a técnica da distração no alívio da dor em crianças hospitalizadas

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE MEDICINA DE RIBEIRÃO PRETO DEPARTAMENTO DE NEUROCIÊNCIAS E CIÊNCIAS DO COMPORTAMENTO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE MENTAL NÁTALI CASTRO ANTUNES CAPRINI OLIVEIRA A TÉCNICA DA DISTRAÇÃO NO ALÍVIO DA DOR EM CRIANÇAS HOSPITALIZADAS: UM ENSAIO CLÍNICO RANDOMIZADO RIBEIRÃO PRETO - SP 2014

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  • UNIVERSIDADE DE SO PAULO

    FACULDADE DE MEDICINA DE RIBEIRO PRETO

    DEPARTAMENTO DE NEUROCINCIAS E CINCIAS DO COMPORTAMENTO

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM SADE MENTAL

    NTALI CASTRO ANTUNES CAPRINI OLIVEIRA

    A TCNICA DA DISTRAO NO ALVIO DA DOR EM CRIANAS

    HOSPITALIZADAS: UM ENSAIO CLNICO RANDOMIZADO

    RIBEIRO PRETO - SP

    2014

  • NTALI CASTRO ANTUNES CAPRINI OLIVEIRA

    A TCNICA DA DISTRAO NO ALVIO DA DOR EM CRIANAS

    HOSPITALIZADAS: UM ENSAIO CLNICO RANDOMIZADO

    RIBEIRO PRETO - SP

    2014

    Dissertao de Mestrado apresentada ao

    Programa de Ps-graduao em Sade Mental

    da Faculdade de Medicina de Ribeiro Preto da

    Universidade de So Paulo para obteno do

    ttulo Mestre em Cincias.

    rea de Concentrao: Sade Mental

    Orientadora: Profa. Dra. Maria Beatriz Martins

    Linhares

  • Autorizo a reproduo e divulgao total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio

    convencional ou eletrnico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.

    Oliveira, Ntali Castro Antunes Caprini

    A tcnica da distrao no alvio da dor em crianas

    hospitalizadas: um ensaio clnico randomizado. Ribeiro Preto, 2014.

    86p. : il. ; 30 cm

    Dissertao de Mestrado, apresentada Faculdade de Medicina

    de Ribeiro Preto/USP. rea de concentrao: Sade Mental.

    Orientadora: Linhares, Maria Beatriz, Martins.

    1. Dor peditrica. 2. Dor aguda. 3. Distrao.

    4. Interveno no-farmacolgica, hospitalizao.

  • Nome: Oliveira, Ntali Castro Antunes Caprini

    Ttulo: A tcnica da distrao no alvio da dor em crianas hospitalizadas: um ensaio clnico

    randomizado.

    Aprovado em: ____/____/________

    Banca Examinadora

    Prof. Dr. ___________________________________________________________________

    Instituio:____________________________________Assinatura: ____________________

    Prof. Dr. ___________________________________________________________________

    Instituio:____________________________________Assinatura: ____________________

    Prof. Dr. ___________________________________________________________________

    Instituio:____________________________________Assinatura: ____________________

    Dissertao de Mestrado apresentada ao

    Programa de Ps-graduao em Sade Mental

    da Faculdade de Medicina de Ribeiro Preto da

    Universidade de So Paulo para obteno do

    ttulo Mestre em Cincias. rea de

    concentrao: Sade Mental

  • A mente que se abre para uma nova idia, jamais

    voltar ao seu tamanho original

    Albert Einstein

  • Agradecimento Especial:

    Profa. Dra. Maria Beatriz Linhares pelos ensinamentos,

    orientaes e suporte durante a trajetria deste trabalho. Pela

    oportunidade nica de aprendizado e por ter acreditado e

    confiado no meu potencial desde a minha chegada em Ribeiro

    Preto. Obrigada por compartilhar comigo o seu vasto

    conhecimento, sua rica experincia e sabedoria. Com voc alm

    de teorias, aprendi a ter entusiasmo e aumentar ainda mais a

    magnitude do amor que sinto minha profisso. Tenho

    admirao pela sua competncia como professora e orientadora,

    que sempre nos ensina a buscar a excelncia, transmitindo seu

    apoio e segurana. Sempre ser um privilgio trabalhar ao seu

    lado, serei eternamente grata pela oportunidade!

  • Agradecimentos

    Agradeo inicialmente Deus pelas oportunidades de aprendizado e conhecimento

    que tem me proporcionado, pela sua presena constante em minha vida, me sustentando

    durante todos os desafios enfrentados durante o percurso deste trabalho.

    Ao Departamento de Neurocincias e Cincias do Comportamento da FMRP-USP,

    pelo apoio dispensado durante a realizao do Mestrado.

    Secretaria de Ps-graduao e Secretaria de Ps-graduao em Sade Mental da

    FMRP-USP, pela ateno e auxlio no decorrer do Mestrado.

    Aos professores: Profa. Dra. Snia Enumo, Profa. Dra. Flvia Osrio e Prof. Dr. Jair

    Lcio pelas contribuies enriquecedoras e experincia desafiante no Exame de Geral de

    Qualificao. Agradeo especialmente o valioso auxlio do Prof. Dr. Jair Lcio na anlise dos

    dados.

    Ao Prof. Dr. Allen Finley pela oportunidade internacional que me proporcionou, pelos

    valiosos ensinamentos e incentivos ao meu crescimento acadmico.

    Ao Programa Pain in Child Health - PICH, pela oportunidade de participar de um

    projeto brilhante e inspirador que transformou a minha viso sobre o fazer pesquisa cientfica.

    Agradeo especialmente o apoio dos mentores por compartilharem experincias e

    conhecimentos durante os treinamentos anuais e visitas tcnicas aos laboratrios de pesquisa.

    Aos colegas trainees pela acolhida e oportunidades de trocas de vivncias internacionais.

    Mayday Foundation Canadian Institutes for Health Research, pelo subsdio

    financeiro minha participao nos treinamentos anuais do PICH, nos congressos

    internacionais na rea de dor peditrica e nas visitas tcnicas aos laboratrios de pesquisa.

    equipe de enfermagem da Pediatria do HCFMRP-USP, pelo apoio na coleta de

    dados, especialmente Letcia pela disponibilidade em ajudar diariamente durante todo

    processo.

    Aos pacientes e familiares pela disponibilidade e interesse em participar do estudo,

    possibilitando que esta pesquisa se concretizasse.

    s amigas de laboratrio pelo apoio e companheirismo nessa jornada: Rafaela

    Cassiano, Fabola Dantas, Maria Eduarda Pedro, Elisa Altafim, Doane Servidone, Ana

    Cludia Castro, Martina Brom, Renata Freitas e Luciana Consentino.

    s amigas Beatriz Valeri e Fernanda Doca, irms do PICH, pela doce acolhida nos

    meus primeiros desafios acadmicos internacionais e pelo compartilhamento de experincias

    e conhecimentos no universo da dor peditrica.

    querida amiga Cludia Gaspardo, pelas inmeras vezes que me auxiliou, sempre

    demonstrando carinho e humildade ao dividir sua rica experincia acadmica!

  • s minhas companheiras de trabalho do HCFMRP-USP, obrigada por compartilharem

    sonhos, realizaes e desafios dirios.

    s aprimorandas do Programa de Desenvolvimento na rea da Sade do HCFMRP-

    USP, pela disponibilidade em aprender e auxiliar na minha formao como supervisora.

    Ao meu pai Valmir que me ensinou a ter empenho, persistncia e dedicao nos

    projetos de vida. A voc pai querido, muito obrigada por valorizar o meu estudo, incentivar o

    meu crescimento e oferecer as grandes oportunidades de vida!

    minha me Solange que me ensinou a sonhar e batalhar pelo que realmente

    amamos! Obrigada pelo primeiro exemplo de professora que tive na vida, por me mostrar o

    valor de ensinar e pelos bons valores que ensinastes a mim e meus irmos.

    minha irm Vivian sempre presente na minha formao humana e acadmica, minha

    incentivadora incansvel. A voc irm querida, muito obrigada por compartilhar as maiores

    alegrias da minha vida e enfrentar os grandes desafios e dificuldades. Minha companheira de

    vida, a certeza que Deus existe quando nos uniu! Obrigada tambm ao meu cunhado Victor

    por compartilhar bons momentos conosco durante esses anos de mestrado.

    Ao meu querido irmo Adam, com voc aprendi a ter coragem para superar os nossos

    limites e buscar os nossos potenciais diante das dificuldades. Obrigada por compartilhar a

    melhor infncia que poderia ter! Agradeo tambm a minha cunhada Camila e meu sobrinho

    Samuel pelos momentos de descontrao e risadas que tive ao lado de vocs nas horas livre.

    famlia que Deus me deu: meu querido marido Joo Victor. Obrigada pela fora,

    compreenso e amor que me sustentaram dia aps dia. Minha eterna gratido pelo seu apoio

    incondicional e por me lembrar do que realmente importante na vida!

    famlia que Deus colocou em minha vida: Waldir, Valria e Vanessa, obrigada pela

    ajuda constante e expresso de amor para conosco. Waldir, agradeo especialmente pelas

    ajudas tcnicas e permanente disponibilidade durante esse processo!

    s queridas Regina e Jlia, agradeo pelo acolhimento, incentivo e amor a mim

    dispensados! Obrigada Jlia especialmente na ajuda na escolha dos filmes que utilizei com as

    crianas neste trabalho.

    Aos meus queridos avs pelo carinho, oraes e admirao ao meu trabalho. Ao meu

    querido av Alberto que me ensinou a importncia da serenidade, do bom-humor e da f em

    todos os projetos de vida. Sinto muito a sua falta!

    amiga-irm Thais pelo companheirismo fiel, presena certa nos momentos felizes e

    tristes! Pelas primeiras vivncias no ballet em que aprendemos juntas a ter determinao.

    todos os meus familiares e amigos que me acompanharam durante esse processo

    com suas amizades e oraes. Minha alegria poder compartilhar a vida com vocs!

  • RESUMO

    O presente estudo teve por objetivo avaliar a eficcia de uma interveno no-farmacolgica

    de distrao no alvio de dor aguda em crianas hospitalizadas submetidas a procedimentos

    dolorosos por demanda clnica, controlando variveis de estresse e catastrofizao de dor. O

    delineamento do estudo foi um ensaio clnico randomizado cruzado (cross-over). A amostra

    do estudo foi composta por 40 crianas na fase escolar (6 a 11 anos), que estavam internadas

    na Enfermaria de Pediatria do Hospital das Clnicas da Faculdade de Medicina de Ribeiro

    Preto-USP e que foram submetidas a procedimento de puno venosa ou arterial prescrito por

    demanda clnica. Os participantes foram randomizados em dois grupos, sendo que todas as

    crianas receberam a interveno e foram controles de si mesmas, mas em dois perodos

    distintos. O estudo foi aprovado pelo Comit de tica em Pesquisa do hospital. Inicialmente,

    avaliaes do estresse e catastrofizao de dor foram processadas, utilizando-se,

    respectivamente, a Escala de Estresse Infantil (ESI) e a Escala de Catastrofizao de Dor para

    Crianas (PCS-C), a fim de controlar essas variveis. Para avaliao da intensidade de dor

    foram utilizados os seguintes instrumentos: Escala Visual Analgica (VAS) e Escala de Faces

    Revisada (FPS-R). Na coleta de dados, o Grupo 1 recebeu a interveno de distrao

    audiovisual antes e durante um procedimento de puno realizado pela enfermeira e, em outro

    dia um segundo procedimento de puno foi realizado sem interveno. No Grupo 2, por sua

    vez, o procedimento ocorreu de forma inversa, sendo primeiramente sem interveno e

    posteriormente com interveno. A interveno constituiu-se na distrao audiovisual com o

    direcionamento da ateno da criana antes e durante o procedimento doloroso para filmes de

    curta metragem com temticas infantis. Aps a concluso dos procedimentos de puno eram

    aplicadas as duas escalas de dor para avaliar a percepo da intensidade de dor pelas crianas.

    A anlise de varincia ANOVA 2 X 2 com comparao entre- e intra-grupos foi processada

    com a finalidade de atender ao objetivo do estudo. O nvel de significncia adotado em todas

    as anlises realizadas no presente estudo foi de 5%. Os resultados mostraram que os dois

    grupos foram semelhantes nas medidas basais de estresse e catastrofizao de dor; no houve

    diferenas estatisticamente significativas nessas variveis. Verificou-se que houve diferena

    estatisticamente significativa entre os grupos nos perodos com e sem interveno da

    distrao; os escores em ambas as escalas FPS-R e VAS mostraram-se menores no perodo

    com distrao em comparao ao perodo sem interveno. Alm disso, a sequncia de

    exposio da distrao nos grupos e o perodo em que foi realizada a distrao tambm

    interferiram significativamente no efeito da interveno de distrao. A anlise do efeito

    carry-over mostrou que aproximadamente 30% dos efeitos estimados no alvio de dor foram

    atribudos exclusivamente interveno de distrao. Em concluso, a interveno de

    distrao audiovisual foi eficaz na reduo da percepo da intensidade de dor durante o

    procedimento doloroso agudo em crianas hospitalizadas. A tcnica de distrao pode ser

    recomendada como uma estratgia no-farmacolgica simples e eficaz para alvio da dor

    aguda, podendo ser implementada na prtica clnica em ambientes de cuidados peditricos.

    Palavras-chaves: dor peditrica, dor aguda, distrao, interveno no-farmacolgica,

    hospitalizao.

  • ABSTRACT

    The present study was aimed to evaluate the efficacy of a non-pharmacological intervention

    of distraction for acute pain relief in hospitalized children undergoing painful procedures by

    clinical demand, controlling variables of stress and pain catastrophizing. The study design

    was a crossover randomized controlled trial. The sample was composed of 40 children at

    school age (6-11 years), who was admitted in the pediatric ward of the Hospital of Clinics of

    Ribeiro Preto Medical School-USP and who underwent venipuncture or arterial puncture

    prescribed by clinical demand. Participants were randomized into two groups and all children

    that received the intervention were themselves controls, in two different periods. The study

    was approved by the Committee of Ethics on Research of the Hospital. Initially, the stress and

    pain catastrophizing assessments were performed using The Child Stress Scale (CSS) and

    Pain Catastrophizing Scale for Children (PCS-C), respectively, aiming to control these

    variables. The instuments used for pain assessment were the following: The Visual Analog

    Scale (VAS) and The Faces Pain Scale Revised (FPS-R). In the data collection, the Group 1

    received the audiovisual distraction intervention before and during the puncture performed by

    the nurse and in another day a second puncture was performed without intervention.

    Contrarily, in Group 2 the procedure was first without intervention and subsequently with

    intervention in another day. The intervention consisted in audiovisual distraction by focusing

    the child's attention before and during the painful procedure to short films about infant

    thematics. The two pain scales were applied after the puncture procedures to assess the

    childrens perception of pain intensity. An ANOVA 2 X 2 analyses of variance was

    performed including between- and within-groups comparisons. The level of significance

    adopted in all analyzes of the present study was 5%. The results showed that the two groups

    were similar in the baseline of stress and pain catastrophizing outcomes; there were no

    significant differences between the groups in these variables. There was a statistically

    significant difference between groups in the periods with and without distraction intervention;

    the scores in both scales FPS-R and VAS were lower during distraction compared with the no

    intervention period. Furthermore, the sequence of exposure of the distraction in the groups

    and the period that distraction was performed also significantly interfered in the effect of

    distraction intervention. The analysis of the carry-over effect showed that around 30% of the

    estimated effects on pain reliefing were attributed to the distraction intervention. In

    conclusion, the intervention of audiovisual distraction was efficacy in reducing the perception

    of pain intensity during routine acute painful procedure in hospitalized children. The findings

    of the present study endorse that distraction is a simple and efficacious non-pharmacological

    management for acute pain relief, which could be implemented in clinical practice of pediatric

    care settings.

    Keywords: pediatric pain, acute pain, distraction, non-pharmacological intervention,

    hospitalization.

  • LISTA DE ILUSTRAES

    Figura 1 Fluxograma de composio da amostra. .................................................................

    36

    Figura 2 Esquema temporal da interveno de distrao audiovisual. ..................................

    43

    Quadro 1 Esquema do procedimento de coleta de dados. ..................................................... 42

  • LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 Caracterizao sociodemogrfica da amostra. .......................................................

    45

    Tabela 2 Caractersticas da evoluo clnica das crianas. ..................................................

    46

    Tabela 3 Caractersticas dos procedimentos dolorosos. .......................................................

    48

    Tabela 4 Indicadores de estresse e de catastrofizao da dor. ..............................................

    49

    Tabela 5 Escores de dor nas escalas FPS-R e VAS. .............................................................

    50

    Tabela 6 Eficcia da distrao na reduo da intensidade de dor, avaliada pela

    Escala de Faces Revisada (FPS-R), considerando-se o efeito da interveno e do

    perodo. ...................................................................................................................................

    51

    Tabela 7 Eficcia da distrao na reduo da intensidade de dor, avaliada pela

    Escala Visual Analgica (VAS), considerando-se o efeito da interveno e do

    perodo. ....................................................................................................................................

    52

  • LISTA DE ABREVIATURAS

    ANOVA Anlise de Varincia Fatorial

    CFP Conselho Federal de Psicologia

    ESI Escala de Stress Infantil

    FPS-R Faces Pain Scale-Revised (Escala de Faces Revisada)

    G1 Grupo 1

    G2 Grupo 2

    HC Hospital das Clnicas

    HCFMRP Hospital das Clnicas da Faculdade de Medicina de Ribeiro Preto

    IASP International Association for Study of Pain

    IL Illinois

    LAPREDES Laboratrio de Pesquisa em Preveno de Problemas de Desenvolvimento

    e Comportamento da Criana

    PCS-C Pain Catastrophizing Scale for Children

    PedIMMPACT Pediatric Initiative on Methods, Measurement, and Pain Assessment in

    Clinical Trials

    PICH Pain in Child Health

    USP Universidade de So Paulo

    SP So Paulo

    SPSS Statistical Package for Social Sciences

    StataCorp LP Stata Statistical Software

    TX Texas

    USA United States of America

    VAS Visual Analog Scale (Escala Visual Analgica)

  • SUMRIO

    APRESENTAO ................................................................................................................. 15

    1 INTRODUO ................................................................................................................... 16

    1.1 Dor Peditrica ..................................................................................................................... 16

    1.2 Dor e Estresse ..................................................................................................................... 19

    1.3 Catastrofizao da Dor ....................................................................................................... 21

    1.4 Avaliao da Dor Peditrica ............................................................................................... 22

    1.5 Interveno em Dor Peditrica ........................................................................................... 24

    1.6 Intervenes de Distrao para Manejo de Dor Aguda ...................................................... 26

    1.6.1 Distrao multimodal com aplicativo tecnolgico .......................................................... 27

    1.6.2 Distrao audiovisual ...................................................................................................... 28

    1.6.3 Realidade Virtual ............................................................................................................. 29

    1.6.4 Distrao com objetos externos ....................................................................................... 29

    1.6.5 Distrao mediada por profissionais e pais ..................................................................... 30

    1.6.6 Mltiplas estratgias com distrao ................................................................................. 31

    2 OBJETIVO .......................................................................................................................... 33

    3 MTODO ............................................................................................................................. 34

    3.1 Delineamento do estudo ..................................................................................................... 34

    3.2 Participantes ....................................................................................................................... 34

    3.3 Aspectos ticos .................................................................................................................. 37

    3.4 Local da pesquisa................................................................................................................ 37

    3.5 Intrumentos e Medidas ....................................................................................................... 38

    3.5.1 Instrumentos para avaliao de dor ................................................................................. 38

    3.5.2 Instrumento para avaliao de estresse infantil ............................................................... 39

    3.5.3 Instrumento para avaliao das caractersticas sociodemogrficas e clnicas ................. 40

    3.6 Equipamentos e Materiais .................................................................................................. 40

    3.7 Procedimentos .................................................................................................................... 41

    3.7.1 Coleta de dados ................................................................................................................ 41

    3.7.2 Anlise de dados .............................................................................................................. 43

  • 4 RESULTADOS .................................................................................................................... 45

    4.1 Caracterizao da amostra .................................................................................................. 45

    4.2 Caracterizao do procedimento doloroso ......................................................................... 47

    4.3 Indicadores de estresse e de catastrofizao da dor nas crianas ....................................... 49

    4.4 Indicadores de intensidade de dor ...................................................................................... 50

    4.5 Eficcia da tcnica de distrao no alvio da dor................................................................ 51

    5 DISCUSSO ........................................................................................................................ 53

    6 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS .............................................................................. 67

    ANEXOS ................................................................................................................................. 76

    ANEXO 1 PARECER COMIT DE TICA EM PESQUISA ............................................. 76

    ANEXO 2 TERMO DE ASSENTIMENTO PARA CRIANA .......................................... 79

    ANEXO 3 TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ......................... 80

    ANEXO 4 ESCALA VISUAL ANALGICA (VAS).......................................................... 82

    ANEXO 5 ESCALA DE FACES REVISADA (FPS-R) ...................................................... 83

    ANEXO 6 ESCALA DE CATASTROFIZAO DE DOR PARA CRIANAS (PCS-

    C) .............................................................................................................................................. 84

    ANEXO 7 ROTEIRO DE CARACTERIZAO DA CRIANA ...................................... 86

  • Apresentao | 15

    APRESENTAO

    O presente estudo de Mestrado est vinculado ao Laboratrio de Pesquisa em

    Preveno de Problemas de Desenvolvimento e Comportamento da Criana (LAPREDES),

    sob a coordenao da Profa. Dra. Maria Beatriz Martins Linhares. O estudo se insere em um

    conjunto de projetos de pesquisa em neonatos e crianas hospitalizadas, sob a coordenao da

    orientadora, que se relacionam temtica dor e desenvolvimento da criana e so realizados

    no Hospital das Clnicas da Faculdade de Medicina de Ribeiro Preto USP. O trabalho de

    Mestrado em questo visou o estudo da dor peditrica em crianas hospitalizadas na

    Enfermaria de Pediatria do HCFMRP-USP, envolvendo uma interveno psicolgica para

    alvio de dor durante procedimentos dolorosos agudos de rotina.

    A mestranda tem experincia na rea de Psicologia Peditrica, iniciando seus estudos

    na temtica de dor peditrica em 2011 com a participao no Programa HC Criana Sem Dor,

    em que desenvolveu em conjunto com sua orientadora a segunda etapa deste programa que

    tinha por objetivo caracterizar as opinies dos profissionais de sade sobre avaliao e manejo

    da dor peditrica no HCFMRP-USP. O referido programa tem colaborao internacional do

    Prof. Dr. Allen Finley (Dalhousie University) e segue o modelo da iniciativa ChildKind,

    desenvolvido em hospitais do Canad e Estados Unidos.

    Cabe ressaltar, que o estudo da dor avanou nas pesquisas realizadas no referido

    laboratrio, que conta desde 2007 com o vnculo do PICH Pain in Child Health, programa de

    treinamento estratgico em dor peditrica financiado pelo Canadian Institute of Health, sendo a

    mestranda membro trainee internacional desde 2013 at o presente momento. Atualmente a

    mestranda atua no HCFMRP-USP como psicloga assistente na rea de Psicologia Peditrica. A

    prtica assistencial em dor peditrica, associada reviso da literatura na rea possibilitou o

    desenvolvimento da presente pesquisa que tm relevncia e desdobramentos para a prtica clnica.

  • Introduo | 16

    1 INTRODUO

    1.1 Dor Peditrica

    A International Association for Study of Pain (IASP) define a dor como uma sensao

    ou experincia emocional desagradvel causada por um dano tecidual real ou potencial e

    descrita em termos de tal dano (IASP, 2008). A dor envolve um processo neurofisiolgico,

    uma vez que ela ativa o sistema nervoso perifrico e central e apresenta estreita relao com o

    sistema de ativao do organismo. Ela pode ser do tipo aguda, crnica ou recorrente (IASP,

    2008). A dor aguda corresponde a uma reao ao estmulo doloroso e interrompe aps a

    remoo do mesmo (por exemplo, em decorrncia de procedimentos mdicos), enquanto a dor

    crnica compreende um processo patolgico crnico nas estruturas somticas ou um dano ao

    sistema nervoso central (Basbaum, Bushnell, & Devor, 2005; Howard, 2005; Jones, 2005).

    A dor crnica pode evoluir de modo persistente, em decorrncia de uma enfermidade,

    ou de modo recorrente, que se caracteriza por episdios com durao, intensidade e

    frequncia variados, intercalados por perodos assintomticos. Quando o episdio de dor

    ocorre pelo menos trs vezes durante um perodo mnimo de trs meses, com intensidade

    suficiente para interferir nas atividades de vida diria da criana, a dor pode ser considerada

    recorrente (Puccini & Bresolin, 2003). A dor crnica persistente e a dor recorrente em

    crianas e adolescentes envolvem fatores psicossociais e devem ser reconhecidas como uma

    preocupao de grande relevncia nesta populao (King et al., 2011). Deve-se destacar que o

    impacto da dor aguda no termina quando o estmulo removido, visto que as dores agudas

    procedurais podem se relacionar ao desenvolvimento e manuteno de dores crnicas mais

    tarde na trajetria de vida da criana (Noel, Chambers, McGrath, Klein, & Stewart, 2012).

    Atualmente a dor configura-se em um problema de sade mundial, sendo o seu alvio

    ou tratamento um direito humano reconhecido pela Organizao Mundial de Sade e pela

  • Introduo | 17

    International Association for the Study of Pain (IASP, 2008). Pode ser entendida como uma

    experincia estressante, sendo as crianas uma populao vulnervel e subtratada em relao

    ao alvio da dor. Apesar do crescimento exponencial de evidncias cientficas sobre a dor

    peditrica nas ltimas dcadas, existem muitas barreiras para a adequada transferncia de

    conhecimento para a prtica clnica. Consequentemente, as crianas continuam a

    experimentar dores desnecessariamente durante a hospitalizao (Birnie et al., 2014; Linhares

    et al., 2012; Taylor, Boyer, & Cattaneo, 2008; Stevens et al., 2011).

    A dor em crianas apresenta caractersticas especficas que devem ser consideradas na

    sua compreenso, avaliao e tratamento. As especificidades da dor peditrica incluem fatores

    relacionados ao indivduo e sua histria de dor (por exemplo, nvel de desenvolvimento,

    gnero, condio clnica, experincias prvias de dor), fatores referentes aos familiares

    (atitudes empticas dos pais, percepo e atribuio de significado s vivncias de dor,

    modelos e histria de dor na famlia), fatores relacionados ao profissional de sade

    (sensibilidade, empatia, nvel de conhecimento, percepo e atribuio de significado s

    experincias de dor, disposio para a agir na avaliao e manejo da dor) e fatores do contexto

    (aspectos culturais como crenas e valores) (Chambers, 2003; Craig & Ridell, 2003;

    Marchand, 2012).

    Quando so focalizados aspectos do indivduo relacionados dor, devem-se destacar

    as variveis psicolgicas afetivas, cognitivas e comportamentais que modulam a percepo e

    qualidade da dor experimentada (Correia & Linhares, 2008). Observa-se que do ponto de vista

    dos processos afetivos, a ansiedade, o estresse e o medo so prevalentes e envolvem sistemas

    de ativao (sinal de alarme) que podem amplificar a dor e provocar a sensao de perda de

    controle durante as experincias dolorosas. No caso da dor aguda, verifica-se associao com

    ansiedade, estresse e medo, e no caso da dor crnica, com desamparo e depresso (Duffon,

    Dunn, & Compas, 2009; Jones, 2005; Symreng & Fishman, 2004). No que se refere aos

  • Introduo | 18

    processos cognitivos, deve-se atentar para o nvel de desenvolvimento da criana, para a

    percepo que a mesma possui das caractersticas aversivas da dor e para a influncia dos

    processos de ateno e memria sobre a percepo da dor (Kennedy, Luhmann, & Zempsky,

    2008; Noel et al., 2012). Com relao ao comportamento associado s experincias de dor,

    necessrio levar em considerao a aprendizagem por condicionamento das respostas de dor,

    assim como aprendizagem social da dor (Barros, 2010; Craig, 2009; Linhares & Doca, 2010).

    Para a compreenso da dor da criana necessrio tambm entender os

    relacionamentos estabelecidos entre a criana e seu cuidador. Em relao aos cuidadores das

    crianas, estes desempenham um relevante papel quando se refere dor em neonatos e

    crianas. O Modelo de Scio-Comunicao da Dor (Craig, 2009) prope que, para entender a

    dor da criana, deve-se identificar o significado pessoal atribudo pelos cuidadores s suas

    experincias de dor e expresso de dor na criana. Os cuidadores, pais e profissionais,

    atribuem significados dor que podem ser utilizados para decodificar os sinais e sintomas da

    dor da criana. Este modelo sugere a existncia de largas esferas de influncia (famlia,

    comunidade e cultura) que se relacionam tanto com criana quanto com os cuidadores.

    O Modelo de Scio-Comunicao da dor inclui fatores relacionados diretamente

    criana, a experincia de dor e a expresso da dor. A experincia de dor est fundamentada na

    composio biolgica da criana (limiar do sistema nervoso), as experincias passadas com a

    dor e os diferentes contextos sociais (criana sozinha no hospital, ou em casa com os pais). As

    crianas expressam a dor de diversas formas, podendo ser verbais ou no verbais (atividade

    facial, movimentos corporais especficos). Alm disso, o modelo preconiza a avaliao da

    disposio das aes efetivas dos cuidadores para manejo da dor em crianas (Riddell &

    Chambers, 2007).

  • Introduo | 19

    1.2 Dor e Estresse

    Entre as experincias estressoras que potencialmente atingem a criana, a famlia e

    suas relaes, esto as vivncias de dor, danos orgnicos, hospitalizao e tratamentos

    invasivos. O estresse pode ser compreendido como uma reao do organismo que envolve

    componentes fsicos e/ou psicolgicos, causados pelas alteraes psicofisiolgicas que

    ocorrem quando a pessoa se confronta com uma situao que a irrite, amedronte, excite ou

    confunda (Compas, 2001; Lipp & Lucarelli, 1999). Apresenta-se em quatro estgios

    gradativos, denominados por estado de alerta, fase de resistncia, quase-exausto e exausto,

    esta ltima fase considerada patolgica, com importante desequilbrio interior, depresso e

    prejuzos na produtividade (Lipp, Arantes, Buriti, & Witzig, 2002).

    O processo bioqumico envolvido nas situaes de estresse independe da causa da

    tenso, sendo que o elemento primordial necessrio para o seu desencadeamento claramente

    a necessidade de adaptao a algum fato ou mudana. Quando exigido criana uma

    adaptao, o processo do estresse pode ser iniciado, dependendo da magnitude do esforo

    envolvido no restabelecimento da homeostase interna (Lipp et al., 2002).

    Quando a criana exposta a um evento estressante como uma experincia dolorosa,

    ela entra em estado de alerta, levando a uma ativao do sistema nervoso simptico e da

    glndula pituitria, por meio do hipotlamo (Lipp & Lucarelli, 1999). Ao mesmo tempo,

    ocorre a ativao das glndulas supra-renais que liberam adrenalina, preparando a criana

    para a reao de luta e fuga (Lipp & Lucarelli, 1999). A vivncia de um estresse intenso pode

    gerar graves consequncias para a criana, ocorrendo desajustes psicolgicos que podem

    perdurar pela vida adulta (Shonkoff, 2010).

    O processo de avaliao do estresse na infncia contribui para especificar as

    intervenes (no nvel clnico, institucional, escolar e familiar) a serem feitas com as crianas,

    no sentido de propiciar a reduo do estresse, evitando o desenvolvimento de doenas e de

  • Introduo | 20

    dificuldades advindas do estresse excessivo. Tambm poder auxiliar a criana a ter um maior

    conhecimento de si e das possveis implicaes do estresse nas suas relaes com o meio

    ambiente e no seu desenvolvimento posterior. medida em que a criana capaz de perceber

    seus estressores e de desenvolver habilidades adequadas e eficientes de enfrentamento das

    situaes estressantes e ou dificuldades, poder manejar seu estresse satisfatoriamente,

    prevenindo-o nas outras fases da sua vida (Lipp & Lucarelli, 1999).

    Embora aprender a enfrentar adversidades seja uma parte importante do

    desenvolvimento saudvel da criana, o estresse excessivo ou prolongado pode ser txico para

    o desenvolvimento humano. Quando uma criana sente-se ameaada seu organismo ativa uma

    variedade de respostas fisiolgicas, inclusive aumento do batimento cardaco, da presso

    arterial e de hormnios do estresse, como o cortisol (Shonkoff, 2010). De acordo com

    Shonkoff (2010) existem trs tipos de estresse, a saber: positivo, tolervel ou txico. No

    momento em que a criana est sob proteo de relacionamentos com adultos que lhe

    propiciam segurana, ela aprende a adaptar-se aos desafios cotidianos e seu sistema de

    resposta ao estresse retorna ao nvel original; sendo este estresse do tipo positivo. O estresse

    tolervel, por sua vez, ocorre quando dificuldades mais srias na vida da criana, como

    exemplo a morte de familiares, so moderadas pelos seus cuidadores, que ajudam a criana a

    se adaptar, amenizando assim os efeitos potencialmente danosos de nveis anormais de

    hormnios de estresse (Shonkoff, 2010). Quando experincias adversas fortes, frequentes ou

    prolongadas so vivenciadas com apoio ineficiente de adultos, o estresse torna-se txico e

    destrutivo para o desenvolvimento dos circuitos neurais. A experincia precoce de estresse

    txico pode impor um custo cumulativo capacidade de aprendizagem, assim como sade

    fsica e mental. Quanto mais adversas as experincias na infncia, maior a probabilidade de

    dificuldades de desenvolvimento e problemas de sade fsica e mental (Shonkoff, Boyce, &

    McEwen, 2009).

  • Introduo | 21

    Diante das experincias potencialmente estressoras como os procedimentos dolorosos

    agudos presentes na rotina da hospitalizao de crianas, devem ser implementadas

    estratgias de enfrentamento que minimizem os efeitos do estresse no desenvolvimento

    emocional e cognitivo. Estratgias de enfrentamento podem ser entendidas por esforos

    cognitivos e comportamentais utilizados pelas crianas para manejar demandas internas e

    externas de situaes avaliadas como estressoras (Folkman & Moskowitz, 2004). As

    intervenes de distrao so reconhecidas como recursos positivos na regulao do estresse e

    utilizadas de forma comportamental ou cognitiva por crianas e adolescentes em situaes de

    dor (Skinner & Zimmer-Gembeck, 2007).

    1.3 Catastrofizao da Dor

    Estudos na rea de dor peditrica relatam o envolvimento de aspectos cognitivos como

    elementos que influenciam no enfrentamento da dor. As variveis psicolgicas como os

    pensamentos, as crenas, as emoes e os comportamentos influenciam na forma como a

    criana percebe a experincia dolorosa e no impacto funcional em sua vida. Os fatores

    cognitivos podem auxiliar a criana na busca de recursos ou estratgias de adaptao frente a

    uma vivncia dolorosa, contribuindo na forma que os pacientes expressam e verbalizam suas

    dores (Marchand, 2012; Williams, McCracken, & Vlaeyen, 2012).

    De acordo com estes estudos, uma boa ferramenta para prever como uma criana lida

    com a experincia de dor atentar-se para existncia do pensamento catastrfico ou de

    ruminao. Diversas caractersticas individuais foram identificadas como fatores de

    vulnerabilidade para criana ao ajustamento dor. A catastrofizao da dor um fator

    cognitivo que modula a resposta do paciente dor e pode ser definida pela percepo de uma

    falta de autocontrole, somado a uma preocupao excessiva com o futuro. Este fator tem sido

    reconhecido como um dos elementos mais importantes que relacionam ao surgimento de um

  • Introduo | 22

    quadro de dor crnica e humor negativo (Marchand, 2012; Vervoot, Huguet, Verhoeven, &

    Gourbet, 2011).

    Ao ser considerado como uma varivel mediadora do enfrentamento da dor, o

    pensamento catastrfico est associado a altos ndices de sofrimento psicolgico, dficits

    funcionais e amplificao da percepo dolorosa (Verhoeven, Goubert, Jaaniste, Van

    Ryckeghem, & Crombez, 2012). Catastrofizao da dor surgiu como uma varivel crtica na

    forma como se pode entender o ajuste para dor em crianas. Em crianas, no entanto, ainda h

    poucos mtodos de avaliao de catastrofizao sobre a dor. A escala especfica Pain

    Catastrophizing Scale for Children (PCS-C) avalia dimenses relacionadas com a ampliao

    da dor, ruminao, e desamparo em que as crianas esto submetidas (Crombez et al., 2003).

    Evidncias de estudos sobre o tema sugerem que a catastrofizao da dor em crianas

    pode estar associada s respostas parentais dor de seus filhos. H uma relao entre a

    presena de pensamento catastrfico nas crianas e de desamparo ou falta de solicitude por

    parte dos pais, ou seja, observa-se um impacto negativo no enfrentamento da dor pela criana

    quando os pais no ajudam na promoo de comportamentos adaptativos dos filhos (Vervoot

    et al., 2011).

    1.4 Avaliao da Dor Peditrica

    Considerando que a dor tem impacto na criana, a avaliao da dor peditrica

    fundamental para subsidiar escolhas de estratgias e intervenes efetivas que visem

    minimiz-la. As dimenses de dor avaliadas podem ser do tipo: intensidade, localizao,

    durao e qualidade afetiva (Chambers & McGrath, 1998). As medidas de avaliao de dor,

    por sua vez, envolvem tanto medidas de autorrelato e de observaes comportamentais

    (Stinson, Kavanagh, Yamada, Gill, & Stevens, 2006), quanto medidas fisiolgicas como a

    frequncia cardaca, a saturao de oxignio e o cortisol salivar (Anand, Stevens, & McGrath,

  • Introduo | 23

    2007; Basbaum et al., 2005; Jones, 2005), sendo estas medidas complementares s primeiras

    que so especficas para avaliao de dor (Linhares & Doca, 2010). A avaliao da

    experincia da dor pode incluir avaliaes multidimensionais, envolvendo medidas de

    avaliaes comportamentais e fisiolgicas e diferentes aspectos da experincia dor, tais

    como intensidade, local, padro, contexto e significado (Franck, Greenberg, & Stevens,

    2000).

    A seleo de um mtodo apropriado de avaliao clnica de dor deve ser baseada no

    tipo de dor e na condio mdica na qual a criana se encontra, alm de necessariamente

    verificar a idade da criana e seu nvel de desenvolvimento cognitivo e emocional (Chambers

    & McGrath, 1998). Entre as medidas de avaliao de dor, as escalas de autorrelato,

    questionrios e dirios obtidos por automonitoramento so considerados indicadores

    confiveis tanto da ocorrncia quanto da intensidade da dor (Chambers & McGrath, 1998;

    Cohen et al., 2008; Stinson et al., 2006) assim como as medidas observacionais em crianas e

    adolescentes (Cohen et al., 2008; Von Bayer & Spagrud, 2007). A partir de quatro anos de

    idade, a criana passa a ter o domnio das habilidades de linguagem e comunicao social das

    experincias subjetivas, permitindo a utilizao de medidas de autorrelato com maior

    confiabilidade.

    Recomendaes sobre medidas para avaliao da dor peditrica foram elaboradas por

    especialistas em um consenso internacional, considerando especificidades como a idade da

    criana e do tipo de dor (aguda, crnica e recorrente). Este consenso foi proposto pelo grupo

    vinculado Iniciativa sobre Mtodos, Medidas e Avaliao de Dor Peditrica em Ensaios

    Clnicos (Pediatric Initiative on Methods, Measurement, and Pain Assessment in Clinical

    Trials - PedIMMPACT) (Dworkin et al., 2005; McGrath et al., 2008) que estabeleceu critrios

    sobre a qualidade dos instrumentos de avaliao, classificando-os como: bem estabelecidos

    (well-stablished), quase bem estabelecidos (approaching well-established) e promissores

  • Introduo | 24

    (promising). Estes critrios basearam-se na validade, fidedignidade, detalhamento da medida

    que permitia replicao ou crtica posterior e publicao por diferentes grupos de

    pesquisadores em revistas com reviso por pares. As escalas de avaliao de intensidade de

    dor para crianas frequentemente utilizadas e bem-estabelecidas (well-established) por

    apresentar boas qualidades psicomtricas so: Escala de Faces Revisada (Faces Pain Scale-

    Revised - FPS-R), Escala Visual Analgica (Visual Analog Scale - VAS) e Oucher Scale

    (Charry, Piola, Linhares, & Silva, 2014; Correia & Linhares, 2008; Dworkin et al., 2005;

    Linhares & Doca, 2010; McGrath et al., 2008; Von Bayer, 2006).

    1.5 Interveno em Dor Peditrica

    Evidncias cientficas tm demonstrado que a dor originada dos procedimentos agudos

    (como exemplo: puno venosa e imunizaes) uma importante fonte de dor peditrica e

    pode ter implicaes em longo prazo no comportamento e percepo de dor da criana

    (Howard, 2003; Kennedy et al., 2008; Noel et al., 2012). Tais procedimentos dolorosos

    agudos so frequentes na rotina clnica de crianas que necessitam de cuidados mdicos e

    podem criar significativa dor e sofrimento na trajetria de tratamento dessas crianas,

    ansiedade para os cuidadores e ser um desafio para os profissionais de sade. Alm disso,

    memrias negativas sobre um procedimento podem resultar em exageradas respostas dor,

    aumentando a ansiedade durante os procedimentos subsequentes (Noel et al., 2012). A

    eliminao ou alvio da dor, sempre que possvel, uma importante responsabilidade dos

    profissionais de sade, visto que a dor no manejada pode acarretar em impactos em longo

    prazo na vida dos pacientes (Kennedy et al., 2008).

    Quando h a identificao de experincia dolorosa em crianas hospitalizadas faz-se

    necessrio a tomada de deciso clnica para alvio e manejo adequado dessa dor. Entre as

    formas de manejo e alvio da dor peditrica encontram-se as intervenes farmacolgicas, que

  • Introduo | 25

    visam minimizar sintomas de dor por meio dos efeitos da ao de medicamentos especficos

    como analgsicos e sedativos, e as intervenes no-farmacolgicas, que consistem na adoo

    de tcnicas que auxiliam na diminuio da percepo de dor, promovem conforto e melhor

    enfrentamento da criana em situao de dor (Linhares & Doca, 2010; Riddell et al., 2011).

    Estudos de reviso de literatura recomendam diversas intervenes de manejo no-

    farmacolgico da dor em crianas tais como distrao, hipnose, relaxamento, preparao

    psicolgica para procedimentos, entre outros (Birnie et al., 2014; Chen, Joseph, & Zelter,

    2000; Stinson, Yamada, Lamba, & Stevens, 2008; Uman, Chambers, McGrath, & Kisely,

    2008; Uman et al., 2013). A escolha da tcnica eficaz deve considerar o tipo de dor (aguda,

    recorrente e/ou crnica), o contexto de dor (procedimentos invasivos dolorosos, cirurgia ou

    quadro clnico), assim como as caractersticas da dor (localizao, intensidade, durao e

    qualidade afetiva). As intervenes no-farmacolgicas mais frequentemente utilizadas com

    crianas referem-se s tcnicas cognitivo-comportamentais (Chen et al., 2000; Stinson et al.,

    2008; Uman et al., 2008; Uman et al., 2013).

    De acordo com Uman et al. (2013), as tcnicas psicolgicas cognitivo-

    comportamentais para o manejo da dor ajudam as crianas a desenvolverem habilidades de

    enfrentamento para controle de sua prpria dor, devendo ser adequadas ao seu nvel de

    desenvolvimento. As intervenes cognitivas envolvem a identificao e alterao de estilos

    de pensamento negativos relacionadas com a ansiedade sobre o procedimento doloroso, e

    substitu-las por crenas e atitudes mais positivas, levando a um comportamento mais

    adaptativo. As intervenes comportamentais, por sua vez, so baseadas em princpios da

    aprendizagem, visando comportamentos especficos. As intervenes cognitivo-

    comportamentais so definidas como aquelas incluindo pelo menos uma interveno

    cognitivo associado com pelo menos uma interveno comportamental (Williams et al., 2012;

    Uman et al., 2008, Uman et al., 2013).

  • Introduo | 26

    As intervenes psicolgicas descritas nos estudos de reviso de literatura (Barros,

    2010; Birnie et al., 2014; Chen et al., 2000; Linhares & Doca, 2010; Uman et al., 2008; Uman

    et al., 2013) como efetivas para o manejo da dor so: distrao - tcnicas que direcionam a

    ateno para estmulos no relacionados ao procedimento doloroso (por exemplo: vdeos,

    jogos, dilogos); hipnose - dissociao da experincia dolorosa por meio do engajamento em

    situaes imaginrias prazerosas ou seguras; relaxamento - envolve o controle respiratrio

    associado ao relaxamento progressivo dos vrios grupos de msculos do corpo; preparao

    psicolgica so oferecidas informaes antecipatrias sobre as etapas do procedimento e

    sensaes que o mesmo emerge; modelao - demonstrao e simulao do procedimento por

    outra criana ou um adulto, demonstrando comportamentos de enfrentamento positivo da

    situao e dessensibilizao - exposio gradual situao de dor geradora de ansiedade.

    1.6 Intervenes de Distrao para Manejo de Dor Aguda

    Estratgias baseadas no processo de distrao demonstram um impacto positivo no

    suporte no-farmacolgico para alvio da dor durante os procedimentos dolorosos agudos

    (Birnie et al., 2014; Kleiber & Harper, 1999; Uman et al., 2008, Uman et al., 2013). A tcnica

    da distrao envolve o estabelecimento de um conjunto de rotinas e os distratores podem ser

    de diferentes tipos. Por meio da imaginao, do engajamento e da motivao na proposta a

    criana pode construir a distrao. Este recurso cognitivo visa desviar a ateno da criana

    para longe dos aspectos aversivos dos procedimentos dolorosos, direcionando para estmulos

    mais agradveis a fim de reduzir o impacto que essas experincias tm sobre o medo infantil e

    resposta afetiva experincia de dor (Chen et al., 2000; Miller, Rodger, Kipping, & Kimble,

    2011).

    Estudos de reviso que examinaram os efeitos da interveno da distrao no alvio da

    dor associados a procedimentos invasivos mostraram que este recurso foi eficaz na reduo da

  • Introduo | 27

    dor peditrica (Birnie et al., 2014; Chen et al., 2000; Kleiber & Harper, 1999; Uman et al.,

    2008; Uman et al., 2013). Diversos tipos de tcnicas de distrao tm sido descritos na

    literatura, como exemplo: distrao multimodal com aplicativo tecnolgico (Kipping, Rodger,

    Miller, & Kimble, 2012; Miller, Rodger, Bucolo, Greer, & Kimble, 2010; Miller et al., 2011),

    distrao audiovisual (Downey & Zun, 2012; Wang, Sun, & Chen, 2008), realidade virtual

    (Kipping et al., 2012), videogame (Miller et al., 2010), distrao com jogo de cartas (Inal &

    Kelleci, 2012), distrao com um caleidoscpio (Tfekci, Celebiolu, & Kkolu, 2009),

    distrao com uma bola elstica (Sadeghi, Mohammadi, Shamshiri, Bagherzadeh, &

    Hossinkhani, 2013), ensinar a criana a utilizar a imaginao (Kline, Turnbull, Labruna,

    Haufler, DeVivio, & Ciminera, 2010), e distrao para manejo comportamental por pais

    (Slifer et al., 2009). Alguns estudos utilizaram ainda combinaes de estratgias

    farmacolgicas e no-farmacolgicas, incluindo distrao para alvio da dor (Berberich &

    Landman, 2009; Boivin, Poupon-Lemarquis, Iraqi, Fay, Schmitt, & Rossignol, 2008). A

    seguir encontram-se algumas evidncias de estudos que analisaram a eficcia de diferentes

    tipos de distrao.

    1.6.1 Distrao multimodal com aplicativo tecnolgico

    A eficcia da distrao multimodal com aplicativo tecnolgico foi examinada em dois

    estudos pelo mesmo grupo de pesquisadores (Miller et al, 2010; Miller et al 2011). Ambos os

    estudos demonstraram efeitos positivos com a utilizao do aplicativo quando comparada com

    outras intervenes. O estudo mais recente (Miller et al., 2011) examinou um protocolo

    combinado (aplicativo tecnolgico que envolvia preparao psicolgica e distrao) para

    reduzir a dor e estresse em crianas com queimaduras que foram submetidas a procedimentos

    de trocas de curativos, em comparao com um tratamento de distrao padro do local em

    que o estudo foi realizado (Miller et al. 2011). A reduo nos nveis de dor no grupo com o

  • Introduo | 28

    protocolo combinado foi clinicamente significativa, com as crianas relatando apenas nveis

    moderados de dor, em comparao com o grupo de distrao padro, que relataram nveis de

    dor severa. As crianas do grupo com o protocolo combinado apresentou uma reduo

    moderada de 30% dos escores de dor durante o procedimento doloroso em comparao com o

    grupo de distrao padro, tanto na avaliao pelas crianas quanto pelos cuidadores.

    Diante dos resultados desses estudos, faz-se importante compreender os fundamentos

    das estratgias de preparao psicolgica. Estas visam oferecer informaes antecipatrias e

    seguras sobre o procedimento e tratamento ao qual a criana ser submetida a fim de reduzir

    os medos, o estresse e a dor. As informaes preparatrias sobre o procedimento devem ser

    fornecidas de forma clara, simples e honestas para que a criana possa compreend-las e saber

    o que esperar. Inclui tambm a modelao, baseada na observao de vdeos nos quais outras

    crianas esto sendo submetidas ao mesmo procedimento ao qual a criana necessita enfrentar

    (McGrath, Finley, Ritchie, & Dowden, 2003; Miller et al., 2011; Uman et al., 2008).

    1.6.2 Distrao audiovisual

    Um estudo randomizado controlado examinou a eficcia de distrao audiovisual em

    comparao com uma interveno psicolgica de rotina e uma condio controle durante a

    puno venosa em crianas em idade escolar (Wang et al., 2008). A tcnica de distrao

    audiovisual foi efetiva na reduo da dor medida por meio de auto-relato, bem como uma

    melhor cooperao das crianas e aumento das taxas de sucesso do procedimento de puno

    venosa. Os escores de dor dos grupos de distrao audiovisual e de interveno psicolgica

    foram significativamente menores do que no grupo controle.

    Outro estudo no randomizado analisou a distrao audiovisual (cartoons) na

    percepo de dor em contexto de procedimentos dolorosos agudos (Downey & Zun, 2012).

    Os resultados mostraram que assistir aos cartoons afetou a percepo da dor das crianas,

  • Introduo | 29

    avaliada cinco minutos antes do procedimento. Isso indica que o uso de desenhos animados

    como uma distrao pode efetivamente reduzir a dor antes do procedimento. No foram

    encontradas diferenas entre os grupos que assistiram aos cartoons e que no assistiram

    durante e aps os procedimentos.

    1.6.3 Realidade Virtual

    A realidade virtual compreende um tipo de distrao em que h a simulao da

    realidade por meio da tecnologia. A realidade virtual foi estudada por Kipping et al. (2012)

    que observou uma reduo efetiva na intensidade da dor aguda durante trocas de curativos de

    crianas com queimaduras, comparando com uma distrao padro do local. Observaes da

    equipe de enfermagem revelaram diferenas estatisticamente significativas entre o grupo de

    realidade virtual e grupo de distrao padro durante a remoo do curativo. Comportamentos

    relacionados com menor dor foram observados no grupo que utilizou a realidade virtual e a

    necessidade de medicao para dor tambm foi menor para o grupo que utilizou a realidade

    virtual.

    1.6.4 Distrao com objetos externos

    A eficcia das estratgias de distrao que utilizam objetos durante procedimentos

    dolorosos tambm foi investigada em pesquisas da rea. Um estudo avaliou os efeitos de um

    jogo de cartas (Flippits) como distrao para reduzir a dor e ansiedade durante a coleta de

    sangue em crianas em idade escolar (Inal & Kelleci, 2012). As crianas do grupo de

    distrao com o jogo de cartas relataram nveis de dor significativamente mais baixos do que

    o grupo controle. Os pais e os profissionais relataram nveis significativamente mais baixos de

    ansiedade no grupo de distrao do que no grupo controle. Da mesma forma, outro estudo

    relatou resultados positivos de uma estratgia de distrao usando caleidoscpios para reduzir

  • Introduo | 30

    a dor durante a puno venosa em crianas em idade escolar (Tufekci et al., 2009). A eficcia

    de uma tcnica de distrao em que uma bola elstica foi pressionada durante a insero de

    cateter em crianas em idade pr-escolar tambm foi relatada (Sadeghi et al., 2013), indicando

    que o grupo de crianas que utilizou a distrao (pressionar uma bola elstica) mostrou nveis

    significativamente mais baixos de dor quando comparadas com o grupo controle.

    1.6.5 Distrao mediada por profissionais e pais

    Alguns estudos avaliaram a eficcia das intervenes mediadas por profissionais e

    pais. Um estudo realizado por Kline et al. (2010) comparou a eficcia do ensino do uso da

    imaginao para o manejo da dor em contraste com a realizao de uma investigao

    detalhada das memrias de dor em pacientes internados em unidade de terapia intensiva

    peditrica, realizadas com o apoio de profissionais. Uma mudana significativa foi detectada

    na classificao de dor entre o incio e o trmino do tratamento em crianas de ambos os

    sexos que receberam o ensino do uso da imaginao, mas no em crianas que participaram

    da investigao detalhada das memrias de dor.

    Os efeitos de duas diferentes intervenes para treinamento dos pais durante

    procedimentos dolorosos administrados pelos mesmos (por exemplo: injeo intramuscular,

    aplicao de insulina) tambm foram analisados no estudo de Slifer et al. (2009). Os grupos

    de interveno examinados foram os seguintes: pais utilizando estratgias de distrao e pais

    realizando manejo comportamental, sendo que a medida avaliada foi o estresse emergente das

    situaes de dor. Entre as crianas que apresentaram sinais de desconforto durante a primeira

    observao (39% das crianas), a mdia para pontuao de estresse foi significativamente

    menor no grupo com estratgias de distrao em comparao com o grupo de manejo

    comportamental.

  • Introduo | 31

    1.6.6 Mltiplas estratgias com distrao

    A estratgia multifatorial para manejo da dor durante procedimentos de imunizao foi

    avaliada em comparao com os cuidados habituais (prprios do local da pesquisa) em

    crianas pr-escolares e escolares (Boivin et al., 2008). A estratgia multifatorial inclua um

    conjunto de intervenes farmacolgicas e no-farmacolgicas, envolvendo a distrao por

    meio de soltar bolhas de sabo durante o procedimento doloroso. As crianas do grupo de

    interveno apresentaram significativamente menores escores de dor, em comparao com o

    grupo controle. em crianas menores do que 10 anos de idade.

    A eficcia de mltiplas estratgias para alvio da dor, incluindo a distrao, durante

    procedimentos de imunizao em crianas pr-escolares foi avaliada em comparao com um

    grupo controle com tratamento de rotina do local da pesquisa (Berberich & Landman, 2009).

    O grupo de interveno apresentou significativamente menores escores na avaliao de dor do

    que o grupo controle, relatado tanto pelas crianas quanto pelos pais e profissionais.

    Embora a tcnica de distrao seja frequentemente utilizada como uma estratgia no-

    farmacolgica de enfrentamento em programas de alvio e tratamento da dor em crianas, as

    evidncias empricas com qualidade metodolgica sobre a eficcia da distrao ainda so

    insuficientes (Birnie et al., 2014; Hermann, 2012; Stinson et al, 2008; Uman et al, 2008;

    Uman et al., 2013). Uma possvel explicao pode ser que a distrao no funciona para todos

    em qualquer situao como pode ser observado nos resultados de alguns estudos aqui

    expostos. Como exemplo, em estudo recente foi examinado o papel da catastrofizao da dor

    como um fator que influencia a eficcia da distrao em crianas em idade escolar. Os

    resultados indicaram que as crianas com nveis mais elevados de relato sobre catastrofizao

    da dor se beneficiaram menos das estratgias de distrao em experincias dolorosas do que

    as crianas com nveis mais baixos de catastrofizao da dor (Verhoeven et al., 2012).

  • Introduo | 32

    Estudos de reviso da literatura descreveram algumas lacunas metodolgicas sobre

    intervenes no-farmacolgicas para o alvio da dor, como as seguintes: poucos estudos

    randomizados controlados, amostras pequenas e falta de descries precisas do procedimento

    para o alvio da dor (Hermann, 2012; Stinson et al, 2008; Uman et al, 2008; Uman et al.,

    2013). Outro estudo de reviso de literatura recente destacou tambm a necessidade de

    melhorias na qualidade metodolgica dos estudos da rea que promovam diretrizes para a

    prtica clnica, ressaltando a importncia de atentar para o impacto dos tipos de distrao e

    para as caractersticas da amostra (Birnie et al., 2014).

    Portanto, verifica-se a necessidade da realizao de novos estudos randomizados

    controlados que possam contribuir com evidncias sobre a eficcia da tcnica de distrao

    como interveno no-farmacolgica. Cabe ressaltar que, nos estudos de reviso

    apresentados, no foram encontradas pesquisas empregando a metodologia cross-over para

    analisar as intervenes com os participantes como seus prprios controles, avanando nos

    conhecimentos sobre a tcnica de distrao. Em meio a esta lacuna, o presente ensaio clnico

    randomizado cruzado (cross-over) teve por hiptese que a interveno de distrao

    audiovisual reduziria a percepo da intensidade da dor aguda em procedimentos de puno

    em crianas hospitalizadas.

  • Objetivo | 33

    2 OBJETIVO

    O presente estudo teve por objetivo avaliar a eficcia de uma interveno no-

    farmacolgica de distrao audiovisual no alvio de dor aguda em crianas hospitalizadas

    submetidas a procedimento doloroso por demanda clnica, controlando-se variveis de

    estresse e catastrofizao de dor.

  • Mtodo | 34

    3 MTODO

    3.1 Delineamento do estudo

    Ensaio clnico randomizado cruzado (cross-over). O estudo clnico randomizado

    uma metodologia bem estabelecida para a obteno de evidncias para o cuidado sade

    (Souza, 2009). Baseiam-se na comparao entre duas ou mais intervenes, as quais so

    controladas pelos pesquisadores e aplicadas de forma aleatria em um mesmo grupo de

    participantes. Uma das variaes do ensaio clnico randomizado denomina-se cruzado (cross-

    over), em que possvel testar duas ou mais condies usando-se o mesmo participante. Esse

    tipo de metodologia tem a vantagem de ter o mesmo indivduo como controle dele mesmo, ou

    seja, emprega-se uma anlise pareada (Senn, 2002; Souza, 2009).

    3.2 Participantes

    A amostra do estudo foi composta por 40 crianas na fase escolar, na faixa etria entre

    seis e 11 anos, que estavam internadas na Enfermaria de Pediatria do Hospital das Clnicas da

    Faculdade de Medicina de Ribeiro Preto e que foram submetidas a procedimento prescrito de

    puno venosa ou arterial por demanda clnica. Este procedimento era realizado por

    enfermeiras treinadas e prescritos por mdicos pediatras responsveis pelo atendimento das

    crianas. Foi realizado o clculo amostral que indicou que 15 participantes em cada grupo

    seria satisfatrio para determinar o efeito da interveno, considerando o poder de efeito 0,80,

    nvel de significncia de 5% [p0,05] e dois pontos de reduo em 10 pontos da Escala de

    Faces Revisada de dor.

    Os participantes foram randomizados em dois grupos, sendo que todas as crianas

    receberam a interveno e foram controle de si mesmas, mas em dois momentos distintos. O

    processo de randomizao foi realizado por meio do recurso disponvel no site

  • Mtodo | 35

    www.randomizer.org, que designou aleatoriamente os participantes em dois grupos. O Grupo

    1 (G1, n = 22) foi composto pelas crianas que durante o procedimento doloroso receberam a

    interveno de distrao (A) e no procedimento doloroso seguinte, realizado em outro dia, foi

    seguida a rotina atual do local, em que no h tcnicas no-farmacolgicas para o

    procedimento especfico (B). O Grupo 2 (G2, n = 18) incluiu os participantes que,

    primeiramente, foram submetidas ao procedimento doloroso seguindo a rotina atual do local

    (B) e no procedimento doloroso seguinte, realizado em outro dia, receberam a interveno de

    distrao para alvio de dor (A). Os procedimentos dolorosos ocorreram em um intervalo de

    tempo de no mnimo um dia e no mximo sete dias.

    Os critrios de incluso dos participantes foram os seguintes: crianas com idades

    entre seis e 12 anos, que possuam domnio da linguagem para comunicar-se, em contexto de

    internao hospitalar com diagnsticos clnicos diversos, com necessidade de puno prescrita

    por demanda clnica, com tempo mnimo de um dia de internao e tempo de intervalo de no

    mximo sete dias entre os procedimentos de puno. Os critrios de excluso dos

    participantes, por sua vez, foram os seguintes: crianas com prejuzos neurolgicos ou

    problemas na comunicao e crianas sob sedao. O perodo da coleta de dados teve uma

    durao de oito meses, sendo iniciada em 27 de maro de 2013 e finalizada em 04 de

    novembro de 2013.

    O fluxograma de composio da amostra encontra-se na Figura 1.

  • Mtodo | 36

    Figura 1. Fluxograma de composio da amostra.

    Durante o perodo de coleta de dados foram internadas 177 crianas com idade entre

    seis e 12 anos na Enfermaria de Pediatria, sendo que destas 135 crianas no atingiram os

    critrios de incluso no estudo ou possuam algum dos critrios de excluso. O motivo

    predominante para a no incluso das crianas no estudo foi a dificuldade de planejamento

    prvio de dois procedimentos de puno em intervalo de no mximo sete dias. Outros motivos

    Crianas entre 6 e 12 anos

    internadas no perodo da coleta

    n = 177

    n= 125

    Recusa na participao

    n = 1

    No atenderam aos

    critrios de incluso

    n = 135

    Crianas elegveis

    n = 42

    27

    Crianas iniciaram o estudo

    n = 41

    Criana no completou a coleta

    n = 1

    Amostra final

    n = 40

    G1

    n = 22

    G2

    n = 18

  • Mtodo | 37

    para excluso observados referiam-se ao fato de crianas com prejuzos neurolgicos ou com

    problemas para comunicar-se e crianas sedadas. Foram elegveis para o estudo 42 crianas,

    sendo que em uma delas a famlia recusou a participao no estudo por crena religiosa e

    outra no completou o estudo, pois recebeu alta antecipada. A amostra final do estudo foi de

    40 crianas.

    3.3 Aspectos ticos

    O presente estudo foi aprovado pelo Comit de tica em Pesquisa do Hospital das

    Clnicas da Faculdade de Medicina de Ribeiro Preto-USP, sob parecer n 222.515 (ANEXO

    1). Para realizao da pesquisa foi feito um convite criana para participao voluntria no

    estudo, sendo explicado a ela cada etapa a ser desenvolvida. As crianas alfabetizadas

    assinaram Termo de Assentimento para Criana (ANEXO 2) concordando em participar do

    estudo como tambm foi firmada a autorizao do responsvel legal pela criana por meio do

    Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (ANEXO 3), o qual descreve os objetivos da

    pesquisa e os procedimentos de coleta de dados. Os dados de identificao dos pacientes

    foram resguardados, no implicando em riscos aos participantes. O estudo atende s normas

    da Resoluo n 466 do Conselho Nacional de Sade referente s diretrizes regulamentadoras

    de pesquisas envolvendo seres humanos.

    3.4 Local da pesquisa

    Os pacientes foram submetidos aos procedimentos da pesquisa nas unidades de

    internao da Enfermaria Peditrica do Hospital das Clnicas de Ribeiro Preto da Faculdade

    de Medicina de Ribeiro Preto USP. Este um hospital pblico universitrio de nvel

    tercirio conveniado com a rede SUS, sendo referncia no atendimento e tratamento de alta

    complexidade de crianas de Ribeiro Preto, regio e outros estados do Brasil.

  • Mtodo | 38

    A organizao e anlise dos dados coletados foram realizadas no Laboratrio de

    Pesquisa em Preveno de Problemas de Desenvolvimento e Comportamento da Criana

    (LAPREDES) do Departamento de Neurocincias e Cincia do Comportamento, Faculdade

    de Medicina de Ribeiro Preto da Universidade de So Paulo, em Ribeiro Preto (SP).

    3.5 Intrumentos e Medidas

    3.5.1 Instrumentos para avaliao de dor

    Escala Visual Analgica/ Visual Analog Scale VAS (Scott, Ansell, & Huskisson, 1977):

    Esta escala avalia a intensidade da dor aguda-procedural e ps-operatria e consiste em uma faixa

    limitada de 100 mm de comprimento, a qual representa o contnuo da experincia dolorosa e tem

    em suas extremidades palavras: sem dor e pior dor possvel (ANEXO 4). As crianas so

    instrudas a assinalar a intensidade da sensao dolorosa em um ponto dessa reta, sendo que os

    escores podem variar de zero a 10, quanto maior o escore significa mais dor. Esta escala

    amplamente utilizada para crianas a partir de seis anos de idade e possui boa sensibilidade e

    validade, sendo uma escala classificada como bem estabelecida (well-established) pelo grupo

    vinculado Iniciativa sobre Mtodos, Medidas e Avaliao de Dor Peditrica em Ensaios

    Clnicos (Pediatric Initiative on Methods, Measurement, and Pain Assessment in Clinical Trials -

    PedIMMPACT) (Dworkin et al., 2005; McGrath et al., 2008; Von Bayer et al., 2006).

    Escala de Faces Revisada/ Faces Pain Scale Revised FPS-R (Hicks, Von Bayer,

    Spafford, Van Korlaar, & Goodenough, 2001): Esta escala consiste, originalmente, em sete

    faces, apresentadas em forma ordinal crescente de intensidade da dor, de fcil administrao e

    requer para sua aplicao apenas as faces fotocopiadas. A escala revisada consiste de seis

    faces, sem expresses de choros ou sorrisos, fazendo a correlao mtrica de 0-10, em escala

    crescente de dor, sendo chamada de Escala de Faces Revisada (FPS-R). No presente estudo

  • Mtodo | 39

    foi utilizada sua verso no idioma Portugus-Brasil (Poveda, Silva, Passareli, Santos, &

    Linhares, 2003). O examinador solicita ao examinado que aponte para a face que corresponda

    intensidade da dor, a face escolhida pontuada com 0, 2, 4, 6, 8 ou 10, contando da

    esquerda para a direita, sendo que zero significa sem dor e 10 com muita dor. A escala foi

    avaliada como bem estabelecida (well-established) pelo grupo vinculado Iniciativa sobre

    Mtodos, Medidas e Avaliao de Dor Peditrica em Ensaios Clnicos (Pediatric Initiative on

    Methods, Measurement, and Pain Assessment in Clinical Trials - PedIMMPACT) (Dworkin

    et al., 2005; McGrath et al., 2008; Von Bayer et al., 2006) por apresentar boas qualidades

    psicomtricas e pode ser utilizadas com crianas de quatro a 12 anos de idade (ANEXO 5).

    Escala de Catastrofizao de Dor para Crianas/ Pain Catastrophizing Scale for

    Children PCS-C: Esta escala avalia os pensamentos e sentimentos da criana sobre a

    experincia dolorosa. Contm 13 itens e a resposta baseia-se na frequncia que as crianas

    experimentam cada um dos pensamentos e sentimentos quando esto com dor, utilizando uma

    escala de cinco pontos (0 = nunca e 5 = sempre). A escala resulta em um escore total que pode

    variar de zero a 52, e ainda compreende trs subescalas relacionadas com as dimenses de

    ampliao, ruminao e desamparo. Os itens 6, 7 e 13 relacionam-se a dimenso de

    ampliao, j os itens 8, 9, 10 e 11 referem-se a dimenso de ruminao e os itens 1, 2, 3, 4, 5

    e 12 so relativos a subescala de desamparo. A verso para crianas foi desenvolvida e

    validada por Crombez et al. (2003), demonstrando validade de constructo, validade interna e

    preditiva em crianas escolares. Para a utilizao nesse estudo foi obtida a autorizao dos

    autores para a traduo na lngua Portuguesa (Brasil) (ANEXO 6).

    3.5.2 Instrumento para avaliao de estresse infantil

    Escala para avaliao de sintomas de estresse: Escala de Stress Infantil - ESI (Lipp &

    Lucarelli, 1998). A escala objetiva avaliar estresse em crianas de seis a 14 anos de ambos os

  • Mtodo | 40

    sexos, nas quatro dimenses do estresse infantil: fsica, psicolgica, psicolgica com

    componentes depressivos e psicofisiolgica. Esta escala composta por 35 itens relacionados

    a reaes de estresse e a resposta a cada item feita por meio da escala likert de cinco pontos

    e registrada em quartos de crculos, conforme a frequncia com que os indivduos

    experimentam os sintomas apontados pelos itens. Desta forma, circulo em branco significaria

    nunca sente e o circulo completamente preenchido indicaria sente com freqncia. O

    escore varia de 0 a 140 pontos. A ESI oferece tabelas de correo das respostas. Este

    instrumento foi validado para amostra brasileira e possibilita identificar o tipo de reao mais

    frequente da criana, facilitando o controle do estresse (Lipp, & Lucarelli, 1998). Esta escala

    de uso exclusivo do psiclogo e para sua aquisio necessrio o CFP (certificado de

    registro profissional na rea da Psicologia).

    3.5.3 Instrumento para avaliao das caractersticas sociodemogrficas e clnicas

    Roteiro de Caracterizao da Criana: Este roteiro foi construdo para a presente

    pesquisa e preenchido por meio da anlise dos registros do pronturio mdico de cada criana,

    constando informaes sobre idade, sexo, escolaridade, especialidade peditrica em que a

    criana estava inserida, diagnstico ou hiptese diagnstica, tempo de tratamento, tempo de

    internao e motivos da internao atual (ANEXO 7).

    3.6 Equipamentos e Materiais

    Para realizao da pesquisa foi utilizado o recurso audiovisual (aparelho de DVD

    player porttil do modelo Philips PD7030 com tela LCD de 7/18 cm) e o DVD Coleo de

    Curtas da Pixar Volume 1 (PIXAR Short Films Collection Volume 1) que contm histrias

    infantis de curta metragem com temas de personagens produzidos pela Walt Disney Pictures.

    A durao mdia de cada filme era de 10 minutos. As crianas escolhiam previamente uma

  • Mtodo | 41

    entre 13 histrias que estavam disponveis no DVD para assistir antes e durante o

    procedimento doloroso.

    3.7 Procedimentos

    3.7.1 Coleta de dados

    Os responsveis legais pelas crianas que concordaram com a participao na pesquisa

    assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido, assim como as crianas assinaram

    termo de assentimento firmando sua concordncia em participar do estudo. Os procedimentos

    de avaliao de dor e interveno de distrao foram realizados com crianas que tinham

    punes venosas ou arteriais prescritas pelos mdicos. Na coleta de dados aplicava-se

    primeiramente o roteiro de caracterizao sociodemogrfica e clnica com as mes das

    crianas, e em seguida eram aplicadas com as crianas as escalas de estresse (Escala de

    Estresse Infantil ESI) e de catastrofizao de dor (Pain Catastrophizing Scale for Children

    PCS-C).

    A interveno de distrao audiovisual constituiu no direcionamento da ateno da

    criana antes e durante o procedimento doloroso de puno para um filme infantil de curta

    metragem com contedos de humor e de interesse da faixa etria envolvida no estudo. A

    durao do filme tinha em mdia 10 minutos, a fim de cobrir a durao do procedimento de

    puno. A criana assistia ao filme at o final, no sentido de evitar frustaes decorrente de

    interrupo do mesmo, alm de auxiliar na recuperao aps o procedimento doloroso.

    As informaes antecipadas sobre o procedimento doloroso foram fornecidas de forma

    clara para que a criana compreendesse o que iria acontecer, sem no entanto se caracterizarem

    como uma tcnica de preparao psicolgica. Deve-se destacar, que at o momento de

    realizao do estudo, no havia a adoo de tcnicas de interveno no-farmacolgica ou

  • Mtodo | 42

    farmacolgica (creme tpico para alvio de dor) para este procedimento especfico no

    contexto da Enfermaria onde foi realizada a pesquisa.

    No Quadro 1 encontra-se um resumo esquemtico do procedimento de coleta de

    dados, aps as avaliaes iniciais do estresse e da catastrofizao da dor.

    Quadro 1. Esquema do procedimento de coleta de dados.

    Grupos de

    Participantes

    Primeiro

    Perodo (1

    puno)

    Procedimento de

    Avaliao

    Segundo

    Perodo (2

    puno)

    Procedimento de

    Avaliao

    G1 (A-B) Puno com

    tcnica de

    distrao (A)

    Avaliao de dor

    VAS

    FPS-R

    Puno sem

    tcnica de

    distrao (B)

    Avaliao de dor

    VAS

    FPS-R

    G2 (B-A) Puno sem

    tcnica de

    distrao (B)

    Avaliao de dor

    VAS

    FPS-R

    Puno com

    tcnica de

    distrao (A)

    Avaliao de dor

    VAS

    FPS-R

    VAS = Visual Analog Scale; FPS-R = Faces Pain Scale Revised.

    O G1 foi submetido interveno de distrao (A), realizada pela pesquisadora

    responsvel (psicloga especialista em Psicologia Peditrica, experiente e treinada) antes e

    durante um procedimento de puno. Em outro dia um segundo procedimento de puno era

    realizado sem interveno (B). No G2, por sua vez, o procedimento ocorreu de forma inversa,

    sendo que os participantes eram submetidos ao procedimento de puno sem aplicao da

    tcnica de distrao (B) e ao passar pelo procedimento doloroso em outro dia foi aplicada a

    interveno de distrao descrita (A). Aps a concluso dos procedimentos de puno, a

    pesquisadora aplicava os instrumentos de medida de intensidade de dor (Escala Visual

    Analgica VAS, Escala de Faces Revisada FPS-R).

    O processo envolvido na interveno de distrao audiovisual aplicada nas crianas

    est esquematizado na Figura 2.

  • Mtodo | 43

    Preparao para Inicio do Procedimento de Trmino do Aplicao das

    procedimento Filme puno Filme Escala de Dor

    ______|_____5min_____|_____5min_____|_____5min_____|_____5min_____|_____

    Figura 2. Esquema temporal da interveno de distrao audiovisual.

    Alm dos procedimentos descritos anteriormente, foi realizada uma observao de

    cada procedimento doloroso em que as crianas eram submetidas, registrando-se o tipo de

    puno (venosa ou arterial) e os nmeros de tentativas da mesma realizada pela equipe de

    enfermagem. Foram coletados tambm dados do pronturio mdico referentes s seguintes

    informaes: especialidade peditrica responsvel pelo atendimento da criana, diagnstico

    ou hiptese diagnstica, tempo de tratamento, motivos da internao atual, tempo de

    internao at o dia da primeira puno, tempo de intervalo entre as punes e tempo total de

    internao.

    3.7.2 Anlise de dados

    A preparao dos dados para anlise incluiu as seguintes etapas: organizao dos

    materiais impressos e protocolos em pastas com a devida identificao, correo dos testes de

    acordo com as normas dos respectivos instrumentos de avaliao, codificao dos

    participantes e das variveis, montagem de planilhas e organizao de Banco de Dados no

    programa Statistical Package for Social Sciences (SPSS, 19.0, Chicago, IL, USA).

    Os dados foram submetidos anlise de estatstica descritiva, em termos de: a) mdia,

    desvio-padro, valores mnimos e mximos para as variveis numricas contnuas; b)

    frequncia e porcentagem para as variveis categricas. Foram realizadas anlises de

    comparao entre grupos utilizando-se o Teste t de Student para as variveis contnuas e o

    Teste do Qui-Quadrado para as variveis categricas, a fim de verificar se existia diferenas

    significativas entre os grupos quanto s caractersticas principais.

  • Mtodo | 44

    Foi processada a anlise de varincia ANOVA 2 X 2 para modelos de estudos

    crossover com a finalidade de atender o objetivo do estudo. Alm disso, foi aplicado o teste

    Omnibus como medida de separabilidade entre os efeitos da interveno e os efeitos carry-

    over, utilizando-se o programa Stata Statistical Software (StataCorp LP, 13.0, College

    Station, TX, USA). O nvel de significncia adotado em todas as anlises realizadas no

    presente estudo foi de 5%.

  • Resultados | 45

    4 RESULTADOS

    Os resultados do presente estudo sero apresentados em quatro sees. Primeiramente,

    sero expostos os dados relacionados s caractersticas da amostra, incluindo a caractersticas

    sociodemogrficas e as caractersticas de evoluo clnica das crianas. Na segunda seo

    sero focalizados os dados sobre os procedimentos dolorosos aos quais as crianas foram

    submetidas, seguida pela terceira seo em que sero apresentados os resultados relativos aos

    escores de estresse e catastrofizao da dor mensurados como indicadores de linha de base

    das crianas. Finalmente, na quarta seo, sero expostos os resultados de comparao entre e

    intra-grupos relacionados aos dados das avaliaes de dor que mensuram a eficcia da

    interveno para alvio de dor (distrao audiovisual) utilizada no presente estudo.

    4.1 Caracterizao da amostra

    A Tabela 1 apresenta a caractersticas sociodemogrficas das crianas do G1 e do G2.

    Tabela 1. Caracterizao sociodemogrfica da amostra.

    Caractersticas das crianas G1

    (n = 22)

    G2

    (n = 18)

    Valor de p

    Sexo f (%)

    Masculino

    Feminino

    7 (32)

    15 (68)

    9 (50)

    9 (50)

    0,24 (1)

    Idade Mdia (DP)

    8,32 ( 2,05) 8,72 ( 1,80) 0,52 (2)

    Escolaridade Mdia (DP) 2,82 ( 1,81) 3,61 ( 2,00) 0,20 (2)

    G1 = Grupo 1 (AB); G2 = Grupo 2 (BA), (1) Teste do Qui-quadrado; (2) Teste t de Student; f =

    frequncia; % = porcentagem; DP = desvio padro.

    Na Tabela 1 verifica-se que no foram encontradas diferenas estatisticamente

    significativas entre os grupos G1 e G2 quanto s caractersticas sociodemogrficas das

  • Resultados | 46

    crianas. Houve uma distribuio semelhante de meninos e meninas nos dois grupos. Em

    ambos os grupos, as crianas estavam com uma idade mdia em torno de oito anos e

    escolaridade mdia entre dois e trs anos de estudo.

    A Tabela 2 revela as caractersticas de evoluo clnica das crianas, relacionadas a

    especialidade peditrica responsvel pela internao, motivo da internao atual, durao da

    enfermidade, tempo de internao at a primeira avaliao, tempo de internao total e tempo

    de intervalo entre os perodos das avaliaes realizadas no estudo.

    Tabela 2. Caractersticas da evoluo clnica das crianas.

    Caractersticas clnicas das crianas G1

    (n = 22)

    G2

    (n = 18)

    Valor de p

    Especialidades peditricas f (%)

    Onco-hematologia

    Gastroenterologia

    Cardiologia

    Endocrinologia

    Pneumologia

    Reumatologia

    Nefrologia

    Imunologia

    12 (54)

    1 (5)

    1 (5)

    1 (5)

    3 (13)

    1 (5)

    3 (13)

    0

    5 (29)

    0

    0

    5 (29)

    3 (17)

    2 (11)

    1 (7)

    1 (7)

    NA

    Motivo da internao atual f (%)

    Tratamento clnico

    Tratamento cirrgico

    Investigao diagnstica

    17 (77)

    3 (14)

    2 (9)

    9 (50)

    0

    9 (50)

    0,08 (1)

    Durao da enfermidade (meses)

    Mdia (DP)

    40,27 ( 43,21)

    39,72 ( 40,80)

    0,97 (2)

    Tempo de internao at 1

    avaliao (dias)

    Mdia (DP)

    4,36 ( 4,07)

    4,61 ( 4,48)

    0,86 (2)

    Tempo total de internao (dias)

    Mdia (DP)

    11,77 ( 9,71)

    10,56 ( 7,70)

    0,67 (2)

    Tempo de intervalo entre as

    avaliaes (dias)

    Mdia (DP)

    2,32 ( 1,64)

    2,50 ( 1,72)

    0,74 (2)

    G1 = Grupo 1 (AB); G2 = Grupo 2 (BA); (1) Teste do Qui-quadrado; (2) Teste t de Student; f =

    frequncia; % = porcentagem; DP = desvio padro; NA = no se aplica.

  • Resultados | 47

    Verifica-se na Tabela 2 que no houve diferena estatisticamente significativa entre os

    grupos G1 e G2 quanto s caractersticas de evoluo clnica registradas nos pronturios

    mdicos das crianas. Quanto especialidade peditrica responsvel pela internao, observa-

    se que a amostra foi composta por pacientes de diversas especialidades, sendo predominante a

    Onco-hematologia peditrica e Endocrinologia peditrica. Nota-se que os motivos da

    internao atual foram semelhantes entre os grupos, embora tenha havido uma tendncia

    estatisticamente significativa a ocorrer mais investigao diagnstica no G2 em relao ao

    G1.

    A durao da enfermidade teve uma mdia em torno de 40 meses de tratamento em

    ambos os grupos, o que sugere ser uma amostra de crianas com enfermidades crnicas. O

    tempo de internao at a primeira avaliao da criana foi em mdia quatro dias e o tempo

    total de internao manteve-se entre 10 e 11 dias em ambos os grupos; no houve diferenas

    estatisticamente significativas entre os grupos. Em relao ao intervalo entre as avaliaes dos

    procedimentos de puno, a mdia em torno de dois dias foi semelhante em ambos os grupos;

    tambm no houve diferenas estatisticamente significativas entre os grupos.

    4.2 Caracterizao do procedimento doloroso

    A Tabela 3 apresenta as caractersticas dos procedimentos dolorosos de puno aos

    quais as crianas foram submetidas, em relao a: tipo de puno, nmero de tentativas da

    puno e uso de medicaes para dor nos dias das avaliaes.

  • Resultados | 48

    Tabela 3. Caractersticas dos procedimentos dolorosos.

    Caractersticas do procedimento

    doloroso

    G1

    (n = 22)

    G2

    (n = 18)

    Valor de p

    Tipo de procedimento doloroso (1

    avaliao) f (%)

    Puno venosa

    Puno arterial

    19 (86)

    3 (14)

    15 (83)

    3 (17)

    0,79 (1)

    Tipo de procedimento doloroso (2

    avaliao) f (%)

    Puno venosa

    Puno arterial

    20 (91)

    2 (9)

    16 (89)

    2 (11)

    0,83 (1)

    Nmero de tentativas de puno (1

    avaliao)

    Mdia (DP)

    1,27 ( 0,70)

    1,56 ( 0,92)

    0,28 (2)

    Nmero de tentativas de puno (2

    avaliao)

    Mdia (DP)

    1,18 ( 0,66)

    1,00 ( 0,00)

    0,25 (2)

    Medicao utilizada para dor no dia

    (1 avaliao) f (%)

    Ausente

    Presente

    14 (64)

    8 (36)

    12 (67)

    6 (33)

    0,84 (1)

    Medicao utilizada para dor no dia

    (2 avaliao) f (%)

    Ausente

    Presente

    13 (59)

    9 (41)

    14 (78)

    4 (22)

    0,21 (1)

    G1 = Grupo 1 (AB); G2 = Grupo 2 (BA); (1) Teste do Qui-quadrado; (2) Teste t de Student;

    f = frequncia; % = porcentagem; DP = desvio padro.

    De acordo com a Tabela 3, ambos os grupos foram comparveis em relao s

    caractersticas dos procedimentos dolorosos; no houve diferena estatisticamente

    significativa entre eles. O tipo de procedimento predominante nos dois grupos foi puno

    venosa, seguida de puno arterial, tanto na primeira quanto na segunda avaliao da criana.

    Quanto ao nmero de tentativas para o sucesso do procedimento, observa-se uma mdia

    semelhante (uma tentativa) em ambos os grupos nas duas avaliaes realizadas. Em relao

    ao uso de medicaes para dor, nota-se que a maioria das crianas no utilizava tais

  • Resultados | 49

    medicaes nos dias das avaliaes; no houve diferena estatisticamente significativa entre

    os grupos.

    4.3 Indicadores de estresse e de catastrofizao da dor nas crianas

    Na Tabela 4 encontram-se os dados referentes