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Copyright©MarioSergioCortella,2018Copyright©EditoraPlanetadoBrasil,2018Todososdireitosreservados.

Editorparaoautor:PauloJebailiPreparação:RicardoJensenRevisão:NanaRodrigueseMariaAikoNishijimaDiagramação:VivianOliveiraCapa:MateusValadaresAdaptaçãoparaeBook:Hondana

CIP-BRASIL.CATALOGAÇÃONAPUBLICAÇÃOSINDICATONACIONALDOSEDITORESDELIVROS,RJ

C856s

Cortella,MarioSergio,1954-Asortesegueacoragem/MarioSergioCortella.-1.ed.-SãoPaulo:Planeta,2018.

ISBN978-85-422-1234-1

1.Teoriadoautoconhecimento.2.Autorrealização(Psicologia).3.Motivação(Psicologia).I.Título.

17-46531 CDD:158.1CDU:159.947

2018TodososdireitosdestaediçãoreservadosàEDITORAPLANETADOBRASILLTDA.RuaPadreJoãoManoel,100–21oandarEd.HorsaII–CerqueiraCésar

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01411-000–SãoPaulo-SPwww.planetadelivros.com.bratendimento@editoraplaneta.com.br

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“Seagarraresomomentoantesqueeleestejamaduro,aslágrimasdoarrependimentotudecertocolherás;mas,seomomentocertoalgumavez

deixaresescapar,aslágrimasdopesartujamaisapagarás.”

(WilliamBlake,Poemascompletos)

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SUMÁRIO

ASORTESEGUEACORAGEM?

1.ÊXITOSEFRACASSOS:SERÁODESTINO?2.ODESTINOMEPERSEGUE?3.AOCASIÃOFAZOPADRÃO4.APESSOACERTANOLUGARCERTO,NAHORACERTA5.CORAGEMNÃOÉIMPULSIVIDADE!6.SORTE,INICIATIVAEÉTICA7.AHORAÉAGORA!8.CASUALIDADESOPORTUNAS9.EQUANDOAHORANÃOÉAGORA?10.PLANEJAR,ESCOLHER,ABDICAR11.TECNOLOGIA,OCUPAÇÃOETÉDIOAUSENTE12.ESTOQUEDECONHECIMENTO,PARTILHAEHUMILDADE13.PENSARSOBREMIM,PENSARMINHASRAZÕES14.TEMPO:APROVEITARPARANÃOPERDER!15.TEMPOLIVRE,COMPETÊNCIAEINVENTIVIDADE16.OTEMPOPASSAMAISDEPRESSA?17.GERAÇÕES,CONVIVÊNCIAEOPORTUNIDADERECÍPROCA18.OTEMPOPASSA;ENÓS?19.DECREPITUDES,SENILIDADES,VITALIDADES!20.FINITUDESINFINITAS,INFINITUDESFINITAS

LEGADOELEGADOS

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Asortesegueacoragem?

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Umadascoisasquemaispreocupaméohábitodealgumaspessoasatribuíremaforçasexternas,quasequemísticasoumágicas,osacontecimentosfavoráveisoudesfavoráveis na vida delas. Claro que existem situações que podem serprejudiciais e que não dependem do desejo ou da procura da pessoa. Assimcomo há muitas circunstâncias que podem beneficiá-la sem que elanecessariamenteastenhaprocurado.

Por vezes, empreendemos ações com determinada intenção e o resultadonãoapareceounãodamaneiraesperada.Outrasvezes,nãodespendemosenergiaembuscadealgoqueacabaserealizando.Aquiloqueeunãoprocureieveio–sejabomoumau–eaquiloqueeuprocureienãoveio–sejabomoumau.

Nessesentido,apercepçãodesorteseaproximariadeumabênção,comosea pessoa fosse apaniguada, agraciada com uma proteção especial e, portanto,recebedoradeumfavorecimento.

A ideia de que existe uma força que independe da intenção, que cuida,protege (ou pelo menos o fez em determinada situação), ultrapassa a nossacapacidadedeaçãoeatéoslimitesdomundohumano.

Essa circunstância é uma casualidade positiva, assim como existe acasualidadenegativa.

Por isso, a ideia de sorte está, em grandemedida, ligada ao fato de nãocompreendermos os motivos pelos quais as coisas acontecem. Alguns povosusam a expressão “sorte” tanto no sentido positivo quanto no negativo. Seusignificadoseriamuitomaispróximodeocasião,circunstância.

Em sua obra, o filósofo italiano Maquiavel (1469-1527) trabalhou osconceitosdefortuna,queéoacaso,asorte(favoráveloudesfavorável),evirtù,ogestodeliberado,intencional,embuscaderealizar,deempreender,deordenarascoisas.

A ocasião pode surgir como resultante de eventos sincrônicos, mas épreciso estar preparadopara aproveitá-la.E preparadonos dois sentidos que apalavrapodeter:disponívelparabuscarecompetenteparafazê-lo.

Nóstemosdecriarasnossascondiçõesparalidarcomaocasião,nóstemostempoparaofazer,masnãotemostodootempodomundo…

Acoragemnãoéumadisposiçãoeufórica!Énecessáriopartirdopressupostodeque,sehádespreparo,nãoécoragem,

massimumaatitudetemerária,impulsivaeleviana.Aconcepçãodecoragemse refereaumaforçavirtual (nosentidodeque

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tempotencialparaserealizar),quesedádeformaorganizadaeconsciente.Essaforçasecaracterizaporserumadisponibilidade,umainclinaçãoparaumaaçãoeficaz,masqueprecisaestarestruturada.

Imaginar que coragem émeramente essa euforia preparatória e que seriasuficienteparalançar-seemalgumaatividadesófazaumentaraprobabilidadededesastre.

Porisso,asortesegue,sim,acoragem!

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CAPÍTULO1

Êxitosefracassos:seráodestino?“Muitospensamquetertalentoésorte;nãovemàmentedeninguémque

asortepodeserumaquestãodetalento.”(JacintoBenaventeyMartínez,Vidascruzadas)

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Nomundoocidental(emboranãoexclusivamente),nóstemosoritualdechamarosdeusesanossofavor.AindanaAntiguidade,osgregos,antesdecomeçaremumaação,umaconversa,umabatalha,umcasamento,invocavamaproteçãodosastrosparaaqueleevento.Emlatim, issogerouumaexpressãovindadogregoqueé“considerações”.Sideravemdosastros,daíespaço“sideral”.Consideraréchamarosastros,osdeuses,nocasoasforçassuperioresanós,paraquevenhamemnossoauxílio.Por isso,chamando“osastros”,oquesucederáeoqueserádificultado, ganha uma origem exterior ao mundo humano; a ideia de sorteaparecedeváriosmodosnanossacultura.

Por exemplo, olhem-se as antigas histórias deWaltDisney, presentes emmuitasgeraçõesdesdemeadosdo século20, especialmenteaquelasque tocamnos temas dinheiro, riqueza, sucesso.Há um estudo publicado em1975 como“TioPatinhasnocentrodouniverso”,dosociólogoJosédeSouzaMartins,noqualeleanalisatrêspersonagensqueconvivemcomperspectivaseresultadosdevidadiferentes,mesmoestandonomesmomundoeinteragindocomasmesmascondições.OPeninhailustraapessoacriativa,queteminiciativa,masnadadácertoporqueédesastrado.ODonaldéesforçado,dedicado,masnãoéumsujeitobem-sucedido porque não tem sorte. Já o Gastão não precisa fazer nada e ésemprebeneficiadopelascircunstâncias;comotemo“dom”dasorte,ascoisasvêm até ele. E isso, paramuitas pessoas, já seria uma explicação. Peninha, odesadaptado;Donald,oazarado;Gastão,osortudo.E,assim,tudoficaexplicadoparajustificarêxitosefracassos.

Oaspectosorteapareceemoutrashistórias.AliBabádescobre,poracaso,nãosóacavernaondeficamos tesouroscomoapalavraquedáacessoàquelafortuna.OuamásortedeCaim,quefazumafogueiraparaqueafumaçalevassesuasofertasaJavé,masafumaçasedispersa,bemdiferentedafeitapeloirmão,Abel, que atingia as alturas. Caim se entendia como alguém amaldiçoado,capturadoporumaaurademaldade.Emdesenhosanimadosouquadrinhos,háaconhecida imagem da nuvenzinha pesada em cima da pessoa, quando assituaçõesestãodesfavoráveisetudodáerrado.

Apalavra“sorte”funcionacomoumracionalmuitoforte,nosentidodequeas pessoas a usam como explicação para o próprio fracasso e para o sucessoalheio. Dificilmente há o inverso, a expressão sorte usada para justificar oprópriosucesso.O“meu”sucessoresultadoesforço,da“minha”capacidade.Anoção de sorte é um grande modo de amparar situações em que não houve

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dedicação,esforço,inteligência,competênciaehabilidadenaquiloquesefazia.“Eu não tenho sorte, meu casamento vai mal.” A famosa frase “feliz no

jogo, infeliznoamor”imprimeumaideiadequeexisteumaporçãodesorte–umacotaquepodesermaioroumenor–,masqueéumrecursoesgotável.Setemsortenojogo,nãovaisedarbemnoamor.Algumasversõesdãocontadequeaorigemdessafraseestarianofatodequequemganhavanosdadosounascartasnãoiaparacasa,masparaataberna,localondeapatifariaerarotineira…

Todas essas formulações têmpor trás a suposiçãoda existênciade forçasque, anteriores e superiores a nós, podem nos beneficiar ou nos prejudicar.Assim sendo, a iniciativa do indivíduo seria muito limitada. Esse tipo depensamento se manifesta de diversos modos. “Aconteceu tanta coisa ruim nocomeço do ano que pelo menos estou protegido até dezembro.” Como sehouvesseumacotadebênçãosedemaldições.Eessascrençascontribuemparaqueideiascomo“sortenojogo,azarnoamor”seperpetuem.

Quando se recebe algum agrado, logo se espera uma contrapartida. Umatleta que pode ter a boa fase interrompida por uma contusão. Um novorelacionamento que fica sob ameaça de ter seu encanto quebrado no primeiroatrito.Ocarrozeroquilômetroéretiradodaconcessionáriaejásecriaatensãodaprimeira raladinha.Écomoseesse incidente fosseopedágio,opreçoaserpago para ficarmais protegido. Como uma colisão é algo possível quando setratademovimentarveículos,seriabomqueviesselogoparacumpriracotademalefícios(aindamaisquandoalimentadapelainvejaalheiaeporoutrasforçassobrenaturais).

Existe a ideia de que os deuses escolhem alguns indivíduos. E essapredileçãosedápormotivosdesconhecidos.Por isso,édesconcertanteverumgrandepatifetendomuitasorte,enquantoalguémdeboaíndoletemdificuldadespara encontrar os caminhos abertos.Nas religiões, demaneira geral, a bênçãovem pela capacidade de agradar à divindade (ou às divindades, no caso dopoliteísmo).

Nósnão temosumacompreensão clara, lógica, das razõesporque certoseventos acontecem. Somos um ser que precisa construir ordem, dado que arealidade,olhadaemsi,nãofaztodoosentido.

ExistemduasexpressõesdogregoantigoqueseopõemequeinfluenciarammuitoaFilosofia,aciência,opensamentoocidental:ocosmos(kósmos)eocaos(cháos),aordemeadesordem.Respectivamente,aquiloqueconferesentidoàscoisaseaquiloqueaparentementenãotemsentido.Nósnãoconseguimosviveremmeio ao caos.Exemplo banal: você viaja e, logo ao entrar numquarto dehotel,procuradeixarascoisasaoseumodo.Mudaobjetosdelugar,põeaescovade dentes no banheiro, coloca os pertences no criado-mudo. Tudo para tentar

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deixardoseujeito,istoé,colocarasuaordem.Comoavidaéaparentementecaóticaeascoisasnãofazemsentidootempo

todo, temos necessidade de construir nossos polos de referência, precisamosexplicarporqueascoisassesucedemdetalforma.Istoé,seeusouvitimadoouprotegido, benquisto ou malquisto no amor, na carreira, na convivência, nofutebol,temdehaverumaexplicação.

No ambiente do esporte, a presença de rituais é bastante frequente. Debenzedurasà repetiçãodacuecaoudameia, tantoatletase treinadoresquantotorcedoresrecorrematodotipodeexpedienteparaatrairforçasprotetoras.Nósvamosconstruindorituaisparaatrairasorteeadotamossímbolosparacomporonossocotidiano.Pode ser carregarumobjeto,umelementodanatureza, comoumgalhodearruda,oufazeralgumgestoousinal.

Cultivamos os nossos ritos, e, mesmo quando algo não sai do modoesperado, esses hábitos não são abandonados. Como dizia o cientista dasreligiõesefilósoforomenoMirceaEliade(1907-1986),o“ritoreforçaomito”.Umatletatemalgumritoe,aindaquesofraalgumrevés,queascoisasnãodeemcerto, ele persiste naquela prática. Mesmo que o time esteja numa fasecomplicadanocampeonato,ojogadordefutebolfazosinaldacruzaoentraremcampo,geralmenteapóstocarosdedosnagrama.

As disputas são fortemente marcadas pela ideia de sorte. Tanto que boapartedos jogoséchamadade“jogosdeazar”,aquelesemquesesupõequeainterferência das forças externas é atémaior que a ação dos competidores. Ofutebol não é chamado de jogo de azar, embora exista o bordão que o rotulacomo uma “caixinha de surpresas”. Possivelmente, essa expressão circulaporqueexisteo imponderável,adespeitode todaapreparaçãofísica, técnicaetáticapara aspartidas.O jogadorpodeestarmuitobemcondicionado, emboaforma atlética, e atravessar uma fase em que tudo dá errado para ele.Ou nãoestar 100% fisicamente, ter algum incômodo por lesão, mas tudo dá certo.Mesmoquandonãoacertaochuteemcheio,abolaentra.Ou,mesmocomtodososjogadoresnaárea,abolasobraparaelebalançarasredes.

Esse “tudo dá certo ou tudo dá errado” é o que a ciência chamaria desimultaneidade ou sincronicidade. Quando há uma conjunção de fatores quelevamadeterminadodesfecho.Tudodeucerto!Estavanolocalexato,ozagueiroadversáriofalhou,ogoleiroescorregou,aassistênciaveioprecisa,ouseja,umaconvergênciadecircunstânciasfavoráveis.Tudodeuerrado!Ogoleirodotimerival fechou o ângulo, a tentativa de tirar do alcance, a bola quicou nairregularidadedogramado,ochutenãopegoudojeitodesejado,golperdido…

Eraodestino?

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CAPÍTULO2

Odestinomepersegue?“Zeusnãopoderiadesatarasredes/

depedraquemecercam./Esquecioshomensqueantesfui;/sigooodiadocaminho

demonótonasparedes,/queémeudestino.”(JorgeLuisBorges,poema“Olabirinto”,

emElogiodasombra)

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Se o destino ou, de outromodo, o acaso nos atinge, imaginamos que dá paracontrolá-locomrituaisnadaracionais,masquenosoferecemalívioediminuemaangústia.

Oritoémantidoporqueseguimosumalógica,pornósmesmosestruturadaeintrojetada,paraexplicaroquenosacontecedebomouderuim.Elaganhaumstatusdecondutaprotetivae,portanto,nãopodeserrompida.Aindaqueoapeloàforçanãodemonstreeficácia,nósnãooabandonamos,portemordedesagradarao que desconhecemos, que parece nos auxiliar ou prejudicar.Afinal, estamoslidando com forças que são anteriores a nós – e que não são impossíveis (nosentido de constituírem uma possibilidade), mas improváveis (por ser difícilcomprovarsuaexistência).

Aoadentrarmosessecampo,vamosmantendonossosrituais,nasuposiçãodequeabandoná-lospodenos trazer algummal, algumadanação.Criadoessevínculo, está formada uma relação de servidão. Somos incapazes de nosdesconectarmosdealgunsmodosdeação.

Muitosdelessãocultivadosdesdecedo.Acriançaquenãodeixadefazerosinaldacruz,senãoopaidelavaimorrer.Osapatonãopodeficarviradoouaentrada sempre com o pé direito em algum lugar. É como se houvesse umaordem que não depende de nós. A palavra latina “sobrenatural” ou a grega“metafísica” expressam aquilo que vai além do mundo material. É curiosoporque essa conduta de acepção mágica do mundo não depende tanto deescolaridade. Mesmo que a pessoa tenha uma formação intelectual maissofisticada,portantomaisvoltadaparaosditamesdaciência,podecultivarseusrituaismetafísicos,tersuassuperstições.

Qualéosentidodisso?Nãohá.Eleéumsentidoidiossincrático.Decertamaneira, as ideias de danação ou de proteção são idiossincráticas.As pessoasvãoconstruindoseusrituaisàmedidaquevivem,emesmoeventuaisinsucessosnãoanulamaprática.

Tantoque,quandoumeventodesfavorávelacontece,aperguntaé:“Oqueeu fiz paramerecer?”.Na esteira desse questionamento inconformado, podemsurgir outros tantos. Fiz para quem? Para o mundo? Fiz porque existe umroteiro?Oueuestoufadadoaseguirnessecaminho?Écomosehouvesseumanegociaçãocomasforças.Aexpressão“porquelogoeu?”sugereaexistênciadeumacargamaléficanomundoque temdeserdescarregadadealgummodo.Eporquedirecionadalogoamim?

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Meupai,Antonio,contava,emtomdivertido,umeventodesagradávelpeloqualpassou:“Domingodesol,Pacaembulotado,60milpessoas,apombavemefazcocôjustonaminhacabeça?”.Agenteria,mas,nofundo,eleestavafalando“o que eu fiz paramerecer isso?”.Num caso assim, a ciência vai lidar, comoantes lembrado, com a ideia de sincronicidade, que faz sentido. Houve umasincronicidade,istoé,meupaiestavasentadoemdeterminadopontodoestádioeuma pomba, ao defecar, atingiria alguém, em decorrência de uma série defatores: vento, ângulo, posição, velocidade… Não havia como meu pai tercontrolesobreessasvariáveis.Podeserque,seotimedeletivessemarcadoumgoleelehouvesseselevantadoparaabraçaralguémnaqueleexatoinstante,nãofossealvejado.

Anosatrás,em1999,umaestudantemorreuaoseratingidapelaquedadeumapeçadeguindastenumaobranaavenidaPaulista.Grandediscussão:éumafatalidade?Mas essa fatalidade veio de onde?Aconteceu porque elamerecia?Porquehaviachegadoahoradela?

Alguns falam“ninguémmorredevéspera”.Oqueéumaobviedade,masfunciona como uma frasemágica. Aliás, várias obviedades são ditas como sefossemexplicaçãoparaaquiloquenãocontrolamos.“Eusoumuitoazarado,sóachooqueestouprocurandonoúltimolugaremqueeuprocuro.”Oqueéumaconstataçãoóbvia. Todo ser humano, em sã consciência, procura até o últimolugar.Ninguém,apósacharalgo,continuanaquelaação.Massevocêfalaisso,apessoa do lado diz: “Ih, isso acontece comigo também”. E forma-se aí umconsórciodeirracionalidades.

Qualéafontedessanecessidade?Anossapostura inseguranumuniversoimenso sobre o qual não temos controle. Por isso, algumas práticas, algunsrituais,parecemnosofereceralgumdomínio,porquesugeremnosconectarcomasforças.

O filósofo e escritor francês Voltaire (1694-1778), em sua clássica obraCândido, criou amaravilhosa cena da batalha. EnquantoCândido a atravessa,seumestrePanglossentabulaumasériedefalasparaconvencê-lodequevivenomelhor dosmundos.O cenário era de dois exércitos entoando seusTeDeum,suas louvações, rogando a proteção de Deus. Há uma grande questão nessabatalha,comoemqualqueroutranavida:Deusvaiescolherquelado?Eporquevaifazê-lo?Ambososladosqueseenfrentamdaformamaisradicalqueexiste,que é uma guerra, usam seus rituais. Como atraem as preferências das forçassobrenaturais?Unsmerecemeoutros,não?

Nósnãodeixamosde ladoos rituais;a inquietantepergunta,pensandonabatalha, é “Deus escolhe qual lado vai vencer?”. E, na esteira, outra questão:qual o critério queDeus ouos deuses têmpara fazer escolhas?Não sabemos.

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Comonãotemosrespostas,lançamosgarrafasaomarnaesperançadeencontrarasalvaçãodaquiloqueviveemalgumlugar.

Aideiadesorteéumaexplicaçãomagnífica,porquefazcomquenãohajaexplicação. Ela é uma explicação que não explica. Porque ela simplesmenteindicaumfatorimprovável.

Asortenãoexplicaneméexplicável;elasójustifica, istoé,parecetornarjustoumêxitooujustoumrevés.

Costumobrincar,aofalardesorte,comumfato: jamaisganheiemloteriaalguma, mas, também, nunca joguei em loteria alguma; sorte mesmo seriaganharsemter jogado,pois, jogando,entra-senaprobabilidadedevencer,quevaleparaqualquerpessoa.Contudo,denovoseperguntaria:porqueexatamenteaquela pessoa estava com o bilhete ou número vencedor? Caminhamos paraconceitosprobabilísticoseestatísticosquenãosatisfazemnossainconformidadecomoquenãonosbeneficia…

Nonossoconvívio,cruzamoscompessoasquetêmporhábitoselamuriar,lamentar o que aconteceu ou deixou de ocorrer com elas, por vezes atépraguejando contra os desdobramentos da vida. São aquelas que se sentemperseguidas em diversas situações. O poeta gaúcho Mario Quintana (1906-1994), no livro Espelho mágico (1951), refere-se de modo divertido a essesqueixosos:“Nãotentesconsolarodesgraçado/Quechoraamargamenteasortemá./Seotiraresporfimdoseuestado/Queoutraconsolaçãolherestará?”.

Essesversosmostramque,defato,existemmuitaspessoasqueusamesseargumento para se consolarem da má sorte, do mau trabalho, do maurelacionamento, dos rumosdesoladoresque avida tomou.Emvezde fazeremalgum esforço efetivo para mudar uma situação desfavorável, adotam esseexpediente do resmungo. Trata-se de um choro conveniente, pois, em grandemedida,seprestaajustificarparaelasmesmasasrazõesdeseufracasso.

OteólogoefilósofoAgostinhodeHipona(354-430),pormuitosconhecidocomo Santo Agostinho, tem um texto que diz que “de dentro da prisão temaquelequeolhaparaoladodeforaparaprocuraroSoleaquelequeolhasóochãoemqueagradesereflete”.

Muitagentenomundodotrabalhoassumeumpapeldevítimasacrificial.“Não me deixam avançar”, “não querem”, “não permitem”. A pessoa que seenxerga nessa condição não consegue vislumbrar nada que a leve fora dadesgraça, na suposição de que existem forças ocultas ou explícitas que aamarram.

Há um cabedal de justificativas para o insucesso: “eu tento, tento e nãofunciona”,“eunãotenhosorte”,“pormaisqueande,eunãosaiodolugar”,“nãodoupronegócio”,“nãoseifazerpolítica”,“nãoficofazendomarketingpessoal”,

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“soumuitosinceroeacabobatendodefrente”…Faltadesorteoudecoragem?

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CAPÍTULO3

Aocasiãofazopadrão…“Esforçovão!Indivíduonenhum/

podeirdeencontroàépocaemquenasceu./Otempoéumrioquelevaouqueafoga:/nelesenada,neleninguémmanda./

OsgrandeshomensdequefalaaHistória/foramosqueentenderambemseustempos./

Nãoamanheceporqueogalocanta:/ogaloéquecantaporqueamanhece.”(ImreMadách,Atragédiadohomem)

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Posso eu ter uma carreira em que a sorte tem seu papel? A circunstânciafavorável, sim.Ela sozinha não é suficiente.A sorte, isto é, a circunstância, aocasião,achance,éessencial,masnãoexclusiva.

Denadaadiantaelaaparecerseeunãotiveromovimento,ainclinação,aorientação, a tendência de seguir naquela direção.Edenada adianta eu tomardeterminadorumosenãotivercompetênciaparalidarcomaquelacircunstância.Dequemevale,semúsicosou,acharumviolinoStradivariusnarua,senãosoucapazdeextrairumanotaafinadadaqueleinstrumento?

Vale também um exemplo na direção oposta. Recentemente, foi criada adenominação“filósofospop”paraexpressarofenômenodeprofissionaisdessaáreaocupandocadavezmaisespaçosnamídia.Qualacircunstânciaquelevouaessa condição? O mundo digital, que amplificou, numa dimensão magnífica,ideias que já se tinha, com as quais já se lidava em sala de aula. Quando ainternetpassouafazerpartedeformaefetivanocotidianodaspessoas,muitosjáestavam prontos. É claro que foi necessário fazer alguma preparação para senavegarcommaisdesenvolturanessemundodigital.Masumasériedevariáveisfoi se agregando: a cultura digital, as redes sociais, a presença nos demaisveículosdecomunicação,anovageraçãotomandocontatocomcertosconteúdosnoYouTube(aindaquemuitasvezespirateados).

OqueaconteceucomaFilosofianosúltimosdezanos?Ficoumaisbanal?Emalgumassituações,pode-sedizerquesim.Maselacoincidiucomumanovageração que cresceu nos últimos vinte anos usando com total desembaraço asplataformasdigitais,etambémcomsentimentosdeisolamentoepercepçõesdeinutilidadeoudesuperficialidade,trazidosàtonapelatecnologia.

Como antídoto a essa banalidade, a Filosofia, com sua aura histórica delidar com conteúdos profundos, vinha sendo propagada por professores quetambémsãobonscomunicadores.E,comojáoeramemsaladeaula,encontramna internet, na televisão, no rádio seu território de expressão. Foram váriosfatoresquecoincidiramparacriaressasituação.

Insistonessepontoporqueessa“co-incidência”,“aquiloqueincidejunto”,está ligada à sincronicidade. Os gregos cultivavam duas expressões para sereferir ao tempo: chronos, no sentido de passagem ou contagem do tempo; ekairós, para indicar o momento oportuno, aquele em que algo relevanteacontece.Hávinteanos,serianomínimoinusitadoterumprofessordeFilosofiacomo comentarista de rádio ou ocupando uma bancada de telejornal para

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analisarfatosdocotidiano.Issoéresultadodesituaçõesafortunadas.Essa ideia de fortuna, de origem latina, também aparece na conhecida

cantata cênica Carmina Burana, de 1935, do compositor alemão Carl Orff(1895-1982). Seumovimentomais famoso é justamente “O fortuna”, em quefortuna imperatrixmundi faz alusão à sorte que dirige os destinos, a vida nomundo.

Issoémuitoforteparanós.Aideiadesorteemváriosidiomas,assimcomoanoçãodefortuna,está ligadatambémàquiloqueéfortuito,queaconteceporacaso. Pouco a pouco, nomundo da Renascença, o termo “fortuna” passou aindicaroconjuntodebens.

Apesardenãoseraexplicaçãonemserexplicável,háváriastentativasdedecifrar o que é a sorte ao longo da história. Pelo olhar metafísico, pode-seinferirquedecorredaatençãodosdeusesoudeDeus.Sãoforçascomasquaiseumeconectoousincronizo,gerandoumasintoniacomouniverso.

Porexemplo,recuperandoclássicanarrativa,porqueArturconseguiutirara espada Excalibur? Porque era o escolhido. Por quem? Pela Dama do Lago.OndeestáaDamadoLago?No lago.Onde?Láno fundo?Você jáviu?Não.Porqueelanãoapareceparahumanos.

Outroexemplo, estenanarrativa judaico-cristã-islâmica.Moisés,nomeiododeserto,ouveumavozqueochama.Deparacomumaárvorequepegafogoenãoqueima,chamadadesarçaardente,eelepergunta:“Queméosenhor?”.Adivindade responde, demodomagnífico comoconcepção teológica, “eu souoquesou”.Ponto.TalvezMoisésfalasse“massouoquesouoquê?”.“Eusouoquesou.”Elesóé.Éumsujeitoquenão tempredicado.Quandose indicaumpredicado, há uma redução.Quemvocê é?Sou eu.Oque você faz?Você vaiexcluirtudooquevocênãofaz.Eusouoquesoué“soutodasascoisas”.

Porisso,adivindadejudaico-cristã-islâmicaéchamadadeinefável.Aquiloquenãopodeserdito.Eoquenãopodeserdito,nosentidocristão,éaquelequenão se capturapelaspalavras.No sentido judaico, aquele cujonomenãopodeserdito.

Fortuito é aquilo que aconteceu sem uma provocação, é um fato nãointencional. Muita gente conecta a ideia de fortuito com gratuito. E não éindevido, pois pode-se falar em antipatia gratuita, em simpatia gratuita, ou dequalquersituaçãogratuita,aquelaemqueserecebeualgodegraça,semnenhumtipodepreparaçãooupremeditação.

A palavra “gratuita” faz bastante sentido, porque a pessoa que recebe degraçaéaquelaqueéengraçada, istoé,queasforçassobrenaturaisprotegeram.Umapessoaquenascecomagraça,aténosentidometafísico,éaqueladequemasforçassuperiorescuidaram.Ou,nostermosusadospelasreligiões,aquelaque

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as divindades ungiram, deram bênção.Abençoada é aquela que interiorizou obem recebido. Diferentemente do amaldiçoado, aquele que foi abençoadorecebeudegraça,portantonãopagou,masfoiagraciadocomobenefício.

Existe aí uma conexão curiosa, porque no latim a ideia de graça é serprotegido, ser cuidado. No grego antigo, a noção é caris, de onde vem, porexemplo,“carisma”.

A ideia central na concepção de caris é que a pessoa foi abençoada,escolhida.Porquê?Nãosesabeaocerto.Podeserumatendimentoaopedidodospaisoualgumarecompensapeloméritodaobraoudaconexãodeles.Ou,nocasodasdinastias,nãohaviaméritoeobra,eraumaquestãodesangue.Podeserqueapessoa tenhasidoescolhidapor razõesqueadivindadenãoaclarou.Porque um indivíduo foi iluminado e o outro não? Não se tem clareza, mas apercepção é que o escolhido tem uma missão, recebeu de graça um domconferidopelasforçassobrenaturais.

Apessoacarismática,sediria,éaquelaquerecebeaproteção.Porisso,elafala bem, atrai pessoas, encanta quem está à sua volta. Ela tem uma auraprotetora,aboagraçaquetodosdevemprocurar.

As pessoas que se sentem privadas dessa graça são as “desgraçadas”,aquelas que ficaram privadas de proteção. Como a hiena Hardy, do desenhoanimado Lippy & Hardy, que vivia se lamuriando: “Ó céus, ó vida…”. E omelhor trecho desse bordão é o “ó ceus”, que é uma invocação de forças quedeixaramdecuidar.Quandoasforçasdescuidamdealguém,tem-seo“desastre”.Équandoocorreaseparaçãodosdeusesoudosastros.

Quando se deixa de receber a graça, a desgraça se instala. “Ô trabalhodesgraçado,ôfamíliadesgraçada.”Agraçaproduzoencantamento,tantoquesediz“olhaquefamíliaencantadora”,“masquepessoaencantadora”.

Pode-se interpretarquedesgraçadoéaqueleque tempoucacoragem.Nãonosentidodevalentia,masdeforça,devigorosidade,defirmezadepropósito.

Quandoumapossibilidadeseanuncia,éprecisoforçaedeterminaçãoparalevá-la adiante até que o objetivo se concretize. Os latinos caracterizam essaideiadochamadocomovocação.Mas,alémdavocação,existeaprovocação.

Aideiacentraléque,diantedeumasituaçãodesgraçada,apessoaotimista,isto é, aquela que tem uma vitalidademais exuberante, pensa: “Bom, valeu aexperiência”. Isso demonstra que ela procura algo engraçado dentro dodesgraçado.

Jáapessoapessimista,aquelasemvitalidadedeação,enxergaadesgraçacomopontofinal.Acaracterísticadodesgraçadoéserconclusivo.Apessoaquetemumavitalidademaiorentendeoacontecimentodesgraçadocomoetapa.

Há uma diferença entre olhar a desgraça como etapa e olhá-la como

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conclusão.Aíéqueentraaenergiadacoragem!

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CAPÍTULO4

Apessoacertanolugarcerto,nahoracertaOmedotemalgumautilidade;

acovardianão.”(MahatmaGandhi,Discurso)

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É relativamente comum ouvir o comentário: “Aquela pessoa tem uma sortedanada. Olha como as coisas dão certo para ela”. Não necessariamente. Emmuitoscasos,oqueapessoatemécoragemdebuscar,defazer,deestudar,deseorganizar,desepreparar.

A frase“apessoacertanahoracerta,no lugarcerto”éa indicaçãodessaperspectiva.Ahoracertaéomomentoemqueacircunstânciaaparece.Olugarcerto tambémé circunstancial.Agrandequestão é: o que é a pessoa certa?Apessoacertadessafraseéaquelaqueestápreparadaparafazeroquetemdeserfeitoeparafazeroquepodeserfeitoemdeterminadacircunstância.Essafrasefazsentidoquandoresultadaconexãoentreapossibilidadeeainiciativa.

UmagrandeliçãodessaconexãoaolongodahistóriaéreferidaaTalesdeMileto(c.624-548a.C.),conhecidocomoopaidaFilosofia(emboraapalavra“filosofia” tenha sido criada por Pitágoras). Não há evidência direta dessesacontecimentos,masvalemcomoexemploexpressivo:amaiorpartedosgregosna Antiguidade costumava ver aqueles que se dedicavam à Filosofia comopessoas que andavam nas nuvens. Não é casual que o principal livro contraSócrates, uma comédia de Aristófanes, se chame As nuvens. Apesar de aFilosofiaservistacomoumaáreaabstrata,própriadelunáticos,Talesenriqueceunumaatividadeeconômicadeproduçãodealimentos.

Noséculo4a.C.,haviamuitasazeitonasnaGrécia(comoháatéhoje).Parasaber o tamanho da produção de azeitona no ano seguinte e calcular quantoslagares seriam necessários para armazenar o produto, a consulta era feita aosdeuses.E,quasecomoa inauguraçãodopensamento filosófico,Tales,queeraum estudioso daMatemática, decidiu fazer uma leituramais racionalizada darealidade.Istoé,iralémdopensamentomítico.Emvezdeapenasconsultarosdeuses,elefezoquenóschamaríamosagoradeumasériehistórica.“Esteanotevebastanteazeitona,comtaiscondiçõesclimáticas:choveunesseperíodo,osventossopraramdessemodo.”Apartirdaobservaçãodessasvariáveis,compôsum panorama. Contrariamente àqueles que haviam consultado os deuses, elevislumbrouumagrandesafradeazeitonanoanoseguinte.Investiufortementenaaquisição de lagares, silos, barris. A produção estourou, ele pôde estocar eenriqueceu.

Tales foi capaz não apenas de orar ou de só apelar para as forçassobrenaturais, mas de identificar sinais para a ocorrência de determinadosfenômenos,oquefoiabsolutamentedecisivoparacolherbonsresultados.

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NãodariaparaafirmarqueTalesacertariaemcheio,mashaviaumagrandeprobabilidade de êxito pelo estudo que realizou. Algumas ciências procuramfazeraprevisão,a“pré-visão”–casodaMeteorologia.Elasnãosãoinfalíveis,mastêmumníveldeacertoalto.

Algumas vezes, ao final de uma palestra, alguém, na intenção de meelogiar,acabameofendendosemperceber.Apessoafala:“Cortella,vocêtemodom da palavra”. Ao dizer isso, ela está sugerindo que eu não tenho méritonenhum?Quenão fizesforçoalgum?QueDeusmechamou:“Vemaqui,vocêvai falar empúblico”?Claroquenão.Fazmaisde sessentaanosqueestounaescola,comoalunoeprofessor.Paraescrevermaisdetrintalivros,eutivedelermaisde10milobrasnaminhavida.Cadadiaestounumacidade,conhecendo,conversando,aprendendo,dandoentrevistas,ouvindoquestões.Euerro,acerto,procuro…eapessoadiz:“Vocêtemodomdapalavra…”.Claroquegostodeelogio.Elapodedizer“vocêfalabem”,masdizerqueeutenhoodomnãoéaexpressãomaisadequada.

Eunão tenhodúvidadeque fuiabençoadopelapossibilidadede falarempúblico.Maseu tivedepegaresse“dom”edesenvolvê-lo.Não foiumacoisaautomática.Fazmaisdequarentaanosquesouprofessor.Atuoemespaçosdecomunicação,faloemrádio,emtelevisão,empalestras,emsaladeaula.Eissoexigeesforço.

Sempre me perguntam e serve para exemplificar o conceito: como essatrajetóriacomeçou?

NasciemLondrina,nonortedoParaná,eminhafamíliamudou-separaSãoPaulo em 1967, numa sexta-feira. De formação católica, fomos à missa nodomingo. Eu, caipira, sentei logo no primeiro banco, maravilhado com umaigrejagrandeecomcenáriosparamiminéditos.Naqueleano,aIgrejaCatólicacomeçouaincrementaramodificaçãodoculto.Atéentão,amissaerarezadaemlatim,comopadredecostasparaosfiéis,esomenteeleeocoroinhaocupavamoaltar.Apartirdaqueleano,oConcílioVaticanoIIorientouqueamissafossenoidiomanacional,comosacerdotedefrenteparaosfiéisecomaparticipaçãodeleigosnasleiturasnoaltar.

Pois bem, eu estava sentado no primeiro banco, aos 13 anos de idade.Opadre começou explicando as mudanças e disse que começaria a ser maisfrequenteapresençadosleigosnoaltar,especialmenteparafazeralgumaleituradodianacerimônia.Desupetão,apontouparamimedisse:“Menino,venhalerparanós”…

Eutinhaduaspossibilidades:saircorrendo(queeraomeudesejonaqueleinstante)ousubirefazer.Mesmoassustado,eudecidisubir.Eopadremedeuumtextoque,parameuazar,eraumaEpístoladePauloaosTessalonicenses.Já

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tropecei aí.Aocomeçara ler,outragrandebobagem, segureiopapel.A folhatremulando revelava todo o meu nervosismo. E, quanto mais o papel tremia,maiseutremia.Quandoterminei,nemmelembravadoquehavialido.Namissadooutrodomingo,senteilánofundodaigreja.Eopadrevoltouaexplicarquehaveria sempre a leitura feita por um leigo. Lá de cima, olhou para mim edisparou: “Menino, você que leu na semana, vem aqui”. Eu fui. No cultoseguinte,eujáhaviamepreparado.Navéspera,eupassaranaigrejaparasaberqual seria a leitura. Na missa posterior, eu já estava gostando. No quintodomingo,eusentavanafrente,prontoparaserchamado.Depois,comeceialernamissadas8h,das9h,das11h,domeio-diae…fazmaisdequatrodécadasquefaloempúblico.“OlhaquesortetemoCortella.”Nãoé?

Sei que não sou capaz de fazer algumas coisas, amenos quemepreparemuitobemparafazê-las,eissorequertambémprepararacoragem.

Eunãodirijo,nemsequer tenhocarteirademotorista.Muitaspessoasmeperguntam se eu tenho medo de dirigir. Costumo responder que espero quequalquermotoristatenhamedodedirigirparaquetomecuidadocomaconduçãodo veículo.O que a pessoa geralmente está querendo perguntar é se eu tenhopânicodedirigir.Afinal,medoéumestadodealerta,pânicoéumaincapacidadedeação.Seráqueeutenhopânicodedirigir?Não,eunãogosto.Maseuseiquequem passou por um centro de formação de condutores foi movido por umdesejo imensodefazeraquilo,apontodesuperarsituaçõesemqueomedoseaprofundou.

Apesar de não dirigir, comecei a aprender em determinado momento davida.Aprimeiravezquefuimovimentarumcarro,eutremiaeminhapernanãoparava no lugar. Mas quem dirige, aos poucos, vai construindo essacompetência.Nãotenhopânicodedirigir,eunãogosto,mas,seeufossefazê-lo,precisariapassarportodoesseprocessodeaprendizado,quenãoéautomático.Afinal,ninguémpegaoveículoejásaiporaícirculando.

Asortesegueacoragem,desdequeacoragemsejacompetente.É recomendável alertar que coragem não é impulsividade. A força da

coragem está na audácia. Ser impulsivo, impetuoso, leva ao insucesso muitomaisvezesdoquequandoháplanejamentoepreparação.

Por essa mesma perspectiva, uma pessoa cautelosa não é covarde, masaquelaqueprepara a corageme a ação.Umapessoa covarde é aquenão temânimosequerparatentarporqueoprimeiropassojáaassustaimensamente.

Quando falo que a sorte segue a coragem, não se trata de uma sorteesvaziadadeperícia,dehabilidade,decompetência.Éumasorteimpregnadadecapacidades. E essa expressão parte do pressuposto de que a pessoa tevehumildadeparabuscá-las.

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CAPÍTULO5

Coragemnãoéimpulsividade!“Osimpacienteschegamsempre

tardedemais.”(JeanDutourd,Ofundoeaforma)

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Ésempre conveniente lembrarqueháumadiferença entre ser audacioso e seraventureiro.Apessoaquetemaudáciaéaquelaqueavalia,estuda,analisaevai.Isto é, ela se prepara e se lança por conta da coragem competente. Uma dascoisasmais perigosas é a coragemmalpreparada, porque aí não é coragem, éleviandade. Coragem é que nem amorosidade, tem de ser competente. Nãoadiantateramorosidadesemcompetência,porqueelasetransformaemmeraboaintenção.

A coragem preparada pode ser chamada também de audácia, que é ainiciativa competente. Existe uma iniciativa incompetente, que eu chamo deaventura.Emboraapalavra“aventura”tenhaentrenósumsentidopositivo–deuma sucessão gostosa, divertida de fatos (e também o é em determinadoscontextos) –, existe um modo aventureiro de ir em busca do objetivo, que édesprovidodecompetência.Émuitomaismarcadoporumasuposiçãodeperíciado que por uma habilidade elaborada ao longo do tempo. Nesse sentido, oaventureiroéarrogante,poisacoragempreparadaexigehumildade.

Umdosdiscursosdeautoajudaquemaismeincomodaméoqueproclama:“Sevocêacreditar, se tiveracoragemdecomeçar,vocêchega lá”.Nãoébemassimqueascoisasacontecem.Essetipodefalaproduzummovimentoilusóriodeenergiaqueapessoapodenãonecessariamenteter.Acorageméumavirtude,portanto uma força intrínseca, mas que precisa ser trabalhada, modelada,refinada.A coragemnão é apenasmarcadapela disposiçãodepartida.Não setratade“euquero,euvou,façoeaconteço”.

Ummodelo dessa ideia é a clássica frase “vim, vi e venci”, atribuída aogeneralromanoJúlioCésar.Essaexpressãonãoresultadeumacoragemleviananemaventureira.JúlioCésarproferiuessafalaapósumagrandevitória,paraaqualelehouverasepreparado.Elecontavacomumaestruturadecomando,umaorganizaçãodeapoioemvoltadele.Nãoé“vim,vievenci”nosentidodepuroímpeto.Seriaalgomaispróximode“vim,mepreparei,estudei,meequivoquei,corrigioequívocoe,enfim,venci”.

Uma das elaborações do poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade(1902-1987) que mais me inspiram é quando ele ensina: “Eu tropeço nopossível, e não desisto de fazer a descoberta do que tem dentro da casca doimpossível”.

Esseéoutromododedizerquenadaéimpossível.Ouumamáximaantigaquecostumocitar:“Oimpossívelnãoéumfato,éapenasumaopinião”.Nesse

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sentido, penetrar na casca do impossível até achar o possível lá dentro é aconstruçãodaoportunidade.

O que ela exige? Dedicação, meios, recursos, aproveitamento dascircunstâncias. Não basta eu apenas querer. “Estou disposto, então eu vou.”Claro que não é assim. Isso é delirar, é desconhecer o quanto as condiçõesinfluenciamparaquealgoseconcretizeounão.Euprecisotermeiosecolocá-losaserviçodomeuprojeto.

Omesmocuidadovaleparaadependênciadedrogasouparaoconsumodetabaco ou álcool. Evidentemente, a força de vontade é um componente queconsolidapartedaação,maselaemsinãoéobastante.

Vou dar um exemplo concreto: eu fui fumante durante trinta anos.Consumia três maços por dia. Em que pese o fato de eu ser um docente (naépoca, era permitido fumar em sala de aula), dava uma tragada ou duas e ocigarroiaqueimandoenquantoeufalava;eraochamado“cigarrodeprofessor”.Nofinaldascontas, trêsmaçosequivaliamaumpordia.Masummaçojáerademaisparaquemsabeoquesignificaotabagismo.Eununcahaviaparadodefumar, embora já tivesse cogitado fazê-lo. O que me impedia era imaginar osofrimento que a cessação do cigarrome causaria. Essa ideia da privação eraparamiminsuportável,portantoeunãotinhaumadisposiçãoparalargarovício.Obviamente,eusabiadosmales,estavaconscientedanecessidadedeparar,masnãotinhaânimoparafazê-lo.

Todavia, em janeiro do ano 2000, eu decidi que pararia de fumar eestabeleciumadatadefácillembrançapararealizaromeuobjetivo:8demarço,DiaInternacionaldaMulher.Oquefizde2dejaneiroa8demarço?Euprepareiacoragem.Como?Fuicriandoascondições.Comeceiaanalisarosfatoresqueme levavam ao consumo do tabaco de maneira viciada e não de maneiraprazerosa:tomarcafé,ousoeventualdebebidaalcoólica,ohábitodeacordareautomaticamentepegarumcigarroetc.

Como inicieiapreparaçãoem janeiro?Deixeide lero jornal logocedoepassei a fazê-lo fora do local onde estava habituado, sempre acompanhado docigarro.Euadieitambémohoráriodocafée,comisso,iadiminuindoonúmerode cigarros. Fui quebrando condicionamentos e hábitos. Passei a escovar osdentesimediatamenteapósasrefeições,paranãoficarcomosabordacomida,porque isso tambémme instigavaa fumar.Reduziaminha ingestãodebebidaalcoólicaaossábadosedomingos,jáqueduranteasemanaissoeramuitoraro.Ainda assim, precisei intensificar esse esforço e fiquei seis meses sem tomarumagotadecervejaouvinho.

Quando chegou o dia 7 demarço, às 23h55 (só o fumante sabe o que éguardardata,afinal,vícioévício),euacendiomeuúltimocigarro.E,aísim,a

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coragem da força de vontade: “Esse será meu último cigarro”. E o fumei demaneirainédita.Emvezdaspoucastragadas,esseeufumeiquaseatéofiltro.

Depois disso, não escondi o maço, não o afastei das minhas vistas, masprecisei de muita coragem, no sentido de enfrentamento. Passei os dez diasseguintes emestadodedesespero.A todoomomento euqueriao cigarro, e énessa hora que a força de vontade vale. Para isso, porém, eu havia criadoocasiões que ajudassem a quebrar hábitos e a me estruturar no caminho delibertaçãodovício.Omomentomaiscríticoeraquandoeuestavaescrevendo,pois a vontadebatia forte.Para substituir o cigarronasmãos, cortava cenouracruaempalitos,queapreciavamuitonainfância,e,cadavezquevinhaodesejode tragar,eumastigavaumacenoura.Nãofoinabasedo“vamos-que-vamos”,estamosfalandodeumvícioqueseestendeupordécadas.

OmovimentodosAlcoólicosAnônimos(AA)estimulaousodafrase“euhojenãobebi”repetidamente,parareforçarcadaconquista,aindaqueparcial.Omesmoprincípioéaplicadoparaoutrostiposdedependências.Porqueéprecisoteressaclarezadeobjetivocumprido?Porque, seodependentenãoprepararasuadisposiçãodemodocontínuo,ficarásónocampodaboaintençãoetodooesforçopoderásersoterradoporumarecaída.

Desde queme dispus a parar de fumar, naquele 8 demarço, nuncamaiscoloqueiumcigarronaboca,nemmesmoapagado.

Será que eu fui provado em relação a essa coragem durante todos essesanos?Claroquesim.Houvesituaçõesemqueeuestavanumatristezagrande,deperder umapessoa próximaoude saber que ela estava partindo, e o gesto foiautomático.Emduasocasiõespelomenos,eumelembrodeterbatidoamãonopeito,naalturadobolsodacamisa,àprocuradomaço.Sealguémaomeuladomeoferecesseumcigarro,euprecisariamovimentar todaaminhaenergiapararecusar.Seeutivesseummaçodecigarrosnobolsonaquelasocasiões,talvezeumerendesse.

Isso significa que a coragem não é inesgotável, ela necessita de umareflexãoedeumpreparocontínuos.Éumadisposiçãoquecorreo riscode seenfraquecer.

Existem situações emqueo “vamos-que-vamos” atépodegerar resultadofavorável,masgeralmentedecorredealgumacasualidade.Hárelatosdepessoasque, sendo aventureiras, obtiveram sucesso, beneficiadas por algumacircunstânciafavorável.Masonúmerodesituaçõesassimétãolimitadoquenãoserve como referencial. Mesmo aqueles que tiveram lampejos de genialidadesempreparaçãosãotãorarosquetambémnãonosservemdeinspiração.

Tal como o Forrest Gump, personagem que dá título ao filme de RobertZemeckis,de1994,interpretadoporTomHanks.Éumclássicodoheróicasual,

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queestáno lugarenomomentoemque fatos importantesacontecem,maselemesmotempoucaounenhumaintencionalidadeemprovocaraquelassituaçõesnarradasnofilme.Porexemplo,nafasedascorridas,eleépresenteadoporumfãcomumacamiseta, apassano rosto todo sujodebarro e formaodesenhodorostosorrindonotecido,gerandooclássicoíconedoSmile.

Nesse sentido da preparação, os atletas que treinam com afinco, que seesmeram em superar suas marcas, que são considerados gênios em suasmodalidades,nosservemmaisdeparadigmas.

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CAPÍTULO6

Sorte,iniciativaeética“Todafelicidadeéumaobra-prima:

omenorerroadeturpa,amenorhesitaçãoaaltera,amenordeselegânciaaestraga,

amenortoliceaembrutece.”(MargueriteYourcenar,MemóriasdeAdriano)

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Aexpressão“asortesegueacoragem”apontaparaanecessidadedeaproveitaraocasião.Masexistemdiferentesmodosdenãodeixaraoportunidadeescapar.Noâmbitodacarreira,háquemofaçacriandoarmadilhas,estabelecendocondutasque não cooperam nem com a equipe de trabalho nem com o propósito donegócio.Pessoasqueagemdessemodosãocarreiristas,oportunistas.

Existeumadiferençaentreterumplanejamentodecarreiraesercarreirista.Há várias versões de pessoas carreiristas: a social climber, que, para virarcelebridade, se relaciona com figuras importantes na expectativa de subir depatamaremtermosdevisibilidadeeprestígio.Sejaamodalidadequefor,usarosoutrosembenefíciopróprionãoéaproveitaraoportunidade,éseroportunista.

É a pessoa que quer ascender na carreira a qualquer custo. Ela nãocompartilha, não colabora, não interage. Em vez da coragem de buscar aoportunidade,suacondutaémarcadapelaobsessãoemchegaraondequer,nemqueparaissotenhadedemolirasocasiõesdasoutraspessoas.Paraalcançarseuintento,nãohesitaemdisseminarafofoca,semearacizânia,destruirareputaçãodaqueles que considera possíveis adversários, negligenciar tarefas, transferirresponsabilidades,nãocreditaraautoriaàquiloquefoibemrealizado.

Alguns diriam: “Ah, mas essa pessoa é esperta, está trilhando a carreiradela”.Masaatitudecorajosaincluiacoragemdeserdecente,denãofraturaraética,dealcançarumpatamarsuperiornacarreiraounopatrimôniodemaneiradigna.

Oportunista é aquelequeconstrói tambémmásoportunidades, sevalendodeexpedientesquedeveriamserbanidosdaconvivênciadecente.Otraficante,opedófilo, o político corrupto também aproveitam a oportunidade, mas não édesse tipo de situação que estamos falando de modo admirado. Eu tenhoadmiraçãoporpessoasqueconstroemeaproveitamaboaocasião,masnão sevalemdefazerqualquercoisaaqualquercusto,emqualquercircunstância.Hásituaçõesemqueaproveitaraocasiãoéserindecente,antiético.

Costumo bater na tecla de que existe uma diferença entre ambição eganância. O indivíduo ambicioso é aquele que quer ser mais e melhor. Édiferentedosujeitoganancioso,quequertudosóparasieaqualquercusto.Umapartedoapodrecimentoquenossopaísvivenocampodaéticahojesedevemaisà ganância do que à ambição. Eu sou ambicioso. Quero mais e melhorconhecimento,maisemelhorsaúde,maisemelhorcondição;porém,nãoquerosóparamimenemaqualquercusto.Aganânciaéadesordemdaambição.

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É interessante que os jovens sejam ambiciosos em seus projetos. Um ououtropodecarregaressetraçodaganância,casotenhasidocriadonumambienteemqueolemaseja“fazemosqualquernegócio”.Essaregraédeletéria,elavaiminando a convivência socialmente saudável. A ambição é necessária, mas aganânciaprecisaserbanidadocircuito.

Por isso, não dá para entender a valorização da oportunidade a partir daperspectiva do ladrão que aproveita a ocasião. A ocasião faz o ladrão? Demaneiraalguma,aocasiãoapenasorevela.Adecisãodeserladrãoéanterioràocasião.Assimcomonãosepodetomaravagadealguémqueestámanobrandoparaestacionarnumshopping,nãosepodeaproveitarasfériasdeumcolegadeempresaparairconversarcomachefiaafimderetiraraoportunidadedaqueleprofissional.

A sorte segue a coragem não significa heroificar qualquer pessoa queaproveitaaocasião.“Ah,masnaquelaocasiãovocênãofariaomesmo?”Não!Definitivamente,nãofaria.Porquetenhovaloresquecolidemcomessetipodeconduta.

Acarreira,oestudo,aconquistadopatrimôniotêmdeser iluminadosporumaéticaquesejaresponsável,solidárianaquiloquefazemos.Qualoargumentoclássico?Odequetodomundofaz.“Ah,vocêétonto,nãodáparafazerdessejeito.Omercado é assim.”Eunão faço, porque isso fereosvaloresque tragocomigo.

Eu fico indignado, e muito intrigado, com pessoas que persistem muitotempo em práticasmalévolas.Acumulam patrimônio, e o que farão com isso,exceto a acumulação?Até quando vão explorar outras pessoas, ofender pares,degradarambientes?Comodizaquelafrasedeautoriadesconhecida:“Querseromaisricodocemitério?”.Essecomportamentoédoentio.

Poroutrolado,hápessoasadmiráveisque,tendofeitofortuna,acolocamàdisposiçãodealgumacausa.Éadmiráveloexemplodepessoasquedestinamamaiorpartedafortunaainstituiçõesdeapoioàsaúde,àpesquisa,aocombatedafome. “Ah,mas para eles, que têmbilhões, é fácil.”Mas há pessoas comumpatrimônioque,mesmomenor,continuaimenso,enãosãocapazesdepartilharoque conquistaram para beneficiar o próximo, seja pela destinação de recursosfinanceirosouportransferênciadeconhecimento.Podem,masnãoofazem.

Alguémcapazdeconstruirumacarreiraquecontribuiparaocrescimentodacomunidadedesfrutadasensaçãodequeaquiloaengrandece.

Somos seres humanosmovidos a futuro. Construímos no presente aquiloquenósentendemoscomosendoaescadaparachegaraofuturo.Somosmovidosa expectativa e desejo; há uma diferença entre expectativa e desejo porque odesejoéalgoquevocêtem,masnãonecessariamentevaiprocurar,porsupô-lo

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àsvezesinatingível.Expectativaéalgoqueseesperaeaguarda.Apalavra“projeto”significaaquiloquevocêlançaadiante,projetaréjogar

adiante.Então,eujogoalgoadianteevoubuscar.Cadaumdenósviveodiaadiaparaconstruiroamanhã.Claro,temdeseviverohojetambém,masnãosevive apenas o hoje. Porque do contrário se ficaria num imediatismoextremamente arriscado e perigoso. Por isso, o sonho é parte fundamental,especialmentequandoosonhonãoseidentificacomodelírio.Sonharéterumaexpectativa que se queira atingir, delírio é a incapacidade de construir umcaminhoviávelparasechegaraoobjetivo.

Aprocura da carreira temde sermovida a sonhos – e bons sonhos.Masinsisto: não é delírio, não é divagação, não é distração. Sonho no sentido dedesejo, de utopia, é algo a ser buscado, construído no cotidiano, feito passo apassoQuando você vai escavando, arrancando pouco a pouco a casquinha doimpossível,atéacharopossível ládentro,o sonhovai seaproximando.Masénecessáriolembrartambémquecarreira,talcomoosonho,éumhorizonte,nãoéum lugar aonde você chega. Ao supor que chegou ao sonho, você fracassa,desiste,perdevitalidade.

Osonhoéohorizonte,éalgoquevocêvaibuscando,e,defato,felizmente,nãoatingeporcompleto.Emlatim,feitoporcompletoé“per-feito”–perfeitoéfeitoporinteiro,feitoporcompleto,istoé,acabado.

Umsonhoqueacabaéalgoquetiraavitalidade.Por isso, carreira é um processo, até o término da vida, lembrando que

carreiranãosedásónoemprego,sendotambémomodocomo“pelavidacorroepercorro”.

Alguémqueseencontrenumestadodesatisfaçãoplena,semcuidardaboaambição, que acha que já está pronto, faz perecer a competência, fragiliza aoportunidadeboadebemfazerobem,edesperdiçaotempodeVida.

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CAPÍTULO7

Ahoraéagora!“Odestinoembaralhaascartas,

enósasjogamos.”(Schopenhauer,Aforismos)

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Não temos todoo tempodomundo.Afinal, somos finitos.Portanto, asnossascircunstâncias e as nossas oportunidades também o são.Meu tempo é omeutempodevida.Seeunãoforreencarnacionista,énestavidaquetenhodecriarascondições para realizarmeus objetivos, construir aminha obra, deixar omeulegado.

Mas issonãosignificaque tenhamosdenos lançardequalquermodoemqualquer ocasiãoque se apresente.Oditadodo “cavalo arriadoquenãopassaduasvezes”nosservederecomendaçãoparaestarmosatentosepreparadosparaasoportunidades.Aindaqueapercepçãodequeomomentopassasejaumsinalde inteligência, esse ditado, quando levado ao pé da letra, soamuito fatalista.Aquele cavalo pode não passar novamente, nem domesmomodo. Tampoucosignifica queomomentopassadonãopossa ser reinventado.Se aquele cavalonãopassa,nadaimpedequeseváatrásdeoutramontaria.

Passou o seumomento de falar com aquela pessoa com que você queriaviver? Passou aquela entrevista de emprego que você almejava? Passou oanúncioparaoconcursonauniversidade?Certo,masnãosignificaqueagorasósejapossível lamentarachanceperdida.Afinaldecontas,podemsurgiroutrasocasiões.Como lembramNelsonMotta eLuluSantos, na canção“Comoumaonda”,“avidavememondascomoomar”.Queralgomaisparecidocomavidahumanadoqueasondasnomar?

De fato, não se deve ficar permanentemente sentado aguardando que ocavalopasse. Issopodepareceróbvio,mas algumaspessoas têmessa ilusão eficamapenasnaespera.Essaatituderemeteàquelaantigapiadadobêbadoquesai do boteco, senta na calçada, pega a chave e fica com a mão esticada. Oguardapassae,aoobservaracena,pergunta:

—Oqueosenhorestáfazendo?—SeaTerraéredondaegira,estouesperandoaminhacasapassar.Essaanedota fazalusãoaopensamentomágicodequemficaaguardando,

passivoe,sópelacrença,esperaqueachaveváencaixarnaportadeacessoaolugaremquepretendechegar.

Se trouxermos a ideia latina de a sorte segue a coragem para o nossocotidiano,elasoariabempróximadosversosdocompositorparaibanoGeraldoVandré “Quem sabe faz a hora / Não espera acontecer”, namúsica “PraNãoDizer queNão Falei das Flores”[1]. Estou fazendo a oportunidade? Não, estoufazendo a hora. A hora é agora, preciso ficar em estado de prontidão para,

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quandoaoportunidadesurgir,euestejaaptoasegurá-la.A ocasião pode passar, pode ser refeita, embora daquele modo ela não

venhamais.Diantedessaperspectiva,anossaclarezasobrefinitudenosobrigaaterumaatençãomuitograndesobrequaissãoosnossosobjetivos,defato.

Para issoéprecisoterfoco.Ofocoéohorizontedaminhapré-ocupação.Qual a lógica? Estar pré-ocupado, ter uma ocupação prévia. Existem coisas àminhavoltaqueeupossonemsequernotarsenãoestãonomeucampodefocoou de interesse. Podem passar por mim e eu não observá-las. Foco, nessecontexto, portanto, diz respeito não só à preparação da competência, mas àatençãoparapoderenxergaromomento.

É preciso chamar a meu favor aquilo que está no meu foco, provocar aocasião.Como?Procurando.Opensamentodacoragemétomarainiciativadeiraté a montanha. O pensamento só da sorte é o da montanha visitando oiluminado. Do mesmo modo, de nada adianta ter expertise, competência emalguma área, se não houver acuidade para visualizar a ocasião quando ela seanuncia.

Nessesentido,éprecisonãosedistraircomaquiloqueforacessório.Existeuma expressão, muito usada, por sinal, que requer certo cuidado: “detalheimportante”. Ora, detalhe não pode ser importante. Detalhe é detalhe. Oimportante é que é importante. Se é uma coisa pequena, mas que pode serdecisiva, não é detalhe. Se é essencial, não é detalhe. Meu apêndice é umdetalhe,meucoração,não.Aquiloqueélateral,suplementar,podeserchamadodedetalhe.Terfocoéseconcentrarnaquiloqueimporta.Ressalva:nãosetratade ignorar as nuances, mas ter discernimento para saber o que realmente érelevanteeoqueéfundamentalserfeito.

Issoestá longedeser tarefa fácil.Aindamaishoje,noséculo21,emqueestamos expostos a uma avalanche de informações. Temos uma vida maisapressada, com uma sucessão muito mais rápida das situações que podem setransformarrapidamenteemocasiãoperdida.Hácemanos,olequedeescolhasera bem mais reduzido. A começar pelo fato de que a vida era mais curtatambém.AexpectativadevidanoBrasil,segundooIBGE,em1940,erade45,5anos.Em2016,estavaem75,8anos.

Meupaicresceunosanos1940e,naquelaépoca,alógicaeramarcadapelarelação 20/40/60.Até os 20 anos, o indivíduo se formava.Dos 20 aos 40, secasava,constituíafamília,seguiaacarreiraeamealhavaopatrimônio.Depoisseaposentava,descansavaefalecia.Hoje,aos75anos,háumaextensãodotempovitalnamédiadapopulação,portantoexisteanecessidademaiordeadministrarotempo.

Podemos deduzir que temos mais tempo agora? Não necessariamente.

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Porque avelocidadedasmudançasnospermite acessomais rápido àquiloqueantesdemoravamaistempoparaconseguir.Ooutroladodamoedaéquehojeaconcorrência e a competitividade sãomuitomais acirradas.É necessário fazermuito mais esforço, despender muito mais energia para obter o que antes seconseguiacommaistempo,porém,comumníveldedesgastemuitomenor.

Porexemplo,umjogadorprofissionaldefutebol,nadécadade1970,corriaemmédia oito quilômetros durante um jogo; essa era amedida do esforço depercursosduranteosnoventaminutosusuais.Hojeamédiavariadeonzeatrezequilômetros.Nãomudouotamanhodocampo,nemaduraçãodapartida,nemonúmerodejogadores.Éumexemplodamudançacomotempoagoraorganizadodeoutromodo.EutorçopeloSantos.Nosanos1960,otimetomavatrêsgolsefaziacinco.Hoje,comasestratégias,avelocidadedojogo,apreparaçãofísicados atletas, se o time levar dois gols, o adversário fechará os espaços de talforma que será muito mais difícil buscar o resultado favorável. Essa é umacondiçãoquealteraanossapercepçãodevida.

Primeiraconstatação:eunãotenhotodootempodomundo.Segunda:eunãodeixodeteralgumtempo.

Énecessário,portanto,aproveitá-lo.Nessesentido,tempodesperdiçadoéodaocasiãoperdida(nãotemavercomtempolivre).Éodaságuaspassadasquenãomovemmoinho, o do leite derramado pelo qual não adianta chorar.Masadianta prestar atenção nas razões que levaram àquele derramamento ouobservar a correnteza com o intuito de aprender um modo de fazer girar opróximomoinho.

Umaconsciênciaperita seconstrói tambémcoma revisãodosequívocos,dos deslizes. A expertise para tomar melhores decisões, aproveitarcircunstâncias,advémdacapacidadedeacumularreflexões.Nãoéinfalível,masháumapossibilidademaiorquandosemeditaapartirdaprópriaexperiência.

Atémesmoaquiloquemuitoschamamdeintuição,queseriaequivalenteaoinsight no campo da Psicologia, resulta do acúmulo da experiênciameditada.Quandosetemisso,diantedeumasituaçãonova,aescolhadeumcaminhomaisinteligente,maiscorreto,ficafacilitada.

Noquese refereàoportunidade,oacaso tambémtemoseu lugar.Existeumamaior probabilidade de a oportunidade aparecer quando alguémvai atrás

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dela.No filmeLa la land (EUA, 2016.Dir.DamienChazelle), a protagonistanãosetornariaatrizdeHollywoodsecontinuassesentadanasuacidadezinhaemNevadaaguardandoumachance.Eunãopossoentrarnumcircuitodepesquisasnum local onde não existam laboratórios.Mas não basta eu estar nesse lugarequipadoparaqueaoportunidadevenhaatémim,tambémexisteoacaso.

Váriasvezesnavidatropeceiemcircunstânciasqueeunãotinhaconstruídonemprocurado,masqueacabaramsendoextremamentefavoráveisamim.

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CAPÍTULO8

Casualidadesoportunas…“Masporqueamaioriadenossosdesejossereportaacoisasquenãodependemtodasdenós,nemtodasdooutro,

devemosexatamentenelasdistinguiroquesódependedenós,afimdereportarnosso

desejounicamenteaisso.”(Descartes,Aspaixõesdaalma)

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Sou professor de Filosofia, entrei no mundo corporativo como palestrante hátrintaanos.Porvoltado15oanodeatividadedocente,comeceiafazerpalestrasnasorganizações.Antesdesubiraospalcos,assistiavárioseventos,naintençãodecaptarosassuntosmaispalpitantesnaquelecircuito.Nofinaldosanos1980,comecei a falar sobre ética, valores, respeito. Era a hora de fazê-lo, tanto queessasquestõesganharamespaçonomundodasempresas.

Agestãodoconhecimentotambémficouemvoga.Comopormuitosanosfui professor de Epistemologia, que é justamente a teoria do conhecimento,estrutureiumconteúdoparaoambienteorganizacionalvoltadoparaaformaçãocontinuada,aeducaçãodepessoasnãoapenasconectadasaomundoescolar,masoquehojesechamaeducaçãocorporativa.Lembroquefuiumdosprimeirosalevantaressadiscussãoaindanosanos1990.

A hora certa é aquela em que se tem uma confluência de necessidades edesejos.

Qual é o meu critério além da minha vivência meditada? A minhaobservaçãosobreafactibilidade,oquedáparafazereoqueéinexequível.Issotambémseadquirecomavivência.

Hápessoasque,de cara,dizem“issonãodápara fazer”.Algumasdizemissoporcomodidadeouporhábito.Masháoutrosquedescartamalgoapartirdevivência refletida e, com isso, deixamde gastar tempo e energia como que éinviávelecolocamofocoemalgumasoluçãofactível.

Novamente,vale ressalvarqueestamosfalandodeprobabilidades.Nãosepodegarantirquealgoseráumsucessoabsolutoouumfracassoretumbante.Hásituaçõesemquealguémvaicomtudo,adespeitodasevidênciasdesfavoráveis,econseguerealizarseuintento.Detodomodo,nãoérecomendávelqueasaçõessejamempreendidasdemodoimpulsivo,poucorefletido.

Convémfazertalponderação,poishojeoempreendedorismoéincentivadodeváriosmodos.Naesteiradequatrooucincostartupsquedãocerto,háváriasoutrasquenaufragam.Obviamente,nãoháespaçoparatodasasstartups.

Quando surgiu o Uber, estava claro que seria preciso tirar o máximo desucessodonegócioporumtempo,porquenasequênciaviriamtodososoutrosaplicativos do gênero. Os food trucks, que pareciam um modo alternativo dealimentação,estãoperdendoofôlego.Algunsestãosaindodaruaparaas lojastradicionais. Fico curioso como uma pessoa deposita tanta esperança numacircunstânciadessassemexaminarminuciosamenteomercadoesemestudarum

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poucomaisdemacroeconomia.Àsvezes,ocaminhopodeserirnadireçãocontráriadamaioria.Naminha

infância, em Londrina, cidade com forte colonização japonesa, havia umnipônicoque,enquantotodomundoplantavacafé,elecultivavaamendoim.Nofinaldoano,sóele tinhaamendoimeganhavadinheiro.Aí todomundopartiaparaplantar amendoimeele começavaa safrade fava. Ia fazendo rodíziodasculturaseestavasempresediferenciandodosdemaisagricultores.

Uma editora não vai lançar um livro sobre dieta na semana anterior aoNatal.Mas,porcontadesuaexperiêncianomercado,poderáfazê-lonaprimeirasemanadejaneirooudepoisdoCarnaval.

Háocasiões que sãopropícias.Aprópria palavra “propícia”, que vemdolatimpropitus,sugereaquiloqueprotege,queéadequado,favorável.

Porém, como mencionado, o propício pode resultar de casualidadestransformadas em oportunidades. Quero retomar aqui algo que já relatei, demodomaisresumido,nomeulivroPorquefazemosoquefazemos?,publicadopelaPlanetaem2016,poisvaledemaisparapensarainfluênciade“casualidadesoportunas”.

Por que fui secretário de Educação na cidade de São Paulo em 1991 e1992?SemdesconsiderarsertambémeudaáreadeEducaçãoesemfalsamentemenosprezar algunsméritos pessoais, há várias casualidades que demim nãodependiam.

Quando o educador pernambucano Paulo Freire (1921-1997) assumiu aSecretariadeEducaçãoem1989,anunciouqueficariadoisanosedepoispartiriaparaoutrasatividades.FuilevadoparacomporaequipeporMoacirGadotti,queerameuorientadordemestrado.EleeraochefedegabinetequandoPauloFreireassumiu,portantoeraosecretárioadjunto.Achefiadegabinetetemumasériedeatribuiçõesexecutivas,paraaqualGadottinãotinhadesejonaquelemomento.AprioridadedeleeralidarcomEducaçãodeJovenseAdultos.Ele,então,passouasatividadesmaisimediatasdegestãoparamim.Nofinaldoprimeiroano,eleeraochefedegabineteeeu,umassessorespecial.

Em1990,nósdecidimospedir ao secretáriopara trocarmosdecargos: euiriaparaagestão,naqual tinhamaisapetite,eelemaisexclusivamenteparaaEducaçãodeJovenseAdultos,jáqueeunãotinhaformaçãonessecampo.

Aometornarsecretárioadjunto,passeiasubstituiroprofessorPauloFreire(depoismeuorientadordedoutorado)emalgumasocasiões,quandosaíaeleparaeventos internacionais e também em reuniões de secretariado. Passei a ter umcontatomaisamiúdecomogrupodegovernoecomaprefeitaLuizaErundina.QuandoPauloFreirecomunicouqueestavadesaída,apessoamaisintegradaaoconjunto da gestão naquele momento era eu, e, na avaliação do restante da

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equipe dirigente da secretaria, a que reunia condições de levar com o grupoaqueletrabalhoadiante.

Eu recebi de graça o cargo?Não. Eu estava lá na hora,mas também fuisendopreparadoparafazê-lonaquelacircunstância.Ehaviaumaequipequeeramelhorqueeu,mascomaqualeutinhaumaboacapacidadedearticulação.Eunão estavapassandonaportada secretaria ePauloFreire falou “ei, vemaqui,vocênãoquersersecretáriodeEducaçãodeSãoPaulo?”.Claroquenão.

Outro episódio em que o acaso se fez notar acontecera bem antes, nocomeçodosanos1980,noRioGrandedoNorte,ondeeuajudeiumgrupodeprofessorasdeláafazerumacartilhadealfabetizaçãoqueestivesseconectadaàrealidade regional. O grupo era de professoras de cidades potiguares, comoMossoró,Caicó,Ceará-Mirim,PaudosFerros,JoãoCâmaraetc.Eueraoúnicodeforaeestavacomoconsultor.

Já havia dois volumes dessa cartilha, chamada Raízes, e era precisoproduzir o terceiro. Os desenhos das duas primeiras cartilhas não refletiam ocotidianodaregião.

Um dia, eu e uma professora da equipe saímos para comprar um lanchecoletivonosupermercadoemfrenteaonossoespaçodetrabalho,emNatal.Nocaixa,haviaummeninodeuns15anosde idade,sentado,aguardandoclientesparaempacotarasmercadorias.Eleestavadesenhandonopapeldeembrulho.Afiguraeraoavôdelesentadoàsombradaárvorepitandoumcigarrinhodepalha.Nós dois batemos o olho naquele traço tão característico e fomos perguntarcomoeraarelaçãodelecomdesenho.Elenosmostrououtros,bemligadosaomundopotiguar.

Ora,apartirdali,foicontratadoefeztodososdesenhosdacartilha!Senãofossenaquelahora,naquelecaixa,podeserqueaoportunidadenão

aparecesseparaomenino.Maseletinhatambémdesaberdesenhar.Asortedelefoitersidovistopor

quem percebesse que o talento dele poderia ser aproveitado daquele modo.Mesmoaqueledesenhopoderiatersidoumacaso,masnóspedimosoutroseelerealmentedemonstravacompetênciaparafazeroqueprecisavaserfeito.

A oportunidade émultifatorial, porque existe uma série de variáveis quecoincidem.

Nocaso,oacasoincidiujunto,coincidiu,comumanecessidade,umfoco,umprojeto.

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CAPÍTULO9

Equandoahoranãoéagora?“Retirar-senãoéfugir,nemesperarécordura,quandooperigoémaiordoqueseesperava;eédesábiosguardar-sedehojeparaamanhã

enãoarriscartudonumsódia.”(Cervantes,DomQuixote)

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Existe uma diferença entre conhecimento e sabedoria. O conhecimento é denatureza técnica. Quando alguém afirma “eu conheço”, está passando amensagemde“euseifazeralgo”ou“tenhonoçãosobrealgo”.Significaqueapessoa tem a capacidade de cozinhar um prato, de montar um projeto, deorganizarumaplanilha.Sãoconhecimentosreferentesadeterminadasatividades.

A sabedoria, por sua vez, carrega uma sutileza que a diferencia: é acondiçãodoconhecimentoincorporadopelavivência.Possotreinaralguémparafazeralgo,eeleteráoconhecimentodecomoelaboraraquilo.Eminglês,aideiade saber fazer algo é know-how, que tem um sentido umpoucomais técnico,maisoperativo.Nofrancêsháaexpressãoespritdefinesse,istoé,acapacidademaissofisticadadepercepção.Aquiloquechamaríamosdesabedoria,emboraatraduçãoliteralsejaidêntica,éaexpressãosavoir-faire.Aindaqueambas,know-how e savoir-faire signifiquem “saber fazer”, a segunda tem um refinamento,remeteàideiadaexperiênciameditada,aquelaquecontemplaníveisdeperíciaedesabedoria.

Savoir-faire sinaliza que não basta saber fazer, é preciso saber tambémquandofazerecomofazercommaestria.Entranumterritóriodofazerquevaialémdaoperaçãotécnica,portantoqueultrapassaopontodameraexecuçãodaatividade.

Noqueserefereàoportunidade,aexperiênciarefletida–queéavivênciadepurada – permite uma maior capacidade de identificação de oportunidade.Aquilo que naMedicina se chamaria de olho clínico, quando omédico captainformações e as transforma num diagnóstico que aparentemente seriaimperceptível ou não obviamente notado. O que lhe permite enxergar? Umrepertórioprévioquetenhasidopensado,meditado,refletido.Aprópriapalavra“refletir” quer dizer “dobrar de novo”, “flexionar novamente”. Isso valeespecialmente para quem está lidando com novas ocasiões e quer construirfuturo. Isto é, “oqueeuquero?”, “paraondevou?”, “oquevouaproveitardoqueestáàminhavolta?”.Sãodecisõesquetêmdeserpensadas.

Obomsurfistasecaracterizaporidentificaromelhormomentodeentrarnaonda. Se ele passar um pouco do ponto ou perder o tempo da remada, não aaproveita.Seele entrar antecipadamente,pode ser engolido.Essaperíciavem,acimadetudo,detreino,sóotempoeapráticairãoaprimoraressaleituraqueantecipa cenários. Quando a onda se forma ao longe, o surfista já percebe omovimento que ela vem fazendo, observa as nuances e se prepara para

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aproveitarofluxoerealizarasmanobras.Omesmoprincípiopodeseraplicadoànossacarreira,àsnossasescolhasde

vida,aoaproveitamentodasoportunidades.Avisãoantecipada,criadaapartirdavivênciameditada,permiteumaavaliaçãomaisapuradadascondiçõesquenoscercamenossinalizamopróximopasso,quepodeseratémesmorecuar,esperaroutromomentomaispropício,refazeraestratégia.

Aspessoas capazesdeusaro seu somatóriode experiências e, ao refletirsobre elas, transformá-las numpatamarmais elevado de conhecimento não sóidentificamo “como fazer”,mas tambémo “quando” eopasso alémdameraexecução.Sãoaquelasmaispropensasaproduziro“lancedegênio”,expressãousualnocampodoesporteedaarte,masquepodeseraplicadaaoutrasesferas.

Nocampodosnegócios,éaqueleempreendedorquefarejaoportunidades.Em cidades grandes, é o comerciante ambulante que mantém um estoque deguarda-chuvas em algum lugar e poucosminutos depois de a chuva começar,quatro ou cinco vendedores já estão na porta dometrô oferecendo o produto.Elesnemestavamcomessesguarda-chuvasemmãos,nemnacasaondemoram,mastêmsensodeoportunidade.

Essa capacidade de observar os fenômenos à nossa volta e a interligaçãoentreeleséquepermiteavisualizaçãodaoportunidade.

Evidentemente,essaperíciatemdenosalertar tambémdequandonãoéahora.

Aspessoasquedizemosquetêmsorte,istoé,aquelasquetêmcoragemdebuscar a ocasião, em grande medida, antes de darem o passo, utilizam oinventáriodeexperiênciameditada.

Nocampodoafetotambéméassim.Umarelaçãoafetivaseconstróinumtempomaisdenso,elenãopodeserevanescente.Afrasecaipiradequeparaseconstruirumaamizadeéprecisocomerumsacodesaljuntofazsentido.Seumsacodesalpesasessentaquilos,significapassarpraticamenteumavidafazendorefeiçõescomaquelapessoa.Essepensamentoregistraasabedoriadosidososeéaideiadealgoqueseconstróiaolongodotempo.Émarcadotantopelaideiadechronos,istoé,nosentidodalongevidadedasrelações,quantodekairós,noque se refereàoportunidadedeconstruirum laçoafetivocomalguém.Eessapercepçãosóseadensarásehouverumrepertóriodeexperiênciasrefletidas,quemepermitaanalisarcommaisclarezaseaquelarelaçãoteráconsistênciaounão.

Emqualquer esfera, no empreendimento, na carreira, no estudo, umavezidentificado o momento oportuno, são necessárias algumas habilidades. Aprimeiradelaséequilibraraudáciaepaciência.OEclesiastesdiz“hátempoparacolher,há tempoparaplantar”.Audáciaé avirtudedequemaproveita ahora.Paciência é a virtude de quem a aguarda para que não resulte numa forma

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atabalhoadadeação.No jogo de truco é preciso ter audácia e paciência. Em que situação o

jogadorsevaledaaudácia?Noconhecimentodoadversário,nomovimentodascartas,naobservaçãodasmãos,quejáaconteceram.Etambémdacapacidadedeludibriaroseuadversárioevencê-lo.Ou,naausênciadecartasboas,sercapazdeassustá-loapontodequeelerecue.

Apaciênciasepraticaemsaberaguardaromomentomaispropício,nãoseanimar em excesso por ter cartas ótimas e, especialmente, entender quepaciêncianãoélerdeza…Contudo,queméimpacientenotrucoacumulaperdascontínuas.

Atalsortedeprincipianteatrapalhaosoutrosjogadoresnojogodecartas.Comoaquelequeestácomeçandonãotemosmaneirismosqueapráticacarrega,eleimpedequeosadversáriostenhamumavisãomuitonítidadecomoeleestájogando.Nãoexistesortedeprincipianteseosquatroàmesasãoprincipiantes.

Valereforçar:paciênciaédiferentedelerdeza.Emboraexistaamáximadeque “quem espera sempre alcança”, esse pode ser um conselho indutor docomodismo.Esperarcompaciênciaéusaressetempoparapreparar-see,quandochegarumaocasiãofavorável–sejaencontradaouconstruída–,fazeracontecer.

Alguns ditados que repetimos são muito conformistas. “Dê tempo aotempo.”Evidentemente,estáfalandodepaciência.Mas,emalgumassituações,algunsconselhostendemanosinclinaràimobilidade,àinércia,nãoàpaciência.

Há um ditado italiano que diz “piano, piano se va lontano”. “Devagar,devagarsevaiaolonge.”Masécompletadoporoutro,queé:“piano,pianosevalontano,manonsearrivamai”.“Devagar,devagarsevaiaolonge,masnãosecheganunca.”

Nooutropolo,eucostumolembrarqueexisteumadiferençaentreservelozeserapressado.Velocidadeéobjetodeperícia.Pressatemavercomdesacertoou afobação. Ter senso de urgência é diferente de ter pressa. Quem temvelocidadeécapazdefazeralgocomexcelência,quesignificafazeromelhor,nomenortempocomcustomaisbaixo–detempo,dematerial,deenergia,desaúde.

Aguardar o tempo e não fazer as coisas de modo açodado, atabalhoado.Seráqueissofuncionasempre?Nemsempre.Nãoháumcritériodeperfeição.Emváriosmomentos,euacheiqueeraparaaguardarmaisumpoucoeahorapassou.Emoutros,acheiquepoderiairenãoeraomelhormomento.

Mascomaexperiênciamaisdensa,vaisegerandoumahabilidademaiordeidentificar o momento mais adequado. Como sei que não é a hora? Quandoagrego todos os indicadores de factibilidade de algo e, com base em minhavivênciameditada,avalio“sim,dáparafazer”,“issovaiacontecer”.

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Posso errar? Sempre. Contudo, a minha probabilidade de errar é tantomenorquantomaiorforaminhavivênciameditadanaquelecontexto.

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CAPÍTULO10

Planejar,escolher,abdicar“Oplanoquenãopodesermudadonãopresta.”(PublílioSiro,Sentenças)

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Oquemeestimula?Oambienteexterno.Oquememotiva?Omeupropósito.Que também é omeu sonho.Mas, conforme antes mencionado, sonho não édelírio.O sonho é o desejo factível.O delírio é o desejo sem condição de serealizar.

Eu,Cortella,nãotenhomaiscondiçõesdefazerváriascoisas,porcausadaidade,doslimitesdocorpo,daenergianecessária,doscompromissosassumidos.Eu não possome colocar hoje como postulante a correr amaratona de NovaYork. Posso até ter o desejo, mas não reúno condições que me permitamparticipar dessa prova.Não poderei fazê-la e não é questão de conhecimento,masde levar emconsideraçãouma série de circunstâncias relacionadas a essaempreitada.

Tampoucobastaaoportunidadepassaràminhafrente,seeunãotivercomodarcontadela.Denadaadiantaalguémmeofereceragoraumapropostaparasergestordeumagrandecorporação, comumalto salário,na Islândia.Porqueeunãopossonemqueroir.Aos25anosdeidade,talvezeuaceitasse.

O sonhoéumdos elementos a serem levadosemcontaparaqueagenteconstituaoolharsobreaoportunidade.Hásituaçõesemqueaoportunidadepodepassarpertodemimeeunemprestaratenção,porquenãoestádentrodomeupropósito.Eunãopossoimaginarquesoucapazdefazeralgoapenasporqueseifazê-lo.

Paraeuestipularumobjetivo,énecessárioquedeixedefazeroutrascoisas.Dessemodo,aos25anos,umconviteparaaIslândiaseriaumaoportunidadeetanto, hoje seria honroso, mas fora de cogitação. A quantidade de laçosprofissionaiseafetivosqueeutenhomeafastadessapossibilidade.

Issodemonstraqueoaproveitamentodeoportunidadeimplicaabdicações.Quandoapessoaquestiona:“Tereide largaraminhafamíliapara realizaresseprojeto?”. Largar, não.Mas precisará abdicar de um tempo, antes disponível,paradarcontadeconcluí-lo.Parafazerumtreinamento,umcurso,terádeabrirmãodealgumasatividades.

A própria ideia de escolher implica deixar para trás outras opções. Éimpossívelescolhertudo.

QuandoassistiàprimeiraversãodofilmeAfantásticafábricadechocolate(EUA, 1971. Dir.Mel Stuart), com oGeneWilder, eu fiquei encantadíssimo.Maslembroque,aos18anosdeidade,aindameassustouaideiadeterdefazerescolhas naquela casa de doces. O que eu comeria? Certamente iria me

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arrepender de alguma decisão, “deveria ter escolhido aquilo em vez disso”.Outromomento inquietante foiquando liOnomeda rosa, do escritor italianoUmbertoEco(1932-2016).Nofinal,duranteoincêndio,apersonagemWilliamdeBaskervillesópodesalvaralgunslivrosdabibliotecaemchamas.Poisbem,nolugardele,quaiseuescolheria?

Essaideiadaabdicaçãoédificílima.Valeparaoafeto,paraacarreira.Todavezqueescolho,euabdico.

Para reduzir o nível de angústia, cabedizer que a noçãodeoportunidadetemdeserentendidatambémcomocircunstância,enãocomopontodefinitivo.Istoé,ofatodeeuaproveitarumacircunstânciaetrilharumrumonãosignificaqueaquelaéumaviademãoúnica.

Hojepartedascarreirasémultifacetada.Eháumaspectointeressantenisso,queéfazercomqueapessoanãofiquereclusanumúnicotrajeto.Temsidocadavezmaisfrequentedepararmoscomprofissionaisdesempenhandoatividadesemáreasdiferentesdasqueseformaram.GraduadosemCiênciasEconômicasquese dedicam à Gastronomia, engenheiros se tornando gestores em empresas,publicitários empreendendo.Antes,muita gente seguia algumcaminho porquenãotinhaescolha.Hoje,nãomais.Atéprofissionaiscomumatrajetóriaextensanumaáreasepermitemenveredarporoutroscampos.

Jáencontreigentequemedisse:“Professor,sabequeeuresolvivoltarparaaescoladepoisdevelha?”.Eunãoconcordocomaformulaçãodafrase.Porqueoquevemdo“depoisdevelha”éamorte.Apessoaresolveuvoltarparaaescola“depoisdenova”.Osermais jovemé sucedidopeloenvelhecimento.Eoquesucedeoenvelhecimentoéofalecimento.

Mas, semântica à parte, é bastante salutar a pessoa persistir em seusprojetosdevida.Nãoimportaseantesoudepoisdajuventude,oquevaleéelabuscaroqueentendeestaremseuhorizontedevida.Eucontinuoperguntandoparameus filhos,meus netos e paramimmesmo “quais são os planos para ofuturo?”.

Claro, a nossa extensão de tempo vital émais um aspecto que temos deconsiderar para traçar nossos planos. Convivemos com uma altíssimacomplexidade de variáveis que a vida nos coloca hoje. Há uma maiorinterdependência de fatores, que a qualquer momento podem se alterar. EssacondiçãoexigequetenhamossempreumplanoB.

AvidanoOcidente,nasgrandescidades,écomplexa,temmuitasdobras.Édifícilimaginarque,porqueeutraceiumarota,chegareisemdesviosatéopontofinal. Determinação, decisão, iniciativa, foco continuam sendo atributosimportantes,aindaassim,umconjuntodecircunstânciaspodealterararota.

Uma pessoa sem plano B fica desprevenida, a ela falta previdência. Nós

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precisamosaprender,comofazemalgunsaplicativos,arecalculararota.Mesmoporque,nossavidaestá atrelada tambémaoqueestá acontecendo

em outras nações, aos rumos da economia, da política, à ocorrência defenômenosnaturais.

Essacomplexidadefazcomqueeutenhadeconceberrotasalternativas.Defato,édifícillidarcommaisessademanda.E,alémdetudo,ohábitotemumainfluência muito forte na disposição das pessoas em pensar outros rumospossíveisparaavida.Algumasdizem“essaéaminhasina”,“nãotenhooquefazer,jáestouhámuitotemponessemodo”.Essaformaobnubilada,comavisãoobscurecida remonta à origem do termo “bitolado”, que vem de “bitola”, adistânciaentreostrilhosdotrem,queprecisasersempredaquelejeito.

Construir um plano B exige definir a prioridade e o que é acessório,detalhe. Não fazer essa triagem nos aproxima de um pronto-socorrodesorganizado. Imagineumaestruturadeproteçãoàvida semacapacidadedetriagem.Nãoécasualqueainteligênciaadministrativa,gerencial,tenhatrazidopara os hospitais, especialmente para a área de pronto atendimento, umasequência lógica de triagem em que se entende a diferença entre urgência eemergência.

Todoproblema comalguémé uma emergência,mas nãonecessariamenteumaurgência,queé“já”.Aemergênciaé“logo”.

É preciso ter uma escala de prioridades daquilo que importa. Isso exigeplanejamento, algo que as pessoas têmmuita dificuldade em fazer. Aonde euqueroir?Quaisospassosqueprecisodar?Oqueeuprecisoparachegarlá?Oqueeufaçoseissonãodercerto?

Senãotenhoumprotocolodeencaminhamento,umarotadesejadaeumavisualizaçãodeopçõesoutras,istoé(vouusarumtermoadministrativodeunstrintaanos,masqueatéhojepoderiaserútil),umfluxograma,ficadifícilseguir.Maisoumenosumencaminhamentodotipo:“Euprecisodisso,seeunãotiver,sigoparaA.Setiver,vouparaB”etc.E,passoapasso,atécumpriroobjetivo.Umaárvoredealternativas,queémaisoumenoscomofuncionaumGPS.

A nossa grande vantagem como espécie na Árvore da Vida foi a nossacapacidadedecontinuarinventandogalhos.Partesignificativadasespécies,atémesmooutrosprimatas,enveredaramporumgalhoenelepararam.

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CAPÍTULO11

Tecnologia,ocupaçãoetédioausente“Sónãoexisteoque

nãopodeserimaginado.”(MuriloMendes,OdiscípulodeEmaús)

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Estamos atualmente envolvidos com uma quantidade significativa de eventos,grandepartedelesacontecendoemaceleradavelocidade.Essademandacontínuae esse tsunami informacional nos retiramum tempo que poderia ser investidonumaprendizadocommaisdensidade.

Onossosonhocoma tecnologia foiquimérico.Noséculo19,opensadoralemão Karl Marx (1818-1883) dizia que construiríamos uma tal capacidadetécnica que no século seguinte – no caso, o 20 – teríamos tempo liberado eiríamosnosdedicaraolazereaatividadesquefossemmaisprazerosas.

O fato é que os últimos quarenta anos nos trouxeram uma tecnologiaabsolutamente inédita, cuja crença generalizada é que ela acelera as nossastarefas.

A tecnologiapermiteque eu encontreum localmais rapidamente, que euacesseumainformaçãomaisrapidamente,queeuentreemcontatocomalguémmaisrapidamente.Tudoissorepresentariaumganhodetempo.

Isso foi ilusório. De fato, nós fazemos tudo isso mais rapidamente, noentanto passamos a fazer também com muito mais frequência e intensidade.Aumentamosonúmerodevezescomquefalamoscomalguémemumdia.Istoé, hoje nos falta intervalo, nos falta recreio. E não apenas na cessaçãomomentâneadarotinalaboral,masemoutrosaspectosdavida,comoointervalonarelaçãodeafeto,noexercíciodareligiosidade.

Nesse ponto, o mundo monacal, cristão, católico, foi muito inteligente.Várias ordens religiosas organizaram a nossa divisão de tempo. O escritorcanadense George Woodcock (1912-1995), no texto “A ditadura do relógio”,parte da obraA rejeição da política, fala que a divisão de horas aparece nosconventos medievais para manter o monge ocupado de modo contínuo, pois,como se imaginava, “a cabeça desocupada é oficina do demônio”, ou seja,enquanto estivesse envolvido com tarefas de forma disciplinada, não pensariaem“bobagens”.

MasaIgrejaCatólica,naformaçãodoclero, tambémusoudotempoparaaferir a convicção dos que se apresentavam para a carreira religiosa. Quandoalguém entra numa ordem religiosa, faz Filosofia, graduação. Depois, emalgumasordens,antesdeentrarnaTeologia,fazumanodeparada,éochamadonoviciado. Para outros, o trajeto é idêntico,mas com dois anos de noviciado.Nesseperíodo, ocorreumaparadadasobrigaçõesde estudoparaque freiras epadres se autoavaliem e se certifiquem de que realmente estão no caminho

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corretodesuasvocações.Nãoécasualqueomaiornúmerodedesistênciasnaformaçãodoclerosedênessetempodepausa.

Muitasvezesa religiãonos inspiraa refletir sobreanossa rotaeonossolugarnomundo.

Sidarta Gautama se retira do cotidiano para pensar a própria vida. Oscristãos chamam isso de retiro. Jesus de Nazaré retirou-se da cidade e ficouquarentadiasmeditandonodeserto.Enquantoestavalá,norelatodoscristãos,odemôniofoiatentá-lo,porqueeleestavadesocupado.SeriabastanteimprovávelqueodemôniofizesseissoseJesusestivessenamarcenariacomopaideleoufazendomilagreemalgumlugar.Váriasdaspráticasnareligião,naFilosofia,naPsicologiatrabalhamcomacessaçãodofluxododiaadia.

EssefluxodotempoquevivemosremeteaMarioQuintanaqueterminaopoema “Tenta esquecer-me” com os versos “Toda a tristeza dos rios / É nãopoderparar!”.Eémuitoparecidocomatristezaquetemoshoje.

Emoutropoema,oportuguêsFernandoPessoa(comoÁlvarodeCampos)conclui seu “Barrow-on-Furness” de modo agoniado: “Acabemos com isto etudo mais… / Ah, que ânsia humana de ser rio ou cais!”. A ideia do fluxocontínuoédesesperadora.Ônibus lotado,metrô lotado, dezenas de pessoas nasala de espera de um cinema, cada uma sozinha com o mundo. Às vezessozinhascomosoutrosquenãoestãoali,porémocupadascomalgoqueasretiradacapacidadedefazeressapausa.

Nota-se cada vez mais a incapacidade que temos de simplesmentepararmos.Não gostamos de ficar parados, sem nada a nos ocupar.A ideia deficar aguardando num saguão, numa fila, numa sala de espera é altamenteaflitiva, angustiante.Ouvocêpegaumadaquelas revistas arcaicas e começa afolhearouseocupadequalquerjogomentalqueordeneaquelasituação.

Atéalgunsanos,semapossibilidadedecarregarumatecnologiadistrativa,vocêsentavanumasaladeesperaouconversavacomoutrapessoa–oqueeraumaimensafontedeinspiração–,oucontavaladrilho,placadeteto,olhavaparaa janela e começava a ordenar o espaço, criar referências. Ia se ocupando ecomeçavaaprestaratençãonascoisas.

Esse é o ócio que permite criar coisas ou reinventá-las.A desocupação écriativanamedidaemquepermitequevocênoteoquenãoeranotado.Oolharrotineiro é um olhar distraído. Toda vez que eu estiver numa situação dedesocupação e passar a observar mais, vou encontrar outras fontes deconhecimento,deinspiração.

Ousodotermohebraicoshabatsignificainterrupçãodotrabalho,emboraa

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gentetraduzaemportuguêscomo“sábado”,queeraodiaemqueseinterrompiaotrabalho.Aideiadeanosabáticoháumtempopassouafazerpartedomundocorporativo,comprofissionaisfazendointervalospararepensaremseustrajetos.Adentroutambémnomeioacadêmico.

Outro dia, uma jovem de 21 anos com uma boa carreira em marketingdigitalmedissequeprecisavatirarumanosabático.Fiqueiimaginandoporquealguémcomessa idade,aindano iníciodesua trajetóriaprofissional, temessanecessidadedeparar.Eeladiziaqueplanejavafazeressapausaparaencontrarumsentidoparaavidadela.Nosúltimostrêsanosdevida,elavinhasesentindosufocada.

Essapercepçãodesufoco,deabafamento,nóssentimosnãosóemrelaçãoàpressãodotempo,masàcompressãodotempo.Omundocorporativoérepletodemarcadores tácitos ou explícitos. “Sucesso é fazer ummilhão antes dos 30anos”,“emdoisanosdeempresaprecisaassumircargodechefia”.

Isso gera desespero, porque é afobação, e faz com que se perca aoportunidade de olhar para alternativas de caminhos que sejam maisgratificantes.

Se ficarmos distraídos o tempo todo com os múltiplos estímulos querecebemos, acabamos por perder o foco. Quando queremos construir a nossaprópria trajetória, um fator fundamental é sermos capazes de prestar maisatenção às oportunidadesquepodemestar nos circundando.Aonosso entornopodehaverumaproliferação de oportunidades e ocasiões, sejam elas de ação,sejamdenegócio,deestudo,deconhecimentodeoutraárea,deinspiração.Seeupassar o tempo todo voltado para ocupações contínuas, tiro o tempo dedesocupação,queéaquelequemepermitenotaroqueeunãotinhanotado.

Seriainconcebível,porexemplo,umdocentecomoeudizer:“Nãoadmitocelular em sala de aula”. Não se deve permitir se eles forem utilizados emmomentosquerequeiramatençãoeconcentração.Maséinegávelquesetratadeumaferramentapoderosaparaoaprendizadoeparaoconhecimento.Seriacomodizer “não quero ninguém com jornal ou revista na minha aula”. Essadeliberaçãoseriaválidaquandoessesrecursosnãocompusessemoconjuntodeferramentasparaotrabalhodidático.

Hoje,osestímulossãoquaseininterruptos.Aquestão,semdúvida,nãoéatecnologiaemsi,masoseuusoimoderadooualeatório.Atecnologiatemesseefeitodanoso,masproduzevidentesefeitosbenéficosemváriassituações.

Quandosetratadeaprendizado,existemmomentosemqueéprecisodosar,seguir sóatédeterminado trechoparamaisà frente retomarocaminho.E issonãoéabsolutamenteperdadetempo.

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CAPÍTULO12

Estoquedeconhecimento,partilhaehumildade

“Umrelógioqueatrasa,evidentemente,nãoadianta.Maspioréaindaumrelógioqueadianta,pois,tambémele,nãoadianta.

Umrelógioqueadiantaéumatraso–eoqueatrasatambém.Oqueadianta,mesmo,

éumrelógioquenãoatrasanemadianta.”(EnoTeodoroWanke,Reflexõesmarotinhas)

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Nós somos animais que aprendemos com experiência feita, portanto somoscapazes de prestar atenção ao que aconteceu e dar um passo mais certeiroadiante.

Posso aprender com a minha experiência meditada e com a do outro.Vivênciaéintransferível,experiênciaétransferível.Eunãopossoaprendercoma vivência de outra pessoa, mas posso aprender com a experiência por elarelatada. E posso trazer esse ensinamento para a minha vivência, nada meimpededeaprendercomasexperiênciasrefletidasdosoutros.

Aliás,nãoécasualqueguardemosasnossasexperiências,porséculos,emlivrosououtrasplataformas,paraqueesseregistrosirvaparaquemforacessá-lo.

Todaorganização,todacomunidadetemumestoquedeconhecimentoqueestá diluído entre as pessoas. É um reservatório rico de capacidades que nãoestãoacumuladasnumúnicoindivíduo.

Uma das maiores oportunidades que eu posso encontrar de crescer eaumentaraminhahabilidadeestáemoutrapessoa.Comonenhumenenhumadenóssabetodasascoisasetampoucoéincapazdesaberalgumacoisa,aquiloqueooutrosabeeeunãoseicomplementaaminhacapacidade.

Nesse sentido, a minha aproximação com ele tem de ser de humildade.ComodiziaPauloFreireemPedagogiadooprimido:“Ninguémeducaninguém,ninguémeduca a simesmo, os homens se educamentre si,mediatizados pelomundo”.

O aprendizado se dá quando eu olho para dentro demim e para fora demim. Eu costumo dizer que só é um bom ensinante quem for um bomaprendente.

Issotemmuitoavercomaatividadedocente,mastambémpodesermuitobemaplicadoemoutrasocasiões.Empresas inteligentessãoaquelasquecriamcircunstâncias em que esse estoque de conhecimento não só possa serinventariadocomotrazidoàtonacomsituaçõesqueestimulemointercâmbiodeaprendizados. Existem várias organizações que fazem círculos de inovação,células de conhecimento, eventos para difundir informações e gerarconhecimento. Especialmente as empresas que lidam com inovação e quecontamcomumportfólioexpressivodeprodutostêmporrotinarealizareventosem que juntam pessoas com formações e experiências diversificadas parapermutarconhecimento.

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Éprecisoinventar“temposdeaprendizagem”,eestesnuncasão“perdadetempo”nemdevemsersempreacelerados.

Odesafiohojeéquevivemosnummundoondehápoucaatençãofocadaemuitasdistrações.Nosfaltaumpoucodetédio,umperíodoparanosdedicarmosmais à reflexão, à meditação. Quando não tínhamos tanto o que fazer,costumávamospensarmais.Euaindacultivoessehábito:edificarmomentosdetédio.

Atualmente, se faltarenergiaelétricaemcasa, sehouverproblemacomowi-fi, seoaplicativodemensagens ficar foradoar, aspessoas ficamatônitas,com dificuldade em se situar. Temos uma convivência muito preenchida poratividades, conexões e obrigações que reduzem os tempos destinados aopensamento,àreflexão.

Um dos elogios mais fundos que recebo em relação a alguns textos queproduzoouafalasquefaçoéquandoapessoadiz:“Cortella,vocêfalouoóbvioe eu nunca tinha pensado nisso”. Isso acontece com alguma frequência compessoasdaáreadeFilosofia.

Evidentemente, eunão faleioóbviono sentidoqueodramaturgoNelsonRodrigues (1912-1980) chamava de “óbvio ululante”. Mas falei algo que,mesmoestandoàvoltadapessoa,elanãotinhanotadodaquelemodo.Issosedáporqueaminhaprofissãomepermiteobservarascoisasepensá-las–ou,parausarumaexpressãolusitanadequegosto,“sopesá-las”–umpensamentoqueémuitomaisanalíticodoquesintético.

Entretanto,estes temposemquevivemossãomuitomaisafeitosàsíntesedoqueàanálise.Hojeavelocidadenosinduzaumacompreensãoimediata,quenãovalorizaasnuances,muitasvezesatéasignora.

NoJornalismo,chama-sedeleadotrechoquereúnedeformasintéticaasprincipais informaçõesdamatéria.Hojealgumasformasdeensinosãocomoolead jornalístico. Esse recurso permite, de fato, que se tenha uma informaçãoveloz,masnãosignificaqueelaseráapropriada,nosentidodetornadaprópria.Issotemumimpactonaaprendizagemdecriançasedeadultos.

Porisso,énecessáriofazerpausas.Porqueelassãoainterrupçãopropositaldaquilo que é pouco criativo. Não é casual que os gregos tivessem umaexpressãoparaapausa,aquelemomentodenãoenvolvimentocomaatividadeestritamente produtiva: scholé. Os latinos vão traduzir essa expressão comootium.Sevocêficarotempotodononegócio,nec+otium,nãoterátempoparaaquiloquenãoéobrigatório,oócio.

A ideia da scholé grega é forte porque ela gerou, em latim, a palavra“escola”.Oqueéaescola?Éolugarondeaúnicaobrigaçãomaisforteéprestaratençãoàquiloquenãosabe.

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A parada é uma forma de criar propositadamente os próprios momentosescolares–semparedes,ordenamentomobiliário,mestre,masquandocadaumse tornamestre de simesmo. E o autoconhecimento exige a capacidade de irparaaescola,afimdedecriarapossibilidadedeentraremcontatocomonovo.

Nesse contexto, a humildade é uma virtude decisiva, no sentido de queaquele com ascendência sobre outros deve se colocar como um igual, de sertantoumemissorquantoum receptordeconhecimento, independentementedaposição hierárquica que ocupe. É quando acontece a permeabilidadeinterpedagógica. Uma pessoa inteligente partilha, auxilia, promove e usufruidessatroca.Elaécapazdeserpermeável,istoé,deensinaredeaprendercomaquelesqueestãoàsuavolta.

Muitasvezesnavidanósaproveitamosahoraapósprestarmosatençãoemoutrapessoaque soubeaproveitar ahoradela.Éoaprendizadopeloexemplo,uma forma bastante eficaz de aquisição de conhecimento. Significa tambémeconomizarmostempodeaprendizado.

Um dos fatores decisivos para a nossa existência é que não temos derecomeçardozerocomcadaindivíduo.Emboracadaserhumanovenhasemosconhecimentosparaexistir,elenãoprecisainventá-losnovamente,bastaquesejaensinado. Com isso, nós economizamos um tempo imenso na nossa trajetóriacoletiva.

Quando vemos a sabedoria milenar de algumas populações que, porexemplo, indicam que determinada planta é curativa, que tal alimento tempropriedadesnutritivas,trata-sedeumconhecimentoquelevoucentenasdeanosparaserconstruído,maspodesertransmitidocomfacilidade.

Asabedoriamilenaréimportanteparaquesejamoscapazesdereconhecerassituaçõesquedizemrespeitoaonossopróprioaprendizado.

Nossasavósdiziam,porexemplo,“nãohámalquesempredurenembemquenuncaseacabe”.Poderíamosconstatar issonaprática,mas, seprestarmosatenção,essafrasepodeservirdeorientaçãoemváriascircunstânciasemnossavida.

Os ditados populares são continentes de sabedoria porque resultam deséculos de reflexão. Alguns, de fato, são marcados por um conteúdo tolo,preconceituoso, excludente, mas boa parte nos serve de referenciais parapensarmosmelhoremdeterminadassituações.

A pessoa humilde, portanto, aprende com quem sabe, independentementedeidade,anosde“casa”,função,geraçãoetc.Enquantoapessoaarrogantefalapara o outro: “Veja como deve ser feito”, a pessoa humilde, que gosta departilharconhecimento,costumadizer:“Vejacomopodeserfeito”.O“podeserfeito”éumdosmodos.O“deveserfeito”éumaimposição,equivaleadizer“se

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não fizer assim, estará errado”. Nós geralmente bloqueamos a criatividadequandoinserimosoimperativosemrazãomaisfunda.

Existe a clássica ideia de que as palavras “nunca” e “sempre” não seaplicamaoamoreàciência.Tambémnãovalemparacompetência,aprendizadoeaproveitamentodeoportunidades…

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CAPÍTULO13

Pensarsobremim,pensarminhasrazões“Conselhoqueumavezouvidaremaumjovem:Façasempreoque

vocêtemmedodefazer.”(R.W.Emerson,Ensaios)

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Muitaspessoas se lamuriamao acordar por ter de ir ao trabalho.Torcemparachegarofinaldesemana,comexpressõescomo“GraçasaDeusésexta-feira”.Possivelmente,grandepartedessainsatisfaçãodecorredededicartempoàquiloquenão têmcomoumpropósitonavida.Se eupassoomeudiaocupadoporalgo que me vitaliza, que coloca a minha inteligência a serviço do meupropósito,aquelaatividadenãomeesgota.

Considero importante reforçar uma distinção: emprego é fonte de renda,enquanto trabalho é fonte de vida. Trabalho gera vitalidade, emprego podemuitasvezesapenasdardinheiro.Qualadiferençaentretrabalhoeemprego?Otrabalho é aquela atividade que você faria até de graça. Há pessoas queencontramnoempregootrabalhoquegostariamdeter,existemaquelasquenãoencontramesãoinfelizes,eoutrasaindaficamapenasnarotinadoemprego.

No que tange à gestão, é necessário gerar movimentos de estímulo, quepodem acontecer de vários modos: incrementar a formação continuada, criarmecanismosdereconhecimento,promoveraconsciênciadaimportânciadecadaatividadenoconjuntodaobracoletiva.

Todasessasmedidascontribuemparaqueapessoaganheenergia.Ninguémmotiva alguém,oque se pode é estimular.Amotivação émovimento interno,mas pode ser ativada por um estímulo.Empresa inteligente faz isso, promovemomentosdereconhecimentoparaqueaspessoassesintamautoraisnaquiloquefazem.

Asempresasdeveriampromoverareflexãosobreospropósitospelosquaisas pessoas fazem o que fazem naquele ambiente. Algumas temem que, aosuscitarem esse tipo de reflexão, o profissional abandone a companhia. É umrisco.Poroutro lado,quandoapessoa temclarezadosmotivosde fazeroquefaz, ela costuma não só permanecer como ficar de modo mais engajado,contribuindoparagerarresultadosmaisconsistentes.

De nada adianta a organização ter um grupo que age roboticamente,indiferente aos resultados ou vulnerável a perder energia no primeiro revéssofrido.

Encaroessaaçãoporpartedagestãocomoumamedidacautelar.Propiciarocasiõesquefaçamviràtonaasrazõeseossenõespelosquaisalguémestáaliéumaquestãodeestratégia.Umprofissionalengajadocontribuimuitomaisparaum caminho de perenidade da empresa do que aquele que traz apenas umasimulaçãodelealdade.

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Vale lembrar que lealdade é reciprocidade. Se eu perceber lealdade porpartedequemmecontrata, é claroqueme sentirei impelidoa retribuir comaminha dedicação. Se a empresa consegue cuidar de mim, se empenha emaumentarminhacompetência,nãomecolocaapenascomoumpeãodexadreznotabuleiro,areciprocidadevirá.

Háoutroaspectoquetambémrelacionatrabalhoàideiadeesgotamento,eessedizrespeitounicamenteaocomportamentodecadaindivíduo.

Existempessoasqueseenredamdetalmaneiraemsuasteiasdeatividadese compromissos que acabam tendo uma grande justificativa para não serealizarememoutrasesferasdavida.“Ah,eusoumuitoocupado”,“não tenhotempo”,“seeulargar,tudodesaba”.

Essaatitudeécaracterizada,porumlado,pelaarrogânciatoladesupor-seimprescindívele,poroutro,porumdesejodeescapardelidarcomsuasprópriasquestões (eu não sou da área de Psicologia nem da Psicanálise, mas é o queFreudcolocavacommuitaclareza),queéomecanismodefuga.Aforaaquelastarefasque lhesãodadas,hápessoasquese incumbemde tantasoutras,sejamoperacionaisoudepreocupação,quenãotêmtempoparaelas.

E issoéatémuitocômodo,emborapareçaparadoxal.Porque,seela tiveralgumtempo,precisaráfazerescolhase,consequentemente,abdicações.Encararessasituaçãoémaissofridodoquealegarserextremamenteocupadae,portanto,incapazdemudarderota.Sehouverumintervalo, terádeolharparasi, istoé,terádedefrontar-se.

Essesmomentossãocríticos.NofilmeTaxidriver(EUA,1976.Dir.MartinScorsese),apersonagemTravisBickle,interpretadaporRobertDeNiro,levantaumaquestãodecisiva.Diantedoespelhoelepergunta:“Areyoutalkingtome?”,numsentidopróximode“eaí,vaiencarar?”.

Jáme vi em situação semelhante.Eu não estava olhando para o espelho,estavapensando sobremim, sobre ações, sobre atinos edesatinosdavida.Aodeparar comigo mesmo, quase que a frase foi “e aí, vai encarar?”. E, nessaencarada,ficarpensandocomoseeufosseooutrodemimmesmo.Aquelacenaparamim representamomentos em que eu sou despertado de um torpor, umasituaçãopassíveldeacontecercomqualquerumdenós.

Aonossoterrarmosdeobrigações,semnenhumapriorização,evitamosnosencarar,teressaespéciedeenfrentamento.

Naperspectivadeasortesegueacoragem,seráumacoragemcompetente,seeutivernitidezdomotivopeloqualestoumeencarando.

Isso é autoconhecimento, e não só no sentido mais contemporâneo daPsicologia. Na realidade, autoconhecimento é uma expressão da Filosofiaclássica.QuandoSócrates levantaa ideiado“conhece-tea timesmo”, induza

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ummovimentodereflexãofilosófica,reflexãometódica,estruturada,emqueapessoavaiterdeseencarar.

O autoconhecimento não significa apenas que eu vou fazer ummergulhointerior,prazeroso,deleitável.Não,euvouterdemevercomminhasglóriasevirtudes, com minhas danações e encantamentos, com aquilo que eu sou.Obviamente, eu não sou o melhor avaliador de mim, sozinho. Por isso, oautoconhecimento não é possível de modo isolado. Não é se colocarintrospectivamentenoaltodeumamontanha. Isso tambémpodeser feito,mascomoumadasfasesdoprocessodeautoconhecimento.

O afastamento, a meditação, o silêncio procurado são condições quecontribuem, mas não são suficientes, porque não conheço a mim mesmo demodocompleto.Eutambémmeconheçopelomodocomoosoutrosmeveem,mesentem,meentendem.

Sóemcontatocomoutraspessoas,quesãocapazesdedizercomoelasmeconhecem,paraqueeuvejacomoosoutrosmeveeme,assim,eupossaprovar-me.

Estou usando essa expressão “provar-me” de propósito no sentido deexperimentar. Na composição da palavra “experimentar”, está a expressãoperire, que significa provar, de onde vem a palavra “aperitivo” e também apalavra“perigo”.

Operigoéalgoqueprovavocê.Acorageméquandovocêdeparaconsigomesmo e encara. Causa-me assombro quando o filósofo alemão Nietzsche(1844-1900)diz:“Quandovocêolhaparaoabismo,eleteolhadevolta”.

Nessesentido,aideiadeexperimentarasimesmo,desecolocaràprova,doperigoqueissorepresenta,háquemserecuseaoautoconhecimento.Porduasrazões:porquepodedesconstruiruma ilusãoque temdesimesmoe,segundo,paraencarareserencaradoéprecisoestardispostoaouvirpoucaseboas–narealidade,ouvirmuitasemás.

Écuriosoqueemportuguês,usamoso“poucaseboas”querendodizerosentido inverso. O fato é que não apreciamos ouvir muitas e más sobre nósmesmos.

Paraqueserveoautoconhecimento?Paraqueeuganhepotência,vitalidade,energia,competêncianoexercíciodaminhaexistência.Paraqueeusejaautordemim,tenhaaminhaautoriasobremimmesmo,portantosejaautônomo.Eunãoprecisoficarsubmetidoàsforçasdaquiloqueéimponderável,aquiloquealgunschamariamdedestino,defatalidade,defado.

Existeumimponderável,esobreestequasenadaconseguireifazer,mas,noque se refere àquilo que não é imponderável, eu preciso agir com energia,inteligência,coragem,humildadeepaciência.

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CAPÍTULO14

Tempo:aproveitarparanãoperder!“Anossaexistênciaéasomadediasquesechamahoje,todos…Sóumdiasechamaamanhã:aquelequenósnãoconhecemos.”(ArmandSalacrou,ATerraéredonda)

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Partindodoprincípiodequesoumortal,omeutempoeaminhavidacoincidem.Meutempoéfinito,eusoufinito.Oqueeuchamodemeutempoéaminhavida.Meutempocomeçoucomaminhavidaecomelaterminará.

Minhavida,vistoqueéfinita,temumtempodevalidade.“Oquefaçodaminhavida?”Apartirdessaquestão,eutenhograndesescolhasafazer.

“Oqueeufaçodaminhavida?”requerqueeupensenaminhahistória,masprecisopensartambémnomomentoatual.Oqueeufaçodaminhavidahojeécomousoomeutemponestajornadadeagora,portantonomeucotidiano.

A minha vida é composta por história e cotidiano. Com esse tipo deformulação, posso dizer que cotidiano é o hoje e a história é o conjunto decotidianosenquantoelesexistirem.

Eu só vivo o cotidiano. O que chamo de “viver a minha vida” é umaabstração,porqueeunãovivoaminhavida,vivoumpedaçodaminhavida acada cotidiano. Assim sendo, eu não posso desperdiçar o meu tempo nessecotidiano,poisseriaperdervida.

Comovidaéumadádivaeéalgoirrecuperável(nãoestoumereferindoaocamporeligiosoe,seestivesse,comonãosoureencarnacionista,avidaémesmoirrecuperávelenãopossodesperdiçá-la), todoomeucotidianoprecisaserbemaproveitado.Eunãopossoperdertempo,que,nomeuentender,édeixardefazeraquiloqueprecisariaedeveriaserfeito.Perdertempoéfazeroquenãodeverianemprecisariaserfeito.

O desperdício de tempo acontece quando não tenho nitidez de propósitonaquiloqueestoufazendo.Quandoeulecionavanagraduação,costumavapedirparaaturma:“LeiamosextocapítulodolivroCiênciaeexistência,doÁlvaroVieira Pinto, chamado ‘Teoria da cultura’”. O aluno lia e na aula seguinteperguntava:

—Professor,osenhornãovaitratardocapítulo?—Agora não. Vamos pegar outro gancho e a gente trata dele em outro

momento.—Ah,professor,euperdiatardeinteiralendoessecapítulo.Aminhaperguntateriadeser:“Perdeuouusouessetempo?”.Eleperdeutemposefezalgoquenãocompreendeuarazãopelaqualestava

fazendo.Foitempoperdidoseeleestavaapenascumprindoumaobrigação,semnenhumencaixe comopropósito dele.Mas ele ganhou tempo se aquilo o fezcrescer.Usouotempoparacumpriralgoquefaziasentido.

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Umahipótese:seriapossívelfazerumcursodeFilosofiaemalgunsmeses?Emtermosdecontagemdehoras,sim.Digamosqueumcursodetrêsanos,comduzentos dias letivos por ano, duraria seiscentos dias. Mesmo num cursonoturno,comduashorasaproveitáveis,seriam1.200horas.Essaquantidadedehoras,divididaporoito,queéo tempodeuma jornadade trabalho, totalizaria150dias.Considerandocincodiasda semana, seriam trinta semanas.Ocurso,portanto,durariapoucomaisdesetemeses.

Qualoproblemadefazê-lonesseperíodoconcentrado,emvezdelevartrêsanos para concluí-lo? Em tese, nenhum. Mas há que se considerar que aaprendizagemnãosedáapenasporquehouvecontatocomdeterminadoassunto.Elaseprocessanotempodereflexãosobreaquilo.

A informação de hoje só será transformada em conhecimento depois demeditada, refletida, pensada no contexto das outras vivências que se tem aolongodavida.

Por isso, insisto, emmuitas circunstâncias, uma duraçãomais extensa noaprendizado não significa uma perda de tempo, mas o desenvolvimento daperícia.

Vale observar também que uma pessoa não terá maior perícia emdeterminadaáreaapenasporqueexecutaaquelaatividadehámaistempo.Nãosepodeavaliaraexperiênciapelaextensidadede tempo,maspela intensidadedaprática.Eumapráticanãoserámais intensaquantomais tempoforexercida–até porque ela pode ser rotineira emonótona –,mas quantomais for pensadacomoprática.

Há uma expressão de Paulo Freire de que gosto demais: “o saber deexperiência feito”, portanto não um saber teórico, stricto sensu. É o saber davivência, à qual Freire acrescentaria “a prática de pensar a prática é amelhormaneiradepensarcerto”.

Asensaçãodetempodesperdiçadoresultadafaltadeconexãoentreoquefazemos e os nossos propósitos. Há momentos em que se está vendo umprogramadetelevisão,ouvindorádio,lendoumlivro,evemaqueleincômodo:“Issoaquiéumaperdadetempo”,“Nãovougastarmeutemponisso”.Seessasensaçãobater,éocasodeinterromperaaçãoecessaroprováveldesperdício.

Hámomentosemqueéprecisocessarasobrigaçõesparapodersededicaraumtempodefruição.Claroqueasobrigaçõescompõemanossavidaemuitasdelas estão coadunadas com o nosso propósito, mas é preciso abrir espaçotambémpara as interrupções da ocupaçãoobrigatória.E isso precisa estar nosnossos propósitos também. Pois a ocupação não obrigatória nos fará usar otempodeoutromodo,queéotempodoprazermaisextensivo.

Issovariaconformecadaum.Eu,porexemplo,achavadeliciosoaproveitar

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oCarnavalnointerior,comosbailesnoclube.Paramuitaspessoas,issoévistocomoperdadetempo.Deminhaparte,euadoravaaqueleperíododesexta-feiraà noite até a quarta-feira de cinzas.Eram cinco noites emque, dos 15 aos 18anos de idade, eu me dedicava a passar das 23h às 4h girando num salão,cantando músicas sem nenhuma expressividade poética, mas de uma alegriaimensa,levantandoasmãosparaocéu.Aochegaracasaàs4h30,comosomdaorquestraaindaecoandonoouvido,euaindademoravaumahoraparaconseguirdormir. E, no dia seguinte, fazia tudo de novo. Todas as noites a mesmaorquestraexecutavaasmesmasmúsicas,oquemudavaparamimeraafantasia.Cadanoiteeuiacomuma,todasabsolutamenteridículas:orelhadetigre,bebêcomfraldonaemamadeira.Todososamigosfazíamosisso.

Paraqueserviamaquelescincodias?Paraabsolutoprazer.Nãodesfrutá-lossignificavaperderoano.Aproveitaraqueleperíodoerasinônimodoqueopoetaportuguês Luís de Camões (c.1524-1580), em Os Lusíadas, chamava derefocilar, que é quando você para e descansa. Aqueles dias de Carnaval merefocilavamemaltoestilo.

Muita gente associa a ideia de tempo perdido quando não está numaatividade rentável.Masoqueé rentável?Fazerumpiquenique,dançaranoitetoda,lerumlivrodepoesia,assistiraumseriado,jogarvideogame,ouvirmúsicapodemnãoseratividadesprodutivas,comerciais,monetariamenterentáveis,massãoexistencialmenterentáveis.

Quando, há cerca de trinta anos, o sociólogo italianoDomenicoDeMasicomeçouafalardeóciocriativo,tinhaessaideiadenãoinvestirasuaenergiaeoseutempoapenasnaquiloqueeraoprodutivoimediato.

Tem um ócio que eu aprecio mais, que é o ócio recreativo, quando seescolhereservarumtempoemquenãosetemnenhumaobrigação,nemmesmode ser criativo. O que os latinos chamavam de vagamundo. Dar uma volta,flanar.Háumadiferença entre “voudarumavolta” e “voudar seis voltas emtornodoparqueparafazerumacaminhada”.

Atualmente, ocorreumaobjetivaçãoexcessivado tempo livre.A ideiadeficar desocupado é quase insuportável para algumas pessoas. Elas vão sesoterrando de tarefas, de incumbências. A vida vai sendo pautada por metas,objetivos,prazos,esãoessasobrigaçõesemsucessãoquevãoestabelecendoasmarcasdotempo.

Toda vivência, em última instância, tem uma consequência, um proveito.Hámomentos emqueoproveito é a própria fruiçãodo tempo livre.Por isso,essa ideia da oportunidade de dar uma parada, fazer uma pausa, não pode sermarcadaporumutilitarismoobsessivo.

ComoafirmouDeMasi,oóciopodeserdefatocriativo.Otédiocriaum

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ambiente absolutamente fértil para a criatividade vir à tona. A arte seriaimpossível com a ocupação contínua. Só existe arte, Filosofia, inovação,digamos,porcontadadesocupaçãoeventual.

Muitasvezesénessetempodescompromissadoquesurgemsoluções.

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CAPÍTULO15

Tempolivre,competênciaeinventividade“Aliberdadenãoéaociosidade;

éoempregolivredotempo,éescolherotrabalhoeoexercício.Serlivre,emsuma,nãoénãofazernada,éseroúnicoárbitrodoquesefazoudoquenãosefaz.”

(LaBruyère,Oscaracteres)

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Certavez,euestavaenfrentando trânsitocompletamenteparadonaavenida23de Maio, uma movimentada avenida de São Paulo, quando pensei: “Poderiafazerumapalestra em formadehaicai sobrevida e carreira.Oqueprecisanavida? De equilíbrio vital. Mas também de integridade. Então vou rimar:equilíbrio vital e integridade pessoal. Honestidade moral. Humildade…intelectual.Generosidade…mental.Persistência…focal”.

Dessasucessãodeideias,nasceunãosóapalestracomootemacentraldoqueviriaa serum livro.Tudosedeuapartirdeummomentodeabstraçãoe,inclusive,dedesocupaçãomomentânea.

A criação da pausa ajuda no refinamento do espírito, cria erudição. Apalavra “erudito” significa “aquilo que será polido”. Esses tempos de parada,cadavezmaisdifíceisde serem reservados,nos fazem falta.Essegiro semprealtodaspessoas,essaincapacidadedesilenciar,tiroudenósmuitosmecanismosdeaprendizado.

OfilósofogregoAristóteles(384-322a.C)nãosóéfundadordeumaescolachamada Liceu como também da metodologia denominada peripatética, cujaideiaeracaminharparapensar.

Eutiveumaformaçãoperipatética.EstudeiFilosofiacomosjesuítasemumcampusnaViaAnhanguera,queligaacapitalaointeriorpaulista,eéramosumaturmadevintealunos.Partedasaulasforadesaladeaulaeradadanumbosque,nomeiodamata,comoprofessorandandoeosvinteemvolta.

EununcameesqueçodomeuprofessordeMetafísica,queandavacomamãoparatrás,chutandopedrinhasefalandosobrePlatão,Aristóteles,Heráclito.Aquela mata era inspiradora para a nossa reflexão e aprendíamos também amemorizarporquenãohaviacomoanotarosensinamentos.

A pausa programada é a capacidade de observar ou de, para usar umconceito de Aristóteles, admirar (mirar em direção) mais o mundo. Essaadmiraçãodoqueestáànossavoltarecheiaanossacapacidadedeconhecimentoefortaleceanossacompetência.

Isso tambémvaleparaagestãodasempresas.Promoverpausas,propiciarcontatocomoinédito,estimularavisãodaquiloqueéfamiliarapartirdeumaperspectiva diferente cria um ambiente mais afeito ao pensamento inovador.Alémdisso,todosessesmovimentosenviamamensagemdequeaorganizaçãorealmenteseinteressapelaspessoas,cuidadodesenvolvimentodelas.E,comojámencionei,quemsesentecuidadotendeaquerercuidardaoutrapartetambém.

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Isso torna a relação mais sustentável. Profissionais tendem a permanecer nolugarondeaprendem,crescem,expandemseupotencial.

Empresasquepretendemconstruirfuturoprecisamseguirnessadireção–edeformagenuína.Quandoodiscursodequeomaiorativodaorganizaçãoésuagente,issoprecisaserdemonstradonaprática.

Hoje a noção de desenvolvimento da competência está incorporada àprópria ideia de trabalho. A empresa inteligente busca transformar todas assituaçõespossíveisdeseucotidianoemocasiõesdeaprendizagem.

Aescola,nosentidoinstitucional,significouesignificaissoparamuitosdenós. Afinal, o princípio de ir à escola é buscar aquilo que não se sabe. Paraaquiloquejásesabe,nãoserianecessárioláestar.

Porqueaescolaédesinteressantehojeparaumaparcelaimensadecriançasejovens?Porqueaquiloquefoiprofundamenteatraentenaescolarizaçãoformalhá trinta, quarenta anos hoje se encontra ao alcance dos dedos, sem nenhumadificuldade.

Quem foiGêngisKhan?O que é um coleóptero?Quais os afluentes dasmargensesquerdaedireitadorioAmazonas?Essasquestõesgeravamumahorade aula. Hoje, qualquer aluno com um celular obtém essas respostas emsegundos.Assim,acuriosidadetemdeserdespertadadeoutrosmodos.

No ensino escolar, a Grã-Bretanha foi uma das pioneiras no uso datecnologiadigitalemlargaescalaemsaladeaula.Apósumareavaliação,houveum recuo,mas não a retirada. Percebeu-se que o digital tem um componentedistrativo muito forte, o que pode dificultar a compreensão. Em algumasatividades,fazerumaexposiçãodemodotradicionalfacilitaoaprendizado.Umacriança presta muito mais atenção numa contação de história – mesmo comfloreiosetemposestendidos–doqueseaquelamesmahistóriafossecontadadeformasintética.

Nessacircunstância,aplataformapapelémaisefetivaqueadigital.Textonopapeldáoutrotipodemobilidadenãosódomanuseiodomaterialcomodasideias. Evidentemente, ninguém em sã consciência dirá: “Então, cessemos odigital e voltemos ao papel”. Porque são mídias convergentes e nãoconcorrentes. Há conteúdos que eu prefiro guardar no digital e outros quefuncionammelhoremoutrasplataformas.Olivroenriqueceoócio!

Estarnoóciosignificaaoportunidadedeirembuscadoquenãosesabe.Aquiloquejáésabidonãopassademeraredundância.Aquiloqueeunãoseiéoquevaimefazercrescer.

A escritora Clarice Lispector (1920-1977), nascida na Ucrânia, mas queviveunoBrasil,temumafraseestupenda:“Aquiloqueeudesconheçoéaminhamelhorparte”.Dizendodeoutromodo:omelhordemiméaquiloqueaindanão

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sei, porque é o queme renova,me revigora,me reinventa. Aquilo que já seiapenasmerepete.

Porqueviajaréaltamenteeducativo?Porqueéanossacolisãocomaquiloque não nos é habitual. Especialmente se formos para lugares que nãoconhecemos, entrarmos em contato com culturas diferentes da nossa,experimentarmos pratos nunca antes degustados, olharmos cores com as quaisnão estamos habituados, ouvirmosmúsicas com sonoridades que não nos sãofamiliares.

Fico imaginando se eu estivesse num trempela Patagônia, lugar que nãoconheço, numa viagem com uma paisagem magnífica, mas, enquanto o tremestivesse indo, eu ficasse olhando o celular.O que aconteceria? Eu estaria devoltaaoconfortável,paraoquemeacalma,queéapaisagemjávista.Masissoseriaextremamentenegativo.

Quando eu, tendo a possibilidade de olhar para aquilo que para mim éinédito, olho mesmo, fortaleço a minha competência. Por isso, a pausa é aatitudedeliberadadeprestaratenção.

Distrair-sedadistração,retirarasamarrasdaobrigaçãoeseguiremdireçãoacenários,cenas,horizontesnovos.

Ohorizonteéumailusãodeóptica.Quandovocêestáindoemdireçãoaoseu horizonte, de fato, lá você não chega porque o horizonte se desloca.Masessabuscaéoquemovevocê.Nessesentido,oqueéapausa?Éapossibilidade,enquantosecaminhaemdireçãoaohorizonte,depararesesituar.

Olharàvolta,prestaratençãoaocaminho.Se eu não quiser um repertório repetitivo, que deixe minha competência

fadigada,precisoprestaratençãoaoqueopoetaCarlosDrummonddeAndradeobservouque“nomeiodocaminhotinhaumapedra”.

UmadasgrandesbrilhantezasdoDrummondénosfazerobservarquetemumapedranocaminho.Porque,quandoeledizque“Tinhaumapedranomeiodocaminho/Nomeiodocaminhotemumapedra”,éassimquevocêreconstituiarenovaçãodoseuolhar,dasuaconcepção,dasuapercepção.

Háumafrasedeautoajudaquecirculanainternetquedizalgocomo“juntoaspedrasdomeucaminhoparafazeromeucastelo”.Defato,háquemfaçaisso.Mas,paravocêjuntaraspedrasdocaminhoeedificaroseucastelo,énecessárionotá-las.

Asuajornadatemdecontemplarmomentosdepausaparaprestaratenção.

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CAPÍTULO16

Otempopassamaisdepressa?“Umgostodeamora/comidacomsol./

Avida/chamava-se:‘Agora’.”(GuilhermedeAlmeida,“Infância”)

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Apercepçãodapassagemdotempovariaconformeanossaquantidadedetempolivre.Quandosetemmuitotempo,aassimilaçãodotempoéelástica.Quandosetemmenostempo,elaécomprimida.

Exemplo: a nossamemória dos oito anos ou nove anos que passamos noensinofundamentalédeumtempoimenso.Dos6aos15anosde idade,éumperíodorecheadodelembranças.Mas,sevocêestivernafaixados40,50anosdeidadeecontabilizaroitoanosparatrás,asensaçãoédequeessetemponãoétãoextenso–vaipareceratérelativamentepouco.

Na infância, a sensação era que levavamuito tempo para o final do anochegar,paraasfériascomeçarem.Ummêsdefériasemjaneiroeraumperíodoinfindo.Hoje,sevocêdispõedetrintadiasdeférias,naprimeirasemanaaindaestásedesconectandodoqueestavafazendo.Nasegundaenaterceira,vocêsaida rotina (embora hoje não saia de vez, por causa da tecnologia). Na quartasemana,játemdeseorganizarparaavolta.

QuandoeufizoensinofundamentalemLondrina,emescolapública,haviaaulasaossábados,odiadeparadaeradomingo.Asemanademoravaparapassar.Naépocadoensinomédio,eurecordoqueumperíododetrêsanos,dos15aos18, era um tempo em que eu poderia tirar carteira de motorista, viajardesacompanhado,voltarmais tardeparacasa.Aminhasensaçãointernaerademuitotempo.

Eoquesãotrêsanoshoje?Dosmeus60anosaosmeus63,essetempofoinada. Essa percepção está ligada à intensidade de relações, de vivências, deconexões ede tarefas. Isso significaque,quantomaisvivência se tem,mais apassagemdotempovaificandoveloz.

Liçãoparacasaeraalgoquevocêtinhaclarezadequeiaocupá-loumahoraeeraumaobrigação,tantoqueatéopaieamãefalavam:“Fazaliçãoantesdebrincar”.Lição,umahora;brincar, cincoou seishoras.Hojea liçãoparacasacontinua sendo dada para um menino de 16, 17 anos, mas, por causa datecnologia, essa divisão não é mais estabelecida. A casa anda com ele, oscontatos o estão solicitando continuamente, as obrigações e o lazer tambémoacompanhamotempotodo.

Eu, por exemplo, não tenhoWhatsApp. Essa é uma escolha porque nãodesejo mais uma lição de casa. Não quero ter de responder “bom dia” paraoitocentaspessoas.Temosumaavalancherelacional,nãosódeconexõescomodetarefas,que,muitasvezes,nósmesmosnosimpomos.

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Até uns anos atrás, uma das sensações mais gostosas que se tinha eraesperar a sessão do cinema começar. Tocavamúsica na sala, as luzes iam seapagandoantesdotrailer,erasinaldequeofilmeestavaparainiciar.

O que a gente fazia enquanto estava na poltrona esperando o início dofilme? Se fosse moleque, bagunça. Se fosse adulto, ficar pensando em comohavia sido o dia.Quando o filme acabava, a gente tinha paciência para ver oletreiro e ficar ainda entorpecido com a história. Como as salas eram muitograndes, com mais de quinhentos lugares, havia esse entorpecimento. Sair,orientado pela luz do lado de fora da sala, era um movimento em que se iadesconectando do filme aos poucos. Hoje, quando os letreiros aparecem ouquandocolocamomakingof,aspessoasjáestãoolhandoocelular.

Eunãosouavessoàtecnologia,issoseriatolice.Oquemechamaaatençãoé essa espécie de aprisionamento, aquilo que o filósofo francêsÉtienne deLaBoétie (1530-1563) chamava de servidão voluntária. Nós somos servos doservidor.Estamosaserviçodegrandesservidores.

Digoissoemtomdebrincadeira,masanossarelaçãocomocomputadoroucom uma inteligência artificial precisa sermais bem pensada.Não se trata dedescartar o uso da tecnologia, mas sim de fazer uso com inteligência. Docontrário,ficadifícilacharaoportunidade,aocasião,acircunstância.

Se estivermos mergulhados, absortos no mundo virtual, não teremoscondiçõesdenosrever,nosrevisitar,demexernasnossasgavetas.

O uso de algumas tecnologias nos induz a olhar para dentro, produzindoumaespéciedeencapsulamento.Comonossaatençãoficapulverizada,nosfaltatempo para nos encontrarmos – não só como autoconhecimento, mas comocapacidadedeenxergarasoportunidades.

Hátrinta,quarentaanos,osmarcostemporaisdeumainfânciaerammuitodiferentes do que são hoje. Os eventos significativos, memoráveis, eramepisódicos e espaçados. Atualmente, a pressa do cotidiano nos leva a quasegrudarumevento importanteemoutro–oquefazcomquehajaumadiluiçãodessaimportância.

Alguém que tem uma vivência com sucessão de fatos significativos ficaalijadodeapreciarapaisagem.

Uma das coisas que eu adorava quando menino era viajar, porque mepermitia uma fruição do horizontemagnífica.Minha família saía de LondrinarumoàspraiasdeSãoPaulo,dadoqueacomunicaçãocomaspraiasdoParanáeramuitomaisdifícil,pelascondiçõesdasestradasnaquelaépoca.Eramaisfácilviraolitoralsulpaulista.

Haviamuitoseventosnaviagem,porquesedemoravadezesseis,dezessetehoras de carro para percorrer seiscentos quilômetros. Nós tínhamos as nossas

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marcasdo caminho: o postode combustível emque se parava, a ponte do rioTibagi,adorioParanapanema,olancheemItapetininga,issoiafazendosentido.Minhamãe,sabiamente,diziaquesóaviagemjáeraumpasseio.Essaexpressãotinhaumsentidoforte:odeslocamentojáeraumadiversão.

Antes,apaisagemdistraía,descansava,serenava.Acalmavaotrajeto.Hoje,qualquerviagemsedásemmuitaobservaçãodoqueestáemvolta.

A tecnologia nos induz a mantermos o foco no virtual. Omotorista ficamais atento ao aplicativo que dá as indicações do caminho e os passageirosrespondemàsdemandasdomundovirtualenquantosedeslocam.

Perdemos a possibilidade da fruição da paisagem, de ampliar nossouniversodevisões,imagens.Olharparaomaraolonge,paraasnuvens,paraavelocidadedotremoudocarro,issotudocompõeumuniversocircunstantequefoisubstituídoporoutro,indiferente.Éaquasetransformaçãodanossarealidadenumamaquetevirtual.

Ofatoéqueopercursofoidesnaturalizado.Ocaminhoperdeimportância,gerando algo próximo ao que o sociólogo alemão Max Weber (1864-1920)denominavadesencantamentodomundo.

Éo desencantamento do real e, portanto, o caminho se tornou só omeioparaoobjetivofinal.Otrajetodeixoudeimportar.

Quandouso a expressão “importar” é no sentidode “portar para dentro”,aquilo que trazemos para dentro de nós. E, nesse caso, estamos deixando deimportarapaisagem.Eladeixoudeserimportanteeagoratemdeserignorada,porqueatrapalha.

Se eu olhar para fora, corro o risco de perder a próxima indicação doaplicativo.Quandodeveriaserocontrário:observarapaisagemdeveriaajudaramesituar.

Comessadinâmicaatual,nossorepertóriodeimagensvaisereduzindo.

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CAPÍTULO17

Gerações,convivênciaeoportunidaderecíproca

“Muitasvezesajuventudeérepreendidaporacreditarqueomundocomeçacomela.Masavelhiceacreditaaindamaisfrequentementequeomundoterminacomela.Oqueépior?”

(FriedrichHebbel,Diários)

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Lidamoscomtantasdemandasnonossocotidianoquemuitasvezesasensaçãoédeestarmosnummovimentosemelhanteaodeumtorvelinho.Vamoscirculandoemritmoacelerado,carregandonossasangústiasseconseguiremosdarcontadetudo.Nãoseisedesseredemoinhoescaparemos,maseunãopossoficardentrodeledemodoconformado.

Um desdobramento dessa situação é que hoje, como nos ocupamos commuito mais questões do que antigamente, o tempo para a autodedicaçãodiminuiu.

Eu estou lotado de preocupações, de compaixões que não são apenasreferentesàminhafamília.Estoupreocupadocomosrefugiados,comasvítimasdetragédiasnaturais,comosrumosdopaís,comumasériedecoisas.Esselequedepreocupaçõesfazcomqueeuacabeescapandodemim.

Às vezes, essas preocupações excessivas são distrativas. Isto é, eu medistraio demim e para todas as demandas que surgem, omais fácil é alegar:“Não tenho tempo”. Se eume deixar levar por essa toada, será difícil eumerever,me reorientar,me reinventar, enfim, cuidar demimmesmo.Namúsica“MundoMaluco”[1],quecompôscomDavidNassereNelsinho,MoacyrFrancocanta:“Nãopossoparar/Seeuparoeupenso/Seeupensoeuchoro”.

Pormaisempatiaquesetenha,ficaimpossíveldarcontadetudo.Háumahoraemquevocêseanestesiaporquetudoficaóbvio,banalizado.Háalgumasdécadas, sealgumvizinhoda ruaoudobairro tivesseumadoençaousofresseum assalto, aquilo era motivo de perturbação das pessoas. Predominava oespíritodesolidariedade.Hoje,fatosdessanaturezatêmtalníveldefrequênciaqueoefeitoédeanestesia.Suacasafoi furtada,vocêfoi roubado,houveumadoençanasuafamíliae“vidaquesegue”.Essaindiferenciaçãoproduzumefeitomalévolo:oníveldepreocupaçõesquesetemétamanhoqueeuacabonãomeocupandodenada.

Durante séculos, a geração mais idosa ajudou a formar a geração maisjovem;agora,essaocupação temencontradoemmuitosadultosumnível fortede desistência ou desalento. “Eles não querem saber de nada! Acham que jásabemtudo!”

Ora,choquedegeraçõeséalgoqueexisteháváriasgerações.Cadatempocarregasuascaracterísticas,mashásempreoqueaprenderdeladoalado.

Essas novas gerações que conosco se educam precisam domar melhor ainconformidadeparaqueessaenergianãosejaumainsolênciainútil.

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Masháuma rebeldia na novageraçãoquenos servede alerta.Quando agenteouveumjovemdizer“eusóquerofazeroqueeugosto”,nossatendênciaésermoscomplacentesouatéarrogantes.Quasecomosedéssemosumabatidinhanoombroparadizer:“Espera,jacaré,quealagoaumdiahádesecar”ou“avidavaiteensinar”,queéquaseumaprescrição–“vocêvaiserdomado,ésóquestãodetempo”.

Essa bravura indômita que os jovens têm em alguns momentos édesarranjada, pode ser malévola até, mas, em outros, é extremamenteprovocativa,porqueelanosfazpensar.

Se um filho ou um jovem recém-chegado ao mercado de trabalhoquestiona:“Paraqueeupreciso saber isso,porque temdeserdesse jeito?”,atendênciadeumapessoaquejáestánocircuitodetrabalhooucomumacarreiramaisextensaéficarincomodadaeresponder“cresçaeapareça”.

Mas essa postura do jovemnão é necessariamente insolente. Ele está embuscadeclareza,quersaberopropósitodaquiloquefaz.

Quando lancei o livro Por que fazemos o que fazemos?, houve algumapolêmica por eu ter chamado a nova geração de mal-educada, e não malescolarizada. Contudo, o que queria e quero insistir é que há ali uma energiadesarranjada,descontrolada,masoquestionamentoépositivo.

É muito comum que jovens e crianças enxerguem hoje nos pais algumcansaçoeatétristezanaquiloquefazem.

Opai emãedizem“eu trabalhopara sustentar, esse émeu trabalho”.Háuma grande conformidade. E essa conformidade de certa forma acaboumarcandoumanovageração,amillennial,quetrazaíanecessidadedeteralgumprojeto de vida. Eles não querem repetir um modelo que, embora esforçado,dedicadoevaloroso,soa,decertamaneira,conformado.

Hoje, há uma afliçãomuito grande na nova geração que se traduz numaexpressãocomum:“Euquero fazer algumacoisaqueeugosteequeme torneimportante”.Ageraçãoanterior tinhaumpoucoessapreocupação,masdeixouumtantodeladoporcontadanecessidade.

Há uma distinção entre ser revoltado e ser revolucionário. A pessoarevolucionáriaéaquelaquealteranelaenacomunidadealgoparaumadireçãopositiva e melhor do que a anterior. O revoltado só fica no campo da meraagitação.Amaneiracomocanalizaaenergiaquetemfaztodaadiferença.

Poroutrolado,écompreensívelqueaspessoasdageraçãoanteriorfiquemincomodadas.

Essa nova geração, especialmente nas classes A, B e C, cresceu comfacilitaçõesnavida.Umsinaldissoéquesefalaem“adolescênciaestendida”,quevaiatéos30anos,enãonecessariamenteatéos18anos.

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São pessoas que continuam morando com os pais e por eles sendosustentadas. Essa comodidade acabou levando também a uma atitude de umaparceladosjovensqueentendequedesejossãodireitos.Sequeremalgo,outrovaitratardeprovidenciar.

Gera-seassimaperspectivaequivocadadequeascoisaspodemserobtidassem esforço. Se essa distorção for estimulada, haverá embates e, sobretudo,muitafrustraçãoaolongodavida.Especialmentequandoencarararealidadedomundodotrabalho.Afinaldecontas,trabalhardátrabalho!

Sim,exigedisciplina, fazeralgomaismaçantepara terumresultadomaisgratificantelánafrente,lidarcompessoasquetêmoutrospontosdevista.

Se,deumlado,existeumpotencialdeatritonesseconvívio,deoutro,nãose deve desprezar a riqueza que essa nova geração traz em termos decriatividade,repertório,receptividadeàdiversidade,capacidadedecomunicação.É uma geração com repertório, mas que requer um disciplinamento, que nãoprecisarásernecessariamentedesgastante,sehouverumolharpedagógiconessaformação.

Com inteligência estratégica, algumas empresas estão preparando seusgestoresparaacolheressanovageraçãocomoumpatrimônio,enãocomoumencargo. Porque, se for encarada como um encargo, em vez de representarsangue novo, com potencial renovador, ela pode se tornar um manancial deconflitos.

Énecessárioqueogestorquearecebatenhaposturaacolhedora,masquetambémtenhahumildadepedagógica.Queapessoasaibaquevaiaprendermuitocomalguémquechegacomnovashabilidades.Existemprofissionaisqueveemnojovemumaameaça,ficamcomreceiodeseremsuperados,deperderespaço.Isso só acontecerá se, realmente, desprezaremo conhecimento de quemchegacomcoisasnovas.

Trata-se de uma via de mão dupla: é preciso ensinar, mas também seaprendemuitocomquemchega.

O jovem também precisa lidar com essa condição, encarar comooportunidade de aumentar o seu repertório e a sua vivência. De novo: essarelaçãodeveserpautadapordoisprincípios:quemsabereparte;quemnãosabeprocuraquemsaiba.

Se a gestão tiver a capacidade de formar seniores e juniores nesses doisprincípios, de um lado terá generosidade mental e, de outro, a humildadeintelectual.

Essas duas trilhas virtuosas serão decisivas para obter potência paraconstruirumfuturodeformasustentável,eissonãotemnadaavercomsorte.

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CAPÍTULO18

Otempopassa;enós?“Teubraçoinvictoé,masnãoéinvencível.”

(Corneille,ElCid)

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Costumo brincar que, se houvesse um aplicativo de localização na históriainfantil de João e Maria, eles jamais se perderiam na floresta. Mas tambémnuncairiamnotá-la.

Namitologiagrega,aempreitadadeTeseunocombateaoMinotaurosóébem-sucedidaporqueeleprestouatençãonolabirinto,enãoapenasnofiodadoporAriadne.Háumadescobertanaquelepercursointrincado.AliTeseucresceeconsolidasuaimagemdehomemdestemido.

Olhar para dentro é importante, sempre. Convém, entretanto, retomar aideiaclássicado filósofoespanholOrtegayGasset (1883-1955):“Eusoueuemaisaminhacircunstância”.Eunãosouapenaseu.Souasomademimeoqueestá àminha volta.Umavisão, portanto, que se amplia para o exterior.E nóssomosumserparafora.Porisso,nóstemosexistência.Existir:“serparafora”.

Estamos vivendo um momento de obscurecimento da paisagem.Retomando: durante muito tempo, olhar para fora, pela janela do carro, eradecisivonasviagensquefazíamos.Fossequalfosse.Numcarro,trem.

Aprimeiravezqueeupegueiotrem-baladeTóquioaKyoto,em1984,euviomonteFujipelajanelae,quandoolheidenovo,elenãoestavamais.EutiveumflashdomonteFujienãoqueriaterummomentotãofugazdiantedaquelapaisagem.Afinal,eutinhacertafamiliaridadecomaquelecenário.Eujáotinhavisto milhares de vezes, ainda que como imagem, porque Londrina teve umsignificativofluxodeimigrantesjaponeses.QuasetodacasadeamigotinhaumretratoouquadrodomonteFuji.

Quandoeubatioolhonalateraldotrem,claroqueeumelembrei,masnãopudefruiraconcretudedaquelemonumentodanatureza.Nãodeutempo.Mas,navolta,propositadamente,eudesciduasestaçõesantesepegueiumcarroparaquepudesseapreciaraquelapaisagemeaprendersobreomonteFuji,queestavaali,deformareal,diantedosmeusolhos.

Aquela cena domonte, imponente, ficoumarcada de forma indelével naminhamemória.Essaéoutramudançaqueatecnologiatrouxe.Hojeatendênciaéqueamemóriafiquenamemóriadocelular.E,mesmoquehajaoregistrodemuitascenasimportantes,nahoradevê-las,temosoolhartãoapressadoquantoopercorrerdodedo.

Basicamente, as memórias foram ficando mais fluidas e, com isso, oaprendizado também. Quando se tem memórias de eventos importantes, elasfazemcomquevocêtenhaumtempodematuraçãoentreumasituaçãoeoutra.

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O aprendizado com a vida ficoumais difícil nos tempos atuais. Hoje ascoisas se dão em sucessão tão veloz que eu tenho a informação, mas nãonecessariamenteoaprendizado.Maleucomeçoaassimilar,afruir,adigerirumtema,jáapareceoutronasequência.

Aceleridadeeadensidadedeeventosquasenãonospermitemtempoparaobservaroinédito,atéporquetemmuitoinéditoemsequência.Nãodámaispararefletirmuitotemposobreumaprimeirapáginadejornal.Aoentrarnumapáginadainternet,logoseestáemoutraesepulaparaoutraeoutra…

Eu considero que um dos fatores que estão revigorando o livro naplataformapapelnãoéumaondasaudosista,maséalgodenaturezasimilaraoquenoslevaafazerpizzaemfornoalenha.Éapossibilidadededarelasticidadeaotempo,emvezdecomprimi-lo.

Se o fast food por um lado estabeleceu a ideia de praticidade naalimentação, por outro passou a nos enfastiar também em relação ao produtofeito em linha de produção. Para uma criança ou adolescente, ainda não pesaessasensação,porquenãoprecisaperdertempoescolhendo,odesenhoestálá.Apraticidadefalamaisalto.Elaapontaodedoeescolhecomidaporimagemepornúmero.Nessaformaideogramática,aimageminduzàtomadadedecisão.Eémaisumaentretantasimagensquepassamemsucessãononossodiaadia.

Umareflexãopertinentenosnossosdiaséatéquepontodevemosacatareaté que ponto devemos recusar algumas mudanças. Nós precisamos resistiràquelasalteraçõesquesãomalévolas,ruins.

Nãotemosnenhumaobrigaçãodeaderiraummudancismodesenfreado,sóporquepreconizamqueéprecisomudar.Hácoisasquevieramdopassado,quesãoantigas,masnãosãovelhas.

Dificilmentealguémentranumrestaurantequecolocaumcartaz“temososmelhores micro-ondas da cidade”, mas, se anunciar que a comida é feita emfogãoalenha,aatratividadeserámuitomaior.

Hácoisasqueprecisamsermudadasporqueperderamvitalidadeeoutras,que se mantêm com força, com inteligência, não carecem de alteração. Hámomentosemquenãomudarsignificaestagnare,issosiméfatal,pois,claro,otempopassa.

Quando a relação com o tempo se altera? Quando você se sente maisresponsávelporalguémepassaatermedodamorte,sentimentoqueantesnãose fazia tão presente. Amorte, a partir dessemomento, significará também oabandonoinvoluntáriodealguémdequevocêprecisacuidar,eessesentimentoémaisfortequando,porexemplo,eclodem,devariadosmodos,apaternidadeeamaternidade.

Quandoháoutro serhumanoparaquemvocê toma todasasprovidências

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paraqueelenãopereça,asua formadevidaperecível ficamaisnítida, istoé,“eunãopossomorreragora”.

Pode-se perguntar: “E antes podia?”. Até podia, porque não havia tantoslaços. Agora existe um laço forte que não se quer abandonar para não haverdesamparo.Esseéumaspecto.

Masháumsegundofator:apaternidadeouamaternidade,sejaporgeração,adoçãoouconvívio,modificaapercepçãodotempo.

Aquele pequeno ser, que agora está no cotidiano de umamaneira muitointensa, passa a reger o seu dia e a sua noite. Afinal, é um ser que temnecessidades contínuas, que até os 5 anos de idade é inoperante; então, vocêpassaateravidaregradatambémforadotrabalho.Demaneirageral,avidanoempregoéregrada,comhoráriosdeentrada,almoço,saída,prazosemaisprazosaseremcumpridos.

Esseser,numprimeiromomento,dáumregramentoefazvocêteralgoquenãotinha:tempolivreparapensar.“Comotempolivre,senemdormirdireitoeuposso?” É que, enquanto você espera aquele ser dormir de vez, em que estásentadocomeleouobalançandopelasala,vocêestápensando.

Apercepçãodotempoquesetemdisponívelvariaconformeanecessidadedepartilhá-lo.Quandoeunãoeracasado,tinhatodootempodomundo.Casado,passeiaterquasetodootempodomundoepodiapartilhá-locomapessoacomquem convivia. Com filho recém-chegado, meu tempo deixou de ser meu,passouapertenceraumserqueeudeveriacriareformar.Somenteapóscertotempo,quandoesse ser já tivessecondiçõesde tomarcontado tempodele, euficarianovamentecomotempomaisliberado.

E, como é também meu caso, a “avosidade”? Esta cumpre uma tarefadiferentedapaternidade.Emboraavôeavó,emmuitasfamílias,cuidemmuito,nessa fase da vida o temor da morte existe, porém de forma menos intensa,porqueaeternidadeestágarantidaemduasgerações.

Oreceiomaiornessaetapadaexistênciaéqueasuafaltafaçafalta.Existeum egoísmo também – um bom egoísmo, de prazer interno: “Eu quero vivermaisporquequeroaproveitarmaisavidacomosmeusnetos”.

Aminhapaternidademedeuapercepçãodanecessidadedecuidarmaisdemim,porqueeutinhadequemcuidar.Paralelamente,aminhamortalidadeficavamaisnítida.Quandoeu entravanumavião, numelevador, pensava: “E se issoaquicair?Seissoaquidesabar,quemvaificarcommeufilho?”.

Comoavô,meu raciocínio é outro: “Será que esse tempode vida que eutenho poderia ser fruído com meus netos, brincando, ensinando, será que euainda tereiessecarinho?”.Seiqueseeupartiragoraelesseguirãoavida,poistêmpaiemãe;senão tivessem,ahistória seriadiferente,eu teriadevoltarao

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territóriodapaternidade,mesmosendoavô.Amaternidadeouapaternidade, sejadequemodo forem, interrompemo

fluxocontínuo.Eladáideiadeeternidade,porque,aogeraroucuidardeoutroser,vocêcontinuanotempo.Asuamortalidadeficadiminuída.

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CAPÍTULO19

Decrepitudes,senilidades,vitalidades!“Estamosnamãododestinocomoum

pássaronamãodeumhomem.Àsvezeselenosesquece,olhaparaoutrolugarenósrespiramos.Ederepente,eleselembradenós,apertaumpoucoenossufoca.”

(HenrydeMontherlant,Arainhamorta)

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Acada segundoquepassa, envelhecemos. Isso é inerente à condiçãohumana.Hánanossasociedade,entretanto,umarecusamuitoforteàterminalidade.

Contamoshojecommuitasalternativaspara tentardeteressadecrepitude:intervençãocirúrgica,condicionamentofísicodeváriosmodos,cosmética,tudoaquiloqueretardaumfenômenoqueénatural,masque,aomesmotempo,éumsonho antiquíssimo da humanidade, o da vida que não cessa. Tanto que essaaspiraçãoatravessaosséculos,estáemobrascomoOretratodeDorianGray,do irlandêsOscarWilde (1854-1900),nashistóriasdaescritorabritânicaMaryShelley(1797-1851)sobreumcorpoeterno.Adiferençaéqueagoraelevaisetornandomaispróximo,comopossibilidadederealização.

Hoje, como temos um tempo de vida coletivo mais extenso e maisconhecimentoetecnologia,maisferramentasparaesseprolongamento,issolevatambémaoutraaflição,anãocompreensãodoquesignificamosprocessosdevida.

Avidaestátãovelozqueatéomeninode18,19,20anosdeidadetemasensaçãodequeotempoestápassandomuitorápido.Ondeelevaiseancorarumpouco?

Essanossatentativadeiremdireçãoaumfuturoéquenoslevaagrudarnopassado.Afixaçãonopassadonosdáasensaçãodeeternidade.Quandovamosem busca daquilo que já foi ou que simula o que já foi, a percepção é que otempoparou.

Isso explica, em grande medida, essas ondas retrô, em que há oressurgimentododiscodevinil,oscarrinhosdecomida,aspeçasderoupasdedécadas atrásquevoltamcomviés fashion.Essaonda retrô sugereque aquiloqueparanóssemprefoiencantador,obomlugarnofuturo,nãoémais.Comoescreveu Renato Russo, em “Índios”[1], “o futuro não é mais como eraantigamente”.Porisso,vamosencontrarorepousonopassado.

Os avançados são os que mais revisitam o passado. Então, tem acomunidadequedegustacervejaartesanal,aquefazmanteigaghee,aquepassahorasproduzindooseuprópriofilme.

Tivemos os nossos bens de uso produzidos de forma industrial e, derepente, o jovem se encanta com o artesanal. Aquilo feito pela própria mão,produzidocomgastodeenergiaede tempo.Écomoseesse jovemfalasseaoidoso“essenãoéoseumundo,éomeu”.Maseletransitaneledeoutromodo,não despreza a tecnologia. Faz cerveja artesanal, mas está em rede, tem a

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comunidadedeleenvolvidanessaatividade,elesseencontram.Noqueserefereaocorpo,vivemosumtempodehebilatriamuitoforte.Na

mitologiagrega,Hebeeraadeusadajuventude.Existeumapreocupaçãocomaaparênciaque,emmuitoscasos,beiraaobsessão.

Emborahajaumaconexãoentrecuidardocorpoesersaudável,ocultoàaparência que se observa nos dias atuais seria no máximo uma simulação dasaudabilidade. Nós somos tão poluídos – não só no âmbito da ecologia, masmentalmente poluídos, poluídos nas relações, tão hipócritas, que essamovimentação toda em torno do corpo, me remete a um texto do pensadorfrancêsRolandBarthes(1915-1980)emqueelediz“aFrançatemgrandedesejodelimpeza”.

Nesse texto, elemostra como a indústria de produtos de higiene, a partirdos anos 1950, começou a investir na noção da profundidade, em alusão àsreentrânciasdocorpo,aosnossoscheirosqueprecisamserescondidos.Epassou,especialmente, a usar uma terminologia na publicidade sobre as essências –aquilo que é essencial, aquilo que não é descartável. Barthes termina o textodizendoqueo sabonete,oaroma (se fosseagora, seriaa retiradadospelosdocorpomasculinoe feminino, a capacidadedeumaassepsia exagerada,deumavitalidadeexagerada) indicamque“aFrança temgrandesdesejosde limpeza”;ele se referia a uma época em que o país ainda mantinha colônias e estavacomeçandoaguerracomaArgélia.

Istoé,oapodrecimentointernoétãosignificativoqueháanecessidadedenos expressarmos de outro modo: o cabelo pintado, a unha cuidada, umanecessidadedeterumaautoriasobresi,queéopróprioesculpir-se.Quasecomoseanunciasse:“Meucorpomepertenceeeleésaudável”ou“eleésarado”.Ébem curioso o uso dessa palavra nesse sentido. Na origem, “sarar” vem desoteros, que significa curar, salvar. Salutis, de onde vem a ideia de saúde, desalvação e de saudação, que também faz sentido nesse contexto exibicionista:“Olhem-mecomosousaudável”.

Paraterumcorposarado–queéumacoisaboa–,éprecisofazerescolhas,abdicardeoutrasatividades.Aquestãoestámuitoatreladaaosensodemedida.Fazer atividade física todos os dias é positivo, promove saúde.Mas há quemfaça ginástica de forma obsessiva, em busca de construir um corpo que sejaexemplar,invejável,emqueomaiorobjetivoéquepossaserexibido.Apessoaviraototemdesimesma.

Essasimbologiadapropriedade(quepodeseroprópriocorpo),dosbens,continuamuitometafórica.Nãoéalgoqueapessoalevaparadentrodelacomosinaldesatisfação.Agostinhodizia“nãosaciafomequemlambepãopintado”.Ameraimagemnãoésatisfatória.

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Porqueasredessociaissãoextremamentefrutíferaseemmuitassituaçõeslevamaumentediamento?Porqueumahoradeixadeservidareal.

Eu admiro alguém como Drauzio Varella, que cuida do corpo, daalimentação,quepraticacorridacomregularidade.Emmomentoalgum,passaaimagem de alguém exibicionista. Ele expressa a ideia de saúde. E elemesmoescreveuum livroemque faladoequívocoquecometeuquandodeixoude sevacinareacaboupegandoumadoençatropical.Istoé,amensagemdequenãoéinfalível.

Quandoeledizquenãoconseguedeixardecorrer,euentendocomoumaexpressãodesaúde.Edeumequilíbrioelogiável,poiseleaindacumprea suarotinademédico,degrandeoncologistaqueé,deapresentarprogramadeTV,deescreverlivros.

Eletemumprotocoloemquefazatriagemdaquiloqueéurgenteedaquiloqueéemergente.Aquiloqueé jáeaquiloqueédepois.Éesseoexemploquedevemos entender como a coragem competente, aquela que coloca energia apartirdosseuscritérios,dasuacapacidadedetriar.Saberquenãodáparatudoescolhernemnadaescolher.

Equilíbrioéfatordecisivonasescolhasdoquefazerenaformadefazê-lo.Defato,émuitosalutarcuidardocorpo,daalimentação,dasaúdedeum

modogeral.Maséprecisocautelaparaqueissonãovireobsessãoepercaasuanaturezadebenefício.

Ébastanterecomendávelteratençãocomoalimento,comoscomponentesque se ingere.Mas, seexagerada, essapreocupaçãopodegerarumadistorção,umdesequilíbrio.Aimpressãoéque,poucoapouco,substituiremosocardápiopelabula.

Não há problema algum em checar a quantidade de calorias de umalimento, pois aquela informação serve de referência para dietas.A questão éque está se criando uma ambiência em que aquele que não é obcecado pelaformafísicateriaquasequeumdesviodemoral.

O sujeito que não se preocupa com a barriga tanquinho (que não é umacoisanegativa) teriaumcaráterduvidoso.Ocorpogordoviraalvodeofensas.Hojeamulher“decente”,emgrandemedida,éaquelaqueémagra.

Háalgumasdécadas,serchamadodeintelectualeraumaofensa.Quandoasforças da repressão invadiram a PUC-SP em 1977, era “vai pra lá, seuintelectual”,“vailásejuntarcomosseusintelectuais”.

As pessoas, para serem contemporâneas, voltam ao século 16 com seussinais no corpo, suas tatuagens assemelhadas às de piratas, a desenhos tribais,seusbrincos,suasorelhasalargadas.

De modo algum tenho objeção a isso; apenas me causa estranheza essa

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ambiguidade de, para sermoderno, ser preciso voltar ao passado e, acima detudo, a possibilidade de se viver nesse envoltório quimérico quanto a decidirsobreaprópriavida.

Isso sufoca, como o pássaro apertado na mão do “destino”; a coragempermiteescapardessaagonia!

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CAPÍTULO20

Finitudesinfinitas,infinitudesfinitas“Quandomorreres,sólevarásaquilo

quetiveresdado.”(Saadi,Ojardimdasrosas)

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Apesardenosacompanharnanossacondiçãodeexistência,anoçãodefinitudeéafastadanonossocotidiano.Sabemosquesomosmortais,masessetemanãopode estar grudado em nós o tempo todo. É uma possibilidade no nossohorizonte, mas não podemos ter isso como uma sombra, a ponto de setransformarnumaobsessãopelofim.

Aquestãoé,quantomenos tempodepassadovocê tem,maisextensoéofuturodequedispõe.Porqueapessoasópodeavaliaroquetemdetempoporaquiloquejávivenciou.

Emesmooimediatismodojovem,emgrandemedida,resultadeumafaltade reflexão sobre o tempo que passou. Semparar para refletir, não é possíveluma avaliação da minha carga passada. O número de dias que vivi éextremamente significativo para avaliar os dias que viverei ainda. O que sãovinteanosnumaespéciequepodeviver75?Quandofalamosdotempodevida,éclaroqueissoéabsolutamenteabstrato.Essaéumamédia.

Umacriançaouumjovemnãotemumapercepçãomuitonítidadequeháumararefaçãodosdiasquetemadiante,porqueháumasobramuitogrande,elaaindanãoutilizouaquiloqueéentendidocomoumamédiadevida.Écomosehouvesseumsaldoavivereelateriaaindamuitocrédito.Porisso,essaideiadeumavidaquesobrará,aindaquesabidamentefinita,predomina.

Nósestamosvivendodoismovimentos.Deumlado,nossavidaficoumaisextensaporcontadeavançosnocampodasaúde,doaumentodeconsciênciadoscuidadosemrelaçãoaocorpoetc.

Deoutrolado,anossasensaçãodefragilidadeemrelaçãoàfinitudeficoumuitomaisnítida.Otempotodorecebemosnotíciasquetêmrelaçãocomofim.Apessoavitimadano assalto, no trânsito, numaenchente.Não éque issonãoexistia antes,masnão se tinha tantanotícia e demodoquaseque instantâneo.Hoje, pelo celular, é clicar e ver quem morreu, os acidentes, os assaltos, osextermíniosdeespécies,operigodeguerrasetc.

Ageraçãopós-1945nãoéchamadadebabyboomeràtoa.Nóssomosfilhosdeumageraçãoquetinhacertezadequeavidaterminarialogo.EunascinoveanosapósasbombasdeHiroshimaeNagasaki.Qualoimpactodissoparamim?Quasenenhum.Eparaosmeuspais?Todos.

Foi uma geração muito impactada por esse acontecimento e passou aquestionar:“Comovamosgerarcrianças,construirumacasa,umacarreiraparatudoseacabardeummomentoparaoutro?”.

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Oque isso tem a ver conosco?Muito.A ideia de aproveitar a vida até oúltimoinstantenosremeteaumambienteassemelhadoaopós-guerraquantoàsegurança,aoacessoaoalimento,àpossibilidadedeextinção.

QualquercriançaqueestejaacompanhandoonoticiárionaTVouvequeaqualquermomentopodeeclodirumcombatenuclear.Foraaquestãoambiental,queestámuitomaiscrítica.

Porqueeudigosetratardeumduplomovimento?Quantomaisestendemosonossotempodevida,maisficouperigosoviver.

Não é que a vida tenha ficado mais difícil. Ao contrário, é que hoje asameaças das quais nós temos consciência sãomuitomais numerosas.A santaignorância é santa quando nos protege de noções que não necessariamenteprecisaríamoster.

QuemvivenumacidadecomoSãoPauloe resolversentar-seàs17hparaacompanhar os programas policiais poucas vezes não pensará emdar cabo daprópriavidaou“voufazeroquedernatelha,nãoqueronemsaber,paraquê?Tôandando,osujeitomemata,ocaminhãobateemcimadoviadutoequemestavapassandomorre”.

Histórias como essas sempre aconteceram: era o cavalo que machucavaalguém,oraioquefulminavaalguémnocampo,acasaquedesabava,sóquenãosabíamosnessadimensãoquesabemoshoje.

Atualmente essa cronologia sofreu umamodificação. Há uma razão paraisso.Exemplo:meupai eminhamãenamoraramdurante seteanos,umapartedessetempoporcarta.Meuspaissabiamumdooutroacadadois,trêsmesesouumavezaomês,naligaçãotelefônica,queerapedidaàtelefonistaelevavadozehorasparasercompletada.Quandoeunasci,meusavóspaternosmoravamemSanta Cruz doRio Pardo (SP). A chance de eles saberem que eu estava comfebre,porexemplo,eramuitopequena.

Agoraainformaçãoéimediata.Pormeiodasferramentasdecomunicaçãodigitais, a toda hora estou sabendo o que se passa com um familiar. Hoje ainformação “oMarioSergioquebrouo joelho”demora segundospara circularemgruposdeparentes,etodaessacomunidadepassaaajudar,palpitar,orar.Istoé,eutenhomuitomaispreocupaçãocommeusfilhosenetoshojedoquemeuspaiseavóstiveramcomigo.Nãoqueelesnãofossempreocupadoscomigo,mastinhammenos informação do que nós temos agora, e isso alterou, em grandemedida,aquantidadeeaqualidadedadedicação.

Nessa hora a postura é: “Finjo eu que as coisas não existem? O que eutenho com isso?”.Não. É o contrário. Preciso ser seletivo.O que posso fazerparamudarefetivamenteuma situaçãoe comoque só estoupreocupado,masnãotenhocomomexer.

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Seeupossofazeralgumacoisaparaajudaralguémoumudarumacondiçãoqualquer e não fizer, vou sofrer por omissão. Se aquilo que puder fazer eurealmenteforfazer,voumealegrarpelainiciativa.Seeunadapuderfazercomaquiloqueestáàminhafrente,porqueestá foradomeualcance,eunãopossosofrercomisso,excetopelacompaixão.Istoé,pelasolidariedadeafetivavirtual.

Há pessoas que passamhoras e horas diante de noticiários sofrendo comcoisassobreasquaiselasnãoterãonenhumtipodeintervenção.

Elas não têm o que fazer com aquilo. Apenas vão se enchendo deinformaçõesenadapodemfazer.Umapartedosprogramasdetelevisãoexibedemaneira contínua violência, brutalidade, criminalidade, embora eles tenhamcomopontodepartidaapossibilidadedeservirdealertaeinformarasociedade,háummomentoemqueessaexposiçãoexcessivatemomesmoefeitodequandose está em uma guerra. O primeiro morto é chorado, o segundo também, noterceiroaindahádesespero…nodécimo,passa-sepelocorpo.

Isso significa que somos seres indiferentes? Não. Trata-se da habituaçãocomcoisascomasquaisnãopoderíamosnosacostumar.

Emboratenhamosumavidaquesejamaisestendida,elatambémérecheadadenotíciaseameaçasquesefazemmuitomaispresentes.

Numaanalogiameiofantasiosa,seriaomesmoquenotempodascavernas–emqueseconviviacomanimaismuitomaisperigosos,comotigre-dente-de-sabre eoutras feras–houvesseumpainel que acompanhasse amovimentaçãodospredadoresdo ladode fora.Qual seriaa sensação?“Vouaproveitaravidaaquidentroomáximoquepuder,porque,seeusair,podeserumavezsó.”

Essa ansiedade faz comque a anteriormente citada frasedosnossos avós“nãohámalque sempredurenembemquenunca seacabe” seja relativizada.Porquehojetemosnotíciascontínuassobremalesquedurammuitoebensqueacabamrapidamente.Etambémessainstantaneidadedaexistência,afugacidadedafama,arapidezquesevaidanotoriedadeparaoostracismo.

Não estou falando isso para voltarmos ao passado,mas para olharmos ascircunstânciasànossavoltaquenoscolocamnummododesesperado.

Por isso, é preciso insistir num ponto: não é o destino que constrói asminhasrotas,mashácasualidadessobreasquaiseunão tenho ingerência.Éolugardoimponderável,aenfrentarcomcoragem.

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Legadoelegados

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O estupendo poeta português Fernando Pessoa (1888-1935) lembrava que ohomemé um cadáver adiado.A ideia damorte não é uma possibilidade, umahipótese,elaéumfato.OfilósofogregoEpicuro(341-270a.C.)formulouumaideiamuitofortesobreanossarelaçãocomofinaldavida:“Eunãotemominhamorte por uma razão básica, enquanto eu existo minha morte não existe equandoelaexisteeunãoexisto,portanto,nósnuncavamosnosencontrar”.Jáocineastanorte-americanoWoodyAllentemumavisãoumtantoquantopeculiardomomentoderradeiro:“Eunãotenhomedodamorte,apenasnãoqueroestarláquandoissoacontecer”.

Costumodizerquenãoéamortequemeimporta,porqueelaéumfato.Oqueme importa é a vida que eu levo enquantominhamorte não vem.Qual arazão?Paraqueeunãoadesperdice,nãoatorneabsolutamenteinútil.Ograndepoeta gaúcho Mario Quintana escreveu, e assim comecei o livro Por quefazemosoquefazemos?:“Umdia…Pronto…meacabo./Poissejaoquetemdeser./Morrer:quemeimporta?…Odiabo/Édeixardeviver!”.Edeixardevivernãoésersóaperdadocorpo,davidacomomatéria.Deixardeviverédeixardecultivaraesperança,aamorosidade,atolerância,adignidade.Émorreremvida.Viver em paz é viver com a certeza de que não se está desperdiçando aexistência. Isto é, esse estupendo mistério que é a nossa vida, da qual nósfazemospartesemterclarezaatédasrazões,essemistérionãopodesercolocadofora,nãopodeserumaexistênciainútil.

Nessa hora, eu gostaria de fazer falta. Claro, eu quero fazer falta paraaquelesquecomigopartilhamavida.Eusoue tragocomigomuitagentecomquem convivi e compartilho. O poeta Carlos Drummond de Andrade dizia:“Andopendidodoladoesquerdo,porquecarregonomeucoraçãotodososmeusmortos”.Elenãoestáfalandoissodemaneiramórbida,estáchamandoaatençãoparaaimportânciadaquelesquecarregacomele.Aquelesquetornaramavidadelemaispulsanteesignificativa,que,emcertosentido,ofizeramsereinventar.Isso significa que, quando eu sou uma existência, sou também aquilo quecomigodeixarame fizeram.Portanto, aquiloque eu faço edeixomarcadoemoutraspessoas.

Ensina bem a filósofamineiraTerezinhaRios: “Nós não somos imortais,maspodemossereternos”.Porqueamortalidadeéumfatoparatodoservivo.Aeternidadevocêgarantenasuatrajetória,naquiloquerealiza,narelevânciadosatosquepratica,naquiloqueéoseulegado,asuaherança.

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Só existe um jeito de ficar: é ficar nos outros. Ficar marcado em outraspessoas.Énissoqueagenteganha importância.Nodiaemqueeume for, euqueroirempaz.Eaúnicamaneiradeeuirempazétervividoumavidaqueeuvá trilhando, vivendo e construindo importância na amizade, no afeto, naprofissão,napolítica,nadocência,tudoaquiloqueéaminhavida.

Em quanta gente eu consigo ficar e quanta gente em mim fica. Nessesentido,aminharelaçãocomooutroéumarelaçãodepartilha.

Umadaspalavrasdequeeumaisgostoépartilha,avidapartilhada,oafetopartilhado, o conhecimento partilhado. A partilha da oportunidade, dacompetênciaedolegado;comcoragem!

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LEIATAMBÉM

Bateuaquelapreguiçade irparaoescritóriona segunda-feira?A faltadetempovirouumaconstante?Arotinaestátirandooprazernodiaadia?Andaemdúvida sobre qual é o real objetivo de sua vida? Em Por que fazemos o quefazemos? o filósofo e escritor Mario Sergio Cortella desvenda estas e outraspreocupaçõescomrelaçãoaotrabalho.Vejaabaixoostemasabordadosnolivro.

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Se você não existisse, que falta faria? Para responder a essa pergunta, ofilósofoeescritorMarioSergioCortelladiscuteoqueéimportantenavida.Nãoéserfamosonemacumularcoisasepropriedades,emumaobsessãoconsumista.Importante é ser importante para alguém, ou seja, fazer falta para alguém.Como?ConfiraabaixoospontoslevantadosporCortellanestelivro.

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“Érelativamentecomumouvirocomentário:‘Aquelapessoatemumasortedanada.Olhacomoascoisasdãocertoparaela’.Nãonecessariamente.Emmuitoscasos,oqueapessoatemécoragemdebuscar,defazer,deestudar,deseorganizar,desepreparar.”

“Asortesegueacoragem,desdequeacoragemsejacompetente.

É recomendável alertar que coragem não é impulsividade. A força dacoragem está na audácia. Ser impulsivo, impetuoso, leva ao insucessomuitomaisvezesdoquequandoháplanejamentoepreparação.

Por essa mesma perspectiva, uma pessoa cautelosa não é covarde, masaquelaquepreparaacoragemeaação.Umapessoacovardeéaquenãotem ânimo sequer para tentar porque o primeiro passo já a assustaimensamente.

Quando falo que a sorte segue a coragem, não se trata de uma sorteesvaziada de perícia, de habilidade, de competência. É uma sorteimpregnadadecapacidades.Eessaexpressãopartedopressupostodequeapessoatevehumildadeparabuscá-las.”

MarioSergioCortella

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NANAHIGA

MARIO SERGIO CORTELLA, nascido emLondrina (PR) em 1954, filósofo e escritor, commestradoedoutoradoemEducação,professortitulardaPUC-SP(naqualatuoupor 35 anos), com docência e pesquisa na Pós-Graduação em Educação:Currículo (1997-2012) e no Departamento de Teologia e Ciências daReligião (1977-2007); é professor-convidado da Fundação Dom Cabral(desde1997)eensinounoGVPECdaFGV-SP(1998/2010).FoisecretáriomunicipaldeEducaçãodeSãoPaulo(1991-1992),tendoantessidoassessorespecialechefedegabinetedoprofessorPauloFreire.

ComentaristadaRádio CBN eda TVCultura, é autordemaisde trinta livroscomediçõesnoBrasileexterior,entreeles,pelaPlaneta,ossucessosPorquefazemosoquefazemos?eViverempazparamorrerempaz!

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1“PraNãoDizerqueNãoFaleidasFlores(Caminhando)”,GeraldoVandré;SomMaior,1968.

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1”MundoMaluco”,MoacyrFranco,DavidNasser,Nelsinho;RCAVictor,1965.

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1“Índios”,RenatoRusso;EMI-Odeon,1986.

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Domesmoautordobest-sellerPorquefazemosoquefazemos?

Todomundo já usou algumas dessas justificativas para o insucesso: “Eutento, tento e não funciona”; “não tenho sorte”; “não dou pro negócio”;“pormais que eu ande, não saio do lugar”; “não fico fazendomarketingpessoal”. Em A sorte segue a coragem! Oportunidades, competências etemposdevida,oprofessorMarioSergioCortellaafirmaquenãosepodeatribuirosucessoouofracassosomenteaforçasexternasaoindivíduo.Emvinte capítulos, o autor discute comportamentos tão comuns a todos eaponta caminhos para que cada um cultive a própria sorte. Confira ostópicosabordadosnestelivro:

Êxitosefracassos:seráodestino?Odestinomepersegue?Aocasiãofazopadrão…Apessoacertanolugarcerto,nahoracertaCoragemnãoéimpulsividade!Sorte,iniciativaeéticaAhoraéagora!Casualidadesoportunas…Equandoahoranãoéagora?Planejar,escolher,abdicarTecnologia,ocupaçãoetédioausenteEstoquedeconhecimento,partilhaehumildadePensarsobremim,pensarminhasrazõesTempo:aproveitarparanãoperder!Tempolivre,competênciaeinventividadeOtempopassamaisdepressa?Gerações,convivênciaeoportunidaderecíprocaOtempopassa;enós?Decrepitudes,senilidades,vitalidades!Finitudesinfinitas,infinitudesfinitas

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Porquefazemosoquefazemos?Cortella,MarioSergio978854220816084páginas

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Bateuaquelapreguiçadeirparaoescritórionasegunda-feira?Afaltadetempovirouumaconstante?Arotinaestátirandooprazernodiaadia? Anda em dúvida sobre qual é o real objetivo de sua vida? Ofilósofo e escritor Mario Sergio Cortella desvenda em Por quefazemos o que fazemos? as principais preocupações com relação aotrabalho. Dividido em vinte capítulos, ele aborda questões como aimportânciade terumavidacompropósito,amotivaçãoem temposdifíceis,osvaloresealealdade–asieaoseuemprego.Olivroéumverdadeiromanualparatodomundoquetemumacarreiramasvivesequestionandosobreopresenteeofuturo.Recheadodeensinamentoscomo"Paciênciana turbulência, sabedoriana travessia",éumaobrafundamental para quem sonha com realizaçãoprofissional semabrirmãodavidapessoal.

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AartedeserleveFerreira,Leila9788542208634201páginas

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Gentileza, bom humor, desaceleração e felicidade são alguns dostemas discutidos de forma inteligente e divertida porLeila Ferreira.Exímiacontadoradehistóriaseentrevistadora,Leila reflete, apartirdedepoimentoscolhidosporelanoBrasileemoutrospaíses,sobreapossibilidadedevivermosdeformamenoscomplicadaeestressante.Ao fazer o leitor enxergar, de forma crítica, as ciladas que criamospara nós mesmos, A Arte de Ser Leve aponta para o perigo deemagrecermos o corpo, mas ficarmos com obesidade mórbida deespírito.Quetalexperimentaradietadaalmaeincorporaralevezaàsnossasvidas?

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AartefrancesademandartudoàmerdaMidal,Fabrice9788542212556192páginas

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"Achaveparaameditação?Comecelendoestelivroeclareandoasuamente."JORNALLEFIGARO"FabriceMidal faz umapelo contra atirania do perfeccionismo e a severidade da sociedade moderna.Omotedeste livro–dêum tempopara simesmo– talvezsejaamaisradical resolução de ano novo."REVISTAELLE"A arte francesa demandar tudo à merda é convincente, mas também divertido. Édesafiador e,ao mesmo tempo, reconfortante. Este livro podetransformar o jeito que você encara a sua vida como um todo,e amaneira como você vive cada momento."TAL BEN-SHAHAR,PROFESSOR DE PSICOLOGIA DA UNIVERSIDADE DEHARVARD, CUJOS CURSOS SOBREFELICIDADE ESTÃOENTRE OS MAIS CONCORRIDOS DA INSTITUIÇÃOAMERICANANão se estresse, largue o celular, faça ioga, cultive obem, sorria. Nos torturamos o tempo todo para fazer melhor, agircerto, ser politicamente corretos. São tantas obrigações que sempreachamos que estamos "devendo". O autor do best-seller A artefrancesademandartudoàmerda,ofilósofoFabriceMidal,estourounaEuropapregandojustamentequeestánahoradenospreocuparmosmenoscomoqueseesperadenós–esimplesmenteseroquesomos.Em 15 capítulos,Midal parte de sua experiência de vida e de umaanálise social para derrubar crenças sobre a vida e ameditação.Elenos estimula a parar de sentir culpa e nos encoraja a se livrar dasobrigaçõesquenósnosimpomos.Dêumtempoparasimesmo;estaé,

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segundoofilósofofrancês,achaveparaencontraraverdadeirapazdeespírito,oumindfulness,parausarotermodamoda.

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AMãe,aFilhaeoEspíritodaSantaPereira,PJ9788542210095434páginas

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Do mesmo autor da trilogia best-seller Deuses de dois mundos, oromance Amãe, a filha e o espírito da santa é uma fábula de fé emanipulação, e também um thriller sobre a desvairada religiosidadebrasileira.Oprimeiroanjodeuaelaopoderdapalavra.Osegundo,odomdomilagre.Eoterceiro,quesentiupenadamenina,ofereceuaescolha.Foiaíquedanou-setudo.Inspiradoporcasosreaisdeabusoreligioso ao redor domundo, o escritor PJ Pereira volta agora comumahistóriasombria,violentaeporvezesengraçadadodespertardeumamulherque,conformerelatos,foianunciadapelosanjoscomoanovaMessias.AhistóriacomeçanacidademaranhensedeCodó,ondenascePilar,filhadeumamãedesantodoterecô.Delá,seguerumoaBrasília,ondeconheceomisticismonewageeasigrejasevangélicas,echegaaSãoPauloparasetornaralíderespiritualmaispoderosadopaís.

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oqueosolfazcomasfloresKaur,Rupi9788542212679256páginas

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"O que o sol faz com as flores" é uma coletânea de poemas sobrecrescimentoecura.Ancestralidadeehonrarasraízes.Expatriaçãoeoamadurecimentoatéencontrarumlardentrodevocê.Organizadoemcinco capítulos e ilustrado por Rupi Kaur, o livro percorre umajornada dividida emmurchar, cair, enraizar, crescer, florescer. Umacelebraçãodoamoremtodasassuasformas.

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TableofContentsASORTESEGUEACORAGEM?1.ÊXITOSEFRACASSOS:SERÁODESTINO?2.ODESTINOMEPERSEGUE?3.AOCASIÃOFAZOPADRÃO4.APESSOACERTANOLUGARCERTO,NAHORACERTA5.CORAGEMNÃOÉIMPULSIVIDADE!6.SORTE,INICIATIVAEÉTICA7.AHORAÉAGORA!8.CASUALIDADESOPORTUNAS9.EQUANDOAHORANÃOÉAGORA?10.PLANEJAR,ESCOLHER,ABDICAR11.TECNOLOGIA,OCUPAÇÃOETÉDIOAUSENTE12.ESTOQUEDECONHECIMENTO,PARTILHAEHUMILDADE13.PENSARSOBREMIM,PENSARMINHASRAZÕES14.TEMPO:APROVEITARPARANÃOPERDER!15.TEMPOLIVRE,COMPETÊNCIAEINVENTIVIDADE16.OTEMPOPASSAMAISDEPRESSA?17.GERAÇÕES,CONVIVÊNCIAEOPORTUNIDADERECÍPROCA18.OTEMPOPASSA;ENÓS?19.DECREPITUDES,SENILIDADES,VITALIDADES!20.FINITUDESINFINITAS,INFINITUDESFINITASLEGADOELEGADOS