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A Seguridade Social no Brasil e o debate entre as redes de proteção: Drogas um
problema de saúde pública com impactos na previdência social
Aline Fagundes dos Santos1
RESUMO:
O artigo tem por interesse discutir a relação existente entre saúde e previdência social, ambos
integrantes do sistema de seguridade social no Brasil, de matriz constitucional, abordando
especificamente neste cenário a questão que diz respeito ao uso de drogas por parte da
população e seus reflexos no sistema previdenciário, por conta das concessões de benefícios,
em decorrência de incapacidade laboral temporária, ou até mesmo definitiva, e ainda a morte
de trabalhadores acometidos por tal dependência química. No Brasil já se tem o levantamento
prévio deste impacto, sendo que já é possível se constatar que diversos segurados do Regime
Geral de Previdência Social estão sendo afastados de suas atividades laborais em razão de
incapacidade laborativa, em decorrência do uso de drogas. A questão já se apresenta de forma
tão grave que especialistas afirmam que os números de afastamentos de trabalhadores só
tendem a aumentar no futuro, portanto é necessário o debate deste problema de saúde pública,
com a interlocução das redes de proteção (saúde, previdência e assistência), apontando
soluções através de trocas de experiências.
Palavras-chave: Drogas. Saúde. Previdência Social.
INTRODUÇÃO
A proposta deste artigo é fornecer alguns elementos para análise do sistema da
seguridade social, desenhado pelo legislador constitucional em 1988, com o intuito de
proteção integral da pessoa humana, com previsão de ações nas áreas de saúde, previdência e
assistência, através da implementação de políticas públicas próprias.
Posteriormente, dentro deste cenário buscar-se-á analisar um problema existente no
Brasil, que diz respeito ao uso de substancias psicotrópicas e a dependência química da
1 Doutoranda em Direito Previdenciário PUC-SP. Mestre em Direitos Fundamentais ULBRA-RS. Professora
Assistente I na Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri - UFVJM. Contato:
população, questão inclusive já apontada pela Organização Mundial de Saúde como sendo um
problema de saúde pública que vem atingindo cada vez mais adolescentes e jovens.
Na sequencia o objetivo do trabalho será analisar o impacto desta dependência
química no sistema de proteção previdenciária, a cargo do Regime Geral de Previdência
Social, em razão do aumento nos números de concessão de benefícios previdenciários,
principalmente aqueles de natureza não programada.
Por fim, buscar-se-á analisar a questão que envolve a seguridade social como sistema
de proteção, formando uma grande rede, conforme previsto na Constituição Federal de 1988,
englobando de forma interligada diversas ações, na busca do bem-estar da coletividade,
objetivo último da nação.
1 A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 DO BRASIL E O SISTEMA DE
PROTEÇÃO DA SEGURIDADE SOCIAL
Como resultado de um movimento que buscou a redemocratização do Brasil, pós
militarismo, a Constituição Federal de 1988, ao menos da perspectiva normativa, inaugurou
um novo ciclo social no país, reconhecendo também como direitos fundamentais, um rol de
direitos de cunho prestacional, os quais passaram a demandar uma ação positiva por parte do
Estado.
Neste cenário, a inclusão dos direitos fundamentais sociais em capítulo próprio, junto
ao catálogo de direitos fundamentais, destaca de forma incontestável a sua condição de
autênticos direitos fundamentais, agora também de matriz constitucional conforme lembra
Sarlet (2009, p. 66).
Assim, é possível perceber que a preocupação do legislador constitucional foi
estendida também aos direitos fundamentais de cunho econômico, social e cultural, seguindo
obviamente as tendências internacionais pós Segunda Guerra Mundial, que já haviam
realizado esta reconstrução do conceito de pessoa humana.
A própria Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), já em 1948, no seu
artigo 25º, elencava de forma bastante precisa que toda pessoa tem direito a um nível de vida
suficiente para assegurar a si e à sua família, direitos como a saúde e o bem-estar, à
alimentação, o vestuário, o alojamento, à assistência médica, o direito à segurança no
desemprego, na doença, na invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros casos de perda de
meios de subsistência por circunstâncias independentes da sua vontade.
Posteriormente, em 16 de dezembro de 1966, a Assembleia-Geral das Nações Unidas
adotou 2 (dois) pactos internacionais de direitos humanos que desenvolveram
pormenorizadamente o conteúdo da DUDH: o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e
Políticos e o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.
Recepcionando-se estas orientações, inaugurou-se quatro décadas após a DUDH, já
no retorno da democracia ao Brasil, o sistema da seguridade social, incluindo-se nele, três
direitos fundamentais de grande relevância social, elencados no artigo 6º da Constituição
Federal de 1988: saúde, previdência e assistência.
De início uma grande modificação, pois tal complexo protetivo ultrapassava a
perspectiva de seguro social, alcançado até então somente para trabalhadores formais, e
passava a reconhecer o indivíduo como cidadão de direitos, pelo simples fato de existir,
independente de exercer ou não alguma atividade profissional.
Assim, com o novo pacto político firmado em 1988, a dignidade da pessoa humana
passou a ser um dos fundamentos do Estado brasileiro, e neste contexto, prestações como
saúde, previdência e assistência passaram a desempenhar um importante papel, tendo como
alicerce a solidariedade social, conforme previsto no art. 3º, da Constituição Federal, com o
objetivo de alcançar o bem-estar de todos os cidadãos.
De acordo com Silva (2005, p. 286), a partir daí os direitos sociais são vistos como
direitos fundamentais de proteção do homem, constituindo-se em prestações estatais positivas,
enumeradas em normas de caráter constitucional, que visam proporcionar melhores condições
de vida aos mais fracos, direitos que visam igualar desiguais, sendo assim direitos que se
conexionam com o direito de igualdade.
Sob esta ótica, de acordo com Horvath Júnior (2014, p. 123), a Seguridade Social
passou a representar um sistema em que o Estado garante a “libertação da necessidade”,
ficando assim, obrigado a garantir que nenhum de seus cidadãos fique sem ter satisfeitas suas
necessidades sociais mínimas, não especificamente aquelas de caráter econômico, mas
também todas as demais voltadas para a assistência social e sanitária, ou seja, proteção
independentemente de contribuição.
Completando esta ideia, destaca-se a evolução do modelo de seguridade social
proposto pelo constituinte em 1988, em relação ao seguro social existente anteriormente:
Aliás, cumpre notar que a seguridade social – modelo concretamente
adotado pelo constituinte pátrio para o implemento do bem-estar e da justiça
sociais – está baseada na solidariedade. Não mais, como nos primórdios do
seguro social, entre pessoas ou entre grupos de pessoas; e, sim, entre
gerações de sujeitos protegidos. (BALERA, 2010, p. 27).
Neste cenário, a seguridade social, passou a representar um complexo de normas
voltada a garantir saúde, previdência e assistência, tendo como objetivo garantir o bem-estar
social de todos os cidadãos, baseado no princípio da solidariedade, constituindo-se assim, tais
prestações em verdadeiros direitos subjetivos frente ao Estado brasileiro.
Todavia, a partir deste momento foi preciso uma releitura do sistema, objetivando as
três políticas que a integravam. No caso da saúde, foi necessário ampliar a sua concepção,
pois agora a mesma passa a constituir direitos de todos, conforme bem descrito na
Constituição Federal de 1988, sendo ainda dever do Estado, mediante a adoção de políticas
que visem à redução do risco de doença e de outros agravos, com ações voltadas para a
promoção, proteção e recuperação dos cidadãos.
Sob a ótica da saúde, é possível destacar da leitura do texto constitucional diversas
orientações:
(...) além de instituir o direito (à saúde), prever seus titulares (a coletividade),
apontar o responsável direto pela prestação (o Estado) e o instrumento que
assegura a fruição desse direito (políticas sociais e econômicas), a Lei Maior
aportou diversos princípios, diretrizes, metas que hão de ser necessariamente
considerados pelo Poder Público quando da elaboração de políticas públicas
imprescindíveis à efetivação do direito social à saúde. (MEDEIROS, 2011,
p. 60).
Da mesma forma, em relação a previdência social, que apesar da manutenção da
regra contributiva, alargou sua cobertura e ampliou o rol de prestações oferecidas a
população, bem como as pessoas protegidas, como pode-se destacar o caso da segurada
especial, que antes de 1988 simplesmente não existia como sujeito de direitos no âmbito
previdenciário.
No que diz respeito a previdência social, alguns avanços regulados a âmbito
constitucional, merecem o devido respeito:
a) pela primeira vez a reclusão ter sido incluída no rol de riscos sociais
cobertos pela previdência (inciso I do art. 201); b) acesso ao benefício de
aposentadoria por idade com idades diferentes para homem e mulher,
respectivamente, 65 e 60, além de redução em cinco anos para os
trabalhadores rurais (inciso I do art. 202); c) aposentadoria por tempo de
serviço aos 35 anos de tempo de serviço para o homem e 30 para a mulher,
mantendo a tradição de inexigência de uma idade mínima (inciso II do art.
202); d) manutenção da aposentadoria especial para o professor aos 30 anos
de tempo de serviço e, para a professora, aos 25 (inciso III do art. 202); e)
pensão por morte no caso de cônjuge sobrevivente ser homem (inciso V do
art. 202); f) possibilidade de deferimento do benefício com tempo inferior no
caso de exercício de atividades especiais (§ 1º do art. 202); g) previsão
constitucional da contagem reciproca (§ 2º do art. 202); h) além de cristalizar
a forma de cálculo dos benefícios (caput do art. 202), previa a correção
monetária de todos os salários-de-contribuição (§ 3º do art. 201) e a
aplicação de reajustes periódicos para os benefícios já concedidos com o
desiderato de manter o seu valor real (§ 2º do art. 201); i) garantia de que os
benefícios previdenciários não seriam pagos em valor inferior a um salário
mínimo (§ 5º do art. 201); j) garantia de que a gratificação natalina dos
aposentados e pensionistas teria por base os proventos do mês de dezembro
(§ 6º do art. 201). (ROCHA, 2004, p. 74).
Por fim, também a assistência social, considerada por muitos como a mais
significativa mudança em termos de proteção social da Constituição Federal de 1988, pois era
a primeira vez na história do país que alcançava o status de direito, sendo dever do Estado
prestá-la a quem dela necessitasse, não como medida de caridade, como fora em épocas
passadas, mas sim, por conta de fazer parte do novo rol de direitos fundamentais assumidos.
Sobre os avanços nesta temática destaca-se:
Ao longo de sua história, o Brasil tem construído e constituído direitos.
Desse modo, pretendemos discorrer sobre o direito à Assistência Social. Há
alguns anos, o tema sequer era pauta de discussão no contexto nacional.
Portanto, é de extrema importância que possamos debater sobre um país que
não só supera a pobreza, como também diminui, a cada dia mais, suas
injustiças. Atualmente, temos condições de comemorar um país que reduziu
em mais de 50%, nos últimos anos, o número de pessoas em situação de
pobreza. Bem como, garantiu a redução de 25% para 4% o número de
indivíduos em situação de extrema pobreza. (RIZZOTTI, 2014. p. 37).
Contudo, em que pese tamanho arcabouço de normas contidas na Constituição
Federal de 1988, o dia-a-dia, após duas décadas de sua promulgação demonstra claramente as
fragilidades deste sistema de proteção que envolve a seguridade social.
2 A SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL E O PROBLEMA DO CONSUMO DE DROGAS
A fim de dar suporte a implementação de políticas públicas específicas de saúde no
país, conforme assumido na Constituição Federal de 1988, o legislador infraconstitucional
elaborou a Lei Federal nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, criando através dela o Sistema
Único de Saúde (SUS), estando este sob direção a nível federal do Ministério da Saúde.
A Lei Federal nº 8.080/90, estabeleceu diversos objetivos, princípios, diretrizes,
forma de direção e gestão, competências e questões de orçamento para o funcionamento do
SUS, destacando-se principalmente em seu art. 8º, que sua gestão será regionalizada e
hierarquizada, levando-se em conta o nível de complexidade de suas demandas, com atenção
a nível federal, estadual ou municipal.
Neste quadro, atualmente uma demanda de grande relevância do SUS, a nível federal
é o combate ao uso de drogas no país, tanto as lícitas como também as ilícitas, sendo que o
Ministério da Saúde vem promovendo diversas campanhas junto a população, tanto na
prevenção, promoção ou recuperação dos dependentes químicos.
É importante destacar que a Organização Mundial de Saúde (OMS) reconheceu a
dependência química como uma doença, incluindo-a no CID 10 – Código Internacional de
Doença, pois há alteração da estrutura e do funcionamento normal da pessoa, sendo-lhe,
portanto prejudicial.
A dependência química por sua vez, não tem uma causa única, mas é produto de uma
série de fatores (físicos, emocionais, psíquicos e sociais) que atuam ao mesmo tempo, sendo
que às vezes, uns são mais predominantes em uma pessoa específica do que em outras.
No contexto deste estudo, a questão que envolve o consumo de drogas no Brasil, já
alcança patamares que preocupam as autoridades, sendo que atualmente o problema já é visto
como de saúde pública, e pior, as consequências já extrapolam os muros e limites desta
temática específica, pois já afetam também de forma considerável, o subsistema de proteção
que envolve a previdência social.
O aumento considerável do uso de substancias psicoativas (SPAs), no país, vem
chamando a atenção de estudiosos nos últimos anos, pelos efeitos devastadores junto a saúde
da população, e, principalmente pela dificuldade do governo em lidar com a questão adotando
uma política pública precisa no seu combate.
Os números são cada vez mais alarmantes, e é possível perceber que atingem cada
vez mais a população de pouca idade, conforme dados do VI Levantamento Nacional sobre o
Consumo de Drogas Psicotrópicas entre Estudantes do Ensino Fundamental e Médio, das
Redes Pública e Privada de Ensino, nas 27 Capitais Brasileiras, referente ao ano de 2010:
Tipo de Droga Tipos de Uso%(5)
Vida(3)
Ano(4)
Mês(4)
Frequente(4)
Pesado(4)
Maconha 5,7 3,7 2,0 0,3 0,4
Cocaína 2,5 1,8 1,0 0,2 0,2
Crack 0,6 0,4 0,3 0,0 0,1
Anfetamínicos 2,2 1,7 0,9 0,1 0,3
Solventes/Inalantes 8,7 5,2 2,2 0,2 0,3
Ansiolíticos 5,3 2,6 1,3 0,1 0,1
Anticolinérgicos 0,5 0,4 0,2 0,0 0,0
Analgésicos Opiáceos 0,6 - - - -
Esteróides/Anabolizantes 1,4 - - - -
Ópio/Heroína 0,3 - - - -
LSD 1,0 - - - -
Êxtase 1,3 - - - -
Metanfetamina 0,3 - - - -
Ketamina 0,2 - - - -
Benflogin 0,4 - - - -
Energético com Álcool 15,4 - - - -
Qualquer Droga(2)
25,5 10,6 5,5 0,8 1,1
Tabaco 16,9 9,6 5,5 0,7 1,5
Álcool 60,5 42,4 21,1 2,7 1,6
Nota: Rede pública engloba as escolas municipais, estaduais e federais.
(1) A partir do 6º ano.
(2) Excluindo álcool e tabaco.
(3) Maconha, cocaína, crack, anfetaminas, solventes, ansiolíticos, anticolinérgicos, analgésicos
opiáceos, esteroides/anabolizantes, ópio/heroína, LSD, êxtase, metanfetamina, ketamina,
benflogin, energético com álcool.
(4) Maconha, cocaína, crack, anfetaminas, solventes, ansiolíticos, anticolinérgicos.
(5) Dados ponderados e expressos em porcentagem.
De acordo com o levantamento exposto acima, realizado pelo Centro Brasileiro de
Informações sobre Drogas Psicotrópicas da Universidade Federal de São Paulo – CEBRID,
que levou em conta tanto o uso de drogas lícitas como também ilícitas, é possível perceber
que muitos adolescentes e jovens estão cada vez mais consumindo estas substâncias, apesar
da pouca idade, ou seja, muitos deles já ingressarão no mercado de trabalho posteriormente
com alguma dependência química.
No mesmo sentido, Relatórios do Plano Nacional de Saúde (PNS) referente ao triênio
2012-2015, também apontaram o consumo excessivo de bebidas alcoólicas, sendo que dos
adultos entrevistados, 18,9% deles informaram que consumiram de forma abusiva bebidas
alcoólicas nos últimos 30 dias antes da abordagem, sendo que este percentual foi quase três
vezes maior em homens (28,8%) do que entre as mulheres entrevistadas (10,4%), contudo foi
possível perceber que essa proporção diminuiu com a idade e aumentou com o nível de
escolaridade do indivíduo.
Para combater estes números relativos ao consumo de bebidas alcoólicas e outras
drogas, o PNS, de 2012-2015 traçou ações estratégicas para a atenção de diferentes segmentos
da população, caracterizados por condições específicas e determinados por diferentes causas,
quer de natureza biológica, social, cultural, econômica, estando estes grupos particularmente
representados por crianças, adolescentes e jovens, mulheres, idosos, trabalhadores, pessoas
com deficiência, população prisional e adolescentes em conflito com a lei.
O relatório do PNS no Brasil, referente ao triênio 2012-2015, também apontou no
tocante a saúde mental, que 6% da população mundial sofre de transtornos graves associados
ao consumo de álcool e outras drogas – exceto o tabaco, sendo que, deste total, pesquisas
brasileiras identificam que aproximadamente 10% da população do país, acima de 12 anos de
idade já é dependente de álcool.
Na tentativa de combater estes dados foi lançado pelo Ministério da Saúde, o Plano
Emergencial de Ampliação do Acesso ao Tratamento e Prevenção em Álcool e outras Drogas
(PEAD), para implementação no triênio 2012-2015.
Esse plano potencializou a implantação de Centros de Atenção Psicossocial Álcool e
Drogas – CAPSad, de leitos hospitalares e de estratégias de articulação intersetorial, com a
criação dos consultórios de rua, com o objetivo de atender demandas de populações sem
domicílio, principalmente aquelas usuárias de crack, pois conforme dados do Ministério da
Saúde estima-se que atualmente o número destes dependentes já chegue a 600 mil pessoas no
Brasil.
Dentro do plano integrado de enfrentamento do crack e outras drogas, o componente
da saúde consiste em aprofundar as ações que já estão em desenvolvimento no país, e ainda
dar continuidade na diversificação dos serviços e medidas de saúde relacionadas ao consumo
desta droga.
As principais medidas a serem adotadas pelo SUS estão a criação de CAPSad 24
horas e de casas de acolhimento transitório aos dependentes químicos; a habilitação e
financiamento diferenciado para leitos em hospitais gerais; o apoio a comunidades
terapêuticas para ampliar o número de leitos de retaguarda; o apoio à implantação de escolas
de redução de danos e também dos Centros Regionais de Referência para formação de
profissionais de saúde especializados nesta demanda especifica; e também a ampliação do
número de beneficiários do Programa “De Volta para Casa”2, conforme dados do Ministério
da Saúde.
2 O programa “De Volta para Casa”, constitui uma política pública de inclusão social, instituído pela Lei Federal
nº 10.708, de 31 de julho de 2003 que cria e regulamenta o auxílio-reabilitação psicossocial para assistência,
Nesta arena, com base nas ações e números apresentados pelo Ministério da Saúde
percebe-se a preocupação do gestor público com a atuação na área de saúde, conforme
previsto na Constituição Federal de 1988, como parte integrante da seguridade social, tendo
como foco a promoção, proteção e recuperação da saúde, conforme afirma Horvath Jr. (2014,
p. 128).
Contudo, infelizmente os números das pesquisas são assustadores no que diz respeito
a quantidade de usuários de substancias psicotrópicas no país, e em que pese as ações do
governo em políticas públicas na área da saúde para combate e tratamento da população, as
consequências deste mal já podem ser percebidas em outras áreas sociais, como é o caso do
sistema de previdência social do país.
3 OS EFEITOS DO USO DE DROGAS NA PREVIDÊNCIA SOCIAL
O sistema protetivo que envolve a previdência social no Brasil está estruturado em
três regimes distintos: Regime Geral de Previdência Social (RGPS), Regimes Próprios de
Previdência Social (RPPS) e Regime de Previdência Complementar (RPC).
Por conta desta divisão a doutrina especializada tece algumas considerações:
A multifacetação dos regimes previdenciários é bastante criticada na medida
em que permite que se estabeleçam padrões de proteção previdenciária
diferenciados, em relação aos regimes básicos, bem como aumenta o custo
operacional do sistema previdenciário como um todo. Além do sentimento
de proteção por castas. (HORVATH JR., 2014, p. 166).
Neste interim, críticas à parte, é preciso destacar que por conta deste arranjo grande
parte da população brasileira está filiada ao RGPS3, e por conta disto este será o objeto de
análise do artigo.
O RGPS está estruturado com base em duas Leis Federais, a primeira delas trata-se
da Lei nº 8.212/91, referente ao custeio, e a segunda delas, a Lei nº 8.213/91, que aborda o
Plano de Benefícios da Previdência Social.
Primeiramente importa destacar que de acordo com a Lei nº 8.213/91, aliado ao
preceito constitucional contido no caput, do art. 201, é possível perceber que o sistema
acompanhamento e integração social, fora de unidade hospitalar, de pacientes acometidos de transtornos
mentais, internados em hospitais ou unidades psiquiátricas, sob a coordenação do Ministério da Saúde.
Atualmente, o valor do benefício é de R$ 412,00 (quatrocentos e doze reais), de acordo com o artigo 1º da
Portaria nº 1.511, de 24 de julho de 2013 do Ministério da Saúde. 3 De acordo com dados do Ministério da Previdência Social, no ano de 2013, 52.460.568 pessoas contribuíram
mensalmente para o RGPS.
previdenciário no Brasil é contributivo, ou seja, somente fará jus a algum benefício previsto
na legislação, o cidadão que tiver vertido anteriormente, para o sistema a quantidade mínima
de contribuições, salvo algumas exceções4.
Desta forma diversos riscos sociais foram elencados para proteção pelo legislador
constitucional, entre eles a cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade
avançada, maternidade, a proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário e a
proteção dos dependentes dos segurados de baixa renda.
Em âmbito infraconstitucional o legislador estabeleceu os benefícios previdenciários
específicos para cobertura dos riscos indicados acima, e ainda as regras próprias para o
alcance de cada uma das prestações, conforme segue insculpido na Lei nº 8.213/91:
Art. 18. O Regime Geral de Previdência Social compreende as seguintes
prestações, devidas inclusive em razão de eventos decorrentes de acidente do
trabalho, expressas em benefícios e serviços:
I - quanto ao segurado:
a) aposentadoria por invalidez;
b) aposentadoria por idade;
c) aposentadoria por tempo de contribuição;
d) aposentadoria especial;
e) auxílio-doença;
f) salário-família;
g) salário-maternidade;
h) auxílio-acidente;
II - quanto ao dependente:
a) pensão por morte;
b) auxílio-reclusão;
No que diz respeito a dependência química, por conta do consumo de substancias
psicotrópicas especificamente, tema objeto deste artigo, é possível constatar que as prestações
que mais são pleiteadas pelos segurados, tratam-se dos benefícios de auxílio-doença,
aposentadoria por invalidez e pensão por morte.
No tocante ao benefício de auxílio-doença, tem-se como sua principal característica a
provisoriedade, ou seja, a ideia é que o beneficiário venha a recuperar a capacidade laboral
4 As exceções dizem respeito aqueles benefícios previdenciários que independem de carência (quantidade
mínima de contribuições), para a sua concessão, conforme regra contida no art. 26, da Lei nº 8.213/91; ou ainda
para aquelas situações em que o segurado não está contribuindo para o sistema, mas já o fez no passado e no
momento em que é acometido do risco social, ainda mantem a qualidade de segurado, conforme prazos definidos
também na Lei nº 8.213/91, em seu artigo 15.
durante o período de percebimento do benefício, e, que posteriormente retorne ao sistema
previdenciário com novas contribuições.
Contudo, o mesmo não é o que ocorre no caso de concessão do benefício de
aposentadoria por invalidez, pois nesta situação, diante da gravidade do quadro de saúde do
segurado e do nível de comprometimento de sua capacidade laboral, dificilmente este
retornará ao sistema contributivo, e independentemente de sua idade, o benefício será
concedido; todavia, quanto mais jovem for, mais tempo tende a perceber a prestação e com
isso onerar os cofres do sistema previdenciário.
O mesmo caminho segue o benefício de pensão por morte, destinado aos
dependentes do segurado da previdência social em razão de seu óbito, pois neste caso,
dependendo do tipo dependente (esposa, filhos, etc.), e suas idades, o benefício pode ser pago
durante muitos anos, algumas vezes até em quantidade superior aos anos de efetiva
contribuição, desta forma também onerando o sistema previdenciário.
Dados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), autarquia federal responsável
pelo gerenciamento de concessões e manutenções de benefícios previdenciários do RGPS,
apontam que no ano de 2013, o uso de álcool foi o principal motivo para pedidos de auxílio-
doença, por conta de transtornos mentais e de comportamento em razão do uso da substancia
psicoativa.
Os números do instituto demonstram ainda que a quantidade de pessoas afastadas de
suas atividades laborais devido ao uso abusivo de álcool teve um aumento de 19% nos
últimos cinco anos, em um comparativo de 12.055 casos em 2009, para 14.420 casos em
2013.
No geral foi possível constatar a concessão de mais de 134,6 mil benefícios de
auxílio-doença somente para dependentes de substancias químicas em todo o país no ano de
2013, estando a cocaína em segundo lugar, como a droga responsável pela maior quantidade
de auxílios concedidos, seguido do uso da maconha e outros, configurando um gasto para o
sistema de mais de 27 milhões de reais.
Neste sentido é importante destacar que o subsistema de previdência social é baseado
na solidariedade e no pacto de gerações, ou seja, os atuais contribuintes hoje estão custeando
os gastos atuais, e dentro desta ótica qualquer aumento de despesa atual pode causar impacto
no futuro:
Solidariedade social significa a contribuição do universo de protegidos em
benefício da minoria. (...). O sistema protetivo visa amparar necessidades
sociais que acarretem a perda ou a diminuição dos recursos, bem como
situações que provoquem o aumento dos gastos. No momento da
contribuição, é a sociedade quem contribui; no momento da percepção da
prestação, é o indivíduo quem usufrui. Daí vem o pacto de gerações ou
princípio da solidariedade entre gerações. Os não necessitados de hoje,
contribuintes, serão os necessitados de amanhã, custeados por novos não
necessitados que surgem. (HORVATH JR, 2014, p. 93).
Neste contexto, é necessário frisar que o gasto com a concessão de benefícios
previdenciários em razão de dependência química, acaba trazendo um grande prejuízo ao
sistema, pois aumenta-se a despesa com benefícios de natureza não programada, como é o
caso de auxílio-doença, aposentadoria por invalidez e pensão por morte, ou seja, benefícios
que em algumas vezes os segurados verteram poucas contribuições para o sistema e logo terão
que ser protegidos, diferentemente das demais aposentadorias, em que há um lastro de
contribuição por vários anos.
Enfim, se a quantidade de usuários e dependentes químicos aumentou nos últimos
anos, conforme indicam as pesquisas, o mesmo pode ser percebido no que diz respeito a
concessão de benefícios previdenciários por conta desta mesma causa.
4 O COMBATE AO USO DE DROGAS NO BRASIL E A NECESSIDADE DE
DEBATE ENTRE AS REDES DE PROTEÇÃO
Conforme acompanhado nos dados já expostos é possível perceber que o problema
pertinente ao uso de drogas no Brasil, aflige tanto gestores da saúde pública, como também da
previdência social, áreas objeto deste estudo, contudo durante todo o período da pesquisa, em
que pese os diversos programas, benefícios, medidas adotadas pelos responsáveis, em nenhum
momento viu-se uma fala integrada, com políticas em conjunto.
Esta ausência de interligação deve-se ao fato de que apesar da existência de um
aparato normativo em sede constitucional no que diz respeito a seguridade social, o mesmo
não ocorreu no que trata-se da definição da legislação em plano infraconstitucional, nas áreas
que envolvem as políticas especificas de saúde, previdência e assistência, o que, por
conseguinte tornou mais difícil a articulação do sistema de proteção previsto na Constituição
Federal de 1988, conforme destaca Monnerat e Souza (2011, p. 42).
Um dos pontos importantes deste cenário, diz respeito ao financiamento da
seguridade social, pois o legislador previu uma diversidade de fontes orçamentárias, todavia
não conseguiu garantir que todos esses recursos fossem efetivamente destinados ao sistema
protetivo.
Outra questão também apontada pela doutrina para esta divisão, diz respeito a
questão política:
A forte concorrência entre as áreas de política que deveriam compor a
Seguridade Social também contribuiu para o fracasso de sua implementação.
Como consequência disso, ocorre a especialização das fontes de
financiamento da seguridade por área de política social, o que acaba de vez
com a pretensão constitucional de se criar um orçamento único, cuja gestão
se daria através de um ministério próprio. Com efeito, não houve por parte
das três áreas envolvidas nenhum tipo de mobilização para lutar pelo
orçamento unificado e tampouco pelo referido ministério, tal como previsto
na Constituição, (MONNERAT, e SOUZA, 2011, p. 43).
Isto de fato ocorreu, pois atualmente o sistema da seguridade social é administrado
por três Ministérios diferentes, todos eles independentes entre si, sendo eles o Ministério da
Saúde, o Ministério da Previdência Social e o Ministério do Desenvolvimento Social e
Combate à Fome, cada um articulando políticas públicas específicas, mas não interligadas.
Esta conduta acabou dificultando a formação de uma identidade na área social, com
um único ministério, e uma verdadeira integração entre as políticas públicas de saúde,
previdência e assistência, formando uma rede de proteção social aos cidadãos, o que explica
hoje as repercussões negativas, muitas vezes em razão das práticas que são isoladas.
Neste sentido destaca-se inclusive a briga por recursos entre as três áreas:
Ocorre que cada um dos setores da seguridade social atua de modo
autônomo defronte aos demais e o que se verifica, desde a instauração do
modelo constitucional de 1988, é a disputa acirrada de recursos. Como a
previdência social é aquele setor que já tem contas certas para pagar (o
montante dos benefícios concedidos), acaba absorvendo a maior parte dos
recursos, quedando as sobras para os setores de saúde e de assistência social.
(BALERA, 2010, p. 191).
Assim, é fácil perceber a necessidade de uma abordagem sistêmica da seguridade
social, com a interlocução entre as três áreas, para a criação de políticas que se interliguem,
iniciando-se pelas demandas de saúde preventiva, promoção e recuperação, posteriormente
com a participação da assistência social, realizando o acompanhamento dos que necessitarem
de auxílio do Estado, para que somente após ocorra a utilização da previdência social, com a
concessão de benefícios.
Conforme o pacto político de 1988, o Estado tem o dever de garantir o mínimo a
população, e este mínimo deve seguir a partir da saúde, pois com a população saudável as
demandas nas demais áreas tendem a diminuir e o progresso do país aumentar:
A seguridade social é parte integrante da ciência política que mediante a
utilização de instrumentos próprios atenderá as necessidades de saúde,
assistência social e previdência social, buscando a defesa e a constante busca
da paz e do progresso da sociedade através do bem-estar individual dos seus
membros. O Estado, ao organizar a seguridade social, deve se ocupar do
estabelecimento da tutela de base. E na busca desta tutela de base deve
estabelecer o mínimo social nacional. Deixando livre e facultado aos
membros da sociedade a atuação visando à complementação da proteção de
base que é dever do Estado. (HORVATH JÚNIOR, 2014, p. 120-121).
O debate entre as redes de proteção é algo que está intimamente ligado a própria
ideia de seguridade social, que se fosse obediente à sua vocação constitucional, deveria atuar
como sistema, vale dizer, como um conjunto harmônico e integrado de ações, na busca do
bem-estar da coletividade.
CONCLUSÃO
Pode-se concluir com base no estudo realizado que o problema pertinente ao uso de
drogas no Brasil, já extrapolou os contornos do subsistema da saúde, causando agora
prejuízos também para a previdência social.
Os dados levantados demonstram o total descompasso de políticas públicas de
seguridade social, no combate ao uso de drogas no país, pois não existe nenhuma medida
adotada pelo governo para combater tal problema interligando as três redes de proteção.
Desta forma, o ideal de justiça e bem-estar social previsto no texto constitucional de
1988 está longe de ser alcançado, ferindo-se assim o desiderato de proteção integral da pessoa
humana, perseguido pela seguridade social, fato que necessita de urgente revisão dos gestores
públicos.
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