985 não possuíam, contudo, uma linha única de ação.

Dentro das Forças Armadas, vários grupos defendiam diferentes propostas de condução da sociedade,

sendo os mais importantes os movimentos denominados pela historiografia de “Linha Dura” e “Grupo da

Sorbone”.

Os militares da Linha Dura eram adeptos do endurecimento do regime, através de ações repressivas,

além da eternização dos militares no poder, através de uma ditadura permanente, consoante a ideologia de

que só eles estavam acima dos egoísticos interesses de classe e pensavam apenas na pátria. Por trás dessas

ações ocultava-se a “jovem oficialidade” (coronéis do Exército) que defendia a pureza dos princípios

revolucionários e estavam disposta a excluir todo e qualquer vestígio do regime deposto, por isso

defendiam o alijamento dos políticos, reduzindo-os ao papel de meros colaboradores, estreitando a aliança

com uma tecnoburocracia apolítica e, portanto, despolitizando o problema do desenvolvimento, tornando-o

uma questão meramente técnica. Fazendo do desenvolvimento uma opção de segurança nacional,

cunharam a frase “desenvolvimento com segurança”, usada como camuflagem para reprimir toda a

oposição, a atropelar os direitos humanos e a democracia, impondo, assim, um modelo econômico que

conseguiram, afinal, fazer prevalecer no Brasil. Seu poder de pressão dentro das Forças Armadas era tal,

que nas eleições para governadores, em 1965, conseguiu fazer com que o Congresso aprovasse a “emenda

das inelegibilidades”, afastando das disputas eleitorais os elementos visados pelos militares. Outro episódio

que representou vitória da Linha Dura foi a permissão dada à Justiça Militar de julgar civis por “crimes

políticos”. Essa concessão aos “duros” feriu profundamente o que restava de consciência liberal, e o

Ministro da Justiça, Milton Campos, preferiu exonerar-se a ter que compactuar com uma decisão arbitrária.

Por sua vez, os militares do chamado Grupo da Sorbone, eram militares que defendiam um governo

forte, centralizado, mas com algumas concessões aos civis. Também eram conhecidos como o Grupo

Castelista, uma referência ao seu mais notório representante, o Marechal Humberto de Alencar Castelo

Branco. O general Golbery do Couto e Silva era um dos seus principais expoentes. O Grupo da Sorbone

defendia a participação de técnicos. Os Castelistas desejavam limpar o país dos comunistas e corruptos em

geral, mas pretendiam, em um segundo momento, a devolução do poder às elites civis, por isso defendia a

ditadura militar como algo emergencial e imediata em seus objetivos.

Impondo uma política repressiva contra os trabalhadores e setores progressistas da sociedade, incluindo

polícia no encalço de greves e passeatas, prisões e torturas, demissões, aposentadorias forçadas e diversas

outras modalidades de perseguições, Castelo Branco não estava simplesmente agindo como um sádico. Por

detrás do combate à corrupção e subversão, existia todo um projeto de desmantelamento dos setores que

poderiam constituir oposição ao programa desenvolvimentista orientado à concentração da renda e

favorecimento do capital estrangeiro, visto que tal programa necessitaria de uma política de achatamento

salarial, medidas drásticas de combate à inflação e um clima interno de paz social, ou seja, sem

reclamações e protestos dos atingidos pela nova situação. Enfim, o governo buscava mostrar que o Brasil

possuía condições favoráveis ao investimento de fora e que ninguém precisaria se preocupar com reações

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internas. Desse modo, qual uma patrola, o Governo Castelo Branco nivelou o terreno social, aplainou as

saliências, suprimiu as arestas; em outras palavras, aquietou a sociedade civil.

O projeto econômico dos militares brasileiros foi liberalizante. A equipe econômica de Castelo Branco

era de inteira confiança do capital americano – Otávio Gouveia de Bulhões e Roberto Campos. Como sinal

de que essa não era uma confiança sem bases, basta citar dois fatos: em abril de 1965, um acordo de

investimentos com os Estados Unidos determinou que o governo brasileiro indenizaria qualquer firma

americana que, em nosso país, sofresse danos provocados por greves e agitações trabalhistas; ao mesmo

tempo, o governo substituiu a lei janguista sobre remessas de lucros por outra mais favorável às empresas

estrangeiras, elevando o percentual autorizado para remessa (de 10 para 12% do capital investido) e

incluindo, como capital estrangeiro, o lucro auferido por tais empresas no Brasil, embora com trabalho de

brasileiros. Isso elevava o montante de dinheiro com permissão de ser remetido às matrizes.

O capital estrangeiro recebeu sinal verde e instalou centenas de novas fábricas no continente, uma

necessidade daquele momento histórico de expansão capitalista, que indicava a existência de grandes

capitais excedentes a serem investidos em países cuja mão-de-obra barata reduzisse os preços finais.

A despeito da repressão, não deixaram de ocorrer manifestações populares de oposição e desafio ao

regime militar, e esta seria a grande fase dos estudantes como ponta-de-lança dos protestos. Eles atuaram

em nível cultural (músicas, filmes, peças teatrais, shows) e nas ruas (cartazes e panfletos contra cassetetes;

palavras de ordem contra pancadas; prisões e torturas). Na verdade, as manifestações terminaram por trazer

à tona uma surda disputa que ocorria no meio militar: os Castelistas, de um lado e os da Linha Dura, de

outro.

As oposições de massa e no Congresso, que estava aleijado, deram força à linha dura, à qual convenceu

a caserna de que a estratégia Castelista era branda e que era prematuro devolver o poder aos civis em curto

prazo. Contra as intenções de Castelo Branco, não só o regime foi endurecido, ao longo de seu governo,

como ainda lhe foi imposta uma sucessão militar. Castelo Branco foi levado a crescentes concessões aos

duros. A vitória eleitoral para governos estaduais, de homens como Negrão de Lima (Guanabara) e Israel

Pinheiro (Minas Gerais), mostrou que a eleição direta podia trazer surpresas desagradáveis aos novos

detentores do poder visto serem políticos ligados ao sistema desmontado com o golpe de 1964. Em

conseqüência, alegando que a Revolução Continuava, Castelo editou novos Atos Institucionais. O de

número 02 de 27 de outubro de 9165, terminou com os antigos partidos políticos e, na prática, permitiu

apenas o bipartidarismo, originando-se a ARENA (Aliança Renovadora Nacional) e o MDB

(Movimento Democrático Brasileiro), bem como determinou a eleição indireta do presidente que

sucederia a Castelo Branco. O AI-3, de 07 de fevereiro de 66, estabeleceu a eleição indireta também para

governadores estaduais e o de AI-4 de 07 de dezembro do mesmo ano, deu ao Congresso (cassado, castrado,

encurralado e amedrontado) poderes Constituintes para aprovar um novo projeto de Constituição, elaborado

pelos juristas da ditadura.

O fato de ter surgido um partido de oposição revela um fato curioso, persistente em todos os governos

militares, uma espécie de necessidade de encobrir o arbítrio com farrapos de legalismo democrático. Assim,

a rigor, durante toda a era ditatorial, não deixaram de existir Congresso, partidos políticos e eleições

legislativas. Só que as eleições eram para um Legislativo emasculado e a oposição, sob tutela militar só

podia fazer oposição, mas não a contestação. A oposição devia mostrar ao mundo lá fora que aqui ainda

havia democracia (até porque houve rodízio militar no poder) mas sem abusar. Esta comédia fez parte das

contradições e escrúpulos da caserna. Afinal, a revolução de 64 fora rotulada como redentora e

democrática.

Em 1967, entrou em vigência a Constituição do período autoritário. Hipertrofiava o Executivo, tolhia o

Legislativo, colocava a segurança nacional acima do Judiciário. Estabeleceu um Colégio Eleitoral para

eleger o presidente e criou o decreto-lei, editado pelo presidente, como força legal por sessenta dias- prazo

que o Congresso tinha para derrubá-lo ou torná-lo. Passados os sessenta dias, o decreto-lei, em caso de

omissão do Congresso, se tornaria Lei por decurso de prazo. Era uma aberração jurídica, mas o país ainda

veria piores.

Quanto à elite civil, vendo esfumar-se suas aspirações de chegar ao poder – e tal fora seu objetivo ao

apoiar o golpe – partiu par a formação da Frente Ampla, no Uruguai, unindo ex-adversários, todos cassados

pelo regime: Carlos Lacerda, João Goulart e Juscelino Kubitschek. gesto inútil., revelador de frustrações. O

governo militar proibiu a Frente Ampla de atuar no Brasil e, em 1967, sem problemas maiores assumiu

outro militar. Marechal Costa e Silva também tinha, em seu discurso inicial, propósitos liberalizantes para o

futuro.

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General Arthur da Costa e Silva (1968-1969) Se Costa e Silva, egresso da Linha Dura, tinha realmente intenção de abrir o regime ou se era aquilo

retórica de começo de governo, jamais saberemos. Porque, de permeio, entrou em cena fatores que poder

ser resumidos nesses algarismos: 1968.

O “ano que não terminou” foi assinalado por uma onda de protestos em vários países do mundo, sob

liderança estudantil. Ideais anarquistas, socialistas, terceiro-mundistas, libertários, os mais diversos e

controversos se fundiram e se confundiram. O que tinham em comum era vontade e a vocação da

contestação: os jovens se opuseram às restrições, convenções, proibições da sociedade estabelecida.

Desejavam a revolução social e comportamental e compreenderam que o político e o cultural se

interpenetravam. O lema “é proibido proibir” dava o tom dos protestos, às vezes de forma festiva, às vezes

de forma explosiva. Tanto defendiam a liberdade sexual como o LSD. Combatiam o conformismo e o

consumismo, adotando uma crítica que ia do humor à corrosão. Igualmente se opuseram ao autoritarismo

do ensino universitário – o detonador dos protestos – assim como às ditaduras latino-americanas e à Guerra

do Vietnã. Foi um verdadeiro caleidoscópio de manifestações e causas em jogo. Tudo começou na

Califórnia e na França. Em maio de 1968, em Paris, os estudantes chegaram a um tal nível de

enfrentamento com o sistema, que, por um momento, a situação pareceu revolucionária. Os ídolos da época

não eram Lênin ou Marx, mas, sintomaticamente, os do Terceiro Mundo: Chê Guevara, Ho Chi Minh, Mao

Tsé-Tung. Embora carregando suas contradições de classe média, os jovens protestaram – emergiram em

diversos países tanto guerrilheiros quanto hippies... e sua felicidade marginal. Estados Unidos, França,

Alemanha, Checoslováquia, Itália, México, Japão, os protestos atingiram inúmeros locais do mundo. Os

movimentos terminaram se esgotando e fracassando, pois, como bem detectou Marcuse, não só foram

vitimados pela repressão, mas também pelo fato de que tudo aquilo se revelou como agitação das ondas do

mar, onde no fundo corriam águas calmas. Resumindo, os estudantes fizeram manifestações, passeatas, mas

não lograram mobilizar o grosso da sociedade, as tais águas calmas da metáfora de Marcuse. De país para

país, variava o alvo dos protestos. Nos EUA, foram contra a Guerra do Vietnã. No Brasil, foram contra a

ditadura e a entrega do Brasil ao capital estrangeiro.

Entretanto, no Brasil a repressão ao movimento foi violenta. Em abril de 1968, no Restaurante

Universitário do Calabouço, no Rio de Janeiro, o estudante Edson Luís de Lima Souto foi morto pela

política. Veio a comoção popular e a linha dura resolver que precisava endurecer ainda mais, pois

subsistiam a subversão e a anarquia. Assim, ao longo de 1968, o Brasil foi caminhando para o fechamento

total do regime. O pretexto acabou sendo um discurso de um deputado do Congresso.

Na verdade, foi um discurso burlesco, lembrando a comédia grega de Aristófanes, A Greve dos Sexos:

que os pais não levasse os filhos a ver a parada de 07 de setembro, pois os militares haviam traído a pátria;

que as esposas dos generais não dormissem com os maridos, pois eles haviam traído a pátria; que as

namoradas e noivas dos cadetes não os acompanhassem nos bailes de formatura, pois os militares haviam

traído o Brasil! o autor: Márcio Moreira Alves. Certamente, em condições normais, o discurso passaria

despercebido. No entanto, naquela conjuntura, o Exército reagiu e exigiu a punição do deputado. A situação

tornou-se um símbolo das liberdades parlamentares, mesmo que o símbolo não estivesse à altura. O

Congresso rejeitou o pedido do Exército. Pressionado, Costa e Silva editou, em 13 de dezembro de 1968, o

Ato Institucional de número cinco – o AI-5. A sucessão de greves e protestos naquele ano tinha sido causa

remota; o episódio Márcio Moreira Alves foi o fator imediato. Ao contrário dos outros Atos Institucionais,

o AI-5 não tinha data para se esgotar, e autorizava o presidente da República a cassar mandatos, intervir

nos Estados e fechar o Congresso à vontade, em nome da Segurança Nacional. Foi um golpe dentro do

golpe: marcou a hegemonia da Linha Dura sobre os moderados – Castelistas. A censura passou a ser total,

os órgãos de segurança – com a mais absoluta impunidade e desenvoltura – multiplicaram as espionagens,

prisões e torturas. Muitos se exilaram, outros tantos foram assassinados.

A justificativa ideológica para a repressão completa e absoluta foi a Doutrina de Segurança Nacional

(D S N): combate à expansão internacional do comunismo, o papel cabia aos Estados Unidos; ao Exército,

caberia combater a infiltração interna do insidioso inimigo comunista, que podia tomar as mais diversas

formas, o que implicaria estar atento à tudo, dado o seu poder de iludir e conquistar corações e mentes.

Resumindo, o Brasil estava em uma guerra civil não declarada contra tal inimigo e todas as armas eram

válidas. Uma verdadeira paranóia anticomunista abateu a caserna. Desse modo, toda e qualquer oposição

foi enquadrada na luta contra o comunismo e assim se justificaram as proibições e censuras em todos os

níveis. Explicou-se o papel repressor do governo com base no argumento de que a sociedade civil era

indefesa contra o adversário comunista. Que os EUA enfrentassem a URSS; que o Exército Brasileiro

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enfrentasse o perigo comunista interno. Um dado não menos importante é que a DSN tornava cada cidadão

responsável pela Segurança Nacional, do que decorreu o estímulo à delação. A DSN estava, inclusive,

acima da Constituição.

O Congresso foi fechado. No começo de 1969, o Decreto-Lei n.º 477 enquadrou as Universidades na

Lei de Segurança Nacional. Inúmeros professores foram aposentados compulsoriamente, como é o caso do

nosso atual presidente, Fernando Henrique Cardoso, à época professor de Sociologia da USP. Os reitores

estavam autorizados a expulsarem os alunos politicamente indesejáveis. Iniciava o período mais sombrio

do Brasil pós-64.

Com todos os espaços tolhidos, o que sobrou ao punhado de desesperados, que decidiu continuar

lutando, foi a guerrilha urbana e rural em nome da teoria foquista. Era uma teoria que se revelou errada em

relação ao Brasil: defendia que a revolução só seria possível a partir da consolidação de focos iniciais

desencadeadores. Ocorre, no entanto, que os atos guerrilheiros – sobretudo seqüestros e assaltos a bancos –

apenas forneceram o reforço aos argumentos da repressão consolidando a idéia de que a luta contra os

atentados terroristas era parte de uma guerra civil. A sociedade não apoiou a esquerda guerrilheira e esta

sucumbiu isolada. Na prática nunca passou de um punhado de heróicos equivocados; mas o governo soube

manipulá-los frente à opinião pública forjando alarmismos. A lógica é fácil de entender: quanto mais

terríveis eles parecessem, mais se tornaria aceitável o endurecimento e a desumanidade dos órgãos de

repressão, e mesmo a censura de modo geral. Não foi difícil ao regime, naqueles anos de chumbo, assimilar

qualquer manifestação oposicionista, no âmbito cultural ou político, ao terrorismo da guerrilha.

Junta Militar (1969) Em agosto de 1969, a doença de Costa e Silva fez com que uma Junta Militar, formada pelos Ministros

da Guerra, Marinha e Aeronáutica, tomasse provisoriamente o poder. O vice-presidente Pedro Aleixo foi

descartado, não tanto por ser civil, mas sobretudo, por ter se oposto ao AI-5. Ante a perspectiva de Costa e

Silva não mais retornar, o Alto Comando Militar se decidiu pela designação do General Emílio Garrastazu

Médici. Com um resquício de escrúpulo legalista, a Junta Militar reabriu o que sobrara do Congresso, após

perseguições desencadeadas pelo seu fechamento, para que ele elegesse o novo presidente do Brasil. Uma

emenda à Constituição de 1967 fortaleceu mais ainda o presidente.

General Garrastazu Médici (1969-1974) No governo Médici, o líder do governo no Senado seria nada menos que Filinto Müller, o antigo

torturador do Estado Novo – fato emblemático em um país transformado, virtualmente num Estado Policial.

Foi o auge do regime militar. A censura e a repressão não deram tréguas. Na imprensa, semanários

como O Pasquim e Opinião ainda conseguiam, eventualmente, fazer alguma crítica ao regime. Quanto à

guerrilha, foi desmantelada na cidade, com a morte de Carlos Mariguela, fundador e dirigente da Aliança

Libertadora Nacional (ALN) e, no campo, com a morte de Carlos Lamarca, um antigo capitão do exército e

fundador da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). No Araguaia, uma operação bélica exterminou com

a guerrilha organizada pelo PC do B (Partido Comunista do Brasil).

Com sufoco da censura, notícias sobre torturas e desaparecidos eram proibidas. Ao mesmo tempo, o

governo tratou de promover uma imagem triunfalista, maquiada de gestos grandiloqüentes (construção da

Transamazônica, decretação do Mar das 200 milhas) e frases de efeito, forjando um discurso sobre o Brasil

Grande: “Brasil, ame-o ou deixe-o”; “Ninguém segura este país”; “Este é um país que frente”; “Prá frente,

Brasil”. Era um nacionalismo, tal como aquele de Plínio Salgado, novamente com n minúsculo; um

nacionalismo de fachada, com o verde-amarelo ocultando a realidade de um país progressivamente

entregue ao capital multinacional. A vitória do Brasil na Copa do Mundo, em 1970, e o visual de um Pelé

saltando, dando soco no ar, passou a se identificar com a proposta de uma nação que, unida, marchava

rumo à modernidade e a um glorioso futuro.

O governo Médici assinalou a expansão do modelo desenvolvimentista conhecido como Milagre

Brasileiro. Foi a retomada de um dos componentes ativos da era JK: a industrialização em uma etapa mais

adiantada, já não mais enfatizando os bens de consumo não duráveis (eletrodomésticos, automóveis). A

repressão criara o necessário clima de paz social. Já não havia greves e o salário estava achatado, a

produção se destinaria ao mercado externo ou somente àquela fração do mercado interno que podia

comprar, dada a crescente concentração da renda. Para compensar o fato de que existiam muitos que não

tinham poder aquisitivo, o Milagre estimulou ao máximo o consumismo das elites e classes médias,

produzindo bens cada vez mais sofisticados (foi quando surgiu a TV em cores). Assim, os poucos que

tinham condições de consumir, compensariam – comprando cada vez mais – a realidade dos muitos que

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estavam totalmente à margem do consumo. Na agricultura (com incentivo à produção da Soja) e na

indústria, a orientação foi a produção ou para o restrito mercado interno ou para a exportação. O

endividamento do camponês, em uma estrutura rural que permaneceu intocada, obrigou muitos a se

dirigirem para as cidades. Por outro lado, as exportações de artigos manufaturados subiu de 32% para 52%.

Só que, como a miséria havia aumentado, ficou evidente o erro da antiga tese desenvolvimentista, a de que

o país superaria a miséria com industrialização. Nas palavras de Bresser Pereira, o Brasil ingressou na fase

do “subdesenvolvimento industrializado”. Éramos uma nação com um parque industrial sem igual na

América Latina e, no entanto, dependente e sofrendo imensas carências sociais. Foi então que o sociólogo

Fernando Henrique Cardoso formulou a teoria da dependência, segundo a qual, dependência e crescimento

industrial não eram incompatíveis: no contexto capitalista mundial tal era o papel dado ao Brasil – havia as

nações centrais e as periféricas, sendo que a existência de umas condicionava a das outras, do que decorria

que nossa posição não era uma fase a ser superada, mas um destino inevitável dentro dos imperativos do

conjunto do sistema e das funções que devíamos cumprir, uma vez nele inseridos.

Os números são eloqüentes em mostrar o custo social do Milagre e quem pagou a conta do banquete: de

1961 a 1963, 38% da nação era de subnutridos e desnutridos, percentual que se elevou para 65% em 1985,

quando o país já fabricava computadores. Em 1960, os mais pobres detinham 19,7% da renda nacional; em

1976, com o Milagre em andamento, o percentual baixou para 11,8%. Quanto os mais ricos, tomando as

mesmas datas, o percentual subiu de 27,7% para 39%. Dívida externa (subiu 25 vezes entre 1964 e 1980),

capital estrangeiro com todos os privilégios, política de incentivo ao consumismo e à exportação,

achatamento salarial sistemático, repressão política e intelectual e inflação com baixos índices e, mesmo

assim, manipulados – tais foram as bases do modelo econômico de cuja crise ainda nos ressentimos. O

Brasil cresceu, mas não se desenvolveu. Expandiu um tipo de capitalismo particularmente desumano e

selvagem. É sabido que o capitalismo se fundamenta na expropriação e desigualdade, mas o nosso se

superou: mais que na desigualdade, ele se fundamentou na pura e simples exclusão de populações inteiras

de qualquer possibilidade de consumo, por mínima que fosse.

A título de reflexão, vai aqui um exemplo de sangria que o país sofreu, quando se fez a opção por um

crescimento defendida pela tecnoburocracia militar, com o argumento de que aquilo gerava empregos. O

exemplo é o da instalação da FIAT automóveis em Betim, Minas Gerais, em 1973, com o nome de Fiasa:

“A prefeitura de Betim, doou à Fiasa (vendeu à preço simbólico de Cr$ 7,00 o m2) o terreno para a

instalação da fábrica. A área, com 2 milhões de metros quadrados, veio acompanhada de todos os serviços

de terraplanagem. Além disso, a prefeitura abriu mão das taxas e impostos municipais, referentes ao

projeto até 1985. Para viabilizar o funcionamento da fábrica, além de investir a maior parte do capital, o

governo mineiro responsabilizou-se pela construção de uma estrada que desse acesso à rodovia São

Paulo/Belo Horizonte. Forneceu também energia elétrica, água, rede de esgotos (pluviais, industriais e

sanitárias) e as linhas telefônicas. Por todos esses serviços, a Fiasa vai pagar, mas em 45 anos, com

prestações anuais de Cr$ 700.000,00, sem juros e nem correção monetária”.

Esse caso – e muitos outros que poderiam ser referidos – ilustra bem que o Milagre foi a economia

crescendo na razão direta do endividamento social.

General Ernesto Geisel (1974-1979). A crise do Milagre começaria no governo do General Ernesto Geisel. O novo governo sinalizaria as

primeiras mudanças e, com Geisel e seu mais direto auxiliar, o General Golbery do Couto e Silva,

voltariam os Castelistas e sua ideologia do que devia ser a participação dos militares no poder. Todavia,

com a ascensão de Geisel, a conhecida linha dura ainda permaneceria incrustada em diversas instâncias do

aparelho do Estado, de onde não seria fácil desalojá-la. E Geisel sabia disso.

General João Baptista de Oliveira (1979-1985). Abertura contínua, lenta e gradual.

Crise econômica e inflação.

Delfim reassume a política econômica no lugar de Simonsen.

Crise internacional (crise petrolífera).

Freio do crescimento.

Estagnação e inflação: política recessiva.

Fracasso da política de recessão.

Falta de recursos internacionais.

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Política de melhorias das contas externas, corte de despesas e compressão salarial, como forma de

conseguir recursos do FMI, para sair da crise.

1984 - economia cresce:

redução de importação e aumento da exportação;

alta inflacionária: dívida externa e ciranda financeira.

Anistia aos presos políticos e exilados.

Linha dura: contra à abertura - atentados à bomba.

Em 1979, o governo cria nova lei orgânica dos partidos extinguindo a Arena e o MDB, formação de

novos partidos políticos e fim da unicidade da oposição: intenção do governo em quebrar a força da

oposição:

Arena - PDS

MDB - PDT, PT, PMDB, PTB e PP.

Em 1981, ocorre a Conferência Nacional da Classe Trabalhadora (CONCLAT). Surgem duas

correntes sindicalistas:

linha agressiva reivindicatória - PT;

sindicalismo de resultados.

Em 1983, surgimento da CUT e em 1986 surgimento da CGT. Já em 1982, eleições voto vinculado,

com vitória expressiva da oposição: SP, MG, PR e RJ.

Campanhas "Diretas Já", PT a frente.

Frente Única: setores da sociedade civil: PT, PMDB, PDT, CUT, CONCLAT, OAB, ABI, etc.

Os movimentos pelas Diretas Já se espalham, reunindo tendências múltiplas do nacionalismo do

socialismo, servindo como canal para outras reivindicações sociais. Entra para votação no

Congresso Nacional a emenda Dante de Oliveira: introdução de eleições diretas para presidente da

República. A emenda perde no congresso, dominado pelo PDS distante do ensejo da sociedade civil.

As eleições seriam indiretas via colégio eleitoral.

PDS indica Paulo Maluf.

Os descontentes anti-malufistas cindiram com o PDS, formando a Frente Liberal (Aureliano

Chaves), futuro PFL.

PMDB e Frente Liberal lançam o nome de Tancredo Neves e José Sarney para presidente e vice

presidente, respectivamente, formando a Aliança Democrática.

Paulo Maluf - inicia uma campanha de compra de voto e sedução.

Tancredo Neves: corre o Brasil em comícios fortalecendo o apoio popular a sua candidatura, apesar

da eleição indireta.

Tancredo vence as eleições no colégio eleitoral.

Tancredo adoece no dia de posse, e é internado no Hospital de Base de Brasília.

José Sarney assume interinamente a presidência.

Tancredo morre.

UNIDADE V - A TRANSIÇÃO DEMOCRÁTICA PARA A NOVA REPÚBLICA (1985-1989).

De Tancredo a FHC: a transição democrática. Entre março de 1964 a janeiro de 1985 o Brasil foi governado por regime militar. O cenário político

passou a ser dominado pelo autoritarismo, supressão das liberdades constitucionais e censura dos meios de

comunicação. Por outro lado, na economia, ocorreu uma rápida modernização e diversificação da indústria

e dos serviços, apoiada numa política de concentração de renda, endividamento externo e abertura para o

capital estrangeiro. A institucionalização da correção monetária transformou a inflação numa forma de

financiamento do Estado. Este conjunto de fatores agravou mais ainda as grandes desigualdades

econômicas e sociais do povo brasileiro.

Com o governo Figueiredo, vai-se chegando o fim o período militar, mediante a grandes manifestações

populares de oposição e de órgãos dos direitos humanos pedindo a redemocratização, e a passagem para um

governo civil, esta ocorre com Figueiredo, que trabalha uma redemocratização conservadora e intra-elite,

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sendo o povo um mero espectador dos acontecimentos. As eleições foram feitas no Colégio Eleitoral,

elegendo Tancredo Neves o elemento conservador e conciliatório da transição.

A eleição de Tancredo Neves para a presidência da República, em janeiro de 1985, colocou um fim no

regime militar e deu início ao processo de redemocratização. Mesmo com a escolha indireta, o novo

presidente foi aclamado com entusiasmo pela população. Tancredo, no entanto, adoeceu na véspera da

posse e morreu sem assumir o governo. No seu lugar foi empossado o vice, José Sarney, que governou até

1989.

Nesta data, depois de quase 30 anos, o povo votou diretamente para presidente, elegendo Fernando

Collor de Mello, que assumiu em 1990. Dois anos depois, com um inédito processo de impeachment,

Collor foi afastado do governo. Itamar Franco, seu vice, assumiu a presidência até 1994, quando ocorreram

novas eleições, com a vitória de Fernando Henrique Cardoso.

José Sarney (1985-90).

Social-Democrata, início da modernização e resgate do liberalismo.

1986 - Plano Cruzado - Dilson Funaro:

austeridade fiscal e monetária;

cruzeiro para cruzado;

congelamento de preços e salários;

fim da correção monetária;

criação do seguro desemprego e gatilho salarial;

moratória da dívida externa.

1987 - Plano Bresser:

equilíbrio das contas públicas;

congelamento de preços e salários;

aumento das tarifas públicas;

extinção do gatilho salarial;

mantém a moratória.

1989 - Plano Verão ou Maílson da Nóbrega:

seguro da inflação pelo controle do déficit público;

privatização de empresas estatais;

demissão de funcionários e contração da demanda interna. A primeira eleição direta para presidente, depois de 31 anos de ditadura e um governo de transição civil

conservador e conciliatório, teve várias correntes ideológicas dos mais diversos matizes, desde liberais,

sociais democratas, crias da ditadura, neoliberais, trabalhistas, neo-populistas, conservistas, etc. Os dois

candidatos mais votados no primeiro turno, o jovem alagoano, Fernando Collor de Mello e o sindicalista

Luiz Inácio Lula da Silva, disputavam num segundo turno o posto de "comando-mor" da nação. Os

conservadores, liberais, donos dos meios de comunicação de massa, elite agrária, financeira e comercial-

industrial se aliaram ao jovem representante da elite brasileira, o futuro chefe da nação, Fernando Collor de

Mello, que ganha as eleições de Luís Inácio Lula da Silva, que contava com o apoio de parte das forças

sindicais, socialistas, trabalhistas, comunistas, operários, trabalhadores de vários segmentos, órgãos que

compõe os movimentos sociais e a parte progressista da sociedade e da Igreja Católica (pastorais da terra,

da infância e juventude, etc.).

Fernando Collor de Mello (1990-1992) Tentativa de eliminar a inflação e modernizar a economia - abertura para a competição

internacional: guinada neoliberal.

Plano Collor ou Brasil Novo - Zélia Cardoso de Mello: a inflação galopante mensal de fins do governo

Sarney e de seus planos paliativos, foi colocada como carruagem o montante circulante do país, daí

a sua principal medida:

confisco temporário dos depósitos bancários e aplicações financeiras.

Consta ainda no plano de choque da economia, as seguintes medidas:

retorno do cruzeiro;

congelamento de preços;

reformulação do cálculo da correção monetária;

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demissão de funcionários;

fechamento de órgãos públicos;

privatização de estatais. Observamos no governo Collor uma guinada à abertura da economia rumo a onda neoliberal

moderneira.

No entanto, emergindo a um mar de corrupção, seu governo junto com seus assessores naufraga, a elite

temerária de uma crise institucional e a ebulição de movimentos sociais, criasse um clima que possibilitasse

a emergência da frente centro esquerda, começa uma propaganda pelo impeachment de Collor.

Num congresso estrelado de corruptos, e depois de muita pressão popular nas ruas - através dos cara-

pintadas - vota-se no Congresso Nacional o impedimento do presidente, que é afastado do governo e

cassado os seus direitos políticos, pelo STF. Assume Itamar Franco, seu vice presidente, é um momento

ainda muito obscuro do período de nossa História recente.

O governo Itamar primou pelo lançamento das bases de um plano de orientação político econômico, que

seria as bases do Plano Real, tendo como encaminhador do processo, o ministro da economia, Fernando

Henrique Cardoso (FHC), seu futuro sucessor.

Aproximando-se mais um pleito, as elites brasileiras começaram a se articular, para a manutenção da

ordem, convocando o "povo" para fazerem o Brasil crescer, e, dessa forma, articularam um projeto político

conservador, que levaria FHC ao poder, encaminhando reformas rumo ao caminho do neo-liberalismo e

adequação conservadora da economia brasileira ao mercado globalizado, instrumento de acumulação de

riqueza e socialização das misérias.

Fernando Henrique Cardoso (1994-1998/1998-2002) FHC ? congregou em torno de si, na construção do voto conservador, o PSDB, o PFL de ACM, PL, o

PMDB quercista e não-quercista, o PTB, PSD, PRN, a elite agrária, industrial, comercial e exportadora,

liberais, conservadores, FIESP, CNI, usineiros e donos dos meios de comunicação de massa, banqueiros e o

capital externo.

LULA => Como nas eleições de 1989, o candidato Luís Inácio Lula da Silva, consegue aglutinar ao

seu redor os partidos de esquerda (PT, PSB, PDT, PV, PCB, PC do B, PSTU), movimentos populares e

sociais, trabalhadores e sindicatos de trabalhadores, e apresentam um projeto político alternativo para a

sociedade fundamentado no crescimento nacional com soberania, sem privatização das empresas lucrativas

e um modelo de desenvolvimento voltado para a classe trabalhadora. Mas, reconhecendo os avanços do

capitalismo e do mercado.

A eleição foi plebiscitária, com a anulação dos outros candidatos, ou seja, votar-se-iam no Plano Real:

"você é a favor ou contra a estabilidade?".

Por causa do efeito Collor, o voto que legitimou o presidente FHC, foi um voto que almejava o

continuísmo conservador ao contrário do novo, do desconhecido, além de estabilidade financeira, mesmo

que isso custe o emprego de milhares de pais de família.

Alguns tópicos do Plano de FHC:

estabilização da moeda;

contenção dos gastos públicos na tentativa de combater o déficit orçamentário;

privatizações;

controlar a demanda por meio dos juros e pressionar, diretamente, os preços pela facilitação de

importação;

avanço da abertura econômica;

Estado neoliberal - adequação das políticas econômicas "modernizantes", aproximando do

neoliberalismo, adequando o Brasil ao mercado interligado mundial;

implementação de medidas neoliberais, em detrimento das questões sociais;

recessão;

reformulação do Estado, adequando-o à nova ordem mundial;

com essas medidas estruturadas no capital estrangeiro, deixa o país fragilizado mediante o

mercado globalizado.

Com o Governo FHC o Brasil entrará, efetivamente, dentro do contexto do chamado "sistema

mundial de produção de mercadorias", ou mais simplesmente, Globalização.

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Durante o primeiro mandato de FHC foi iniciada o processo de reforma da Constituição de 1988, as

principais reformas são (muitas delas ainda estão em tramitação):

Reforma da previdência;

Reforma do Estado (administrativa);

Reforma político-partidária; Estabelecimento do mecanismo da Reeleição para ocupantes de cargos no executivo. FHC é o primeiro

presidente reeleito na História do País.

OO BBRREEVVEE SSÉÉCCUULLOO XXXX:: CCRRÍÍTTIICCAASS,, CCOONNTTRRAADDIIÇÇÕÕEESS EE CCRRIISSEESS DDOO CCAAPPIITTAALLIISSMMOO..

UNIDADE I: “UM MUNDO, DUAS GRANDES GUERRAS MUNDIAIS, DOIS SISTEMAS OPOSTOS: 1914 – 1945”.

INTRODUÇÃO. O processo de críticas, contradições e crises do modelo capitalista, presente no século passado com as

alternativas socialistas, os movimentos operários e as disputas entre as potências pela partilha colonial afro-

asiática, dentre outros, atinge seu grau máximo no século XX.

O século XX assiste à implantação do primeiro estado dito socialista (a partir da Revolução Russa,

ocorrida em outubro de 1917), à eclosão de duas Grandes Guerras Mundiais (expressão maior da

contradição do sistema) e à Crise de 1929, a mais profunda da história do capitalismo.

O amplo questionamento do sistema, as suas crises e contradições, que perde a sua forma monopolista,

típica de fins do século XIX, e adquire, freqüentemente, o caráter “intervencionista de Estado”, como nos

pós-guerras ou no período da Grande Depressão (anos 30), para correção abaladas pelos conflitos ou crises.

Dentro ainda do novo modelo capitalista apoiado no Estado (por vezes), surgem as ditaduras de

“direita” (chamadas de fascistas), contrapondo-se às ditaduras de esquerda (como a do Estado Soviético).

Mesmo nas tradicionais democracias americanas, percebe-se o fortalecimento do caráter intervencionista

do Estado na economia, como no referido momento da Grande Depressão, dos anos 30.

A PRIMEIRA GRANDE GUERRA MUNDIAL (1914-1918)

Causas Gerais: O problema das causas dos grandes acontecimentos é um caso particular de um problema que topamos

inúmeras vezes ao analisar o processo histórico. Quer se trate de revoluções, que se trate de guerras,

metodologicamente filosoficamente, o problema é o mesmo: como é que o novo pode sair do velho? Como

se passa de um estado de coisas a outro, de um regime a uma revolução, de uma situação de paz

internacional a um conflito mundial?

As respostas são múltiplas e várias, dependendo da posição ideológica do analista.

Certas causas, circunstanciais e imediatas, podem ser postas de pronto por uma análise cronológica.

O estopim da guerra foi o Incidente em Saravejo, ocorrido em 28 de junho de 1914, com o assassinato

do príncipe herdeiro do trono austríaco, o arquiduque Francisco Ferdinando pela organização secreta Sérvia

Mão Negra, que lutava contra o poder dos Habsburgos (Áustria-Hungria). A proposta do governo Áustro-

Húngaro, de ampliar a esfera de influência do país rumo às regiões vizinhas, causa o seu assassinato na

cidade de Saravejo, na Bósnia-Herzegovina. Sabe-se que o crime conta com a aquiescência do próprio

governo sérvio, o que leva o Império Áustro-Húngaro a declarar guerra à Sérvia, no culminar de uma série

de atritos entre ambos, conforme já mencionado. Com a declaração de Guerra, entra em ação todo o

processo desencadeador do 1º conflito mundial, podendo assim tal fato ser considerado a causa imediata

da Grande Guerra.

Essa, contudo, não deixa de ser uma resposta hipócrita e provisória. De acordo com o historiador René

Rémond, o incidente de 28 de junho teve tais conseqüências, a razão é porque surgiu num contexto que

encerrava as possibilidades de guerra. Em outros momentos, o mesmo acidente teria comovido a opinião

pública, mas não teria tido conseqüências tão graves. Ele veio acrescentar-se a uma soma de fatores

anteriores. São as causas preexistentes, as engrenagens, os mecanismos dessa máquina infernal que urge

desmontar.

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Mas antes de mais nada, acredito que a principal causa da I Grande Guerra Mundial reside na vontade

de guerra de uma várias potências, que desejariam instaurar sua hegemonia.

O Imperialismo Europeu ou a Partilha da África e da Ásia. Uma outra explicação para a guerra é de ordem econômica: a guerra teria provindo da conjuntura e da

inadequação das estruturas econômicas. Na transição do século XIX para o XX, as principais potências

industriais, Inglaterra e França, adquirem um vasto império colonial na África e na Ásia, em detrimento da

Alemanha, cuja sua industrialização estava em plena ascensão, e da Itália, que chegaram tardiamente à

corrida imperialista e obtêm menos territórios. O desenvolvimento alemão exigia mais e melhores

mercados, entretanto, tais se encontravam com a França e com a Inglaterra. Entre esses lados configura-se

uma acirrada disputa pela áreas coloniais, constituindo-se assim, a principal causa do 1º conflito mundial da

era moderna, em outras palavras, a conflagração do conflito de 1914 proviria, portanto, diretamente, do

Imperialismo econômico, o que ilustraria a tese clássica do marxismo-leninismo (Revolução Russa).

Entretanto, a Alemanha não reconheceu a hegemonia francesa sobre o Marrocos, ameaçando guerra

caso a França não se retirasse deste território. Esta crise foi resolvida em 1906, na Conferência de Algeciras,

com a intervenção da Inglaterra, redundando num temporário enfraquecimento da Tríplice Aliança.

Mas até que ponto é valida esta explicação (de que a guerra ocorreu em virtude da corrida imperialista

alemã)?

De acordo com René Rémond, “todos os trabalhos dos historiadores e, nomeadamente, os do historiador

francês P. Renouvin, lhe reduzem o alcance. Ela é demasiado esquemática: a economia alemã não se

achava em dificuldades, nada havia que tornasse inelutível o recurso à guerra. Outras possibilidades se

ofereciam a ela. Não é verdade que a economia alemã estivesse acuada e só lhe restasse a alternativa

da guerra”(grifo nosso).

Neste sentido é forçoso reduzir as causas da guerra apenas a questões econômicas. Diferentes fatores

psicológicos, militares e políticos devem ser tomados em consideração.

Rivalidade Inglaterra X Alemanha Apesar de possuir poucas colônias, o crescimento industrial do Império Alemão ocorre de forma

vertiginosa no início do século XX. O país conta com um solo propenso a diversos cultivos; obtém a

Alsácia Lorena, tomada dos franceses desde 1871 (Guerra franco-prussiano), região produtora de carvão e

minério de ferro; desenvolve o parque siderúrgico, a marinha mercante e de guerra (ameaçando a posição

da Inglaterra de “Senhora dos Mares”) a tecnologia e o sistema bancário. Esse crescimento da Alemanha

também se registra no setor militar e os ingleses passam a temer o expansionismo militarista alemão.

Ameaçada de perder a condição de primeira potência industrial do globo, a Inglaterra busca uma

aproximação mais estreita com a França.

Nacionalismo exagerado. Entre tantos fatores, o fenômeno do nacionalismo foi uma das causas determinantes das hostilidades

entre os povos: o movimento das nacionalidades, a aspiração à independência nacional, a reivindicação da

unidade ou do separatismo, conforme as situações. Os nacionalismos desempenharam seu papel no advento

do conflito. Desde 1905, a febre aumenta, exacerbam-se as paixões até levar tudo de roldão em 1914. Desse

ponto de vista, a guerra de 1914 resulta, com efeito, dos movimentos que vimos surgir e entrecruzar-se no

século XIX e início do XX.

Entre as propostas de unificações nacionais destacam-se os russos (Pan-Eslavismo), os alemães (Pan-

Germanismo) e os Sérvios (Questões Balcânicas).

O Pan-eslavismo.

Os russos, buscando ampliar sua esfera de influência no Continente europeu, anunciam o Pan-

Eslavismo – proteção, inclusive militar, aos povos eslavos, de semelhanças sócio-culturais com os russos

(sérvios, croatas, búlgaros, tchecos, dentro outros).

O Pan-Germanismo.

Os alemães, por sua vez, pregam o Pan-Germanismo, protegendo os povos germânicos (austríacos,

holandeses, dinamarqueses, dentre outros). O culto à nação também está presente na disputa entre a

Alemanha e a Rússia por áreas de influência.

Questões Balcânicas.

Crises envolvendo a península Balcânica, no sul da Europa, subdividida em três episódios:

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Rivalidade Sérvia X Império Áustro-Húngaro.

A Sérvia assume, no início do século atual, uma posição de destaque na região balcânica e pretende, a

fim de consolidar a sua força econômica, obter uma saída para o mar. A conquista da Bósnia-Herzegovina

poderia representar uma solução para o problema, mas o império Áustro-Húngaro conquista a região

bosníaca antes dos sérvios, numa clara tentativa de barrar a formação da “Grande Sérvia”. Nota-se, com o

fato, um exemplo da disputa por áreas de influência na região balcânica, entre austríacos e sérvios.

1ª Guerra Balcânica – 1912

O decadente Império Otomano (Turquia) é derrotado pela Liga Balcânica, constituída pela Sérvia,

Romênia, Grécia e Bulgária, interessadas em áreas que os otomanos ainda possuem no território balcânico.

Tal conflito exacerba a inimizade entre sérvios, líderes da Liga, e turcos.

2º Guerra Balcânica – 1913

A Bulgária, insatisfeita com a divisão dos despojos turcos, entra em choque com o restante da Liga

Balcânica e é esmagada pela mesma. Tal episódio gera animosidades sobretudo entre búlgaros e sérvios,

ainda líderes da região.

Transformações no Império Otomano: A Revolução dos Jovens Turcos.

Em 1906, sob a influência da Revolução Russa de 1905 – o Ensaio Geral – estourou uma revolta na

Turquia (Império Otomano), conhecida como Revolução dos Jovens Turcos. A liderança desta revolta ficou

nas mãos de jovens oficiais do exército turco, que se dispunham a realizar uma série de reformas sociais e

políticas no país, dotando-o de condições indispensáveis para seu desenvolvimento industrial. O impulso

revolucionário se alastrou para Ásia, com levantes na Pérsia e na China. Estas revoltas colocaram todas as

potências européias em sobressalto, reforçando a influência política dos setores militares, principalmente na

Alemanha e na Áustria.

Paz Armada. A partir de 1910, a situação internacional caracteriza-se pelo que se chama de a paz armada. A

expressão associa dois elementos característicos: a corrida armamentista e os sistemas de alianças.

Antes de 1914, o clima na Europa já é tenso, num prenúncio de que um grande conflito poderia eclodir

a qualquer momento. As nações ampliam seu aparato militar, fabricando e modernizando armas,

prolongando o serviço militar, e os governos destinam cada vez mais verbas para o setor bélico – trata-se da

“corrida armamentista”.

Outro aspecto da “Paz Armada” é a política da formação de Alianças Militares, com vistas à guerra

vindoura: em 1882, forma-se a Tríplice Aliança entre as chamadas Potências Centrais, ou seja, entre a

Alemanha, o Império Áustro-Húngaro (fazendo valer o Pan-germanismo) e a Itália. Esta última,

necessitando de proteção germânica para obtenção de colônias e temerosa de uma possível ajuda francesa

ao papa, para que este recuperasse os territórios perdidos pela Igreja quando da unificação italiana, se

aproxima da Alemanha, embora mantivesse com os austríacos uma rivalidade particular em torno das

Províncias Irredentais (Ístria, Tretino e Trieste), de maioria italiana, mas pertencentes aos austríacos.

Aliás, essa disputa faz com que, em plena guerra, a Itália se desligue da Tríplice Aliança e passe a lutar a

favor de seus inimigos.

Em resposta à formação deste bloco, em 1907, constitui-se a Tríplice Entente, formada pelos inimigos

da Alemanha: Inglaterra, França e Rússia. Deve-se acrescentar que a Rússia, extremamente atrasada,

dependia economicamente dos franceses e dos ingleses, com quem mantinha negócios em seu território.

Diante do poderoso capital alemão, no final do século XIX, a França e a Inglaterra deixaram de lado as

antigas controvérsias e disputas e acertaram novo pacto de alianças. Na opinião dos diplomatas destes

países, esta aliança serviria para apoiar um novo equilíbrio de forças capaz de manter a paz dentro da

Europa, ou uma vitória, no caso de uma guerra.

Foi assim que nasceu o pacto entre a Inglaterra e a França, conhecido como Entente Cordiale Anglo-

Francesa, cujos detalhes foram concluídos em abril de 1904.

Neste acordo, a França reconhecia a posição dominante da Inglaterra no Egito e adjacências. E, em

troca, a Inglaterra prometia não mais colocar objeções às pretensões francesas em relação ao Marrocos.

Com relação à Ásia, ficou também acertada a divisão do Ceilão em duas áreas de influências, uma para

cada participante do Acordo. Por fim, ambos os países acertaram um tratado de mútuo apoio, no caso de

alguma potência “estrangeira” (entenda-se Alemanha) colocar empecilhos à realização dos itens deste

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acordo. Como vemos, com a assinatura da Entente Cordiale, a França e a Inglaterra consideraram todas as

antigas divergências encerradas e cercavam fileiras para enfrentar um inimigo comum: a Alemanha.

Do lado russo, a virada do século também trouxe grandes novidades: a derrota vergonhosa sofrida na

guerra Russo-Japonesa, por um lado, pôs ponto final nas pretensões imperialistas do Czar; por outro lado,

aumentou a dependência da Rússia em relação aos capitais ingleses e franceses.

A Guerra em si. Todos esses episódios, combinados com outros de menor importância, contribuíram para aumentar a

tensão dentro da Europa. Os países da Tríplice Aliança tendiam a aumentar sua agressividade, ao passo que

os países da Tríplice Entente aumentavam sua resistência em tudo o que se referia à nova partilha das

colônias em qualquer lugar do mundo. Por volta de 1910, o cenário da guerra estava montado, e as atenções

de todos os estrategistas europeus se voltavam para a tensão região dos Bálcãs, disputada pelas potências

dos dois sistemas de aliança e agitada por levantes nacionalistas, de onde surgiria o motivo que todos

esperavam para começar a guerra.

Depois do Incidente de Saravejo, o Império Austro-Húngaro aproveitou-se para realizar antigos

sonhos de anexação da Sérvia. Por sua vez, o governo alemão havia se decidido por esta oportunidade para

iniciar um conflito, aproveitando o despreparo dos membros da Entente, e rapidamente concluir uma vitória

sobre os dois adversários mais poderosos da Europa continental: a França e a Rússia.

Após algumas consultas entre os governos alemão e austríaco, a Áustria-Hungria decidiu invadir a

Sérvia, declarando guerra a este país no dia 28 de julho de 1914. No dia 29 de julho a Inglaterra anunciou

que não se manteria neutra no caso de uma invasão à França e à Bélgica.

Apesar da postura agressiva assumida pela Inglaterra diante da disputa, a Alemanha, sabendo que os

países da Entente não tinham concluído seus preparativos para a guerra, resolveu tomar a dianteira. No dia

1º de agosto do mesmo ano, a Alemanha declarou guerra à Rússia e, no dia 3, à França.

Na noite de 03 de agosto, a Alemanha iniciou a invasão da França. No dia 04, reagindo ao avanço

alemão, a Inglaterra declarou guerra à Alemanha. Foi assim que, na fria manhã do dia 04 de agosto de 1914,

o mundo inteiro ficou sabendo, através dos jornais que a Grande Guerra havia começado.

Da guerra européia à guerra mundial. Desde que começou, a guerra na Europa se desenvolveu em três frentes de batalha: a frente ocidental,

onde os alemãs combatiam os franceses, ingleses e belgas; a frente oriental, onde os alemães combatiam

contra os russos; e a frente dos Bálcãs, importância secundária, onde os austríacos lutavam contra os

sérvios.

Logo depois de começada a guerra, o Japão, aproveitando o enfraquecimento da presença européia na

Ásia, iniciou uma série de movimentos procurando anexar as colônias alemãs no pacífico e consolidar a sua

influência no Extremo Oriente.

O Império Otomano entrou na guerra para conquistar algumas ilhas do mar Egeu (Mediterrâneo). Em

outubro de 1914, este país declarou guerra à Rússia e estendeu os campos de batalha para todo o Oriente

Próximo.

No final deste primeiro ano, a guerra alcançou também a África, onde ingleses e franceses disputavam

algumas colônias.

As dimensões do conflito, todavia, não se restringiram ao continente europeu: ele estendeu-se aos

outros por um processo duplo. De um lado, em razões dos laços que sujeitam os territórios coloniais às

potências européias. É o caso da África, nove décimos do continente, em 1914, são possessões coloniais.

As colônias seguem os destinos das metrópoles, participam dos esforços de guerra, fornecem combatentes e

servem até de teatro de operações, como aconteceu quando os franco-britânicos ocuparam, uma depois da

outra, as colônias alemãs da África, os Camarões, o Togo e o Sudoeste da África Oriental.

Um segundo fator determina a extensão do conflito a outros continentes além da Europa: a

determinação de alguns Estados, por motivos semelhantes aos que ditaram a beligerância da Itália. Tal é o

cálculo dos japoneses, que julgam obter maiores vantagens entrando na guerra do que ficando neutros; em

agosto de 1914 o Japão declara guerra à Alemanha. Não só em virtude do tratado que o liga à Grã-Bretanha

desde 1902, mas também porque a ocasião lhe parece azaca para apropriar-se das bases alemãs na China,

sobretudo no Xantum. A China também entra na guerra para não se inferiorizar diante do Japão.

Depois da África, a Ásia, o continente Americano. Ao todo onze países do hemisfério ocidental tomam

parte na luta. A participação da maioria continua simbólica. O mesmo porém, não se pode dizer da

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intervenção dos Estados Unidos. Em abril de 1917, o Presidente Wilson propõe ao Congresso que o país

saia da posição de mero espectador a declare efetivamente Guerra à Alemanha, enviando, inclusive, tropas

para o front europeu.

Ao todo, contando os domínios britânicos, franceses e Alemães, uns trinta e cinco Estados participaram

da guerra. Todos os continentes foram arrastados a ele: centenas de milhões de homens. É a primeira vez na

história da humanidade que uma conflagração assume tamanha amplitude e essa extensão decorre do

prolongamento da guerra. Foi porque a luta durou tanto tempo que numerosos países sobrepujaram as

próprias hesitações, ou acabaram cedendo à pressão dos primeiros beligerantes. O objetivo é sempre

romper o equilíbrio ou restabelecê-los se for ameaçado.

De uma guerra curta, para uma guerra longa. A I Grande Guerra Mundial foi uma guerra longa para os moldes europeus que, desde as guerras

napoleônicas, início do século XIX, não conheciam um conflito que durasse tanto anos. As únicas guerras

longas que a Europa conheceu depois disso foram as que ela travou no ultramar, como a Guerra dos

Bôeres, em que se digladiaram, durante três anos, o corpo expedicionário britânico e o povo bôer, que

defendia a sua independência.

No século XIX, houve uma guerra que durou tanto tempo quanto vai durar a I Grande Guerra Mundial,

mas trata-se de uma guerra civil: a Guerra de Secessão (EUA), que se prolongou por exatamente quatro

anos, de abril de 1861 a abril de 1865. Trata-se de um conflito entre o norte, abolicionista e o sul, escravista.

No final, o sul sai derrotado, o norte fortalecido e a escravidão abolida nos EUA.

Não podemos nos esquecer que na metade do século XIX, no cone sul do Continente Americano,

desenvolveu-se uma guerra regional envolvendo o Brasil, a Argentina e o Uruguai (Tríplice Aliança) contra

o Paraguai. Trata-se da Guerra do Paraguai, que durou 05 anos (1865 a 1870). De um lado o Paraguai, o

único país da América Latina que era totalmente independente, e do outro Brasil, Argentina e Uruguai,

todos dependentes da Inglaterra, que não aceitava a situação paraguaia. A Tríplice Aliança, contando com a

ajuda inglesa derrotou o Paraguai, que saiu destruído e totalmente dependente depois da guerra.

As guerras longas, portanto, correspondem a formas determinadas de conflito, conflitos coloniais

travados a milhares de quilômetros das metrópoles, ou conflitos internos e regionais.

Por isso mesmo, todos pensarão que a guerra durará algumas semanas ou, na pior das hipóteses, alguns

meses. A estratégia dos beligerantes repousa no postulado de uma guerra curta, cuja decisão será obtida

nos primeiros encontros: é a guerra de movimento (de agosto a novembro de 1914). Essa estratégia inspira

não só plano alemão de envolvimento nos frontes francês, a oeste, mas também esperanças postas pela

Entente no avanço, a leste, do rolo compressor russo.

Mas a guerra vai durar. Nos primeiros meses nenhum beligerante consegue alcançar a vantagem

decisiva capaz de propiciar-lhe a vitória e o fim da guerra: nem os alemães na França, depois do

reerguimento imprevisto dos franceses no começo de setembro de 1914, nem os russos, na Prússia Oriental,

onde são vencidos na Batalha de Tannenberg.

Eis aí os beligerantes obrigados a rever seus planos, impelidos por acontecimentos que não se tinham

podido prever. As duas partes instalam-se na guerra, imobiliza-se o front, e a guerra de movimento, seguida

da corrida para o mar, é substituída pela guerra de posição (novembro de 1914 a março de 1918), com uma

frente contínua que impossibilita a penetração. A luta se reveste, então, de características inesperadas. “É o

retorno à guerra de antanho, a guerra de assédio, mas um assédio do tamanho dos Estados modernos, que,

em lugar de limitar-se a algumas praças fortificadas, se desenrola numa extensão de centenas de

quilômetros, do Mar do Norte à fronteira Suíça, do Báltico aos Cárpatos, e opõe uns aos outros milhões de

homens”, afirma René Rémond.

Entretanto, a partir de março de 1918, a guerra entra no seu suspiro final. São as ofensivas de 1918,

momento em que a introdução de novas tecnologias, como a introdução dos tanques de guerra, desde 1916,

a maior eficiência dos caças, bombardeios e aviões de observações e a entrada de 1.200.000 americanos

dão à Entente um fôlego necessário para impor a derrota aos Impérios Centrais.

Novas formas de luta: de uma guerra parcial, para uma guerra total. Precisamente por ser uma guerra de posições, a luta exige a participação de forças cada vez maiores. É a

primeira experiência a cujo propósito se pode empregar, sem exagero, o termo de “guerra total”. Está visto

que é menos total – se assim podemos dizer – do que a II Grande Guerra Mundial; mas já apresenta

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características tão originais que assinala uma mudança profunda, um rompimento com os hábitos

tradicionais.

Os efetivos

Em primeiro lugar, observa-se a mobilização dos efetivos levada a um grau até então desconhecido. Na

França – o país que levou mais longe a mobilização dos efetivos – arregimentaram-se cerca de 8,5 milhões,

numa população que não chegava então a 40 milhões, ou seja, mais de um quinto da população francesa

estava envolvida diretamente na guerra.

A mobilização dos recursos e as novas armas.

Ora, urge abastecer estes milhões de homens, dar-lhe munições. O grande temor dos estados-maiores e

dos ministros da guerra no outono de 1914 é menos a ruptura do front ou a falta de homens do que a

possibilidade de se esgotarem os estoques de munições: ninguém contara com uma guerra comprida e, no

princípio do outono, as reservas estão exauridas. Foi preciso, portanto, forjar completamente, a partir do

nada, uma indústria de guerra, criar fábricas de armamentos, recrutar uma mão-de-obra substituta, em

grande parte feminina, que rendessem os homens mandados para as frentes de batalha. Também chamaram

de volta os especialistas em armamentos para desenvolverem novas armas e munições mais potentes.

O fim da guerra. A saída dos russos do conflito em 1917, devido à Revolução Bolchevique, com a assinatura do tratado

de paz de Brest-Litowsky, deu aos alemães melhores condições, pois na medida em que não precisavam se

preocupar mais com o front leste. Mas não conseguiram os seus objetivos que eram conseguir vitórias no

front oeste, além da derrota dos exércitos franco-britânicos antes da chegada dos reforços americanos.

Em setembro começou a derrota final dos Impérios Centrais. Em 29 de outubro a Bulgária capitulava-se,

no dia seguinte foi a vez do Império Otomano assinar a sua rendição incondicional. A derrota austríaca na

frente italiana levou ao desmoronamento final da monarquia dos Habsburgos. No mês de outubro, os

tchecos, os croatas, os eslovenos, os sérvios e os húngaros proclamaram suas independências, dividindo a

velha monarquia multinacional em vários Estados nacionais hostis entre si. Neste mesmo momento, vários

levantes nas fileiras do exército dos Habsburgos impediram a continuação da guerra e, a 3 de novembro, a

Áustria-Hungria, ou melhor, o que restava dela, assinou o armistício.

O pesado fardo que o povo alemão foi obrigado a sustentar, para manter a guerra, terminou por

desencadear uma revolta popular, sem precedentes, por toda a Alemanha. Os levantes se sucediam, o

movimento operário se reorganizava, e por toda parte surgiam sovietes (conselhos operários, a exemplo do

movimento revolucionário russo de 1917) que se encarregavam da administração das cidades que haviam

escapado ao controle do governo central. A monarquia desmoronava na Alemanha. Nos primeiros dias de

novembro de 1918, a revolução estourou em Berlim e o imperador Guilherme II foi obrigado a abdicar,

num gesto que contou com o apoio, inclusive do alto comando do exército, que não via alternativa para a

situação em que se encontrava na frente da batalha. Era o fim do II Reich. Substituindo-o, instalou-se a

chamada República de Weimar no território alemão.

No dia 11 de novembro de 1918, derrotada em todas as frentes, a Alemanha terminou por assinar o

armistício com as forças da Entente.

Etapas da Guerra (esquema):

1914: O Império Austro-húngaro declara guerra à Sérvia (08 de julho);

A Rússia, fazendo cumprir o pan-eslavismo, se coloca a favor da Sérvia.

A Alemanha, de acordo com o Pan-germanismo e com os princípios da Tríplice Aliança, se coloca ao

lado dos austríacos, declarando guerra à Rússia.

Sabendo do apoio francês aos Russos (Tríplice Entente), a Alemanha declara guerra à França.

A Alemanha invade a França pela fronteira belga, mesmo sem a permissão do rei da Bélgica para

que os alemãs atravessassem seu território com suas tropas – essa violação da neutralidade belga

pelos alemães representa o pretexto para a entrada oficial da Inglaterra no conflito, declarando

guerra aos alemães. Nesse instante, pela presença de colônias britânicas, a guerra se transforma

de Européia para Mundial, com a exclusão até o momento, apenas das Américas.

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O Japão declara guerra aos alemães, pois tem interesses em áreas da Alemanha no território

chinês.

A Turquia, pelos ressentimentos com a Sérvia, adere ao conflito ao lado da Tríplice Aliança.

1915 Pelas mesmas razões da Turquia, a Bulgária adere às potências centrais (Alemanha e Império

Austro-húngaro).

A Itália rompe relações com as potências centrais e se transfere para o lado da Entente, sob a

promessa de ingleses e franceses de obtenção das províncias Irredentais dos austríacos.

Até este instante, o conflito, já profundo e certamente longo, pende a favor das potências

centrais: a Alemanha sai vitoriosa das duas frentes de combate: a do oeste sobre a França e a do

Leste sobre a Rússia, presa frágil, incapaz de se autodefender e impossibilitada de receber ajuda

de seus aliados bretões e franceses, devido às dificuldades que também eles passam no momento

e aos bloqueios impostos pelos alemães, por terra, mas e ar, para que o socorro não chegue aos

russos.

1917: Este é o ano chave do conflito e a partir do qual a situação tende a se inverter favoravelmente à

Entente. Dois motivos, expostos a seguir, explicam a afirmativa:

Eclode na Rússia, a Revolução Russa de 1917, derrubando o Czar e implantando o comunismo no

país. A nação se retira do conflito, assinando com os Alemães uma paz em separado (Paz de Brest-

Litowsky). Uma das plataformas dos revolucionários comunistas é a retirada do país da Guerra, por

considerá-la uma disputa do mundo capitalista, distante de seus interesses e lesivas à nação, arrasada

pelos alemães. Além disso, torna-se incompatível sustentar uma revolução interna com uma guerra

externa, ambas de grande magnitude e complexidade. Longe de prejudicar os interesses da Entente, a

atitude russa causa-lhes uma preocupação a menos: o fim do compromisso de ajudar os russos, da

forma difícil como tal ajuda se processava. (Não se afirma aqui, entretanto que o triunfo da Revolução

Russa tenha sido bem recebido pelo lado ocidental; ao contrário, pois os franceses e ingleses perderam

seus lucrativos negócios no país com o novo governo comunista)

Entram decisivamente no conflito, ao lado de franceses e ingleses os Estados Unidos da América,

embora já enviassem armas e mantimentos para a Entente, apesar de oficialmente neutros até então.

Sua entrada rompe o equilíbrio reinante em 1917, pois não sofreram os desgastes e destruições que

vitimam ambos os lados beligerantes. Os americanos escolhem o momento exato para entrar, vencer e,

é claro, participar dos despojos dos derrotados.

1918 Rendem-se, sucessivamente: Bulgária, Império Otomano e Império Austro-húngaro.

O presidente Woodrow Wilson, dos Estados Unidos, propõe ao rei (Kaiser) Alemão Guilherme II

uma rendição com base em 14 pontos. Apoiada em tal propostas, por não considerá-la tão lesiva aos

seus interesses e sem condições de permanecer como única nação de seu bloco ainda a lutar, a

Alemanha se rende e as potências da Entente vencem a 1ª Grande Guerra Mundial, em novembro de

1918. Quadro Geral do Conflito

Tríplice Aliança Tríplice Entente

Alemanha Sérvia

Itália ?muda de lado 1915? Inglaterra

Império Áustro-Húngaro França

Bulgária Rússia ? Saiu em 1917

Império Otomano EUA ? entrada em 1917

DERROTADOS VITORIOSOS

Conseqüências Gerais. A luta e a vitória da Entente contra os Impérios Centrais (Alemanha, Áustria-Hungria e Império

Otomano) tiveram conseqüências múltiplas e decisivas. Não deixam praticamente nada no estado em que a

guerra encontrou os beligerantes em julho de 1914. A figura da Europa e a fisionomia do mundo saem

profundamente transformadas desses quatro anos de conflito.

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A Europa, depois da I Grande Guerra Mundial, já não era a mesma. Havia perdido a influência no

mundo. Mergulhava rapidamente em uma crise que duraria até às vésperas da II Grande Guerra Mundial.

A Alemanha teve quase dois milhões de mortos; a França e a Inglaterra juntas, mais de dois milhões. A

Rússia, incluindo a fase de guerra civil, perdeu cerca de 5 milhões de seus habitantes. Enfim, a quantidade

de mortos deixava qualquer outro conflito anterior parecer uma pequena batalha perto da carnificina

provocada pela Primeira Grande Guerra Mundial.

Os prejuízos materiais eram incalculáveis. Todos os governos, depois da guerra, apresentavam déficits

constantes de mais de 100%. O comércio estava praticamente reduzido a zero. Na verdade, somente os

países que ficaram distantes dos palcos de guerra, como os Estados Unidos e o Japão conseguiram tirar

proveito do comércio europeu. Há que se acrescentar aqui o relativo benefício que o conflito trouxe para a

América Latina.

A I Grande Guerra Mundial foi o prenúncio da crise total que abrangeria a Europa, dividida e

enfraquecida, ao mesmo tempo que marcava a mudança do eixo de decisões para o outro lado do Atlântico.

Também acirrou as contradições do capitalismo, ao ponto de provocar o aparecimento da primeira nova

forma de sociedade, que nasceu com a Revolução Socialista Russa, em outubro de 1917.

Características gerais e principais tratados do após-guerra. Foi, sem dúvida, o maior conflito mundial até então é também o maior em número de participantes

(65 milhões) e de mortes (10 milhões).

Queda da taxa de natalidade, uma vez que o conflito faz vitimas sobretudo entre 20 e 40 anos

de idade.

Ampliação do índice de desemprego, devido à volta de milhões de pessoas dos campos de batalha e

à lentidão do reaparelhamento do processo produtivo dos países, uma vez que estes estavam

voltados basicamente para o setor bélico.

Intervencionismo dos Estados europeus em suas economias, visando à sua recuperação no pós-

guerra, o que representa o declínio do liberalismo econômico na Europa. Em certos países, como

Itália e Alemanha, a intervenção também se dará na esfera política, abalando a democracia

reinante no continente.

Ampliação da dívida pública dos governos, uma vez que cabe a eles a responsabilidade de

reconstruir as suas nações após 1918.

Incentivo à Revolução Russa, uma vez que as derrotas dos países na guerra abalam definitivamente

o poder czarista, levando o povo à revolução. Deve-se entender, no entanto, que a 1ª Guerra

Mundial mais representa uma aceleração que uma causa do processo revolucionário, originário de

muitos anos antes.

Modificação do equilíbrio europeu, com a Alemanha e a Rússia deixando temporariamente a

condição de potências e os Impérios Áustro-Húngaro e Otomano, definitivamente. Além disso,

mesmo as nações vitoriosas como a França e a Inglaterra, passam a depender economicamente dos

EUA, o que leva ao declínio do poder econômico do continente europeu.

Advento dos EUA como 1ª potência mundial, pois além de não se destruir com a guerra, torna-se ao

final, a principal nação produtora, exportadora e credora do globo, auxiliando diretamente os

governos europeus na reconstrução do continente destruído.

A Finlândia, Estônia, Lituânia, Letônia, Polônia, Hungria, Tchecoslováquia e Iugoslávia tornam-se

nações independentes.

Surgimento da Liga das Nações, organismo internacional objetivando a paz mundial, mas de curta

duração e sem condições de cumprir o seu propósito, dadas as difíceis circunstâncias do entre-

guerras e à precariedade composição do órgão, com apenas 27 nações. Os próprios Estados Unidos,

optando pelo neutralismo internacional, não fazem parte da Liga, embora sejam os seus

idealizadores.

Tratados de pós guerra impostos aos derrotados:

A monarquia dual Áustro-Húngaro se desmembra: o Tratado de Trianon impõe punições e perdas à

Hungria e o Tratado de Saint-Germain, à Áustria. Por este último, os austríacos perdem considerável

parcelas de suas terras, ficam proibidos de qualquer união futura com os alemães e cedem as

Províncias Irredentais à Itália.

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A Bulgária, dos derrotados, é a que menos sofre punições; perde alguns territórios pelo Tratado de

Neuily.

O Império Otomano sofre drásticas perdas com o Tratado de Sèvres, o que leva uma grande

reação dos seus habitantes. Posteriormente, suas perdas são revistas e atenuadas pelo Tratado de

Lausanne.

Finalmente, o mais célebre dos Tratados é o de Versalhes (18 de janeiro de 1919), impondo à

Alemanha inúmeras atrocidades, num claro descumprimento da paz proposta pelos 14 pontos de

Wilson, o que gera profundo ódio no povo alemão. Pelo Dicktad (Ditado) de Versalhes, a Alemanha:

a) É a única responsável pela guerra;

b) Perde suas colônias para a França, Inglaterra e Japão.

c) Paga indenização da ordem de US$ 33 bilhões para os vencedores, por ser considerada a

causadora do conflito.

d) Cede a rica região carbonífera do Sarre à França.

e) Fica proibida de manter marinha ou aeronáutica de guerra e tem permissão para um pequeno

exército de voluntários de no máximo 100 mil soldados (disposição não cumprida por Hitler).

f) Entrega todas as suas armas de guerra, de terra e de mar, sobrando apenas seis encouraçados e

alguns navios de menor porte.

g) Deve desmilitarizar a Renânia (fronteira com a França e a Bélgica), o que Hitler também não

cumpre.

h) Desmembra-se, ficando a Prússia Oriental separada do restante do país pelo corredor polonês,

região de Dantzig, pertencente agora à Polônia.

Dos 14 pontos proposto por Wilson, o Tratado de Versalhes cumpre apenas três:

Devolução da Alsácia-Lorena à França

Independência da Bélgica

Criação da Liga das Nações.

A opinião pública alemã não aceitou esse julgamento. Era o artigo 231 do Dicktad que, ao atribuir a

responsabilidade da guerra às potências centrais e sobretudo à Alemanha. A explicação, para os Aliados,

era simples: por que procurar alhures? A Alemanha é culpada pela guerra por que era dela a vontade da

guerra. Era o artigo que legitimava as reivindicações dos Aliados. Por ser responsável pela guerra, a

Alemanha devia assumir suas responsabilidades até o fim e indenizar os vencedores de todas as perdas que

a guerra lhes causara.

Hoje em dia, ninguém mais sonharia em empregar de novo, tal e qual, o artigo 231 e sustentar que a I

Grande Guerra Mundial se deveu exclusivamente à vontade de guerra do governo alemão. Isso não lhe

diminui as responsabilidades, mas este deve ser partilhada por todos os participantes do conflito.

Não se admira, portanto, que o espírito alemão pós-Versalhes seja de Revanchismo, sobretudo contra

norte-americanos, ingleses e franceses.

Mas tal espírito também assola outra nação no pós-guerra: a Itália. Vencedora do conflito, não recebe

mais que as prometidas Províncias Irredentais dos austríacos, considerado muito pouco para

compensar seus esforços de guerra.

Assim, os italianos se unem ideologicamente aos alemães rumo à forra: uma nova guerra, onde essas

nações venham a obter o que não conseguiram com a 1ª Grande Guerra. O Revanchismo causa a tensão tão

característica do mundo de Entre-Guerras e será bem explorada, nesse período, pelos regimes fascistas,

para a ascensão de Hitler e Mussolini ao poder. Percebe-se que a 1ª Grande Guerra é apenas o início, um

ensaio: sua continuação virá de forma mais profunda e cruel, envolvendo mais países e pessoas, num

conflito de maior duração, a partir de 1939: a 2ª Grande Guerra Mundial.

A REVOLUÇÃO RUSSA DE 1917

Introdução e antecedentes. Entende-se por Revolução Russa ou Revolução Bolchevista ou ainda Revolução Comunista de 1917, o

conjunto de transformações revolucionárias por que passa a Rússia, culminando em 1917 com o surgimento

do primeiro Estado Socialista do mundo, eliminando o modo de produção capitalista e estabelecendo um

governo do proletariado.

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Sabe-se que, até 1917, a Rússia é uma nação pobre e subdesenvolvida, apresentando em pleno século

XX fortes traços feudais e uma economia diversos séculos atrasada em relação às primeiras nações da

Europa.

A estrutura de poder até a data da Revolução apresenta o Czar Nicolau II da dinastia dos Romanov

governando de forma cruel e autoritária, ladeado pelos grupos dominantes dos Kulaks (ricos proprietários

de terras e chefes militares, lembrando os senhores feudais medievais), do exército, que garantia a ordem

czarista e da Igreja Ortodoxa. Esta última com amplas regalias políticas e financeiras e útil ao regime, na

medida em que confirma perante o povo a tese de que o Czar é um representante de Deus na terra (isso em

pleno século XX).

No plano externo, a forte dependência econômica da Inglaterra, e sobretudo da França, faz com que

exista no país uma burguesia externa desenvolvendo os seus negócios. Há também uma burguesia

nacional, mas bastante incipiente face à concorrência internacional do comércio e da indústria, às péssimas

condições internas do país (falta de recursos financeiros, de tecnologia, de mão-de-obra especializada) e ao

descaso do governo.

Em contrapartida, encontra-se na base da pirâmide social uma maioria de milhões e milhões de

habitantes, entre camponeses, operários, soldados etc, numa situação de completa miséria, opressão e

marginalização política, econômica e política.

Causas da Revolução. Autoritarismo do Czar (como por exemplo, cita-se a atuação de seu temível polícia política –

Okhrana);

Gastos exagerados da Corte;

Má situação econômico-financeira do país;

Forte dependência externa

Miséria popular

Influência das idéias de Marx e Engels (Socialismo Científico). Diferentemente das Revoluções

burguesas, que foram influenciadas ideologicamente pelo Liberalismo, a Revolução Russa é marcada

pela ideologia socialista. Assim, têm-se nas primeiras movimentos burgueses enquanto esta última é

popular. A própria fragilidade da burguesia russa fê-la distanciar-se dos segmentos populares, ao

contrário das Revoluções do Ocidente, onde a classe burguesa conduz o povo.

Surgimento dos principais partidos de oposição: em 1903, o Partido Operário Social-Democrata

(POSDR) cinde-se em dois:

Menchevique: minoria. Acredita que a derrubada do Czar e a passagem para o Socialismo deve ser

gradual com o apoio da burguesia inicialmente. Apresenta uma tendência moderada, liberal e

burguesa, por isso aos poucos perde a credibilidade popular.

Bolchevique: maioria. Defende a derrubada simultânea do Czar e dos privilégios burgueses, com a

adoção imediata do socialismo. Sua tendência é radical e popular, ligado ao proletariado urbano. Nele

começa a se destacar a figura de Lênin, principal líder revolucionário de 1917.

Além desses, há ainda os partidos:

Constitucional Democrata: (Kadete) não socialista, burguês, parlamentarista e constitucionalista,

defende a adoção de uma nação progressista, sob o modelo inglês.

Socialista Revolucionário: Revolucionário, pregando uma revolução urbana e rural com apoio

inclusive do campesinato.

1904: preocupado com a crescente oposição, sobretudo vinda dos operários (a classe cresce à

medida em que o país se industrializa), o Czar provoca, no plano externo, a Guerra Russo-Japonesa

visando derrotar o Japão e aumentar o seu prestígio interno. Contrariando os diagnósticos, a

Rússia torna-se presa fácil para os japoneses, sofrendo humilhante derrota, em grande parte

devido à incapacidade do Czar de conduzir o conflito e às ultrapassadas forças militares do país. O

prestígio de Nicolau II sofre sério abalo, exemplificado pelas manifestações que se fazem contra

a sua figura, abafadas de forma sangüinária pelas suas tropas, matando, em praça pública, centenas

de civis – episódio chamado de Domingo Sangrento (09.01.1905).

1905: O Ensaio Geral – tentativa fracassada de derrubada do Czar, que se sustenta graças à

ajuda estrangeira, financeira e militar. Os estrangeiros não vêem com bons olhos as propostas

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socialistas do povo russo, sobretudo no tocante à nacionalização de seus negócios e tomada do

poder pelos trabalhadores. O Czar, no entanto, faz algumas concessões: convoca eleições para a

Duma (Assembléia de representantes do povo) a fim de redigir uma Constituição para o país. Mas o

fortalecimento de Nicolau II com a ajuda externa, o progressivo distanciamento da burguesia em

relação ao povo, temerosa de que as conquistas populares abalassem suas posições, e a própria

inexperiência política dos revolucionários esvaziam os trabalhos da Duma, que se dissolve poucos

anos mais tarde.

1914 – A Rússia, honrando os compromissos com a Tríplice Entente, entra na 1ª Grande Guerra

Mundial, ao lado dos franceses e ingleses. O Czar espera vitórias e ampliar o seu prestígio interno.

De fato, durante algum tempo, o sentimento patriótico surte efeito, se sobrepujando à má situação

do país em nome da grandeza nacional. Porém, as sucessivas derrotas frente à Alemanha, em razão

do total despreparo do exército russo, abalam definitivamente o governo czarista, que passa a ser

responsabilizado pelas derrotas militares e morte de milhões de pessoas. Os socorres franceses e

ingleses, do lado oposto do continente, não chegam em função do bloqueio alemão. Aos poucos a

população se conscientiza de que a guerra nada tinha a ver com a Rússia e sim com os compromissos

do governo czarista, e a ira contra Nicolau II torna-se incontrolável. Tal situação Lênin anteviu

com sagacidade anos antes: indagado sobre o que achava a respeito da entrada da Rússia na guerra,

responde que “Czar jamais poderia dar tão belo presente à Revolução”. Por essa época atuam

decisivamente os sovietes, comitês formados por operários e soldados, organizados nos mais

diversos pontos do país, numa clara demonstração de mobilização popular, com vistas a um governo

proletário que estava por vir.

Fases da Revolução.

1ª Fase Fevereiro de 1917: Derrubada do Czar e estabelecimento de um Governo Provisório, com as seguintes características:

Kerensky, menchevique, torna-se primeiro ministro;

Proclama-se uma República, de tendências Liberais e ligada aos interesses da burguesia.

Permissão para que os exilados do governo czarista retornem ao país (o que ocorre com Lênin e seu

futuro chefe militar, o menchevique Trotsky).

Manutenção da Rússia na 1ª Guerra Mundial.

2ª Fase – Outubro de 1917– TODO PODER AOS SOVIETES! Derrubada de Kerensky e ascensão dos Bolcheviques ao poder

Governo de Lênin.

Retirada imediata da Rússia da 1ª Guerra Mundial, com a assinatura de uma paz em separado com

os alemães pelo Tratado de Brest-Litowsky;

Adoção das primeiras medidas socialistas: expropriação dos latifundiários; nacionalização de

terras, bancos e fábricas; distribuição das terras aos camponeses, fazendo cumprir o lema

Bolchevique: “Paz, terra e pão!”;

O poder se divide entre os Sovietes, que escolhem o governo por intermédio do Conselho dos

Sovietes. Toda essa situação é garantida pela Guarda Vermelha de Trotsky.

Decretada a libertação das nações subordinadas à Rússia (Finlândia, Geórgia, Armênia, entre

outras);

1918: o Partido Bolchevique se transforma em Partido Comunista da Rússia.

1922 – A Rússia reintegra em torno de si várias províncias, dando origem à União das Repúblicas

Socialistas Soviéticas, e o Partido Comunista da Rússia, se transforma em Partido Comunista da

União Soviética – PCUS.

Rússia pós-revolucionária – Fases.

1ª Fase - 1918-1921 – Comunismo de Guerra e Guerra Civil.

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A grave situação econômica leva o Estado a fazer requisições forçadas de alimentos e produtos em

geral, a serem distribuídos; a crise econômica e social chega a níveis insuportáveis, num dos piores

momentos atravessados por um povo em toda a história.

O trabalho torna-se obrigatório

Estoura a Guerra Civil entre os Exércitos brancos, ligados aos interesses da burguesia nacional e

estrangeira opostos ao regime socialista e os Exércitos Vermelhos, liderados por Trotsky, de

formação Bolchevista. Estes últimos conseguem a vitória, após difíceis combates em três anos.

2ª Fase – 1921-1927: Nova Política Econômica - NEP Proposta por Lênin, numa conciliação de socialismo com capitalismo. Segundo Lênin, é preciso,

temporariamente, abrir a nação à iniciativa privada capitalista, uma vez que a situação do Estado

não permite ao mesmo a absorção da mão-de-obra dos desempregados, o crescimento do processo

produtivo até o nível necessário, a normalização do abastecimento e distribuição da produção etc.

Assim, apela-se para a iniciativa particular e o sucesso se reflete no crescimento nacional mais

dinâmico, embora cabendo ainda ao Estado o controle dos principais segmentos econômicos da

nação. (cabem à iniciativa privada a liberdade para o comércio interno, a pequena indústria,

inclusive estrangeira, e a exploração da terra. O Estado mantém o controle do comércio externo,

da grande indústria e dos bancos, além da propriedade da terra).

A sucessão de Lênin: em 1924, com a morte de Lênin, em pleno andamento da NEP, estabelecem-se

duas frentes para sua sucessão: Trotsky, defensor da internacionalização do comunismo e Stálin,

defensor do socialismo apenas na União Soviética com o objetivo de consolidá-lo. Hábil político,

Stálin consegue se sobrepor, exilando Trotsky (ordenando inclusive o seu assassinato em 1940) e

inaugura uma nova era de poder na URSS, até sua morte em 1953, marcada por uma das mais

ferrenhas ditaduras da História.

3ª fase – A partir de 1928: Planos Qüinqüenais. Colocados em prática durante a Era Stanilista, representam planejamentos para a economia com a

definição de metas básicas a serem atingidas para os próximos cinco anos.

1º Plano (1928-1933) – Metas atingidas.

Fim da propriedade individual

Aumento da produção

Prioridade para a indústria de bens de produção e não de consumo

Organização de dois tipos de fazendas: Sovkhozes (estatais, onde os trabalhadores são empregados

pelo governo) e Kolkhozes (fazendas coletivas, onde os trabalhadores dividem os lucros da produção).

com o sucesso do primeiro plano a URSS torna-se uma potência industrial.

O MUNDO DE ENTRE-GUERRAS (1918-1939): A CRISE DAS DEMOCRACIAS LIBERAIS.

A ascensão do Nazi-Fascismo. A ascensão do Nazi-Fascismo, juntamente com as crises das democracias liberais e a irradiação

socialismo soviético constituem-se as três linhas de força que compreendem o período do após Primeira

Grande Guerra Mundial.

As ditaduras fascistas representaram um fenômeno original. Seus adeptos repudiavam a luta de classes,

o internacionalismo e o parlamentarismo liberal. Definiam-se como revolucionários; propunham uma

solução nacional, autoritária e corporativa para problemas sócio-econômicos.

As contradições decorrentes da Grande Guerra acentuaram o extremado nacionalismo dos fascistas. Seu

anticomunismo intransigente colocava-se na dependência do grande capital: seu anticapitalismo não

passava de fachada.

Entretanto, não foi apenas na Itália e na Alemanha que surgiram regimes ditatoriais. Na Espanha

(General Franco), em Portugal (Salazar), na Polônia, na Iugoslávia e na Grécia. Cada regime tinha feições

próprias, e o termo fascista aplica-se mal a regimes totalitários como os da Hungria, Romênia ou Turquia.

As grandes exceções do período foram os Estados Unidos, a Inglaterra e a França, onde dominaram

democracias liberais.

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A Itália: ascensão do Fascismo. A crise da Itália no pós-guerra e a incapacidade do parlamentarismo e do liberalismo em conter o

avanço comunista deu chance à ação dos fascistas que tomaram o poder em 1922. Eles eliminaram a

oposição e instalaram uma ditadura, um Estado Totalitário, representado pela figura todo-poderosa chefe,

ou simplesmente, o Duce, que pretendia encarnar a vontade das massas, sustentado por um partido único.

Os fascistas chegaram ao poder facilitado pela anarquia reinante na Itália. A partir de 1920, os Camisas

Negras passaram a organizar expedições punitivas contra as sedes de organizações de esquerda e até de

sindicatos. Destruíam tudo, matavam os líderes ou os obrigavam a tomar maciças doses de óleo de rícino.

As autoridades, temerosas, faziam vistas grossas. A ação arrasadora partiu de Trieste, na planície do Pó, e

se estendeu a toda a Itália a partir de 1921.

A divisão da esquerda impediu a reação comum. Proprietários rurais, comerciante e industriais dava

cada vez maior apoio aos fascistas. O Partido Fascista, fundado oficialmente em novembro de 1921,

cresceu depressa, recrutando membros entre os milhares de desempregados. O número de filiados passou

de 200.000 em 1919 para 300.000 em 1921.

Em agosto de 1922, sindicatos anarquistas e socialistas convocaram greve geral para protestar contra os

métodos fascistas. Mussolini ameaçou: se o governo não agisse, os fascistas “restabeleceriam a ordem”. Em

outubro, eles deram uma demonstração de força ao obrigar a Central Geral dos Trabalhadores Italianos (a

CGIL) a cancelar a greve geral. O caminho para o poder se escancarava.

No Congresso do Partido Fascista, realizado em Nápoles em 24 de outubro de 1922, Mussolini

anunciou a Marcha sobre Roma para o dia 26.

Assim, no dia 26 de outubro de 1922, Benito Mussolini, chefe do Partido Fascista Italiano, lidera a

Marcha sobre Roma de 50 mil militantes do Partido Fascista (os chamados “Camisas Negras”) e é

“convidado” pelo então rei Vítor Emanuel III a ocupar o cargo de Primeiro-Ministro da Itália. Os Camisas

Negras desfilaram pelas ruas de Roma sem resistência alguma.

Para sustentar o regime de autoritarismo imposto pelo Duce Mussolini, era fundamental mobilizar a

juventude, para eliminar o espírito crítico e criar uma “alma nacional”. Os jovens deviam pertencer mais ao

Estado que à família. Usavam uniforme e se dedicavam a exercícios militares, tendo por lema: “Crer,

obedecer e combater”.

Principais realizações do Duce:

Resolução da Questão Romana. Um conflito envolvendo a sede da Igreja Católica que perdeu a

soberania sobre o Vaticano durante a unificação italiana, em 1871, onde o papa Pio IX considerou-

se prisioneiro, se recusando a qualquer tentativa de conciliação. Somente em 1929, com o

assinatura do Tratado de Latrão, assinado entre o Duce e o Papa Pio XI é que a questão foi

definitivamente resolvida.

Estabelecimento da Carta do Trabalho, com o objetivo de resolver as questões trabalhistas. Pela

Carta do Trabalho, estabelecia-se que cada profissão teria dois sindicatos: um dos patrões e outro

dos empregados. As greves passaram a ser consideradas prejudiciais ao Estado, que passou a ser

juiz dos conflitos trabalhistas. Os sindicatos se transformaram em elementos de colaboração e de

cooperação entre as classes. A legislação era avançada: garantia férias pagas, previdência social e

formação profissional. Os sindicatos se encarregavam de diminuir o ímpeto revolucionário da classe

trabalhadora, organizando formas de lazer e de recreação fora do trabalho. Forma corporativa era

mais uma fachada, que preservava a estrutura tradicional do capitalismo italiano.

Incentivo ao crescimento populacional. O crescimento da população, estimulado pelo regime,

ampliou os problemas econômicos. O governo tratou de edificar muitas obras públicas, como

estradas, aquedutos, estações ferroviárias, sempre no estilo grandioso ao gosto do fascismo.

Impulso à industrialização. A industrialização teve um impulso a partir de 1927, com a

estabilização da Lira, a moeda nacional. Cresceram os setores elétricos, naval e aeronáutico; o de

automóveis, em 1938, passou a ser o sexto do mundo. Isto impulsionou também a siderurgia e a

indústria mecânica. O arranque industrial agravou a divisão sócio-econômica entre o norte

desenvolvido e o sul atrasado.

Respostas à crise mundial de 1929. Com a crise mundial do capitalismo em fins de 1929, a Itália

será obrigada a tomar uma série de medidas para garantir a sua economia, uma vez que bancos irão

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quebrar e o desemprego aumentar consideravelmente, criando um clima de insatisfação e

desconfiança. A alternativa para esse sentimento seria uma guerra, onde os ânimos nacionalistas

dos italianos seriam exaltados. Em 1935, o general Badoglio atacou a Etiópia, ao norte da África, e

tomou a capital Adis-Abeba. Mas as sanções econômicas determinadas pela Liga das Nações fez a

Itália recuar e buscar apoio alemão.

Alemanha do pós-guerra, um país em crise. Pouco antes de terminar a guerra, a derrota dos soldados alemães era esta: crise, estancamento da

economia, fome e insatisfação geral.

A revolta no exército e na marinha lembrava a Revolução Socialista Russa. Um importante exemplo foi

o levante da base de Kiel, ocupada por operários e Marinheiros. Formaram-se conselhos de operários e

soldados em várias regiões do país. No final da guerra, a frente de batalha estava estagnada.

No dia 07 de novembro foi proclamada a República da Baviera e, no dia 9 Guilherme II abdicou. Foi

proclamada a República Alemã pelo setor mais conservador do Partido Social-Democrata, liderado por

Friedrich Ebert.

Os setores da esquerda do Partido Social-Democrata, os chamados espartaquistas (spartakusbund),

liderados por Rosa Luxemburgo e Karl Liebkneht, se agruparam criando o Partido Comunista Alemão. Este

grupo tentou, num levante, se apoderar de Berlim, em Janeiro de 1919, para proclamar um Estado

Socialista, e foram massacrados por oficiais de direita do exército alemão.

Em Fevereiro de 1919, Ebert foi eleito da República de Weimar (assim a ser designada a República

Alemã). Foi esse governo que assinou o Tratado de Versalhes, que, como vimos, ficou conhecido como a

Paz dos Vencedores, dado o seu caráter espoliativo e imperialista. Para a opinião pública, principalmente

para a pequena burguesia e dos soldados desmobilizados, foi o governo da traição nacional, o governo que

apunhalou a Alemanha pelas costas.

A agitação política crescia na Alemanha do pós-guerra. Os operários sem condições mínimas de

sobrevivência, faziam reivindicações através de seus partidos. Estavam agrupados na esquerda da social-

democracia, ou no recém-fundado Partido Comunista Alemão. A pequena burguesia e as classes médias se

atemorizavam diante do risco de empobrecimento e proletarização. A economia estagnada e as dívidas

extorsivas impostas pelos imperialistas anglo-franceses impediam qualquer possibilidade de recuperação.

O grande capital queria, com ansiedade, que a disciplina do trabalho fosse restaurada, para que o

processo de acumulação continuasse; empresas como a I. G. Farben, a Krupp, a Siemens ou a Telefunken

não poderiam suportar mais tal estancamento, provocado pelas agitações operárias inspiradas na Revolução

Socialista Russa. O “perigo vermelho” precisava ser controlado, para que o capital pudesse retomar o

caminho da concentração.

Nessa conjuntura, setores de desempregados, politicamente confusos, ex-combatentes, pequenos

empresários temeroso do “perigo vermelho”, lumpemproletários (marginais de modo geral) formaram

pequenos grupos armados e começaram a lutar contra os partidos de esquerda. Um desse grupos acabou se

transformando em um partido no começo de 1919: o Partido dos Trabalhadores Alemães, sob a liderança

de Drexler.

Esse pequeno partido, fundado por desocupados, iria se transformar. Em 1920, um pequeno-burguês,

também desocupado, que participou da I Grande Guerra Mundial e havia sido condecorado por atos de

bravura, chamado Adolf Hitler, assistiu a uma reunião do chamado Partido dos Trabalhadores Alemães.

Nesta reunião, este desocupado, que já havia tentado militar no Partido Social-Democrata, tentado ser

pintor e tinha ideais racistas e autoritários, fez um discurso que atraiu a atenção dos militantes do Partido.

Logo em seguida, Adolf Hitler tornou-se chefe do grupo, que se entusiasmou com seu discurso. Como

primeira medida mudou o nome do Partido, passando a chamar-se de Partido Nacional-Socialista dos

Trabalhadores Alemães, ou simplesmente, Partido Nazista.

Assassinatos de líderes da esquerda e tentativas de golpes de Estado de setores conservadores do

exército faziam parte do panorama político alemão da década de 20.

No nível econômico, a Alemanha viu-se impossibilitada de pagar as reparações de guerra, exigida pelo

Tratado de Versalhes. A França como represália, ordenou a invasão da região do Ruhr, em 1923. A

indignação do povo alemão foi geral. A inflação atingiu níveis nunca antes imagináveis. Era um cenário de

hiper-inflação, a ponto de US$1,00 ser cambiado por 8.000.000.000,00 (oito bilhões) de marcos. A

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crescente agitação da classe operária levou alguns dirigentes, ligados ao Partido Comunista Alemão, a

tentar um levante em Hamburgo, que foi violentamente esmagado.

Em 1933, a República de Weimar, nome adquirido pela Alemanha no período de entre-guerras, assiste

à ascensão ao poder do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães (Partido Nazista) sob o

comando de Adolf Hitler, chanceler do então presidente Von Hindenburg. Dez anos antes, Hitler tenta um

golpe de estado que fracassa (conhecido como o “Putsh da Cervejaria”, em Munique), é preso e, detido,

escreve o livro que sintetiza todas as idéias nazistas: o “Mein Kampf” (Minha Luta).

Pré-condições para a ascensão do Nazi-Fascismo. Como se observa, o período de Entre-Guerras mostra a ascensão na Itália e Alemanha dos regimes de

direita (fascistas). Mas quais as pré-condições necessárias para a subida de tais partidos?

O resultado da I Grande Guerra Mundial, mostrando a derrota alemã e sua destruição pelo

Tratado de Versalhes e a insatisfação dos italianos, vitoriosos, pelas reduzidas premiações

recebidas. Tal situação gera o revanchismo alemão e italiano.

A má situação econômica dos países, após a I Grande Guerra Mundial, com a necessidade de

reconstrução em meio à inflação, desemprego e falta de recursos financeiros e produtivos. (No

caso alemão, nota-se o agravamento de tal situação com a crise de 1929)

O receio da propaganda comunista, em franca expansão, gerando o temor dos governos e da

burguesia, que passa a financiar a propaganda de extrema direita (anticomunista), como uma forma

de preservar suas posições e propriedades. Nota-se, antes mesmo da ascensão de Hitler e

Mussolini, perseguições a sindicalistas, comunistas e todos aqueles ligados às aspirações das

massas.

O carisma pessoal de Hitler e Mussolini, através de sua notável oratória, denunciando as

atrocidades das demais potências conta a Alemanha e Itália na I Grande Guerra Mundial, os abusos

do comunismo e fazendo promessas messiânicas de elevação do nível de vida em nome do partido,

em função do qual as pessoas devem viver, como único caminho para a melhoria.

Características do Nazi-Fascismo. Totalitarismo: implantação de um Estado forte de direita;

Antiliberalismo: censura, por parte do Estado, dissolução de partidos políticos de oposição,

controle das liberdades individuais, fim do direito de greve, regulamentação da economia pelo

Estado, dissolução dos sindicatos.

Antiparlamentarismo: reação contra a democracia parlamentar e a filosofia liberal, inspiradora dos

regimes democráticos que triunfaram em 1918.

Militarismo: preparação militar para uma revanche militar.

Anticomunismo: perseguições aos líderes e aos partidos comunistas e profunda ligação com

grandes grupos industriais capitalistas que sustentam o governo (FIAT, Krupp, Siemens,

Mercedes-Benz, IBM etc) e suas idéias.

Nacionalismo: desenvolvimento desvinculado do capital estrangeiro e crescimento da propaganda

patriótica, condutora dos povos italiano e alemão à II Grande Guerra Mundial.

Diferenças entre o Nazismo e o Fascismo. A propaganda Nazista atinge mais intensamente toda a nação alemã, inclusive o campo.

O Nazismo se reveste de um cunho mais fanático;

Apenas o Nazismo é racista, pregando a supremacia da raça ariana, como a mais forte e capaz do

globo (arianismo). Esse racismo, conotação extrema do nacionalismo alemão, é responsável pelas

perseguições e mortes de raças ditas inferiores: negros e judeus, por exemplo. Quanto aos últimos,

são perseguidos também pelo nacionalismo econômico exacerbado no país, não permitindo lucros

para outros povos dentro da Alemanha.

O Estado italiano é corporativista, pregando a ação conjunta de patrões e empregados em função

do crescimento da nação. O Fascismo torna-se elemento essencial no quadro da Europa nos anos trinta, um dos componentes do

sistemas de forças e, a partir de 1935, a opção entre fascismo e antifascismo passa a ser a principal linha

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divisória, a ponto de eclipsar – momentaneamente – certos conflitos igualmente profundos e mais antigos,

como o que opunha, havia diversas gerações, a democracia de inspiração liberal à democracia socialista.

A crise de 1929: o crash da Bolsa de Nova York – o capitalismo dá sinais de fraqueza.

O “American way of life”: o mundo das ilusões. Com o fim da I Grande Guerra Mundial, os Estados Unidos da América se colocam na condição de

primeira potência do globo, “celeiro mundial”, abastecendo os mercados europeus, afetados pela guerra,

além dos seus, internos, transformando-se no país mais rico do mundo.

Assiste-se, na lavoura e na indústria americanas a uma notável expansão; os bancos tornam-se credores

da reconstrução européia; a sociedade americana torna-se mundialmente conhecida e respeitada – vive-se

nos anos 20 o período da Grande Euforia.

Todos os países envolvidos no conflito, principalmente a França e a Inglaterra, passaram a dever

enormes quantias de dólares para os EUA, decorrentes de empréstimos e compras de gêneros alimentícios e

armamentos, necessários à manutenção de seus exércitos.

A França e a Inglaterra pressionavam a Alemanha para pagasse as reparações de guerra, estipulados no

Tratado de Versalhes. De 1921 a 1922, a Alemanha pagou aos Aliados (França e Inglaterra, principalmente)

22 bilhões e 891 milhões de marcos-ouro. E todo esse dinheiro, na sua grande maioria foi enviado aos

Estados Unidos como pagamento de juros dos empréstimos e das dívidas das compras feitas durante a

guerra e imediatamente após seu término.

O dinheiro fez com que a indústria e a agricultura dos Estados Unidos conhecessem altos índices de

crescimento. Foi uma época de prosperidade material, a ponto dos Estados Unidos tornarem-se o exemplo,

e serem seguidos como modelo de sociedade em oposição ao socialismo, movimento sócio-político em

ascensão na Rússia Soviética.

As fábricas de automóveis, principalmente a Ford, produziam veículos que eram vendidos a prazo. Esse

fato proporcionava, a uma grande parcela da população, a oportunidade de possuir seu veículo. Para se ter

uma idéia da prosperidade americana, até 1929 existia, nos Estados Unidos, um automóvel para cada 5

pessoas, enquanto na Europa, a proporção era de uma automóvel para cada 85 habitantes.

Outro setor que cresceu também foi o setor de eletrodomésticos, em especial o rádio, pois até 1926

foram vendidos cerca de 60 milhões de aparelhos americanos. A partir de então, os americanos não

perdiam seus programas, ou suas novelas, irradiados diariamente, ajudando a forma esse mundo de ilusões,

enaltecendo implicitamente aquele tipo de sociedade.

Esta euforia econômica se refletia nas manifestações culturais. Foi um período de grande produção

musical no gênero que ficou mundialmente famoso: o jazz. Louis Armstrong já era conhecido na década de

20. Foi também uma época moralista e violenta. Instaurou-se a proibição da venda de bebidas alcóolicas:

era a famosa “Lei Seca”, que propiciou o aparecimento de um comércio clandestino de bebidas feito por

gangsters. Entre ele, a figura que mais se destacou foi a de Al Capone, imortalizada pela indústria

cinematográfica americana como o “Poderoso Chefão”. Dentro do gangsterismo e da corrupção figuravam

altos funcionários do governo, envolvendo desde senadores até simples contínuos: esta era a realidade da

prosperidade e do sonho americano.

As cidades cresciam verticalmente, gerando uma arquitetura que seria um marco no estilo americano: o

“arranha-céu”. O exemplo clássico desse tipo de construção foi o Empire State Building, terminado em

1931.

Toda essa riqueza era fruto do rigoroso trabalho dos operários americanos e, por isso mesmo, sua

combatividade em termos de reivindicações foi bastante grande. Apesar da direção da AFL (American

Federal Labor – Federação Americana de Trabalhadores), que se submetia aos interesses dos grandes

empresários, houveram várias greves.

Foi uma época de conservadorismo político e moral. O Partido Comunista Americano foi posto fora da

Lei na terra da democracia. O racismo contra os negros se difundia: ressurgiu a organização terrorista de

direita chamada de Ku Klux Klan.

Isolacionismo: assim ficou conhecida a política realizada pelos vários governos dos Estados Unidos

nesse período. Nenhuma ingerência nos assuntos políticos europeus; os EUA só mandavam representantes

como simples observadores. É claro que estamos nos referindo às relações diplomática porque, no campo

econômico, a presença dos Estados Unidos era uma constante.

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Se, em relação à Europa, os Estados Unidos mantinham um certo distanciamento diplomático, o mesmo

não se pode dizer em relação à América Latina. Em nossa região, os EUA não só tinham grandes interesses

econômicos, como chegaram várias vezes a invadir militarmente algumas regiões, quando esses interesses

entravam em jogo. Isto não é novidade, pois desde meados do século XIX que tal prática já vinha

ocorrendo. Primeiro com a Doutrina Monroe – A América para os Americanos, depois com o Big Stick –

O Grande Porrete.

Entre 1923 a 1933, os Estados Unidos, de uma forma ou de outra, intervieram militarmente na América

Central. Uma das reações mais famosas a estas intervenções foi o levante na Nicarágua ocorrida em 1933,

comandada pelo general Augusto César Sandino, de características bastante populares. Uma das mais

famosas declarações de Sandino pode ser resumida na seguinte frase: A América do Norte, para os norte-

americano; a América Latina para os latino-americanos.

Poucos se apercebem de que a expansão, entretanto, tem como destino um abismo profundo e abrupto; a

euforia desenfreada é o caminho para uma crise sem precedentes na história de todo o mundo capitalista e

que desemboca em 1929.

As origens da Crise. À medida em que a Europa se recupera dos efeitos da Guerra, reconstruindo fábricas, recuperando

campos, gerando empregos, etc., fica menos dependente do dinheiro e produtos americanos. O ritmo

acelerado da produção dos Estados Unidos, com a crescente redução do mercado europeu (e a gradativa

concorrência do mesmo), gera um descompasso entre produção e consumo, fazendo-se notar uma

superprodução no país, sem consumidores.

A solução é, no correr dos anos 20, recorrer á necessária redução da produção, o que leva ao

desemprego. A escala crescente de desemprego desestimula ainda mais a produção, pois diminui o poder

de compra da população.

O capitalismo está fadado a viver, constantemente, em crises. No sistema capitalista, voltado para a obtenção do lucro, há uma tendência, aparentemente contraditória:

a redução da taxa desse lucro. Como se dá este fenômeno?

O capital estaria dividido em duas partes: uma seria o capital variável, empregado na aquisição da

força de trabalho, na mão-de-obra (pagamento de salários, por exemplo); outra, o capital constante, que é

empregado nas fábricas, nas máquinas, matéria prima, novos equipamentos. Podemos dizer que o capital

constante + capital variável = capital total.

O capitalista, dono da indústria, tende, cada vez mais a aplicar na aquisição de novas máquinas

automáticas e equipamentos modernos, ou seja, no capital constante. Ao mesmo tempo há uma tendência

para que o capital variável diminua em decorrência da própria aplicação no capital constante. Sabe-se

que o lucro é gerado no capital variável, pois, é aí que se transfere valor ao produto, máquinas não

transferem valor ao produto. Portando há, contraditoriamente, uma tendência para a queda da taxa de lucros

dos capitalistas.

Podemos exemplificar esta tendência para a crise com o seguinte argumento: em pleno auge da euforia

do sonho americano, da riqueza fácil, havia constantemente um número de desempregados. Em 1921, 4

milhões de pessoas encontravam-se sem trabalho. Era uma riqueza desfrutada por parte do país e não pela

maioria. Por exemplo, as regiões do sul do país, principalmente os habitantes das partes montanhosas,

viviam em total isolamento e pobreza extremada. Esta situação ficou imortalizada nas histórias em

quadrinhos da Família Busca-pé (Brejo Seco) de autoria do crítico cartunista americano Al Capp.

No entanto, a produção cada vez mais automatizada crescia vertiginosamente, e o consumo desses

produtos não acompanhava o mesmo ritmo. Mas a ilusão da euforia parecia ter cegado a grande maioria

dos americanos, que se recusavam a enxergar esse fenômeno. Mas o sonho ia acabar numa Quinta-feira.

Para ser mais exato, o sonho iria acabar no dia 24 de outubro de 1929.

Não é uma Revolução Industrial. Não se origina de uma inovação das forças produtivas. É uma crise.

Tampouco é a primeira, visto que as crises econômicas se tinham reproduzido no século XIX em ritmo

quase regular, a ponto de parecer constitutivas do próprio sistema capitalista; o espetáculo dessas crises

desempenhara um papel decisivo no advento do pensamento socialista: pareciam, de certo modo, a

contrapartida das leis naturais e da concorrência. Mas a crise de 1929 difere das anteriores, sobretudo nas

suas repercussões.

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A Crise. Em 1929, fazendas e fábricas, sem condições de sobreviver face ao restrito mercado consumidor, vão à

falência, ampliando para milhões o número de desempregados. Bancos credores perdem seus capitais

investidos no processo produtivo e também falem (o número de falências no sistema bancário norte

americano chega à impressionante cifra de 5 mil bancos).

Trata-se a princípio de uma crise de crédito, que explode na Bolsa de Nova York em Wall Street, uma

falha, que se cuida momentânea do mecanismo de crédito A situação de ruína conduz à quebra da Bolsa

de Nova York, em 24 de outubro de 1929 – a chamada Quinta-feira Negra. Os títulos oferecidos, em

proporção alarmante não encontram tomadores. 70 milhões de títulos são jogados no mercado sem

contrapartida. As cotações desmoronam: avalia-se a perda total de US$ 18 milhões. Reproduz-se o

fenômeno nos dias seguintes, amplifica-se por um processo cumulativo que abala a confiança, mola do

crédito na economia liberal. O parentesco dos dois termos, confiança e crédito, sublinha a interdependência

dos dois aspectos.

Essa crise de crédito acentua a superavaliação dos valores: a maioria tinha uma cotação muito superior

ao seu valor real e comercializável. A crise castiga, portanto, uma especulação excessiva, uma inflação de

crédito. Crêem os especialistas que se trata de um acidente técnico, destinado a sanear o mercado e a

permitir uma reordenação, e o Presidente dos Estados Unidos, o republicano Hoover, que só está há alguns

meses na Casa Branca, afiança aos compatriotas que o fim da crise não demora e que a prosperidade está na

esquina; e repetirá o mesmo refrão durante quatro anos.

Ao contrário, porém, da expectativa geral dos técnicos, do presidente dos Estados Unidos e dos eleitores

que tinham votado nele, a crise instala-se: dura e ganha outros setores da economia norte americana, outros

países também.

A crise se torna mundial porque filiais de bancos e indústrias americanas quebram em diversos pontos

do globo e a instabilidade leva os governos a se precaverem, adotando uma postura protecionista nos anos

30, através da elevação das taxas alfandegárias e contenção dos gastos com importações. Assim, a redução

do comércio internacional é uma das características do período da Grande Depressão a que o mundo

capitalista assista na década de 30.

As repercussões da crise se prolongaram até 1933. A quebra da Bolsa arruinou os especuladores, reteve

as vendas a crédito e impossibilitou os que receberam financiamentos de quitar suas dívidas. Em três anos:

Faliram 4000 bancos;

Os preços dos produtos industriais caíram 27% e 85000 empresas faliram;

O valor da produção nacional desceu à metade do nível anterior à crise;

Os preços agrícolas despencaram, os agricultores perderam suas terras hipotecadas aos bancos, a

produção parou;

Os salários abaixaram em 20%;

O número de desempregados subiu de 4 milhões para 14 milhões em 1933. Essa situação aflige também as nações periféricas, dependentes das compras das grandes potências,

sobretudos de produtos primários, agora sem condições de efetuá-las.

No Brasil, a cafeicultura é drasticamente afetada, pois o café, único grande produto nacional, não é mais

comprado pelos EUA. Os cafeicultores, detentores inclusive do poder político, perdem muito de sua força

econômica, o que abala substancialmente também seu prestígio político, possibilitando o advento da

Revolução de 1930, liderada por Getúlio Vargas, que faz emergir novas forças políticas no cenário político

nacional.

Uma proposta para amenizar a crise: o New Deal. Nos anos 30, assume a presidência dos EUA, Franklyn Delano Roosevelt. Sua principal realização no

período da período da Depressão é um plano econômico elaborado em conformidade com o economista

inglês John Maynard Keynes, denominado de New Deal, visando reduzir os efeitos da crise. Muitas das

propostas do novo plano, expostas a seguir, são adotadas em várias potências afetadas:

O Estado assume a responsabilidade de salvar a nação, regulamentando a sua economia. O New

Deal propõe, portanto, a intervenção do estado na economia, uma vez que a superprodução

originária da crise também se deveu ao liberalismo excessivo do governo norte-americano em sua

economia.

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Concessão por parte do Estado, de empréstimos aos falidos, mediante emissões controladas.

Redução da jornada de trabalho para dar oportunidade a mais pessoas de trabalharem reduzindo o

desemprego.

Ampliação do salário do operariado para ampliar o mercado consumidor interno

Aumento dos benefícios da Previdência Social, como a criação do seguro-desemprego.

O Estado promove a geração de empregos públicos nos setores urbanos não produtivos

(arborização das cidades, coletas de lixo, restauração de prédios públicos e ruas etc.), uma vez que

a atividades como a industrial ou agrícola não devem absorver mão-de-obra em razão da

superprodução. Estimula-se, assim, o consumo, sem aumentar a produção.

Ampliação da autonomia sindical e de sua capacidade de negociação.

Entre 1933 e 1937, o número de desempregados baixou dos 14 milhões para 7,5 milhões.

Os preços subiram 31%.

A produção industrial cresceu 64%

A renda nacional cresceu em 70%

As exportações cresceram 30%

O número de filiados aos sindicatos passou de 2 milhões para 10 milhões entre 1932 a 1941.

O Estado incrementa o setor bélico e amplia os quadros de serviço militar, uma clara preparação

com vistas à II Grande Guerra Mundial. O militarismo utilizado para gerar empregos é

simultaneamente uma atenuante dos efeitos da crise e um resguardo diante do crescimento das

forças militares nazi-fascistas. Se no fim dos anos 30 percebe-se o sucesso das medidas do New Deal, constata-se, por outro lado a

rudeza da crise de 29; o protecionismo e o militarismo decorrentes da mesma estão entre as principais

causas da II Grande Guerra Mundial.

Um paralelo: o Nazi-Fascismo e a Crise de 1929. A crise de 1929 favorece, mas não é a causadora da ascensão dos regimes de exceção na Alemanha e

na Itália, pois:

Tornar-se mais difícil a situação econômica dos países, o que aumenta ainda mais a força das

promessas messiânicas de melhoria do nível de vida, propostas pelos nazi-fascistas como único

caminho para a dignidade e a prosperidade.

Abala definitivamente o liberalismo econômico e a democracia política, responsabilizados pelo

descontrole do processo produtivo que leva à crise, reforçando a tese nazi-fascista do Estado

Totalitário e anti-liberal.

A II GRANDE GUERRA MUNDIAL – 1939-1945 As causas básicas da II Grande Guerra Mundial estão expressas anteriormente. São elas: os resultados

da I Grande Guerra Mundial, gerando a insatisfação de alemães e italianos; a ascensão do Nazi-

Fascismo, com sua política externa militarista e agressiva e a Crise de 1929, de falências e desempregos, o

que estimula a preparação militar como fonte de trabalho e reduz o nível de comércio e cooperação

internacional, contribuindo para acirrar a tensão mundial.

O conflito de 1939 a 1945 foi, este sim, uma verdadeira guerra mundial. Todos os continentes se

envolveram, dada a existência de quatro fronts de batalha: Europa Ocidental, Europa Oriental; Norte da

África e Pacífico. Ficaram neutros apenas alguns países europeus e latino-americanos. As operações no

Pacífico tiveram a mesma importância que as da Europa. A Inglaterra, por sua condição de ilha, foi o único

país europeu que os alemães não ocuparam.

Os Estados Unidos garantiram a vitória dos aliados por sua enorme produção industrial e participação

militar; no Pacífico, guerrearam praticamente sozinhos contra os japoneses.

A União Soviética teve papel decisivo ao quebrar a espinha dorsal do exército nazista na Batalha de

Stalingrado.

As novas tecnologias bélicas, como os bombardeios maciços, associados à política de extermínio

adotada pelos nazistas em campos de concentração e à decisão americana de inaugurar a arrasadora bomba

atômica, fizeram dos civis as grandes vítimas. Os militares, mais bem nutridos e protegidos, podiam fazer

retiradas estratégicas quando se viam diante de uma situação adversa.

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Sabe-se, pois, que “esta Guerra é uma continuação da anterior”, e os anos 30, tomados em conjunto,

contribuem também decisivamente para o desenrolar do 2º conflito mundial, fazendo com que este período

seja visto como uma trégua entre as potências.

Senão vejamos:

1931: o Japão, procurando ampliar sua área territorial, ocupa a Manchúria (nordeste da China),

província rica em petróleo, carvão e minério de ferro;

1935: a Itália ocupa militarmente a Etiópia, na África;

1936: é assinado um pacto de amizade e não-agressão entre Hitler e Mussolini – o Eixo Roma-

Berlim. É também assinado um pacto Anti-Komitern (anticomunista)

1936: a Alemanha remilitariza a Renânia, na fronteira com a França, contribuindo para o

acirramento da tensão local.

1936: tropas do Eixo auxiliam o Golpe de Estado de Franco, na Guerra Civil Espanhola, fazendo

nascer mais um estado ditatorial de direita na Europa. Além da obtenção de uma Espanha aliada, o

Eixo pode testar a real capacidade de suas forças armadas, o que se dá com pleno êxito, ante a

surpresa e tensão do restante do continente.

1938: Hitler anexa a Áustria (Anschluss).

1938: Hitler anexa a região de sudetos, na Tchecoslováquia, alegando a existência, ali, de

população alemã. França e Inglaterra, até então tolerantes com o expansionismo alemão, convocam

o Führer para a Conferência de Munique. Tal conferência é considerada o apogeu da política do

apaziguamento, uma vez que é a última tolerância franco-britânica às conquistas de Hitler, que

consegue “permissão” para a tomada da região, desde que encerrasse as suas investidas daí por

diante. Na verdade, franceses e ingleses se curvam diante do poderio nazista.

1939: novas conquistas sobre a Tchecoslováquia, numa clara demonstração de não-cumprimento do

acordo de Munique.

1939: os italianos anexam a Albânia.

1939: Hitler, temendo uma união da Inglaterra, França e União Soviética, assina com Stálin (líder

soviético) um pacto de não-agressão: o Pacto Nazi-Soviético. A união francesa, inglesa e russa não

se concretiza, fundamentalmente, pela existência de sistemas econômicos divergentes (os

socialistas acreditam que uma aliança com o Ocidente é um retrocesso e os capitalistas temem a

infiltração da doutrina comunista em seus meios). Ao assinar o Pacto, Hitler garante a

concretização de um velho sonho: a ocupação da Polônia (que seria dividida com a União Soviética),

com a certeza da não-intromissão das tropas soviéticas em favor dos poloneses. A tomada do

corredor polonês, na região de Dantzig, pode possibilitar à Alemanha juntar novamente a Prússia

Oriental ao restante do país, uma vez que a região está isolada geograficamente desde o Tratado

de Versalhes.

1939: a Alemanha invade a Polônia no dia 1º de setembro. Dois dias mais tarde, Hitler recebe uma

declaração de guerra conjunta de ingleses e franceses. Está iniciada a II Grande Guerra Mundial.

Principais episódios.

1939 a 1941 – A expansão do Eixo. Em três semanas a Alemanha ocupa a Polônia.

Fulminantes ataques nazistas, através da “Blitzkrieg” (Guerra Relâmpago), ocupam a Bélgica, a

Holanda, Dinamarca, Noruega e 2/3 do território francês.

Ataques nazi-fascistas na Europa Oriental e África do Norte.

O Japão adere ao Eixo e no Extremo Oriente prosseguem suas guerras de conquistas (Norte da

China, Sudeste Asiático e Pacífico Sul)

1941 a 1943 – O Equilíbrio dos Aliados. Violando o Pacto Nazi-Soviético, Hitler ataca a URSS (1941), sendo violentamente derrotado no

ano seguinte após perigosa penetração em grande extensão do território soviético. Os russos, até

então neutros no conflito, aderem aos aliados menos por simpatia aos mesmos e mais pela

necessidade de deter o inimigo comum maior naquele momento: a Alemanha. Na verdade, a atitude

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hitlerista se explica pelo já citado temos alemão de uma união ocidental com os soviéticos.

Portanto, era preciso eliminar esses soviéticos antes de seu fortalecimento militar e de sua

entrada no conflito. Hitler apenas não contava com a fulminante derrota sofrida no inverno russo.

O Japão ataca a base naval de Pearl Habor, no Havaí, e dá aos EUA um pretexto para sua entrada

oficial no conflito (1941), embora o país já mandasse armas e víveres sobretudo para ingleses e

franceses (tal como ocorrera na I Grande Guerra Mundial). Os aliados detêm ofensivas do Eixo na

África do Norte e Austrália. A entrada de americanos e russos é decisiva para o equilíbrio do

conflito.

1943-1945 – A derrota do Eixo. Em 1943 a Itália é ocupada; os fascistas perdem o poder; Mussolini é deposto e morto, e o país se

rende, embora se encontre até 1945, em seu território nazista, contra a qual também lutarão as

tropas da FEB (Força Expedicionária Brasileira).

Na Europa Oriental a URSS rende as tropas nazistas. Libertando várias nações da ocupação alemã,

fator que levará os russos pós-guerra a reconstruir tais nações sob sua tutela e modelo comunista.

Em 1944, com o desembarque de tropas aliadas na Normandia (no chamado Dia “D”), a França é

libertada.

Em 1945, após sucessivos recuos, os alemães invadidos são cercados por americanos, ingleses,

franceses e soviéticos, com a capital Berlim sendo bombardeada. Em 30 de abril, Hitler se suicida,

ao lado de grandes líderes nazistas e, em 08 de maio, a Alemanha se rende.

O Japão, único sobrevivente do Eixo, resiste ferozmente no Oriente, o que retarda o fim

definitivo do conflito.

Apenas com a destruição das cidades de Hiroshima e Nagasaki pelas bombas atômicas norte-

americanas, respectivamente em 06 e 09 de agosto, os japoneses capitulam-se (02 de setembro),

fazendo terminar a II Grande Guerra Mundial. Deve-se salientar aqui que a destruição do Japão

pelas bombas se deve ao temor norte-americano de que a URSS ocupasse o Japão e reivindicasse a

sua reconstrução no pós-guerra, sob o molde socialista; assim, é preciso, para os EUA, chegar e

destruir o território japonês primeiro, o que ocorre de fato. Tem-se nesse episódio a

demonstração clara dos choques de interesses entre americanos e soviéticos, tão característicos

do pós-45, com a Guerra-Fria.

Principais conferências e Tratados durante a II Grande Guerra Mundial. As principais conferências reúnem, durante a Guerra, os três Grandes (EUA, URSS e Inglaterra),

representados pelos seus principais dirigentes: Franklin Roosevelt, Joseph Stálin e Winston Churchill,

respectivamente.

1943: Conferência de Teerã (no Irã) - debatem propostas de uma futura paz, com a colaboração

mundial.

1945: Conferência de Ialta (Turquia) Convocação da Conferência de São Francisco para a criação da ONU;

Divisão da Coréia em duas Zonas de influência: do Norte, Soviética e a do Sul, norte-americana;

Reafirmação do desmembramento alemão.

Definição da fronteira soviética-polonesa;

Delineamento de áreas de influência das grandes potências em diversas regiões do globo.

1945: Conferência de Potsdã (Alemanha) Reunida após a rendição alemã;

Harry Truman, novo presidente americano, substitui Roosevelt, falecido há pouco.

Debate em torno da Alemanha: tomada de suas armas, perda da Prússia Oriental, que fica repartida entre a Polônia e a

URSS, diminuição sensível do poderio industrial do país e dos grupos que financiaram o nazismo e divisão do território

alemão em quatro zonas de ocupação (russa, americana, inglesa e francesa), sendo que em 1949 as duas últimas são

incorporadas à norte-americana, surgindo daí a Alemanha Ocidental ou República Federal da Alemanha, e a zona em

poder dos soviéticos se transforma em Alemanha Oriental, ou República Democrática da Alemanha.

O custo II Grande Guerra Mundial.

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A II Grande Guerra Mundial custou 413,25 bilhões de Libras esterlinas, contra 75,07 bilhões da I

Grande Guerra Mundial. Os cinco principais aliados dividiram assim os 168, 25 milhões de libras que

gastaram (em milhões de libras):

Estados Unidos: 84,5

União Soviética: 48

Grã-Bretanha: 28

Canadá: 4

França: 3.75 As potências do Eixo gastaram 105,5 milhões de libras (em milhões de libras):

Alemanha: 68

Itália: 23,5

Japão: 14. Nove países dividiram os lucros de 2,27 bilhões de libras em reservas de ouro. Os seis principais

ganhadores foram (em milhões de libras):

Estados Unidos: 1.422

Argentina: 230

África do Sul: 173,5

Suíça: 160,2

Romênia: 88

Brasil: 80,5 Os perdedores de reservas de ouro foram (em milhões de libras):

Grã-Bretanha: 5.

Noruega: 5.

Tchecoslováquia: 5,5.

Itália: 25.

Canadá: 46,25.

Japão: 62,5.

Holanda: 182.

França: 335. É difícil calcular as perdas humanas. Algumas fontes chegam a falar em 50 milhões de mortos. O

número mínimo chegaria a 37, 6 milhões. Os doze países mais sacrificados foram:

União Soviética: 20 milhões.

Polônia: 4,32 milhões.

Alemanha: 4,2 milhões.

China: 2,2 milhões.

Iugoslávia: 1,7 milhão.

Japão: 1,2 milhão.

França: 600 mil.

Romênia: 460 mil.

Hungria: 420 mil.

Itália: 410 mil.

Estados Unidos: 406 mil.

Grã-Bretanha: 388 mil. Morreram , proporcionalmente, mais civis que militares. A guerra mecanizada, de movimentos rápidos,

fez mis prisioneiros que mortos entre os militares, enquanto os bombardeios dizimaram populações inteiras.

Além disso, houve os campos de concentração, com o extermínio de membros da resistência, comunistas,

liberais e 5,9 judeus: um dos maiores genocídios da humanidade. Eles foram vítimas da paranóia anti-

semita de Hitler e ideólogos nazistas, que os responsabilizavam pelo caos em que a Alemanha viveu depois

da I Grande Guerra Mundial e dos tratados de paz.

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UNIDADE II: O MURO QUE DIVIDIA O MUNDO CAIU. E DAÍ? O MUNDO DE 1945 AOS NOSSOS DIAS.

A presente unidade tratará de questões que, de uma forma geral, mudaram as diretrizes assumidas pelas

grandes potências e pelos chamados países periféricos nos últimos 50 anos do atual século. Apesar de

várias destas questões já terem sido resolvidas ou abordadas, torna-se necessário o seu estudo para melhor

entendimento dos dias atuais, na transição do século XX para o XXI.

Para melhor compreensão desta unidade, dividiu-se o tema proposto em duas partes: o Pós-Guerra e as

Grandes questões da atualidade. Esta divisão de caráter didático, deve ser compreendida para uma

assimilação mais acessível do tema proposto, porém sem deixar de lado a interação entre essas partes.

Deve-se salientar que é inesgotável a temática de cada um dos assuntos abordados. Impõe-se, portanto,

um limite aos mesmos, por força dos objetivos do presente estudo.

O PÓS-GUERRA. Várias foram as questões oriundas da II Grande Guerra Mundial. Dentre elas podemos destacar:

1. A criação da ONU – Organização das Nações Unidas. A II Grande Guerra Mundial trouxe conseqüências para a maior parte dos países envolvidos de forma

direta ou indireta no conflito. Como forma de se tentar resolver questões que impedissem novos conflitos é

criada em 24 de outubro de 1945, na Conferência de São Francisco, através da Carta das Nações Unidas, a

Organização das Nações Unidas – ONU.

Este órgão, com sede em Nova York, surge para cobrir as falhas da Liga das Nações, procurando, dentre

outros objetivos, preservar e assegurar o desenvolvimento sócio-econômico e a convivência pacífica entre

as nações.

A ONU possui alguns grandes objetivos:

Manter a paz em todo o mundo;

Fomentar relações amigáveis entre as nações;

Trabalhar em conjunto para uma vida melhor dos indivíduos reduzindo do mundo a pobreza, a

doença e o analfabetismo e encorajando o respeito pelos direitos e liberdades.

Ser um centro para ajudar as nações a alcançarem estes objetivos. Órgãos representativos da ONU:

Secretariado: o secretariado é chefiado pelo secretário Geral (o mais alto funcionário das Nações

Unidas) e é escolhido para um mandato temporário. A ele é atribuído o mesmo tipo de poder

político dos chefes dos estados membros.

Assembléia Geral: formada por representantes de todas as nações membros. É o órgão central das

Nações Unidas, no qual todas as nações podem falar e ser ouvidas sobre qualquer assunto. Nela

estão representados todos os membros das Nações Unidas.

Conselho de Segurança: manter a paz e a segurança internacionais. Qualquer país, membro ou não

das Nações Unidas, ou o Secretário Geral, pode alertar o Conselho de Segurança para um litígio ou

ameaça à paz. Seus membros permanentes, mais privilegiados, possuem o direito de veto nas

questões de segurança levadas à votação.

Corte Internacional de Justiça: é o principal órgão das Nações Unidas que elabora sentença

judiciais. Só os países e não as pessoas é que podem apresentar casos no Tribunal. Quando um país

concorda em submeter o caso ao Tribunal, tem de comprometer-se a acatar a sua decisão. O

Tribunal se reúne em Haia, na Holanda, e está em sessão permanente, regulamentando as questões

da justiça internacional.

Conselho Econômico e social: ocupa-se de problemas econômicos, tais como o comércio, os

transportes, a industrialização e o desenvolvimento econômico e de questões sociais, que incluem a

população, as crianças, a habitação, a segurança social, a juventude, o meio ambiente, a alimentação

etc. Também formula recomendações sobre a forma melhorar as condições de educação e da saúde

e de promover o respeito e a observância dos direitos e liberdades das pessoas, em todo o mundo. Alguns órgãos Especiais ligados à ONU:

OIT – Organização Internacional do Trabalho, com sede em Genebra, Suíça.

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FAO – Organização da Agricultura e Alimentos, com sede em Roma, Itália.

Banco Mundial, com sede em Washington, EUA.

UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência, Cultura e Infância, com sede

em Paris, França.

OMS – Organização Mundial de Saúde, com sede em Genebra, Suíça.

FMI – Fundo Monetário Internacional, com sede em Washington, EUA.

OMC – Organização Mundial do Comércio, com sede em Genebra, Suíça.

2. Descolonização Afro-Asiática Pretendendo demarcar suas áreas de influência, os EUA e a URSS iniciam apoio às colônias afro-

asiáticas, como forma de se libertarem de seus colonizadores. Estas regiões, dominadas desde fins do

século XIX (neocolonialismo), participantes de duas guerras, viam, agora a possibilidade de se tornarem

independentes. Mas elas se mantêm economicamente dependentes das superpotências.

Neste processo de independência, estas nações realizam eleições e autogoverno. Na África inicia-se um

processo contra a subnutrição, o analfabetismo e contra a presença européia em suas terras. É o chamado

Pan-Africanismo.

Diversas razões explicam a descolonização, muitas delas ligadas à própria II Grande Guerra Mundial:

Declínio político-econômico das metrópoles tradicionais (Inglaterra e França), destruídas pela

guerra e substituídas por outras potências.

Crença nos ideais do Liberalismo Ocidental, vigente com o fim da Guerra e traduzido para a forma

de emancipação política.

Apego aos ideais socialistas de igualdade, levados também ao plano das relações internacionais.

Auxílio, nas guerras de independência, da URSS e dos EUA, interessados em ampliar suas áreas de

influência.

Crescimento do sentimento de patriotismo e nacionalismo nas populações coloniais.

Desenvolvimento, durante a guerra, dos setores militares das colônias, fazendo com as mesmas

acreditem numa ruptura pelo uso da força, uma vez que, obrigadas a lutar ao lado da metrópole,

adquiriram experiência militar e consciência de vitória. No processo de descolonização, estas colônias tentam uma dissociação dos blocos capitalistas e

socialistas, mas através de golpes militares, governos progressistas são derrubados e há a instalação de

governos ligados aos EUA e à URSS, numa extensão da Guerra Fria. Devido à rápida mudança política em

muitos territórios e à existência de diversas etnias ou religiões não é de se surpreender que a descolonização

tenha se dado de forma violenta, culminando na instalação de regimes repressores.

Formas de descolonização:

Concessão gradativa da metrópole do direito de soberania à colônia para manter a dominação

econômica através de uma política pacifista (Inglaterra);

Através da luta armada (França e Portugal): tentativa de conter os movimentos de independência

pela força, fortalecendo assim, os antagonismos metrópole/colônia. A tendência natural de

oposição ideológica foi a via socialista (Argélia, Vietnã, Angola, Moçambique). Em 1955, durante a conferência de Bandung (Indonésia), alguns países afro-asiáticos subdesenvolvidos

pretenderam um fortalecimento político, econômico e social soberano, independente do conflito leste/oeste.

Foi a fórmula encontrada pelo Terceiro Mundo de se fazer presente no cenário mundial.

A partir desta postura, surgiu, mais tarde, o movimento dos não-alinhados, países que pretendiam se

isolar da Guerra Fria, não se vinculando a nenhuma das duas potências hegemônicas. Mas, no contexto

internacional, bipolarizado, e face à extrema dependência do 3º Mundo, o alinhamento ideológico torna-se

inevitável e com ele, as condições precárias do subdesenvolvimento.

3. A Expansão do Comunismo O comunismo se expande pela Europa Oriental, China e Cuba. A questão cubana e a alemã serão

tratadas adiante.

Europa Oriental. Durante a ocupação nazista, na II Grande Guerra Mundial, várias nações foram se organizando na forma

de resistência popular, com o apoio do governo soviético, numa forma de lutar contra a presença dos

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nazistas. Após a derrota e expulsão dos nazistas, foram-se formando governos de cunho Social-Democrata,

democrata e comunista.

Adotaram o socialismo como sistema de governo os seguintes países: Polônia, Tchecoslováquia,

Iugoslávia, Albânia, Alemanha Oriental e Bulgária. Já em países como a Hungria e a Romênia, que não

tiveram nenhuma frente popular anti-nazista, a instalação de governo pró-Moscou se deu de forma bem

menos democrática, através da pressão direta do exército soviético.

Em países que contestassem a presença do modelo soviético havia a imposição através de golpes que

afastavam as resistências ao regime comunista.

Somente a Tchecoslováquia, que se manteve como socialista e independente do governo soviético até

1968, ano da intervenção militar soviética (Primavera de Praga) e a Iugoslávia, sob a Liderança de Josip

Tito (conhecido como mão-de-ferro), souberam resistir a esta influência.

[Primavera de Praga: tentativa de renovar o socialismo vigente, tornando-o mais democrático e menos

central-burocrático, onde a população possa participar de forma mais ativa das decisões do Estado através

de liberdades sindicais e individuais, independentemente da hegemonia soviética. O movimento foi

reprimido pela força militar soviética.]

Fatores que propiciaram a expansão do comunismo:

Surgimento da URSS como potência de primeira grandeza

Contradições do capitalismo (fome, superprodução econômico e social, etc.)

Necessidade de um sistema opcional para os povos marginalizados e oprimidos.

A Revolução Chinesa (1949) Desde o século XIX, a China se viu dominada pelo imperialismo europeu, americano (início do século

XX) e japonês (desde a I Grande Guerra Mundial). Na década de 20, iniciou-se a luta pela sua

independência. Mesmo com os acordos temporários entre as forças de Mao-Tsé-Tung (socialista) e Chiang-

Kai-Chek (capitalista) face ao inimigo japonês, a guerra civil aumentou após a derrota japonesa na II

Grande Guerra Mundial.

Os maoístas, com decisivo apoio popular (camponeses), derrotaram os nacionalistas de Chiang-Kai-

Chek, obrigando-os a se refugiarem na ilha de Formosa, onde, com o apoio americano, fundam a China

Nacionalista. Ao mesmo tempo, em 1949, era proclamada a República Popular da China, sob o governo de

Mao-Tsé-Tung, que a partir desse momento iniciou a nacionalização e socialização de sua economia,

independente da esfera soviética, principalmente após a Revolução Cultural, na década de 60.

Desde então, a China tem se desenvolvido como um mundo à parte do modelo soviético, como

colocado por Eric Hobsbawm ao dizer que ela “não pode ser encarada simplesmente como uma

subvariedade do comunismo soviético, e menos ainda como parte do sistema de satélites soviético”.

Em 1978, dois anos após a morte de Mao-Tsé-Tung, assume o governo Deng Xiaoping que promove

uma série de reformas pró-capitalistas no país, como o fim de grande parte das propriedades coletivas e

privatização de vários setores da economia, mas sem aceitar a democratização, mantendo o poder

monopolizado nas mãos do Partido Comunista Chinês (PCC).

4. A Guerra Fria De acordo com o historiador Eric Hobsbawm, no seu A Era dos Extremos, a “II Grande Guerra Mundial

mal terminara quando a humanidade mergulhou no que se pode encarar, razoavelmente, como uma

Terceira Grande Guerra Mundial, embora uma guerra muito peculiar”.

Com o final da II Grande Guerra Mundial, inicia-se um período onde as relações entre os Estados

Unidos (capitalista) e a URSS (socialista) vão ser as responsáveis por uma nova ordem mundial. Os demais

países, de acordo com os seus interesses e necessidades, vão se posicionar a favor de um ou de outro pólo.

Mas, tanto o pólo capitalista (oeste) quanto o socialista (leste) têm o intuito de aumentar a área de

influência e de se mostrar ao seu opositor como um bloco forte e poderoso.

As diferenças e divergências entre os dois blocos, capitalista e socialista, se evidenciam no período

conhecido como Guerra Fria, ou seja, em fins da II Grande Guerra Mundial até a transição dos anos 80/90.

Têm-se o que conhecemos por Guerra de Nervos, ou seja, uma guerra ideológica onde um não

conhece as verdadeiras potencialidades do outro. Com isso tem-se um conturbado período histórico onde a

tensão leste-oeste vai se agravando cada vez mais numa busca de novas áreas de dominação.

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As duas superpotências, nesta bipolarização do poder mundial, buscam demarcar a sua área de

influência, reforçando o sistema de alianças a nível político e militar, de ajuda econômico-financeira,

principalmente na reconstrução da Europa, palco do II Grande Conflito. Nesta divisão, surge a chamada

Cortina de Ferro, ou seja, o isolamento da região oriental em relação ao Ocidente.

Questões advindas da Guerra Fria Plano Marshall: plano no qual, pela disputa de demarcação de áreas de influência com os soviéticos,

os EUA destinam verbas para a reconstrução da Europa Ocidental, Turquia, Grécia e Japão;

Doutrina Truman: ajuda financeira e militar oferecida pelos Estados Unidos para combater o

comunismo;

Marcartismo: o senador republicano Joseph McCarty promove uma violenta perseguição aos

comunistas, nuca características “caça às bruxas”.

Plano Molotov: Ajuda soviética para a demarcação de áreas de influência e reconstrução da Europa

Oriental;

Organizações do Cooperação Econômicas:

MCE – Mercado Comum Europeu, exclusivamente para os países do bloco capitalista.

COMECON – Conselho de Assistência Econômica Mútua, exclusivamente para os países do bloco

socialista.

Organizações Militares:

OTAN – Organização do Tratado do Atlântico Norte, 1949, atendendo aos países capitalistas.

Pacto de Varsóvia – Atendendo aos socialistas (foi extinto com o colapso do Socialismo na URSS).

Guerra da Coréia (1950-1953) Em 1950, cinco anos depois de derrotar a Alemanha nazista, os Estados Unidos e a URSS, ex-aliados,

entram em conflito pelo controle da Coréia, uma nova zona de influência, arriscando provocar uma

Terceira Guerra Mundial. A península da Coréia é cortada pelo paralelo 38, uma linha que divide os dois

Estados, desde 1948:

Norte: República Popular Democrática da Coréia (pró-soviética) ? Coréia do Norte.

Sul: República da Coréia (pró-EUA) ? Coréia do Sul.

Fronteira: área de choques e incidentes constantes.

Esta divisão está amparado pela ONU, que promoveria eleições gerais para houvesse a formação de

uma Coréia unificada e soberana, fato que não ocorreu, prevalecendo a divisão.

Ambos os governos reivindicavam a jurisdição sob a totalidade do território, iniciando-se os conflitos

entre as duas Coréias. Em 1950, a Coréia do Norte, incentivada pela Revolução Chinesa, ataca a Coréia do

Sul. Dois dias após a invasão, os EUA, sob o comando do general McArthur, desembarcam tropas para

apoiar o Sul, com o intuito de frear o comunismo, numa nítida postura ideológica influenciada pelo

Marcartismo.

A violência do conflito foi tamanha que as tropas das Nações Unidas, através da invasão da Coréia do

Norte se aproximaram da fronteira chinesa. Com isso, o governo de Pequim monta uma ofensiva enviando

trezentos mil homens para ajudar a Coréia do Norte.

A Coréia do Norte é devastada. Os suprimentos enviados pela União Soviética são interceptados pelas

forças das Nações Unidas. Durante quase três anos, o povo coreano, uma das mais notáveis culturas da

Ásia, é envolvido em uma brutal guerra fratricida. Milhares de prisioneiros amontoados em campos de

concentração esperam ansiosamente por um armistício.

O general McArthur insiste em um ataque direto à China. Este fato acaba provocando o recuo de suas

tropas. A intransigência do general levou Truman a demiti-lo, fato que levou ao início das conversações

sobre o armistício confirmando a divisão da Coréia, pelo paralelo 38º, feita em 1948. Vale lembrar que na

guerra coreana morreram cerca de três milhões de pessoas.

Coexistência Pacífica Na segunda metade dos anos 50, há uma aproximação temporária entre os EUA e a URSS, denominada

de Coexistência Pacífica, apresentando uma política de distensão (Detente)

Fatores responsáveis por esta aproximação:

Política pessoal de Krushev (URSS) e Kennedy (EUA);

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Surgimento de novas forças mundiais, como a China, que rompeu com o bloco socialista soviético e

gerou instabilidade no equilíbrio mundial;

Ressurgimento da Inglaterra e da França como forças concorrentes por áreas de influência no

bloco capitalista.

Neutralidade assumida pelos países do Terceiro Mundo na Conferência de Bandung, na Indonésia,

em 1955.

O resultado do equilíbrio da Guerra da Coréia, onde as duas potências demonstraram igualdade de

forças.

O Fim da Detente Foi curta a duração da coexistência pacífica. Logo os antagonismos se tornaram mais fortes e a Guerra

Fria retornou, revestida de intensa violência, como nas questões que se seguem:

A questão Cubana A partir do fim do colonialismo espanhol, em 2898, Cuba passa à tutela econômica dos Estados Unidos,

que auxiliam sua independência.

Em 1901, através da Emenda Platt, que cedia aos americanos direitos militares (base naval e direito de

intervenção para manter a ordem interna) e econômicos (exploração de carvão), consolida-se o

imperialismo dos EUA sobre a ilha.

Na década de 30, com o governo de Fulgêncio Batista (aliado dos EUA) aumentam as concessões e

privilégios ao capital norte-americano. Com esta política de dependência, Cuba mantém-se

subdesenvolvida, com uma economia estagnada, ainda voltada para os moldes coloniais: latifúndio e

monocultura agro-exportadora de açúcar.

A indústria, diante da concorrência norte-americana não tem como se desenvolver e quem sofre as

conseqüências é toda uma população que vive miseravelmente, despojada das mínimas condições de

sobrevivência, sendo obrigada a viver de migalhas dos norte-americanos. A ilha transformou-se em um

verdadeiro paraíso sexual para os americanos. A prostituição infantil era uma regra, o tráfico e a violência

inerentes ao modo de vida dos cubanos.

Diante deste fato, em 1959, Fidel Castro, com um trabalho de conscientização dos camponeses contra a

ditadura de Fulgêncio Batista e com a ajuda de guerrilheiros como o argentino Ernesto Chê Guevara,

implanta em Cuba, depois de um processo Revolucionário, uma República Popular Nacionalista.

Ao tomarem o poder, Fidel e seus companheiros, que, inicialmente não tinham pretensões em instalar o

socialismo em Cuba, mas tinham vontade de mudança radical, começaram pela Reforma Agrária. Era a

ideologia social-revolucionária que os incitava ao processo de mudanças radicais numa sociedade corroída

pela corrupção e pelo abuso de poder, heranças de Batista.

No processo de socialização da ilha é implantada a estatização das empresas estrangeiras, fato que

provocará a ira dos Estados Unidos que, em represália, promovem a sua expulsão da OEA (Organização

dos Estados Americanos) e lançam o embargo comercial, isolando-a política e econômicamente.

A partir desses ideais de mudanças ocorreu a aproximação com o comunismo visto que, diante de um

regime que criasse aos Estados Unidos um antagonismo, natural seria a aproximação sua maior rival, na

vigência da Guerra Fria. Numa tentativa de bloquear os ideais socialistas, os Estados Unidos invadem a ilha

em 1961, através da invasão da Baía dos Porcos, sendo mal sucedidos nesta empreitada.

A Invasão da Baía dos Porcos foi patrocinada pelos Estados Unidos sendo feita pelos exilados cubanos.

As tropas fiéis a Fidel Castro entram em ação e capturam quase todos os invasores, trocando-os

posteriormente por suprimentos não-militares.

A proximidade geográfica e a humilhação política levam aos EUA a denunciar a presença de mísseis

soviéticos na ilha, que são, posteriormente, desarmados. É o que se convencionou denominar de Crise dos

Mísseis.

Já ocorre nessa época, a mencionada aproximação com a União Soviética, com os cubanos recebendo

ajuda financeira para remodelar o país de acordo com os moldes socialistas. Com esta ajuda, Fidel

desenvolveu um amplo programa de reformas sociais onde a população, em contraste com os tempos de

Fulgêncio Batista (prostituição, violência, miséria, analfabetismo), passa a dispor de uma assistência maior.

O analfabetismo ficou reduzido a menos de 5% da população e a taxa de mortalidade se tornou a mais

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baixa da América Latina. É a implantação de um modelo socialista bem próximo da maior potência

capitalista, em sua área de influência no continente americano.

A questão do Vietnã. Um conflito de maiores proporções se desencadeia entre 1961 e 1975: a Guerra do Vietnã.

Durante vários anos, o povo vietnamita lutou contra o governo colonial por uma libertação nacional. O

Vietnã tinha sido colônia francesa durante 100 anos. A região compreendia o Camboja, Tonquim (Vietnã

do Norte), Laos, Anã e Cochinchina (Vietnã do Sul).

Durante a II Grande Guerra Mundial (1939-1945), a região passou para o domínio japonês. Em 1941,

no Vietnã do Norte estabeleceu-se o Vietminh (Liga Revolucionária), de tendência socialista, que lutava

contra a ocupação nipônica. Em 1945, com a derrota do Japão, no norte foi proclamada a República

Democrática do Vietnã, com um sistema socialista. Ao mesmo tempo, a França reocupou o Laos, o

Camboja e o Vietnã do Sul, declarando-o independente, mas fazendo parte da União Francesa.

O movimento de Descolonização gerou a Guerra da Indochina, que só terminou em 1954, com a derrota

francesa. Pelo Acordo de Genebra, a França retirou suas tropas e reconheceu a independência da região

(Laos, Camboja e Vietnã do Sul). Pelo mesmo acordo, foram previstas futuras eleições para a formação de

um Estado unificado envolvendo os dois vietnãs. As eleições não aconteceram e, em 1960, houve uma

guerra civil no sul, onde os vietcongs (socialistas) recebiam o apoio do Vietnã do Norte.

Temendo a expansão do comunismo na região os Estados Unidos prestaram auxílio militar e financeiro

ao Vietnã do Sul, enviando tropas militares (chamados de “Conselheiros Militares” – os boinas verdes).

Atacam o norte (aéreo) e ampliam o conflito, penalizando a população civil.

Durante oito anos, os americanos jogaram cerca de 8 milhões de toneladas de bombas no norte. Mas a

superioridade bélica dos Estados Unidos não conseguem vencer a guerrilha dos vietnamitas, causando um

abalo psicológico nos americanos. A crescente oposição nos Estados Unidos à guerra, somada à

determinação dos vietcongues e vietnamitas, forçam o governo americano a admitir a derrota.

Dá-se o cessar fogo e, em 1973, através do Acordo de Paris, tem-se a retirada das tropas americanas e

a formação de um conselho para organizar eleições no sul.

Durante os 15 anos de engajamento militar no Vietnã, 56 mil soldados americanos morrem e mais de

300 mil voltam para casa mutilados ou com deficiências permanentes. Os vietnamitas perdem dois milhões

de vidas na luta pela independência do seu país. É uma das piores páginas da história norte-americana.

Entre os anos de 1973 e 1975, o conflito se transformou numa guerra civil entre os vietcongues e as

tropas governamentais sul-vietnamitas. Nesta vietnamização do conflito tem-se a vitória do Vietnã do

Norte.

A derrota americana foi um grande desprestígio internacional para o governo de Nixon, que pouco

tempo depois renunciou ao mandato em virtude dos escândalos administrativos de seu governo. Tais

escândalos ficaram conhecidos como o “caso Watergate”.

Tentativas de Reafirmação nas Áreas de Influência. A partir do final da década de 50, com o esvaziamento da Coexistência Pacífica, e principalmente nas

décadas seguintes, nota-se uma dificuldade maior para a manutenção de uma hegemonia coesa em ambos

os blocos.

Da mesma forma que os EUA, a URSS utiliza, não raro, a força militar para manter sob sua tutela os

países de sua influência.

Dentre os exemplos mais característicos da cisão no bloco socialista, dentro e fora do Leste Europeu,

citam-se:

Invasão da Hungria, em 1956, alegando, para a violenta repressão militar, o desvio do país da linha

socialista.

Repressão e ocupação militar, em 1968, da Tchecoslováquia, no episódio conhecido como Primavera

de Praga.

Ocupação do Afeganistão, entre 1979 e 1988, justificada pela ingerência americana no vizinho

Paquistão, pelos constantes atritos entre os dois países fronteiriços e, principalmente, pela

guerrilha dos muçulmanos contra a influência soviética.

Manutenção da Polônia sob repressão política, com a dissolução do Sindicato Solidariedade e a

prisão de seu líder Lech Walessa, entre 1980 e 1982.

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Os EUA, da mesma forma, enfrentaram a ruptura do bloco capitalista:

Na Revolução Islâmica, em 1979, com a deposição do Xá Reza Pahlevi (aliado norte-americano) e a

consolidação no poder do líder religioso Aiatolá Khomeini, promovendo-se assim o afastamento da

interferência americana.

Na América Central, com destaque para os choques em Honduras e em El Salvador, invasão de

Granada, deposição do governo do Panamá e, sobretudo, com a Revolução Sandinista na Nicarágua,

os Estados Unidos vêm lançando mão, com freqüência do expediente da força militar para fazer

valer sua hegemonia na região.

Na Guerra das Malvinas (1982), entre a Argentina e a Inglaterra, os EUA sofreram um desgaste

em sua hegemonia no continente ao apoiar a Inglaterra vencedora, desrespeitando a Carta do Rio

de Janeiro, conhecida como TIAR (Tratado Inter-Americano de Assistência Recíproca), que

previa o apoio à Argentina, pelo fato de ser um país do continente.

AS GRANDES QUESTÕES DA ATUALIDADE

1. O Oriente Médio. O Oriente Médio está localizado na confluência dos continentes europeu, africano e asiático, sobretudo

no último. Pode englobar regiões do centro asiático, como a Índia e o Paquistão. O conceito de Oriente

Médio é, por vezes, confundido com o de Oriente Próximo, o que, para muitos, não representa um erro.

Em geral, admite-se como Oriente Próximo a mencionada confluência dos três continentes, incluindo-se

áreas mais ocidentais, como a Península Balcânica, no sudeste europeu e a Líbia, na África.

Na região do Oriente médio, em geral, fala-se a língua árabe e segue-se a religião muçulmana (islâmica

ou maometana), subdividas em seitas, a saber:

Sunitas: o chefe do Estado islamita e sucessor de Maomé deve ser eleito pelos representantes de

todo o Islão. Suas crenças religiosas são fundadas nos atos e na vida do profeta, à margem do

Corão. Representam o Islão democrático.

Xiitas: só pode ocupar o mais alto posto político e religioso quem for aparentado com o Profeta

(pelo sangue ou pelo casamento). Representam o ideal absolutista; contrários à ocidentalização e à

secularização (substituição dos valores religiosos por valores não-religiosos);

Sufistas: seita exclusivamente religiosa (as outras duas têm caráter político e religioso). Adeptos

de um ideal místico e ascético (contemplativo). A única verdade é a que precede da revelação divina

e o homem só pode participar dessa revelação pela tortura do corpo, que liberta a alma para a

união mística com Deus (faquires da Índia);

Drusos: raízes históricas do islamismo xiita. Tendência separatista na Síria e na região de Golã,

ocupada por israelenses. Deve-se saber que, embora utilizados alternadamente, os termos “árabe” e “muçulmano” possuem suas

diferenças:

“árabe” é um termo subjetivo, abrangendo aspectos geográficos (Arábia Saudita e adjacências),

lingüísticos (aqueles que falam a língua árabe) e culturais em geral.

“muçulmano” embora religioso (aqueles que seguem o Islamismo ou religião muçulmana), pode ser

também étnico e cultural, na sua forma mais geral. Deve-se lembrar que nem todos os árabes são muçulmanos (há cristãos entre a comunidade árabe) e

nem todos os muçulmanos são árabes (na Turquia, no Afeganistão e no Irã, por exemplo, adota-se o Islã,

mas não a língua nacional árabe).

Histórico O Oriente médio representa, historicamente, o berço da civilização, dos primeiros inventos e

descobertas, da primeira religião. Até o século XII, aproximadamente, assiste a um “desfile das

civilizações”(assírios, caldeus, babilônios, etc.). Até o presente, possui diversas religiões, como o

Judaísmo, o Cristianismo e o Islamismo.

Uma particularidade antiga, capaz de explicar muitos problemas atuais, é que, em meio a tantas

conquistas, responsáveis pela constituição de uma das mais ricas culturas de toda a história, o Oriente

Médio não se acostumou ao modelo de democracia ocidental, desconhecendo, salvo raras exceções, o

“censo da liberdade”. Já se incorporaram à História do Oriente, como exemplo do que se mencionou os

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califas (sucessores de Maomé) e os faraós. Na atualidade, diversas ditaduras sob a Monarquia ou a

República podem ser mencionada (Saddam Hussein, no Iraque e Reza Pahlevi e Khomeini, no Irã, entre

outros).

Desde os tempos do Império Romano, os judeus se vêem vítimas do anti-semitismo, ou seja, de

perseguições religiosas, políticas, econômicas e raciais.

Nos séculos seguintes, os judeus foram se reunindo em regiões do Leste europeu. Nestas regiões

desenvolveram atividades comerciais, sobretudo no século XIX, fato este que acirrou o anti-semitismo,

visto que este grupo se destacava economicamente. Foram obrigados a emigrar para a Europa Ocidental e

lá, também, não eram bem vistos.

Como forma de se tentar resolver a questão de “espaço” para os judeus tem-se em 1896, a criação do

movimento sionista com o intuito de levar os judeus de volta à sua terra natal: Jerusalém.

Durante as primeiras décadas do século XX, a região da Palestina, habitada por árabes, foi recebendo

um número cada vez maior de judeus. Não havia planos para a integração entre as duas culturas.

O objetivo dos judeus era retomar a terra que, a seu ver, pertencia a eles. Iniciam-se assim, os conflitos

entre árabes e judeus, cada um tentando garantir o “seu” território.

Nos anos da II Grande Guerra Mundial (1939-1945), a situação na região ficou mais tensa. Com o fim

do conflito, a Inglaterra que mantinha a região sob seu controle desde a I Grande Guerra Mundial, se

retirou e passou para a ONU o encargo de resolver a questão fundamental: dar uma pátria aos judeus.

Este fato gera a questão palestina, um conflito entre árabes e israelenses.

A Questão Palestina Quando, em 14 de maio de 1948, têm-se a criação do Estado de Israel, os palestinos não foram

consultados. Receberam a determinação da ONU e esperava-se que eles aceitassem o fato de forma pacífica.

Só que isto não ocorreu e nem poderia. Como aceitar calmamente um “convite” que os obriga a sair dessa

terra, porque agora ela pertence a outra raça. É uma situação inimaginável. A partir deste fato, a região se

viu às portas de infindáveis conflitos armados.

Os palestinos, ao perderem espaços em seus territórios, parte pela ação da ONU e parte pela ação dos

judeus, que iniciam um expansão em direção às terras vizinhas, criam, em 1964, a Organização para a

Libertação da Palestina, a OLP, liderada por Yasser Arafat, cujo objetivo básico é reaver a pátria perdida,

ainda que pela ação militar com a conseqüente destruição do Estado de Israel.

O mundo árabe, vizinho a Israel, em sua quase totalidade tem apoiado a causa palestina, deixando os

judeus ilhados e ameaçados permanentemente.

Essa situação leva Israel, em 1967, a uma fulminante ofensiva militar com arsenal adquirido junto aos

EUA. Nesta ofensiva, conhecida com a Guerra dos Seis dias, Israel conquista as Colinas de Golã (Síria), a

Cisjordânia (Jordânia), a Faixa de Gaza e a Península do Sinai (Egito).

Derrotados, os palestinos e o mundo árabe lançam um contra-ataque sobre Israel, em 1973, no dia do

Yom Kippur (Dia do Perdão e feriado religioso no calendário judaico). É a Guerra do Yom Kippur, onde

os árabes são novamente derrotados.

Em 1978, há a assinatura do Acordo do Campo David. Este acordo é assinado em separado por Israel e

Egito, onde Israel se compromete a devolver o Sinai ao governo egípcio em troca da sua neutralidade. Em

conseqüência da assinatura desse acordo, o Egito passa a ser isolado do mundo árabe.

Com o intuito de conseguir a paz para a região, alguns acordos têm surgido, com a mediação dos

Estados Unidos e da Rússia, mas estes não significam a paz em definitivo. O principal deles foi assinado

em 13 de setembro de 1993, entre judeus e a OLP, representados por Yitzhak Rabin e Yasser Arafat,

respectivamente. O acordo previa:

reconhecimento, por parte de Israel, da OLP como representante do povo palestino;

reconhecimento, pela OLP, do Estado de Israel.

Devolução, pelos judeus, de Gaza e Cisjordânia (esta gradualmente) aos palestinos. Israel reconhece a OLP como legítima reorganização dos palestinos, não reconhecendo, contudo, a Palestina como

legítimo Estado desse povo.

A Questão do Líbano.

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Como resultado da Questão Palestina, o Líbano é disputado militar e politicamente por muçulmanos e

cristãos. De acordo com o censo não-oficial de 1984, de uma população de 3,1 milhões de habitantes,

53,8% são muçulmanos, de maioria xiita e, 46,2 são cristãos.

Os conflitos entre árabes e israelenses agravaram em muito a questão dos refugiados palestinos. Eles

eram expulsos de seus territórios e se instalavam nas regiões vizinhas, fundando campos de refugiados,

inicialmente provisórios, depois permanente, já que não era apresentada solução para o seu problema.

Os palestinos expulsos da Jordânia rumaram para o Líbano e lá instalaram a sede da OLP. Desta forma,

Beirute, a capital do Líbano, se viu dividida entre uma zona cristã, ligada aos judeus e outra, muçulmana,

ocupada por palestinos.

Em 1982, os palestinos do sul do Líbano são violentamente massacrados por uma nova ofensiva dos

judeus.

A justificativa para a Geopolítica israelense de ocupação das aldeias do sul e da própria capital é a

antiga questão de segurança de fronteira contra palestinos e muçulmanos xiitas.

Acirra-se, na questão libanesa, a divergência entre Israel e Síria, este último, país árabe muçulmano

controlador da região norte do Líbano. Essa questão, como tantas outras no Oriente Médio, ainda se

encontra sem solução pacífica definitiva. Lamenta-se que a Guerra do Líbano represente a destruição de

seu modelo democrático, cuja existência é uma rara exceção no Oriente Médio.

A Revolução Islâmica do Irã (1979). No início do século XX, o Irá se viu dividido em duas áreas de influência: russa e inglesa. Durante a II

Grande Guerra Mundial, o Xá Mohamed Reza Pahlevi, com o apoio dos Estados Unidos, assume o governo,

dando continuidade à sucessão dinástica dos Pahlevi, que se iniciou em 1925.

Nos anos 70, os Estados Unidos, numa nítida demarcação de área de influência, começa a dar suporte

bélico aos iranianos. Foi a forma encontrada para que não houvesse aproximação do Irã com os Emirados

Árabes.

Principais características do Governo do Xá Pahlevi:

Forte ditadura;

Corrupção generalizada;

Dominação econômica externa;

Ocidentalização dos costumes. O governo Pahlevi foi marcado por críticas, principalmente no que diz respeito à ocidentalização dos

costumes, fato inaceitável para uma população de maioria de muçulmanos xiitas. Desta forma, crescem os

grupos de oposição desejosos da volta de seu líder político-religioso, o Aiatolá Ruholá Khomeini, exilado

no Iraque.

A pedido do Xá Reza Pahlevi, o governo iraquiano determina o banimento de Khomeini, que se exila

agora em Paris, continuando a liderar a oposição e insuflando no povo iraniano um crescente sentimento de

ódio ao Iraque.

Com as crescentes manifestações de estudantes tradicionalistas, contrários ao governo, Pahlevi, a

pedido dos Estados Unidos, renuncia e se exila com a família e uma imensa fortuna em diversos países.

Assume o governo o oposicionista Chapur Baktiar (01/01/1979), logo derrubado pelo Aiatolá Khomeini,

que retorna triunfalmente do exílio. Com a vitória da oposição na Revolução, é proclamada da República

Islâmica do Irã, a parti de 1979.

Principais características da República Islâmica do Irã:

Crescente oposição ao Iraque e aos Estados Unidos;

Violenta repressão aos oposicionistas, através de torturas, mortes, etc., na chamada guerra santa.

Inquisição ideológica

Identificação Estado-Religião, simbolizada pelo próprio Khomeini, líder político e religioso.

Crescente redução do feminismo, com a degradante posição das mulheres, oprimidas na sociedade

Terrorismo como política estatal. O fanatismo religioso em Alá (o Deus dos muçulmanos) promove o extermínio no Irã e em outras

regiões do predomínio muçulmano, levando a ações extremistas, ações estas responsáveis por crises de

âmbito internacional, como a Guerra Irã X Iraque.

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A Guerra Irã X Iraque (1980 – 1988). O conflito entre o Irã e o Iraque, com um saldo de mais de um milhão de mortos, é considerado um dos

mais sangrentos episódios da recente História da Humanidade.

A Guerra, como em geral as questões acerca do Oriente Médio, possui variadas causas, dentre elas

destacam-se:

Divergências sobre a partilha das águas do rio Chatt-el-Arab, na fronteira dos dois países e única saída

do Iraque para o Mar.

Ódio pessoal de Khomeini (Irã) ao Iraque

Disputas internas entre fanáticos grupos muçulmanos (xiitas e sunitas) cobiçando o poder político

nos dois países;

A questão dos curdos (povos não-árabes e nômades, que habitam o norte do Irã e do Iraque): seus

movimentos separatistas no Irã são apoiados por Bagdá e, no Iraque, por Teerã.

Necessidade de controle de maiores áreas de petróleo – principal riqueza da região. Esta guerra alastra-se sobre o golfo Pérsico, onde alvos civis, dos dois lados, são atingidos, além da

destruição de parques industriais no Irã.

Quando se deu o cessar fogo, através de mediações do Secretário Geral da ONU, em 1988, o Irã dá

início às negociações de paz e algumas das vantagens obtidas pelo Iraque são devolvidas ao Irã, em 1990-

1991, em troca da não adesão deste último às forças de coalizão contra o Iraque, na Guerra do Golfo.

Assim, oito sangrentos anos de lutas são parcialmente esquecidos pelos dois governos.

A Guerra do Golfo Pérsico A mais recente e mundial (pela participação mais intensa do Ocidente) das guerras no Oriente Médio é a

Guerra do Golfo Pérsico, cujos limites ultrapassam bastante as áreas banhadas pelas águas do Golfo.

Quando a Guerra Irã x Iraque findou, o Iraque ficou com uma altíssima dívida externa. Com uma

economia voltada para a exportação de petróleo e com o preço do mesmo em declínio, Saddam Hussein

ficou sem ter como arcar com este ônus.

De acordo com o governo iraquiano, o Kuwait era o responsável por esta queda no valor do petróleo,

pois o mesmo estava vendendo uma quantidade maior que a estabelecida pela OPEP (Organização dos

Países Exportadores de Petróleo). Saddam também acusa o Kuwait de lhe roubar US$ 2,4 bilhões em

petróleo e por isso deveria perdoar a sua dívida de US$ 10 bilhões. Sabe-se porém, que existe o nítido

desejo do Iraque de obter uma saída para o mar (através do Golfo Pérsico).

A invasão do Kuwait, em 02 de agosto de 1990, marca o início do conflito. Após uma série de

investidas das tropas de segurança da ONU, o Iraque se rende em 28 de fevereiro de 1991 e George Bush,

presidente dos EUA anunciam o cessar-fogo.

2. A África do Sul. O regime de segregação racial da África do Sul, conhecido com Apartheid (desenvolvimento em

separado de raças), ameaçou o país no decorrer desde século, vitimando as diversas raças não-brancas,

sobretudo a negra, maioria da população, oprimida pelo governo branco, minoria.

Embora prevista em lei antes de 1948, é a partir desta data que a política segregacionista ganha ímpeto,

com a subida ao poder do Partido Nacional.

Com a discriminação:

Os negros vinham sendo impedidos de freqüentar lugares públicos, tais como clubes, cinemas,

praias, reservados aos brancos (existiam os locais determinados para os negros);

As melhores escolas eram reservadas aos brancos (o que–explica, em parte, o índice de

analfabetismo no país: 7% entre os brancos e 68% entre os negros);

As organizações negras como o Congresso Nacional Africano (CNA) são considerados ilegais e

seus líderes presos, incluindo o líder do CNA, Nelson Mandela (preso de 1962 a 1990);

Os negros não têm direito ao voto. Diante deste quadro, a ONU aprova em 1968, a suspensão das relações comerciais, esportivas, culturais

e científicas com a África do Sul. O boicote econômico fez que com que, até 1989, pelo menos 135

empresas estrangeiras, de acordo com dados da própria ONU, encerrassem suas atividades no país.

Contradições do Apartheid:

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A defesa do problema racial atenua, em muitos os casos, a luta pela igualdade e pela busca de

novas alternativas de sistema econômico pela população não-branca, tornando o movimento anti-

apartheid, nesse caso, paradoxalmente interessante para a minoria branca que detém o poder;

O problema racial da África do Sul desvia a tenção mundial para o país, em detrimento de

problemas sócio-econômicos, também graves, nas nações vizinhas do continente africano, tais como

a fome, elevada mortalidade infantil, analfabetismo, etc.. Mesmo a população sul-africana pobre e

discriminada pelo problema étnico ainda possui um nível de vida médio superior àquele apresentado

por quase todas as populações dos demais países em desenvolvimento.

Durante vários anos, a maioria da população negra do país se colocou contra as sanções econômicas

feitas à África do Sul pelo exterior, uma vez que os melhores empregos e salários e os progressos

e avanços tecnológicos conseguidos também nas comunidades negras eram originários dos grandes

grupos multinacionais que, devido ao boicote, fecharam suas atividades no país. Assim, numa análise

de curto prazo, o boicote internacional piorou o nível de vida da maioria da população sul-africana.

As sanções culturais e científicas isolaram o país, fazendo com que apenas os brancos detentores

de melhor poder aquisitivo, tivessem acesso à modernidade do mundo, ampliando no nível interno a

submissão do negro, culturalmente mais afastado das elites brancas. Inversamente, não se permite

a própria divulgação das manifestações da maioria negra para fora do país, o que poderia valer um

fortalecimento de sua causa. Na atualidade, outra grande dificuldade vivida pela África do Sul para a sua estabilidade não as disputas

políticas inter-tribais, sobretudo em seus Bantustões (regiões autônomas com governo negro). Nesse

contexto, destaca-se a oposição entre as duas principais organizações negras do país:

CNA, de Nelson Mandela (Xhosas)

Inkhata de Mogosuthu Buthelesi (Zulus) Desde a liberação de Mandela, em 1990, o CNA vem mantendo conversações com o governo de

minoria branca, visando a constituição de um Estado multirracial, com o que não concorda o Inkhata. São

sobretudo fortes os conflitos em Soweto, subúrbio de Joanesburgo, que representa o maior conglomerado

negro urbano do país, com cerca de 1 milhão de habitantes, a maioria ligada ao CNA.

A derrubada gradual do Apartheid, uma das características marcantes da transição dos anos 80/90, é

exemplificada pela abertura gradativa dos locais públicos para a freqüência indistinta entre negros e

brancos; libertação de presos políticos defensores da causa negra, inclusive Nelson Mandela; eleição do

presidente Frederick de Klerk (1989), prometida e esperada como a última sem o direito de voto aos negros.

Reconhecendo que o regime está em declínio, a ONU retira as sanções contra a África do Sul em

1991.

Em 1992, De Klerk convoca um plebiscito e a maioria branca, quase 70% vota pelo fim do Apartheid e

pela manutenção das reformas. Isto, contudo, não significa que a maioria étnica tenha conseguido o pleno

gozo de seus direitos enquanto cidadãos. Este processo vai ser lento, principalmente pelo longo passado de

submissão externa e interna. Os obstáculos começaram a ser transpostos, mas é apenas a ponta de um

gigantesco iceberg.

As eleições de 1994 já contavam com a participação dos negros, com Nelson Mandela sendo eleito

presidente, tendo Frederick de Klerk como seu vice. Com o fim de quatro décadas de segregação, a tensão

entre brancos e negros é relativamente pequena em termos coletivos, mas pode se acirrar no plano

individual, onde alguns brancos continuam rejeitando a idéia de viver em uma sociedade africanizada.

A última Constituição é recente – foi adotada em 1996 – e garante igualdade social e racial para todos.

A Carta, de cuja redação participaram todas as forças políticas do país, demorou cinco anos para ficar

pronta. “Neste momento, encerramos um capítulo importante desta luta heróica”, disse Mandela em

discurso quando foi aprovado texto final da Carta Magna.

Esta Constituição, apesar de registrar o compromisso com a igualdade e a justiça, deixou de contemplar

uma série de reivindicações das minorias e na prática consagrou a imposição dos interesses da maioria

negra. Muitas famílias brancas que integram a elite intelectual do país estão emigrando.

As leis que negavam direitos primários aos negros, cerca de 77% da população da África do Sul, foram

reformuladas, como a que declarava ilegais as uniões inter-raciais, punidas com sete anos de cadeia.

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O papel e a realidade, no entanto, ainda não se encontram: não é comum ver nas ruas casais mistos. Mas

a mistura racial não é tão problemática hoje quanto à sócio-econômica. As favelas ainda predominam nos

bairros negros, embora desde 1994, o governo tenha levado luz elétrica para 1,2 milhão de casas e água

potável para 1,7 milhão de pessoas. Mas de um quarto dos adultos ainda é analfabeta.

3. O Declínio do Socialismo dito real.

Continente Europeu. Na transição dos anos 80/90, temos o questionamento do socialismo instalado na Europa no pós II

Grande Guerra Mundial representado pela ditadura política e social e pelo intervencionismo estatal na

economia. Justamente por fugir totalmente do que preconizava Marx, Engels – teóricos do socialismo – e

Lênin – o revolucionário Russo que liderou a primeira revolução socialista na História da Humanidade – o

que se instalou nos países do Leste europeu e até mesmo na ex-URSS após o governo de Stálin foi

denominado de Socialismo dito real.

O socialismo dito real se baseava na instalação de um regime fechado com censura aos meios de

comunicação, opressão dos direitos individuais e coletivos (direitos de ir e vir, direito de organização e de

greve, direito de voto), repressão do Estado aos movimentos de contestação, ausência da propriedade

privada (prevalecendo a propriedade estatal dos meios de produção), controle da economia pelo aparelho de

Estado e unipartidarismo (na maioria dos casos o Partido Comunista).

A URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas) antes de sua desagregação era uma das

maiores superpotências militares, com armas nucleares, e a 2ª maior economia mundial, só sendo superada

pelos EUA, fato esse que ajudou a demover os países capitalistas de uma investia em seu território.

Mesmo após a política de desarmamento da era Gorbachov (1985-1991), a URSS continuou com um

grande arsenal militar. Contudo este sistema, por se tornar inoperável, não foi suficientemente forte para

conter o colapso e a desagregação dos países do leste europeu. Há a partir do final da década de 80, uma

queda no PNB soviético, indo de um crescimento de 5,9% no período de 56 a 60 para um crescimento

negativo de –6,0% em 1990. Com isso, a economia soviética passa de 2º para o 4º lugar sendo superada

pela Alemanha e pelo Japão, países que saíram perdedores da II Grande Guerra Mundial.

Quando Gorbachov, em 1985, assume o cargo de Secretário Geral do PCUS, o perfil soviético vai se

modificando. Ele inicia um programa de reformulação interna e externa na política, na administração e na

economia.

Com a Glasnost (transparência), internamente, surge uma política de abertura, com uma campanha

contra a corrupção e ineficiência administrativa, reduzindo a censura e a repressão, ampliando o direito de

greve, aumentando o direito dos cidadãos e quebrando o monopólio político exercido pelo Partido

Comunista. Na âmbito externo, promove a aproximação com os dirigentes do bloco capitalista, firmando

acordos de redução do arsenal militar, inclusive nuclear.

Com a Perestroika (reestruturação), há a abertura aos investimentos privados e externos em vários

setores da economia.

Com estas aberturas surgirão oportunidades de questionar:

O Partido Comunista da União Soviética - PCUS – como dirigente político;

O sistema “socialista” adotado pela União Soviética como modelo econômico;

O Estado Soviético como mantenedor de ambos;

A figura de Gorbachov como dirigente de tal estrutura. Mesmo com estas propostas, ou por causa delas, a URSS não mais resiste ao sistema que a governa.

Eric Hobsbawm, diz que “o que levou a União Soviética com rapidez para o precipício foi a combinação

de Glasnost, que eqüivalia à desintegração de autoridade, com um Perestroika que eqüivalia à destruição

dos velhos mecanismos que faziam a economia mundial funcionar, sem oferecer qualquer alternativa; e

consequentemente o colapso cada vez mais dramático do padrão de vida dos cidadãos”.

Com isso há um aprofundamento das divisões políticas internas na URSS, com a formação de duas

correntes antagônicas:

Ultra-reformistas: desejando acelerar o ritmo das mudanças propostas, consideram Gorbachov

muito lento. Conta com a liderança de Boris Yeltsin (presidente da República Russa, eleito pelo voto

popular) e com o apoio da maioria da população e do Ocidente, uma vez que a proposta do grupo é a

adoção de uma economia de mercado.

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Conservadores: desejando conter as mudanças propostas, fazendo retornar o Estado Socialista

tradicional. As medidas liberalizantes são consideradas “perigosas” pelo risco de convulsão social,

“ineficazes” diante do quadro de miséria e capazes de conduzir à dependência para com o Ocidente.

Mantém oposição à Gorbachov, idealizador de tais mudanças. Esta ala é composta por lideranças

tradicionais do Partido Comunista, como militares e burocratas do velho Estado Soviético. Para conter o avanço da onda ultra-reformista de Ieltsin e aproveitando-se do desprestígio de Gorbachov,

os conservadores tentam um golpe de estado em agosto de 1991.

Ieltsin se torna o grande vitorioso (com apoio interno e externo) ao propor o programa separatista da

Rússia e o fim dos símbolos socialistas (bandeiras, estátuas, monumentos, etc.), sendo acompanhado por

todas as demais Repúblicas.

Desta forma, vai crescendo a busca pela liberdade e as Repúblicas Bálticas (Letônia, Estônia e Lituânia)

são as primeiras repúblicas socialistas a terem a sua independência reconhecida externa e internamente.

Diante destes fatos, a própria URSS não resiste e em 21 de dezembro de 1991 desintegra-se, com a

independência de suas Repúblicas, transformadas em Comunidade dos Estados Independentes (CEI),

sem um governo central.

Em 25 de dezembro do mesmo ano, Gorbachov renuncia ao cargo de presidente de uma nação não

existe mais, e Boris Yeltsin, governante da Rússia, passa a deter o controle sobre o arsenal nuclear existente

em sua República.

Ao assumir o governo russo, Yeltsin adota um plano de crescente abertura à economia de mercado, não

conseguindo, porém, solucionar os problemas internos, como a miséria, a inflação e o desemprego.

Surge uma nova era para estas nações que estão (re) surgindo, onde o unipartidarismo cede lugar ao

pluripartidarismo com eleições livres e ocorre a transição para a economia de mercado.

Ao longo dos anos 90 a Rússia passa por crescente crise sócio-econômica, recebendo grande ajuda

financeira internacional e sem conseguir melhorias para a população em geral, vítima de graves problemas

sociais.

Seguindo o modelo soviético, vão surgimento questionamentos em todo o bloco socialista sobre a

manutenção ou não do modelo vigente. Há por parte das populações, uma grande insatisfação quanto à

política tirânica e corrupta, como se observa em alguns casos particulares, citados como exemplos, a

seguir:

A Romênia O fim do regime socialista se deu a partir da deposição do governo de Nicolae Ceausescu. Esta

transição para um governo democrático foi feita de forma sangrenta, com a atuação da Securitate (polícia

política que manteve o presidente como ditador) que matou milhares de pessoas uma semana antes da

queda do regime.

O governante, responsabilizado pelo massacre e pela corrupção, foi deposto, preso e fuzilado, em

dezembro de 1989, juntamente com sua mulher. Com a queda do governo comunista, um clima de

distúrbios é instalado no país, com uma grave crise social, política e econômica.

O novo governo, formado pelo Conselho da Frente de Salvação Nacional (FSN), iniciou um processo

de mudanças políticas e econômicas: convocação de eleições livres para o ano de 1990 e abertura

econômica.

Em 1993, a Romênia ingressa na União Européia (UE), o que não a livrou de grandes dificuldades

econômicas. É o primeiro país do leste a ingressar na OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte).

Nas eleições presidenciais de 1996, vence a oposição democrática, com Emil Constantinescu sendo eleito

presidente e Victor Ciorbea no cargo de primeiro-ministro.

A Hungria Em 1989, abre suas fronteiras com a Áustria ao romper as cercas eletrificadas, permitindo a fuga de

milhares de alemães orientais para o lado capitalista (Alemanha Ocidental), pois o trânsito de pessoas era

livre dentro dos países do leste europeu.

É também a primeira nação a adotar eleições livres e pluripartidarismo, ainda no ano de 1990, sendo

posteriormente seguida por outras nações do leste europeu.

Polônia

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Seu governo comunista, no poder por mais de quatro décadas, estava sendo questionado por uma forte

oposição, representada pelo Solidariedade, central sindical recém saída da clandestinidade. Após acordos

que levariam a termos várias greves no ano de 1988, o país não mais seria o mesmo.

Eleições parlamentares parcialmente livres mostrariam esta nova face a um mundo que ainda se

achava dividido em dois blocos.

Em 1991, Lech Walessa (líder do Solidariedade) é eleito presidente da Polônia e inicia a passagem do

país para uma economia de mercado, aproximando-se dos EUA. Em 1995, a derrota de Lech Walessa à

reeleição à presidência da Polônia daria um novo perfil ao país, que seria governado por Aleksander

Kwasniewski, então líder da Aliança Democrática da Esquerda (ADE).

China. Desde a implantação do socialismo, vivendo sob governos tirânicos e centralizadores que promoviam

uma forte censura e onde os opositores era perseguidos, a China se viu, durante os anos 80 e 90 diante de

perspectivas de mudanças.

Quando Deng Xiaoping assume o governo, começa a haver uma abertura a investimentos externos,

acompanhados de uma busca por maiores liberdades internas, com questionamentos e revoltas diante de

uma situação política e econômica que se tornou insustentável para a maioria de seus habitantes.

Na metade da década de 1980, quando estudantes que manifestavam contra o governo de Deng

Xiaoping foram duramente reprimidos, teve-se o perfil de seu governo: opressão total a todo e qualquer

tipo de revoltas ou questionamentos.

O mesmo se repetiu na primavera do ano de 1989, quando os estudantes se reuniram na Praça da Paz

Celestial para tentar promover uma mudança no regime de governo de forma mais democrática e pacífica e

foram também reprimidos com violência.

O episódio conhecido como o Massacre da Praça Celestial ou Primavera de Pequim, mostrou ao

mundo a opressão do governo comunista chinês à base de tropas e blindados. E qual o crime cometido por

estes manifestantes? Pedir por reformas políticas e econômicas e pelo fim da corrupção do país. E que

“castigo” receberam? O fim de suas vidas, de seus amigos e familiares, num número que ainda hoje não se

tem com exatidão, podendo ter chegado aos milhares. Ou seja, mesmo diante das insatisfações populares, o

governo se faz presente deixando à mostra a primazia do Partido Comunista Chinês.

Em 1989, Deng, talvez justificando a sua atitude, em conversa com um jornalista assim se pronunciou:

“Se desejarmos uma democracia que não corresponde ao grau de desenvolvimento do país não teremos

nem desenvolvimento, nem democracia. E em nosso país reinarão as desordens. Estou convencido disso: já

fizemos a experiência da Revolução Cultural e vimos suas conseqüências [...]. Nossa população é grande e

cada um tem seu ponto de vista. Se permitirmos que um se manifeste hoje, e amanhã outro, a cada dia

teremos mais gente nas ruas. E a economia? [...] Se cada um dos jovens insistir em seu ponto de vista,

chegaremos a uma guerra civil [...]. Não precisaremos necessariamente de espingardas e canhões. Bastarão

punhos e bastões de madeira”

Eram os ventos de uma economia de mercado que estavam sendo soprados nos países do leste europeu

e que não agradavam aos governantes chineses. Os conservadores queriam manter os líderes do movimento

democrático à distância e acabar com qualquer forma de alimento para a propaganda.

Com isso, a iniciativa privada se viu atacada, visto ser foco de proliferação desta ideologia, onde seus

trabalhadores adquiriram autonomia e o governo perdia o controle sobre eles. Também as instituições de

ensino tiveram sobre si uma atenção especial, por motivos óbvios.

Dentre as atitudes para dinamizar a economia chinesa, Deng manteve contatos com o mundo capitalista,

além de negociações com a ex-primeira-ministra inglesa Margareth Tatcher. Como resultado destes

encontros ficou acertada a devolução de Hong Kong à China, em 01 de julho de 1997. Hong Kong

encontrava-se sob domínio inglês desde 1842 (Guerra do Ópio). São feitas, ainda, negociações com o

governo português, prevendo a devolução de Macau, no ano de 1999.

Com a morte de Deng, em fevereiro de 1997, seu sucessor Jiang Zemim, anuncia manter as propostas

de mudanças iniciadas pelo seu antecessor. Com isso a China, diante de um quadro populacional de mais de

um bilhão e duzentos milhões de habitantes, poderá despontar como uma grande potência, assim, como

também poderá sofrer as conseqüências advindas de uma economia de mercado.

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E, com a devolução de Hong Kong, será testada a convivência de dois sistemas econômicos – um

capitalista (Hong Kong) e socialista (restante da China) – em um mesmo país. É o início da abertura

econômica, mas ainda sob o autoritarismo político.