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Rio de Janeiro 2018 Maj MB EMERSON RODRIGUES DA SILVA Os Cem anos da Revolução Russa (1917- 2017) e os reflexos para o Brasil. ESCOLA DE COMANDO E ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO ESCOLA MARECHAL CASTELLO BRANCO

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Rio de Janeiro

2018

Maj MB EMERSON RODRIGUES DA SILVA

Os Cem anos da Revolução Russa (1917- 2017) e os reflexos para o Brasil.

ESCOLA DE COMANDO E ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO

ESCOLA MARECHAL CASTELLO BRANCO

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Os Cem anos da Revolução Russa (1917- 2017) e os

reflexos para o Brasil.

Orientador: TC Marcelo Peçanha da Graça

Rio de Janeiro 2018

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, como requisito parcial para a obtenção do título de Especialista em Ciências Militares.

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S586c Silva, Emerson Rodrigues da

Os Cem anos da Revolução Russa e os reflexos para o Brasil. / Emerson Rodrigues da Silva. 一2018.

88 f.: il. ; 30 cm.

Orientação: Marcelo Peçanha da Graça. Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização em Ciências

Militares) 一 Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, Rio de Janeiro, 2018.

Bibliografia: f. 85-88.

1. REVOLUÇÃO RUSSA; CEM ANOS; REFLEXOS PARA O

BRASIL. I. Título. CDD 947.084

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Maj MB EMERSON RODRIGUES DA SILVA

Os Cem anos da Revolução Russa (1917- 2017) e os reflexos para o Brasil.

Aprovado em 23 de novembro de 2018.

COMISSÃO AVALIADORA

___________________________________________________ MARCELO PEÇANHA DA GRAÇA – Ten Cel Int – Presidente

Escola de Comando e Estado-Maior do Exército

______________________________________________________ SIDNEY MARINHO LIMA – Ten Cel MB – Membro

Escola de Comando e Estado-Maior do Exército

___________________________________________________ LUIZ EDUARDO SANTOS CERÁVOLO – Maj Inf – Membro

Escola de Comando e Estado-Maior do Exército

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, como requisito parcial para a obtenção do título de Especialista em Ciências Militares.

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À minha esposa, minhas filhas e meus pais, fontes de inspiração e exemplo.

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AGRADECIMENTOS

À Deus, pelo dom da vida, felicidade, tranquilidade e saúde. À Renata, esposa e companheira, pelo apoio, incentivo, carinho e compreensão em todos os momentos, sendo fundamental no sucesso da conclusão deste trabalho. As minhas filhas, Nathália e Gabriela, pelos momentos alegres que a expressão de suas ideias autênticas provocam, aliviando as tensões do dia a dia. Aos meus pais, pela minha educação e formação, me mostrando a importância da dedicação, do trabalho e da disciplina, como fontes prementes do sucesso pessoal. Ao Exército Brasileiro, instituição da qual tenho orgulho de pertencer. Ao meu orientador, pela orientação segura que possibilitou a exposição das ideias no papel. Aos amigos que, direta ou indiretamente, contribuíram para a realização deste traba-lho.

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“Você nunca sabe que resultados virão da sua ação. Mas se você não fizer nada, não existirão resultados.” (Mahatma Gandhi)

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RESUMO

A narração da Revolução Russa é composta por forte viés ideológico e de interesses

políticos, que se desenvolveram no período entreguerras, bem como no calor da

Guerra Fria. A dissolução da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, em 1991,

impulsionou mudanças nas perspectivas teóricas do socialismo e delineou novos

contextos políticos que provocaram novos desdobramentos no cenário internacional.

O processo revolucionário de 1917 na Rússia é considerado por historiadores como

referência para o movimento revolucionário mundial, influenciando sobremaneira o

diálogo sobre a participação dos movimentos dos trabalhadores nos diferentes

espaços geográficos, como também trazendo fortes influências sobre as reuniões da

Internacional Comunista (IC), que a partir de então, pode ser considerada como uns

dos mais marcantes acontecimentos que compôs a história do século XX. O seu cen-

tenário tem incentivado inúmeras pesquisas sobre o assunto e provocado intensas

discursões nos círculos acadêmicos, nas instituições de esquerda, e na sociedade em

geral. O propósito deste trabalho é mostrar as principais correntes de pensamentos

que impulsionaram a Revolução Russa e a grande influência e impactos que as ideias

socialistas provocaram no mundo contemporâneo. Ademais, buscou-se descrever a

Revolução Russa e suas conquistas, sua crise, e o seu legado geopolítico no cenário

internacional, tendo como proposta elucidar de que maneira a revolução impactou o

Brasil, desde a sua ocorrência até os dias atuais. O texto aponta as origens Marxistas

da revolução e os desdobramentos do socialismo no mundo ao longo de cem anos,

com o cuidado de destacar indícios e legados desta no cenário brasileiro durante os

séculos XX e XXI.

Palavras-chave: socialistas; marxistas; Revolução Russa.

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RESEÑA

La narración de la Revolución Rusa se compone de fuerte sesgo ideológico y de

intereses políticos, que se desarrollaron en el período entreguerras, así como en el

calor de la Guerra Fría. La disolución de la Unión de las Repúblicas Socialistas

Soviéticas en 1991 impulsó cambios en las perspectivas teóricas del socialismo y

delineó nuevos contextos políticos que provocaron nuevos desdoblamientos en el

escenario internacional. El proceso revolucionario de 1917 en Rusia es considerado

por historiadores como referencia para el movimiento revolucionario mundial,

influyendo sobremanera en el diálogo sobre la participación de los movimientos de los

trabajadores en los diferentes espacios geográficos, así como con fuertes influencias

sobre las reuniones de la Internacional Comunista (IC), que a partir de entonces,

puede ser considerada como uno de los más destacados sucesos que compuso la

historia del siglo XX. Su centro ha animado innumerables investigaciones sobre el

tema y provocado intensas discursiones en los círculos académicos, en las

instituciones de izquierda, y en la sociedad en general. El propósito de este trabajo es

mostrar las principales corrientes de pensamientos que impulsaron la Revolución

Rusa y la gran influencia e impactos que las ideas socialistas provocaron en el mundo

contemporáneo. Además, se buscó describir la Revolución Rusa y sus conquistas, su

crisis, y su legado geopolítico en el escenario internacional, teniendo como propuesta

elucidar de qué manera la revolución impactó a Brasil, desde su ocurrencia hasta los

días actuales. El texto apunta los orígenes marxistas de la revolución y los

desdoblamientos del socialismo en el mundo a lo largo de cien años, con el cuidado

de destacar indicios y legados de esta en el escenario brasileño durante los siglos XX

y XXI.

Palabras clave: socialistas; marxistas; Revolución Rusa.

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Relação dados, coleta e tratamento

Quadro 2 - Tipos de socialismo e suas definições

Quadro 3 - Linha do tempo da Revolução de Fevereiro

Quadro 4 - Herança deixada pela URSS no mundo socialista

Quadro 5 - Natureza ideológica dos partidos de esquerda no Brasil

Quadro 6 - Neutralização do aparelho hegemônico da burguesia

Quadro 7 - Decálogo do Lênin

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AIB Ação Integralista Brasileira

ANL Aliança Nacional Libertadora

BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Social

BOC Bloco Operário Camponês

BRICS Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul

CEI Comunidade dos Estados Independentes

CGT Confederação Geral dos Trabalhadores

CJ Calendário Juliano

CS Conselho de Segurança

CTB Confederação dos Trabalhadores do Brasil

CUT Central Única dos Trabalhadores

EAN Estado com Armas Nucleares

EB Exército Brasileiro

EBC Empresa Brasil de Comunicação

EUA Estados Unidos da América

FDLN Frente Democrática de Libertação Nacional

G20 Grupo dos 20 países mais industrializados do mundo

IC Internacional Comunista

MJNI Ministério da Justiça e Negócios Interiores

MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

MUT Movimento Unificador dos Trabalhadores

NEP Nova Política Econômica

ONG Organizações Não Governamentais

ONU Organização das Nações Unidas

OTAN Organização do Tratado do Atlântico Norte.

PCD Partido Constitucional Democrata

PCI Partido Comunista Italiano

PCUS Partido Comunista da União Soviética

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POSDR Partido Operário Social-Democrata Russo

PPS

Partido Popular Socialista

PSP Partido Social Progressista

PTB Partido Trabalhista Brasileiro

RDA República Democrática Alemã

RFA República Federal da Alemanha

UDN União Democrática Nacional

UNE União Nacional dos Estudantes

URSS União das Repúblicas Socialistas Soviéticas

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SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO................................................................................... 12 2 METODOLOGIA................................................................................ 18 3 AS ORIGENS DO SOCIALISMO E DO COMUNISMO..................... 19 3.1 A ERA KARL MARX E FRIEDRICH ENGELS................................... 20 3.1.1 Resumo da Biografia de Karl Marx................................................ 20 3.1.2 Resumo da Biografia de Friedrich Engels.................................... 22 3.1.3 Marx e a Comuna de Paris ............................................................. 23 3.2 ANTÔNIO GRAMSCI E O GRAMSCISMO........................................ 25 3.3 CONSIDERAÇÕES PARCIAIS......................................................... 26 4 A REVOLUÇÃO RUSSA................................................................... 28 4.1 ANTECEDENTES.............................................................................. 28 4.1.1 Revolução de 1905 (Ensaio Geral) ................................................ 30

4.1.2 A Rússia e a Primeira Guerra Mundial........................................... 32 4.2 REVOLUÇÃO DE FEVEREIRO....................................................... 33 4.3 REVOLUÇÃO DE OUTUBRO.......................................................... 35 4.3.1 A Guerra Civil.................................................................................. 37 4.4 A NEP E O FUTURO DA REVOLUÇÃO.......................................... 39 4.5 A REVOLUÇÃO DE STÁLIN............................................................ 40 4.6 CONSIDERAÇÕES PARCIAIS........................................................ 41 5 A REVOLUÇÃO RUSSA E A GEOPOLÍTICA MUNDIAL .............. 42 5.1 IMPACTOS DA REVOLUÇÃO RUSSA DURANTE O SÉCULO XX 42 5.1.1 Bloqueio a cidade de Berlim......................................................... 44 5.1.2 Proclamação da República Popular da China............................. 44 5.1.3 Guerra entre as Coreias................................................................. 45 5.1.4 Pacto de Varsóvia........................................................................... 46 5.1.5 Levante na Hungria........................................................................ 46 5.1.6 Revolução Cubana......................................................................... 47 5.1.7 Construção do Muro de Berlim..................................................... 47 5.1.8 Crises dos Mísseis......................................................................... 48 5.1.8 Migração do Vietnã, Laos e Camboja para governos comunis-

tas.................................................................................................... 48

5.1.9 Descolonização do continente africano....................................... 49 5.1.10 Queda do Muro de Berlim.............................................................. 49 5.1.11 Dissolução da URSS...................................................................... 50 5.2 A URSS E A GEOPOLÍTICA DA GUERRA FRIA............................ 51 5.3 A HERANÇA DEIXADA PELA A URSS NO MUNDO SOCIALISTA 52

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5.4 CONSIDERAÇÕES PARCIAIS......................................................... 54 6 O BRASIL E A REVOLUÇÃO RUSSA............................................. 56 6.1 CONTEXTO POLÍTICO, ECONÔMICO E SOCIAL DO BRASIL

DURANTE A REVOLUÇÃO RUSSA................................................. 56

6.1.1 A primeira Greve Geral de 1917..................................................... 57 6.2 REFLEXOS DA REVOLUÇÃO RUSSA NO BRASIL AO LONGO

DOS SÉCULOS XX E XXI................................................................. 58

6.2.1 Criação do Partido Comunista Brasileiro (PCB) .......................... 59 6.2.2 O comunismo e as eleições de 1930............................................. 60 6.2.3 A Intentona Comunista.................................................................... 62 6.2.4 O comunismo e o Estado Novo...................................................... 63 6.2.5 A anistia de 1945.............................................................................. 64 6.2.6 Criação da Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT) ........ 65 6.2.7 A formação da Frente Democrática de Libertação Nacional

(FDLN) .............................................................................................. 65

6.2.8 O comunismo e o segundo governo de Getúlio Vargas (1951-1954) .................................................................................................

66

6.2.9 Renúncia do presidente Jânio Quadros (1961) ........................... 66 6.2.10 Formação dos Grupos dos 11........................................................ 67 6.2.11 A Contra-Revolução de 31 de Março de 1964............................... 68 6.2.12 A adoção de uma estratégia gramscista no Brasil....................... 70 6.2.12.1 Estrutura da esquerda brasileira sob o enfoque do gramscismo...... 72 6.2.12.2 Superação do Senso Comum............................................................ 73 6.2.12.3 Neutralização do aparelho hegemônico da burguesia...................... 75 6.2.12.4 Ampliação do Estado......................................................................... 76 6.2.13 Participação da vertente socialista no impeachment do presi -

dente Collor de Melo....................................................................... 76

6.2.14 Corrida socialista brasileira no século XXI................................... 77 6.2.14.1 Primeiro mandamento Leninista........................................................ 78 6.2.14.2 Segundo mandamento Leninista....................................................... 78 6.2.14.3 Terceiro mandamento Leninista........................................................ 79 6.2.14.4 Quarto, quinto e sexto mandamentos Leninista................................ 79 6.2.14.5 Sétimo e oitavo mandamentos Leninista........................................... 80 6.2.14.6 Nono mandamento Leninista............................................................. 80 6.2.14.7 Décimo mandamento Leninista......................................................... 80 6.3 CONSIDERAÇÕES PARCIAIS......................................................... 80 7 CONCLUSÃO.................................................................................... 82 REFERÊNCIAS………………………………………………………….. 85

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1 INTRODUÇÃO

Fitzpatrick (2017) afirma que as revoluções são sublevações sociais e políticas complexas. Os historiadores que escrevem sobre elas tendem a divergir quanto às questões mais básicas – suas causas, os objetivos revolucionários, o impacto na sociedade, o resultado político e até mesmo a extensão temporal da revolução em si. No caso da Revolução Russa, o ponto inicial não apresenta problema: quase todo mundo considera que ela seja a “Revolução de Fevereiro”¹ de 1917.

Quando é citada a Revolução Russa, rapidamente os nomes que nos vêm à mente são: Lênin, Stalin e Comunismo. Entretanto, esta revolução é algo mais complicada do que se pode imaginar, sendo o comunismo1 uma de suas principais manifestações, que acabou saindo politicamente vitoriosa e com representatividades que potencializaram suas perspectivas de expansão além das fronteiras físicas do então Império Russo.

Diante desse entendimento, a Revolução Russa se materializou em fevereiro de 1917, com a mobilização de representantes da ala moderada, denominada menchevique (minoria), do POSDR (Partido Operário Social- Democrata Russo), que tinham a finalidade de substituir a monarquia pela República Parlamentarista. Tal fato se concretizou, levando como isso, à abdicação do Imperador Nicolau II e a formação do Governo Provisório.

Vários acontecimentos sucessivos compuseram o cenário de uma das revoluções mais expressivas dos últimos séculos, não havendo, com isso, um consenso entre os historiadores sobre a data exata de seu fim, no entanto, esses mesmos, afirmam que, o que sucedeu a abdicação do Imperador não foi um resultado linear e inevitável de uma cadeia de acontecimentos reconstituída a posteriori que reverberam em diversos campos do poder nacional, em vários Estados Nacionais, até os dias atuais.

Baña (2017) afirma que, cem anos depois, a memória da Revolução Russa se defronta com um clima social que lhe é, se não hostil, ao menos indiferente. Contudo, quando as condições de vida ainda continuam a ser, em vários sentidos, as mesmas que animaram centenas de milhares de russos a rebelarem-se em 1917, sendo vital remeter-se a ela não apenas para compreender melhor o passado, mas sobretudo para poder projetar um sentido emancipatório sobre o nosso presente. Diante disso, a Revolução tem sido, desde sempre, objeto de uma forte disputa historiográfica. Superar os conceitos mantidos durante grande parte de sua existência e rever as novas contribuições da historiografia talvez nos ajudem a pensar em uma nova narração de sua história que resgate, sem cair em idealizações os esquematismos, as aspirações e práticas emancipatórias dos sujeitos que a protagonizam.

No século XIX, a Rússia era um enorme império que compilava os mais diferentes grupos nacionais e tinha uma estrutura política controlada pelas mãos do czar, autoridade máxima da monarquia russa. Em seu enorme território, com mais de _____________ 1 Comunismo é uma doutrina social, segundo a qual se pode e deve "restabelecer" o que se chama "estado natural", em que todos teriam o mesmo direito a tudo, mediante a abolição da propriedade privada. Nos séculos XIX e XX, o termo foi usado para qualificar um movimento político. Disponível em: https://www.significados.com.br/comunismo/

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22 milhões de quilômetros, mais de 80% da população vivia no campo subordinada ao poderio de uma nobreza detentora de terras. Nesse contexto, a Rússia era um país de características feudais sem visíveis condições para superar o seu atraso econô-mico.

Em 1860, buscando aliviar as tensas condições de exploração que imperavam no campo, o czar Alexandre II resolveu abolir o sistema de servidão que tradicionalmente orientava as relações entre camponeses e latifundiários. Contudo, essa reforma política não foi suficiente para que os camponeses alcançassem uma vida melhor ou tivessem acesso às terras férteis. Paralelamente, o governo tentava introduzir um complicado processo de industrialização em uma economia com traços agrícolas.

Com a industrialização, foi-se estabelecendo progressivamente uma classe operária, que possuía aspirações para melhorarem suas condições de vida, perspectiva esta aproveitada mais tarde pelos bolcheviques2. A situação de extrema pobreza em que vivia a população tornou-se assim um campo fértil para o florescimento de ideias socialistas. Dessa maneira, campo e cidade se tornaram diferentes polos de um contexto em que as camadas populares tinham sua força de trabalho explorada e não possuía nenhum tipo de participação política.

Em pouco tempo, ideias revolucionárias e antimonárquicas ganharam corpo em meio a esses trabalhadores. Diversas sociedades secretas formavam grupos de oposição que planejavam derrubar o governo e promover a renovação do país por meio de orientações políticas de caráter socialista3 e anarquista4, o que levou ao desencadear da Revolução Russa, dentre outras motivações.

Após a vitória e ascensão dos Bolcheviques, que provocou a derrubada do Czar Nicolau II e mais tarde, com a criação da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), a expansão da ideologia socialista se tornou uma realidade principalmente no leste Europeu. A partir de então, sucessivos acontecimentos levaram nações de outros continentes a sentirem os efeitos da tentativa de imposição das práticas socialistas e comunistas5. No Brasil, a tentativa de imposição do socialismo, trouxe reflexos consideráveis nas expressões política, econômica, social e militar.

Marconi e Lakatos (2003, p. 127) entendem que o problema “consiste em um enunciado explicitado de forma clara, compreensível e operacional, cujo melhor modo de solução ou é uma pesquisa ou pode ser resolvido por meio de processos científicos”. Nesse alinhamento, Vergara (2009) afirma que “problema é uma questão não resolvida, é algo para o qual se vai buscar resposta, via pesquisa”. “Um problema

_____________ 2 Bolchevique é uma palavra da língua russa, e significa "maioritário". Assim foram chamados os integrantes da facção liderada por Lenin. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Bolchevique 3 Socialista é a designação dada a doutrina político-econômica cujos princípios se baseiam na coletivização dos mecanismos de distribuição, na propriedade coletiva e na organização de uma sociedade sem a separação por classes sociais. Disponível em: https://www.dicio.com.br/socialismo/ 4 Anarquismo é uma ideologia política que se opõe a todo tipo de hierarquia e dominação, seja ela política, econômica, social ou cultural, como o Estado, o capitalismo, as instituições religiosas, o racismo e o patriarcado. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Anarquismo 5 Comunismo é uma doutrina social, segundo a qual se pode e deve "restabelecer" o que se chama "estado natural", em que todos teriam o mesmo direito a tudo, mediante a abolição da propriedade privada. Nos séculos XIX e XX, o termo foi usado para qualificar um movimento político. Disponível em: https://www.significados.com.br/comunismo/

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não pode ser solucionado se não for apresentado de maneira clara e precisa”. (GIL, 2002, p. 27).

Assim, diante do cenário anteriormente elencado, constata-se a influência da Revolução Russa como vetor da potencialização da disseminação do comunismo em diversos países. Desta feita, esta pesquisa se depara com o seguinte problema:

Passados cem anos da Revolução Russa, um dos eventos históricos mais relevantes do século XX, gerador de discursos profundamente diversos e de antago-nismos extremos que configuram instrumentos significativos na construção das representações culturais e políticas sobre povos, civilizações e culturas. Cabe a pergunta essencial sobre o que pode ser apreendido, hoje, a partir da experiência de 1917 e do andamento histórico que sucedeu a derrubada do czarismo na Rússia: Qual foi a extensão dos efeitos oriundos da referida revolução no mundo? E o que poderia ter sido influenciado pela revolução no Brasil? Esse questionamento abre espaço para violentas disputas interpretativas sobre os eventos desencadeados a partir de fevereiro de 1917, que demandam discussões amplas, capazes não de resolver as questões levantadas, mas de sintetizar os inúmeros signos amontoados sobre o tema.

O objetivo geral desta pesquisa foi analisar em que medida os valores cultuados na Revolução Russa impactaram o cenário mundial e se fazem presentes na atualidade, ressaltando os principais fatos que representaram reflexos, políticos, econômicos, sociais e militares do supracitado evento, no Brasil.

Para tanto, para atingir o objetivo geral, foram levantados os seguintes objetivos específicos:

- identificar as origens da doutrina socialista e suas ligações com a Revolução Russa;

- descrever como se desenvolveu a Revolução Russa; - descrever a importância da Revolução Russa para o cenário mundial,

apontando a influência do comunismo no concerto das nações de 1917 até os dias atuais; e

- levantar os principais eventos que configuraram como reflexos da Revolução Russa para o Brasil e seus efeitos nas expressões militar, social, econômica e política.

A pesquisa se justifica, na medida em que os assuntos correlatos a Revolução

de 1917, foram amplamente explorados em diversos países e contribuíram para uma agitação na classe dos trabalhadores e organização dos mesmos em torno de uma mesma bandeira ideológica. Tudo isso, serviu de propulsor para exaltação do socialismo e sua expansão no cenário global. Hobsbawm (2003, p. 89), afirma que: “a história do breve século XX não pode ser entendida sem a Revolução Russa e seus efeitos diretos e indiretos”. Esse é um dos motivos para conhecer, mesmo que brevemente, as relações da Revolução Russa com o panorama histórico do mundo após 1917, bem como abordar os reflexos desse importante evento no Brasil nos períodos subsequentes.

Ademais, segundo Piacentini (2017), cem anos depois da revolução de 1917 e 26 anos depois da dissolução da URSS e do fim da Guerra Fria, a Federação Russa segue como superpotência com grande capacidade de adaptação. Rico em recursos naturais como petróleo, gás natural e madeira, o país é uma das maiores economias do mundo, o que lhe assegura um lugar no G20. É um dos cinco Estados com armas nucleares (EAN), ao lado de Estados Unidos, China, França e Reino Unido, além de abrigar o maior arsenal de armas de destruição de massa do planeta.

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Dentro desse contexto, cabe ressaltar novas estratégias geopolíticas do governo Russo na expressão econômica. De fato, com a crise econômica dos últimos anos e sanções vindas do Ocidente, a Rússia tem tentado diversificar sua economia, apostando em países do Norte da África e do Oriente Médio. Além de sua posição na Síria, ao lado do regime de Bashar al-Assad, o governo Russo tem exercido influência em países da região. Só este ano ele recebeu em Moscou o rei Abdullah, da Jordânia, o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, e o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu.

Desse modo, todas essas capacidades levaram a Rússia, no atual governo de Vladimir Putin e as vésperas de novas eleições para presidente, voltar a protagonizar eventos de grande repercussão no concerto das nações, tais como: a incorporação da Criméia ao território Russo, o suposto envolvimento de Russos nas eleições para presidenciais Norte Americanas e especulações sobre envolvimento da Rússia no possível novo caso de envenenamento de ex-agentes secretos em solo britânico. Diante disso, ressalta-se a importância de se compreender a Rússia, por conta de seu protagonismo e atuais ameaças ao mundo ocidental.

Tomando por base esses eventos atuais, a pesquisa se torna de suma importância, porque, iremos tratar da enorme relevância que a Revolução Russa teve no século XX no contexto mundial, bem como de seus desdobramentos, para, assim, tentar realizar uma análise crítica dos elementos constituintes que se mantém presentes até os dias de hoje.

Desse modo, enfatiza-se que, o problema levantado poderá vir a servir de base de dados para futuras pesquisas ou trazer benefícios para entendimento da geopolítica mundial no que se refere as mudanças ocorridas no Brasil e no mundo, que tiveram estreita ligação com a Revolução Russa. Com isso, será buscada a formulação de uma base de dados sobre quais os reflexos da Revolução Russa que ainda se fazem presentes no contexto mundial, em particular no Brasil.

Falar sobre Revolução Russa requer o entendimento de uma série de conceitos que nortearam o caráter ideológico e social desse movimento. Segundo Lenin, a luta de classes é a base e a força motriz de todo o desenvolvimento. Diante desse pressuposto, pode-se traçar conceitos que nortearão o embasamento teórico do assunto em pauta.

Na segunda metade do século XIX, os princípios intelectuais do marxismo foram inspirados por dois filósofos alemães: Karl Marx e Friedrich Engels. Segundo Marx e Engels, a análise socioeconômica sobre as relações de classe e conflito social se utilizava de uma interpretação materialista do desenvolvimento histórico e uma visão dialética de transformação social. Afirmava que o socialismo seria alcançado a partir de uma reforma social, com luta de classes e revolução do proletariado, pois no sistema socialista não deveria haver classes sociais nem propriedade privada. Para Segrillo (2017) Karl Marx e a Revolução Russa é uma combinação de duas expressões que tendemos a receber de forma natural e até como intrinsecamente imbricadas entre si, já que a revolução Bolchevique foi realizada em nome de ideais e da teoria de Marx.

Socialismo é uma doutrina política e econômica que surgiu no final do século XVIII e se caracteriza pela ideia de transformação da sociedade através da distribuição equilibrada de riquezas e propriedades, diminuindo a distância entre ricos e pobres, sendo Noël Babeuf o primeiro pensador que apresentou propostas socialistas sem fundamentação teológica e utópica como alternativa política.

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Segundo o dicionário Aurélio, o sistema socialista é a designação dada a dou-trina político-econômica cujos princípios se baseiam na coletivização dos mecanismos de distribuição, na propriedade coletiva e na organização de uma sociedade sem a separação por classes sociais6. Tal doutrina se opõe ao capitalismo, cujo sistema se baseia na propriedade privada dos meios de produção e no mercado liberal, concentrando a riqueza em poucos. Originou-se por meio de raízes intelectuais e surgidas como resposta aos movimentos políticos da classe trabalhadora e às críticas aos efeitos da Revolução Industrial (capitalismo industrial). Para Bandeira (2017) na teoria marxista, o socialismo representava a fase intermediária entre o fim do capitalismo e a implantação do comunismo.

Apesar de terem sido originadas no século XIX, somente no século XX entraram em vigor na Rússia por ocasião da Revolução de 1917, momento em que o governo monarquista foi retirado do poder e instaurado o socialismo. Após a Segunda Guerra Mundial, esse regime foi introduzido em países do leste europeu, nesse mesmo momento outras nações aderiram ao socialismo em diferentes lugares do mundo, a China, Cuba, alguns países africanos e outros do sudeste asiático.

Segundo Santiago (2018) o comunismo pode ser definido como uma doutrina política e econômica que estuda condições de libertação do chamado proletariado7. Uma característica básica desta doutrina é que os meios de produção (fábricas, fazendas, minas, etc.) são disponíveis ao público, abolindo-se a propriedade privada destes.

Assim, desde a Revolução Russa, em 1917, socialismo e comunismo passaram a representar duas coisas bem diferentes. O socialismo constituiu-se numa doutrina menos radical do que o comunismo, propondo uma reforma gradual da sociedade capitalista, de modo a chegar a um modelo em que exista equilíbrio entre o valor do capital e o do trabalho, para reduzir a distância entre ricos e pobres. O comunismo, ao contrário, defende o fim da ordem capitalista, através de uma revolução armada, almejando o fim da burguesia.

Segundo Léon (2017), o processo revolucionário de 1917 na Rússia é um marco para o movimento revolucionário mundial, influenciando fortemente os debates sobre revolução nos movimentos dos trabalhadores nos diferentes espaços geográficos, como também trazendo fortes influências sobre as reuniões da Internacional Comunista (IC)8 a partir de então. A experiência russa trouxe pela primeira vez um paradigma concreto de tomada de poder pelos e pelas trabalhadoras, sob organização de direção comunista, marcando profundamente a trajetória da esquerda mundial e os debates nos marcos do comunismo e do marxismo a partir de então.

Após verificação do referencial teórico da definição de Marxismo, socialismo e comunismo, e sua ligação com a Revolução Russa, que fomentou outros países a

_____________ 6 Disponível em <https://www.dicio.com.br/socialismo/> acessado em 20 de março de 2018. 7 Proletariado é um conceito usado para definir a classe antagônica à classe capitalista. O proletário consiste daquele que não tem nenhum meio de vida exceto sua força de trabalho(suas aptidões), que ele vende para sobreviver. Disponível em: 8 Comintern ou Komintern (do alemão Kommunistische Internationale) é o termo com que se designa a Terceira Internacional ou Internacional Comunista (1919-1943), isto é, a organização internacional fundada por Vladimir Lenin e pelo PCUS (bolchevique), em março de 1919, para reunir os partidos comunistas de diferentes países. Disponível em:

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seguirem tal doutrina, passou-se a essa mesma análise quanto à delimitação do es-tudo, ou seja, o que se têm até a presente data de dados comprobatórios acerca das modificações na geopolítica mundial e os reflexos para o Brasil, que possam fundamentar a pesquisa.

Outro importante aspecto a ser estudado, é o debate cultural entre ocidente e oriente. Segundo Niall Ferguson (2017), o ocidente desenvolveu a competição, a ciência, o direito de propriedade, a medicina, o consumo e a ética do trabalho. Itens estes, que possibilitaram que a civilização ocidental sobrepujasse a oriental. Na mesma linha, segundo Huntington (1996), o ocidente viu na queda do comunismo, a prova de que sua ideologia democrática liberal tinha valor universal, e que esta era a prova da superioridade ocidental em relação a civilização oriental. Com base na opinião dos autores é possível inferir que o entendimento do debate cultural entre ocidente e oriente é fundamental para a compreensão dos efeitos do comunismo no mundo atual.

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2 METODOLOGIA Essa pesquisa será qualitativa, uma vez que privilegiará relatos, análises de

documentos e entrevistas para entender o fenômeno do desenvolvimento de uma dou-trina militar de uma forma mais profunda. Seguindo a taxonomia de Vergara (2009), essa pesquisa será descritiva, explicativa, bibliográfica e documental. Descritiva porque pretende descrever as características do desenvolvimento de uma doutrina militar sob a ótica da gestão do conhecimento. Explicativa porque visa esclarecer as compatibilidades e as incompatibilidades do referido desenvolvimento doutrinário com a teoria de criação do conhecimento. Bibliográfica porque terá sua fundamentação teórico-metodológica na investigação sobre assuntos de gestão do conhecimento, criação do conhecimento, disponíveis em livros, manuais e artigos de acesso livre ao público em geral. Documental porque se utilizará de documentos de trabalhos e relatórios do Exército Brasileiro (EB), não disponíveis para consultas públicas.

A análise de dados será desenvolvida durante toda a investigação, em processo interativo com a coleta de dados.

A seguir, será apresentado um quadro para ilustrar as relações entre dados, coleta e tratamento. (Quadro 1).

Quadro 1 – Relação dado, coleta e tratamento

Dados Coleta Tratamento Identificação da Doutrina Socialista e Comunista.

Literatura Análise de Conteúdo

Descrição do desenrolar da Revolução Russa. Descrição da importância da Revolução Russa para o cenário mundial. Apresentação da influência do comunismo no concerto das nações de 1917 até a atualidade. Levantamento dos principais eventos que configuraram como reflexos da revolução russa para o Brasil, bem como, seus efeitos nas expressões política, econômica, psicossocial e militar.

Fonte: baseado em Vergara (2008, 2009).

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3 AS ORIGENS DO SOCIALISMO E DO COMUNISMO

A história do socialismo encontra suas origens na Revolução Francesa e nas mudanças trazidas pela Revolução Industrial, apesar de ele ter precedentes em mo-vimentos e ideias anteriores. Assim como o conceito de capitalismo, ele contém uma grande gama de visões.

O Socialismo, pode ser entendido como uma doutrina política e econômica que surgiu no final do século XVIII e se caracteriza pela ideia de transformação da sociedade através da distribuição equilibrada de riquezas e propriedades, diminuindo a distância entre ricos e pobres, sendo Noël Babeuf o primeiro pensador que apresentou propostas socialistas sem fundamentação teológica e utópica como alternativa política.

Entretanto, termo “socialismo” é geralmente atribuído a Pierre Leroux em 1834, que chamou de socialismo "a doutrina que não desistiria dos princípios de Liberdade, Igualdade e Fraternidade" da Revolução Francesa de 1789. Sua base ideológica originou-se da maioria dos socialistas daquele período que se opuseram aos desdobramentos trazidos pela Revolução Industrial. Eles criticaram o que conceberam como injustiça, desigualdades e sofrimentos gerados pela revolução e o mercado livre, no qual ela se sustentava. Para se compreender o histórico dos principais precursores do socialismo no mundo, será necessário o conhecimento dos principais tipos de socialismo, que serão apresentados quadro abaixo. (Quadro 2).

Quadro 2 – Tipos de Socialismo e suas definições

Tipo de Socialismo Definição

Socialismo Utópico

Representa a primeira formulação do pensamento socialista. Esta denominação deve-se ao fato de que seus teóricos, após criticarem a sociedade de sua época, expunham os princípios de uma sociedade ideal, sem indicar os meios para torná-la real. Seus principais representantes foram Saint-Simon (1760-1825), Charles Fourier (1772-1837), Louis Blanc (1811-1882) e Robert Owen (1771-1858).

Socialismo Científico

Através da análise da realidade econômica e da evolução histórica do capitalismo, Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895) formulam princípios para o estabelecimento de uma sociedade sem classes e igualitária.

Socialismo Cristão

Também chamado de catolicismo social, surge em fins do século XIX, em oposição às ideias socialistas, e prega a aplicação dos ensinamentos cristãos para corrigir os males criados pela industrialização. Defende a organização sindical e a justiça social. Com a encíclica Rerum novarum (1891), tida como uma resposta conservadora ao Manifesto Comunista(1848), o Papa Leão XIII(1878-1903) reconhece a gravidade da questão social produzida pelo capitalismo, mas rejeita as soluções revolucionárias ou igualitárias.

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Social-democracia

Tentando compatibilizar socialismo e democracia, um grupo de políticos e pensadores esforçou-se por renunciar, na gestão pública, ao dirigismo econômico absoluto e à domi-nação total da economia pelo Estado. Compreendeu, pela visão dos fatos, que o dirigismo socialista provocava sempre ineficiência econômica e despotismo político. Mas não abriu mão da ideia da coletividade prevalecendo sobre o indivíduo.

Fonte: baseado em Capelas (2018).

3.1 A ERA KARL MARX E FRIEDRICH ENGELS Na segunda metade do século XIX, surgiram dois pensadores de expressão que

pregavam a doutrina do Socialismo Científico: Karl Marx e Friedrich Engels. Esses pensadores foram o marco das bases para a reformulação dos princípios do socialismo, com a análise socioeconômica sobre as relações de classe e conflito social. Utilizavam-se de uma interpretação materialista do desenvolvimento histórico e uma visão dialética de transformação social. Afirmava que o socialismo seria alcançado a partir de uma reforma social, com luta de classes e revolução do proletariado, pois no sistema socialista não deveria haver classes sociais nem propriedade privada. Para melhor entendimento do contexto em que esses dois pensadores viveram, cabe um pequeno relato de suas vidas. 3.1.1 Resumo da Biografia de Karl Marx

Baseado na biografia escrita por Araújo (2018), Karl Marx nasceu em Trier, Alemanha, em 5 de maio de 1818.

É interessante pensar que o principal autor da causa operária nasceu em uma família judia de classe média. A região da Alemanha em que Marx nasceu e o contexto histórico são fundamentais para compreender sua biografia e seu pensamento. O fato de seu pai ter que se converter ao cristianismo, as dificuldades que os judeus viviam apenas por serem judeus, o contexto político pré-revolução e as questões filosóficas de seu tempo são aspectos cruciais para compreender sua obra.

Em outubro de 1835, Marx entrou para a Universidade de Bonn para cursar Direito, com 17 anos. Em 1836, o pai de Marx o transferiu para a Universidade de Berlim. Neste mesmo ano Marx e Jenny se tornaram noivos. Tanto a família de Jenny quanto a de Marx não foram entusiastas do casal, o que fez com que os dois demorassem 7 anos para finalmente se casarem.

A principal obra de Karl Marx, intitulada “O Capital” (Das Kapital), demorou 16 anos para ser finalizada. Durante este período ele e sua família viveram períodos de grande necessidade e quase sempre foi apoiada por seu principal amigo e colaborador, Friedrich Engels. A esposa, embora filha de um barão, não conseguiu sustentar a numerosa família por muito tempo. E, apesar do reconhecimento que o autor teve após sua morte, seus livros não chegaram a fazer grande alvoroço durante a publicação.

Marx é conhecido como o fundador de uma área de conhecimento dentro das ciências humanas. Seus trabalhos versam sobre história, filosofia, economia e sociologia. É inegável a contribuição de Marx para a economia, principalmente sobre

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a teoria do valor econômico e com o desenvolvimento do conceito como o de mais-valia e do fetiche da mercadoria. Para a história a concepção materialista é considerada um divisor de águas. Pensar uma saída para o capitalismo, buscando novas formas de produção e distribuição econômica que igualasse os homens em suas condições materiais e sociais, liberando-os da alienação, foi um dos maiores esforços da teoria de Marx. Saiba mais: Entenda o Fetichismo da mercadoria na obra de Karl Marx.

A obra de Marx é quase sempre analisada a partir de suas influências intelectu-ais, como Hegel, Fauerbach, Ricardo e Adam Smith. O alcance de suas obras é incomensurável, mas podemos citar a Revolução Russa como um dos eventos relacionados ao impacto de sua obra. Seu nome está invariavelmente associado as teorias sobre comunismo, socialismo e revolução.

Karl Marx morreu em 14 de março de 1883 em Londres.

Figura 1. Karl Marx

Fonte: https://www.infoescola.com/biografias/karl-marx/ 3.1.2 Resumo da Biografia de Friedrich Engels

Segundo Biografia escrita por Araújo (2018), Friedrich Engels nasceu em 28 de novembro de 1820 em Wuppertal, Alemanha. Filho mais velho de Friedrich Engels e Elise Engels, teve 8 irmãos. Seu pai era descente de uma família de comerciantes e industriais cujas atividades se originaram ainda no século XVI, na região de Wuppertal e Barmen, os negócios foram passados de geração em geração até Engels. Sua mãe era filha de eruditos e conhecida por sua imaginação fértil e o apreço às artes e à cultura.

Essa região da Alemanha foi onde mais se desenvolveu o pietismo (movimento religioso protestante que defendia a supremacia da fé em detrimento da razão), religião que a família de Engels professava. Além da religião outra força social moldou o caráter de Engels, a pobreza do distrito industrial de sua cidade. A região havia se industrializado muito cedo e já sofria com suas consequências, como pobreza e indigência dos trabalhadores.

No que diz respeito a sua formação, Engels tinha vontade de ingressar na Universidade de Direito ou se dedicar a escrita literária, mas declinou de ambas para

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se dedicar a carreira de empresário, seguindo a trajetória que a família esperava. Sua formação começou nas empresas da família e logo depois seu pai o enviou para Bremen, outra cidade alemã, aos 17 anos. Uma curiosidade sobre Engels diz respeito a sua habilidade com línguas, ele dominava bem o Alemão, Inglês, Espanhol, Italiano, Português e o Francês, e se vangloriava de poder conversar em 25 idiomas diferentes.

Engels escreveu muitos panfletos em sua juventude sobre questões políticas e filosóficas polêmicas de sua época, como o dualismo de Hegel e as teses de Feuerbach. Durante os anos de 1839 a 1842 Engels se estabeleceu como crítico político e literário, tendo publicado aproximadamente 50 panfletos e artigos. Em 1842, seu pai o enviou para Manchester como parte do treinamento que recebia para traba-lhar nas empresas da família.

Em 1844 a amizade entre Karl Marx e Engels se estreita, ambos já haviam se conhecido e trocado cartas em 1841, mas não se entenderam de início. É neste ano que os dois concluem que seus trabalhos são complementares e que de forma independente os dois tinham formado a mesma visão do objetivo da história e dos meios para sua realização. É também em 1844 que ele publicou suas duas obras mais conhecidas, “A situação da classe trabalhadora na Inglaterra” e “As origens da família, da propriedade privada e do Estado”. Em 1848, em parceria com Marx, publicou o “Manifesto do Partido Comunista”, obra mais conhecida da parceria dos dois.

Em suas obras buscou apresentar as origens do socialismo e imaginava meios reais de implantação do socialismo científico, termo por ele criado em oposição aos socialistas que precederam a ele e Marx, os socialistas utópicos. Também está presente em seu pensamento uma forte crítica a religião e a família. Ele foi responsável por viabilizar a publicação da obra que Marx deixou inacabada, “O Capital”, volumes II e III.

Friederich Engels morreu em 5 de agosto de 1895, em Londres.

Figura 2. Friederich Engels

Fonte: https://www.infoescola.com/biografias/friedrich-engels/ 3.1.3 Marx e a Comuna de Paris

Segundo Spindel (2017) a história das ideias socialistas possui alguns cortes de importância. O primeiro deles é entre os socialistas utópicos e os socialistas

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científicos, marcado pela introdução das ideias de Marx e Engels no universo das propostas de construção da nova sociedade.

Nesse cenário surge a Comuna de Paris (1871). A Comuna de Paris foi a primeira república proletária da história, quando os “comunards”, revolucionários parisienses, tomaram o poder na cidade de Paris, em março de 1871.

O citado contexto histórico teve como componente a situação de Paris que ficou muito complicada quando Napoleão III assinou o tratado de rendição na guerra da França contra a Prússia. A capital francesa ficou cercada pelo exército prussiano, le-vando grande desconforto, revolta e preocupação para os parisienses. Com o clima político tenso, uma insurreição popular estourou em março de 1871, derrubando o governo republicano em Paris. Jacobinos e socialistas constituíram um novo governo para a cidade, chamado de Comuna de Paris.

Os antigos governantes, representantes do governo republicano burguês que, haviam sido retirados do poder de Paris, conseguiram organizar uma reação ao governo revolucionário socialista da Comuna de Paris. Com forte aparato militar e policia, a alta burguesia da cidade reagiu com força e violência, prendendo ou executando os líderes e demais integrantes da Comuna de Paris. O levante popular teve uma natureza orgânica e espontânea, com vistas ao socialismo, influenciado pelo marxismo e outras correntes de esquerda.

O proletariado parisiense, ao assumir o poder, mesmo por um curto período de tempo, organiza um novo tipo de Estado e um modo diferente de dirigir a sociedade. Demonstrou na prática a possibilidade de construção de uma nova sociedade, sem exploradores e explorados; e regou com seu próprio sangue os caminhos que conduzem ao socialismo. Andrade (2013, apud COSTA, 1998, p.102)

Em 28 de maio de 1871, os republicanos retomaram o poder na capital francesa, acabando com a primeira experiência de um governo revolucionário e socialista de composição operária. Dentro desse contexto, a Comuna deixou um grande legado intelectual, não apenas para Marx mas para todas as outras revoluções que a sucederam, mostrando não só o que é desejável, mas que é condenável. Além de Paris, outras importantes cidades da França passaram por experiências, embora de curta duração, de governos socialistas de base operária. Houve comunas em cidades como, por exemplo, Lion, Toulouse e Marselha, demonstrando claramente a influência que esse evento exerceu para o fortalecimento dos preceitos socialistas que passaram a ser explorados com mais vigor no continente europeu.

Diante do exposto, deduz-se que o caráter revolucionário da Comuna fez com que a mesma se tornasse um marco na história das lutas políticas e de classe. O povo conseguiu tomar o poder, e aplicar uma nova dinâmica social que foi suprimida pelos interesses das classes dominantes. Isso influenciou não apenas a interrupção desta experiência socialista, como também fomentou suas bases doutrinárias.

Para Spindel (2017) o avanço das ideias marxistas consegue dar uma maior homogeneidade ao movimento socialista internacional. Pela primeira vez, trabalhadores de países diferentes, quando pensavam em socialismo, estavam pensando numa mesma sociedade, aquela preconizada por Marx, e numa mesma maneira de chegar ao poder. Tal homogeneização do movimento dos trabalhadores não foi, todavia, completa.

Doutrinas de cunho não marxista, como é o caso do anarquismo, conseguiram brecar este processo e dividir o movimento. Estas, porém, não constituíram o maior

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obstáculo para a unificação do movimento socialista; as próprias divisões no seio da corrente marxista e, mais tarde, a revisão dos conceitos básicos da doutrina do fundador do socialismo científico acabaram por gerar propostas socialistas variadas.

Dentro das citadas divisões, Marx e Engels escolheram o termo comunista para designar a organização a que pertenciam (a Liga dos Comunistas) e para ser usado como título de seu programa (Manifesto do Partido Comunista), eles possuíam bons motivos para fazê-lo. Diante disso, o Socialismo designava, naquele momento, toda a corrente dos socialistas utópicos e a Marx interessava demarcar claramente a distân-cia que existia entre as antigas ideias socialistas e o novo corpo doutrinário que ele elaborava. Com o passar dos anos e a conquista da hegemonia das ideias marxistas sobre as demais ideias socialistas, os partidários de Marx e Engels passaram a usar indiscriminadamente o termo socialismo e comunismo, chegando mesmo a preferir o primeiro.

Tanto a Comuna de Paris, como o protagonismo das ideias de Marx, foram fatores que historicamente favoreceram o surgimento da Resolução Russa. Para Segrillo (2017) Karl Marx e a Revolução Russa é uma combinação de duas expressões que tendemos a receber de forma natural e até como intrinsecamente imbricadas entre si, já que a revolução Bolchevique foi realizada em nome de ideais e da teoria de Marx. O marxismo foi a ideologia motora da União Soviética em todos os seus anos de existência. Tanto que muitos críticos de Marx o culpam pelos próprios resultados negativos da Revolução Russa, apesar de o filosofo alemão já não estar vivo em 1917. Em relação a esse ponto, uma das maneiras de abordar a relação entre Marx e a Revolução Russa é ver o quanto os atores e pensadores da Revolução Russa realmente refletiam as ideias de Marx.

O próprio Marx, no Manifesto Comunista 9 , não propõe a abolição, mas a superação da propriedade privada e do mercado. Como qualquer processo de transição, o socialismo, necessariamente, foi e deverá ser marcado por características que expressem as forças do passado e aquelas que anunciem os novos ventos do futuro. Por esta razão, nos parece justo resgatar Macambira (2017, apud MARX, 2011, p. 25-26):

Os homens fazem a sua própria história; contudo, não a fazem de livre e espontânea vontade, pois não são eles quem escolhem as circunstâncias sob as quais ela é feita, mas estas lhes foram transmitidas assim como se encontram. A tradição de todas as gerações passadas é como um pesadelo que comprime o cérebro dos vivos. E justamente quando parecem estar empenhados em transformar a si mesmos e as coisas, em criar algo nunca antes visto, exatamente nessas épocas de crise revolucionária, eles conjuram temerosamente a ajuda dos espíritos do passado, tomam emprestados os seus nomes, as suas palavras de ordem, o seu figurino, a fim de representar,

_____________ 9 O Manifesto Comunista foi escrito no meio do grande processo de lutas urbanas das Revoluções de 1848, chamadas também de Primavera dos Povos, um processo revolucionário de quase um ano que atingiu os principais países Europeus e é uma análise da Revolução Industrial contemporânea a ela. Duas de suas maiores reivindicações foram reformas sociais, onde se conquista a diminuição da jornada diária de trabalho de doze para dez horas e o voto universal, embora apenas para os homens. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Manifesto_Comunista

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com essa venerável roupagem tradicional e essa linguagem tomada de empréstimo, as novas cenas da história mundial [...].

Portanto, a interpretação marxista da história em nenhum momento reconhece um fim definitivo para o qual os destinos da humanidade necessariamente se direcionam, mas põe essa direção nas mãos dos homens, que são os únicos que podem decidir, com os meios, objetivos e subjetivos, de que dispõem, se o mundo caminha ou não para o rumo mais correto. Nesse sentido, a conjuntura histórica deve-se pautar no pensamos e nas escolhas feitas pelas sociedades ao longo do tempo.

3.2 ANTÔNIO GRAMSCI E O GRAMSCISMO

Não há como contar a história do socialismo, sem, no entanto, citar a influência que as ideias de Antônio Gramsci exerceram no mundo. Para tal, se torna preponde-rante descrever sucintamente os caminhos desse idealista. Segundo Coutinho (2012), Antônio Gramsci (1891 – 1937), marxista e intelectual italiano, foi na sua mocidade socialista revolucionário e membro o Partido Socialista Italiano, no seio do qual fez sua iniciação ideológica. Ingressando no movimento, desde cedo demonstrou especial vocação para a militância intelectual.

Surgiu de fato, com maior visibilidade para a comunidade, após a Revolução Russa de 1917, tornando-se imediatamente simpatizante deste movimento. No ano de 1920, participou efetivamente do congresso que constituiu a fração comunista do Partido Socialista Italiano, dando origem, em 1921, o Partido Comunista Italiano (PCI). Gramsci, um dos fundadores, fez parte do Comitê Central do então criado partido.

Em 1922, os fascistas 10 chegaram ao poder, ocasião em que Mussolini foi nomeado chefe de Gabinete, como consequência da “Marcha sobre Roma”11, e o PCI entrou na ilegalidade, ocorrendo a prisão de vários dirigentes do partido; Gramsci, no entanto encontrava-se em Moscou, escapando de ser detido.

Após endurecimento do regime pelos fascistas, Gramsci foi condenado a 20 anos de prisão em 1928. Na casa penal de Túri, como prisioneiro, conseguiu permissão para escrever e fazer leitura regularmente. A partir de 1929, Gramsci redigiu 33 cadernos do tipo escolar até 1935, quando teve sua saúde afetada, vindo a adoecer. Os referidos escritos abrangiam os mais variados assuntos, tais como: exercícios de tradução, filosofia, sociologia, política, pedagogia, geopolítica, crítica literária e comentários sobre diversificados temas. O tema central dessas redações, que mais tarde se tornaria na obra “Caderno do Cárcere”, foi o pensamento político doa autor que tratou sobre contribuições inéditas e atualizadas ao marxismo e uma concepção estratégica de tomada do poder (“Transição para o socialismo”). Para Coutinho _____________ 10 Fascismo é uma forma de radicalismo político autoritário nacionalista que ganhou destaque no início do século XX na Europa e teve origem na Itália. Os fascistas procuravam unificar sua nação através de um Estado totalitário que promove a vigilância, um estado forte, a mobilização em massa da comunidade nacional, confiando em um partido de vanguarda para iniciar uma revolução e organizar a nação em princípios fascistas, hostis a todas as vertentes do marxismo, desde o comunismo totalitário ao socialismo democrático. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Fascis- mo 11 A Marcha sobre Roma foi uma vasta manifestação fascista, com característica de golpe de estado, ocorrida em 30 de outubro de 1922 na capital da Itália, com o afluxo na cidade de dezenas de milhares de militantes fascistas que reivindicavam o governo da Itália. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki /Marcha_sobre_Roma

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(2012), abordava uma concepção melhor aplicável as sociedades ocidentais (países capitalistas, liberal-democratas adiantados) do que a estratégia marxista-leninista vitoriosa na revolução bolchevista da Rússia, país de sociedade do tipo oriental, com expressiva sociedade civil. Na época, a Revolução Russa transformara-se no modelo clássico, democrático, para a Internacional Comunista.

Essa concepção e estratégia desenvolvidas nos cadernos escritos por Gramscis, foi o que pôde-se chamar Gramscismo ou, de maneira mais abrangente, Marxismo – Gramscismo.

Gramscis faleceu em 1937, após ser concedida plena liberdade á ele, como recurso que se valeu o regime fascista para que o líder comunista não viesse a morrer na prisão, uma vez que a doença de Gramscis havia se agravado. Os legado político-cultural para o movimento comunista internacional, deixado por ele, foram incontestáveis.

Seguindo a vontade de Gramsci, Tatiana Schucht, sua cunhada, remeteu os “Cadernos” para Moscou, onde chegaram às mãos de Palmiro Togliati, líder comunista italiano. Após o material de Gramscis ser minuciosamente analisado, foram identificadas certas discordâncias do marxismo-leninismo (e do próprio marxismo), na época assumido como dogma da Internacional Comunista soviética. Ainda assim, ficaram reconhecidos o seu valor teórico e a veracidade dos manuscritos. Entretanto, somente após o término da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), Togliati buscou viabilizar o projeto de publicação do supracitado material, que se tornou realidade entre 1948 e 1950 com a edição de seis volumes. Esses volumes colocaram Gramsci à disposição da intelectualidade mundial. Após isso, em 1962, nova edição foi projetada e, em 1975, o trabalho foi publicado em quatro volumes.

Coutinho (2012) menciona que, no Brasil, as primeiras iniciativas para publicação de uma tradução dos “Cadernos do Cárcere” ocorreram em 1962, mas só em 1966 e 1968 foram publicados quatro volumes dos seis da edição temática italiana. Reeditados no final da década de 1970, foi essa publicação que introduziu Gramsci à intelectualidade do país, “uma contribuição muito importante para a formação de um novo espírito revolucionário da esquerda brasileira”.

3.3 CONSIDERAÇÕES PARCIAIS

A história do socialismo e do comunismo tiveram ao longo do tempo uma gama variada de atores, desde a concepção inicial de uma sociedade ideal, com o surgimento do conceito de “socialismo”, até surgimento de pensadores que impulsionaram os movimentos revolucionários por todo mundo.

Nesse contexto, o socialismo científico, materializado com as premissas de Karl Marx e Friedrich Engels, angariou diversos adeptos na sociedade contemporânea, motivando movimentos revolucionários importantes, como as já citadas, Comuna de Paris e a Revolução Russa, demonstrando, cada um em sua época, a força ideológica do Marxismo em defesa do socialismo.

Em um segundo momento, Antônio Gramscis, embasado no sucesso da Revolução Russa de 1917, reformula os conceitos de Marx e se torna um grande personagem na história do socialismo e do comunismo, dando força ao movimento comunista internacional, por meio de concepções estratégicas de tomada do poder, disseminadas para países do oriente e do ocidente.

Diante disso, pode-se estabelecer a Revolução Russa como marco entre dois momentos históricos do pensamento socialista, sendo o início de disputas ideológicas

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no cenário internacional que se perpetuaram ao longo dos tempos e que ainda causam impactos nas estruturas políticas, econômicas, sociais e militares de diversos países.

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4 A REVOLUÇÃO RUSSA

A Rússia é considerado o maior país do mundo em tamanho; um lugar que abriga todo um passado histórico violento, com momentos de guerras e revoluções. De todos esses momentos, nenhum foi mais marcante do que a Revolução Russa de 1917. Esse não foi um evento que se refletiu somente na Rússia, mas foi algo que teve um grande impacto em todo mundo. De maneira pioneira, um governo formado apenas de trabalhadores tomava o poder.

Segundo Bastos (2012) a citada revolução foi responsável pelo aparecimento do primeiro país socialista do mundo, o movimento surgiu em meio a Primeira Guerra Mundial e foi responsável por mudanças drásticas no país. Em tempos pré-revolucio-nários, a Rússia era uma nação atrelada ao Antigo Regime. É possível classificar o imenso Império Russo em princípios de 1917 como um Império absolutista, em sua maior parte agrário e preso às influências da Igreja Cristã Ortodoxa. Para que se entenda melhor a Revolução Russa, passaremos descreve-la.

4.1 ANTECEDENTES

Os antecedentes da Revolução Russa estão diretamente relacionados a Revolução Industrial, iniciada no século XVIII, e em eventos subsequentes, com a formação do proletariado, prática do capitalismo e evolução das ideias socialistas.

Ter a percepção de que em 1917 a Rússia iria se tornar o primeiro governo de trabalhadores do mundo era algo absurdo e inconcebível. Bastos (2012) afirma que o país era, basicamente, agrícola, composto por uma massa de camponeses (mujiques) que trabalhavam para grandes senhores de terra (boiardos). Afirma ainda que, na Rússia, ainda existia o sistema de servidão, que obrigava a pessoa a permanecer trabalhando na terra conforme o desejo do seu mestre. O quadro de relações sociais estabelecia o acordo entre a monarquia absolutista (Czar) e a Igreja ortodoxa, aliado aos privilégios da nobreza aristocrática. Tal configuração de sociedade chocava-se com o dinamismo das sociedades capitalistas emergentes.

O governo imperial começou a demonstrar, a partir de 1850, sinais significativos de sua fragilidade econômica. Para Bastos (2012), a derrotado na Guerra da Criméia (1856) atentou-se para o fato de empreender reformas sem alterar o poder aristocrático e em aprender as técnicas do ocidente. Junto à abolição da servidão camponesa, em 1880, o Império promoveu reformas nas forças armadas, justiça, educação, cujos resultados foram insuficientes. Tal processo foi denominado “modernização pelo alto”. Apesar da abolição da servidão por lei, na prática, absolutamente nada mudou. Em cidades, como Moscou e São Petersburgo, a pobreza era muito grande.

Nesse cenário, iniciou-se o processo de industrialização russa, especialmente em virtude de investimentos franceses, com a implantação de indústrias siderúrgicas, metalúrgicas e estradas de ferro. Industrialização esta, circunscrita aos grandes centros urbanos como Moscou, São Petersburgo, na região do rio Don, além da Polônia Russa nas cidades de Varsóvia e Lodz, entretanto, a Rússia estava longe de ser uma potência industrial.

Segundo Biasetto (2014), grande parte dos operários passavam fome e trabalhavam longas horas, sofrendo ainda mais durante o longo e gelado inverno. Em outra parte da sociedade, estavam o imperador (Czar) e os seus nobres, que desfrutavam de todos os privilégios e luxúria imagináveis para o referido contexto histórico. A família real, os Romanov, já estavam no poder há mais de 300 anos. Era

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uma das casas reais mais prósperas e influentes em todo o mundo em assuntos diplomáticos e econômicos.

Infere-se, com isso, que ao mesmo tempo em que o czar e os seus nobres viviam em um mundo isolado, de luxo e felicidade, os trabalhadores russos viviam na mais plena pobreza e muitos em estado de miséria, evidenciando as diferenças latentes na sociedade Russa, que mais tarde se intensificariam com a influência que os partidos políticos passaram exercer.

Para Bastos (2012), ao lado de toda tentativa das reformas, implantadas em 1880, persistia o tradicionalismo agrário longe de eventuais reformas modernizantes. Tais reformas passaram a ser propulsoras de questionamentos de segmentos da so-ciedade russa, sobretudo dos narodniks (populistas), que desejavam empreender uma modernidade alternativa socialista com base na comunidade camponesa. Segundo os componentes desse movimento populista, a Rússia ao empreender tais reformas sofreria dos mesmos problemas que as nações ocidentais sofreram na Revolução Industrial, desagregação da comunidade camponesa motivada pela migração de homens para as indústrias que estavam surgindo neste momento, além da exploração da força de trabalho destes indivíduos.

No entanto, depois de tentativas de ensinar aos camponeses de que a revolução era o melhor caminho para pôr fim ao regime czarista, inclusive culminando em atentados políticos, (um deles resultou no assassinato do Czar Alexandre II em 1881) o movimento populista sofreu repressões por parte do governo imperial e da opinião pública.

Nesse contexto, surgiu o Partido Operário Social-Democrata Russo (POSDR) fundado em 1898 em Minsk, uniu as várias organizações revolucionárias em um único partido. O POSDR foi criado para fazer oposição aos narodniks e o seu populismo revolucionário, que privilegiava o campesinato. Já o programa do POSDR era baseado nas teorias de Karl Marx e Friedrich Engels, dando ênfase que o verdadeiro potencial da revolução estava no proletariado.

Pouco antes do Segundo Congresso do POSDR, um jovem intelectual chamado Vladimir Ilyich Ulyanov entrou no partido, usando seu pseudônimo, Lênin. Em 1902 ele havia exposto uma publicação versando sua opinião sobre as tarefas do partido e sua metodologia. Para ele não bastava lutar por uma simples reforma salarial ou de jornada de trabalho.

O Segundo Congresso se reuniu em Bruxelas e Londres, em 1903, na tentativa de criar uma organização unida. Lênin afirmou suas posições políticas: os socialistas deveriam lutar por uma estrutura de poder centralizada; trabalhar sem alianças com outras agremiações políticas.

Lênin foi contrariado em todas suas propostas por seu amigo e aliado, Martov. Mesmo assim, teve apoio majoritário e o partido se dividiu em duas facções irreconciliáveis: os Bolcheviques (maioria em russo), liderados por Lênin; e os Mencheviques (minoria em russo), liderados por Julius Martov. Apesar de serem referidos como a minoria, os mencheviques eram de fato a maior facção.

Assim, após a cisão do POSDR, surgiram duas posições: os mencheviques acreditavam que o futuro da Rússia seria inevitavelmente o comunismo, tal como haviam previsto Marx e Engels, sendo que estavam convictos de que o momento não era aquele. Defendiam ainda, que a Rússia deveria primeiro aprofundar o capitalismo até suas últimas consequências, incentivando a burguesia, criando fábricas, e fundando um governo democrático e liberal, nos mesmos moldes adotados pela

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Inglaterra. Quando fosse o momento apropriado, diziam, o comunismo viria naturalmente.

Já os bolcheviques eram partidários da formação de uma elite revolucionária que fosse a “vanguarda da classe operária”, promotora de uma revolução comunista imediata na Rússia. Ou seja, recusavam a ideia de “esperar para frutificar o capitalismo”. Lênin acreditava ser possível saltar etapas, o que ia além das ideias de Marx e de Engels. Defendia ser possível transformar uma Rússia quase que essenci-almente agrária e feudal em um país comunista, sem ter de completar a chamada revolução burguesa-capitalista.

Um terceiro grupo se fazia presente na Rússia e traziam consigo posições peculiares, que de certa forma, defrontavam com os Bolcheviques e Mencheviques. Esse grupo materializava-se no Partido Constitucional Democrata (PCD), formado em 1905. Seus membros eram chamados Kadetes, termo derivado de KD, iniciais do nome do partido em russo. Partido liberal da burguesia, lutava por reformas políticas que implantassem uma democracia nos moldes ocidentais.

Assim, foram estabelecidas as bases para iniciar-se um movimento revolucionário. Contudo, até chegar a esse ponto, outros eventos contribuíram para a queda da popularidade do Czar e seu enfraquecimento político, como veremos a seguir.

4.1.1 A Revolução de 1905: O Ensaio Geral

Segundo Fitzpatrick (2017), no início dos anos 1900, a expansão russa no Extremo Oriente a empurrava para um conflito com outra potência expansionista na região: o Japão. Embora alguns ministros de Nicolau II recomendassem cautela, o sentimento predominante na corte e nos altos círculos burocráticos era de que haveria ganhos fáceis no Extremo Oriente, e de que o Japão, uma potência inferior, não europeia, não seria um adversário temível. Iniciada pelo Japão, mas também provocada pela política russa no Extremo Oriente, a Guerra Russo-Japonesa eclodiu em janeiro de 1904. Para a Rússia, a guerra se mostrou uma série de desastres e humilhações em terra e no mar.

De fato, o insucesso dos russos na guerra, levou à tona uma série de questões políticas e sociais que insuflaram parte da sociedade. Em janeiro de 1905, diante desse cenário, trabalhadores de São Petersburgo realizaram uma manifestação pacífica, organizada não por militantes e revolucionários, mas por um religioso renegado com relações com a polícia, a fim de atrair a atenção do Czar para suas queixas econômicas. Essa manifestação, aparentemente pacífica, foi duramente reprimida por tropas imperiais, no conhecido Domingo Sangrento (9 de janeiro), as referidas tropas dispararam contra os manifestantes diante do Palácio de Inverno, os protestantes foram executados por soldados a cavalo que degolaram milhares de pessoas com as suas espadas, os que sobraram foram executados a tiros pelos rifles do exército russo. A partir desse evento, a Revolução de 1905 começou.

A partir do Domingo Sangrento, o Czar Nicolau II ficou desmoralizado. Em paralelo a essa situação política desfavorável ao governo Czarista, a Rússia enfrentava uma grande crise econômica.

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Segundo Biasetto (2014), a fome e o inverno tornavam a vida insuportável e as revoltas se espalhavam. O imperador se negava a dar mais poder para o seu parlamento (Duma)12.

Em outubro de 1905, os operários de São Petersburgo organizaram um “soviete” ou conselho de representantes de operários eleitos nas fábricas. A função prática do Soviete de São Petersburgo era prover a cidade de uma espécie de governo municipal de emergência em um momento em que outras insti-tuições estavam paralisadas e uma greve geral estava em andamento. Tornou-se também um fórum político para os operários, e, em menor escala, para os socialistas dos partidos revolucionários (Trótski, então um menchevique, tornou-se um dos líderes do soviete) [...]. (FITZPATRICK, 2017, pag.105)

De fato, nesse momento os Sovietes não possuíam muita influência. Entretanto, com a participação de Trotsky, tal conselho passou a ter maior visibilidade. Com o aumento da influência política dos partidos Liberal e Bolchevique, Lênin e Trotsky, tornavam-se cada vez mais populares na Rússia, com ideias de igualdade para todos, que também eram implantadas aos poucos nas indústrias e nas fábricas. Tais partidos começaram a exigir novas mudanças no sistema de governo e na economia, exigências essas, que pressionaram o Czar a fazer mudanças e a ceder poder à Duma.

Para Biasetto (2014), pela primeira vez na história da Rússia todo o poder não estava nas mãos do imperador. A Rússia abriu-se ainda mais para a economia internacional e mais indústrias começaram a entrar em sua economia.

Infere-se, que de fato, o poder cedido à Duma foi um grande acontecimento que proporcionou um ganho econômico e social momentâneo à Rússia. Contudo, os líderes bolcheviques queriam ir além, acreditavam que a única saída possível era a revolução e a retirada total do Czar. A temática dessa teoria girava em torno do estabelecimento de um governo de trabalhadores, organizado pelos próprios trabalhadores, que seria capaz de consertar os imensos problemas sociais vividos pela Rússia.

Figura 3. Revolução de 1905

Fonte: http://pt.nextews.com/fdcf1da5/ _____________ 12 Duma Estatal do Império Russo foi uma assembleia legislativa do final do Império Russo. Foi convocada quatro vezes. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Duma_Estatal_do_Império_Russo

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Entretanto, a Revolução de 1908 não atingiu o ápice das propostas dos líderes Bolcheviques. Uma série de medidas tomadas pelo Czar Nicolau II, reconquistou a sua confiança junto ao sistema político, voltando a exercer o seu poder de forma absoluta. Tal fato se concretizou, em 1909, com a dissolução da Duma e a retomada das perseguições violentas aos seus opositores, sendo os principais, exilados. Assim, qualquer possibilidade de mudança política estava aniquilada.

4.1.1 A Rússia e a Primeira Guerra Mundial O quadro político menos tenso e favorável ao Czar, após o fim da revolução de 1905, foi alterado por mudanças repentinas. A partir de 1910, Nicolau II retomou seu interesse na posse do território da Áustria e a Turquia, já que as tendências geopolíti-cas à época apontavam sinais de vulnerabilidades nesses países. Segundo Biasetto (2017), dentro do seu jogo de poder, o controle sobre a Turquia daria à Rússia o desejado acesso ao estreito de Dardanelos e, assim, a possibilidade de dominar o comércio no mediterrâneo. A Áustria possuía o controle de territórios na Europa Central que muito interessavam à Rússia. Uma Áustria enfraquecida era o sinal para a Rússia iniciar um ousado projeto de conquista. As intrigas russas para exercer influência sobre a Sérvia e promover a conquista da Bósnia-Herzegovina acabaram culminando com o início da Primeira Guerra Mundial, em 1914.

Quando a guerra eclodiu na Europa em agosto de 1914, com Rússia aliada à França e à Inglaterra contra Alemanha e Áustria-Hungria, os emigrados políticos ficaram quase completamente apartados da Rússia, além de suportar os problemas normais de residentes forasteiros em tempos de guerra. No movimento socialista europeu como um todo, um grande número de antigos internacionalistas se tornou patriota da noite para o dia quando a guerra foi declarada. Os russos estavam menos inclinados que outros ao patriotismo sem reservas, mas muitos assumiram a postura “defensivista” de apoiar o esforço de guerra russo na medida em que isso representasse defesa do território russo. Lênin, porém, pertencia ao grupo menor de “derrotistas” que repudiavam inteiramente a causa de seu país: era uma guerra imperialista, no entender de Lênin, e a melhor perspectiva era uma derrota russa que pudesse talvez provocar uma guerra civil e uma revolução [...]. (FITZPATRICK, 2017, pag.117)

Esse contexto de pujantes controversas, alimentou os propósitos socialistas dos Mencheviques e Bolcheviques, restabelecendo um cenário político e social instável no país. A situação se agravava à medida que o exército russo perdia seu poder de combate na guerra.

Segundo Fitzpatrick (2017), o exército sofreu derrotas e perdas esmagadoras (um total de 5 milhões de baixas entre 1914 e 1917), e o exército alemão adentrou fundo nos territórios ocidentais do império, causando um fluxo caótico de refugiados para a Rússia central. Conforme os alemães avançavam, o moral das tropas russas caía cada vez mais. A situação dentro do país também se agravava, com greves nas fábricas e severas crises de fome no interior.

Assim, a entrada da Rússia na Primeira Guerra Mundial aumentou a vulnerabilidade do antigo regime Czarista e pode ser vista como elemento contribuidor para acentuar as insatisfações com a monarquia absolutista. Grande parcela da população passaram a não tolerar derrotas, e quando estas ocorriam, a sociedade

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voltava-se violentamente contra o governo absoluto de Nicolau II, apontando sua incompetência e sua incapacidade. Diante disso, as forças políticas de oposição voltavam a ganhar força.

4.2 REVOLUÇÃO DE FEVEREIRO

Os sucessivos eventos de 1916, não apenas ganharam vultosas repercussões, mais serviram para confirmar o fato de que os dias do Czar estavam contados. O exército russo foi aniquilado pelos alemães em algumas batalhas, entre elas a de Tannenberg. As poucas tropas que sobraram haviam perdido toda a vontade de lutar.

A situação se tornara insustentável. Reapareceram movimentos grevistas, os trabalhadores das fábricas se recusavam a trabalhar, as críticas de várias integrantes da sociedade Russa em relação ao governo Czarista cresceram, a população estava desacreditada e descontente com o direcionamento da maioria dos gêneros alimentí-cios para suprir as necessidades dos soldados em guerra, o que causava de certa maneira o desabastecimento em algumas cidades.

De fato, ao iniciar-se o ano de 1917 a situação só tendera ao agravamento: a inflação crescia, os transportes eram precários e a falta de alimentos era evidente. Até as classes mais instruídas passaram a considerar que o fim da dinastia era a solução mais adequada para a Rússia, por consequência, para tal, o fim do Império se fazia necessário.

Para Bastos (2012), as revoltas passaram a adquirir caráter político, deixando de ser somente um caso social. Os gritos da população constatavam essa mudança: aos clamores por pão, somavam-se os brados de “Abaixo ao Czar!”. Houve choques entre a polícia Czarista e o povo. Em meio a essas perturbações encontravam-se os soldados, cônscios de que precisavam fazer uma escolha: o dever moral para com o povo ou o juramento de obediência ao Czar.

Segundo Biasetto (2014), enquanto isso tudo ocorria, o Czar vivia no seu palácio comandando seus exércitos, fingindo que nada estava acontecendo. Começava assim, de fato, a Revolução Russa, que iria configurar o primeiro governo comunista da história.

Durante as verdadeiras batalhas de Petrogrado, a multidão dera mostra de um extraordinário nível de organização e de solidariedade. Segundo o memorialista N. Sukhanov (1965), “Toda a população civil se sentia contra o inimigo – a polícia e os militares. Os desconhecidos conversavam, fazendo perguntas e comentando as notícias, falando de choques com os inimigos e de seus momentos de distração”.

Deve-se ter em conta que a ausência de quadros experientes na militância na Revolução de Fevereiro não se restringia aos bolcheviques. Como informou Sukhanov (1965), simpático aos mencheviques em 1917, em relação a todos os partidos socialistas no início dos eventos do fevereiro russo “não havia nenhum dirigente com autoridade no lugar dos acontecimentos. Estavam todos no exílio, na prisão, ou no estrangeiro”.

As tensões se prolongaram e desaguaram nas jornadas de fevereiro, 23 a 27 de fevereiro (Calendário Juliano – CJ)13, conforme detalhadas no quadro a seguir.

_____________ 13 O calendário juliano foi criado pelo líder romano Júlio César no ano 46 a.C., na qualidade de pontífice máximo do Império Romano, a quem competia a tarefa de decidir quando se introduziam os meses intercalares no calendário romano tradicional, um calendário de tipo lunissolar. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Calend%C3%A1rio_juliano.

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Quadro 3 – Linha do Tempo da Revolução de Fevereiro Dia Acontecimento

23 de Fevereiro

Uma manifestação pelo Dia Internacional da Mulher, em São Petersburgo, transformou-se em uma manifestação contra a fome vivenciada por boa parte da população, milhares de operárias têxteis e de donas de casa saíram às ruas para protestar contra a carestia, denunciar a situação de fome e exigir pão aos trabalhadores e as suas famílias.

24 de Fevereiro

Cerca de 200 mil operários entraram em greve em Petro-grado 14 , impondo-se, de modo contundente, os gritos antigovernamentais e pacifistas junto com as reivindicações de abastecimento. No dia seguinte, a tentativa de repressão por parte das tropas faz aumentar ainda mais as mobilizações e o apoio social aos manifestantes, soldados dispararam ao ar expressando, desse modo, simpatia ao movimento.

26 de Fevereiro Verificou-se motins em diferentes regimentos e guarnições na capital.

27 de Fevereiro

Em Petrogrado, soldados e operários ocupam a fortaleza de Pedro e Paulo e libertaram prisioneiros políticos; ademais, saquearam o arsenal, apoderaram-se das armas e munições. Em consequência, a capital ficou por completo nas mãos dos insurretos: a bandeira vermelha tremulou sobre o Palácio de Inverno. Tal situação fez com que os membros da Duma se recusassem a obedecer às ordens expressas pelo Tzar para dispersarem e dissolver a assembleia. Os parlamentares russos decidiram continuar os trabalhos e a deliberar em uma sala que não era o recinto habitual de reuniões. O desenvolvimento das mobilizações de final de fevereiro levou à declaração do Governo Provisório por parte dos representantes parlamentares. Ao mesmo tempo que soldados e trabalhadores invadiram o Palácio Tauride, os operários e soldados constituíram novamente os sovietes.

Fonte: baseado em Melo (2017). Finalmente, em 3 de março, Nicolau II, abdicou do poder em favor de seu irmão

Miguel, cuja recusa em assumir a coroa, levou a Rússia a ser libertada do poder absoluto dos Czares, pondo fim à dinastia Romanov, que governava desde 1613. O nome Governo Provisório se deu à perspectiva de realização de uma Assembleia Constituinte para escolher a nova forma de governo. Cabe destacar a liderança nesse processo de estabelecimento do Governo Provisório, do então Deputado, Alexander Kerensky.

_____________ 14 Desde 1914 a cidade de São Petersburgo havia sido renomeada para Petrogrado.

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Segundo Melo (2017), suas ações decisivas no dia 27 de fevereiro possibilitaram aparecer como um dos líderes do processo. Ressaltando-se a sua chamada para desobedecer a ordem do Czar de dissolução do parlamento, seus discursos aos soldados amotinados, o seu enfrentamento aos ministros Czaristas e a sua participação nas mobilizações de rua. Aos olhos dos populares, essas iniciativas fizeram com que o deputado tornasse uma figura de destaque no cenário político e social.

Cabe ressaltar, que todo esse processo revolucionário que se desenvolveu em fevereiro (CJ), ficou conhecida como duplo poder, uma vez que a burguesia e a aristocracia organizaram-se na Duma, e os trabalhadores, soldados e camponeses organizaram-se nos sovietes. Acompanhado a esse dúbio poder, a principal reivindi-cação da população era a saída da guerra e medidas para aplacar a fome, além da distribuição de terras, que não foram atendidas a curta prazo, servindo de motivação para uma nova fase da revolução, a Revolução de Outubro.

Figura 4. Revolução de Fevereiro

Fonte: https://gz.diarioliberdade.org/mundo/

4.3 REVOLUÇÃO DE OUTUBRO O novo governo provisório, tolerado pelo Soviet de Petrogrado, esperava

continuar a guerra e envidar esforços para terminar com a escassez de alimentos e muitas outras mazelas sociais. Após Alexander Kerensky assumir definitivamente o governo provisório, passou a enfrentar tarefas de enormes proporções. Entre essas, a força do partido Bolchevique de Vladimir Lênin, líder revolucionário, que deixava seu exílio na Suíça e cruzava as linhas inimigas alemãs, retornando à Rússia, disposto a assumir o controle da Revolução.

Não há consenso entre os historiadores sobre o processo de tomada de poder bolchevique em outubro de 1917. Se havia sido um golpe de estado ou uma verdadeira revolução, obra dos operários e soldados radicais de Petrogrado. Entretanto, o aspecto mais notável do desencadear das ações, não foi nem a ousadia dos bolcheviques, nem o comportamento dos trabalhadores, mas a completa desintegração da autoridade governamental.

Além de Lênin, após a revolução de fevereiro, centenas de revolucionários saíram da cadeia ou voltaram de exílios na Sibéria e em toda a Europa. Nesse movimento, o momento crucial para a revolução socialista foi o estabelecimento das “Teses de Abril”, que foram uma série de diretivas emitidas pelo líder Bolcheviques, aos seus companheiros.

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Para Vianna (2017), as “Teses de Abril” são como que a certidão de nascimento da Revolução Russa. Elas foram decisivas para resolver uma questão fundamental que se colocava para os revolucionários, bolcheviques, mencheviques, anarquistas e social revolucionários: apoiar o governo provisório, consolidando uma República liberal burguesa, sem dúvida um imenso avanço em relação ao Czarismo, ou avançar rumo ao socialismo?

Divulgadas no vagão do trem, ao chegar à Estação Finlândia, Lênin colocava sua posição, ao afirmar que nenhuma concessão deveria ser feita, pois o momento político que vivia a Rússia, era de passagem pela primeira etapa da revolução, que acabara com o Czarismo e dera o poder à burguesia. O próximo passo deveria ser a ascensão do proletariado e dos camponeses pobres, por isso, nenhum apoio deveria se dado ao governo provisório. Tudo isso com base na seguinte teoria, contida no documento escrito por Lênin que norteou a segunda revolução: “terra aos campone-ses, fábrica aos operários e paz aos povos”.

Esses ideais só poderiam ser realizados com a queda do governo de Kerensky e com a entrega do poder aos conselhos de operários, camponeses e soldados. O lema para tal era: “todo poder aos sovietes”.

Nesse contexto, em setembro de 1917, foi eleito presidente do soviete de Petrogrado15, o líder bolchevique, Leon Trotsky. Uma de suas primeiras atitudes foi formar a Guarda Vermelha, constituída por uma força militar de operários. Essa mesma guarda, auxiliada pela tropa militar de Petrogrado e pelo cruzador Aurora (Navio de combate), iniciaram a insurreição.

Na madrugada de 25 de outubro, do Smolni, sede do Soviet de Petrogrado, partiram destacamentos para ocupar pontos estratégicos da cidade e tomaram o Palácio de Inverno, pondo fim ao governo provisório sem, praticamente, derramamento de sangue. O governo fugiu, deixando apenas um batalhão de mulheres na guarda do palácio. Não houve resistência [...]. (VIANA, 2017)

De fato, estava deposto Kerensky. As perspectivas de Lênin e dos Bolcheviques eram as mais favoráveis possíveis. Diante desse contexto, Lênin subiu à tribuna e proclamou que todo poder seria, a partir de então, transferidos aos sovietes de deputados operários, camponeses e soldados, sendo o próximo passo, a construção de uma nova ordem socialista. Para tal, um novo governo foi constituído, o Conselho de Comissários do Povo, dirigido por Lênin, que determinou a reforma agrária e estatizou bancos e fábricas, edificou a realização do lema bolchevique: “Paz, Terra e Pão”; organizou um armistício com a Alemanha em Brest-Litovsky, que retirava os russos da guerra, bem como preparava o país para consolidar a revolução internamente.

Entretanto, na medida em as coisas foram evoluindo, e sem a maioria no Congresso, os bolcheviques simplesmente dissolveram a Assembleia Constituinte e criaram o Partido Comunista, gradativamente reduzindo o poder popular e dos sovietes, transformando a ditadura do proletariado em uma ditadura do Partido Comunista, comandado por Lênin e Trotsky.

_____________ 15 Soviete de Petrogado - Um dos governos paralelo ao governo Provisório, composto por socialistas e

mencheviques.

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[...] assinou uma rendição incondicional com a Alemanha. O tratado de Brest-Litovsky foi extremamente cruel com os russos, que tiveram que renunciar a uma boa parte de seu território, além de um pagamento em ouro. Lênin cumpriu a sua promessa, apesar do alto custo. Ele também começou o seu projeto de retirar riquezas dos ricos para distribuir para os operários. As políticas de Lênin haviam transformado o país num caos e as coisas iriam piorar ainda mais [...]. (BIASETTO, 2017, pag.16)

A vitória dos Bolcheviques sobre o governo provisório, ao mesmo tempo que configurou um grande passo nos objetivos socialistas de Lênin, alimentou algumas oposições. Diante disso, um grupo de nobres e generais formou um movimento de oposição aos bolcheviques chamado: Rússia Branca. Segundo Fitzpatrick (2017), Friedrich Engels alertara que um partido socialista que tomasse prematuramente o poder poderia ver-se isolado e forçado a uma ditadura repressiva. Era evidente que os líderes bolcheviques, e Lênin em particular, estavam dispostos a assumir esse risco.

Figura 5. Revolução de Outubro

Fonte:http://anovademocracia.com.br/no-186/6890-100-anos-da-grande-revolucao-socialista-de-outubro

4.3.1 A Guerra Civil

A Revolução de Outubro revelou uma conduta peculiar dos Bolcheviques na con-dução política da Rússia pós regime Czarista. Nesse contexto de consolidação do poder, a Guerra Civil eclodiu em meados de 1918, após alguns meses da formalização da paz de Brest-Litovsk entre a Rússia e a Alemanha, que marcou a retirada definitiva das tropas russas da guerra que assolava o continente europeu.

O referido conflito se apresentou em várias frentes contra uma série de Exércitos Brancos (antibolcheviques). Os Brancos contavam com o apoio de diversos países, aos quais incluíam-se antigos aliados da Rússia na Primeira Guerra Mundial. Os bolcheviques possuíam uma visão peculiar desse conflito: viam-se envolvidos em uma luta de classes que abrangia a esfera doméstica, bem como a esfera internacional. Isso resumia-se na luta do proletariado russo contra a burguesia russa, e a revolução internacional contra o capitalismo internacional.

Na visão mais simplista, o governo Bolchevique buscava defender-se da ameaça contrarrevolucionária, e para tal, adotou medidas drásticas que ficaram conhecidas como Comunismo de Guerra. Os Bolchevistas, agora conhecidos por Comunistas,

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utilizaram-se do “Exército Vermelho” liderado por Trotsky. Ainda que, em condições não muito favoráveis, Trotsky organizou bem o seu exército, dando ênfase a disciplina e a unidade de comando no desenrolar dos conflitos. Do outro lado estavam ás forças contrarrevolucionárias, constituída por membros do absolutismo czarista, juntamente com a Burguesia capitalista, representada pelo “Exército Branco“. Tal exército era formado por ex-oficiais czaristas, por milícias composta por pessoas que estavam descontentes com o governo e por prisioneiros da Primeira Guerra Mundial que estavam em poder do Império Austríaco.

O conflito iniciou-se, de fato, em julho de 1918, após o assassinato do Embaixador alemão Von Mirbach, em Moscou. A partir de então, surgiram várias rebeliões contra o recém empossado governo Bolchevique de Lênin. Cabe destacar, que as forças absolutistas eram apoiadas por potências capitalistas como: Inglaterra, França, entre outros. Estes países enviaram voluntários para o Exército Branco, pois atemiam que a Revolução Socialista se espalhasse pela a Europa.

O comunismo de guerra, adotado âmbito Exército Vermelho, foi revestido por características peculiares, que mais tarde, iriam marcar a história do comunismo mundial. Em prol do esforço do conflito foram utilizados os recursos alimentícios e industriais. Estes recursos foram desviados para as linhas de defesa das fronteiras.

Confiscavam-se meios de produção industrial e agrícola, empregava-se o trabalho forçado e a mobilização em massa para o combate contra os Brancos.

O conflito findou-se em 1921, com Exército Branco saindo derrotado e com a ameaça externa descartada, confirmando, com isso, a hegemonia comunista sobre o pais.

Cabe ressaltar, que ao final da Guerra Civil, a Rússia estava totalmente arruinada. Milhões de pessoas morreram, principalmente de fome. Muitos camponeses sabendo que as produções de cereais seriam confiscadas para serem consumidas para o esforço de guerra, passaram a produzir apenas para o próprio consumo, fato que deixou os grandes centros urbanos sem suprimentos.

A Guerra Civil sem dúvida teve um enorme impacto sobre os bolcheviques e a jovem República Soviética. Ela polarizou a sociedade, causando ressentimentos e cicatrizes duradouros; e a intervenção estrangeira criou um permanente temor soviético de um “cerco capitalista” com elementos de paranoia e xenofobia. A Guerra Civil devastou a economia, levando a indústria quase à paralisação e esvaziando as cidades. Isso teve consequências tanto econômicas como sociais, pois significou uma desintegração e uma dispersão ao menos temporárias do proletariado industrial – a classe em cujo os bolcheviques tomaram o poder [...]. (FITZPATRICK, 2017, pag.230)

De fato, as perdas do lado dos Bolcheviques foram expressivas. Por outro lado, esses tiveram sua primeira experiência de governo e, em meio as incertezas, saíram vitoriosos, o que, sem dúvida, moldou o desenvolvimento subsequente do partido em muitos aspectos importantes. Historiadores do mundo inteiro consideram que a experiência da Guerra Civil “militarizou a cultura política revolucionária do movimento bolchevique”. 4.4 A NEP E O FUTURO DA REVOLUÇÃO

A vitória dos bolcheviques na Guerra Civil, não representou o fim dos problemas para Lênin. Pelo contrário, emergiu uma série de impasses internos de caos

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administrativo e devastação econômica. Diversas cidades encontravam-se esvaziadas, pessoas passavam fome, indústrias estagnadas, colheitas no campo diminuídas, emigração de parte da elite instruída do país, entre outros problemas.

O destino do núcleo proletário de operários industriais se mostrava em níveis alarmantes, com o fechamento de fábricas, convocação para o exército, promoção para cargos administrativos e, um dos mais relevantes, o êxodo das cidades, que reduzia o número de operários industriais.

Todo esse cenário, aliado a situação pós-guerra que deixou o regime soviético sem apoio externo, levou Lênin concluir que se tornara imperativo para os bolchevi-ques obter apoio do campesinato russo. Antes, porém desse passo determinante, Lênin teve que enfrentar mais um grave problema: a rebelião dos marinheiros na base naval de Kronstadt, na qual o Exército Vermelho levou 10 dias para vencer e massacrar Kronstadt, executando milhares de sobreviventes ou mandando-os para prisões na Sibéria.

[...] Os Kronstadtenses, heróis das jornadas de julho de 1917 e apoiadores dos bolcheviques na Revolução de Outubro, tornaram-se figuras quase lendárias na mitologia bolchevique. Agora, eles estavam repudiando a revolução bolchevique, denunciando “os desmandos arbitrários dos comissários” e clamando por uma verdadeira república soviética de operários e camponeses [...]. (FITZPATRICK, 2017, pag.306)

De fato, a revolta de Kronstad surgiu como uma eminente cisão de caminhos entre a classe operária e o partido Bolchevique. Com isso, o regime soviético, pela primeira vez, voltara suas armas contra o proletariado revolucionário. Do mesmo modo, impulsionou no seio da sociedade a insatisfação econômica e política, alertando ao governo vigente a necessidade da adoção de uma nova política econômica para substituir o programa do comunismo de guerra.

[...] Na primavera de 1921, Lênin ainda se opunha fortemente à legalização do comércio, encarando-a como uma negação dos princípios comunistas, mas em pouco tempo o renascimento espontâneo do comércio privado (com frequência sancionado por autoridades locais) presenteou a liderança bolchevique que com um fato consumado, que ela aceitou. Esses passos foram o início da Nova Política Econômica, conhecida pelo acrônimo NEP [...]. (FITZPATRICK, 2017, pag.309)

Constata-se que a adoção da NEP seria um caminho natural a ser seguido por Lênin. A NEP nada mais era do que um flerte com o sistema capitalista, a introdução de elementos capitalistas (provisórios e parciais), conciliados com bases socialista, com a função de dinamizar a economia russa, motivar a produção e garantir o abastecimento. Segundo o próprio Lênin, essa nova medida se resumia na seguinte frase: “Um passo para trás para dar dois passos para frente”.

Entre as medidas adotadas por Lênin com o novo plano econômico estavam privatizações, salários diferenciados de acordo com determinadas funções, abertura para o capital estrangeiro, pequena manufatura privada, o pequeno comércio e a venda livre de produtos pelos camponeses nos mercados. Apesar de ser um sucesso, a NEP foi abandonada a partir do momento em que Stálin centraliza o poder em suas mãos.

Em 1922, os bolcheviques, que já haviam se transformado no Partido Comunista, Proclamam a chamada União Soviética, que era composta inicialmente pela Rússia,

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Ucrânia, Bielorússia e a República Transcaucasiana. Lênin se torna o primeiro Presidente do Conselho de Comissários do Povo, ou seja, líder da URSS. Por meio da assinatura do Tratado de Criação da União Soviética, legalizou-se a união de diferentes repúblicas soviéticas e criou um novo governo federal centralizado e conformado por um poder legislativo, cujas principais funções foram centralizadas em Moscou. O Tratado tinha um desenho flexível que permitia a incorporação de novas repúblicas como membros da federação.

Lênin, o grande líder da revolução morreu em 1924, ocasião essa, que passou a aflorar uma disputa de poder entre Trotsky e Stalin. Trotsky defendia concepção de uma revolução permanente, difundindo o socialismo pelo mundo e Stálin, queria a consolidação da revolução internamente, com a estruturação do estado socialista, para posteriormente tentar expandir o socialismo na Europa. Aos poucos Stalin con-seguiu influenciar a burocracia russa, acostumada desde outrora apoiar o czarismo, derrotando Trotsky e assumindo o poder na União Soviética. Assim, o futuro da Revolução estava indefinido.

4.5 A REVOLUÇÃO DE STÁLIN

Com a morte de Lênin e a superação na oposição política a Trotsky, Stálin assume o poder da URSS em 1924 e governa até 1953. Seu projeto iniciou-se quando assumiu o controle do Partido Comunista, supervisionando todos os sovietes. A partir de então, cassou de forma efusiva todos que se mostrassem uma ameaça, utilizando-se bastante da polícia política.

Seu principal opositor, Trotsky, foi intensamente perseguido e forçado a se isolar no México em 1929. Durante a década de 1930 continuou seu projeto de, ocultar de alguma forma, todos os potenciais opositores. Tal política ficou conhecida como “expurgos de Moscou”. Grande número de pessoas foram conduzidas para campos de trabalho forçado, as Gulags (Administração Central dos Campos), que consistia em uma rede de campos de prisioneiros, onde condenados por crimes contra o Estado eram isolados e submetidos a trabalhos forçados.

De maneira resumida, no aspecto político, Stálin exerceu forte controle sobre as atividades do Partido Comunista. Os diversos setores da época só tinham espaço na medida em que concordavam com os preceitos stalinistas. Dessa maneira, o stalinismo se arraigou com traços claramente ditatoriais que contrariavam as ideias libertárias e igualitárias do socialismo.

De fato, a administração política de Stálin evidenciou a violência a qualquer forma de oposição. Entretanto, seu projeto de poder revolucionário não se limitou a tal postura. Na esfera psicossocial, instituiu o que historicamente passou a ser conhecido como “culto à personalidade”, onde procurava-se, insistentemente, reforçar a imagem do líder e denegrir a imagem dos opositores. Para tal, passou a materializar seu poder por meio da utilização de uma forte propaganda com o intuito de ser transformado em um mito.

Diante desse cenário, onde a URSS se deparava com a personalidade radical de seu líder, o país se viu envolto por mudanças econômicas expressivas.

O impulso às atividades econômicas, providenciado pela NEP, permitiu um crescimento da produção e uma melhoria geral da vida da população. Todavia, o atraso no desenvolvimento das forças produtivas ainda era muito grande. Por isso, a partir do intenso debate econômico no interior do partido, surgiram os Planos Quinquenais como forma de impulsionar o desenvolvi -

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mento econômico mais rapidamente. Para alguns teóricos, a construção do socialismo implicaria uma “acumulação socialista primitiva”[...]. (TONET, 2017)

Constata-se um abandono da NEP por Stálin, com o intuito estabelecer a socialização total com a adoção por meio dos planos quinquenais, que por seu turno, tinha como objetivo sintético, industrializar e modernizar a União Soviética.

No meio rural foi feita a coletivização, utilizando-se fazendas estatais (sovkho-zes) e cooperativas (kolkhzones). Para Fitzpatrick (2017), os bolcheviques sempre acreditaram que a agricultura coletivizada era superior à pequena agricultura camponesa individual, mas se percebeu durante a NEP que converter os camponeses a esse ponto de vista seria um processo longo e difícil. Entretanto, essa visão foi superada com o poder coercitivo que Stálin exercia.

Cabe ressaltar que na gestão stalinista, desenvolveu-se a 2ª Guerra Mundial, por meio da qual, a URSS demonstrou toda sua força militar e política, fazendo progressivamente, o exército alemão recuar, até Berlim. Pelo caminho, o Exército Vermelho libertou os países da Europa do Leste da influência nazista, nos quais impôs exigências como abastecimento de suas tropas, a manutenção da ordem e a proibição de partidos não democráticos.

Nesse contexto político, os partidos comunistas passaram a ganhar espaço em diversos países e conquistar posições importantes e influentes. Por volta de 1948, já todos os países da Europa de Leste haviam aderido ao socialismo. Estes construíram-se à imagem do modelo soviético e da ideologia marxista e, como tal passaram a defender a gestão do estado como pertencente às classes trabalhadoras, uma vez que constituíam a grande maioria da população.

4.6 CONSIDERAÇÕES PARCIAIS

Delimitar cronologicamente a Revolução Russa se torna muito difícil. Entretanto, existe um consenso histórico sobre o seu início, porém uma certa desconfiança sobre o seu fim. Uma série de acontecimentos delinearam o cenário peculiar de uma nação tipicamente socialista em processo de construção.

De fato, o viés soviético do Socialismo serviu de maneira marcante à escola da Humanidade. Respeitando-se os erros e os acertos nessa caminhada, é mister registrar que o povo russo pagou com seu próprio sangue a tentativa de implantar uma sociedade pautada na igualdade social.

As derivações da teoria marxista convencional e os percalços na política interna do país, provocaram inúmeras hostilidades que dificultaram o estabelecimento de uma identidade nacional. As falhas e acertos permitiram e ainda permitem, que as futuras sociedades que se identificam com os mesmos princípios, não necessitem percorrer o mesmo caminho.

Diante do exposto, a Revolução Russa estabeleceu as bases críticas para socialismo e para comunismo, mundialmente. A partir dos eventos transcorridos durante essa fase da história, essas ideologias ganharam expressão, impactando todo cenário internacional.

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5 A REVOLUÇÃO RUSSA E A GEOPOLÍTICA MUNDIAL

A série de acontecimentos provenientes da Revolução Russa, deixou suas marcas no cenário internacional, assinalando a transição para uma fase de instabilidades ideológicas, intensificando-se logo no período após a Segunda Guerra Mundial, com o advento da Guerra Fria. No início desse período, o mundo contava com apenas dois países comunistas: a URSS (1917) e a Mongólia (1924). Diante desse contexto, o expansionismo comunismo se deu, em grande parte, sob liderança da URSS que, beneficiou-se por uma condição militar forte, valendo-se do processo de descolonização de algumas nações. Tudo isso trazendo como pauta principal a expansão dos ideais do marxismo-leninismo.

Segundo Fitzpatrick (2017) a Revolução Russa foi a grande revolução do século XX, o símbolo do socialismo, do anti-imperialismo, a rejeição da velha ordem na Europa. Para o bem ou para o mal, os movimentos socialista e comunista internacionais do século XX viveram sob sua sombra, assim como os movimentos de libertação do Terceiro Mundo na era do pós-guerra. Foi a Revolução Russa que representou para alguns a esperança de libertar-se da opressão, e para outros provocou pesadelos de um triunfo mundial do comunismo.

Após a Segunda Guerra Mundial passou a ser expressiva a doutrina socialista pregada por Antônio Gramsci, fruto da publicação dos Cadernos do Cárcere. Para Coutinho (2012) Gramsci, embora visse a perspectiva internacional do movimento revolucionário, concordava que o ponto de partida seria o nacional. Em outras palavras, a transição para o socialismo se faria em cada sociedade nacional, a partir da qual seria transferida ou se irradiaria para outros países. Assim, para cada país que se socializasse, transformar-se-ia em um centro irradiador. A posição de Gramsci foi inquestionavelmente internacionalista, coerente com o marxismo, como se manifestou na divergência entre Trotski (revolução permanente, internacionalismo) e Stalin (revolução em um só país).

Nesse contexto, no qual a Revolução Russa estabeleceu uma definição do socialismo como a tomada do poder do Estado e de seu uso para a transformação econômica e social, ocorreram modificações políticas em diversos países, impulsionando eventos que contrapuseram o capitalismo e o socialismo. Diante disso, com o propósito de demonstrar a força com o qual esse evento passou a influenciar outras nações no mundo, neste capítulo serão abordados os fatos mais relevantes no período da Guerra Fria e após a queda da URSS. Todo esse arcabouço histórico com foco para servir de argumento para levantar os legados da Revolução Russa que reverberam no contexto mundial até os dias atuais. 5.1 IMPACTOS DA REVOLUÇÃO RUSSA NO SÉCULO XX A definição de Guerra Fria pode ser entendida como um imaginado conflito militar, que na verdade nunca aconteceu, a não ser nos campos político e ideológico, entre os Estados Unidos da América (EUA) e a URSS. Essas superpotências que integram o Conselho de Segurança (CS) da Organização das Nações Unidas (ONU), instituição criada em 1945, possuíam elevados arsenais nucleares e passaram a adotar uma postura de ameaça mútua após o término da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Para Xavier (2010) a supremacia dos EUA foi a principal característica das primeiras duas décadas após a Segunda Grande Guerra. A economia capitalista

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crescia aceleradamente, assim como o perfil consumista, o qual se tornou modelo a ser seguido pela sociedade da era pós-Grande Depressão. Os eventos que eclodiram nesse período em muito tiveram relação com a força da proposta comunista oriunda da Revolução Russa. Marcaram o período da Guerra fria a frente da URSS, os seguintes governantes: Joseph Stalin (1924-1953), Gueorgui Malenkov (1953-1955), e posteriormente, Nikita Khushchev (1955-1964), Leonid Brezhnev (1964-1982), Yuri Andropov (1982 – 1984), Konstantin Chernenko (1984- 1985) e, por fim, Mikhail Gorbachev (1985-1991). Com esses governantes a URSS procurou se fazer presente no cenário internacional com a expansão de uma política socialista e comunista. Fato esse, corroborado pela influência que a Rússia já exercia sobre as repúblicas soviéticas, particularmente no leste europeu. Segundo Tonet (2017) a luta entre capital e trabalho permanece tributária do caminho aberto pela Revolução Russa.

Toda a estratégia foi traçada para proteger “a pátria do socialismo”. Todos os partidos comunistas seguiram, com suas especificidades, o modelo teórico e prático do PC da URSS, assim como a relação entre partidos e sindicatos e entre Estados (ditos socialistas) Tonet (2017, apud CLAUDIN, 1985)

Portanto, a URSS, sendo uma das nações vitoriosas na Segunda Guerra e dotada de um poder bélico relevante, ao final de 1945, foi fácil acreditar que a tendência era o comunismo autoritário, ao invés do capitalismo democrático. Sendo assim, a URSS resolveu impor o seu novo sistema e caminhou para a disputa política, econômica e geopolítica de encontro aos EUA, representante do sistema vigente da época, o capitalismo.

Externada a guerra ideológica e geopolítica entre os EUA e a URSS, cabe destacar, que face a preocupação do avanço comunista no cenário internacional, em 1947, o então presidente dos EUA, Harry S. Truman pronunciou diante do Congresso estadunidense a sua doutrina instada com o propósito de proteger o mundo capitalista contra a ameaça comunista latente à época. Diante disso, tal doutrina marcou o início das disputas geopolíticas da Guerra Fria. Dentro desse mesmo contexto, somou-se o anúncio do secretário de Estado, George Marshall, de um plano que visava o apoio econômico e militar dos EUA à Grécia e à Turquia, e a outros países europeus, denominado de Plano Marshall, acirrando a condição de bipolarização que se estabelecia no mundo.

Diante do Plano Marshall, e com sua autoconfiança perturbada, Stalin anunciou a criação do COMINFORM, em setembro de 1947, em lugar do antigo COMINTERN, implantando, destarte, a ortodoxia no movimento comunista internacional. Seu propósito era coordenar ações entre partidos comunistas sob orientação soviética, bem como responder às divergências dos países do Leste Europeu quanto comparecer ou não à conferência do Plano Marshall em Paris. Além deste organismo, Stalin também criou o COMECON, versão soviética do Plano Marshall, qual seja, um conselho planejado para incrementar o auxílio econômico mútuo entre os países do bloco comunista. A consolidação de sua presença no Leste europeu dependia apenas da solução a ser encontrada para a Alemanha[...]. (XAVIER, 2010)

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De fato, o advento do COMINFORM em contraponto a doutrina Truman, potencializou os propósitos da URSS em relação a expansão comunista e do socialismo no mundo. Diante desse contexto, vários eventos pontuais marcaram o referido propósito, alguns desses eventos, considerados impactos da Revolução Russa no cenário internacional, serão abordados a seguir.

5.1.1 Bloqueio a cidade de Berlim

Com o término da Segunda Guerra Mundial, na Conferência de Potsdam, os aliados acordaram dividir a Alemanha derrotada em quatro zonas de ocupação. Esse conceito também foi aplicado a Berlim, que foi então partilhada em quatro setores, o setor francês, setor britânico, setor americano e o setor soviético. Como Berlim havia ficado bem no centro da zona de ocupação soviética da Alemanha, as zonas americana, britânica e francesa em Berlim encontravam-se cercadas por território ocupado pelo Exército Vermelho.

As três potências ocidentais (Inglaterra, França e EUA) faziam o melhor que podiam pela organização econômica e política de suas zonas. Stalin, por seu turno, tratava sua zona como satélite drenando seus recursos. Com o apoio das forças de ocupação soviéticas, o Partido Comunista, deu início a uma ditadura na Alemanha Oriental. Grande parte da população oriental, entretanto, não concordou com o novo sistema político e econômico. Consequentemente, iniciou-se uma migração em massa para o ocidente, motivados pela combinação de razões políticas, econômicas e pessoais.

As potências ocidentais contaram com o Plano Marshall, para alavancar ainda mais o clima de prosperidade, diante disso, as três zonas ocidentais da Alemanha se uniram para formar uma unidade econômica forte. Esse projeto, inicialmente, contava com a unificação de todas as zonas e a consagração de um autogoverno. Entretanto, Stalin resistiu, mantendo a sua zona separada, com um governo comunista, diretamente ligado à URSS.

O local onde se visualizava mais o agravamento dessas divergências era a cidade de Berlim, pois a capital da Alemanha encontrava-se dividida, dentro da zona soviética. Para eles era inadmissível uma ilha de capitalismo dentro da zona comunista. Assim, como resposta a esse problema, Stálin fechou todas as ligações por estradas, ferrovias e canais entre Berlim Ocidental e a Alemanha Ocidental. O objetivo era forçar o Ocidente a se retirar de Berlim.

Sendo assim, o Bloqueio de Berlim marcou o cenário internacional no contexto da Guerra fria como uma das primeiras tentativas de fortalecimento e influência do comunismo na Europa. 5.1.2 Proclamação da República Popular da China

A proclamação da República Popular da China foi o evento que marcou o fim da Guerra Civil Chinesa entre nacionalistas, representados pelo movimento republicano Kuomintang, e comunistas, representados pelo Partido Comunista Chinês. Em que pese ter suas origens no início do século XX, o conflito se intensificou no final da Segunda Guerra Mundial, período em que as duas frentes políticas mantiveram uma difícil trégua com o objetivo de enfrentar um inimigo em comum, que foi a invasão japonesa. Passados anos de guerrilha, os comunistas expulsaram o Kuomintang para a ilha de Taiwan e criaram o novo governo na China, liderado por Mao Tsé-tung. No contexto da Guerra Fria, cabe citar Xavier (2017), de maneira a orientar

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posicionamento do comunismo nesse cenário e resgatar uma possível ligação com os preceitos instituídos anos antes com a Revolução Russa.

Um novo cenário de expansão da Guerra Fria ocorreu em 1º de outubro de 1949, na Praça da Paz Celestial em Pequim, com a proclamação da República Popular da China pelo vitorioso Mao Tsé-tung, marcando o término da guerra civil chinesa que durou quase vinte e cinco anos. Tal vitória representou um revés para a política americana, pois o país era o principal aliado de Washington da região da Ásia Oriental e do Pacífico. Mas, por outro lado, os louros foram revertidos para a URSS, pois a China tornou-se a sua nova aliada, formando com ela uma frente internacional unida pelo proletariado e pelas massas populares de todas as nações, desaguando, em dezembro de 1949, no Tratado Sino-Soviético, cujo objetivo era o auxílio mútuo entre URSS e China em caso de ataque externo[...]. (XAVIER, 2010)

Cabe inferir que a Proclamação da República popular da China se configurou um viés de expansão do socialismo no cenário internacional, fato esse que fortaleceu a luta do proletariado, defendida outrora por Karl Marx e posta em prática vitoriosamente pelos Bolcheviques na Revolução Russa.

5.1.3 Guerra entre as Coreias

Logo na sequência da declaração do apoio de Mao à URSS, eclodiu uma guerra que envolveu as duas Coreias, Coréia do Norte e Coreia do Sul. Em junho de 1950 a Coreia do Norte realizou um ataque direcionado ao Sul do paralelo 38, o que configurou uma agressão efetiva a Coreia do Sul, uma vez que o paralelo 38 era o limite que dividia a Península da Coreia, estabelecido entre Moscou e Washington desde 1945.

A ONU condenou o ataque da Coreia do Norte à Coreia do Sul e, por isso, enviaram suas forças militares para repelir a invasão, mediante o comando do general americano MacArthur. A frente internacional retomou a costa oeste que estava ocupada pelo exército nortecoreano, chegando a Inchon, cidade próxima a Seul, derrotando os nortecoreanos, libertando Seul e mantendo sua supremacia no sul. Meses após, o Sul invade a República Democrática da Coreia como esta havia feito, e, mais adiante, tomam a capital Pyongyang. Em novembro, as tropas aproximam-se da fronteira com a China, fazendo com que esta enviasse homens para se aliarem à Coreia do Norte, surgindo como mais um ator no conflito. O apoio chinês fez com que as Nações Unidas fossem repelidas para o sul, e a luta pelo paralelo 38 continuou. Porém, após três anos de conflito, em 1953, veio o armistício, mediante o acordo estabelecido em Panmunjon, mas até hoje não foi assinado o Tratado de paz entre as Coreias.

Perceptíveis são os interesses que motivaram e cercaram esse conflito. De um lado o comunismo da Coreia do Norte, que buscava o aumento de sua área de influência com a unificação das Coreias, de outro, a Coreia do Sul, que não pretendia se declinar aos jugos do comunismo. Indiretamente estrou em curso o propósito da URSS em apoio a Coreia do Norte, que com a unificação das Coreias sob a égide do comunismo, seria mais um passo rumo a ascensão do proletariado no cenário internacional, sendo um legado da proposta Bolchevique oriunda da Revolução Russa.

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5.1.4 Pacto de Varsóvia O Pacto de Varsóvia ou Tratado de Varsóvia, foi um acordo de cooperação militar

firmado em 17 de maio de 1955 pelos oito países que formavam o Bloco do Leste, de natureza socialista, sendo esses: União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (líder), Bulgária, Polônia, Tchecoslováquia, Hungria, República Democrática Alemã (Alemanha Oriental), Albânia e Romênia.

Sua criação foi direcionada para ser um bloco militar que pudesse fazer frente à OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), composta por países capitalistas e liderada pelos Estados Unidos. Nesse contexto seus objetivos enquadravam-se em: proteger os países membros de um possível ataque militar da OTAN, defesa mútua em caso de ataque a algum país membro, organizar militarmente os países do Bloco do Leste, sendo estabelecido um Estado Maior conjunto que serviria para coordenar os esforços nacionais em caso de guerra e evitar uma declaração de guerra entre os países membros e as potências ocidentais.

Assim, a consolidação do Pacto de Varsóvia, mesmo que temporariamente, até sua dissolução em 1989, marcou o fortalecimento do socialismo âmbito mundial por meio de uma aliança militar contra os países capitalistas ocidentais. 5.1.5 Levante Húngaro

A década de 1950, o socialista imperava no leste europeu, graças à influência soviética proposta por Stálin. Essa proposta levava em consideração a instalação de governos interessados em proteger o interesse das classes trabalhadoras, que se tornaram uma realidade nas áreas de influências sobre tutela socialista. Entretanto, tal condição não foi de toda aceita na Europa. O levante popular, ocorrido nas ruas de Budapeste, em 1956, contra a proposta soviética, foi um marcante evento no contexto do século XX que envolvera os propósitos soviéticos cultivados por russos desde de a Revolução Bolchevique de 1917.

Iniciado em 28 de junho de 1956, quando os húngaros, inspirados no exemplo de poloneses que se mobilizaram reivindicando a realização de eleições livres, melhores condições de vida e a retirada do exército soviético, passaram a protestar contra o domínio socialista no país. Uma das fontes de inspiração ao movimento foi o Esgotamento com os governos de Enro Gero e Matias Rakosi, que entre outros problemas, apresentava baixos índices econômicos, o que colocou em cheque esse modelo político centrado na influência dos soviéticos. Diante desse fato, potencializado pela derrubada da estátua de Stalin por populares, na Praça dos Heróis, o levante desencadeou, sendo reprimido por tanques T-34 e a força de seis mil soldados russos sitiaram a capital da Hungria.

Observando a dimensão que a revolta tomava, o governo soviético resolveu organizar uma trégua com a retirada das tropas do Exército Vermelho da Hungria. Logo em seguida, uma violenta ação realizou a desarticulação do movimento popular e a imposição de Janos Kadar, traidor do movimento revolucionário, no poder. No dia 4 de novembro de 1956, uma nova força soviética – composta por mais tanques, soldados e aviões – realizou uma grande destruição pelas ruas de Budapeste.

A aniquilação dos populares resultou na promoção de um conflito que se estendeu por três semanas contra uma leva de revoltosos armados de forma precária. Mesmo com a derrota, o evento expunha claramente as fissuras e desmandos que rondavam a feição centralizadora do socialismo soviético.

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5.1.6 Revolução Cubana Os antecedentes da Revolução Cubana residem no processo de independência

do país que foi obtida por meio de uma guerra entre Estados Unidos e Espanha. Em 1898, com a derrota espanhola, os Estados Unidos passam a exercer uma influência considerável na ilha. Nesse contexto, a fim de consolidar tal influência, o Senado americano aprovou o projeto do senador Oliver Platt que obrigava os cubanos a incorporarem à sua Constituição a "Emenda Platt", dando aos americanos o direito de intervir no país em caso de instabilidade política. Assim, houve o início à tutela político-econômica e militar norte-americana sobre Cuba.

Em 1952, o presidente Fulgêncio Batista, assumiu o poder por meio de um golpe de Estado. Apoiado pelos norte-americanos, Batista instalou um regime corrupto e violento, que degradava alguns ramos da sociedade, surgindo assim, uma liderança que capitaneou o movimento revolucionário.

Diante disso, em 1953, sob a liderança do advogado Fidel Castro, os setores democráticos, se uniram contra a influência dos Estados Unidos e do governo de Fulgêncio Batista, com o propósito de derrotá-los, lançaram-se em um ataque malsucedido contra o quartel de Moncada, em Santiago de Cuba, o que proporcionou a prisão de Fidel e seu exilio, anos depois, no México.

Entretanto, Fidel não desistiu de seu objetivo, do México, organizou um grupo de guerrilheiros, com o apoio de revolucionários como Ernesto Che Guevara, entre outros voluntários. Quando, em 1956, realizou o desembarque em Cuba, montando um foco de guerrilha em Sierra Mestra. Dessa localidade partiram para o combate descisivo.

Em 1959, após relevantes vitórias militares e a ocupação de várias cidades, a revolução teve êxito. Com isso, Fulgêncio Batista foge de avião para a República Dominicana e Fidel assume o poder, se tornando presidente, tempos depois. Cabe destacar que as ideias de Fidel Castro, até então, eram as de um democrata nacionalista de formação liberal, somente mais tarde, em 1961, abraçaria o marxismo, alinhando-se ao comunismo soviético.

A Revolução Cubana, que em 1959 inaugurou a Guerra Fria nas Américas, fazendo de Cuba uma nova aliada de Kruschev, inclusive para dissipar a ideologia marxista-leninista na América Latina, aproveitando-se, também, do fato de que o governo de Eisenhower havia rompido suas relações diplomáticas com o país[...]. (XAVIER, 2010)

De fato, a Revolução Cubana representou um ganho no que se refere a dissipação da ideologia marxista, além do continente europeu. As raízes revolucionárias defendidas na Revolução Russa passaram a impactar o cenário internacional, já em continente americano, área de influência dos EUA no contexto da Guerra Fria.

5.1.7 Construção do Muro de Berlim Em agosto de 1961 foi iniciada a construção do Muro de Berlim pela República Democrática Alemã (Alemanha Oriental). Consistia em uma barreira física que circundava Berlim Ocidental, separando-a da Alemanha Oriental, incluindo Berlim Oriental. O muro era protegido por guardas, a fim de evitar sua transposição.

Além da barreira física, o muro também simbolizava a divisão ideológica do mundo em dois blocos: República Federal da Alemanha (RFA), formado pelos países capitalistas, e a República Democrática Alemã (RDA), composto por países socialistas

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simpatizantes do regime soviético. O muro de Berlim só foi derrubado no dia 9 de novembro de 1989 após uma série de movimentos revolucionários no leste europeu.

Assim, com a construção do Muro de Berlim foi demonstrado a força que o socialismo passou exercer no cenário internacional, com a presença efetiva no continente europeu, rivalizando com as grandes potências capitalista. Com isso, a expansão do socialismo cumpria mais uma etapa do propósito estabelecido durante a Revolução Russa, resgatando os ideais Marxista-leninista. 5.1.8 Crise dos Mísseis Um dos fatos marcantes da Guerra Fria foi conhecido como Crise dos Mísseis, ocorrido em outubro de 1962. Configurou com o maior momento de tensão entre as duas grandes superpotências políticas e militares da época, EUA e URSS; tensão esta gerada pela instalação de mísseis balísticos nucleares, por parte da URSS, em solo cubano, com capacidade de atingir o território estadunidense. Fruto do alinhamento de Fidel Castro com o regime comunista da URSS, em 1961, o objetivo de Cuba, ao aceitar a instalação dos mísseis soviéticos, era forçar os EUA a debelar qualquer nova tentativa de invasão ou oposição ao regime cubano que ameaçasse seu processo de consolidação, evitando, com isso, de associação a cubanos contrarrevolucionários.

Durante os dias de impasse, autoridades soviéticas e americanas tentaram chegar a uma solução, já que a URSS também se sentia pressionada pela presença de mísseis balísticos americanos na Turquia. A tensão chegou ao ápice quando um avião U-2 foi abatido pelo exército cubano, provocando a morte do piloto americano. O mundo se mobilizou em torno da perspectiva da iminência de uma guerra nuclear

Entretanto a tensão foi solucionada no campo diplomático com a concessão de ambos os lados. Os EUA se comprometeram a não invadir a ilha, bem como de retirarem os mísseis da Turquia. Ao mesmo tempo, que a condição para tal concessão seria a retirada dos mísseis soviéticos de Cuba.

Assim, a Crise dos Mísseis demonstrou a força que o regime soviético comunista passou a exercer no cenário internacional, em particular no continente americano, resgatando o objetivo de uma revolução global, proposta pelos bolcheviques durante a Revolução Russa.

5.1.9 Migração do Vietnã, Laos e Camboja para governos comunistas

A construção da história política desses países, iniciou-se quando esses pertenciam à chamada Indochina, que desde a segunda metade do século XIX encontrava-se sobre domínio da francês. O Vietnã tornou-se independente em 1954 e posteriormente o país foi dividido em duas zonas: Vietnã do Norte, de orientação comunista e Vietnã do Sul, não comunista. Essa condição perdurou até a eclosão de uma rebelião no Sul contra o governo corrupto que vigorava, com o apoio de tropas do Vietnã do Norte. Essa tropa de guerrilha do Vietnã do Norte ficou conhecida como Vietcongs. Os EUA passaram a intervir nesse conflito, defendendo os interesses do Sul, não comunista, procurando barrar o avanço do comunismo na região, culminando com a guerra do Vietnã que se estendeu por mais tempo do que o esperado por ambos os lados do conflito, causando expressivo número de baixas. Como consequência, os EUA se retirou da guerra a partir de 1973, e em 1975 o pais foi reunificado sob um governo comunista. Laos e Camboja e Minamar (antiga Birmânia), vizinhos da região acabaram adotando, também governos comunistas.

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Dessa maneira, a adoção de governos socialistas no Vietnã, Laos, Camboja e Minamar, tornou a região do sudeste asiático como mais um polo irradiador do socialismo no conserto das nações. Diante disso, tal fato resgatou um dos propósitos Marxista-leninista defendidos pela Revolução Russa.

5.1.10 Descolonização no continente africano Logo após o término da Segunda Guerra Mundial a maioria dos movimentos de independência nos países africanos não se preocupava com ideologias, mas sim em garantir ajuda financeira e militar, sendo algumas dessas ajudas advinda da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.

A maioria das antigas colônias francesas e portuguesas tornaram-se independentes graças à ajuda diplomática, financeira e militar do bloco de leste. Angola, Moçambique, Mali ou na Guiné-Conacri, e muitos outros países africanos, estavam em contato com a URSS.

Nos países africanos de língua portuguesa, partidos marxista-leninistas assumiram o poder, depois das independências durante a década de 70. Fato esse corroborado, a partir dos anos 60, com a empreitada de revolucionários cubanos, incluindo Che Guevara, percorrendo as savanas africanas no apoio aos movimentos independentistas. O marxismo-leninismo encontrou uma grande permeabilidade em Moçambique, em 1975 e Angola, em 1976. As duas nações tinham acabado de conquistar suas independências de Portugal. Isso causou alarme no cenário internacional e interferências do mundo capitalista, no contexto da Guerra Fria.

Diante disso, a descolonização no continente africano configurou-se como outro fator de expansão do socialismo no cenário internacional, resgatando, com isso, os propósitos da Revolução Russa cultuados por Lênin.

5.1.11 Queda do muro de Berlim Em novembro de 1989, as propostas comunistas conduzidas no cenário da Guerra Fria sofreram um importante revés, ocorria nessa ocasião a queda do Muro de Berlim. Em meio as grandes manifestações civis de protesto, o governo da RDA permitiu que os moradores da parte oriental de Berlim, pudessem atravessar o muro que os separava do lado ocidental. Diante desse fato, milhares de berlinenses rumaram à imensa barreira de concreto, atravessando-a e unindo-se aos berlinenses ocidentais. Uma grande euforia tomou conta dos berlinenses, que aos poucos, foram derrubando partes do muro e dias depois, ocorrera sua completa demolição. Caía o maior símbolo da Guerra Fria, as repercussões desse evento propagaram-se no cenário internacional.

A queda do muro de Berlim foi o marco para a decadência do regime comunista com o fim da “Cortina de Ferro”, constituída pela União Soviética e pelos países socialistas do leste europeu. Com isso, outros países do bloco comunista quebraram as amarras e, um a um, derrubaram e extinguiram os seus regimes, bem como provocou a reunificação da Alemanha.

De fato, a queda do Muro de Berlim frustrou as ambições soviéticas de domínio do leste europeu sob influência de governos socialistas ligados a URSS. De maneira indireta, tal fato arrefeceu as propostas Marxista-leninista cultuadas durante a Revolução Bolchevique de 1917.

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5.1.12 Dissolução da URSS Em 1980 a URSS passou por grandes modificações. Essas se configuraram logo

nas primeiras décadas quando Leonid Brejnev deixou o cargo de presidente para a sucessão de Yuri Andropov e Konstantin Chernenko no governo da URSS. Os governos de Andropov e Chernenko potencializaram ainda mais a situação desfavorável da economia soviética e, com o aumento das guerras na década de 1970, a URSS precisou acelerar ainda mais sua produção bélica para acompanhar os Estados Unidos.

A elevada produção bélica, na chamada “corrida armamentista”, fez com que o governo soviético gastasse um capital que serviria para melhorar os índices sociais de sua nação, levando o país a uma forte crise econômica e social na década de 1980. As petrolíferas sofreram sem investimentos estatais, levando a decadência o ramo energético do país. A burocratização agravou ainda mais a situação do governo, potencializando a crise política, econômica e social do país.

Ao assumir a URSS em 1985, Mikhail Gorbachev encontrou a situação política e econômica das repúblicas, um tanto quanto conturbada. Como medida para amenizar os óbices encontrados lançou um programa de reformas que provocaram transformações profundas no mundo soviético. Esses programas ficaram conhecidos como Glasnot (transparência) e Perestroika (reestruturação).

Por meio da glasnot, pretendia-se provocar uma gradual abertura política do regime soviético, como a diminuição da censura na imprensa e maior liberdade de expressão. Dentro desse cenário, os presos políticos ganharam a liberdade e velhos políticos foram substituídos por reformistas. Já com o advento da Perestroika, Gorbachev buscava reorganizar a economia, tornando-a menos controlada pelo Estado. Estas reformas se faziam necessárias, uma vez que as estruturas políticas e econômicas soviéticas estagnaram a administração das repúblicas frente ao cenário mundial, tudo isso fruto das consequências do contexto da Guerra Fria e a disputa ideológica com os EUA. Nesse contexto, a corrida armamentista, havia canalizado os investimentos e o trabalho das Nações Soviéticas e prejudicara o desenvolvimento dos setores produtivos voltados para a paz. Era latente o descontentamento da população, potencializando a baixa qualidade dos bens de consumo.

A abertura política foi o caminho rumo a desagregação da URSS, a aspiração da autonomia política o sentimento nacionalista tomou conta da população e de seus líderes. Com isso, diversos povos da URSS, como: os Muçulmanos da Ásia Central, os Caucasianos Cristãos, as Populações do Báltico, os Eslavos Católicos e os Ortodoxos da Ucrânia, todos queriam construir países autônomos. A aspiração da Ordem Socialista caia por terra e já não era mais capaz de conter o crescimento das reivindicações nacionalistas. Configurado esse cenário, as propostas reformistas de Gorbachev foram naturalmente derrotadas por uma crise de grandes proporções.

Com o fim da URSS, as novas republicas se organizaram a partir de princípios da economia capitalista. Em que pese tal organização, muitos países encontravam-se no dilema em afirmar que a própria ideia do socialismo havia acabado, em contrapartida em sustentar que o “capitalismo vitorioso” ainda não era capaz de resolver as suas profundas desigualdades sociais. Tal situação se agravou com a já citada queda do Muro de Berlim.

Fruto a conturbada situação que vivenciara a URSS, em 1990 foram realizadas eleições com participação de vários partidos políticos e a Alemanha foi unificada, o que desencadeou a ocorria em outros países do leste europeu com o propósito de se libertarem definitivamente do jugo soviético: os movimentos sociais e políticos

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tomavam as ruas, exigiam reformas e a destruição dos antigos dirigentes comunistas. Eleições livres foram realizadas na Hungria, Polônia, Tchecoslováquia, Bulgária e na Romênia. Assim, os acontecimentos do leste europeu refletiram-se em todo o mundo socialista, acabando por provocar a dissolução da URSS.

De fato, os preceitos e propósitos marxista-leninistas, oriundos da Revolução Russa, tiveram um revés por ocasião do fim da URSS, uma vez que o propósito de universalização da luta do proletariado pelo poder foi sufocada pela força do capitalismo que orientou as relações internacionais mundiais a partir do século XXI.

5.2 A URSS E A GEOPOLÍTICA DA GUERRA FRIA A expansão do socialismo pelos soviéticos, esteve intimamente correlacionado com as áreas de influências conquistadas ao longo da Guerra Fria. Essas áreas, chamadas de “satélites” da URSS, são o ponto de partida para o entendimento de do tabuleiro geopolítica da Eurásia, no período supracitado. Cabe, para melhor entendimento, estabelecer alguns conceitos que permeiam o estudo da geopolítica. Esse estudo se utiliza dos conhecimentos espaciais (geográficos) e políticos para agregar poder ao Estado, ou mesmo para auxiliar em questões de âmbito social. A inter-relação entre essas variantes podem ser respondidas por meio da parte histórica. Para Santos (2013) é preciso uma convicção, de que não há geopolítica sem história, não há geopolítica sem política e claro sem a geografia. Com esses três fatores associados, a geopolítica surge nas disputas internacionais para não mais sair. Dentro desse escopo, pode-se abordar duas teorias que envolveram os EUA e a URSS durante a Guerra Fria. Teoria do Heartland e Teoria das Fímbrias, e de maneira mais específica, como os países socialistas sob a tutela da URSS se comportaram tendo como foco o preconizado por essas teorias.

Holandês, Nicholas Spykman, naturalizado americano, nasceu em 1893. Foi conhecido como um dos precursores da Teoria da Contenção ou Teoria das Fímbrias. Sua Teoria visava estudar formas de evitar que surgisse na Europa um poder similar ao dos americanos. Para Spykman, que compartilhava parte da teoria de outros geopolíticos (Mahan e Mackinder), as Fímbrias (ou margens) da Eurásia deveriam ser controladas de forma a cercar a Eurásia ou o chamado “Heartland” para Mackinder. Assim, o pivô geográfico seria o Rimland e não o herdland.

Quando pontos divergentes prevaleceram entre EUA e URSS, após a Segunda Guerra Mundial, cada Estado buscou defender seus interesses. Ficou claro que, apesar das propagandas de cada lado, as intenções eram semelhantes, buscavam os mesmos objetivos, poder e influência sobre o Globo. Nesse contexto, a URSS buscou desde o término dos conflitos contra os alemães, expandir sua influência para o leste europeu, ocupando o Rimland, preconizado na teoria das Fímbrias.

Outra visão geopolítica foi a estabelecida por Halford J. Makinder, em sua obra “O Pivô Geográfico da História”. Segundo Mackinder a Teoria do Poder Terrestre ou Heardland, exemplificava de certa maneira, o indireto conflito entre EUA e URSS durante a Guerra Fria. Para ele, a entidade política que viesse a dominar a Eurásia (Heardland), uma imensa área com riquezas naturais inacessível ao poder naval no centro da “Ilha do Mundo”, seria capaz de acumular poder tal que poderia se contrapor ao poder marítimo e então, dominar o mundo. Segundo outros geopolíticos, como Meira Matos, o viés político seria o domínio da Eurásia, o viés estratégico, a ocupação de um poder político-militar no centro da Eurásia, o viés geoestratégico a ocupação do Heardland e extensão para o litoral eurasiano e viés estratégico-militar, a criação

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de um poder terrestre poderosíssimo com o estabelecimento de alianças com países vizinhos do Heardland. Com isso, pode-se entender a preponderância política soviética sobre suas repúblicas e o poder militar gerado pelo Pácto de Varsóvia na região supracitada.

Assim, com essas duas teorias, busca-se de maneira sintética, demonstrar o posicionamento da URSS e dos países socialistas sob sua órbita, no tabuleiro geopolítico desenvolvido no período da Guerra Fria na Eurásia.

5.3 A HERANÇA DEIXADA PELA URSS NO MUNDO SOCIALISTA

O desmembramento da URSS em 1991 não deixou apenas o povo soviético em situação desfavorável em relação à economia, política e convívio em sociedade. Sérios problemas se fizeram presentes tanto nas ex-repúblicas da URSS quanto, principalmente, em Cuba, na China e na Coreia do Norte, além de outros países que viviam sob tutela socialista e por consequência da URSS. Entretanto, ainda trazendo consigo as consequências do rompimento com o socialismo, algumas das repúblicas, apresentaram situações de certa prosperidade econômica face as abundantes riquezas naturais que possuíam.

Cabe ressaltar, quando do final da URSS, os presidentes da Rússia, Ucrânia e Bielorrússia tentaram criar uma nova organização que, respeitando a independência política de cada uma, mantivesse o funcionamento da economia dos países. Com isso, surgiu a Comunidade dos Estados Independentes (CEI), que enveredava pelo sistema econômico capitalista. Essa organização recebeu a adesão relativamente rápida das outras repúblicas, compondo 12 países no final de 1993.

Diante desse cenário, a seguir será dado um panorama da herança deixada pela URSS no mundo socialista, por meio de um quadro ilustrativo. (Quadro 4)

Quadro 4 – Herança deixada pela URSS no mundo socialista

País/Região Herança

Rússia

A expoente entra as ex-repúblicas soviéticas enfrentou grandes dificuldades após o fim da superpotência. Guerras civis, movimentos separatistas (os conflitos com os chechenos), entre outros problemas de cunho político. Permanece atualmente sob o governo de Vladimir Putin, que se encontra em seu terceiro mandato de seis anos. Em que pese a turbulência política com o fim da URSS, o país se estabilizou economicamente após a crise dos anos 1990 e participa do bloco econômico formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul (BRICS). A presidência do país, sob os mandatos de Vladimir Putin, apresenta enorme popularidade entre a sociedade, ainda que a corrupção seja um problema que ainda se faz presente no país.

Repúblicas Bálticas

As Repúblicas Bálticas são formadas pela Estônia, Lituânia e Letônia. Os três países ainda possuem certa dependência da Rússia, particularmente a Lituânia, que direciona cerca de 18% de suas importações à Rússia. Cabe destacar que a Letônia, tradicionalmente, sempre manteve sua capacidade industrial mais avançado dentre os países da Repúblicas Bálticas.

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Fronteira com a União Europeia

A Ucrânia, atualmente, vive em clima de instabilidade política, particularmente no que tange as suas relações com a Rússia. Em 2014, o presidente Petro Porochenko ordenou um uma resposta militar aos separatistas pró-russos na região leste do país. Diante desse fato, o mundo ocidental passou a acusar Putin de tentar desestabilizar o governo ucraniano e de anexar a Crimeia arbitrariamente. A Belarus, antiga Bielorrússia ("Rússia Branca"), é governada desde 1994 por Aleksandr Lukashenko. Ex-membro do Partido Comunista da URSS, sob um regime ditatorial. Ele mantém um sistema econômico estatal rígido, fazendo com que existam poucas organizações privadas. Já a Moldova, antiga Moldávia, é o país que apresenta inúmeras dificuldades econômicas, sendo considerado o país mais pobre de toda a Europa.

Repúblicas da Ásia Central

O Cazaquistão, atualmente é o país mais próspero dentre as repúblicas cujos nomes acabam em "-istão" (sufixo que significa "terra", no idioma persa) que integravam a União Soviética. O país apresentou notado desenvolvimento, vindo alcançar o crescimento econômico, estabilidade política e influência regional na Ásia Central. O Uzbequistão possui pendências em relação às fronteiras e o Quirguistão enfrenta conflitos étnicos, problemas econômicos e revoltas populares. Já o Turcomenistão tem preponderância em seu potencial turístico e em seu potencial energético, particularmente no que tange ao gás natural. O Tajiquistão foi assolado pela guerrilha civil, que só foi encerrada em 1999, com a realização de novas eleições. O Azerbaijão apresenta uma população majoritariamente muçulmana e é considerado um país relativamente próspero, com baixo nível de desemprego.

Cáucaso

A República da Armênia não tem saída para o mar. Em termos de território, era a menor das repúblicas que proclamaram independência da União Soviética. Atualmente, é um país em dificuldades econômicas. A Geórgia, após o desmembramento da URSS, enfrentou uma sangrenta guerra civil, que durou até 1995. Mais recentemente, passou a encarar problemas com os separatistas das regiões da Abecásia e da Ossétia do Sul.

Cuba

As relações da ilha caribenha com a União Soviética eram mais estratégicas do que de aliança. O triunfo da revolução cubana, em 1959, que levou Fidel Castro ao poder, significou para os russos ganhar um aliado no "quintal" dos Estados Unidos, seu inimigo durante a Guerra Fria. As relações entre Cuba e Rússia se fortaleceram após a fracassada invasão da Baía dos Porcos organizada pelos Estados Unidos em 1961. As Forças Armadas cubanas derrotaram a invasão e, em resposta, Fidel declarou a instauração do socialismo em Cuba. Com o fim da União

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Soviética em 1991, as relações entre Moscou e Havana esfriaram, trazendo também o fim da ajuda financeira que provocou uma grave crise econômica em Cuba. Entretanto, em 2014, Vladimir Putin anulou 90% da enorme dívida de Cuba com a ex-URSS (US$ 31 bilhões).

Alemanha

Em 1989 o mais icônico símbolo da influência soviética na Europa ruiu: o muro físico que dividia o país em Oriental e Ocidental foi derrubado, mas os efeitos dele perduram até hoje. Os avanços orientais desde a queda são claros na expectativa de vida e na infraestrutura. Na parte econômica, contudo, o antigo lado socialista permanece distante da sua irmã Ocidental. Há dois anos, o governo alemão divulgou um estudo que mostra que o PIB da área oriental é apenas de 67% da produção ocidental – a Alemanha tem a maior economia da Europa, com um PIB de US$ 3,840 trilhões.

China

A ruptura de relações entre a União Soviética e a China data do fim dos anos 1950. Em 1955, Mao Tsé-Tung, líder socialista chinês, se recusou a integrar o Pacto de Varsóvia, uma versão da OTAN criada pela URSS e que contava com a participação de países do Leste Europeu. O líder chinês desejava a liderança de seu país perante o mundo socialista e acusava a URSS de traição à causa comunista. Kruschev, que temia a realização de um conflito com os EUA, decidiu então romper relações com a China. A reaproximação só veio na década de 1980, já com Mikhail Gorbachev no comando soviético. Atualmente, China e Rússia mantêm relações amistosas de cooperação econômica e social.

Iugoslávia

A crise do Socialismo trouxe caos ao país, gerando uma guerra civil sangrenta. Croácia, Eslovênia, Macedônia, Bósnia e Herzegovina proclamaram independência no início dos anos 1990. A guerra da Bósnia, conflito separatista mais sangrento do período, deixou mais de 250 mil mortos. Sérvia e Montenegro foram as repúblicas que sobraram no país. Em 2003, formaram uma só nação, mas três anos depois se separaram. Atualmente, somente Kosovo ainda não é considerada oficialmente uma nação soberana.

Fonte: baseado em Torres (2018).

5.4 CONSIDERAÇÕES PARCIAIS O processo de expansão do socialismo esteve intimamente correlacionado ao advento da Revolução Russa, a criação da URSS, bem como da disputa ideológica fruto da Guerra Fria.

Os legados da luta do proletariado, advindos da doutrina Marxista-leninista, tornaram-se latentes nas Repúblicas Socialistas Soviéticas, acarretando um processo de expansão além das fronteiras da Europa. Tal fato reorganizou o tabuleiro

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geopolítico no cenário mundial, evidenciando uma preocupação evidente dos países ocidentais com uma real ameaça comunista.

Os 46 anos de disputa ideológica entre os EUA e a URSS não foram suficientes para afirmação e consolidação do socialismo no cenário internacional. Muito pelo contrário, as esferas econômicos e sociais foram preponderantes para demonstrar as vulnerabilidades dos países que adotaram tal prática em seus governos, permitindo, com isso, que o capitalismo suplantasse os anseios de universalização do comunismo pregados por ocasião da Revolução Bolchevique.

Em que pese poucas nações tenham mantido o socialismo como viés político em seus governos, atualmente, o caráter ideológico de “esquerda” encontra-se arraigado em diversos países, sendo defendido por alguns historiadores como o “Socialismo do Século XXI”.

Sendo assim, foi notória a influência que a Revolução Russa proporcionou no cenário mundial nas décadas subsequentes a sua ocorrência, proporcionando modificações constantes nas relações entre os países de diferentes continentes.

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6 O BRASIL E A REVOLUÇÃO RUSSA

A passagem dos 100 anos da Revolução Russa tem estimulado reflexões, conferências e debates sobre a importância desse evento no Brasil. O ano de 1917 foi extraordinariamente marcado por acontecimentos que apontaram para profundas mudanças no mundo. A Revolução de Fevereiro na Rússia, como já abordado, provocou a queda do Czar, trazendo inúmeras mudanças políticas, sociais, ideológicas e econômicas para Rússia. Entretanto, é mister enfatizar o impacto que tal revolução provocou no cenário internacional, repercutindo em diversos países do mundo, entre esses o Brasil.

Segundo Gaio (2017), quando nos voltamos para uma reconstrução histórica sobre a repercussão da Revolução Russa no Brasil, é preciso recuperar o que foi escrito em uma época que ainda a história aqui praticada, ainda não se praticava o que é chamado de história cultural ou história dos aspectos secundários de algo. Diante dessa perspectiva, as primeiras influências da Revolução Russa no Brasil, tiveram suas raízes em pensamentos Marxista-Leninista, mesmo que veladamente, o que permitiu a articulação política do socialismo no seio da sociedade brasileira. Cabe enfatizar a influência que Antônio Gramsci passou a exercer no Brasil, a partir da segunda metade do século XX, com a publicação das ideias contidas em “Cadernos do Cárcere”, por meio do qual se extraiu o arcabouço teórico para o fortalecimento da doutrina socialista de “esquerda” no ocidente.

Assim, a partir de um panorama mundial voltado para se entender os impactos causados pela Revolução Russa no cenário internacional, esse capítulo estará centrado em esclarecer de que forma o Brasil foi influenciado pelas ideias oriundas da Revolução Bolchevique, desde a sua ocorrência, até os dias atuais.

6.1 CONTEXTO POLÍTICO, ECONÔMICO E SOCIAL DO BRASIL DURANTE A REVOLUÇÃO RUSSA

Durante o período em que ocorreu a Revolução Russa, o Brasil estava sob a liderança do presidente Wenceslau Braz que sucedeu o Marechal Hermes da Fonseca, dando continuidade à política das oligarquias de Minas Gerais e São Paulo, conhecida como “Política do Café-com Leite”. Wenceslau Braz governou entre 1914 e 1918, período esse que coincidiu com a ocorrência da Primeira Guerra Mundial, com a participação brasileira no conflito.

A entrada brasileira na supracitada guerra, se deu em outubro de 1917, com a assinatura da declaração de guerra contra Alemanha, após o afundamento, por alemães, dos navios mercantes brasileiros Paraná, Tijuca, Lapa e Macau, que se encontravam no litoral francês. A participação na guerra pelos brasileiros, se deu de maneira discreta, limitando-se ao patrulhamento do oceano Atlântico, fornecimento de alimentos e matérias primas, e do envio de um grupo de médicos e aviadores aos países aliados que formavam a Tríplice Entente: Inglaterra, França e Rússia.

A Primeira Guerra Mundial influenciou os caminhos da política financeira do governo federal brasileiro, uma vez que houve a desorganização do mercado mundial, capitaneado pelos países europeus, o que proporcionou a prosperidade dos países da América Latina, que se aproveitaram dessa desorganização, para novos investimentos face a esse contexto do mercado internacional fragilizado.

O Brasil se valeu dessa fase para intensificar o seu processo de industrialização. No primeiro momento da administração de Wenceslau Braz, ocorreu o declínio das exportações, principalmente dos produtos oriundos da agricultura. Tal condição

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obrigou o governo federal a adotar uma política financeira austera, o que acarretou a queima de três milhões de saca de café que estavam estocadas para evitar a queda nos preços do produto. As oscilações econômicas desse período giravam em torno da política de valorização do café, e dessa vez não foi diferente, todo esforço para favorecer as oligarquias cafeicultoras.

Como curso natural da economia, em decorrência da Primeira Guerra Mundial, ocorreu a expressiva queda das importações de manufaturados, pois os países em guerra deixaram de produzi-los em quantidade suficientes para atender o mercado internacional. Assim, a economia brasileira foi indiretamente obrigada a produzir internamente seus manufaturados para suprir a falta desses. Como consequência imediata dessa medida, foi um pujante crescimento do setor industrial. Com isso, as oligarquias agrárias, particularmente a dos grandes cafeicultores, não tiveram condições de impedir a industrialização.

O crescimento da classe operária brasileira ocorreu naturalmente face a expansão do setor industrial. Como consequência, surgiram as primeiras organizações trabalhistas e as lideranças sindicais que começaram a atuar a favor de reivindicações e interesses dos trabalhadores do setor industrial. O grande salto industrial do país aumentou a oferta de emprego, em particular no setor fabril. Esse setor passou a evidenciar vulnerabilidades no que se referia as condições de trabalho dos operários, o que potencializou a insatisfação da classe trabalhadora em um primeiro momento.

Aliado a todas essas mudanças econômicas, políticas e sociais, o governo brasileiro encontrava-se um tanto quanto desgastado devido ao fim da Guerra do Contestado. Foi na gestão de Wenceslau Braz que chegou ao fim a Guerra Santa do Contestado (1912-1916), revolta de cunho popular e religiosa que ocorreu nas terras em disputa entre os Estados do Paraná e Santa Catarina, envolvendo beatos e sertanejos que estavam sendo expulsos de suas terras pelos grandes fazendeiros locais.

Os revoltosos foram organizados por um líder religioso carismático daquela região, o beato José Maria. Seguindo as diretrizes de seu líder, os sertanejos pegaram em armas para defender as terras onde viviam, enfrentando várias expedições militares enviadas pelo governo federal para destruir o Contestado. Após vários confrontos, os sertanejos foram duramente derrotados por uma força militar composta por 7 mil homens, e chefiada pelo general Setembrino de Carvalho. Diante desse fato, com o fim do conflito, os governos dos estados do Paraná e Santa Catarina entraram num acordo sobre suas fronteiras. De maneira geral, o governo federal, com o fim do conflito, saiu com sua imagem desgastada em virtude do grande número de mortos de ambos os lados, bem como devido aos gastos provenientes dessa campanha militar.

Nesse contexto da história brasileira, ocorreram as primeiras iniciativas com a formação de grupos organizados vocacionados para a defesa de interesses da classe trabalhadora. Dentre essas, a Primeira Grande Greve Geral de 1917, que tornou evidente os primeiros movimentos simpatizantes do socialismo no país.

6.1.1 A Primeira greve geral de 1917

Segundo Toledo (2017), em julho de 1917, uma greve de enormes proporções, envolvendo milhares de trabalhadores, entre esses, homens, mulheres e crianças, paralisou São Paulo. Tal movimento foi contido com violência policial, provocando o

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agravamento contínuo da situação dos operários, transformando a cidade em palco de uma verdadeira revolta urbana.

A greve teve seu foco inicial no famoso bairro da Mooca, na zona leste de São Paulo, área de grande concentração de indústrias e de trabalhadores. Na então fábrica Crespi, centenas de operários iniciaram o movimento, cujo as reivindicações eram: aumento salarial de 15 a 20% e pela diminuição da extensão do horário de trabalho noturno, imposto pela fábrica para atender ao aumento da produção e ocasionado também pela desestabilização da economia mundial causada pela Primeira Guerra Mundial. Os grevistas encontravam-se organizados pela Liga Operária da Mooca que articulou o movimento, expandindo para outras fábricas, tomando enormes proporções nas semanas seguintes, atingindo seu auge no mês de julho.

A greve geral não se limitou ao estado de São Paulo, seguiram-se várias outras em diversas partes do país. Multidões saíram às ruas para protestar, em várias cidades, contra o alto custo de vida, o trabalho de crianças, os baixos salários, bem como outros problemas que tornavam cada vez mais pujante em todo Brasil. Sob a tutela dos trabalhadores, contaram também com a participação de lideranças sindicalistas, anarquistas, socialistas e de outros grupos descontentes com a situação do país.

Em várias partes do mundo, houve uma percepção coletiva da oportunidade de melhorar as condições de vida e de trabalho na crescente intervenção do Estado nas áreas econômica e social, na apropriação de formas de organização como associações de bairro e redes informais familiares e comunitárias na mobilização dos trabalhadores e da população e em mediações entre diferentes repertórios de ação coletiva, como as lutas em torno da produção e do consumo[...]. (PEREIRA, 2014)

De fato, a greve geral de 1917, apontou para o surgimento de grupos sociais organizados que motivaram um viés político, inicialmente impensado pela classe trabalhadora insatisfeita com as condições sociais em que estavam sujeitas. Para Toledo (2017) o centro do debate historiográfico sobre as greves de 1917 no Brasil acabou sendo o grau de espontaneidade dos movimentos, polêmica que implicava a explicação das relações existentes entre a multidão de grevistas e os militantes anarquistas, socialistas e sindicalistas que participaram como lideranças dos movimentos.

Nesse cenário político, econômico e social de intensas mudanças no Brasil, do outro lado do mundo, culminava a Revolução Bolchevique. Não há um consenso historiográfico quanto a influência imediata da Revolução Russa nas questões operárias brasileiras no ano de 1917. Entretanto, os anos subsequentes revelaram reflexos incontestáveis da proposta Marxista-leninista cultuadas durante a luta do proletariado russo pelo poder.

6.2 REFLEXOS DA REVOLUÇÃO RUSSA NO BRASIL AO LONGO DOS SÉCULOS XX E XXI

Não há duvidas que a Revolução Bolchevique também tenha repercutido no Brasil. Antes de eclodir a primeira greve operária, em 1917, em nosso país não havia partidos políticos operários, senão grupos em formação e um tanto quanto considerados sem importância. Segundo Bugiato (2008) a maioria dos partidos operários surgidos no Brasil entre 1890 e a Primeira Guerra Mundial tinham programas

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nitidamente reformistas, destinando pouco espaço à sociedade futura. Destarte, o socialismo brasileiro era plenamente coerente com o socialismo dominante da Internacional Socialista, apesar da falta de ligações orgânicas desta última com os grupos nacionais.

Como citado anteriormente, a origem da industrialização brasileira foi atrelada ao ciclo cafeeiro. A produção voltada à exportação, obrigava a formação de um mercado interno brasileiro para que a produção do café fosse garantida, sendo necessário a adequação de estruturas como: a construção de estradas de ferro e a própria urbanização. De maneira geral, tal fato corroborou com a industrialização da república velha brasileira. O fato é que esta industrialização desencadeou novos anseios sociais no país, muito influenciado por colonos europeus, que já haviam vivenciado o processo de aceleração industrial e as mazelas que esse processo acarretou. Nesse contexto, o anarquismo foi a ideologia que marcou, qualitativa e quantitativamente, a formação do proletariado brasileiro, sendo disseminada em território nacional com a presença dos supracitados colonos europeus.

Ao tratarmos da importância da Revolução Russa no movimento operário brasileiro, seu uso, seus propósitos, deve-se focar na militância associada à luta sindical, na qual se destacava a liderança dos anarquistas que tiveram suas origens na ideologia pregada por anarquistas advindos da Europa. Para tanto, deve-se traçar uma relação entre os modelos que nasciam na Rússia Soviética e as ações que advieram desses modelos.

Nesse contexto, os anarquistas saudaram a Revolução Russa com entusiasmo, mas com o andamento do processo na Rússia, a repressão aos anarquistas, eles se decepcionaram e passaram a criticar a revolução. Entretanto, com o passar do tempo, alguns aderiram ao comunismo, dando força ao movimento com a fundação de um partido. Assim, o cenário para a entrada de idéias socialista no Brasil havia se formado. A partir de 1917, um movimento político e ideológico passa a se formar, desencadeando diferentes eventos, em momentos históricos distintos, que podem ser considerados e interpretados como reflexos da Revolução Russa no Brasil.

6.2.1 Criação do Partido Comunista do Brasil (PCB) Alguns historiadores debatem sobre o começo do socialismo no Brasil, questionando se esse havia começado antes do século XX ou não, autores como Konder (1988; 2003) apontam que no Brasil do século XIX havia relatos de experiências socialistas como a da Comuna de Paris ou da leitura de Marx por Tobias Barreto, mas o fato é que tais relatos e interpretações do socialismo de Marx eram muito superficiais e até mesmo imprecisos , não constituindo um embrião do socialismo científico no Brasil. Corroborando com esse pensamento, cabe destacar, que a obra “O Capital” de Marx, publicado em 1867, só teria uma versão traduzida para o português do Brasil, em 1968.

Diante do cenário em que se desenhou a influência socialista e do proletária no Brasil, esses só passaram de fato a ser considerados com o surto industrial iniciado na República Velha e intensificado nas primeiras décadas do século XX. A expansão das cidades e o aparecimento de organizações sindicais, foi determinante para esta questão. Ademais, no começo século XX, ficou evidenciada a importância que a imprensa teria na difusão das ideias sob a perspectiva dos trabalhadores.

Para Léon (2017), a influência do socialismo nesta época se dava principalmente mediante ramos distintos do socialismo, os social-democratas influenciados pela II Internacional (influenciados pelas ideias de Friedrich Engels, Ferdinand Lassalle, Karl

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Kautski, August Bebel, Karl Liebknecht, por exemplo) e os socialistas libertários, influenciados pelos anarquistas Mikhail Bakunin, Piotr Kropotkin e Errico Malatesta.

Os anarcossindicalistas, anarquistas voltados para causa trabalhista, após o Congresso Operário de 1906, fundaram a Central Operária Brasileira que liderou o cenário político de esquerda dos setores mais combativos do operariado brasileiro. Esse se configurou o embrião na formação do Partido Comunista Brasileiro.

Já ocorrido os movimentos revolucionários, fruto da Revolução Bolchevique de 1917, e com a notícia de fundação da Internacional Comunista (komintern) em 1919, a Aliança Anarquista do Rio de Janeiro, organização que liderava a maioria dos sindicatos da época, sofreria dissidências dos maximalistas, grupo que se identificava com o regime soviético. Esses decidiram se organizar em torno de um "Partido Comunista do Brasil", já que a III Internacional aprovara a criação de partidos comunistas pelo mundo.

Em 1921, foi formado o Grupo Comunista que tinha como objetivo a fundação posterior do Partido Comunista do Brasil e a reunião dos dispersos núcleos comunistas espalhados pelo Brasil; neste mesmo ano formaria-se no Brasil o Grupo Clarté, movimento de intelectuais inspirado por uma manifestação iniciada na França e logo seguida no Uruguai e na Argentina, com o objetivo de defender a revolução russa, retificando as difamações que a imprensa burguesa promovia; ainda no mesmo ano foi criado o Partido Socialista que logo foi silenciado pela repressão originada pelo levante do Forte de Copacabana. [...]. (LÉON, 2017)

De fato, com o propósito de criação de uma organização voltada aos ideais soviéticos e com a formação do Grupo Clarté, estava montado as condições favoráveis para o desenho de um partido comunista, alinhado com a Internacional Comunista.

Segundo Léon (2017), uma dissidência do movimento anarquista com representantes de São Paulo, Porto Alegre, Recife, Cruzeiro e Niterói foi responsável pela fundação, entre os dias 25 e 27 de março de 1922, do Partido Comunista do Brasil. Seu propósito, como publicado no Movimento Comunista, era atuar como organização política do proletariado e também lutar e agir pela compreensão mútua internacional dos trabalhadores. De fato isso ocorreu nos anos subsequentes, sendo essa organização o principal vetor na busca de imposição do comunismo no Brasil, sendo peça fundamental nos desígnios sociais, políticos e econômicos no país, gerando uma série de disputas que delinearam nossa história.

6.2.2 O comunismo e as eleições de 1930 O contexto histórico no qual se configurou a Revolução de 1930 envolveu a mobilização da causa operária capitaneada pelo PCB. Porque não dizer que este evento, mesmo que indiretamente, representou um reflexo da Revolução Russa no Brasil? Diante disso, deve-se entender o panorama político e social que se desenhou à época. Segundo Fagundes (2009) o PCB teve como principais desafios em seus primeiros anos de existência os recorrentes embates com os militantes anarquistas e as perseguições do governo do presidente Arthur Bernardes que, praticamente, durante seus quatro anos de mandato (1923-1927), governou um país em permanente Estado de Sítio.

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Diante desse cenário, ao longo da década de 1920, a despeito da insipiência do movimento sindical, das disputas teóricas com os anarquistas e da repressão do governo, o PCB conseguiu organizar-se, estabelecendo grupos organizados em várias cidades do pais.

Mesmo com todos as dificuldades, os comunistas brasileiros conseguiram realizar seu II Congresso Nacional, em maio de 1925, na cidade de Niterói, sendo nesse fórum aprovadas resoluções políticas que apontavam para a necessidade da intensificação dos trabalhos de organização e mobilização entre o operariado.

Nesse contexto, na esfera política o PCB avaliava que depois dos dois primeiros levantes tenentistas de 1922 e 1924, o clima de instabilidade e disputas havia estabelecido uma divisão entre as elites do país: de um lado os defensores do “industrialismo”, de outro, os adeptos do “agrarismo”. Com essa percepção, o PCB direcionou esforços para uma participação mais contundente no cenário político do país, colocando a frente, seus objetivos ideológicos. Assim, com o fim do governo de Arthur Bernardes veio também a suspensão do Estado de Sítio. Isso acarretou que, a partir de 1927, o PCB pudesse ter uma atuação mais aberta e passasse a realizar, por exemplo, panfletagens e comícios com uma relativa liberdade.

Após algum tempo, a relativa liberdade dos comunistas sofreu um duro golpe, foi aprovada no Congresso Nacional a “Lei Celerada”, que colocava na ilegalidade os partidos de oposição, realizando prisões de dirigentes, expulsão de estrangeiros, proibição de greves e de manifestações de trabalhadores, fechando sindicatos e organizações e entidades classistas. Novamente considerado ilegal, o PCB precisou buscar alternativas para ampliar seus espaços políticos. Diante disso, os dirigentes comunistas intensificaram a experiência da frente de massas, chamada de Bloco Operário. Assim, surgiram em todo país os núcleos do Bloco Operário Camponês (BOC). Sendo decisivo, em um primeiro momento, elegendo dois vereadores na cidade do Rio de Janeiro (Distrito Federal na época).

Diante de um bom momento, frente a eleição de vereadores, utilizando-se a influência do BOC, a direção do PCB resolveu ousar ainda mais: lançar Minervino de Oliveira candidato à presidência da república pelo BOC nas eleições de 1930. Não tiveram êxito, Minervino chegou a ser preso. Entretanto, a candidatura de um candidato oriundo do BOC, caracterizou um fato importante para o fortalecimento dos anseios comunistas no Brasil.

O processo eleitoral epígrafe foi marcado pela corrupção e pela fraude eleitoral que teve como resultado a vitória do candidato paulista Júlio Prestes, que havia recebido o apoio do então presidente Washington Luiz. As eleições de 1930 representaram uma mudança contundente na política brasileira, pois significaram a ruptura da aliança entre as elites de SP e MG. Os políticos mineiros apoiaram o candidato da Aliança Liberal, Getúlio Vargas, que foi, tempos depois, o lider do Golpe de Estado, conhecida como “Revolução de 1930”, que derrubou o presidente Washington Luiz e deu inicio a chamada Era Vargas.

Em que pese ter sido um pleito eleitoral conturbado, o lançamento de um candidato operário ao cargo de presidente da república caracterizou-se um importante fato durante aquela complexa e agitada conjuntura política. Na ocasião da redefinição da tática eleitoral do PCB, recordar experiências como do BOC são importantes para relembrar que os comunistas já enfrentaram e superaram obstáculos muito maiores dos que se apresentam na atualidade.

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6.2.3 A Intentona Comunista Foi a Insurreição político-militar promovida pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), ocorrida em novembro de 1935, com o propósito de derrubar o Presidente Getúlio Dornelles Vargas e instalar um governo de natureza socialista no Brasil.

O PCB, no final da década de 1920 se fortaleceu e passou a intensificar sua participação nas campanhas eleitorais e na política, tendo adesão de alguns ramos da sociedade, entre eles, os proletariados urbanos e trabalhadores rurais.

Após a Revolução de 1930, o referido partido recebe a adesão de militantes e líderes tenentistas, entre eles, o ex-capitão Luís Carlos Prestes, que após uma estada na União Soviética, retorna ao Brasil e, em 1934, passa a participar da direção do partido, sendo elemento fundamental para o fortalecimento das ideias socialistas no Brasil. Já nessa ocasião, o Brasil passava por uma situação política delicada. Nesse contexto, o crescimento do fascismo na Europa e do integralismo no Brasil se tornaram pontos centrais na política do pais. As lideranças políticas democráticas e de esquerda, passaram a reproduzir no país o modelo das frentes populares européias.

Com esse objetivo, em março de 1935 foi criada no Rio de Janeiro a Aliança Nacional Libertadora (ANL), reunindo ex-tenentes, comunistas, socialistas, líderes sindicais e liberais excluídos do poder. A ANL, após sua criação, foi responsável pelo lançamento de um programa de reformas sociais, econômicas e políticas que contemplava aumento dos salários, nacionalização de empresas estrangeiras, proteção aos pequenos e médios proprietários e defesa das liberdades públicas.

Nesse cenário, no qual Luís Carlos Prestes já era protagonista no PCB, esse passou também a participar da ANL como presidência de honra da organização. Diante disso, estava montado as condições ideais para a eclosão de um movimento revolucionário, pois a ANL crescia rapidamente, tão quanto a sua adversária, a Ação Integralista Brasileira (AIB). Face a essa rivalidade, os confrontos entre militantes comunistas e integralistas tornaram-se cada vez mais frequentes.

Valendo-se do apoio da sociedade à proposta antifascista, Luiz Carlos Prestes lança em julho de 1935, em nome da ANL, um manifesto pedindo a renúncia do Presidente Getúlio Vargas. Em consequência desse ato, o governo decreta a ilegalidade da ANL, ficando essa, impedida de atuar publicamente. Com isso a situação se agravou, Prestes contando com a adesão de simpatizantes aliancistas em importantes unidades do Exército, e com o apoio do PCB, prepara uma rebelião militar descentralizada em vários quartéis no Brasil.

Para tanto, Prestes contou com o apoio de alguns agentes internacionais do Komintern, como a agente alemã Olga Benário, que também foi sua companheira amorosa. A proposta era fazer uma ação revolucionária coordenada com os militares fiéis ao tenentismo e à ideologia comunista. Essa ação deveria estourar em vários pontos estratégicos do Brasil ao mesmo tempo. A data escolhida pela ANL foi o dia 27 de novembro de 1935. Entretanto, o planejamento foi alterado, com o desencadear precoce da revolução na cidade de Natal, no Rio Grande do Norte.

Já em 1935, apesar da justa orientação do partido, procurando unir as mais amplas forças anti-imperialistas e antifeudais da ANL, a influência do radicalismo pequeno burguês na direção do partido, sob a forma específica do chamado ‘golpismo tenentista’, levou-nos a cometer o grave erro de precipitar a insurreição quando ainda eram débeis as nossas forças, quase inexistentes a aliança operário-camponesa. Para o triunfo da

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revolução popular, é indispensável ganhar o apoio dos soldados e marinheiros, mas reduzir a insurreição popular a uma luta armada só nos quartéis era um erro que teria de levar, como levou, à derrota do movimento de 1935 (REVISTA PROBLEMAS, 1954/1955, p. 90-91).

A Intentona Comunista propriamente dita, iniciou-se nas cidades de Natal e do Recife, em 23 de novembro de 1935. Um total de seis integrantes do 21º Batalhão de Caçadores, situado em Natal, começaram a liderar uma revolta na cidade. Os enfrentamentos diretos ocorreram com a polícia do estado, que estava em menor número e com armas inferiores. Nos dias subsequentes os revoltosos ganharam força. Em 25 de novembro, Natal estava completamente dominada pelos rebeldes, que organizaram um Comitê Popular Revolucionário.

Os líderes do movimento conseguiram articular a mobilização de adeptos em todo território nacional, com destaque para o Rio de Janeiro, então capital do país, na qual tal mobilização ocorreu na madrugada do dia 27 de novembro, sendo os esforços comunistas empregados em algumas organizações militares.

Cabe ressaltar, em que pese o movimento ter dimensão nacional, o valor histórico e simbólico da Intentona Comunista foi mais marcante no Rio de Janeiro. No dia 25 de novembro, foi a vez do 3º Regimento de Infantaria provocar um motim no forte da Praia Vermelha. As ações revolucionárias seguiram em outras cidades. Getúlio Vargas, então chefe de Estado após a Revolução de 1930, pediu ao Congresso Nacional para que fosse decretado o Estado de Sítio e, com isso, fossem acionadas as forças do Exército que não estavam associadas com o comunismo para colocar um ponto final nos levantes. O Congresso autorizou, e Vargas ordenou que as cidades fossem recuperadas.

Estima-se que mais de uma centena de revolucionários morreram em combate. Cerca de trinta homens do exército legalista também foram mortos. Centenas de militares comunistas e civis que apoiaram a Intentona até maio de 1936 estavam presos, entre eles, Luís Carlos Prestes, que ficou nove anos na prisão, e Olga Benário, que era judia e foi deportada para a Alemanha nazista.

Assim, ficou evidente o caráter revolucionário comunista em consonância com os preceitos cultuados na Revolução Bolchevique, uma vez apoiado por organizações que já permitiam a articulação internacional. Nesse contexto, a Internacional Comunista e o PCB, orientaram os rumos do movimento. Em que pese não terem os revolucionários atingido os objetivos propostos, tal evento contribuiu, por um lado, para dificultar a influência do PCB que foi posto na ilegalidade, por outro lado, serviu de pausa para reorganização do movimento a favor da causa comunista no Brasil, que vieram à tona novamente em outros momentos da história.

6.2.4 O Comunismo e o Estado Novo

O Estado Novo foi um regime ditatorial impetrado por Getúlio Vargas, em 1937. O governo de Vargas iniciou em novembro de 1930, seu primeiro período foi o Governo Provisório (1930-1934) que perdurou até a reconstitucionalização do país. Após passar a vigorar a constituição de 1934, iniciou-se o Governo Constitucional. Havia a previsão de eleições presidenciais era para o ano de 1938, e em 1937 iniciaram as campanhas dos candidatos ao cargo. Getúlio Vargas não havia se candidatado, pois pretendia dar continuidade ao governo por meio de um golpe de Estado, e para tal, desde o início do Governo Constitucional eram promovidas

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medidas de fortalecimento e centralização do exército nacional, imprescindíveis para o futuro golpe de instauração do Estado Novo.

Nesse contexto, cabe ressaltar a participação do comunismo até chegar a instauração do Estado Novo propriamente dito.

Com a Revolução de 30, a classe média e o operariado – grupos até então marginalizados pelas elites do poder – acreditavam que teriam espaço para realizar seus projetos políticos. Instigados pelos movimentos de esquerda confiavam que uma revolução (comunista, socialista ou até mesmo anarquista) poderia oferecer-lhes melhores condições de vida. Organizados em partidos, associações e centros de cultura, desde as primeiras décadas do século XX, transformaram a greve em um dos seus principais instrumentos políticos. Consciente do poder de resistência e de luta desses grupos, Vargas investiu contra eles, procurando calar as vozes reivindicatórias e de protesto. Os revolucionários de 30, desde o Governo Provisório, deixaram claro que não pretendiam dividir o poder [...]. (RIBEIRO, 2008)

De fato, tal postura de Getúlio Vargas permitiu o combate a Intentona Comunista com maior eficácia, o que minou as intenções políticas do PCB, reduzindo sua influência. Nessa ocasião (1935), auxiliado pela Lei de Segurança Nacional, pelo Tribunal de Segurança Nacional e pela Comissão de Repressão ao Comunismo, a Polícia Política intensificou o combate aos comunistas e de todos aqueles que pudessem oferecer resistência a um eventual golpe de Estado. Com isso, o governo anulou a vida política, preparando seu próprio golpe que contou com a participação militar de seus dois generais, Pedro Góes Monteiro e Eurico Gaspar Dutra.

A concepção de combate ao comunismo foi o estopim para o início das ingerências políticas para decretação do Estado Novo. Esse movimento iniciou-se com a veiculação, pela grande imprensa, da notícia de que o Exército descobrira um plano comunista para a tomada do poder: o “Plano Cohen”. Estava, com isso, iniciada ditadura que foi batizada de Estado Novo, instaurado em novembro de 1937. Como consequência, o poder político concentrou-se nas mãos do Presidente da República que determinou o fechamento do Congresso Nacional, das Assembléias Estaduais, das Câmaras Municipais, bem como a subordinação do Judiciário ao Poder Executivo. Vargas nomeou interventores para governar os Estados e indicar os prefeitos municipais. Os partidos políticos foram dissolvidos sob o pretexto de que as organizações partidárias eram fatores da desagregação.

Assim, ficou marcado o comunismo no Estado Novo. Intensas perseguições e anulação da influência política do PCB, o que motivaram uma nova abordagem do comunismo a partir de então. Passando-se as primeiras abordagens na década de 1960, do gramscismo.

6.2.5 A anistia de 1945 O governo Vargas, em 1945, concedeu perdão aos comunistas. Muitos encontravam-se exilados em outros países. No contexto da II Guerra Mundial, o Brasil perfilado aos Estados Unidos, lutava contra o nazifacismo. Tal medida foi oficializada por meio do Decreto-lei nº 7474 e, com ela, Getúlio Vargas pretendia ocultar seu perfil autoritário e manter-se no poder. A anistias perdoava àqueles que tiveram má conduta. Segundo Ribeiro (2008) no processo de anistia não se cogitava a inocência do indivíduo, pois, uma vez que existissem indícios de comunismo, a culpa já estava

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provada. O trâmite que se dava no Ministério da Justiça e Negócios Interiores (MJNI) era tão somente pelo arquivamento em razão da anistia, não se considerava o envolvimento em atividades políticas.

Nesse contexto, ocorreu a anistia de Luís Carlos Prestes, o principal articulador do movimento comunista no Brasil desde sua gênese. Prestes foi anistiado, elegendo-se senador pelo Distrito Federal entre 1946 a 1948. Assumiu a secretaria geral do PCB e na assembleia constituinte de 1946, passou a liderar a bancada comunista, composta, entre outros, por Jorge Amado, Carlos Marighella, João Amazonas e o sindicalista Claudino Silva.

Assim, com a anistia de 1945, surgiu a oportunidade de se reativar as propostas comunistas no país. Porque não dizer que tal evento fortaleceu a liderança de Luis Carlos Prestes, angariando adeptos a causa comunista no Brasil. Dessa maneira, estava aberta espaço as oposições políticas no país que posteriormente causaram uma série de eventos que marcaram a história dos brasileiros.

6.2.6 Criação da Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT) Em 1946, após o processo de anistia ocorrido no ano anterior, representantes do Ministério do Trabalho, juntamente com membros do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e do Movimento Unificador dos Trabalhadores (MUT), se mobilizaram para realizar o congresso nacional de trabalhadores com a intenção de coordenação, a nível nacional, das entidades sindicais. Em que pese, a legislação vigente só permitisse a formação de sindicatos, federações ou confederações que reunissem categorias profissionais específicas, existia uma mobilização em torno da criação de uma entidade intersindical nacional.

Inicialmente o congresso não atingiu os objetivos propostos, visto que os participantes divergiram em vários pontos. Entretanto, a maioria das representações sindicais presentes, composta de comunistas e de petebistas, prosseguiram nas negociações e como consequência fundaram a Confederação dos Trabalhadores do Brasil (CTB). Mesmo sem obter reconhecimento oficial, a CTB manteve-se em funcionamento até 7 de maio de 1947, quando o Decreto nº 23.046 suspendeu suas atividades.

Em que pese nessa ocasião não ter entrado em pleno funcionamento, a CTB fruto do congresso de 1946 foi o embrião para a organização dos movimentos sindicais no Brasil. Indo um pouco além disso, a organização com bases em lideranças comunistas, caracterizou a proliferação dessa ideologia no interior dos movimentos operários. Destaca-se que o Comando Geral dos Trabalhadores veio surgir novamente nos anos 1960, numa conjuntura de grande instabilidade política e social no Brasil, marcada por ampla mobilização popular em torno de propostas de reformas políticas e econômicas, entretanto nunca foi reconhecido pelo Ministério do Trabalho e acabou sendo desarticulado por ocasião da Revolução Democrática de 1964.

6.2.7 Formação da Frente Democrática de Libertação Nacional (FDLN) A posição da burguesia brasileira em apoio à cassação do registro do Partido Comunista, levou os comunistas a fazerem uma reflexão do papel da grande burguesia, inclusive a industrial, no processo revolucionário brasileiro.

Os comunistas, visando a consecução de seus projetos de poder, elaboraram a estratégia em duas etapas da revolução: a primeira democrático-burguesa e a segunda socialista. Mas, com essa nova concepção sobre a burguesia, levaram a alteração das próprias tarefas, além daquelas apregoadas no período de legalidade.

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Nesse contexto, reformulou-se a visão que possuíam sobre a transição ao socialismo. Não mais deveria existir uma barreira entre as duas etapas da revolução, pois uma se estaria relacionada a outra, em um mesmo processo.

Desta feita, a avançada concepção estratégica da revolução brasileira não foi acompanhada por uma tática e uma política de alianças acertadas. Nesse cenário, em agosto de 1950, Prestes lançou um novo manifesto que propunha a formação imediata de uma ''Frente Democrática de Libertação Nacional'' que pregava o caminho da luta revolucionária pelo poder.

Assim, a criação da FDLN surgiu como um resgate das propostas estabelecidas na Rússia por ocasião da Revolução Bolchevique, que cada vez era fortalecida com a articulação do movimento internacional comunista, que já estava dissipado no PCB e em outras instituições políticas que nascia no Brasil, mesmo em condição de ilegalidade.

6.2.8 O comunismo e o segundo governo de Getúlio Vargas (1951 – 1954) Após sua candidatura, Getúlio Vargas venceu as eleições com pouco menos de 50% dos votos. A vitória eleitoral servia aos interesses de diversos grupos, entre esses, a burguesia industrial, que teria relevantes retornos em virtude de uma política nacionalista; para os operários, seria a garantia da aplicação da legislação social por ele criada e melhorias salariais; para os militares, o combate contra os comunistas. O governo de Vargas estabeleceu várias medidas para atender os objetivos nacionalistas estabelecidos. Nesse contexto, as divergências com os norte-americanos em relação a latente ameaça comunista, esbarrava na divergência do foco dessa ameaça. Para os EUA estava na URSS e a China Popular como difusores do comunismo internacional, por outro lado, Vargas acreditava que a miséria da maioria da população na América Latina favorecia a expansão do comunismo.

Dentro dessa análise, o governo brasileiro procurou obter recursos e financiar a industrialização do país, criando empregos e retirando a população da miséria e do desemprego e, assim, combater a ameaça interna do comunismo. Essa postura de Vargas alimentou a oposição de determinados partidos políticos, principalmente da União Democrática Nacional (UDN).

A UDN foi um movimento que teve seu início na época do Estado Novo (1937 – 1945), tendo contribuído de forma efetiva para o fim desse regime. Além do antigetulismo, foram características marcantes da UDN a defesa do liberalismo e intervencionismo. Muito embora a frente política que formava a UDN fosse diversificada, era restrita basicamente à elite. Em que pese, nessa oposição não haver a participação direta do movimento operário e de partidos voltados para a causa comunista, a situação de instabilidade política que culminou com o suicídio de Vargas em 1954, abriu caminho para o aflorar de movimentos revolucionários que baseavam-se nas propostas da Revolução Bolchevique direcionada pela Internacional Comunista, no contexto da Guerra Fria.

Dessa maneira, as repercussões do segundo governo de Getúlio Vargas figuraram como uma oportunidade de crescimento da expansão das ideias socialista âmbito nacional, que passaram a exercer influência na política brasileira.

6.2.9 Renúncia do presidente Jânio Quadros (1961) Em abril de 1959 iniciou-se o movimento pela candidatura de Jânio Quadros à presidência do país. A campanha lançada adotou o slogan: “varre, varre, vassourinha, varre, varre a bandalheira”, em menção à proposta de combate à corrupção e

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moralização de costumes, o que foi marcante face a conjuntura política pela qual o Brasil passava.

Candidataram-se a presidência também, nessa ocasião, o marechal Teixeira Lott pela chapa formada pelo Partido Social Democrático e Partido Trabalhista Brasileiro, e para vice-presidente na mesma chapa João Goulart; Ademar de Barros pelo Partido Social Progressista (PSP); e Jânio Quadros pelo Partido Democrata Cristão. A Constituição de 1946 estipulou que as candidaturas de presidente e vice-presidente do país concorreriam de maneira distinta e independente. Fato esse, que resultou na eleição de Jânio Quadros para presidente e João Goulart para vice-presidente, mesmo pertencendo a chapas distintas.

Após sua posse em 31 de janeiro de 1961, Jânio Quadros adotou em seu governo medidas de moralização de costumes, promoveu uma centralização do poder na presidência e diminuiu os encargos do Congresso Nacional. Na política econômica realizou uma reforma cambial que favoreceu ao setor exportador e aos credores internacionais.

Em que pese ter adotado uma política econômica conservadora e alinhada aos propósitos estadunidenses, Jânio Quadros talvez tenha incorrido no seu maior erro ao propor a retomada de relações diplomáticas e comerciais com países do bloco socialista (China e União Soviética), ocasionando inúmeras divergências de setores que outrora o apoiavam. Diante desse fato, os movimentos sindicais ganharam força, uma vez que esses encontravam-se engajados na proposta das Reformas de Base que surgiram com o aprofundamento dos conflitos sociais.

As relações políticas do governo ficaram insustentáveis quando, em janeiro de 1961, foi realizada a Conferência de Punta del Este, em que se discutiu a relação dos países americanos com o EUA. Na referida conferência, Brasil e Argentina foram favoráveis a Cuba em detrimento do alinhamento com os EUA. Após isso, Jânio Quadros demonstra todo seu apreço a causa comunista ao condecorar Che Guevara com a Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, inquietando setores conservadores militares e civis. Tal postura, aliada a restituição de jazidas de ferro em Minas Gerais ao governo federal, foram fatores que levaram os militares a exigirem a deposição da presidência de Jânio Quadros. A UDN, por sua vez, que era base política do governo Jânio Quadros, tornou-se oposição, vindo a tona, por meio da imprensa, a intenção de Jânio Quadros em efetivar um golpe de Estado.

Em 25 de agosto de 1961 ocorreu a renuncia de Jânio Quadros, que foi imediatamente aceita pelo Congresso Nacional. Na carta de renúncia, Jânio Quadros imputou sua renúncia a “Forças terríveis que se levantaram contra ele”, o vice-presidente João Goulart assumiu a presidência da República, em 3 de setembro de 1961, em regime parlamentarista.

Assim, esse episódio ficou marcado na história brasileira como mais uma tentativa frustrada de ascensão ao poder do regime comunista, que na ocasião, rivalizava com os países capitalistas, buscando expandir sua influência mundial. Diante disso, pode-se estabelecer um paralelo com a proposta Marxista-leninista cultuada desde a Revolução Bolchevique de 1917.

6.2.10 Formação dos Grupos dos 11

Movimento do Grupos dos Onze Companheiros foi criado em fins de outubro de 1963 pelo então deputado federal Leonel Brizola, com o objetivo de lutar pela implantação das chamadas reformas de base preconizadas pelo presidente João Goulart.

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A mobilização dos grupos dos Onze se deu por intermédio do próprio Leonel Brizola com apelo à população por emissoras de rádio e utilizando-se do recrutamento por intermédio de organizações nacionalistas, como a Frente de Mobilização Popular, União Nacional dos Estudantes (UNE) e do Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) e outras. Como o nome sugeri, cada Grupo dos Onze era formado por 11 pessoas, uma das quais o comandava. Onze grupos compunham uma unidade-distrito, 22 distritos constituíam uma província e 11 províncias integravam uma região. Estima-se que chegaram a existir no Brasil, cerca de 1.298 grupos dos Onze. No início de 1964, Brizola afirmou que os grupos já contavam com cerca de duzentos mil integrantes.

Na prática, porém, o movimento nunca teve um funcionamento efetivo, entretanto, caracterizou-se como sendo outra célula para disseminação das propostas comunistas que se espalhava pelo país, na ocasião, sendo um artifício de mobilização exponencial que se ancorava nos anseios da população por reformas imediatas.

6.2.11 A Contra-Revolução de 31 de Março de 1964

O Brasil passa por uma instabilidade política. A situação política que o país atravessava, apontava para ligações do governo de João Goulart com comunistas e, por sua vez, oferecia riscos à nação brasileira. Na ocasião pairava a desconfiança de que o governo Jango estava disposto a implantar uma República Sindicalista na América do Sul, entretanto, outra parcela da sociedade defendia que João Goulart estava à mercê dos comunistas que, infiltrados em seu governo, estavam prestes a dar andamento a uma revolução no Brasil.

Nessa parcela encontravam-se os militares que já combatiam o crescimento do comunismo desde a Intentona Comunista de 1935, uma vez que os comunistas objetivavam o fim da pátria brasileira, pois eram agentes da União Soviética, e implantariam um regime autoritário e antidemocrático, altamente centralizado e burocratizado. Diante disso, cabe citar o que foi o início dessa luta.

Um movimento planejado, orientado e dirigido pelos comunistas, desencadeado nas cidades de Natal, Recife e Rio de Janeiro, onde se espalharam o terror, agredindo, saqueando, violentando aquela gente simples dessas cidades, e assassinando 28 militares, na madrugada de 27 de novembro de 1935. A Intentona Comunista traumatizou e afrontou a Nação e se refletiu de maneira indelével na alma dos militares brasileiros, que não a esqueceram em 1964. (MOTTA, 2003, t. 12, p. 182).

De fato, além da Intentona de 1935, destacou-se nesse período e nos subsequentes o líder comunista, Luis Carlos Prestes, como o principal agente do comunismo internacional no Brasil, o que apontou um relativo crescimento de núcleos comunistas nas décadas de 1940, 1950 e 1960.

O governo Jango, nesse sentido, é caracterizado pelas constantes greves e crescimento de movimentos sindicais, que tomavam o país, pela corrupção e, principalmente, pela indisciplina que “(...) começava a grassar em certos círculos militares”. (MOTTA, 2003, t. 1, p. 54). Todas essas características estavam ligadas ao perigo da comunização que, conforme se acreditava, avançava a passos largos no país. (MOTTA, 2003, t. 1, p. 55).

A preocupação com a manutenção da hierarquia e da disciplina no estamento militar sempre foi buscada, e teve correlação direta com os eventos da Contra-Revolução de 1964. Acreditava-se que guerra revolucionária avançava em estágios, sendo um deles, o enfraquecimento das Forças Armadas.

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Três fatos foram fundamentais para o desencadeamento do 31 de março de 1964:

O primeiro esteve relacionado ao Comício na Central do Brasil, no Rio de Janeiro, em 13 de marco de 1964, onde João Goulart incitou a população presente, constituída de trabalhadores em sua maioria, a realizar à força as reformas de base por ele proposta.

O segundo fato foi a Revolta dos Marinheiros, que ocorreu nos dias 25, 26 e 27 de março de 1964. A Revolta dos Marinheiros foi considerada como uma demonstração de insulto a hierarquia e disciplina por parte dos marinheiros rebelados. Constituiu-se em uma assembleia de mais de dois mil marinheiros de baixa patente, realizada no prédio do Sindicato dos Metalúrgicos, no Rio de Janeiro. Os marinheiros exigiam melhores condições para os militares e também pediam apoio às reformas políticas de base propostas pelo presidente João Goulart. A assembleia foi chefiada por José Anselmo dos Santos, mais conhecido como Cabo Anselmo. O movimento foi debelado e seus líderes presos.

Pouco depois da recusa do comandante Aragão em debelar o movimento, Jango expediu ordens proibindo qualquer invasão da assembleia dos marinheiros e exonerou o ministro Mota.

A reunião do Presidente da República com os Sargentos da Polícia da Guanabara no Automóvel Clube, em 13 de março de 1964, foi o terceiro fato determinante e. O discurso de João Goulart foi encarado como uma demonstração da completa conivência do governo estabelecido com a subversão. Brizola e Goulart anunciavam as reformas de base, incluindo um plebiscito pela convocação de nova constituinte, a reforma agrária e a nacionalização das refinarias particulares de petróleo. Jango também criticava o sentimento anticomunista e a utilização dos meios religiosos como instrumentos de oposição ao governo. Tal evento se tornou o ponto alto nas debilidades políticas pela qual passava o país, contribuindo, em muito para eclosão da contra-revolução que marcou o país.

As Marchas da Família com Deus pela Liberdade, não foram determinantes no contexto em que se desenvolveu os eventos de 1964, entretanto, servem como argumento para explicar que não foi um movimento estanque que envolveu somente o seguimento militar, pelo contrário, contou com apoio considerável de civis, que por muitas vezes se pronunciavam publicamente, solicitando atitudes concretas pelo fim da desordem.

No dia 28 de março de 1964, na cidade de Juiz de Fora, os generais Olímpio Mourão Filho e Odílio Denys se reuniram com o governador de Minas Gerais e banqueiros com a finalidade estabelecimento de uma data para o início da mobilização que culminaria na contra-revolução. Eventos importantes se seguiram a partir de então, como: deslocamento de tropas mineiras para o Rio de Janeiro, encontro das tropas de São Paulo com as mineiras em Resende e união das tropas em Resende.

Todos esses eventos, João Goulart se refugia no Rio Grande do Sul, em ação contínua no dia 2 de abril, o senador Auro Soares de Moura Andrade (UDN), presidente do Congresso Nacional, apesar de o presidente da República estar no país, declarou vaga a presidência. Andrade deu posse ao presidente da Câmara Ranieri Mazzilli como governante provisório. O Congresso Nacional, em eleição no dia 11 de abril de 1964, elegeu Presidente da República o marechal Castelo Branco, então Chefe do Estado-Maior do Exército, que recebeu 361 votos contra 72 abstenções, 37 faltas, 3 votos para Juarez Távora 2 votos para Eurico Gaspar Dutra.

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Assim, os acontecimentos que envolveram a contra-revolução de 1964, ao mesmo tempo que impediu ações comunistas em seu sentido amplo de busca pelo poder, em consonância com os propósitos da Internacional Comunista, também marcou a mudança de concepção Marxista-Leninista para uma Gramscista que passou a ser adotada âmbito nacional, caracterizando outro reflexo da Revolução Russa para o Brasil.

6.2.12 Adoção de uma estratégia Gramscista no Brasil Como já abordado em sessões anteriores, o livro “os Cadernos do Cárcere” foi o grande vetor de disseminação da doutrina de Antônio Gramsci no mundo. No Brasil, a primeira edição do trabalho foi publicada entre 1966 e 1968. No período em que estava sendo editado, ocorria a Revolução de 1964, o que nos leva a entender a nova postura da natureza do movimento comunista no Brasil, a partir de então. Durante essa transição, e até mesmo antes, o PCB esteve sempre voltado para estabelecer o comunismo no país.

O PCB vinha de uma frustrante e contundente derrota na sua segunda tentativa de tomar o poder no Brasil. Tanto na primeira investida (a intentona de 1935), quanto na segunda ("via pacífica"), o partido seguiu o modelo marxista-leninista para chegar ao poder, fiel à orientação da Internacional soviética em cada uma das ocasiões[...]. (COUTINHO, 2012)

De fato, havia um questionamento âmbito PCB quanto ao modelo leninista de "assalto ao poder" e da "via pacífica para o socialismo", ambas malsucedidos no Brasil, o que causou divergências no que tange a validade de uma doutrina até então empregada.

Com efeito, em 1973, o Comitê Central do Partido Comunista Brasileiro realizou, com uma criativa manobra intelectual, a transposição para o Brasil da situação da Itália em 1930: aprovou uma Resolução em que definia o regime brasileiro instaurado em 1964 como *fascista*. Assim propunha a formação de uma aliança "antifascista", incluindo todas as forças de esquerda e de oposição ao regime político vigente, tendo por objetivo a "redemocratização" que lhe abrisse espaço para voltar à atividade política ostensiva e à luta pelo socialismo[...]. (COUTINHO, 2012)

Diante dessa nova perspectiva, tal aliança ocorreu sob um novo enfoque, através do qual se estabeleceram novos objetivos: restauração da democracia, anistia e o estabelecimento de uma Assembléia Constituinte. Ficou evidente o conceito de Gramsci de realização da transição entre a queda da ditadura oligárquica para uma ditadura do proletariado, por meio do qual estabelece-se um paralelo entre a queda de uma ditadura dita fascista, para uma ditadura focada no proletariado. De fato, em que pese, em 1979 a própria imprensa citar algumas referências advindas das ideias de Gramsci, não foram suficientes para ocorrência de uma restruturação do PCB e sua factual mudança de concepção. É mister ressaltar que as estruturas do partido estavam um tanto desgastadas pelos revezes ocorridos entre 1974 e 1975, com a derrota do terrorismo urbano e uma tentativa de implantação de guerrilha maoísta no país, que foi protagonizada pela ação de órgãos policiais e forças de segurança. Assim, grande parte dos militantes do PCB foram presos ou refugiaram-se no exterior, sendo os remanescentes infiltrados clandestinamente na política de

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oposição no partido de “esquerda”, Partido do Movimento Democrático do Brasil (MDB), utilizando-se da tática da dupla-militância, que provocou a eleição de diversos deputados estaduais e federais, cujas naturezas eram comunistas. Em 1979, as divergências dentro do partido se intensificaram, no momento em que se configurava a abertura política conduzida pelos militares, que se encontravam no poder desde 1964. Fato esse agravado por Prestes, que regressou de Moscou, ainda alinhado totalmente as idéias da internacional soviética, que já não eram completamente compreendidas pelos integrantes do Comitê Central do partido. Na década de 1980, o PCB passou atuar abertamente, apesar de ainda não legalizado, o que ocorrera em 1985. Diante desse cenário de incertezas políticas, abriram-se espaços para a criação de novos partidos políticos, que com o novo congresso eleito em 1986 e com uma nova constituição, evidenciaram-se a extensão da opção Marxista no meio intelectual brasileiro, nela se incluía uma parcela dos adeptos do pensamento gramscista. Na década de 1990 ocorreu a crise do comunismo soviético no governo de Gorbachev. Essa crise culminou com o colapso do regime soviético e a subsequente desarticulação dos regimes comunistas do leste europeu. Tal condição evidenciou o fracasso do socialismo soviético e a confirmação da ilusão de implantação de um regime comunista. Todo esse contexto, direcionou um duro golpe a todo movimento de esquerda marxista brasileiro, em particular no PCB.

O PCB, de orientação soviética e de vinculação ao PCUS, evidentemente foi muito atingido pelo desastre. Diante da reviravolta do comunismo soviético, viu-se obrigado a rever posições e a tentar salvar seu projeto histórico, fazendo um esforço de sobrevivência e de elaboração de uma nova fase. A reação foi rápida, o que demonstra já possuir um quadro de pessoas portadoras de um projeto novo, não só oportuno para o momento vivido pelo Partido, mas adequado para o momento histórico do país: o gramscismo. No período de 30 de maio a 2 de junho de 1991, o Partido realizou o seu IX Congresso. Outra vez se dividiu internamente, agora com três correntes divergentes: a primeira, a dos "renovadores", sugerindo uma definição "renovada" de socialismo; a segunda, a dos ortodoxos, marxista-leninistas conservadores; a terceira, a que defendia um novo socialismo baseado na adaptação de Marx, Engels e Gramsci, e a aproximação com o Partido dos Trabalhadores (PT) e com o Partido Socialista Brasileiro (PSB). A primeira corrente saiu vitoriosa[...]. (COUTINHO, 2012)

De fato, com a queda do comunismo soviético e as divergências que circundaram o PCB, surgiu uma concepção renovadora de comunismo. Diante disso, a doutrina ideológica que estava arraigada em alguns partidos existentes, foi revista, como por exemplo, o antigo PCB que recebeu a denominação de Partido Popular Socialista (PPS), passando a defender um novo socialismo baseado na adaptação de Marx, Engels e Gramsci. Conceitos de “Pluralismo das Esquerdas” e “Democracia Radical”, confirmaram a tendência gramscistas que passou a ser adotada. Em suma, segundo Coutinho (2012), para que a esquerda pudesse se credenciar ao exercício da hegemonia, deveria ser capaz de promover a emancipação da classe operária de uma pauta estritamente econômico-corporativa, tornando-a apta a dirigir o país. 6.2.12.1 Estrutura da Esquerda brasileira sob enfoque do gramscismo.

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A difusão da obra de Antônio Gramsci ocorreu de maneira mais efetiva, a partir de 1979. Já não mais restrita ao PCB, permeou os demais partidos em formação, em muito corroborado pelo retorno de muitos intelectuais militantes de partidos e organizações de esquerda que se haviam refugiado sobretudo na Europa. Diversas manifestações passaram a indicação da adoção da prática gramscista no Brasil, tais como: movimento artístico, criação de Organizações não governamentais (ONG), entre outros. A década de 1990 foi fundamental nesse contexto. A partir dela, foi progressiva a penetração do gramscismo nas universidades, convergindo com a influência do pensamento marxista já presente nesses estabelecimentos de ensino. Para Coutinho (2012), no campo político, os partidos de esquerda que eram contra, tanto ao marxismo-leninismo quanto a social-democracia não assumiram ostensivamente sua opção pela estratégia de Gramsci, simplesmente passaram a silenciar, buscando passar um discurso social-liberal, social-democrata ou o eufemismo de um não bem explicado socialismo-democrático. Assim, torna-se mister demonstrar um panorama dos partidos de esquerda brasileiros, classificado em blocos distintos, segundo o quadro ilustrativo abaixo. (Quadro 5)

Quadro 5 – Natureza ideológica dos partidos de esquerda do Brasil Tipo de

Esquerda Natureza Segmento Partidos/Instituições

Revolucionária

Marxista-Leninista

(comunista)

Stalinista

- Partido Comunista do Brasil (PC do B) - Partido Comunista Brasileiro (PCB) - MR-8

Trotskista

- Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados (PSTU)

Gramscista

- Partido Popular Socialista (PPS) - Partido Socialista Brasileiro (PSB)

Anarquista (comunista)

Movimento Sectário

- ONGs e Movimentos Alternativos

Campesina (Maoísta ou Foquista)

Movimento Rural - Movimento dos Sem Terra (MST) e outros

Socialista Heterodoxo Nasserista - Partido dos

Trabalhadores (PT)

Reformista Fabianista Social – Democrata Inglesa

- Partido da Social -Democracia Brasileira (PSDB)

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Internacional Socialista

Social Democracia da II internacional

- Partido Democrático Trabalhista (PDT)

Clerical Movimento Teologia da Libertação

- -

Populista Trabalhismo - - Fonte: baseado em Coutinho (2012).

Percorrendo ainda o curso da história em relação as tendências socialistas no Brasil, é conveniente resgatar o propósito gramscista. Os brasileiros passaram a ser inseridos no contexto de uma de uma sociedade diferenciada da oriental. O modelo revolucionário bolchevista ou marxista-leninista de assalto ao poder, já não fazia parte do contexto brasileiro, uma vez que, grupos radicais de natureza foquista, trotskistas e maoístas que optaram pela luta armada, não conseguiram ir além do terrorismo urbano, sendo derrotados e tendo seus objetivos frustrados. Na década de 1980 um novo empreendimento revelou-se em uma nova fase ideológica no país. Nessa, o gramscismo se mostrou bem atuante. A proposta era envolver a reforma intelectual e moral da sociedade e a neutralizar o aparelho hegemônico da burguesia, utilizando-se da atuação dos partidos socialistas democráticos e dos partidos marxista-leninistas, em particular, nos trabalhadores de massa. Por isso torna-se preponderante conhecer a trajetória desses partidos. O PT foi fundado em 1979 por meio de sindicalistas do ABC paulista. Com apoio de alguns segmentos da sociedade, como por exemplo, o clero progressista, rapidamente teve aceitação âmbito nacional. O supracitado partido não se considera socialista, utilizando-se de uma atuação radical similar ao “nasserismo”, um socialismo sem referência ao marxismo, ao passo que se aproxima da concepção gramscista. Entre 1966 e 1974, participaram da luta armada, abrangendo militaristas e trotskistas. Assim, o PT surgiu como um vetor para disseminação das práticas gramscistas no país. Outro partido que passou a atuar em prol dos direcionamentos da doutrina gramscista, foi o PDT. Criado também em 1979, tinha o intuito de resgatar o antigo Partido Trabalhista Brasileiro de Getúlio Vargas. O referido partido é vinculado à Internacional Socialista, possui características nacionalista-populista, antiamericanista, e atua na política por meio da prática “nasserista”, a semelhança do PT. Dentro desse contexto, Segundo Coutinho (2012) pode-se inferir que os temas relativos a atuação do gramscismo no Brasil, estão diretamente relacionados com três empreendimentos que podem ser facilmente contextualizados em acontecimentos e fatos do século XXI, quais sejam: a superação do senso comum, a neutralização dos aparelhos de hegemonia da burguesia e, na ampliação do Estado. 6.2.12.2 A Superação do Senso Comum O senso comum é o conjunto das opiniões aceitas pela maioria das pessoas que compõem determinada sociedade. Essas opiniões quando contrárias ou divergentes a maioria, parecem discrepantes e desajustadas no seio de uma sociedade organizada. Para Coutinho (2012), a superação do senso comum estimula a modificação de valores, tradições, costumes, modo de pensar, conformidade religiosa e social que direcionam a sociedade para coesão interna, consenso e resistência a mudanças ideológicas.

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Nesse contexto reside uma das concepções de Gramsci que passou a ser empregada no Brasil. Como elemento de ação revolucionária, o processo subversivo funciona como desagregador dos valores contidos no senso comum. Assim, tais valores, modificam sobremaneira o modo de pensar e agir da sociedade, impactando as bases que a compõem. Dentre esses valores, podemos destacar alguns mais perceptíveis.

A deturpação do conceito de legalidade em detrimento da legitimidade caracteriza-se como um dos focos de superação do senso comum. O que é legal perde espaço para o dito legítimo. No presente século constata-se eventos como: a invasão de terras por organizações como MST, a ocupação de imóveis e prédios públicos, financiadas e estimuladas por lideranças políticas, como por exemplo, a ocupação do edifício no Largo do Paissandu, em São Paulo que acabou desabando em Maio de 2018 e o saque de estabelecimentos que se tornam legítimos porque correspondem a reivindicações avaliadas como justas. Outro valor depreciado diz respeito ao conceito de cidadão. O cidadão, enquanto componente do Estado, está sujeito a direitos e deveres. Nesse sentido, o conceito de cidadania passa a ser empregado de maneira deturpada em substituição ao conceito de ser cidadão. Grupos organizados e muitos financiados por classes políticas, estabelecem seus nichos reivindicando os seus direitos, sem, no entanto, cumprirem seus deveres na vida em sociedade. Nesse contexto, destaca-se o ativismo de pessoas em prol do apoio aos aparelhos privados de ONGs, tornando-se cada vez mais crescentes, principalmente na periferia de grandes centros regionais, como São Paulo e Rio de Janeiro. Seguindo o raciocínio da superação do senso comum, outros valores tornaram-se evidentes nos últimos anos. A história “revisada”, que expressa uma visão marxista, é arraigada no sistema educacional desde sua base, desprestigiando a história dita oficial, como sendo uma suposta invenção de grupos dominantes. Nesse contexto, inclui-se a versão construída pelo movimento de esquerda brasileiro em relação a contra-revolução de 1964. Outros valores incutidos no seio da sociedade também contribuem para a superação do senso comum, tais como: a união conjugal de pessoas do mesmo sexo em substituição à família estável e célula basilar da sociedade, a amoralidade em substituição à ética tradicional e a utilização dos direitos humanos como proteção ao criminoso comum, identificado como vítima da sociedade burguesa.

Os principais meios de difusão dos conceitos do novo senso comum são os órgãos de comunicação social, a manifestação artística, em particular o teatro e a novela, a cátedra acadêmica e o magistério em geral. A eles se soma a atividade editorial, com menor alcance social. [...]. (COUTINHO, 2012)

De fato, a difusão do novo senso comum vem sendo explicitamente buscado nos últimos anos. Entretanto, é mister esclarecer que nem toda mudança do senso comum, esteja alinhada com o propósito direcionado por Gramsci em seus escritos, como um produto da reformulação da doutrina Marxista-Leninista advinda da Revolução Bolchevique. Para Coutinho (2012) o projeto gramsciano de superação do senso comum, funciona como elemento estimulador do fenômeno em cadeia, que propicia mudanças naturais, eliminando a estabilidade dos valores e conceitos da sociedade, enfraquecendo suas convicções culturais e resistências a certos projetos políticos socializantes.

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6.2.12.3 A neutralização do aparelho hegemônico da burguesia Alinhada com as propostas de Gramsci, pode-se estabelecer um paralelo dos grupos dominantes hegemônicos que reconhecidamente são foco de atuação do esforço da imposição indireta de uma ideologia socialista no Brasil. São identificados como o conjunto das organizações estatais, da sociedade política e das organizações privadas da sociedade civil de maior relevância, onde destaca-se alguns mais significativos: o Judiciário, o Congresso Nacional, o Executivo (Governo), os Partidos Políticos Burgueses, as Forças Armadas, o Aparelho Policial, a Igreja Católica e o Sistema Econômico Capitalista. Nesse panorama, ocorrem a neutralização das organizações supracitadas, predominantemente por meio de uma guerra psicológica, visando a atingi-las e a miná-las. Incluindo-se para tal, ações de enfraquecimento, pela desmoralização, desarticulação e perda de base social, política, legal e da opinião pública; esvaziamento, pelo isolamento da sociedade, perda de prestígio social, perda de funções orgânicas, comprometimento ético, quebra da coesão interna e dissidência interna; e constrangimento e inibição por meio do monitoramento ideológico, por meio da infiltração de intelectuais orgânicos. Nesse sentido, a seguir será abordado um resumo da proposta de neutralização do aparelho hegemônico da burguesia, proposto por Gramsci. (Quadro 6)

Quadro 6 – Neutralização do aparelho hegemônico da burguesia Instituição Ideia em evidência Objetivos

Judiciário

- Instrumento de opressão - Parcialidade - Ineficiência - Improbidade

- Favorecimento dos ricos - Privilégio dos burgueses - Impunidade dos ricos - Lentidão funcional - Corrupção e privilégio dos magistrados

Congresso Nacional

- Ineficiência - Improbidade - Parasitismo

- Privilégios - Ociosidade - Escândalos - Barganhas - Falta de espírito público

Executivo

- Ineficiência - Autoritarismo - Improbidade

- Conduta autoritária - Abuso de autoridade - Corrupção - Escândalos

Partido Político

- Falta de representatividade - Ambição pessoal - Fascismo

- Fisiologismo - Falta de programa - Corrupção - Verbas de campanha - Escândalos

Forças Armadas

- Ineficiência - Desnecessidade - Ônus para o país - Fascismo

- Destinação - Acidentes de trabalho - Escândalos - Golpismo e ditadura - Tortura

Aparelho Policial - Ineficiência - Truculência

- Reforma e extinção da Polícia Militar

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- Improbidade - Escândalos - Envolvimento no crime - Violência - Corrupção

Igreja Católica

- Anacronismo da moral cristã - Opressão moral e intelectual - Aliança com o poder

- Celibato clerical - Escândalos sexuais - Inflexibilidade doutrinária (homossexuais, indissolubilidade do matrimônio) - aborto, controle de natalidade - Devoções populares e culto de leigos (fora das Igrejas).

Capitalismo

- Divisão de classes e exploração do proletariado urbano e camponeses - Imperialismo - Má divisão da renda

- Greves e protestos - Domínio econômico - Ambição e abuso - Injustiça social - Neo-liberalismo - Globalização - Desemprego.

Fonte: baseado em Coutinho (2012). 6.2.12.4 A ampliação do Estado Considerado um outro viés da teoria gramsciana, a concepção ampliada do Estado consiste na absorção desse pela sociedade civil. A ampliação se dá à medida em que as organizações civis assumem certas funções estatais, sendo denominas organizações não-governamentais (ONG), cuja sustentação financeira nunca tem sua origem muito bem definida, sendo seus recursos suficientes para financiar os mais variados projetos e iniciativas e para manter um grande número de pessoas ativas sob os títulos de ambientalistas, especialistas, defensores disto e daquilo, pacifistas, etc. Assim, essa relação estabelecida entre Governo e organizações não-governamentais, para a realização principalmente de projetos sociais e preservacionistas, além de levarem recursos públicos às entidades da sociedade civil organizada, são a maneira mais eficiente, embora lenta e discreta, de realizar a ampliação do Estado, configurando-se uma forma de evolução da democracia, quando na verdade é parte da concepção na transição para o socialismo. 6.2.13 Participação da vertente socialista no impeachment do presidente Collor de Melo A conjuntura de implantação da política neoliberal no Brasil, foi iniciada com o governo Collor (1990-1992), conduziu o país a um período de forte recessão econômica, ao crescimento das taxas de desemprego, à elevação dos índices inflacionários, à deterioração dos serviços e infraestrutura públicos. Nesse cenário, ocorreram meses de investigação parlamentar provocada por denúncias de corrupção divulgadas pela imprensa que culminou com a renúncia do presidente Fernando Collor de Mello, em 29 de dezembro de 1992.

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Nesse contexto, a participação da vertente socialista foi protagonizada pelo PT, podendo ser explicada no decorrer de 3 fases.

A primeira delas se evidenciaria nos debates do 1º Congresso Nacional, realizado em dezembro de 1991, quando o PT se mostrou disposto a analisar os casos de corrupção no governo, reivindicou a antecipação do plebiscito sobre sistema de governo e conferiu apoio condicional ao impeachment, tudo isso de forma não oficial. A referida fase foi marcada por intensa polarização entre as tendências internas do PT. Enquanto algumas tendências mais radicais socialistas, defendiam, nesse momento, o impeachment do presidente, as demais preferiam aguardar os processos de investigação contra o governo.

A segunda fase se iniciou em maio de 1992, após a expulsão da tendência socialista do PT e as denúncias de Pedro Collor na revista Veja. O PT passou apoiar a abertura de CPI do caso PC Farias e descartou a defesa da antecipação do plebiscito sobre sistema de governo, mantendo a mesma postura em relação ao pedido de impeachment do presidente Collor.

A terceira fase começaria com as manifestações populares contra o governo Collor. O PT se posicionou a favor do aprofundamento das investigações na CPI, defender o impeachment de Collor, descartando a possibilidade de convocação de eleições gerais. Com a renúncia de Collor e a posse do vice-presidente Itamar Franco, o PT se recusou a compor o governo, e passou a discussão interna, sobre a questão do futuro pós-Collor, estruturando uma oposição severa e articulando o inicio do processo de aquisição do poder.

6.2.14 Corrida socialista brasileira no século XXI Nesse trabalho, em capítulos anteriores, foram narrados os eventos nos quais a participação da ideologia comunista foi fundamental para os rumos do Brasil no século XX. O fato é que a doutrina pregada por Gramsci é um melhoramento da doutrina Marxista-Leninista, sendo essas muito semelhantes. Diante disso, no decorrer do século XXI no Brasil, podemos identificar uma série delas, como as demais já levantadas, como reflexos da Revolução Russa. A perspectiva atual da tentativa de implantar o socialismo no Brasil não é uma falácia, diante de todo o contexto político brasileiro, a partir do governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), verificou-se o distanciamento de um Estado democrático de fato, direcionando o país à um sistema social democrático, uma espécie de socialismo “camuflado”, que vem sendo permeado âmbito sociedade brasileira, provocando efeitos desastrosos. A título ilustrativo, Lênin, em seus inscritos, orientou a formação de partidos comunistas, além de motivar a formação de partidos de esquerda em todo o mundo. Baseado nisso, pode-se citar o decálogo de Lenin (com seus 10 mandamentos), cujo dogma é abstraído da fundamentação doutrinária do leninismo, divulgada pelo próprio Lenin no ano de 1917, para exemplificar os rumos atuais da sociedade brasileira no presente século. (Quadro 7)

Quadro 7 – Decálogo de Lenin Mandamento Descrição

1 Corrompa a juventude e dê-lha liberdade sexual. 2 Infiltre-se e depois controle todos os meios de comunicação de

massa.

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3 Divida a população em grupos antagônicos, incentivando as discussões sobre ações e assuntos sociais.

4 Destrua a confiança do povo em seus líderes. 5 Coloque em descrédito a imagem do país, especialmente no

exterior. 6 Colabore com o esbanjamento de dinheiro público; provoque o

pânico e o desassossego na população e, por meio de infiltração, destrua a confiança do povo em seus líderes.

7 Promova greves, mesmo ilegais, principalmente nas indústrias vitais do país.

8 Promova distúrbios e contribua para que as autoridades constituídas não as coíbam.

9 Procure catalogar todos àqueles que possuem armas de fogo para que sejam confiscadas no momento oportuno, objetivando dificultar ou impossibilitar qualquer resistência ou reação.

10 Fale sempre em DEMOCRACIA e em estado de direito, mas, tão logo haja oportunidade, ASSUMA O PODER, SEM QUALQUER ESCRÚPULO.

Fonte: baseado em Neto (2018).

Seguindo o raciocínio do decálogo de Lênin, serão abordados os exemplos práticos de cada mandamento no seio da sociedade brasileira atual.

6.2.14.1 Primeiro mandamento Leninista

No item 1, relativo ao ato de corromper a juventude, foram preparados no ano de 2016, pelo governo de Rondônia, uma coletânea de livros destinada a educação básica que continham conteúdos que estimulavam a união entre gays e com casamento e adoção de crianças por homossexuais, razão pela qual os aludidos livros foram proibidos de ser entregues aos alunos do ensino fundamental, por constituir diversidade familiar.

Ainda sim, tem-se a televisão como eficiente meio de promover a cultura de um povo. Entretanto, observam-se, diariamente, apresentações de telenovelas e de filmes, cujos conteúdos demonstram relacionamentos homossexuais (homem beijando outro homem, assim como mulher beijando outra mulher), assim como atores e atrizes adolescentes relacionando-se, como se fossem os atos normais dentro dos cotidianos, em horário aberto as assistências de crianças e de adolescentes, tudo em nome da irrestrita liberdade de imprensa.

Assim, em relação ao primeiro mandamento de Lênin, encontram-se aspectos similares que conduzem a sociedade brasileira a ser influenciada por esse preceito, que somado a outros, aos poucos direcionam a formação de uma sociedade de cunho socialista.

6.2.14.2 Segundo mandamento Leninista

No item dois do decálogo, concernente a infiltração de partidários na imprensa, com o esteio de controlar os meios de comunicação, segundo Neto (2012) noticias correm a respeito de que desde o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, tem havido intervenções na linha editorial e de censuras da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), de maneira tendenciosa em prol de interesses partidários e governamentais. Ainda sim, durante o processo eleitoral à presidência da república

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de 2018, torna-se evidente as tendências editorias no descredenciamento de candidatos que não coadunam com pensamentos de partidos de “esquerda”.

6.2.14.3 Terceiro mandamento Leninista

Correspondente ao item três do decálogo, verifica-se a divisão da população em grupos antagônicos, visando incentivar discussões sobre ações sociais. É mister evidenciar dentro dessa regra socialista/comunista, a interferência do governo brasileiro, mais especificamente da gestão da ex-presidente Dilma Rousseff, sancionando a Lei nº 12.711/2012, passando a privilegiar grupos específicos, no momento em que criou cotas raciais entre “pretos”, pardos e indígenas e pessoas com deficiência nas universidades federais brasileiras e nas instituições federais de ensino técnico a nível médio. Essa postura, dentro de uma visão conservadora, o governo brasileiro está privilegiando grupos ao criar cotas raciais, em detrimento da raça branca, ou seja, de brancos de baixa condição financeira.

Nesse mesmo sentido, outras leis foram criadas, também, com o intuito discriminatório, causando conflitos na sociedade brasileira, como por exemplo, a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), sancionada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com o escopo de proteger a mulher da violência domestica e familiar. Para Neto (2012), a referida lei amplia seus efeitos, ou seja, é cabível para todas as pessoas que se identificam com o sexo feminino (heterossexuais e homossexuais, além de mulheres transexuais).

Outro ponto relevante foi o tratamento tributário diferenciado no que concerne a agentes políticos, como se deu a criação da Lei nº 10.559/2002, promulgada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, isentando políticos anistiados de pagar impostos.

Sendo assim, tornam-se evidentes a tentativa de divisão de grupos antagônicos, como premissa da tentativa de imposição do socialismo no Brasil.

6.2.14.4 Quarto, quinto e sexto mandamentos Leninista Vários fatos que vieram à tona nos governos de Luís Inácio Lula da Silva e de Dilma Rousseff, estão relacionados com o descrédito da imagem do país no exterior, esbanjamento do dinheiro público e com a destruição da confiança do povo em seus líderes. Em muito, a destruição da imagem do país no exterior, relaciona-se com os escândalos de corrupção dos governos dos Luís Inácio Lula da Silva e de Dilma Rousseff. Tal condição leva a cabo as questões de esbanjamento dos recursos públicos. Exemplos dessas ocorrências podemos citar o escândalo do mensalão, emprego de recurso do Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES) para construção do Porto Mariel em Cuba, entre outras situações e o rebaixamento da nota de crédito do Brasil em 2017, compondo o escopo dos países que não são considerados bons pagadores. Ainda sim, já no contexto do governo do presidente Temer, para Neto (2012) tais mandamentos, são observados, inicialmente, na leitura do texto da Lei nº 13.586/2017, que trata da regulamentação do tratamento tributário da atividade de exploração de petróleo e gás natural das empresas que vão investir no Pré-Sal, onde seus preceitos constam reduções de alíquotas a 0% e de 100% relativas às multas. Tais isenções tributárias alcançam um trilhão de reais, em detrimento da arrecadação para os cofres da União. Soma-se, ainda a essa, inúmeras decisões tomadas pelo referido governo, mediante medidas provisórias, que causaram grande impacto e prejuízos incalculáveis a população brasileira.

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Sendo assim, independente do direcionamento partidário, constata-se os preceitos da doutrina leninista nas ações dos últimos três governantes do Brasil, refutando conceitos da Revolução Bolchevique de 1917, sendo empregados em um conturbado quadro político brasileiro. 6.2.14.5 Sétimo e oitavo mandamentos Leninista Inúmeros são exemplos de ações e greves contra para atingir a autoridade estatal. Em 2017, a presente Dilma Rousseff deixou a presidência ante a conclusão de um processo de impeachment. Em que pese seu Vice-Presidente ter assumido a presidência, ambos comungam de uma mesma natureza ideológica. Ocorreram nesse cenário a mobilização de movimentos do PT, do MST e da Central Única dos Trabalhadores (CUT), em torno da defesa da causa da ex-presidente, que culminou com manifestações contra a condenação do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva. Nesse escopo, a greve dos caminhoneiros paralisou todo o país, minando toda a sociedade com a escassez dos serviços essenciais, descredenciando o governo vigente ante a dificuldade de restabelecer as condições normais de funcionamento do país. Assim, em uma pequena correlação com atualidade, evidenciam-se objetivos de ascensão de um estado socialista por parte de determinados segmentos da sociedade, que foram e continuam sendo cultivados no país. Em particular, de partidos políticos que tiveram suas origens nos movimentos operários, já especificados nesse mesmo capítulo. 6.2.14.6 Nono mandamento Leninista No que se refere ao novo mandamento leninista, que trata do controle de armas nas mãos da população o seu confisco pelo Estado, com o objetivo de evitar resistência, essa ideia foi acatada pelo ex-presidente Inácio Lula da Silva, por meio da criação da Lei nº 10.826/2003, regulamentada pelo Decreto nº 5.123/2004, estabelecendo uma nova sistemática no controle de armas, sob protesto de obstar o comércio ilegal do armamento particular promovido pelo crime organizado.

Com efeito, tem-se verificado que o desarmamento do cidadão, os índices de violência contra a sociedade brasileira cresceram de modo acintoso, enquanto os abastecimentos dos arsenais dos traficantes e assassinos não sofreram baixas. Assim, ao mesmo tempo que a lei dificultou o acesso à arma pelo cidadão, prejudicou o seu direito de defesa própria e de seus familiares, garantindo o direito dos marginais de invadir estabelecimentos e residências munidos de arma de fogo, beneficiados pela certeza de que não haverá revide por parte das vítimas. Dessa maneira, o controle de armamento da população adotado no Brasil, coincide com um preceito estabelecido por Lênin a 100 anos atrás por ocasião da Revolução Russa, que indiretamente é levado a cabo atualmente como um propósito de cunho socialista no país. 6.2.14.7 Décimo mandamento Leninista

Acrescente-se, de resto, o último mandamento leninista diz respeito à determinação de que as palavras “democracia” e o “estado de direito” sejam relevados, porém na primeira oportunidade, o poder deve ser assumido, sem quaisquer escrúpulos. Tal preceito vem sendo construído no Brasil ao longo da história, democracia e estado de direito são expressões usadas para legitimação de poder, porém são facilmente relevados, principalmente por partidos políticos alinhados

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ao socialismo. Como vimos anteriormente na orientação dos partidos, segundo o gramscismo e suas orientações ideológicas, o PT caracteriza-se como o partido que tem protagonizado na busca de perpetuação de poder entre os brasileiros. Não obstante, utiliza-se da narrativa de “democracia” e “estado de direito”, para legitimar suas ações, sendo essas relevadas quando se trata de permanência no poder. Assim, tal mandamento Leninista, justifica uma série de acontecimentos que demonstram a falta de escrúpulos em prol do poder, no contexto atual da sociedade brasileira. 6.3 CONSIDERAÇÕES PARCIAIS O Brasil conserva estreita ligação com a Revolução Russa, heranças desse movimento ainda são percebidas no país. Em diferentes momentos da história, mesmo que indiretamente, conceitos do Marxismo-Leninismo foram introduzidos no seio da sociedade brasileira e ainda se encontram enraizados nas instituições políticas, sociais e econômicas. De fato, ao longo de uma história construída entorno de preceitos democráticos, as ideias Marxista-Leninista e a concepção gramscista, quando estimuladas e impostas, causaram divergências e instabilidades no país, sobretudo no período em que o mundo vivenciou a Guerra Fria. Essa situação se materializou em reflexos, por meio de fatos que marcaram a história dos brasileiros, sendo alguns especificados no presente capítulo. Cabe destacar que, em que pese os erros e acertos da tentativa da construção de uma sociedade de natureza socialista em outros países, essa, de maneira geral se mostrou ineficiente e destrutiva no contexto brasileiro no século XX. Entretanto, no Brasil atualmente há uma consonância entre o projetos Marxistas-Leninistas e gramscista, vindo à tona fatos que remontam a luta pela construção de uma nação socialista.

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7 CONCLUSÃO

O presente trabalho teve como objetivo analisar em que medida os eventos ocorridos na Revolução Russa impactaram o cenário mundial ao longo de 100 anos e como esses se refletiram no Brasil.

O ponto de partida para o entendimento das origens de tão relevante evento ocorrido no século XX, foi construir um raciocínio em torno das concepções socialistas, embasando-se em relevantes autores que motivaram o movimento e que fazem perpetuar algumas ideias até os presentes dias. De fato, a história do socialismo e do comunismo tiveram ao longo do tempo uma gama variada de atores, desde a concepção inicial de uma sociedade ideal, com o surgimento do conceito de “socialismo”, até surgimento de pensadores que impulsionaram os movimentos revolucionários por todo mundo.

Nesse sentido, o socialismo científico, materializado com as premissas de Karl Marx e Friedrich Engels, angariou diversos adeptos na sociedade contemporânea, motivando movimentos revolucionários importantes, como já citadas, Comuna de Paris e a Revolução Russa, demonstrando, cada um em sua época, a força ideológica do Marxismo em defesa do socialismo.

Outro importante autor foi Antônio Gramsci, que por meio da divulgação do “Caderno do Cárcere” passou a disseminar as ideias socialistas e comunistas em diversos países, com mais expressão, a partir da segunda metade do século XX. Assim, a Revolução Russa figurou como marco entre dois momentos históricos do pensamento socialista, fomentando disputas ideológicas no cenário internacional que se perpetuaram ao longo dos tempos, afetando estruturas políticas, econômicas, sociais de diversos nações.

Revolução Russa dividiu-se em duas etapas ou, podemos também dizer, em “duas revoluções” que se entrelaçaram. O estudo do mecanismo político e das classes sociais na primeira revolução, a Revolução de Fevereiro, é essencial para compreender os acontecimentos que conduziram à tomada do poder pela classe operária na Revolução de Outubro.

Incontestavelmente, foi um movimento que criou uma nova realidade política no país em que se desenvolveu. A passagem do Czarismo para uma república socialista foi o produto do movimento revolucionário do proletariado contra a burguesia, o que proporcionou a ascensão dos Bolcheviques ao poder, culminado com o governo de Lênin e adiante a criação da URSS como instrumento de expansão ideológica. Cabe ressaltar que a Revolução Russa estabeleceu as bases críticas para socialismo e para comunismo, mundialmente. A partir dos eventos transcorridos durante essa fase da história, essas ideologias ganharam expressão, impactando outros países no mundo.

As evoluções da luta do proletariado fundamentaram a doutrina Marxista-leninista principalmente nas Repúblicas Socialistas Soviéticas no leste europeu. Constatou-se que no decorrer da Guerra Fria, tal condição não se limitou a Europa, vindo o comunismo se expandir, por meio da Internacional Comunista, para países além desse continente. Assim, tal fato reorganizou o tabuleiro geopolítico no cenário mundial, evidenciando uma preocupação crescente dos países ocidentais na luta contra a implantação desse regime em suas estruturas de governo.

Cabe destacar quais campos do poder também atua o socialismo. Não somente a esfera política é afetada, o campo econômico e social sofrem grandes impactos. Tal condição tornou-se evidente no contexto da Guerra Fria com a disparidade entre os países que adotaram o capitalismo, sendo um dos fatores de insucesso do comunismo

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na maioria dos países que se propuseram a adotá-lo. Em que pese poucas nações tenham mantido o socialismo como viés político em seus governos, atualmente, o caráter ideológico de “esquerda” encontra-se arraigado em diversos países, sendo defendido por alguns historiadores como o “Socialismo do Século XXI”. Dessa maneira, foi notória a influência que a Revolução Russa proporcionou no cenário mundial nas décadas subsequentes a sua ocorrência, proporcionando modificações constantes nas relações entre os países de diferentes continentes.

No contexto brasileiro, no que tange aos reflexos da Revolução Russa para o Brasil, buscou-se nesse trabalho fazer um breve panorama de como este processo influenciou o contexto político e organizativo da esquerda brasileira, tanto no imediato pós-revolução, como também ao longo das décadas seguintes, em particular nos anos 1920 e inicio dos anos 1930, entre os anos 1930 e 1970, mas notadamente, entre os anos 1950 e 1970. De fato, foi dado destaque para os movimentos da revolução russa e da IC e suas influências sobre a esquerda no Brasil e seus pontos de inflexão, sendo os mais relevantes: a fundação do PCB em 1922; o VI Congresso da IC em 1928; e a Contra-Revolução de 1964. Alguns movimentos significativos da esquerda comunista no Brasil não foram abordados nesse trabalho , mas isso ocorreu por conta de uma escolha teórica e organizativa. Estudar a Revolução Russa possibilitou conhecer uma parte da história pouco discutida em nosso país. O estudo possibilitou verificar suas origens e constatar a repercussão que tomou aqui no Brasil quanto foi difundida as ideias socialistas por diversos intelectuais. O novo modelo político e social russo, pós-revolução, motivou o movimento dos trabalhadores brasileiros, que também tentaram, sem sucesso, implantar uma revolução. Indo um pouco além, esse estudo permitiu identificar a posição do Brasil no contexto geopolítico mundial, a partir da ocorrência da Revolução Russa, e mais do que isso, constatar as possíveis ameaças que a nação brasileira está vulnerável quando se trata da proposta de estabelecimento de um viés socialista no país. Diante desse panorama, já no final do século XX, a partir da década de 1980, a revolução comunista no Brasil ganhou uma nova vertente inspirada na concepção gramsciana de transição para o socialismo. Em síntese, essa linha convive com o pensamento e a prática política marxista-leninista de alguns partidos, somando esforços numa assumida postura tática de "pluralismo das esquerdas". Fatos descritos nesse trabalho, apontam o êxito já alcançado no que diz respeito à penetração intelectual e moral na sociedade, indicando que está chegando a um estágio que se poderá dizer irreversível. Dentro desse contexto da elaboração de uma concepção gramscista no Brasil no século XXI, em particular, foram identificados objetivos buscados na adoção de uma sociedade governada sobre os preceitos socialistas, sejam eles: superação do senso comum, a neutralização dos aparelhos de hegemonia da burguesia e, a ampliação do Estado.

Dentro todos aspectos que nortearam o entendimento desses preceitos, abordados no capítulo anterior, os fatos atuais indicam uma profunda participação de militantes inseridos nas igrejas, nos jornais, nos órgãos governamentais, nas escolas, nas faculdades, nas rádios, nas redes de televisão, nas editoras, nos sindicatos, nas ONG's etc., todos atuando com o objetivo de superar o senso comum e estabelecer o consenso. Fazem-no ou porque estejam crentes de que isso é de fato o melhor para a humanidade, ou porque vislumbram nessa atividade vantagens pessoais, ou mesmo porque estejam sendo vítimas de patrulhamento ideológico.

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Sendo assim, conclui-se que a Revolução Russa ainda revela legados significativos no contexto brasileiro. As dicotomias ideológicas tornam-se cada vez mais latentes âmbito sociedade e instituições, não se constituindo fatos isolados das atividades esquerdistas, mas fruto de um projeto de poder que se desencadeou desde a criação do PCB, nos idos de 1922. Por fim, passados 100 anos da Revolução Russa, o debate sobre a revolução em geral e a revolução brasileira especificamente continuam a despertar o interesse de muitos militantes e estudiosos. E considerando o atual contexto da luta trabalhadora no mundo e no Brasil, torna-se tarefa, reavaliar nosso passado e passar a considerar os erros e acertos na implantação de uma administração de cunho socialista no mundo, visando apreender com o processo histórico, de maneira a nos protegermos de eventuais imposições de um regime notadamente ante-democrático no Brasil.

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REFERÊNCIAS

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