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Maria Luiza Nora

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A ética da paixão

Maria Luiza Nora

Trata-se de livro de poemas, cujo tema funda-mental é a vivência da paixão e uma refl exão sobre seus efeitos e sobre a vida humana. A obra traça simbolica-mente uma linha em que se percebe o surgimento e as transformações por que passam essas emoções radicais que compõem o “estar apaixonado”. O olhar poético construído pela Autora busca uma conexão com o leitor, inserindo-o no processo de amar, ser amado, perder o prumo do coração e da vida e ver-se só nessa dolorosa derrocada interior. Em termos gerais, os poemas rein-ventam o platonismo amoroso de Camões e, parado-xalmente, o amor quase gótico de Álvares de Azevedo, remetendo-nos, ainda, para a escrita amorosa de Chico Buarque, Cartola, Vinícius de Moraes.

Alguns poemas, como “A fl or”, pertencente à primeira parte do livro, na qual os poemas estabelecem as linhas de nascimento da paixão, em linguagem con-cisa, apontam para a percepção da fugacidade da vida e das emoções que a envolvem. Outros, como “Suicídio”, que habitam a segunda parte, caracterizada pela dor de viver a paixão, também primando por uma simbólica precisão da linguagem, levam o leitor a variadas remis-sões , tanto eróticas, como afetivas. “Guilhotina”, na terceira parte, quando se concretiza o fi m da paixão, em três simples e, simultaneamente, avassaladores versos, desenha a dor da espera pelo não do Outro. E “Silên-cio”, também da terceira parte da obra, remete o leitor ao “Soneto da Separação”, de Vinícius de Moraes, numa representação do vazio que a ausência do(a) amado(a) cria. “Que pena!” é ainda mais doloroso: nele, desenha-se o fi m do amor no próprio sujeito poético – não há dor maior, nem pior decepção, que a de sabermos que não amamos mais. A voz poética leva o leitor a pensar que não estar apaixonado é mais trágico que amar e não ser amado. Percepção camoniana, por sinal.

O livro, em suma, contribui bastante para o cres-cimento humano de seus leitores, interpondo-os, simul-taneamente, no universo do amor e da paixão de forma criativa e que se insere numa longa tradição poética luso-brasileira.

Patrícia Katia da Costa PinaProfessora Doutora

Maria Luiza Nora estava com um livro iné-dito e mostrou-o a algumas pessoas. Ruy Povoas, professor da UESC e Mestre em Língua Portuguesa, escritor premiado e membro da Academia de Letras de Ilhéus, se sensibilizou com o fato de a autora, por dirigir a Editora da UESC, não considerar ético publi-car seu próprio livro.

Em carta aos Conselheiros Editoriais, Ruy fala na “qualidade dos escritos” e no tanto que eles “reve-lam os desvãos da alma humana”.

Os conselheiros sugeriram submeter o livro à apreciação de pareceristas, como é de praxe. Foi usa-do um pseudônimo e enviado, e um dos pareceres, o de Patrícia Pina, está publicado neste livro, o que muito honrou a autora.

Maria Luiza N

ora

Baisa, Maria Luiza Nora, nasceu e sempre morou em Ilhéus. Casou-se, tem quatro fi lhos e dois netos, família grande, pois são cin-co irmãos e dezessete sobrinhos. É professora da Universidade Es-tadual de Santa Cruz, Mestra em Cultura e Turismo, Diretora da Editus e membro da Academia de Letras de Ilhéus.

Gosta de ler, de cinema, de cidades pequenas e de conversar com os amigos. Gosta muito de gente, mas em pequenos grupos.

GUILHOTINA

O pior da guilhotinaé esperar por ela;é saber que ela vai desabar.

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A ÉTICADA PAIXÃO

Universidade Estadual de Santa Cruz

GOVERNO DO ESTADO DA BAHIAJaques Wagner - governador

SECRETARIA DE EDUCAÇÃOosvaldo Barreto Filho - secretário

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SANTA CRUZantonio Joaquim Bastos da silva - reitor

adélia maria carvalho de melo Pinheiro - vice-reitora

diretora da editUsmaria luiza nora

Conselho editorial:Maria Luiza Nora – Presidente

Adélia Maria Carvalho de Melo PinheiroAntônio Roberto da Paixão Ribeiro

Dorival de FreitasFernando Rios do Nascimento

Jaênes Miranda AlvesJorge Octavio Alves MorenoLino Arnulfo Vieira CintraMarcelo Schramn Mielke

Maria Laura Oliveira GomesMarileide Santos OliveiraPaulo Cesar Pontes Fraga

Raimunda Alves Moreira de AssisRicardo Matos Santana

A ÉTICADA PAIXÃO

Maria Luiza Nora

Ilhéus - Bahia2010

©2010 by Maria Luiza Nora

Direitos desta edição reservados à

EDITUS - EDITORA DA UESCUniversidade Estadual de Santa Cruz

Rodovia Ilhéus/Itabuna, km 16 - 45662-000Ilhéus, Bahia, Brasil

Tel.: (73) 3680-5028 - Fax: (73) 3689-1126http://www.uesc.br/editora

e-mail: [email protected]

PROjETO gRáFICO E CAPAgeorge Pellegrini

Ilustrações de capaDormeuse, Portrait of Ira P., de Tamara de Lempicka

REvISÃOMaria Luiza NoraAline Nascimento

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

N822 Nora, Maria Luiza A ética da paixão / Maria Luiza Nora. - Ilhéus: Editus, 2010. 111p.

ISBN: 978-85-7455-181-4 1. Poesia brasileira. I. Título.

CDD – 869.91

Dedicatória

As poesiasos quadros

as fotosas obras de artesão de autoria,

não apenas,das pessoas que as criaram;

são tambémdaquelas

que as inspiraram.

Para vocêstantos e tão queridospróximos e distantes

reais e imaginários.

Tive um chão (mas já faz tempo)todo feito de certezastão duras como lajedos.Agora (o tempo é que fez)tenho um caminho de barroumedecido de dúvidas.Mas nele (devagar vou)me cresce funda a certezade que vale a pena o amor.

(Thiago de Mello)

sumário

IA EXPLOSÃO

(1a Fase do Ciclo da Paixão)

(19)

IIA PLENITUDE

(2a Fase do Ciclo da Paixão)

(33)

(Um patêntese- para tratar de outros temas)

(57)

IIIA PERDA - O TÉRMINO

- OU A MORTE DA PAIXÃO(3a Fase do Ciclo da Paixão)

(79)

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APRESENTAÇÃO

Baísa,

Irmãs de gerações, de destinos femi-ninos, filha/mulher/mãe, de profissão, de ideais. Por tantos encontros e paralelos, im-possível me é falar apenas tecnicamente dos seus poemas; não é a professora de litera-tura, mas, acima e antes, a irmã-mulher de tempo e circunstâncias...

Seus poemas, Baísa, são de um ser belo e puro que vive em verdade e plenitude. Al-guém que abomina o superficial, o estabele-cido sem sentido. São poemas de uma alma a serviço da significação e do propósito das

Maria Luiza Nora

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coisas. Do essencial. E essa busca, tão dori-da, às vezes de gosto de fel e de sangue, se expressa numa poesia simples e fácil; sem ostentações nem hermetismos desnecessá-rios. É verso puro, simples, “exato como um anel”, lembrando a maravilhosa Cecília Meireles. A clareza e a limpidez do sentir, por mais que esses sentidos sejam tortuosos e até incoerentes, retratam-se em sua poesia. Você dá lições de ritmo, de palavra enxuta, do dizer preciso. Você sabe dizer o comum do jeito próprio e singular dos que sentem com propriedade e verdade. Em tempo de experimentalismos e renovações às vezes pedantes e ocos, você mostra que a poesia ainda é o elemento maior de encontro. Bas-ta, apenas, ser simples e natural.

A sua busca de lucidez, de exatidão e clareza a leva a ser crítica de si mesma. Poesia confessional, você a dá à luz e a exa-mina. Examina-a como produtora e recep-tora. Daí a conceber em sua significação, como um código, como uma ética. E você imprime uma jornada: começo, meio e fim. Como ser participativo que é, abre-lhe um parêntese. Você analisa a si mesma, mu-lher, e analisa o verso que a disseca e a põe

A ética da paixão

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à mostra. Esse posicionamento justifica a exatidão e a transparência dos seus versos. Versos tintos do rubro da paixão, do roxo das saudades e nostalgias, do rosa de arden-tes crepúsculos, do amarelo de outonos des-folhados. Tudo isso, mais a ausência de ri-mas, produzem o tom às vezes prosaico dos poemas, singelos e amenos, malgrado sejam cantos de dor e paixão, mais de prantos que de risos. Sua poesia tem a cor da paixão vi-vida e “morrida”(ou matada), reflete o olho aberto ante a dor do outro, o irmão sofri-do, a ânsia pelo perdido, mas tem a leveza dos que ainda sonham, buscam e esperam, pois revelam a maturidade e a “paciência” da mulher adulta.

Entretanto, além da ânsia do sentir e do sofrer, sua poesia revela o poder essencial da forma e da palavra. Você consegue mo-mentos de pura expressão, em que a palavra se faz forma e gesto inscritos no ar:

“Vida de pobre é apressada:a criança maiorque carrega a menoré tão pequena ainda”.

Maria Luiza Nora

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E essa palavra/gesto cristaliza imagens/ideias:

“Vidas existemque lembram a dos equilibristas:um percurso difícilum caminho estreitoa impossibilidade do erroe a necessidade de chegar”.

E essa consciência da verticalidade da palavra faz você explicar com exata clareza porque dará um tiro no peito:

“Por ser a balaum símbolo fálicoe o coraçãoo lugar onde dóia dor do amor”.

Neste novo século, início de milênio, de homens perdidos em teres e haveres, é preciso haver quem fale de amores, sentires, gostares e perderes. É preciso falar de soli-dão. Você fala de tudo isso. Portanto, fala do sempre... Você diz da coragem, abomina o medo do não-ser, você sonha e testemu-

A ética da paixão

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nha sem receios que é preciso sofrer. E aí, me lembro de Otávio Paz, o singular poeta e crítico mexicano, quando diz que “poesia é salvação”.

Nesta sua “A sua ética da paixão”, Baísa, salvemo-nos todos...

Com muito carinho,

Margarida

Margarida Cordeiro Fahel

Professora Titular de Literatura BrasileiraUniversidade Estadual de Santa Cruz

A ética da paixão

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A ÉTICA DA PAIXÃO

A paixão traz consigouma outra dignidadee estanão está prescritanão está previstanão está clara.Esta, que nos faz maiorese melhores,vem da compreensãodos limites do homemna convivência com a paixão.Vem da percepçãode que a paixãotem uma ética própria.

Assim como tem uma ética própriaa paixão tem um ciclo.

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IA EXPLOSÃO

(1a Fase do Ciclo da Paixão)

A ética da paixão

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ESTE IMENSO AMOR

Sem vocêeu não sei ser.Com vocêé que sei estar.Por vocêquero vivere se, no amor,eu me perderpra vocêquero me achar.

Maria Luiza Nora

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PLENITUDE

Nada me faltadepois que vocêesteve em mim.Nada me faltanem mesmo você;foi tão bomque comigo você ficou,foi tão lindoque em mimvocê se inscreveu.

A ética da paixão

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AMOR DE gUEIXA

Parece mentirapartindo de mimmas eu amo vocêcom um amor de gueixadaqueles dóceis e submissoscarinhosos e apaixonadosde poucas perguntase muitas acolhidas.Eu amo vocêcom olhos pidõesde quem pensa em camae com mãos de artesãcapaz de tecer carinhospor caminhos sem fim.

Partindo de mimparece mentirapois me faltam estas característicasmas em verdadeeu as criei, em meu ser,pra você.

Maria Luiza Nora

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COMO EU AMO vOCÊ

Eu amo vocêcom a voracidade do fogo que se alastraa ternura das águas que se encontrame a magiados questionamentos sem resposta.Eu amo vocêcom o fascíniode quem nunca, antes, amoucom a transparênciada claridão da aurorae o sentimento de tragédiaque acompanha os grandes amores.Eu amo vocêsem receios e sem amarrasna certezado que vem de você.E eu amo vocêpor saber ter encontradoaquele que me foi predestinadoantes mesmoda Grande Criação.

Por tudo issoe desta maneira exageradaé que eu amo você.

A ética da paixão

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SUBLIMAÇÃO

É tanto o meu amor por vocêque serei capaz de abençoara pessoa que o amar.Aquela que souberfazê-lo felize conquistar com carinho,toda a sua paixãoserá para mimmotivo de afeição.E sabe por quê?Porque eu sou maisvocê.

Maria Luiza Nora

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SUTIL DIFERENÇA

Eu quero sonhar com vocêde qualquer maneiramas me nego a sonharde uma maneira qualquer.

Eu vou me lembrar de vocêde qualquer maneiramas não posso lembrarde uma maneira qualquer.

Eu sei que eu amo vocêde qualquer maneiramas não devo amarde uma maneira qualquer.

Queria esquecer vocêde qualquer maneiramas recuso esquecerde uma maneira qualquer.

Então eu vou esperar por vocêde qualquer maneirade todas as maneirase de uma maneira qualquer.

A ética da paixão

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A FLOR

No tempo do desamorna época da negaçãouma flor rompe o cascalhoe impõe sua poesia.E o homemárido e secoolha a flor com gratidão.

Maria Luiza Nora

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A LINgUAgEM DOS CORPOS

De inícionão será preciso fazer amor,basta que eu o veja.Depois, então, que nossos olhosse saciaremeu tomo o seu corpovocê toma o meu e nós vamos deixarque eles falem.E os nossos corposcalados há tanto tempodirão tudo: tudo o que é essencialtudo o que é possívelou somente o que pode ser revelado.

E nós, silenciosos,vamos sorrir dos segredosque já adivinháramos.E vamos abençoarestes corpos indiscretosque sendo opacosse tornam transparentese por serem simplesinteiramente se revelam.

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A ética da paixão

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TÍMIDA

Vagar pela névoatocar o mais tépidocalar o mais cálidobuscar o mais íntimoamar o únicofugir do cínicoquerer o tácitoevitar o ácidoe viver o límpidolúdico, rítmico e mágico

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O QUE LHE DEvO

Foi seu desejo desenfreadoque me fez mais mulhere mais feliz.Foi a maneira gulosacomo você me olhava nuae os elogiose desafios que fezque me proporcionaramum salto de qualidadee uma aceitação maiorde mim mesma.Foram nossas conversasem que você, implicante,exigia que eu ordenasse os pensamentose definisse a palavra mais precisaque tornaram minha formade pensar e expressarmais lógica e mais bonita.Foi o ter me preparado, para você, tão exigente,que tornou mais eficientea minha ação.

Como podemos perceberapesar de toda angústia

A ética da paixão

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(nós sabemos que não foi fácil)você só me fez bem.Sem contar que,com você,eu soube o que é um amor rasgadoe onde pode levara grande paixão.Obrigada, tesão.

IIA PLENITUDE

(2a Fase do Ciclo da Paixão)

A ética da paixão

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MINHA CRIA

Eu amo você...mas é mais carinho que tesão(embora eu morra de tesão por você).O que sinto é meio cármicoé sentimento de fêmeapara com sua cria;e tenho vontadede cuidar de vocêalimentarproteger.E quero evitarque alguém o machuquefira, faça sofrer.Quem me dera, amor,estar com vocêe alisando seus cabeloscantar baixinhoaté fazê-lo dormir.E só entãovendo-o saciado, cuidado, amadosó entãovou me deixar possuir.E vou comer você todinho.

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SUICÍDIO

Se você partir antes de mimdarei um tiro no peito.Por que desta forma?Por ser a balaum símbolo fálicoe o coraçãoo lugar onde dóia dor do amor.

A ética da paixão

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ANA DE ASSIS

Chega o tempoda fidelidade a si mesma.Chega o diaem que “os sentidosé que salvam a alma”.Chega a horaem que só o grande amortem sentido.Chega o momentode viver a loucura.E toda uma vida não chegapara entender o que se passou.

Maria Luiza Nora

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O IDEAL

Todos os amoresdeveriam ser correspondidostodas as caríciasdeveriam ser repassadastodos os questionamentos,um dia, teriam respostase as carências seriam preenchidase as ternuras transbordariam.E os muitos conhecimentosseriam acessíveise as artes todasseriam admiradase todos os sentimentosassumidos e assimilados.

Acontece que não são.

A ética da paixão

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RIMA

Não adiantame perguntar pela rima.Minha rimaé muito soltaé muito loucaindependentequem sabe incompetenteaté abusadae perturbada.Minha pobre poesiatão pouco rimadatão frágil e simplese alucinada.

Mas não vale a penaa preocupação com a rima.A vida, também,na maioria das vezesdeixa de rimar.

Maria Luiza Nora

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EXORCISMO

Vim procurá-loporque precisoexorcizar você de mim.Eu não o esqueçoe não refaço minha vida.Estou presa a vocêpela mais sutil das prisões:a dos que se amarame não se entregaram.Por isso estou aqui hoje:para ser suapara que você seja meupara concretizar esse amortocar esse sentimentoe permitir, quem sabe,nossa libertação.Vim amá-lopara esquecê-lo;matar o sonhotornando-o realidade.

A ética da paixão

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Venha...toque-me, pegue minha mãoe vamosdesfazer a mágica.

Maria Luiza Nora

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RESPOSTA AO EXORCISMO

Venha, amor,vamos refazer caminhos já trilhadosrelembrar os sonhos já sonhadosdizer sim à vida. E a nós.Vamos nos oferecer.Só não sabemosse depois de lidarcom o amorvamos nos libertar.Talvez nos libertemosnão do sentimentoque resistiu ao tempoe à dormas dos preconceitosdas conveniênciase dos apelos da razão.Você propõe amar para esquecer,matar o sonhorealizando-o.No entanto, há um risco:o de descobrirque ao invés de desfazer a mágicasurja o sentimento, renascido,e a vontade de, juntos,retomar a caminhada.

A ética da paixão

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Venha, amor,vamos nos ofertar.É um riscoque precisamos correr.

Maria Luiza Nora

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SILÊNCIO

Não diga nada...não conte seus casos estranhosnem fale as palavrasque não queroe não posso ouvir.Se possívelapenas me olheme toque, me ame...e se deixe amar.Neste instanteas palavrasme perturbariam.

A ética da paixão

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SONHANDO

Na paz dos meus sonhosnum vale encantadona beira do lagoestávamos nós.E apenas olhávamos...o sonhoo valeo lago.E apenas sentíamos...e silenciávamos.No íntimo sabíamosque qualquer ruídonos despertaria.

Maria Luiza Nora

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EQUILIBRISTA

Vidas existemque lembram a dos equilibristas:um percurso difícilum caminho estreitoa impossibilidade do erroe a necessidade de chegar.

A ética da paixão

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NO BAÚ

No fundodo baú das lembrançasestá vocênão roto, nem emboloradomas de tal forma idealizadoque se hojenovamente eu o encontrassevocê não resistiriaa todos os sonhosexpectativas e anseiosque ao longo da vidafui colocandoem cima de você.

Maria Luiza Nora

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SEM RÓTULOS

Quem foi que disseque eu sou muito equilibrada?Quem desejame prender em uma imagem?Sou sofrida, sou loucainsatisfeitae não quero rótulosnem grilhões. Sou tristee não quero a alegria;sou poeta...preciso do beloe do aleijão.

A ética da paixão

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É PRECISO

É preciso deixar o sol entrarno meu quarto e na minha vida.É preciso deixar entrar a luz.É preciso esqueceros pedidos explícitose os disfarçadoso pranto contidoo luto espalhado.É preciso continuaracreditando em mim.

É preciso reconhecerque seguir é um direitoe que a maior escravidãoé se prender ao passadoao estabelecido, ao estruturado.Mas é preciso tambémreconhecerque é tudo muito sofridoe que dói maiso sofrimento causadoe não o sofrimento assumido.

Maria Luiza Nora

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OBRIgADA

É mais fácilcorresponder a um amor que se senteque permitirque o outro expresselivrementeum amor que é só dele.Por issoapesar de tanto me haver dadoe você se retraídoainda lhe sou devedora.

A ética da paixão

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A gRANDE DÍvIDA

Sempre se faloudos que amame não são amados.Eu quero falardos que são amadose não amame toda a sua dívidatodas as suas dúvidasseu complexo de culpae sua imensa solidão.

Maria Luiza Nora

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ENTRE O AMOR E A PAIXÃO

Entre o amor e a paixãooptei pelo amore sua paze sua segurança.Entre a paixão e o amorabri mão da paixãoe sua loucurae sua mágica.Abri mão da paixãooptei pelo amorsó não posso dizerque fiz istosem dor.

A ética da paixão

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QUE PENA

Que penaque nossa estóriaseja escrita não apenas por nós,mas esteja sujeitaàs estórias e à escritura de tantos outros.

Maria Luiza Nora

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FAZER DORMIR

Entre as grandes qualidades de uma mulher está a de saber ninar seu homem,e fazê-lo com simplicidadee competência.O silêncio é imprescindível...palavras somente as do acalanto,as das cantigas para ninar gente grande.Há que saber tocar,com ternura e suavidade,e ao tocar o rostofazê-lo como se decifrasseum mistério antigocomo se aquelefosse o único momentoque lhe foi dadopara incrustá-lo em você.É preciso, nessa hora,que a potranca,que há em nós, adormeçae que a grande mãe assumacom toda a sua vocaçãopara a proteção e o amparo.Saber fazer dormir seu homemporque, não nos esqueçamos,

A ética da paixão

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existe nele uma criança pequenaque, às vezes, está desamparada.Então,nada como um sereno adormecernada como uma antiga canção de ninarpara deixar a impressão de que,com tanto aconchego,ele está em paz,e nós doisna ilusão da plenitude.

Um parêntese - para tratar

de outros temas

A ética da paixão

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PEQUENAS SABEDORIAS

Três das nossas pequenas sabedoriasé não exigir de nós:aquilo que não somoso que esperam que sejamosou a manutençãodas máscaras que criamos.

Maria Luiza Nora

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SERvENTIA

O poetamesmo o poeta maiortem pouca serventia:ele só servepara sentir.

A ética da paixão

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OS POETAS

A grande diferença do poetaé que ele sabecolocar a nuseu coração.O poeta é aqueleque ao falarde seu mundo interioro faz com tanta belezaque os outros,poetas no viver,quando o leem comentam:o meu mundo também é assimsó que eu não sabia dizer.

Maria Luiza Nora

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CONCORDANDO

Sabe, minha velha,você estava certa:não é que você é lerdaa vida é que é apressada.

A ética da paixão

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MOTIvOS

Dinheiro, Gado, Cacau.Cacau, Gado, Dinheiro.Gado, Dinheiro, Cacau.E os homens do sul da Bahiavivem, lutam e morrempor esses três motivos.E as mulheresse cansam, enfadam, revoltamcom a força destes motivos.E estes motivossobrevivemaos homens e às mulheresda região do cacau.

Maria Luiza Nora

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DONA SINHá

História estranhaa de dona Sinháesperou tanto temponem o viu chegar.Chegou pela noitepartiu de manhãSinhá tão cansadade tanto esperarnão deu pelo fatonem pôde notar.História tocantea de dona Sinhánão sabe da vidanão sabe do temponão sabe de nadado mundo da gente.Viveu das lembrançasde amores passadosesperou pela voltade quem, se voltou,não voltou pra ficar.

A ética da paixão

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DÚvIDA

O receiode não pegar a canetae permitirque o verso fujae não volte nunca mais. O medode ir buscá-lae perceberque aquelas palavrasnão deveriam ser escritas.Versos perdidosque poderiam ter sido guardados;versos escritosque não mereciamser rabiscados.

Maria Luiza Nora

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POESIA

Dê à luz a poesiae a poesiadará a luz.

A ética da paixão

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O QUE EU QUERIA

Eu queriaconservar em mim...da menina:a energiaa crençao deslumbramentoa entrega.Da jovem:o senso críticoa falta de preconceitosa coragem de arriscar-see a vontade de viver em plenitude.Da mulher adulta:a compreensão da fragilidade humanaa maturidadea paciênciae a capacidade de sorrir de si mesma.

Maria Luiza Nora

68

NATAL

Natal...tanta alegriatanta tristeza.Famílias que se reúnemse presenteiamse amame pessoas que,de Papai Noel,nunca receberamnem mesmouma família.

A ética da paixão

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vANDRÉ

Calaram Vandré...cortaram suas asasemudeceram seu cantomataram a poesia.Mas Vandré é aqueleque não conseguiram amesquinharporque na impossibilidadede cantar alto e fortepreferiu emudecer.

Maria Luiza Nora

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vIDA DE POBRE

Vida de pobre é apressada: a criança maiorque carrega a menoré tão pequena ainda.

A ética da paixão

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vIDAS RUBRAS

Armas brancas!...Vidas brancasque nunca as conheceram,vidas rubrascortadas por navalhasfacas e punhaisas armas brancasdos muitos marginais.

Maria Luiza Nora

72

CRIANÇAS CRESCIDAS

Uma casa vazia...e as brancas paredesque contam históriasde quem as viveuguardam risadasde quem já cresceusabem as promessasde quem as juroumas nem quis cumpri-lasporque não lembrou.Uma sala vazia...e as poltronas marcadaspor corpos distantescinzeiros inúteisassoalhos brilhantestão pouco usadose que, na sua espera,são até tolerantes.Um quarto vazio...e todos os cantossempre arrumadosos livros, as fitastão pouco tocadose as lembranças dolentesque ainda conseguemtorná-los presentes.

A ética da paixão

73

CONSTATAÇÃO

Os filhos crescendoe se libertandoos medos surgindoe desorientandoas certezas partindoe atordoandoas verdades caindoe machucandoe os filhos que se vão...

E a gente se perdendoe, quem sabe, se encontrandona grande solidãode se saber sozinhadepois de tantos anosde gestaçãode pariçãode criação.

Maria Luiza Nora

74

CONSELHOS

Saiba, meu filho,o que é precisonão aprender:a denúnciaa traiçãoa desonraa desonestidade.E percebao que é precisonão esquecer:de amar, contemplare agradecer;fazer felize se comprometer.

A ética da paixão

75

CIRANDEIRO

A ciranda da vidaa roda gigante que ela é.É interessante perceberos que conheci crianças,onde estãopara onde foramem que posição se encontram.Quantos subiramquantos desceramalguns estão no mesmo lugar.Rodaram, rodarame permaneceram;como se não tivessemse movimentado.

Um tão humildehoje é gente grande.Outro nascido em berço de ouroestá arruinado.Há os que souberam enriquecere os que souberam perder.Há os que perderam tudo,mas não se perderam.

Maria Luiza Nora

76

E há os que ganharam tantoe não se encontraram.

E há os que souberam viver.E ser.

A ética da paixão

77

PERDAS

Descasaré retirar, dos filhos,seu campo de pouso.

IIIA PERDA

- O TÉRMINO- OU A MORTE

DA PAIXÃO(3a Fase do Ciclo da Paixão)

A ética da paixão

81

gUILHOTINA

O pior da guilhotinaé esperar por ela;é saber que ela vai desabar.

Maria Luiza Nora

82

RITUAL

A morte de um amorexige um certo ritual:o papel, as palavrasos sentimentostodos serão especiaise adequados.Até as lembrançasas lágrimas e a tristezaprecisam estar em harmoniaem sintoniacom a ocasião.Ah, um grande amor...exige cuidados especiaispara morrer;ou para ser matado.E seria ótimose ele nunca,mas nunca mesmo,fosse sequer lembrado.

A ética da paixão

83

AREIA

E o amor,este pó de ouro,vai virando areia.E a areia vai surgindocom os resíduos deixadospelos muitos desencontrospor alguns dos desencantospelo amor que, sendo tanto,nunca soube se expressar.

E eu, o que desejo,é ter, da areia,a mesma capacidade:a de permitirque o mar e o ventoapaguem as pegadasde quem por ali passou.

Maria Luiza Nora

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O FIM ABSOLUTO

Viver em busca de sonhose um dia, ao acordar,perceber que o pesadeloé uma forma de sonhar.

Buscar, da vida, os amorese uma tarde, no crepúsculo,sentir que a vida passoue só restaram soluços.

Tirar farinha do asfaltotirar poeira da pedrabeleza, de Frankstein,e do corpo tirar terra.

E, um dia, nem tão velhinha,deitar e se deixar morrerpois talvez seja o melhorque a vida tem pra oferecer.

E depois, já cinza e nada,desintegrando no arser levada pelo ventoe espalhada em alto mar.

A ética da paixão

85

E só então ter completadoo que lhe coube passar:os sonhos, amores, tristezas... e não querer recomeçar.

Maria Luiza Nora

86

NÃO RESOLvE

Estou só.Matar-meseria apenas abrir mão do futuro.Mas o que incomodaé o passado.

A ética da paixão

87

SILÊNCIO

Fez-se silêncio na minha salafez-se silêncio na minha casafez-se silêncio na minha vida.

Ele nunca mais telefonou...

E assim,o silêncio se fezem mim.

Maria Luiza Nora

88

NEBLINA

Passeei pela nebliname arrastei na escuridãotristemente recolhias flores um pouco murchasque sobraram para mim.

Amei, me rasguei; que importa?Apavorada sofri; e daí?Suportei resignadaas bocas desdentadase o suor roçando em mim.

Disputei, busquei a lutanesta peleja perdi; percebi.Por mais que eu me buscassemesmo indo fundo, bem fundo,eu não fui dona de mim.

E afinal, foi necessário,esperar, já indiferente,que um a um se desprendessemos anjos que, ao morrerem,haviam se enlaçado em mim.

A ética da paixão

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TATUADOS

Vem, amor,deixemos que nossos corpos se exploremque nossos olhos se encontremregistrem e fotografemimagens várias e avariadase nossas mãos sintamas diferentes texturasdas peles, pelos e mucosase o olfato se impregnedos cheiros tão nossos e tão bonse nossos sons e tonscalem e falemno outro, do outro e pelo outroe os sabores fiquem retidospara sempreem cada boca.Vem, amor,nos fixemos, nos tatuemos.Talvez, então,possamos nos separar.

Maria Luiza Nora

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PROMESSA

Eu prometoaprender a viver sem você.Prometonão pensar em nós doistodas as horas do dianem chamar seu nomecom o rosto enterrado no travesseiro.Prometonão buscá-loem cada pessoa que se aproximanão lembrar, com detalhes,das conversas que tivemose prometo esquecersua voz, seus olhos, suas mãos, seu cheiro.Prometo esquecerque, um dia,percebi com clarezaque, para mim,você era o amor derradeiro.Eu juroque me obrigo a esquecê-loainda que meu corpo possanunca mais se sentir inteiro.

A ética da paixão

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TEMPO DE ADEUS

Os dias têm um jeito de despedidaas conversas trazem consigoum gosto de adeus.Nós dois sabemosque chegou a hora;que muito poderia ser ditomas que, muito mais,precisa ser calado.Nós dois sabemosdos sonhos, planos e fantasias...mas o que são sonhose planos e fantasiasdiante da vidae de suas imposições?Vamos nos separarsem lágrimas e sem mágoasapenas com uma tristeza doídaque, um dia, também passará.E nós dois entãonos olharemos com amizadee com saudadenão mais do outromas do amor que passoue que foi bome bonito.

Maria Luiza Nora

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ABSURDAMENTE

Sempre que lhe faltar carinhosempre que o amor for poucovocê vai lembrar de mim.Vai lembrarda maneira como eu o olhavado carinho que faziadas mãos no cabelo, no rostodo abraço apertadoe da tentativade guardá-lo naquele gesto;você vai compreenderque eu o ameisem reservas, sem egoísmose que, passados muitos anos,você há de continuar em mimimpregnado, colado, tatuadotorturando e fazendo-me feliz.E terá esta certeza porquesempre que nos encontrarmospor menos que eu queirameus olhos lhe revelarão tudo issoe dirão quede certa forma,absurdamente,você foi únicoe primeiro.

A ética da paixão

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SABEDORIA

É preciso saberdo dia que é chegadoda hora que está marcadado tempo que já passou.É preciso aceitarenterrar seus mortose permitir que os sentimentosse dissolvam no nada.

Maria Luiza Nora

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O jOgO

No jogo por nós jogadocada um fez seu papelum foi à luta, tentou, correu riscoso outro ficou assustado e, com razão,se escondeu.No jogo por nós jogadoganhou mais quem mais sofreuamou, conheceu a paixãoe sabe o quanto valeu.Que fique destas partidasuma bonita liçãonos males de amor, desamortem pouca força a razão.No jogo por nós jogadoque um de nós saiba perderperco eu, que amei sozinha,pois quis e não pude ter.E que eu aprenda ligeirono jogo que hoje findacomo passar sem sua vozcomo viver sem você.

A ética da paixão

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BARRA gRANDE

Hoje, tudo o que eu queriaera Barra Grande.Seu cheiro de sargaçosuas praias desertasas camboas a vila simples e sem calçamentoa igrejinhaas mangas do quintal de seu Zezinho.Barra Grande e sua paz!Vou para lácurar essa opressãoesse vazioe a tristeza de não poder partir.

Barra Grandeserá minha Pasárgada.“Lá eu vou ser feliz”...Com todo aquele céue azul, água, sol e salcom os barcos que passam,preguiçosamente,para Camamucom a rede e a varandanão vai nem ser difícil.

Maria Luiza Nora

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Vou para láme reconstruiracabar com o cansaçoe apagar da areiatudo o que possa serperigosamente escritopor minhas tristes poesiaspor minha imensa solidão.

A ética da paixão

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ADERÊNCIAS

Tudo fôra dito.E um olhava o outrotemendo o momentode partire não mais voltar.Há ocasiões assim:percebe-se o definitivoo irreversível das situaçõesde uma forma quase palpável.E se sente medo.Mas, no último instante,no limite daquela horade troca de olharessaudades e mágoaseles perceberame se aquietaram.E tranquilamente partiram.Levavam tanto um do outroque jamais estariam sozinhos.

Maria Luiza Nora

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ACABOU-SE O QUE ERA DOCE

O sono que chegao sonho que vaia vida que passaa morte que esperaa lembrança tristedaquela alegriaque um dia acabou.A alegre tristezade tê-la vivido;... e pensar que passou.

A ética da paixão

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SOZINHO

Ela partira.Não deixara explicações.E ele, que precisavade sua presençapara se fazer feliz,compreendeuque só lhe restavamorrer pouco a poucopor absoluta falta de vontadede continuar vivendo.

Maria Luiza Nora

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DESÂNIMO

Cuspir a cara da vida(certeza que ele morreu)cuidar de partir para semprefugindo do esquema que nunca foi seu.

Buscar a tragédia, a loucuraprovar o gosto do martomar um banho de chuvae, se enxugando, chorar.

Olhar o tédio, o vazioouvir o vento soprarcortar-see não dar os pontostranquila deixar sangrar.

A ética da paixão

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QUE PENA!

O meu amorcomo uma dorpassou.

A minha paixãomorreu...de inanição.

Maria Luiza Nora

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PARTIR

Partir...ir embora;partir... quebrar.Dois sentidos tão diversose tão entrelaçados.Tão difícil partire permanecer inteira.

A ética da paixão

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LIBERTAÇÃO

Um terço da minha paixão ficou na lagoaum terço ficou no rioe um terço ficará no mar.As forças da Áfricaos ancestrais poderes dos Orixásajudarão a exorcizar a paixãoque acabaria por me acabar.Os três elementose seu simbolismo:o que revesteo que vem de dentroe o que domina o mundo.Eu os passei pelo corpoe invoquei à África-mãeque me libertasse...ela que tão bem sabequanto é trágico ser cativa.E eu os passei pela cabeçapedindo que meus pensamentosdele se afastassem;e eu os passei no coraçãopara que meus sentimentosa ele não se dirigissem;passei em meu sexo

Maria Luiza Nora

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para nunca mais o desejaraos braços pedique não o buscassem às mãos, que não tateassema sua procurae às pernas e pésque nunca maiscaminhassem em sua direção.E pedi tambémque o vazio que vai ficarseja grande e dignodo amor que foie que já não merece ser.

A ética da paixão

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O QUE EU NÃO PERDOO

Eu te perdoonão me teres compreendidoe não teres percebidoquanto desejei você.Eu perdooaquilo que não fostee o pouco que tivestepara me dizer.Perdoo aindaa opção pelas coisase não pelas pessoas.Não gostei, mas perdoeio pouco espaço que ocupei em sua vida.O que eu não perdooe não perdoarei nuncaé não me teres amadoe não teres recebidoo que, de melhor,eu poderia ter ofertado.

Maria Luiza Nora

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FIM DE CASO

O fim do amorpode ser muito injusto...Ele existe em mime existiu em você.Morreu unilateralmente e eu, que ainda o tenho vivo,preciso enterrá-loda mesma maneiraque vocêpara quemele não significa mais.Felizes daquelesque sabem sepultarseus mortos.Felizes aindaos que o fazemcom o morto que não é seue o enterramdevido à absolutaimpossibilidade de salvá-lo,já que ele precisaria de doispara sobreviver.

A ética da paixão

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Talvez o mais fácilo mais simples e sensatoseja matá-lo,para poder realizar,com firmezae aceitação,com serenidade, até,todos os necessários e,de certa forma,consoladoresritos fúnebresadequados ao que chega ao fim.Que morra este sentimentoe possa eu, após viver o luto,após sentir que ele,o amor, foi quebradoretomar os meus caminhosvoltar a me habitar e me sentirnovamente inteira.

Maria Luiza Nora

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vERSUS

Minha grande alegriaé ter recebidodentre todoso maior bem:uma paixão imensadaquelas que desnorteiame alucinam.Minha grande tristezaé tê-la perdidoe saber quenem por eleeu voltarei a sentiro que senti um dia.

A ética da paixão

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RESgATE

Talveza maneira que eu tenha encontradode mantê-lo em mimtenha sido deixá-lo partir.Possibilidade de mitificação,saudade que alimentaum certo masoquismo?Eu não saberia responder.Só sei que perdendoeu o acheilongeeu o compreendo melhore sem sua presençaé que pude inscrevê-lopara sempreem minha memória afetiva.Na distânciaeu pude retê-loe, com certeza,na poesia e nas lembrançasele estará mais bem guardadoque na realidade.

E que Deus nos guardena hora da solidãono tempo da sozinhez.

Maria Luiza Nora

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Índice geral

APRESENTAÇÃO 11A ÉTICA DA PAIXÃO 17

I A EXPLOSÃO 19(1a Fase do Ciclo da Paixão)

ESTE IMENSO AMOR 21; PLENITUDE 22; AMOR DE gUEIXA 23; COMO EU AMO vOCÊ 24; SUBLIMAÇÃO 25; SUTIL DIFERENÇA 26; A FLOR 27; A LINgUAgEM DOS CORPOS 28; TÍMIDA 29; O QUE LHE DEvO 30.

II A PLENITUDE 33(2a Fase do Ciclo da Paixão)

MINHA CRIA 35; SUICÍDIO 36; ANA DE ASSIS 37; O IDEAL 38; RIMA 39; EXORCISMO 40; RESPOSTA AO EXORCISMO 42; SILÊNCIO 44; SONHANDO 45; EQUILIBRISTA 46; NO BAÚ 47; SEM RÓTULOS 48; É PRECISO 49; OBRIgADA 50; A gRANDE DÍvIDA 51; ENTRE O AMOR E A PAIXÃO 52; QUE PENA 53; FAZER DORMIR 54.

Um parêntese - para tratar de outros temas 57PEQUENAS SABEDORIAS 59; SERvENTIA 60; OS POETAS 61; CONCORDANDO 62; MOTIvOS 63; DONA SINHá 64; DÚvIDA 65; POESIA 66; O QUE EU QUERIA 67; NATAL 68; vANDRÉ 69; vIDA

A ética da paixão

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DE POBRE 70; vIDAS RUBRAS 71; CRIANÇAS CRESCIDAS 72; CONSTATAÇÃO 73; CONSELHOS 74; CIRANDEIRO 75; PERDAS 77.

III A PERDA - O TÉRMINO - OU A MORTE DA PAIXÃO 79(3a Fase do Ciclo da Paixão)

gUILHOTINA 81; RITUAL 82; AREIA 83; O FIM ABSOLUTO 84; NÃO RESOLvE 86; SILÊNCIO 87; NEBLINA 88; TATUADOS 89; PROMESSA 90; TEMPO DE ADEUS 91; ABSURDAMENTE 92;SABEDORIA 93; O jOgO 94; BARRA gRANDE 95; ADERÊNCIAS 97; ACABOU-SE O QUE ERA DOCE 98; SOZINHO 99; DESÂNIMO 100; QUE PENA! 101;PARTIR 102; LIBERTAÇÃO 103; O QUE EU NÃO PERDOO 105; FIM DE CASO 106; vERSUS 108; RESgATE 109.