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A SEGREGAÇÃO DA INFRA-ESTRUTURA COMO ELEMENTO REESTRUTURADOR DO SISTEMA FERROVIÁRIO DE CARGA NO BRASIL José Eduardo Saboia Castello Branco TESE SUBMETIDA AO CORPO DOCENTE DA COORDENAÇÃO DOS PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO DE ENGENHARIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO COMO PARTE DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE DOUTOR EM CIÊNCIAS EM ENGENHARIA DE TRANSPORTES. Aprovada por: ________________________________________________ Prof. Rômulo Dante Orrico Filho, Dr. Ing. ________________________________________________ Prof. Hostilio Xavier Ratton Neto, Dr. ________________________________________________ Prof. Raul de Bonis Almeida Simões, D. Sc. ________________________________________________ Prof. Enilson Medeiros dos Santos, D. Sc. ________________________________________________ Prof. Newton Rabello de Castro Júnior, Ph.D. RIO DE JANEIRO, RJ - BRASIL SETEMBRO DE 2008

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A SEGREGAÇÃO DA INFRA-ESTRUTURA COMO ELEMENTO

REESTRUTURADOR DO SISTEMA FERROVIÁRIO DE CARGA NO BRASIL

José Eduardo Saboia Castello Branco

TESE SUBMETIDA AO CORPO DOCENTE DA COORDENAÇÃO DOS

PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO DE ENGENHARIA DA UNIVERSIDADE

FEDERAL DO RIO DE JANEIRO COMO PARTE DOS REQUISITOS

NECESSÁRIOS PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE DOUTOR EM CIÊNCIAS EM

ENGENHARIA DE TRANSPORTES.

Aprovada por:

________________________________________________

Prof. Rômulo Dante Orrico Filho, Dr. Ing.

________________________________________________

Prof. Hostilio Xavier Ratton Neto, Dr.

________________________________________________

Prof. Raul de Bonis Almeida Simões, D. Sc.

________________________________________________

Prof. Enilson Medeiros dos Santos, D. Sc.

________________________________________________

Prof. Newton Rabello de Castro Júnior, Ph.D.

RIO DE JANEIRO, RJ - BRASIL

SETEMBRO DE 2008

ii

Castello Branco, José Eduardo Saboia

A Segregação da Infra-Estrutura como Elemento

Reestruturador do Sistema Ferroviário Brasileiro. – Rio de

Janeiro: UFRJ/COPPE, 2008.

XIII, 209 p.: il.; 29,7 cm.

Orientador: Rômulo Dante Orrico Filho

Tese (doutorado) – UFRJ/COPPE/Programa de

Engenharia de Transportes, 2008.

Referencias Bibliográficas: p. 194-209.

1. Transporte Ferroviário. 2. Exploração. 3. Segregação da

Infra-Estrutura. I. Orrico Filho, Rômulo Dante. II.

Universidade Federal do Rio de Janeiro, COPPE, Programa de

Engenharia de Transportes. III. Título.

iii

AGRADECIMENTOS

Aos professores do Programa de Engenharia de Transportes da COPPE/UFRJ, pela

oportunidade que tive de assimilar novos conhecimentos, parte dos quais permitiram o

desenvolvimento deste trabalho acadêmico.

Ao meu orientador, Rômulo Dante Orrico Filho, por ter aceitado o desafio de trabalhar

cooperativamente em algo novo, complexo e desafiador.

À minha família, pelas horas de convívio trocadas pelas despendidas neste trabalho

acadêmico.

iv

Resumo da Tese apresentada à COPPE/UFRJ como parte dos requisitos necessários para

a obtenção do grau de Doutor em Ciências (D.Sc.)

A SEGREGAÇÃO DA INFRA-ESTRUTURA COMO ELEMENTO

REESTRUTURADOR DO SISTEMA FERROVIÁRIO DE CARGA NO BRASIL

José Eduardo Saboia Castello Branco

Setembro/2008

Orientador: Rômulo Dante Orrico Filho

Programa: Engenharia de Transportes

Este trabalho desenvolve um novo modelo de exploração ferroviária, aplicável ao

sistema de transporte de cargas por esse modo no Brasil, baseado na segregação da infra-

estrutura, aqui considerada como caso especial de desagregação de estrutura verticalizada

(unbundling), gerando uma situação em que a via férrea, de maneira semelhante a uma

rodovia, é franqueada, sob certas condições, a novos operadores, estimulando a

competição intra-trilhos e conferindo maior eficácia a ativos ferroviários subutilizados. Um

detalhado estudo de caso corrobora a viabilidade do modelo proposto, e um novo

conjunto de diretrizes institucionais e operacionais é proposto, já que o sistema ferroviário

nacional possui peculiaridades que não permitem a simples transposição de práticas

similares adotadas em outros países do mundo, em especial as da Comunidade Européia.

v

Abstract of Thesis presented to COPPE/UFRJ as a partial fulfillment of the requirements

for the degree of Doctor of Science (D.Sc.)

THE INFRASTRUCTURE SEGREGATION AS A REESTRUCTURING ELEMENT

FOR THE RAILWAY FREIGHT SYSTEM IN BRAZIL

José Eduardo Saboia Castello Branco

September/2008

Advisor: Rômulo Dante Orrico Filho

Department: Transportation Engineering

This work develops a new model of railway operation, applicable to freight

transportation through this mode in Brazil, based on the segregation of the infrastructure,

here considered as special case of a verticalized structure breakdown (unbundling), creating

a situation where a railway, in similar way of a highway, is franchised, under certain

conditions, to new operators, stimulating competition intra-rails and giving greater

efficiency to underutilized railway assets. A comprehensive case study confirms the

feasibility of the proposed model, and new institutional and operational guidelines are

proposed, as the national rail freight system has peculiarities that do not allow the simple

transposition of similar practices adopted by other countries in the world, particularly those

in the European Community.

vi

ÍNDICE DO TEXTO

1 INTRODUÇÃO

1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS 1

1.2 O PROBLEMA 3

1.3 RELEVÂNCIA DO ASSUNTO 5

1.4 OBJETIVO DO ESTUDO 6

1.5 JUSTIFICATIVA 7

1.6 METODOLOGIA DE TRABALHO 7

2 DESENVOLVIMENTO FERROVIÁRIO NO BRASIL E NO

EXTERIOR

2.1 DIFERENTES FASES 9

2.2 DETALHAMENTO DA EVOLUÇÃO 11

2.2.1 América do Norte 11

2.2.2 Europa 23

2.2.3. Ásia e Oceania 29

2.2.4 América do Sul 34

2.3 RESUMO 60

3 PROCESSOS DE REESTRUTURAÇÃO

3.1 PRELIMINARES 62

3.2 OLIGOPOLIZAÇÃO E PULVERIZAÇÃO 65

3.2.1 Oligopolização (Fusões e Cisões) 65

3.2.2 Cisões sem Segregação da Infra-Estrutura 68

3.3 PRIVATIZAÇÕES 71

3.4 SEGREGAÇÃO DA INFRA-ESTRUTURA 77

4 ANÁLISE DA POSSÍVEL SEGREGAÇÃO DA INFRA-ESTRUTURA

NO BRASIL

4.1 PRELIMINARES 84

4.2 FUNDAMENTOS ECONÔMICOS GERAIS 85

4.3 FUNDAMENTOS ECONÔMICOS ESPECÍFICOS 90

4.3.1 Preliminares 90

vii

4.3.2 O Setor de Telecomunicações 91

4.3.3 Os Setores de Eletricidade e de Gás Natural 93

4.3.4 O Setor de Saneamento 96

4.3.5 O Setor Aéreo 97

4.3.6 Resumo 98

4.4 PESQUISA AMPLA 99

4.5 ENTREVISTAS 100

4.5.1 Justificativa e Metodologia 100

4.5.2 Resultados Obtidos 101

4.5.3 Análise dos Resultados 104

4.5.4 Resumo das Entrevistas 105

5 ESTUDO DE CASO

5.1 CRITÉRIOS DE ELEGIBILIDADE DO SEGMENTO FERROVIÁRIO A

ESTUDAR 106

5.2 SEGMENTOS FERROVIÁRIOS ELEGÍVEIS PARA ESTUDO 111

5.3 SELEÇÃO DO SEGMENTO A ESTUDAR 116

5.4 NOTAS ADICIONAIS SOBRE O CORREDOR CORUMBÁ – SANTOS 121

5.5 FLUXOS RODOVIÁRIOS E FERROVIÁRIOS NA ÁREA DE

ABRANGÊNCIA DO CORREDOR ESCOLHIDO 123

5.6 ESTIMATIVA DOS NOVOS FLUXOS FERROVIÁRIOS PASSÍVEIS DE

CAPTAÇÃO PELOS NOVOS OPERADORES FERROVIÁRIOS 124

5.7 ESTIMATIVA DOS CUSTOS DA OPERAÇÃO FERROVIÁRIA

SEGREGADA 126

5.7.1 Premissas Básicas 126

5.7.2 Aquisição de Material Rodante 128

5.7.3 Manutenção do Material Rodante 131

5.7.4 Combustível e Lubrificantes 132

5.7.5 Pessoal Operativo 132

5.7.6 Administração 133

5.7.7 Trackright 133

5.8 ESTIMATIVA DAS RECEITAS 134

5.8.1 Receitas de Fretes 134

viii

5.8.2 Deduções da Receita 134

5.8.3 Depreciação 135

5.8.4 Contribuição Social sobre o Lucro 136

5.8.5 Imposto de Renda 136

5.8.6 Lucro Líquido 137

5.9 AVALIAÇÃO FINANCEIRA 137

5.9.1 Questões Básicas 137

5.9.2 Figuras de Mérito - Caso Básico 139

5.9.3 Figuras de Mérito – Análise de Sensibilidade 139

5.9.4 Conclusões da Avaliação Financeira do Estudo de Caso 141

5.10 AVALIAÇÃO ECONÔMICA 141

5.10.1 Preliminares 141

5.10.2 Fluxo de Caixa e Figuras de Mérito 143

5.10.3 Conclusões da Avaliação Financeira do Estudo de Caso 143

6. SUGESTÕES PARA IMPLANTAÇÃO DA SEGREGAÇÃO DA

INFRA-ESTRUTURA NO BRASIL

6.1 ASPECTOS LEGAIS A CONSIDERAR 144

6.1.1 Preliminares 144

6.1.2 Embasamento Legal Segregação da Infra-Estrutura do Ponto

de Vista do Poder Concedente 145

6.1.3 Embasamento Legal Segregação da Infra-Estrutura do Ponto

de Vista do Concessionário 149

6.1.4 Nota sobre as Parcerias Público-Privadas 151

6.2 ARRANJOS INSTITUCIONAIS SUGERIDOS 152

6.2.1 Linhas Existentes e Concedidas 153

6.2.2 Contornos e Variantes em Linhas Existentes e Concedidas 155

6.2.3 Novas Linhas 159

6.3 SUGESTÕES PARA TARIFAÇÃO DE VIAS SEGREGADAS 162

6.3.1 Preliminares 162

6.3.2 Aspectos Conceituais 163

6.3.3 Práticas de Tarifação da Infra-Estrutura 168

6.3.4 Proposta para Piso Tarifário no Brasil 170

ix

6.3.5 Proposta para Teto Tarifário no Brasil 172

6.3.6 Sugestão para Tarifas Intermediárias no Brasil 175

6.4 SUGESTÕES DE CONDICIONANTES DE ACESSO 177

6.4.1 Preliminares 177

6.4.2 Licença do Gestor e do Operador 178

6.4.3 Certificação em Segurança Operacional 178

6.4.4 Certificação de Compatibilidade 179

6.4.5 Acordos Operacionais 179

6.4.6 Práticas Não-Discriminatórias 179

6.4.7 Apuração e Responsabilização de Acidentes 180

7 CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

7.1 CONCLUSÕES 185

7.2 RECOMENDAÇÕES 189

7.3 SUGESTÕES PARA FUTUROS TRABALHOS 191

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 192

x

ÍNDICE DE FIGURAS

Figura 1: Distribuição da malha ferroviária mundial

Figura 2: Evolução da rede ferroviária canadense

Figura 3: Mapa das concessões de terras a ferrovias nos EUA

Figura 4: Evolução da malha ferroviária norte-americana

Figura 5: Distribuição modal nos EUA ao longo do tempo

Figura 6: Distribuição modal na Suécia ao longo do tempo

Figura 7: Evolução da quilometragem e do lançamento de trilhos na Grã-Bretanha

Figura 8: Participação da ferrovia na matriz dos transportes no Japão

Figura 9: Malha ferroviária australiana

Figura 10: Evolução da taxa de cobertura (%)

Figura 11: Investimentos federais 1960 – 1990

Figura 12: Coeficiente de exploração da RFFSA

Figura 13: Proprietários das ferrovias locais e regionais nos EUA

Figura 14: Espectro crescente da participação privada no setor ferroviário

Figura 15: Evolução da produção de transporte na América Latina (tonelada útil x km)

Figura 16: Arranjo institucional resultante da segregação da infra-estrutura ferroviária

Figura 17: Índice de liberalização ferroviário

Figura 18: Excedentes do produtor e do consumidor

Figura 19: Eficiência alocativa

Figura 20: Ineficiência alocativa do monopólio

Figura 21: Modelo de comprador único no setor elétrico

Figura 22: Modelo de competição do atacado no setor elétrico

Figura 23: Arranjo institucional do sistema de gás natural

Figura 24: Arranjo institucional no sistema saneamento

Figura 25: Resultados da enquete no sítio da Revista Ferroviária

Figura 26: Evolução da distância média de transporte

Figura 27: Delimitação das áreas de abrangência do corredor ferroviário

Figura 28: Diagrama unifilar da demanda ferroviária

Figura 29: Exemplo de vagão hopper fechado para cargas a granel

Figura 30: Exemplo de vagão plataforma para contêineres

Figura 31: Exemplo de vagão tanque para óleo de soja

xi

Figura 32: Locomotivas estocadas para venda nos EUA

Figura 33: Arranjo de segregação no caso de vias já concedidas

Figura 34: Arranjo de segregação no caso variantes e contornos da malha concedida

Figura 35: Divisão dos investimentos em Carajás

Figura 36: Arranjo de segregação no caso novas linhas

Figura 37: Arranjo para apuração de acidentes

Figura 38: Arranjo para responsabilização por acidentes

xii

ÍNDICE DAS TABELAS

Tabela 1: Quadro-resumo das concessões de terra a ferrovias nos EUA em 1872

Tabela 2: Avaliação financeira dos empreendimentos ferroviários (ex post)

Tabela 3: Avaliação econômica dos empreendimentos ferroviários (ex post)

Tabela 4: Tarifação da infra-estrutura ferroviária sueca

Tabela 5: Arranjo institucional australiano em 1992

Tabela 6: Arranjo institucional australiano em 2005

Tabela 7: Quadro concessional das ferrovias de carga argentinas

Tabela 8: Critérios de pontagem no processo de concessionamento argentino

Tabela 9: Fases do desenvolvimento ferroviário brasileiro

Tabela 10: Direitos e deveres dos concessionários pela Lei 641

Tabela 11: Principais avanços introduzidos pelas legislações de 1873/74

Tabela 12: Titularidade e gestão operacional das ferrovias no período 1889 – 1930

Tabela 13: Empréstimos externos do Brasil em 1928

Tabela 14: Situação institucional e empresarial das ferrovias brasileiras em 1926

Tabela 15: Expansão física do modo rodoviário

Tabela 16: Quadro-resumo do processo concessional brasileiro

Tabela 17: Causas básicas do declínio ferroviário

Tabela 18: Arranjos institucionais dos operadores ferroviários

Tabela 19: Fusões e aquisições ferroviárias recentes na área do NAFTA

Tabela 20: Panorama das ferrovias locais e regionais nos EUA

Tabela 21: Privatizações ferroviárias na América Latina

Tabela 22: Evolução da produção de transporte no Brasil (tonelada útil x km)

Tabela 23: Privatizações ferroviárias na África

Tabela 24: Privatizações ferroviárias na Ásia

Tabela 25: Custos incidentes sobre uma infra-estrutura de transporte

Tabela 26: Gestores da infra-estrutura ferroviária na CE

Tabela 27: Modelagem prevista para o unbundling no Brasil

Tabela 28: Estimativa da capacidade operativa de ferrovias

Tabela 29: Elegibilidade de segmento ferroviário para estudo de caso

Tabela 30: Momento bruto de transporte anual (tkb)

Tabela 31: Fluxo de caixa do estudo - caso básico

Tabela 32: Análise de sensibilidade

xiii

Tabela 33: Ativos da infra-estrutura ferroviária

1

1 INTRODUÇÃO

1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O transporte sobre trilhos, iniciado no século XVII em minas de carvão

subterrâneas da Inglaterra, expandiu-se para a superfície no início do século XIX,

amparado tecnologicamente na Revolução Industrial inglesa, por sua vez alavancada pelas

grandes reservas de carvão mineral, minério de ferro, abundância de mão-de-obra barata e

expressivo mercado consumidor desse país.

No final do século XIX e início do século XX a ferrovia exerceu o monopólio

absoluto sobre os transportes terrestres, fato que pode ser ilustrado pelo sentido

etimológico do termo via permanente ferroviária, até hoje empregado para designar o conjunto

dos elementos que constituem a estrada por onde circularão os veículos ferroviários

(trilhos, dormentes, lastro, sublastro, obras de terra, obras-de-arte especiais e obras-de-arte

correntes). Nesse contexto, a ferrovia era um meio de transporte permanentemente aberto ao

tráfego, enquanto que as rodovias, ou mais apropriadamente caminhos carroçáveis àquela

época, eram freqüentemente intransitáveis em períodos de chuvas, neves, degelo etc., o que

portanto reforça o caráter monopolista antes citado.

Com o advento do transporte rodoviário, e sobretudo após a Primeira Grande

Guerra, o transporte ferroviário observou um lento porém constante processo de declínio,

em quase todo o mundo, com a exceção dos países ditos socialistas, onde as forças de

mercado eram contidas por rígidas e autocráticas políticas públicas, tendo como agentes

empresas do Estado. Com a derrocada da opção socialista, no final do século XX, também

nesses países observam-se perdas dos mercados ferroviários para seus competidores.

De uma maneira geral, a maioria das ferrovias teve sua origem privada. Sua crise,

gerada pelas perdas de mercado no século XX, obrigou a intervenções governamentais

diversas, num primeiro momento traduzidas pela estatização de empresas, que

posteriormente foram agrupadas em malhas regionais ou mesmo numa única empresa

nacional estatal. Outros movimentos regulatórios e de reestruturação organizacional e

institucional foram postos em prática para fortalecer a ferrovia, como adiante explicitado.

Alguns resultados dessas medidas já podem ser mensurados, como a desregulamentação do

transporte ferroviário nos EUA, através do Stagger´s Act de 1980, que propiciou seu

revigoramento, enquanto que outros ainda dependem de um período de maturação.

2

No caso brasileiro, todos os cerca de 9.500 km de ferrovias legados pelo Segundo

Império à República foram empreendimentos que começaram privados, estimulados

grandemente pelos institutos da garantia de juros e da subvenção quilométrica. Na

República Velha, as ferrovias foram pouco a pouco foram sendo absorvidas pela União e

pelo Estado de São Paulo, em função de déficits financeiros crescentes. Em 1957, as

ferrovias federais foram consolidadas numa única empresa: a Rede Ferroviária Federal S.A.

– RFFSA; o mesmo ocorrendo com as ferrovias paulistas em 1972, aglutinadas na empresa

Ferrovia Paulista S.A. – Fepasa. Em 1996, exaurida a capacidade do poder público de

financiar tanto o gasto de custeio como o de capital dessas empresas, iniciou-se o processo

de concessionamento à iniciativa privada, concluído em 1999 com a federalização seguida

de privatização da Fepasa.

Decorridos cerca de dez anos do início do processo de concessionamento das ferrovias ao setor privado, observa-se que o modelo ferroviário brasileiro, hoje sob a égide da iniciativa privada, inclusive com algumas concentrações acionárias perigosas, tem apresentado alguns impasses de difícil solução. Como salienta Resende (2005), o principal deles recai sobre a expectativa de investimentos na direção de equipamentos e redes capazes de transportar produtos de maior valor agregado e peso bruto menor, submetidos a processos de beneficiamento ou industrialização. As operações atuais estão excessivamente concentradas em granéis sólidos, com forte ênfase no minério de ferro. E tais operações não garantem alternativas ferroviárias para quem precisa reduzir o custo do transporte ou acessar mercados e portos de interesse.

Cálculos feitos pelo autor mostram que a produção do transporte ferroviário brasileiro, no período 1998 – 2006, expressa em momentos de transporte (toneladas x km úteis – tku), cresceu de maneira expressiva, com acréscimo de cerca de 45% no período em questão. Contudo, 80% desse acréscimo derivam do incremento do transporte do complexo minério de ferro (minério bruto e pelotas – 70%) e do complexo soja (grãos e farelo – 10%), onde a ferrovia já era monopolista ou detentora de expressiva fatia desse mercado de transporte na fase pré-privatização.

Isso significa que no período pós-privatização o transporte ferroviário, com

algumas exceções como no caso da operadora ALL (Garrido, 2006), concentrou suas ações

nos denominados corredores de exportação, por onde fluem os grandes volumes de

minério de ferro e soja, em detrimento de outras rotas e mercadorias, fazendo com que a

participação das ferrovias na matriz de transporte continue muito baixa, da ordem de 21%

(CNT, 2005), considerada como unidade de medição o momento de transporte (tonelada

útil x quilômetro).

3

1.2 O PROBLEMA

A excessiva concentração do transporte ferroviário brasileiro em um reduzido

leque de produtos e rotas, embora reforce o típico papel de uma ferrovia – grandes

volumes a grandes distâncias – traz consigo pelo menos dois relevantes aspectos negativos

para a sociedade, quais sejam:

• a ausência de oferta de transporte ferroviário para expressivo contingente de

mercadorias, que dessa maneira praticamente só podem ser escoadas pelo modo

rodoviário, cujos custos logísticos, para um amplo conjunto de produtos (excluído o

minério de ferro dado o caráter do monopolista da ferrovia em relação ao transporte

do mesmo), são em média 25% superiores aos do modo ferroviário (Banco Mundial,

1997);

• o abandono e a subtilização de parte da malha ferroviária brasileira, sendo que no

primeiro caso Toller-Gomes (2003) afirma que cerca de 30% das linhas já não teriam

mais tráfego, algo corroborado por Pereira (2006), que atesta estarem inoperantes

atualmente 10.000 km de ferrovias.

Esse panorama, por seu turno, deriva de um conjunto de situações endógenas e

exógenas, a seguir exemplificado.

Em primeiro lugar, o transporte ferroviário brasileiro, nas últimas décadas, esteve

atrelado em grande medida ao setor siderúrgico, como mostrado no Capítulo 2, adiante

mostrado. Portanto, a expansão do transporte ferroviário, nesse segmento, segue uma

tendência histórica, acelerada ainda pela desvalorização do real e pelo aumento do consumo

de minério de ferro pela China, no período pós-privatização.

Em segundo lugar, a evidente necessidade de pronto retorno do investimento por

parte das concessionárias privadas. Nesse sentido, a operação com trens unitários de

granéis, de menor complexidade e passível de substanciais economias de escala, é a que

produz resultados mais rápidos.

Em terceiro lugar, o sistema ferroviário brasileiro é marcado por graves

impedâncias estruturais, como a ilha de bitola larga no Sudeste rodeada de sistemas de bitola

métrica ao Norte e ao Sul, além do concessionamento à iniciativa privada segundo regiões

geográficas, fatos que estimulam o transporte intramuros e diminuem a distância média de

transporte, tornando a ferrovia menos competitiva ante o caminhão. A título comparativo

4

apenas, verifica-se que no Brasil a distância média de transporte é atualmente de 550 km

(sem variação no período de pós-privatização), contra 1.250 km nos EUA (AAR, 2005).

Isso tudo mostra que o sistema ferroviário brasileiro, embora revigorado pelo

processo de reestruturação via privatização, tem como problemas básicos a concentração

de fluxos em poucas commodities e rotas, acarretando a significativa inexistência de oferta de

transporte mais barato para produtos que não o minério de ferro e soja, e a conseqüente

subtilização ou abandono de vários segmentos da malha.

O que está em jogo é, portanto, conferir-se um uso mais eficiente ao sistema

ferroviário, que aliás não é uma questão única do Brasil.

Nos EUA, a despeito da pujança das suas ferrovias, diversas medidas

reestruturadoras foram implementadas para aumentar sua eficiência na segunda metade

século XX, variando desde a intervenção estatal no setor privado na década de 70,

passando pela total eliminação do transporte de passageiros de média e longa distâncias a

cargo setor privado, pela desregulamentação na década de 80 e chegando às mega-fusões da

década de 90. Isso porque se estava diante de num cenário onde não se construía um único

segmento de ferrovias há décadas e mais de 150.000 km de linhas tinham sido erradicadas

desde o pico de 1916 (AAR, 2005).

Na Europa Ocidental, a necessidade de se conferir maior eficiência às ferrovias

passou a ser uma questão de sobrevivência desse modo de transporte. De fato, a

participação modal das ferrovias no transporte de passageiros (média e longa distâncias)

passou de 10,9% para 6,2%, no período 1970 -1994 (CE, 1996). No caso das ferrovias de

carga, a situação ainda é mais dramática, com a participação da ferrovia despencando de

21,1% para 8,4%, no período 1970 - 1998 (CE, 2001).

A situação européia, em especial a das ferrovias de carga, chegou a tal ponto que

no Livro Branco sobre Transportes na Comunidade Européia é dito que:

O declínio da participação modal da ferrovia, no período 1970-1994, se deu

num cenário onde a expansão do transporte de passageiros foi de 40% e a do

transporte de cargas de 30%. Dessa maneira, não se exclui a possibilidade de

novas quedas nessa participação, significando a real possibilidade do transporte

ferroviário vir a desaparecer de vários e expressivos segmentos do transporte de

mercadorias (CE, 1996).

Como parte do processo de soerguimento de suas ferrovias, as autoridades

governamentais européias tornaram compulsória, para os países-membro da CE, a

segregação da infra-estrutura ferroviária, como adiante detalhado.

5

Verifica-se, dessa maneira, que em diversos países do mundo a problemática

ferroviária tem gerado uma incessante busca pela maior eficiência desse modo de

transporte. O caso brasileiro, dadas suas peculiaridades, apresenta, como já dito, como

ineficiência básica o abandono de significativa parte da malha ferroviária existente e a

concentração do tráfego em algumas mercadorias e rotas preferenciais, com a ausência de

oferta de opção de transporte mais barata a inúmeros segmentos do mercado de fretes.

Será esse o problema a tratar neste trabalho acadêmico, à luz das experiências

reestruturadoras implantadas em outros países.

1.3 RELEVÂNCIA DO ASSUNTO

No subitem anterior definiu-se como problema a tratar a limitação da oferta de

transporte ferroviário de carga no Brasil, e, portanto a impossibilidade de se ter fretes mais

baratos para a carga geral, fruto da concentração dos esforços das operadoras em poucos

fluxos e rotas e do abandono de 30% da malha existente.

A relevância do assunto está, portanto, intimamente, de um lado, ao denominado

“custo Brasil”, que majora o custo final das mercadorias, dadas as ineficiências diversas em

seus custos logísticos.

Em termos financeiros, pode-se estimar, de um lado, o uso ineficaz de ativos no

valor de U$ 10 bilhões, representados pela porção da malha ferroviária não mais utilizada

pelos atuais concessionários, considerando-se um total de linhas inoperantes de 10.000 km,

valoradas à razão de U$ 1 milhão por quilômetro.

De outro lado, uma maior participação da ferrovia no mercado de fretes poderia

propiciar reduções no valor dos fretes. Para cada ponto porcentual de aumento das

ferrovias na matriz de transportes de carga, capturado ao modo rodoviário, ter-se-ia uma

economia de R$ 100 milhões anuais em fretes, cálculo esse que teve como base:

valor anual de produção de transporte de 795 bilhões de tku (CNT, 2005);

produto médio ferroviário de R$ 36,4 por mil tku (CEL, 2005);

valor médio da redução do frete ferroviário em relação ao rodoviário de 25% (Banco

Mundial, 1997).

Evidentemente, ao valor de economia em fretes poderiam ser adicionadas as

externalidades positivas do modo ferroviário frente ao modo rodoviário, tais como redução

de acidentes, redução do consumo de combustível e redução do custo operacional de

6

manutenção de rodovias (menor desgaste do pavimento), o que realça a relevância do uso

mais eficiente das ferrovias, e, por conseguinte, deste trabalho.

1.4 OBJETIVO DO ESTUDO

Nos subitens anteriores foram caracterizados, em essência, alguns aspectos

relevantes da problemática ferroviária brasileira e a relevância de medidas que visem sua

mitigação.

Dessa forma o presente trabalho tem como objetivo o estudo de medidas

reestruturadoras capazes de potencializar o uso da malha ferroviária existente, como forma

de ampliar a oferta de transporte ferroviário, na solução do problema de melhor utilização

ao patrimônio público e redução do denominado custo Brasil através de fretes mais baratos.

O escopo do trabalho trata exclusivamente do transporte ferroviário de carga, de

grande interesse ao desenvolvimento nacional, tendo em vista o caráter marginal do

transporte ferroviário de passageiros de média e longa distâncias no Brasil.

Nesse sentido, este trabalho visa estudar a aplicabilidade de uma das mais

promissoras e revolucionárias medidas reestruturadoras do setor ferroviário: o livre acesso

à infra-estrutura ferroviária, tornado compulsório na Europa Ocidental, Austrália e Nova

Zelândia, ao final do século XX, denominado na literatura estrangeira por unbundling.

Por esse mecanismo, implanta-se a competição intratrilhos, estabelecem-se

competências de operadores em certos nichos de mercado e cria-se maior dinâmica

operacional, o que deve ser confrontado com a perda de coordenação e de eventuais

economias de escala, típicas de empresas ferroviárias verticalizadas.

Dados os condicionantes jurídicos que regem as atuais concessões ferroviárias,

pretende-se verificar as possibilidades da segregação da infra-estrutura em situações

específicas, de forma voluntária, pelo convencimento técnico e econômico de suas

vantagens junto às operadoras, procurando-se reduzir conflitos que certamente adviriam de

reformulações abruptas nos contratos de concessão.

7

1.5 JUSTIFICATIVA

Muito embora alguns aspectos que justificam o estudo estejam disseminados nos

tópicos anteriores, faz-se necessário frisar que o estudo do unbundling em segmentos

selecionados da malha ferroviária brasileira tem como fato gerador a necessidade de se

conferir maior eficiência, eficácia e efetividade a esse modo de transporte, algo que o

processo de privatização, de per si, não mostra evidências de poder superar quando não

estão em jogo grandes fluxos de granéis para a exportação.

Mais ainda, deve-se destacar o fato que diversos serviços públicos, operando sob a

forma de redes, já adotam o princípio do unbundling, como telecomunicações e energia,

onde a infra-estrutura física, em muitos casos, é partilhada por diversos operadores.

Portanto a extensão desse conceito à área ferroviária segue uma tendência mundial, não

sendo portanto fruto de nenhum modismo ou atividade prospectiva ou exploratória

apenas.

Destarte, espera-se que esse trabalho, caracterizada sua positividade, possa

motivar ferrovias, órgãos reguladores, transportadores de carga em geral e outros atores a

aumentar o transporte de carga sobre trilhos no País, em fluxos e corredores que não

necessariamente os de exportação, reduzindo as chances de apagões logísticos e minorando

o custo Brasil.

Ademais, é importante observar que o tema da segregação da infra-estrutura

ferroviária é novidade no meio acadêmico nacional, de sorte que as contribuições aportadas

por este trabalho certamente estarão grafadas com a marca da originalidade e poderão

embasar futuras teses e dissertações na área do transporte de carga sobre trilhos.

1.6 METODOLOGIA DE TRABALHO

A metodologia de trabalho desenvolvida envolve:

• uma retrospectiva do processo de declínio da ferrovia ante os modos de transporte

competidores;

• uma revisão das principais medidas reestruturadoras adotadas mundialmente para

reversão ou minoração do declínio antes citado, em especial o unbundling;

• elaboração de pesquisa de opinião sobre o unbundling;

8

• entrevistas qualificadas sobre a adequação dessa medida reestruturadora com

autoridades, especialistas e clientes da área de transporte de carga, em especial o

ferroviário;

• estudo e simulação de caso de segmento ferroviário com livre acesso;

• modelagem do setor ferroviário para segregação da infra-estrutura.

9

2 DESENVOLVIMENTO FERROVIÁRIO NO BRASIL E NO EXTERIOR

2.1 DIFERENTES FASES

O transporte guiado em superfície, que originou o modo ferroviário, vem do

tempo dos romanos, tendo sido encontrados vestígios de sulcos em blocos de calcário,

formando trilhas para as rodas de carroças com tração animal, usadas na exploração de

jazidas de material rochoso (Setti, 2000).

O uso de trilhos de madeira como superfície de rolamento, associado a vagonetes

com rodas flangeadas, remonta ao século XVI, na Alemanha, como facilitador da

movimentação de carvão extraído de minas subterrâneas a curtas distâncias, em geral rumo

a canais ou rios navegáveis, fazendo-se uso da tração animal. Essa prática foi rapidamente

assimilada pela Grã-Bretanha, que não só a implementou em suas vastas províncias

carboníferas, como a estendeu, no início do século XVII, ao transporte de produtos em

geral, como foi o caso, por exemplo, da ligação entre Strelley e Wollanton, na região de

Nottingham.

Ainda com base em Setti (2000), tem-se que em 1776, em minas de carvão de

Shropshire, na Inglaterra, os trilhos de madeira são substituídos por trilhos de ferro, de

maior durabilidade, cunhando-se então o termo ferrovia. Já no século XIX, em 1801, o

governo inglês autoriza o início da operação na Surrey Iron Railway, ligando Wandsworth a

Croyden, com tração animal. Essa tração é substituída pela mecânica quando da abertura ao

tráfego em 1825 da Stockton e Darlington Railway, Inglaterra, onde foi empregada uma

locomotiva a vapor com razoáveis condições de tração e aderência, projetada por George

Stephenson, um engenheiro de minas, especialidade precursora de engenharia ferroviária.

Após as primeiras experiências na Inglaterra, a ferrovia se expande de forma

notável pelos quatro continentes, sobretudo na segunda metade do século XIX e no início

do século XX. Segundo Encyclopaedia Britannica (2006), o auge da expansão ferroviária,

em termos de extensão, ocorre em 1917, com a existência de cerca de 1.600.000 km de

linhas implantadas em todo o mundo, das quais 30% situadas na América do Norte.

Observe-se, por oportuno, que esse pico é fortemente influenciado pelo ápice da

implantação ferroviária nos EUA, ocorrido em 1916, ocasião em que esse país dispunha de

uma malha de 254.000 milhas (406.400 km), conforme levantamento de Hallberg (2004).

10

Atualmente, segundo UIC (2004), a extensão das ferrovias é pouco superior a um

milhão de quilômetros, abrangendo cerca de 120 países. Como mostrado na figura 1, as

cinco grandes malhas de EUA, Canadá, Comunidade de Estados Independentes – CIS

(antiga União Soviética), Índia e China respondem por 53% da extensão total. Essas

mesmas malhas, contudo, representam 90% da produção de transporte (tku). A América

Latina ocupa uma modesta posição nesse contexto, com 10% da extensão e pouco mais de

1% da produção de transporte.

Comparada ao pico do início do século XIX, a rede ferroviária mundial apresenta

uma retração de algo no entorno de 30%, mostrando que a redução das vias férreas não é,

em absoluto, um problema de uns poucos países como o Brasil, por exemplo, mas algo de

caráter abrangente.

Fontes: UIC (2004) e Banco Mundial (1993).

Figura 1: Distribuição da malha ferroviária mundial

Há certo consenso na delimitação das fases do desenvolvimento ferroviário, a

saber: expansão, declínio e reestruturação. Essas fases, muito embora existam diferenças

temporais em suas ocorrências, são verificadas na maioria dos países, e estão diretamente

relacionadas à expansão do rodoviarismo.

Nos itens que se seguem será detalhada a evolução do desenvolvimento

ferroviário em países e regiões selecionados de cinco dos seis continentes do globo

terrestre, já que a Antártica não possui sistema ferroviário.

11

Julga-se que o conhecimento dessa evolução, em especial os processos de

reestruturação, seja de fundamental importância para o embasamento e proposituras deste

trabalho acadêmico.

2.2 DETALHAMENTO DA EVOLUÇÃO

2.2.1 América do Norte

2.2.1.1 Canadá

A origem das ferrovias canadenses se dá com a abertura ao tráfego da Champlain

and St. Lawrence Railroad em 1836. Outros empreendimentos se sucedem, alguns

alavancados pelo instituto da garantia de juros, como relatado por Benévolo (1953), que,

além do Canadá, informa da existência desse mecanismo de financiamento na implantação

de diversos sistemas ferroviários, em países como Índia, Suécia, Itália (Lucca – Pistóia),

EUA, Peru, França, Rússia, Holanda e Dinamarca, com os juros sobre o capital variando

de 4% a 6%. No Brasil, como será adiante visto, a garantia de juros foi largamente utilizada

no Segundo Império com elemento indutor da expansão ferroviária.

No entanto, a expansão das vias férreas canadenses, no seu início, contou com

outro e mais importante estímulo: a concessão de terras, de modo que estas (Crownest,

2004):

• servissem de lastro para empréstimos a serem contraídos pelas ferrovias privadas no

mercado financeiro;

• propiciassem receita para as ferrovias, através da venda de lotes a futuros fazendeiros;

• induzissem tráfego às ferrovias, pela geração de atividade econômica nas terras lindeiras

ao traçado;

• suprissem as ferrovias de madeira para pontes e dormentação.

Curiosamente, o processo de concessão de terras às ferrovias no Canadá teve

origem em 1871, ano em que essa prática foi encerrada nos EUA. Esse fato, no entanto,

tem por detrás de si uma importante constatação: a de que, mesmo sabedor da resistência a

esse mecanismo de financiamento nos EUA, o Canadá optou pela sua implementação,

mostrando a relatividade das óticas de avaliação.

De fato, a formação do Canadá, como país, tem como um de seus marcos a união,

sob forma confederativa, das províncias daquela colônia britânica em 1867 (Quebec,

12

Ontario, New Brunswick, Nova Scotia e Northwest Territories, com a adesão de Manitoba

em 1870). Nessa união inicial, no entanto, não figurou a importante província da Colúmbia

Britânica, que só veio a fazê-lo em 1871, porém com um condicionante: a construção, pelo

governo confederativo, de uma ferrovia transcontinental interligando as províncias do

Leste ao Oeste canadenses num prazo de 10 anos, atravessando as montanhas Rochosas e

a cordilheira de Cascade, um formidável desafio para uma nação de apenas quatro milhões

de habitantes àquela época. Essa ferrovia, a Canadian Pacific Railway, se tornaria mais tarde

numa das mais importantes ferrovias do continente americano, situação que prevalece até

os dias de hoje.

Além da Canadian Pacific, a política de concessão de terras, pelos governos

confederativo e provinciais do Canadá, se estendeu a diversos outros empreendimentos

ferroviários, ditos colonizadores, totalizando cerca de 16 milhões de hectares ou 160.000

km2, equivalendo, por exemplo, à extensão territorial dos estados do Amapá (153.000 km2)

ou Ceará (149.000 km2).

A política de concessão de terras canadense, embora baseada nos procedimentos

empregados nos EUA, difere destes em dois pontos fundamentais: a elasticidade e legalidade

(Hedges, 1934). Em termos elasticidade pode-se dizer que a distribuição de terras nos EUA

obedeceu a critérios mais inelásticos, com a distribuição de terras para ferrovias

obedecendo a rígidos critérios geométricos (determinada extensão ao longo do eixo das

vias), enquanto no Canadá a legislação introduziu o conceito de fit for settlement, no sentido

de que as terras concedidas deveriam ser propícias à colonização. Em termos de legalidade

nota-se que, enquanto no congresso dos EUA se discutiu amplamente a questão se o

congresso possuía ou não atribuição para conceder terras a ferrovias privadas, no Canadá

essa questão mostrou-se de certa forma consensual, muito embora os processos de

concessionamento de terras nesse último país tenham sido marcados por fortes embates

políticos, porém sob o enfoque da oportunidade do tema e não de sua legalidade.

Tendo atingido seu principal objetivo, que foi a construção de algumas ferrovias

pioneiras, essa política canadense foi descontinuada cerca de duas décadas e meia após seu

início. Isso porque a colonização das terras lindeiras não estava acontecendo no ritmo

esperado, não havia mercado para aquisição de terras em novos empreendimentos

ferroviários após a construção da Canadian Pacific Railway e também porque a opinião

pública considerava que as ferrovias (então monopolistas) estavam sendo demasiadamente

privilegiadas.

13

As ambições capitalistas e a necessidade de colonização do país, combinadas com

crença de que as ferrovias eram eficazes agentes deste último processo, fizeram com que os

governos geral e provincial concedessem terras a diversas ferrovias, ditas colonizadoras.

Espelhadas no sucesso ferroviário norte-americano e no exemplo da CPR, uma febre de

organização de ferrovias colonizadoras se instalou no Canadá, existindo estimativas da

organização de 500 empresas, das quais menos de 100 realmente operaram. Contudo, a

falta de planejamento, o excesso de otimismo, a preferência dos imigrantes europeus pelos

EUA e interesses comerciais dos empreendedores apenas na aquisição de terras a preços

subsidiados foram alguns dos principais motivos que levaram muitas dessas ferrovias à

bancarrota.

Ainda segundo Hedges (1934), essas ferrovias, diferentemente do caso da CPR,

considerado um empreendimento de integração nacional, foram freqüentemente exemplos

de quebra de contrato e de abusos na política de concessão de terras. Muitas dessas

ferrovias, tal como no Brasil, foram concebidas mais para usufruir das benesses

governamentais do que da exploração ferroviária propriamente dita, a ponto da imprensa

canadense da época considerar que as concessões feitas à CPR representaram o melhor

dessa política, e as concessões feitas às ferrovias colonizadoras o seu pior.

Seja como for, as pequenas ferrovias foram sendo absorvidas pelas maiores, e

parte delas, em absoluta insolvência, foram incorporadas à Canadian National, uma

empresa estatal criada em 1918, que mais tarde se tornaria a maior empresa ferroviária do

país.

A malha ferroviária canadense estava consolidada por volta de 1920 (Goodmans,

2001), época em que a infra-estrutura rodoviária era extremamente limitada e as ferrovias

eram o modo de transporte dominante, compreendendo uma extensão de

aproximadamente 39.000 km.

Dessa data até a década de 80 (século XX), houve um pequeno decréscimo nessa

quilometragem, chegando-se a 36.500km em 1989. Enfrentando intensa competição com

outros modos de transporte e amparadas em novas bases regulatórias, em especial o

Canadian Transportation Act, de 1987, as ferrovias canadenses puseram em prática

inúmeras iniciativas objetivando tornar seu transporte mais competitivo, dentre as quais a

venda ou o abandono de segmentos antieconômicos, algo não permitido pela legislação

anterior. No período 1989-2004, isso significou a redução de 6.000 km na rede ferroviária

desse país, como ilustrado na figura 2.

14

0

5.000

10.000

15.000

20.000

25.000

30.000

35.000

40.000

1989

1990

1991

1992

1993

1994

1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

Extensão (km

)

Fontes: US Census Bureau (2006) e Statistics Canadá (2006).

Figura 2: Evolução recente da malha ferroviária canadense

O final do século XX também é marcado pela privatização da maior ferrovia

canadense: a Canadian National - CN, ocorrida em 1995. Em paralelo, acontece também

nesse período a aquisição de ferrovias norte-americanas pelas duas grandes ferrovias

canadenses:

• aquisição da Illinois Central pela Canadian National;

• compra da Soo Line Railroad Company e da Delaware and Hudson Railway Company

pela Canadian Pacific.

Atualmente o Canadá dispõe de duas grandes ferrovias e mais de 50 ferrovias

regionais e linhas curtas (shortlines), que transportam 290 milhões de toneladas anualmente,

90% das quais através das grandes ferrovias. A participação das ferrovias na matriz de

transportes domésticos de carga é mostrada na figura 3, podendo-se observar o predomínio

do modo rodoviário, mesmo tendo como concorrentes duas das ferrovias tidas como as

mais eficientes do mundo (Apedaile, 2003).

Fonte: Apedaile (2003).

15

Figura 3: Distribuição modal do transporte de carga doméstico no Canadá 2.2.1.2 Estados Unidos

A primeira ferrovia a operar sob bases comerciais nos EUA pertencia à empresa

de navegação Delaware and Hudson Canal Company’s, em 1829, através da circulação da

locomotiva a vapor Stourbridge Lion e alguns vagões de madeira importados da Inglaterra,

logo após, portanto, o início do desenvolvimento ferroviário nesse país (1825).

O setor ferroviário norte-americano experimentou um notável crescimento desde

então, algo que pode ser facilmente entendido pelo fato de que, em 1850, esse país possuía

cerca de 15.000 km de linhas, o equivalente à soma das extensões das estradas de ferro de

todo o resto do mundo (Hallberg, 2004).

Outro fato que demonstra o poder das ferrovias norte-americanas foi o

estabelecimento, em 1883, de cinco fusos horários naquele país, objetivando sistematizar os

horários dos trens, prática que se manteve até os dias de hoje (Stover, 1970).

A malha ferroviária norte-americana, tal como a canadense, teve grande impulso

com a política de concessão de terras, motivada pela abundância de terras naquele país. Em

1790, passados 14 anos da proclamação da independência, a jovem nação norte-americana

já possuía 2,3 milhões de km2, valor que posteriormente passou para 9,3 milhões de km2,

como resultado, entre outras, das aquisições da Louisiana , Alasca e Havaí, e da conquista

de territórios antes controlados pelo México.

A disponibilidade de grande extensão de terras despovoadas e a possibilidade de

sua cessão foram, desde a época colonial, vistas como para atrativo para vinda de

imigrantes. No início, as terras eram cedidas aqueles que por conta própria chegassem à

América. Com a independência, os EUA realizaram um extraordinário levantamento

topográfico das terras, pelo Land Ordinance Act de 1785. Por essa lei, iniciou-se o

processo de subdivisão do território em grandes quadrados, denominados townships,

contendo cada um uma área de 36 milhas quadradas, isto é, 93,2 km2. Cada township, por

seu turno, era subdivido em 36 seções, de uma milha quadrada cada - 2,6 km2 (Houghton

Mifflin, 2004).

Em 1830, o governo americano passou a conceder terras como mecanismo de

financiamento para obras públicas, sendo certas quantidades de terras repassadas

gratuitamente para posterior revenda por parte de empreendedores de canais e de rodovias

16

(pedagiadas ou não). Estimativas de Stover (1970) dão conta que, por volta de 1850, cerca

de 30.000 km2 haviam sido cedidos aos empreendedores antes citados.

Era natural, portanto, que as ferrovias também se habilitassem a esse benefício.

Assim, em 1848 houve a aprovação pelo congresso da cessão não-onerosa de terras para as

ferrovias do Grupo Granger: Illinois Central e a Mobile & Ohio Railroad, com a

intermediação de um advogado que posteriormente se tornaria presidente dos EUA:

Abraham Lincoln.

Nessa primeira concessão de terras, configurou-se uma importante política de

governo: como num tabuleiro de xadrez, as ferrovias beneficiadas ficariam com os

quadrados negros (seções de uma milha quadrada cada) dos townships situados numa faixa

de 6 milhas para cada lado do eixo ferroviário, enquanto que os quadrados brancos

(também seções de uma milha quadrada cada) seguiam pertencendo ao governo, que

esperava que a valorização dos seus lotes, pela existência de uma ferrovia, compensasse a

entrega de terras gratuitamente aos empreendedores.

Em 1862, é promulgada uma lei federal (College Land Grant Act) doando terras

aos estados que se dispusessem construir escolas técnicas, ginásios e universidades voltadas

para a agricultura, engenharia e outros temas acadêmicos. Cada estado receberia um

número de acres equivalente ao número de seus representantes no congresso vezes 30.000.

Com isso, cerca de 69.000 km2 de terras foram entregues aos estados, que, através de sua

venda, arrecadaram 7 milhões de dólares, empregados nos estabelecimentos de ensino

antes citados (Houghton Mifflin, 2004).

Nesse mesmo ano, já com Lincoln na presidência, foi assinado o First Railway

Pacific Act, concedendo vastas extensões territoriais a duas ferrovias transcontinentais que

interligariam o Leste do país ao Pacífico: a Central Pacific e a Union Pacific. Diante das

dificuldades técnicas e financeiras no desbravamento do oeste norte-americano, uma nova

lei, o Second Pacific Railway Act, promulgada também por Lincoln em 1864, ampliou os

subsídios agrários permitindo a conclusão desses empreendimentos. Outras ferrovias foram

beneficiadas pela política de concessão de terras federais e estaduais, gerando um

panorama, para 1872, como mostrado na tabela 1 (Decker, 1964).

17

Ferrovia Área

(km2)

1. Chicago, Burlington & Quincy 11.331

2. Union Pacific 48.562

3. Kansas Pacific 24.281

4. Denver Pacific 4.452

5. Central Pacific 32.375

6. Southern Pacific 27.316

7. Northern Pacific 190.202

8. Atlantic and Pacific 161.874

9. Central Branch (Union Pacific) 992

10. Sioux City and Pacific 243

10. Burlington & Montana River 9.894

11. Oregon & California 14.164

Soma 525.686

Fonte: Decker (1964).

Tabela 1: Quadro-resumo das concessões de terra a ferrovias nos EUA em 1872

A figura 3 (LOC, 2004) mostra o contorno final das concessões de terras feitas a

diversas ferrovias norte-americanas, podendo ser vista a parcela territorial que tal política

ensejou, sobretudo nas partes central e oeste do país.

Fonte: LOC (2004).

Figura 3: Mapa das concessões de terras a ferrovias nos EUA

18

A política de concessão de terras a ferrovias foi saudada pelos norte-americanos

como algo necessário ao desenvolvimento do país. Cerca de 530.000 km2 foram cedidos às

ferrovias, dos quais 75% diretamente cedidos pelo governo federal aos empreendedores e

25% dados aos estados, para que estes impulsionassem esse modo de transporte entre suas

divisas (Morris, 1994).

Contudo, segundo esse último autor, esse clima amistoso entre a sociedade e as

ferrovias termina por volta de 1870, quando as empresas ferroviárias tornaram-se

verdadeiros impérios econômicos, monopolistas, em contraste com as modestas condições

de vida dos pioneiros da colonização daquele país. Em 1872, tanto os republicanos, como

os democratas, incluíram em suas plataformas políticas o fim desse tipo de subsídio às

ferrovias. A depressão econômica (período 1870 – 1890) e um escândalo financeiro

envolvendo a empresa de crédito mobiliário da Union Pacific (Credit Mobilier), em 1873,

selaram a sorte da política de concessão de terras, descontinuada desde então. Em 1890, é

aprovada uma lei estabelecendo a retomada, pelo governo, das terras cedidas às ferrovias

que ainda não houvessem sido colonizadas, o que demandou intensas batalhas judiciais.

A avaliação financeira (privada) e econômica da política de concessão de terras foi

feita por Mercer (1984), que analisou sete grandes ferrovias que foram beneficiadas por

esse tipo de subsídio: Central Pacific, Union Pacific, Texas and Pacific, Santa Fe, Northern

Pacific, Great Northern e Canadian Pacific. Todas essas ferrovias cruzavam o território

norte-americano, à exceção da última, que era canadense.

Em termos financeiros (privados) duas hipóteses foram construídas: o

desempenho empresarial das ferrovias citadas com e sem o subsídio das terras e sua

comparação com os custos de oportunidade então vigentes para cada empresa. A tabela 3

ilustra as avaliações feitas.

19

Ferrovia

Taxa interna de retorno

financeiro – TIRF (%)

Sem subsídio Com subsídio

Custo de

oportunidade do

capital (%)

Central Pacific 10,6 11,6 9,0

Union Pacific 11,6 13,1 9,0

Texas and Pacific 2,2 4,3 7,7

Santa Fe 6,1 7,1 7,9

Northern Pacific 6,3 9,2 7,9

Great Northern 8,7 10,0 6,3

Canadian Pacific 3,9 8,4 6,8

Fonte: Mercer (1984).

Tabela 2: Avaliação financeira dos empreendimentos ferroviários (ex post)

Os dados da tabela 2 revelam que quatro das sete ferrovias (Texas and Pacific,

Santa Fe, Northern Pacific e Canadian Pacific) apresentavam taxas de retorno financeiro –

TIRF inferiores ao custo de capital, e portanto seriam inviáveis sem a ajuda fundiária. Já as

três outras ferrovias (Central Pacific, Union Pacific e Great Northern) seriam viáveis

mesmo sem os subsídios, os quais apenas ampliaram suas lucratividades.

Mais ainda, verifica-se que a intervenção governamental através da cessão de

terras não foi ótima em nenhuma das sete ferrovias estudadas por Mercer (1984), tendo

sido insuficiente em dois casos (Texas and Pacific e Santa Fe) e excessiva nos demais,

quando comparadas as TIRFs com subsídio e os custos de oportunidade de capital.

A avaliação econômica (social) efetuada pelo autor já citado envolveu também

duas situações: uma contendo benefícios intra-regionais e inter-regionais (ampla) e outra,

mais desfavorável, abrangendo apenas os benefícios inter-regionais (restrita), como

indicado na tabela 3.

20

Ferrovia

Taxa interna de retorno

econômico – TIRE (%)

Ampla Restrita

Custo de

oportunidade do

capital (%)

Central Pacific 23,9 14,0 9,0

Union Pacific 19,8 14,6 9,0

Texas and Pacific 8,3 5,7 7,7

Santa Fe 19,0 12,1 7,9

Northern Pacific 12,5 9,4 7,9

Great Northern 26,8 15,3 6,3

Canadian Pacific 13,1 7,0 6,8

Fonte: Mercer (1984). Tabela 3: Avaliação econômica dos empreendimentos ferroviários (ex post)

Os resultados da avaliação econômica mostram que, do ponto de vista social,

todos os sete os empreendimentos ferroviários mostraram-se viáveis quando considerada a

TIRE ampla. No caso da TIRE restrita, apenas uma ferrovia (Texas and Pacific) revelou-se

inadequada.

Deduz-se, agora de forma generalizada, que a política de concessão de terras

trouxe uma notável contribuição ao desenvolvimento econômico dos EUA e Canadá na

segunda metade do século XIX, que de outra forma teria sido postergado pelo também

adiamento de inúmeros projetos ferroviários que sem sombra de dúvida não teriam sido

implementados pela ausência desse importante estímulo.

Após a Guerra Civil (1860-1865) as ferrovias norte-americanas eram um próspero

negócio, a ponto de um de seus principais executivos, o comodoro Cornelius Vanderbilt ter

se tornado o norte-americano mais rico em sua época.

A extensão das ferrovias desse país atingiu seu pico em 1916, com a existência de

406.500 km de linhas, contra 156.300 km atuais, o que representa eliminação de cerca de

250.000 km ou de 60% do pico antes citado (figura 4).

21

Fonte: Cálculos do autor com base em AAR (2005) e Stover (1970).

Figura 4: Evolução da malha ferroviária norte-americana

A distribuição modal no transporte de carga dos EUA tem uma correlação direta

com a diminuição da extensão da malha ferroviária, mostrando o decréscimo da

participação das ferrovias na matriz de transportes, como ilustrado na figura 5.

Fonte: Cálculos do autor, com base em AAR (2005).

Figura 5: Distribuição modal nos EUA ao longo do tempo

Com o transporte ferroviário fortemente regulado desde o século XIX e as fortes

concorrências impostas pelos outros modos de transporte, as estradas de ferro norte-

americanas, principalmente após a Segunda Grande Guerra, foram sendo não só obrigadas

a operar apenas os segmentos mais rentáveis (e abandonar os demais), como suprimir o

tráfego de passageiros. Duas observações a respeito desse último tópico, obtidas de Stover

(1970) são bastante ilustrativas:

22

• primeiramente a afirmativa de Howard Hosmer, de 1958, agente regulador da Interstate

Commerce Comission – ICC, no sentido de que os carros de passageiros das ferrovias em

breve fariam parte de museus de transporte, juntamente com a carruagem e a

locomotiva a vapor;

• em segundo lugar, os cálculos de Robert Jochner, responsável pelo tráfego de

passageiros da Union Pacific, que davam conta que, em 1968, um trem de passageiros

entre São Francisco e Los Angeles requeria uma equipagem de 21 pessoas,

transportando o equivalente à metade da lotação de uma aeronave ou de dois ônibus.

Esse quadro teve um desfecho adverso às ferrovias na década de 70 (século XX),

com a concordata de nove grandes ferrovias, representando 25% da malha ferroviária

existente nesse momento. O governo norte-americano foi então obrigado a intervir no

setor, através de diversas medidas envolvendo:

• fusão de empresas, mantida a gestão privada, caso da Burlington Northern Railroad

(fruto da aglutinação da Great Northern Railroad; Northern Pacific Railroad; Chicago,

Burlington and Quincy Railroad; Pacific Coast Railroad; e Spokane, Portland and

Seattle Railroad) e da Illinois Central Gulf Railroad (união da Illinois Central Railroad e

da Gulf, Mobile and Ohio Railroad);

• fusão de empresas, sob gestão estatal, com a criação da Consolidated Rail Corporation

– Conrail, incorporando seis ferrovias do Nordeste dos EUA em estado falimentar .

• criação da Amtrak, empresa estatal, para operação de trens de passageiros de média e

longa distâncias nas vias férreas privadas.

Em 1976 e em 1980 são promulgadas leis de liberalização do setor ferroviário,

tornando as ferrovias mais aptas para o enfrentamento da competição pelo mercado de

fretes.

O final do século XX é ainda marcado pelo prosseguimento da oligopolização do

setor, com novas fusões e aquisições de empresas, inclusive com a participação das duas

grandes empresas canadenses (Canadian Pacific e Canadian National).

23

2.2.2 Europa

2.2.2.1 Suécia

Após o insucesso de alguns empreendimentos a cargo de empreendedores

privados, o parlamento sueco tomou a decisão, em 1845, de que a construção das linhas

férreas troncais ficaria a cargo do estado, cabendo a terceiros as vias de menor importância.

Em decorrência, a primeira ferrovia sueca a operar, sob controle estatal, foi a que margeou

o lago Fryken, na região de Värmland, inaugurada em 1849, ainda com tração animal, já que

a primeira locomotiva a vapor só iria operar a partir de 1855.

A exemplo dos demais países envolvidos com o desenvolvimento ferroviário, a

expansão da malha ganhou impulso no final do século XIX e nas primeiras décadas do

século XX, tendo o pico ocorrido em 1939, com a rede ferroviária tendo atingido

17.400km, em várias bitolas (figura 6).

Em função das crescentes dificuldades financeiras enfrentadas pelas operadoras

privadas, no início do período da Segunda Grande Guerra foi efetuada a privatização de

65% da malha, uma vez que os restantes 35% já pertenciam ao estado.

Fonte: Banverket (2005).

Figura 6: Distribuição modal na Suécia ao longo do tempo

O decréscimo na extensão da malha ferroviária sueca é fruto dos efeitos da

concorrência impostos pelos outros modos de transporte, sobretudo na segunda metade do

século XX, que resultaram em crescentes déficits e no abandono de ramais antieconômicos.

Em função disso, em 1988 o parlamento sueco aprovou o Transport Policy Act – TPA

24

para sustar os prejuízos advindos da Swedish State Railways – SJ. Um dos vetores dessa

legislação foi a separação da SJ em dois organismos públicos (Hansson e Nilsson, 1991):

• a National Rail Administration – Banverket (BV), responsável pelo investimento e

manutenção da infra-estrutura ferroviária;

• a nova SJ, unicamente operadora ferroviária, que pagaria pedágio nas vias administradas

pela BV.

Esse foi o primeiro movimento de segregação da infra-estrutura ferroviária que se

tem notícia, e influenciou, de maneira decisiva, sua adoção pela Comunidade Européia

alguns anos depois. O TPA estabeleceu, portanto, como diretrizes básicas as seguintes

(Hylen, 2001):

• a BV agiria da mesma forma que a National Railroad Administration – Vtiggverker

(VV), com os investimentos na via implementados com base em relações benefício-

custo:

• os usuários da malha administrada pela BV pagarão pedágios ou trackage rights de forma

análoga aos usuários da VV;

• as externalidades negativas, tanto do transporte ferroviário, como do rodoviário, serão

incorporadas aos valores do pedágio;

• a rede ferroviária sueca será subdividida em dois subsistemas: um de caráter nacional ,

com as linhas-tronco, onde a SJ deverá ser lucrativa; outro de caráter regional, em que

as autoridades locais poderão contratar a SJ ou qualquer outra empresa para realização

do transporte de passageiros de média distância, em bases estritamente comerciais;

• o Swedish Board of Transport estará autorizado a “comprar” serviço de transporte que

não seja comercialmente viável, nas situações em que haja claro comprometimento do

desenvolvimento regional .

Esse novo arcabouço regulatório gerou, em 1988, a criação da gestora de infra-

estrutura Banverkert. Em 2001 a SJ foi subdividida em inúmeras empresas, a saber: SJ AB,

uma operadora de passageiros de média e longa distâncias, de capital aberto; a Green Cargo

AB, operadora de carga, de capital aberto; quatro outras empresas ferroviárias atuando nas

áreas de manutenção, patrimônio, operação de terminais e tecnologia da informação; e dez

outras empresas de pequeno porte atuando em setores de turismo, entretenimento, locação

de trens etc.

25

Cerca de três dezenas de operadores privados atuam no sistema ferroviário sueco,

em âmbito nacional e regional, tais como Connex Sverige AB, Citypendeln Sverige AB,

DSB Sverige AB (dinamarquesa), Inlandsbanan AB, Roslagståg AB e Svenska

Tågkompaniet AB (tendo a sigla AB significado semelhante ao termo S.A. no Brasil).

A tabela 4, mostrada a seguir, apresenta os critérios e valores básicos na tarifação

da infra-estrutura ferroviária sueca, dado seu pioneirismo no cenário ferroviário mundial.

Tarifa por classe de via

(R$ por 1000 tkb)

Item

Classe I** Classe II**

Locomotiva (v < 105 km/h) 1,269 3,24

Locomotiva (105 km/h < v > 135 km/h 1,539 3,834

Locomotiva (v > 135 km/h) 1,836 ---

Vagão de minério carregado 0,783 ---

Vagão de minério vazio 0,081 ---

Vagão em geral carregado 0,54 1,296

Vagão em geral vazio 0,108 0,351

Carro de passageiro com truque radial 0,513 0,864

Carro de passageiro sem truque radial 0,729 1,836

Trem de alta velocidade (>160km/h) 0,837 ---

Energia de tração 0,054 0,054

(*) Conversão cambial feita pelo autor em outubro de 2008. (**) Classe I tem qualidade superior à Classe II. Fonte: Hansson e Nilsson (1991).

Tabela 4: Tarifação da infra-estrutura ferroviária sueca

2.2.2.2 Grã-Bretanha

Berço do desenvolvimento ferroviário mundial, a partir da inauguração, em 1825,

da Stockton e Darlington Railway, a Grã-Bretanha promoveu um intenso trabalho de

implantação de estradas de ferro no século XIX e início do século XX. O sistema

ferroviário britânico, contudo, tal como o brasileiro, constituía-se de um enorme

emaranhado de linhas, sem a necessária conectividade entre si, exploradas por

empreendedores privados. Ao longo do período anteriormente citado, houve diversas

aquisições de ferrovias, que, em 1923, deram origem a quatro grandes grupos empresariais:

Great Western Railway; London and North Eastern Railway; London, Midland and Scotish

Railways; e Southern Railway (Nash, 1997).

26

Nas décadas de 20 e 30, século XX, a rentabilidade das ferrovias diminui

consideravelmente, com as empresas ferroviárias acusando o governo de privilegiar o

modo rodoviário. Esse fato, aliado à falta de investimento que se seguiu e à difícil situação

financeira enfrentada pelo país após a Segunda Grande Guerra, levou à estatização do setor

em 1948, com o surgimento da British Railways, posteriormente denominada British Rail –

BR.

Inicialmente a BR, embora fosse uma entidade única, para efeitos operacionais foi

subdividida em seis superintendências regionais. Nos anos 60 (século XX) os crescentes

déficits financeiros da BR levaram à eliminação de ramais antieconômicos, resultando na

supressão de cerca de 10.000 km de linhas, ou 30% da malha então existente (Thompson,

2004).

Em 1982, ainda na tentativa de diminuir os prejuízos operacionais da BR, esta foi

então seccionada em unidades de negócios: passageiro - média e longa distâncias,

passageiro local/regional, carga nacional e carga internacional/intermodal.

Na década de 80, o governo britânico, sob a liderança da conservadora Margaret

Thatcher, empreendeu um vasto programa de privatizações em vários setores da economia,

envolvendo telecomunicações, saneamento, aeroportos, rodovias etc. A área ferroviária,

naquela oportunidade, era considerada não elegível para a privatização em função de sua

complexidade operacional. Em 1992, o livro branco New Opportunities for Railways,

certamente com base na experiência sueca, estabeleceu as bases da reestruturação da BR

(Mathieu, 2003):

• separação da infra-estrutura ferroviária da atividade operacional;

• criação da figura do gestor da infra-estrutura;

• divisão da BR em vinte operadores;

• adoção do princípio da concessão para seleção de operadores.

John Major, que sucedeu a Thatcher, foi quem fez aprovar pelo parlamento o

Railways Act, de 1993, que objetivava a reestruturação da BR nos moldes antes descritos,

tendo com estratégias:

• redução do nível de subsídios ao transporte ferroviário no longo prazo;

• abertura do setor de transporte à competição, com melhoria da produtividade e

qualidade;

27

• introdução de novo dinamismo no setor ferroviário, com melhores respostas às

demandas do mercado.

O processo de reestruturação da BR está ilustrado na tabela 5 (Thompson, 2004),

onde são correlacionadas funcionalidades do processo de exploração ferroviária com

diversos escopos desse tipo de serviço.

Tipo de transporte Funcionalidade

operacional Carga Passageiro -

longa distância

Passageiro -

regional

Passageiro -

subúrbio

Posse da infra-estrutura

Melhoria da infra-estrutura

Manutenção da infra-

estrutura

Controle do tráfego

RAILTRACK

(privada)

Operação dos trens 25 OPERADORES DE TRENS DE PASSAGEIROS –

TOCs (privados)

Material rodante

3 EMPRESAS DE LEASING DE MATERIAL

RODANTE DE PASSAGEIROS - ROSCOs (privadas)

Receitas do transporte

EW&S RAIL

(FOC)*

(privada) TOCs** TOCs + SUBSÍDIO

(governos geral e/ou regional)

Obs.: FOC – Freight Operator Company; TOC – Train Operator Company; ROSCO – Rolling Stock Company. Fonte: Thompson (2004).

Tabela 5: Arranjo básico da reestruturação da British Rail

A privatização da British Rail ocorreu no período 1994 – 1997, sendo a gestão

privada da infra-estrutura conturbada por uma série de graves acidentes ferroviários no

final do século XX e início do século XXI (Southall, Ladbroke Grove, Hatfield e Potters

Bar), em parte atribuídos a deficiências na manutenção da via.

O de Hatfield teve uma forte reação política, tendo em vista o fato da

mantenedora (Railtrack) ter distribuído dividendos a seus acionistas enquanto que

substancial quantidade de trilhos apresentava defeitos internos (HSC, 2001).

Após o acidente de Hatfield os limites de velocidade na malha ferroviária britânica

foram drasticamente reduzidas e a Railtrack obrigada a realizar pesados investimentos,

28

causando sua falência. Em 2002, é criada uma empresa para-estatal, Network Rail, para

gerir a infra-estrutura ferroviária britânica.

Voltando a 1994, início do processo de privatização, é preciso ressaltar que nessa

data o débito da BR atingia a 10,8 bilhões de euros, equivalendo a 1,2% do PNB britânico

ou a 54% do total da dívida pública daquele país (CE, 1996).

As TOCs são grandemente controladas por três grupos empresariais (FirstGroup,

National Express e Stagecoach), os quais convivem com um limitado número de pequenos

operadores (Heathrow Express, Hull Trains etc.). Essas empresas em geral não são

concorrentes entre si, com as franquias sendo licitadas segundo o conceito de concorrência

pelo mercado e não pelo de concorrência no mercado. As três empresas de leasing de material

rodante (ROSCOs) são ligadas a bancos comerciais: Angel Trains, HSBC Rail e

Porterbrook.

A principal operadora do transporte ferroviário de carga é a English, Welsh &

Scotish Railway, existindo ainda menos de uma dezena de outros operadores de menor

porte.

A figura 7 ilustra o processo de declínio da ferrovia inglesa, em termos de

extensão da malha e do lançamento de trilhos na via permanente, conforme Thompson

(2004). Outro fato, de caráter mais simbólico, que porém denota o declínio citado, é a

supressão do tráfego do correio por trens, transferido totalmente para outros modos em

2004, rompendo uma longa tradição de cerca de 170 anos .

0

50.000

100.000

150.000

200.000

250.000

1953 1963 1973 1983 1993 2003

Toneladas

05.00010.00015.00020.00025.00030.00035.000

Lançamento de trilhos Extensão da malha

km

Fonte: Thompson (2004).

Figura 7: Evolução da quilometragem e do lançamento de trilhos na Grã-Bretanha

29

2.2.3 Ásia e Oceania

2.2.3.1 Japão

A política isolacionista do Japão, em relação ao mundo ocidental (Shogunate), que

vigorou por dois séculos e meio, teve seu fim o governo Meiji, em 1868, em virtude da

ameaça militar feita pela Grã-Bretanha. Com a abertura, as novas autoridades japonesas

trouxeram da mesma Grã-Bretanha enorme número de especialistas, materiais e

equipamentos para construção do segmento entre a capital Tóquio e o porto de

Yokohama, um dos poucos abertos ao comércio exterior. Em 1871, um ano após o início

das obras, foi inaugurado esse trecho, com 29 km de extensão e bitola de 1,067 m (Aoki,

1994a).

Em 1890, a malha ferroviária japonesa tinha 2.250 km, dos quais 60%

pertencentes a empresas privadas. A guerra sino-soviética de 1894-1895 e os problemas do

mercado acionário de 1896 levaram militares e financistas a considerar a possibilidade de

estatização das ferrovias, fato que ocorreu em 1906, quando 2.413 km de vias do estado se

somaram a 5.213 km de vias privadas, formando uma rede estatal de 7.626 km, em bitola

métrica (1,067 m), conforme Aoki (1994b).

A malha japonesa prosseguiu com sua expansão, chegando ao final da década de

50 (século XX) com cerca de 26.000 km, dos quais 78% pertencentes à empresa estatal

Japan National Railways - JNR, e os 12% restantes distribuídos em sistemas regionais ou

urbanos, destinados ao transporte de passageiros e operados em sua maioria por quase duas

centenas de empresas privadas (Terada, 2001).

Nos anos 50 e 60 (século XX) a JNR mantinha-se lucrativa, ao contrário das

ferrovias européias que já mostravam grandes déficits. A explicação para esse fato deve-se à

defasagem de dez anos entre a consolidação do rodoviarismo no Japão e na Europa

Ocidental Embora notáveis avanços tecnológicos tenham sido verificados no Japão, como

o lançamento do trem-bala em 1964, a JNR começou a apresentar prejuízos crescentes nas

décadas de 70 e 80 (século XX), sendo que em 1985 esse déficit chegou a 230 bilhões de

dólares (25 trilhões de ienes), equivalente à soma de dívidas externas de vários países em

desenvolvimento (Iamashiro, 1997).

Essa situação levou à privatização da JNR em 1987, com a criação de seis

operadoras de passageiros (JRs), distribuídas geograficamente, e uma operadora de carga

30

(JR Freight), sendo que essa última não possui linhas próprias e circula pelas vias de

passageiros, numa situação exatamente oposta à dos EUA, onde existem numerosas

empresas de carga e uma operadora de passageiros de média e longa distâncias (Amtrak),

que, a exceção do corredor nordeste (Nova York – Washington), não possui vias próprias.

. Atualmente, a malha japonesa possui cerca de 27.000 km, dos quais 20.000 km

operados pelas JRs. Os 7.000 km restantes estão sob a tutela de 40 ferrovias privadas,

transportadoras de passageiros nos níveis regional e local.

A evolução da participação modal da ferrovia no Japão é mostrada na figura 8,

segundo dados de Isashiki (2004), evidenciando claramente seu declínio, não só no

transporte de passageiros de média e longa distância (mesmo com os trens de alta

velocidade), como também no setor de carga, onde a ferrovia JR Freight tem participação

ínfima no mercado de fretes, tendendo, inclusive, a desaparecer.

Fonte: Isashiki (2004). Figura 8: Participação da ferrovia na matriz dos transportes no Japão

2.2.3.2 Austrália

O desenvolvimento ferroviário na Austrália guarda enormes semelhanças com o

brasileiro, em termos de extensão de malha, pluralidade de bitolas e ferrovias dedicadas à

exportação de minério de ferro de alta eficiência.

As ferrovias australianas começaram a ser construídas na segunda metade do

século XIX, quando esse país ainda era constituído por colônias distintas, uma vez que a

federação de estados só foi implementada em 1901 (ARTC, 2006). A primeira estrada de

ferro começou a operar em 1854, mesmo ano da ligação Praia de Mauá – Guia de

31

Pacobaíba, pioneira no Brasil. A expansão da malha ocorreu inicialmente através da

iniciativa privada, em diversas bitolas:

• a larga ou irlandesa (1.600 mm) nos estados de Victoria e South Australia;

• a padrão (1.435 mm) nos estados de New South Wales e South Australia;

• a bitola métrica ou do Cabo (1.067 mm) nos estados de Queensland, Western Australia,

South Australia e Tasmania

No início do século XX o insucesso financeiro das ferrovias tinha se tornado

insustentável obrigando aos estados assumirem seu controle. Entre os anos 30 e 90 (século

XX) o governo federal implementou alguns segmentos em bitola padrão, em trechos e

virgens e convertendo trechos existentes, objetivando melhorar a conectividade ferroviária.

Nos anos 60 e 70 (século XX), mineradoras privadas instalaram-se no Nordeste

do país, na região de Pilbara, implantando, de maneira semelhante à Cia. Vale do Rio Doce,

ligações mina-porto, todas na bitola padrão, desconectadas do restante da malha e

transportando apenas minério de ferro. Nesse mesmo período, as demais ferrovias

começam a apresentar déficits, fazendo com que o governo federal se propusesse a

administrar o transporte de cargas interestadual, através da National Rail Corporation,

gerando o arranjo institucional da figura 9 (Williams et alli, 2005).

Estado

Operador

Área de

atuação

N. South

Wales

Victoria South

Australia

Western

Australia

Queensland Tasmania

Interestadual National Rail Corporation Operador de

carga Intraestadual

Operador da

infra-estrutura

Intraestadual

Operador de

passageiro

Interestadual e

Intraestadual

State Rail

Authority

Public

Transport

Corporation

South

Australia

Rail

WestRail Queensland

Rail

TasRail

Fonte: Elaboração do autor, com base em Williams et alli (2005).

Tabela 5: Arranjo institucional australiano em 1992

Nesse arranjo, onde a participação estatal é dominante, não estão incluídas as

denominadas “linhas das mineradoras”, em especial as da região de Pilbara, que sempre

foram privadas e verticalmente integradas.

Ainda em 1992, o Conselho dos Governos Australianos estabeleceu as diretrizes

para uma nova política de competição, em âmbito nacional, onde era destacado que:

32

A separação estrutural de monopólios públicos verticalmente integrados e a remoção de restrições legais promoverão competição e melhoria da eficiência do serviço oferecido à sociedade (Commonwealth of Austrália, 2003).

Em 1995, o governo federal, estados e territórios aderem à National Competition

Policy (Política Nacional de Competição) com o estabelecimento de normas para um

National Access Regime (Regime Nacional de Acesso) e das bases para privatização de

empresas públicas. Disso resultou um novo e complexo arranjo institucional mostrado na

tabela 6 (Williams et alli, 2005).

Diferentemente da situação de 1992, quando as empresas eram geridas pelos

poderes públicos confederativo e estadual, em 2005 há um grande avanço da

desestatização, com a presença de várias empresas privadas, tais como:

• Pacific National - PN;

• Australian Railway Group – ARG;

• Great Southern Railway;

• Conrex.

Contudo, a gestão da infra-estrutura, nos casos onde esta foi segregada,

permanece fortemente estatizada, seja em nível confederativo pela Australian Rail Track

Corporation – ARTC, seja em nível estadual em Queensland.

Outro fator importante foi o surgimento de novos e pequenos operadores

ferroviários de carga e de passageiro, como Southern Shorthaul Railroad, South Spur Rail

Services, Patrick Rail Operations, Specialised Container Transport, FreightLink, Silverton

Rail etc. A exemplo da Grã-Bretanha esse movimento reestruturador também deu origem a

empresas de leasing de material rodante, como a Chicago Rail Freight Leasing Australia, na

área de locomotivas e vagões.

33

Estad

os

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Sou

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34

A malha ferroviária australiana compreende cerca de 37.000 km de linhas, em três

bitolas (figura 9), respondendo por 25% do mercado de transporte de carga em toneladas

transportadas, valor que passa para 38% quando considerado o momento de transporte,

com predomínio quase absoluto de carvão e minério de ferro nos fluxos ferroviários.

Fonte: ARTC (2006).

Figura 9: Malha ferroviária australiana

2.2.4 América do Sul

2.2.4.1 Argentina

A primeira ferrovia argentina foi inaugurada em 1870, interligando a cidade de

Córdoba ao rio Paraná, num extensão de cerca de 400km em bitola larga (1.676 mm). A

excepcional topografia do país, aliada à intensa exportação de produtos primários deram

rápido impulso à construção de novas linhas (ARAR, 2006).

Entre 1870 e 1914 foi construída a maior parte da malha ferroviária Argentina,

que chegou a possuir 47.000km, a maior já implantada na América Latina e décima do

mundo às vésperas da Primeira Grande Guerra, em sua quase totalidade privada, com

capitais externos no controle acionário.

O período que segue, entre as duas Grandes Guerras, é marcado pela decadência

do setor ferroviário, ante o novo dinamismo imposto pelo rodoviarismo, com a assunção,

pelo Estado, de algumas ferrovias privadas, com a criação do ente Administración de los

Ferrocarriles del Estado. Em 1947, com a persistência da crise ferroviária, em parte

35

derivada da insuficiência de investimentos dos acionistas do exterior, o governo Perón

nacionaliza as ferrovias de capital francês, o mesmo ocorrendo no ano seguinte com as de

capital inglês.

Em 1949, com o setor ferroviário nacionalizado, o sistema ferroviário foi

reagrupado em sistemas regionais, que ganharam o nome de vultos da história militar

argentina: Ferrocarril Nacional General Bartolomé Mitre, Ferrocarril Nacional General

Belgrano, Ferrocarril Nacional General Roca, Ferrocarril Nacional General San Martín e

Ferrocarril Nacional General Sarmiento. Esses sistemas eram da Empresa Nacional de

Transportes (ENT), que em 1958 mudou seu nome para Empresa de Ferrocarriles del

Estado Argentino (EFEA), para posteriormente denominar-se Empresa de Ferrocarriles

Argentinos (EFA) e finalmente Ferrocarriles Argentinos - FA.

Em 1980, cerca de 13.000 km de linhas da FA já haviam sido erradicadas, com a

rede ferroviária passando a ter 34.000 km de extensão. Entre 1989 e 1992 a empresa

Ferrocarriles Argentinos é privatizada, juntamente com os sistemas de trens urbanos de

Buenos Aires. A tabela 7, mostra o quadro concessional daí derivado para o transporte de

carga (Ferrocamara, 2002).

Tópico Sistema

Denominação

original

Sarmiento /

Roca

Mitre Roca San Martín Urquiza Mitre

Data da posse

da concessão

Nov/91 Dez/92 Mar/93 Ago/93 Out/93 Não

concedido*

Concessionário

original

Ferroexpresso

Pampeano -

Fepsa

Nuevo

Central

Argentino -

NCA

Ferrosur -

FSR

Buenos

Aires al

Pacífico -

BAP

Mesopotámico

General

Urquiza -

MGU

N.A.

Concessionário

atual

Idem Idem Idem Am. Latina

Logística

Central -

ALL

Am. Latina

Logística

Mesopotámica

- ALL

N.A.

Extensão da

malha

4.953 km 4.512 km 3.343 km 5.254 km 2.739 km 10.841 km

(*) Por ausência de interesse privado. Fonte: Ferrocamara (2002).

Tabela 7: Quadro concessional das ferrovias de carga argentinas

36

O processo de concessionamento do setor ferroviário à iniciativa privada, na

atualidade, teve a Argentina como elemento precursor, com as principais características

desse importante processo ilustradas na tabela 8 (Thompson et alli, 2001).

Fator Pontagem

máxima

Critério

Experiência do proponente

(currículos da equipe técnica e

plano de negócios)

23 Melhor apresentação

Plano de investimentos básico

(quantidade de recursos e

qualidade da inversão)

33 Maior valor e melhor qualidade

Plano de investimentos adicional 5 Maior valor

Valor da outorga

Valor do pedágio a ser cobrado

aos operadores ferroviários de

passageiros

5 Menor pedágio

Número de empregados da

operadora estatal que serão

contratados

15 Maior oferta

Participação acionária da capitais

argentinos

9 Maior participação

Somatório máximo de pontos 100

Fonte: Thompson et alli (2001). Tabela 8: Critérios de pontagem no processo de concessionamento argentino

A malha argentina atual é de aproximadamente 34.000 km, em três bitolas (larga -

1.676 mm, padrão - 1.435mm e métrica - 1.067 mm), aí incluídas algumas linhas

provinciais, a maioria a espera da difícil reativação do transporte regional de passageiros. O

volume de transporte é de cerca de 20 milhões de toneladas anuais, liderado pela Nuevo

Central Argentino – NCA.

2.2.4.2 Brasil

O desenvolvimento ferroviário no Brasil ocorreu, a exemplo dos outros países,

através de diversas fases evolutivas, como a seguir detalhado.

37

Pinto (1903), embora restrito à Província (e depois Estado) de São Paulo, divide o

desenvolvimento ferroviário, até o período de elaboração de sua obra, em quatro fases:

• primeira fase (1835 – 1852): a dos empreendimentos malogrados, que não saíram do

papel, muito embora as primeiras legislações estimulando a implantação de ferrovias, de

caráter geral ou provincial, já tivessem sido promulgadas no período;

• segunda fase (1852 – 1880): de notáveis avanços na implantação de novas ferrovias, em

sua maioria estimuladas pelos favores de garantia de juros e de zona privilegiada;

• terceira fase (1880 – 1902): ainda marcada pela construção de novas vias férreas com

privilégio de zona, porém com muitas empresas já dispensando a garantia de juros em

função da pujança da economia cafeeira;

• quarta fase (1902 em diante): com a criação do Estado de São Paulo, a ferrovia

emancipando-se da proteção do Estado, tornando-se livre a construção de novas vias,

com única restrição de respeitarem-se os direitos adquiridos.

Convém assinalar que as competências das diversas instâncias de poder, na

autorização para realização de obras públicas por empresários, foram estabelecidas na Lei

José Clemente, de 29 de agosto de 1828, cabendo:

• ao Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Império os empreendimentos na

província da capital e interprovinciais;

• ao Presidente do Conselho da Província as obras sob jurisdição da respectiva província

(posteriormente essa competência foi repassada às Assembléias Legislativas Provinciais

que ainda não existiam nessa data);

• às Câmaras Municipais as implementações em cidades ou vilas.

Essa legislação foi incorporada pela República e perdura até os dias de hoje.

Coimbra (1974) divide os ciclos evolutivos de maneira convencional, isto é,

conforme períodos históricos bem definidos: Segundo Reinado, República, Revolução de

30, Pós-Guerra e Revolução de 1964.

Barat (1978) estabelece uma densa correlação entre etapas de desenvolvimento

econômico e a evolução do sistema de transporte, para cada modo, com especial ênfase

para o setor de carga.

Dourado (1981), seguindo de perto as conceituações de Barat (1978), correlaciona

o desenvolvimento ferroviário e a industrialização brasileira, dividindo o primeiro em duas

fases:

38

• expansão (1854 – 1930): abrangendo a inauguração da primeira estrada de ferro (Praia

de Mauá – Guia de Pacobaíba, situada no atual município de Magé, ao fundo da baía da

Guanabara – RJ) e o início da industrialização do país;

• decadência (1930 em diante): período em que a industrialização fez cair sobremaneira a

participação modal da ferrovia, tornando-a, pelas circunstâncias em que foi concebida,

obsoleta ante os novos conceitos e requisitos do transporte terrestre.

Embora não sejam suficientemente claros os motivos para delimitação de

algumas das fases desenvolvimentistas apontadas, em especial a última delas, David (1985),

referindo-se à E. F. D. Pedro II (no império), depois E. F. Central do Brasil (na República),

divide o desenvolvimento ferroviário em oito fases:

• pré-natal: antes de 1858;

• nascimento (1858): inauguração do trecho Estação do Campo – Queimados (na hoje

baixada fluminense);

• infância (1858 – 1879);

• juventude (1879 – 1910);

• maturidade (1910 – 1930);

• velhice (1930 - 1957): período que culmina com a criação da RFFSA, que incorpora a

E. F. Central de Brasil e 17 outras estradas de ferro;

• morte e renascimento (1957 – 1985);

• nova fase (1985 em diante).

Firmino e Wright (2001), analisando a evolução dos mecanismos de

financiamento não apenas para as ferrovias, mas para o setor de transporte como um todo,

desconsiderando porém o ocorrido no Segundo Reinado e na República Velha,

estabelecem os seguintes marcos temporais:

• fase I (1930 - 1974): criação de tributos seletivos (Imposto Único sobre Lubrificantes e

Combustíveis Líquidos e Gasosos - IULCLG, Taxa Rodoviária Única - TRU, Imposto

sobre Serviços de Transporte Rodoviário Interestadual e Internacional - ISTR, etc.),

além de alguns pedágios rodoviários, com a vinculação de grande parte desses tributos

a fundos de desenvolvimento setorial;

• fase II (1974 – 1988): gradual desvinculação setorial dos recursos gerados por tributos

seletivos, atingindo negativa e fortemente o setor de transportes;

39

• fase III (1988 em diante): promulgação da Constituição de 1988, marcada por decisões

como a do artigo 167 que estabelece a desvinculação de receita de tributos a órgão,

fundo ou despesa (com algumas exceções como destinações compulsórias para

educação e saúde, taxas, tarifas, pedágios, contribuições de melhoria, empréstimos

compulsórios e contribuições sociais); e a extinção formal dos impostos específicos,

muito embora deixe seus sucedâneos tributários com outra denominação, na forma

jurídica de impostos gerais (TRU e IPVA, por exemplo).

Também Acioli (2005) apresenta um detalhado quadro da evolução do sistema

ferroviário brasileiro, com especial destaque para sua correlação com planos de

desenvolvimento.

Os estudos relatados anteriormente fornecem uma interessante visão do processo

evolutivo das ferrovias, porém, para o autor, existe espaço para uma nova correlação, com

ênfase à questão do financiamento e abrangendo alguns outros atributos, como ritmo de

evolução da malha, empresariedade, responsabilidade financiadora e tipo de financiamento,

conforme mostrado na tabela 9.

Alguns comentários à tabela 9 são necessários. Em primeiro lugar, é importante

ressaltar que os marcos temporais não podem evidentemente ser considerados de maneira

fixa, existindo interpenetração entre os mesmos. E mesmo sob a abrangência de um

determinado marco, há fatos que se iniciam em diferentes períodos de tempo. Contudo, em

prol da didática, optou-se por uma classificação temporal de mais fácil assimilação.

Quanto ao caráter empresarial, é importante ressaltar que por empresas públicas

estão consideradas as ferrovias sob administração direta e sob administração indireta

(estatais). Ferrovias privadas abrangem as concedidas e também as arrendatárias.

Finalmente, com relação ao financiamento dos investimentos, foi feita uma divisão entre

aqueles diretamente despendidos pelo poder público e os obtidos pela iniciativa privada,

ainda que em bancos de fomento públicos.

Nos tópicos seguintes são mais bem detalhadas as fases da tabela 9.

40

Fase

Marco

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Evo

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Caráter das empresas

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41

2.2.4.2.1 Detalhamento da fase I (1835 – 1873/74)

De acordo com pesquisa feita pelo autor na obra de Coruja Jr. (1886), essa fase

inicia-se, na Regência Una, com a Lei Feijó (assim denominada por ter sido assinada pelo

Regente Diogo Antônio Feijó), de 31 de outubro de 1835, que autoriza a concessão de

ferrovias unindo a capital do Império (Rio de Janeiro) às capitais das províncias de Minas

Gerais, Bahia e Rio Grande do Sul, por um prazo de 40 anos. Alguns incentivos dessa lei

são a cessão de terras devolutas ou pertencentes ao governo, direito de desapropriação de

terras particulares e isenção de impostos de importação de bens e equipamentos. Tetos

tarifários de 20 réis por arroba-légua (precursora da tonelada x quilômetro útil – tku) e de

90 réis por passageiro são fixados nessa lei; sendo ainda limitado o prazo de início das

obras após a assinatura do contrato de concessão e também seu ritmo: mínimo de 5 léguas

(33km) por ano. Essa lei ainda previa multas diversas no caso do descumprimento do

pactuado.

Em função do formidável obstáculo natural representado pela Serra do Mar na

interiorização do desenvolvimento econômico, da natural opção do capital estrangeiro

(sobretudo o britânico) pela América do Norte e da pouca atratividade a investimentos

conferida pela Lei Feijó, foi promulgada, no Segundo Reinado, a Lei 641, de 26 de junho

de 1852. Esse talvez seja o mais importante diploma legal dessa fase, na medida em que

estabelecem novas e mais atrativas bases para financiamento das primeiras estradas de ferro

do País.

Destaca-se na Lei 641 a instituição da denominada garantia de juros, paga pelo

governo ao concessionário para ressarcimento do capital empregado na construção das

ferrovias. Os principais direitos e deveres dos futuros concessionários contidos nessa lei

eram os mostrados na tabela 10.

42

Direitos Deveres

a) Obtenção não-onerosa de terras governamentais e competência para desapropriação da faixa de domínio.

a) Fixação das tarifas de comum acordo com o governo.

b) Uso de madeiras e outros materiais ao longo da futura via.

b) Redução das tarifas tão logo seja atingido um patamar de rentabilidade a ser fixado de comum acordo com o governo.

c) Isenção de impostos sobre a importação de bens e equipamentos ferroviários.

c) Não-emprego de escravos.

d) Isenção de impostos sobre a importação de carvão mineral (combustível das locomotivas).

d) Prazo para início da implantação do trecho concedido.

e) Exclusividade de exploração do serviço ferroviário por 90 anos, em uma área de 5 léguas (33km) para cada lado do eixo da via.

e) Prazo para conclusão da implantação e início da operação do trecho concedido.

f) Recebimento dos cofres públicos de juros de 5% sobre o capital empregado na construção da ferrovia.

f) Pagamento de multas no caso de inadimplência contratual.

Fonte: Coruja Jr. (1886).

Tabela 10: Direitos e deveres dos concessionários pela Lei 641

A tabela 10 merece as seguintes considerações adicionais:

• os juros, além de incidirem unicamente sobre o capital empregado na construção da via

férrea, seriam pagos pelo governo quando os dividendos da empresa ferroviária

atingissem um patamar de 8%, segundo uma escala de pagamentos em função da

evolução dos referidos dividendos;

• o impedimento de contratação de escravos deriva talvez do temor de que as ferrovias,

no seu começo, fossem capazes, de um lado, de liberar escravos que trabalhavam no

transporte de mercadorias através de um sem-número de tropas de mulas, e, de outro,

apropriar-se dessa mão-de-obra excedente. Essa situação poderia, sem sombra de

dúvida, inibir a vinda de capitais ingleses para o Brasil, especialmente depois da

humilhante decretação do Bill Aberdeen, em agosto de 1845, que, diante da insistência

brasileira em manter o escravagismo, concedia ao Almirantado inglês o direito de

aprisionar navios negreiros, mesmo em águas territoriais brasileiras, e de julgar seus

comandantes;

• o governo imperial se reservava o direito de resgatar a concessão, mediante o devido

ressarcimento ao concessionário, e também de fiscalizar e garantir a segurança do

tráfego.

Sob o manto da Lei 641 inicia-se o processo de construção de ferrovias. Os

empreendimentos são essencialmente privados, com exceção por conta da E. F. D. Pedro

II (posteriormente E. F. Central do Brasil), onde as desavenças do governo com o os

43

responsáveis pela empreitada tornaram-se incontornáveis, forçando a extinção da

concessão.

Logo no início desta fase, em 1854, os juros de 5% garantidos por essa lei são, em

algumas províncias como Bahia (caso da E. F. Bahia ao São Francisco) e Pernambuco (caso

da E. F. Recife ao São Francisco), elevados em 2%, com o respectivo pagamento a cargo

desses entes. Essas ferrovias têm as províncias como poder concedente (Benévolo, 1953).

Essa fase dura cerca de 40 anos, indo do ano de promulgação da Lei Feijó, de

1835, até a promulgação de legislação mais liberal em 1873/74. Considerado apenas o

período que vai da inauguração da primeira ferrovia brasileira, em 1854, até a ampla

liberalização do setor (1873/74), foram construídos cerca de 1.500km de vias,

caracterizando assim uma expansão lenta do sistema ferroviário, com avanço de pouco

menos de 80km/ano.

Os investimentos externos no período 1860 – 1875 estão razoavelmente

concentrados em ferrovias (34% do total), com predominância absoluta de capitais

britânicos (94%), segundo dados de Castro (1974), citada em Dourado (1981).

2.2.4.2.2 Detalhamento da fase II (1873/74 – 1889)

Essa fase começa com a promulgação da Lei 2450, de 24 de setembro de 1873,

complementada pelo Decreto 5564, de 28 de fevereiro de 1874, que amplia e aperfeiçoa a

Lei 641 antes dissecada. Pelos novos diplomas legais são introduzidas as seguintes

modificações (tabela 11):

44

Tópico Lei 641 Lei 2450 / Decreto 5564 Concorrência pública Não prevista (qualquer

empreendedor poderia se candidatar e obter uma concessão ferroviária).

Instituído o princípio da concorrência pública no processo de concessionamento.

Intermodalidade Não prevista. Privilegia as concessões ferroviárias que se interliguem a hidrovias.

Garantia de juros 5% sobre o capital empregado na construção, segundo uma escala de pagamentos e prazo definidos caso a caso.

7% sobre o capital bona fide empregado na construção, pelo prazo máximo de 30 anos, a empresas que comprovassem receita líquida anual de 4% sobre o capital empregado.

Capital máximo garantido Não previsto. Fixado caso a caso para as concessões interprovinciais. Fixado em cem mil contos para a soma das concessões em cada província de que o império fosse avalista.

Ressarcimento ao governo de juros ou subvenções pagos

Não previsto. Quando os dividendos superarem 8%, o Tesouro Nacional receberia um porcentual da receita líquida, crescente com o nível de dividendos.

Fiança do Império a garantias provinciais

Não prevista. Até o limite de 7% para juros e até 20% para a subvenção quilométrica.

Subvenção quilométrica Não prevista. Não excedente a 20% do capital empregado na construção da estrada, a ser pago à medida que a esta avance, alternativamente à garantia de juros.

Zona de privilégio Em zona com largura de 33km para cada lado do eixo da via, por 90 anos.

Mantida.

Lavra de minas Não prevista. Preferência, em igualdade de condições, para lavra de minas, na zona de privilégio.

Participação acionária do governo

Não prevista. De até 20% do capital orçado para a construção, com o recebimento de dividendos somente quando a receita líquida tiver atingido 12%.

Reversibilidade de bens Não prevista. Ao término do prazo contratual. Domicílio legal da empresa

Livre. No Império.

Gratuidades e descontos tarifários

Não previstas. Para deslocamentos de tropas militares, funcionários públicos, colonos, etc.

Modicidade tarifária. Não prevista. Redução das tarifas quando os dividendos excederem a 12% em dois anos consecutivos.

Fontes: Coruja JR. (1886) e Benévolo (1953)

Tabela 11: Principais avanços introduzidos pelas legislações de 1873/74

Note-se, por oportuno, que a Lei Geral 2450 é na realidade uma repetição dos

preceitos da Lei 2397, de 10 de setembro de 1873 (datada de alguns dias antes portanto),

que tratava especificamente do concessionamento de uma ferrovia na província de São

Pedro do Rio Grande do Sul (atual estado do Rio Grande do Sul).

Essa legislação é complementada e atualizada pelo Decreto 6995, de 10 de agosto

de 1878, que, dentre outras coisas, explicita alguns deveres e direitos do governo e do

concessionário, restringe as subvenções e garantias no caso de alterações do projeto

original, estabelece condições de caducidade, reduz de 30km para 20km a largura da zona

de privilégio (para cada lado do eixo), fixa normas operacionais diversas, impõe as

condições de resgate da concessão pelo governo, aumenta a participação do governo nos

eventuais lucros da ferrovia (que cessa tão logo tenham sido embolsados os juros ou

subvenções pagos), fixa a taxa de câmbio para o capital externo, etc.

45

Outro ponto notável deste último decreto é a instituição da arbitragem para

solução de conflitos (algo recentemente reincorporado à ordem jurídica brasileira), da

seguinte forma:

• dirimição de dúvidas ou conflitos contratuais: três árbitros, sendo um de cada parte e

um terceiro escolhido de comum acordo;

• dirimição de dúvidas ou conflitos técnicos: quatro árbitros, dois de cada parte;

• dirimição de direitos e deveres em geral: o mais antigo membro do Conselho de

Estado.

Essa fase vai de 1873 a 1889, ano da proclamação da República, quando há uma

forte resistência governamental à continuação das garantias e subvenções, sobretudo da

parte do novo ministro da Fazenda, Rui Barbosa. Além disso, como será visto no

detalhamento da fase III, algumas ferrovias paulistas desistem da garantia de juros para não

terem que partilhar lucros com os governos imperial e provincial.

Contudo é inegável o crescimento da malha nesse período, que passa dos

1.500km da fase anterior para 9.900km, com empreendimentos essencialmente privados,

perfazendo um avanço de mais de 500km/ano (contra cerca de 80km/ano da fase

anterior), algo notável ainda hoje em dia, sobretudo diante dos padrões tecnológicos

empregados na construção das ferrovias da época.

Nessa fase inúmeras ferrovias destacam-se por sua rentabilidade, em especial as

ligadas à cafeicultura, que proporcionam enorme lucratividade a seus acionistas.

Os investimentos externos no período 1875 – 1885 estão fortemente

concentrados em ferrovias (59% do total), com predominância absoluta de capitais

britânicos (88%), segundo dados de Castro (1974), citado em Dourado (1981).

Destaca-se, ainda, nesta fase II, o indiscutível papel que a cultura cafeeira trouxe

ao desenvolvimento ferroviário, com a malha ferroviária paulista tendo alcançado 2.300km

(23% do total) em 1889. Se a esse valor for acrescida quilometragem de muitas ferrovias em

solo fluminense (o vale do Paraíba, na região de Vassouras era também importante pólo

cafeicultor), muito provavelmente se chegaria a um valor de 40% da malha ferroviária

brasileira gravitando ao redor desse produto agrícola, na passagem do Império para a

República.

46

2.2.4.2.3 Detalhamento da fase III (1889 – 1930)

Essa fase tem início com a proclamação da República, em 1889. A partir daí,

vários fatos marcam o setor ferroviário de forma indelével, tornando esse período muito

diferente dos anteriores.

Diversos fatores contribuíram para esse novo cenário. Supersafras de café,

ocorridas em 1896, 1901 e 1906, produziram um desastre. Em 1901, o Brasil produziu 16

milhões de sacas, quando o consumo mundial era de 15 milhões, tendo como resultado a

queda nos preços do produto e a falência de muitos fazendeiros. Ademais, recursos do

Tesouro Nacional foram utilizados para aquisição dos estoques de café a preços superiores

aos de mercado, com claros reflexos nas finanças públicas (Bueno, 2003).

Outro fator produtor de reflexos negativos na economia foi o fenômeno

conhecido como encilhamento, tido por Bueno (2003) como um dos mais desastrosos

deslizes da política econômica do Brasil em todos os tempos, fato que tem origem na

equivocada atuação do primeiro ministro da Fazenda, Rui Barbosa. Em 1891, a especulação

financeira atingiu níveis estratosféricos e redundou na falência de inúmeras empresas,

desvalorização cambial e inflação. Ainda segundo aquele jornalista e historiador, a dívida

externa, fruto dos eventos antes relatados, disparou e foi outro fator desestabilizador da

economia, passando de 30 milhões de libras em 1890, para 44 milhões em 1900 e para 144

milhões em 1913.

É claro que as ferrovias não poderiam atravessar essa crise incólumes, sobretudo

diante do fato de que muitas estradas de ferro foram mal projetadas e mal construídas,

desconectadas entre si, com bitolas diferentes, gerando um custeio elevado e apresentando

déficit financeiro crônico, fruto principalmente de estudos de viabilidade econômica

incorretos ou mesmo inexistentes (Telles, 1994). Segundo o jornal britânico The

Economist, em sua edição de 25 de junho de 1898, apenas duas das cerca de doze empresas

ferroviárias britânicas operando no Brasil apresentaram lucros e mesmo assim modestos

(Topik, 1992). Esse mesmo autor sustenta que, em 1912, o working ratio (despesa sobre

receita) das ferrovias era de 82%, passando para 98% em 1919.

Portanto, como elemento marcante desta fase, já em termos ferroviários, tem-se,

em primeiro lugar, a intervenção direta do governo no sistema ferroviário, com o resgate de

ferrovias, antes privadas, que vinham obtendo maus resultados operacionais. Esse processo

inicia-se com E. F. São Paulo e Rio de Janeiro, em 1890, prosseguindo com o resgate da E.

47

F. Dona Tereza Cristina (Santa Catarina) e E. F. Santa Maria ao Uruguai (Rio Grande do

Sul), em 1903. Em seqüência, novas estatizações ocorrem, algumas delas mediante a

aglutinação de pequenas ferrovias sob a forma de malha. Em 1911, pertenciam ao governo

federal a E. F. Central do Brasil, a E. F. Oeste de Minas (MG), a E. F. Cruz Alta ao Ijuhy

(RS), e a Rede Sul Mineira. O processo de estatização prossegue com a criação da Rede de

Viação Cearense (1913) e da Rede de Viação Férrea da Bahia (1918).

Essa aglutinação visou, de um lado, integrar pequenas ferrovias regionalmente

procurando-se ganhos de escala, e, de outro, permitir o subsídio cruzado entre trechos mais

rentáveis e menos rentáveis. Assim, várias ferrovias resgatadas passam então a ser

administradas pelo governo e outras de maior potencial financeiro são arrendadas a

empresas privadas. A situação da titularidade das ferrovias, nesta Fase III , é mostrada na

tabela 12 (Topik, 1992).

Propriedade (%) Gestão operacional (%) Ente 1889 1914 1930 1889 1914 1930

Governo federal 34 53 59 34 18 29 Governos estaduais - 08 09 - 2 23 Iniciativa privada 66 39 32 66 80 48 Fonte: Topik (1992).

Tabela 12: Titularidade e gestão operacional das ferrovias no período 1889 - 1930

Observa-se na tabela 12 um curioso fenômeno: embora a propriedade das

ferrovias tenha sido paulatinamente assumida principalmente pelo governo federal através

de resgates, esse fato não se verificou plenamente na gestão operacional. A explicação para

tal fato advém dos arrendamentos de ferrovias encampadas a empresas privadas, que em

geral envolviam redes regionais.

A importância e as origens desse processo de arrendamento, que em 1914

abrangia mais de 40% de toda a malha ferroviária, não ficam contudo suficientemente

claras sem que se recorra à questão da garantia de juros. Essas garantias alcançavam

enormes somas, chegando a representar 30% do orçamento federal de 1898. As razões para

o decréscimo das garantias de juros, em abrangência da malha e volume de recursos

públicos a elas alocados, devem-se não somente às restrições de sua cessão a novas

ferrovias, como principalmente ao fato de que em muitos casos era mais barato contrair

um empréstimo externo para encampar uma ferrovia e em seguida arrendá-la à iniciativa

privada, do que seguir pagando as referidas garantias. Como exemplo, tem-se que em 1906

48

o presidente Rodrigues Alves resgatou 2.135km de ferrovias privadas, com empréstimo

inglês, cujos juros eram inferiores aos das garantias (7% em média), economizando 380.000

libras por ano (Topik, 1992).

Note-se, porém, que nesta fase não foram eliminados subsídios a novas ferrovias.

O Decreto 8.532, de 25 de janeiro de 1911, permite a concessão de subvenções

quilométricas fixas (em função da bitola) para ferrovias ditas coloniais, destinadas a

interligar pólos de imigração.

Assim, como fato marcante desse período, tem-se a prática generalizada de

emissão de apólices da dívida pública e a contração de empréstimos externos para resgate e

financiamento dos orçamentos de capital e custeio das empresas ferroviárias do governo. A

tabela 13 mostra a situação dos juros pagos por empréstimos feitos pelo Brasil para

investimentos em ferrovias, fornecidos pela Bolsa de Valores do Rio de Janeiro em 1928.

Nessa mesma época, obrigações ferroviárias do governo pagavam aos investidores cerca de

7% a.a. (BFC, 1928).

Data do empréstimo Discriminação Juros anuais (%) 1883 Vias férreas 4,5 1895 E. F. Oeste de Minas 5,0 1908-1909 E. F. Itapura - Corumbá 5,0 1922 E. F. Vitória a Minas 5,0

Fonte: BFC (1928).

Tabela 13: Empréstimos externos do Brasil em 1928

Ainda com relação à garantia de juros, e em termos de fatos ferroviários

marcantes da Fase III, tem-se um interessante movimento reverso de fluxo monetário, com

o governo recebendo de volta os juros pagos a ferrovias muito rentáveis, como as de São

Paulo. Por esse viés, algumas ferrovias paulistas, como a Santos a Jundiaí, a Paulista e a

Mogiana desistem da garantia de juros, uma vez que suas altas rentabilidades as obrigavam

a partilhar os lucros com o governo, a título de ressarcimento de garantias de juros já pagas.

O caso da E. F. Santos a Jundiaí é exemplar nesse aspecto: inaugurada em 1867,

necessitou de garantias até 1889, período a partir do qual a repartição de lucros com o

governo, dos lucros excedentes a 8% como regia o contrato, tornou-se desinteressante. Até

1874, essa ferrovia recebeu dos cofres públicos o equivalente a 518.433 libras esterlinas;

entretanto, de 1874 a 1889, pagou ao governo o equivalente a 934.457 libras esterlinas,

gerando um saldo para as finanças públicas equivalente a 416.014 libras esterlinas. Esse

49

saldo foi rateado entre os governos provincial e imperial, na proporção de 5/7 e 2/7,

respectivamente, tendo em vista que 5% da garantia de juros eram pagos pelo governo

provincial e 2% dessa mesma garantia eram pagos pelo governo central (Benévolo, 1953).

Outro mecanismo de financiamento interessante posto em prática nesta fase foi o

derivado do Decreto 1.126, de 15 de dezembro de 1903, que permitia que o pagamento aos

empreiteiros de ferrovias fosse feito através de títulos da dívida pública, remunerados a

taxas de 5% a.a. em moeda corrente ou a 4% a.a. em ouro, com amortizações de 0,5% a.a.,

caso da E. F. Madeira – Mamoré, da E. F. Noroeste, etc. (Coimbra, 1974).

Embora situados mais no campo político, porém intimamente relacionados à

questão ferroviária, dois outros fatos são característicos desta Fase III: o nacionalismo e o

sindicalismo.

O nacionalismo, iniciado muitos anos antes, com os movimentos liberatórios do

julgo português e depois com a independência, e consolidado nas campanhas militares para

manutenção da unidade nacional, sobretudo com Caxias, e ainda animado pela Primeira

Grande Guerra, volta-se contra a formação de oligopólios ferroviários, como os da

Brazilian Railway (BR), Leopoldina Railway e Great Western, que no início do século XX

chegaram a operar 60% da malha ferroviária brasileira, através de sucessivas fusões,

aquisições e arrendamentos. O temor das práticas oligopolistas dessa empresas, juntamente

com o começo dos investimentos estrangeiros em setores mais rentáveis da economia

brasileira, como indústria e serviços públicos, tiveram papel importante no resgate de

empresas no pós-guerra.

O movimento sindical brasileiro, por sua vez, teve talvez sua primeira grande

mobilização quando da recusa em se permitir que a E. F. Central do Brasil fosse arrendada

à iniciativa privada, como queria o Marechal Deodoro. Esse movimento contagiou o

congresso, constituído de cafeicultores que temiam a elevação das tarifas e postaram-se

também contra a medida. O presidente, diante desse fato, fechou essa casa legislativa,

tendo no entanto que enfrentar um movimento grevista de 14.000 ferroviários (que

equivalia a cerca de 2/3 do efetivo das forças armadas), que acabou vencedor.

Os investimentos externos no período 1886 – 1913 deixam de estar fortemente

concentrados em ferrovias (variando entre 16 e 37% no período), com a predominância

absoluta de capitais britânicos deixando de existir, fruto da entrada do capitalismo norte-

americano em cena, segundo dados de Castro (1974), citada em Dourado (1981).

50

No período de 1889 a 1930 a malha ferroviária brasileira passa de 9.900km para

32.500km, num avanço de cerca de 450km/ano, semelhante portanto ao também notável

ciclo evolutivo da Fase II (500km/ano). Um detalhado panorama das ferrovias em 1926 é

mostrado na tabela 14 (Brazil Ferro-Carril, 1928). A Fase III encerra-se com a

industrialização, sobretudo com um dos seus principais vetores: o rodoviarismo.

Titularidade da União

Titularidade dos Estados

23.474km (75%)

7.858km (25%)

Propriedade do governo federal

Concedidas

Administração direta ou indireta

Concedidas

18.686km (60%)

4.787km (15%)

Arrendadas Administração direta ou indireta Estados Particulares

Com garantia de

juros

Sem garantia de

juros 9.160km

(29%) 4.244km

(14%) 5.280km

(17%) 2.335km

(7%) 2.451km

(8%)

1.947km (6%)

5.910km (19%)

Obs.: a) todos os percentuais referem-se ao total geral. b) n.d.: não disponível. Fonte: BFC(1928).

Tabela 14: Situação institucional e empresarial das ferrovias brasileiras em 1926

2.2.4.2.4 Detalhamento da fase IV (1930 – 1960)

Essa fase, na realidade, não começa exatamente com a Revolução de 30, mas um

pouco antes, ainda no governo de Washington Luís, cuja lema era: “governar é abrir

estradas”, de rodagem, porém. De qualquer modo, o ano de 1930 é tido por muitos autores

(Barat, 1978; Dourado, 1981; David, 1985; e novamente Barat, 1991) como um marco

temporal no declínio ferroviário nacional.

Nessa fase, que vai desde 1930 a 1960, abrangendo a era Vargas e um breve

período do pós-guerra, a malha ferroviária passa de 32.500km para um máximo de

38.340km, atingido no início dos anos 60 (Barat, 1991). Isso significou um avanço de

apenas 170km/ano, contra os cerca de 500km/ano verificados nas Fases II e III,

configurando o caráter de expansão lenta (relativamente às fases de maior expansão)

explicitado na tabela 2, retro.

Nesta Fase IV, praticamente todas as ferrovias que ainda restavam sob controle

privado, seja sob a forma de concessão integral, seja pela de arrendamento, vão sendo

absorvidas ou retomadas pelos governos federal e dos estados, em função de seus

desempenhos financeiros inadequados. Está definitivamente estabelecida a competição

51

com o modo rodoviário, fruto não só de importantes e novos mecanismos de

financiamento para expansão da malha viária, como também da importação de veículos em

larga escala e da implantação da indústria automobilística (Geipot, 1980; p. 15). A tabela 15

ilustra o desenvolvimento desse sistema, em termos de expansão física (Ferreira Neto,

1974).

Extensão da malha rodoviária Ano Não-pavimentada Pavimentada

Número de veículos

1922 800 0 42.000 1932 120.000 300 135.000 1942 275.000 1.000 197.000 1952 341.000 3.000 630.000 1962 500.000 15.000 1.340.000

Fonte: Ferreira Neto (1974). Tabela 15: Expansão física do modo rodoviário

As ferrovias não estavam preparadas para este tipo de competição, sobretudo

com o caminhão, cujo número pula de 1.500 em 1930 para 400.000 em 1965. Os maus

resultados financeiros vieram em seguida. A evolução das taxas de cobertura (receitas totais

sobre despesas totais) nesta Fase IV está mostrada na figura 10, onde pode ser claramente

vista a deterioração de suas finanças.

Fonte: Elaboração do autor com base em IBGE (2003).

Figura 10: Evolução da taxa de cobertura (%)

É importante ressaltar que o decréscimo das taxas de cobertura financeiras se deu

mesmo com o aumento da carga transportada, que variou de 19 milhões de toneladas em

1930 para 54 milhões de toneladas em 1964 (IBGE, 2003). Isso demonstra que, embora

52

transportassem mais, o caminhão transportava muito mais ainda (tabela 16), com grande

avanço na carga geral, tradicionalmente de maior rentabilidade que as que permaneceram

sendo tipicamente ferroviárias (granéis, produtos siderúrgicos, etc.), pelo seu maior valor

agregado e pelo correspondente afretamento ad valorem.

Ano Rodoviário Ferroviário Aeroviário Hidroviário 1953 53,1 21,7 0,2 25,0 1955 56,5 18,4 0,2 25,6 1957 57,2 18,2 0,2 24,4 1959 58,6 19,1 0,2 22,1 1961 61,6 17,5 0,1 21,1 1963 65,3 16,5 0,1 15,2 Fonte: IBGE (2003).

Tabela 16: Distribuição modal no período 1953 – 1963 (%)

Em que pese, contudo, o novo ambiente concorrencial, as ferrovias conseguiram

ampliar, ainda que de forma modesta, sua produção e extensão, em especial através de

ligações estratégicas, destinadas à interligação norte-sul da malha. Essas novas vias, em

especial o Tronco Principal Sul, conectando São Paulo ao Rio Grande do Sul, tinha por

objetivo possibilitar a eventual movimentação de tropas rumo à fronteira com a Argentina,

e também possibilitar uma alternativa à navegação de cabotagem, que teve diversos navios

torpedeados por submarinos alemães durante a Segunda Guerra. Em paralelo, começaram

os trabalhos de capacitação da E. F. Vitória a Minas, cuja construção teve início em 1903, e

que passou a ganhar extraordinária importância para o escoamento de minério de ferro

com a criação da Cia. Vale do Rio Doce, fruto dos acordos de Washington em 1942.

Em 1957 é criada a Rede Ferroviária Federal S. A., fruto da absorção de 17

estradas de ferro de propriedade do governo federal, às quais se somariam, alguns anos

depois, duas outras ferrovias sob controle do Estado do Rio Grande do Sul. O poder

acionário dessa empresa é divido entre governo federal (87%), governos estaduais (10,2%)

e municípios (2,6%), conforme Ferreira Neto (1974). Essa reorganização do setor, em

busca de maior eficiência, foi fruto de estudos iniciados pela Comissão Brasil Estados-

Unidos para o Desenvolvimento Econômico, de 1950.

A RFFSA conseguiu imprimir padronizações técnicas e operacionais à sua malha,

estabelecendo práticas que até hoje são utilizadas pelas concessionária que a sucederam. Do

momento de sua criação (1957), quando passou a contar com em efetivo da ordem de

150.000 empregados, até o período de sua privatização (1996/1998), a RFFSA conseguiu

53

triplicar o volume de carga transportada e reduzir seu efetivo em um terço, denotando

grande incremento de produtividade.

Cabe ressaltar que foi na década de 50 que começaram as operações de crédito do

então BNDE (criado em 1952 e hoje com a letra S em sua sigla) às ferrovias do governo

federal, tendo esse processo se beneficiado inicialmente malhas regionais ou estradas

importantes como a Rede de Viação Paraná-Santa Catarina, Viação Férrea Federal Leste

Brasileiro, Rede de Viação Cearense, E. F. Central do Brasil e E. F. Leopoldina. Parte dos

recursos foram aplicados já sob gestão da também recém-criada RFFSA.

O descompasso entre receitas e despesas ferroviárias, contudo, prossegue,

levando a um quadro de reorganização, tema da próxima fase.

2.2.4.2.5 Detalhamento da fase V (1960 – 1990)

Na Fase V é posto em prática um audacioso plano de eliminação de ramais

antieconômicos, iniciado com Jânio Quadros em 1960 e prosseguido pelo Regime Militar

até a década de 80, que encolhe a malha da RFFSA em cerca de 8.000km, caracterizando

assim uma retração generalizada (IBGE, 2003).

No início desta Fase, entretanto, um ambicioso esquema de fortalecimento

ferroviário chegou a ser concebido, com a Lei 4102, de 20 de julho de 1962, criando o

Fundo Nacional de Investimentos Ferroviários – FNIF, composto por uma alíquota de 3%

da receita tributária da União e das taxas de melhoramentos, estas últimas fruto do DL

7.632, de 1945, ratificado pelo Decreto 55.651, de 29 de janeiro de 1965.

O Regime Militar, no entanto, modificou esse mecanismo (que não chegou a

sequer a vigorar) com o DL 615, de 09 de setembro de 1969, que estabeleceu o Fundo

Federal de Desenvolvimento Ferroviário, essencialmente composto pela participação da

RFFSA no IUCLG (8%) e por 5% do imposto de importação, sendo que a primeira das

fontes de recursos já havia sido prevista no DL 343, de 28 de dezembro de 1967, porém a

título de aumento de capital da RFFSA.

Essa situação mais uma vez seria alterada, em 1974, com a criação do Fundo

Nacional de Desenvolvimento, canalizador de recursos anteriormente vinculados a

aplicações setoriais (Barat, 1991). Posteriormente, em 1984, o DL 2178 transfere as dívidas

da RFFSA para o tesouro nacional, juntamente com a transferência dos sistemas de trens

54

de subúrbio para a recém-criada Cia. Brasileira de Trens Urbanos – CBTU, lançando assim

as bases para uma empresa auto-sustentável (Castro, 1999).

Alguns vultosos empreendimentos de caráter seletivo são implantados, em

especial aqueles ligados à exportação de minério de ferro ou ao Plano Siderúrgico Nacional,

tais como a E. F. Carajás, a Ferrovia do Aço e a capacitação da E. F. Vitória a Minas. Para

esta última, os investimentos iniciais incluíam não só uma capacitação para transporte de 20

milhões de toneladas, como modernização das minas do Quadrilátero Ferrífero e a

construção do porto de Tubarão (Coelho e Setti, 2000).

O Banco Mundial inicia sua participação no setor ferroviário de carga em 1970,

ao apoiar o projeto de capacitação da RFFSA no transporte de minério de ferro da

mineradora MBR, em Minas Gerais, atualmente feito pela MRS Logística (Cellier, 2002).

Essa participação foi ampliada nas obras dos corredores de exportação do Paraná e de

Minas Gerais, da mesma RFFSA, nos anos 80.

Segundo Lacerda (2002), também o BNDES teve um ativo papel no fomento da

atividade ferroviária. No final da década de 60, assinou-se acordo entre o BNDES e a

RFFSA para realização de um programa de investimentos no triênio 1968-70, envolvendo

R$ 400 milhões. O acordo foi renovado para o triênio 1971-73, com desembolsos de R$

390 milhões. Ele possibilitou adquirir duzentos vagões para transporte de minério e 147

vagões graneleiros; esses últimos se destinavam a escoar safras agrícolas pela Viação Férrea

do Rio Grande do Sul e pela Rede de Viação Paraná–Santa Catarina, mediante recursos

próprios do BNDES e recursos do Fundo Especial de Desenvolvimento Agrícola

(Fundag). A partir do final da década de 70, o BNDES passou a apoiar um extenso

programa da RFFSA para recuperar e modernizar a malha ferroviária, com contrapartidas

aos investimentos do BIRD nos corredores de exportação citados no parágrafo anterior e

nas obras de conclusão da Ferrovia do Aço.

Ainda segundo Lacerda (2002) também a Fepasa, criada em 1971 com a fusão de

cinco ferrovias estaduais (Paulista, Sorocabana, Mogiana, Araraquara e São Paulo–Minas),

recebeu financiamentos do BIRD e do BNDES para recuperação e modernização de sua

malha. A Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) obteve o primeiro financiamento do

BNDES para obras ferroviárias em 1961, visando a adquirir trilhos e demais materiais para

a E. F. Vitória a Minas. Nos anos 80, o BNDES financiou parcialmente a construção da

Estrada de Ferro Carajás.

55

Em 1979, o DL 1.691, de 02 de agosto, destina todos os recursos do IUCLG (e

também a arrecadação da taxa rodoviária única) a programas energéticos destinados a

tornar o país menos vulnerável a crises de petróleo ocorridas alguns anos antes, como o

Pró-Álcool, Programa de Desenvolvimento de Carvão, etc., enfraquecendo ainda mais a

RFFSA.

No final da década de 80, tanto a Fepasa quanto a RFFSA ficaram inadimplentes

com o BNDES, em parte porque seus controladores (governo federal e estado de São

Paulo), diante de crises financeiras, não puderam manter os pagamentos de normalização

contábil (ressarcimento pelos cofres públicos de atividades não-lucrativas exercidas pelas

ferrovias) previstos. Como conseqüência, o Banco interrompeu seus desembolsos, o que

levou aquelas duas empresas a não mais terem capacidade de investimento.

Destaca-se o fato de que nesta Fase V, a substituição de ramais antieconômicos

por ferrovias transportadoras de minério de ferro susta o processo de declínio da

participação modal da ferrovia, que obtém razoável acréscimo no período 1960 – 1990, ao

variar de 18% para 23%, isto é, de 44 milhões para 215 milhões de toneladas,

respectivamente (IBGE, 2003). O minério de ferro, sobretudo o de exportação, passa a ser

o carro-chefe do transporte ferroviário, sendo responsável por quase 70% do total de

cargas transportadas (Marques, 1996).

Um resumo dos investimentos federais em rodovias e ferrovias, durante a Fase

IV, a partir de detalhado levantamento de Ferreira e Malliagros (1999) é mostrado na figura

11.

Fonte: Ferreira e Malliagros (1999).

Figura 11: Investimentos federais 1960 - 1990

56

Os dados da figura 11 mostram que não seria correta a tese, comumente

divulgada aliás, de que o governo federal teria preterido, de maneira desproporcional, as

ferrovias em favor das rodovias. A soma de todos os investimentos rodoviários entre 1960

e 1990 (Fase IV) perfaz R$39,5 bilhões (base 1995), enquanto que o corresponde valor na

área ferroviária monta a R$34,8 bilhões de reais (base 1995), implicando numa diferença

inferior a apenas 14% em favor das rodovias.

2.2.4.2.6. Detalhamento da fase VI (1990 - ?)

Esta fase, que se inicia em 1990, tem relação direta com o quadro econômico do

de algumas décadas anteriores, da qual é expoente a de 1980 a 1990, tida por muitos

economistas como a década perdida. Nos anos que antecedem esta Fase VI são observados

inúmeros problemas econômicos estruturais, tais como o desequilíbrio das finanças

públicas, a incapacidade privada de levar adiante projetos relevantes, crises de petróleo (a

de 1973, elevando o barril de petróleo de U$ 2,5 para U$ 14; e a de 1979, quando o barril

atinge US$ 35), moratória da dívida externa mexicana (em 1982, gerando aversão do capital

externo ao risco de países emergentes), sucessivos planos econômicos (Plano Bresser,

jun/87; Plano Verão, jan/89; Plano Collor I, abr/90; Plano Collor II, fev/91), altas taxas

inflacionárias, etc. Esses problemas econômicos iriam influir de forma decisiva na

reestruturação da maior parte dos serviços de infra-estrutura no Brasil.

Na RFFSA, os explosivos déficits financeiros, crescentes a cada ano até o pico de

1985, decorreram da estrutura de sua estrutura de financiamento dos investimentos: em

1980, as operações de crédito participavam com 67% das aplicações; em 1984, estas

ascenderam a 71%. Ainda no contexto das políticas monetárias do governo federal no

combate à inflação, o controle dos níveis tarifários provocou verdadeira erosão dos preços

praticados pelas ferrovias. A partir de 1982, isso ocasionou perdas reais nas receitas das

empresas e, na RFFSA, ônus adicionais para o Tesouro. Nessa empresa, no transporte de

cargas, recuperações dos preços médios por TKU havidas em 1984 e 1985 foram anuladas

em 1986. Desde então os preços médios decresceram (Marques, 1996).

Com base em dados desse último autor, mostra-se, através da figura 12, que as

finanças da RFFSA eram críticas, como também as da Fepasa, esta última dificultada pela

diminuição do transporte (7,3 bilhões de tku em 1985 para 6,4 bilhões de tku em 1994),

enquanto que na RFFSA houve um ligeiro acréscimo da produção de transporte (37,2

57

bilhões de tku em 1985 para 39,5 bilhões de tku em 1994); demonstrando, neste último

caso, que o aumento da produção, por si só, não foi capaz de reverter um grave quadro de

degradação operacional.

Fonte: Marques (1996).

Figura 12: Coeficiente de exploração da RFFSA

De acordo com Estachi et alli (2001), as obrigações de universalidade na

prestação de serviços, quase sempre de motivação política enfraqueceram essas duas

ferrovias, impedindo que nesses casos os fretes se situassem acima dos custos variáveis. O

baixo nível de investimento e manutenção de vias e materiais rodantes tornaram-se sérios

obstáculos à auto-sustentablidade. Em 1994, RFFSA e Fepasa obtiveram receitas de fretes

bastante altas em termos continentais (4.7 e 6.7 centavos de dólar por tku, contra, por

exemplo, 2,7 centavos de dólar por tku obtidos pela Conrail, norte-americana), refletindo

fraca competição intramodal. Esses altos fretes, contudo, não estavam associados a uma

posição financeira sólida, demandando no caso da RFFSA subsídios de mais de US$ 250

milhões/ano, e uma dívida (inclusive com fundos de pensão) de US$ 3 bilhões ao final de

1995.

Ainda segundo Marques (1996), menção específica deve ser feita ao pesado

endividamento da Fepasa, gerado pela tomada de recursos nas mais diversas modalidades

de operações financeiras, nacionais e internacionais, para a implementação de projetos e

aquisições de material rodante. A partir de 1982, entrou a Fepasa no ciclo infernal da

rolagem da dívida, o qual exigiu desembolsos superiores a US$ 300 milhões anuais. Em

dezembro de 1986, a dívida total apurada (principal, juros e encargos financeiros) atingiu

US$ 1,8 bilhões, passando para US$ 2,7 bilhões em 1994. Essa dívida da Fepasa tinha uma

configuração que, certamente, estava muito além da capacidade financeira da empresa para

honrá-la.

58

Diante desse quadro, o governo Collor, buscando a maior participação do capital

privado no financiamento e na gestão dos serviços de transporte, incluiu, pelo Decreto no

473/92, a RFFSA no Programa Nacional de Desestatização (PND), instituído pela Lei no 8

031/90, algo que em 1997 foi estendido à Fepasa, após sua federalização, porém já no

governo Fernando Henrique Cardoso.

O BNDES, como gestor do PND, contratou uma associação de consultores para

estudar e formular o modelo de concessão. A RFFSA se viu dividida em seis malhas

regionais: Malha Sudeste, Malha Centro-Leste, Malha Sul, Malha Oeste, Malha Nordeste e

Ferrovia Tereza Cristina. O processo de transferência para a administração e operação

privada teve início em 1996, com a concessão das malhas do sistema RFFSA, e terminou

em 1999, com a concessão da Fepasa. No caso da CVRD, quando esta foi privatizada,

transferiram-se também as concessões da malha da Vitória–Minas e da Carajás (Lacerda,

2002).

Um resumo do processo de privatização é mostrado na tabela 16, a partir de

dados de Estachi et alli (2001).

Item Oeste

Centro - Leste

Sudeste Tereza Cristina

Sul Nordeste Paulista

Leilão 05/03/1996 14/06/96 20/09/96 22/11/96 13/12/96 18/07/97 10/11/98 Transferência 01/07/96 01/09/96 01/12/96 01/02/97 01/03/97 01/01/98 01/01/99 Proponentes n.d. 2 3 1 4 4 2 Concessionária Fer. Novoeste

(FNV) Fer. Centro – Atlântica (FCA)

MRS Logística (MRS)

Fer. Teresa Cristina (FTC)

Ferrovia Sul-Atlântica (FSA)

Cia. Fer. do Nordeste (CFN)

Ferrovia Bandeirantes (Ferroban)

Principais acionistas

Noel Group Mineração Tacumã, Ralph Partners e Judori

CSN, MBR e Usiminas

Banco Interfinance, MGE e Sta. Lúcia

Ralph Partners e Judori

CSN, ABS, Taquari e CVRD

CVRD

Preço mínimo (R$)

60,2 316,9 888,9 16,6 158,0 11,5 233,4

Proposta vencedora (R$)

62,4 316,9 888,9 18,5 216,6 15,7 245,0

Ágio (%) 3,5 0 0 11,3 37,1 37,9 4,9 Pagamento a vista (% preço mínimo)

10%

20% 30% 10% 20% 20% 20%

Carência sobre o restante (anos)

2 2 1 2 2 3 2

Parcelas restantes (trimestres)

112 112 116 112 112 108 112

Fonte: Estachi et alli (2001). Tabela 16: Quadro-resumo do processo concessional brasileiro

Esse quadro institucional sofreu substanciais alterações ao longo dos últimos

anos, como por exemplo:

59

• a Ferrovia Novoeste - FNV, juntamente com parte mais central da Ferroban (antigas

malhas da Paulista e da Araraquarense) e com a Ferronorte formaram o conglomerado

Brasil Ferrovias, recentemente adquirido pela América Latina Logística - ALL;

• a Ferrovia Centro – Leste, através de descruzamento de ações entre CSN e CVRD, e

alteração no limite da participação acionária (20% originalmente), passou a ter esta

última empresa como acionista majoritário;

• a MRS Logística, em função da aquisição da MBR e da Ferteco pela CVRD, também

passou a ter esta última como acionista majoritário;

• a Ferrovia Sul-Atlântica passou a se denominar América Latina Logística – ALL, em

função de aquisição de duas ferrovias argentinas (Ferrocarril Mesopotamico – FMGU e

Buenos Aires al Pacífico – BAP; posteriormente, após associação com o transportador

rodoviário Delara, do Paraná, teve sua denominação mudada para All-Delara;

• a Cia. Ferroviária do Nordeste, através de descruzamento de ações entre CSN e CVRD,

determinado pelo órgão regulador (ANTT), passou a ter a primeira dessas empresas

como acionista majoritário;

• a Ferroban cedeu boa parte de sua malha original, através de acordos operacionais, à

ALL-Delara (antiga malha da Sorocabana) e à FCA (antiga malha da Mogiana), tendo

sido incorporada à Brasil Ferrovias, e esta à ALL.

O quadro atual mostra, portanto, uma forte participação da CVRD no setor

ferroviário, controlando direta ou indiretamente a E. F. Carajás - EFC, a E. F. Vitória a

Minas - EFVM, a Ferrovia Centro-Atlântica – FCA e a MRS Logística, que, juntas,

respondem por 87% da produção nacional de transporte ferroviário de cargas (momento

de transporte), de acordo com cálculos do autor com base em dados do SIADE (Sistema

de Acompanhamento do Desempenho das Concessionárias), mantido pelo ministério dos

Transportes. Com a forte demanda sobre o minério de ferro e as expressivas encomendas

de vagões da CVRD nos mercados interno e externo, de 2.782 vagões e 105 locomotivas

em 2002 e de 2.370 vagões em 2003 (RF, 2003), a tendência é que a participação dessa

empresa rapidamente ultrapasse o patamar de 90% do transporte ferroviário no país.

Com esse processo de fusões e aquisições, espera-se a redução da inadimplência

de algumas ferrovias, em termos de produção de transporte ou de redução de acidentes,

itens de controle de desempenho contratuais, como a Ferrovia Novoeste, a Ferrovia

Centro-Atlântica, a Cia. Ferroviária do Nordeste e as Ferrovias Paraná (Ferroeste).

60

A essa questão da inadimplência deve se somar ainda outro problema igualmente

agudo, o do abandono ou supressão do tráfego em trechos de baixa densidade de tráfego,

que segundo Toller-Gomes (2003) atingia 7.000km de linhas, ou cerca de 30% da malha

concedida, extensão que equivale a da supressão de ramais antieconômicos da Fase V.

O principal agente de financiamento do setor ferroviário privado vem sendo o

BNDES, existindo porém restrições desse banco à liberação de mais recursos pela falta de

garantias dos concessionários, uma vez que a quase totalidade dos bens operacionais dessas

empresas são reversíveis à União findo o prazo concessional.

2.3 RESUMO

Forjadas na revolução industrial do século XIX, as ferrovias de uma forma geral e

as de carga de maneira específica, assim como inúmeros produtos fabris, apresentam um

ciclo vital formado por nascimento (introdução), crescimento, estagnação e declínio.

Seu vigoroso crescimento, que propiciou a existência de uma malha de cerca de

1.600.000 km em 1917, teve como pilar central a existência de tração mecânica (locomotiva

a vapor) para o transporte terrestre, em substituição à tração animal.

A estagnação e o declínio das ferrovias de carga, dentre outros motivos, foram

grandemente abaladas por dois fatores básicos:

• o surgimento dos veículos rodoviários no século XX, que revolucionou a mobilidade

de cargas e pessoas, tal qual a ferrovia o fizera no século XIX;

• os maus resultados financeiros da gestão ferroviária, fruto do processo anárquico com

que as ferrovias foram implantadas, muitas vezes fomentado pelo único objetivo de

ganho capitalista com a implantação e não com a exploração do serviço ferroviário

propriamente dito (Santos, 2008).

Na América do Norte, o desenvolvimento ferroviário foi fortemente

impulsionado pelo capital privado, muito embora o setor público tenha tido relevante

participação através do instituto da concessão de terras. No final do século XX,

observaram-se nos EUA, Canadá e México fortes movimentos empresariais de

privatizações (FNM – México e Canadian National – Canadá), fusões, aquisições e criação

de regional e shortlines. Esse continente permanece como possuidor dos mais importantes

sistemas ferroviários, seja em volume de transporte, seja na partição modal, seja ainda no

desenvolvimento tecnológico a tais sistemas incorporado.

61

Na Comunidade Européia, berço do desenvolvimento ferroviário, as operadoras

de carga registram decrescente participação no mercado, existindo até mesmo o temor de

venham a desaparecer. Nesse sentido, um amplo programa de reestruturação vem sendo

posto em prática, envolvendo a privatização (Grã-Bretanha, Leste Europeu), a

interoperalidade (bitolas, voltagem da energia de tração etc.), a intermodalidade e a

segregação da infra-estrutura.

Na Ásia e Oceania, o intenso desenvolvimento ferroviário dos século XIX e da

primeira metade do século XX deu também lugar a um quadro geral de declínio, observam-

se atualmente apenas expansões na malha chinesa. Outros países, como Austrália, Nova

Zelândia e Japão, deram grande ênfase à privatização e à segregação da infra-estrutura, esta

sobretudo nos países anglófilos.

Na América do Sul, Brasil e Argentina, como as duas maiores economias, foram

os que obtiveram maior adesão do capital externo aos projetos de expansão e suas malhas

no século XIX e início do século XX. No caso brasileiro, os mecanismos da garantia de

juros e da subvenção quilométrica alavancaram fortemente a construção de novas linhas,

tendo o Império construído cerca de 9.500 km de trilhos em menos de duas décadas.

Esses dois países, possuidores das maiores malhas do continente, estatizaram suas

ferrovias nas primeiras seis décadas do século XX, e deram curso a um amplo programa de

privatização no final desse mesmo século, contemplando a existência de malhas regionais

verticalizadas. Nesses países observam-se atualmente fortes movimentos de consolidação

acionária das concessionárias.

Em todo o levantamento bibliográfico feito neste capítulo fica patente a

necessidade de medidas reestruturadoras por parte de governos e também das operadoras

ferroviárias, de sorte a permitir, às ferrovias de carga, melhores condições de competição

no mercado e pelo mercado.

62

3 OS PROCESSOS DE REESTRUTURAÇÃO

3.1 PRELIMINARES

No capítulo 2, os processos de reestruturação ferroviária foram citados, de

maneira superficial e segmentada, já que o objetivo era a descrição da evolução da ferrovia

através dos tempos. Nesse capítulo, ao contrário, é feita uma análise mais profunda e

consolidada desses processos.

A competição gerada pela industrialização levou à necessidade de serviços de

transporte mais confiáveis, rápidos e flexíveis, este último requisito envolvendo

principalmente rotas e oferta. Dessa maneira, o acréscimo de demanda e as novas

necessidades logísticas impuseram enorme pressão no sistema de transportes, redundando

numa natural ascensão do rodoviarismo, e de um correspondente declínio da ferrovia,

sobretudo o de carga, tema básico deste trabalho. As razões desse declínio, para o caso da

carga, vistas de modo sintético por Pietrantonio e Pelkmans (2004) para a Europa

Ocidental, são mostradas na tabela 17.

Tipicidade Justificativas

Razões exógenas • Transformação da indústria:

o de grandes estoques para processos just-in-time;

o de grandes volumes com baixo valor agregado para pequenos

volumes de alto valor agregado.

• Desenvolvimento do rodoviarismo.

Razões endógenas • Limitada atenção às necessidades dos clientes.

• Baixa confiabilidade do serviço de transporte.

• Flexibilidade limitada na intermodalidade.

• Fragmentação do serviço de transporte nas fronteiras dos países;

• Ausência de cabotagem* além das fronteiras dos países.

• Falta de transitários de carga (freight forwarders) para otimização da cadeia

logística.

• Prioridades de tráfego alocadas ao transporte de passageiro sem

justificativa econômica.

• Falta de informações sobre a carga em trânsito.

• Estrutura de custos não transparente, dificultando as análises de

rentabilidade dos fluxos de transporte.

Fonte: Pietrantonio e Pelkmans (2004).

Tabela 17: Causas básicas do declínio ferroviário

63

O declínio ferroviário ou mesmo a sua estagnação afetou sobretudo o

crescimento de países em vias de desenvolvimento, sendo claro demonstrativo disso o nível

de estoques nesses países ser, em média, de duas a três vezes superior ao dos países

industrializados (Guasch e Kogan, 2001).

O peso dos déficits públicos gerados pelas ferrovias administradas pelos estados e

a competição imposta pelos outros modos de transporte, aliados a uma forte tendência

liberalizante na economia, redundaram, no final do século XX e início do século XXI, em

diversas medidas reestruturadoras, que por seu turno geraram um novo arcabouço

institucional condensado na tabela 18.

Nessa tabela despontam os seguintes conceitos:

• geometria verticalizada: concentra as funções de operação e gestão da infra-estrutura

em que opera, numa estrutura monolítica;

• geometria semi-verticalizada: onde os operadores não possuem infra-estrutura e

circulam nas vias de terceiros. O acesso a essas vias é mandatório, via regulação, muito

embora essas continuem a ser geridas por um operador dominante. Na terminologia

inglesa essa situação é denominada de third part access regime ou competitive access. Há uma

diferença fundamental em relação ao denominado direito de passagem no Brasil, que na

maior parte dos caso é fruto de acordo voluntário entre empresas, e também frente ao

open access, a seguir descrito;

• geometria horizontalizada: em que a infra-estrutura é segregada da operação, e o acesso

é em princípio liberado a qualquer operador, desde que cumpridas exigências técnicas e

financeiras. Essa situação é conhecida na língua inglesa como unblunding ou open access.

64

Geometria organizacional dos operadores Envolvimento do setor privado Verticalizada Semi-verticalizada Horizontalizada

Departamento governamental

• Índia, Rússia e China (ministérios)

• Hungria, Tailândia e Macedônia

Empresa pública

• Europa Oriental, Chile (EFE) e Austrália*

• Amtrack (EUA),Via Rail (Canadá) e Concor (Índia)

• Europa Ocidental (exceto Grã-Bretanha)

Empresa privada monopolista ou oligopolista

• EUA (Classe I), Canadá (CN e CP), Brasil, Argentina, México, Peru, Guatemala, Bolívia, Chile (Ferronor e FCAB), Panamá, Japão (passageiro), Austrália* e África**

• Japão (carga) • Grã-Bretanha (EW&S), Chile (Fepasa), Austrália* e Nova Zelândia

Empresa privada pulverizada

• EUA e Canadá (linhas curtas)

• Grã-Bretanha (passageiro)

Obs.: a) Como o caso australiano comporta inúmeras situações, recomenda-se consultar a tabela 6 do capítulo 2. b) Os países africanos que recentemente privatizaram suas ferrovias são: Camarões, Gabão, Costa do Marfim, Madagascar, Malawi, Máli, Moçambique, Quênia, Senegal, Togo, Uganda, Zâmbia. Dezenas de processos privacionistas planejados ou em curso. Fonte: Pesquisa do autor, com base em Kessides (2004).

Tabela 18: Arranjos institucionais dos operadores ferroviários

Não constam da tabela 18 o arranjo institucional dos gestores da infra-estrutura,

caso do acesso livre (open access), posto que esses são atualmente empresas públicas, após as

malogradas experiências com gestores privados na Grã-Bretanha (Railtrack) e da Nova

Zelândia (New Zealand Rail Limited).

Da tabela 18 resultam três macroprocessos reestruturadores principais:

• oligopolização/pulverização;

• privatização;

65

• segregação da infra-estrutura: acesso mandatório em linha gerida por operador

dominante (competitive access) e acesso livre (open access) em linha gerida por empresa de

propósito específico.

Cada um desses macroprocessos reestruturadores será detalhado em seguida,

acompanhado da descrição dos mecanismos regulatórios que possibilitaram sua

implementação.

3.2 OLIGOPOLIZAÇÃO E PULVERIZAÇÃO

3.2.1 Oligopolização (Fusões e Aquisições)

No final do século XX e início do século XXI, presenciou-se uma onda de fusões

e aquisições ferroviárias em vários países do continente americano. Embora essa questão

não seja nova no transporte sobre trilhos, as consolidações ocorridas impressionaram pelo

vulto e pela celeridade: num curto espaço de tempo o controle acionário milhares de

quilômetros de vias férreas trocou de mãos.

As fusões e aquisições são em geral do tipo end-to-end, que envolvem dois

transportadores ferroviários atuando em regiões distintas, conectando-se em alguns poucos

pontos, sem, portanto, significativo paralelismo de linhas.

Os motivos econômicos que levam a esse processo de fusões e aquisições são

diretamente ligados à economia de escala, quando:

• o custo total de uma firma em produzir um determinado produto/serviço é menor do

que o somatório do custo total de duas ou mais firmas em produzirem este mesmo

produto/serviço; ou, alternativamente,

• a expansão da capacidade de produção de uma firma ou indústria causa um aumento

dos custos totais de produção menor que, proporcionalmente, os do produto. Como

resultado, os custos médios de produção caem, a longo prazo.

Na região do NAFTA (North American Free Trade Agreement) esse processo de

aquisições e fusões compreendeu os arranjos comerciais mostrados na tabela 19.

66

Ano Ferrovias intervenientes Ferrovia resultante/dominante

1976 Central Railroad of New Jersey (EUA), Erie Lackawanna Railroad (EUA), Lehigh and Hudson River Railway (EUA), Lehigh Valley Railroad (EUA), Penn Central (EUA) e Reading Railroad (EUA)

Conrail (EUA)

1982 Louisville and Nashville Railroad (EUA) e Seaboard Coast Line Railroad (EUA)

Seaboard System Railroad (EUA)

1982 Norfolk and Western Railroad e Southern Railway (EUA)

Norfolk Southern Railroad (EUA)

1982 Western Pacific Railroad e Missouri Pacific Railroad (EUA)

Union Pacific Railroad (EUA)

1985 Milwaukee Road e Soo Line Railroad (EUA) Soo Line Railroad (EUA) 1987 Baltimore and Ohio Railroad (EUA), Chesapeake and

Ohio Railway (EUA) e Seaboard System Railroad (EUA) CSX Transportation (EUA)

1988 Denver and Rio Grande Western Railroad (EUA) e Southern Pacific Railroad (EUA)

Southern Pacific Railroad (EUA)

1988 Missouri-Kansas-Texas Railroad (EUA) e Union Pacific Railroad (EUA)

Union Pacific Railroad (EUA)

1992 Soo Line Railroad (EUA) e Canadian Pacific Railway (CA)

1995 Chicago and North Western Railway (EUA) e Union Pacific Railroad (EUA)

Union Pacific Railroad (EUA)

1995 Atchison, Topeka and Santa Fe Railway e Burlington Northern Railroad (EUA)

Burlington Northern and Santa Fe Railway (EUA)

1996 Southern Pacific Railroad e Union Pacific Railroad Union Pacific Railroad (EUA)

1997 Ferrocarriles Nacionales de Mexico - parte privatizada (MX) e Kansas City Southern Railroad (EUA)

Kansas City Southern de Mexico (MX/EUA)

1998 a) Conrail (42%) (EUA) e CSX Transportation (EUA) b) Conrail (58%) (EUA) e Norfolk Southern Railroad (EUA)

a) CSX Transportation (EUA) b) Norfolk Southern Railroad (EUA)

1998 Illinois Central Railroad e Canadian National Railway Canadian National Railway 1998 Ferrocarriles Nacionales de Mexico - parte privatizada

(MX) e Union Pacific Railroad (EUA) Ferrocarril Mexicano (MX/EUA)

2001 Illinois Central Railroad (EUA) e Canadian National Railway (CA)

Canadian National Railway (CA)

2001 Wisconsin Central Railroad (EUA), Algona Central Railway (CA) e Canadian National Railway (CA)

Canadian National Railway (CA)

2003 British Columbia Rail (CA) e Canadian National Railway (CA)

Canadian National Railway (CA)

2003 Great Lakes Transportation (EUA/CA) e Canadian National Railway (CA)

Canadian National Railway (CA)

Fonte: Dados compilados pelo autor nos sítios das ferrovias.

Tabela 19: Fusões e aquisições ferroviárias recentes na área do NAFTA

Nos EUA, o processo de concentração do setor ferroviário foi acelerado por uma

série de medidas de desregulamentação do setor, consolidadas através do Railroad

Revitalization and Regulatory Reform Act, de 1976, e do Stagger´s Rail Act, de 1980.

67

No Canadá, a oligopolização do setor não é fato novo, existindo desde o século

XIX. Contudo, as relativamente recentes aquisições de ferrovias norte-americanas pelas

canadenses foram facilitadas pelos atos regulatórios citados no parágrafo anterior.

Na região do Mercosul esse processo de aquisições e fusões também prosperou.

No caos brasileiro, após a desestatização do setor ferroviário de cargas, fruto do Programa

Nacional de Desestatização - PND, a maioria das concessões ferroviárias brasileiras, por

conta desse processo, acabou ficando basicamente sob o controle de três grandes grupos

empresariais.

O primeiro grupo, e de longe o mais importante em termos de produção de

transporte, é a Cia. Vale do Rio Doce - CVRD, maior produtora e exportadora mundial de

minério em Pelotas, e uma das principais produtoras mundiais de manganês e ligas de ferro.

A CVRD controla a Estrada e Ferro Carajás e a Estada de Ferro Vitória-Minas, que ligam

as regiões produtoras de minério de Carajás e Minas Gerais aos portos de São Luís e

Tubarão, respectivamente. Essa empresa também adquiriu o controle da Ferrovia Centro-

Atlântica - FCA, na região centro-leste do país e tornou-se indiretamente acionista

majoritária da MRS Logística, no triângulo econômico Minas Gerais – Rio de Janeiro – São

Paulo.

O segundo grupo é formado por Taquari Participações e Cia. Siderúrgica

Nacional, com o grupo Vicunha sendo o virtual mandatário dessas últimas. Esse grupo

controla a Cia. Ferroviária do Nordeste – CFN, que passará por um profundo processo de

rearranjo de fluxos de transporte com a construção da Ferrovia Nova Transnordestina.

O terceiro grupo é constituído por diversos acionistas, sendo o de maior peso o

grupo Garantia. Este grupo detém as seguintes concessões:

• malha sul da antiga Rede Ferroviária Federal, inicialmente denominada de Ferrovia Sul

Atlântico – FSA e depois América Latina Logística – ALL;

• malhas centro-oeste e paulista, da antiga Rede Ferroviária Federal, posteriormente

denominadas de Ferrovia Novoeste e Ferrovia Bandeirantes (Ferroban);

• Ferrovia Norte Brasil (Ferronorte), nos estados de Mato Grosso do Sul e Mato Grosso;

• Ferrocarril Buenos Aires al Pacífico, da antiga Ferrocarriles Argentinos;

• Ferrocarril Mesopotâmico General Urquiza, da antiga Ferrocarriles Argentinos.

Os processos de fusões e aquisições envolvem, em sua totalidade, empresas verticalmente integradas, isto é, ferrovias que operam e mantém suas vias permanentes.

68

3.2.2 Cisões sem Segregação da Infra-Estrutura

Em movimento em sentido contrário ao das fusões e aquisições, porém

diretamente correlacionado a este, tem-se as cisões sem segregação da infra-estrutura,

situação que tem gerado o surgimento de pequenas ferrovias, também denominadas de short

lines ou linhas curtas, de caráter arterial, que, portanto, alimentam e são alimentadas pelas

ferrovias de maior porte.

Esse processo reestruturador é também formado por empresas verticalmente

integradas, muito embora seja intenso o processo de terceirização de serviços, em especial a

manutenção do material rodante, já que as linhas curtas não possuem volume de serviços

que justifique a existência de oficinas de locomotivas, por exemplo.

O processo de formação das linhas curtas é mais intenso nos EUA e Canadá,

sendo em grande parte derivado da assunção, por pequenas empresas, de segmentos

ferroviários considerados pouco rentáveis pelas grandes ferrovias.

Nos EUA, o processo de surgimento das linhas curtas foi acelerado por uma série

de medidas de desregulamentação do setor, consolidadas através do Railroad Revitalization

and Regulatory Reform Act, de 1976, e do Stagger´s Rail Act, de 1980. Note-se que essa

desregulamentação visou, primariamente, o fortalecimento das grandes ferrovias, muitas

delas falidas ou em situação pré-falimentar na década de 70 (século XX), sendo a criação

das short lines um subproduto de uma ação maior: o abandono de ramais antieconômicos

pelas grandes ferrovias.

Observe-se que como resultado de uma ação reguladora tida como

demasiadamente rígida e da concorrência imposta principalmente pelo modo rodoviário,

após a segunda guerra mundial, as ferrovias norte-americanas enfrentaram sérias

dificuldades financeiras, algumas delas tornando-se insolventes e indo à bancarrota. O

processo de desregulamentação, citado no parágrafo precedente, foi a alternativa

encontrada pelos EUA para evitar a estatização e a existência de subsídios ao setor

ferroviário, privado desde sua origem. Os princípios básicos dessa desregulamentação são

bastante simples: as ferrovias podem agir como qualquer outra empresa privada,

gerenciando seus ativos da forma que melhor lhes convier e estabelecer livremente as

tarifas para seus serviços.

Segundo ASLRRA (2004), o panorama do setor de linhas curtas e regionais nos

EUA é o mostrado na tabela 20 e figura 13, para as quais é pertinente o seguinte glossário:

69

• ferrovia local (classe III): possui menos de 350 milhas de linhas férreas e tem receita

anual inferior a US$ 40 milhões;

• ferrovia regional (classe II): possui ao menos 350 milhas de linhas férreas e tem receita

anual inferior entre US$ 40 milhões e US$ 270 milhões (este último limite a partir do

qual a ferrovia é considerada classe I);

• operador de pátio e terminal ferroviário: atua na recepção, triagem, decomposição,

carga, descarga e recomposição de trens em pátios e terminais ferroviários pertencentes

a terceiros.

Tipo de operador Quantidade Milhas operadas Empregados Local 309 21.855 5.102

Regional 31 17.073 7.807

Pátio e terminal 205 7.546 6.779

Total 545 46.474 19.688

Fonte: ASLRRA (2004).

Tabela 20: Panorama das ferrovias locais e regionais nos EUA

Fonte: ASRRLA (2004).

Figura 13: Proprietários das ferrovias locais e regionais nos EUA

70

Já no caso canadense, o Canadian Transportation Act, de 1996, fortemente

influenciado pelo Stagger´s Act norte-americano, contém diversas medidas liberalizantes,

que permitem as consolidações e desconsolidações empresariais, além de disposições para

facilitar a resolução de disputas entre clientes e transportadores, ou para proteção de

determinado segmento contra práticas abusivas por parte das ferrovias.

Além do estímulo oriundo da possibilidade de abandono de trecho pelas grandes

ferrovias, a existência de pequenas ferrovias no Canadá é também facilitada por um

mecanismo regulatório de proteção ao cliente ferroviário, denominado Tarifas de Linha

Competitiva (Competitive Line Rates - CLR), aplicável quando (Castello Branco e Orrico

Filho, 2005):

• um cliente tem acesso apenas a uma ferrovia, na origem ou no destino de seu fluxo; e

• o transporte entre origem e destino é feito de modo integrado por dois ou mais

transportadores.

Nessas circunstâncias, o cliente pode solicitar à ferrovia que forneça uma tarifa

competitiva para transporte, conforme o caso:

• entre a origem e o ponto de intercâmbio (entre duas ferrovias) ou transbordo (entre

dois modos) mais próximo; ou

• ponto de intercâmbio/transbordo mais próximo ao destino e este.

A ferrovia deverá fornecer a tarifa para execução do trecho inicial ou final da

cadeia de transporte, mesmo que seja capaz de operar todo o trajeto entre origem e destino,

não estando incluídos no mecanismo CLR o transporte ferroviário de contêineres, semi-

reboques rodoviários e de vagões sem lotação total. A máxima extensão para aplicação da

CLR é de 50% do total da quilometragem ferroviária entre a origem e o destino ou

1.200km, a que for maior.

Caso solicitado pelo cliente, o órgão regulador (CTA) deverá, num prazo máximo

de 45 dias, emitir parecer acerca dos seguintes tópicos:

• valor da tarifa apresentada pela ferrovia para operação do segmento inicial ou final da

cadeia de transporte em discussão, que não poderá ser inferior a seus custos variáveis;

• percurso do transporte entre origem e destino;

• designação dos pontos de intercâmbio;

• modus operandi da ferrovia.

71

Segundo Transport Canada (2005), atualmente o Canadá possui cerca 48 ferrovias

locais e regionais, 36 das quais surgidas após o Canadian Transportation Act, de 1996. Essas

ferrovias operam 12.871 km de linhas férreas, devendo a esse total serem adicionados 835

km, geridos por operadores de pátios e terminais.

3.3 PRIVATIZAÇÕES

No século XIX, começo do desenvolvimento ferroviário, significativa parcela dos

empreendimentos foi implementada com capitais privados. Com o decorrer do tempo, já

sob a influência da industrialização e do rodoviarismo, ocorreu uma grande estatização do

setor, sobretudo após a Primeira Grande Guerra, com a notável exceção das ferrovias

norte-americanas.

No final do século XX, ocorre um retorno às origens, com o processo de

privatização constituindo-se num poderoso instrumento reestruturador, rompendo muitas

das amarras burocráticas que engessavam as ferrovias estatais.

São muitas as formas de participação do setor privado na área ferroviária, sob

diferentes denominações: terceirização, contrato de gestão, arrendamento, franquia,

concessão etc. A figura 14 ilustra o espectro crescente de participação privada, segundo

Shaw et alli (1996).

Empresa ou

ente público Terceirização

Leasing /

affermage

Concessões Franquia

Contrato de gestão

Concessão (inclui Build, operate and

transfer - BOT

Build, own and operate

- BOO Transferência

de incumbência através de

licença

Transferência de incumbência através venda

Fonte: Shaw et alli (1996).

Figura 14: Espectro crescente da participação privada no setor ferroviário

72

Segundo aqueles autores, o termo "concessões" abrange três formas de

participação privada: affermage, franquia e concessão propriamente dita. Nesses casos

existem os seguintes aspectos em comum:

• o governo define e garante direitos exclusivos a uma empresa privada;

• o prazo concessional é fixo (variando entre 5 e 50 anos);

• o espaço geográfico de atuação da empresa privada é delimitado;

• o risco do negócio é, implicita ou explicitamente, definido no contrato de concessão.

As distinções entre os diversos tipos de concessão são as seguintes:

• affermage ou leasing: o operador privado aluga o equipamento e a infra-estrutura,

assumindo algum risco comercial e tomando as principais decisões e marketing;

• franquia: o operador privado oferta o serviço ferroviário da forma prescrita pelo

governo, assumindo parte do risco comercial e arcando com o custo do investimento.

A autoridade franqueadora retém o poder de decisão em muitos aspectos operacionais,

como marketing;

• concessão propriamente dita: o operador privado arca com o investimento e com o

risco comercial. Os acordos relativos a obras e serviços envolvem a construção ou

reabilitação de itens diversos e a operação do sistema ferroviário por um dado período.

A seguir é apresentado um panorama das privatizações em todo o mundo,

notando-se que a América Latina é, sem sombra de dúvida, a região onde esse processo

reestruturador mais prosperou, seja pelo número de países e ferrovias envolvidos, seja pela

pujança dos sistemas privatizados.

Ressalte-se que Ratton Neto (2000) sustenta que o processo de privatização foi

adotado, de forma pragmática pelos diversos governos, em virtude da falência do modelo

de exploração estatal, fruto, em primeiro lugar, da incapacidade dos governos de

constituírem políticas empresariais para suas ferrovias, e, em segundo lugar, pelo não

cumprimento de suas obrigações financeiras com as empresas ferroviárias

É importante notar que nesse panorama só estão consideradas as privatizações

envolvendo empresas verticalmente integradas, já que a privatização com segregação da

infra-estrutura está sendo abordada no subitem que se segue. Em adição, só estão sendo

aqui consideradas as ferrovias de carga e as de passageiros de média e longa distâncias,

estando excluído o transporte urbano sobre trilhos.

73

No caso brasileiro, o processo de concessionamento ao setor privado foi

alavancado pela lei n.º 8.031/90, de 12/04/90, e suas alterações posteriores, que instituiu o

Programa Nacional de Desestatização - PND. O processo de desestatização do setor

ferroviário foi iniciado em 10/03/92, a partir da inclusão da Rede Ferroviária Federal S.A. -

RFFSA no PND, pelo Decreto n.º 473/92.

Os resultados da privatização na América Latina são alentadores, como bem

demonstram os resultados dos momentos de transporte (t x km) da figura 15. Observa-se

nesse gráfico a permanente evolução da produção de transporte no período pós-

privatização, superior à do período pré-privatização, com exceção do Peru e da Colômbia,

sendo que este último se encontra em guerra civil. Ainda assim, nesses últimos paises, foi

recuperado o patamar de transporte do ano-base (1985). O rol das privatizações nesse

continente é mostrado na tabela 21.

Observações: a) ano-base: 1985 (índice 100). b) números entre parênteses na legenda significam o ano do início do processo de privatização. Fonte: Sharp (2005)

Figura 15: Evolução da produção de transporte na América Latina (t útil x km)

74

País Sistema, malha ou segmento ferroviário

Concessionário Data da concessão

Extensão das linhas

(km) Rosario-Bahia Blanca Ferroexpresso Pampeano 1991 5.163 Mitre Nuevo Central Argentino 1992 4.520 Roca Ferrosur Roca 1993 4.791 San Martin Buenos Aires al Pacifico1 1993 5.493

Argentina

Urquiza Ferrocarril Mesopotamico1 1993 2.751 Subtotal Argentina 22.718

Andina Ferroviaria Andina 1996 2.274 Bolívia Oriental Ferroviaria Oriental 1996 1.424

Subtotal Bolívia 3.698 Oeste Ferrovia Novoeste1 1996 1.621 Centro-Leste Ferrovia Centro-Atlântico 1996 7.080 Sudeste MRS Logística 1996 1.674 Teresa Cristina Tereza Cristina 1997 164 Sul Ferrovia Sul Atlântico1 1997 6.586 Paulista Ferrovias Bandeirantes1 1997 4.236 Vitória a Minas Cia. Vale do Rio Doce 1997 898 Carajás Cia. Vale do Rio Doce 1997 892

Brasil

Nordeste Cia. Ferroviária do Nordeste 1998 4.534 Subtotal Brasil 27.685

Central Empresa Ferrocarril del Pacifico 1995 2.379 Setentrional Ferrocarril del Norte 1996 2.229

Chile

Arica-La Paz Ferrocarril de Arica a La Paz 1997 206 Subtotal Chile 4.184

Red Ferrea del Atlantico Ferrocarril Carriles del Norte de Colombia

1.493 Colômbia

Red Ferrea del Pacifico Tren do Occidente 121 Subtotal Colômbia 1.302

Nordeste Transportacion Ferroviaria Mexicana 1996 4.283 Terminal da Cidade do México

Terminal Ferroviaria del Valle de México

1996 297

Pacífico Norte Ferrocarril Mexicano 1997 7.164 Ojinanga-Topolobango Ferrocarril Mexicano 1997 943 Coahila-Durango GAN/Peñoles 1997 974 Sudeste Ferrocarril del Sureste 1998 1.479 Chiapas-Mayab Unidad Ferroviaria Chiapas-Mayab 1999 1.550 Sudeste - Linha Curta Ferrocarril Mexicano 1999 320

México

Nacozari Ferrovias Nordeste2 2000 71 Subtotal México 17.081

Panamá Ferrocarril de Panamá Panama Canal Railway Company 75 Subtotal Panamá 75

Subtotal América Latina 60.903 (1) Atualmente América Latina Logística. (2) Concessão a estado. Fontes: Castro (1999), Castro (2002) e Sharp (2005).

Tabela 21: Privatizações ferroviárias na América Latina

No caso brasileiro, existem dois parâmetros básicos que controlam o

desempenho das concessionárias: um, de caráter qualitativo (e inconsistente, pois trens

mais longos ao invés de curtos tendem a afetar seu valor), refletido pelo número relativo de

acidentes (acidentes por milhão de trens x km), e, outro, de caráter quantitativo,

caracterizado pelo momento de transporte (toneladas úteis x km, erroneamente

denominado de tku, quando o correto seria tuk). Em que pesem essas inconsistências,

conceitual e terminológica, a evolução desses indicadores ao longo tempo mostra, com

75

exceções de alguns trechos de menor significado econômico, um quadro altamente

favorável à privatização, como indicado na tabela 21. Quanto aos acidentes, o indicador

antes citado passou de 89 para 30 acidentes por ano por milhão de trens x km.

Produção de transporte (bilhões de tku) Concessionária 1992 1997 2001 2002 2003 2004 2005

Novoeste 1,9 1,5 1,5 1,7 1,2 1,2 1,3 Ferrovia Centro-Atlântica 6,4 5,3 8,1 8,6 7,5 9,5 10,7 MRS Logística 20,1 20,6 27,4 29,4 34,5 39,4 44,4 Tereza Cristina 0,1 0,1 0,2 0,2 0,2 0,2 0,2 Ferropar - 0,1 0,4 0,4 0,4 0,3 0,3 ALL 7,7 6,8 12,0 12,8 13,9 14,2 15,4 Vitória a Minas 42,7 56,6 54,4 57,0 60,5 64,8 68,7 Carajás 29,9 41,8 48,0 49,0 52,4 63,6 69,5 Cia. Ferroviária do NE 0,8 0,5 0,7 0,8 0,8 0,8 0,8 Ferroban 6,5 5,0 8,3 8,3 9,2 9,5 2,3 Ferronorte - - 1,3 1,9 2,1 2,3 8,0

Soma 118,1 138,3 182,3 170,1 182,6 205,8 221,8 Fonte: ANTT (2006).

Tabela 22: Evolução da produção de transporte no Brasil (tonelada útil x km)

Embora a privatização de sistemas de transporte urbano sobre trilhos não faça

parte do escopo deste trabalho, é preciso destacar que Buenos Aires e Rio de Janeiro são,

até o presente momento, as duas únicas grandes metrópoles que privatizaram seus sistemas

de trens de subúrbio e de metrô. O caso brasileiro é minuciosamente abordado por

Rodrigues e Contreras-Montoya (2005), enquanto que as privatizações na América Latina,

incluídas as metrópoles antes citadas, são pormenorizadas em Sharp (2005).

Na continente africano, o processo de privatização também se encontra em

adiantado estado de implementação, como mostrado na tabela 23.

País Sistema, malha ou Concessionário Data da Extensão

76

segmento ferroviário concessão das linhas (km)

Camarões Regifercam Camrail 1998 1.100 Costa do Marfim / Burkina Faso

Abidjan - Ouagadogou Sitarail 1995 1.180

Gabão Owendo - Franceville Transgabonais 1999 684 Madagascar Malha Norte Madarail 2003 732 Malawi Malawi Railway Central East Africa Railways 1999 787 Moçambique Nacala CDN 1999 872 Moçambique Beira Beria Rail 2000 1.022 Moçambique Ressano Garcia - Marsala NLPI / Spoornet 2002 78 República do Congo

SNCZ Sizarail1 1995 3.641

Senegal / Máli Dakar - Bamako Transrail 2003 1.230 Togo Taligbo - Lomé West Africa Cement Company 2002 19 Zâmbia Zambia Railways Railway Systems of Zambia 2003 1.273 Zimbábue Beltbrigge - Bulawayo Beltbrige Bulawayo Railway 1997 345

Subtotal África 12.963 (1) Reestatizada em 1997. Fonte: Bullock (2005).

Tabela 23: Privatizações ferroviárias na África

É interessante observar que o processo de privatização africano se concentra em

países menos desenvolvidos, estando ausente nas porções norte e sul desse continente, de

países como Argélia, Egito e África do Sul portanto, onde o desenvolvimento ferroviário é

economicamente mais importante. Isso talvez explique, em parte, os modestos resultados

obtidos com a privatização.

É inegável, entretanto, que os trechos concedidos operem de maneira mais

eficiente e sejam mais competitivos ante o modo rodoviário (Bullock, 2005). Os

investimentos em reabilitação e expansão da malha concedida têm sido grandemente

financiados por empréstimos ou doações de organismos internacionais (Banco Mundial,

Indian Eximbank, West African Development Bank etc.). Existem, no entanto, sérias

dúvidas se esses concessionários poderão, no futuro, sobreviver sem posteriores injeções

de recursos públicos (Borgo, 2005; Giros, 205).

Na Ásia e Oceania, o processo de privatização foi bastante intenso no Japão, com

a subdivisão da Japan National Railways em seis operadores de passageiros regionais e um

operador de carga. Este último, curiosamente, não possui linhas próprias, circulando

mediante pedágio em vias de terceiros, numa situação análoga à da Amtrak, nos EUA,

excetuado o fato de que esta é operadora de trens de passageiros de média e longa

distâncias.

Decorrida uma década da privatização japonesa, Austrália e Nova Zelândia

também se utilizaram dessa medida reestruturadora, como mostrado na tabela 24. Cabe

77

lembrar que o processo australiano envolve uma extensa privatização combinada com

segregação da infra-estrutura, a ser adiante tratada.

País Sistema, malha ou segmento ferroviário

Concessionário Data da concessão

Extensão das linhas

(km) Austrália West Rail Freight Australian Railway Group 2000 5.300

Subtotal Austrália1 5.300 East Japan Railway Company 7.538 Central Japan Railway Company 1.978 West Japan Railway Company 5.078 Hokkaido Railway Company 3.176 Shikoku Railway Company 855 Kyushu Railway Company 2.122

Japão

Japan National Railways

Japan Railway Freight Company2

1987

0 Subtotal Japão 20.747

Nova Zelândia NZ Rail Tranz Rail3 1993 4.000 Subtotal Nova Zelândia 4.000

Subtotal Ásia 30.047 (1) Outras empresas foram privatizadas, porém envolvendo a segregação da infra-estrutura, que será adiante tratada. (2) Não possui vias próprias. (3) Reprivatizada em 2003. Fontes: Terada (2001) e Wiiliams et alli (2005).

Tabela 24: Privatizações ferroviárias na Ásia e Oceania

Os resultados da privatização no Japão são considerados bons, não só pela

eliminação do crônico déficit orçamentário da antiga Japan National Railways, como pela

sustentabilidade financeira adquirida pelos novos concessionários (Aoki, 1994a; Terada,

2001). Já no caso neozelandês a privatização não se mostrou eficiente, tendo a malha desse

país retornado ao poder público, que agora pensa em segregar a infra-estrutura, com a

gestão da mesma a cargo do Estado e a operação através da iniciativa privada. Por fim, a

experiência de privatização na Austrália é muito mais marcante com o instituto da

segregação, do que com a verticalização, algo a ser adiante comentado.

3.4 SEGREGAÇÃO DA INFRA-ESTRUTURA

Durante quase todo o século XX, a estrutura organizacional do sistema

ferroviário de carga e de passageiros de média e longa distâncias, nos países mais

desenvolvidos, estava essencialmente composta por malhas nacionais, via de regra sob

controle do estado, com a exceção dos EUA e Canadá, este último parcialmente, já que a

Canadian National era estatal. Eram empresas verticalmente integradas, subdivididas em

gerências regionais, por vezes com as áreas de carga e passageiros individualizadas.

Do ponto de vista teórico, essas entidades monolíticas estavam assim

estruturadas em virtude das economias de escala e de densidade desse modelo derivadas.

78

Na prática, contudo, essa estrutura não permitia transparência nos resultados operacionais

de seus diversos fluxos, sendo na maior parte dos casos orientada para a produção de

transporte e não para resultados financeiros. Além disso, a cadeia de comando era sempre

muito extensa, vertical e horizontalmente, com mínimo foco no cliente. Aos gestores eram

sempre confiadas metas de aumento da produção de transporte, sem o correspondente

atingimento de metas financeiras.

A esse modelo se contrapôs a segregação da infra-estrutura, com a configuração

de situações operacionais “acima do trilho” e “abaixo do trilho”. De forma mais rigorosa

tecnicamente, já que essa situação espacial pouco significado tem, essas definições

compreendem:

• “abaixo do trilho”: manutenção da via permanente ferroviária, controle do tráfego

(sinalização e telecomunicação), fornecimento de energia elétrica via rede aérea (quando

for o caso);

• “acima do trilho”: manutenção e operação de veículos ferroviários (carga, descarga e

deslocamento).

Diferentemente do caso das rodovias, onde o acesso é franco, as ferrovias

necessitam de cuidadoso preparo das grades de circulação, uma vez que as condições de

ocupação da via são bastante restritas. De uma forma geral, as condições de acesso à infra-

estrutura ferroviária são objeto de extenso rol de medidas regulatórias.

É importante observar que o processo de segregação da infra-estrutura não é um

fenômeno isolado nas denominadas public utilities. Ao contrário, trata-se de uma ampliação

do que ocorreu nas áreas de telecomunicação e de energia, que, em muitos países também

foram reestruturadas, de sorte a partilhar o uso de suas infra-estruturas.

Nesse sentido, serviços em rede não são mais vistos como monopólios naturais

monolíticos, mas sim algo que engloba atividades distintas com características econômicas

inteiramente diferentes. Muitos economistas acreditam atualmente que os serviços em rede

devem ser segregados (unbundled), horizontal e verticalmente, com segmentos

potencialmente competitivos sob gestão individualizada, nos seguintes componentes dos

monopólios (Kessides, 2004):

• energia elétrica: transmissão e distribuição segregadas da geração;

• telecomunicações: serviços locais segregados dos de longa distância e dos da telefonia

celular;

79

• gás: distribuição local sob alta pressurização segregada da produção, transmissão e

grande armazenamento;

• ferrovia: infra-estrutura ferroviária (via e facilidades afins).

Ainda segundo esse mesmo autor, nos segmentos competitivos e contestáveis dos

serviços ou infra-estruturas em rede as barreiras de entrada devem ser removidas com a sua

segregação, com as estruturas verticalmente integradas só assim permanecendo se

insuperável a questão dos custos afundados (sunk costs), e, por conseguinte, a questão da

manutenção das condições de monopólio natural.

A segregação da infra-estrutura, como visto na tabela 18, anteriormente mostrada,

pode envolver dois tipos de arranjos organizacionais: competitive access e open access.

No acesso competitivo (competitive access), a via pertence a um operador

dominante, que é obrigado, por meio de ato regulatório, a abrigar fluxos de terceiros. Essa

situação ocorre, ainda que de maneira incipiente, no Brasil, com as concessionárias de carga

sendo obrigadas, por contrato, a permitir a circulação de até dois pares de trens de

passageiros por dia.

O acesso competitivo difere do “tráfego mútuo” e do “direito de passagem”,

práticas habituais no meio ferroviário. No “tráfego mútuo”, uma ferrovia transporta os

vagões de outra ferrovia em seu território, ocorrendo em função disso uma partilha de frete

entre ambas. Já o “direito de passagem” é uma situação em os trens (e não apenas os

vagões) de uma ferrovia circulam no território da outra (run trhrough), mediante o

pagamento de pedágio (track right ou trackage right). Em qualquer desses casos o acordo é

sempre voluntário, diferenciado, portanto, do acesso competitivo, que tem caráter

mandatório.

A outra modalidade de segregação da infra-estrutura é do open access ou acesso

livre, situação em que a via e facilidades associadas (terminais, rede aérea, sinalização,

centro de controle operacional etc.) são separadas da operação ferroviária propriamente

dita, ficando sob controle de uma sociedade de propósito específico, governamental ou

privada. O acesso à via é matéria não só de atos regulatórios do poder público, como das

leis de mercado, em que, por exemplo, slots ou faixas de tráfego são objeto de leilão

público.

Assim, no caso da segregação tem-se vários operadores ferroviários atuando em

diferentes mercados ou regiões geográficas, com seus veículos percorrendo a mesma infra-

estrutura e pagando, ao proprietário (competitive access) ou ao gestor da infra-estrutura (open

80

access), taxas que levam em consideração, no caso mais completo, os elementos da tabela 25

(CE, 1998).

Custos fixos Custos variáveis Custos internos Custos externos Custos internos Custos externos

Capital: • serviço da dívida • retorno sobre

patrimônio Exploração: • manutenção da

infra-estrutura (desgaste temporal, vigilância)

• controle da operação

• administração

Barreiras econômicas de entrada e saída do negócio Deterioração do aspecto (intrusão visual)

Exploração: • controle do tráfego

(adicional ao custo fixo)

• manutenção (devido ao uso da infra-estrutura)

Poluição: • do meio ambiente,

em termos locais (partículas), regionais (óxidos de nitrogênio) e globais (gás carbônico)

• sonora Acidentes Congestionamento

Fonte: CE (1998) Tabela 25: Custos incidentes sobre uma infra-estrutura de transporte

O processo de segregação da infra-estrutura ferroviária, em seu formato mais

amplo, teve início na Suécia, em 1988 (Hansson e Nilsson, 1991), com a criação do gestor

da infra-estrutura Banverkert. Na década seguinte, esse processo de reestruturação foi

adotado na Grã-Bretanha e vem sendo paulatinamente implementado, de maneira

compulsória, nos demais países da Comunidade Européia. Como reflexo da reestruturação

britânica, os governos regionais e central da Austrália também recentemente

implementaram a segregação das suas infra-estruturas ferroviárias. Nas Américas esse

modelo não tem sido empregado, com exceção de algumas ferrovias no Chile e no Peru.

Deve ser ressaltado o fato de que, numa modesta escala, os operadores de trens

de passageiros de média e longa distância nos Eua (Amtrak) e Canadá (Via Rail) utilizam as

infra-estruturas das ferrovias de carga naqueles dois países, antes mesmo da Suécia. Igual se

deu na ferrovia de carga no Japão, após a privatização da década de 80 (século XX), que, ao

contrário do caso da América do Norte, circula nas linhas de passageiros. Essas

experiências, contudo, não têm a mesma amplitude dos processos europeu ocidental e

australiano.

Em termos gerais, o arranjo institucional resultante do processo de segregação da

infra-estrutura é o mostrado na figura 16 (Profillidis, 2001).

81

Fonte: Profillidis (2001).

Figura 16: Arranjo institucional resultante da segregação da infra-estrutura ferroviária

Na Comunidade Européia, o arcabouço legal que deu respaldo à segregação da

infra-estrutura ferroviária foi o seguinte:

• diretriz 91/440, emendada pela diretriz 2001/12: determinando a separação contábil

carga – passageiro e o início do processo de segregação;

• diretriz 95/18, emendada pela diretriz 2001/13: sobre as condições de acesso à infra-

estrutura;

• diretriz 96/48: concernente à interoperabilidade das malhas ferroviárias para trens de

alta velocidade (compatibilidade de sistemas fixos e de procedimentos de condução de

trens);

• diretriz 2001/14: atinente aos critérios de tarifação do uso da infra-estrutura;

• diretriz 2001/16: complementa a diretriz 96/48, no que respeita aos trens

convencionais.

A atual situação européia, em termos de gestores da infra-estrutura é a mostrada

na tabela 26 (RailNetEurope, 2004).

GOVERNO • Ministérios • Governos locais • Órgãos reguladores

Operadores • Ferrovias

estatais • Novos

operadores privados

Gestor da

infra-estrutura

Acionistas • Ferrovias

estatais • SPE pública • SPE privada

Mantenedores • Ferrovias estatais • Empresas privadas

82

País Gestor Malha (km)

Áustria ÖBB Infrastruktur Betrieb 5.672

França Réseau Ferre de France 29.000

França – Inglaterra Eurotunnel 100

Bélgica Infrabel 3.521

Alemanha DB Netz 35.593

Bulgária National Railway Infrastructure Co. 7.349

República Tcheca Ceské Dráhy 9.499

Dinamarca Banedanmark 2.300

Finlândia Ratahallintokeskus 5.741

Grã-Bretanha Network Rail 30.000

Itália Rete Ferroviaria Italiana 22.000

Hungria Vasúti Pályakapacitás-elosztó 7.885

Eslovênia SZ Infrastructure 1.226

Holanda ProRail 2.800

Espanha Administrador de Infraestructuras Ferroviarias 13.118

Noruega Jernbanverket 4.077

Suécia Banverket 12.000

Polônia Polske Linie Kolejowe 19.435

Portugal Rede Ferroviária Nacional 2.603

Fonte: RailNetEurope (2004) e pesquisa do autor. Tabela 26: Gestores da infra-estrutura ferroviária na CE

Existem diversos estudos sobre a atual situação da Europa Ocidental quanto à

segregação da infra-estrutura ferroviária. Um dos mais importantes, constante inclusive de

vários relatórios anuais das administrações ferroviárias daquele continente, é o que

estabelece um indicador, denominado Rail Liberalization Index – LIB, formulado e calculado

por IBM (2005), que, por seu turno, é dependente de três outros indicadores:

• Índice Legal (Lex Index): relativo às bases legais para entrada no mercado de novos

operadores;

• Índice de Acesso (Access Index): concernente às oportunidades e barreiras de entrada na

prática (questões operacionais, tarifárias etc.);

• Índice de Competitividade (Com Index): que trata da dinâmica da competição no

mercado ferroviário.

Para 2004, o Rail Liberalization Index – LIB, segundo IBM (2005), para países da

CE selecionados, é mostrado na figura 17.

83

Fonte: IBM (2005)

Figura 17: Índice de liberalização ferroviário

Dados os diferentes estágios de implementação da segregação da infra-estrutura

na Europa, sob o regime do open access, não é possível fazer-se um apanhado

pormenorizado de seus avanços, muito embora seja inconteste a liderança da Grã-Bretanha

nesse processo.

Observe-se, ainda, por oportuno, que os processos de cisões de grandes malhas e

a criação de regional lines, shortlines e de switching operators (empresas manobradoras em

grandes pátios ferroviários), comentados em 3.2.2, retro, são uma modalidade da

desverticalização ou unbundling que deu certo, demonstrando, de certa maneira, a viabilidade

dessa alternativa reestruturadora.

4 ANÁLISE DA POSSÍVEL SEGREGAÇÃO DA INFRA-ESTRUTURA NO

BRASIL

4.1 PRELIMINARES

84

Nesse item serão abordados os elementos de convicção, isto é, os fundamentos

que justifiquem uma eventual aplicação da segregação da infra-estrutura no Brasil, a saber:

• fundamentos econômicos gerais e específicos;

• pesquisa elaborada pelo autor em parceria com o periódico Revista Ferroviária

(pesquisa ampla); e

• entrevistas feitas pelo autor com autoridades e personalidades de notório saber do

meio ferroviário (pesquisa restrita).

Procurar-se-á, através dos fundamentos citados, corroborar a tese de que a

segregação da infra-estrutura ferroviária apresenta os seguintes benefícios potenciais (não

necessariamente em ordem de prioridade):

• melhorar a eficiência do sistema ferroviário nacional, com claros resultados positivos na

redução do denominado “custo Brasil”;

• promover a competição intramodal, eliminando, ainda que parcialmente, “o peso

morto dos monopólios” e oferecendo aos clientes cativos alternativas de transporte;

• dinamizar a indústria ferroviária nacional, tanto no aspecto de produção de bens, como

no de prestar serviços de modernização, reabilitação e manutenção de bens e

equipamentos;

• fortalecer focos de negócio, com os gestores da infra-estrutura especializando-se cada

vez mais nos processos de manutenção da via e do controle de tráfego, e os operadores

ferroviários procurando conhecer e atender plenamente as demandas de seus clientes;

• atrair novos investidores privados para o negócio ferroviário.

É importante observar que os fundamentos citados são, também, referendados

pelo trabalho de CNT (2006) junto a 211 clientes ferroviários, em 13 corredores de

transporte sobre trilhos em todo o país, que, após cálculos efetuados pelo autor, revelam

os seguintes percentuais médios de insatisfação:

● 24% com o alto valor dos fretes praticados;

● 23% com a confiabilidade nos prazos de entrega das mercadorias;

● 26% com a limpeza e estado de conservação de vagões;

● 38% com a oferta de transporte;

● 52% com o tempo da mercadoria em trânsito (transit time).

Em adição, essa pesquisa revelou que em oito dos treze corredores pesquisados

os clientes possuem, em média, 30% dos vagões em tráfego, e que muitos clientes

gostariam de possuir vagões próprios (percentuais de até 43%). Tudo isso não motivado

85

necessariamente por custo, mas por aumento da autonomia e da disponibilidade de

transporte ferroviário.

No que respeitas as locomotivas próprias de clientes, estas estão presentes em

cinco dos treze corredores, em percentagens variando de 5% a 17%. Desejam possuir

locomotivas, novamente motivados pela autonomia e disponibilidade, clientes de seis

corredores, em percentuais que variam de 7% a 13%.

Portanto, o que CNT (2006) deixa claro é que apenas no universo dos clientes

ferroviários parece existir em alguns deles o desejo de possuir locomotivas e vagões em

troca de maior autonomia e disponibilidade de transporte, algo em que a segregação da

infra-estrutura é exatamente o fio condutor.

4.2 FUNDAMENTOS ECONÔMICOS GERAIS

Os fundamentos econômicos serão abordados à luz da microeconomia, com

destaque para a eficiência afetativa ou alocativa (condição de mercado segundo a qual os

recursos são alocados de sorte a maximizar os benefícios derivados de sua utilização, ou,

de forma simplificada, o esforço produtivo mais benéfico para a sociedade).

Em primeiro lugar, é preciso caracterizar, para uma melhor interpretação da

eficiência alocativa, o que sejam excedentes do consumidor e do produtor.

O excedente do consumidor é a diferença entre valor que os que os

consumidores atribuem às unidades consumidas de algum produto e o preço efetivamente

pago pelas mesmas.

O excedente do produtor, de forma análoga, ocorre porque todas as unidades da

firma são vendidas a preço de mercado, enquanto que seu custo de produção é dado pelo

custo marginal, que, exceto para última unidade, é inferior ao valor de mercado.

Conforme ilustrado no gráfico da figura 18, para uma situação de concorrência

perfeita, o preço e a quantidade de equilíbrio são p0 e q0, respectivamente. O valor que os

consumidores atribuem a um determinado produto é dado pela soma das áreas �, �, e

�. A quantidade de dinheiro paga é p0 x q0, equivalente às áreas � + �. Assim, a

diferença entre o valor atribuído e o valor efetivamente pago é o excedente do

consumidor, dado pela área �.

86

Figura 18: Excedentes do produtor e do consumidor

As receitas das vendas são também fornecidas por p0 x q0. A área sob a curva de

oferta é o custo variável total da firma, valor mínimo pelo qual esta se dispõe a produzir,

soma das áreas � e �. A diferença entre o valor requerido pelos produtos, área �, e o

valor obtido dá o excedente do consumidor, isto é, a área �.

O equilíbrio de um mercado competitivo é eficiente na medida em que os

excedentes do produtor e do consumidor são maximizados. Isso porque para volumes de

produção, aquém de q0, a soma dos dois excedentes é menor que em q0. Como mostrado

na figura 19, para um nível de produção q1, mantido o preço p0, o excedente do

consumidor é reduzido da área �, enquanto que o excedente do produtor é diminuído da

área �.

Fazendo ainda uso da figura 19, vê-se que para produções além de q0, num nível

q2 a um preço p0, por exemplo, o excedente do produtor será reduzido da área �, uma

vez que a firma estará vendendo seus produtos a um preço inferior ao custo variável. De

maneira semelhante, o excedente do consumidor diminuirá da área �, pois o preço a ser

pago estará acima do valor atribuído (acima da curva da demanda).

1

2

3

87

Figura 19: Eficiência alocativa

Assim, verifica-se que a eficiência alocativa ocorre num nível de produção de

equilíbrio de oferta e demanda, em que a soma dos excedentes do consumidor e do

produtor são maximizados.

Já num monopólio, o equilíbrio não se dá entre oferta e consumo, já que o

monopolista impõe sua vontade no mercado, em virtude de seu poder sobre o mesmo.

Uma empresa é um monopólio se é a única vendedora de seu produto e se este não tem

substitutos próximos. A causa principal da existência de monopólio são as denominadas

“barreiras de entrada”, isto é, custos de produção que têm que ser suportados pela empresa

“entrante” num determinado mercado, não incidentes sobre a(s) empresa(s) que nele já

atuam.

As barreiras de entrada ou de acesso, por sua vez, têm como principal origem os seguintes fatos (Mankiew, 2006): • um recurso-chave é exclusivo de uma única empresa;

• uma empresa tem uma concessão do governo, com direito exclusivo de produzir um

determinado bem ou serviço.

Além disso, as barreiras de acesso podem ocorrer devido à alta escala de

produção requerida, exigindo um elevado montante de investimento, enquanto a empresa

monopolista já está estabelecida em grandes dimensões e tem condições de operar com

baixos custos. Torna-se então muito difícil alguma empresa conseguir oferecer a um preço

88

equivalente à firma monopolista existente. Essa situação torna-se ainda mais difícil para a

firma entrante quando parte dos investimentos são caracterizados por custos afundados,

ou seja, custos irrecuperáveis caso se queira sair do mercado, tipificados, estes últimos, no

caso de ferrovias, por obras de engenharia diversas (túneis, pontes, viadutos, muros de

arrimo, sublastro etc.).

Devido à existência de empresas dominantes, estas têm o poder de fixar os

preços de venda em seus termos, defrontando-se normalmente com demandas

relativamente inelásticas, em que os consumidores têm baixo poder de reação a alterações

de preços.

Conforme indicado na figura 20, num mercado competitivo, o preço seria p0 e a

produção q0, com os excedentes do consumidor sendo dado pelas áreas �, � e �. Com a

indústria sendo monopolizada, esta opta por uma quantidade de produção (qm) no ponto

onde o custo marginal intercepta a receita marginal, com o preço de venda se elevando de

p0 para pm. Com isto o excedente do consumidor reduz-se para a área � apenas.

Os consumidores perdem a área � porque a quantidade produzida recuou de q0

para qm. Perdem também área �, desta feita para o monopolista, tendo em vista o

aumento de preço de p0 para pm.

No caso dos produtores, no caso de um mercado competitivo, estes teriam como

excedente a soma das áreas � e �. Contudo, como a produção do monopolista passa de

q0 para qm, a área � é perdida, algo que é compensado, com sobras, pelo ganho da área �

aos consumidores, já que pm maximiza o lucro do monopolista.

Com isso, além de perda de excedente por parte do consumidor em favor do

monopolista produtor, há também, para a economia, perda das áreas � e �. Essa segunda

perda é denominada de peso morto do monopólio, e deriva, em essência, de sua ineficiência

alocativa.

89

Figura 20: Ineficiência alocativa do monopólio

A respeito, ainda, da ineficiência dos monopólios, convém lembrar as palavras de

Adam Smith, no clássico “A Riqueza das Nações”, editado em 1776:

Um monopólio conferido a uma empresa ou a uma trading tem o mesmo efeito

de uma acordo secreto entre comerciantes ou fabricantes. O monopolista, ao

manter o mercado subabastecido nunca suprirá as necessidades plenas da

demanda, vendendo suas mercadorias muito acima do seu preço natural, e

fazendo crescer seus emolumentos, sejam eles benefícios indiretos ou lucro,

muito acima do necessário.

O preço do monopolista será sempre o mais alto em qualquer circunstância. O

preço natural, ou o preço da livre competição, ao contrário, será sempre o

menor, não todo o tempo, mas durante um considerável prazo.

No caso das ferrovias de carga, para muitos fluxos um monopólio natural em

virtude do fato das economias de escala serem de tal modo importantes que existe apenas

espaço para uma empresa operar num dado corredor de transporte, as soluções

encontradas pelos governos para lidar com a ineficiência alocativa dos monopólios foram

substancialmente as seguintes:

● assumir controle acionário das empresas, promovendo sua estatização, algo que no

Brasil ocorreu de maneira pronunciada na República Velha (ver Capítulo 2);

● permitir que as empresas sigam sendo privadas (ou sejam privatizadas, revertendo o

movimento do subitem anterior), porém com o seu funcionamento sujeito a algum

tipo de controle, em especial o de preços.

90

Sob esse último aspecto ressalte-se o fato de que no Brasil a regulação das

ferrovias de carga se dá essencialmente em dois planos: quantitativo e qualitativo. No

quantitativo, são estabelecidas metas de produção de transporte; no qualitativo, a redução

de acidentes.

A segregação da infra-estrutura aparece então como uma solução diferenciada,

envolvendo é claro aspectos regulatórios, porém no sentido de que a introdução de novos

operadores tende a diminuir os aspectos da ineficiência alocativa antes apontados, uma vez

que nesse modelo procura-se passar da situação de monopólio para a situação de mercado

competitivo.

Em outras palavras, a segregação da infra-estrutura, do ponto de vista

microeconômico, é uma das ferramentas que dispõe os reguladores para instauração do

ambiente competitivo num ambiente monopolista, tendendo, portanto, a maximizar os

excedentes de produtores e consumidores, algo benéfico a toda a sociedade.

4.3 FUNDAMENTOS ECONÔMICOS ESPECÍFICOS

4.3.1 Preliminares

Em todo o mundo, os principais setores da infra-estrutura vinham sendo

organizados através de monopólios naturais, estatais ou privados, sem espaço para atuação

das forças de mercado. Esse tipo de organização tem como doutrina o fato de que uma

empresa verticalizada apresenta menores custos de exploração do que o de várias empresas

atuado no mesmo setor. Em outras palavras, as economias de escala, de densidade e de

escopo do monopólio, isoladas ou conjuntamente, estimulavam a atividade monopolista.

Nos anos 80 (século XX) um novo conceito emergiu, no sentido de questionar a

eficiência dos monopólios naturais em setores da infra-estrutura. O fim dos monopólios

estatais, através da privatização e do unbundling (aqui entendido como a desagregação de

funções tradicionalmente integradas em serviços de utilidade pública), deram início a uma

nova ordem econômica.

Muito embora o marco inicial seja considerado por muitos o desmembramento

das dutovias da Standar Oil nos EUA, em 1911, por força do Sherman Act de 1890 (ANP,

91

2000), o livre acesso à infra-estruturas ganhou força com a teoria dos mercados constáveis

na década de 80 do século XX, em especial com a contribuição de Baumol et alli (1983).

Ainda que isentas de enormes inovações, as duas últimas décadas de século XX

incrementaram o interesse pelo unbundling, no rastro da utilização crescente das forças

concorrenciais, na regulação do controle dos setores da infra-estrutura, muitos deles

estruturados em torno de monopólios / oligopólios de jure ou de facto, sendo que em

determinados casos a regulação do acesso (ou a remoção das barreiras de entrada ou saída)

ganhou mais importância que a regulação da tarifação (ANP, 2000).

Reconheceu-se, dentre outras coisas, que os monopólios naturais abrangiam

atividades distintas, dotadas de diferentes características econômicas, que permitiam um

mix de competição e de monopólio na oferta de serviços públicos (Kessides, 2004).

O unbundling resultou, em primeiro lugar, da possibilidade da introdução da

competição, se não no todo, ao menos em alguns andares de monopólios verticalizados,

com a função regulatória do Estado passando de um estado passivo (regulação ex post) para

um estado de promoção da concorrência (regulação ex ante). Estudos de ordem econômica

vislumbraram a obtenção de economias de escala com várias empresas atuando em nichos

de mesmo setor, e, também a redução dos custos de transação derivados do

desenvolvimento tecnológico, que minimizariam ou até mesmo suplantariam os efeitos das

economia de escala, escopo e densidade presentes em setores monopolistas.

O unbundling variou conforme o setor e o país, indo desde a criação de um novo

negócio ou empresa, à separação contábil das atividades de cada função, passando pela

criação de subsidiárias ou coligadas.

4.3.2 O Setor de Telecomunicações

Tal como ocorrido em diversos outros países, como EUA, Grã-Bretanha e Nova

Zelândia, foram introduzidas no Brasil diversas alterações regulatórias no setor de

telecomunicações. A modelagem prevista para o unbundling desse setor no Brasil está

mostrada na tabela 27.

92

Serviço Modalidade Concessionária

atual

Entrante

REDE PRÓPRIA

Qualquer Utilização de rede própria

Rede própria adquirida da estatal privatizada

Enormes barreira de entrada, em especial a duplicação da rede existente

UNBUNDLING DE LINHA

Banda larga Desagregação plena ou full unbundling

Aluga a infra-estrutura de acesso até a casa do cliente, menos a eletrônica

Fornece a eletrônica do acesso e aluga a infra-estrutura

Compartilhamento de linha ou line sharing

Retém a faixa baixa do serviço e aluga a faixa alta do serviço telefônico

Fornece a eletrônica do acesso e contrata a faixa alta da concessionária

Fluxo de bits ou bits stream

Aluga infra-estrutura de acesso, exceto broad brand remote access -

BBRAS

Contrata sinal até a porta do BBRAS, por ela fornecido, e opera nas dependências da concessionária

REVENDA

Revenda ou resale Aluga infra-estrutura, inclusive BBRAS

Recebe o sinal após BBRAS e opera nas dependências da concessionária

UNBUNDLING DE PLATAFORMA

Faixa estreita de telefonia

Desagregação de plataforma

Fornecimento infra-estrutura de acesso, facilidade de comutação local e serviço operacional de telefonia

Contrata infra-estrutura de acesso, com a concessionária alterando sua base de dados

Fonte: Fonseca (2003).

Tabela 27: Modelagem prevista para o unbundling das telecomunicações no Brasil

A Lei Geral de Telecomunicações – LGT brasileira define diretrizes bem

genéricas para a interconexão, deixando regras mais detalhadas para o Regulamento de

Interconexão e os contratos de concessão e autorização (Mattos, 2006). Os principais

dispositivos legais referentes à interconexão no Brasil são: a) obrigação de se interconectar

para todos os operadores; b) não-discriminação em relação aos rivais; e c) livre negociação

93

com a possibilidade de intervenção da ANATEL se requerido por pelo menos uma das

partes.

Nesse sentido, a ANATEL publicou o Despacho 172/2004 determinando a

obrigação de unbundling dos operadores regionais, prevendo dois tipos:

• line sharing (compartilhamento de linha) no qual o incumbente é obrigado a ofertar o

elemento de rede “fio de cobre” do seu “local loop” para fins da oferta de serviços não

associados a voz pelo entrante. O incumbente proprietário do “local loop” permanece

provendo serviços de voz através do mesmo fio de cobre, enquanto que o demandante

do aluguel entrante poderá ofertar outros serviços, em especial acesso à internet

ADSL;

• full unbundling (desagregação de rede plena), no qual o incumbente é obrigado a

oferecer o fio de cobre de seu “local loop” para a oferta de todos os serviços (inclusive

e especialmente voz) e não apenas ADSL.

O unbundling no Brasil cria uma obrigação das incumbentes de alugar, para as

entrantes, elementos de redes de forma desagregada. Ou seja, além de ser obrigado a alugar

determinados elementos de rede, o incumbente não pode fazer um aluguel casado desses

elementos. Isso desobriga a entrante de alugar elementos que considera desnecessários,

além de evitar ineficientes duplicações de infra-estrutura, ao mesmo tempo em que

propicia a introdução da competição de forma gradual.

4.3.3 Os Setores de Eletricidade e de Gás Natural

As reformas no setor elétrico começaram no Reino Unido em 1989, com a

privatização e unbundling do monopólio estatal verticalizado, com o surgimento de

empresas especializadas e reguladas pelo poder público. Outros países também adotaram

essa postura reformadora, tais como Nova Zelândia (1993), Colômbia (1994) e o Estado

da Califórnia (EUA, 1996), este último após sofrer grave crise energética (Beato e Fuente,

2000). No Brasil o primeiro marco legal de unbundling do setor ocorre em 1995, com a Lei

Federal 9075, que prevê o livre acesso às redes de transmissão e distribuição, logo seguida

do Decreto Federal 2003/1996, que regulamentou o conceito de produtor independente

de energia elétrica.

A Comunidade Européia – CE, ao final do século XX e início do XXI,

pressionou seus estados-membros a fazerem o mesmo, através de diversas Diretivas, em

94

especial as de números 2003/54/EC (eletricidade, atualizando a de número 96/92/EC) e

2003/55/EC (gás, atualizando a de número 98/30/EC).

Resumidamente, os modelos adotados para o unbundling do setor elétrico são os

single buyer (comprador individual) e wholesale competition (competição do atacado), conforme

Lovei (2000).

No modelo de comprador individual, que pode envolver outras possibilidades de

arranjos além do mostrado na figura 21, as atividades de geração, transmissão e

distribuição, via de regra exercidas anteriormente por monopólio estatal verticalizado, são

desagregadas e operadas por diversas empresas privadas, geralmente com a infra-estrutura

de transmissão permanecendo sob controle público, com as entrantes na área de

transmissão comprando energia das geradoras e revendendo às distribuidoras sob tarifas

reguladas pelo poder público. Em casos especiais existe a possibilidade de o consumidor

adquirir energia diretamente da geradora.

Fonte: Lovei (2000).

Figura 21: Modelo de comprador único no setor elétrico

No modelo de competição do atacado, figura 22, as distribuidoras locais retêm a

exclusividade de seus serviços em suas áreas de concessão e adquirem energia de geradores

que competem entre si para tal fornecimento. Os consumidores não podem escolher seus

fornecedores, excetuados os grandes usuários, que podem contratar diretamente com as

geradoras. Embora os grandes consumidores sejam poucos, eles representam uma grande

percentagem do consumo. Ao se permitir que os mesmos adquiram energia de geradoras

independentes, ocorre uma maior competição no mercado, fazendo com que os preços

praticados diminuam, o que acarreta reflexos positivos em toda a cadeia produtiva.

Geração Transmissão Distribuição Consumo

95

Fonte: Lovei (2000).

Figura 22: Modelo de competição do atacado no setor elétrico

No Brasil o setor elétrico está estruturado da seguinte forma (Aneel, 2003):

• sistema interligado nacional, que reúne diversas empresas de geração e transmissão de

energia, sob gestão do Operador Nacional do Sistema – ONS, que coexiste com

alguns sistemas isolados nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste;

• geradoras e co-geradoras, estas últimas termelétricas que produzem calor residual,

aproveitável para outros fins energéticos;

• transmissoras;

• distribuidoras, subdivididas entre concessionárias e permissionárias e autorizadas, com

as duas últimas atinentes à atividade rural;

• agentes comercializadores de energia elétrica, que não possuem sistemas elétricos e,

sob autorização de agência reguladora, atuam no mercado de compra e venda de

energia elétrica para concessionários, autorizadas ou consumidores que tenham livre

escolha de fornecedor (consumidor livre);

• agência reguladora federal (ANEEL) e agências estaduais que atuam por delegação da

primeira;

• câmara de comercialização de energia elétrica, sucedânea do mercado atacadista de

energia, que, como o próprio nome indica, atua na comercialização desse importante

insumo.

No caso do gás natural, o panorama do unbundling é semelhante ao da energia

elétrica em termos de temporalidade e das influência externas que o viabilizaram. Contudo,

algumas peculiaridades, como a importação do insumo e a existência de duas instâncias de

Geração Transmissão Distribuição Consumo

96

regulação, fazem do unbundling do sistema de gás natural diferenciado do de eletricidade,

como ilustrado na figura 23.

Fonte: RG & Strat (2004).

Figura 23: Arranjo institucional do sistema de gás natural

4.3.4 Setor de Saneamento

Diferentemente dos demais setores de infra-estrutura, o setor de saneamento,

inclusive no Brasil, não apresenta grande evolução em termos de unbundling, com exceções

ocorrendo por conta de países como Grã-Bretanha, Chile e Austrália.

Nesse setor ainda são dominantes as empresas verticalizadas, estatais ou

concessionárias privadas. As razões que poderiam para explicar esse diferencial de

unbundling seriam:

• o caráter de absoluta essencialidade do serviço, que o torna mais sensível a pressões da

população no sentido de modicidade tarifária;

• o freqüente uso do subsídio cruzado para subsídio às classes menos favorecidas;

97

• as dificuldades de corte do fornecimento do serviço no caso de inadimplência.

Contudo, a crescente pressão populacional sobre as cidades, associada à escassez

de fontes de abastecimento e à limitada capacidade de investimento de empresas estatais

ou órgãos públicos encarregados desse serviço vêm introduzindo a necessidade de

mudanças nos arranjos institucionais vigentes, sendo bom exemplo o modelo sugerido

pelo Asia Development Bank (1998) aos países em desenvolvimento daquele continente

(figura 24).

Fonte: Asia Development Bank (1998).

Figura 24: Arranjo institucional no sistema saneamento

4.3.5 Setor Aéreo

O setor aéreo é na verdade um dos que a questão do unbundling encontra-se em

evidência praticamente desde seu início, na medida em que a infra-estrutura aeroportuária é

partilhada por diversos operadores.

No setor aéreo a introdução da competição difere grandemente de monopólios ou

oligopólios verticalizados, caso dos setores anteriormente discutidos e onde o desagregação

é fator vital de análise.

Fossas

Mercado dos

direitos de água

98

A competitividade do setor aéreo, segundo Bosh e García-Montalvo (2003),

depende de três fatores básicos: i) competição entre empresas aéreas; ii) estruturação dos

serviços dos aeroportos; e iii) controle de tráfego aéreo.

A participação no mercado de empresas aéreas está quase sempre condicionada à

forte regulamentação e medidas protecionistas para empresas nacionais, que limitam a

competição em muitas rotas.

O controle do tráfego aéreo, muita vezes de baixa confiabilidade, também limita o

aumento do tráfego ou inibe a presença de mais operadores ainda que lhes fosse permitido

o acesso.

A proibição de cabotagem, taxas aeroportuárias e tarifas de combustível

discriminatórias e a alocação de slots (faixas de tráfego) contribuem também para a

diminuição da competição.

Sobre esse último tópico é que surge agora um movimento de unbundling no que

respeita à infra-estrutura aeroportuária, no sentido de que as taxas sejam cobradas pelos

serviços realmente requisitados pelos operadores e não pelos serviços genericamente

disponibilizados.

Segundo Tretheway (2007) muitos empresas aéreas low cost – low fare almejam

utilizar a infra-estrutura aeroportuária nos horários de vale ou ainda dispensar o uso de

pontes rolantes de embarque ou desembarque, fazendo jus, portanto, a menores taxas.

Nesse caso está em jogo outro tipo de unbundling: o das taxas aeroportuárias.

4.3.6 Resumo

O item 4.3 não tem por objetivo discutir os processos de unbundling de setores da

infra-estrutura internacional e nacional, no sentido de sua eficácia ou efetividade. O que se

procurou fazer foi simplesmente constatar que todos os setores da infra-estrutura, em uma

razoável quantidade de países, inclusive o Brasil, passaram por reformas onde a

desagregação de estruturas verticalizadas foi elemento central.

Dessa forma, o objetivo deste item foi demonstrar que a segregação da infra-

estrutura ferroviária está perfeitamente alinhada a processos de unbundling semelhantes ou

até mesmo mais complexos, constituindo-se, pois, num dos elementos de convicção de

que trata o capítulo 4 desta tese.

99

4.4 PESQUISA AMPLA

Em agosto de 2005, foi firmada uma parceria entre o autor e a Revista

Ferroviária, o mais antigo periódico do Brasil, no sentido de ser feita uma enquete sobre a

segregação da infra-estrutura ferroviária através do sítio daquela revista.

Foi formulada ao público que acessava o referido sítio a seguinte questão: “A

segregação da infra-estrutura ferroviária, através da qual uma via férrea é disponibilizada

para outros operadores além do concessionário, é hoje compulsória na Europa Ocidental.

Essa política, deve ser implementada no Brasil?”

Para facilitar o trabalho de recolhimento de opiniões, foram destacadas três

possibilidades de respostas:

• sim, em toda a malha ferroviária;

• sim, em segmentos selecionados da malha ferroviária;

• não, em nenhum segmento da malha ferroviária.

Decorridos seis meses da inserção do questionário, obteve-se a significativa

marca de 850 opiniões emitidas pelos visitantes do sítio, que de certa forma pode ser

considerado como tendo alguma intimidade com assuntos ferroviários, dada a óbvia

segmentação dos assuntos do sítio. Os resultados da aplicação do questionário são

mostrados na figura 25.

Figura 25: Resultados da enquete no sítio da Revista Ferroviária

100

Como pode ser observada na figura 25, a maior parte dos entrevistados entende

que a infra-estrutura pode ser segregada em toda a malha ferroviária brasileira, percepção

que obteve grande vantagem porcentual sobre as demais hipóteses.

É interessante observar que o posicionamento majoritário pela segregação

manteve ao longo do tempo uma tendência de leve ascendência, ao contrário dos que

entendem não ser a segregação necessária em nenhum local da malha, cujo

comportamento foi sempre descendente.

Esse comportamento sugere que o processo de segregação, uma vez melhor

conhecido, passou a ser considerado interessante pelo público, posto que no período da

pesquisa forma realizados dois eventos pela Revista Ferroviária (seminários “O Cliente e as

Ferrovias” e “Negócios nos Trilhos”) onde esse tema foi de alguma maneira explicitado.

Os resultados da enquete, em que as opções favoráveis à segregação totalizam

quase 90% das respostas, sugerem, portanto, que esse tema deve constar da agenda de

discussões sobre eventuais processos de reestruturação do sistema ferroviário nacional, da

qual se pretende que este trabalho acadêmico faça evidentemente parte.

4.5 ENTREVISTAS

4.5.1 Justificativa e Metodologia

Os resultados da pesquisa no sítio da Revista Ferroviária, embora altamente

favoráveis à segregação da infra-estrutura, devem ser analisados com cautela, pois

envolveram um universo de pessoas que não podem ser consideradas como especialistas

em transportes.

Objetivando contornar essa dificuldade, foram efetuadas entrevistas sobre a

questão da segregação com personalidades direta ou indiretamente ligadas meio

ferroviário, como operadores, reguladores, industriais, consultores, professores,

representantes de entidades patronais e agentes de fomento econômico.

As entrevistas tiveram como elemento estruturador um questionário, que, por

seu turno, teve como base a técnica SWOT (Strenght, Weakness, Opportunities and Treats –

Pontos fortes, Pontos fracos, Oportunidades e Ameaças), através da resposta a quatro

perguntas básicas:

101

Em relação a uma possível segregação da infra-estrutura ferroviária no Brasil:

Admitindo-se que você seja um observador neutro:

a) Quais os possíveis pontos fortes dessa medida?

b) Quais os possíveis pontos fracos dessa medida?

Deixando a neutralidade de lado:

c) Quais as possíveis oportunidades que essa medida traria ao seu negócio atual

ou ao setor que você representa?

d) Quais as possíveis ameaças que essa medida traria ao seu negócio atual ou

ao setor que você representa?

Ressalte-se que um observador neutro é aquele que procura responder aos

questionamentos analisando-os sob uma ótica mais pluralista, enquanto que o observador

não neutro procura as respostas tendo como foco exclusivo o seu negócio.

Esse trabalho revelou-se uma árdua tarefa, na medida em que muitos potenciais

entrevistados declinaram de expor suas idéias, sob o argumento básico de que se tratava de

algo novo e polêmico, ainda não discutido no âmbito de suas organizações; outros

responderam sob a condição de anonimato. Por esse motivo não será possível listar neste

trabalho os nomes dos respondentes.

Foram efetuadas dezoito entrevistas, contemplando os seguintes campos de

atuação profissional:

• consultoria de transportes (4);

• academia – engenharia de transportes (4);

• indústria ferroviária (2);

• jornalismo especializado em ferrovia (1);

• banco de fomento econômico (1);

• regulação de transporte (2);

• indústria de mineração – usuária da ferrovia (1);

• indústria moageira de grãos – usuária da ferrovia (1);

• concessionária de carga (2).

4.5.2 Resultados Obtidos

As cerca de duas dezenas de entrevistas permitiram traçar o seguinte panorama

opinativo:

102

a) Pontos Fortes (observador neutro):

• acidentes: provável redução ante a necessidade de uma maior qualidade da via

permanente para atração de novos operadores; maior atenção às condições de

material rodante e à condução de trens, tendo em vista as eventuais multas

impostas aos operadores, pelos gestores da infra-estrutura, especialmente no caso

de acidentes imputáveis ao estado dos veículos ferroviários ou à sua equipagem;

• atendimento: melhoria pelo aumento da concorrência intratrilhos;

• financiamento: universalização das parcerias público-privadas na área ferroviária, já

que a construção de uma grande variante do traçado, por exemplo, teria como

beneficiários vários operadores e não apenas um único como ocorre atualmente,

ficando mais bem caracterizado o interesse público de que tratam as Leis Federais

8.987/95 (Lei das Concessões) e 11.079/04 (Lei das PPPs); possibilidade de

investimentos públicos diretos, sem caracterização de subsídio ao concessionário

privado, em princípio vedado pela Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF, nos casos

de open access, posto que nesse caso as ferrovias se assemelhariam a rodovias

públicas;

• indústria nacional: aumento das encomendas de novos equipamentos de tração e de

transporte pela entrada de novos operadores, assim como o correspondente

incremento dos serviços de manutenção e reabilitação; aumento do volume de

encomendas de bens e serviços na área de via permanente, em função da

necessidade de sua maior qualidade;

• intermodalidade: maior indução a esse tipo de tráfego, pela possível presença de

novos operadores oriundos dos modos rodoviário e hidroviário;

• monopólio: desmonte parcial de situação monopolista e de suas naturais

impedâncias, com a introdução da concorrência intra-trilhos;

• oferta: ampliação pelo ingresso de novos operadores; alternativa para os clientes

cativos que se sintam prejudicados pelas atuais condições de transporte (valor do

frete, freqüência de trens, tempo de viagem etc.);

• produtividade do setor: incremento pela possibilidade da entrada de novos

operadores em segmentos ferroviários de baixa densidade de tráfego;

• regulação: existência de maior número de benchmarks para balizamento da ação

regulatória;

103

• tarifas: diminuição em virtude do incremento da densidade de tráfego, sobretudo

no que respeita ao rateio dos custos fixos entre os embarcadores.

b) Pontos fracos (observador neutro):

• acidentes: dificuldades de apuração; possível tendência do gestor em culpar o operador

e vice-versa; ausência de profissionais experimentados para arbitragem;

• crédito: razoável para aquisição de vagões (120 meses pelo Finame / BNDES) porém

curto quando se trata de locomotivas (60 meses pelo Finame / BNDES);

• custo: do aumento dos custos de transação;

• foco: perda de foco no negócio, no caso de empresas não operadoras atualmente;

• material rodante: caro e escasso para os pequenos operadores;

• operação: ausência de experiência dos entrantes, agravada pela inexistência de

profissionais de bom nível no mercado; dificuldades na política de treinamento de

pessoal pela baixa oferta de cursos e instalações de ensino específicas (simuladores de

condução, bancadas de testes de frenagem etc.);

• regulação: ampliação de conflitos intra-trilhos; despreparo do órgão regulador em lidar

com esse tipo de assunto; morosidade da burocracia brasileira na resolução de

conflitos.

c) Oportunidades (observador não neutro):

● cliente cativo: possibilidade de deixar de sê-lo;

● financiamento: dinamização do mercado, com diversificação do risco e possível

redução de taxas e spreads;

● nicho de mercado: abertura de novas oportunidades no setor de transporte, sobretudo

para transportadores rodoviários que enfrentam concorrência desleal dos autônomos,

no que respeita a condições do veículo (inexistência de fiscalização), pesos por eixo

(ausência de balanças nas rodovias), jornada de trabalho (ausência de leis trabalhistas),

exclusão da depreciação no custo do frete etc.;

● oferta: aumento do leque de produtos a serem transportados pelas ferrovias, pela

provável especialização dos entrantes;

104

● serviços: aumento das atividades do setor (consultoria, seguros, manutenção e leasing

de material rodante etc.) pela ampliação do universo de clientes.

d) Ameaças (observador não-neutro):

● acidentes: possibilidade de aumento pela obsolescência de material rodante dos novos

operadores, que não terão condições de adquirir ou alugar equipamentos novos;

● custo: possível aumento nos trechos onde for eliminada a possibilidade de uma real

economia de escala;

● corporativismo: natural reação de empregados das concessionárias, alicerçados em

estruturas verticalizadas, temerosos de perderem seus empregos;

● regulação: possibilidade das concessionárias valerem-se de firmas pequenas para

descumprimento de obrigações patronais acordadas com sindicatos de classe ou

desfrutarem de situações fiscais mais favoráveis; possibilidade de recurso à justiça nas

solução de pendências de maior vulto; possibilidade de incremento de uma maior

ingerência do poder público nas concessionárias atuais, tendo como leit motiv a

segregação da infra-estrutura;

● risco de crédito: aumento para empréstimos já concedidos às concessionárias, em

virtude da incerteza do sucesso da segregação (caso essa ocorra de maneira intensa).

4.5.3 Análise dos Resultados

Como pontos positivos, merecem atenção, além da quebra do monopólio, os

potenciais aumentos da oferta e da intermodalidade, eventuais diminuições dos valores dos

fretes e a maior possibilidade de aporte de recursos públicos a parcerias público-privadas na

solução de gargalos operacionais e de contornos urbanos.

Como pontos de convergência, positivistas, as possibilidades do incremento da

intermodalidade e do aporte de recursos a PPPs na solução de impedâncias operacionais.

Dos pontos negativos relatados emergem como destaques as dificuldades

regulatória, creditícia (entrantes) e o aumento dos custos de transação. Esses tópicos são

convergentes para a maioria dos entrevistados.

Das oportunidades apontadas, surge como pontos principais a possibilidade de

remissão do status de cliente cativo, o incremento de um amplo leque de atividades no

105

setor de serviços e a existência de um novo nicho de mercado para transportadores

rodoviários.

As oportunidades antes citadas não encontram consenso no conjunto de

entrevistados, refletindo pontos de vista de atores que não detém concessões de transporte.

Das ameaças apontadas, são pontos principais a possibilidade de incremento da

ingerência pública nos negócios privados e o corporativismo dos empregados das

operadoras hoje verticalizadas.

Tal como no caso das oportunidades, as ameaças são fruto de análises de

entrevistados ligados às operadoras de carga, não traduzindo, portanto, espírito consensual.

4.5.4 Resumo do Processo de Entrevistas

Como balanço final, verifica-se que os resultados das entrevistas mostram que,

para uma observação neutra, os pontos positivos superam amplamente os pontos

negativos, o que sem dúvida mostra a potencialidade da segregação da infra-estrutura sob

essa ótica. Para uma observação não-neutra, com cada entrevistado olhando o seu negócio,

as ameaças são equivalentes às oportunidades, demonstrando certo equilíbrio em as duas

posições.

Olhadas, portanto, no conjunto, as entrevistas tendem a considerar

favoravelmente a possibilidade segregação da infra-estrutura, muito embora considerem

isso como tarefa não trivial.

Como elementos de consenso da segregação da infra-estrutura aparecem a

intermodalidade e o estímulo às parcerias público-privadas na solução de problemas

operacionais, sobretudo aqueles onde a participação de poder público seja financeiramente

ou politicamente indispensável.

Pontos fortes e fracos, oportunidades e ameaças, em seus aspectos mais

abrangentes e consensuais, serão levados em consideração quando da elaboração dos

modelos de implementação da segregação da infra-estrutura ferroviária, de que trata o

Capítulo 6.

106

5 ESTUDO DE CASO

5.1 CRITÉRIOS DE ELEGIBILIDADE DO SEGMENTO FERROVIÁRIO A

ESTUDAR

Como corolário ao trabalho desenvolvido no capítulo anterior, elaborou-se um

estudo de caso, onde um determinado segmento da malha ferroviária brasileira foi

imaginado como tendo sua infra-estrutura segregada. Para tanto, inicialmente foi feita uma

avaliação dos possíveis trechos a serem estudados para a implantação da nova proposta, à

luz de alguns critérios básicos, que, de um lado, refletiram os acertos de experiências no

Exterior, e, de outro, consideraram o atual cenário institucional do sistema ferroviário

brasileiro de cargas.

Os critérios básicos para seleção do segmento ferroviário a estudar, que, ao ver do

autor, são absolutamente inovadores, foram os seguintes:

a) Baixa densidade de tráfego

A prioridade para a implantação da operação segregada deve considerar as linhas

com baixa densidade de tráfego, onde exista folga para a passagem de trens adicionais, sem

prejuízo, portanto, à circulação dos trens atuais. De fato, não se vislumbra qualquer

factibilidade técnica ou institucional de segregação de vias como as da E. F. Vitória a

Minas, pertencente à Cia. Vale do Rio Doce, por exemplo, que com seus 905 km de

extensão transporta atualmente cerca de 140 milhões de toneladas, cerca de 40% do total

da tonelagem brasileira.

As capacidades de vazão de uma via singela evidentemente dependerão, dentre

outros fatores, do comprimento dos trens, das condições geométricas do traçado (que por

seu turno delimitarão as velocidades dos trens), do sistema de sinalização adotado e do

número e disposição dos postos de cruzamento. Uma estimativa feita por Hay (1971), para

as ferrovias norte-americanas, mostra os seguintes valores práticos (tabela 28):

107

Número de trens / dia Tipo de via permanente Sinalização manual Sinalização com circuito de

via Sinalização com CTC (centralized traffic control)

Via singela 25 a 30 40 a 50 60 a 75 Via dupla 90 a 100 200

Fonte: Hay (1971)

Tabela 28: Estimativa da capacidade operativa de ferrovias

No caso das ferrovias brasileiras, para efeito deste trabalho, pode ser considerado

como de baixa densidade de tráfego o trecho que tem um movimento máximo diário de 20

a 30% do volume teórico máximo de uma via singela com sinalização manual. Em outras

palavras, cerca de seis de trens/dia, somados os dois sentidos, considerada uma formação

típica contemplando 30 vagões e uma locomotiva em cada trem (podendo haver

eventualmente acoplamento de composições). Essa formação deriva da divisão do número

médio de vagões pelo de locomotivas, para as ferrovias ditas não mineradoras (onde essa

relação é distorcida, para mais), com base em ANTT (2007), cujos resultados são os

seguintes:

● ALL: 30 vagões/loco;

● Novoeste: 32 vagões/loco;

● FCA: 24 vagões/loco.

b) Boa capacidade de vazão

O trecho considerado não deve necessitar de investimentos vultosos para

apresentar uma boa capacidade de vazão, pois os recursos iniciais a serem aplicados na

ampliação da citada capacidade (duplicação de vias, implantação de postos de cruzamento,

sinalização por ATC, etc.) costumam ser elevados, e de certo dificultariam a proposta da

segregação.

Para aplicação desse critério, considerar-se-á que possuam boa capacidade de

vazão os trechos recentemente remodelados ou reabilitados, ou aqueles recentemente

implantados ou em vias de implantação. Isso porque os demais trechos, sejam tanto da

malha da antiga RFFSA como da antiga FEPASA, que não passaram por uma

remodelação, são em geral constituídos por trilhos de baixa inércia (TR-37 ou inferiores),

alta taxa de dormentes em mau estado, fixações rígidas, inexistência de placas de apoio,

108

pontes e viadutos com restrição de velocidade etc., conforme experiência vivida pelo autor

em seus trabalhos de recuperação de infra-estruturas ferroviárias em quase todo o Brasil.

c) Longa distância de transporte

Sabe-se, de há muito, que os custos fixos e as operações de ponta (terminais) são

bastante elevados no transporte ferroviário. Por outro lado, a baixa resistência ao

rolamento e possibilidade de acoplagem de inúmeros veículos rebocados a uma única fonte

de tração, torna o transporte ferroviário muito atraente quando em marcha. A título de

exemplificação apenas, um vagão GDT (gôndola, bitola larga), pesando 120 tf, se deixado

correr livremente, no plano, a partir de uma velocidade de 65 km/h, percorrerá 13 km até

parar. Já uma carreta, pesando apenas um terço do vagão (40 tf), nas mesmas condições,

em rodovia pavimentada, circulará por somente 1 km antes de cessar seu movimento

(Rosa, 2000).

Em outras palavras, isso significa que uma ferrovia é, em tese, tanto mais

competitiva quanto maior for a distância de transporte envolvida, de sorte que a diluição

dos custos fixos e das operações em terminais na quilometragem seja compensada pela

maior eficiência energética e pela economia de escala resultante da agregação de várias

unidades de transporte num comboio.

Portanto, para se tornarem mais competitivas frente ao transporte rodoviário, a

operação ferroviária, de uma forma geral, e a proposta de segregação, de forma específica,

devem se fixar em longas distâncias de transporte.

Para aplicação desse critério, considerar-se-á que a distância de transporte

adequada para aplicação da segregação seja maior ou igual à média da distância média de

transporte no Brasil, que atualmente é de cerca de 570 km, conforme se depreende da

figura 26. Esse valor, inclusive, está coerente com as observações de Hay (1971),

relativamente às ferrovias norte-americanas, que considera o patamar de 350 km como o

ponto de partida para a competitividade ferroviária frente ao caminhão.

109

Fonte: cálculos do autor com base em ANTT (2007)

Figura 26: Evolução da distância média de transporte

d) Fluxo rodoviário concorrente expressivo capaz de ser captado

A experiência européia tem mostrado que os novos operadores de uma via

ferroviária segregada capturam parte da demanda do modo rodoviário. No Brasil, a geração

de novas cargas para o transporte terrestre tem sido caracterizada pela expansão das

fronteiras agrícolas ou da intensificação da atividade mineradora.

Portanto, é lícito supor que a viabilização da operação ferroviária numa via férrea

existente, de baixa densidade de tráfego (ver critério a), não estaria necessariamente ligada a

uma intensificação de atividade mineradora ou ao expansionismo agrícola (já que isso teria

sido normalmente apropriado pelo operador atual), mas sim à captura de cargas ao modo

rodoviário.

Destarte, há necessidade de que o segmento escolhido possua razoável demanda

de cargas rodoviárias na sua área de influência, capaz de ser parcialmente captada pela

ferrovia através do novo modelo de operação segregada.

Para aplicação desse critério, considerar-se-ão como fluxos rodoviários passíveis

de captura aqueles que:

● sejam concorrentes aos fluxos ferroviários;

● apresentem uma demanda muito superior ao que se espera capturar no modo

ferroviário.

Sobre esse último condicionante, estimou-se um percentual máximo inicial de

captura de 30% (ver maiores detalhes no item 5.6), com os restantes 70% permanecendo

no modo rodoviário. Ademais, estipulou-se que o fluxo mínimo a ser transportado pelo

110

operador entrante corresponderia ao emprego de pelo menos três composições tipicamente

formadas por uma locomotiva e 30 (trinta) vagões cada, podendo eventualmente ser ou não

acopladas, tomando-se por base a média dos trens usualmente operados em trechos de

bitola métrica das ferrovias brasileiras, com uma lotação média dos vagões de 60 toneladas,

totalizando 1.800 toneladas de carga (útil) máxima por composição.

Isso porque os custos de maquinista, maquinista auxiliar, inspetor de tração,

inspetores de estado de material rodante em pátios de carga e descarga (verificação de

frisos, calos e trincas de roda, aparelhos de choque e tração, sistema de freio etc.), inspetor

de reparo de vagões, inspetor de reparo de locomotivas (ou mestres de oficina, caso esta

seja própria) e uma série de outros profissionais que um operador ferroviário deve

minimamente possuir precisam ter seus custos diluídos num número razoável de veículos.

Considerando-se, numa estimativa inicial, que cada uma das três composições

execute, anualmente, 50 viagens carregadas, num regime de ciclo de rotação média entre

carga, viagem de ida e volta ao ponto inicial de 7 (sete) dias, ter-se-ia um volume de

transporte anual de 90 mil toneladas por composição ao ano, totalizando no conjunto 270

mil toneladas. Isso significa, portanto, que os fluxos rodoviários existentes devem ser pelo

menos o triplo disso.

Os números do parágrafo anterior foram estimados com base em CNT (2006),

onde se observa uma velocidade média de 15 km/hora, típica da malha de bitola métrica

brasileira, e um percurso médio de 545 km. Com isso, em termos de viagem (ciclo

completo) ter-se-iam três dias de percurso. Adicionando-se um dia para que um trem

servindo a um cliente se desloque de forma a poder atender a outro cliente, em outro

terminal, e outros três dias para carga, descarga e revista dos trens em pátios, chega-se aos

sete dias antes mencionados. Observe-se que esse cálculo não é aplicável a trens de minério

de ferro, por exemplo, onde os ciclos de tempo são substancialmente inferiores.

e) Trecho com unicidade de gestão

A prioridade para a implantação da operação segregada deve considerar as linhas

administradas por um único operador dominante ao longo de toda a sua extensão, evitando

os conflitos entre administrações diferentes, que tendem a provocar eventuais prejuízos à

circulação dos trens.

111

Sobre esse aspecto é importante frisar que atualmente boa parte das ferrovias

opera com os sistemas de licenciamento via satélite, nos trechos sem sinalização, onde

anteriormente a licença de circulação era conferida através de documento escrito (pode)

conferido pelo despachador de cada estação. Nesse novo sistema, que não é fail safe, há

necessidade de perfeita ambientação dos maquinistas ao trecho físico e à estrita observância

das regras eletrônicas de circulação. Dessa maneira, a presença de um novo operador

circulando em diferentes linhas, com também diferentes procedimentos operacionais,

certamente constituir-se-ia num óbice à tese da segregação.

5.2 SEGMENTOS FERROVIÁRIOS ELEGÍVEIS PARA ESTUDO

Com base nos critérios antes elencados, foram eliminados, em primeiro lugar, os

corredores de exportação, de alta densidade de tráfego e razoável extensão, responsáveis

por grande parte dos fluxos ferroviários brasileiros, quais sejam:

● Estada de Ferro Carajás, da Cia. Vale do Rio Doce, interligando Carajás (PA) ao porto

da Madeira (MA);

● Estrada de Ferro Vitória a Minas, da Cia. Vale do Rio Doce, interligando o

Quadrilátero Ferrífero (MG) ao porto de Tubarão (ES);

● Ferrovia do Aço/Linha do Centro, da MRS Logística, interligando o Quadrilátero

Ferrífero (MG) ao porto de Guaíba (RJ);

● Ferrovias Norte Brasil/Ferrovias Bandeirantes, atualmente pertencentes à da América

Latina Logística, interligando Alto Araguaia (MT) ao porto de Santos (SP);

● Corredor Londrina – Paranaguá (PR), da América Latina Logística; e

● Corredor Santa Rosa/Cruz Alta – porto do Rio Grande (RS), da América Latina

Logística.

Após uma nova análise dos segmentos restantes, foram considerados elegíveis

para a implantação da nova proposta os trechos ferroviários a seguir descritos.

a) Corredor Corumbá (MS) – Santos (SP)

Trata-se de trecho de 1.758 km em bitola métrica, formado pela linha-tronco da

antiga Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, desde a fronteira do Brasil com a Bolívia, nas

cercanias de Corumbá (MS), até Bauru (SP), e daí a Santos (SP) pela linha da antiga Estrada

112

de Ferro Sorocabana, atualmente em toda a sua extensão operado pela concessionária

América Latina Logística S. A. – ALL.

A Estrada de Ferro Noroeste do Brasil teve a construção iniciada em 1905, a

partir de Bauru em direção à fronteira com a Bolívia, somente ficando concluída a obra em

1952. Em 1957 foi incorporada à RFFSA e privatizada em 1996 como Ferrovia Novoeste,

depois incorporada à holding Brasil Ferrovias e finalmente adquirida a concessão pela ALL

em 2006.

De Bauru a Santos a linha era parte da antiga Estrada de Ferro Sorocabana - EFS,

cuja obra iniciou-se em 1872 nas imediações de Sorocaba em direção a São Paulo. Em

contínua expansão e incorporação de outras estradas, a EFS a partir de 1971 passou a fazer

parte da FEPASA – Ferrovia Paulista S. A., estadual, sendo privatizada em 1999 como

Ferroban - Ferrovias Bandeirantes S. A., depois incorporada à holding Brasil Ferrovias e

finalmente adquirida a concessão pela ALL em maio de 2006.

Esse Corredor tem como concorrentes transportadores rodoviários na BR-262 e

SP-150, SP-160, SP-280 e SP-300, que em conjunto apresentam fluxos de 9.340.000

toneladas anuais nos dois sentidos, conforme cálculos do autor baseados em Geipot (1999).

b) Corredor São Paulo (SP) – Uruguaiana (RS)

Trata-se do trecho de 2.160 km em bitola métrica entre Tatuí, nas proximidades

de Sorocaba (SP), e Uruguaiana, na fronteira entre o Rio Grande do Sul e a Argentina, sob

a operação da ALL. A partir desse ponto existem mais 754 km em bitola padrão (1.435

mm), de Paso de los Libres a Buenos Aires, também operados pela ALL.

A ALL foi a nova denominação dada à Ferrovia Sul Atlântico, que venceu o

processo de privatização da malha sul da Rede Ferroviária Federal em 1997, e passou a

operar a malha no Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Essa nova denominação foi

derivada da aquisição, pelo mesmo grupo empresarial, das concessões das ferrovias

argentinas Ferrocarril Mesopotamico / General Urquiza (bitola 1.435 mm) e Ferrocarril

Buenos Aires al Pacifico / General San Martin (bitola 1.676 mm), em 1999.

Em 1998, por meio de contrato operacional, a companhia assumiu as operações

da malha sul paulista pertencente à Ferrovias Bandeirantes - Ferroban.

113

Em julho de 2001, a ALL integrou a Delara Ltda, uma das maiores empresas de

logística rodoviária do País, e assumiu as operações e contratos comerciais da empresa no

Brasil, Chile, Argentina e Uruguai.

Com a aquisição da Brasil Ferrovias e da Novoeste, em maio de 2006, a ALL

brasileira consolidou sua posição de maior empresa ferroviária da América do Sul,

passando a operar desde o Rio Grande do Sul ao Mato Grosso, num total 11.700 km.

O Corredor em análise tem como concorrentes transportadores nas rodovias BR-

101/116/290, que em conjunto apresentam fluxos de 4.569.000 toneladas anuais nos dois

sentidos, conforme cálculos do autor baseados em Geipot (1999).

c) Corredor Araguari (MG) – Santos (SP)

Trata-se do trecho de 650 km em bitola métrica operado pela Ferrovia Centro-

Atlântica – FCA, formado pela linha tronco da antiga Companhia Mogiana de Estradas de

Ferro, desde Araguari (MG) até Boa Vista, próximo a Campinas (SP), e daí a Santos pelo

regime de direito de passagem, por mais 200 km sobre a linha operada pela concessionária

ALL.

A Companhia Mogiana de Estradas de Ferro iniciou a construção de sua linha de

bitola métrica a partir de Campinas em dezembro de 1872, em direção à cidade de Mogi

Mirim, inaugurando o primeiro trecho em 1875. A Mogiana, como era mais conhecida,

continuou a crescer sempre em busca das regiões de cultura cafeeira, construindo vários

ramais que passariam a ser conhecidos como "ramais cata-café". Em sua expansão chegou

a Ribeirão Preto em 1883.

Em 1971 foi incorporada à Fepasa e privatizada em 1999 como Ferroban, sendo

em 2001 autorizada pelo Ministério dos Transportes a transferência do trecho para a FCA,

como parte de um processo de reestruturação acionária e operacional da Ferroban,

constituindo a atual “Malha Paulista”.

Esse Corredor tem como concorrentes transportadores nas rodovias BR-050 e

SP-150/160/348/330, que em conjunto apresentam fluxos de 6.585.000 toneladas anuais

nos dois sentidos, conforme cálculos do autor baseados em Geipot (1999).

d) Nova Transnordestina

114

Trata-se de um projeto novo prevendo a ligação ferroviária em bitola larga (1.600

mm) entre a fronteira agrícola no sul do Piauí e os portos de Pecém, no Ceará, e Suape, em

Pernambuco, com a construção de 646 km e a recuperação de 1.150 km de via da CFN –

Companhia Ferroviária do Nordeste.

Atualmente estão em andamento apenas as obras do trecho de Missão Velha (CE)

a Salgueiro (PE), com 110 km, iniciadas em julho de 2006.

Esse Corredor tem como concorrentes transportadores nas rodovias BR-

020/230/232/316, que em conjunto apresentam fluxos de 372.000 toneladas anuais nos

dois sentidos, conforme cálculos do autor baseados em Geipot (1999).

e) Ferrovia Norte-Sul

A Ferrovia Norte-Sul, em bitola larga (1.600 mm), idealizada por Paulo de Frontin

no início do século XX, como extensão da E. F. Central do Brasil (que em seu projeto

inicial previa a interligação do Rio de Janeiro a Belém do Pará), foi iniciada em 1987, em

Açailândia, no Maranhão, somente chegando a Aguiarnópolis, em Tocantins, em 2002.

Essa ferrovia, que interligará Goiás, Tocantins, Maranhão e Pará, terá, quando

concluída, 1.980 km de extensão. A Ferrovia Norte-Sul está sendo implantada pela VALEC

- Engenharia, Construções e Ferrovias S.A., empresa pública, do Ministério dos

Transportes, que detém a concessão para sua construção e operação.

O trecho inicial da Ferrovia Norte-Sul, de Açailândia a Aguiarnóplis, com 215 km,

está em operação comercial pela Estrada de Ferro Carajás, permitindo o acesso ao porto de

Itaqui, em São Luis (MA), distante 513 km de Açailândia pela E. F. Carajás.

O expressivo volume de investimento necessário à total implantação da Ferrovia

Norte-Sul - cerca de R$ 2,5 bilhões – levou a VALEC a buscar um novo modelo de

captação de recursos que viabilize a construção dos demais trechos do projeto.

Os trabalhos de modelagem apontaram para a adoção do modelo de

subconcessão, tendo como objeto inicial a construção do trecho ferroviário Araguaína

(TO) – Palmas (TO), com 359 km de extensão, e a operação comercial do trecho com 720

quilômetros entre Açailândia (MA) e Palmas (TO).

Em 27 junho de 2006, a VALEC iniciou o processo de licitação, na modalidade

leilão, para contratar a subconcessão para exploração comercial deste trecho, cabendo ao

115

licitante vencedor a operação, conservação, manutenção, monitoração, melhoramentos e

adequação do trecho ferroviário durante trinta anos.

Em setembro de 2007 essa subconcessão foi ganha pela CVRD, com lance de R$

1,478 bilhão. Os recursos provenientes desta outorga serão utilizados pela VALEC para a

construção dos demais trechos da Ferrovia Norte-Sul, entre os quais, o trecho

compreendido entre as cidades de Araguaína e Palmas, no Tocantins, com extensão de 359

quilômetros.

Esse Corredor tem como concorrentes transportadores nas rodovias BR-

010/135/222, que em conjunto apresentam fluxos de 1.740.000 toneladas anuais nos dois

sentidos, conforme cálculos do autor baseados em Geipot (1999).

f) Ferroanel Norte em São Paulo

Trata-se do futuro trecho norte do Ferroanel em São Paulo, SP, com cerca de 65

km de extensão, destinado a desviar o tráfego de trens diretos de carga da MRS Logística

em bitola larga do centro da cidade, liberando as linhas da CPTM - Companhia Paulista de

Trens Metropolitanos, e facilitando a interligação ferroviária de bitola larga entre o Vale do

Paraíba e o interior do estado de São Paulo.

O projeto encontra-se ainda em fase de discussão entre os diversos setores de

governo federal e do Estado de São Paulo, sem previsão de data de implantação, prevendo-

se a possibilidades de aplicação da PPP, tendo como principal beneficiária a MRS Logística.

Há intenso fluxo rodoviário, de difícil mensuração, em rotas paralelas ao

Ferroanel, posto que este circunda a região metropolitana de São Paulo.

g) Ferroanel Sul em São Paulo

Também se encontra em início de discussão a construção do trecho sul do

Ferroanel, com cerca de 35 km de extensão, interligando a MRS com a ALL na região de

Embu Guaçú. Da mesma forma que o trecho norte, prevê-se a possibilidade de aplicação

da PPP, e também neste caso seria principal beneficiária a MRS Logística.

Há intenso fluxo rodoviário em rotas paralelas ao Ferroanel, também de difícil

mensuração, posto que este circunda a região metropolitana de São Paulo.

116

5.3 SELEÇÃO DO SEGMENTO A ESTUDAR

A tabela 29 mostra a análise dos trechos-candidatos em relação aos critérios de

elegibilidade que definirão, no seu conjunto, a viabilidade ou não da operação no regime de

segregação da infra-estrutura.

Critério

Trecho Densidade de tráfego

Capacidade de vazão

Distância de transporte

Fluxo rodoviário

significativo

Unicidade de gestão

1 – Corumbá - Santos Atende Atende Atende Atende Atende

2 – São Paulo - Uruguaiana Atende Atende Atende Atende Atende

3 – Araguari - Santos Atende Atende Atende Atende Não atende

4 – Nova Transnordestina Atende Atende Atende Não atende Atende

5 – Ferrovia Norte-Sul Atende Atende Atende Não atende Atende

6 – Ferroanel Norte em SP Não atende Atende Não atende Atende Atende

7 – Ferroanel Sul em SP Não atende Atende Não atende Atende Não atende

Tabela 29: Elegibilidade de segmento ferroviário para estudo de caso

Com relação à tabela 29, cabem as seguintes notas explicativas sobre o

atendimento ou não a cada critério:

Corredor Corumbá – Santos

a) Trecho com baixa densidade de tráfego (atende à condição): especialmente no segmento

entre Corumbá e Bauru (antiga EFNOB) a linha apresenta grande ociosidade. De Bauru a

Mairinque (SP), via Botucatu (SP) e Sorocaba (SP), existe algum movimento. Somente

entre Mairinque e Santos há maior tráfego, porém a linha é dupla na Serra do Mar.

b) Trecho com boa capacidade de transporte (atende à condição): os segmentos nas antigas

EFNOB e EFS passaram por diversas obras de melhoria da capacidade de transporte nas

décadas de 1970 e 1980, e a linha na Serra do Mar foi totalmente remodelada na mesma

época.

c) Trecho com boa quilometragem (atende à condição): trecho com extensão total de 1.758

km em bitola métrica (sendo mista na Serra do Mar).

d) Trecho com fluxo rodoviário concorrente expressivo capaz de ser captado (atende à

condição): na região, especialmente no segmento de Campo Grande a Santos pelas diversas

117

rodovias passa uma grande tonelagem de carga nos dois sentidos, especialmente no de

exportação.

e) Trecho com unicidade de gestão (atende à condição): desde a aquisição da holding Brasil

Ferrovias pela ALL em maio de 2006 todo o trecho é operado por uma única

administração ferroviária.

Corredor São Paulo – Uruguaiana

a) Trecho com baixa densidade de tráfego (atende à condição): com exceção do segmento

entre Uvaranas (Ponta Grossa) e Engenheiro Bley, no Estado do Paraná, com tráfego

médio, todo o restante do trecho de Tatuí (nas proximidades de Sorocaba) a Porto alegre, e

de lá a Uruguaiana, tem um tráfego leve. O mesmo ocorre na linha de bitola 1.435 mm na

Argentina entre Paso de los Libres e Buenos Aires.

b) Trecho com boa capacidade de transporte (atende à condição): os segmentos entre Tatuí

e Porto Alegre fazem parte do Tronco Sul, construído por etapas em condições técnicas

modernas ao longo do século XX, inclusive com previsão na plataforma e no gabarito para

bitola larga. Entre Porto Alegre e Uruguaiana foram construídas diversas variantes para

retificação do traçado nas décadas de 1970 e 1980. No segmento argentino, mesmo não

tendo passado por obras de vulto nas últimas décadas, o baixo nível de tráfego e as

condições geométricas de um relevo plano garantem uma capacidade de transporte

razoável.

c) Trecho com boa quilometragem (atende à condição): trecho com extensão total de 2.160

km em bitola métrica e com 754 km em bitola 1.435 mm na Argentina.

d) Trecho com fluxo rodoviário concorrente expressivo capaz de ser captado (atende à

condição): na região do Tronco Sul segue paralelo às rodovias BR-101 e BR-116, ambas

com forte tráfego de cargas entre o Sul e o Sudeste do Brasil, em boa parte também se

integrando com a fronteira argentina em Uruguaiana e Paso de los Libres e daí a Buenos

Aires.

e) Trecho com unicidade de gestão (atende à condição): desde a aquisição das concessões

das ferrovias argentinas em 1999 e da aquisição da Brasil Ferrovias pela ALL em maio de

2006 todo o trecho é operado por uma única administração ferroviária.

Corredor Araguari – Santos

118

a) Trecho com baixa densidade de tráfego (atende à condição): o segmento entre Araguari

(MG) e Boa Vista (SP) tem baixa densidade de tráfego, e entre Boa Vista e Santos, na ALL,

o tráfego é maior, porém a linha é dupla na Serra do Mar.

b) Trecho com boa capacidade de transporte (atende à condição): os segmentos entre

Araguari e Boa Vista e daí a Mairinque fazem parte do Tronco Sul, construído por etapas

em condições técnicas modernas na década de 1970, inclusive com previsão na plataforma

e no gabarito para bitola larga. E a linha da ALL na Serra do Mar foi totalmente

remodelada na mesma época.

c) Trecho com boa quilometragem (atende à condição): trecho com extensão total de 850

km em bitola métrica (sendo mista na Serra do Mar).

d) Trecho com fluxo rodoviário concorrente expressivo capaz de ser captado (atende à

condição): na região segue paralelo às rodovias SP 330 e SP 348, ambas com forte tráfego

de cargas entre o Triângulo Mineiro e o Planalto Central e o litoral paulista.

e) Trecho sem unicidade de gestão (não atende à condição): o segmento entre Araguari e

Boa Vista é operado pela Ferrovia Centro-Atlântica, e o segmento entre Boa Vista e Santos

pela ALL, desde a aquisição da Brasil Ferrovias em maio de 2006.

Corredor da Nova Transnordestina

a) Trecho com baixa densidade de tráfego (atende à condição): considerando-se como

ainda em construção, estima-se que tão logo entre em operação a densidade de tráfego seja

baixa, pelo menos nos primeiros anos.

b) Trecho com boa capacidade de transporte (atende à condição): sendo uma obra nova,

com modernas condições técnicas, terá boa capacidade de transporte.

c) Trecho com boa quilometragem (atende à condição): interligando o sul do Piauí com os

portos de Pecém, em Fortaleza, e Suape, no Recife, terá a extensão total de 1.796 km de

linhas novas e recuperadas.

d) Trecho sem fluxo rodoviário concorrente expressivo capaz de ser captado (não atende à

condição): na região ao longo da Nova Transnordestina não são comuns as rodovias com

demanda expressiva de transporte.

e) Trecho com unicidade de gestão (atende à condição): é prevista a operação de todo o

trecho considerado pela CFN – Companhia Ferroviária do Nordeste.

Corredor da Ferrovia Norte-Sul

119

a) Trecho com baixa densidade de tráfego (atende à condição): considerando-se como

ainda em construção, com apenas os primeiros segmentos em operação, é natural que a

densidade de tráfego seja baixa, pelo menos nos primeiros anos.

b) Trecho com boa capacidade de transporte (atende à condição): sendo uma obra nova,

com modernas condições técnicas, tem boa capacidade de transporte. No entanto o trecho

da EFC de Açailândia (MA) a São Luis (MA) já se apresenta parcialmente congestionado.

c) Trecho com boa quilometragem (atende à condição): já contando com 215 km em

operação entre Açailândia a Aguiarnóplis (TO), mais 513 km da EFC até São Luis, a

ferrovia terá, quando concluída, 1.980 km de extensão.

d) Trecho sem fluxo rodoviário concorrente expressivo capaz de ser captado (não atende à

condição): na região ao longo da Ferrovia Norte-Sul não são comuns as rodovias com

demanda expressiva de transporte.

e) Trecho com unicidade de gestão (atende à condição): tendo em vista o processo de

subconcessionamento ganho pela CVRD em 2007.

Corredor do Ferroanel Norte em São Paulo

a) Trecho com baixa densidade de tráfego (não atende à condição): mesmo considerando-

se na ocasião como um trecho de construção recente, já no início de operação deverá

apresentar uma alta densidade de tráfego, em virtude da demanda reprimida de transporte

ferroviário na região da grande São Paulo, especialmente na travessia entre o Ramal de São

Paulo da MRS e a linha da ALL em direção ao interior do estado.

b) Trecho com boa capacidade de transporte (atende à condição): sendo uma obra nova,

com modernas condições técnicas, terá boa capacidade de transporte.

c) Trecho com pequena quilometragem (não atende à condição): contando com apenas 65

km entre as imediações das estações de Pinheirinho (no Ramal de São Paulo) e Campo

Limpo (próximo a Jundiaí).

d) Trecho com fluxo rodoviário concorrente expressivo capaz de ser captado (atende à

condição): na região da grande São Paulo se concentra o principal nó rodoviário brasileiro,

com forte tráfego de cargas entre as diversas regiões do Brasil.

e) Trecho com unicidade de gestão (atende à condição): por se localizar na região de

concessão da MRS Logística S. A., interligando duas de suas linhas (Ramal de São Paulo e

linha de Santos a Jundiaí), prevê-se que o trecho seja operado unicamente pela MRS.

120

Corredor do Ferroanel Sul em São Paulo

a) Trecho com baixa densidade de tráfego (não atende à condição): mesmo considerando-

se na ocasião como um trecho de construção recente, já no início de operação deverá

apresentar uma alta densidade de tráfego, em virtude da demanda reprimida de transporte

ferroviário na região da grande São Paulo, especialmente na travessia entre o Ramal de São

Paulo da MRS e a linha da ALL em direção ao porto de Santos.

b) Trecho com boa capacidade de transporte (atende à condição): sendo uma obra nova,

com modernas condições técnicas, terá boa capacidade de transporte.

c) Trecho com pequena quilometragem (não atende à condição): contando com apenas 35

km entre as imediações das estações de Rio Grande da Serra (na linha entre Paranapiacaba

e São Paulo) e Evangelista de Souza (na linha de Mairinque para a Baixada Santista).

d) Trecho com fluxo rodoviário concorrente expressivo capaz de ser captado (atende à

condição): na região da grande São Paulo se concentra o principal nó rodoviário brasileiro,

com forte tráfego de cargas entre as diversas regiões do Brasil e o porto de Santos.

e) Trecho sem unicidade de gestão (não atende à condição): por se localizar na região limite

entre duas concessões, interligando as linhas da MRS e da ALL (antiga Ferroban), existem

dúvidas sobre qual a operadora final, e de qualquer forma em pelo menos numa das

extremidades existirá uma estação limite de uma operadora para outra.

Dos trechos analisados, somente os Corredores Corumbá – Santos e São Paulo –

Uruguaiana atendem a todos os critérios de elegibilidade.

Dentre os dois trechos previamente selecionados, será desenvolvido o estudo no

Corredor Corumbá – Santos, tendo em vista seu maior potencial de atração de novos

operadores ferroviários, caso a segregação da infra-estrutura prospere, tendo em vista:

• o incremento da produção de grãos no Centro-Oeste;

• a perspectiva de transporte do minério de ferro de Urucum (MS), estimulada pelo forte

incremento de preços FOB (Brasil) do minério ferro, que variou de US$ 12 em 1980

para US$ 36 nos dias atuais;

• a possibilidade de operador turístico ferroviário no Pantanal Mato-Grossense.

Ademais, esse trecho é de alguma forma concorrente com outro trecho da ALL: a

ligação entre Alto Araguaia (MT) e Santos, em bitola larga, que possui parque de material

rodante e condição de via muito superiores ao do trecho Corumbá – Santos. Em virtude

dos recursos aplicados pela ALL na aquisição de novas ferrovias, e consideradas as maiores

121

atratividades do trecho de bitola larga sobre o de estreita, parece lógico que a

concessionária prefira investir onde os resultados sejam mais pronunciados e mais rápidos,

ou seja, na linha de bitola larga. Isso evidentemente abre espaço para que novos operadores

se insiram na linha de bitola estreita, com a ALL se remunerando por fretes próprios e

também pelo trackright.

O trecho a estudar possui a extensão total de 1.758 km, dos quais 1.299 km de

Corumbá a Bauru e 459 km de Bauru a Santos.

5.4 NOTAS ADICIONAIS SOBRE O CORREDOR CORUMBÁ – SANTOS

Em 2004, o Porto de Santos movimentou 67 milhões de toneladas, sendo 58

milhões no comércio exterior e 9,6 milhões na cabotagem. O Estado de São Paulo foi

responsável por 71% da tonelagem exportada e 80% da tonelagem importada por Santos,

em 2004 (Lacerda, 2002).

O porto respondeu também por valores expressivos das exportações de Mato

Grosso do Sul. Entre os produtos com grande movimentação em Santos, três destacam-se

como tipicamente ferroviários: soja, açúcar e álcool.

O corredor Corumbá – Santos, atendendo à Bolívia, Mato Grosso do Sul e

interior de São Paulo poderá vir a desempenhar um papel mais relevante que o atual,

sobretudo no escoamento de produtos de importação e exportação de Bolívia e do Mato

Grosso do Sul, visto que as opções de transporte para essas regiões são limitadas, posto

que se encontram a grande distância de portos marítimos alternativos e que a hidrovia do

rio Paraguai apresenta limites ambientais e físicos (calado em períodos de vazante) ao

transporte em grande escala.

A baixa utilização do transporte hidroviário torna o Mato Grosso do Sul

dependente dos portos das Regiões Sul e Sudeste para as suas trocas com o exterior. Em

2004, 79% do valor das exportações de Mato Grosso do Sul foi movimentado pelos portos

de Santos (39%), Paranaguá (22%) e Itajaí (18%). Os portos fluviais de Corumbá e de

Porto Murtinho responderam por apenas 11% do valor das exportações do estado. As

importações de Mato Grosso do Sul são realizadas em sua maior parte por via aérea, pelo

aeroporto de Corumbá, por onde entraram 69% do valor das importações do estado, em

2006. Os portos fluviais do estado praticamente não operaram na importação nesse ano.

122

Não obstante as suas limitações, a hidrovia do Rio Paraguai é importante via de

integração regional, utilizada para escoar soja da Bolívia e do Centro-Oeste brasileiro, além

do minério de ferro produzido na região de Corumbá. Em 2004, o Mato Grosso do Sul

exportou 1,7 milhão de toneladas de minério de ferro e 345 mil toneladas de soja pelo rio

Paraguai. As exportações de soja da Bolívia, pela hidrovia do Rio Paraguai, são da ordem de

1 milhão de toneladas anuais.

O maior potencial para alavancar investimentos no transporte ferroviário do

Estado de Mato Grosso do Sul e da Bolívia são as reservas de minério de ferro das regiões

de Corumbá e de Mutún, consideradas entre as maiores da América do Sul. No entanto, as

restrições ao escoamento do minério pelo rio Paraguai e a precariedade da logística

ferroviária têm inibido os investimentos nas atividades de mineração e siderurgia no Mato

Grosso e na Bolívia.

A exportação de minério de ferro do Mato Grosso do Sul e da Bolívia por Santos

é dificultada pela falta de terminais adequados para o embarque de minério de ferro no

porto santista. A utilização da ALL para o transporte de grandes volumes de minério de

ferro e de produtos siderúrgicos poderia tornar a ferrovia rentável e viabilizar os

investimentos necessários na sua infra-estrutura e em equipamentos de transporte.

Na Baixada Santista o trecho ferroviário na margem direita do porto de Santos é

operado, desde 2000, por um consórcio formado por MRS e ALL, a Portofer, como

resultado de um contrato de arrendamento de instalações, equipamentos e vias férreas

assinado com a Companhia Docas de São Paulo (Codesp), visando racionalizar o tráfego

das composições ferroviárias.

Levantamentos do autor junto à Portofer mostram que o tempo de permanência

dos vagões no porto passou de 120 horas, em 1998, para 29 horas, em 2004. A Portofer

também estima que a capacidade ferroviária do porto, se superados os entraves à

movimentação ferroviária, seja de mais de 40 milhões de toneladas anuais.

A margem direita é responsável por quase 60% da movimentação do porto. Sua

capacidade de transporte de cargas ferroviárias é de 18 milhões de toneladas anuais, mas os

terminais só têm capacidade de movimentação ferroviária de 8 milhões, atualmente, e de 14

milhões se superados os entraves atuais. A margem esquerda movimenta atualmente quase

20 milhões de toneladas. A capacidade atual de transporte de cargas ferroviárias na margem

esquerda é de 17 milhões de toneladas anuais, entretanto os terminais só podem

movimentar 8 milhões de cargas ferroviárias.

123

A capacidade de transporte ferroviário na margem esquerda poderia ser

aumentada para até 25 milhões de toneladas anuais, se os terminais tivessem capacidade

para movimentar toda essa carga ferroviária.

Para incrementar a capacidade de movimentação de cargas ferroviárias nos

terminais do porto são necessários investimentos tanto por parte dos arrendatários dos

terminais quanto pela administração portuária. Está em andamento a implantação da bitola

mista pela MRS em cerca de 16 km, entre os pátios de Perequê e Valongo, com o objetivo

de permitir o acesso à margem direita do porto aos trens em bitola métrica, sem que eles

tenham que percorrer as áreas urbanas de São Vicente e Santos.

Esse investimento teve origem numa resolução da ANTT autorizando

inicialmente a Ferroban (antes de sua aquisição pela ALL) a construir uma segunda via, em

bitola mista, na faixa de domínio da MRS, entre os pátios de Perequê e Valongo. Como a

Ferroban não executou a obra no prazo acordado, a MRS ficou autorizada a implantar um

terceiro trilho na via atual. A resolução também autorizou a circulação de trens da MRS em

vias da Ferroban no acesso aos pátios e terminais de Pederneiras e Campinas, no interior

de São Paulo.

Além de investimentos em infra-estrutura, são necessárias definições regulatórias

sobre o compartilhamento de malhas entre as concessionárias. A resolução ANTT 945, de

4 de maio de 2005, determinou a implantação do regime de direito de passagem para a

circulação de cargas da ALL (na época ainda como Brasil Ferrovias) na malha da MRS nos

trechos Perequê a Conceiçãozinha (25 km) e Perequê a Valongo (16 km). Anteriormente a

essa resolução, os vagões da Brasil Ferrovias, para alcançar os terminais do Porto, eram

tracionados pelas locomotivas da MRS, o que acarretava aumento do tempo necessário

para realizar o transporte.

5.5 FLUXOS RODOVIÁRIOS E FERROVIÁRIOS NA ÁREA DE ABRANGÊNCIA

DO CORREDOR ESCOLHIDO

Inicialmente foram definidas as áreas de abrangência das rodovias e ferrovias

integrantes do corredor Corumbá – Santos com base na lógica da concorrência entre os

vários eixos de circulação no Estado de São Paulo, e por extensão no Mato Grosso do Sul.

Como as principais rodovias e ferrovias adentrando o território dos dois Estados

historicamente sempre exerceram forte influência nas regiões que as margeiam, atraindo as

124

demandas de cargas até uma certa distância transversal, foram traçadas linhas de contorno

dividindo estas áreas de abrangência localizadas entre cada um dos dois importantes eixos

rodoviários e ferroviários vizinhos e concorrentes.

Desta forma foi considerado ao norte o eixo concorrente das ferrovias de bitola

larga (antigas Estrada de Ferro Santos a Jundiaí, Companhia Paulista, Estrada de Ferro

Araraquara e Ferronorte) e das rodovias Anhangüera (SP-330), dos Bandeirantes (SP-348) e

Washington Luiz (SP-310). Ao sul foi considerado o eixo concorrente dos ramais

ferroviários da Estrada de Ferro Sorocabana no litoral sul e em direção a Ourinhos e

Presidente Epitácio, e da rodovia Regis Bittencourt (BR-116). A forma geográfica ilustrada

das linhas de contorno, incorporando as rodovias concorrentes, para ambos os casos está

ilustrada na figura 27.

Figura 27: Delimitação das áreas de abrangência do corredor ferroviário

Com relação aos fluxos rodoviários, na área de influência do Corredor Ferroviário,

foi considerado o somatório dos fluxos existentes entre os nós ao longo das principais

rodovias e mais as secundárias paralelas, que pela lógica representam um conjunto único de

escoamento das cargas a ser captado. No caso ferroviário, pela inexistência de linhas

paralelas na mesma região de influência, foram considerados os fluxos medidos

diretamente em cada trecho entre as principais cidades e entroncamentos.

Eixo ferroviário

125

5.6 ESTIMATIVA DOS NOVOS FLUXOS FERROVIÁRIOS PASSÍVEIS DE

CAPTAÇÃO PELOS NOVOS OPERADORES FERROVIÁRIOS

No Corredor em estudo, as variações futuras do fluxo de cargas ferroviárias não

devem ter como base de cálculo unicamente o desempenho passado. Isso porque as

ocorreram constantes mudanças de administração na Ferrovia Novoeste (Bauru –

Corumbá) desde sua constituição em 1996, e também pela concentração das prioridades de

ação comercial e geração de transporte na linha de bitola larga do corredor da Ferronorte,

através das antigas ferrovias Araraquarense e Paulista, adotadas pelos novos gestores da

holding Brasil Ferrovias, de 2002 a 2006, em detrimento do corredor de bitola métrica das

antigas ferrovias Novoeste e Sorocabana.

No entanto, a análise dos resultados gerais de desempenho das ferrovias

brasileiras demonstra que no período pós-privatização, de 1998 a 2005, o transporte

ferroviário em toneladas úteis no Brasil cresceu em 51,58 % (Revista Ferroviária, 2000 e

2006), se consideradas todas as cargas menos minério de ferro e soja, contra um

crescimento no Produto Interno Bruto nacional de apenas 19,76 %, (Ipeadata, 2007),

podendo-se inferir que ocorreu transferência de cargas da rodovia para a ferrovia.

Foi desconsiderado o minério de ferro (bruto e em pelotas), por não ser ainda

uma carga expressiva no corredor (muito embora existam possibilidades de aproveitamento

de Urucum, no MS) e também não ser considerado como uma carga captável à rodovia, e

nem o complexo de soja (em grãos, farelo e óleo), tendo em vista a enorme expansão dos

cultivares em todo o país e também devido ao fato de que expressiva parte dessa produção

foi captada pela Ferronorte, em bitola larga, que saltou de zero em 1998 para 8 milhões de

toneladas úteis transportadas em 2005.

Portanto conclui-se que o processo de privatização, mesmo não contemplando

acréscimos na malha existente, mas apenas através de melhor gestão e reequipamento, foi

capaz de captar novas cargas numa proporção muito maior que a variação do PIB.

Nesse sentido, pode-se inferir que em torno de 30% do acréscimo de transporte

na ferrovia, em toneladas úteis, foram resultado de captação à rodovia.

Com base nestes fatos foi elaborado um novo diagrama unifilar ferroviário (figura

28) considerando a nova captação de mais 30 % de transporte, para ser adotado como base

para futuros cálculos.

126

Figura 28: Diagrama unifilar da demanda ferroviária

5.7 ESTIMATIVA DOS CUSTOS DA OPERAÇÃO FERROVIÁRIA SEGREGADA

A segregação da infra-estrutura ferroviária pressupõe a execução de diversas

funções pelo operador entrante, não apenas por razões de economia como também para

atingir um maior grau de eficiência, ao manter sob um gerenciamento único todas as etapas

vitais do processo, desde a operação direta até a manutenção corrente do material rodante,

ficando a cargo do gestor da infra-estrutura ferrovia apenas o compromisso de coordenar e

dar condições de tráfego na linha aos trens de terceiros.

Desta forma caberão ao operador entrante todos os custos diretos de

administração, operação e manutenção dos trens, mais os custos de direito de passagem ou

trackright sobre a via segregada.

5.7.1 Premissas Básicas

Do trecho total com a extensão de 1.758 km, sendo 1.299 km de Corumbá a

Bauru e 459 km de Bauru a Santos, será excluído num primeiro cenário o trecho de

Corumbá a Campo Grande, com 428 km, devido à baixa demanda rodoviária atual a ser

127

captada pela ferrovia, resultando numa extensão a estudar de 1.330 km entre Campo

Gande e Santos.

Com uma velocidade média de 18 km/h, a viagem total será de 74 horas, sendo o

ideal considerar quatro dias para cada sentido, mais um dia de carga e descarga em cada

extremidade, totalizando uma rotação de 10 dias. Portanto num ano ter-se-á com segurança

35 viagens completas para cada trem, admitida para fins de simplificação a ausência de

sazonalidade.

Pelo quadro de demanda ferroviária (figura 28) é a seguinte a estimativa de

parcela de captação de cargas da rodovia para a ferrovia, em cada segmento (em milhares

de toneladas úteis anuais):

• Santos – Mairinque: 163 (import.) e 846 (export.);

• Mairinque – Bauru: 193 (import.) e 558 (export.);

• Bauru – Três Lagoas: 196 (import.) e 275 (export.);

• Três Lagoas – Campo Grande: 190 (import.) e 315 (export.);

• Campo Grande – Corumbá: 23 (import.) e 56 (export.).

Neste caso poderá ser considerada como demanda no trecho de Campo Grande a

Santos, para importação 163.000 t/ano, e para exportação 275.000 t/ano.

Considerando-se a utilização dos vagões no transporte em ambos os sentidos, o

material rodante poderá ser dimensionado para sentido de maior tonelagem: exportação de

275.000 t/ano.

As cargas a serem consideradas no trecho de Campo Grande a Santos, neste

primeiro cenário poderão ser, dentre outras:

a) no sentido de exportação: soja, farelo de soja, óleo de soja.

b) no sentido de importação: calcário para agricultura, fertilizantes, contêineres com carga

geral.

Num segundo momento poderá ser o projeto estendido a Corumbá, para o

transporte no sentido de exportação para a região do Estado de São Paulo (consumo

doméstico e exportação por Santos), envolvendo ferro gusa e vergalhões de aço a serem

produzidos pela siderúrgica da MMX em Corumbá.

128

5.7.2 Aquisição de Material Rodante

Para fins de dimensionamento dos vagões, com a utilização típica no trecho de

vagões com 20 t/eixo, portanto com 80 t de peso bruto, pode ser considerada a lotação

média de 60 t / vagão, tanto no caso de vagões hopper fechados (para soja, farelo de soja,

calcário para agricultura, fertilizantes etc.), quanto vagões tanques (para óleo de soja) ou

vagões pranchas (para contêineres com carga geral), ilustrados como exemplos nas figuras

29, 30 e 31.

Figura 29: Exemplo de vagão hopper fechado para cargas a

granel

(Daniel Trevisan, via Internet)

129

Figura 30: Exemplo de vagão plataforma para contêineres

(Daniel Trevisan, via Internet)

Figura 31: Exemplo de vagão tanque para óleo de soja

(Daniel Trevisan, via Internet)

Para uma rotação de 10 dias, em um ano, serão 35 viagens completas, e cada

vagão transportará no período 2.100 t.

Sendo considerada a utilização em ambos os sentidos, e portanto o material

rodante dimensionado para sentido de exportação, como de maior tonelagem, com 275.000

t/ano, serão necessários 131 vagões efetivamente em operação, formando-se uma frota

total de 146 vagões, já com a previsão de 10 % de imobilização média para manutenção.

130

Utilizando-se trens com uma formação típica de 24 vagões tracionados por uma

locomotiva (podendo haver acoplamento de composições, neste caso mais de um bloco de

vagões e locomotivas na mesma proporção), como habitualmente operado ao longo do

trecho estudado (ANTT, 2007), serão necessárias 6 locomotivas de linha e pelo menos

duas de manobra (na origem, já que no destino a Portofer executa esse papel), perfazendo

uma frota total de 10 locomotivas (sendo oito de linha e duas de manobra), já com a

previsão de 20 % de imobilização média para manutenção (uma vez que se imagina o uso

de locomotivas de segunda-mão).

O custo unitário dos vagões, levantado pelo autor junto a fornecedores de

material rodante, está na faixa de R$ 250.000,00 para tanque, de R$ 180.000,00 para hopper

fechado, e de R$ 150.000,00 para plataforma, sendo que para fins deste estudo será

considerado o valor de R$ 180.000,00 como médio, também por ser predominante na frota

atual da Novoeste o hopper fechado.

Quanto às locomotivas diesel-elétricas, de segunda-mão e em bom estado de

conservação, com potência da ordem de 3.000 hp (superiores às GE U20C comumente

encontradas no Brasil), podem ser encontradas unidades nos EUA e no México na faixa de

custo unitário de aproximadamente R$ 1.000.000,00 (incluindo reforma, adaptação e

rebitolagem no Brasil), especialmente nos modelos GE C40-8, C40-8W (ambas “Dash 8”),

C30-S7N, C30-S7R (ambas “Super Seven”). A rebitolagem justifica-se pelas diferenças entre a

bitola na área do NAFTA (1.435 mm) e a bitola métrica do corredor em estudo.

Esse valor foi apurado com base em Valor Econômico (2007), que ao fazer um retrospecto

dos investimentos da ALL em 2007, informou ter sido R$ 105 milhões o gasto com 104

locomotivas importadas modelo GE C30. Observe-se que o custo de R$ 1.000.000,00

aplica-se a locomotivas de linha (potências de 3.000hp). Para as locomotivas de manobra

(potências da ordem de 1200 hp), a estimativa é que custem 60% do valor das de linha.

Considerando-se que o estoque de locomotivas C30-7 e C36-7 (“Dash 7”), como as

que as Ferrovias brasileiras importaram até agora, já esteja esgotado, outra opção poderá

ser a dos modelos GM SD40, SD40-2, SD40T-2, SD45, SD45-2, SD45T-2 e SD50, como

ilustrado na figura 5.9.

131

Figura 32: Locomotivas estocadas para venda nos EUA

(Paul Duda, via Internet)

No caso de locomotivas novas de 3.000 HP o custo unitário está na faixa de R$

4.000.000,00 a 4.500.000,00.

5.7.3 Manutenção do Material Rodante

Para manutenção das locomotivas de linha o custo médio anual é de R$

150.000,00 por unidade, correspondendo a aproximadamente 15% do custo de aquisição

de uma locomotiva usada, segundo informações colhidas com técnicos vinculados à

indústria de locomotivas. Para locos de manobra será considerado um valor anual de R$

90.000,00.

Para manutenção dos vagões, pode ser considerado o custo médio anual de R$

9.000,00 por unidade, correspondendo a aproximadamente 5% do custo de aquisição de

um vagão novo segundo informações colhidas com técnicos vinculados à indústria de

vagões.

132

5.7.4 Combustível e Lubrificantes

Conforme exposto no item 5.7.2, serão realizadas 35 viagens completas por ano.

Considerando-se o percurso total de e 1.330 km entre Campo Grande e Santos, ou 2.660

km de ida e volta, chega-se a 93.100 km percorridos por cada locomotiva por ano.

Ajustando-se esse valor para percursos não comerciais (ida a oficinas, depósitos, postos de

abastecimento etc.) chega-se a 100.000 km/ano/locomotiva.

Para um consumo de cerca de 5 litros por km e uma frota de 6 locomotivas de

linha, chega-se a um consumo anual de óleo diesel de 3 milhões de litros. Adicionando-se a

esse valor 10% para as manobras e o equivalente em lubrificantes, tem-se um valor final de

3.300.000 litros/ano. A um custo médio de R$ 1,665 o litro, aplicado um redutor de 10%,

típico de grandes clientes, para o valor médio de revenda praticado no Sudeste, de R$ 1,85

o litro, segundo dados da ANP (2007), o gasto final nessa rubrica seria de R$ 5,5

milhões/ano.

5.7.5 Pessoal Operativo

Estima-se que as locomotivas atuem no regime de monocondução, com uma

média de quatro maquinistas por máquina, por período de 24 h. Para um parque operativo

de oito máquinas, ter-se-ia aproximadamente 32 maquinistas. Com isso a equipe operativa

seria composta por:

● trinta e dois maquinistas (salário médio de R$ 1.800,00 com encargos sociais)

● dois fiscais de tração (salário médio de R$ 2.700,00 com encargos sociais);

● dois engenheiros de operação e manutenção (salário médio de R$ 8.100,00 com encargos

sociais);

● dois técnicos em manutenção, para acompanhar reparos em oficinas de terceiros (salário

médio de R$ 1.800,00 com encargos sociais);

● seis artífices de mecânica para inspeção de trens em pátios (salário médio de R$ 1.080,00

com encargos sociais).

A folha anual seria de portanto R$ 1.100.000,00, considerados os encargos sociais

incidentes sobre os salários.

133

5.7.6 Administração

Para custeio da administração e das atividades comerciais podem ser considerados

15 % dos custos totais intrínsecos, isto é, internos ao processo de produção de transporte

(itens 5.7.3, 5.7.4 e 5.7.5).

5.7.7 Trackright

O “trackright” é o pagamento pelo direito de passagem que um operador faz à

ferrovia dominante do trecho considerado, para fins de remuneração pelos custos de

manutenção e operação da via e dos sistemas de sinalização e controle, não considerados

os custos de operação e manutenção do material rodante e de tração.

A título de exemplo, a Ferrovia Centro-Atlântica pagava à Central Logística o

valor R$ 14,00/mil tkb para passagem nos subúrbios do Rio de Janeiro até meados do ano

de 2007. Esse valor foi objeto de muita discussão, uma vez que era baseado em custos

médios e não em custos marginais.

Considerando-se que a segregação do trecho em estudo, por ser na modalidade do

“third part access”, em que há um operador dominante, a quem interessa a partilha dos custos

de manutenção da via, pode-se imaginar como válida uma redução de 20% no valor antes

apresentado, isto é, R$ 11,2/mil tkb.

De acordo com as premissas básicas indicadas no item 5.7.1, tem-se que a

tonelagem líquida em exportação é estimada em 275.000 t/ano; e a tonelagem líquida de

importação estimada em 163.000 t /ano;

No caso dos vagões, para um transporte de 275.000 t / ano num sentido, serão

4.583 vagões em tráfego, totalizando uma tara de 91.660 t / ano em cada sentido;

No caso das locomotivas, para um transporte de 275.000 t / ano num sentido,

serão 191 locomotivas em tráfego (24 vagões por loco), pesando em média 120 t cada

unidade, totalizando uma tara de 22.920 t / ano em cada sentido.

A tabela 30 explicita os cálculos do momento bruto de transporte anual.

134

Tonelagem líquida de exportação (tu) 275.000

Tonelagem líquida de importação (tu) 163.000

Tara dos vagões nos dois sentidos 183.320

Tara das locomotivas nos dois sentidos 45.840

Tonelagem bruta total (tb) 667.160

Tonelagem-quilômetro bruta em 1.330 km (tkb) 887.322.800

Tabela 30: Momento bruto de transporte anual (tkb)

A tonelagem bruta total anual será de 924.031 tkb, que, a um custo de R$

11.20/mil tkb, totaliza R$ 9,940 milhões/ano em pagamento de direito de passagem ao

operador dominante.

5.8 ESTIMATIVA DAS RECEITAS

5.8.1 Receitas de Fretes

Para fins de cálculo da tarifa e da receita obtida com o transporte, em 2006 a

Ferrovia Novoeste S. A., operadora de parte do trecho considerado (de Campo Grande a

Bauru) apresentou um produto médio de R$ 68,05/mil tku (ANTT, 2006b). É oportuno

lembrar que está ocorrendo um realinhamento de preços nesse corredor, uma vez que o

produto médio era de apenas R$ 29,26/mil tku em 2002.

Considerando-se a tonelagem útil transportada em ambos os sentidos, de

438.000t, na extensão total de 1.330 km, chega-se a 582.540.000 tku, e aplicando-se a tarifa

média de R$ 68,05/mil tku, antes descrita, obtém-se a receita anual total de R$

39.641.847,00.

5.8.2 Deduções da Receita

Do valor arrecadado devem ser deduzidos os chamados tributos diretos.

Primeiramente, tem-se a contribuição para o PIS/PASEP, que, além das duas regras gerais

de apuração (incidência não-cumulativa e incidência cumulativa), possui ainda diversos

regimes especiais de apuração. No regime de incidência cumulativa a base de cálculo é o

total das receitas da pessoa jurídica, sem deduções em relação a custos, despesas e encargos.

135

Nesse regime, a alíquota da Contribuição para o PIS/PASEP é de 0,65%. No regime de

incidência não-cumulativa é permitido o desconto de créditos apurados com base em

custos, despesas e encargos da pessoa jurídica. Nesse regime, a alíquota da Contribuição

para o PIS/PASEP é de 1,65%. Existem ainda regimes especiais, cuja característica comum

é alguma diferenciação em relação à apuração da base de cálculo e/ou alíquota, com a

maioria dos regimes especiais se referindo a incidência especial em relação ao tipo de

receita e não a pessoas jurídicas. No presente estudo adotar-se-á o valor de 0,65% incidente

sobre a receita.

Em segundo lugar, tem-se a COFINS. Trata-se de um tributo cobrado pela União

sobre o faturamento bruto das pessoas jurídicas, destinado a atender programas sociais do

Governo Federal. Sua alíquota, que era de 2%, foi aumentada para 3% em fevereiro de

1999.

São contribuintes da COFINS as pessoas jurídicas de direito privado em geral,

inclusive as pessoas a elas equiparadas pela legislação do Imposto de Renda, exceto as

microempresas e as empresas de pequeno porte submetidas ao regime do SIMPLES (Lei

9.317/96). A partir de 01.02.1999, com a edição da Lei 9.718/98, a base de cálculo da

contribuição é a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica, sendo irrelevante o

tipo de atividade por ela exercida e a classificação contábil adotada para as receitas. No

presente estudo adotar-se-á o valor de 3% incidente sobre a receita.

Resta ainda o ICMS, Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestações de

Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS, de

competência dos Estados e do Distrito Federal. Sua regulamentação constitucional está

prevista na Lei Complementar 87/1996 (a chamada “Lei Kandir”), alterada posteriormente

pelas Leis Complementares 92/97, 99/99 e 102/2000. No presente estudo será adotada a

alíquota média de 9%.

Com isso, as deduções da receita atingem a 12,65% (PIS/PASEP + COFINS +

ICMS), o que representa cerca de R$ 5 milhões/ano, fazendo com que a receita líquida seja

de R$ 34,6 milhões.

5.8.3 Depreciação

O valor da depreciação será calculado em 5% a.a., suposta, dessa forma, valor de

salvamento de 25% ao final do 150 ano do projeto. Observe-se que a depreciação só consta

136

do fluxo para efeito do cálculo do imposto de renda e da contribuição social sobre o lucro,

não interferindo nos demais cálculos.

5.8.4 Contribuição Social sobre o Lucro

A Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL foi instituída pela Lei nº

7.689, de 1988 e posteriormente alterada pela Lei nº 8.034, de 12 de abril de 1990, Lei nº

8.212, de 24 de julho de 1991, Lei nº 8.541, de 23 de dezembro de 1992, Lei nº 8.981, de 20

de janeiro de 1995, Lei nº 9.065, de 20 de junho de 1995, de Lei nº 9.249, de 26 de

dezembro de 1995).

A CSLL é destinada ao financiamento da seguridade social, é devida por todas as

pessoas jurídicas domiciliadas no País e as que lhe são equiparadas pela legislação do

imposto de renda e tem como base de cálculo o lucro líquido do período de apuração antes

da provisão para o imposto de renda, ajustado com as adições determinadas e exclusões

admitidas, conforme legislação de regência e alíquota de 9% (nove por cento), valor

adotado neste estudo.

5.8.5 Imposto de Renda

As disposições tributárias do IRPJ aplicam-se a todas as firmas e sociedades,

registradas ou não. As empresas públicas e as sociedades de economia mista, bem como

suas subsidiárias, são contribuintes nas mesmas condições das demais pessoas jurídicas

(Constituição Federal, art. 173 § 1º).

As pessoas jurídicas, por opção ou por determinação legal, são tributadas por uma

das seguintes formas: simples, lucro presumido e lucro real, que será a forma simplificadora

adotada no presente estudo.

A base de cálculo do imposto, determinada segundo a lei vigente na data de

ocorrência do fato gerador, é o lucro real, presumido ou arbitrado, correspondente ao

período de apuração. Como regra geral, integram a base de cálculo todos os ganhos e

rendimentos de capital, qualquer que seja a denominação que lhes seja dada,

independentemente da natureza, da espécie ou da existência de título ou contrato escrito,

bastando que decorram de ato ou negócio que, pela sua finalidade, tenha os mesmos efeitos

do previsto na norma específica de incidência do imposto. A alíquota aplicável a pessoa

137

jurídica, seja comercial ou civil o seu objeto, é de 15% (quinze por cento) sobre o lucro

real, apurado de conformidade com o Regulamento.

5.8.6 Lucro Líquido

Para se obter o lucro líquido foi observada a seguinte marcha de cálculo (com

base no art. 187 da Lei nº 6.04, de 1976, e alterações):

= receita bruta das vendas e serviços;

(-) deduções das vendas, os abatimentos e os impostos;

= receita líquida das vendas e serviços;

(-) custo das mercadorias e serviços vendidos

= lucro bruto;

(-) as despesas com as vendas;

(-) despesas financeiras, deduzidas das receitas;

(-) despesas gerais e administrativas;

(-) outras despesas operacionais;

= lucro ou prejuízo operacional;

(+) receitas não operacionais;

(-) despesas não operacionais;

= lucro líquido do exercício antes da provisão para o Imposto de Renda;

(-) contribuição social sobre o lucro;

(-) provisão para o Imposto de Renda;

= lucro líquido do exercício.

5.9 AVALIAÇÃO FINANCEIRA

5.9.1 Questões Básicas

O fluxo de caixa do estudo de caso foi construído com base nas informações

constantes dos itens 5.7 e 5.8.

Além disso foram supostos os seguintes parâmetros:

● prazo do projeto: 15 anos;

● taxa de desconto (para cálculo do valor presente líquido): 10% a.a.;

138

● crescimento de receitas e despesas: 5% a.a., após o terceiro ano.

Com relação ao prazo do projeto, o mesmo foi estabelecido com base em várias

considerações. Em primeiro lugar, as concessões metroferroviárias brasileiras envolvem

prazos de 20 anos (metrô RJ), 25 anos (trens de subúrbio RJ) e 30 anos (ferrovias de carga).

Esses prazos foram estabelecidos, fundamentalmente, com base no período de tempo

necessário à amortização dos investimentos pelo concessionário, aliado ao fato de que são

elevadas as barreiras de saída do negócio, em virtude dos custos afundados existentes.

Como no presente estudo de caso os volumes de investimento são

significativamente menores, sobretudo pelo fato de não estar em jogo a recuperação da via

permanente, e além disso as barreiras de saída são também menores, pois bastaria vender

ou alugar o material rodante a outros operadores, julga-se que um período de 15 nos seja

suficiente para o horizonte do projeto.

Além disso, o prazo de 15 anos é também compatível com a vida útil das

locomotivas que estarão sendo adquiridas (supostas de segunda-mão) e com os horizontes

de projeto de empreendedores privados que atuam na Grã-Bretanha, por exemplo, que

resistem a trabalhar com prazos de retorno maiores diante da possibilidade de turbulências

políticas e econômicas.

Uma taxa de desconto de 12% é usualmente utilizada em avaliações econômicas

de projetos no âmbito de bancos de fomento como BID, BIRD e BNDES. Em avaliações

financeiras, o valor dessa taxa no Brasil era, no passado, substancialmente maior, diante da

comparação com a remuneração oferecida pelos títulos públicos federais. Atualmente, essa

remuneração oscila ao redor de 10% a 12%. Deduzindo-se desse valor 20% do imposto de

renda e uma inflação anual de 5%, a remuneração líquida oferecida pelos títulos públicos

seria de cerca de 4% a.a. Dessa maneira, uma taxa de desconto de 10%, que evidentemente

incorpora riscos do negócio, seria duas vezes e meia superior a de alternativas de baixo

risco, como os títulos públicos, o que determina sua razoabilidade.

O crescimento de receitas e despesas foi estimado em 5% a.a., decorridos três

anos de início da operação. O crescimento das despesas está evidentemente ligado à

inerente obsolescência do material rodante com o decorrer do tempo. Já o aumento das

receitas baseia-se na correlação direta entre PIB e transporte, com o percentual de aumento

compatível com o crescimento do PIB em 2007.

139

5.9.2 Figuras de Mérito - Caso Básico

O caso básico da avaliação deste estudo, do ponto de vista financeiro, está

mostrado na tabela 31, com a sua construção obedecendo ao prescrito nos itens 5.6, 5.7 e

5.8.

As figuras de mérito do caso básico são as seguintes:

● taxa interna de retorno financeiro – TIRF: 18,8%

● valor presente líquido: R$ 22,3 milhões

5.9.3 Figuras de Mérito – Análise de Sensibilidade

O caso básico foi submetido a uma análise de sensibilidade, segundo os seguintes

critérios:

• situação A: aumento de 15% dos valores de aquisição do material rodante;

• situação B: aumento de 10% nos valores do custo ajustado;

• situação C: diminuição de 10% nos valores do lucro líquido ajustado;

• situação D: aumento de 20% no trackright;

• situação E: aumentos de 10% nos valores de aquisição do material rodante e de 5% no

valores do custo ajustado;

• situação F: aumento de 10% no trackright e de diminuição de 5% nos valores do lucro

líquido ajustado.

140

Tabela 31: F

luxo de caixa do estudo - caso básico

ITEM

01

23

45

67

89

10

11

1213

14

15

I – Custos

1. Aquisição de locos de linha

8.00

0.00

0

2. Aquisição de locos de m

anob

ra1.20

0.00

0

3. Aquisição de vagões

26.280.000

4. M

anutenção de locos de linh

a1.200.000

1.200.000

1.20

0.00

01.20

0.000

1.200.000

1.20

0.00

01.20

0.00

01.200.000

1.200.000

1.20

0.00

01.200.000

1.200.000

1.20

0.00

01.20

0.00

01.200.000

4. M

anutenção de locos de manobra

180.000

180.000

180.00

018

0.000

180.000

180.00

018

0.00

0180.000

180.000

180.00

0180.000

180.000

180.00

018

0.00

0180.000

5. M

anutenção de vagões

1.314.000

1.314.000

1.31

4.00

01.31

4.000

1.314.000

1.31

4.00

01.31

4.00

01.314.000

1.314.000

1.31

4.00

01.314.000

1.314.000

1.31

4.00

01.31

4.00

01.314.000

6. Com

bustível e lubrificantes

5.500.000

5.500.000

5.50

0.00

05.50

0.000

5.500.000

5.50

0.00

05.50

0.00

05.500.000

5.500.000

5.50

0.00

05.500.000

5.500.000

5.50

0.00

05.50

0.00

05.500.000

7. Pessoal ope

rativ

o1.100.000

1.100.000

1.10

0.00

01.10

0.000

1.100.000

1.10

0.00

01.10

0.00

01.100.000

1.100.000

1.10

0.00

01.100.000

1.100.000

1.10

0.00

01.10

0.00

01.100.000

9.940.000

9.940.000

9.94

0.00

09.94

0.000

9.940.000

9.94

0.00

09.94

0.00

09.940.000

9.940.000

9.94

0.00

09.940.000

9.940.000

9.94

0.00

09.94

0.00

09.940.000

9. Adm

inistração e com

ercialização

1.394.100

1.394.100

1.39

4.10

01.39

4.100

1.394.100

1.39

4.10

01.39

4.10

01.394.100

1.394.100

1.39

4.10

01.394.100

1.394.100

1.39

4.10

01.39

4.10

01.394.100

10. C

usto to

tal

35.480.000

20.628.100

20.628

.100

20.628.100

20.628.100

20.628

.100

20.628

.100

20.628.100

20.628.100

20.628

.100

20.628.100

20.628.100

20.628

.100

20.628

.100

20.628.100

20.628.100

11. C

usto to

tal ajustado

35.480.000

20.628.100

20.628

.100

20.628.100

21.659.505

22.742

.480

23.879

.604

25.073.584

26.327.264

27.643

.627

29.025.808

30.477.099

32.000

.954

33.601

.001

35.281.051

37.045.104

II – Receitas

1. Fretes

39.642.000

39.642

.000

39.642.000

39.642.000

39.642

.000

39.642

.000

39.642.000

39.642.000

39.642

.000

39.642.000

39.642.000

39.642

.000

39.642

.000

39.642.000

39.642.000

2. Deduções da re

ceita

bruta

5.014.713

5.014.713

5.01

4.71

35.01

4.713

5.014.713

5.01

4.71

35.01

4.71

35.014.713

5.014.713

5.01

4.71

35.014.713

5.014.713

5.01

4.71

35.01

4.71

35.014.713

3. Receita líqu

ida

34.627.287

34.627

.287

34.627.287

34.627.287

34.627

.287

34.627

.287

34.627.287

34.627.287

34.627

.287

34.627.287

34.627.287

34.627

.287

34.627

.287

34.627.287

34.627.287

4. Depreciação

2.483.600

2.483.600

2.48

3.60

02.48

3.600

2.483.600

2.48

3.60

02.48

3.60

02.483.600

2.483.600

2.48

3.60

02.483.600

2.483.600

2.48

3.60

02.48

3.60

02.483.600

5. Contribuição social sob

re o lucro

2.892.932

2.892.932

2.89

2.93

22.89

2.932

2.892.932

2.89

2.93

22.89

2.93

22.892.932

2.892.932

2.89

2.93

22.892.932

2.892.932

2.89

2.93

22.89

2.93

22.892.932

6.Im

posto de rend

a4.821.553

4.821.553

4.82

1.55

34.82

1.553

4.821.553

4.82

1.55

34.82

1.55

34.821.553

4.821.553

4.82

1.55

34.821.553

4.821.553

4.82

1.55

34.82

1.55

34.821.553

7. Lucro líquido

26.912.802

26.912

.802

26.912.802

26.912.802

26.912

.802

26.912

.802

26.912.802

26.912.802

26.912

.802

26.912.802

26.912.802

26.912

.802

26.912

.802

26.912.802

26.912.802

8. Lucro líquido ajustado

26.912.802

26.912

.802

26.912.802

28.258.442

29.671

.364

31.154

.933

32.712.679

34.348.313

36.065

.729

37.869.015

39.762.466

41.750

.589

43.838

.119

46.030.025

48.331.526

III –

Fluxo de caixa

-35.48

0.00

06.284.702

6.284.702

6.28

4.70

26.59

8.937

6.928.884

7.27

5.32

87.63

9.09

58.021.049

8.422.102

8.84

3.20

79.285.367

9.749.636

10.237

.118

10.748.973

11.286.422

TIR

18,83%

VPL

22.567.234

8. Trackright

141

A tabela 32 mostra o quadro-resumo das análises de sensibilidade, do ponto de

vista financeiro. Os resultados de cinco das seis situações testadas (A, B, D, E e F)

mostraram taxas internas de retorno superiores à taxa de desconto, e portanto valores

presentes líquidos positivos, variando de R$ 0,95 milhão a R$ 17,2 milhões. A situação mais

crítica fica por conta da redução mais contundente do lucro líquido ajustado (C), mas que

ainda assim produz uma taxa interna de retorno da ordem de duas vezes a rentabilidade

real de títulos públicos.

Figuras de Análise de Sensibilidade - Casos

Mérito A B C D E F

TIRF (%) 16,06% 11,51% 8,98% 11,80% 13,79% 10,42%

VPL (R$) 17.245.234 3.514.555 -2.290.169 4.205.520 10.043.436 957.676

Tabela 32: Análise de sensibilidade

5.9.4 Conclusão da Avaliação Financeira do Estudo de Caso

O estudo de caso mostrou que, numa primeira aproximação, o projeto de

segregação da infra-estrutura no Corredor Campo Grande (MT) – Santos (SP) é viável do

ponto de vista financeiro, tendo em vista a obtenção de taxas internas de retorno atraentes

quando comparadas a alternativas de investimento.

Observe-se, por oportuno que este Corredor é possuidor de uma grande potencial,

quando da exploração em larga escala das jazidas de minério de ferro da região de Corumbá

(MS), o que torna ainda mais interessante a questão da segregação, pois neste caso as

mineradoras poderiam, a exemplo da Vale do Rio Doce (atualmente denominada apenas de

Vale), possuir e conduzir trens dedicados.

O estudo de caso ratifica, portanto, as observações do Capítulo 4, no sentido da

viabilidade da implantação da segregação da infra-estrutura ferroviária no Brasil.

5.10 AVALIAÇÃO ECONÔMICA

5.10.1 Preliminares

Nesse trabalho acadêmico, o conceito de avaliação econômica está ligado ao

modo como a sociedade avalia um projeto. Isso a difere da avaliação financeira, que é uma

142

visão do ponto de vista de caixa ou tesouraria dos atores intervenientes (empreendedor,

financiador etc.), e também da avaliação social, aqui entendida como a visão de um projeto

pelos estratos menos favorecidos de uma sociedade.

Uma avaliação econômica, no seu formato mais trivial, parte do caso básico

estudado na avaliação financeira, transformando receitas e despesas baseadas em valores de

mercado em benefícios e deseconomias lastrados em preços-sombra (shadow prices).

Aos elementos antes citados agregam-se as externalidades, positivas ou negativas,

ligadas a duas grandes vertentes:

• ambiental (poluição sonora, poluição visual, degradação de áreas de conservação etc.); e

• operacional (tempo de viagem, gasto com combustível, gasto com conservação de vias,

custo de acidentes etc.).

Para o presente estudo de caso, considerou–se que os preços-sombra equivalham

a 75% dos valores de mercado, fruto da desconsideração, nos primeiros, de tributos

(julgada uma transferência entre membros de uma mesma sociedade) e da depreciação.

Esse percentual foi adotado pelo autor em avaliações dos projetos financiados pelo Banco

Mundial, para a expansão dos metrôs de Belo Horizonte e Recife, ao final da década de 90

(século XX).

Como o estudo de caso em pauta é essencialmente desenvolvido no meio rural,

entendeu-se serem pouco relevantes as questões de poluição sonora e visual. Além disso,

como o que está em jogo é essencialmente a transferência de cargas do modo rodoviário

para o ferroviário, a partir de infra-estruturas consolidadas, não faz sentido pensar-se em

áreas de conservação degradadas.

A questão do tempo de viagem também não será objeto de maiores

considerações, uma vez que uma eventual maior velocidade média do caminhão em relação

ao trem, quando em marcha, seria compensada pelo maior gasto de tempo pelos veículos

rodoviários nas operações nos terminais intermodais, relativamente aos veículos

ferroviários, em conferências de documentação, inspeção sanitária e pesagem.

O custo dos acidentes, por seu turno, também será posto de lado, uma vez que

esse assunto tem muito mais relevância quando se comparam alternativas de transporte de

passageiros nos modos rodoviário e ferroviário.

Dessa maneira, restam, para inclusão no fluxo de caixa da avaliação econômica, os

gastos com combustível, com conservação de vias e de veículos e com a operação destes

últimos, que poderiam ser caracterizados como diminuição dos custos operacionais.

143

Essa diminuição, favorável à ferrovia, pode ser calculada com base num

diferencial de 30% do valor do frete em favor desta, a preços de mercado, ou de 22,5% em

preços-sombra (75% de 30%). Considerando-se o momento de transporte do item 5.8.1

(582.540.000 tku) e uma redução de custos de operacionais de 22,5% sobre os fretes de

anuais de R$ 39.641.847,00, chega-se a uma externalidade positiva anual de R$

8.919.416,00.

Essa externalidade, no entanto, deve, a favor da segurança, ser reduzida em 50%,

uma vez que parte dos fluxos a serem captados não têm origem e destino em terminais

intermodais, mas sim em instalações comerciais ou industriais de maior porte, acarretando

a necessidade de uma “ponta” rodoviária adicional no caso do transporte ferroviário. Dessa

maneira, a externalidade positiva (a favor da ferrovia) a ser considerada no fluxo de caixa

será de R$ 4.459.708,00 anuais.

Para o cálculo do valor presente líquido será adotada uma taxa de desconto de

12% a.a., tendo com referência a taxa cobrada no cálculo do pagamento de dívida pública

interna, aqui considerada com um dos melhores usos alternativos dos recursos públicos.

5.10.2 Fluxo de Caixa e Figuras de Mérito

Aplicando-se as premissas do item anterior ao caso básico da avaliação financeira,

foram obtidos os seguintes resultados:

• Taxa interna de retorno econômico (TIRE): 34,05%

• Valor presente líquido (taxa de desconto de 12% a.a): R$ 43.162.481,00

5.10.3 Conclusão da Avaliação Econômica do Estudo de Caso

Os resultados mostram que o projeto de segregação do estudo de caso é, do

ponto de vista econômico, ainda mais viável que do ponto de vista financeiro, chegando-se

a uma TIRE de 34,05%, contra uma TIRF de 16,6%, para casos básicos.

Esse resultado não só embasa os necessários esforços do poder concedente para

viabilização da segregação da infra-estrutura ferroviária ora proposta para o segmento

estudado, com também sugere a necessidade da realização de novos estudos de segregação

para outros corredores.

144

6 SUGESTÕES PARA IMPLANTAÇÃO DA SEGREGAÇÃO DA INFRA-

ESTRUTURA NO BRASIL

6.1 ASPECTOS LEGAIS A CONSIDERAR

6.1.1 Preliminares

Como discutido no Capítulo 4, os monopólios apresentam uma ineficiência

alocativa, ao produzirem abaixo da quantidade ótima, gerando aquilo que os economistas

denominam de “peso morto”. Concomitantemente, pode ocorrer, em trechos ferroviários

subutilizados por exemplo, uma ineficiência produtiva. Outros aspectos negativos

poderiam se somar, como o tratamento discriminatório contra clientes cativos e a ausência

de oferta de transporte para determinados fluxos de mercadorias.

Seria natural, portanto, que o poder concedente enxergasse na segregação da

infra-estrutura uma ação regulatória mitigadora dos problemas apontados. Isso dentro do

conceito de regulamentação, que, segundo Anuatti Neto (2004), representa “o conjunto de

regras particulares ou de ações específicas implementadas por agências administrativas para

interferir diretamente no mecanismo de alocação do mercado, ou, indiretamente, alterando

as decisões de oferta e de demanda de consumidores e produtores.

Nesse sentido a segregação poderia ser vista como uma ferramenta de correção

de rumo, posto que o regime de concessões ferroviárias brasileiras assemelha-se, para

muitos fluxos (reais e potenciais), a monopólio natural, caracterizado economicamente

como falha de mercado, algo que ocorreu historicamente porque as tecnologias de

produção do transporte apresentavam fortes economias de escala para os tamanhos de

mercado relevantes.

Essa correção encontra respaldo no fato de que só em situações especiais se

justificam direitos de exclusividade, pelo que a Comunidade Européia, por exemplo, tenta

implementar certa concorrência na operação.

No Brasil, espera-se que a questão da segregação venha a ser discutida pelo Poder

Concedente e não necessariamente só pela Agência Reguladora (ANTT), pois governar não

deve ser confundido com o ato de regular, da mesma forma que política pública não deve

ser confundida com política regulatória, embora em alguns setores a regulação seja

145

responsável pela implementação das políticas públicas, ou seja, pode existir uma relação de

complementaridade.

Governar é indicar rumos e perseguir objetivos. Regular é equilibrar meios,

interesses, necessidades e possibilidades num dado segmento da vida econômica e social,

de modo a imprimir, a cada momento, as marcas de uma política pública democraticamente

construída (Marques Neto, 2002).

As políticas públicas são as metas ou princípios da ação governamental definidos

para atingir interesses públicos relevantes. É o próprio ato de governar, cabendo à política

regulatória a execução de tais metas ou princípios. Essa execução se dá através da

ponderação a respeito da necessidade e da intensidade da intervenção, escolhendo meios e

instrumentos para atingir de forma eficiente seu fim, que é a realização da política pública

setorial.

Com o intuito de embasar sugestões para o projeto de segregação da infra-

estrutura ferroviária são destacados a seguir os principais aspectos legais envolvidos, sob a

ótica do concedente e do concedido.

6.1.2 Embasamento Legal da Segregação da Infra-Estrutura do Ponto de Vista do

Poder Concedente

Os serviços públicos no Brasil são regidos por um vasto sistema de atribuições

de direitos, no qual procurar-se-á situar a questão da segregação da infra-estrutura, sob o

ponto de vista do poder concedente.

a) Constituição Federal

A Constituição Federal, em seu artigo 21, diz ser competência da União explorar,

diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão os serviços de transporte

ferroviário e aquaviário entre portos brasileiros e fronteiras nacionais, ou que transponham

os limites de Estado ou Território.

Ressalte-se que quando o transporte se realiza apenas no território de um estado

e a malha não integra as linhas federais – aquelas previstas nas Leis nº 5.917/73 e 9.060/95

- a competência administrativa e regulamentadora passará a ser realizada pelos governos

estaduais, os quais figurarão como poder concedente nas concessões, permissões e

146

autorizações de exploração do serviço.

O texto constitucional prescreve ainda, no artigo 175, que a prestação de serviços

públicos (onde se inclui o setor ferroviário de cargas) é incumbência do Poder Público,

diretamente, ou sob regime de permissão ou concessão.

Embora seja regida por um contrato, a concessão envolve a prestação de um

serviço público, sendo função do Poder Público regulamentar os objetivos, a forma de

execução do serviço, a fiscalização e os direitos e deveres das partes, entre outros aspectos.

Inerente ao texto constitucional aparece o princípio do interesse público. Devido

à imprecisão de sua definição, o interesse público precisa ser concebido através de uma

decisão válida da Administração Pública, através da observância dos princípios

constitucionais e administrativos, pois são a única justificativa plausível para os atos do

Estado.

Cabe lembrar que o interesse da Administração Pública não é público, pois o

interesse público não pode ser confundido com seu titular. O Estado é apenas o

instrumento de realização dos interesses públicos. Logo, o interesse é público não porque é

atribuído ao Estado, mas é atribuído ao Estado por ser público, conforme observa

Medauar (1992).

O interesse público identifica-se com o bem comum, que é o fundamento e

limitação do poder político; fundamento, porque o poder se constitui para atingir o bem

comum; e limitação, porque, sendo seu objetivo o bem da pessoa humana, o Estado só

deve intervir na esfera da liberdade individual, atendendo ao princípio da subsidiariedade,

respeitando o equilíbrio entre a liberdade do indivíduo e a autoridade do Estado. Sempre

que o indivíduo ou o grupo sozinho possa agir, o Estado não deve intervir; o bem como se

exprime através da lei, não uma lei puramente formal, mas sim uma lei que atenda ao bem

comum.

Dos parágrafos precedentes emergem portanto dois pontos principais:

• a caracterização do serviço ferroviário como serviço público, de competência do

Estado para seu provimento;

• a noção do interesse público, diretamente ligado ao bem comum.

Caso a segregação da infra-estrutura venha a ser considerada, num determinado

momento e para um determinado trecho, algo ligado ao bem comum, e em se tratando de

um serviço público, não há dúvida de a implantação dessa medida reestruturadora pelo

Estado teria respaldo constitucional.

147

b) Defesa da Concorrência

Embora o artigo 170 da Constituição estabeleça alguns princípios da ordem

econômica, é na Lei 8.884, de 11 de junho de 1994, que é tratada a prevenção e repressão

de infrações à ordem citada, tendo como base os princípios de liberdade de iniciativa, da

livre concorrência, da função social da propriedade, da defesa do consumidor e repressão

ao abuso econômico.

De fato, o artigo 20 da referida lei aponta como infrações os atos, mesmo

aqueles que não surtem o efeito pretendido, direcionados a:

● limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre

iniciativa;

● dominar mercado relevante de bens e serviços;

● aumentar arbitrariamente os lucros;

● exercer de forma abusiva posição dominante.

Atualmente dois grandes grupos empresariais controlam a porção mais dinâmica

malha ferroviária brasileira, fruto de um intenso processo de realinhamentos acionários,

contrário aos princípios esgrimidos nos editais de licitação, que estipulavam em 20% a

parcela acionária máxima de um determinado grupo privado numa ferrovia.

Isso provavelmente constitui-se numa dominação de mercado, que tende a ser

maior à medida que as ferrovias superam a natural fase inicial de rearranjo e ajustes e

partem para a expansão de seus negócios. Nesse contexto, a segregação da infra-estrutura

poderia ser vista como medida atenuadora dessa dominação.

c) Defesa do Consumidor

O papel do Estado na promoção da defesa do consumidor está presente no

artigo 5 da Constituição Federal. No entanto é na Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990,

que as disposições constitucionais são mais bem definidas, algo complementado pelo

Decreto 1.306, de 9 de novembro de 1994, e pelo Decreto 2.181, de 20 de março de 1997.

Primeiramente é importante caracterizar o fato de que os clientes ferroviários são

consumidores desse modo de transporte. Isso posto, verifica-se que algumas práticas das

operadoras ferroviárias brasileiras envolvendo, por exemplo, elevações tarifárias para

148

clientes cativos e privilegiamento de clientes na oferta de transporte (com alguns clientes

sendo obrigados a adquirir vagões para escamento de seus produtos), são facilmente

enquadráveis no arcabouço legal em apreciação, razão pela qual a segregação da infra-

estrutura poderia ser enquadrada como uma medida em defesa do consumidor.

d) Princípio da Eficiência

Em relação à busca da eficiência administrativa, cabe destacar a definição do

princípio da eficiência previsto na Constituição Federal, que para Meirelles (2002) é "o mais

moderno princípio da função administrativa", garantindo a presteza, perfeição e

rendimento funcional da atividade desempenhada.

A eficiência no trato das coisas públicas significa a obrigação do agente público

agir com eficácia real e concreta, isto é, do administrador aplicar, sempre, no desempenho

de suas atividades públicas, as medidas ou soluções, dentre as previstas em abstrato no

ordenamento jurídico, mais positivas (operativas, razoáveis, racionais e de maior eficácia)

para a realização satisfatória das finalidades públicas almejadas pela sociedade.

Ainda, adequada se faz a conceituação de eficiência, trazida de forma plena por

Costodio (1999):

Do exposto até aqui, identifica-se no princípio constitucional da eficiência três

idéias: prestabilidade, presteza e economicidade. Prestabilidade, pois o

atendimento prestado pela Administração Pública deve ser útil ao cidadão.

Presteza porque os agentes públicos devem atender o cidadão com rapidez.

Economicidade porquanto a satisfação do cidadão deve ser alcançada do modo

menos oneroso possível ao Erário público. Tais características dizem respeito

quer aos procedimentos (presteza, economicidade), quer aos resultados

(prestabilidade), centrados na relação Administração Pública/cidadão.

Como explanado no Capítulo 4, a ineficiência dos monopólios poderia ensejar

uma contramedida, como a segregação da infra-estrutura, embasada no princípio da

eficiência.

149

6.1.3 Embasamento Legal Segregação da Infra-Estrutura do Ponto de Vista do

Concessionário

A seu favor, e contra a segregação involuntária da infra-estrutura, os

concessionários dispõem de alguns importantes balizamentos jurídicos a seguir descritos.

a) Princípio da Proporcionalidade

Meirelles (2002) se refere a esse princípio, implícito na Constituição, como o da

proibição do excesso, algo que irá aferir a compatibilidade entre os meios e os fins

adotados, evitando abusos ou restrições excessivas pela Administração Pública, capazes de

causar lesões aos direitos fundamentais.

A proporcionalidade seria a relação custo-benefício da medida tomada pela

administração e a doutrina determina três requisitos para identificar este princípio:

● adequação das medidas da Administração Pública para alcançar o fim pretendido;

● necessidade de se verificar se não existe um meio menos gravoso de se obter o mesmo

fim;

● ponderação entre o ônus imposto e o benefício trazido.

É, portanto, não só um limite à discricionariedade do Administrador Público, mas

significa que este não deve agir com demasia, tampouco de modo insuficiente, na

consecução de seus objetivos, ainda que decorrentes do interesse público.

Assim, do mesmo modo que quando a Administração aplica uma sanção

exacerbada a um concessionário ou quando incorre em deixa de dar licença ambiental em

tempo razoável, também causando prejuízos a um empreendedor privado, incorre em

descomedimento.

A Lei Federal 9784/99, que regula o processo administrativo da administração

pública federal, determina a observância do critério de adequação entre meios e fins e veda

a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente

necessárias ao interesse público. A razoabilidade evita a incongruência na aplicação das

normas jurídicas. Deve haver um padrão lógico para a elaboração dos atos.

Sundfeld (2000) prescreve que a proporcionalidade é a expressão quantitativa da

razoabilidade, sendo inválido o ato desproporcional em relação à situação que o gerou ou à

finalidade que pretende atingir.

150

Ao Administrador Público, portanto, não caberá, com base em seus conceitos

pessoais, valorar situações concretas. Deve fazê-lo utilizando os valores do homem médio,

às necessidades da coletividade, à legitimidade, à economicidade, a relação de custos e

benefícios, ou seja de proporcionalidade.

Dessa maneira, o princípio da proporcionalidade poderia ser esgrimido pelos

concessionários ante um processo de segregação involuntário.

b) Princípio da Segurança Jurídica

Cabe ao Administrador Público zelar pela estabilidade e pela ordem nas relações

jurídicas como condição para que se cumpram as finalidades do ajuste contratual que

condiciona o processo concessional.

É dessa estabilidade que se fará, por exemplo, a convalidação de atos irregulares

na origem, bem como o oferecimento de prazos para o saneamento de falhas, tendo em

vista a relação a respeitabilidade mútua entre concedente e concedido.

O princípio da segurança jurídica está espelhado na Constituição Federal em seu

art. 5º, inciso XXXVI, sob o enunciado de que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o

ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.

A segurança jurídica consiste no conjunto de condições que torna possível às

pessoas o conhecimento antecipado e reflexivo das conseqüências diretas de seus atos e de

seus fatos à luz da liberdade reconhecida, encontrando ainda respaldo expresso no art. 2º,

inciso IV, parágrafo único, da Lei 9.784/99, que exige a “atuação segundo padrões éticos

de probidade, decoro e boa-fé”.

Em adição, Di Pietro (2002) sustenta, em relação ao princípio da segurança

jurídica, que:

A segurança Jurídica tem muita relação com a idéia de respeito à boa-fé. Se a

Administração adotou determinada interpretação como a correta e a aplicou a

casos concretos, não pode depois vir anular atos anteriores, sob o pretexto de

que os mesmos foram praticados com base em errônea interpretação. Se o

administrado teve reconhecido determinado direito é evidente que a sua boa-fé

deve ser respeitada. Se a Lei deve respeitar o direito adquirido, o ato jurídico

perfeito e a coisa julgada, por respeito ao princípio da segurança jurídica, não é

admissível que o administrado tenha seus direitos flutuando ao sabor de

interpretações jurídicas variáveis no tempo.

151

É um dos alicerces do Estado de Direito e é a boa-fé dos administrados ou da

proteção da confiança, que visa a estabilidade das relações jurídicas. No Direito de

Concessões, a instabilidade jurídica pode ser identificada nos seguintes casos, conforme

lição de Junqueira (2004):

A instabilidade jurídica e regulatória pode se traduzir, por exemplo, na quebra

de contratos, na captura dos reguladores por interesses que contrários aos

marcos regulatórios, demora nas decisões regulatórias e judiciais, na tentativa do

regulador se arvorar em legislador, por decisões regulatórias que não observem

os princípios básicos que regem a Administração Pública ou que revoguem atos

jurídicos perfeitos, por decisões judiciais divorciadas da realidade econômica,

legal e jurídica, por processos regulatórios em que não seja observado o pleno

exercício do direito de defesa dos envolvidos, falta de motivação das decisões

etc.

Destarte, é também no princípio da segurança jurídica que poderão encontrar

abrigo os concessionários em favor da manutenção do status quo.

6.1.4 Nota sobre as Parcerias Público-Privadas

Por estar a quase totalidade da malha ferroviária brasileira já concedida, é

importante, para o raciocínio aqui desenvolvido, caracterizar, desde já, que as parcerias

público-privadas, de que trata a Lei Federal 11.079/2004, são também modalidades de

concessão, sob as formas administrativa ou patrocinada, não devendo ser confundidas

com a privatização, que é a venda de ativos públicos ao setor privado; nem com a

concessão comum, assim entendida a concessão de serviços públicos ou de obras públicas

de que trata a Lei nº 8.987/1995, posto que esta não envolve contraprestação pecuniária

paga pelo parceiro público ao privado.

Complementando, a concessão patrocinada é uma modalidade da concessão de

serviço público, em que o aporte de recursos públicos pode chegar a 70% da remuneração

total do parceiro privado (podendo superar esse montante se houver autorização

legislativa), com o restante sendo obtido através de receitas próprias do concessionário, em

especial a tarifa cobrada do usuário. Já na concessão administrativa, toda a remuneração

fica a cargo do parceiro público.

Além disso, ao contrário dos demais contratos administrativos, em que a garantia

é sempre assumida pelo particular, na PPP são previstas pesadas garantias a cargo do poder

152

público, em benefício do parceiro privado, através de um instrumento denominado fundo

garantidor. A tudo isso soma-se a idéia de compartilhamento de riscos entre os parceiros

público e privado no caso de ocorrência de áleas extraordinárias.

Assim, a principal diferença entre a concessão patrocinada, concessão

administrativa e a concessão comum está na forma de remuneração: na concessão comum

ou tradicional, a forma básica de remuneração é a tarifa, podendo constituir-se de receitas

alternativas, complementares ou acessórias ou decorrentes de projetos associados; na

concessão patrocinada, soma-se à tarifa paga pelo usuário uma contraprestação do parceiro

público; e na concessão administrativa toda a remuneração do parceiro privado advém do

setor público.

Note-se que a concessão administrativa é de mais difícil conceituação devido à

redação ambígua do art. 2º, § 2º, da Lei 11.079, que a descreve como “a prestação de

serviços de que a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta, ainda que envolva

execução de obra ou fornecimento e instalação de bens”. Embora o dispositivo fale em

prestação de serviços (aproximando-se do contrato de empreitada), na realidade o contrato

pode também ter por objeto a execução de serviços públicos que não admitam a cobrança

de tarifa. Chega-se a essa conclusão pela redação do artigo 4º, inciso III, da Lei, que só

proíbe a delegação das funções de regulação, jurisdicional, poder de polícia e de outras

atividades exclusivas do Estado; em conseqüência, como a concessão patrocinada depende,

parcialmente, de remuneração do usuário, os serviços públicos que não comportam essa

remuneração, terão que ser objeto de concessão administrativa, que é inteiramente

remunerada pelo parceiro público.

6.2 ARRANJOS INSTITUCIONAIS SUGERIDOS

O sistema ferroviário brasileiro, para fins de análise dos aspectos legais relativos a

uma eventual segregação de sua infra-estrutura, pode ser dividido nos seguintes

agrupamentos:

• linhas existentes e já concedidas;

• contornos e variantes em linhas existentes já concedidas;

• linhas em construção e a construir, ainda não concedidas.

Nos subitens que se seguem serão sugeridos arranjos institucionais da segregação

da infra-estrutura com base nos agrupamentos antes citados.

153

6.2.1 Linhas Existentes e Concedidas

Os contratos de concessão em vigor, foram, em sua esmagadora maioria,

firmados entre a União e as operadoras privadas. As exceções importantes ficam por conta

da Ferrovia Paraná Oeste – Ferroeste, que tem com poder concedente o governo do

Paraná, e a Ferrovia Norte-Sul, que tem como concessionária uma empresa estatal: a Valec.

Esta, por seu turno, através de uma subconcessão, cedeu os direitos exploratórios à CVRD.

Por sua relevância só serão aqui tratados os primeiros.

A operação ferroviária, nos trechos concedidos, é conferida com exclusividade ao

operador ferroviário vencedor do leilão de desestatização, excetuadas as seguintes

situações:

trens de passageiros: obrigatoriedade de assegurar, a qualquer operador ferroviário, durante

a vigência do contrato, a passagem de até 2 (dois) pares de trens por dia, em trechos com

densidade de tráfego mínima de 1,5 milhões de TKU/km de linha/ano;

trens cargueiros: obrigatoriedade de garantir tráfego mútuo ou direito de passagem a outros

operadores, mediante celebração de contrato.

Saliente-se que no tráfego mútuo os vagões da ferrovia A são tracionados por

locomotivas da ferrovia B, quando em território desta, com a remuneração de B sendo em

geral feita através de partilha de frete. Já o direito de passagem (run-trough) assegura que os

trens completos da ferrovia A adentrem as linhas da ferrovia B, pagando a esta uma espécie

de pedágio (track rights).

Os contratos de concessão permitem ainda que possam ser terceirizadas

atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço concedido.

A inserção da segregação da infra-estrutura nas linhas existentes e concedidas de

maneira impositiva pelo poder concedente, ainda que plenamente justificável dos pontos de

vista técnico, financeiro e econômico ensejaria as discussões legais elencadas nos subitens

6.1.1 a 6.1.3.

As possibilidades de segregação, como dito anteriormente, se subdividem em

dois grupos: open access e third part access. Para linhas já concedidas, objetivando-se evitar

disputas jurídicas, o melhor modelo seria o third part access, onde o concessionário atual

manteria o status de operador dominante, e permitiria, a seu exclusivo juízo, o acesso de

outros operadores privados à sua malha.

154

Esse posicionamento, contudo, dificilmente ocorrerá sem que, paralelamente, o

Poder Concedente estimule essa prática. As entrevistas com gestores qualificados descritas

no Capítulo 4 dão conta de que há certo temor, dos concessionários, em que a segregação

represente uma maior ingerência do poder público em seus negócios.

Portanto, a incentivação mencionada, acrescida de garantias jurídicas adequadas,

tenderia a compensar os riscos apontados.

Nessa linha, sugere-se que os concessionários que venham a adotar a segregação

em algumas de suas linhas, no regime de third part access, tenham a oportunidade de praticar

o que poderia ser denominado de “diferimento da outorga”.

Por esse mecanismo, os concessionários poderiam investir os valores de

outorga/arrendamento devidos por um determinado período de tempo, retornando esses

pagamentos findo o período citado, acrescidos de juros e correção monetária. O valor

presente (ou futuro) do fluxo de encaixes do governo federal permaneceria inalterado.

Essa lógica vem sendo usada por muitos estados na atração de novas indústrias,

caso típico do Estado do Rio de Janeiro, onde foi implantado o Fundo de

Desenvolvimento Social - FUNDES, em que o ICMS adicional gerado por novos

empreendimentos é retido pelo investidor na fase inicial de operação e posteriormente

pago aos cofres públicos.

Os recursos da outorga diferidos seriam necessariamente aplicados em

investimentos. O governo federal, tendo em vista a unicidade do valor presente do fluxo de

pagamentos da outorga, não ganharia nem perderia nada num primeiro momento. Ocorre,

no entanto, que essa proposta contém uma série de vantagens intrínsecas, quais sejam:

● os investimentos da concessionária aumentariam seu fluxo de transportes lucros e

portanto maior recolhimento do imposto de renda;

● a entrada de novos operadores ferroviários dinamizaria a indústria ferroviária, que ainda

se ressente de um fluxo de encomendas variável (e por isso pratica preços ainda

considerados elevados), o que seria benéfico para todas as operadoras ferroviárias;

● aumento dos fluxos ferroviários e redução do custo Brasil.

Assim, fica caracterizada a primeira proposta de segregação: adoção do third part

access em linhas concedidas, em especial as que observem os critérios de seleção do Capítulo

5, com a concomitante adoção de incentivo aos concessionários através do diferimento da

outorga.

155

O arranjo institucional para esse caso é o mostrado na figura 33. Por esse arranjo,

o órgão regulador manifesta (ou recebe manifestação) de interesse na segregação da via

férrea num determinado trecho, analisa a viabilidade do projeto e, em caso positivo,

estabelece regras gerais de acesso e de diferimento da outorga. Concomitantemente, novos

entrantes e operador dominante firmam acordo de trackright.

Figura 33: Arranjo de segregação no caso de vias já concedidas

6.2.2 Contornos e Variantes em Linhas Existentes e Concedidas

A malha ferroviária brasileira, de caráter centenário em muitos casos, tem hoje

uma série de conflitos urbanos com as cidades, em especial as que se desenvolveram no

entorno da via férrea. Esses conflitos são caracterizados basicamente pela presença de

passagens em nível, sem contar com a partição física da urbe, quando a via férrea é

segregada.

Em termos de passagens em nível, tem-se catalogadas (existem muitas PNs

clandestinas) 12.400 unidades no Brasil, o que representa a impressionante cifra de uma PN

a cada 2,3 km de linha férrea.

ANTT

Concessionário

(operador dominante)

Potenciais

novos operadores

Manifestação de interesse

Solicitação de diferimento de outorga para um certo projeto

Viável? Regras de acesso e de diferimento de outorga

Avaliação do projeto

Acordo

(S)

156

Esses entraves urbanos deram origem a uma extensa lista de reivindicações das

prefeituras, no sentido de serem construídos contornos ferroviários, retirando os trilhos do

seio das cidades. Claros exemplos disso, são os projetos do Plano de Aceleração do

Crescimento, lançados pelo Governo Federal em 2007, em que se prevê a construção de

contornos em:

● Cachoeira / São Félix (BA);

● Barra Mansa (RJ);

● São Paulo (tramo norte do Ferroanel) e Araraquara (SP);

● Guarapuava (PR);

● São Francisco do Sul e Joinville (SC).

Além dos contornos, Governo Federal tenta solucionar alguns importantes

gargalos operacionais, como, por exemplo, Camaçari – Aratu (BA) e Serra do Tigre (MG),

na malha da Ferrovia Centro-Atlântica. Assim, para contornos e variantes, considerada a

problemática legal antes discutida, e nos casos onde comprovadamente seja inviável

financeiramente seu equacionamento pelo concessionário, poder-se-ia utilizar o arranjo

institucional indicado na figura 34.

Figura 34: Arranjo de segregação no caso variantes e contornos da malha concedida

DNIT

SPE

(parceiro privado)

PPP patrocinada

Contorno ou

variante

(infra-estrutura)

Construção e manutenção

ANTT

Pagamento de trackright (take or pay) ampliado Concessionário

da malha

Uso

Acordo de third part access em outro trecho julgado viável

157

Por esse modelo, seria celebrado um contrato de concessão, na modalidade de

parceria público-privada patrocinada, em que o parceiro privado construiria e faria a

manutenção do contorno ou variante, assegurando uma determinada capacidade de vazão

ao concessionário.

O concessionário, por seu turno, pagaria um direito de passagem ampliado ao

parceiro privado da PPP, cujo valor seria função de pelo menos três fatores:

● do desgaste físico que seus trens trariam à via férrea, inclusive a depreciação;

● uma parcela da redução de custos operacionais dos fluxos existentes à data da

construção do contorno ou variante, para estes desviado;

● uma parcela da rentabilidade dos novos fluxos que venham a transitar pelo contorno

ou variante.

Para o primeiro fator, o valor a ser pago pelo concessionário à SPE (sociedade de

propósito específico, exigência da Lei Federal 11.079/2004) poderia ser estipulado com

base na TKB (tonelada x quilômetro bruta, considerando tara e carga dos veículos

ferroviários) transitada, assegurado à SPE um valor ou patamar mínimo, haja ou não fluxo

(take or pay), caracterizado esse fato como elemento de atração da iniciativa privada ao

negócio, além de redutor do gasto público.

A partir do patamar mínimo de tráfego, a cobrança seria feita com base na TKB

adicional trafegada até se atingir a capacidade de vazão pactuada no contrato de PPP.

Para o segundo fator, seriam calculadas as economias resultantes da operação

ferroviária, com fluxos existentes, nas situações com e sem projeto, tais como redução de

acidentes, consumo de combustível, transit time etc., sendo 50% do resultado líquido

apurado apropriado pela SPE, como forma indireta de redução do aporte de recursos

públicos à mesma. Significaria, portanto, que o poder concedente estaria participando dos

resultados do negócio, pressuposto básico de uma PPP.

Para o terceiro fator, seriam aplicados os mesmos conceitos do segundo fator,

com o aporte de recursos públicos à SPE diminuindo à medida que os fluxos transitados

aumentem acima do valor existente à época da construção da variante ou contorno.

É preciso lembrar que aporte de recursos públicos à SPE seria feito para

compensar os investimentos do parceiro privado que não pudessem ser remunerados via

pagamento do direito de passagem ampliado pelo concessionário.

Note-se, por oportuno, que, por esse mecanismo, os aportes de recursos ao

parceiro privado (SPE) tendem a ser decrescentes no tempo, sendo tanto menores quanto

158

maior for o desempenho da concessionária, razão pela qual a escolha do contorno ou

variante deve levar em conta não só aspectos urbanísticos, mas também o potencial de

crescimento de tráfego ferroviário.

Por fim, é preciso destacar que o cálculo da capacidade de vazão do contorno ou

variante deve levar em conta as necessárias janelas de manutenção da SPE, uma vez que

nesse tipo de arranjo a qualidade da via tem um significado especialíssimo.

Destaque-se ainda o fato de no arranjo em questão constam o Departamento

Nacional de Infra-Estrutura de Transportes – DNIT, a quem cabe a implantação de novas

ferrovias, a Agência Nacional de Transportes Terrestres, cuja missão principal, nesse caso,

seria a de negociar, com o concessionário, a segregação da infra-estrutura em outro ponto

de sua malha, porém de acordo com a situação descrita no item 6.2.1.

Essa negociação tem sua razão de ser. Segundo o artigo 10 da Lei Federal

11.079/2004, a contratação de parceria público-privada será precedida de licitação na

modalidade de concorrência. Isso significa a dizer que o aporte de recursos públicos ao

parceiro privado estará vinculado, diretamente, à disputa entre os proponentes pelo

negócio; em outras palavras, será o mercado que ditará o valor a ser recebido pelo parceiro

privado.

No modelo em discussão, o mercado certamente ditará o valor dos serviços de

implantação e conservação da variante ou contorno urbano, mas o que a concessionária

pagará como direito de passagem será uma decisão unilateral. E o que o governo pagará ao

parceiro privado será exatamente a diferença entre os valores antes citados. Dessa maneira,

o aporte de recursos públicos estará vinculado não integralmente a uma decisão de

mercado, decorrente de uma licitação, mas estará atrelado, em parte, a uma decisão

arbitrária da concessionária.

É evidente que o valor a ser pago por uma concessionária, assim como o valor de

qualquer concessão, pode ser estimado com auxílio de consultoras. Mas, diferentemente de

uma licitação pura, onde o valor estimado é submetido às forças do mercado, no modelo

proposto essas forças só atuarão em parte do processo.

Dessa maneira, estaria ocorrendo algo que o autor denomina de falta licitabilidade

plena, ante a ausência das forças de mercado na definição do valor do trackright. Seria então

para compensar esse fato que o Poder Público obrigaria o concessionário a aderir ao

esquema de third part access, como forma compensatória.

159

Destarte, o Poder Público estaria abrindo mão de algo, porém em troca da

ampliação do processo de segregação, sobretudo nos segmentos de baixa densidade de

tráfego e de alta demanda rodoviária em rotas concorrentes, sob o manto do denominado

princípio da razoabilidade, que segundo Meirelles (2002) é:

... é uma diretriz de senso comum, ou mais exatamente, de bom-senso, aplicada

ao Direito. Esse bom-senso jurídico se faz necessário à medida que as exigências

formais que decorrem do princípio da legalidade tendem a reforçar mais o texto

das normas, a palavra da lei, que o seu espírito.

Enuncia-se com este princípio que a Administração, ao atuar no exercício de

discrição, terá de obedecer a critérios aceitáveis do ponto de vista racional, em

sintonia com o senso normal de pessoas equilibradas e respeitosas das

finalidades que presidiram a outorga da competência exercida.

6.2.3 Novas Linhas

Nos novos segmentos ferroviários, existe a necessidade de se distinguir aqueles

que resultem de uma ampliação de um corredor existente, como por exemplo Alto

Araguaia Rondonópolis – Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, que faz parte da

concessão da Ferronorte, dos que não tem nenhuma relação direta com a s concessões

atuais. Para os primeiros, valem os conceitos discutidos em 6.2.1, retro, enquanto que os

últimos serão a seguir tratados.

A construção de novos segmentos ferroviários dificilmente ocorre sem o aporte

de recursos públicos. Exemplos recentes disso são:

• a Ferronorte, em que a ponte rodoferroviária sobre o rio Paraná, de 3.770m, na divisa

de S. Paulo com o Mato Grosso do Sul, foi construída com recursos da União e do

Estado de São Paulo;

• a Nova Transnordestina, em que o poder público concede empréstimos a juros

subsidiados (FNDE e FINOR), além de responsabilizar-se pelas desapropriações da

faixa de domínio.

O caso do Projeto Grande Carajás é emblemático a esse respeito. Trata-se um

complexo mina – ferrovia – porto, implantado entre 1979 e 1984, nos estados do Pará e

Maranhão, destinado ao escoamento para exportação de matéria prima da província

160

mineral da Serra dos Carajás (PA). Seu custo foi da ordem de US$ 3 bilhões, distribuído

conforme a figura 35.

Fonte: ICEE (1998)

Figura 35: Divisão dos investimentos em Carajás

A amortização desses investimentos, calculada de forma bastante simplificada,

pode ser dada pela expressão:

P = [I x (1+i)n] / [(1+i)n – 1]

sendo:

p: a anuidade do empréstimo;

I: o investimento (US$ 3 bilhões);

i: a taxa de juros (estimada em 5% a.a., de acordo com Batista, 2004);

n: o período de amortização (adotado o valor de 20 anos).

Com esses valores, o valor da anuidade é de US$ 240 milhões por ano. O autor

tendo trabalhado como consultor da CVRD teve acesso à estrutura clássica de custos

daquela empresa nos anos 80/90, que era de: US$ 2 – mina, US$ 8 – ferrovia; e US$ 2

porto, para um preço FOB (Tubarão – ES) de US$ 15.

Assim, considerando-se que apenas US$ 2 estariam liberados para pagamento

dos investimentos, haveria necessidade da produção anual de 120 milhões de toneladas de

minério, apenas para o serviço da dívida. E a Estrada de Ferro de Carajás em toda sua

história jamais atingiu esse patamar de transporte (muito embora isso possa vir a ocorrer

nos próximos anos em função do consumo chinês), tendo durante muitos anos se situado

Ferrovia 56,00%

Mina 20,00%

Porto 14,00%

Outros 10,00%

161

na casa do 40 a 50 milhões de toneladas anuais. Daí se infere uma importante conclusão,

que corrobora a tese da necessidade da quase sempre necessidade de aporte de recursos

públicos a empreendimentos ferroviários de porte, a de que o pagamento da dívida de

Carajás se deu pela não concessão de dividendos ao acionista majoritário (União).

Retomando a questão das novas linhas, sempre que houver o aporte de recursos

públicos a segregação seria compulsória. Nesse caso o modelo proposto é o mostrado na

figura 36.

Figura 36: Arranjo de segregação no caso novas linhas

A proposta de segregação compulsória, através de PPP patrocinada, aduz uma

série de vantagens, quais sejam:

SPE

(parceiro privado)

PPP patrocinada

Nova ligação

ferroviária

Construção e manutenção

ANTT

Pagamento de trackright (take or pay) Operadores

(novos e atuais)

Uso

DNIT

Rodovias

concorrentes

Ações de apoio à eqüidade concorrencial

162

• viabilização de novos segmentos ferroviários num menor espaço de tempo, dado o

aporte de recursos públicos;

• implantação da concorrência intra-trilhos, com reflexos positivos no valor dos fretes;

• partilha com o parceiro privado de lucros crescentes, que poderão, inclusive, anular os

aportes de recursos públicos ao projeto;

• estimular a eqüidade na concorrência trem - caminhão.

Sobre esse último aspecto, convém frisar que, sendo parceiro do negócio

ferroviário, o governo tenderá a tratar a disputa concorrencial entre modos de modo mais

equânime. Pelo modelo apresentado, o parceiro privado do negócio ferroviário, com o

apoio do DNIT e da ANTT, implantaria sistemas de pedágio, controle de peso, controle

do estado de manutenção de veículos, jornada de trabalho etc., nas rodovias concorrentes

ao trecho ferroviário segregado, de sorte a que a eqüidade concorrencial esteja presente.

Essa, portanto, a diferença entre uma PPP convencional e uma PPP otimizada,

ora proposta, em que regras de isonomia concorrencial são estabelecidas, intra e extra-

modos.

6.3 SUGESTÕES PARA TARIFAÇÃO DE VIAS SEGREGADAS

6.3.1 Preliminares

Segundo Orrico Filho e Pereira (1997), tarifa de serviço público é um caso

particular do estabelecimento do preço, pela autoridade pública, do valor de troca de um

bem ou serviço aplicado aos produtos ou serviços que dependem de delegação específica

da autoridade para sua produção.

Fica evidente que essa definição aplica-se à cobrança de trackright, numa via

segregada, posto que é parte integrante da estrutura de prestação de serviço público, no

caso o ferroviário.

O presente item trata da tarifação da via permanente, em regime de trackright,

estando o texto que se segue subdivido em cinco partes:

aspectos conceituais da tarifação da infra-estrutura;

práticas de tarifação da infra-estrutura;

proposta para piso tarifário do trackright no Brasil;

proposta para teto tarifário do trackright no Brasil;

163

proposta para valores intermediários de trackright no Brasil.

Essa subdivisão tem como fator motivador o fato da tarifação da infra-estrutura

ser algo polêmico e complexo, que impossibilita a recomendação de critério universal,

ainda que isso estivesse embasado solidamente em conceitos matemáticos econômicos. A

proposta acadêmica, nesse caso, é a de estabelecer diretrizes básicas para o ordenamento da

tarifação da via.

6.3.2 Aspectos Conceituais

A tarifação do uso infra-estrutura deve, em primeiro lugar, levar em os gastos

com os ativos ali alocados, como mostrado na tabela 33.

Ativo Componentes Gastos de

capital*

Gastos de

manutenção

Gastos de

operação**

1. Infra-estrutura da via permanente

Cortes, aterros, obras-de-arte correntes e especiais

Construção Controle de vegetação, limpeza dos dispositivos de drenagem, reforço de estruturas etc.

n.a.

2. Superestrutura da via permanente

Trilhos e acessórios, dormentes, lastro, sublastro, aparelhos de mudança de via etc.

Construção e as grandes renovações

Correção da geometria, substituição de componentes gastos, ajustes e lubrificações de peças e equipamentos etc.

n.a.

3. Sistemas de sinalização, eletrificação e telecomunicação

Circuito de via, rede aérea, terceiro trilho, fibra ótica, equipamentos do centro de comando e controle, gps etc.

Implantação e modernizações

Correção de mau funcionamento, retensionamento de rede aérea, substituição de peças e componentes desgastados etc.

Fornecimento de energia e alocação de pessoal às áreas de planejamento operacional e de comando e controle

4. Pátios e terminais Edificações e facilidades diversas

Construção Manutenção predial e de equipamentos diversos

Vigilância e operação de facilidades, fornecimento de energia etc.

(*) Inclui depreciação. (**) Nesses gastos deve estar considerado o relativo à atividade de socorro a trens acidentados, cuja envergadura tende a ser maior do que em empresas verticalizadas, sobretudo no caso de múltiplos entrantes, que não admitirão ver seus fluxos interrompidos por problemas causados por terceiros.

Tabela 33: Ativos da infra-estrutura ferroviária e seus gastos típicos

164

A Diretiva 2001/14 da União Européia estabeleceu os seguintes princípios

básicos de tarifação da infra-estrutura ferroviária:

● as tarifas devem estar correlacionadas aos custos diretamente incorridos na oferta da

infra-estrutura ao tráfego ferroviário;

● a inclusão nas tarifas de custos relacionados à escassez de oferta em períodos de

congestionamento é permitida;

● as tarifas podem incluir a cobertura de custos ambientais, desde que algo semelhante

esteja sendo imposto aos modos competidores da ferrovia;

● mark-ups (sistema de preços que aumenta percentualmente o valor do preço final da

mercadoria ou serviço por meio de uma percentagem) ou sobretarifas baseadas em

princípios da eficiência, transparência e não-discriminação podem ser aplicadas para

recuperação de custos totais, se as condições e mercado o permitirem. Caso isso não

seja possível, as tarifas deverão cobrir apenas os custos diretamente relacionados à

passagem do trem;

● tarifas elevadas podem ser cobradas para cobertura de gastos de investimentos com

base nos custos de longo prazo, desde que incrementada a eficiência das condições da

oferta da infra-estrutura;

● para prevenir discriminação, tarifas para usos equivalentes da infra-estrutura têm que

guardar semelhança entre si;

● descontos são somente permitidos na medida em que economicidades de custos

administrativos são repassadas aos operadores ferroviários, ou para encorajar o uso de

segmentos com baixa densidade de tráfego, devendo, neste último caso, ser extensivos a

todos os usuários desse segmento.

Em resumo, a tarifação da infra-estrutura comumente adotada leva em

consideração os aspectos da tabela 33 e das diretrizes da Comunidade européia,

redundando em abrigar custos:

● operacionais relativos ao planejamento, acompanhamento e controle da operação do

tráfego ferroviário;

● de manutenção e renovação da via permanente ferroviária e dos sistemas fixos conexos

(sinalização, eletrificação e telecomunicação);

● de fornecimento de energia elétrica, algo que no Brasil está restrito ao transporte

urbano sobre trilhos e à cremalheira do segmento Santos - Jundiaí (SP), ou óleo diesel;

● de administração.

165

A esses custos podem ser adicionados os relativos ao congestionamento e à

escassez da oferta da infra-estrutura (Nash e Fowkes, 2003), este último entendido como o

custo de oportunidade do operador B, que não pode circular com seus trens, na medida em

que a janela de tráfego foi sido alocada ao operador A.

Com base nesses custos, foram desenvolvidas pelos diversos gestores da infra-

estrutura, quatro metodologias principais de tarifação, quais sejam :

• custos marginais;

• precificação de Ramsey;

• custos (médios) plenamente distribuídos (fully distributed costs – FDC);

• tarifação multiparte.

Metodologia do Custo Marginal

A metodologia do custo marginal implica em determinar como os custos de

manutenção da infra-estrutura variam com a densidade de tráfego e também podem

incorporar os efeitos do aumento da carga por eixo. Esta última situação é típica das malha

de trens de subúrbio de São Paulo, operada pela CPTM, em que o custo marginal envolve

não só a passagem de trens cargueiros adicionais da MRS, como também os efeitos do

aumento de 21,5 tf (passageiro – carro motor) para 30tf (carga – loco ou vagão) na carga

por eixo.

O custo marginal de um serviço é o custo adicional incorrido para produzir uma

unidade adicional. O custo marginal é, também, a redução de custo possível ao se produzir

uma unidade a menos do serviço. Portanto, o custo marginal representa o custo de

oportunidade para o transportador daquela produção adicional, ou seja, o valor dos

recursos adicionais empregados, se estes vierem a ser utilizados numa atividade alternativa.

O custo marginal pode envolver duas situações: a de curto prazo e a de longo

prazo. Quando se está tomando uma decisão a respeito do custo incremental de um serviço

específico, dada a capacidade existente, o custo variável de curto prazo incluirá somente os

custos adicionais de produção impostos por aquele serviço. Isso raramente implicará na

inclusão de custos fixos substanciais. Em contraste, quando se está tomando uma decisão

de longo prazo referente à recuperação ou ampliação de uma parte de sua malha, o custo

variável relevante (de longo prazo) incluirá todos os custos fixos, mesmo aqueles que

venham a se tornar irrecuperáveis ou afundados uma vez incorridos (BPL, 1997).

166

O custo marginal de longo prazo representa, portanto, o custo adicional da

passagem de um trem adicional quando do ajuste das condições da infra-estrutura para que

isso possa ocorrer. O custo marginal de longo prazo, para uma unidade extra de tráfego,

pode ser igual ao custo marginal de curto prazo se existir folga na capacidade de oferta de

infra-estrutura a um custo mínimo, em particular a de slots.

A expansão ou a adequação da infra-estrutura, esta última através de novos

sistemas de sinalização, por exemplo, que permitam acomodar mais tráfego sem acréscimo

das linhas físicas, implicará na necessidade de inclusão nas tarifas dos custos dessas

expansões ou readequações, levando ao conceito de custo marginal de longo prazo.

Precificação de Ramsey

O gestor da infra-estrutura pode diferenciar as taxas de oferta de slots segundo a

região, o horário e o cliente. Essa ótica engloba os denominados preços de Ramsey, em que

as margens sobre custos unitários em cada segmento são inversamente proporcionais à

respectiva elasticidade- preço da demanda.

Os preços de Ramsey tentam cobrir eventuais déficits financeiros derivados da

aplicação de custos marginais de curto prazo. Por essa metodologia, os custos marginais

são majorados para determinados clientes que não têm outra opção que não utilizar a

ferrovia para escoar seus produtos (clientes cativos) e minorados para aqueles que possuem

outra opção modal.

A precificação de Ramsey, contudo, não é fácil de ser implementada,

especialmente devido à ação de órgãos reguladores. Esse implementação requer

conhecimento sobre a elasticidade-preço de cada fluxo, numa grande gama de mercados.

Além disso, os clientes (entrantes) costumam relutar em revelar sua disposição em arcar

com tarifas elevadas, prevalecendo, em muitos casos, a filosofia de “tarifar aquilo que o

mercado estiver disposto a pagar”, através de negociações marcadas pelo processo de

tentativa e erro.

Os preços de Ramsey costuma ser considerados apropriados nos casos em que a

ferrovia pretende avançar no market share do serviço de transporte, em especial nos casos

onde existam clientes cativos e se deseje captar cargas ao modo rodoviário.

167

Custos Plenamente Distribuídos

Os custos plenamente distribuídos têm como ponto de partida o custo marginal

de curto prazo, com os custos eventualmente não cobertos por este último distribuídos

segundo parâmetros selecionados, tais como quilômetros de via, tonelada x quilômetro útil,

tonelada x quilômetro bruta etc.

Isso tem feito desta metodologia algo simples e fácil de implantar, pois não leva

em consideração a elasticidade-preço da demanda ou qualquer outra forma de

diferenciação da demanda em virtude do produto transportado, região ou período do dia.

Contudo, os custos plenamente distribuídos têm contra si o fato de penalizarem

clientes que permaneçam no sistema após a saída de outros, além de tornarem

excessivamente elevados os custos de entrantes, o que dificulta sobremaneira a captura de

cargas ao modo rodoviário, por exemplo.

Tarifação Multiparte

Esse tipo de tarifação, superior em valor a dos custos marginais e diferentemente

dos critérios anteriores, procura taxar cada slot com seu custo marginal e cobrir eventuais

déficits (sobretudo os derivados de investimentos na ampliação da oferta) com uma taxa

fixa, que o operador tem de pagar durante um determinado período de tempo (entrance fee).

Existe um grande número de combinações nesse tipo de tarifação, existindo a do

tipo linear (não varia com a demanda) e a do tipo não-linear (varia com a demanda).

A mais simples envolve uma taxa fixa (sem diferenciação entre operadores) e uma

taxa variável, associada ao custo marginal. Uma das dificuldades dessa metodologia reside

na determinação desse valor fixo, de modo que isso, de um lado, não influencie a demanda

dos operadores, e, de outro, não configure discriminação contra algum entrante de menor

pujança econômica que não possa arcar com esse valor.

Esse tipo de tarifação é por outro lado interessante quando se deseja alocar o

risco de capital aplicado em investimentos aos clientes, através de uma taxa fixa, o que tem

levado à sua adoção nos casos onde elevados custos fixos necessitam ser gerenciados.

168

6.3.3 Práticas de Tarifação da Infra-Estrutura

Há uma grande diversidade nas metodologias aplicadas à tarifação da infra-

estrutura, existindo grande número de casos em que os custos de manutenção e expansão

da infra-estrutura ferroviária são subsidiados.

ECMT (1998) resume os seguintes princípios básicos a serem adotados na

tarifação da infra-estrutura:

a tarifação e investimento devem estar correlacionados, especialmente onde o

congestionamento esteja presente, com os valores tarifários preferivelmente baseados

no na demanda;

os custos fixos devem ser cobertos, e quaisquer subsídios sociais que resultem em

majoração tarifária devem ser direcionados ao usuário final;

o uso de sistema tarifário multiparte representa uma ótima oportunidade de excluir os

fluxos que não podem arcar com custos fixos elevados, com a tarifa mínima

correspondendo aos custos marginais de curto prazo;

a precificação deve ser transparente, simples e lastrada num bom sistema de

informações.

Peter (2003) e Thompson (2001) evidenciam diversos modelos praticados na

Europa, mostrando que os mesmos, ainda que dentro de uma mesma metodologia, variam

grandemente, com sofisticadas abordagens econométricas presentes.

Nash et alli (2006) analisam a estrutura de tarifação da infra-estrutura na Grã-

Bretanha e concluem que sua principal deficiência reside na ausência de uma taxa que

reflita a escassez de capacidade. Destacam que uma maneira de alocar a referida escassez

aos diferentes tipos de trem seria através da identificação dos respectivos custos de

oportunidade, embora considerem isso como algo complexo.

Na tabela 34 (Nash, 2005; Nash e Matthews, 2006) são apresentados os tipo de

taxas cobrados pelo uso da infra-estrutura ferroviária, podendo ser observado o tratamento

especial que alguns gestores conferem ao uso de obras-de-arte especiais (pontes e viadutos).

É importante ressaltar que no Brasil existem vários segmentos ferroviários com

restrição de velocidade justamente no caso de pontes e viadutos muito antigos, com

componentes estruturais próximos da fadiga. A diminuição da velocidade dos veículos

ferroviários se faz necessária posto que a carga dinâmica é função desse parâmetro.

169

Taxas País

Metodologia Fixas Toneladas brutasxkm

Trensxkm Rotas ou rotasxkm

Outras

Alemanha FC– ����

Áustria MC+ ���� ����

Bélgica FDC– ����

Bulgária MC+ ����

Dinamarca MC+ ���� ���� Congestiona-mento e pontes

Finlândia MC+ ����

França MC+ ���� ���� ����

Grã-Bretanha MC+ ���� ���� Tipo de veículo

Eslovênia FC ����

Hungria FC ���� ����

Itália FC– ���� Nós de tráfego

Letônia FC ����

Holanda MC ����

Noruega MC+ ����

Portugal MC ����

Romênia FC ����

Suécia MC+ ���� Ponte Oresund

Suíça MC+ ���� ���� Nós de tráfego

Obs.: Fontes: Nash (2005); Nash e Matthews (2006).

Tabela 33: Estruturas de precificação da infra-estrutura na Europa

Com relação à tabela 33 cabem ainda as seguintes observações (Impastato e

Vivaldi, 2005):

170

• FC é o custo médio plenamente distribuído, como discutido no subitem anterior;

• MC é o custo marginal;

• o sinal (+) representa mark-up, onde a tarifação pelo custo marginal é aumentada para

reduzir ou eliminar eventuais subsídios do poder público;

• o sinal (–) significa que a tarifação é pelo custo médio, reduzida de compensação feita

pelo poder público.

Segundo Nash e Matthews (2006), a tarifação por trem x km de carga varia entre 1

a 8 euros, com a moda ao próxima a 3 euros. De vinte e três países pesquisados, Impastato

e Vivaldi (2005) informam existir recuperação total dos gastos da operação e manutenção

da infra-estrutura em apenas três (Estônia, Letônia e Lituânia). Na França, Alemanha e

Grã-Bretanha, onde o ferroviarismo é mais expressivo, o porcentual de recuperação desse

gasto se situa ao redor de 70%.

6.3.4 Proposta para Piso Tarifário no Brasil

Os atuais contratos de concessão das ferrovias de carga prevêem que o piso

tarifário, para o transporte de mercadorias, não seja inferior aos custos variáveis de longo

prazo.

Em princípio não se imagina que a tarifação da via permanente, pelo seu uso,

possa seguir curso diferente. Contudo, é preciso observar essa questão sob dois ângulos: o

do curto prazo e o do longo prazo.

Antes disso, é oportuno fazer uma analogia entre, por exemplo, a oferta de uma

indústria e a oferta de infra-estrutura ferroviária. No primeiro caso, a oferta é claramente

identificada pelo quantidade de produtos fabricados. Já no segundo caso, poder-se-ia

conceber a oferta de uma rede de slots (janelas de tempo em segmentos físicos da via

permanente), que evidentemente possuem um custo derivado de investimentos e de

atividades de operação (controle do tráfego) e de manutenção a cargo de seu operador.

Para simplicidade do raciocínio será entendida como unidade de produção, no

caso da segregação da infra-estrutura, uma janela de tempo num dado segmento da via

permanente. Além disso, em prol da simplicidade da análise, é preciso que se considere,

também, a existência de trens-tipo circulando nesse segmento. Assim, uma unidade de

produção corresponderia a uma janela de tráfego ofertada para um dado trem-tipo, duas

unidades de produção a duas janelas de tráfego ofertadas para um trem-tipo, e assim

171

sucessivamente. Tal qual uma fábrica, o número de janelas ofertadas (seria limitado às

instalações físicas disponíveis (sistemas de sinalização, pátios de cruzamento, número de

vias etc.).

O número de janelas de tráfego ou slots deverá considerar, no caso de operador

dominante (third part access), trens próprios e de entrantes. No caso de open access, apenas os

entrantes.

No curto prazo, o ponto de igualamento, isto é, o melhor ponto de produção, é

dado no ponto onde a curva do custo marginal intercepta a do custo médio, que define a

tarifa mínima e a quantidade de janelas de tráfego a serem praticadas pelo gestor da infra-

estrutura. Nesse ponto o custo médio é mínimo e é igual à tarifa, e o gestor estará apenas

igualando receitas e despesas.

Contudo, devido ao fato de que receitas e despesas estão igualadas, o gestor da

infra-estrutura poderá continuar a operar. O ponto de saída ou limite mínimo tarifário será

dado, no curto prazo, no ponto onde a curva custo variável interceptar a do custo marginal.

Para tarifas compreendidas entre o ponto de igualamento e o ponto de saída, o gestor

cobre seus custos variáveis e parte dos fixos, algo que pode perdurar por em certo espaço

de tempo, dependendo de sua saúde financeira. Contudo, abaixo para tarifas aquém da do

ponto de saída, sequer os custos variáveis são cobertos. Assim o limite tarifário mínimo (e a

correspondente oferta de slots), no curto prazo, seria aquele onde o custo variável médio de

curto prazo se iguala ao custo marginal de curto prazo.

Para o longo prazo, o porte das instalações fixas na via permanente pode variar,

podendo ser expandido com a duplicação de trechos, a construção de variantes em trechos

de rampas íngremes ou de raios de curva apertados, implantação de novos postos de

cruzamento, introdução de sistemas de sinalização mais eficazes etc. Da mesma forma,

essas instalações podem ser retraídas, com a eliminação de facilidades não mais necessárias

à acomodação dos fluxos de transporte. Com isso, os custos fixos do curto prazo

transformam-se em variáveis no longo prazo.

No longo prazo, a tarifa mínima, que permite o funcionamento do gestor da

infra-estrutura, é dada pelo ponto de igualamento, interseção da curva do custo marginal de

longo prazo com a do custo médio (só formado por custos variáveis) de longo prazo.

Diferentemente do curto prazo, quando a produção, ainda com alguma perda, pode

ocorrer porque não há outra saída, no longo prazo, a tarifação de slots tem alternativas,

como a redução dos mesmos, a readequação das instalações fixas etc.

172

Assim o limite tarifário mínimo (e a correspondente oferta de slots), no longo

prazo, seria aquele onde o custo variável médio de longo prazo se iguala ao custo marginal

de longo prazo.

A duração do acordo de trackright e o nível de investimento a cargo do gestor da

infra-estrutura, dente outros fatores, deverão determinar a adoção de regras de curto ou de

longo prazo.

Como se está tratando de piso tarifário, portanto, a proposta aqui formulada é a

de que este equivalha ao custo marginal de curto prazo. Observe-se, por oportuno, que em

caso de ociosidade e não necessidade de grandes investimentos na via férrea (uma das

premissas do presente trabalho para o sucesso da segregação da infra-estrutura) os custo

marginais de longo prazo são equivalentes aos de curto prazo.

6.3.5 Proposta para Teto Tarifário no Brasil

Os atuais contratos de concessão das ferrovias de carga estabelecem tetos

tarifários, fixados essencialmente em função dos valores praticados pela RFFSA, à época de

sua privatização, os quais periodicamente são reajustados para fazer frente à inflação do

período.

A experiência canadense, em especial a prescrita no Canadian Transportation Act,

de 1996, prevê, para um teto de receita no transporte de grãos (revenue cap). Esse teto é

calculado levando-se em conta inflação, a tonelagem transportada e a distância média de

transporte. Nem todos os movimentos de grãos do Oeste canadense são elegíveis para

aplicação do teto das receitas ferroviárias, existindo limitações em certas rotas. Mais de 50

tipos de grãos podem usufruir desse mecanismo protecionista (CTA, 2000).

Na composição do teto tarifário, objeto de cálculo pelo órgão regulador, são

computados, dentre outros, os seguintes itens:

● receitas de fretes;

● quantias recebidas pela ferrovia para assegurar suprimento de vagão na safra;

● receitas acessórias da ferrovia.

Por outro lado, são excluídos do cômputo do teto de receita no caso canadense:

• incentivos ou descontos dados pelas ferrovias aos clientes;

• penalidades ou multas impostas pelas ferrovias aos clientes;

• taxa de sobreestadia (demurrage) para vagões da ferrovia retidos pelo cliente.

173

Nos EUA, as ferrovias sofreram um agudo processo de desregulamentação

aportado pelos Railroad Revitalization and Regulatory Reform Act, de 1976, e do Stagger´s

Rail Act, de 1980, cujos princípios são bastante simples: as ferrovias podem agir como

qualquer outra empresa privada, gerenciando seus ativos da forma que melhor lhes convier

e estabelecer livremente as tarifas para seus serviços.

Nesse país, as tarifas são fixadas livremente, com a introdução do conceito de valor

do serviço, que significa que a tarifa pode ser fixada de acordo com o que o cliente esteja

disposto a pagar, não estando necessariamente lastrada no custo do serviço de transporte

propriamente dito, dentro de uma concepção semelhante à da tarifação ad valorem, em que o

frete tem por base o valor da mercadoria a transportar. Há, no entanto, uma exceção com

relação aos níveis tarifários, nos casos em que a ferrovia exerça uma dominação do mercado,

definida na legislação norte-americana como ausência de competição com outros transportadores ou

modos de transporte, para determinado deslocamento de mercadoria e correspondente nível tarifário.

Isso porque as ferrovias norte-americanas praticam a denominada da precificação de

Ramsey, situação em que os clientes são tarifados na razão inversa da elasticidade da

demanda até que uma razoável lucratividade seja obtida, isto é, há uma sobretarifa para os

clientes cativos, de sorte a compensar a inabilidade das estradas de ferro em aumentar os

fretes de clientes que facilmente possam optar pelo caminhão ou por qualquer outro tipo

de transporte alternativo. Nesse sentido, e visando a razoabilidade tarifária, o Surface

Transportation Board - STB, adotou alguns critérios para tetos tarifários. Dentre eles, e

com possível aplicabilidade ao presente estudo, despontam os seguintes (STB, 2006):

R/VC180 (revenue-to-variable cost percentage above 180)

Situação em que se mede relação entre a receita do frete e o custo variável do

transporte de um determinado fluxo, verificando se este valor supera 180%. Caso isso

ocorra, fica o cliente elegível para contestar o valor tarifário ante o STB;

174

Benchmark

Elaborado através de uma análise de cima para baixo, ou seja, da tarifa para os

fatores de produção, em que o órgão regulador verifica se o cliente da ferrovia não está

pagando tarifas diferenciadas e superiores às pagas por outros clientes em fluxos similares;

Patamar Mínimo de Rentabilidade

Calculado anualmente pelo STB para todo o setor ferroviário, cujo valor anual é

da ordem de 10%. Esse parâmetro corresponde à taxa de retorno sobre o investimento

(return on investment – ROI), relação entre a receita líquida e o ativo diminuído dos passivos

de funcionamento (fornecedores, impostos, salários, dividendos, contas a pagar, etc.), no

período de apuração.

Pelo STB, uma ferrovia é considerada como tendo receitas adequadas quando

apresenta um ROI pelo menos igual ao custo de capital da empresa, considerados capitais

próprios e de terceiros.

Stand Alone Cost Test Method - SAC

O SAC, o mais popular dos critérios citados, é uma análise de baixo para cima, isto

é, dos fatores de produção para a tarifa, onde é calculada a receita que uma nova e

hipotética ferrovia teria que obter no transporte do fluxo em discussão, ausentes, portanto,

as barreiras de entrada e de saída, que são exatamente a origem dos denominados

monopólios naturais.

Para o cálculo da tarifa virtual, essa ferrovia não só operaria sob condições ótimas

(sem ineficiências), como também não forneceria subsídios cruzados a outros fluxos. A

tarifa real não poderá, por conseguinte, ser superior à tarifa virtual obtida pelo método

SAC. Normalmente, cabe ao cliente apresentar ao STB, para análise, o projeto e os custos

operacionais da ferrovia virtual, assumindo-se a hipótese que os investimentos feitos serão

recuperados pela ferrovia durante a vida útil dos ativos necessários ao transporte do fluxo

em discussão (em geral 20 anos).

175

O uso do SAC, contudo, em face de seu elevado custo e do tempo requerido à

sua apuração, é considerado inapropriado para solução de problemas envolvendo pequenos

clientes, como também fluxos sazonais ou dispersos.

Proposta

Nas experiências européia e australiana não foram encontrados elementos

definidores de tetos tarifários.

Assumindo-se que a tarifação geral de um frete ferroviário engloba os custos da

via permanente e dos sistemas fixos a ela associados, e que seus princípios gerais podem ser

aplicáveis ao trackright, verifica-se que os critérios elencados no arcabouço regulatório

norte-americano poderiam servir de guia preliminar para o estabelecimento de um teto

tarifário para o uso da infra-estrutura ferroviária por terceiros no Brasil.

O autor não endossa a prática canadense, em que o órgão regulador arbitra tarifas,

na medida em que isso significaria uma indesejada intromissão do setor público no setor

privado. Essa arbitragem deveria ocorrer apenas nos casos de intermediação de conflito, e

mesmo assim através de órgão ou pessoa física de notório saber, escolhido de maneira

consensual entre as partes, como previsto na Lei Federal 9.307/96.

6.3.6 Sugestão para Tarifas Intermediárias no Brasil

A idéia central é a de que as tarifas para uso da infra-estrutura sejam livremente

negociadas entre entrantes e gestores, tendo em vista a dispersão de resultados e

metodologias aplicáveis ao tema. Exceção deverá ser feita ao caso de eventuais parcerias

público-privadas, onde o poder público poderá fixar, previamente à outorga de um

determinado segmento ao parceiro privado, regras ou valores para o trackright.

Essa livre negociação ocorreria dentro dos patamares mínimos e máximos

descritos nos subitens 6.3.4 e 6.3.5. Sugere-se que a resolução de um eventual impasse

tarifário deva se dar através de arbitragem, num período de 30 ou 60 dias, dependendo da

complexidade e do valor do trackright em disputa, cabendo ao órgão regulador fixar regras

para isso.

176

Sugere-se que, nos casos mais complexos, sejam usados até três árbitros, e que a

decisão final dos mesmos seja considerada como também sendo o ponto de vista do órgão

regulador.

O rito processual sugerido, para os casos em que não haja acordo prévio entre as

partes, poderia se dar essencialmente da seguinte forma:

• notificação, pelo operador gestor da infra-estrutura, de que o primeiro pretende

submeter determinada tarifa à arbitragem;

• entrega à ANTT da oferta final de pagamento de trackright, pelo operador;

• entrega à ANTT da contraproposta do gestor da infra-estrutura, no prazo máximo de

10 (dez) dias, contados do evento anterior;

• envio, pela ANTT, das duas propostas de preços ao(s) árbitro(s), num prazo máximo

de 5 (cinco) dias contados do evento anterior;

• decisão, pela arbitragem, do valor de trackright considerada adequado, que deverá, em

princípio, valer pelo período mínimo de um ano, podendo, conforme acordo prévio

entre as partes, ser retroativo a determinada data;

• divisão do pagamento das custas da arbitragem pelo operador e gestor da infra-

estrutura em partes iguais.

Sugere-se, contudo, que a livre negociação, além de obedecer aos requisitos de

piso e teto tarifário antes formulados, compreenda um sistema multiparte composto por

um valor variável e parcelas fixas.

Para as parcelas fixas, recomenda-se que estas levem em conta, além da

remuneração de investimentos necessários a eventuais expansões e melhorias, dois

problemas inerentes à malha ferroviária brasileira clássica: sinalização e eliminação de

passagens em nível; manutenção preventiva de pontes e viadutos com considerável parcela

de vida útil já consumida; e remoção de invasões da faixa de domínio por populações

lindeiras.

Essas parcelas fixas serão, inclusive, ao ver do autor, um estímulo a que

operadores dominantes venham se interessar pelo tema segregação.

As parcelas variáveis deverão estar ligadas ao custo marginal de curto prazo. Sob

esse aspecto será necessário que desgastes e outros gastos de manutenção estejam

consolidados numa mesma base referencial, através de correlações com:

177

• tonelagem (bruta ou útil) equivalente ou virtual, função do tipo de veículo circulante,

que leve em conta as cargas estáticas e dinâmicas, e também outros parâmetros, como o

comprimento da base rígida, a capacidade de inserção do truque em curva, o tipo de

suspensão (primária, secundária etc.), estado de conservação (calos em rodas etc.);

• quilometragem equivalente ou virtual, onde o comprimento real de uma via é acrescido

por meio de coeficientes que levam em consideração o número de curvas, o número de

aparelhos de mudança e transposição de vias etc.;

• momento de transporte equivalente ou virtual, produto dos dois parâmetros antes

relatados.

6.4 SUGESTÕES DE CONDICIONANTES DE ACESSO

6.4.1 Preliminares

A operação ferroviária em vias segregadas deverá, sem dúvida alguma, obedecer

a um conjunto de regras mais amplas e rigorosas que num ambiente operacional

verticalizado.

O gestor da infra-estrutura, seja ele operador o dominante ou não, terá que obter

um alto padrão de segurança naquilo que lhe compete: controle do tráfego e qualidade da

via permanente.

Já os operadores, por seu turno, terão que ter esmero no padrão de manutenção

do seu material rodante e na condução dos trens.

Afora a segurança, serão intervenientes no acesso as questões de discriminação e

financeira, já que a existência da segregação pressupõe um ambiente francamente

concorrencial.

Nos itens seguintes esse assunto será abordado de forma mais específica, com

várias sugestões para sua implementação, ressaltado o fato de que gestor e operador

deverão estar habilitados junto à ANTT, para plena execução de suas atividades.

178

6.4.2 Licença do Gestor e do Operador

Tanto o gestor da infra-estrutura (caso não seja o operador dominante) como o

operador entrante deverão demonstrar, junto à ANTT, sua habilidade em executar suas

missões, apresentando relatório que contenha, no mínimo, os seguintes indicativos de

compatibilidade com os serviços a serem prestados:

• objeto social da empresa;

• experiência prévia de membros-chave de sua equipe de trabalho;

• capital social;

• situação financeira estável.

Outros requisitos financeiros, em especial os relativos a adimplências com

obrigações trabalhistas, sociais e com o fisco federal deverão também ser considerados,

podendo-se nesse caso recorrer ao prescrito na Lei Federal 8.666 e suas alterações.

Caberá à ANTT conceder a licença para operador e gestor ferroviário (caso este

não seja, obviamente, operador dominante).

6.4.3 Certificação em Segurança Operacional

Gestor de infra-estrutura (caso não seja operador dominante) e operador

entrante deverão ser certificados, por organismo acreditado junto ao Sistema Brasileiro de

Certificação – SBC, no que respeita aos seguintes tópicos:

• gestor e operador: existência e uso de normas operacionais (regulamento geral de

operação, inspeção de via, inspeção de veículos ferroviários, inspeção de trens em

pátios etc.);

• gestor e operador: existência de treinamento em controle de emergências (transporte

de material perigoso, socorro a ocorrências ferroviárias em geral etc.)

• gestor: segurança do sistema de controle operacional (falha segura, redundância etc.);

• operador: segurança do material rodante (freios, faróis, buzina, aparelho de choque e

tração, rodas etc.).

Os certificados deverão fazer parte da documentação de habilitação de gestor e

de operador junto à ANTT. Para maiores detalhes sobre essas práticas recomenda-se

consulta ao trabalho de Castello Branco e Ferreira (2002).

179

6.4.4 Certificação de Compatibilidade

Da mesma forma que no item anterior, o organismo certificador deverá atestar os

seguintes quesitos do operador, como elemento de sua habilitação junto à ANTT:

• compatibilidade do material rodante com o segmento físico ferroviário, em termo de

bitola, gabarito dinâmico, rampa máxima, raio mínimo, tamanho máximo de

composição para inserção em postos de cruzamento etc.;

• conhecimento das equipagens de trens acerca das condições geométricas da via, dos

sistemas de sinalização física e de controle de tráfego utilizados etc.

6.4.5 Acordos Operacionais

O órgão regulador deverá também ser informado dos seguintes arranjos

operacionais firmados entre operador e gestor (estejam os mesmos delineados ou não em

eventuais editais de licitação para seleção de gestor da infra-estrutura):

• condições de acesso do operador a postos de abastecimento, pátios, terminais e

centros de manutenção de material rodante eventualmente acessáveis a parti do trecho

segregado;

• condições de acesso a “slots” (faixas de tráfego), em termos de horários, freqüências,

atrasos permissíveis, tarifas praticadas, multas e penalidades diversas.

As tarifas de acesso, especialmente nos casos de postos de abastecimento,

poderão se subdivididas em taxa de ocupação de via e litro de combustível fornecido. Essa

providência se revela importante nos casos onde não haja desacoplamento de locomotivas

e os trens em abastecimento ocupem razoáveis extensões de via.

6.4.6 Práticas Não-Discriminatórias

Será necessário que as tarifas pelo uso da infra-estrutura, assim como as

condições de acesso a slots ou faixas da grade horária, sejam estabelecidas:

• de modo não discriminatório pelo gestor da infra-estrutura (open access ou third part access);

• não configurem subsídio indireto ou cruzado aos fluxos do operador dominante(third

part access).

180

Nesse sentido, será fundamental a participação da ANTT como interveniente no

processo, para assegurar a não discricionaridade citada.

Nos casos do open access ou do third part access será importante que o acesso às

faixas da grade horária seja feito através de leilão ou instrumento licitatório análogo, sob

responsabilidade do gestor da infra-estrutura, de modo claro e transparente, com regras

claras e precisas, sob supervisão da ANTT.

As tarifas praticadas deverão ser homologadas pela ANTT, podendo as partes

recorrer (operador e gestor) em casos especiais ao sistema de arbitramento, tal como

estabelecido pela Lei Federal 9.307, de 23 de setembro de 1996.

6.4.7 Apuração e Responsabilização de Acidentes

Numa via segregada, a questão da apuração e responsabilização por acidentes,

sobretudo os de maior gravidade, é de crucial importância.

A Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT considera acidente

ferroviário grave aquele que envolve o transporte ferroviário de passageiros, de produtos

perigosos, conforme Decreto nº 98.973/90 e Resolução ANTT nº 420/04, ou acarrete uma

das seguintes conseqüências:

I - morte ou lesão corporal grave que cause incapacidade temporária ou permanente à

ocupação habitual de qualquer pessoa;

II - interrupção do tráfego ferroviário:

a) por mais de 2 (duas) horas em linhas compartilhadas com o serviço de transporte

ferroviário urbano de passageiros;

b) por mais de 6 (seis) horas no serviço de transporte ferroviário de passageiros de longo

percurso ou turístico;

c) por mais de 24 (vinte e quatro) horas em linhas exclusivas para o transporte de cargas;

III - prejuízo igual ou superior a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais);

IV - dano ambiental; e

V - outros danos de impacto à população atingida.

A apuração dos acidentes em empresas verticalizadas é normalmente feita pelas

mesmas.

181

Nos EUA, os acidentes de maior gravidade são apurados também pela Federal

Railway Administration e os casos que resultem em morte ou grandes perdas materiais

contam também com a participação do National Transportation Safety Board.

Na Grã-Bretanha, os acidentes mais importantes são objeto de investigação por

parte do Her Majesty Railway Inspectorate – HMRI, subordinado ao órgão regulador

(Office of Rail Regulation – ORR). São objeto de imediata informação ocorrências

semelhantes às solicitadas pela ANTT, acrescidas de outras peculiaridades (HMRI, 2008).

Num cenário de segregação da infra-estrutura no Brasil, um modelo para apuração

de acidentes precisaria considerar, de um lado, a questão institucional, e, de outro, a

questão operacional.

Do ponto de vista institucional, verifica-se que a o órgão regulador necessitaria

constituir um corpo de especialistas em investigação de acidentes ferroviários, o que não

seria tarefa fácil, diante do grau de especialização requerido aos profissionais desse corpo.

Também o DNIT carece de profissionais ferroviários com esse perfil. Dessa forma, o

instituto da arbitragem, previsto pela Lei Federal 9.307/96, seria o mais adequado à

apuração das responsabilidades da ocorrência ferroviária, sempre que não houvesse acordo

entre o gestor da infra-estrutura e o operador.

Além da apuração da responsabilidade, seria necessário estabelecer os encargos

financeiros do responsável, seja pela reparação de instalações fixas, seja pelo atraso causado

ao tráfego ferroviário de outros operadores.

O destacado no parágrafo precedente será vital para a viabilidade do processo de

segregação. A hipótese de um operador vir a ser responsabilizado pelos encargos

financeiros mencionados anteriormente é extremamente desestimulante, tendo em vista,

inclusive, os elevados prêmios para cobertura de seguros que certamente iriam viger no

cenário de segregação.

O modelo proposto neste trabalho acadêmico, para apuração e responsabilização

de acidentes é o mostrado nas figuras 37 e 38.

182

Figura 37: Arranjo para apuração de acidentes

183

Figura 38: Arranjo para responsabilização por acidentes

No modelo proposto para apuração e responsabilização de acidentes existiriam as

seguintes figuras:

Comissão Mista de Apuração de Acidentes: formada por igual número de

representantes do gestor da infra-estrutura e do(s) operador(es) envolvido(s) na

ocorrência;

184

Árbitro (para apuração de acidentes): sorteado, na presença das partes, a partir de

uma lista que contenha todos os árbitros listados nos contratos de operação

firmados entre o gesto e cada operador, e pago por aquele que for considerado

responsável;

Árbitro (para fixação dos montantes a serem pagos pelo indenizante): escolhido por

votação do Comitê Gestor de Acidentes, através de maioria simples, a partir de

uma lista tríplice apresentada pelo órgão regulador (ANTT), e pago pelo

indenizante;

Comitê Gestor de Acidentes: formado um representante de cada um dos seguintes

órgão e entidades: concessionárias ferroviárias, operadores ferroviários

independentes, usuários das ferrovias, e presidido por representante do órgão

regulador.

Fundo de Resseguro: a ser criado com recursos da outorga das concessões

ferroviárias, existentes e futuras, gerido pelo Comitê Gestor de Acidentes,

destinado a prover cobertura para ocorrências danosas de grandes proporções,

provenientes da acumulação de sinistros conseqüentes de um mesmo evento ou de

uma série de eventos com o mesmo nexo causal.

Sobre o Fundo antes citado, este seria um elemento de extraordinário estímulo às

vias segregadas, atuando como uma espécie de resseguro para as seguradoras da exploração

ferroviária, ajustando com as mesmas um limite de perdas, denominado Limite de

Catástrofe, a partir do qual seriam recuperados os prejuízos excedentes.

Essa recuperação seria feita através de recursos não-reembolsáveis

disponibilizados pelo Fundo, para os casos de casos de força maior, situações imprevisíveis e

geralmente resultantes de convulsões da natureza, como inundações, avalanches etc.

Já para os casos fortuitos, situação que decorre de fato alheio à vontade da parte,

mas proveniente de fatos humanos, o Fundo poderia prover recursos reembolsáveis ao

responsável pelo acidente, nos montantes que excedessem certo limite de perdas, desde que

o responsável pelo acidente demonstre, junto ao Comitê Gestor de Acidentes, ter tido

comportamento exemplar em termos de ações destinadas à prevenção de acidentes.

185

7 CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

7.1 CONCLUSÕES

Este trabalho acadêmico teve como ponto de partida a busca de soluções para a

baixa eficiência existente em parte da malha ferroviária brasileira, de transporte de carga,

tipificada, dentre outros fatores, por:

• ausência de oferta de transporte ferroviário para significativo leque de produtos e rotas;

• abandono ou desativação de cerca de 30% da rede ferroviária nacional.

Destacou-se o fato de que muitos fatores colaboraram para que o problema

citado, dentre eles: a excessiva concentração dos fluxos ferroviários em uma pequena gama

de granéis; a necessidade de rápido encaixe financeiro por parte das concessionárias, para

fazer frente ao pagamento de outorgas e aos financiamentos para recuperação de suas

malhas e equipamentos de transporte, bastante deteriorados do ponto de vista físico, no

período pré-concessão; a orientação geográfica (interior - litoral) e a pluralidade de bitolas,

que inibe a intramodalidade e o aumento das distância média de transporte.

Pôde ser mostrado, portanto, que o sistema ferroviário brasileiro, embora

revigorado pelo processo de reestruturação via privatização, tem como problemas básicos a

concentração de fluxos em poucas commodities e rotas, acarretando a significativa

inexistência de oferta de transporte mais barato para produtos que não o minério de ferro e

soja, e a conseqüente subtilização ou abandono de vários segmentos da malha.

Como uma das possibilidades de atenuação da problemática antes citada, estudou-

se a segregação da infra-estrutura ferroviária, através da seguinte metodologia de trabalho:

• retrospectiva do processo de declínio da ferrovia ante os modos de transporte

competidores;

• revisão das principais medidas reestruturadoras adotadas mundialmente para reversão

ou minoração do declínio antes citado, em especial o unbundling;

• elaboração de pesquisa de opinião sobre o unbundling;

• entrevistas qualificadas sobre a adequação dessa medida reestruturadora com

autoridades, especialistas e clientes da área de transporte de carga, em especial o

ferroviário;

• estudo e simulação de caso de segmento ferroviário com livre acesso;

186

• modelagem do setor ferroviário para segregação da infra-estrutura.

Através de uma ampla revisão bibliográfica, mostrou-se que as ferrovias de carga

de todo o mundo vêm experimentando um contínuo processo de declínio, com o

desaparecimento de uma extensão de mais de 600.000 km, numa redução de 30% desde o

pico de 1917.

Nos Estados Unidos e Canadá, onde proporcionalmente ocorreu o maior recuo

da extensão das linhas ferroviárias, o processo de perda de carga sobretudo para o

caminhão foi em parte revertido pelas mega fusões nos EUA e aquisições de ferrovias

norte-americanas pelas canadenses. Um outro importante fenômeno institucional ocorreu

nesses dois países: a criação de ferrovias curtas (shortlines) e de ferrovias regionais (regional

lines), que alimentam e são alimentadas pelas operadoras de maior porte.

Na Europa Ocidental, os processos de reestruturação das ferrovias, objetivando

dar-lhes maior eficiência e competitividade, teve como linha-mestra o unbundling ou

segregação da infra-estrutura, situação na qual a operação nesse modo de transporte tende

a assemelhar à de uma rodovia, com vários operadores servindo-se de uma mesma via

permanente. Inicialmente posta em prática na Suécia na década de 80 (Século XX), a

segregação foi amplamente adotada na Grã-Bretanha alguns anos depois, e tornada

compulsória para todos os membros da União Européia. Os resultados europeus mostram

que essa medida reestruturadora ainda enfrenta forte oposição das ferrovias estatais,

verticalizadas, sendo que seu avanço mais expressivo na Alemanha, dentre os países que

compulsoriamente foram obrigados a implementá-la.

Na Ásia e Oceania, a privatização da ferrovia estatal japonesa foi a maneira

encontrada para o desenvolvimento ferroviário, enquanto que Austrália e Nova Zelândia

foram mais além, combinando privatização e segregação da infra-estrutura.

Na América do Sul, as duas maiores economias, Brasil e Argentina, privatizaram

suas malhas, adotando o critério da regionalização e mantendo a verticalização. Em ambos

os casos, foram verificados importantes resultados operacionais e financeiros positivos,

comparativamente ao período pré-concessional.

Dessa maneira, a partir desse panorama ferroviário mundial, procurou-se estudar

a possibilidade de se implantar no Brasil a segregação da infra-estrutura ferroviária,

objetivando-se:

• melhorar a eficiência do sistema ferroviário nacional, com claros resultados positivos na

redução do denominado “custo Brasil”;

187

• promover a competição intramodal, eliminando, ainda que parcialmente, “o peso

morto dos monopólios” e oferecendo aos clientes cativos alternativas de transporte;

• dinamizar a indústria ferroviária nacional, tanto no aspecto de produção de bens, como

no de prestar serviços de modernização, reabilitação e manutenção de bens e

equipamentos;

• fortalecer focos de negócio, com os gestores da infra-estrutura especializando-se cada

vez mais nos processos de manutenção da via e do controle de tráfego, e os operadores

ferroviários procurando conhecer e atender plenamente as demandas de seus clientes;

• atrair novos investidores privados para o negócio ferroviário.

A viabilidade da segregação da infra-estrutura ferroviária no Brasil foi analisada

através dos seguintes elementos:

● fundamentos econômicos gerais e específicos;

● pesquisa elaborada pelo autor em parceria com o periódico Revista Ferroviária

(pesquisa ampla);

● entrevistas feitas pelo autor com autoridades e personalidades de notório saber do

meio ferroviário (pesquisa restrita); e

● estudo de caso.

No que respeita aos fundamentos econômicos gerais, demonstrou-se que a

manutenção do monopólio de ferrovias verticalizadas sobre algumas mercadorias e rotas é

indesejável para a sociedade, tendo em vista a existência do “peso morto do monopólio”,

em que parte do excedente do consumidor é apropriado pelo excedente do produtor.

No que tange aos fundamentos econômicos específicos, evidenciou-se a presença

do unbundling em diversos setores da infra-estrutura que atuam sob a forma de rede, tais

como os setores de telecomunicações, energia, saneamento e aeroportuário.

A pesquisa ampla, com aplicação de questionário via internet, no sítio da Revista

Ferroviária, obteve a marca de 850 respondentes, com sua quase totalidade (90%)

aprovando a segregação. Obviamente, esses resultados devem ser vistos com cautela, tendo

em vista não só a tipologia dos respondentes, com também a inexistência de rigor na

apuração das respostas.

Um balanço final das entrevistas com público-alvo qualificado, envolvendo cerca

de duas dezenas de pessoas e a técnica SWOT (strenghts, weaknesses, opportunities and treats),

mostraram que os pontos positivos (fortes) da segregação superaram amplamente os

pontos negativos (fracos), o que sem dúvida mostra a potencialidade da segregação da

188

infra-estrutura. As ameaças são equivalentes às oportunidades, demonstrando certo

equilíbrio em as duas posições.

Olhadas, portanto, no conjunto, as entrevistas tendem a considerar

favoravelmente a possibilidade segregação da infra-estrutura, muito embora considerem

isso como tarefa não trivial.

Como elementos de consenso da segregação da infra-estrutura aparecem a

intermodalidade e o estímulo às parcerias público-privadas na solução de problemas

operacionais, sobretudo aqueles onde a participação de poder público seja financeiramente

ou politicamente indispensável.

Pontos fortes e fracos, oportunidades e ameaças, em seus aspectos mais

abrangentes e consensuais, foram levados em consideração quando da elaboração dos

modelos de implementação da segregação da infra-estrutura ferroviária.

Como complemento aos argumentos pró-segregação, foi elaborado um detalhado

estudo de caso, envolvendo o Corredor Campo Grande (MT) – Santos (SP).

Esse segmento foi escolhido após o estabelecimento de critérios de elegibilidade,

que se acredita ser uma contribuição inédita deste trabalho acadêmico à discussão da

segregação da infra-estrutura ferroviária, quais sejam:

• baixa densidade de tráfego;

• boa capacidade de vazão;

• longa distância de transporte;

• fluxo rodoviário concorrente expressivo capaz de ser captado;

• trecho com unicidade de gestão.

No segmento em pauta simulou-se uma operação ferroviária em via segregada, e

verificou-se que, numa primeira aproximação, o projeto de segregação da infra-estrutura

obteve taxas internas de retorno financeiro atraentes quando comparadas a alternativas de

investimento. De maneira análoga, a avaliação econômica do projeto mostrou taxa interna

de retorno econômico bastante robusta, mostrando, assim, sua viabilidade tanto do ponto

de vista privado (financeiro), como do ponto de vista da sociedade (econômico).

Observe-se, por oportuno, que este Corredor é possuidor de uma grande potencial,

quando da exploração em larga escala das jazidas de minério de ferro da região de Corumbá

(MS), o que torna ainda mais interessante a questão da segregação, pois neste caso as

mineradoras (MMX e Vale) poderiam possuir e conduzir trens dedicados.

189

O estudo de caso ratificou, portanto, as observações do Capítulo 4, no sentido da

viabilidade da implantação da segregação da infra-estrutura ferroviária no Brasil.

Como consolidação do trabalho acadêmico, foi feito um exaustivo esforço para

elaborar um novo modelo de exploração ferroviária, evocando aspectos jurídicos e

operacionais, contendo propostas para segregação em:

• linhas existentes e concedidas, envolvendo a modalidade de segregação conhecida

como third part access;

• contornos ferroviários e variantes do traçado geométrico em linhas existentes e

concedidas, contemplando o third part access e a parceria público-privada patrocinada (tal

com definida na Lei Federal 11079/2004);

• novas linhas, abrangendo, dentre outros elementos a parceria público-privada

patrocinada e a modalidade de segregação conhecida como open access.

Em adição foram estabelecidas diretrizes básicas para tarifação de vias segregadas,

com estabelecimento de critérios para piso tarifário, teto tarifário e situações intermediárias.

Complementarmente, formam estabelecidos condicionantes legais e operacionais

de acesso, envolvendo tópicos como:

● licença do gestor e do operador;

● certificação em segurança operacional;

● certificação de compatibilidade;

● acordos operacionais;

● práticas não-discriminatórias;

● acidentes – marcha de apuração;

● acidentes – marcha de responsabilização.

7.2 RECOMENDAÇÕES

O aprimoramento do setor ferroviário brasileiro, ao ver do presidente da

Associação Nacional dos Transportadores Ferrroviários – ANTF (Fontana, 2008), implica

em suplantar dez fatores que considera críticos, a saber: a) eliminação de gargalos

operacionais (trechos ferroviários com excessivas rampas ou com ocupação da faixa de

domínio por habitações subnormais); b) expansão da malha; c) fornecedores

(desenvolvimento da indústria nacional e desoneração das importações); d) fomento à

intermodalidade; e) necessidade de formação acelerada de recursos humanos; f) revisão da

190

regulamentação (contratos de concessão e aparato regulatório); g) solução dos passivos

ambientais, trabalhistas e cíveis da extinta Rede Ferroviária Federal S.A. - RFFSA; h)

segurança (em especial no que respeita às passagens em nível); i) tecnologia

(desenvolvimento de pesquisas e normalização técnica); e j) tributação (vinculação da

CIDE às suas origens e redução da taxa de juros de financiamentos).

Já para o governo federal (Valor Econômico, 2008), existe uma preocupação com

o custo dos fretes ferroviários e foi desenhado um plano para aumentar a competição no

setor. Não se pensa tomar nenhuma medida de impacto no curto prazo, mas acelerar os

estudos para a concessão de 4.100 quilômetros de trilhos em bitola larga que devem acirrar

a concorrência entre as operadoras de ferrovias. Consideram ainda as autoridades de

transporte federais que o setor ferroviário de carga é dominado por três empresas - ALL,

Vale e CSN - cujas malhas não competem entre si. Por isso, avaliam que os valores do

frete ferroviário acabam tomando como referência os preços cobrados pelos

transportadores rodoviários - bem mais altos. Como não há concorrência, o governo

acredita que as concessionárias cobram preços acima do que poderiam, apenas um pouco

mais baixos do que aqueles cobrados para o transporte rodoviário.

Tem-se então que a problemática brasileira no setor ferroviário de cargas, afora

questões menores envolvendo tributação, solução de passivos, formação de mão-de-obra

etc., envolve essencialmente a aplicação de recursos públicos para expansão da malha ou

solução de gargalos da infra-estrutura, sem que se questione a eficiência com que o atual

sistema ferroviário nacional opera.

É exatamente no sentido inverso ao do simples incremento dos investimento

públicos no setor que se insere o presente trabalho acadêmico, ao propor a segregação da

infra-estrutura ferroviária, de maneira seletiva e casuística, ao sistema ferroviário nacional,

tendo como elemento motor o aumento de sua eficiência alocativa.

Não se trata aqui de contestar a necessidade de mais recursos públicos para o

setor, mas sim de propor que isso seja feito concomitantemente com o aumento da

eficiência da malha existente, onde, à luz da argumentação aqui apresentada, a segregação

da infra-estrutura sem dúvida poderá ter lugar de destaque.

191

7.3 SUGESTÕES PARA TRABALHOS FUTUROS

Como sugestão de ordem geral, sugere-se que o estudo de possibilidades da

operação ferroviária em vias segregadas seja abordado pelo Plano Nacional de Logística e

Transportes, recentemente elaborado pelo governo federal, que se encontra ainda em

numa versão preliminar. Como esse documento se reveste de plano diretor, seria a

oportunidade do debate da segregação vir a ser aprofundado.

Como sugestão de caráter específico, sugere-se o desenvolvimento de teses e

dissertações tratando da complexa questão que é a tarifação de infra-estruturas. Resultados

desses trabalhos acadêmicos seriam particularmente úteis na revisão qüinqüenal de

rodovias pedagiadas e nas discussões sobre trackright, estas últimas no âmbito ferrovia –

ferrovia, em que o órgão regulador seja instado a atuar.

192

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