A Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS) assumiu o encargo de aprofundar a análise dos rumos teóricos e empíricos da disciplina no país, levando em conta mudanças institucionais significativas, ocorridas no campo universitário nas últimas décadas,tal como a expansão dos cursos de pós-graduação em sociologia.

Este livro é o resultado da primeira etapano trabalho de prospecção da sociologia no país. Para tanto, reuniu sociólogos de distintas gerações, cabendo aos doutores jovens a elaboração de um texto autoral sobre determinada área temática e aos debatedores veteranos discutir o rendimento analítico alcançado. Por ocasião do Encontro Anual da Anpocs de 2016, teve lugar a primeira rodada de exposição e discussão dos trabalhos; em meados de março de 2017, realizou-se um seminário para discussão da versão final dos textos, com patrocínio do Departamento de Sociologia e da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanasda Universidade de São Paulo.

Ao estimular a reflexão sociológica sobrea sociologia que praticamos no país, a obra quer proporcionar um autoquestionamentoa respeito da produção que vem sendo desenvolvida, capaz de apontar fragilidades e potencialidade face ao competitivo cenário de internacionalização da disciplina. A disposição intelectual de repensar os procedimentos analíticos da sociologia no Brasil, diante das transformações globais e das mutações que vêm ocorrendo no interior da disciplina, nos parece indispensávelno intento de preservar a posição relevante da sociologia no campo intelectual brasileiro e sua inserção no cenário internacional da disciplina.

A inquietação intelectual no interior da sociologia, palpável em abordagens teóricas conflitivas e na variedade de temas de investigação, deve-se às complexas transformações socioeconômicas, políticas e culturais que têm afetado as sociedades contemporâneas. Tais mudanças reverberam de pronto na produção do conhecimento sociológico.

Simultaneamente, constata-se a progressiva constituição de um novo locus no processo de construção e de disseminação do saber sociológico – um espaço transnacional de prática da sociologia –, o qual se manifesta por meio de um fluxo intenso de pesquisadores e de ideias que se estendem além das fronteiras nacionais, pela circulação mundial de periódicos disciplinares, pela proliferação de simpósios com a participação de profissionais atuantes em todos os continentes, bem como pela formação de redes globalizadas de pesquisa.

A emergência e a aceleração do processo de internacionalização da sociologia vêm estimulando diversas sociologias nacionais, tanto em centros hegemônicos como em polos emergentes, a analisar os perfis cognitivos e temáticos do trabalho sociológico empreendido nesses países. Nos últimos anos, tomou vulto o arrastão de trabalhos reflexivos que sinalizam uma sociologia da sociologia, mirando os câmbios nas tradições nacionais em meio à progressiva gênese de um espaço internacional de produção sociológica. A coletânea ora publicada tenciona contribuir ao esclarecimento das mudanças em curso nos paradigmas teóricos e nos domínios temáticos da sociologia brasileira, em função dos câmbios nas sociedades contemporâneas em escala global e no interior da formação social nativa.

Este livro constitui um dos frutos da agenda de trabalho da diretoria da Sociedade Brasileira de Sociologia (2015–2017), a qual fixou como incumbência acadêmica prioritária a encomenda de trabalhos reflexivos capazes de propiciar um panorama abrangente de diferentes áreas temáticas. Os textos ora reunidos buscam situar os resultados analíticos no bojo de nossa tradição sociológica, em resposta às injunções suscitadas pela conjuntura de crise em escala internacional, bem como às constrições de toda ordem na sociedade brasileira.

Sociologia brasileira hoje

Sociologia brasileira hoje

Sergio Miceli &Carlos Benedito Martins(organizadores)

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Sumário

Por uma Sociologia da Sociologia Brasileira – Sergio Miceli & Carlos Benedito Martins . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7

i. sociologia econômica1. A Sociologia Econômica no Brasil: Balanço de um Campo

Jovem – André Vereta Nahoum . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 152. A Sociologia Econômica no Brasil: Balanço de um Campo

Jovem. Comentários – Roberto Grün . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87

ii. Sociologia da Cultura3. Sociologia da Cultura no Brasil: Uma Interpretação – Dmitri

Cerboncini Fernandes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99

iii. Sociologia da Violência4. Políticas Públicas de Segurança, Violência e Punição

no Brasil (2000-2016) – Marcelo da Silveira Campos & Marcos César Alvarez . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 143

iv. Sociologia da Sociologia5. Histórias das Ciências Sociais Brasileiras – Luiz Carlos

Jackson & Darlan Praxedes Barbosa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 217

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v. Estudos de Gênero6. Estudos de Gênero no Brasil: 20 Anos Depois –

Isadora Lins França & Regina Facchini . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2837. Estudos de Gênero no Brasil: 20 Anos Depois.

Comentários – Bila Sorj . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 359

Sobre os Autores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 369

Por uma Sociologia da Sociologia Brasileira Sergio Miceli & Carlos Benedito Martins

As sociologias nacionais são afetadas pelas profundas trans-formações socioeconômicas, políticas e culturais com que vêm se defrontando, em ritmos diferentes, as sociedades contemporâneas. Tais mudanças reverberam, em medida desigual, no recorte dos objetos de investigação e nas variadas abordagens teóricas, explora-dos pelos pesquisadores no contexto atual de produção do conhe-cimento sociológico. Ao mesmo tempo poder-se-á identificar a emergência de um espaço transnacional de produção da sociologia, o qual se evidencia por meio de inúmeros indicadores: a mobili-dade incessante de cientistas e de ideias que extravasam frontei-ras, a intensa circulação mundial de periódicos internacionais, a proliferação de simpósios transnacionais com o envolvimento de sociólogos de todas as partes do mundo, o surgimento de redes in-ternacionais de pesquisa. O avanço da internacionalização do co-nhecimento sociológico, bem como a progressiva gestação de uma comunidade sociológica global – segundo a expressão de Piotr Sztompka – têm impulsionado sociólogos com distintos perfis nacionais, situados tanto em centros hegemônicos como em polos emergentes, a analisar sociologicamente a produção sociológica lograda nos seus respectivos países.

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Nos últimos anos, uma leva considerável de trabalhos refle-xivos, os quais se enquadram nos termos de uma sociologia da sociologia, buscaram deslindar a configuração de um espaço in-ternacional da produção sociológica e sua intersecção com as tra-dições locais de pensamento social. Entre outros, vale mencionar o livro de Gurminder Bhambra, Connected Sociologies (2014), a obra coletiva coordenada por Didier Demazière, Les Sociologies Françaises: Héritages et Perspectives 1960-2010 (2016), a coletânea editada por Sujata Patel denominada Doing Sociology in India: Ge-nealogies, Locations and Practices (2011), e o volume organizado por Craig Calhoun, Sociology in America: An Introduction (2007). Faz parte desse surto o volume apreciável de artigos empenhados em dar conta das razões conducentes ao espaço globalizado da sociologia ou dos modos de inserção das sociologias nacionais no interior desse universo, divulgados em revistas emblemáticas da disciplina, como Current Sociology e International Sociology.

O projeto deste livro derivou da agenda de trabalho da atual diretoria da Sociedade Brasileira de Sociologia (sbs-2015-2017), a qual elegeu como prioridade acadêmica a promoção de trabalhos voltados para o exame circunstanciado do conjunto de mudanças perceptíveis no bojo da disciplina, envolvendo novas frentes te-máticas e mobilizando paradigmas teóricos instigantes, buscando esclarecer tais câmbios à luz das transformações em curso nas sociedades contemporâneas, em escala global e no âmbito da pró-pria sociedade brasileira.

Apesar do acervo de trabalhos de peso a respeito da gênese de um campo da sociologia brasileira, a SBS arrogou-se a respon-sabilidade de aprofundar a discussão dos rumos intelectuais da disciplina no país, pela encomenda de balanços temáticos sensí-veis ao impacto das mudanças institucionais de monta, ocorridas no sistema universitário, desde as décadas de 1980 e de 1990 até

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hoje, e cujos efeitos continuam a repercutir sobre as feições da produção sociológica.

Nesse sentido, cumpre destacar, num relance, a trama de fenô-menos correlacionados que têm condicionado os moldes prevale-centes na atividade de nossos sociólogos. A partir de meados da década de 1970, a pós-graduação em sociologia se beneficiou da intensa arrancada de institucionalização, a qual veio se expandin-do em ritmo veloz, em todas as regiões do país, tendo propiciado os alicerces de uma robusta comunidade de sociólogos profis-sionais. Nessa movida surgiram novos periódicos, de amplitude regional ou nacional, alguns deles voltados para áreas temáticas específicas. Nos últimos anos, ademais, tomou vulto a aposen-tadoria de um número expressivo de professores seniors – com participação influente na montagem da pós-graduação de socio-logia em diferentes regiões –, compensada, em larga medida, pelo recrutamento de uma geração de jovens doutores, a maior parte tendo se qualificado em programas aqui implantados.

Em meio às feições predominantes no atual estado da socio-logia brasileira, deve-se salientar o deslocamento geográfico dessa coorte de doutores recém-concursados, rumo a diferentes regiões do país, ingressando nos programas de pós-graduação, em busca de oportunidades e desafios de trabalho acadêmico, num ritmo de mobilidade até então desconhecido no ambiente universitário. Somam-se a tais fatores o incremento da despronvicianização das novas gerações de sociólogos, através da participação em eventos acadêmicos internacionais da disciplina, bem como por meio do envolvimento em redes transnacionais. Tampouco se pode des-considerar a crescente familiaridade com a língua inglesa por par-te das fileiras emergentes de sociólogos, fato que tem contribuído para o diálogo acadêmico consistente com as práticas sociológicas em outras sociedades nacionais. Por conta do acelerado trânsi-

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to internacional das novas gerações e das trocas acadêmicas que estabelecem com parceiros atuantes em outras sociologias, hege-mônicas e periféricas, emergiu com teores inusitados um tônus cosmopolita na conformação dos horizontes intelectuais de uma parcela expressiva dos sociólogos brasileiros.

O projeto Rumos Contemporâneos da Sociologia Brasilei-ra intenta avaliar o impacto dessas constrições multifatoriais na fisionomia intelectual e acadêmica da sociologia brasileira hoje. A análise da produção contemporânea da sociologia no país foi equacionada pela liga entre diretrizes que operam em registro si-multâneo: de um lado, o recorte de alguns domínios temáticos da disciplina, nos quais são palpáveis a invenção intelectual e a ima-ginação sociológica; de outro, a interlocução compulsória entre sociólogos pertencentes a gerações distintas.

Em vista dos limites de financiamento para a análise exaus-tiva da sociologia brasileira, selecionamos, na primeira etapa de trabalho, alguns campos temáticos nos quais identificamos ver-tentes significativas de uma produção conceitualmente inovadora e dotada de alta qualidade intelectual, quer em termos de lastro empírico, quer no tocante à assimilação original de paradigmas interpretativos estrangeiros. Adiante, conforme permitam as cir-cunstâncias, tencionamos incorporar outras áreas nesta emprei-tada de prospecção crítica da sociologia brasileira. Desta feita, o exame criterioso da sociologia brasileira contemplou as seguintes especialidades: sociologia econômica, sociologia da cultura, socio-logia da violência, sociologia política, relações de gênero, sociolo-gia reflexiva (sociologia da sociologia) e estratificação, com a par-ticipação de sociólogos de diferentes estados. Lamentavelmente, por razões de força maior, não constam deste volume os trabalhos de sociologia política, área atribuída a sociólogos atuantes na Uni-versidade Federal do Paraná, e de estratificação, originalmente en-