a rev russa de 1917 e seus desdobramentos no Âmbito da psicologia histórico-cultural

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    A REVOLUO RUSSA DE 1917 E SEUS DESDOBRAMENTOS

    NO MBITO DA PSICOLOGIA HISTRICO-CULTURAL1

    Nigara Vieira Soares Cunha2Marcel Lima Cunha3

    Jos Pereira de Sousa Sobrinho4Betnia Moraes5

    O correr da vida embrulha tudo.A vida assim: esquenta e esfria,

    aperta e da afrouxa,

    sossega e depois desinquieta.O que ela quer da gente coragem.

    Joo Guimares Rosa.

    Resumo

    O presente artigo toma como objetivo central o estudo dos fundamentoshistricos da constituio da Psicologia Histrico-Cultural, com base nos quais,defende-se a tese de indissociabilidade entre as formulaes tericas

    conquistadas no mbito da psicologia de base marxista, o cho histrico daRevoluo Russa de 1917, assim como a estrutura metodolgica formulada porMarx, qual seja, o mtodo histrico-dialtico.

    Palavras-Chave: Revoluo Russa de 1917. Cincia Psicolgica. PsicologiaHistrico-Cultural.

    1Trabalho apresentado na VII Semana de Humanidades da UFC e UECE, realizada em maiode 2010. Trata-se de uma pesquisa surgida no contexto dos estudos realizados no Grupo deEstudos: Psicologia Histrico-Cultural e Educao: uma leitura na perspectiva marxiana-lukacsiana, desenvolvido no Instituto de Estudos e Pesquisas do Movimento Operrio

    IMO/UECE, sob a orientao e coordenao da Prof. Dr. Ruth Maria de Paula Gonalves eda Prof. Dr. Betnia Moreira de Moraes.2 Mestranda do Curso de Mestrado Acadmico em Educao da Universidade Estadual do

    Cear CMAE/UECE. Pesquisadora-Colaboradora do Instituto de Estudos e Pesquisas doMovimento Operrio IMO/UECE. E-mail: [email protected] Mestrando do Curso de Mestrado Acadmico em Educao da Universidade Estadual doCear CMAE/UECE. Pesquisador-Colaborador do Instituto de Estudos e Pesquisas doMovimento Operrio IMO/UECE. Professor da rede bsica de ensino de Fortaleza. E-mail:[email protected] em Educao Brasileira da Universidade Federal do Cear UFC. Pesquisador-Colaborador do Instituto de Estudos e Pesquisas do Movimento Operrio IMO/UECE.E-mail:[email protected] em Educao pela Universidade Federal do Cear - UFC. Professora dos Cursos de

    Pedagogia, Psicologia e Mestrado Acadmico em Educao (CMAE) da Universidade Estadualdo Cear UECE. Pesquisadora-Orientadora do Instituto de Estudos e Pesquisas doMovimento Operrio IMO/UECE. E-mail: [email protected].

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    LA REVOLUCIN RUSA DE 1917 Y SUS DESDOBLAMIENTOS EN ELMBITO DE LA PSICOLOGA HISTRICO-CULTURAL

    Resumen

    El artculo toma como objetivo central el estudio de los fundamentos histricosde la constitucin de la Psicologa Histrico-Cultural, en el que se defiende latesis de la inseparabilidad entre las formulaciones tericas realizadas en elmarco de la psicologia de base marxista, el suelo histrico de la RevolucinRusa de 1917, as como, la estructura metodolgica formulada por Marx, asaber, el mtodo dialctico y histrico.

    Palabras Clave: Revolucin Rusa de 1917. Ciencia Psicolgica. Psicologa

    Histrico-Cultural.

    Introduo

    A Revoluo Russa de 1917 configurou-se como possibilidade de

    constituio de uma nova sociedade. Como decorrncia desse fato, no campo

    da psicologia sovitica, surgiu a necessidade do desenvolvimento de uma nova

    psicologia elencada sobre uma nova concepo de homem, a qual se vinculava

    nova ordem social. Nessa perspectiva, debruaram-se tericos da

    envergadura de Vigotski, Leontiev e Luria, dentre outros que realizaram uma

    guerrilha intelectual contra as concepes tradicionais reinantes no mbito da

    psicologia. Portanto, percebemos a importncia de abordar as profundas

    transformaes conduzidas no plano da produo intelectual-prtica no campo

    da psicologia sovitica a partir daquela revoluo.

    Para o desenvolvimento do nosso objeto de investigao cientfica,

    tomamos como objetivo central, analisar os fundamentos histricos de

    constituio da Psicologia Histrico-Cultural, partindo de uma pesquisa terico-

    bilbiogrfica, que adota a obra La psicologa sovitica tal como yo la veo, de

    Marta Shuare (1990), como eixo de anlise.

    Diante dessa problemtica, ser feita uma contextualizao histrica da

    revoluo russa. Depois abordaremos a necessidade do mtodo dialtico na

    psicologia histrico-cultural e, por fim, faremos uma reflexo analtica acerca da

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    Revoluo de Outubro e a Psicologia Sovitica em seu movimento de

    constituio naquele perodo histrico.

    A Revoluo Russa de 1917: uma breve contextual izao histr ica

    A Revoluo de Outubro de 1917 culminou com a tomada do poder pelo

    proletariado em meio ao contexto da crise gerada pela I Guerra Mundial

    (COSTA, 2010).

    Todavia, esse processo ocorreu com vrias mediaes que se deram no

    movimento que transcorreu desde a Revoluo de 1905. Naquele momento,devido ao desastroso desempenho da Rssia na guerra contra o Japo (1904-

    1905), a populao ainda acreditando no Czar como seu representante

    marchou pacificamente no intuito de alertar o monarca acerca da misria qual

    a populao estava submetida para financiar a guerra. Essa passeata teve

    tambm o objetivo de entregar uma petio assinada pelos trabalhadores,

    reivindicando direitos ao povo, como reforma agrria, tolerncia religiosa, fim

    da censura e presena de representantes do povo no governo (TROTSKI,2007).

    A manifestao foi recepcionada pelas armas do exrcito do Czar no

    episdio que ficou conhecido como Domingo Sangrento. Aps esse

    acontecimento, os operrios e a tripulao do navio de guerra Couraado

    Potemkin revoltaram-se e organizaram uma greve geral contra o Czar, que

    recuou aderindo essncia das reivindicaes da burguesia entre elas

    podemos citar a criao da Duma6e a existncia de partidos polticos. Aps as

    citadas concesses, a burguesia, de imediato, passou para o lado do Czar,

    abandonando os operrios de Moscou que continuaram lutando sozinhos at

    serem esmagados durante as lutas de 7 a 17 de outubro. nesse nterim que

    se oficializaram as tendncias polticas dos bolcheviques e dos mencheviques7

    6 Assemblia Nacional da Rssia criada pelo Czar Nicolau II.7 O termo bolchevique, em russo, significa "majoritrio". Designou-se assim o grupo doPartido Operrio Social Democrata Russo (POSDR), liderado por Lnin, a partir do segundo

    Congresso do POSDR, em 1903. A outra frao era conhecida como a dos mencheviques,palavra que significa "minoritrio", cujos membros se opuseram a Lnin e aosbolcheviques. Pouco depois da chegada ao poder pelos Bolcheviques atravs da Revoluo

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    no interior do Partido Operrio Social Democrata Russo, as quais j existiam

    desde 1903.

    No incio do movimento de 1905, surgiu o Soviete (Conselho) de So

    Petersburgo, mas suas atividades foram duramente reprimidas pelo governo.

    Em meio greve geral, o soviete foi reativado e passou a ser conhecido como

    Soviete Representante de Operrios. No entanto, a criao da Duma, antes de

    representar uma vitria do movimento operrio, como era esperado, significou

    uma derrota, na medida em que esta instituio legislativa era controlada pela

    aristocracia russa que vigiava sistematicamente os partidos.

    A derrota da revoluo de 1905 deu origem a uma situao reacionria

    que durou de 1906 a 1912. J em 1912, as greves operrias foram retomadasna Rssia czarista. Todavia, foi em 1917 que as lies acumuladas pela

    vanguarda operria diante da experincia de 1905 demonstraram a sua fora.

    Quando, ainda em fevereiro, surgiu a primeira insurreio, em que os

    operrios, juntamente com a pequena burguesia, derrubaram o Czar. A partir

    de ento, ressurgiram os sovietes, agora, compostos de deputados operrios,

    soldados e camponeses. Ao mesmo tempo, toma posse o governo provisrio

    liderado pelos liberais cadets presididos pelo prncipe Lvov tendo Kerenskicomo ministro da guerra. Contudo, no comeo de maio, como nos conta Serge

    (2007), formou-se um ministrio de coalizo composto por representantes dos

    burgueses liberais, por cadets, por socialistas revolucionrios8 e

    mencheviques, ministrio esse que passou a ser presidido pelo prprio

    Kerenski.

    Assim, Trotski (2007) classificou como intelligentsia9pequeno-burguesa

    (mdicos, engenheiros, advogados, jornalistas e profissionais liberais, os quais

    no tiveram nenhum papel proeminente antes da guerra), esse grupo que se

    colocou como condutor da revoluo de fevereiro, deixando os bolcheviques

    Russa de 1917, eles mudaram o seu nome para o Partido Comunista de Toda a Rssia(Bolcheviques). Em 1918, passaram a ser conhecidos apenas como Partido Comunista daUnio Sovitica - PCUS. No entanto, aps 1952, esse partido removeria formalmente a palavraBolchevique do seu nome.8 Trotski (2007) chama assim a democracia pequeno-burguesa, que representava o PartidoSocialista Revolucionrio. Este foi fundado em 1900 e chegou a ser a principal expressopoltica de todas as correntes populistas que existiam na Rssia. Foi tambm o partido que

    mais conquistou influncia entre os camponeses antes da revoluo.9 Classe dos intelectuais na Rssia czarista no sculo XIX, especialmente sua vanguarda

    poltica: por extenso, nome dado vanguarda intelectual ou artstica de qualquer pas.

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    como secundrios desse processo, negando que foram estes ltimos que

    formularam as reivindicaes sociais dos trabalhadores e dos camponeses

    com total clareza e resoluo para o processo revolucionrio de fevereiro de

    1917.

    A democracia pequeno-burguesa, mesmo se considerando socialista,

    debaixo de seu orgulho de revolucionria, mal dissimulava o seu respeito pela

    poltica e pelos mtodos da burguesia liberal, alm da nsia por uma aliana e

    uma coalizo com essa burguesia. A carapua ideal para essa camada

    dirigente era o programa do Partido Socialista Revolucionrio que, por sua

    impotncia intelectual e poltica, encontrou sua justificativa terica na doutrina

    menchevique (TROTSKI, 2007).A posio menchevique expressava o carter etapista de suas

    formulaes ao descrever o processo revolucionrio em curso como uma

    revoluo de carter burgus, a qual levava-a necessariamente concluso de

    que a vitria das foras progressistas no poderia efetivar-se sem a

    participao da burguesia. Desse mote surgiu o bloco natural dos socialistas

    revolucionrios com os mencheviques, como expresso da intelligentsia

    pequeno-burguesa descrita por Trotski.Assim, foi concluda a Revoluo de Fevereiro, que foi capaz de superar

    o sistema czarista, ficando registrada na historiografia sovitica como uma

    revoluo burguesa que precedeu a Revoluo Operria de Outubro

    (BARROCO, 2007).

    Entretanto, o perodo decorrido entre os dois processos revolucionrios

    foi marcado por intensas disputas polticas, nas quais os bolcheviques

    ocuparam-se da tarefa de acumular foras, enquanto movimento poltico,

    diante de uma crise revolucionria que deixava claro que no havia chegado ao

    seu fim. A ttica encontrada para o fortalecimento do movimento revolucionrio

    estava na consolidao dos sovietes, dentre os quais destacamos, o soviete de

    Petrogrado, ento capital da Rssia, que era liderado por Trotski.

    A tarefa assumida pelos bolcheviques apresentou seu resultado aps

    alguns meses, em outubro, quando as massas populares iam em grande

    nmero para as suas reunies, reconhecendo naquele espao o instrumento

    de deciso coletiva das definies polticas de toda a capital. Os embates no

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    interior do soviete de Petrogrado eram realizados pelos representantes das

    diversas correntes polticas existentes no interior da Rssia revolucionria, com

    destaque para os membros do partido bolchevique, os delegados do congresso

    dos sovietes, os representantes do front, os socialistas revolucionrios de

    esquerda e os anarquistas (TROTSKI, 2007).

    O ms de outubro na Rssia entraria para a histria como o Outubro

    Vermelho. Esta denominao comeou a ser escrita nas pginas da histria j

    no dia 22 daquele ms, quando dezenas de milhares de homens ocuparam a

    Casa do Povo numa atmosfera repleta de tenso, onde se amontoavam nos

    corredores e nas salas superlotadas, pronunciando palavras de ordem como

    Abaixo ao governo de Kerenski!, Abaixo a guerra!, Todo poder aossovietes! (TROTSKI, 2007, p. 75).

    No dia seguinte, Trotski dirigiu-se Fortaleza Pedro Paulo, que sediava

    a base central militar de Petrogrado, enquanto o Comit Revolucionrio

    distribua comissrios em todas as estaes de trem para acompanhar o

    movimento das tropas, pois todos os sovietes dos arredores de Petrogrado

    foram convidados a garantir que nenhuma tropa contrarrevolucionria entrasse

    na capital. Com essa medida, estava em curso o processo revolucionrio deoutubro.

    Apesar de algumas sabotagens, como a que aconteceu no dia 24 de

    outubro, quando a central de comunicao teria sido ocupada por aspirantes-a-

    oficial com consentimento das telefonistas pois os funcionrios e tcnicos do

    governo provisrio temiam o fim de uma vida confortvel na derrocada desse

    governo a continuidade do processo revolucionrio que estava em curso no

    foi impedida. Uma ao do Comit Militar Revolucionrio enviou um

    destacamento para o local, retomou a central, pondo fim a qualquer tentativa

    de barrar a revoluo operria. (TROTSKI, 2007).

    Na madrugada de passagem do dia 24 para o dia 25 de outubro, houve

    grande agitao. Em algumas cidades o governo apelara para a artilharia. Os

    bolcheviques deram ordem para que montassem postos militares de confiana

    e enviassem agitadores ao encontro das tropas convocadas pelo governo. No

    Palcio de Inverno os aspirantes-a-oficial, os oficiais e as tropas de choque do

    regimento de mulheres reuniram-se ao redor de Kerenski (TROTSKI, 2007).

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    Pouco a pouco, o Palcio de Inverno foi cercado pelas tropas

    bolcheviques e uma hora da tarde, Trotski anunciou na sesso do soviete de

    Petrogrado, em nome do Comit Revolucionrio, que o governo de Kerenski j

    deixara de existir e que s esperavam a deciso do Congresso dos Sovietes de

    toda a Rssia de passar todo o poder aos sovietes (TROTSKI, 2007).

    noite daquele mesmo dia, foi realizado o congresso que h muito

    estava sendo preparado pelos sovietes, em especial sob o comando dos

    bolcheviques atravs do qual, mediante as discusses, todos esperavam com

    ansiedade as notcias do que estava acontecendo na praa do Palcio de

    Inverno. Logo chegou a informao que o palcio tinha sido tomado, Kerenski

    estava foragido e os outros ministros estavam presos na Fortaleza Pedro Paulo(TROTSKI, 2007).

    Cerca de dez por cento do congresso mencheviques e socialistas

    revolucionrios de direita deram as costas e saram de l em sinal de

    protesto, deixando toda a responsabilidade da revoluo aos bolcheviques. J

    os grupos mais revolucionrios do Partido Socialista Revolucionrio inclinaram-

    se para o proletariado e para o partido destes e se posicionaram do lado dos

    sovietes. Assim se constituiu todo poder aos sovietes!Esse processo iniciado em 1917 necessariamente implicou em

    profundas comoes no plano da conscincia social. Isso deve ser

    reconhecido, qualquer que seja a posio poltica adotada acerca desse

    movimento. A exemplo, podemos citar os movimentos transformadores na

    poesia, no teatro, no cinema, na pintura, etc. (SHUARE, 1990).

    No diferente, o reflexo cientfico da realidade, em particular as cincias

    humanas, tambm entrou nesse processo. Assim, o breve relato do processo

    revolucionrio de Outubro faz-se diante da necessidade de localizarmos

    historicamente a produo de Vigotski e de suas teorias no campo da

    psicologia histrico-cultural em um processo histrico especfico. Portanto, a

    localizao espao-temporal deste autor no apenas uma simples referncia,

    mas trata-se de pea fundamental para a compreenso de sua obra, j que o

    esprito da Revoluo de Outubro tambm adquire forma nos escritos da

    psicologia sovitica de base marxista.

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    No entanto, essa forma revolucionria da psicologia sovitica no se faz

    pronta ao final dos processos de outubro, nem em sua forma puramente

    intelectual. Pelo contrrio, o seu processo de produo resultado de intensas

    pesquisas e estudos coletivos, os quais no poderiam existir sem um sistema

    metodolgico que os guiasse. Portanto, antes de nos determos minimamente

    ao seu processo de produo, nos ocuparemos em analisar o mtodo do

    materialismo histrico-dialtico como uma ferramenta fundamental para a

    construo da psicologia histrico-cultural.

    A Psicologia His trico-Cul tural e o mtodo dialt ico: a necessidadehistrica da negao do real

    J vimos que a necessidade de localizar Vigotski e sua produo no

    plano histrico-espacial no termina com a contextualizao da Revoluo

    Russa realizada no tpico anterior. Nossa tarefa apenas estar completa

    quando efetivarmos uma anlise sobre os fundamentos metodolgicos que

    guiaram a produo terica do citado autor no campo das cinciaspsicolgicas.

    Para tanto, devemos nos deter sobre a anlise do mtodo dialtico que

    tanto guiou as anlises da realidade formuladas no mbito do Partido Operrio

    Social-Democrata Russo em especial, a frao dos bolcheviques em sua

    ao revolucionaria que o levou tomada do poder, assim como a produo

    terica em vrios campos cientficos aps a revoluo de outubro.

    Todavia, especialmente, a inferncia do mtodo materialista histrico-

    dialtico adquiriu destaque no mbito da organizao do movimento operrio

    quando observamos a anlise de Lnin (1988, p. 19), no que se refere luta

    socialista: Engels reconhece na grande luta da social-democracia no apenas

    duas formas (poltica e econmica) como se faz entre ns mas trs,

    colocando a luta terica no mesmo plano.

    O carter de interdependncia entre as diversas esferas da luta

    socialista expressa a precisa aplicao do mtodo dialtico enquanto

    instrumento para entender e agir sobre a realidade. O acerto dessas reflexes

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    est confirmado pelos eventos de outubro, nos quais o movimento

    revolucionrio impe uma transformao radical do modelo de organizao da

    vida no seio da Rssia feudal, evento esse que nos remete ao entendimento de

    que uma profunda transformao material da sociedade sempre carrega em si

    uma consequente transformao das relaes sociais e das conscincias

    individuais. Essa premissa est expressa na histria dos diversos movimentos

    revolucionrios que antecederam a Revoluo Russa, e o mrito da anlise

    marxiana est em apreender essa lio da realidade, conforme percebemos

    nas prprias palavras de Marx:

    A transformao da base econmica altera, mais ou menosrapidamente toda a imensa superestrutura. Ao considerar taisalteraes necessrio sempre distinguir entre a alterao material que se pode comprovar de maneira cientificamente rigorosa dascondies econmicas de produo e as formas jurdicas, polticas,religiosas, artsticas ou filosficas, em resumo, as formas ideolgicaspelas quais os homens tomam a conscincia deste conflito, levando-os suas ultimas conseqncias (MARX, 1983, p. 25).

    A partir da reflexo de Marx, daquilo que ele chama de formas

    ideolgicas, desenha-se uma convergncia com a afirmao anterior de

    Engels, citado por Lnin quando este se refere luta terica. Desta

    convergncia, comea a ganhar forma diante de nossa anlise a tarefa

    histrica posta em prtica por Vigotski e aqueles que, ao seu lado,

    empreenderam o esforo de produzir os preceitos tericos da chamada

    psicologia histrico-cultural.

    A citada produo trata-se exatamente de dar continuidade aos conflitos

    ideolgicos que se desenvolviam no mbito da Rssia revolucionria. Esses

    conflitos objetivaram-se em mbito mais geral no seio da sociedade, ou seja,em suas transformaes estruturais e, decorrentemente, em suas formas

    especficas de expresso, em sua superestrutura, qual seja educao, arte,

    cultura, cincia.

    Sobre as formas especficas de transformao superestrutural, podemos

    apontar a luta terica no campo das cincias em geral, que tinha como principal

    tarefa desenvolver a partir da base cientfica do mtodo materialista histrico-

    dialtico uma srie de novas formulaes. Estas, ao mesmo tempo em queimprimiam forma luta de classes, impulsionavam o processo de transio que

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    se efetivava na exata construo deste novo modelo social de organizao da

    vida.

    Portanto, as produes no campo da luta terica da psicologia no

    estavam dissociadas das demais lutas sociais que se desenhavam na Rssia

    ps-revoluo, que visavam consolidao de uma nova ordem econmica e

    poltica. Esta luta terica estava diretamente vinculada necessidade de

    desenvolver uma nova concepo de cincia da psicologia. De acordo com

    Shuare (1990, p. 26 traduo nossa), os primeiros anos da psicologia

    sovitica a histria das tentativas por dar psicologia o status de uma cincia

    verdadeira, cujos princpios metodolgicos deviam derivar-se naturalmente dos

    postulados do materialismo dialtico e histrico.Ademais, para alm de entendermos as tarefas objetivas e subjetivas

    com as quais a psicologia histrico-cultural se confrontava, precisamos

    entender sobre quais condies objetivas essas lutas foram realizadas.

    Novamente a histria dos processos revolucionrios ensina-nos que esses

    contextos especficos so marcados por uma intensa instabilidade na vida

    social. Marx (1983, p. 206) apresenta-nos este fato da seguinte forma:

    Quando as condies sociais correspondentes a um estgiodeterminado da produo esto ainda em vias de formao ouquando, pelo contrrio, esto j em vias de desaparecer, produzem-se naturalmente perturbaes na produo, ainda que de grau eefeito variveis.

    A anlise marxiana nos oferece elementos para entendermos as

    condies objetivas sobre as quais se efetivou o conflito terico no campo da

    psicologia sovitica, j que, na Rssia revolucionria, encontramos um

    contexto onde a sociedade anterior, capitalista, ainda se encontrava em via dedesaparecer ao mesmo momento em que se ansiava pela formao objetiva de

    uma nova sociedade, a saber, o modelo socialista de sociedade10.

    Essa reflexo nos apresenta a base objetiva das produes tericas da

    psicologia sovitica. Todavia, resta-nos acrescentar que a realidade nunca

    esttica e, portanto, a anlise da mesma no pode ser efetivada sobre

    10

    Essas questes so complementadas quando refletimos sobre a situao especfica daRssia ainda de carter econmico feudal, dizimada por duas guerras, uma imperialista e outracivil.

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    categorias estanques, mas o que queremos sublinhar que o carter

    especfico de um perodo revolucionrio nos impe a necessidade de entender

    a realidade estudada como marcada pelo movimento da realidade repleto de

    instabilidade, o que significa dizer que o movimento da realidade social

    marcado por transformaes ainda mais rpidas e intensas. Essa instabilidade

    est marcada pelas tarefas impostas aos socialistas russos aps a Revoluo

    de Outubro, quando estes deveriam intervir em uma realidade essencialmente

    transitria, com a exata funo de ofertar continuidade a esse processo, no

    qual no s o modelo de propriedade deveria ser radicalmente transformado,

    mas tambm toda forma de organizao da vida nas esferas da educao, da

    sade, da cultura, e, em especial, o modelo de organizao da produo.A compreenso dessa singularidade da ento Rssia socialista j

    expressa o mtodo dialtico em ao, visto que o mesmo toma sempre o real,

    o concreto como o ponto de partida. Diante dessa perspectiva metodolgica,

    tomamos o nosso primeiro contato com a realidade, que nos oferece uma

    [...] viso catica do todo, e atravs de uma determinao maisprecisa, atravs de uma anlise, chegaramos a conceitos cada vez

    mais simples; do concreto figurado passaramos a abstraes cadavez mais delicadas at atingirmos as determinaes mais simples.(MARX, 1983, p. 218).

    O processo de anlise, portanto, parte sempre da concretude material,

    da realidade concreta, e o concreto concreto por ser a sntese de mltiplas

    determinaes, logo, unidade da diversidade (MARX, 1983, p. 218). A

    continuidade do processo de anlise est expressa ao se chegar s

    determinaes mais simples, o que s pode ser feito ao isolar, no campo do

    ideal, os diversos fenmenos sociais e analisar, de forma singular, os diversos

    determinantes suas relaes de unidade na diversidade, onde esses diversos

    determinantes agem sobre o mesmo complexo. Assim sendo, o movimento da

    realidade oferece contedo e forma ao complexo, a coisa em si, o que significa

    dizer que os diversos determinantes encontram a sua unidade na substncia

    do complexo, no contedo interno da coisa. A investigao desse complexo ,

    portanto, um exerccio de abstrao, mas uma abstrao que parte sempre da

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    realidade concreta de onde se inicia a observao, uma abstrao do real, e

    no pura abstrao. por isso que o concreto

    [...] para o pensamento um processo de sntese, um resultado, e noum ponto de partida, apesar de ser o verdadeiro ponto de partida eportanto igualmente o ponto de partida da observao imediata e darepresentao. O primeiro passo reduziu a plenitude darepresentao a uma determinao abstrata; pelo segundo, asdeterminaes abstratas conduzem reproduo do concreto pelavia do pensamento. (MARX, 1983, p. 219).

    Portanto, a abstrao do real, das determinaes mais simples,

    efetivada enquanto uma sntese na qual os complexos so expostos em sua

    materialidade histrica, onde seu contedo interno decifrado. Esse processo

    se d no campo do ideal, no qual efetivada uma representao do real, um

    reflexo do real. No movimento de anlise, o complexo isolado no campo do

    pensamento para que a sua unidade na diversidade possa ser apreendida e

    exposta, em suas mltiplas determinaes. Nesse sentido, cada determinao

    representa uma unidade diversa, e o contedo total da coisa apenas pode ser

    exposto ao ser desmembrado da coisa. Esse exerccio refere-se a uma

    determinao abstrata.

    Contudo, no se trata de oferecer, atravs da atividade do ideal, um

    suposto contedo coisa, mas, apenas, de apreender o contedo que j lhe

    pertence, compreender o seu movimento efetivo, o que significa apreender o

    real, compreender o seu contedo que sempre histrico e social. Portanto, o

    mtodo dialtico que inicia na observao do real tem sua continuidade ao

    elevar-se do abstrato ao concreto, que para o pensamento precisamente a

    maneira de se apropriar do concreto, de reproduzi-lo como concreto espiritual.

    Mas este no de modo nenhum o processo da gnese do prprio concreto

    (MARX, 1983, p. 219).

    O concreto espiritual agora o resultado do processo de anlise,

    produto do movimento da anlise dialtica, que se inicia na observao de um

    todo catico, desenvolve-se para a apreenso de determinaes simples

    isoladas, e finalmente, retorna realidade, ao conceber o movimento do real e

    reconstru-lo enquanto um espelhamento, onde a compreenso do movimento

    e das mediaes das diversas determinaes simples permite-nos decifrar a

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    totalidade concreta como uma rica totalidade de determinaes e de relaes

    numerosas (MARX, 1983, p. 218).

    A exposio do mtodo de anlise estar completa quando

    compreendermos que, em sua essncia, est expressa uma doutrina bsica, a

    qual Marx exps como a dcima primeira Tese de Feuerbach, onde nega os

    mtodos filosficos existentes enquanto mtodos essencialmente idealistas

    para, em seguida, afirmar o mtodo materialista histrico-dialtico como uma

    filosofia da prxis. Assim ele escreve: os filsofos apenas interpretam o mundo

    de diferentes maneiras; o que importa transform-lo (MARX e ENGELS,

    2007, p. 539).

    Portanto, o mtodo dialtico surge no como a simples pretenso decompreender o real, mas trata-se de compreend-lo justamente para

    transform-lo, o que confirma que nosso mtodo de anlise no se resume a

    um processo puramente idealista, j que a referida transformao do real no

    se d no campo das ideias, mas trata-se exatamente de impor s ideias uma

    fora material ao coloc-las em movimento. Essa premissa confirmada

    quando observamos que o objeto real conserva, durante o processo de anlise,

    a sua independncia fora do esprito; e isso durante o tempo em que o espritotiver uma atividade meramente especulativa, meramente terica (MARX, 1983,

    p. 219). Marx, com essas palavras, denuncia que o retorno realidade apenas

    est completo quando, da anlise do real, do concreto espiritual ou da

    atividade especulativa, o ser social parte para a interveno na realidade com

    o objetivo de transform-la.

    Alm disso, a aplicao do mtodo sempre um processo teleolgico

    em que as causalidades postas, os nexos causais e as mediaes de segunda

    ordem so analisados com o propsito de realizao de uma determinada

    finalidade. Essa finalidade a transformao do real, que possui como

    mediao as lutas polticas, econmicas e tericas que do resultado como

    afirmou Marx nas alteraes materiais e ideolgicas de um contexto histrico

    especfico.

    A Revoluo de Outubro e a psicolog ia sovitica: a revoluo no in ter ior

    da revoluo

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    A exposio do mtodo dialtico nos fornece elementos para

    compreendermos a origem do desenvolvimento das teorias no campo da

    psicologia histrico-cultural, ao qual Vigotski aparece como um dos seus

    maiores expoentes. Por outro lado, a prpria aplicao do mtodo oferece os

    demais elementos necessrios para a anlise do objeto deste trabalho.

    Coerente ao mtodo que ensina que se deve entender a realidade sempre

    partindo da realidade concreta, iniciamos nossa anlise compreendendo a

    realidade concreta da revoluo russa, a partir da qual podemos entend-la

    como uma realidade essencialmente transitria.

    Desta afirmao, podemos compreender que as tarefas assumidas emtorno da produo terica no campo da psicologia histrico-cultural so um

    movimento ttico que se submete estratgia final, ou seja, finalidade de

    construo do projeto histrico socialista. Portanto, podemos afirmar que a

    produo da psicologia sovitica marxista , na verdade, parte da luta social

    travada na Rssia revolucionria, a luta terica que est em direta

    interdependncia com a luta econmica e poltica no interior deste modelo

    social.Como j anunciado, a efetivao dessa luta mais geral do processo

    transitrio tem suas repercusses nos embates mais especficos no seio da

    sociedade sovitica, sejam estes no campo da educao, do processo de

    produo material da vida, no campo da sade em si, etc. Um conjunto de

    tarefas prticas estava colocado diante de toda a sociedade nascente.

    Contudo, no se tratava de uma tarefa puramente prtica de reconstruir tudo o

    que havia sido destrudo pelas duas guerras e pelo processo revolucionrio em

    si.

    Tratava-se, outrossim, de reconstruir a sociedade sobre um novo

    alicerce intelectual e cultural, portanto, de atender a um conjunto de tarefas

    prticas, mas que apenas poderiam ser efetivadas com a devida adaptao

    das cincias a essas tarefas. Essa adequao, por sua vez, apenas seria

    efetivada com a reconstruo das cincias em seus diversos campos, que,

    para atenderem aos interesses essencialmente sociais desta nova sociedade,

    deveriam ser erigidas sobre as bases do mtodo materialista histrico-dialtico.

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    O desenvolvimento da psicologia histrico-cultural, portanto, estava

    diretamente determinado pelas transformaes realizadas na sociedade como

    um todo. Como bem expressa A. Smirnov citado por Shuare (1990, p. 25

    traduo nossa), o seu desenvolvimento no estava dissociado das condies

    histricas, pois

    [...] a cincia psicolgica da jovem Rssia sovitica deu seusprimeiros passos na investigao de questes prticas que aconstruo de uma vida nova levantada ante ela. As possibilidadesque se abriram ante a psicologia j neste perodo, no plano dautilizao de suas realizaes com a finalidade de resolver tarefasprticas, testemunhavam a necessidade de seu amplodesenvolvimento adicional.

    As transformaes efetivadas no campo das cincias psicolgicas esto

    expressas no prprio elemento desencadeador de seu desenvolvimento, qual

    seja, as tarefas prticas citadas por Smirnov: a tarefa de construo de um

    novo homem e de uma nova sociedade. este movimento, segundo Shuare

    (1990), que oferta um novo carter psicologia ao tirar-lhe dos marcos

    acadmicos tradicionais, desvincul-la das falsas concepes de neutralidade

    e de suas constantes investigaes em laboratrios, impondo-a a tarefa de darrespostas s necessidades reais da sociedade, o que j expressa a prpria

    aplicabilidade do mtodo dialtico, quando este impe psicologia a ao de

    interveno direta nos problemas prticos da sociedade.

    Contudo, as respostas prticas a essas tarefas apenas poderiam ser

    efetivadas com o consequente desenvolvimento da psicologia em seus

    diversos campos de anlise, associada ao mtodo dialtico. Shuare (1990, p.

    26 traduo nossa) afirma que essa luta terica no interior da psicologia

    efetivou-se diante da

    [] reflexo terica sobre a natureza do psquico, a investigao daessncia da psique humana, o problema do objeto da psicologia e deseus mtodos. Eis aqui o terreno no qual desenvolveu-se uma tenazluta de ideias e com base nas quais a psicologia sovitica fez suarevoluo.

    A realidade expressa na anlise de Shuare (1990) demonstra que o

    desenvolvimento da psicologia sovitica apenas se deu diante uma intensa luta

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    que nada mais foi do que uma expresso da luta de classes luta essa que

    adquire formas extremas no interior de um processo revolucionrio. Esse fato

    deixa-nos claro que a luta pela transformao ideolgica e material da

    sociedade no terminou com a Revoluo de Outubro, mas esta apenas o

    seu incio, e a continuidade de seu processo transitrio estava na dependncia

    direta da conquista de diversas revolues no interior da revoluo que

    deveriam transformar radicalmente a vida social em seus diversos espaos de

    organizao.

    No entanto, essa luta terica no campo da psicologia assim como o

    processo revolucionrio de outubro que tinha as suas diversas correntes

    polticas realizava-se atravs do embate das diversas correntes filosficas etericas no interior da psicologia. Shuare (1990) oferta-nos em sua obra um

    resumo de trs vertentes no campo da psicologia que se expressavam nos

    primeiros anos da revoluo russa:

    1) a defesa da psicologia tradicional (Subjetivista, Empirista), emespecial, em sua linha experimental, que tinha um desenvolvimentoconsidervel no pas; 2) a Prolongao da tradio cientfico-naturalda fisiologia, que tinha alcanado no com poucos xitos no estudodo crebro e do sistema nervoso em geral e que pretendia converter-

    se em modelo para a psicologia e, inclusive, substituir; 3) astentativas de criar novas concepes sobre a base do marxismo. Deuma maneira tambm esquemtica assinalamos algumas dasprincipais conseqncias que caracterizam esta primeira etapa: a) aapario de um novo objeto de estudo da psicologia, ocomportamento, mas entendido de maneira diferente que nocomportamentalismo norte-americano; b) a pretenso de reduzir opsiquismo, a manifestao subjetiva dos processos nervosos e, emgeral, distintas interpretaes materialistas reducionistas; c)diferentes propostas nas que se pretende incorporar postulados domarxismo psicologia. (SHUARE, 1990, p. 27 traduo nossa).

    Da disputa expressa entre essas diversas correntes, onde se delineiauma guerrilha intelectual no seio da Revoluo Russa, interessa-nos destacar

    as disputas em torno da apropriao do mtodo marxista e sua incorporao

    como meio de produo de uma nova concepo da psicologia. Contudo, o

    processo de incorporao do mtodo expresso na filosofia marxiana propaga

    uma apropriao equivocada do mtodo dialtico, pois o processo de produo

    terica desconhecia as diferentes especificidades entre filosofia e cincia.

    Portanto, est claro que os embates tericos no campo da Revoluo Russaforam alm das disputas com as correntes empiristas ou fisiolgicas. Mas esta

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    luta deu-se, tambm, entre marxistas filiados s diversas correntes, os quais

    buscavam apropriar-se do mtodo dialtico em suas pesquisas cientficas.

    Entretanto, como nos relata Shuare (1990), quando essas tentativas se

    reduzem a uma aplicao automtica do mtodo, pautada na simples repetio

    dos postulados filosficos esquecendo-se que a filosofia no pode ser

    automaticamente aplicada na pesquisa cientfica. O resultado, por isso, tem

    sido impreterivelmente marcado por um intenso ecletismo, por posies

    reducionistas ou pela repetio dogmtica de certos princpios que perderam

    assim o seu valor.

    A compreenso das lutas ideolgicas no interior das cincias da

    psicologia em nosso processo de exposio faz-se como a prpria exposiodo processo de constituio da psicologia sovitica, j que a revoluo

    realizada no interior da psicologia produto dessa luta ideolgica em torno da

    prpria apropriao do marxismo e suas repercusses no campo da produo

    da psicologia socialista. Esta revoluo como nos ensina Shuare (1990)

    no pode ser compreendida como fruto de uma iluminao coletiva

    instantnea, mas referida conquista apenas pode ser entendida no movimento

    contraditrio da realidade e de suas lutas cotidianas, o que nos permite afirmarque essa revoluo fruto

    [...] de um spero (s vezes, implacvel e injusto) e prolongadoenfrentamento de concepes, interpretaes, esquemas, cujosextremos (mecanicismo-dialtica; idealismo-materialismo), atuandocomo plos magnticos, atraram aos cientistas da poca, fazendo-lhes perder, por momentos, a bssola orientadora, porm, afinal decontas, levou-os a encontrar a base a partir da qual formular asproposies fundamentais para a criao de uma nova psicologia.(SHUARE, 1990, p. 26 traduo nossa).

    O entendimento que o desenvolvimento da psicologia histrico-cultural

    somente pode ser compreendida no movimento contraditrio da realidade

    coloca-nos diante de mais um elemento do mtodo materialista histrico-

    dialtico, o qual advoga que, nas mltiplas determinaes do concreto, est

    expressa a unidade na contradio. Sobre essa questo recorremos

    novamente a Shuare (1990, p. 18 traduo nossa) quando esta afirma que a

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    [...] a fonte do desenvolvimento do objeto (no apenas quantitativa,mas qualitativa) a unidade e luta dos contrrios. O desenvolvimentoem forma de saltos, a interrupo da continuidade, a passagem daquantidade para a qualidade se revelam atravs do conceito demovimento interno, converso, formao; a fonte do desenvolvimento

    deve buscar dentro do prprio objeto.

    Portanto, a prpria psicologia histrico-cultural produto do movimento

    de negao das vertentes tradicionais ou biolgicas do campo das cincias da

    psicologia, movimento esse que tem sua continuidade no processo de negao

    da negao, expresso no embate com as vertentes dogmticas ou

    incorporaes mecanicistas do mtodo dialtico no seio das produes no

    campo da psicologia. Todo esse movimento resultado e resultante da prpria

    luta de classes, na qual a expresso maior do processo de negao do

    existente est exposta no movimento revolucionrio de outubro.

    Consideraes finais

    O processo do qual resulta a psicologia histrico-cultural, sntese de

    mltiplas determinaes, ele prprio um dos determinantes para a

    constituio das teorias da psicologia sovitica, assim como essa teoria em

    movimento execuo de tarefas prticas determina o real.

    Devemos apontar, ainda, que o fato de afirmarmos a psicologia histrico-

    cultural como produto, sntese, deste movimento de luta terica, no deve ser

    confundido com a ideia de que o nosso objeto de anlise um produto

    acabado e finalizado. No mtodo dialtico, os objetos de estudo nunca esto

    prontos e acabados, porque justamente a realidade no esttica, ou estanunca chega ao momento em que ela mesma se encontre pronta e acabada.

    Portanto, no podemos tomar nenhum dos elementos que a compem como

    acabados, pois a sociedade e o ser social, enquanto entes histricos, nunca

    sero seres acabados.

    Portanto, especialmente sobre a psicologia histrico-cultural, podemos

    concluir que ela surgiu com um propsito poltico bem definido: fazer avanar o

    processo de transio para a sociedade comunista e a construo do homemsocialista. Por diversos elementos da realidade, esse objetivo no pode ser

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    alcanado. Tal fato no cancela a premissa de que o processo de negao da

    negao das diversas snteses constitudas na realidade modela o movimento

    de transio ao novo, de modo que a teoria vlida at o momento em que

    esta possa dar respostas prticas para a realidade. Como a realidade

    transitria e se altera, a teoria deve reanalis-la e produzir novas formulaes.

    Compreendemos que o processo revolucionrio de outubro no atingiu o

    seu pice almejado. Portanto, dessa afirmao, podemos deduzir que a prpria

    teoria histrico-cultural ainda est longe de atingir o seu pice, enquanto uma

    teoria que d respostas prticas para a constituio de uma sociedade

    comunista. De acordo com o mtodo histrico-dialtico, necessrio refletir

    sobre suas contribuies, avanos extraordinrios e limites de suasformulaes e experincia histrica no processo de organizao das lutas

    polticas, econmicas e tericas, as quais possuem sempre a finalidade de dar

    vida novamente ao processo de transio para uma sociedade para alm do

    capital.

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