a sociedade civil de hegel permeando outras relações: da simplicidade ao desenvolvimento efetivo

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  • 7/25/2019 A Sociedade Civil de Hegel permeando outras relaes: da simplicidade ao desenvolvimento efetivo

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    A Sociedade Civil de Hegel permeando outras relaes: dasimplicidade ao desenvolvimento efetivo

    Rodrigo Ismael Francisco Maia1FAPESP

    Resumo:

    A histria constitui um dos alicerces da poltica que Hegel descreve. Esse fato est na influnciaque seu escrito de 1821, Princpios da Filosofia do Direito, sofreu do momento detransformaes da Prssia. Nos tempos de publicao do escrito, as relaes sociais semodelaram conforme determinava a esfera econmica e poltica: a vida em famliaexperimentou alteraes que a deixou limitada e submetida aos acontecimentos e prticasvividas pelos membros na sociedade civil. A sociedade civil o espao de relaes burguesas,das competies para usufruir o mundo de coisas, ou somente sobreviver miseravelmente. Avida burguesa tem seus limites no direito, porm muitas vezes a circunstncia obriga oindivduo a tomar atitudes que transgridem as normas que o Estado determina. Como crisessociais so inevitveis por causa da diviso da sociedade em grupos distintos, o Estado agesegundo as leis, contendo os que negam as normas e conciliando as contradies da sociedadeburguesa.

    Palavras-chave: Sociedade Civil. Hegel. Estado. Famlia.

    Abstract:

    The history is a cornerstone of politics that Hegel describes. This fact is in the influence that hiswriting, 1821, Principles of Philosophy of Right, suffered at the moment of transformations inPrussia. At the time of publication of that writing, social relations were modeled as dictating theeconomic and political sphere: family life experienced changes that left limited and subject toevents and practices experienced by members of civil society. Civil society is the space ofbourgeois, the competitions to enjoy the world of things, or just survive miserably. Thebourgeois life has its limits on the right, but the condition often requires the individual to takeactions that transgress the rules that the State has established. As social crises are inevitablebecause of the division of society into distinct groups, the State acts according to the law,

    containing those who deny the rules and reconciling the contradictions of bourgeois society.

    Keywords:Civil society. Hegel. State. Family

    * * *

    1Bacharelado em Cincias Sociais da Unesp/Marlia. Orientador: Prof. Dr. Marcos Tadeu Del Roio.Email:[email protected]

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    Cada um quer e acredita ser melhor

    o mundo que o seu. O que melhor

    apenas exprime melhor que outros o

    mundo que o seu. (Aforismo deIena).

    Aportes para a Filosofia de Hegel

    Hegel desenvolveu sua filosofia em meio as transformaes profundas que

    ocorreram em sua poca. Quando da escrita e impresso de sua Filosofia do Direito, o

    autor presenciava os resultados e os desdobramentos da Revoluo Francesa, dodesenvolvimento poltico da Prssia e dos pases europeus em geral, e a efetivao do

    modo de vida burgus na Europa. Nesse momento de alterao das relaes pessoais, a

    cidade adquire maior predominncia poltica e econmica em relao ao campo que, por

    sua vez, j vinha sofrendo um processo de decomposio de suas estruturas, fossem elas

    a social, a familiar e a produtiva. Mas, se por um lado quem pereceu foi o campo, por

    outro a cidade que prosperou e tornou-se o territrio da vida burguesa. A prosperidade

    tem um carter negativo e outro positivo, sendo o ltimo reduzido a alguns integrantesda sociedade.

    Em meados do sculo XVIII, o Estado Prussiano consolidou fortemente seu

    poderio militar, porm no o suficiente para travar vitoriosamente as batalhas com as

    tropas francesas napolenicas. As derrotas sofridas pela Prssia fizeram com que parte

    dos territrios do reino prussiano tivessem de ser cedidos Frana e, assim, ficando sob

    influncia desse pas. perceptvel a referncia do momento histrico na obra de Hegel

    (alis, a histria tem uma predominncia importante em seu mtodo). Com as perdas eganhos do Estado Prussiano a burocracia estatal se fortaleceu, e isso se manifesta na

    obra de Hegel pela ntida separao entre segmentos da sociedade.

    De fato, o momento histrico que Hegel viveu foi bem voltil e o quadro dos

    fatos descritos se modificaram outras vezes alm das descritas; alguns resultados mais

    elaborados da poltica encontram-se estancados na sua obra de 1821. Portanto, se o

    mundo social sofreu vrias alteraes, de interesse verificar como a sociedade civil

    est presente na compreenso terica de Hegel, principalmente no destaque dos

    elementos de poltica, j que um de seus objetivos com a obra citada acima era

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    justamente fazer aluses aos assuntos correntes nesse campo. Hegel compreendeu que a

    sociedade estava dividida em trs momentos distintos e que coexistem: a famlia, a

    sociedade civil e o Estado. Para progredir aqui no entendimento de um momento aooutro ser necessrio levar em conta a importncia que o indivduo tem em cada uma

    dessas esferas, pois o perodo refletia uma maior importncia que o sujeito particular

    ganhava no seio social perodo do florescimento do Iluminismo.

    De forma geral e resumida, na obra do autor em questo o movimento que

    ocorre como passagem de uma esfera social outra tem o progredir qualitativo como

    substncia central; isso significa que a transferncia realizada pelo indivduo

    corresponde ao movimento de sua vida. A pessoa que pretende conhecer a realidade eatuar nela com mais profundidade, realiza um esforo para avanar na obteno de um

    conhecimento e de um crescimento no mbito social e pessoal, na prtica, quer dizer

    que o sujeito amadurece suas relaes, aes e suas compreenses sociais.

    Os princpios que regem a sociedade analisada pelo autor devem ser entendidos

    levando em conta que o ser individual atua na construo de si e do progredir da

    sociedade, pois a reunio das pessoas numa coletividade no simplesmente a soma das

    partes, mas algo qualitativamente distinto. O indivduo social toma atitudes que tem

    implicao social, de forma que a pessoa no age s para si, mas para um outro tambm,

    tornando o conjunto de relaes algo complexo e de dependncia mtua. A dependncia

    caminha ao lado da dominao nas obras do filsofo. Para evitar uma possvel

    extrapolao dos limites do sistema produtivo e social, oriundo das dependncias

    pessoais e da diviso do trabalho, o direito assume o papel de regular as atitudes

    evitando a ocorrncia de conflitos entre os envolvidos nas prprias determinaes dos

    limites. O direito seria um pano frio no calor da guerra de todos contra todos (Expresso

    cara ao filsofo e poltico Hobbes, mas utilizada em alguns momentos por Hegel, como

    na Fenomenologia do Esprito e nos Princpios da Filosofia do Direito, para designar

    como ocorriam as relaes no momento intermedirio

    da sociedade civil).

    A vida acontece mesmo na associao de cada um com os demais indivduos, em

    diversas instncias: no direito, na moral, no consumo, na produo, na religio. Como a

    generalidade da vida social repartida em momentos, as especificidades das diferentes

    instncias so tambm distintas, por exemplo, no que se refere a moral: a eticidade

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    encontra-se cindida na esfera da sociedade civil, porque aparece como resultado do

    prprio dilaceramento da famlia e tambm preparao para ser restituda num conjunto

    de relaes superiores. Outro exemplo est no consumo, em que a relao est fundadana competio e no fim egosta, e o competidor pretende somente usar o ser que est

    fora de si para si.

    Enfim, h uma sucesso que eleva as interaes no passar dos momentos. O

    movimento segue da pessoa para o conjunto de pessoas, retorna para a pessoa de forma

    diferente e assim o social tambm modificado; a sequncia tem uma ordem natural

    que perpassa famlia, sociedade civil e Estado, caracterizando um avano que conserva

    vivente os momentos precedentes.

    Premissas para uma vida civil

    Quando Hegel pensa a vida social, ele analisa as relaes que so regidas por

    uma diversidade de fatores necessrios para que a totalidade social seja bem

    administrada, para que certa ordem esteja presente na imediatez das negociaes e

    relaes, tais como os caracteres burocrticos do Estado, as normas das corporaes,

    das leis, da vida tica (moral subjetiva e objetiva). Quando os aspectos constituintes da

    vida social civil so unidos o efeito resultante uma complexidade das influncias

    mtuas; trata-se de uma associao das varias instncias que esto interagindo

    proporcionando um novo modo de envolvimento das individualidades, distinto do

    tempo em que estava isolado.

    Se a sociedade civil determinada como espao em que ocorrem as relaes

    burguesas, cabe determinar como elas so efetivamente. O conjunto de pessoas da

    cidade corresponde especialmente aos membros que pertencem classe formal e

    aqueles da classe universal; dentro de cada uma dessas classes h a especificidade

    causada pela diferena de posses, pois so as posses o determinador comum da

    sociedade burguesa sobre o posicionamento poltico do sujeito em relao a prpria

    classe e sobre as demais variaes econmicas e espirituais. A cidade assumiu o dever

    de ser o espao fsico propcio para as transaes da (...) indstria burguesa, da

    reflexo que se desenvolve e se divide, (...) ou, noutros termos, [d]os indivduos que

    asseguram a sua conservao por meio do comrcio com outras pessoas jurdicas (...)

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    (Hegel, 2009 256: 215)2. Trata-se de um mundo de livre independncia e dependncia,

    tal qual a existente entre o senhor e o escravo, mas na cidade o processo se d entre o

    burgus e o operrio, no que concerne ao ato produtivo.Porm, ao mesmo tempo em que a independncia se realiza com um lado livre,

    no outro a liberdade algo apenas latente em que a vida se constri sob a dominao

    resultante da guerra de todos e tem que seguir sob a dependncia recproca, pois o

    burgus necessita dos braos do outro para que a produo acontea, enquanto o lado

    oposto, o operrio, est sem os meios para poder agir livremente e, portanto, depende

    dos meios do burgus. H certa liberdade nesse momento, que a vivida pelo senhor

    (burgus) que s usa o outro, de maneira estranhada, para se efetivar como tal nasociedade.

    O ato produtivo dicotmico burgus/operrio (senhor/escravo) estabelecido

    atravs da luta. Essa luta pode ser resgatada na histria dos povos da regio em que

    vivia Hegel, por exemplo, no caso das aes polticas de expropriao de terras que

    permitiram em certa medida o desenvolvimento da revoluo industrial sobre o

    detrimento dos camponeses e operrios, pois os primeiros foram expulsos de suas terras

    tendo que transformarem-se nos segundos para sobreviver. De fato, na obra de 1821, a

    vida civil aparece repleta de contrariedades, o ato produtivo como relao de

    dependncia antagnica apenas uma parte que se faz presente no cotidiano social e

    que de alguma forma implica na compreenso que se possa ter de liberdade. Se a vida

    livre est dentro do contexto da explorao, como pode ser verdadeiramente livre?

    Apenas como momento? Se, para Hegel, liberdade no fazer o que quiser, mas gostar

    do que se faz, o livre agir pode assumir um sentido falseado e deturpado, todavia

    confortante.

    A explorao, o uso abusivo que h no ato de formar, no se manifesta

    explicitamente ao conjunto de indivduos, h uma forma determinada para que a

    essncia das contradies aparea amenizadamente, como a prescrio que o direito

    faz sobre as relaes de posse e uso da coisa. Apenas para conceituar mais

    precisamente, coisa tem o significado de algo fixo, simples, estanque e imediato.

    Apropriando conceitos de Spinoza, Montesquieu, Rousseau entre outros grandes

    clssicos, Hegel v o direito como o esprito em geral que deve ser vlido em todo o

    2Citaremos primeiramente o nmero do pargrafo e em seguida o nmero da pgina da citao.

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    Estado a que pertence, deve conter a vontade comum como base fundamental para ter

    validade e eficcia na conteno das aes. O direito se manifesta na forma de leis, e

    elas so o costume prescrito como algo universal que deve ser conhecido por todas aspessoas. Conhecer no o mesmo que reconhecer no vocabulrio de Hegel. O

    reconhecimento implica interao e participao na qual ambos os lados que se

    envolvem se constroem; no caso do conhecer das leis, no necessrio que todos a

    construam, mas preciso que exista a conscincia da existncia delas e que as aes

    individuais estejam pautadas e contidas nos limites prescritos. Assim, o direito tem que

    ser particular de cada Estado, contendo as necessidades especficas das contingncias

    em que fora elaborado, implicando a possvel transitoriedade das leis.O momento que corresponde ao fortalecimento do direito coincide com o mesmo

    que fortalece a propriedade privada, havendo uma relao direta nesse caso. O conjunto

    de elementos que pode vir a ser propriedade privada aumenta na poca do crescimento

    expressivo das relaes comerciais, o perodo da grande indstria. A manufatura, assim

    como as corporaes de ofcio, no correspondia mais ao grau de desenvolvimento

    produtivo e tecnolgico das fbricas, e a organizao social do trabalho elevada a uma

    abstrao maior por causa da maquinaria que progride a todo vapor; Hegel j alertava

    sobre a complexificao da indstria e o detrimento dos trabalhadores: possvel que o

    homem seja excludo e a mquina o substitua (Hegel, 2009 198: 178). possvel

    perceber a influncia que a sociedade recebe decorrente da disputa por trabalho, da

    mudana radical do processo produtivo, ou seja, trata-se de um momento em que as

    foras produtivas esto sendo postas a fogo com o modo de produo existente,

    forando as antigas estruturas a carem em runas para a sublevao de novas.

    Se a produo aumenta, deve aumentar o consumo. A indstria torna-se a grande

    exploradora dos continentes e a senhora de todos os escravos, a patroa de todos os

    operrios3. A especificidade relatada por Hegel que a indstria tem a funo de

    satisfazer as carncias mais individuais e de carter universal. Pode-se obter dessa

    funo dois meio-termos: o trabalho como o agente que realiza o fbrico, o formar,

    articulando a matria-prima para ser finalizada no consumo e possibilitando que o

    produto particular venha a existir; o outro o comrcio que realiza o valor da

    3A mo-de-obra no se restringe aos indivduos do sexo masculino, ao contrrio, mulheres e crianastornam-se importantes componentes do processo produtivo

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    mercadoria, na verdade, realiza o valor abstrato de todas as mercadorias (Hegel, 2009

    204: 182) na efetivao da troca pelo dinheiro, colocando assim a pessoa singular

    frente a frente com o produto capaz de satisfaz-la. Nesse espao da barganha est maisevidente a dependncia geral da sociedade em relao ao trabalho particular, pois no

    comrcio que os produtos da grande indstria, ou at mesmo aqueles das manufaturas

    que ainda sobrevivem, so postos para se transformarem em propriedade privada de

    quem possa adquiri-los. Expondo a dependncia de outra forma, h necessidade de se

    adquirir os produtos para que o burgus se realize como tal no lucro, para o trabalhador

    continuar no fabrico, para que as permutaes de produtos realizem o valor das

    mercadorias e assim por diante.A propriedade privada generalizada e o nico caminho possvel permitido para

    que uma carncia seja deixada para trs. A apropriao se realiza com o dinheiro em

    mos, mas o dinheiro s surge para a maioria da sociedade como uma parte

    pagamental do contrato firmado entre trabalhador e burgus. Salrio corresponde ao

    mnimo necessrio para a sobrevivncia do trabalhador e de sua famlia. A que

    corresponde o mnimo? Seria apenas o suficiente para manter as pessoas da famlia

    vivas? Ou h a permisso para se adquirir algo a mais, sendo que decorre desse fator a

    ampliao da propriedade privada. Isso pode variar de acordo com a complexidade da

    sociedade, pois fundamental para o funcionamento da roda capitalista que as

    mercadorias circulem, tornem-se utilizveis e que os padres de distino de cada

    segmento social sejam destacados e mantidos. A complexidade da diviso social do

    trabalho gera camadas mais ou menos definidas em relao a produo e ao consumo,

    logo uma parcela da sociedade civil que tem desejos e carncias pode apoderar-se de

    determinados produtos a mais, j uma outra parte fica apenas com o mnimo.

    Sociedade civil e famlia tm uma relao hierrquica, em que a segunda,

    mesmo sendo a ordem inicial e natural, se constitui material e espiritualmente de acordo

    com o movimento que ela faz na primeira. A distino de segmentos da sociedade se

    manifesta primeiramente nas classes, mas as classes podem ser compreendidas como a

    juno de famlias com caractersticas econmicas e morais em comum. A atuao dos

    membros da famlia na sociedade civil subsidia as condies da vida familiar

    condio que no depende somente da vontade individual, mas sim da contingncia do

    crculo social em que a pessoa est inserida e mais, depende das condies impostas

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    pelo prprio modo de produo. A sociedade civil , sob um olhar, produto de relaes

    estabelecidas entre diversas famlias atuantes autonomamente uma em relao s outras.

    Como j verificado, a sociedade civil uma guerra de todos contra todos, fato quenem todos ganhem na luta e que a famlia do perdedor arque com as consequncias,

    a gerao da misria em favorecimento do luxo. O luxo e a misria se contradizem na

    ordem em que cada famlia, por exemplo, adquire mais ou menos produtos, na medida

    em que uma tem mais propriedades que outra, e em Hegel esse fato tem aes morais,

    pois o maior nmero de posses traz prestgio e influncia na esfera das decises

    polticas. Mas a diferena na quantidade de propriedades que uma pessoa ou famlia

    pode ter aumenta conforme a diviso do trabalho progride, quanto mais o trabalhador seespecializa mais limitado acaba tornando-se e os meios para obter satisfao ficam mais

    restritos. Todavia, muitos produtos do comrcio so indispensveis para viver e a

    impossibilidade de t-los pode agravar uma situao de generalizada crise social.

    O que assegura que um produto pertena a algum o direito que a pessoa tem,

    reconhecido em sociedade, propriedade privada por meio do dinheiro, mas isso no

    impede que coisas possam ser tomadas pela fora. O direito funcionando como

    moralidade objetiva no impede direta e fisicamente que exista uma apropriao por

    vias do crime, alis, quem considera a apropriao das coisas sem dinheiro como crime

    o prprio direito. A conteno ao roubo pela moral tem prtica e implicncia

    fundamentais, constitui-se num impedimento direto. O que limita indiretamente que

    indivduos roubem a prpria punio sofrida por algum que j roubou, e tambm a

    existncia de uma parcela da classe burocrtica direcionada justamente para coagir e

    verificar essa circunstncia: os militares; a conteno direta uma espcie de presso

    que a coero exerce no conjunto de indivduos. No h uma proposta de transformao

    da contingncia criada pela dicotomia luxo-misria, mas sim sugestes de como

    sustentar limites para que o bem-estar social seja assegurado. Ento, se por um lado

    crises so geradas pela discrepncia entre luxo-misria (abundncia do burgus e

    pobreza das massas), e isso relatado como uma deficincia da sociedade civil, por

    outro, no entanto, crises acabam aparecendo ao todo social pela via do crime, do mal

    estar, no tendo soluo do ponto de vista econmico e poltico, mas sim moral:

    assegurao da ordem geral pela polcia e busca de saciao material pela via espiritual.

    Viver em sociedade acaba tornando-se uma necessidade dos indivduos, pois

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    nessa esfera que ocorrem efetivamente os intercambiamentos dos meios de vida e onde

    o indivduo se faz ser social-burgus. Sob o aspecto do conceito de reconhecimento que

    Hegel elaborou, cada parte do processo tem que agir para si e para outro, progredindonuma construo de ambas as partes. Mas, na sociedade civil, o cidado (aquele que

    participa da vida de praticas e ideais burgueses) s reconhece o que seu e o que sua

    propriedade; a coisa alheia deixada de lado para que o direito tome conta dela. Dessa

    maneira, um indivduo no reconhece mais o outro, como pretende o autor quando

    descreve a forma pura do conceito na Fenomenologia, porque s reconhece o que est

    para-si, como potncia de suprassuno4 e enriquecimento particular. Assim, no se

    possui o reconhecimento terico necessrio para um bem-estar mtuo, o que h mesmo o reconhecimento forado, resultado de lutas travadas entre os cidados.

    O reconhecimento coletivo no total, no algo que possui efetividade

    completa, ao contrrio, na vida prtica acaba se restringindo a relao com a

    propriedade privada individual, a propriedade privada confere carter moral e define a

    qualidade do cidado e tambm da famlia, como expe Hegel: Como pessoa, tem a

    famlia a sua realidade exterior numa propriedade e, caso esta propriedade seja uma

    fortuna, nela tem a sua personalidade substancial (2009 169: 157). A determinao do

    que vem a ser a pessoa, ou mesmo a famlia, passa antes pela determinao de suas

    propriedades, na verdade a qualidade/quantidade das propriedades o parmetro para se

    conhecer a posio social, poltica e econmica das pessoas, ou aquilo que o autor

    chama de personalidade.

    O leque de possibilidades do desenvolvimento pessoal est limitado ao conceito

    de propriedade5, e quem no possui nmero suficiente de fortuna para seu

    desenvolvimento, est perdido e dilacerado perante os demais membros do coletivo.

    Mas h meios legais para sanar as debilidades materiais da sociedade civil, como o

    caso das corporaes. As corporaes so organizaes de pessoas civis com

    caractersticas comuns e com certa especialidade para o trabalho, por exemplo, os

    artesos que sobreviviam como tais em pleno sculo XIX. Nelas, os trabalhadores so

    reconhecidos como universais, podendo exercer suas potencialidades de forma ampla,

    racional e sem humilhao.

    4

    Suprassuno considerada como elevao qualitativa e que conserva aspectos de elementos queforam superados e deixados para trs.5Compreende-se conceito no apenas como categoria filosfica, mas realidade que se faz em ato.

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    A misria da sociedade civil encontra barreiras nas corporaes; essas

    organizaes ocupam o lugar de segunda famlia: restitui os laos rompidos e defende o

    interesse de cada particular principalmente na relao com a indstria. O interesse decada um gerado, observado e sanado pelo pblico que circunda e compe a

    corporao, de forma que o agir de um tem projeo no agir do outro, numa interao

    entre o que de carter particular acaba abrangendo certa totalidade. (Hegel, 2009

    199: 178). No somente o membro da corporao que se beneficia do ato produtivo

    coletivo, mas tambm as famlias: elas que a pessoa produtiva e consumidora retorna

    aps sua interao na sociedade civil. O trabalho um dos elementos que colocam as

    pessoas em interao na sociedade, e tambm o que permite classificar determinadosgrupos semelhantes, como os trabalhadores, a burocracia, a classe substancial, e

    assim por diante. O trabalho tem maior evidncia na sociedade civil, e a sociedade civil

    se faz por meio do trabalho: o ato de formar cria uma imensido de coisas que do vida

    sociedade civil, como o comrcio, as instncias burocrticas, a coisa comum, a polcia,

    etc.

    A sociedade civil como ela

    A sociedade civil , na realidade, justamente o conjunto de fatores e aspectos

    sociais que interagem. Ela o conjunto dos trabalhadores, o conjunto de coisas criadas

    pelo trabalho, o comrcio, a propriedade privada, a famlia dilacerada, a burocracia, os

    espaos comuns e pblicos, a desordem, a misria, a polcia que pe a ordem, o

    indivduo com necessidades e interesses egostas.

    A pessoa concreta que para si mesma um fim particular comoconjunto de carncias e como conjunto de necessidade natural evontade arbitrria constitui o primeiro princpio da sociedade civil(Hegel, 2009 182: 167).

    Pode-se entender melhor o movimento da sociedade civil considerando um

    exemplo de carter apenas ilustrativo: um indivduo que nasce numa determinada

    famlia com posses o suficiente para adquirir satisfao das carncias, enquanto nessa

    esfera permanece apenas uma sombra sem efetividade prpria e sua existncia

    apenas como membro. A famlia que o indivduo pertence resultado de um movimento

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    que pode ser semelhante ao que ele far: consequncia da relao de duas pessoas6

    que se uniram pelo amor, casando-se. No casamento, que no um contrato, mas uma

    aliana, as propriedades particulares tornam-se propriedades da famlia. O indivduotambm um resultado, uma extenso da famlia, uma ampliao do nmero de

    membros realizada pelo nascimento dos filhos.

    Uma necessidade desse indivduo receber educao adequada nos parmetros

    da sociedade. Isso possvel pelas posses, pelo dinheiro para manter os gastos com a

    educao. No processo de formao social educativa, as caractersticas essenciais

    pertinentes para a sobrevivncia do indivduo em sociedade so introduzidas como

    ferramentas para serem utilizadas no futuro, explicitamente no mundo da guerra detodos contra todos. A educao passa por vrios nveis, no mais elevado deles, o

    universitrio, h a formao da classe universal, que so aqueles que podem pensar o

    carter geral da sociedade, ou seja, o momento de preparao da parcela burocrtica

    que pode atuar profissionalmente no Estado (desde os professores at os dirigentes

    estatais).

    Em determinado momento do processo da educao, o indivduo possivelmente

    deixa a famlia e vai viver em outros territrios, iniciando sua vida particular rumo aos

    interesses egostas. Se no deixa a famlia o processo no se altera muito, a diferena

    que sozinho ele tem plena liberdade de realizar seus desejos sem a limitao da esfera

    imediata. As carncias materiais tm satisfao pela via do comrcio, e ao ser inserido

    no mundo da troca h um outro avano rumo a uma maior abrangncia do quadro de

    elementos da sociedade civil, ou seja, o sujeito em questo j deixou a famlia, est num

    processo de preparao para o trabalho e j ativo na vida comercial. Com isso,

    possvel explicitar que no h um momento definitivo de separao de famlia e

    sociedade civil, pois um momento depende do outro para existir. H sim uma

    continuidade: o indivduo que vai viver fora, ainda pode depender economicamente,

    espiritualmente, da famlia; alm de carregar os elementos morais aprendidos enquanto

    nessa esfera residia.

    Ento, ao mesmo tempo em que a pessoa vai se formando, a famlia vai se

    decompondo; novas propriedades sero anexadas pelo ser moral em formao aps

    6 Em especial, um homem e uma mulher, pois a famlia moral essencialmente monogmica epatriarcal.

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    deixar o lar inicial, e ele mesmo ter que se sustentar e tomar as decises para sua vida.

    Junto disso, outra tarefa que ele deve cumprir encontrar um par e formar uma nova

    famlia, dando prosseguimento ao processo moral da sociedade civil. As relaes decompetio continuaro a serem travadas na busca de seus interesses conflitantes. Ele

    ter agora de trabalhar para si e para sua famlia; seus filhos nascero. Assim, a

    multiplicidade de famlias desenvolvida, e se coloca em relao, realizando a

    movimentao da complexidade da sociedade civil burguesa.

    O exposto at aqui no compreende a totalidade da sociedade civil, mas destaca

    alguns aspectos gerais de seu comportamento na compreenso de Hegel. O

    desenvolvimento ainda no est completado, cabe a passagem da sociedade civil aoEstado. preciso ver quais elementos esto na relao da esfera burguesa com a esfera

    que capaz de pensar o universal, para perceber outro lado do movimento geral.

    Sociedade civil e Estado, a contradio e o fim?

    A sociedade civil a qual se faz referncia a mesma que revolucionou o formato

    de organizao estatal, a mesma que introduziu na histria um modelo de Estado que

    capaz de, em tese e por um lado, pensar o universal e administrar os interesses mais

    especficos da classe que contm o poder poltico na sociedade (de acordo com as

    posses). Se por um lado o Estado pensa sim o universal, deve ser exposto como esse

    universal: um universal de carter particular, uma administrao que designa aos

    membros da sociedade tarefas que sempre tem como finalidade a defesa dos interesses e

    a satisfao da classe apreendedora do poder poltico e econmico. Esse fato pode ser

    mostrado pelo prprio argumento da influncia que os interesses particulares tm sobre

    a atuao do indivduo em seu ofcio no Estado, em outras palavras, pelo interesse de

    classe.

    Na famlia, as relaes encontram-se limitadas, mas no Estado a vida pode ter

    desenvolvimento efetivo. O Estado possui dupla existncia: a primeira a imediata

    atravs da cultura (o que corresponde ao pensar e atuar comuns, como costume), a

    instncia que possui maior alcance nas pessoas da sociedade; a segunda a existncia

    interna, o que Hegel caracteriza como o Estado que tem conscincia de si, ou seja, so

    os funcionrios burocrticos que tem sabedoria e razo do que fazem.

  • 7/25/2019 A Sociedade Civil de Hegel permeando outras relaes: da simplicidade ao desenvolvimento efetivo

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    O Estado a realidade em ato da ideia moral objetiva, o esprito comovontade substancial revelada, clara para si mesma, que se conhece e se

    pensa, e realiza o que sabe e porque sabe. (Hegel, 2009 257: 216).

    O Estado no composto somente pelos funcionrios burocrticos, mas tambm

    por todos os membros da sociedade civil, j que nela que h a maior parte das relaes

    sociais burguesas e sobre a qual ele deve debruar suas atividades. Trata-se de um

    Estado de essncia burguesa, que se constituiu como resultado das relaes precedentes

    da famlia e da sociedade civil, numa conjuno do interesses particulares em que cada

    pessoa vale como membro independente das qualidades que apresente. As bases de

    sustentao e da justificao da existncia do Estado esto nos problemas existentes dasociedade civil. A determinao das aes estatais prescrita nas leis, sua funo

    assegurar o que comum garantindo que os membros tenham o menor papel possvel e

    liberdade em todas as instncias de sociabilizao. Garantir o comum funo do

    Estado, mas ao mesmo tempo a garantia passa pelo momento dos interesses privados,

    pois no deve ser dissociado a prtica estatal do domnio poltico que a classe de posses

    exerce.

    O Estado como resultado fruto de lutas histricas, um fim que se deu dasdisputas concretas entre as conscincias de si, divididas em classes diferentes, com

    tarefas e interesses diferentes. Se antes do momento de revolues em que vivia Hegel,

    o Estado servia aos interesses da classe nobre, aps as lutas a burguesia que mais se

    serve dos mecanismos dessa esfera. O movimento que levou constituio do Estado

    progressivo e se operou atravs de vrios saltos qualitativos, expresso pelos perodos

    mais agudos das revolues e pelos entraves acirrados que puseram posies polticas

    que transformaram substancialmente a realidade. A relao da esfera que pensa o

    universal com a sociedade civil, burguesa. Nessa relao ele tem uma existncia

    interna outra, alm da descrita acima, e na relao com outros Estados possvel que

    exista um reconhecimento de si como Estado e do outro como tal tambm: Assim

    como o indivduo sem a relao com outras pessoas no uma pessoa real, assim o

    Estado sem a relao com outros Estados no um indivduo real (Hegel, 2009

    331:302). O reconhecimento no operado somente entre pessoas individuais, mas

    ocorre tambm entre coisas mais complexas como o Estado.

    Na famlia as objees organizativas correlacionadas ao reconhecimento se

  • 7/25/2019 A Sociedade Civil de Hegel permeando outras relaes: da simplicidade ao desenvolvimento efetivo

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    limitavam s paredes do lar, agora na esfera complexa e mais desenvolvida a questo

    est dificultada, pois h necessidade que a fora maior do Estado tente cada um a

    reconhecer o outro como comum, aceitando-se e reconhecendo-se no Estado, da mesmaforma que o Estado precisa reconhecer cada pessoa particular. Esse mltiplo

    reconhecimento esbarra nos entraves do direito alheio, isto , na ordem do direito

    burgus em que cada um tem de se limitar sua circunferncia social, tendo nela

    liberdade desde que no deflagre invaso ao que de direito do outro. Como no se

    trata de aes puras e ideais, no h como impedir conflitos decorrentes da limitao da

    vida burguesa fundada na propriedade privada, e ai que o Estado pode agir com

    efetividade: contendo e assegurando a ordem pela via da represso, das leis, das multas.O ordenamento civil burgus no possibilita uma interao harmnica entre os

    integrantes do mundo civil social. Como j foi disposto, muitos problemas e crises

    permeiam a sociedade, e aqui h outra forma de atuao do Estado: solucionador dos

    problemas de cunho comum e privado, garantindo que as diferentes classes possam

    conviver num mesmo espao sem muitos conflitos srios evidentes. Se o

    desentendimento expressivo, a soluo agir da mesma forma, isso tanto na esfera

    interna como nas relaes com outros Estados. O ataque armado deflagrado contra

    algum pas deve ser combatido na igual medida; a violncia desferida anulada com o

    mesmo conceito: (...) uma violncia se anula com outra violncia (Hegel, 2009 93:

    84).

    Dessa forma, a contradio posta entre sociedade civil e Estado tem, nesse

    ultimo, o sujeito que recebe os problemas e deles deve se encarregar. Ao mesmo tempo

    h uma outra contradio, que a relao que o Estado toma sobre a coisa particular,

    sobre a propriedade privada, pois o seu domnio o mbito do geral, da universalidade

    de pensamento e de vontades. De forma rpida, o que faz a mediao entre o Estado e a

    sociedade a burocracia. A burocracia toma para si a tarefa de ajustar o particular da

    sociedade ao interesse do Estado e tambm levar o Estado sociedade.

    A dificuldade e a contradio dos trs momentos da generalidade social (famlia,

    sociedade civil e Estado) est no asseguramento de que diferentes classes se suportem

    nos diferentes momentos, disso decorre que a funo do Estado conciliar, mesmo que

    para essa conciliao seja preciso a utilizao da fora bruta. O calor do momento das

    revolues, da erupo das foras produtivas nas mos da burguesia, e do esfacelamento

  • 7/25/2019 A Sociedade Civil de Hegel permeando outras relaes: da simplicidade ao desenvolvimento efetivo

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    das velhas estruturas feudais e nobres, coloca a necessidade de ser mantida a ordem que

    surgia, impedindo novos levantes contra a classe que absorvia o poder poltico e

    econmico e que podia determinar de acordo com sua maneira como a sociedade podeser. Trata-se de relaes burguesas, em que o Estado assume tarefas perante as classes

    sociais de manuteno da ordem: significa que ele deve limitar a vida publica, tendo que

    tomar para si o confinamento fronteirio dos espaos de troca, de convivncia, sendo

    ento j em si mesmo fechado um outro desenvolvimento.

    Enfim, se as transies ocorridas afetam a sociedade civil e o Estado, com a

    famlia no diferente. Ela concebida como o crculo de relaes simples e imediatas,

    em que a naturalidade social algo essencial. Sua funo diante dos outros momentos preparar o membro sem sombra efetiva para agir neles, como indivduo

    caracteristicamente burgus, interessado em adquirir propriedades para sua fruio. Mas

    essa fruio possibilitada pela educao que a famlia proporciona ao membro. Nesse

    incio que perdura por toda a vida individual e coletiva, o grau de complexidade das

    relaes pequeno em comparao aos momentos posteriores, mas isso no significa

    que na famlia as vinculaes so pobres de contedo. A famlia potencialidade para a

    extruso que d vida sociedade civil.

    Logo, quando o membro passa da famlia sociedade civil, encontrar uma

    imensido de outros indivduos com interesses semelhantes, e ai que podem ocorrer os

    embates e tambm as realizaes. As compensaes do conjunto de carncias

    acontecem nos momentos de confuses assim como na pacificidade, mas caracterstica

    do momento a disputa liberal, em que cada um pode possuir mais que outro, no de

    acordo com suas necessidades, mas sobre o conjunto prvio de posses que tem. um

    aspecto fundamental da sociedade civil a circunstncia de troca no comrcio e a

    aquisio de propriedades, porm no o nico. A circunstncia de troca desencadeia

    uma srie de consequncias para a sociedade (crise, roubo, etc). Portanto, a sociedade

    civil , para Hegel, o palco que oferece o espetculo da devassido bem como da

    corrupo e da misria (Hegel, 2009 185: 169). A infinidade de problemas da vida

    civil gera uma complexidade de relaes, instituies, normas e limites, tornando mais

    penosa a vivncia que, por sua vez, deve ser negada e superada num procedimento que

    desemboca no Estado.

    A positividade inicial oferecida pela famlia rompida, e a negatividade

  • 7/25/2019 A Sociedade Civil de Hegel permeando outras relaes: da simplicidade ao desenvolvimento efetivo

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    destruidora da sociedade civil posta como o momento mais essencial; mas o

    movimento sempre progride, e agora o Estado aparece como resultado racional e

    necessrio para a elevao e controle das relaes sociais. A devassido, a corrupo e amisria no subsistem por si s, a sociedade civil contraditria que d base

    existncia desses fatores, e invivel que as pessoas vivam no meio do caos. Enfim, o

    Estado tem a funo de restituir a ordem, de certa forma, e conciliar momentaneamente

    os problemas e as divergncias com a fora coercitiva, fazendo-se como a mais

    complexa e desenvolvida instituio da sociedade civil. O Estado no atua como

    infinitude da vida social na prtica, pois encontra limites em sua formao poltica, e

    possui finalidade objetiva de subsistir segundo as contradies civis.A dependncia da sociedade sobre o Estado est posta na determinao de que o

    Estado dado como o sujeito, enquanto que a sociedade subsumida ao domnio dele.

    A sociedade tomada como um domnio de indivduos isolados e separados entre si,

    domnios de competidores, composta, por outro lado, de organizaes sociais, de

    interesses comuns, que de certa forma e de dentro da esfera civil contornam a

    atuao estatal.

    Se o Estado foi resultado histrico, ento, a serventia de garantir a liberdade foi

    conquistada por determinada sociedade. Mas o dado que no h liberdade, num

    sentido da universalidade, enquanto o Estado permanece como negao da sociedade,

    pois a relao ampla ainda continua no momento da negatividade, no adentrando no

    terreno da satisfao e da superao.

    Em resumo, Hegel diz:

    a) O esprito moral objetivo imediato ou natural: a famlia. Esta

    substancialidade desvanece-se na perda da sua unidade, na diviso eno ponto de vista relativo; torna-se ento: b) Sociedade civil,associao de membros, que so indivduos independentes, numauniversalidade formal, por meio das carncias, por meio daconstituio jurdica como instrumento de segurana da pessoa e dapropriedade e por meio de uma regulamentao exterior (). EsteEstado exterior converge e rene-se na c) Constituio do Estado, que o fim e a realidade em ato da substncia universal e da vida pblicanela consagrada (Hegel, 2009, 157: 149).

    A comunidade social pensada pelo autor a populao europeia, de modo que

    caberia a ela a continuidade do movimento que at ento havia se realizado movimento realizado anteriormente com a finalidade de por nas mos de um Estado a

  • 7/25/2019 A Sociedade Civil de Hegel permeando outras relaes: da simplicidade ao desenvolvimento efetivo

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    ordem do dia-dia; a extruso dos limites que o momento histrico colocou

    universalidade de pensamento e de vidas colocou em conflito o Estado com a sociedade

    civil. Novas respostas foram dadas7

    , diferentemente da observao de Hegel e aconstituio do Estado foi questionada por ser antagnica a vida publica, aos interesses

    comuns. Ento, diante do fato da limitao do Estado, pode ser questionado qual a

    finalidade da manuteno do Estado pela sociedade, sendo que nele que se esbarram

    as contradies e que para ela retornam sem devida superao.

    Referencias

    HEGEL, G. W. F.A Sociedade Civil Burguesa.Trad. Jos Saramago. So Paulo: EdiesMandacaru, 1989.______. Fenomenologia do Esprito. 2 Ed. Trad. Paulo Meneses. Rio de Janeiro:Editora Vozes, 1992.______. Princpios da Filosofia do Direito.Trad. Orlando Vitorino. So Paulo: MartinsFontes, 2009.HOBBES, T.Leviat ou Matria, Forma e Poder de Um Estado Eclesistico e Civil.Trad. Joo P. Monteiro e Maria B. N. da Silva. So Paulo: Victor Civita Editor, 1983.HOBSBAWN. E.A Revoluo Francesa.Trad. Maria Tereza Lopes e Marcos Penchel.Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.MARX, K. Crtica da Filosofia do Direito de Hegel.Trad. Rubens Enderle e Leonardo

    de Deus. So Paulo: Editora Boitempo, 2005.

    7No foi o interesse abordar outros momentos do Estado Europeu, mas, por exemplo, em 1830 e1848 Estados europeus foram postos em cheque pela sociedade, tendo suas bases desestabilizadas.