a responsabilidade penal da pessoa jurdica de … · o senhor é o meu pastor, de nada terei falta....

81
FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA – CAMPUS CACOAL Departamento do Curso de Direito A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO POR CRIMES AMBIENTAIS Caroline Trevizane de Oliveira CACOAL-RO 2007

Upload: hakiet

Post on 09-Nov-2018

217 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA – CAMPUS CACOAL Departamento do Curso de Direito

A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO POR CRIMES AMBIENTAIS

Caroline Trevizane de Oliveira

CACOAL-RO 2007

Page 2: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

CAROLINE TREVIZANE DE OLIVEIRA

A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO POR CRIMES AMBIENTAIS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Fundação Universidade Federal de Rondônia – campus Cacoal, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito sob orientação do Professor Especialista Silvério dos Santos Oliveira.

Cacoal-RO 2007

Page 3: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

___________________________________________________________________________

OLIVEIRA, C.T A Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica de Direito Privado por Crimes Ambientais/ Caroline Trevizane de Oliveira --- 2007. VII, ..79 f, enc.; 30 cm. Monografia – Fundação Universidade Federal de Rondônia – Campus Cacoal, 2007. Bibliografia: fl. 77-79 I – Título ___________________________________________________________________________

Page 4: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

PARACER DE ADMISSIBILIDADE

 

 

A Acadêmica Caroline Trevizane de Oliveira desenvolveu o Trabalho de Conclusão

de Curso intitulado “A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA DE

DIREITO PRIVADOS POR CRIMES AMBIENTAIS”, obedecendo aos critérios do

Projeto de Monografia apresentado ao Departamento de Direito da Universidade Federal de

Rondônia – UNIR, campus de Cacoal / RO.

O acompanhamento foi efetivo, observou-se no desenvolvimento do trabalho, todos os

prazos fixados pelo Departamento de Direito.

Assim sendo, a acadêmica está apta para a apresentação expositiva de sua monografia

junto à Banca Examinadora.

Cacoal, RO, 06 de agosto de 2007.

_____________________________________

Professor Esp. Silvério dos Santos Oliveira.

Orientador

Page 5: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

CAROLINE TREVIZANE DE OLIVEIRA

A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO POR CRIMES AMBIENTAIS

AVALIADORES

________________________________________ - __________

Prof. Especialista Silvério dos Santos Oliveira - UNIR Nota

________________________________________ - __________

Prof. - UNIR Nota

________________________________________ - __________

Prof. - UNIR Nota

________________________

Média

Cacoal-RO

2007

Page 6: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

Dedico à Neuza Trevizane, minha mãe e mulher guerreira, à minha avó Maria Trevezani, sua ajuda foi vital e aos meus queridos irmãos Keila, Silvana e João Gabriel, pela compreensão e amor.

Page 7: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

Agradeço a todo corpo docente da Fundação Universidade Federal de Rondônia – campus Cacoal, pelo trabalho desenvolvido com esmero. Em especial, ao Professor Especialista Silvério dos Santos Oliveira pela orientação monográfica e por nunca ter medido esforços para o bem da causa acadêmica. Ao Juiz Federal da Subseção de Ji-Paraná/RO, Doutor Márcio Coelho de Freitas, por disponibilizar fontes de pesquisa. À todos que direta ou indiretamente auxiliaram na elaboração do presente trabalho.

Page 8: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me o vigor. Guia-me nas veredas da justiça por amor do seu nome. Mesmo quando eu andar por um vale de trevas e de morte, não temerei perigo algum, pois tu estás comigo; a tua vara e o teu cajado me protegem. Preparas uma mesa para mim na presença dos meus inimigos. Tu me honras, ungindo a minha cabeça com óleo e fazendo transbordar o meu cálice. Sei que a bondade e a fidelidade me acompanharão todos os dias da minha vida, e voltarei à casa do Senhor enquanto eu viver. (Salmo 23)

Page 9: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

RESUMO

OLIVEIRA, Caroline Trevizane. A Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica de Direito Privado por Crimes Ambientais, 79 folhas, Trabalho de Conclusão de Curso. Fundação Universidade Federal de Rondônia – campus de Cacoal, 2007.

A Constituição Federal no intuito de assegurar o direito a que todos têm de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, à sadia qualidade de vida, à dignidade da pessoa humana e valendo-se do fato que são os entes morais os maiores causadores dos danos ambientais, contemplou em seu art. 225, §3º, a responsabilidade penal da pessoa jurídica por crimes ambientais. Essa decisão do legislador constituinte gerou inúmeras controvérsias entre renomados doutrinadores, especialmente entre penalistas e ambientalistas, esta celeuma tomou mais força após sua regulamentação pela Lei 9.605/98, conhecida como a Lei dos Crimes Ambientais. Assim sendo, surgiram argumentações contrárias e favoráveis à possibilidade de o ente jurídico ser penalmente responsabilizado no ordenamento jurídico brasileiro, estando de um lado o direito penal tradicional e de outro lado uma nova tendência mundial do direito penal frente às constantes modificações ocorridas na sociedade. Dentre as divergências, a objeção mais séria refere-se à culpabilidade até então imputada somente às pessoas físicas, tendo em vista o requisito da capacidade de agir com vontade própria, com dolo ou culpa. As principais teorias sustentadas para fundamentar os distintos posicionamentos são: a teoria da ficção e a teoria da realidade. A teoria da ficção, sem suma, defende que o ente coletivo não é uma realidade, age somente por meio de seus representantes, portanto não possui vontade própria, sendo incapaz de preencher os requisitos necessários para a imputação penal. Em contrapartida, a teoria da realidade afirma, em resumo, que a pessoa jurídica é um ser real que apresenta vontade própria (responsabilidade social), podendo sofrer as sanções penais compatíveis com sua natureza. Palavras-chave: crimes ambientais . pessoa jurídica . (im)possibilidade.

Page 10: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

ABSTRACT

OLIVEIRA, Caroline Trevizane de. The Responsability of the Juridical Person of the Private Law for Enviromental Crimes, 79 pages, Monography Foundation Federal University of Rondonia – Cacoal campus, 2007.

The Federal Constitution, with the purpose of ensuring that everyone is entitled to an ecologically equilibrated environment, to a healthy life quality, to the dignity of the humane being, and considering the fact that the greatest causers of the environmental damages are the moral institutions, displays in its article # 225, paragraph 3º, the penal responsibility of the juridical person for crimes against the environment. This decision of the constituent brought several controversies between remarkable doctriners, specially between the penalists and environmentalists , this discussion became stronger after the regulation of the Law # 9.605/98, known as the Law of the Environmental Crimes. Therefore, contrary and favorable argumentations to the possibility that the juridical person has penal responsibility in the Brazilian juridical ordainment , when on one side is the traditional penal law, and on the other one a new universal tendency of the penal law related to the constant modifications occurred in the society. Among the divergences, the most serious objection refers to the culpability, applied, up to this moment, only to the natural persons, once the requisite to the capacity of acting deliberately is dole or guilt. The principal theories presented to the distinctive opinions are: the fiction theory and the reality theory. The fiction theory, briefly, defends that the collective institution is not a reality, acts only through its representatives, therefore it does not have its own will, incapable to fit the necessary requisites to the penal responsibility. In the other hand, the reality theory affirms, in few words, that the juridical person is a real unit that owns self-willing (social responsibility), and it may suffer the penal sanctions compatible with its nature. Key-words: environmental crimes . juridical person . (im) possibility.

Page 11: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

SUMÁRIO

1. INTRODUÇAO............................................................................................................. 11 2. DAS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO.......................................... 13 2.1 CONCEITO.................................................................................................................. 13 2.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA.......................................................................................... 15 2.3 NATUREZA JURÍDICA............................................................................................. 17 2.4 CLASSIFICAÇÃO....................................................................................................... 21 2.5 INÍCIO DE SUA EXISTÊNCIA.................................................................................. 24 2.6 CAPACIDADE E REPRESENTAÇÃO...................................................................... 26 2.7 EXTINÇÃO.................................................................................................................. 28 3. DA RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO.......................................................................................................................... 30 3.1 ESCORÇO HISTÓRICO............................................................................................. 30 3.2 PRINCIPAIS CONGRESSOS INTERNACIONAIS.................................................. 33 3.3 A CONSTIUIÇÃO DO BRASIL DE 05.10.1988........................................................ 36 3.4 ARGUMENTAÇÃO CONTRÁRIA E FAVORÁVEL............................................... 41 3.4.1 Da Capacidade de Ação.............................................................................................. 42 3.4.2 Da Capacidade de Culpabilidade................................................................................ 45 3.4.3 Da Capacidade de Pena.............................................................................................. 50 3.4.4 Dos Efeitos da Pena.................................................................................................... 53 3.5 REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE..................................................................... 55 4. RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA POR CRIMES AMBIENTAIS................................................................................................................... 59 4.1 O MEIO AMBIENTE E SUA PROTEÇÃO................................................................ 59 4.1.1 Noções sobre o Meio Ambiente................................................................................. 59 4.1.2 O Meio Ambiente e a Necessidade da Tutela Penal................................................... 61 4.2 NORMA PENAL AMBIENTAL................................................................................ 64 4.2.1 Bem Jurídico Protegido.............................................................................................. 64 4.2.2 Tipicidade.................................................................................................................. 64 4.2.3 Norma Penal em Branco............................................................................................ 66 4.2.4 Sujeitos Ativo e Passivo............................................................................................. 68

Page 12: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

11  

4.3 A LEI DOS CRIMES AMBIENTAIS......................................................................... 69 4.3.1 Disposições acerca da Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica........................... 69 4.3.2 Tipos de Pena............................................................................................................. 71 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................... 75 6. REFERÊNCIAS........................................................................................................... 77

Page 13: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

11  

1. INTRODUÇÃO

A escolha do tema do presente trabalho se justifica por abordar uma nova tendência

mundial do direito penal, responsabilizar a pessoa jurídica por crimes ambientais. É sabido

que são as pessoas jurídicas as maiores causadoras dos ilícitos ambientais. Empresas que

despejam sem tratamento algum lixo altamente poluidor nas águas que servem para consumo

e banho, havendo devastação da fauna e da flora sem controle, gerando extinção de espécies,

etc.

A doutrina tradicional do direito penal tem sido contestada em face da moderna

política criminal que se apresenta, tendo em vista as constantes modificações ocorridas na

sociedade. A nova tendência mundial do direito penal almeja responsabilizar criminalmente

empresas que violam com mais eficiência bens e interesses juridicamente tutelados. A

Constituição Federal de 1988 contemplou referida possibilidade no caso de crimes

ambientais, que fora posteriormente regulamentada pela Lei 9.605/98.

Entretanto, renomados doutrinadores, principalmente os penalistas, se levantaram

contra referida possibilidade, alegando, dentre outros aspectos, sua inconstitucionalidade.

Diante disso, tem-se que a problemática da pesquisa jurídica consiste em verificar a

possibilidade de no ordenamento jurídico brasileiro a pessoa jurídica de direito privado ser

responsabilizada penalmente por seus delitos ambientais.

O objetivo geral desse trabalho consiste em verificar a efetividade e a aplicabilidade da

matéria que fora apreciada pela Constituição e, posteriormente, regulamentada pela Lei

9.605/98, conhecida como a Lei dos Crimes Ambientais que acentuou sobremaneira a

celeuma já existente.

Page 14: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

12  

Por seu turno, consistem seus objetivos específicos em: apresentar um estudo acerca

da pessoa jurídica de direito privado, examinar a evolução histórica da responsabilidade penal

da pessoa jurídica de direito privado; apresentar os posicionamentos doutrinários e

jurisprudenciais acerca do tema; abordar sobre as disposições da responsabilização do ente

coletivo na Lei dos Crimes Ambientais e averiguar a necessidade de o meio ambiente ser

tutelado pelo direito penal.

Para atingir tais objetivos, utilizou-se como recurso metodológico a pesquisa

bibliográfica (doutrinas, revistas jurídicas, jurisprudências, artigos científicos); o método

histórico, em razão da pesquisa acerca da evolução histórica da responsabilidade penal da

pessoa jurídica; e, o método dedutivo.

Dessa feita, a obra foi dividida em três capítulos. No primeiro, foi realizada uma

análise sobre a pessoa jurídica, no intuito de apresentar conceituações necessárias e, em

especial no que tange a sua natureza jurídica, apresentar as correntes filosóficas que irão

nortear a fundamentação dos entendimentos acerca do tema.

No segundo capítulo, apresenta-se um escorço histórico sobre a responsabilização

penal da pessoa coletiva, mencionam-se os principais congressos internacionais acerca do

tema ao fito de se vislumbrar o entendimento global sobre o mesmo, hodiernamente; as

argumentações favoráveis e contrárias, bem como os entendimentos doutrinários e o que se

tem firmado na jurisprudência e nas doutrinas como os requisitos necessários para a

imputação penal do ente coletivo.

Por fim, no terceiro capítulo, demonstra-se a importância do meio ambiente para a

humanidade e os entendimentos divergentes acerca da necessidade de o meio ambiente ser

tutelado penalmente, em especial a responsabilidade penal do ente coletivo. Analisam-se

também as peculiaridades da norma penal ambiental, disposições acerca da responsabilidade

penal da pessoa jurídica na Lei dos Crimes Ambientais e as penas destinadas aos entes

coletivos.

Page 15: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

13  

2. DAS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO

2.1 CONCEITO

O ser humano para atingir certos objetivos necessita agrupar-se. É indispensável que

este agrupamento aja em nome próprio, para isso a lei lhe confere personalidade, passando a

atuar como sujeito de direitos e obrigações.

Para Maria Helena Diniz, “a pessoa jurídica é a unidade de pessoas naturais ou de

patrimônios, que visa à consecução de certos fins, reconhecida pela ordem jurídica como

sujeito de direitos e obrigações.” 1

No entender de Venosa, a necessidade de se atribuir personalidade a um grupo de

pessoas vindo a denominar-se pessoa jurídica, deve-se à necessidade encontrada pelo homem

de exercer determinadas tarefas que em muito ultrapassam sua capacidade individual, mas que

em grupos determinados, com o mesmo objetivo, superam os limites da pessoa natural. 2

Silvio Rodrigues define pessoas jurídicas como entidades a que a lei empresta

personalidade, isto é, são seres que atuam na vida jurídica, com personalidade diversa da dos

indivíduos que os compõem, capazes de serem sujeitos de direitos e obrigações na ordem

civil.3

                                                            1 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Teoria Geral do Direito Civil. 22 ed. rev.atual. São Paulo: Saraiva 2005. 2 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Parte Geral. 6 ed. atual.São Paulo: Atlas, 2006. 3 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Parte Geral. 34 ed. atual. São Paulo: Saraiva 2003.

Page 16: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

14  

Na lição de Miguel Reale:

Todo ser humano é capaz de direitos e obrigações na ordem civil. Mas, não é apenas o homem, na sua estrutura física, o único sujeito, em sentido jurídico. Não podemos realizar nossos objetivos mantendo-nos isolados, sem laços permanentes com outros homens. Surgem assim, grupos que o Direito dimensiona e situa, conferindo-lhe também personalidade. Dessarte, aparece o que tecnicamente chamamos de pessoa jurídica e que em outros sistemas de Direito se denomina pessoa moral.4

Tem-se, assim, que a criação da Pessoa Jurídica pelo Direito se deu em razão da

constatação da realidade de que para atingir determinados fins o homem necessita reunir

forças, ou seja, estar em grupos. Ademais, para que surja a personalidade jurídica mister se

faz a presença de três requisitos básicos: a vontade humana, o preenchimento dos requisitos

legais para sua criação e a licitude do objeto.5

No que tange à vontade humana é imprescindível que esta esteja convertida na

vontade do grupo, não podendo representar uma vontade individual; quanto ao preenchimento

de requisitos legais, a lei o determina. É a necessidade de autorização pelo Estado, para alguns

entes jurídicos, bem como o Registro Público para aquisição de personalidade; ao final, a

liceidade do objeto, pois seria contraditório que o Estado tutelasse uma atividade ilícita.6

Segundo a Teoria Pura de Hans Kelsen:

A essência da pessoa jurídica, pela jurisprudência tradicional contraposta à chamada pessoa física, deixa-se melhor revelar através de uma análise do caso típico de uma tal pessoa jurídica: a corporação dotada de personalidade jurídica. Uma tal corporação é, em regra, definida como uma comunidade de indivíduos a que a ordem jurídica impõe deveres e confere direitos subjetivos que não podem ser vistos como deveres ou direitos dos indivíduos que formam esta corporação como seus membros, mas competem a esta mesma corporação. Precisamente porque estes deveres e direitos por qualquer forma afetam os interesses dos indivíduos que formam a corporação, sem que, no entanto, sejam direitos e deveres destes - como presume a teoria tradicional -' são considerados como deveres e direitos da corporação e, conseqüentemente, esta é concebida como pessoa.7

No que pertine às denominações, a doutrina e as várias legislações não são unânimes.

Nosso código traz a denominação Pessoa Jurídica. No entanto, há outras denominações

                                                            4 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 24 ed. São Paulo: Saraiva, 1998. 5 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 6 ed. rev.atual. Rio de Janeiro: Forense, 1995. 6 Ibid, p. 187 7 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução: João Baptista Machado. 6ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

Page 17: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

15  

utilizadas, como pessoas morais, coletivas, místicas, civis, fictícias, abstratas, intelectuais,

universalidade de pessoas e bens, entes coletivos, entre outras.8

Conforme Pontes de Miranda:

O Termo “pessoa jurídica” surgiu no início do século XIX, empregado na obra do jurista alemão Heise, em 1807. Posteriormente, tal expressão foi adotada por Savigny, o que lhe deu a propagação e o prestígio de que desfruta até os dias atuais.9

Vale notar que, o termo “pessoa jurídica” é considerado o menos imperfeito por parte

da doutrina majoritária. Nesse sentido, Caio Mário da Silva Pereira:

De todos os modos por que se podem designar, é a denominação pessoas jurídicas a menos imperfeita, e a que, pela conquista de campo na doutrina moderna, mais freqüentemente se usa, e por isso mesmo a mais expressiva. Na verdade, se a sua personalidade é puramente obra de reconhecimento do ordenamento legal, e se somente na órbita jurídica é possível subordiná-las a critérios abstratos e reconhecer-lhes poder de ação e efeitos, o uso do nome deve obedecer a um critério hábil a sugerir de pronto estes fatores. 10

2.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA

O surgimento da pessoa jurídica deu-se lentamente e ao mesmo passo que o

surgimento das primeiras civilizações, ante a constatação que o homem em conjunto reúne

forças e atinge objetivos que ultrapassam em muito sua capacidade individual.

Nas sociedades primitivas o primeiro agrupamento surgiu com a instituição família,

que se tornou um poder paralelo. Este agrupamento desapareceu com o fortalecimento do

poder central. O indivíduo se vendo sozinho perante o Estado e sem forças para defender seus

interesses, logo, tratou de reunir-se novamente em grupos para não se sentir tão desprotegido

diante do Estado.

Assim, desde as sociedades primitivas existiam grupos formados para a defesa de

interesses em comum, as associações já não eram tão estranhas na Idade Antiga, surgindo

normas que regulassem referidos agrupamentos.

                                                            8 VENOSA, Silvio de Salvo. Op.cit. p. 232 9 Apud SOUSA, Gaspar Alexandre Machado de. Op.cit. p. 08. 10 Op.cit. p.188.

Page 18: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

16  

O código de Hamurabi, legislação babilônica, e o Código de Manu, legislação Indiana,

do século XII a.C., já regulavam essas relações. A primeira de forma mais tímida, mas a

segunda de maneira mais explícita, conforme se verifica em seu art. 204: “Quando vários

homens se reúnem para cooperar, cada um por seu trabalho, em uma mesma empresa, tal é a

maneira porque deve ser feita a distribuição das partes.” 11

No que tange à existência da pessoa jurídica no direito romano, há duas correntes

doutrinárias que divergem entre si. Uma alega o reconhecimento da pessoa jurídica pelos

romanos ao passo que a outra o nega.

A primeira corrente, formada basicamente por doutrinadores civilistas, afirma que a

pessoa jurídica não foi reconhecida pelo direito romano, apesar de existirem certas

associações de interesse público. Isso em razão da dificuldade de os romanos entenderem

noções abstratas.12 Nesse sentido, Washington de Barros Monteiro:

Mas os romanos sempre se mostraram muito sóbrios, muito parcimoniosos nesse tema e jamais tiveram a menor idéia a respeito das vastas abstrações metafísicas que os escritores alemães iriam formular séculos mais tarde.13

Em contrapartida, a segunda corrente defende que o direito romano reconheceu a

existência da pessoa jurídica, mas somente depois de uma lenta evolução. Dentre seus

defensores, a maioria é formada por doutrinadores romanistas.14

Conforme Venosa, no antigo direito romano verificou-se a existência da pessoa

jurídica, contudo não o seu reconhecimento, justamente pelo fato de sua noção abstrata.

Assim, quando se verificava a existência de um grupo de pessoas que apresentavam certa

afinidade, motivo pelo qual se uniam, se reconhecia, apesar de estarem em grupo, a

individualidade de cada integrante.15

                                                            11 SOUSA, Gaspar Alexandre Machado de. Op.cit. p.11 12 SOUSA, Gaspar Alexandre Machado de. Op.cit. p. 11 13 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: Parte Geral. 35 ed. rev.atual.. São Paulo: Saraiva, 1997. 14 SOUSA, Gaspar Alexandre Machado de. Op.cit. p. 12 15 VENOSA, Silvio de Salvo. Op.cit. p.225

Page 19: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

17  

Informa ainda o mesmo autor que somente no direito pós-clássico, os romanos passam

a vislumbrar a possibilidade da existência de uma corporação, denominado populus romanus.

Isso em razão do reconhecimento do Estado como uma entidade abstrata.

No que se refere ao antigo direito germânico, por mais que o homem fizesse parte de

um agrupamento, a coletividade não era reconhecida, somente a pessoa natural era sujeito de

direitos. O conceito de pessoa jurídica foi reconhecido pelo direito germânico após sua

recepção pelos romanos.16

O desenvolvimento de teorias sobre a pessoa jurídica deve-se ao direito canônico. A

igreja era compreendida como uma entidade espiritual que não se confundia com os fiéis, era

um corpus mysticum. Ademais, qualquer ofício eclesiástico, com patrimônio próprio, era

autônomo.17

Logo, o direito canônico contribuiu em muito para o desenvolvimento e

reconhecimento da pessoa jurídica, a partir do reconhecimento de que a igreja não era tão-só

uma coletividade, mas deveria ser reconhecida como um ente abstrato que não se confundia

com seus fiéis, bem como do caráter de ente autônomo que era considerado todo ofício

eclesiástico, constituído de patrimônio.

No direito moderno, o Estado passou a ter interesse nas associações e instituições,

sobretudo no aspecto político. Houve um crescente desenvolvimento dessas associações e

instituições para os mais variados fins, tanto de ordem publica quanto privada.

2.3 NATUREZA JURÍDICA

Várias são as teorias que tentam explicar a natureza jurídica das pessoas jurídicas.

Constituindo em uma ardente discussão de que participam civilistas, romanistas, filósofos do

direito, criminalistas, comercialistas e até canonistas.18 Sendo, no entender de Caio Mário da

Silva Pereira de vital importância esta compreensão, cito:

                                                            16 MONTEIRO, Washington de Barros. Op.cit. p. 98 17 Ibid, p.98 18 Ibid, p. 100

Page 20: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

18  

Tem, na verdade, profunda significação indagar como deve ser entendida a pessoa jurídica. Ao espírito de investigação científica do jurista moderno não satisfaz encontrá-la no exercício dos direitos subjetivos e verificar que lhe permite a lei atuar como se fosse uma pessoa natural, adquirindo direitos e contraindo obrigações. Daí aprofundar-se na pesquisa filosófica e precisar como se justifica a sua existência, explicando o porquê da personalidade que lhe reconhece o ordenamento legal e a razão por que é dotada de aptidão para exercer direitos.19

Segundo Cunha Gonçalves, este não é o entendimento de Planiol e Ripert, para eles é

de menor relevo a discussão acerca da natureza jurídica das pessoas jurídicas, porquanto suas

distintas concepções nunca irão influenciar as soluções positivas que a lei fornece. 20

Dentre as inúmeras teorias existentes, se destacam a teoria da ficção, a teoria

individualista, a teoria da realidade ou orgânica, a teoria da realidade técnica, a teoria da

instituição e a teoria da equiparação.

A teoria da ficção legal, que se filia à tradição romanística, originário do direito

canônico, tem Savigny como seu precursor, prevaleceu na Alemanha e na França no século

XVII. Entendem seus defensores que somente o homem é sujeito de direito, portanto a pessoa

jurídica nada mais é do que uma criação do homem para atuar no campo patrimonial a

propiciar a atividade de certas entidades.21

Ihering criou a teoria individualista que não diverge muito da teoria da ficção, pois

defende que somente o homem é sujeito de direitos e a pessoa jurídica é um sujeito aparente,

é uma máscara, onde as pessoas naturais se encontram, sendo estes os verdadeiros

protagonistas das relações jurídicas.22

Vareilles-Sommières entende que a pessoa jurídica tem existência apenas na

inteligência dos juristas, divergindo um pouco da teoria da ficção legal, defendendo-a como

mera ficção criada pela doutrina.23

Entretanto, entende Francesco Ferrara que:

                                                            19 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op.cit. p.189 20 Apud RODRIGUES, Silvio. Op.cit. p. 89 21 DINIZ, Maria Helena. Op.cit. p.223 22 MONTEIRO, Washington de Barros. Op.cit. p. 101 23 DINIZ, Maria Helena. Op.cit. p. 223

Page 21: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

19  

O defeito desse pensamento não se encontra somente no fato de se restringir a capacidade da pessoa jurídica ao campo patrimonial, mas também por considerá-la um ente fictício, sendo que a mesma tem realidade jurídica, como qualquer outro instituto do mundo jurídico. 24

Para Hans kelsen tanto a pessoa física quanto a pessoa jurídica são pessoas jurídicas,

posto que ambas são um aglomerado de normas e por meio delas se consegue exercer direitos.

Nesse sentido Silvio Venosa:

De acordo com sua tese, o conceito de pessoa, em geral, é tão-só um recurso mental, artificial para o raciocínio jurídico. Para o autor, a pessoa natural não é homem, com afirma a teoria tradicional, uma vez que o Direito não o concebe em sua totalidade, com todas suas funções anímicas e corporais.25

Afirma Miguel Reale que os romanos lograram êxito no emprego da fictio júris,

porquanto sempre que estavam frente a um problema e não tinham como resolver valiam-se

da ficção jurídica para alcançarem seus objetivos, ou seja, elaboravam ficticiamente uma

norma que se adequasse ao caso concreto. Valendo-se como de um artifício para atender as

necessidades da vida em comum.

Alega ainda que é descabida a aplicação dessa teoria à prática do direito, sendo que

em razão dela surgiam muitos embaraços atingindo nossos juízes e tribunais e que em razão

disso Geierke, jurista alemão, sustentou a teoria organicista ou teoria real.26

Maria Helena Diniz refuta a teoria da ficção:

Não se pode aceitar esta concepção, que, por ser abstrata, não corresponde à realidade, pois se o Estado é uma pessoa jurídica, e se concluir que ele é ficção legal ou doutrinária, o direito que dele emana também o será. 27

De outro lado, os adeptos dessa teoria argumentam que no que tange ao Estado, tendo

em vista sua necessidade ser primária e fundamental, sua existência é natural.

A teoria da realidade objetiva ou orgânica tem como defensores Gierke e Zitelmam,

entendem que sendo as pessoas físicas organismos físicos há organismos sociais que são as

                                                            24 Apud VENOSA, Silvio de Salvo. Op.cit. p. 236 25 VENOSA, Silvio de Salvo, loc cit. 26 REALE, Miguel. Op.cit. p. 234 27 DINIZ, Maria Helena. Op.cit. p. 223

Page 22: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

20  

pessoas jurídicas, estas responsáveis por realizar um objetivo social. Para tanto, se apresentam

com vontade própria, distinta da de seus membros.28

Segundo Maria Helena Diniz: “essa concepção recai na ficção quando afirma que a

pessoa jurídica tem vontade própria, porque o fenômeno volitivo é peculiar ao ser humano e

não ao ente coletivo”.29

Vicente Rao se refere à doutrina da realidade técnica, nesta teoria as pessoas jurídicas

são reais, contudo não se equiparam às pessoas naturais.30 Essa teoria reconhece que do

aspecto físico e natural, somente a pessoa humana é realidade. Nesse ponto a pessoa jurídica

não passa de mera ficção. Entretanto, do ponto de vista jurídico a pessoa jurídica tem

realidade e é dotada do mesmo subjetivismo concedido às pessoas naturais. Assim como a

personalidade humana é concedida pelo direito, da mesma forma pode ele concedê-la a outros

entes.31

A teoria da instituição tem como criador Maurice Hauriou, sendo desenvolvida por

George Bonnard, entende as pessoas jurídicas como instituições. Os entes morais são

personificados em razão de seus objetivos. São organizações sociais com finalidade social

útil. A pessoa jurídica é uma existência teleológica.

Reale é adepto dessa teoria porquanto não reduz a pessoa jurídica a uma realidade

biológica, mas existencial no plano teleológico. Embasando essa afirmação:

Assim, ao lado dos objetos (no sentido lógico deste termo) de natureza material, ou coisas, temos objetos ideais como um retângulo. É de composição desses objetos fundamentais que resultam os objetos culturais, que tanto podem ser uma norma jurídica quanto uma associação civil. De certa forma, os institucionalistas, sem se basearem como nós o fazemos, na teoria dos objetos, desenvolvida, sobretudo a partir dos estudos de Frank Brentano e Edmund Husserl, já reconheceram a natureza específica das pessoas jurídicas.32

                                                            28DINIZ, Maria Helena, loc cit. 29 Op.cit. p. 224 30 Apud VENOSA, Silvio de Salvo. Op.cit. p. 237 31 MONTEIRO, Washington de Barros. Op.cit. p.102 32 REALE, Miguel. Op.cit. p. 236

Page 23: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

21  

Dentre as objeções que são feitas a essa teoria, a principal refere-se ao fato de não se

ater a controvérsia acerca da matéria, pois não apresenta uma justificativa para a atribuição de

personalidade às sociedades sem a finalidade de prestar um serviço ou preencher um ofício.33

A teoria da equiparação encontra defensores em Windscheid e Brinz, essa teoria

admite a existência de massas de bens, determinados patrimônios que se igualam às pessoas

naturais, no âmbito jurídico. As pessoas jurídicas são meros patrimônios personificados pelo

direito para atingir um objetivo.34

Del Vecchio refuta a teoria apresentado, pois a mesma eleva os bens à posição de

sujeito de direitos, menosprezando as pessoas.35

Maria Helena Diniz alega que: “é inaceitável porque eleva os bens à categoria de

sujeito de direitos e obrigações, confundindo pessoas com coisas”.36

2.4 CLASSIFICAÇÃO

A classificação das pessoas jurídicas abrange todos os entes abstratos a que o direito

atribui personalidade e capacidade jurídicas. Elas se distinguem em razão de seus fins, de sua

natureza de atuação e de sua órbita de funcionamento.37 Portanto, podemos classificar as

pessoas jurídicas quanto à sua nacionalidade, à sua estrutura interna e à sua capacidade.

No que pertine à nacionalidade, temos a pessoa jurídica nacional ou estrangeira, a

depender de sua subordinação à ordem jurídica que a instituiu. Importante ressaltar que

independe da nacionalidade de seus membros ou da origem do controle financeiro. Reza o art.

1.126, caput, do atual Código Civil que se uma sociedade for organizada de acordo com a lei

brasileira, tendo no País a sede de sua administração, será considerada nacional. 38

Ademais, no que tange às pessoas jurídicas internacionais, estas somente poderão

funcionar no País com autorização do Poder Executivo, sujeitando-se às leis e aos tribunais                                                             33 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op.cit. p. 193 34 Cf. MONTEIROS, Washington de Barros. Op. cit. P. 195 35 Apud MONTEIRO, Washington de Barros. Op.cit. p.101 36 Op.cit. p.223 37 Ibid, p. 199 38 Ibid,. p. 224

Page 24: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

22  

brasileiros no que diz respeito aos atos praticados no Brasil, devendo ter aqui seu

representante.39

Quanto à estrutura interna, temos a universitas personarum, são as que se compõe pela

reunião de pessoas com objetivos comuns, gozando de certos direitos. Tem como elemento o

homem, são as sociedades e associações; e a universitas bonorum, são as fundações, onde há

um patrimônio destinado a um fim.

Em relação à sua capacidade as pessoas jurídicas podem ser de direito público, interno

e externo, e de direito privado. Tendo em vista que o presente trabalho se atém às pessoas

jurídicas de direito privado, discorreremos somente acerca desta.

Caio Mário da Silva Pereira assim compreende a pessoa jurídica de direito privado:

As pessoas jurídicas de direito privado são entidades que se originam do poder criador da vontade individual, em conformidade com o direito positivo, e se propõem realizar objetivos de natureza particular, para benefício dos próprios instituidores, ou projetadas no interesse de uma parcela determinada ou indeterminada da coletividade. 40

O atual Código Civil em seu art. 44 elenca as pessoas jurídicas de direito privado: I- as

associações; II- as sociedades; III- as fundações. A lei nº 10.825, de 22 de dezembro de 2003,

incluiu neste rol, duas outras entidades, VI- as organizações religiosas e V- os partidos

políticos.

A nomenclatura associação é reservada, em nosso ordenamento jurídico, para a união

de pessoas que se organizam para fins não econômicos, conforme se depreende do art. 53, do

Código Civil. Deve-se compreender associação sem fins lucrativos como aquela que não

busca render lucros para seus membros, o que não se confunde com o aumento patrimonial da

própria empresa.41

A associação é o agrupamento de indivíduos, dotado de personalidade jurídica de

direito privado visando realizações de cunho cultural, social, religioso, recreativos etc.42 A

                                                            39 DINIZ, Maria Helena, loc cit. 40 Op.cit. p. 200 41 VENOSA, Silvio de Salvo. Op.cit. p. 259 42 DINIZ, Maria Helena. Op.cit. p. 232

Page 25: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

23  

Constituição Federal em seu art. 5º, inciso XVII, diz ser plena a liberdade de associação para

fins lícitos, sendo vedada a de caráter paramilitar.

Por isso o parágrafo único, do art.53, do Código Civil, afirma que não há direitos e

obrigações recíprocas entre seus membros, o negócio jurídico que se firma não é bilateral,

porquanto não há vontades antagônicas, mas vontades que se unem em prol de um fim que irá

atender a todos. Por fim, seu estatuto deve atender aos requisitos mínimos estabelecidos no

art. 54 do Código Civil, sob pena de nulidade.

As sociedades por sua vez possuem fins econômicos, havendo obrigações recíprocas e

partilha dos resultados entre si, conforme o art. 981, do Código Civil. As sociedades

empresariais se diferenciam das sociedades simples, pois tem como objeto o exercício de

atividade própria de empresário sujeito ao registro. Sendo considerada simples, as demais (art.

982, Código Civil).

“Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica

organizada para a produção ou circulação de bens ou de serviços”, conforme o art. 966 do

Código Civil. Ademais, aquele que exerce atividade intelectual, seja de natureza científica,

literária e artística, ainda que com auxiliares ou colaboradores, não é considerado empresário,

salvo se o exercício da profissão constituir elemento da empresa (parágrafo único).

Quanto às fundações, seu instituidor pode ser tanto pessoa jurídica como pessoa

natural. Constitui-se pela doação de um patrimônio para atingir determinado objetivo. Os fins

perseguidos pelas fundações são sempre altruísticos.43 A constituição de uma fundação

apresenta duas etapas: o ato de fundação, que se dá a partir da manifestação da vontade e o ato

de dotação de um acervo de bens. No momento da doação dos bens que poderá ser por

instrumento público ou testamento, o doador deverá especificar o fim a que se destina.

As associações e as fundações dependem para o seu funcionamento da reunião de

várias pessoas e do acervo de bens. Mas, há uma diferença substancial entre elas. As

associações têm como requisito a pluralidade de pessoas e objetivos comuns ao passo que as

fundações necessitam de patrimônio e sua determinação a um fim.44

                                                            43 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op.cit. p. 200 44 MONTEIRO, Washington de Barros. Op.cit. p. 103

Page 26: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

24  

Por fim, as organizações religiosas e os partidos políticos, com a Lei n. 10.825, de 22

de dezembro de 2003, passaram a incorporar o rol pessoas jurídicas de direito privado.

As empresas públicas, as sociedades de economia mista e os serviços sociais

autônomos também são considerados pessoas jurídicas de direito privado. A primeira tem

patrimônio próprio e capital exclusivo do Estado, sendo criada por lei para explorar

economicamente atividade que em razão da conveniência ou contingência administrativa o

Estado é levado a exercer.45

A segunda também é criada por lei para exploração de atividade econômica, nesta o

Estado possui as ações majoritárias com direito a voto. Por fim, os serviços sociais

autônomos, segundo Hely Lopes Meirelles:

São instituídos por lei, com personalidade jurídica de direito privado, no intuito de ministrar assistência ou ensino a determinadas categorias sociais ou grupos profissionais. Sem fins lucrativos, são mantidos por dotações orçamentárias ou por contribuições parafiscais, sendo considerados entidades de cooperação do poder público.46

2.5 INÍCIO DE SUA EXISTÊNCIA

Notório é que o início de existência das pessoas naturais se deve por fatores

biológicos. Doutro lado, as pessoas jurídicas iniciam sua existência a partir da vontade

humana. Os entes personalizados podem ser de direito público ou de direito privado, há

substancial diferença entre estes também no que se refere ao início de sua existência.

Conforme Caio Mario da Silva Pereira é imprescindível que se estabeleça o início da

existência legal da pessoa jurídica, o momento em que se verifica todas as condições para seu

pleno funcionamento, a identificação de seus órgãos de atuação. Isto para se fazer prova de

que realmente existe e que preenche os requisitos legais de capacidade de direito, uma vez

que no trato comum na sociedade adquire direitos e assume obrigações.47

                                                            45 DINIZ, Maria Helena. op.cit. p. 250 46 Apud SOUSA, Gaspar Alexandre Machado de. Op.cit. p. 24 47 Op.cit. p. 210

Page 27: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

25  

As pessoas jurídicas de direito público têm início a partir da criação de uma lei. O

Estado, por exemplo, surgiu espontaneamente, de um acordo social, em razão da necessidade

de se organizar a vida em sociedade de forma harmônica.

Em contrapartida, para a formação das pessoas jurídicas de direito privado, o

legislador pode escolher dentre três métodos: o sistema da livre associação, o sistema do

reconhecimento e o sistema das disposições normativas.48

Pelo sistema de livre associação, não há controle de sua criação por parte do Estado,

uma vez que a vontade dos instituidores é suficiente par sua formação; de modo diverso,

temos o sistema de reconhecimento, em que há necessidade de um decreto que o reconheça,

ou seja, de uma autorização estatal; numa posição intermediária tem-se o sistema das

disposições normativas, em que se concede liberdade à pessoa humana para a criação do ente

jurídico, desde que observados os requisitos legais exigidos, não havendo intervenção Estatal,

salvo em circunstancias especiais.

Entende a doutrina que o direito brasileiro adotou este último posicionamento. Venosa

afirma que “por nosso sistema, salvo casos de necessidade de autorização, a pessoa jurídica,

desde que obedeça a certos requisitos, passa a ter existência legal”49. Não é de outro

entendimento Caio Mário da Silva Pereira “enquadramo-lo no das disposições normativas

porque, salvo nos casos especiais de exigência de autorização, o princípio dominante é o da

vontade dos indivíduos obedecendo a requisitos predeterminados”.50

A constituição das pessoas jurídicas de direito privado dependem da observância de

dois elementos: primeiro, o ato constitutivo e, posteriormente, a formalidade do registro. O

ato constitutivo se divide em material e formal.51

Na primeira fase, ocorre a constituição da pessoa jurídica, que pode se dar um por ato

jurídico unilateral, como no caso de inter vivos ou causa mortis é o caso das fundações ou por

ato jurídico bilateral ou plurilateral, nas associações e sociedades. Há portanto uma vontade

humana para a criação dos entes personalizados que necessitam obedecer requisitos legais,                                                             48 VENOSA, Silvo de Salvo. Op.cit. p. 264 49 VENOSA, Silvo de Salvo, loc cit. 50 Op.cit. p. 212 51 DINIZ, Maria Helena. Op.cit. p. 253

Page 28: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

26  

agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não

defesa em lei (art. 104 do Código Civil).

Nessa fase temos dois elementos o material e o formal. O primeiro refere-se aos atos

concretos da associação, as reuniões dos sócios, as condições do estatuto, os fins a que se

destinam os bens. O elemento formal é sua elaboração por escrito, que poderá ser público ou

privado, exceto para as fundações em que o testamento ou o instrumento público é

indispensável.

Na segunda fase temos o registro. Para que a pessoa jurídica exista legalmente é

indispensável seu registro, momento em que lhe é atribuída personalidade que decorre da lei.

A pessoa jurídica passa a ser sujeito de direitos e obrigações (art. 45, do Código Civil).

Impende lembrar que a pessoa jurídica pode acontecer tão-somente no campo dos

acontecimentos, não lhe conferindo o direito personalidade, não reconhecendo sua existência,

o que não impede que a lei lhe atribua conseqüências. Nesse sentido, Caio Mário da Silva

Pereira:

A compreensão do tratamento que a lei dispensa à sociedade irregular somente pode decorrer daquele princípio segundo o qual a aquisição de direitos é conseqüência da observância da norma, enquanto que a imposição de deveres (princípio da responsabilidade) existe sempre. 52

2.6 CAPACIDADE E REPRESENTAÇÃO

À pessoa jurídica, caso apresente os requisitos legais, lhe é conferida personalidade.

No entanto, para que o ente personalizado goze de seus direitos e obrigações mister se faz que

o ordenamento jurídico lhe conceda capacidade para agir.

Há dois posicionamentos quanto à extensão da capacidade da pessoa jurídica. O

primeiro posicionamento defende que a capacidade da pessoa jurídica se limita tão-somente

ao campo patrimonial; o segundo alega o contrário, que esta capacidade vai além da esfera

patrimonial.

                                                            52 Op.cit. p. 219

Page 29: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

27  

Caio Mário da Silva Pereira53 e Silvio Rodrigues54 fazem parte da primeira corrente.

Alegam que em razão de sua natureza, as pessoas jurídicas têm seu poder limitado aos direitos

de ordem patrimonial.

Em contrapartida, Maria Helena Diniz55 e Silvio de Salvo Venosa56 defendem que

essa capacidade se estende a todos os campos do direito, sendo concedido direito ao

domicílio, à nacionalidade, à personalidade, ao patrimônio, à sucessão, dentre outros.

Verifica-se pelo art. 52 do Código Civil que nosso ordenamento jurídico adotou o segundo

entendimento, posto que confere à pessoa jurídica direitos de personalidade, no que couber.

Apesar das divergências acerca da extensão da capacidade da pessoa jurídica, a

doutrina em geral é unânime em afirmar que a pessoa jurídica deve sofrer limitações, por

motivo de segurança pública. A capacidade concedida ao ente jurídico é limitada à sua

finalidade, ao seu ato constitutivo, estatuto ou contrato social, bem como delimitados pela lei.

No que se refere ao limite imposto em razão de sua finalidade (princípio da

especialização), este deve ser compreendido como restrições às finalidades lícitas, pois com

relação a terceiros, essas atividades são sempre válidas. Assim, uma entidade com fins

financeiros não está impedida de realizar uma mostra de arte, por exemplo.57

Embasando esta afirmação, Caio Mário da Silva Pereira:

Não se pode, contudo, levar a doutrina da especialização às últimas conseqüências, nem se concebe que uma pessoa jurídica tenha a sua capacidade delimitada especificamente aos fins que procura realizar. Podemos, então, aceitar o princípio com aquela mitigação que lhe trazem Rossel et Mentha, isto é, que a pessoa moral tem o gozo dos direitos civis que lhe são necessários á realização dos fins justificativos de sua existência.58

No que pertine à representação, a pessoa jurídica em muito se diferencia dos

incapazes, pessoas naturais. A estes há uma proteção, um suprimento de vontade ao passo que

a representação dos entes personalizados se dá em razão da necessidade de se externar a

                                                            53 Ibid, p. 196 54 Op.cit. p. 93 55 Op.cit. p. 260 56 Op.cit. p. 241 57 Ibid, p. 242 58 Op.cit. p. 196 

Page 30: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

28  

vontade de um ser abstrato. Deve-se a isso o fato de modernamente haver uma tendência em

substituir o termo “representante” por “órgão”. Entende-se que não se representa a pessoa

jurídica, mas se presenta perante os órgãos jurídicos. O ser humano é um instrumento pelo

qual o ente coletivo expressa sua vontade, havendo uma única vontade, a da pessoa jurídica.

2.7 EXTINÇÃO

Seu término se realiza por um ato de dissolução. Caio Mário da Silva Pereira relaciona

as formas pelas quais ocorre a extinção da pessoa jurídica: convencional, administrativa,

legal, natural e judicial.59

A dissolução convencional parte do pressuposto da vontade humana, porquanto se

pode constituir ou extinguir uma sociedade a partir da vontade de seus participantes. A

dissolução administrativa alcança os entes coletivos que necessitam de autorização do Poder

Público para funcionar. A dissolução legal quando houver previsão legal. A extinção natural

se dá em razão da morte dos membros da associação. Por fim, a dissolução judicial sempre

que houver processo litigioso.

O Código Civil em seu art. 1.033 elenca as hipóteses motivadoras da dissolução de

uma sociedade: o vencimento do prazo de duração, a concordância dos sócios, a deliberação

por maioria absoluta dos sócios (na sociedade de prazo indeterminado), a falta de pluralidade

dos sócios e a extinção de autorização para funcionar.

Impende notar que, para que haja a extinção da pessoa jurídica tem que ser verificado

outros fatores que não somente os motivos acima elencados. Portanto, caso se constate

patrimônios e débitos do ente coletivo, iniciar-se-á a fase da liquidação, em que a empresa

subsiste apenas para realizar o ativo e pagar as dívidas, vindo a cessar de todo depois que for

dado ao patrimônio restante o destino pertinente.60Ao final, há o cancelamento do registro,

com efeitos ex nunc, respeitando-se o direito de terceiros.

O destino a ser dado ao acervo econômico dependerá da finalidade da sociedade. As

sociedades que têm fins lucrativos, o patrimônio restante será partilhado entre os sócios. No

                                                            59 Op.cit. p. 219 60 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op.cit. p. 222

Page 31: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

29  

caso de associações será obedecido o estatuto, não havendo deliberação alguma por parte dos

sócios, os bens serão destinados a um estabelecimento municipal, estadual ou federal que

tenha a mesma finalidade. Caso não haja estabelecimento algum com o mesmo escopo, os

bens integrarão ao patrimônio da Fazenda do Estado, do Distrito Federal ou da União.

Quanto à extinção da pessoa jurídica, leciona Maria Helena Diniz:

A extinção da pessoa jurídica, decorre do encerramento da liquidação (CC, art. 1.109), como diz Modesto Carvalhosa, não importa somente no desaparecimento do vínculo societário, mas também no final cumprimento dos contratos e das relações jurídicas com terceiros e na sucessão da responsabilidade para os antigos sócios ( CC, art. 1.110).61

Logo, se verifica que para que haja a extinção da pessoa jurídica é necessário a

dissolução da sociedade e sua posterior liquidação, caso necessário.

                                                            61 Op.cit. p. 279

Page 32: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

30  

3. DA RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA DE DIREITO

PRIVADO

3.1 ESCORÇO HISTÓRICO

Desde a idade antiga até a idade média predominaram as sanções coletivas, sanções

impostas sobretudo às famílias. Com o tempo reconheceram-se direitos e garantias cruciais ao

ser humano, oportunidade em que as sanções passaram a ser individuais.62

Fator histórico que representa um divisor de águas entre as sanções coletivas e

individuais é a Revolução Francesa. Pode-se afirmar que as sanções coletivas eram aplicadas

antes do século XVIII ao passo que as individuais após. Isso se deu em razão dos princípios

individuais por ela pregados. Nesse sentido, Shecaira:

Após a Revolução Francesa, com o advento do liberalismo, surgindo com o pensamento iluminista, a nova ideologia do liberalismo veio extinguir às punições coletivas que pudessem pôr em risco as liberdades individuais. Os princípios individualistas e anticorporativos do movimento revolucionário fizeram com que a responsabilidade criminal das pessoas coletivas não mais se sustentasse.63

No direito babilônico com Código de Hamurabi, do século XXIII a.C., o rei passou a

impor a responsabilidade coletiva. No caso de roubo, quando o assaltante não era preso,

caberia à cidade ou ao governador compensar a família da vítima, pagando a quantidade em

ouro.64

                                                            62 SANTOS, Emerson Martins dos. A responsabilidade penal das pessoas jurídicas nos crimes ambientais. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 55, julho-agosto 2005. p 82. 63 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica: de acordo com a Lei 9.605/98. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. 64 Ibid, p. 24

Page 33: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

31  

Quanto ao direito chinês e de outros países asiáticos as normas eram em demasia

rigorosas, oriundas das tradições familiares. As sanções coletivas eram aplicadas sob a forma

de duas variantes: a da solidariedade, em que integrantes da família do criminoso também

eram punidos; e a da representação, a família que não registrasse suas terras no registro

público tinha seu chefe penalizado corporalmente.65

Na índia houve marcante influência religiosa nas leis penais. A lei mais importante foi

o Código de Manu que consagrou a comunicabilidade do crime além de sua cooperação

criminal. Assim, o indivíduo que ingerisse comida preparada pelo criminoso também era

considerado como tal. Em razão da hierarquia de castas as penalidades eram distintas, a

depender da origem social do indivíduo. 66

No que tange ao direito hebreu, este também aplicava as penalidades coletivas que

passavam da pessoa do condenado às coisas e às pessoas. Um exemplo disso, de acordo com a

Bíblia, foi o primeiro castigo coletivo que se estendeu a toda humanidade decorrente do delito

de Adão e Eva. Pode ser citado também o dilúvio, a destruição de Sodoma e Gomorra, dentre

outros.67

No direito grego, em razão da própria organização da sociedade, pois existiam nas

cidades organizações coletivas de cunho social e religioso, eram praticadas as sanções

coletivas. Antes do século VII a.C., não se concebia terra como propriedade individual e as

vinganças eram coletivas.68

No que tange ao direito romano, afirma Shecaira que segundo o entendimento

dominante entre os juristas sua essência era positivista prático, ou seja, as normas eram

voltadas para a solução de problemas objetivos. Os romanos, portanto, tinham dificuldades

em reconhecer as coletividades, tendo em vista seu alto grau de abstração. Assim, não eram

aplicadas sanções coletivas, haja vista seu não reconhecimento.69

                                                            65 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Op.cit. p.25 66 Ibid, p. 26 67 SOUSA, Gaspar Alexandre Machado de. Op. cit. p. 46 68 Ibid, p. 46 69 Op.cit. p. 29

Page 34: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

32  

O mesmo autor informa que os glosadores foram os primeiros a comentarem o direito

romano da idade média, mas suas interpretações foram distorcidas, porquanto tinham uma

visão estreita acerca das instituições. A universitas foi compreendida como a soma da vontade

de seus membros e não como uma entidade distinta da coletividade. Nesta oportunidade,

começaram a admitir a possibilidade de responsabilidade coletiva.

Dando continuidade ao estudo, a partir do século XII, os pós-glosadores, dentre estes

Bártolo, autor mais importante do estudo, afirmava que como o ente coletivo, filosoficamente,

era tido como uma ficção, ele tinha realidade jurídica. Sendo juridicamente capaz de querer e

atuar. Logo, poderia ser-lhe imputada infração penal.

No que pertine ao direito canônico, este reconhecia amplamente a responsabilidade

criminal dos entes coletivos, houve forte influência do direito germânico. Dentre seus

opositores temos o Papa Inocêncio IV, que alegava ser a coletividade uma ficção, um ente

abstrato, por esse motivo não tinha capacidade de atuar e querer. Mas, em razão da grande

necessidade de se penalizar os entes coletivos que se tornavam poderosos e somado à

tendência da época, seu entendimento não prosperou.70

No direito muçulmano há previsão no Alcorão de responsabilidade individual e

familiar, esta não chega a ser uma responsabilidade coletiva, pois o criminoso ainda era o

principal culpado, havendo intervenção familiar somente para mitigar a pena do acusado.

“Assim é que cometido um homicídio, por exemplo, o patriarca da família da vítima irá

procurar a família do acusado para fazer uma espécie de composição”.71

Para os germânicos era clara a responsabilidade criminal coletiva. A população era

dividida em grupos e esses eram responsáveis pelas atitudes de seus membros, eles tinham

que deter seus criminosos, caso contrário arcariam com uma indenização em dinheiro.72

Quanto ao direito francês, para os crimes cometidos pela coletividade eram aplicadas

sanções coletivas. A partir do século XVI criminalistas italianos, como Julius Clarus e

Farinaccius passaram a ratificar a responsabilidade criminal dos entes coletivos. No entanto,

                                                            70 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Op.cit. p. 32 71 SOUSA, Gaspar Alexandre Machado de. Op. cit. p. 49 72 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Op.cit. p. 34

Page 35: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

33  

com a Revolução Francesa a responsabilidade coletiva cede lugar à individual, por mais que

ainda houvesse, em razão dos costumes, leis penais coletivas.73

Ainda explica o mesmo autor que acerca do direito português as sanções não eram

aplicadas pelo Estado, de sorte que havia penalização tanto para o indivíduo como para a

coletividade, mas não se tinha previsão legal. Ademais, as penas eram aplicadas a depender da

situação social do indivíduo. As Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas nada dizem a

respeito. Vislumbra-se a responsabilidade criminal coletiva somente a partir do Projeto de

Código Criminal de 1789. No século XIX, o direito lusitano logo é influenciado pela

Revolução Francesa, deixando de penalizar os entes coletivos.

Por fim, no direito brasileiro se verifica a responsabilidade coletiva exercida pelos

índios, oriunda da própria organização social. Com a vinda dos Portugueses nosso Código

Penal passou a ser as Ordenações, mas estes nada diziam a respeito. Shecaira depois de ter

analisado o ordenamento da época, bem como o próprio contexto da sociedade afirma que não

se pode falar em responsabilidade penal da coletividade antes de 1988. A Constituição

Federal consagrou em seu art. 225, §3º e no art.173, §5º a responsabilidade penal da pessoa

jurídica. Mais tarde foi aprovada a Lei 9.605/98 (crimes ambientais) que consagra a

responsabilidade penal da pessoa jurídica por crimes ambientais.74

3.2 PRINCIPAIS CONGRESSOS INTERNACIONAIS

A preocupação atual internacional com a questão da responsabilização penal das

pessoas jurídicas se deu após a Primeira Guerra Mundial, pois com o crescente fortalecimento

dos entes coletivos o Estado passou a intervir, ditando regras que não eram observadas, sendo

imperiosa a aplicação de sanções. Nesse sentido, Marino Barbero Santos:

1. O desbordamento do Direito econômico-social. A situação socioeconômica obrigou o legislador a regular minuciosamente a produção, distribuição e consumo de produtos, os preços, a utilização dos serviços etc. ... e a prever, para sua violação, cada dia maior número de sanções repressivas. 2. As sociedades comerciais e industriais, cujo número e poder não paravam e crescer, passaram a ser as principais violadoras dessa regulamentação. 75

                                                            73 Ibid, p. 35 74 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Op.cit., p. 40 75 Apud SOUSA, Gaspar Alexandre Machado de. Op.cit. p. 37

Page 36: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

34  

No entendimento de Shecaira, os hodiernos movimentos internacionais têm se

mostrado favoráveis à aplicação de sanções penais aos entes coletivos.76 Referido autor nos

apresenta dentre os movimentos internacionais existentes, os de maior destaque acerca da

matéria77:

O primeiro Congresso promovido pela Associação Internacional de Direito Penal, em

Bruxelas, no ano de 1926, mencionou a responsabilidade penal dos Estados na hipótese de

violação dos direitos internacionais. No segundo encontro, realizado em Bucareste em 1929, o

assunto foi abordado novamente e com maior destaque, enfatizando a necessidade da defesa

social.

O Congresso Latino Americano de Criminologia, realizado em Buenos Aires, em

1938, aprovou resoluções favoráveis a responsabilidade penal das pessoas jurídicas.78

O Tribunal Militar Internacional, em 1945, criado para julgar os crimes cometidos na

Segunda Guerra Mundial reconheceu a personalidade jurídica de alguns grupos no campo

repressivo internacional, declarando-os criminosos.

No mesmo ano, na IV Conferencia da Federação Interamericana de advogados, que

aconteceu no Chile, foi debatida e aprovada a responsabilidade criminal dos entes coletivos.

No VI Congresso Internacional de Direito Penal da Roma, em 1953, chegou-se a um

consenso de que seria necessário um maior entendimento acerca da autoria de um crime pelo

ente coletivo. Já no VII Congresso realizado em Atenas ficou estabelecido que cada País

estabelecesse a responsabilidade da pessoa jurídica (pena de multa).

O Conselho da Europa, em 28 de setembro de 1977, durante uma reunião com o

comitê de Ministros (acerca da proteção ambiental) recomendou aos Estados-membros uma

discussão sobre a possibilidade de incriminação da pessoa jurídica.

                                                            76 Op.cit., p. 42 77 Ibid, p. 43-47 78 SOUSA, Alexandre Machado de. Op.cit. p. 39

Page 37: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

35  

Mais tarde, em 1981, numa reunião sobre a criminalidade econômica, referida

recomendação foi aprovada. Sendo reconhecida a necessidade de estudos para que os crimes

cometidos pelos entes coletivos fossem sancionados.

No XII Congresso Internacional de Direito Penal, realizado em Hamburgo, foi

reconhecido que são as pessoas jurídicas as maiores causadoras de danos ao meio ambiente e

que em razão disso era imprescindível que a mesma fosse penalizada quer penalmente,

civilmente ou administrativamente.

O Congresso sobre a Responsabilidade Penal das pessoas jurídicas em Direito

Comunitário, realizado em Messina em 1979, recomendou claramente que os entes coletivos

fossem responsabilizados penalmente, de acordo com sua natureza, sobretudo se fosse por

violação normativa de um Estado-membro da Comunidade Econômica Européia.

Ainda segundo Shecaria, no VI Congresso para Prevenção do Delito e Tratamento do

delinqüente, em 1979, sob o tema do delito e do abuso de poder, a própria Organização das

Nações Unidas recomendou o princípio da responsabilização penal das sociedades.

O mesmo autor relata que no XV Congresso Internacional de Direito Penal, realizado

no Rio de Janeiro, em 1994, foi aprovado pela comunidade jurídica, por maioria dos votos,

recomendações acerca dos delitos ambientais, dentre os quais elenca a responsabilidade penal

da pessoa jurídica por crimes ambientais.

Por fim, “o Conselho da Europa, em 04 de novembro de 1998, afirmou que as sanções

penais e administrativas impostas às pessoas jurídicas poderão ser eficazes na prevenção do

meio ambiente”.79

                                                            79 SOUSA, Gaspar Alexandre Machado de. Op.cit. p. 43

Page 38: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

36  

3.3 A CONSTITUIÇÃO DO BRASIL DE 05.10.1988

A proteção conferida ao meio ambiente pela Constituição de 1988 em muito se

diferencia das Cartas Políticas anteriores, que nunca demonstraram tamanha preocupação

como a atual Carta Maior o fez, tendo destinado um capítulo para sua proteção.

No intuito de efetivar mencionada proteção a Constituição Federal previu distintas

regras, divididas em quatro grupos: a regra de garantia, as regras gerais, as regras específicas

e as regras de competência.80

A regra de garantia está inserta no art. 5º, inciso LXXIII, que estabelece a legitimidade

conferida a qualquer cidadão para anular ato lesivo ao meio ambiente por meio da ação

popular. Quanto às regras gerais, a Constituição prevê diversas regras atinentes à preservação

do meio ambiente, quais sejam: artigos 170, VI; 173, §5º; 174, §3º; 186, II; 200, VIII, 216, V;

231,§1º. No que pertine às regras específicas, estas se encontram no capítulo do meio

ambiente, art. 225.

Por seu turno, as regras de competência estão relacionadas no art. 23, no que tange à

competência administrativa; no art. 24, referente à previsão da competência legislativa; no art.

129, III, que estabelece a competência do Ministério Público para promover o inquérito civil,

ação civil pública, para proteção do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.

Cumpre notar que a Constituição ao prever um capítulo para a proteção do meio

ambiente, ela o fez captando o que estava inserido na alma nacional, ou seja, na consciência

coletiva da sociedade. Ademais, a proteção por ela concedida ao ambiente não se limita ao

Capítulo VI do Título VIII, dirigido à Ordem Social, porquanto há inúmeros regramentos

pertinentes à proteção ambiental no Texto Supremo, em razão de a matéria ser de conteúdo

multidisciplinar. 81

No que tange à responsabilidade penal da pessoa jurídica, cumpre citar dois artigos

previsto na Constituição, o art. 173, §5º e o art. 225, §3º, cito:

                                                            80 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 15 ed. São Paulo: Atlas, 2004. 81 MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente: doutrina,jurisprudência,glossário. 4 ed. rev.atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribuanais, 2005.

Page 39: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

37  

Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei. (...) §5º. A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular”. “Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. (...) §3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação e reparar os danos causados.

No que pertine ao tema, ainda tem prevalecido forte celeuma dentre os mais

renomados doutrinadores, em especial, constitucionalistas e penalistas. Neste capítulo

apresentaremos as divergências doutrinárias quanto à correta interpretação dos artigos 173,§5º

e 225, §3º insertos em nossa Carta Política de 1988.

Dentre os autores que negam que a Constituição tenha instituído a responsabilidade

penal aos entes coletivos, afirmam que ainda prevalece o brocardo societas delinquere non

potes. Nesse entendimento, destacam-se dois tipos de interpretação: a interpretação de ordem

teleológica e a interpretação literal do Texto Constitucional. 82

Consoante o entendimento de Luiz Vicente Cernicchiaro e René Ariel Dotti, os artigos

acima citados devem ser interpretados de forma teleológica e considerados dentro de todo o

sistema normativo, para não ir de encontro a outros dispositivos constitucionais.83

Assim, caso fosse imputada sanção penal à pessoa jurídica se estaria ferindo dois

princípios basilares do direito penal, previstos na Constituição: o princípio da culpabilidade

(só há pena, caso haja culpa) e o princípio da responsabilidade pessoal (a pena não passa da

pessoa do condenado).

Comungando de igual entendimento, Luiz Regis Prado defende que as sanções

previstas nos artigos 173, §5º e 225, §3º, CF/88, devem ser interpretadas “à luz dos princípios

                                                            82 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Op.cit. p. 118 83 Apud SHECAIRA, Sérgio Salomão. Op.cit. p.119

Page 40: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

38  

penais ínsitos na própria Constituição – numa visão lógico-sistemática e teleológica – e no

sentido tradicional das categorias jurídico-penais a eles adstritas”.84

Paulo de Bessa Antunes faz uma interpretação literal do art. 173, §5º, porquanto aduz

que o constituinte previu claramente duas situações: a responsabilidade pessoal e

intransferível aos dirigentes empresariais e as penalidades apropriadas para as empresas, que

seriam as civis e administrativas.85

No que pertine ao art. 225, §3º, continua o mesmo autor que o norte para sua

interpretação se encontra no conceito a ser adotado para a definição de punições compatíveis

com a sua natureza. No que se refere a esta, afirma que a maioria dos doutrinadores penalistas

defende que o direito penal brasileiro tem por base os princípios da subjetividade do agente e

da personalidade das penas.

Por conseguinte, entende que a responsabilidade penal deve ser aplicada tão-somente

às pessoas que se valem do ente jurídico para a prática de crimes, aplicando-se aos entes

coletivos as penas civis e administrativas.

Rodrigo Sánchez Rios ao analisar os artigos em comento afirma que a Constituição

Federal não atribuiu a responsabilidade penal aos entes morais. Cito:

Com o devido respeito às ponderações lições da doutrina constitucional acima referidas cumpre observar que a Constituição Federal poderia ter sido mais enfática, extirpando desde logo a ambigüidade do seu texto na medida em que ao invés de cogitar ‘punições compatíveis com sua natureza’ tivesse desde logo se reportado a sanções criminais ( §5º, do art. 173). Igualmente no § 3º do art. 225, embora mais expressa, igualmente dá margem a interpretação no sentido de que às pessoas jurídicas sejam cabíveis apenas sanções administrativas. Da forma como está posto o texto constitucional, permanece aberta a discussão doutrinária, ficando apenas clara a intenção do legislador constituinte de sancionar a pessoa jurídica.86

José Cretella Junior também se atém à interpretação literal do Texto Constitucional,

isso se verifica diante de seu posicionamento acerca do art. 225, §3º. Afirma o autor que o

                                                            84 PRADO, Luiz Regis. Direito penal do ambiente: meio ambiente, patrimônio cultural, ordenação do território e biossegurança (com a análise da Lei 11.105/2005). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. 85 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 8 ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. 86 Apud PEREIRA, Flávio de Oliveira. A atuação dos órgãos competentes no plano da eficácia da legislação ambiental no médio Paraíba. Revista dialética de Direito Tributário, São Paulo, n.127, Abril 2006. p. 36

Page 41: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

39  

legislador estabeleceu uma distinção entre os termos conduta, que foi utilizado para se referir

à pessoa física e atividade, usado para a pessoa jurídica.

Por outro lado, José Afonso da Silva afirma com veemência que os dois artigos

constitucionais estudados têm íntima relação, não podendo ser analisados separadamente, uma

vez que ambos reconhecem a possibilidade de responsabilização do ente coletivo,

independentemente da responsabilidade de seus dirigentes, com o escopo de proteger a ordem

econômica que tem como um de seus princípios a proteção do meio ambiente.87

Paulo Affonso Leme Machado entende que a Constituição Federal em atenção à

vontade popular, estabeleceu a responsabilidade penal ao ente coletivo, instituindo o princípio

de que não basta a sanção imposta à pessoa física que atua na empresa, é necessário que o

ente coletivo também seja sancionado penalmente.88

Acrescenta ainda que o art. 225, §3ª não se choca com o princípio da individualização

da pena, expresso no art. 5º, inciso XLV da Constituição, estabelecendo que a pena não

passará da pessoa do condenado. Cito:

A Constituição proíbe que a família de um condenado – pessoa física – possa ser condenada somente porque um de seus membros sofreu uma sanção ou que alguém se apresente para cumprir pena em algum lugar. Contudo, o mandamento constitucional não exclui da condenação penal uma pessoa que seja arrimo de família. A sanção penal poderá ter reflexos extra-individuais legítimos, pois não se exige que o condenado seja uma ilha, isolado de todo o relacionamento. 89

Gilberto Passos de Freitas afirma que não há o que se discutir acerca do tema, uma vez

que, conforme os ensinamentos de Rui Barbosa as normas constitucionais não se valem de

palavras inúteis ou ociosas, muito pelo contrário, suas normas têm força imperativa,

provenientes da soberania nacional ou popular. Cabendo ao legislador a tarefa de disciplinar a

matéria.90

                                                            87 Apud SHECAIRA, Sérgio Salomão. Op.cit. p.115 88 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 11 ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Malheiros, 2003. P. 664 89 Ibid, p. 665 90 Apud SOUSA, Gaspar Alexandre Machado de. Op.cit. p. 72

Page 42: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

40  

Nesse mesmo entendimento, Édis Milaré acentua o correto intento do legislador ao

prever as sanções penais aos entes coletivos. Aduz que somente dessa forma se alcançará o

verdadeiro agressor do meio ambiente – a pessoa jurídica. 91

Shecaira entende que a Constituição previu claramente a responsabilidade penal dos

entes coletivos, mas tão-somente em duas oportunidades: para a proteção da ordem

econômica e a defesa do meio ambiente.92

Cumpre destacar seu entendimento acerca dos vocábulos conduta e atividade,

utilizados no art. 225, §3º, da Constituição. Entende que foram empregados como sinônimos,

porquanto a pessoa jurídica age a partir da conduta da pessoa física. Cito:

Atividade, por exemplo, é a qualidade daquele que é ativo, que age, agir, por sua vez, é “praticar ou efetuar na qualidade de agente; obrar, operar, atuar”. Agir é o verbo; ação, o substantivo, que tem por sinônimo a atividade. Pois bem, atividade ou ação não são apanágios somente da pessoa jurídica. Basta que se leia o Código Penal onde, em inúmeras oportunidades, pode ser visto esse substantivo. No art. 4º, por exemplo, está que “considera-se praticado o crime no momento da ação”.93

Afirma ainda o mesmo autor a necessidade da observância de dois princípios

hermenêuticos para a correta interpretação do artigo em comento: o processo histórico-

evolutivo e comparatístico e a supremacia da norma particular em detrimento da norma geral.

No que pertine ao processo histórico-evolutivo e comparatístico, lembra o autor dos

Congressos internacionais que começaram a se posicionar no sentido de proteção ao meio

ambiente, sugerindo sanções àqueles que cometessem crimes ambientais.

Destaca também que não se pode ignorar o momento histórico em que se deu o

processo de elaboração de nossa Constituição. Lembra da participação, na elaboração do

capítulo sobre o meio ambiente, do Deputado Federal Fábio Feldman que desde época

acadêmica se demonstrou forte defensor da penalização dos entes coletivos em razão de suas

agressões ao meio ambiente. Nesse sentido:

                                                            91 Op.cit. p.857 92 Op.cit. p. 126 93 Ibid, p. 119

Page 43: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

41  

Sabe-se que o referido parlamentar é entusiasta ecologista e, desde os bancos acadêmicos, ferrenho defensor de mecanismos de controle das ações das empresas quanto à emissão de poluentes que possam afetar o ambiente. Sua participação na elaboração constitucional não teria a grande importância que teve, para interpretação de seu texto, se ele não houvesse continuado a atuar, como político e jurista, na elaboração de normas (agora infraconstitucionais), sempre consagradoras da responsabilidade penal da pessoa jurídica, o que se reconhece de forma inequívoca.94

Continua o mesmo autor, há dois princípios gerais do direito penal: o princípio da

culpabilidade e o da individualização das penas. Mas, quando há contrariedade entre uma

norma geral e a particular, esta tem supremacia sobre aquela. Esclarece que temos inúmeros

exemplos de dicotomias regra/exceção, como a responsabilidade civil objetiva do Estado.

Portanto, verifica-se que os renomados doutrinadores que negam tenha a Constituição

instituído sanções penais a entes coletivos defendem a permanência do brocardo societas

delinquere non potest, valendo-se de princípios hermenêuticos distintos (teleológico-

sistemático e gramatical) para fundamentarem seu repúdio à responsabilização penal da

pessoa moral.

Em contrapartida, os defensores da responsabilização penal das pessoas jurídicas

fundamentam seu posicionamento no fato de serem as pessoas jurídicas as maiores causadoras

dos crimes ambientais e na necessidade de se aplicar sanções eficazes. Valendo-se de uma

interpretação histórico-evolutivo comparatístico, além da supremacia de uma norma particular

em detrimento de uma norma geral.

3.4 ARGUMENTAÇÃO CONTRÁRIA E FAVORÁVEL

O direito penal brasileiro, tendo em vista sua filiação romano-germânica, repudia a

responsabilidade penal dos entes morais, tendo como sustentáculo o brocardo latino societas

delinquere non potest. É dizer, somente as pessoas físicas poderão cometer ilícitos penais.

A dificuldade encontrada pelos doutrinadores penalistas em admitir a responsabilidade

criminal das pessoas morais se dá em razão de alguns conceitos clássicos do direito penal

tradicional: a capacidade de ação, a capacidade de culpabilidade (considerado o maior

obstáculo) e a capacidade de pena.

                                                            94 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Op. cit. p.126

Page 44: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

42  

Entretanto, os defensores da responsabilidade penal da pessoa jurídica alegam não

existir fortes obstáculos à sua aceitação, uma vez que todos os conceitos clássicos do direito

penal podem ser superados.

3.4.1 Da Capacidade de Ação

O conceito de ação é um dos temas mais divergentes entre os penalistas, pois a

depender do sentido empregado à palavra ação o conceito estrutural do crime é modificado.

Dentre as teorias mais divulgadas estão: a teoria causalista, a teoria finalista e a teoria

social.95

Na teoria causalista para configuração da ação basta que haja uma conduta voluntária,

sendo irrelevante a pretensão do agente. Entendem os causalistas que “para se concluir pela

existência da ação típica, deve-se apreciar o comportamento sem qualquer indagação a

respeito da sua ilicitude ou da sua culpabilidade”. 96

Para a teoria finalista, defendida por Hans Welzel, toda ação corresponde a um fim.

Logo, “a ação é imputável a quem lhe deu causa com um propósito. É a ação final, porque

ninguém age sem um escopo”.97 Pratica o fato típico quem agiu almejando um resultado,

assumindo conscientemente o risco de produzi-lo ou não se precavendo ao agir.

A teoria social conceitua ação como o comportamento que tenha relevância social, ou

seja, para a configuração da ação é indispensável a relação da causalidade e a afronta a uma

norma de conduta social. É dizer: “além da relação de causalidade, é preciso que a ação

caracterize a quebra do papel social devido com frustração da expectativa posta na norma

jurídica”.98

Uma das críticas argüidas contra a aplicação da sanção penal à pessoa coletiva refere-

se à capacidade de ação. Como fora visto nas teorias acima apresentadas, é imprescindível o

                                                            95 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: Parte Geral arts. 1º a 120do CP. 20 ed. rev e atual. São Paulo: Atlas, 2003. p.101 96 Ibid, p. 102 97 Apud ROSA, Fábio Bittencourt da Rosa. Responsabilidade penal da pessoa jurídica. Revista da AJURIS – Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, ano XX, n. 91, setembro 2003. p. 93. 98 Ibid, p. 93

Page 45: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

43  

requisito vontade (presente em todas as teorias) para a configuração da ação. É o agir por si

mesmo.

A tese que defende a irresponsabilidade penal da pessoa jurídica argumenta que o ente

coletivo não possui vontade própria por ser uma ficção jurídica. Explica que a ação somente

poderá ser praticada pelo homem, tendo em vista o requisito vontade a ele inerente. Nessa

linha de raciocínio somente as pessoa naturais que atuam como órgãos representantes da

empresa poderão ser responsabilizados penalmente. Assim, o homem é o único destinatário

das normas de conduta de natureza penal.

Luiz Régis Prado afirma que a pessoa jurídica não tem consciência e vontade, que

precisa tomar emprestada da pessoa física estas capacidades. Logo, não pode ser qualificada

como autora ou partícipe de um delito. Explica ainda que nesse ponto há que se destacar a

diferença existente entre sujeito de ação e sujeito de imputação, uma vez que os entes

coletivos só podem atuar através de seus órgãos representantes (pessoas físicas).99

Entendimento semelhante tem Hugo de Brito Machado ao afirmar que basta uma

simples leitura ao Código Penal para se verificar que as sanções ali descritas são destinadas às

pessoas físicas. Portanto, no Brasil, as normas de Direito Penal são destinadas ao ser

humano.100

Esclarece ainda o autor que não se pode ignorar que os entes coletivos venham a

cometer ilícitos, mas estes deverão ser repreendidos por meio de outros instrumentos jurídicos

que não as sanções penais, porque não são em todos os casos que a tutela penal é possível e

adequada.

Partilhando desse entendimento, Rodrigo Sánches Rios: “se por um lado resta evidente

a necessidade de aplicar sanções aos abusos cometidos por sociedades anônimas e demais

entes societários, por outro há que se indagar se estas sanções devem ser de natureza

penal”.101

                                                            99 Op.cit. p. 148 100 MACHADO, Hugo de Brito. Responsabilidade Penal das Pessoas Jurídicas. Revista dialética de Direito Tributário, São Paulo, n.127, Abril 2006. p. 24. 101 Apud MACHADO, Hugo de Brito. Op.cit. p. 25

Page 46: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

44  

Todavia, os adeptos da responsabilidade penal das pessoas jurídicas sustentam que o

ente coletivo tem vontade própria, tendo em vista que sua existência é uma realidade.

Segundo explica Germano da Silva, verificamos que para a tese de defesa da

responsabilidade penal do ente coletivo se acolheu a teoria social “a autoria da pessoa jurídica

deriva da capacidade jurídica de ter causado um resultado voluntariamente em desacordo ao

papel social imposto pelo sistema normativo vigente. Esta é a ação penalmente relevante”.102

Tiedmann substituiu o conceito psicológico de ação por um conceito normativo, pois

afirma que a pessoa jurídica tem capacidade de ação, porquanto atua e raciocina por meio de

seus órgãos representantes que são as pessoas naturais. Assim, as ações e omissões praticadas

pelos representantes da empresa são interpretadas como se fossem atos da própria

coletividade. Explica ainda que da mesma maneira que uma coletividade pode concluir o

contrato, pode também infringir essas obrigações.103

Sérgio Salomão Shecaira entende que a pessoa jurídica é um verdadeiro ente social,

não podendo sua realidade jurídica ser ignorada. Aduz que com base nesse raciocínio grande

parte da doutrina nacional reconhece a capacidade de vontade às pessoas jurídicas. Portanto,

não há o que se questionar quanto à capacidade de vontade presente na sociedade, que se

concretiza passo a passo, em cada etapa de sua constituição, pela reunião, deliberação, voto da

assembléia geral, administração ou gerência. Ademais, explica que as empresas podem ter

decisões reais que contrariam a vontade de alguns de seus membros, confirmando sua

realidade e não ficção.104

No entendimento do Ministro Gilson Dipp do Supremo Tribunal de Justiça, “se a

pessoa jurídica pratica atos no meio social, poderá vir a praticar condutas típicas, e portanto,

ser passível de responsabilização penal, tal como ocorre na esfera cível”.105

Conforme verificado, a tese que se apresenta favorável à responsabilidade penal do

ente coletivo afirma que o mesmo possui vontade própria que é externada por meio de seus

                                                            102 REsp 610114/RN, Rel. Min. Gilson Dipp, 5ª Turma, DJ de 19.12.2005 p. 463. 103 SANTOS, Emerson Martins do. Op.cit. p. 109 104 SCHECAIRA, Sérgio Salomão. Op.cit. p. 88 105 REsp 610114/RN, Rel. Min. Gilson Dipp, 5ª Turma, DJ de 19.12.2005 p. 463.

Page 47: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

45  

órgãos que são as pessoas naturais. Ademais, conclui que referida representação enseja uma

ação da própria pessoa jurídica. Vejamos:

Cada um de seus órgãos possui uma atribuição, sendo que a soma dessas funções compõe o todo que representa a vontade do ente coletivo. Vale dizer, as condutas dos representantes da pessoa jurídica em seu benefício, com vistas a contrariar o ordenamento jurídico-penal, são tidas como ações ou omissões da própria empresa.106

Interessante citar a teoria de identificação acerca do tema:

Nesse ponto, o direito anglo-saxão – muito mais avançado e propenso a resolver questões pragmáticas e de política criminal –desenvolveu uma teoria que é conhecida como doutrina de identificação. Para essa teoria, os órgãos da empresa funcionam como se fossem partes do corpo humano: o cérebro da empresa seria o órgão diretivo superior; o tronco seria composto pelos órgãos de nível médio ou intermediário; e os braços seriam os agentes subordinados (...) tal teoria pode perfeitamente ser aplicada como vem sendo feito no Japão, pois este país possui algumas leis extravagantes que dispõem sobre a responsabilidade penal das pessoas jurídicas nos moldes da doutrina de identificação, mas não admite a responsabilidade sem culpa.107

Cumpre notar que, conforme o entendimento favorável, para a identificação da autoria

do crime da pessoa jurídica é imprescindível verificar se o sócio administrador agiu

isoladamente, em proveito próprio ou se o representante legal da empresa agiu de forma a

gerar benefícios para o ente coletivo. Na primeira situação, o sócio será responsabilizado

sozinho, mas na segunda hipótese será reconhecida a capacidade de ação da pessoa jurídica e

a mesma será responsabilizada juntamente com o representante legal da empresa.108

3.4.2 Da Capacidade de Culpabilidade

Na antiguidade, como já fora visto, a responsabilidade penal era objetiva e difusa.

Noutro dizer, a pena era aplicada independentemente do fator culpa, bastava a ocorrência do

fato lesivo e passava da pessoa do condenado atingindo familiares, dentre outros.

Contudo, com o desenvolvimento da sociedade a responsabilidade penal passou a ser

subjetiva e individual, ou seja, para aplicação da sanção penal importava saber a existência de

                                                            106 SANTOS, Emerson Martins do. Op.cit. p. 110 107 SANTOS, Emerson Martins do, loc cit. 108 ROSA, Fábio Bittencourt. Op.cit. p.93

Page 48: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

46  

dolo (vontade) ou culpa (previsibilidade) e somente o agente causador do dano era penalizado

pelo delito.

Assim, tendo o direito penal adotado a responsabilidade subjetiva, tornou-se

indispensável o estudo acerca da culpabilidade, surgindo teorias a respeito, dentre as de maior

destaque estão a teoria psicológica, a teoria normativa, a teoria finalista, a teoria da adequação

social e a teoria da culpabilidade pelo fato.109

Para a teoria psicológica da culpabilidade, de origem naturalista causal, “a

culpabilidade reside numa ligação de natureza psíquica (psicológica, anímica) entre o sujeito e

o fato criminoso. Dolo e culpa, assim, seriam as formas da culpabilidade” 110 As teses

contrárias a essa teoria argumentam que ela não explica a culpa inconsciente, bem como não

há valoração entre o responsável pelo ilícito e o resultado.

A teoria normativa defende que para a configuração da culpabilidade é necessário além

do dolo ou da culpa a reprovabilidade de um juízo de valor sobre o fato, não se olvidando que

o agente para ser censurado precisa ter conhecimento que sua conduta é ilícita ou pelo menos

possibilidade desse conhecimento.

Com a teoria da ação finalista defende-se que dolo e culpa pertencem à ação típica e

não à culpabilidade, ou seja, “o dolo faz parte da ação humana e não do juízo de

culpabilidade”111. Daí afirmar-se que a culpabilidade consiste num juízo de reprovação do

autor quando este tenha consciência que a sua conduta é ilícita e seja possível a exigibilidade

de outra conduta.

A teoria da adequação social exige do cidadão um comportamento social adequado,

consiste na relação do indivíduo com seu meio social, esta teoria “parte do pressuposto de que

o dolo e a culpa se inserem dentro do contexto do tipo legal, acrescenta a esse conceito sua

relevância social”.112

                                                            109 ROSA, Fábio Bittencourt, loc cit. 110 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Op.cit. p. 195 111 Ibid, p. 72 112 SCHECAIRA, Sérgio Salomão.Op.cit. p. 72

Page 49: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

47  

No direito penal moderno, o entendimento majoritário defende a teoria da

culpabilidade pelo fato. Sua fundamentação consiste no livre arbítrio dado ao homem,

reprova-se a conduta humana, o fato praticado pelo agente. Além disso, não se pode olvidar

que a culpabilidade limita a aplicação da pena. São três os elementos da culpabilidade: a

imputabilidade (capacidade de culpa), a possibilidade de conhecimento da antijuridicidade do

fato e a exigibilidade de conduta diversa. 113

A corrente doutrinária contrária à responsabilidade penal da pessoa jurídica defende

que os elementos que se apresentam para a configuração da culpabilidade são inerentes à

capacidade humana. Nesse sentido, Luis Régis Prado:

A culpabilidade como juízo de censura pessoal pela realização do injusto típico pode ser endereçada a um indivíduo (culpabilidade de vontade). Como juízo ético-jurídico de reprovação, ou mesmo de motivação normal, somente pode ter como objeto a conduta humana livre. Esse elemento do delito – como fundamento e limite da pena – é sempre reprovabilidade pessoal e se decompõe em: imputabilidade (capacidade de culpa); consciência potencial da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa. 114

A corrente contrária ainda afirma que, juridicamente seria impossível sustentar a

consciência de ilicitude da conduta de um ente coletivo, mas tão-somente da pessoa física,

sendo certo que referida consciência é essencial para a existência da culpabilidade. Assim, a

pessoa jurídica não teria vontade ou consciência própria, mas tomaria emprestada da pessoa

física que a representa, podendo ser responsabilizada somente civil ou administrativamente.

Cito:

A pretensão de se incriminar as pessoas coletivas esbarra na impossibilidade de se conceber que uma empresa comercial, por exemplo, tenha possibilidade de formar a “consciência de ilicitude” da atividade que é desenvolvida pelos seus prepostos e servidores. Nem seria razoável formular-se um juízo de reprovabilidade penal pelo desempenho de uma instituição financeira, embora seja possível estabelecer-se o juízo externo de reprovação pelo seu comportamento nocivo junto ao mercado mobiliário. Mas, trata-se de um julgamento que deságua na imputação da responsabilidade administrativa, fiscal e civil; jamais de natureza criminal.115

Partilhando do mesmo entendimento, Cezar Roberto Bitencourt defende que a pessoa

jurídica é inimputável, tendo em vista que não apresenta normalidade e maturidade psíquica

como a pessoa natural; aduz ainda que não há possibilidade de o ente coletivo apresentar

consciência, sendo este também fator inerente somente ao homem; e por fim, entende que a                                                             113 SANTOS, Emerson Martins do. Op.cit p. 118 114 Op.cit. p. 147 115 SOUSA, Gaspar Alexandre Machado de. Op.cit. p. 86

Page 50: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

48  

exigibilidade de conduta diversa pode ser aplicada à sociedade, mas como os elementos são

cumulativos resta concluir que a pessoa moral não tem capacidade de culpa.116

Em contrapartida, algumas teorias surgiram no intuito de justificar a possibilidade de

aplicação do princípio da culpabilidade às pessoas jurídicas, tendo em vista que “A sua

finalidade precípua é a de legitimar o direito de punir comportamentos que lesam ou põe em

perigo a subsistência do ordenamento jurídico-penal” 117. Dentre as principais teorias estão a

teoria da culpabilidade, a teoria da representação e a teoria defendida por Schunemann. 118

Para a teoria da culpabilidade, a capacidade de culpa inerente ao homem seria

substituída pelo do interesse público predominante. O interesse do Estado seria considerado

ao invés do princípio da culpabilidade. Essa primeira teoria se baseia na teoria da

identificação. Entende-se que referido posicionamento não é adequado, tendo em vista que

não se pode falar em direito penal sem a culpabilidade. Ademais, haveria uma preponderância

por parte do Estado.

Na teoria da representação, defendida por Tiedmann, defende-se a culpabilidade por

defeito da organização. Há uma substituição do conceito psicológico de ação para o conceito

normativo ou funcional. É dizer, o ente coletivo seria penalizado no caso de omissão de

medidas necessárias para impedir o ilícito, é uma culpa social. Ademais, a manifestação de

vontade dar-se-ia por meio de seus órgãos superiores, por isso a denominação teoria da

representação. Impende notar que esta teoria baseada na culpa social tem sido a mais aceita.

No que pertine à teoria da representação, entende Luiz Régis Prado que ao reconhecer

a culpabilidade do ente coletivo por defeito de organização, estaria fundamentando a

culpabilidade em fato alheio – culpabilidade presumida -, porquanto o fato culpável estaria

sendo aplicado ao ente moral ao invés de aplicá-lo ao seu órgão ou representante.119

Há, contudo, posicionamento diverso deste acerca da teoria da representação. Cito:

                                                            116 Apud SOUSA, Gaspar Alexandre Machado de. Op.cit. p. 84 117 SANTOS, Emerson Martins. Op.cit. p. 96 118 Ibid, p. 120 119 Op.cit. p. 150

Page 51: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

49  

Pensamos ser mais adequada a adoção da teoria de Tiedmann, pois esta permite uma melhor aplicação da lei penal, em virtude de que uma empresa rege-se por seus estatutos e pela lei, sendo que seus representantes são as únicas pessoas com competência para praticar ações ou omissões em favor da empresa que sejam relevantes para repercutir na seara penal. Aliás, essa é apenas a integração de um teoria que já existe há muito tempo no ordenamento jurídico-civil.120

A terceira teoria, formulada por Schunemann, renuncia o princípio da culpabilidade.

Defende que para a aplicação das sanções seriam observados dois requisitos: o primeiro seria

a realização pela pessoa natural em proveito da sociedade de uma ação que resultasse uma

pena ou multa administrativa e o segundo requisito seria a insuficiência de medidas de direção

ou vigilância necessárias para evitar citados fatos. Este entendimento se diferencia da teoria

da representação porque nesta há conexão entre a falha de organização e um órgão de direção

superior ao passo que na teoria de Schunemann basta a existência da prática ilícita por

qualquer integrante da empresa.

Dentre os doutrinadores que se posicionam favoráveis à sanção penal do ente coletivo,

Ney de Barros Bello Filho defende que o ordenamento jurídico precisa acompanhar as

mudanças ocorridas na sociedade. Para tanto, as normas do direito penal precisam ser

interpretadas com certa flexibilização para não se tornar uma lei vigente, mas sem eficácia.

Assim sendo, o princípio da culpabilidade deve ser analisado de uma forma relativa frente ao

fenômeno que se pretende estudar.121

Ademais, continua o autor, a responsabilização criminal do ente coletivo não fere o

princípio da culpabilidade uma vez que “a própria culpabilidade deve ser vista como

culpabilidade social, partindo-se do pressuposto de que a pessoa jurídica possui vontade

reconhecível e absolutamente própria” 122. Sendo que sua culpabilidade social se verifica

quando a sociedade age em desacordo com o esperado pelo ordenamento jurídico.

No entendimento de Shecaira, o conceito de culpabilidade decorre do livre-arbítrio

que consiste em uma base filosófica escolhida diante da necessidade de se punir

comportamentos que põem em perigo ou atingem bens juridicamente relevantes. Portanto,

todo comportamento violador de regras precisa ser repreendido e o mesmo pode ser feito com

a pessoa jurídica.123

                                                            120 SANTOS, Emerson Martins. Op.cit. p. 124 121 Apud SOUSA, Alexandre Machado de. Op.cit. p. 88 122 Apud SOUZA, Alexandre Machado de, loc cit. 123 SCHECAIRA, Sérgio Salomão. Op.cit. p. 94

Page 52: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

50  

Cumpre citar o posicionamento do Ministro Gilson Dipp do Supremo Tribunal de

Justiça acerca da capacidade de culpabilidade do ente coletivo:

A questão da culpabilidade, por exemplo, deve transcender ao velho princípio societas delinquere non potest. Na sua concepção clássica, não há como se atribuir culpabilidade à pessoa jurídica. Modernamente, no entanto, a culpabilidade nada mais é do que a responsabilidade social e a culpabilidade da pessoa jurídica, neste contexto, limita-se à vontade do seu administrador ao agir em seu nome e proveito.Valdir Sznick, na mesma linha, prevê de que maneira a pessoa jurídica é culpável (...) à pessoa jurídica pode-se imputar, exigir e atribuir a responsabilidade penal. Se a culpabilidade é poder agir segundo as exigências do direito (a exigibilidade de outra conduta) a pessoa jurídica é culpável (entendendo a exigibilidade no conceito dos finalistas, reproduzido por Jimenez de Asúa). Tratando-se de pessoas jurídicas, estamos diante de uma culpa social, diferenciada mas que atinge interesses coletivos, em um campo teórico, tratando-se de uma culpa diferenciada, diversa da culpa tradicional, dentro do interesse público, fundamento das “strict liability”, do direito americano, que prescinde da “mens rea”, ou seja, do dolo (...).”124

Explica Gaspar de Sousa que analisando os argumentos favoráveis a aplicação de

sanção penal ao ente coletivo e no que se refere ao princípio da culpabilidade, notório é que

pode ser aplicado um juízo de reprovabilidade às condutas da pessoa jurídica. Contudo, sua

análise se dará de forma distinta da pessoa natural, mas de forma alguma isso é um obstáculo

para que a sociedade seja penalizada por condutas ilícitas que são praticadas por meio de seus

órgãos.

3.4.3 Da Capacidade de Pena

A Constituição brasileira prevê dois princípios constitucionais que devem ser

observados quando do momento da aplicação da pena, são eles: o princípio da personalidade

(art. 5º, XL) e o princípio da individualização da pena (art. 5º, XLVI).

De acordo com Mauricio Antonio Ribeiro Lopes, pelo princípio da personalidade da

pena somente o autor do delito poderá ser penalizado, ou seja, não haverá punição por fato

alheio. Quanto ao princípio da individualização da pena, o julgador deverá aplicar a pena

correta, conforme a cominação legal, além de estabelecer de que forma a pena será

executada.125

                                                            124 REsp 610114/RN, Rel. Min. Gilson Dipp, 5ª Turma, DJ de 19.12.2005 p. 463. 125 Apud SOUSA, Gaspar Alexandre Machado de. Op.cit. p.89

Page 53: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

51  

No que pertine à responsabilidade penal do ente coletivo, a corrente doutrinária que se

apresenta contrária alega que a pessoa jurídica não possui capacidade de pena, caso contrário

os princípios da personalidade e da individualização da pena seriam feridos.

Explica a tese contrária que na hipótese de se estabelecer a responsabilidade penal da

pessoa jurídica, inocentes serão penalizados injustamente. Se em determinada empresa, por

maioria dos votos, for aprovada a venda de determinado produto que polua o meio ambiente,

numa eventual condenação da pessoa coletiva, seriam penalizados todos os sócios, até mesmo

aqueles que se manifestaram contra. Nesse caso, a sanção atingiria inocentes e culpados. Em

razão disso, a responsabilidade penal deve ser aplicada somente à pessoa natural que se

esconde atrás do ente coletivo para cometer delitos. Nesse sentido Luiz Régis Prado:

Em verdade, o princípio da personalidade da pena – nenhuma pena passará da pessoa do condenado (art. 5º, XLV, CF) – tradicionalmente enraizada nos textos constitucionais brasileiros, impõe que a sanção penal recaia exclusivamente sobre os autores materiais do delito e não sobre todos os membros da corporação (v.g., operários, sócios minoritários etc.), o que ocorreria caso se lhe impusesse uma pena. Não há lugar aqui para outra interpretação senão a que liga a responsabilidade penal à realização de um comportamento próprio, sendo a responsabilidade pessoal sempre e exclusivamente de ordem subjetiva. Afastando, desse modo, qualquer outra modalidade de responsabilidade penal (v.g.,coletiva, pelo fato de outrem etc).126

Também se afirma quanto ao princípio da individualização da pena que no momento

em que o juiz for analisar o ilícito cometido para aplicar a sanção penal, terá o mesmo que

observar elementos como: a culpabilidade, a motivação, a circunstancias, entre outros. Nesse

instante o aplicador do direito constataria a incapacidade de pena da pessoa moral, porquanto

as sanções penais são destinadas somente ao ser humano, uma vez que prescinde de elementos

inerentes à pessoa humana. Ademais, ao ente moral é impossível aplicar a pena privativa de

liberdade.127

Doutro lado, os que defendem a capacidade de pena do ente coletivo argumentam que

os princípios da personalidade e da individualização da pena em momento algum seriam

desrespeitados. Dentre seus defensores, Schecaira observa que pelo princípio da

                                                            126 Op.cit. p. 151 127 SOUSA, Gaspar Alexandre Machado de. Op.cit. p. 90

Page 54: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

52  

personalidade da pena a sanção não poderá ultrapassar a pessoa do condenado, mas isso não

implica dizer que terceiros não venham a sofrer os reflexos da pena. 128

Embasando sua afirmação, o mesmo autor menciona o fato de o próprio ordenamento

jurídico reconhecer que a pena aplicada ao condenado atinge indiretamente terceiros.

Exemplo disso é a Legislação Previdenciária que prevê o instituto do auxílio-reclusão para a

família do preso e a Lei de Execução Penal que estabelece ajuda aos familiares do preso com

o rendimento obtido pelo condenado ao trabalhar no presídio. Portanto, conclui que infundada

é a alegação de que o ente coletivo não possui capacidade de pena pelo fato de a pena

alcançar indiretamente terceiros.

Nesse mesmo sentido, aduz Emerson Martins dos Santos que a sanção a ser aplicada

ao ente moral será sentida por todos os membros, direta ou indiretamente. Serão penalizados

de forma direta os que deram causa ao ilícito, e responderão na medida de sua culpabilidade.

Quanto aos que sentirão os reflexos da pena, explica que não há ofensa ao princípio da

personalidade, uma vez que os próprios estatutos constitutivos da empresa prevêem a

representação como forma válida de se externar a vontade da pessoa jurídica, sendo certo que

todos os membros da sociedade voluntariamente se obrigaram a acatar a decisão da maioria

dos sócios.129

Diz mais, na hipótese de o ente coletivo ser condenado à pena de dissolução, não

somente todos os membros serão atingidos indiretamente pela pena, mas funcionários, dentre

outros. Contudo, em mais essa situação se verifica que não pode ser argüida a tese de afronta

ao princípio da individualidade da pena, pois a mesma pena já vem sendo aplicada na esfera

cível, produzindo efeitos semelhantes.

Partilhando do mesmo entendimento, Paulo Affonso Leme Machado:

O art. 225, §3º, da CF não se choca com o art. 5º, XLV, que diz: “nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido”. A Constituição proíbe que a família de um condenado – pessoa física – possa ser condenada somente porque um de seus membros sofreu uma sanção ou que alguém se apresente para cumprir a pena em lugar de outrem. Contudo, o mandamento

                                                            128 Op.cit. p. 89 129 SANTOS, Emerson Martins. Op.cit. p. 125 

Page 55: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

53  

constitucional não exclui da condenação penal uma pessoa que seja arrimo de família. A sanção penal poderá ter reflexos extra-individuais legítimos, pois não se exige que o condenado seja uma ilha, isolado de todo relacionamento. 130

Quanto à critica acerca da ofensa ao princípio da individualização da pena na hipótese

da responsabilidade penal da pessoa jurídica, Walter Claudius Rothenburg afirma que referido

princípio não é violado, uma vez que a Constituição brasileira não restringiu a

individualização à pessoa natural, assim sendo desde que respeitada a natureza da pessoa

coletiva e suas particularidades, a mesma poderá ser destinatária das normas penais.131

Nesse caso, diante da impossibilidade da imposição de penas restritivas de liberdade à

pessoa coletiva, nada obsta a aplicação de sanções compatíveis com a sua natureza, como por

exemplo a dissolução, interdição, multa, publicidade da condenação, entre outras. Portanto, o

princípio da individualização da pena implica em respeitar as particularidades do condenado

ao se aplicar a norma jurídica. Nesse sentido:

A pena privativa de liberdade somente é prevista como ultima ratio da política criminal. Há outras medidas que são capazes de combater o caráter criminoso do ente coletivo. As penas restritivas de direito e as de multa, constituem-se num forte instrumento de prevenção e repressão a esses ataques ao bem jurídico ambiental. Aliás penas como a prestação de serviços à comunidade, consistente na atribuição ao condenado de tarefas gratuitas junto a parques e jardins públicos e unidades de conservação, proibição de receber incentivos governamentais, proibição de contratar com o poder público por um determinado tempo e, dependendo da gravidade do fato, a dissolução da empresa, são medidas de uma eficácia a toda prova.132

Por seu turno, Schecaira afirma que a aplicação da pena privativa de liberdade à

pessoa coletiva é desnecessária e até descabida. Pois, pela característica dos agentes que

comentem ilícitos econômicos e ambientais não há necessidade de ressocialização, uma vez

que são pessoas altamente socializadas, com excelentes qualificações profissionais. Por isso,

sanções como a publicidade de sentenças aconselháveis.133

3.4.4 Dos Efeitos da Pena

Como conseqüência da divergência acerca da capacidade de pena do ente coletivo,

surge também os posicionamentos distintos no que tange à capacidade de o ente jurídico

                                                            130 Op.cit. p. 665 131 Apud SOUSA, Gaspar Alexandre Machado de. Op.cit. p. 90 132 SANTOS, Emerson Martins do. Op.cit. p. 114 133 Op.cit. p. 91

Page 56: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

54  

suportar os efeitos da pena. Quanto aos efeitos da pena, se observa como fundamento de cada

tese a finalidade precípua da pena.

Para àqueles que defendem que o ente jurídico, em razão de sua natureza, não possui

condições de suportar os efeitos da sanção, alegam que a pena tem como finalidade: a

ressocialização do condenado à sociedade e a prevenção geral e especial134. Portanto,

seguindo esse raciocínio, afirmam que diante da verificação lógica que a pessoa coletiva não

pode ser ressocializada, repreendida moralmente, tampouco arrepender-se pelo ato cometido,

a mesma não possui capacidade de suportar os efeitos da pena. Noutro dizer, não possui os

atributos exigidos para os destinatários da norma penal.135

Dentre os que se posicionam favoráveis à responsabilidade penal do ente coletivo,

sustentam que o atual objetivo da norma penal consiste tão-somente em sancionar as condutas

que optam pela inobservância da regra do sistema, pouco importando a capacidade de

arrependimento do sujeito e sua capacidade de sofrer os efeitos da pena, pois hodiernamente a

culpabilidade se baseia na responsabilidade social. Sendo assim, o fundamento ético da pena

passa a ser a insuportabilidade dos efeitos do crime, servindo a pena como meio de prevenção

geral ou especial.136

Partilhando do mesmo entendimento, Shecaira afirma que não há o que se falar em

incapacidade de arrependimento ou de ressocialização do ente coletivo diante da constatação

do principal objetivo atribuído modernamente à pena: a reprovação da conduta em conflito.

Diz mais: o objetivo precípuo da pena é a relevância pública e não objetivos morais. Desse

modo, segundo o autor, tentar aplicar objetivos morais à pena é um contra-senso, pois é algo

que mesmo se referindo às pessoas naturais já não deve ser aplicado.137

Emerson Martins dos Santos afirma que a finalidade da pena não pode ser outra que

não a de evitar que o agente volte à prática de novos crimes. Explica que os crimes praticados

pela pessoa jurídica – por meio de seus órgãos e representantes, que são pessoas naturais –

quer sejam crimes ambientais ou econômicos, são oriundos de criminosos que não precisam

                                                            134 Entende-se por prevenção geral a previsão legal do ato típico e sua respectiva sanção ao passo que tem-se por prevenção especial a não observância da norma e a conseqüente retirada do agente do convívio social (prisão). 135 SANTOS, Emerson Martins do. Op.cit. p. 150 136 ROSA, Fábio Bittencourt da. Op.cit. p. 98 137 Op.cit. p. 92

Page 57: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

55  

de ressocialização, pois referidos crimes são conhecidos como crime do “colarinho branco”.

São pessoas que se valem de sua credibilidade social, da relação de confiança para praticarem

crimes no exercício de sua profissão. Desse modo, aduz que um meio eficaz para intimidar o

ente jurídico a prosseguir com suas práticas ilícitas, seria a divulgação de sua condenação à

opinião pública.138

3.5 REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE

Shecaira, ferrenho defensor da responsabilidade penal da pessoa jurídica, elenca quais

os requisitos devem ser observados para tipificação penal do ente coletivo: o cometimento do

crime deve atender aos interesses da pessoa coletiva; o ato cometido deve se enquadrar nas

atividades normais praticadas pela empresa; o ilícito deve ser exercido pelo empregado ou

preposto da empresa, no exercício de sua função ou qualquer outra pessoa que tenha

responsabilidade de agir em nome da empresa e, principalmente, que a realização do crime se

concretize em razão do poderio da pessoa coletiva.

Por sua vez, Paulo Affonso Leme Machado aduz que para a responsabilização da

pessoa jurídica devem-se observar dois requisitos: o primeiro consiste em ser o sujeito ativo o

representante legal (indicado no estatuto da empresa), contratual (que pode ser o diretor,

administrador, gerente, preposto ou mandatário da pessoa jurídica) ou órgão colegiado da

empresa. O segundo requisito apresentado refere-se à exigência de a infração se cometida no

interesse ou benefício da empresa.139

Assevera ainda o autor que os termos “interesse” e “benefício” são assemelhados, mas

não sinônimos. Entende-se por interesse uma concepção mais ampla que não atinge somente a

vantagem alcançada pela sociedade coletiva. Assim, tem-se por interesse tudo aquilo que

importa para a pessoa jurídica, não necessariamente o lucro direto econômico, mas pode se

manifestar no comportamento culposo por omissão ou no dolo eventual em que a empresa é

favorecida.

Outra não é a lição de Édis Milaré que observa se o ato praticado visou atender ao

interesse ou ao benefício do ente coletivo, esta passa a ser agente da infração penal. Contudo,

                                                            138 Op.cit. p. 116 139 Op. cit. p. 666

Page 58: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

56  

se o ato praticado buscou atender somente ao interesse do dirigente sem qualquer vantagem

para a pessoa jurídica, essa deixa de ser o agente do tipo penal e se transforma no meio

utilizado para a realização da conduta criminosa. Acrescenta ainda que deve ser avaliado o

elemento subjetivo do tipo: dolo ou culpa, quando da execução da infração penal.140

O Ministro Gilson Dipp do Superior Tribunal de Justiça emitiu seu parecer acerca dos

critérios a serem observados para a responsabilização do ente coletivo, no Recurso Especial nº

610.114 – RN, que foi acompanhado por unanimidade pelos Ministros integrantes da 5ª

Turma. Explica que os requisitos para a responsabilização da pessoa jurídica são classificados

na doutrina como explícitos e implícitos. 141

Nos explícitos: a) a violação deve decorrer de deliberação da pessoa coletiva; b) o

autor material da infração deve ser vinculado ao ente coletivo; e c) a infração deve ser para o

interesse ou benefício da pessoa coletiva. Nos implícitos: a) a pessoa jurídica deve ser de

direito privado; b) o agente deve agir no amparo do ente coletivo; e c) a atuação deve ocorrer

na esfera de atividades da pessoa jurídica.

Dado sua importância, cumpre citar na íntegra a referida jurisprudência:

Ementa: CRIMINAL. RESP. CRIME AMBIENTAL PRATICADO POR PESSOA JURÍDICA. RESPONSABILIZAÇÃO PENAL DO ENTE COLETIVO. POSSIBILIDADE. PREVISÃO CONSTITUCIONAL REGULAMENTADA POR LEI FEDERAL. OPÇÃO POLÍTICA DO LEGISLADOR. FORMA DE PREVENÇÃO DE DANOS AO MEIO-AMBIENTE. CAPACIDADE DE AÇÃO. EXISTÊNCIA JURÍDICA. ATUAÇÃO DOS ADMINISTRADORES EM NOME E PROVEITO DA PESSOA JURÍDICA. CULPABILIDADE COMO RESPONSABILIDADE SOCIAL. CO-RESPONSABILIDADE. PENAS ADAPTADAS À NATUREZA JURÍDICA DO ENTE COLETIVO. ACUSAÇÃO ISOLADA DO ENTE COLETIVO. IMPOSSIBILIDADE. ATUAÇÃO DOS ADMINISTRADORES EM NOME E PROVEITO DA PESSOA JURÍDICA. DEMONSTRAÇÃO NECESSÁRIA. DENÚNCIA INEPTA. RECURSO DESPROVIDO. I. A Lei ambiental, regulamentando preceito constitucional, passou a prever, de forma inequívoca, a possibilidade de penalização criminal das pessoas jurídicas por danos ao meio-ambiente. III. A responsabilização penal da pessoa jurídica pela prática de delitos ambientais advém de uma escolha política, como forma não apenas de punição das condutas lesivas ao meio-ambiente, mas como forma mesmo de prevenção geral e especial.

                                                            140 Op.cit. p. 859 141 REsp- Recurso Especial 610114/RN, Rel. Min. Gilson Dipp, 5ª Turma, DJ de 19.12.2005 p. 463

Page 59: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

57  

IV. A imputação penal às pessoas jurídicas encontra barreiras na suposta incapacidade de praticarem uma ação de relevância penal, de serem culpáveis e de sofrerem penalidades. V. Se a pessoa jurídica tem existência própria no ordenamento jurídico e pratica atos no meio social através da atuação de seus administradores, poderá vir a praticar condutas típicas e, portanto, ser passível de responsabilização penal. VI. A culpabilidade, no conceito moderno, é a responsabilidade social, e a culpabilidade da pessoa jurídica, neste contexto, limita-se à vontade do seu administrador ao agir em seu nome e proveito. VII. A pessoa jurídica só pode ser responsabilizada quando houver intervenção de uma pessoa física, que atua em nome e em benefício do ente moral. VIII. "De qualquer modo, a pessoa jurídica deve ser beneficiária direta ou indiretamente pela conduta praticada por decisão do seu representante legal ou contratual ou de seu órgão colegiado". IX. A Lei Ambiental previu para as pessoas jurídicas penas autônomas de multas, de prestação de serviços à comunidade, restritivas de direitos, liquidação forçada e desconsideração da pessoa jurídica, todas adaptadas à sua natureza jurídica. X. Não há ofensa ao princípio constitucional de que "nenhuma pena passará da pessoa do condenado...", pois é incontroversa a existência de duas pessoas distintas: uma física - que de qualquer forma contribui para a prática do delito - e uma jurídica, cada qual recebendo a punição de forma individualizada, decorrente de sua atividade lesiva. XI. Há legitimidade da pessoa jurídica para figurar no pólo passivo da relação processual-penal. XII. Hipótese em que pessoa jurídica de direito privado foi denunciada isoladamente por crime ambiental porque, em decorrência de lançamento de elementos residuais nos mananciais dos Rios do Carmo e Mossoró, foram constatadas, em extensão aproximada de 5 quilômetros, a salinização de suas águas, bem como a degradação das respectivas faunas e floras aquáticas e silvestres. XIII. A pessoa jurídica só pode ser responsabilizada quando houver intervenção de uma pessoa física, que atua em nome e em benefício do ente moral. XIV. A atuação do colegiado em nome e proveito da pessoa jurídica é a própria vontade da empresa. XV. A ausência de identificação das pessoas físicas que, atuando em nome e proveito da pessoa jurídica, participou do evento delituoso, inviabiliza o recebimento da exordial acusatória. XVI. Recurso desprovido

Nota-se que citada jurisprudência apresenta de forma bem clara todos os

requisitos de admissibilidade para que o ente coletivo seja responsabilizado

penalmente. Segundo este entendimento, não há que se falar em óbices para a

responsabilidade penal da pessoa jurídica. Verificou-se também que pelo fato de o

Recurso Especial do Ministério Público Federal não preencher todos os critérios

exigidos, a 5ª Turma do Supremo Tribunal de Justiça conheceu do recurso, mas lhe

negou provimento.

Nesse mesmo sentido, cito outras decisões do STJ:

Page 60: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

58  

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO PROCESSUAL PENAL.CRIME AMBIENTAL. RESPONSABILIZAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA.POSSIBILIDADE. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA.OCORRÊNCIA. 1. Admitida a responsabilização penal da pessoa jurídica, por força de sua previsão constitucional, requisita a actio poenalis, para a sua possibilidade, a imputação simultânea da pessoa moral e da pessoa física que, mediata ou imediatamente, no exercício de sua qualidade ou atribuição conferida pela estatuto social, pratique o fato-crime, atendendo-se, assim, ao princípio do nullum crimen sine actio humana. 2. Excluída a imputação aos dirigentes responsáveis pelas condutas incriminadas, o trancamento da ação penal, relativamente à pessoa jurídica, é de rigor. 3. Recurso provido. Ordem de habeas corpus concedida de ofício.142

PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CRIMES CONTRA O MEIO AMBIENTE. DENÚNCIA. INÉPCIA. SISTEMA OU TEORIA DA DUPLA IMPUTAÇÃO. NULIDADE DA CITAÇÃO. PLEITO PREJUDICADO. I - Admite-se a responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais desde que haja a imputação simultânea do ente moral e da pessoa física que atua em seu nome ou em seu benefício, uma vez que "não se pode compreender a responsabilização do ente moral dissociada da atuação de uma pessoa física, que age com elemento subjetivo próprio" cf. Resp nº 564960/SC, 5ª Turma, Rel. Ministro Gilson Dipp, DJ de 13/06/2005 (Precedentes). II - No caso em tela, o delito foi imputado tão-somente à pessoa jurídica, não descrevendo a denúncia a participação de pessoa física que teria atuado em seu nome ou proveito, inviabilizando, assim, a instauração da persecutio criminis in iudicio (Precedentes). III - Com o trancamento da ação penal, em razão da inépcia da denúncia, resta prejudicado o pedido referente à nulidade da citação. Recurso provido.143

                                                            142 RMS- Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 16696, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, sexta turma, DJ 13.03.2006, p. 373143 RMS- Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 20601, Relator Ministro Felix Fischer, quinta turma, DJ 14.08.2006 p. 304

Page 61: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

59  

4. RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO

POR CRIMES AMBIENTAIS

4.1 O MEIO AMBIENTE E SUA PROTEÇÃO

4.1.1 Noções sobre o Meio Ambiente

No que pertine à nomenclatura “meio ambiente”, ao que consta foi utilizada pela

primeira vez por Geoffroy de Saint-Hilaire, naturalista francês, na obra Études Progressives

d’um naturaliste, de 1835, sendo reconhecida por Augusto Comte em seu Curso de Filosofia

Positiva.144

Explica Paulo Affonso Machado que o termo “ambiente” tem origem latina (ambiens,

entis) e entre os seus significados encontra-se “o meio em que vivemos”. Em razão disso a

expressão “meio ambiente” é redundante, porquanto meio e ambiente são sinônimos,

configurando um pleonasmo. Contudo, afirma que pelo fato de a Constituição Federal ter

utilizado referida expressão, convém seu uso por respeito à Carta Maior.145

Por sua vez, Édis Milaré alega que o termo “meio ambiente” não chega a configurar

uma redundância, uma vez que os vocábulos meio e ambiente passam por conotações

distintas. Aduz ainda que citada expressão é consagrada na língua portuguesa, pacificamente

usada pela doutrina, lei e jurisprudência de nosso país, motivo pelo qual seu uso deve ser

preservado.146

                                                            144 MILARÉ, Édis. Op.cit. p. 97 145 Op.cit. p. 137 146 Op.cit. p.99

Page 62: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

60  

Quanto à conceituação do meio ambiente, Paulo de Bessa Antunes o compreende

como uma realidade que considera o ser humano parte integrante de algo mais amplo, fazendo

parte de um conjunto de relações que se estabelecem a partir da apropriação econômica dos

recursos ambientais que estão submetidos à influência humana. Acrescenta ainda que em

razão de o termo ambiente ser extremamente amplo pode abrigar as inúmeras realidades a que

a legislação ambiental pretende proteger.147

Por sua vez, Édis Milaré afirma que na linguagem técnica, meio ambiente é a soma de

todos os fatores externos que cercam o indivíduo. Já no conceito jurídico, impende fazer uma

distinção sob duas perspectivas principais: uma estrita e a outra ampla.

Numa visão estrita, considera-se meio ambiente todo patrimônio natural e sua relação

com e entre os seres vivos. Assim, despreza-se tudo aquilo que não pertença aos recursos

naturais. Em contrapartida, numa concepção ampla compreende-se que o meio ambiente

abrange os recursos naturais e os artificiais, como por exemplos os bens culturais. Nesse

sentido:

Temos aqui então um detalhamento do tema: de um lado, com o meio ambiente natural, ou físico, constituído pelo solo, pela água, pelo ar, pela energia, pela fauna e pela flora; e, de outro, com o meio ambiente artificial (ou humano), formado pelas edificações, equipamentos e alterações produzidos pelo homem, enfim, os assentamentos de natureza urbanística e demais construções. Em outras palavras, quer-se dizer que nem todos os ecossistemas são naturais, havendo mesmo quem se refira a “ecossistemas sociais” e “ecossistemas naturais”. Essa distinção está sendo, cada vez mais, pacificamente aceita, quer na teoria, quer na prática.148

Segundo Luiz Régis Prado, a melhor conceituação do meio ambiente parte de uma

orientação intermediária que propõe um sentido natural, como totalidade dos fundamentos da

vida humana. Cito:

Em sintonia com o texto maior, essa concepção define o ambiente – objeto de proteção da lei penal – como a manutenção das propriedades do solo, do ar, e da água, assim como da fauna e da floresta e das condições ambientais de desenvolvimento destas espécies, de tal forma que o sistema ecológico se mantenha com seus sistemas subordinados a não sofra alterações prejudiciais.149

                                                            147 Op.cit. p. 06 148 Op.cit. p. 850 149 Op.cit. p. 126

Page 63: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

61  

No que tange à definição legal do meio ambiente, a Lei de Política Nacional do Meio

Ambiente o estabeleceu em seu art. 3º, inciso I, como “o conjunto de condições, leis,

influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida

em todas as suas formas”.

Apesar de parte da doutrina considerar esta definição ampla, há outra corrente

doutrinária que a compreende como restrita aos recursos naturais, quando deveria ser

analisado outros aspectos como o artificial e o natural. Um entendimento mais abrangente foi

observado quando da elaboração do texto da Lei 9.605/95 (Lei dos Crimes Ambientais),

porquanto tutela penalmente o meio ambiente natural, o artificial e o cultural, sendo

considerados crimes ambientais os cometidos contra o ordenamento urbano e o patrimônio

cultural (artigos 62 a 65).150

A Constituição Federal esboça um conceito do que vem a ser o meio ambiente ao

afirmar que “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso

comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à

coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.151 A

Carta Magna acentua um caráter patrimonial ao meio ambiente, parte de um conceito

fisiográfico para fundamentá-lo sobre o equilíbrio ecológico e a sadia qualidade de vida e

externa uma visão antropocêntrica, segundo o qual o mundo natural tem valor somente se

atender aos interesses da espécie humana.152

4.1.2 O Meio Ambiente e a Necessidade da Tutela Penal

Segundo Luiz Régis Prado, o pensamento jurídico moderno entende que a finalidade

imediata e precípua do Direito Penal consiste na proteção de bens jurídicos essenciais ao

indivíduo e à comunidade. Ademais, em atenção ao princípio ultima ratio a intervenção penal

só deverá atuar na defesa daqueles bens jurídicos que são imprescindíveis à coexistência

pacífica dos homens e que não podem ser eficazmente tutelados por outra forma.153

                                                            150 SOUSA, Gaspar Alexandre Machado de. Op. cit. p. 108 151 Art. 225, Caput. 152 MILARÉ, Édis. Op.cit. p. 102 153 Op. cit. p. 102

Page 64: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

62  

Explica ainda que “a noção de bem jurídico implica a realização de um juízo positivo

de valor acerca de determinado objeto ou situação social e de sua relevância para o

desenvolvimento do ser humano”.154 portanto, o bem jurídico tutelado penalmente deve estar

relacionado com o seu valor social, não podendo ser indiferente da realidade.

Nessa esteira de raciocínio, renomado autor entende que a orientação firmada acerca da

necessidade de se responsabilizar penalmente as pessoas jurídicas por crimes ambientais, sob

a alegação da necessidade política-criminal e em razão de preventivos de defesa social não

merece prosperar, posto que há outros meios eficazes e com menos custos para sancionar os

entes morais, como por exemplo as sanções administrativas e civis.

Comungando do mesmo pensamento Raúl Cervini afirma que “O direito Penal

somente deve ser empregado para a proteção dos bens jurídicos em forma subsidiária, como

ultima ratio, reservando-se para aqueles casos em que seja o único meio de evitar um mal

ainda maior.” 155

Em contrapartida, para os que propugnam pela tutela penal ambiental, entendem que

esta se faz necessária principalmente em razão de sua importância para a sobrevivência da

humanidade.156

Paulo Affonso Machado afirma que a necessidade de se trazer para a tutela penal a

matéria ambiental consiste principalmente no fato de o Poder Judiciário possuir garantias

funcionais para aplicação das sanções que o funcionário público ou empregado da

administração não possui.157Ademais, continua o autor, encontra-se na realidade brasileira

uma grande omissão por parte da Administração Pública na aplicação de sanções em razão

das agressões ambientais.

Aduz, ainda que o meio ambiente sendo tutelado penalmente não significa que as

pessoas morais terão uma perseguição frenética, muito pelo contrário, irá se impor um

mínimo de corretivo visando a preservação do planeta para as futuras gerações.

                                                            154 Op.cit. p. 104 155 Apud SOUSA, Gaspar Alexandre Machado de. Op.cit. p. 114 156 Op.cit p. 663 157 Op.cit. p. 667

Page 65: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

63  

Partilhando desse mesmo entendimento, Vladimir Passo de Freitas alega que no Brasil

as sanções administrativas e civis têm se mostrado ineficientes para proteger o meio ambiente.

No que tange às sanções administrativas, falta estrutura por parte dos órgãos ambientais e seu

procedimento administrativo é longo. Em relação às sanções cíveis, estas têm sido mais

eficientes, contudo não a contento, vez que não atingem seus objetivos. Pois, muitas empresas

embutem nos seus preços o valor da reparação que pagou pelo dano causado ao meio

ambiente.158

Édis Milaré observa que a ultima ratio da tutela penal ambiental consiste em dizer que

esta é chamada para intervir somente nos casos em que as agressões ao meio ambiente tomem

proporções intoleráveis, sendo objetos de intensa reprovação da sociedade. Segundo seu

entendimento, o meio ambiente ecologicamente equilibrado consiste em um dos direitos

fundamentais da pessoa humana, motivo pelo qual justifica a imposição de sanções penais às

agressões cometidas contra o meio ambiente com extrema ratio. Nesse sentido:

Ora, preservar e restabelecer o equilíbrio ecológico em nossos dias é questão de vida ou morte. Os riscos globais, a extinção de espécies animais e vegetais, assim como a satisfação de novas necessidades em termos de qualidade de vida, deixam claro que o fenômeno biológico e suas manifestações sobre o Planeta estão sendo perigosamente alterados. E as conseqüências desse processo são imprevisíveis, já que as rápidas mudanças climáticas, (...) a menor diversidade de espécies fará com que haja menor capacidade de adaptação por causa da menor viabilidade genética e isto estará limitando o processo evolutivo, comprometendo inclusive a viabilidade de sobrevivência de grandes contingentes populacionais da espécie humana” 159

Aduz ainda o autor que a proteção penal do meio ambiente foi recomendada pela

Constituição Federal, fator este que elimina qualquer divergência acerca da necessidade ou

não de o meio ambiente ser tutelado pelo Direito Penal. Assim, tem-se que o meio ambiente

constitui-se num bem jurídico autônomo, porquanto se relaciona a valores que dizem respeito

a toda coletividade e que assegura a vida humana no planeta.

                                                            158 Apud SOUSA, Gaspar Alexandre Machado de. Op.cit. p. 116 159 Op. cit. p. 844

Page 66: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

64  

4.2 NORMA PENAL AMBIENTAL

4.2.1 Bem Jurídico Protegido

Assevera Édis Milaré que nos crimes ambientais o bem jurídico protegido é o meio

ambiente em sua dimensão global, ou seja, o ambiente integrado a um conjunto de elementos

naturais, culturais e artificiais.160

Explica Gaspar de Sousa que, de início, o meio ambiente era tutelado penalmente de

uma forma restrita, que compreendia tão-somente a pureza da água, do ar e do solo, mas com

avanço da consciência ambiental, o conceito sobre meio ambiente foi alargado, tutelando-se

fatores de crucial importância para o equilíbrio natural ao passo que se tornou difícil uma

individualização do bem jurídico ambiental tutelado pela norma penal.161

4.2.2 Tipicidade

No que pertine à tipicidade, esta se consubstancia num indicador de antijuridicidade,

ou seja, é o instrumento utilizado para distinguir dentre os inúmeros comportamentos da

humanidade aqueles que o legislador entende como sendo dignas de reprovação penal, haja

vista sua gravidade. Cumpre dizer que o legislador capta o anseio da sociedade, isto é, a

reprovabilidade a que ele se refere é oriunda da consciência coletiva da comunidade a que está

inserido.

Na construção do tipo penal, o legislador poderá optar por critérios distintos que se

fundamentam na natureza da matéria a ser legislada. Dentre os critérios a ser adotados pelo

legislador estão os tipos fechados e os tipos abertos. 162

Entende-se por tipo fechado aquele que apresenta uma descrição completa da conduta

considerada ilícita, restando ao intérprete tão-somente a tarefa de constatar a correspondência

entre a conduta concreta e a descrição típica. Por tipo aberto tem-se uma descrição incompleta

                                                            160 Op.cit. p.844 161 Op. cit. p. 138 162 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Op.cit. p. 135

Page 67: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

65  

da conduta proibida, sendo necessária sua complementação por outras normas, devendo ser

observado seus limites para não ir de encontro ao princípio da legalidade.

Na lição de Édis Milaré “O meio ambiente – com todos os elementos que ele pode

compreender – é inescapavelmente holístico e sistêmico, o que dificulta sobremaneira o

desenho dos tipos destinados a tutelá-lo”.163 Continua o autor que, diante disso, o melhor

critério para norma penal ambiental é o tipo aberto, porquanto esta se caracteriza pela sua

amplitude e indeterminação da conduta incriminada. Nestes casos, a conduta típica depende

do desrespeito às normas que a incriminação do fato se refere, bem como seu reconhecimento

por parte do juiz.

Observa Schecaira que o legislador jamais poderá prever todas as possibilidades de

condutas ilícitas a serem praticadas pelo homem, tendo em vista a velocidade com que ocorre

as mudanças na sociedade moderna. Mas, apesar disso a construção de uma norma genérica,

com emprego de expressões vagas daria ensejo a uma afronta ao princípio da legalidade, que

por sua vez é a base da elaboração da teoria da tipicidade.164

Antes da Lei 9.605/98 os tipos penais ambientais referiam-se somente ao dano.

Hodiernamente, a tutela penal ambiental visa a prevenção. Respeita-se assim um dos

princípios fundamentais do Direito Ambiental – princípio da prevenção - pois os prejuízos

causados ao meio ambiente são muitas vezes irreparáveis e de larga dimensão. Portanto,

considera-se cada vez mais o crime ambiental como crime de perigo.

Nesse sentido, o penalista Paulo José da Costa Júnior:

De um ponto de vista político-criminal, portanto, o recurso aos crimes de perigo permite realizar conjuntamente finalidades de repressão e prevenção, sendo certo que o progresso da vida moderna está aumentando em demasia as oportunidades de perigo comum, não estando a sociedade em condições de refrear certas atividades perigosas, tidas como condições essenciais do desenvolvimento que se processa. Em tal contexto, torna-se evidente que uma técnica normativa assentada na incriminação do perigo é a mais adequada a enfrentar as ameaças multíplices trazidas de muitas partes e por meios estranhos ao sistema ecológico.165

                                                            163 Op. cit. p. 852 164 Op.cit. p. 136 165 Apud MILARÉ, Édis. Op. cit. p. 854

Page 68: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

66  

A infração penal de perigo é dividida em perigo abstrato e perigo concreto. No

primeiro, o perigo não precisa de comprovação, constitui a ratio legis. No segundo, impende a

comprovação efetiva do perigo.

No que pertine à responsabilidade penal dos entes coletivos por crimes ambientais,

defende Schecaira que “tem-se como preferível a conformação de tipos de perigo concreto,

sem prejuízo da eventual utilização de crimes de danos”.166

Aduz ainda que o perigo abstrato configura uma forma indireta de presunção absoluta,

sendo inconstitucional, tendo em vista o princípio da inocência elencada na Constituição de

1988, além de não se compatibilizar com moderno Direito Penal que se baseia a

culpabilidade.

4.2.3 Norma Penal em Branco

Cumpre dizer que o Direito Penal tem como pressuposto para elaboração de suas

normas a definição do tipo de modo autônomo, evitando a remissão à outras normas do

ordenamento jurídico.

Contudo, em relação à tutela penal ambiental tem-se verificado a necessidade da

utilização da técnica legislativa denominada norma penal em branco. Luiz Régis Prado a

conceitua como “aquela em que a descrição da conduta punível se mostra incompleta ou

lacunosa, necessitando de complementação de outro dispositivo legal.” 167

O mesmo autor elenca as formas a serem observadas para o preenchimento da lacuna

da norma penal em branco. Na primeira, há num defeito de técnica legislativa. O

complemento se encontra na mesma lei; na segunda, o complemento da lei será encontrado

em outra lei, mas oriunda do mesmo poder; por fim, na terceira o complemento se encontra

em normas de outra lei (leis penais em branco em sentido estrito).

Édis Milaré afirma que a técnica legislativa – a norma penal em branco – utilizada

para tutela do meio ambiente se dá em razão de seu caráter complexo, técnico e

                                                            166 Op. cit. p. 138 167 Op. cit. p. 92

Page 69: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

67  

multidisciplinar. Assegura ainda que a Lei 9.605/98 usou em demasia esta técnica, são

exemplos os artigos 29,§4º, I e IV; 34, caput, e Parágrafo Único, I e II, entre outros. Em todos

os casos as normas se apresentam de forma vaga, precisando de complementação de outros

dispositivos legais.168

Luís Paulo Sirvinskas considera vantajosa a existência de normas penais em branco

para tutela penal do ambiente, mas desde que não haja a criação de novos tipos penais. Cito:

A lei é estática e o meio ambiente é dinâmico. Se se pretende proteger o meio ambiente é necessário adotar medidas eficazes e rápidas para se evitar o dano irreversível. Não seria possível esperar a tramitação de uma lei até sua promulgação para se proteger uma espécie silvestre ameaçada de extinção, por exemplo. Há espécies em estado avançado de extinção a curto prazo e consideradas ameaçadas de extinção a médio prazo ( espécies nacionais, regionais e locais). Somente um determinada localidade existe tal espécie. E através do SINAMA é que se protegerá melhormente a espécie silvestre ameaçada.169

Aduz Schecaira que a maioria dos autores da área ecológica recomendam o uso das

normas penais em branco para tutela penal do ambiente, afirmam que não há outra técnica

possível a não ser a do delito de perigo e a norma penal em branco. Observa o autor que estes

casos extremos devem ser analisados com parcimônia para a própria segurança dos cidadãos,

porquanto “A utilização de cláusulas gerais e de conceitos carecedores de conteúdo valorativo

traz consigo o perigo da indeterminação e pode lesar o princípio da legalidade.” 170

Continua ainda o autor que a utilização de normas interpostas acaba gerando vários

problemas, dentre os quais pode-se citar um problema bastante comum que é o de ordem

intertemporal, que se manifestam em razão da evolução de determinados conceitos oriundos

das transformações tecnológicas. Nesse sentido:

Não raro, contemplada uma determinada invenção de maquinário antipoluente, é razoável que o Poder Público passe a exigir atualizações dos mecanismos de controle da poluição, o que demanda permanente reexame das normas penais disciplinadoras da questão. Ao se adotar normas em branco ou tipos subsidiários, evitam-se modificações das normas penais, embora seu conteúdo material tenha alterações efetivas decorrentes das normas não penais alteradas.171

                                                            168 Op. cit. p. 850 169 Apud SOUSA, Gaspar Alexandre Machado de. Op.cit. p. 142 170 Op. cit. p. 140 171 Op.cit. p. 141

Page 70: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

68  

Assevera Luis Régis Prado que em razão da própria natureza da matéria ambiental faz-

se necessário o uso das normas penais em branco. Basta que apresentem a descrição do núcleo

essencial da ação proibida para que não transgridam ao princípio da legalidade. Assim, não há

nenhum óbice para o uso de referida técnica, desde que observado os limites materiais de

reserva de lei ordinária.172

Conclui renomado autor que para a melhor estruturação dos tipos deve-se entender o

ambiente como bem jurídico autônomo, observando sempre para a precípua função da lei

penal que é sua intervenção direta em casos graves. Mas, desde que seja político-

criminalmente recomendável e tecnicamente possível.

4.2.4 Sujeitos Ativo e Passivo

O Sujeito ativo, nos crimes ambientais referentes à responsabilidade do ente coletivo,

é a pessoa jurídica.

O sujeito passivo é o titular do bem jurídico que foi lesado ou ameaçado em virtude de

uma conduta criminosa. Não há óbice para que existam dois ou mais sujeitos passivos, mas o

que deve ser destacado é que no caso dos delitos ambientais, consoante a disposição do art.

225, §3º da Carta Maior, o meio ambiente é um bem considerado de uso comum do povo,

portanto o sujeito passivo direto será a coletividade.

Conforme leciona Maurício Libster o bem jurídico meio ambiente pertence a toda a

coletividade, pois o dano a ele cometido lesa direta ou indiretamente toda a sociedade. É um

bem que está vinculado às necessidades existenciais da pessoa humana, como a vida, a saúde,

a segurança entre outros. Não é por outro motivo que se diz que o dano ambiental tem como

traço característico a difusividade de vítimas.173

Conforme já fora dito, o sujeito passivo poderá ser mais de um, mas sempre a

coletividade será o sujeito passivo principal. Portanto, pessoas certas e determinadas poderão

atuar no pólo passivo da ação penal, mas sempre como sujeitos passivos indiretos.

                                                            172 Op.cit. p. 93 173 Apud MILARÉ, Édis. Op.cit. p. 860

Page 71: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

69  

Édis Milaré leciona que deve ser feita a distinção entre objeto jurídico e objeto

material. O primeiro se refere ao bem que é tutelado diretamente ao passo que segundo

consiste no objeto sobre o qual recai a ação do sujeito ativo, constitui o bem ou o interesse

indiretamente tutelado. Explica que enquanto o objeto jurídico é sempre o meio ambiente (de

interesse público) o objeto material pode ser um bem público ou particular.

Continua ainda o autor que, diante disso, verifica-se que um ilícito penal ambiental

atingindo a coletividade, pode ao mesmo tempo atingir um bem público ou particular, como

na hipótese, por exemplo, de um incêndio provocado por terceiro em mata pertencente a um

patrimônio particular. Aqui, haverá um crime ambiental somado a um crime de dano contra o

patrimônio particular.

4.3 A LEI DOS CRIMES AMBIENTAIS

4.3.1 Disposições acerca da Responsabilidade Penal das Pessoas Jurídicas

A Lei 9.605/98 veio à lume depois de três projetos distintos para regulamentação das

condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. Referido diploma legal instituiu pela primeira

vez no Brasil a responsabilidade penal da pessoa jurídica, na legislação ordinária, tendo como

referencia o art. 225,§3º da Constituição Federal, que por sua vez, já previa a

responsabilização do ente coletivo por danos ambientais.

Consoante seu art. 3º, as pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil

e penalmente, conforme o disposto na lei, nos casos em que a infração venha a ser cometida

por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado no interesse

ou benefício de sua entidade. Além do mais, a responsabilidade da pessoa jurídica não exclui

a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato.

Cumpre notar que a Lei adotou em seu art. 4º a teoria da desconsideração da

personalidade. Assim, sempre que a personalidade da empresa apresentar-se como um

obstáculo para o ressarcimento dos prejuízos causados ao meio ambiente, a empresa poderá

ter sua personalidade jurídica desconsiderada.

Page 72: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

70  

O diploma normativo em comento recebeu inúmeras críticas: seu alto caráter

criminalizador, em que se consideram delitos comportamentos, que no entender de alguns

doutrinadores, não deveriam passar de meras infrações administrativas ou quando muito, de

contravenções penais, agindo a norma em total desacordo com os princípios penais da

intervenção mínima e da insignificância; a utilização de conceitos amplos e indeterminados –

com impropriedades técnicas, lingüísticas e lógicas; a não indicação sobre qual das normas

incriminadoras, da parte especial da lei, são aplicadas aos entes coletivos e suas respectivas

sanções; a não determinação dos pressupostos da responsabilidade penal das pessoas

jurídicas. 174

Em contrapartida, há doutrinadores que entendem que a Lei dos Crimes Ambientais

não fere ao princípio da legalidade, porquanto o legislador ao não estabelecer quais as penas

mencionadas na parte especial da lei serão aplicadas às pessoas jurídicas, o mesmo valeu-se

da conhecida técnica de tipicidade indireta por extensão, assim a responsabilidade da pessoa

jurídica se estende a toda parte especial da lei sem ferir aos princípios básicos do direito

penal.175

Outro aspecto da Lei 9.605/98 refere-se ao fato de a mesma não conter nenhuma

norma processual ou procedimental específica a respeito da matéria. Nesse sentido:

Não há como, em termos lógico-jurídico, romper princípio fundamental como o da irresponsabilidade criminal da pessoa jurídica, ancorado solidamente no sistema da responsabilidade de pessoa natural, sem fornecer, em contrapartida, elementos ou microssistema de responsabilidade penal, restrito e especial, inclusive com regras processuais próprias.176

Contudo, segundo Ada Pellegrine Grinover:

A carência de dispositivos processuais próprios não impede a responsabilização penal das pessoas jurídicas, devido à integração que pode ser feita entre a Lei n. 9.605/98 e as normas existentes no ordenamento jurídico sobre representação em juízo,competência, processo e procedimento, atos de comunicação processual, interrogatório, entre outras, além das garantias processuais....como a lei não estabelece regras procedimentais específicas para a pessoa jurídica, deve-se aplicar normalmente o disposto no Código de Processo Penal e na Lei n. 9.099/95.177

                                                            174 PRADO, Luiz Régis. Op.cit. p. 176 175 SOUSA, Gaspar Alexandre Machado de. Op.cit. p.158 176 Apud SOUSA, Gaspar Alexandre Machado de. Op.cit. p. 159 177 Apud SOUSA, Gaspar Alexandre Machado de. Op.cit. p. 158

Page 73: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

71  

4.2.5 Tipos de Pena

As penas aplicáveis às pessoas jurídicas, isolada, cumulativa ou alternativamente, de

acordo com o art. 3º da Lei 9.605/98, são: I-multa; II- restritivas de direito; e, III-prestação de

serviços à comunidade.178

No que pertine à pena de multa, segundo estabelece a Lei dos Crimes ambientais, esta

deverá levar em consideração a situação econômica do infrator, será calculada segundo os

critérios estabelecidos pelo Código Penal e o dinheiro será destinado ao fundo penitenciário,

não tendo efeito imediato na reparação do dano cometido contra o meio ambiente.

Schecaira critica esta modalidade de pena pelo fato de não se ter estabelecido critérios

claros para a fixação da multa e além do mais ao dizer que referida penalidade seguirá os

critérios do Código Pena, observa-se que não se equacionou uma regra própria para as pessoas

jurídicas, assim sendo serão punidas da mesma forma as pessoas física e jurídica, o que é

inaceitável.

Entende mencionado autor que o legislador deveria ter adaptado a pena de multa aos

entes coletivos, para que este efetivamente fosse penalizado pelo dano cometido ao meio

ambiente. Cito: Melhor seria se o legislador houvesse transplantado o sistema de dias-multa do Código Penal para a legislação protetiva do meio ambiente, com as devidas adaptações, de modo a fixar uma unidade específica que correspondesse a um dia de faturamento da empresa e não ao padrão de dias-multa contidos na Parte Geral do Código. Da maneira como fez o legislador, uma grande empresa poderá ter uma pena pecuniária não condizente com a sua possibilidade de ressarcimento do dano ou mesmo com a vantagem obtida pelo crime. 179

No mesmo sentido se posiciona Paulo Affonso Machado, aduz que a pena de multa

aplicada isoladamente a um ente coletivo de porte médio não é dissuasiva. Acrescenta ainda

que há uma enorme desproporção entre o máximo da sanção penal e da sanção

administrativa.180

                                                            178 Art. 21 da Lei 9.605/98 179 Op.cit. p. 126 180 Op. cit. p. 670

Page 74: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

72  

As penas restritivas de direito, conforme o artigo 22, da Lei 9.605/98 são: a suspensão

parcial ou total de atividades; a interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade;

e, a proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter subsídios, subvenções

ou doações.

Quanto à suspensão parcial ou total de atividades, esta será aplicada quando as

empresas não estiverem obedecendo às disposições legais ou regulamentares, relativas à

proteção do meio ambiente (art. 22,§1º). Neste caso, conforme leciona Paulo Affonso

Machado, primeiro deve-se notar que as disposições legais ou regulamentares aplicam-se

somente para as pessoas jurídicas. Em segundo lugar, não se deve ater a desobediência

somente aos termos de autorização, licença ou permissão ambiental, mas a todo seu conteúdo.

Nota ainda referido autor que a suspensão das atividades da empresa demonstra-se

necessária quando há atentado contra a saúde humana, contra a incolumidade da vida vegetal

ou animal. Porquanto não se pode ignorar o direito de todos a uma vida sadia. Observa que

não há limites estabelecidos em lei, assim sendo ficará ao critério do juiz estabelecer o tempo

necessário para a suspensão das atividades de um setor ou de toda a empresa, podendo ser por

horas, dias ou semanas. Esclarece que não se pode ignorar o reflexo na vida econômica da

sociedade, numa época de dificuldades econômicas e até de desemprego. Mas, o direito

constitucional a uma sadia qualidade de vida deve ser respeitado.181

Entretanto, assinala Édis Milaré que a conveniência de se aplicar sanções penais às

pessoas jurídicas está em recuperar o meio ambiente lesado. No que tange à paralisação das

atividades, entende o autor que atingiria por via reflexa o empregado, que não participou do

ilícito juntamente com a empresa.182

Partilhando do mesmo entendimento, Luiz Régis Prado:

Destarte, importa agregar que as penas de suspensão de atividade (art. 22,§1º) e de dissolução forçada (art. 24) – verdadeira pena de morte da empresa - , em geral, não afetam única e exclusivamente aos autores do crime, sendo que a aplicação dessas sanções pode ensejar sérios problemas sociais (v.g., desemprego). Para essas hipóteses, a lei francesa apresenta sanção penal de grande interesse: o denominado controle judicial (art. 131-393º, CP fracês), pela qual se coloca a pessoa jurídica, por um período de cinco anos ou mais, sob vigilância , ou controle judicial. Ademais,

                                                            181 Op. cit. p. 670 182 Op.cit. p. 866 

Page 75: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

73  

estabelece-se, ainda, para a pessoa jurídica a pena de publicação de sentença, inclusive com sua difusão pela imprensa escrita ou por qualquer meio de comunicação audiovisual (art. 131-39-9º, CP francês). Porém é de salientar que a lei pátria lamentavelmente nas as agasalhou.183

No que pertine à interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade, será

aplicada sempre que a empresa estiver funcionando sem a devida autorização, ou em

desacordo com a concedida ou com violação de disposição legal ou regulamentar (art.

22,§2º). Essa penalidade, diferentemente do que ocorre na suspensão, somente poderá ser

temporária. Seu objetivo consiste em levar a empresa a adaptar-se à legislação ambiental,

agindo de maneira legal.

A interdição consiste em embargar ou paralisar a obra, o estabelecimento ou a

atividade e sua não observância levará o juiz a determinar abertura de inquérito policial para

apurar o crime de desobediência a decisão judicial, aplicando nesse caso a pena de multa. No

que pertine ao prazo de vigência da interdição temporária tem-se que é razoável a aplicação

dos prazos referidos no art. 10, da Lei 9.605/98.

A proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter subsídios,

subvenções ou doações que não poderá exceder o prazo de dez anos, aplica-se nos casos de

descumprimento de normas, critérios e padrões ambientais (art. 22, III e §3º). Esta penalidade

se justifica pelo fato de o dinheiro público não poder beneficiar quem age criminosamente,

inclusive quem age contra o meio ambiente.

A pena de prestação de serviços à comunidade consiste em custeio de programas e de

projetos ambientais; execução de obras e recuperação de áreas degradadas; manutenção de

espaços públicos e contribuições a entidades ambientais ou culturais públicas (art. 23 da Lei

9.605/98). Cumpre citar o entendimento de Paulo Affonso Machado acerca do assunto:

Será oportuno que se levantem os custos dos serviços previstos no art. 23 para que haja proporcionalidade entre o crime cometido, as vantagens auferidas do mesmo e os recursos econômicos e financeiros da entidade condenada. O justo equilíbrio haverá de conduzir o juiz na fixação da duração da prestação de serviços e do quantum a ser despendido.184

                                                            183 Op.cit. p. 188 184 Op.cit. p. 672

Page 76: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

74  

Paulo de Bessa Antunes entende que a obrigação de custeio de programas e projetos

ambientais é a única que atende a finalidade primordial de atuação preventiva do meio

ambiente. Contudo, assinala referido autor que o legislador deveria ter especificado tais

programas e projetos, que necessariamente deveriam estar ligados à atividade-fim da empresa

e ser programas de caráter educacional. Aduz ainda que a condenação deveria esclarecer para

a população os perigos e riscos decorrentes das atividades da empresa, assinalando os

métodos adequados para diminuí-lo.185

                                                            185 Op. cit. p. 760

Page 77: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

75  

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com o fito de resolver o problema proposto, ou seja, verificar a possibilidade de no

ordenamento jurídico brasileiro a pessoa jurídica de direito privado ser responsabilizada

penalmente por seus delitos ambientais, a pesquisa jurídica foi divida em três capítulos que

versaram sobre aspectos atinentes à pessoa jurídica, aspectos históricos e argumentações

contrárias e favoráveis acerca da responsabilidade penal do ente coletivo e, por fim, a tutela

penal do meio ambiente e sua necessidade, bem como as penas a ela imputada tendo em vista

sua natureza.

No primeiro capítulo chegou-se à conclusão que o surgimento do ente coletivo deu-se

de forma lenta juntamente com o surgimento das primeiras civilizações, ante a necessidade

que o homem encontrou de atingir certos fins que em muito ultrapassavam suas forças, mas

que em grupos determinados, estes objetivos eram atingidos. Constatou-se também que no

que pertine à natureza jurídica da pessoa jurídica, esta é de crucial importância para o estudo

em comento, uma vez que são os alicerces dos argumentos contrários e favoráveis à

responsabilidade penal da pessoa moral, dentre os quais se destacam: a teoria da realidade

objetiva e da ficção.

Pela teoria da realidade argumenta-se que a pessoa jurídica pode ser sancionada

penalmente, uma vez que apresenta vontade própria. Em contrapartida, a teoria da ficção

sustenta que o ente moral não possui vontade própria por ser mera ficção jurídica, não

possuindo vontade, assim sendo não pode sofrer sanção penal. Verificou-se também que as

pessoas jurídicas podem ser classificadas quanto à sua nacionalidade, estrutura interna e

capacidade.

Page 78: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

76  

Além disso, viu-se que para o inicio da existência da pessoa jurídica o legislador

valeu-se do sistema das disposições normativas, em que se concede liberdade humana para a

criação do ente jurídico, desde que observados os requisitos legais exigidos, não havendo

intervenção Estatal, salvo circunstâncias especiais. Quanto à extinção da pessoa jurídica,

sempre deve ser observado a necessidade da liquidação.

No segundo capítulo da pesquisa jurídica, no escorço histórico, demonstrou-se que a

responsabilidade penal do ente coletivo já era praticada desde a idade antiga, e que em razão

da Revolução Francesa, pelos princípios individuais por ela pregados, a pena passou a ser

individualizada. Verificou-se também a importância do presente tema face à demonstração

dos principais congressos internacionais que demonstraram sua preocupação com a questão da

responsabilização penal do ente coletivo por crimes ambientais.

Notou-se a proteção conferida ao meio ambiente pela Constituição de 1988, as

argumentações dos doutrinadores quanto à previsão constitucional acerca do tema. Dentre as

argumentações contrárias e favoráveis à responsabilização do ente coletivo por danos

ambientais, a corrente majoritária tem se firmado a favor de referida possibilidade com base

na teoria da realidade objetiva, que entende ser o ente jurídico possuidor de vontade própria,

distinta da de seus membros e, que por isso, possui capacidade de ação; capacidade de

culpabilidade, que se baseia na responsabilidade social; capacidade de pena, bem como

capacidade para suportar os efeitos da pena, a serem aplicados conforme sua natureza.

Por fim, no terceiro capítulo verificou-se o posicionamento majoritário no que pertine

à necessidade de o meio ambiente ser tutelado penalmente, em especial no que pertine à

responsabilidade penal do ente coletivo e suas respectivas penalidades (de acordo com sua

natureza). Constatou-se também os tipos de pena que são aplicadas às pessoas jurídicas:

multa; restritivas de direito; e, prestação de serviços à comunidade.

Conclui-se pelo estudo do tema que o objetivo geral traçado foi alcançando ante a

constatação que a responsabilidade penal do ente coletivo por crimes ambientais tem sido

aplicada com efetividade em nosso ordenamento jurídico, apesar das fortes argumentações

contrárias, principalmente dos doutrinadores penalistas, ante a demonstração do

posicionamentos dos tribunais e, em especial, do Supremo Tribunal de Justiça, que se

posiciona favorável.

Page 79: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

77  

6. REFERÊNCIAS

ALVES, Roque de Brito. A Responsabilidade penal da Pessoa Jurídica. Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 87, v.748, fevereiro 1998. p.494-503.

ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 8 ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 610.114-RN, Relator Ministro Gilson Dipp, quinta turma, DJ 19/12/2005, p. 432. Disponível em: http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?.Acesso em: 02 junho 2007.

_______________. RMS- Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 16696, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, sexta turma, DJ 13.03.2006, p. 373.Disponível em: http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?.Acesso em: 02 junho 2007.

_______________. RMS- Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 20601, Relator Ministro Felix Fischer, quinta turma, DJ 14.08.2006 p. 304. Disponível em: http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?.Acesso em: 02 junho 2007.

BRASIL, Tribunal Regional Federal 1ª Região. RCCR – Recurso Criminal 2006.41.00.003743-5/RO, Relator Desembargador Federal Hilton Queiroz, quarta turma, DJ 26/06/2007, p.72. Disponível em: www.trf1.gov.br. Acesso em: 20 julho 2007.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Teoria Geral do Direito Civil. 22 ed. rev.atual. São Paulo: Saraiva, 2005.

GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri. Dicionário Técnico Jurídico. 5 ed.rev.atual. São Paulo: Rideel, 2003.

Page 80: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

78  

JUNKES, Maria Bernadete, SANTOS, Maria Lindomar dos. Trabalhos Acadêmicos: A facilidade em desenvolvê-los. Rolim de Moura: D’press, 2007.

KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução: João Baptista Machado. 6ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

MACHADO, Hugo de Brito. Responsabilidade Penal das Pessoas Jurídicas. Revista dialética de Direito Tributário, São Paulo, n.127, Abril 2006. p. 24-35

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 11 ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Malheiros, 2003.

MARCHESAN, Ana Maria Moreira. Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica: fundamento na correta avaliação das provas contidas nos autos. Boletim IBCCRIM, São Paulo. Ano 11, n. 135, fevereiro 2004. p. 3-5.

MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 4 ed. rev.atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: Parte Geral arts. 1º a 120 do CP. 20 ed. rev e atual. São Paulo: Atlas, 2003.

MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: Parte Geral. 35 ed. rev.atual. São Paulo: Saraiva, 1997.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 15 ed. São Paulo: Atlas, 2004

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 6 ed. rev.atual. Rio de Janeiro: Forense, 1995.

PEREIRA, Flávio de Oliveira. A atuação dos órgãos competentes no plano da eficácia da legislação ambiental no médio Paraíba. Revista dialética de Direito Tributário, São Paulo, n.127, Abril 2006. p. 36-46

PRADO, Luiz Regis. Direito penal do ambiente: meio ambiente, patrimônio cultural, ordenação do território e biossegurança (com a análise da Lei 11.105/2005). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

Page 81: A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURDICA DE … · O Senhor é o meu pastor, de nada terei falta. Em verdes pastagens me faz repousar e me conduz a águas tranqüilas; restaura-me

79  

REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 24 ed. São Paulo: Saraiva, 1998.

ROCHA, Fernando A.N. Galvão da. Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica.Revista de Direito Ambiental, São Paulo, n.10, abril-junho 1998. p. 26-33.

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Parte Geral. 34 ed. atual. São Paulo: Saraiva 2003.

ROSA, Fábio Bittencourt da Rosa. Responsabilidade penal da pessoa jurídica. Revista da AJURIS – Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, anoXX, n. 91, setembro 2003. p. 86-134

SANTOS, Emerson Martins do. Revista Brasileira de Ciências Criminais. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 55, julho-agosto 2005. P 85-129.

SANTOS, Emerson Martins dos. A responsabilidade penal das pessoas jurídicas nos crimes ambientais. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 55, julho-agosto 2005. p 82-129.

SHECAIRA, Sérgio Salomão. Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica: de acordo com a Lei 9.605/98. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.

SOUSA, Gaspar Alexandre Machado de. Crimes Ambientais: Responsabilidade Penal das Pessoas Jurídicas. Goiânia: AB, 2003.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Parte Geral. 6 ed. atual.São Paulo: Atlas, 2006.