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A TRAJETÓRIA DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL E OS DESAFIOS DA CONSTRUÇÃO DE UM ENSINO MÉDIO INTEGRADO À EDUCAÇÃO PROFISSIONAL Heloisa Helena Barbosa Canali Universidade Federal do Pará RESUMO O texto apresentado sob o caráter de pesquisa bibliográfica, traça um panorama histórico da educação profissional brasileira desde o período colonial até hoje. Mostra uma educação profissional que está inserida num modelo dual de educação que demarca a trajetória educacional para as elites e para os trabalhadores. Defendemos uma formação integrada entre formação básica e profissional, numa perspectiva que interesse à classe trabalhadora, em um projeto contra-hegemônico, ancorada nos conceitos de politecnia e de escola unitária. Palavras-chave: Educação Profissional, Ensino Médio Integrado, Formação Integral. ABSTRACT The text displayed on the character of literature, gives a historical overview of Brazilian professional education since the colonial period until today. Displays a professional education that is embedded in a dual model of education that marks the path for educational elites and workers. We support an integrated training and vocational training, in order that the working class interest in a counter-hegemonic project, anchored in the concepts of polytechnic school and unit. Keywords: Professional Education, Integrated High School, Integral Training.

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A TRAJETÓRIA DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL E OS

DESAFIOS DA CONSTRUÇÃO DE UM ENSINO MÉDIO INTEGRADO À

EDUCAÇÃO PROFISSIONAL

Heloisa Helena Barbosa Canali

Universidade Federal do Pará

RESUMO

O texto apresentado sob o caráter de pesquisa bibliográfica, traça um panorama

histórico da educação profissional brasileira desde o período colonial até hoje. Mostra

uma educação profissional que está inserida num modelo dual de educação que demarca

a trajetória educacional para as elites e para os trabalhadores. Defendemos uma

formação integrada entre formação básica e profissional, numa perspectiva que interesse

à classe trabalhadora, em um projeto contra-hegemônico, ancorada nos conceitos de

politecnia e de escola unitária.

Palavras-chave: Educação Profissional, Ensino Médio Integrado, Formação Integral.

ABSTRACT

The text displayed on the character of literature, gives a historical overview of Brazilian

professional education since the colonial period until today. Displays a professional

education that is embedded in a dual model of education that marks the path for

educational elites and workers. We support an integrated training and vocational

training, in order that the working class interest in a counter-hegemonic project,

anchored in the concepts of polytechnic school and unit.

Keywords: Professional Education, Integrated High School, Integral Training.

A Trajetória da Educação Profissional no Brasil e os Desafios da

Construção de um Ensino Médio Integrado à Educação Profissional1

Nas sociedades primitivas, tanto a educação quanto quaisquer outras ações

desenvolvidas pelo homem, traziam o caráter da espontaneidade coincidindo

inteiramente com o processo de trabalho que era comum a todos os membros da

comunidade num processo de produção coletiva da existência. Diz Saviani (2007), que

com a apropriação privada da terra, os homens se dividiram em classes: a classe dos

proprietários e a dos não-proprietários. Essa divisão vai gerar uma divisão na educação.

Essa que antes se identificava com o próprio processo de trabalho, assume um caráter

dual, constituindo-se em educação para os homens livres pautada nas atividades

intelectuais, enquanto que para os serviçais e escravos coube a educação inerente ao

próprio processo de trabalho; desde então, surge a separação entre educação e trabalho

consumada nas formas escravista e feudal.

A relação trabalho-educação reconfigura-se com o surgimento do modo de

produção capitalista, e a escola é erigida à condição de instrumento por excelência para

viabilizar o saber necessário à burguesia em célere ascensão, em uma sociedade não

mais pautada nas relações naturais, mas sim em relações produzidas pelo próprio

homem.

Segundo Saviani (2007), a Revolução Industrial provoca a incorporação das

funções intelectuais no processo produtivo e a via para objetivar-se a generalização

dessas funções na sociedade foi a escola, tanto que, os principais países organizaram

sistemas nacionais de ensino, buscando generalizar a escola básica. O ensino básico

qualificou os trabalhadores a integrar o processo produtivo, já que o mínimo de

qualificação para operar a maquinaria era contemplado no currículo da escola

elementar. Quanto às tarefas de manutenção, reparos, ajustes das máquinas exigiram

uma qualificação específica que demandaram também um preparo específico. Nascem

então os cursos profissionais organizados no âmbito das empresas ou do sistema de

ensino tendo como referência o padrão escolar, mas determinados diretamente pelas

1 Produto da revisão de literatura da dissertação de mestrado em construção: Trabalho e Educação Profissional: O papel da Escola de Aplicação da UFPA como Certificadora da Qualificação Profissional na Amazônia Paraense.

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necessidades do processo produtivo, dando origem às escolas de formação geral e às

escolas profissionais. Ambas se equivocaram no processo de desenvolvimento de suas

competências definidas e concebidas pela burguesia, tendo como resultado a proposta

dualista de escolas profissionais para os trabalhadores e escolas de “ciências e

humanidades” para os futuros dirigentes.

Essa sinopse introdutória oferece suporte necessário para que se possa

compreender as origens e a configuração atual da política educacional brasileira, com

seus avanços e retrocessos em relação à educação básica e em particular, ao ensino

médio e à educação profissional; permite descrever os limites de ordem política,

econômica, social e cultural cerceantes ao desenvolvimento de um projeto de educação

para os jovens e adultos brasileiros.

Assim é que se traça o percurso da educação profissional no Brasil e sua

regulação desde o período colonial até a atualidade, quando se dá ênfase à educação

profissional de nível médio e de sua possível estruturação assentada em uma perspectiva

de escola básica unitária, politécnica, abolindo o dualismo na organização do sistema

educacional que impede a união entre formação intelectual e trabalho produtivo.

PERÍODO COLONIAL

Durante o período colonial brasileiro, o modelo econômico agro-exportador

que sustentava a economia, inseriu a mão-de-obra escrava constituída de algumas

ocupações de caráter manual com uso da força física. Essas atividades só poderiam ser

exercidas pelos negros e mulatos. Era necessário, então, mantê-los na condição de

escravos sem acesso a qualquer educação que permitisse o aprendizado e exercício de

outras diferentes atividades ocupacionais; aos homens livres cabia aprender as

profissões por meio das Corporações de Ofício. Essas Corporações possuíam rigorosas

normas de funcionamento que impediam o ingresso de escravos e o ensino oferecido era

centrado exclusivamente nos ofícios que eram exercidos pelos homens livres. Assim,

entende-se que os primeiros momentos da constituição de uma educação profissional no

Brasil foi excludente e discriminatória em relação aos ofícios, traduzido pela relação

entre atividade escrava e trabalho exercido pelos homens livres.

Como era de interesse a manutenção do modelo econômico extrativista,

contraposto ao espírito industrialista, havia uma grande resistência por parte da Coroa

3

Portuguesa em permitir que se implantasse na Colônia estabelecimentos industriais; e

muitos dos que existiam em vários ramos de atividades (fundições e oficinas de ourives,

tipografias) foram fechados provocando a destruição da estrutura industrial existente. O

setor de aprendizagem profissional no Brasil é retomado com o processo de

desenvolvimento industrial ocorrido a partir de 1808 com D.João VI, que ao chegar ao

Brasil, retoma esse processo autorizando a abertura de novas fábricas, inaugurando-se

uma nova era para a aprendizagem profissional que começa a se solidificar (SANTOS,

2000, In: LOPES et al, p.207).

O país, à essa época, vivia a escassez de mão-de-obra em algumas ocupações

Para suprir então essa necessidade, fez-se a aprendizagem compulsória de ofícios

utilizando-se as crianças e jovens excluídos socialmente – os órfãos e pobres que vieram

de Portugal na frota que transportou a família real. Os espaços de ensino e trabalho se

davam no interior dos arsenais militares e da marinha, onde os “desvalidos” eram

internados e postos a trabalhar por alguns anos até se tornarem livres e escolher onde,

como e para quem trabalhar. Posteriormente, o ensino e aprendizagem de ofícios e o

trabalho passam a se dar no interior dos estabelecimentos industriais, as chamadas

Escolas de Fábrica, que serviram de referência para as unidades de ensino profissional

que vieram a se instalar no Brasil tempos depois. Ao ensino dos ofícios acresceu-se a

seguir o ensino das “primeiras letras”, seguido de todo o ensino primário (SAVIANI,

2007).

Após a Independência

Após a proclamação da Independência em 1822, a Constituição outorgada em

1824 trazia no seu bojo a necessidade de se contemplar uma legislação especial sobre

instrução pública com base nos ideais liberais da Revolução Francesa buscando uma

nova orientação para o modelo educacional a ser implantado na sociedade. Todavia, só

de maneira implícita o ensino profissional foi tratado na carta magna que, de certa

forma, traçou nova orientação que veio a influenciar as formas que essa modalidade de

ensino tomou no futuro. O ensino de ofícios nenhum progresso registrou, preservando-

se a mentalidade conservadora construída ao longo do período colonial; ou seja,

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continuou a separação entre as ocupações para os pobres e desvalidos e a instrução para

a elite.

Intensifica-se a produção manufatureira e surgem então as sociedades civis

que receberam a denominação de Liceus. Inicialmente, com recursos próprios, e em

seguida com recursos públicos granjeados por meio de doações e subsídios, criaram e

geriram suas escolas de aprendizagem das artes e dos ofícios. Os Liceus, instituições

não estatais, incorporavam o 2º grau da instrução pública brasileira “voltada para a

formação profissional compreendendo os conhecimentos relativos à agricultura, à arte

e ao comércio, na forma como são desenvolvidos pelas ciências morais e

econômicas.” (SAVIANI, 2007:125). Nessa conformação de ensino profissional, ainda

se mantém a discriminação contra a mão-de-obra escrava praticada durante o período

colonial, vez que continuava vedada a matrícula aos escravos nos diversos Liceus

instalados em muitas unidades do Império.

No Brasil, o ensino de ofícios fundamentava-se em uma ideologia direcionada

em conter o desenvolvimento de ordens contrárias à ordem política; diferentemente, na

Europa, na primeira fase do século XIX, a realidade já apresentava a existência de

problemas sociais característicos da industrialização, da urbanização e da proletarização

dos trabalhadores. O ritmo acelerado da industrialização concentrava os trabalhadores e

ampliava a formação das massas proletárias; de fato, o movimento proletário se

organiza e aos poucos surge uma nova classe organizada para a defesa de seus interesses

e à satisfação de suas reivindicações se colocando de frente às contradições

apresentadas pela Revolução Industrial no campo das relações entre capital e trabalho.

A Primeira República

Saviani (2007) informa que a cafeicultura foi a base para o processo de

urbanização, industrialização e exerceu importante papel na mudança do regime da

Monarquia para a República; os cafeicultores ascenderam ao poder numa aliança entre

os partidos republicanos paulista e mineiro. Embora a economia estivesse centrada no

modelo agro-exportador, com o advento da República houve uma forte pressão dos

diversos grupos da sociedade para transformar a base econômica do país, que para

esses, deveria estar baseada na produção industrial, que já contava com 6.946 indústrias

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(SAVIANI 2007). A ideologia que agora permeava um novo projeto para o país

sustentava-se no desenvolvimento pela industrialização, que traria progresso,

independência política e a emancipação econômica do Brasil. Para esse desiderato, a

prosperidade promovida pelos altos lucros do complexo exportador cafeeiro, contribuiu

substantivamente na medida em que engendrou o capital-dinheiro disponível para a

transformação em capital industrial.Tanto a força de trabalho necessária à indústria

como a capacidade de importá-la, proporcionadas pelo capital industrial, permitiram

“garantir a compra de meios de produção e de alimentos manufaturados de consumo,

indispensáveis à reprodução da força de trabalho industrial.” (MELLO,1982, apud

SAVIANI, 2007:189).

No campo da educação, nas primeiras décadas da República, as conquistas

foram pequenas. Nosella (1998) nos informa que a política educacional da Primeira

República pretendeu, principalmente, democratizar o ensino primário, tanto que

universalizou a idéia de uma rede de ensino primário, público, gratuito e laico, porém, o

sistema criado foi insuficiente e insensível ao mundo do trabalho. Havia escassez de

professores e escolas; apenas uma parte da população tinha acesso à instrução – a elite –

acumuladora de capital, controladora do Estado e patrocinadora da nação no novo

sistema capitalista global, na introdução dos valores e modo de vida burguês e liberal.

De outro lado, uma esmagadora população analfabeta, sem participação política,

vivendo nos subúrbios, vendendo uma mão-de-obra pouco qualificada nas indústrias,

explorada no sistema de produção, apartada do capital.

A função social da escola à época republicana resumiu-se a fornecer os

elementos que iriam preparar essa elite para preencher os quadros da política e da

administração pública, havendo perfeita conformação entre o que a escola

proporcionava e a demanda social e econômica de educação. Contudo, a intensificação

do processo de urbanização, que tem como causa a industrialização crescente e a

deterioração das formas de produção no campo, gerou a evolução de um modelo agrário

exportador para um modelo parcialmente urbano-industrial e fez surgir uma nova

demanda social de educação. A estreita oferta de ensino de então não atendia mais a

crescente procura; a escola começa a ser demandada pelas novas e crescentes

necessidades de recursos humanos para ocupar funções nos setores secundários e

terciários da economia. Segundo Romanelli (1978:46), “O modelo econômico em

emergência passou, então, a fazer solicitações à escola”. A Primeira República tentou

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várias reformas na política educacional, sem êxito, para a solução dos problemas

educacionais mais graves, de maneira que atendesse harmonicamente, tanto à demanda

social por educação, quanto às novas necessidades de formação de recursos humanos

exigidos pela economia em transformação.

Em 1909, ainda durante a Primeira República, a formação profissional sob a

responsabilidade do Estado inicia-se com a criação de 19 Escolas de Aprendizes e

Artífices, em diferentes unidades da Federação, por meio do Decreto 7.566 de 23 de

setembro de 1909, para ofertar à população o ensino profissional primário e gratuito.

Porém, o aspecto assistencial e de ordem moralista permaneceu, haja vista só ter acesso

à essas Escolas alunos de, no mínimo 10 e no máximo 13 anos e dada a preferência para

os “desvalidos da fortuna”. Portanto, segundo Kuenzer (2007), antes de atender às

demandas de um desenvolvimento industrial quase inexistente, regiam-se as Escolas por

uma finalidade moral: educar numa perspectiva moralizadora da formação do caráter

pelo trabalho. As referidas escolas eram custeadas pelos Estados, Municípios e União

com recursos alocados no Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio.

A rede de Escolas de Aprendizes e Artífices não logrou qualidade e eficiência

no ensino profissional para o atendimento às demandas do setor industrial. Os prédios

que as abrigavam eram inadequados; as oficinas apresentavam-se em precárias

condições de funcionamento; havia escassez de mestres de ofícios especializados e de

profissionais qualificados; dessa feita, o ensino profissional reduziu-se ao conhecimento

empírico, uma vez que os mestres de ofícios se originavam das fábricas e das oficinas,

faltando-lhes o conhecimento teórico relativo aos cursos oferecidos. Registrou-se,

então, alta porcentagem de evasão em relação ao número de matrículas por escola no

ano de implantação da rede (1910). 2.118 matrículas para 1.248 freqüências, o que

representa uma evasão de mais de 50% como quadro geral no país (SANTOS, apud

LOPES et al, 2007: 213).

A evasão continuou a ser o mais grave problema nas escolas de Aprendizes e

Artífices nos anos posteriores à sua implantação. A maioria dos alunos abandonava o

curso no fim da terceira série quando já dominavam os conhecimentos mínimos para

trabalhar nas fábricas ou nas oficinas, em determinados postos de trabalho. A despeito

de todas essas limitações, o modelo de Ensino Profissional pensado para a implantação

da rede de ensino técnico-profissional foi se consolidando como precursor da Rede de

Escolas Técnicas do Brasil.

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Historicamente, a organização da Rede de Ensino Técnico-Profissional se

origina na última década da Primeira República quando emergiu a preocupação em

pensar e modificar os padrões de ensino e cultura das instituições escolares nas

diferentes modalidades e nos diferentes níveis. Foi o período do entusiasmo pela

educação e o otimismo pedagógico desenvolvido pelos movimentos políticos-sociais e

correntes de idéias, que consistiu em atribuir importância cada vez maior ao tema da

instrução nos seus diversos níveis e tipos (NAGLE, 1974). Acreditava-se que pela

multiplicação de instituições escolares, a nação chegaria a se igualar às grandes

potências do mundo e tiraria o povo da sua situação de marginalidade. É verdade que

foi dada ênfase à escolarização, como forma de vencer o analfabetismo, tido como um

dos grandes problemas nacionais. À Educação Profissional, reforçou-se a idéia de

regeneração e formação das classes menos favorecidas social e economicamente. De

qualquer forma, muito pouco foi feito quanto à educação em geral. Nesse período os

colégios foram poucos, em sua maioria, confessionais e particulares.

A Partir de 1930: A Consolidação de uma Política de Educação

Profissional

Desde o final da Primeira República e antes da Revolução de 1930, se

configurava no cenário nacional um projeto de hegemonia de orientação taylorista-

fordista por parte da burguesia industrial. O pensamento era a articulação econômica

entre a agricultura e a indústria para fortalecer o projeto de industrialização no Brasil

com o apoio das oligarquias rurais. Tal projeto de caráter político-econômico tem

continuidade com Getúlio Vargas , uma política protecionista do café que já sofria

queda dos preços no mercado internacional em decorrência dos problemas financeiros

que cercavam os principais mercados mundiais após a quebra da Bolsa de Valores de

Nova York. Em 1934, quando a situação internacional começa a se normalizar é que o

governo mostraria efetivamente um desempenho mais favorável no setor industrial em

substituição ao modo de produção agro-exportador.

Saviani (2007) afirma que as políticas pertinentes à educação, objetivavam

atender às demandas do processo de industrialização e do crescimento ascensional da

população urbana. As décadas de 30 e 40 dos anos 1900 foram de consolidação da

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industrialização no país, o que viria a exigir mudanças nas concepções e práticas do

ensino profissional e sua necessária institucionalização para se adequar ao

desenvolvimento industrial brasileiro, que em diversas realidades posteriores demandou

novas necessidades para a formação da força de trabalho. A Educação Profissional foi

contemplada por meio das Reformas Capanema de 1942 e 1943 de onde resultaram a

criação do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) e a regulação do

ensino industrial, secundário e comercial por meio de suas respectivas leis orgânicas.

A Reforma Capanema estruturou a educação brasileira, denominada regular,

em dois níveis: a educação básica e a superior; fez o ajuste entre as propostas

pedagógicas existentes para a formação de intelectuais e trabalhadores, segundo as

mudanças que ocorriam no mundo do trabalho. No bojo da Reforma Capanema de

1942, foram incluídos uma série de cursos profissionalizantes para atender diversos

ramos profissionais demandados pelo desenvolvimento crescente dos setores secundário

e terciário, por isso, escolas e cursos começam a se multiplicar com essa finalidade sem

que a conclusão desses cursos habilitassem para o ingresso no ensino superior. De outro

modo, Kuenzer (2007) nos lembra, que a formação de trabalhadores e cidadãos no

Brasil, constitui-se historicamente, a partir da categoria “dualidade estrutural” uma vez

que havia uma nítida demarcação de trajetória educacional para as elites e para os

trabalhadores. Os cursos profissionalizantes, portanto, eram destinados àqueles que não

fossem seguir carreiras universitárias. Essa destinação deixa evidente que a formação da

mão-de-obra manual e mecânica do aprender a fazer, era voltada aos jovens menos

favorecidos social e economicamente, já que às elites cabia o ensino das ciências e

humanidades para dar suporte às atividades intelectuais, o que as levaria ao ensino

superior.

Essa foi uma orientação paradoxal que veio de encontro ao principio da “escola

única” garantidora de uma educação básica comum a todos os jovens como defendida

por Gramsci (1985). O estado brasileiro, nesse momento, ratifica sua inépcia para

oferecer uma educação estatizada, pública, quando delegou ao setor privado a

possibilidade de ditar as regras da formação profissional a serviço do mercado e,

portanto, sugere, organiza e promove a formação dos trabalhadores ignorando-lhes a

dimensão humana ao defender os interesses do capital e da classe dominante. Talvez

seja esse o maior desafio a enfrentar para a superação da dualidade estrutural do ensino

médio brasileiro. Entendemos que a educação de ensino médio profissional assumida

9

em sua totalidade pelo Estado, constituirá um dos fatores que pode fortalecer a

instauração de uma escola unitária e “ envolver todas as gerações, sem divisões de

grupos ou castas” (GRAMSCI, 1985:121).

A partir de 1942, já no período do Estado Novo por meio da Lei Orgânica do

Ensino Industrial, essa modalidade de ensino passou a assumir um papel importante na

formação de mão-de-obra no contexto do processo de desenvolvimento no Brasil. Passa

o mesmo a ser efetivado a partir de duas frentes de ensino e controle: um ensino que

ficava sob o controle patronal, de âmbito empresarial e, paralelo a esse ensino, um outro

ramo sob a responsabilidade do Ministério da Educação e da Saúde – o sistema oficial

de ensino industrial – constituído pelo ensino industrial básico.

Para se compreender a implantação desse dualismo no ensino profissional

industrial, é necessário retomar o contexto político-econômico do país à época. Vivia-se

uma nova fase de expansão industrial depois de um período de intensa atividade de

criação de muitas indústrias durante a 1ª Grande Guerra entre 1915 e 1919. Essa nova

fase passou a exigir uma melhor preparação da mão-de-obra. Ocorre que o sistema de

ensino não possuía a infra-estrutura necessária à implantação, em larga escala, do ensino

profissional exigível para atender o desenvolvimento que se instalava. Por outro lado, a

indústria exigia uma formação mínima do operariado que precisava ser feita de modo

mais rápido e mais prático. Dessa feita, a fim de atender a demanda de mão-de-obra

para as indústrias, o Governo criou paralelo ao sistema oficial, um outro sistema de

ensino, organizado em convênio com as indústrias mediadas pela Confederação

Nacional das Indústrias, órgão máximo de representação das mesmas.

O Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), criado pelo

Decreto-lei 4.048 de 22 de janeiro de 1942, foi a instituição destinada a organizar e

administrar escolas de aprendizagem industrial em todo o país. Essas escolas

ministravam um ensino aligeirado, de formação mínima, de caráter pragmático com o

objetivo de preparar os aprendizes menores dos estabelecimentos industriais. Outros

cursos de formação continuada para os trabalhadores também eram oferecidos pelo

sistema de escolas do SENAI. Posteriormente, esse órgão teve suas atribuições

ampliadas atingindo também o setor dos transportes, das comunicações e da pesca.

Passa ainda a administrar o ensino de continuação, aperfeiçoamento e especialização,

gerando dessa feita uma diversificação de seus cursos.

1

Em seguida, o Decreto-lei 4.984 de 21 de novembro de 1942, regulamentou a

criação de escola ou sistema de escolas de aprendizes de responsabilidade das empresas

que possuíssem mais de 100 trabalhadores. As Escolas eram mantidas com recursos das

empresas, com a finalidade de dar formação profissional aos seus aprendizes e o ensino

de continuação e de aperfeiçoamento e especialização de seus demais trabalhadores.

Para efeito de administração desse ensino, essas escolas poderiam articular-se ao

SENAI. A partir daí é que começaram a organizar-se as Escolas Técnicas Federais.

Na esteira de regulamentações do ensino profissional, o Decreto-lei nº 4.073,

de janeiro de 1942- Lei Orgânica do Ensino Industrial- traz alguns aspectos positivos

quanto à organização desse ramo de ensino. No entanto, segundo Saviani (2007) o

caráter dualista que separa o ensino secundário do ensino profissional reforça a

prerrogativa ao ramo secundário de ascensão a qualquer carreira de nível superior,

assim como reforça o caráter corporativista que vinculava estreitamente cada ramo ou

tipo de ensino às profissões e ofícios requeridos pela organização social.

A Lei Orgânica do Ensino Industrial foi sofrendo mudanças no que diz

respeito à equivalência entre os diversos ramos de ensino, a partir da queda do Estado

Novo em 1945, entre os sistemas propedêutico e profissional. Em 1950, a Lei 1.076

flexibiliza o ingresso dos estudantes concluintes do primeiro ciclo dos ensinos

industrial, comercial e agrícola a ingressarem no curso clássico ou científico seguindo

algumas exigências de complementação de disciplinas. A Lei 1.826/1953 facultava o

direito de ingresso em qualquer curso superior a todos que tivessem concluído o curso

técnico em qualquer dos ramos de ensino observando-se exames de adaptação. Surge

pela primeira vez uma possibilidade de aproximação entre o ramo secundário

propedêutico e os cursos profissionalizantes de nível médio. Todavia, somente a Lei de

Diretrizes e Bases nº 4.024 de 20 de dezembro de 1961, manifesta a articulação sem

restrições entre os ensinos secundário e profissional, abolindo, dessa forma, a

discriminação contra o ensino profissional por meio da equivalência plena, colocando-

se, formalmente, um fim na dualidade de ensino. No entanto, é importante assinalar que

a dualidade só acabou formalmente, já que os currículos se encarregavam de mantê-la,

uma vez que o ensino voltado para a continuidade dos estudos continuava privilegiando

os conteúdos exigidos nos processos seletivos de acesso ao ensino superior.

Apesar da legislação estabelecer a equivalência, o que representou um ganho à

ascensão ao ensino superior da classe desprivilegiada socialmente, a discriminação

1

permanece como herança cultural. O ensino industrial e agrícola com suas funções

vinculadas ao trabalho manual continuaram não sendo reconhecidos socialmente, haja

vista que o número de matrículas no segundo ciclo, à época, num total de 1.129.421,

50% correspondiam ao ensino secundário; 45% aos ramos normal e comercial,

enquanto que aos ramos industrial e agrícola, somente 5% das matrículas (SANTOS, In:

LOPES et al. p.219).

A Questão da Dualidade Estrutural e as Reformas a Partir de 1971

A questão crucial a partir da conquista da equivalência se concentra na

superação da dualidade, bandeira das mentes progressistas e dos movimentos de caráter

político-educacional e social. Essa luta fica extremamente fragilizada, pois mantiveram-

se as duas redes de ensino no sistema educacional brasileiro. A rede paralela ao sistema

oficial se fortalece quando da extensão ao SENAI da possibilidade de instituir a mesma

organização prevista no sistema público de ensino. Assim, os cursos ginasial e o técnico

industrial cursados no SENAI, facultavam aos seus alunos ingressarem em qualquer

curso de nível superior. Estava então, mantida a equivalência também em relação a rede

paralela de ensino à oficial pública.

Em 1971, sob o governo militar há uma profunda reforma da educação básica

promovida pela Lei nº 5.692/1971, a qual se constituiu em uma tentativa de estruturar a

educação de nível médio como sendo profissionalizante para todos. A habilitação

profissional passa a ser compulsória em substituição à equivalência entre os ramos

secundário e propedêutico. Essa opção fundamentava-se em um projeto de

desenvolvimento do Brasil centrado em uma nova fase de industrialização subalterna

que demandava mão-de-obra qualificada para atender a tal crescimento. Alia-se a essa

opção política do governo, o fato de as classes populares demandarem acesso a níveis

mais elevados de escolarização que redundava numa forte pressão pelo aumento de

vagas no ensino superior. A solução foi optar pela via da formação técnica

profissionalizante em nível de 2º grau, que deveria garantir a inserção no mercado de

trabalho em plena expansão em função dos elevados níveis de desenvolvimento.

A LDB 5.692/1971 introduz modificações na estrutura do ensino, entre elas a

pretensa eliminação do dualismo existente entre escola secundária e escola técnica,

originando-se a partir de então, uma escola única de 1º e 2º graus, voltada para a

1

educação básica geral juntamente com a preparação para o trabalho. Ao Ensino de 1º

Grau cabia a formação geral, a sondagem vocacional e a iniciação para o trabalho;

enquanto que o ensino de 2º grau passa a constituir-se, indiscriminadamente, de um

nível de ensino cujo objetivo primordial é a habilitação profissional. Além desse

aspecto, percebe-se a preocupação com a integração que deu origem à escola única

fundamentada em dois princípios: o da continuidade e da terminalidade. A

continuidade seria proporcionada por um conteúdo curricular que parte de uma base de

educação geral ampla, nas primeiras séries do 1º grau em direção à formação especial e

às habilitações profissionais no 2º grau. A terminalidade seria proporcionada pela

possibilidade de cada nível ser terminal, isto é, facultar uma formação que capacitasse o

educando para o exercício de uma atividade. Logo, concluído o 1º grau, o jovem já

estaria em condições de ingressar no mundo do trabalho como resultado da iniciação

para o mesmo, oferecido nas séries finais do 1º grau. Em nível de 2º grau, a

terminalidade diz respeito à habilitação profissional de grau médio que proporciona as

condições essenciais de formação capaz de assegurar o exercício de uma profissão,

ainda que o estudante pretendesse prosseguir para o nível superior.

O que se conseguiu foi simplesmente não produzir nem a profissionalização

nem o ensino propedêutico. A compulsoriedade se limitou ao âmbito público, pois as

escolas privadas continuaram com os currículos propedêuticos, voltados para as

ciências, letras e artes atendendo às elites. Nos sistemas estaduais não foi implantada

completamente; a falta de recursos materiais e humanos para a manutenção da rede de

escolas, aliada a concepção curricular quanto a formação geral do estudante em favor de

uma formação instrumental para o mercado de trabalho, que, ao invés de ampliar a

duração do 2º grau para integrar a formação geral à profissional, reduziu os conteúdos

de conhecimentos relativos às ciências, letras e artes, enquanto que os conteúdos de

formação profissional assumiram caráter instrumental e de baixa complexidade. levou

os estudantes da classe média a migrarem para as escolas privadas buscando garantir

uma formação que assegurasse o acesso ao ensino superior. Dessa forma, há um

processo de desvalorização da escola pública aliada ao enfraquecimento da

profissionalização obrigatória.

Contribuem ainda para o fracasso da política para o ensino médio e

profissionalizante previstos na Lei nº 5.692/1971, a evasão e a repetência recorrentes,

que produziram a exclusão da população de baixa renda e de trabalhadores

1

instrumentais do sistema de ensino, os quais não conseguiam chegar ao 2º Grau.

Percebe-se, portanto, que os determinantes da dualidade estavam presentes na estrutura

de classes. Entendemos que a exclusão de grande número de jovens da educação formal

promovida pela escola, é resultado de uma sociedade fortemente dualista e desigual,

realidade que se arrasta historicamente como herança civilizatória que se registra desde

a colonização brasileira e vai assumindo novos contornos segundo os momentos de

mudanças políticas e estruturais dos sistemas produtivos dominantes, sem que se

garanta a materialização do direito subjetivo à educação e ao trabalho numa vida

produtiva.

Na contramão desse quadro de insucesso, registrou-se, nos anos de 1960 e

1970, a valorização acentuada da mão-de-obra formada nas Escolas Técnicas Federais

que era absorvida pelas grandes empresas privadas ou estatais, quase na sua totalidade,

devido ao alto padrão de ensino oferecido pelas mesmas. Diante desse quadro

auspicioso, a demanda por matrículas nos diversos cursos oferecidos apresentou um

aumento de 1.000% no período de 1963/1973. Consequentemente, milhares de técnicos

foram colocados à disposição do mercado de trabalho até este atingir a saturação

decorrente do processo de recessão na década de 1980.

O país chega a 1985 e consolida o processo de redemocratização com o

primeiro governo civil, após o longo período de ditadura militar. Intensificam-se os

debates entre os diferentes grupos, em torno das mudanças de rumos para a educação

brasileira. As atenções das diversas correntes de pensamento educacional e concepções

de políticas educacionais voltavam-se, em especial, para uma nova estrutura ao ensino

de 2º Grau e à Educação Profissional, aspectos que se podem depreender no corpo do

Projeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1988.

Em 1996 a nova LDB nº 9.394, configura o Ensino Médio como etapa final da

Educação Básica. Dentre suas finalidades, está prevista a consolidação e o

aprofundamento do Ensino Fundamental e o reconhecimento àqueles que concluirem o

curso básico, do ingresso no Ensino Superior. De outra forma, possibilita, ainda, a LDB

o ingresso do aluno em carreira técnico-profissional, depois de atendida a formação

geral, conforme o artigo 36, parágrafo 2º, seção IV da aludida lei. Assim, o aluno pode

optar entre o Ensino Médio de caráter propedêutico como aprofundamento de Ensino

Fundamental, ou pelo Ensino Médio Técnico Profissionalizante.

1

A Educação Profissional passou por nova reforma e sua regulamentação dada

pelo Decreto nº 2.208 de 17 de abril de 1997. Esse ramo da educação passa a integrar as

diferentes formas de educação e trabalho à ciência e à tecnologia, com o objetivo de

atender o aluno matriculado ou o egresso do ensino básico, do nível superior, bem como

os trabalhadores em geral.

Quanto à estrutura da Educação Profissional prescrita no artigo 3º, I, II e III do

Decreto-Lei nº 2.208/1997, tem-se os níveis: a) Básico, que se destinou à qualificação,

requalificação e reprofissionalização de trabalhadores independente de escolaridade

prévia; b) Técnico, destinado à habilitação profissional para alunos egressos do Ensino

Médio; c) Tecnológico, correspondente aos cursos de nível superior na área tecnológica,

destinado aos alunos oriundos do Ensino Médio Técnico.

Fica evidente que nessa conformação, o Ensino Técnico tem apenas o caráter

de complementaridade do Ensino Médio, e este retoma legalmente um sentido

puramente propedêutico, enquanto etapa final da educação básica. Diante dessa

regulamentação, fica a critério do aluno realizar a parte específica da formação técnica

sob duas modalidades: Concomitante ao Ensino Médio (formação geral) em escolas

diferentes, ou na mesma escola, porém com matrículas e currículos distintos; ou

Subseqüente, ou seja, após a conclusão da educação básica, iniciar a educação técnica.

Quanto à certificação para esses cursos técnicos, só seriam expedidas após a conclusão

do Ensino Médio de formação geral.

O resultado dessa configuração da educação profissional por meio do Decreto

2.208/1997, constitui-se em, mais uma vez, num sistema paralelo, um subsistema de

ensino que conserva a estrutura dualista e segmentada da educação profissional - que se

arrasta desde o Império - que rompe com a equivalência, permitindo apenas a

articulação entre as duas modalidades de ensino.

Dessa feita, essa conformação gerou conseqüências: a Educação Profissional

esteve dissociada da Educação Básica, o que gerou um aligeiramento da formação

técnica em módulos dissociados e estanques dando um cunho de treinamento superficial

à formação profissional de jovens e adultos trabalhadores. Segundo Frigotto (2005), a

orientação que balizou o referido decreto e seus desdobramentos, buscou uma mediação

da educação conformada às novas formas do capital globalizado e de produção flexível.

Trata-se de formar um trabalhador “cidadão produtivo, adaptado, adestrado, treinado,

mesmo que sob uma ótica polivalente”.

1

Juntamente com o Decreto nº 2.208/1997, o governo federal negociou

empréstimo junto ao Banco Interamericano de Desenvolvimento com o objetivo de

financiar a reforma da educação profissional por meio do Programa de Expansão da

Educação Profissional (PROEP), como parte integrante do processo de privatização do

estado brasileiro em atendimento à política neoliberal, determinada desde os países

hegemônicos de capitalismo avançado dos organismos multilaterais de financiamento e

das grandes corporações transacionais. Os objetivos do Programa determinavam que

novas unidades de centros de educação profissional se daria pela iniciativa de estados

ou dos municípios, isoladamente ou em convênio com o setor privado, ou pela iniciativa

do segmento comunitário por meio de entidades privadas sem fins lucrativos. Eximiu-

se, dessa feita, a União na criação de novas unidades para o ensino técnico, limitando-se

a expansão da rede federal.

Pode-se perceber que a LDB de 1996 ratificou o âmbito da educação como

espaço próprio para o desenvolvimento da economia de mercado, e a regulamentação da

educação profissional como sistema paralelo pelo Decreto nº 2.208/1997, concebendo a

separação obrigatória com caráter de articulação entre o ensino médio e a educação

profissional que constituiram dois segmentos distintos, permanecendo, com base legal, a

dualidade entre os mesmos.

O Decreto Nº 5.154/2004 e o Ensino Médio Integrado

Chega-se a 2003, ao primeiro mandato do Presidente Luis Inácio Lula da Silva

com expectativas de mudanças significativas nos rumos dados à Educação de nível

Médio, ao Ensino Médio Técnico, à Educação Profissional, e de modo geral, à

Educação Básica; mudanças almejadas pelas forças progressivas da sociedade brasileira

principalmente dos sindicatos e dos pesquisadores da área de trabalho e educação, que

lutaram pela revogação do Decreto nº 2.208/97, na tentativa de corrigir distorções de

conceitos e de práticas oriundas das regulações do governo anterior de Fernando

Henrique Cardoso, e partir para a construção de novas regulamentações mais coerentes

com a utopia de transformação da realidade da classe trabalhadora brasileira.

A Educação Profissional de nível médio no Brasil hoje é regulada pelo

Decreto nº 5.154 de 23 de julho de 2004; regulamenta o § 2º do art.36 e os arts. 39 a 41

1

da LDB. O decreto traz princípios e diretrizes do ensino médio integrado à educação

profissional num esforço de alguns reformistas para vencer a clássica dicotomia entre

conhecimentos específicos e gerais, entre ensino médio e educação profissional,

pleiteando a integração da formação básica e profissional de forma orgânica num

mesmo currículo.

Esses mesmos sujeitos colocaram em cheque as diferentes perspectivas para a

formação dos trabalhadores: uma perspectiva de submissão aos interesses imediatos do

mercado; e outra, articulada à estratégias de emancipação por meio de uma educação,

segundo Araujo (2006:195), “que interesse aos trabalhadores e que se articule com um

projeto contra-hegemônico, de socialismo, ancorada nos conceitos de politecnia e de

escola unitária, categorias que sustentam uma formação que tem o homem, e não o

mercado, como principal referência” conciliando o trabalho, a ciência, a cultura e a

tecnologia. A escola assim prepararia um novo homem para a sociedade tanto com

capacidade de especialização como de direção. Seria uma “escola para todos,

aristocrática e democrática [...] no sentido de formar a todos como homens

superiores” (GRAMSCI,

O Decreto nº 5.154, manteve as ofertas de cursos técnicos nas modalidades

concomitante e subsequente prescritos pelo anterior Decreto nº 2.208/1997; trouxe de

volta a possibilidade de integrar o ensino médio à educação profissional técnica de nível

médio, agora numa perspectiva que não se confunde com a educação tecnológica ou

politécnica, mas que aponta em sua direção. No entanto, ao se manter a existência de

sistemas e redes distintas, possibilitou a “coexistência de ensino médio propedêutico,

profissionalização enquanto etapa autônoma e a integração entre ambas,” dando

margem à omissão do Estado em afirmar um projeto educacional emancipador para o

ensino médio ARAUJO (2006:205).

A educação politécnica é por nós entendida como educação unitária e

universal destinada à superação da dualidade entre cultura geral e cultura técnica e

voltada para “o domínio dos conhecimentos científicos das diferentes técnicas que

caracterizam o processo de trabalho produtivo moderno” (SAVIANI, apud Frigotto,

Ciavatta e Ramos, 2005:42); seria vivenciada na educação básica, em um tipo de ensino

médio que garanta a integralidade da educação básica, ou seja, que contemple o

aprofundamento dos conhecimentos científicos produzidos e acumulados historicamente

1

pela sociedade, como também objetivos adicionais da formação profissional numa

perspectiva da integração dessas dimensões.

Essa conformação de uma educação integrada constituiria uma solução

transitória, já que a extrema desigualdade socioeconômica obriga à inserção no mundo

do trabalho, grande número dos filhos da classe trabalhadora, antes de 18 anos, visando

complementação de renda familiar ou a própria auto-sustentação. Essa realidade

contradiz o que pensa Gramsci (1985): os jovens só devem ser inseridos na atividade

social, após tê-los levado a um certo grau de maturidade e capacidade; à criação

intelectual e prática e a uma certa autonomia na orientação e iniciativa, formadas na

escola de princípio unitário. É fundamental que se lute para que os jovens das classes

populares não sejam excluídos do ensino médio na faixa etária própria ou regular; que

lhes seja dada uma formação voltada para a superação da dualidade estrutural entre

cultura geral e cultura técnica, ou formação instrumental como tem sido historicamente.

Precisam-se formar cidadãos capazes de compreender a realidade social, econômica,

política, cultural e do mundo do trabalho para nela inserir-se e atuar de forma ética e

competente, técnica e politicamente, visando contribuir para a transformação da

sociedade em função dos interesses sociais e coletivos.

Considerações Finais

Muito se discute sobre as controvérsias que emanam do Decreto nº

5.154/2004, regulador da educação profissional de nível médio. Nele estão impressos

limites e possibilidades que podem alavancar ou emperrar o projeto de integração entre

Educação Profissional Técnica de nível médio e o Ensino Médio. Acredita-se, que pela

integração, as duas redes de ensino, profissional e geral, que se constituíram desde o

surgimento da primeira iniciativa estatal, pode-se romper a dualidade estrutural e a

clássica dicotomia histórica entre formação para o trabalho e preparação para a

universidade. Espera-se, na verdade, que esse projeto assuma o caráter de política

pública educacional com uma proposição ao Congresso Nacional de um anteprojeto de

Lei da Educação Profissional e Tecnológica.”

Enquanto essa proposta não se consolida juridicamente, um novo Decreto nº

6.302 de dezembro de 2007 instituiu o Programa Brasil Profissionalizado “que visa

1

estimular o Ensino Médio Integrado à Educação Profissional, enfatizando a educação

científica e humanística por meio da articulação entre formação geral e educação

profissional, considerando a realidade concreta no contexto dos arranjos produtivos e

das vocações sociais, culturais e econômicas locais e regionais.” (MEC/SETEC-

Documento Base, 2007).

O referido programa representa uma tentativa de democratização do Ensino

Médio e tem sua sustentação e apoio no Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE)

que presta assistência financeira para construção, ampliação, modernização e adequação

de espaço físico das escolas; construção de laboratórios e bibliotecas, formação de

docentes, gestores e pessoal técnico. A princípio, ingenuamente, poder-se-ia considerar

louvável a iniciativa do governo federal, se não representasse a ratificação do que

pensam Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005): “a política de educação profissional

destinada a jovens e adultos trabalhadores, processa-se mediante programas focais e

contingentes”. Dentre estes, o PROEJA, que se configura em oferta mínima aos jovens

e adultos excluídos da educação regular; o Programa Escola de Fábrica, parceria entre o

público e o privado, iniciado com recursos do PROEP em parceria com empresas e

indústrias para dar formação profissional inicial a jovens entre 16 e 24 anos

matriculados na Educação Básica, cujas famílias tenham renda per capita de até um

salário mínimo; e o PROJOVEM, que busca integrar Ensino Fundamental, qualificação

profissional e ação comunitária.

Superar essa dualidade estrutural histórica existente entre ensino médio

propedêutico e educação profissional de nível médio demanda pesados desafios para

transformar essa realidade, caracterizada como problema político e não pedagógico,

pois “a dualidade estrutural tem suas raízes na forma de organização da sociedade,

que expressa as relações entre capital e trabalho; pretender resolvê-la na escola,

através de uma nova concepção, ou é ingenuidade ou é má fé.” (KUENZER, 2007:34).

Nessa perspectiva, para superar a realidade, seria necessário a democratização

do Ensino Médio adotando clareza de propósitos nessa direção, assim como a injeção de

investimento financeiro que venha a descaracterizar o assistencialismo e a filantropia ou

estratégia de alívio da pobreza como vem se caracterizando ao longo da história da

educação brasileira .

Face ao exposto, considera-se que não basta estabelecer decretos ou reformar

leis para se fazer a formação profissional de nossos jovens e adultos. É necessário

1

transformar a realidade da sociedade dividida, na qual a rede de ensino promove a

inclusão dos socialmente incluídos e exclui a maioria que sonha em profissionalizar-se

em um curso de nível superior, porque a formação de técnico, seja de nível médio, seja

por meio de cursos aligeirados e de baixa qualificação são socialmente estigmatizados.

Dessa forma, aos socialmente excluídos não resta opções: não há vagas para todos nas

universidades públicas, e o ensino profissionalizante público ou privado é de baixa

qualidade na pretensão de formar para o fazer negando-lhes a formação geral. Mais

amplamente, será necessário resgatar a centralidade do ser humano no cumprimento das

finalidades do Ensino Médio e da educação profissional, pois o objetivo não é somente

a formação de técnicos, mas de pessoas que compreendam a realidade, que possam

também atuar como profissionais capazes de dirigir ou de controlar quem dirige.

2

Referências ARAUJO, Ronaldo Marcos de Lima. A regulação da educação profissional do governo Lula: Conciliação de interesses ou espaço para a mobilização. In: GEMAQUE e LIMA (org.) Políticas educacionais: O governo Lula em questão. Belém – PA. CEJUP, 2006.

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