a terra e o texto dez anos depois: ainda o mesmo confronto?

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  • 7/31/2019 A terra e o texto dez anos depois: ainda o mesmo confronto?

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    A terra e o texto dez anos depois: ainda o mesmo confronto?1

    Daiane Boelhouwer Menezes/PPGCS-PUCRS2

    Resumo

    Este artigo se props a conferir se havia necessidade de alguma atualizao da teseCampos em confronto: a terra e o texto de Christa Berger, dez anos depois de suarealizao. Do mesmo modo que Berger, analisamos a relao estabelecida entre oMovimento Sem Terra (MST) e o jornal Zero Hora (ZH). O corpus da pesquisa foicomposto por notcias, editoriais, artigos, colunas e cartas de leitores publicados em ZH,que mencionaram o MST ou a reforma agrria, durante o ms de maro. Este ms representativo porque aconteceu, no Rio Grande do Sul, a invaso de uma fazenda, a 2Conferncia Internacional sobre Reforma Agrria e Desenvolvimento Rural, organizadapela ONU/FAO e um episdio de destruio de um viveiro de mudas de eucalipto emprotesto contra a expanso da monocultura desta rvore. Os resultados mostraram que o

    livro citado continua extremamente atual.

    Palavras-chave: Jornalismo; Zero Hora; MST; Reforma Agrria; Representaes Sociais.

    Introduo

    Em 1996, Christa Berger defendeu sua tese de doutorado, na Escola de

    Comunicao e Artes da Universidade de So Paulo, que dois anos depois foi publicada

    com o ttulo Campos em confronto: a terra e o texto. O livro trata de Zero Hora (ZH),

    jornal com maior circulao no Rio Grande do Sul3, e do Movimento Sem Terra (MST),

    analisando a luta de ambos pelo poder simblico (BERGER, 1998). A proposta deste

    artigo fazer a mesma anlise dez anos depois e ver se a relao entre a imprensa e

    movimento social permanece a mesma. As aes do movimento se modificaram um pouco

    (a destruio de um viveiro de mudas de eucalipto um exemplo desta modificao), de

    modo que imaginamos que a relao entre o MST e ZH pudesse ter se alterado.

    A idia de uma nova anlise sobre a relao entre ZH e MST se justifica porque

    este um dos mais importantes movimentos sociais brasileiros de toda a histria do pas 4, e

    um movimento social que conseguiu continuar como movimento social em uma poca em

    que boa parte deles se transformou em organizao no-governamental, terceiro setor ou

    ainda foi absorvido pelo que hoje se chama de responsabilidade social, se distanciando da

    1 Trabalho apresentado ao NP 02 Jornalismo, do VI Encontro dos Ncleos de Pesquisa da Intercom2 Mestranda em Cincias Sociais na PUCRS e aluna especial do PPGCOM/UFRGS. Graduada em Comunicao Jornalismo pela UFRGS. Bolsista por trs anos do Ncleo de Pesquisa Cultura e Recepo Miditica da UFRGS,orientado pela Profa. Dra. Nilda Jacks. Apresentou artigos, em 2005, no NP de Fico Seriada do Intercom, no GT deComunicao e Indstria Audiovisual do Seminrio Internacional de Comunicao realizado pela PUCRS e, em 2006,nos GTs Comunicao, Poltica e Cidadania e Comunicao e Educao, do Intercom Sul.3 E quinto maior em circulao do Brasil, segundo dados da Associao Nacional dos Jornais (www.anj.org.br).4 Segundo os depoimentos do antroplogo Darcy Ribeiro, o economista Celso Furtado, o fotgrafo Sebastio Salgado, oprmio Nobel de Literatura Jos Saramago, o cantor e compositor Chico Buarque e o historiador Eric Hobsbawn.(SUPLICY, 2000, p.14.)

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    utopia da emancipao esse projeto de uma sociedade em que homens e mulheres

    possam ser pessoas livres e autnomas, construtoras de uma sociedade democrtica e justa,

    cidados plenos, sujeitos de sua histria (SOBOTTKA, 2003, p.48). Soma-se a isto o fato

    do MST ser um movimento com uma amplitude e estratgias nacionais e, de certo modo,

    atravs da Via Campesina, internacionais. Zero Hora, por sua vez, faz parte do Grupo

    RBS, e a RBSTV compe a Rede Globo de Televiso, de forma que a proposta editorial do

    maior grupo de comunicao do Brasil e de ZH so semelhantes.

    A pesquisa foi realizada em notcias, colunas, artigos, editoriais e cartas de leitores

    que trataram de reforma agrria e do MST no ms de maro. Este ms foi muito

    representativo por causa de trs fatos importantes relacionados reforma agrria e ao MST

    que ganharam bastante destaque no jornal ZH: 1) a invaso da Fazendo Coqueiros, nomunicpio de Coqueiros do Sul/RS, que contou com aproximadamente 2.000 integrantes

    do movimento; 2) a destruio de um viveiro de mudas de eucalipto da empresa Aracruz

    Celulose, localizada em no municpio de Barra do Ribeiro/RS, em protesto contra a

    expanso da monocultura desta rvore no estado que, segundo as agricultoras, tem

    transformado a regio em um deserto verde improdutivo do ponto de vista da soberania

    alimentar (GLASS, 2006); 3) a 2 Conferncia Internacional sobre Reforma Agrria e

    Desenvolvimento Rural, organizada pela Organizao das Naes Unidas paraAlimentao e Agricultura (FAO).

    A terra e o texto: campos em confronto

    De modo semelhante ao proposto por este artigo, os fatos analisados por Berger so

    ocupaes e um caso excepcional a cobertura da morte do soldado Valdeci de Abreu

    Lopes, no dia 8 de agosto de 1990. A autora focalizou sua anlise mais nos ttulos, j que:

    No caso do MST, a manchete e o ttulo constituem, para muitos leitores, a nica

    informao, pois conflitos em torno da posse da terra no dizem respeito,diretamente, a quem no proprietrio de terra; no emocionam como umadesgraa; no mobilizam como uma tragdia e no se enquadram na informaoindispensvel vida urbana/cotidiana. Logo, raramente vendem jornal e so lidospelo que se salienta do texto: ttulos, negritos, legendas e fotos.(BERGER, 1998,p.130)

    Alm disso, o ttulo tambm o lugar da pgina impressa mais prximo da voz

    oficial, pois ainda que o reprter sugira o ttulo, este s publicado se aprovado pelo

    editor.

    O discurso no pode ser considerado em si mesmo: as propriedades formais das

    obras desvelam seu sentido somente quando referidas s condies sociais de produo e,

    por outro lado, s posies ocupadas por seus autores no campo da produo e ao

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    mercado para o qual foram produzidas (BOURDIEU, 1996, p.129 apud BERGER, 1998,

    p.12). Por isto, importante sempre levar em considerao que autonomia do jornalista

    depende da posio ocupada e da concentrao da imprensa em sua regio que, sendo

    geralmente alta, leva insegurana no emprego e a salrios baixos. Na mesma linha,

    importante perceber que o editor de um jornal tem que se preocupar em conquistar leitores,

    dentro daquilo que cabe na ideologia de seu jornal, sem se confrontar com aqueles que o

    sustentam economicamente. Estas condies de produo marcam as relaes entre os

    jornalistas e suas fontes, tornando-os propensos a acatar a verso dos anunciantes e dos

    proprietrios. A luta no interior do campo do jornalismo

    gira em torno do ato de nomear, pois, nele, se encontra o poder de incluir ou deexcluir, de qualificar ou desqualificar, de legitimar ou no, de dar voz, publicizar etornar pblico. Este poder se concentra em quem escolhe a manchete, a foto, anotcia de primeira pgina, o espao ocupado, o texto assinado ou no. (BERGER,1998, p.22)

    O processo se d da seguinte forma: reprteres recolhem fatos com potencial de

    noticiabilidade e os levam para a redao, onde tambm as fontes procuram os jornalistas.

    H um processo de deciso que precede realizao da matria, verificando a

    possibilidade de o fato acontecido entrar no circuito informativo. Depois h um processo

    de hierarquizao dos acontecimentos, quando atribuda uma importncia ao

    acontecimento por parte do editor, que decide a forma de tratar o assunto, escolhe o

    jornalista para realizar a cobertura, opta por fotografar ou no. Finalmente, h o processo

    de tematizao que, mais do que expor os temas, centra ateno em alguns. Ao tematizar

    um assunto, se reduz a complexidade da vida social queles temas que ele define a priori

    como relevantes.

    Segundo Berger, o MST percebe a mediao da informao na sua interlocuo

    com o poder poltico. E a mdia sabe que seu poder est na sua condio de mediao. Por

    isso, o MST precisa encenar suas reivindicaes, torn-las fotografveis e a imprensaprecisa contar o presente com o mximo de expedientes de real, como fotos, por

    exemplo, pois assim aumenta sua credibilidade (Ibid., p.11). O jornal ZH, no perodo

    analisado por Berger, criminalizava o MST ao optar por chamar as aes do movimento de

    invases, o que remete a uma defesa da propriedade privada, a definio do movimento

    como transgressor das leis e endossa, de certa forma, a represso. Caso optasse por

    ocupaes, sustentaria o conceito de propriedade social da terra, fazendo com que a

    represso ao MST fosse a parte ilegal. Mas o tratamento dado aos fatos no ocorreu sempreda mesma forma:

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    a construo do sentido se fez pela combinao dos sem-terra que invadem,resistem, degolam; o governo que busca solues e a Justia que julga. Como todoo movimento social, o Movimento Sem Terra intransigente e violento. Mas, sualuta, , s vezes, justa em uma brecha do texto. (BERGER, op.cit., p.189)

    As formas de luta utilizadas pelo MST so:ocupao de terras e acampamentos em locais estratgicos; tomadas de prdios,como a sede do Incra, e praas pblicas; caminhadas com interrupo de rodovias;visitas aos gabinetes de autoridades estaduais e federais; alm de greves de fome efechamento de trevos. Mais recentemente optaram, tambm, pela candidatura delderes para cargos polticos. (Ibid., p.94)

    E agora passaram tambm a utilizar aes que chamem a ateno para os problemas

    acarretados pela a monocultura e os transgnicos. Quando as suas estratgias esgotam-se e

    se naturalizam, os sem-terra tm que pensar em algo novo, pois sabem

    que a luta pela terra e a questo da reforma agrria no so em si notcia no Brasil.Por um lado porque ela a mesma h muitos anos e, assim, no corresponde aocritrio de ser notcia; por outro, porque no vai ao encontro dos interesses dos quedetm o poder poltico e de seus representantes na mdia (Ibid. p.109).

    De maneira mais sistemtica, Berger diz que latifundirios obtm sucesso na sua

    presso contra a Reforma Agrria porque:

    a) contam com o apoio da grande imprensa; b) dispe de recursos financeiroselevados para gastar no lobby anti-reforma; c) esto umbilicalmente ligados asetores dinmicos do capitalismo, de modo que conseguem neutralizar pressesreformistas de setores industriais e comerciais que s se beneficiariam com uma

    repartio mais eqitativa da terra e da renda rural; d) continuam a manter laosestreitos com a cpula poltica do Pas; e) apesar de sua diviso e disputas, elessouberam compor suas diferenas para fazer frente ameaa comum a todos.(Ibid., p.95-6)

    A autora cria uma classificao dos conflitos propostos pelo MST e aponta quais

    so os mais noticiveis:

    a) o conflito poltico um conflito radical, em que no h conciliao com o

    poder. As posies saem de lugares opostos, pois a luta de classes marca o confronto. No

    resulta em manchetes e rende poucas notcias.b) o conflito institucional ocorre quando o MST dirige suas reivindicaes a

    rgos do governo que se destinam a cuidar dos problemas ligados terra, como o caso

    do Incra. Aqui a posio de negociao, eles sabem que no h possibilidade de vitria

    total, os ganhos so parciais e vo sendo conquistados no confronto. Este conflito costuma

    ser notcia e, eventualmente, manchete, mas produz poucas imagens.

    c) o conflito armado confirma a radicalidade do MST: um movimento que se

    arma, em uma atitude defensiva-provocativa, com foices e enxadas. Transfigurando seus

    instrumentos de trabalho, ameaa e chama guerra. Este conflito responde a uma ttica

    de comunicao: ele o conflito mais facilmente espetacularizado pelos meios

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    audiovisuais (BERGER, op.cit., p.120), garantia de notcia, manchete, capa e merece

    fotografia.

    O movimento, ao se transformar em notcia, insere-se na pauta do poder. As

    ocupaes mostram para o governo que o MST conhece as reas improdutivas, seleciona

    as de sua preferncia e capaz de mobilizar pessoas para lutar por elas. Alm disso, so

    quase garantia de constar na mdia, pois a invaso passa pela seleo do primeiro grau o

    critrio da noticiabilidade dos jornais (Ibid., p.156).

    Dez anos depois

    No ms de maro de 2006, houve trs acontecimentos significativos envolvendo a

    reforma agrria e o MST. O que ocorreu primeiro foi a ocupao, pela quarta vez, da

    Fazenda Coqueiros. O assunto foi tematizado pelo jornal, tendo estado at o dia 16

    diariamente presente no jornal (com exceo de dois dias), s vezes com at quatro textos

    sobre o assunto, sendo a mdia desta primeira quinzena de maro de dois textos por dia.

    Em relao ao dos sem-terra, ZH continua usando sempre a palavra invaso,

    apesar da publicao de um curioso artigo que diz:

    mudaram o sentido das palavras. Invaso de propriedades particulares e atpblicas deixou de ser invaso, ou esbulho, segundo a linguagem legal. Por ironiapassou a chamar-se ocupao pacfica. [...] Toda notcia divulgada no pas fazalguns anos, em torno de 20 anos, obedece nova linguagem.

    Entretanto, em parte alguma de ZH encontramos a palavra ocupao.

    O jornal continua a dar destaque para fatos criminosos como os pneus furados de

    uma viatura da polcia pelos sem-terra, para que os policiais no pudessem comunicar a

    ocupao, com direito a uma foto da viatura. D voz ao capataz da fazenda ocupada para

    dizer que sete funcionrios teriam sido feito de refns, por 10 homens encapuzados e

    armados, e que os sem-terra teriam furtado uma espingarda calibre 12. Um outro

    funcionrio disse que eles passaram o maior medo da vida, com um (revlver) 38apontado na cabea.

    Neste tipo especfico de cobertura, no se pode acusar os jornais de apresentarem

    apenas fragmentos e no trazerem fatos do passado. Havia, por exemplo, um box intitulado

    entenda o caso, em que apareciam as datas das invases anteriores, contando, por

    exemplo, que integrantes do movimento, em setembro de 2004, invadiram a rea,

    cultivaram milho e depois saram instalando-se em terras vizinhas, arrendadas pelo MST;

    e que, em fevereiro de 2005, a colheita do milho pelos funcionrios da Coqueiros teve queser realizada sob proteo policial.

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    A questoda construo de pequenos barracos de madeira, em lugar das armaes

    de lona preta normalmente utilizadas, com madeira retirada de uma serraria da fazenda

    ocupada, ganhou destaque em vrios textos. Tambm enfatizado o grande nmero de

    sem-terra presentes na fazenda, cerca de 2 mil, o que estaria provocando medo nos

    moradores prximos e funcionrios da fazenda.

    Os proprietrios aparecem como guardies do meio-ambiente, dizendo que temiam

    que os danos fossem irrecuperveis, pois no local havia 300 hectares de mata nativa e os

    sem-terra, segundo eles, cobiam a madeira, e no ligam para a fauna e flora abundante l

    dentro. Se puderem vo derrubar a mata. Tambm pedem a reintegrao de posse baseada

    em danos e risco de vida que os proprietrios e funcionrios da fazenda teriam sofrido.

    Como diz Berger, s vezes, a causa dos sem-terra aparece como sendo justa, masisto normalmente s em cartas de leitores e artigos e, ainda assim, em um nmero muito

    pequeno. H, por exemplo, uma carta de leitor que diz que o que condenvel o fato de a

    legislao brasileira permitir que um cidado tenha uma extenso de terras de 7 mil

    hectares, o que contribuiria para que se perpetuassem mazelas como fome, misria e

    revoltas.

    Quando dado algum espao para os sem-terra falarem em ZH, este muito

    pequeno. Eles costumam aparecer somente no final das matrias, dizendo, por exemplo,que ficaro na fazenda ocupada at o anncio do assentamento das famlias. Quando os

    integrantes do MST resolvem no falar com os reprteres do jornal, a ltima linha das

    matrias costuma informar que a assessoria de imprensa do movimento no quis comentar

    determinado fato ou que no foi encontrado nenhum integrante do movimento que quisesse

    falar sobre o assunto.

    Os sem-terra aparecem na maior parte dos textos referentes a esta ocupao como

    aqueles que se negam a cumprir as ordens judiciais de deixar o local voluntariamente noprazo estabelecido.

    O movimento faz algumas coisas com a nica inteno de serem fotografveis. As

    trincheiras cavadas, por exemplo, ajudariam muito pouco se a idia fosse realmente

    resistir. Se fosse o caso, procurariam locais mais propcios para isto. Mas trincheiras

    rendem fotos. Uma matria trazia a informao de que nos acessos ao acampamento havia

    trincheiras para um possvel confronto. Lanas de madeira eram usadas de armadilha para

    quem no conhecia o terreno, principalmente noite. A foto mostra as lanas de madeira

    ao lado de uma barreira de madeira onde estava escrito venceremos. Outra encenao

    ocorre quando oficiais de Justia, escoltados por 25 policiais militares (PMs) a p e a

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    cavalo, foram ao acampamento entregar a notificao que determinava a sada do grupo.

    Depois da leitura da notificao, os papis foram rasgados e pisoteados por uma lder do

    movimento na frente dos oficiais. Os invasores avanaram contra os policiais, que

    precisaram se defender utilizando os cavalos. Os policiais tambm precisaram sacar armas

    e espadas para conter os manifestantes. A foto desta matria mostra um campo de batalha

    com PMs e cavalos de um lado e sem-terras do outro, com a legenda: MST e PMs se

    enfrentaram dentro da rea invadida da Fazenda Coqueiros, mas no houve feridos.

    Novamente, s na ltima linha da notcia, aparece um dos lderes do acampamento

    reiterando que os colonos no pretendem deixar a rea at que os governos estadual ou

    federal se comprometam a adquirir parte da rea para assentar as famlias.

    Na falta de um contingente suficiente de policiais militares para fazer adesocupao, que teriam que ser removidos de outros municpios, a situao se arrastou.

    Alguns ttulos de matrias so sensacionalistas, como Polcia prepara operao de

    guerra. Este ttulo dizia respeito ao fato de o servio de inteligncia da Brigada Militar

    (BM) indicar que integrantes do MST estariam preparando uma emboscada na

    madrugada. Na noite anterior, tinha havido tenso: o acampamento da BM teve a luz

    cortada e ficou s escuras. Segundo o jornal, como a Brigada s poderia chegar ao

    gerador para relig-lo atravessando o acampamento do MST, a base onde estavam maisde 300 PMs ficou sem luz durante toda a noite. Uma das matrias dizia que no houve

    incidentes, mas que durante a madrugada, mais uma vez foram ouvidos disparos de

    armas de fogo e os invasores tambm fizeram ecoar gritos de guerra. Um deles dizia

    cada foice, uma cabea. Esta foi mais uma encenao para garantir espao na mdia

    porque se de fato quisessem fazer algo do gnero, no anunciariam.

    Mas o conflito estava perto de se encerrar, pois o movimento conseguiu fazer parte

    da agenda do governo e o Incra ofereceu duas reas recentemente desapropriadas emSantana do Livramento para assentar os ocupantes da Coqueiros. Segundo ZH, a

    Fazenda Coqueiros s no foi desocupada antes porque o governo temia um confronto

    sangrento no momento em que centenas de estrangeiros participavam da Conferncia da

    Reforma Agrria e Desenvolvimento Rural. No dia em que se encerrou a conferncia,

    assunto que analisaremos depois, o MST anunciou a desocupao voluntria da Coqueiros.

    O Incra confirmou o assentamento das famlias, mas segundo uma matria do jornal pesou

    para a deciso, tambm, a contrariedade da opinio pblica com a destruio do viveiro

    da Aracruz [tema que tambm analisaremos logo a seguir e que teve a segunda maior

    importncia em termos de textos publicados no jornal no ms de maro] e a promessa de

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    rigor do governo estadual. Segundo um dos lderes dos sem-terra: Ns falamos que

    sairamos daqui somente com um resultado concreto. Felizmente tivemos nossa demanda

    atendida. No o suficiente para acomodar todas as famlias, mas uma vitria.

    H tambm matrias que tratam de mostrar como o movimento funciona por

    dentro, normalmente atravs de ex-sem-terra. Nelas aparecem dois integrantes do MST

    que deixaram a Fazenda Coqueiros porque tinha muita confuso l dentro. Tinha uns

    caras que tomam uns tragos e ficam metendo presso. Disseram que fugiram quando

    viram a BM porque a notcia que circula l dentro que a Brigada baixa o pau em quem

    sai. isso que eles ficam dizendo para as pessoas continuarem l. Contaram, ainda, que

    tinha gente recebendo treinamento para resistir e que no viram armas de fogo, embora

    achassem que havia algumas no acampamento.Com o fato de os sem-terra terem se alojado em propriedade vizinha fazenda

    desocupada, foi trazido que se temia que no local fossem repetidos os atritos da outra rea

    arrendada pelo MST ao lado da fazenda, onde vivem cerca de 80 famlias desde 2004.

    Segundo ZH, nos ltimos dois anos, tinham sido registradas mais de 30 ocorrncias

    policiais na regio e as colheitas precisavam ser escoltadas. Outra matria termina

    dizendo que um delegado instaurou inqurito para investigar mais de 10 crimes, em

    aes que ocorreram no perodo da ocupao da Coqueiros, e que indiciaria 800integrantes do MST que participaram da invaso da Fazenda Coqueiros por pelo menos

    oito crimes. Segundo a matria uma ocorrncia policial registrada para apurar a

    destruio de 1,5 mil metros de cerca e a morte a tiros de um boi. No final de um box h

    um Contraponto, que diz: ZH consultou a assessoria do MST, mas o movimento

    preferiu no se manifestar.

    A morte de uma menina no acampamento ao lado da Coqueiros ganhou destaque

    em algumas matrias, sendo apontada como uma das causas para que o MST tenhaapressado sua sada de l. No acampamento estavam mais de mil pessoas. Com pouca

    comida, sem gua tratada e sem condio de higiene. ZH trouxe tambm a negao de

    uma informao, que no chegou a ser publicada anteriormente, de que a me da menina

    teria sido impedida de sair do acampamento para pedir atendimento mdico. A negao foi

    feita por um dos lderes do acampamento e reiterada, em outra matria, pela av da

    criana: A gente tinha de receio de sair, mas no por causa dos chefes. A gente tinha

    receio da Brigada Militar.

    No caso do episdio Aracruz, a tematizao ocorreu tambm com notcias dirias

    do dia 09/03 ao dia 22/03 (com exceo de um dia), com uma mdia de trs textos por dia,

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    chegando a ter at dez textos relacionadas a ele em um nico dia. Como a ocupao da

    Fazenda Coqueiros e o episdio da Aracruz estiveram em pauta simultaneamente, entre os

    dias 9/03 e 16/03, podemos dizer que nesta semana todos os dias tiveram, em mdia, cinco

    textos que envolviam o MST no jornal, sem contar aqueles relacionados conferncia, que

    sero posteriormente analisados.

    Sobre a destruio das mudas de eucalipto da Aracruz foram publicadas fotos de

    tubos de ensaio quebrados, de estufas destrudas, com uma legenda que dizia a

    depredao de laboratrio e de experimentos cientficos, que pode abortar novos

    investimentos no Estado, foi consumada em menos de uma hora por centenas de

    manifestantes, a maioria mulheres, e de armas utilizadas (um pedao de madeira com

    uma faca na ponta). O fato de ter sido um movimento de majoritariamente mulheres foiressaltado por muitos textos, dizendo que a invaso ficou a cargo das mulheres por um

    motivo poltico, pelo fato de que ocorreria no Dia Internacional da Mulher, e outro prtico.

    Caso fosse encontrada resistncia, a presena do pblico feminino seria um seguro para os

    invasores.

    Em vrios textos sublinhado o fato de ter sido uma ao violenta, realizada por

    um contingente estimado em 1,5 mil agricultores, que destruram um laboratrio,

    experimentos cientficos, oito estufas e pelo menos 3 milhes de mudas de eucaliptos naFazenda Barba Negra, de propriedade da Aracruz Celulose SA, em Barra do Ribeiro.

    Aparece o depoimento de um funcionrio que, em lgrimas, disse: As instalaes

    fsicas podem ser recuperadas. Mas o material de pesquisa, no. Imagine o que ver

    espalhadas pelo cho sementes que acompanhei nos ltimos 19 anos.

    A informao sobre o investimento da Aracruz e seus empregos tambm foi

    bastante repetida: a ao colocou em risco o emprego de 1,2 mil pessoas que j trabalham

    na empresa e outros 50 mil empregos diretos e indiretos que podem ser gerados caso aAracruz escolha o Estado como sede de seu novo investimento: uma nova fbrica de US$

    1,2 bilho. O secretrio de Desenvolvimento convocou a sociedade para mostrar que a

    manifestao no representa a comunidade gacha, porque, caso contrrio, isso seria

    mortal para as negociaes com os investidores do setor.

    O fato de trs emissoras de TV SBT, Bandeirantes e Record saberem com

    antecedncia da ao teria evidenciado a inteno do movimento de dar publicidade a seu

    ato, questo que foi ressalta por vrios textos tambm.

    Alguns textos relacionaram o episdio da Aracruz com a 2 Conferncia

    Internacional sobre Reforma Agrria e Desenvolvimento Rural, dizendo que aquele pegou

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    carona com esta, que reuniu organizaes de diferentes partes do mundo e autoridades.

    Na reunio ocorrida, o lder do MST Joo Pedro Stedile havia salientado: No mais o

    capital industrial que controla a agricultura, o financeiro. O inimigo no mais o

    latifundirio tradicional, mas o grande capital internacional. Outra matria diz que o

    episdio afirma a nova linha da organizao. A frente de batalha deixa de ser o campo

    improdutivo, e a articulao das invases agora internacional. Um dirigente da Via

    Campesina teria culpado a vtima, dizendo que a destruio do laboratrio foi um ato de

    legtima defesa de camponeses contra a poltica destrutiva de uma empresa, a Aracruz, que

    prega a monocultura, danifica o ambiente e o torna infrtil. Em uma entrevista, um lder

    da Via Campesina disse que a produo de eucalipto resulta em problemas ambientais,

    mas que isto se refere produo em grande escala, embora tambm no deva haverexperimentos nos assentamentos devido aos danos ao ambiente. Este comentrio foi feito

    em funo das matrias que disseram que os sem-terra procuraram a Aracruz porque

    estavam interessados em plantar eucaliptos nas partes altas de um assentamento, o que no

    se concretizou porque no ganharam a autorizao do movimento, e outros textos que

    diziam que o episdio da Aracruz era ridculo j que eucaliptos eram plantados em

    assentamentos do MST. O lder da Via Campesina disse tambm que a Aracruz foi uma

    questo simblica. Uma mensagem enviada pelas mulheres s multinacionais. E terminoudizendo que queria a compreenso dos habitantes do Rio Grande do Sul porque eles

    estavam defendendo a terra, a gua e o ambiente. A violncia gerada pela excluso social

    era muito maior.

    A discusso sobre as florestas de eucalipto propriamente dita aparece somente em

    um quadro que trata muito sinteticamente dos argumentos contra e a favor e nas palavras

    do ministro do desenvolvimento agrrio que afirmou ser legtima a discusso sobre a

    monocultura do eucalipto, pois a experincia mostra que a monocultura no aestratgia mais adequada, do ponto de vista econmico, porque amplia a dependncia a

    uma produo, e ambientalmente um desastre.

    Atos passados so trazidos para os textos, lembrando, por exemplo, que o fato de

    at agora ningum ter sido punido pela destruio da lavoura da Monsanto [em 2001] e no

    terem sido identificados os responsveis pelo incndio criminoso que em 2003 destruiu o

    Centro de Biotecnologia da UFRGS estimula a repetio dos atos de violncia.

    Vrias matrias ressaltaram a ruptura formal que o governador em exerccio

    declarou, suspendendo temporariamente toda e qualquer relao institucional de rgos

    do governo do Estado com a Via Campesina, o que incluiu contratos e repasses a

  • 7/31/2019 A terra e o texto dez anos depois: ainda o mesmo confronto?

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    entidades ligadas Via Campesina. J o ministro de desenvolvimento agrrio afirmou que

    o governo federal, embora condene a depredao, manteria as relaes institucionais

    com os movimentos sociais envolvidos no ataque a Aracruz. Um editorial disse que os

    contribuintes se surpreenderam ao constatar que recursos pblicos financiam um

    movimento que, com freqncia, agride a sociedade, mancha a imagem do pas e funciona

    como uma usina de insegurana jurdica e social. Disse tambm que a democracia no

    pode financiar os que querem destru-la. Outro editorial disse que as aes enrgicas das

    instituies so a resposta adequada no sentido de preservar a lei, identificar responsveis e

    evitar a repetio dos acontecimentos, e que elas teriam o efeito de desfazer o ceticismo

    de parte da sociedade em relao s possibilidades de punio dos invasores.

    Vrios textos trataram do desgaste poltico que o MST teria sofrido, dizendo queseu radicalismo teria isolado o movimento de seus tradicionais aliados: at mesmo o PT

    condenou o ato. Em nota oficial, o partido declarou que a ao realizada por ativistas no

    laboratrio da Aracruz est equivocada e no contribui para a soluo dos problemas no

    campo e para o avano do processo de reforma agrria, mas deixou claro que est do

    lado da luta pela terra.

    O Ibope fez uma pesquisa sobre o que a populao pensava em relao ao MST.

    Esta pesquisa foi citada por muitos textos, sendo os seguintes dados os mais explorados:76% dos entrevistados consideravam que as invases abalavam a democracia, eram

    antidemocrticas ou reprovavam as invases de propriedade; e 56% das pessoas

    consultadas achavam que as aes do MST traziam mais resultados negativos do que

    positivos para a reforma agrria.

    As cartas de leitores so em sua esmagadora maioria contrrias ao MST. Falam

    que estamos de volta era da barbrie dos trogloditas; vivendo numa terra sem lei; que

    o Ministrio Pblico tem de agir depressa e banir o MST do pas, ou veremos em breveuma nova Farc destruindo vidas; que hora de pararmos de chamar esses movimentos de

    sociais e comearmos a denomin-los de terroristas; que o MST quer aparecer na mdia

    a qualquer custo. Os seus dirigentes utilizam os famintos, excludos, para fazer deles sua

    armadura, no se importando com os resultados, desde que continuem a receber as verbas

    internacionais e nacionais. Depois de muitas sees de cartas somente contra o

    movimento, apareceram opinies divergentes. Entre os pedidos de cadeia para os

    envolvidos e corte da ajuda financeira dos rgos governamentais, h algumas vozes

    destoantes dizendo que a grande mdia s noticia a ao de vndalos, j que do seu

    interesse que a sociedade como um todo seja contra os movimentos sociais e contra a

  • 7/31/2019 A terra e o texto dez anos depois: ainda o mesmo confronto?

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    reforma agrria; e que s distribuindo a terra, com a reforma agrria, teremos menos

    fome e mais empregos.

    Na seo Sobre ZH h um leitor que pede que a mesma iseno pretendida pelo

    jornal durante o perodo eleitoral seja usada na cobertura do episdio da Aracruz, que

    sejam buscadas pessoas e entidades ligadas aos movimentos citados como responsveis,

    para verificarem seus motivos e desesperanas. J outro leitor parabeniza o jornal pela

    cobertura que levantou a opinio pblica e obrigou o governo a tomar providncias.

    Os artigos falavam, em geral, de brbaros, salteadores, ladres e bandidos,

    vndalos alienados, protagonistas do retrocesso, movimento paramilitar. Mas um

    deles, curiosamente, termina com a frase:

    faz-se fundamental destacar que a busca por uma reforma agrria inclusiva e justadeve ser sempre defendida pela sociedade. Aos homens do campo, h de serconcedida a oportunidade de trabalhar em seu prprio cho, onde podero produzir,dar sustento s suas famlias e movimentar a economia brasileira.

    Como constatou Berger, os detentores do poder do campo poltico tentam fazer crer

    que a reforma agrria um dia ir acontecer e que o MST s atrapalha o andamento das

    coisas.

    Um artigo falava que a reforma agrria uma ao mais do que necessria para o

    desenvolvimento do pas e que a prpria histria de luta dos movimentos sociais

    camponeses como o MST vem despertando na sociedade brasileira a conscincia dessa

    necessidade, ao reunir trabalhadores sem perspectivas que, atravs da desobedincia civil,

    buscam alterar um quadro que favorece o latifndio em detrimento da funo social da

    propriedade. Mas falava tambm que associar a imagem desse movimento a cenas de

    destruio, barbrie e vandalismo, foi um erro brutal de avaliao de algumas lideranas

    do movimento. A Aracruz no teria sido a nica vtima dessa ao, foi tambm a

    imagem de um movimento legtimo. Foi tambm a grandeza de uma idia, perante boa

    parte da opinio pblica. Outras matrias adotaram a mesma idia, dizendo que: uma

    srie de posies polticas equivocadas, tomadas pelos lderes dos agricultores, como a

    destruio do viveiro da Aracruz Celulose acabou tornando as marchas de agricultores

    nos centros urbanos um smbolo de medo para a populao; estava havendo um

    esgotamento do movimento, que estaria levando-o ao extremismo para manter-se tona

    da vida poltica, o que apenas aceleraria sua imagem negativa entre os brasileiros e

    rebaixaria a viso sobre a necessidade da reforma agrria.

    O jornal apontou conexes do MST e da Via Campesina com a Venezuela e com

    Cuba, disse que a organizao estava se afastando do governo Lula e optando por lutas

  • 7/31/2019 A terra e o texto dez anos depois: ainda o mesmo confronto?

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    populares, o que significava invases de multinacionais e de prdios pblicos e

    destruies de experincias com transgnicos.

    Por fim, trataremos dos textos relacionados Conferncia Internacional sobre

    Reforma Agrria e Desenvolvimento Rural. O tema tambm esteve presente diariamente

    no jornal do dia 01/03 ao dia 11/03 (com exceo de dois dias), com uma mdia de mais de

    um texto por dia. Dos 16 textos publicados sobre o tema, seis diziam respeito agenda

    cultural do evento.

    As matrias chamavam a ateno para a participao de delegaes de mais de cem

    pases comandadas por ministros ou vice-ministros, e que Porto Alegre voltaria a sediar

    um importante evento internacional, uma verso agrria do Frum Social. As matrias

    tambm disseram que o objetivo do encontro era traar estratgias para que a reformaagrria e o desenvolvimento rural colaborem para a superao da pobreza e no combate a

    fome. O presidente da FAO disse que preciso debater uma concepo moderna de

    reforma agrria, que no fique restrita propriedade da terra, mas inclua formas de apoiar

    o desenvolvimento do campo. Disse tambm que a maior parte da pobreza do mundo

    est no campo, particularmente entre camponeses sem terra, mais precisamente trs em

    cada quatro pessoas que passam fome no mundo esto longe das cidades, portanto no

    h como erradicar a pobreza sem passar pelo desenvolvimento rural informao que foiutilizada por muitos textos.

    A marcha que ocorreu na abertura da conferncia tambm foi notcia. Agricultores

    de sete estados queriam aproveitar a presena de delegados de 81 pases, em Porto Alegre,

    para alertar sobre a realidade brasileira, que contemplaria os grandes produtores e

    esqueceria os pequenos. Os agricultores fizeram uma encenao contra multinacionais,

    atearam fogo bandeira dos EUA e causaram congestionamento.

    Durante a conferncia, o presidente em exerccio, Jos Alencar criticou odescumprimento de decises judiciais por parte de sem-terra e disse que a reforma

    agrria tem que ser feita dentro da lei. Stedile reagiu dizendo que: Eles pedem tanto para

    os sem-terra cumprir a lei, mas so os primeiros a no cumprir, lembrando o fato de o

    governo federal no atualizar os ndices de produtividade, como exige a legislao.

    Editoriais do jornal opinaram que o Brasil no vai conseguir se desenvolver, nem

    reduzir seus nveis de misria sem uma poltica efetiva para o campo, mas que a soluo

    no se restringe a um rearranjo agrrio, pois

    o fracionamento e a distribuio de terras deixou, h muito, de ser soluo deconsenso para o acesso produo ou instrumento de reduo de desigualdades

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    sociais. O novo perfil assumido pelo setor primrio, com forte carter empresarial,em que a produtividade exige pesados investimentos em tecnologia, desfez aospoucos a imagem romntica de que o mundo ideal do campo estaria representadopela pequena propriedade quase artesanal.

    As solues estariam, ento, muito alm da opo limitadora da reforma agrria.O movimento encena novamente para ganhar uma matria com foto, que mostra

    policiais militares fazendo fora contra o porto do local onde estava se realizando a

    conferncia para impedir a entrada de integrantes da Via Campesina. A legenda dizia que

    os manifestantes estavam enfrentando os policias. Segundo o texto, aps uma rpida

    negociao, um grupo de 50 mulheres pde entrar na conferncia e ler um manifesto

    contra o crescimento de reas de reflorestamento, que dizia que os investimentos no setor

    contribuam para a formao do que os militantes chamam de deserto verde.Ainda o mesmo confronto

    As concluses que podem ser tiradas desta amostra pequena, mas representativa,

    que o confronto continua o mesmo, provavelmente merecendo ainda mais espao. Como

    Berger j havia detectado, o conflito armado continua a ser aquele que merece grandes

    reportagens e fotos. O confronto poltico aparece raramente em uma entrevista ou em

    algum comentrio de membros do MST, mas sem destaque.

    Mesmo sendo negativa a representao que a imprensa faz do MST, ele consegue,

    atravs dela, entrar na pauta do poder. Conseguiu, no caso da ocupao da Fazenda

    Coqueiros, que aconteceu simultaneamente conferncia e ao episdio da Aracruz, que o

    governo liberasse terras para um assentamento. Talvez, de fato, a imagem pblica do

    movimento tenha perdido alguns pontos depois do episdio da Aracruz, mas como o

    prprio jornal demonstra, lembrando do episdio da Monsanto, no foi a primeira vez que

    algo assim foi feito pelo MST.

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