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PONTIFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Fernando José Cunha Belfort A responsabilidade do empregador na degradação do meio ambiente do trabalho e suas conseqüências jurídicas no âmbito do direito do trabalho DOUTORADO EM DIREITO São Paulo 2008

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PONTIFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Fernando José Cunha Belfort

A responsabilidade do empregador na degradação do meio ambiente do trabalho e suas conseqüências jurídicas

no âmbito do direito do trabalho

DOUTORADO EM DIREITO

São Paulo

2008

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PONTIFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Fernando José Cunha Belfort

A responsabilidade do empregador na degradação do meio ambiente do trabalho e suas conseqüências jurídicas

no âmbito do direito do trabalho

DOUTORADO EM DIREITO

Tese apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo sob a orientação do Prof. Doutor Paulo Sérgio João

São Paulo

2008

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BANCA EXAMINADORA

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A Deus que fez todos e faz por todos.

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Belfort, Fernando José Cunha

A responsabilidade do empregador na degradação do meio ambiente do trabalho e suas conseqüência jurídicas no âmbito do direito do trabalho / Fernando José Cunha Belfort. - São Paulo, 2008.

204 f. Impresso por computador Orientador: Paulo Sérgio João Tese (Doutorado em Direito) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,

2008. 1. Meio ambiente do trabalho - Dano - Responsabilidade do empregador. I. João,

Paulo Sérgio. II. Título. CDU 349.243:347.515.2

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Fernando José Cunha Belfort

A responsabilidade do empregador na degradação do meio ambiente do trabalho e suas conseqüências jurídicas no âmbito do direito do trabalho

RESUMO

O objetivo desta tese é demonstrarmos que não há qualquer razão plausível para os tratamentos distintos que são dados na apuração do dano causado ao meio ambiente. Com efeito, se a degradação é contra o meio ambiente em geral aplica-se a “teoria da culpa objetiva”. Todavia, quando se trata de acidente do trabalho e é o empregado a vítima o tratamento que se vem encontrando é dúplice: se o dano sofrido pelo empregado é originado da degradação do meio ambiente do trabalho – meio ambiente artificial – aplica-se a teoria objetiva; mas, se ao revés, o infortúnio não ocorrer da degradação ambiental e se se tratar de acidente tipo ou típico, embora encontremos na doutrina e jurisprudência entonações para que seja, também, aplicada a “teoria objetiva” demonstraremos que se trata de interpretação inconstitucional, haja vista que não foi essa a intenção do legislador constituinte que manda aplicar a “teoria da culpa subjetiva ou aquiliana”. A tese é amparada em sólida doutrina sobre responsabilidade civil tanto objetiva como subjetiva. Justificamos ser o meio ambiente direito fundamental pertencente aos chamados direitos fundamentais de terceira geração, inserido em nossa Carta de Princípios. Analisamos o meio ambiente do trabalho, o conceituamos, vimos os princípios ambientais no aspecto geral e sem alterar a essência destes, estabelecemos nomenclaturas próprias para princípios do meio ambiente de trabalho e, igualmente, o que vem disciplinado no nosso ordenamento jurídico. Falamos sobre acidentes do trabalho, sua origem, suas causas e conseqüências, legislação, seu conceito, teorias e as formas de responsabilidade em matéria acidentária. Abordamos o dano moral, seu conceito, vimos as concepções no direito comparado e a evolução histórica no Brasil. Também, vimos a responsabilidade do dano ambiental em seus vários aspectos, características e a regra da responsabilidade objetiva no dano ambiental. Mostramos a reparação do dano nos acidentes de trabalho, para finalmente concluirmos. Uma vasta bibliografia comentada foi consultada, inclusive com incursão perante o acervo do Supremo Tribunal Federal e do Senado Federal para identificação de jurisprudência e legislação. Palavras-chave: Responsabilidade. Meio ambiente. Acidente do trabalho. Reparação e

dano moral.

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Fernando José Cunha Belfort The responsibility of the employer in the degradation of the environment of work

and it's legal consequences under labour law.

ABSTRACT

The main goal of this thesis is to show that there is no plausible reason for the different treatments given in the assessment of the damage caused to the environment. Indeed, if the deterioration is against the environment we aplly the "teoria da culpa objetiva" (objective damage responsability theory). However, when it comes to accidents suffered by the employee, two situations have to be considered: if the damage caused to the employee derives from the degradation of the environment of work - artificial environment – we should consider the" teoria da culpa objetiva" (objective damage responsability theory); But, on the other hand, if the misfortune is not caused by the environmental degradation, such as a typical accident, even though doctrine and jurisprudence may consider the above theory, we shall demonstrate it's unconstitutional interpretation, as seen that this was not the intention of the legislature when implemented the " teoria da culpa subjetiva ou aquiliana" (subjective damage responsability theory). This thesis is solidly supported by the doctrine of both objective and subjective theories. Over all, the environment is a right that belongs to the so-called fundamental rights of third generation, inserted in our constitution. We review the environment of work, its concept , general principles and without altering the essence of them, we rename some principles of our labour environment relating to the ones being used already. We talk about accidents at work, its origin, its causes and consequences, legislation, its concept, theories and responsibilities. We approach the moral responsability (damage), its concept, the comparative law and the historical development in Brazil. Also, the responsibility of environmental damage in its various aspects, features and the rule of our "responsabilidade objetiva" (objective damage responsability theory) in environmental damage, to finally complete this paper showing how to repair the damage in accidents at work. An extensive bibliography has been consulted, including research related to the theme at the Federal Supreme Court and the Senate. Keywords: Responsibility. Environmental labour law. Occupational accident. Moral

damage and reparation.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................... 9

CAPITULO 1 RESPONSABILIDADE CIVIL: CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO ........... 12

1.1 Conceito de responsabilidade ............................................................... 12

1.2 A responsabilidade civil: conceito ........................................................ 13

1.3 Responsabilidade civil: classificação ................................................... 14

1.4 Noção de responsabilidade subjetiva ou teoria da culpa ................... 15

1.5 Noção da responsabilidade objetiva ou teoria do risco ..................... 23

1.6 Responsabilidade civil e dano ............................................................... 29

CAPÍTULO 2 O MEIO AMBIENTE COMO DIREITO FUNDAMENTAL ......................... 32

2.1 Introdução ............................................................................................... 32

2.2 Direitos humanos e direitos fundamentais .......................................... 38

2.3 O meio ambiente como direito fundamental ........................................ 42

2.4 Meio ambiente geral ............................................................................... 48

2.4.1 Aspectos gerais ........................................................................................ 48

2.4.2 Meio ambiente geral: conceitos doutrinário e legal ................................... 49

2.5 A responsabilidade civil no meio ambiente ......................................... 54

CAPÍTULO 3 MEIO AMBIENTE DO TRABALHO ......................................................... 55

3.1 Aspectos gerais ...................................................................................... 55

3.2 Conceito ................................................................................................... 57

3.3 O meio ambiente do trabalho e as constituições estaduais ............... 58

3.3.1 As constituições estaduais ........................................................................ 60

3.4 Princípios ambientais ............................................................................. 65

3.4.1 Princípios .................................................................................................. 66

3.4.2 Princípios do meio ambiente natural ......................................................... 67

3.5 Princípios do meio ambiente do trabalho ............................................ 75

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3.5.1 Precautelar ................................................................................................ 75

3.5.2 Empregador-predador ............................................................................... 77

3.5.3 Informação e participação dos riscos de trabalho .................................... 79

3.5.4 Intervenção do Estado nos riscos de trabalho .......................................... 80

CAPÍTULO 4 ACIDENTES DO TRABALHO .................................................................. 82

4.1 Introdução ............................................................................................... 82

4.2 Acidentes do trabalho: origem .............................................................. 83

4.3 Causas e conseqüências dos acidentes de trabalho .......................... 86

4.4 Legislação e concepções sobre os acidentes de trabalho ................. 94

4.5 Conceito de acidente de trabalho e doenças ocupacionais ............... 96

4.6 O Estado e as teorias sobre acidentes ................................................. 99

4.7 As formas de responsabilidade em matéria acidentária ..................... 102

CAPÍTULO 5 DANO MORAL ......................................................................................... 106

5.1 Noção jurídica de dano moral ................................................................ 106

5. 2 Conceito de dano moral ......................................................................... 109

5.3 Direito comparado .................................................................................. 112

5.3.1 Direito Francês .......................................................................................... 112

5.3.2 Direito italiano ........................................................................................... 114

5.3.3 Código civil alemão ................................................................................... 115

5.3.4 Direito português ....................................................................................... 117

5.3.5 Outros ordenamentos ............................................................................... 1185.4 Reparação do dano moral: a evolução histórica no Brasil ................. 120

5.4.1 O código de Teixeira de Freitas ................................................................ 120

5.4.2 O Código de 1916 ..................................................................................... 121

5.4.3 Os projetos legislativos anteriores ao Código de 2002 ............................. 122

5.4.4 A responsabilidade civil no Código Civil de 2002 ..................................... 124

CAPÍTULO 6 RESPONSABILIDADE CIVIL DO DANO AMBIENTAL .......................... 128

6.1 Introdução ............................................................................................... 128

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6.2 Ecologia e meio ambiente ...................................................................... 129

6.3 Tutela do ambiente ................................................................................. 139

6.3.1 Responsabilidade civil e penal .................................................................. 142

6.3.2 Responsabilidade civil ambiental .............................................................. 143

6.3.3 Características do dano ambiental ........................................................... 144

6.3.4 Reparação do dano ambiental .................................................................. 149

6.3.5 A regra da responsabilidade objetiva no dano ambiental ......................... 154

CAPÍTULO 7 A REPARAÇÃO DO DANO NOS ACIDENTES DE TRABALHO ...........

159

7.1 Esclarecimentos iniciais ........................................................................ 159

7.2 Introdução ............................................................................................... 159

7.3 Teorias sobre a natureza do risco ......................................................... 161

7.4 Concepções de acidente ........................................................................ 163

7.5 A reparação, hoje, dos acidentes de trabalho ..................................... 167

7.5.1 A cláusula geral da teoria do risco prevista no parágrafo único do art.

927 do Código Civil ................................................................................... 168

CONCLUSÕES ......................................................................................... 195

REFERÊNCIAS ........................................................................................ 197

ANEXO .....................................................................................................

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INTRODUÇÃO

O que pretendemos demonstrar em nossa tese são os tratamentos distintos

que são dados na apuração do dano causado ao meio ambiente. Com efeito, não nos

parece plausível que se a degradação é contra o meio ambiente em geral aplica-se a

“teoria da culpa objetiva”. No entanto, quando se trata de acidente de trabalho e é o

empregado vitimado verifica-se um tratamento dúplice: se o dano ocorre tendo em vista

a degradação do meio ambiente do trabalho – meio ambiente artificial – já vêm a

doutrina e a jurisprudência com enfoque na Constituição Federal entendendo que para

tais casos deve o empregador ser responsabilizado objetivamente aplicando-se,

também, a teoria da culpa objetiva, ou seja, a da responsabilidade objetiva. Porém, se o

infortúnio não decorre da degradação ambiental e se se tratar de acidente típico, ou

tipo, ainda que parte da doutrina enverede pela responsabilização objetiva do

empregador iremos demonstrar que quem assim pensa, lamentavelmente, está a

incorrer em uma interpretação contrária à Constituição, logo uma interpretação

inconstitucional, sendo que manda o nosso Estatuto Fundamental que se aplique a

tradicional teoria da culpa subjetiva ou aquiliana, da responsabilidade subjetiva,

devendo o empregado ou seus beneficiários, que pretender ser indenizado, provar que

houve culpa do empregador. Esses tratamentos díspares não mais se toleram nos dias

atuais e algo precisa ser feito. Com realidade, também, iremos demonstrar que a

intenção do legislador constituinte foi estabelecer, quando tratou do meio ambiente, que

não são institutos semelhantes o geral e do trabalho e, sim, desiguais. Mas ainda que

não sejam institutos semelhantes é mister que seja dito que a preocupação quanto à

preservação quer de um quer de outro, foi uma só. Logo, se existe a degradação o

tratamento quanto à responsabilização tem que ser igualitário. Não pode comportar

distinções.

No presente trabalho abordamos no Capítulo Primeiro “A responsabilidade

civil seu conceito e classificação”.

No Capítulo Segundo demonstramos ser hoje “O Meio Ambiente” Direito

Fundamental.

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No Capítulo Terceiro falamos especificamente sobre o “Meio Ambiente do

Trabalho”.

No Capítulo Quarto faz-se uma incursão sobre “Acidente do Trabalho” sua

origem, causas e conseqüências, legislação, concepção, conceito de acidente do

trabalho e das doenças ocupacionais, as teorias e as formas de responsabilidade

acidentária.

No Capítulo Quinto faz-se uma incursão sobre o “Dano Moral”. Na noção

jurídica de dano moral: conceito, elementos e evolução, conceitua-se a idéia de dano,

seu fundamento, e a seguir define-se em que consiste o dano moral.

Em seguida no Direito Comparado, traz-se uma visão panorâmica e não

exaustiva da regulamentação do dano moral no âmbito do direito positivo francês,

italiano, alemão, português e algumas considerações sobre outros ordenamentos

jurídicos esparsos. Procura-se aqui dar maior ênfase ao ordenamento e, sobretudo à

jurisprudência dos Tribunais franceses, onde a matéria recebe tratamento mais

desenvolvido.

No Brasil, se busca fazer um balanço do reconhecimento do dano moral no

país, abrangendo desde os primórdios das tentativas de codificação do direito civil, até

o Código propriamente dito, suas tentativas de reforma e a evolução do tema na

jurisprudência brasileira, tudo isso culminando com a consagração da reparabilidade do

dano moral efetuada pela Constituição de 1988. Por fim a responsabilidade civil no

Código Civil de 2002.

No Capítulo Sexto falamos sobre “A Responsabilidade Civil no Dano

Ambiental”, características, reparação e a regra da responsabilidade objetiva no dano

ambiental.

No Capítulo Sétimo vamos encontrar a “Reparação do Dano nos

Acidentes de Trabalho”, para em seguida concluirmos.

O trabalho faz um apanhado não só da legislação constitucional e da

infraconstitucional, bem como da doutrina e jurisprudência sobre a matéria,

estabelecendo, finalmente conclusões.

O método que utilizamos, na execução deste trabalho, consistiu em pesquisa

bibliográfica e pesquisa de campo haja vista que o tema central trata sobre a

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responsabilidade do empregador na degradação do meio ambiente do trabalho e sua

reparação nos acidentes de trabalho tipo.

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CAPÍTULO 1

RESPONSABILIDADE CIVIL: CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO

1.1 Conceito de responsabilidade

Enfrentam os doutrinadores grande dificuldade para conceituar a

responsabilidade, pois tal problema está presente em toda manifestação da atividade

humana. Com efeito, pode adquirir um significado sociológico, no qual ganha relevância

aspecto de realidade social, pois decorre de fatos sociais, é fato social, o que levou

Miranda (apud DIAS, 1987) a observar que os julgamentos de responsabilidade são

reflexos individuais, psicológicos, do fato exterior social, objetivo, que é a relação de

responsabilidade. Se a observarmos pelo aspecto jurídico haver-se-á de constatar que

assume um sentido obrigacional, ou seja, quem quer que cometa um ato ilícito fica com

a obrigação de indenizar a vítima pelos prejuízos que esta sofreu.

Buscando a origem do vocábulo, alguns autores, como Azevedo (1999, p.

272) e Diniz (1993a, p. 28) afirmam que o termo "responsabilidade" deriva do verbo

latino respondere, de spondeo, o qual correspondia à antiga "obrigação contratual do

direito quiritário, romano, pela qual o devedor se vinculava ao credor nos contratos

verbais, por intermédio de pergunta e resposta (spondesne mihi dare Centum?

Spondeo, ou seja, prometes me dar um cento? Prometo)".

A origem da palavra “responsabilidade” não nos auxilia no seu conceito atual,

uma vez que seu significado original seria a “posição daquele que não executou o seu

dever”, ou, ainda, a idéia de fazer com que se atribua a alguém, em razão da prática de

determinado comportamento, um dever. Juridicamente relevante seria a

responsabilidade imposta àquele que, com sua conduta comissiva ou omissiva, violou

bem juridicamente protegido, gerando para ele uma sanção.

Na doutrina estrangeira encontramos conceitos tais como para Soudart

(1911, v. 2) a responsabilidade é “como o dever de reparar dano decorrente de fato de

que se é autor direto ou indireto”. Já Savatier (1951a, p. 2) diz que é "a obrigação de

alguém reparar dano causado a outrem por fato seu, ou pelo fato das pessoas ou

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coisas que dele dependam". Pierson de Villé (apud LOPES, 1962, p. 187) a conceitua

com mais propriedade ao dizer que “é a obrigação imposta pela lei às pessoas no

sentido de responder pelos seus atos, isto é, suportar, em certas condições, as

conseqüências prejudiciais destes”.

Na doutrina brasileira Lopes (1962, p. 187) após dizer que o vocábulo

responsabilidade provém de “respondere”, que quer dizer aproximadamente, o ter

alguém se constituído garantidor de algo, acrescenta que: [...] a violação de um direito gera a responsabilidade em relação ao que a perpetrou. Todo ato executado ou omitido em desobediência a uma norma jurídica, contendo um preceito de proibição ou de ordem, representa uma injúria privada ou uma injúria pública, conforme a natureza dos interesses afetados, se individuais ou coletivos.

Então, responsabilidade significa garantia ou segurança de restituição ou compensação.

1.2 A responsabilidade civil: conceito

A expressão responsabilidade civil pode compreender-se em sentido amplo e

em sentido estrito. Em sentido amplo, tanto significa a situação jurídica em que alguém

se encontra de ter de indenizar outrem quanto à própria obrigação decorrente dessa

situação, ou, ainda, o instituto jurídico formado pelo conjunto de normas e princípios

que disciplinam o nascimento, conteúdo e cumprimento de tal obrigação. Em sentido

estrito, designa o específico dever de indenizar nascido do fato lesivo imputável a

determinada pessoa. A amplitude do conceito de responsabilidade civil revela dificuldades em se

ater numa só definição que seja, porque a doutrina tende a unir os conceitos técnicos e

a realidade concreta da obrigação de reparar os danos, independentemente de serem

identificadas à causalidade, à teoria subjetiva ou à objetiva.

O campo da responsabilidade civil é amplo, já que não se trata de instituto

jurídico exclusivo do Direito Civil, pois está, também, inserido no corpo da Teoria Geral

do Direito, daí sofrer naturais adaptações conforme aplicado no direito público ou

privado, porém sempre mantendo a sua unidade jurídica. A noção de responsabilidade, no campo jurídico, amolda-se ao conceito

genérico de obrigação, o direito de que é titular o credor em face do devedor, tendo por

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objeto determinada prestação. No caso assume a vítima de um ato ilícito a posição de

credora, podendo, então, exigir do autor determinada prestação, cujo conteúdo consiste

na reparação dos danos causados.

Quando se aplica essa idéia à responsabilização civil, quem deve é o

devedor e quem responde pelo débito, ou pela reparação do dano é o seu patrimônio.

Dessa forma, o autor de um ato (civil) ilícito tem o dever de reparação patrimonial.

A responsabilização civil tem por finalidade precípua o restabelecimento do

equilíbrio violado pelo dano. Por isso, há em nosso ordenamento jurídico a

responsabilidade civil não só abrangida pela idéia do ato ilícito, mas também há o

ressarcimento de prejuízos em que não se cogita da ilicitude da ação do agente ou até

da ocorrência de ato ilícito, o que se garante pela Teoria do Risco, haja vista a idéia de

reparação ser mais ampla do que meramente o ato ilícito. O princípio que sustenta a

responsabilidade civil contemporânea é o da restitutio in integrum, isto é, da reposição

do prejudicado ao status quo ante. Nesse aspecto, a responsabilidade civil possui dupla

função na esfera jurídica do prejudicado: a) mantenedora da segurança jurídica em

relação ao lesado; b) sanção civil de natureza compensatória.

Conceituando responsabilidade civil Lopes (1962, p. 160) diz: "significa a

obrigação de reparar um prejuízo, seja por decorrer de uma culpa ou de uma outra

circunstância legal que a justifique, como a culpa presumida, ou por uma circunstância

meramente objetiva". Já Pereira (1992, p. 11) após deter-se em conceituações

construídas por outros doutrinadores, leciona que ela: [...] consiste na efetivação da reparabilidade abstrata em relação a um sujeito passivo da relação jurídica que se forma. Reparação e sujeito passivo compõem o binômio da responsabilidade civil, que então se enuncia como o princípio que subordina a reparação à sua incidência na pessoa do causador do dano.

Portanto, a responsabilidade civil consiste na obrigação do agente causador do

dano em reparar o prejuízo causado a outrem, por ato próprio ou de alguém que dele dependa.

1.3 Responsabilidade civil: classificação

Basicamente, a responsabilidade civil se divide em duas grandes espécies: a

responsabilidade contratual e a extracontratual.

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A primeira corresponde à imposição de reparabilidade do dano em razão da

existência de um acordo prévio entre as partes. Ocorre quando determinadas pessoas

estabelecem algum acordo de vontade, regendo determinada conduta entre elas. Este

contrato passa a valer como verdadeira lei entre as partes e o seu descumprimento por

qualquer delas faz surgir o direito de pleitear indenização por aquele que se tornou

lesado ante este inadimplemento.

Ao lado desta, existe a chamada responsabilidade extracontratual, também

chamada de responsabilidade aquiliana. Esta, por sua vez, tem origem em um ato

ilícito, causador de prejuízo.

Enquanto na responsabilidade contratual há um vínculo anterior entre o

credor e o devedor, na responsabilidade delitual tal vínculo poderá não existir. Da

responsabilidade aquiliana, segundo leciona Azevedo (1999, p. 276) advêm duas outras

subespécies, "a responsabilidade delitual ou por ato ilícito, que resulta da existência

deste fora do contrato, baseada na idéia de culpa, e a responsabilidade sem culpa,

fundada no risco".

Na primeira subespécie, deve-se aferir se o causador do dano agiu com dolo

ou com culpa na prática danosa. Em relação à segunda, verifica-se apenas o

acontecimento de determinado fato, previsto em lei, que enseje reparação.

Além dessas duas espécies, Diniz (1993b, p. 93, 94) enumera a

responsabilidade civil, de acordo com o seu próprio fundamento. Segundo este critério,

a responsabilidade civil se divide em subjetiva e objetiva. A primeira existe em função

"da culpa ou dolo, por ação ou omissão, lesiva a determinada pessoa”. Já na segunda,

não se leva em conta se a conduta daquele que causou o dano é culposa ou dolosa,

baseando-se o dever de indenizar apenas no risco.

1.4 Noção de responsabilidade subjetiva ou teoria da culpa

Remonta ao início de nossa civilização a idéia de obter a reparação do dano.

Podemos afirmar que esta surgiu desde a origem do homem. Com efeito, a ocorrência

de um dano gerava na vítima uma idéia de vingança para com o agressor, ou seja, a

justiça era feita pelas próprias mãos. Ao advento da Lei de Talião, surgiu a justiça

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privada. Limitava-se a retribuição do mal pelo mal. Impunha-se a regra "olho por olho,

dente por dente", sem que se procurasse averiguar a existência ou não da culpa. É

evidente que tal procedimento, sem qualquer critério de apuração gerava

conseqüências danosas e, ao invés de se obter a reparação, obtinha-se com essa

prática a ocorrência de nova lesão, duplo dano e, assim em concomitância tínhamos ao

mesmo tempo vítima e ofensor e vice-versa, ou seja, quem antes fora a vítima era

agora o agressor. Para Lisboa (2001) o direito primitivo dos povos demonstra que o

causador do dano sempre foi considerado o responsável pelo prejuízo, sem nenhuma

cogitação sobre culpa, sendo a responsabilidade objetiva uma velha teoria cuja

existência antecede a teoria da responsabilidade subjetiva. Antes mesmo do Direito

Romano, as mais antigas codificações mesopotâmicas já previam a noção de

reparação de dano. O Código de Hamurabi punia o causador do dano com sofrimento

igual. A civilização helênica instituiu o conceito de reparação do dano causado, com

sentido objetivo, e independente da violação das normas predeterminadas.

Com a evolução dos costumes ficou evidenciado que tal critério – vingança

privada – que nada reparava, além de ser constatado que muitas vezes sob o pálio de

“reparar-se o dano” o que em realidade ocorria era a prática de atos abusivos, foi

buscada nova solução com fulcro no que vinha estabelecido na Lei das Doze Tábuas

que proclamava na tábua VI, 11º “que se alguém fere a outrem, que sofra a pena de

Talião, salvo se existir acordo”.

Nessas condições ao invés de se infligir a quem produziu o dano o castigo

corporal (amputação de um órgão, por exemplo), a reparação se consistiria em

transferir para o ofendido o patrimônio do agressor, desde que para tanto estes assim

acordassem. Mas, mesmo nesse tipo composição que ficava ao critério da vítima

(faculdade), ainda não se fazia a apuração da culpa de quem havia praticado o ato.

Dias (1987) acredita que a noção de culpa sempre fora precária no direito romano,

aonde jamais chegou a ser estabelecida como princípio geral ou fundamento da

responsabilidade.

Tempos mais tarde o Estado vem a proibir que a vítima faça justiça com as

próprias mãos e a composição que era facultativa passa a ser obrigatória,

estabelecendo-se critérios objetivos para a reparação do dano com a imposição de

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penas pecuniárias. Assim, foi criada uma tabela que estabelecia o quantum da

indenização prevendo desde a amputação de um membro, à morte etc.

Nos primeiros tempos do direito romano a responsabilidade estava

dissociada da noção de culpa e era baseada na idéia de vingança privada, embora não

tivesse nenhuma relação com o risco profissional, tal como hoje é concebido.

No ano 572 da fundação de Roma é promulgada a Lex Aquilia de damno –

de ordem penal - proposta pelo tribuno do povo, Lúcio Aquílio, a qual propunha

“assegurar o castigo à pessoa que causasse um dano a outrem, obrigando-a a ressarcir

os prejuízos dele decorrentes; punir o escravo que causasse algum dano ao cidadão,

ou ao gado de outrem, fazendo-o reparar o mal causado”. Abandonou-se, assim, a idéia

de represália e, a partir desta Lei, desenvolveu-se a moderna noção de culpa do autor

do dano, que progrediu com o direito de Justiniano até ser consagrada no Código Civil

francês de 1804.

Desde a Lex Aquilia, que introduziu os primeiros alicerces da reparação civil,

que a pena pecuniária passou a constituir, de fato, a reparação do dano causado,

conforme advertem Henri e Mazeaud (apud DIAS, 1987), a ação de ressarcimento

nasceu no dia em que a repressão se transferiu das mãos do ofendido para as do

Estado.

Mais tarde o Direito da França aperfeiçoou as idéias românicas sendo que a

partir dos princípios que foram estabelecidos pelo legislador francês como v.g. direito à

reparação, sempre que houvesse culpa, ainda que leve, separando-se a

responsabilidade civil (perante a vítima) da responsabilidade penal (perante o Estado);

a existência de uma culpa contratual (a das pessoas que descumprem as obrigações),

e que não se liga nem a crime nem a delito, mas se origina da imperícia, negligência ou

imprudência. Surge o Código de Napoleão, e com ele a distinção entre culpa delitual e

contratual. A partir daí, a definição de que a responsabilidade civil se funda na culpa,

propagou-se nas legislações de todo o mundo.

O Código Civil brasileiro de 1916, inspirado no modelar e referencial Código

de Napoleão, representava a preponderância da responsabilidade subjetiva, calcada na

culpa, pois seu art. 159 dispunha de modo genérico, que aquele que, por ação ou

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omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violasse direito, ou causasse prejuízo

a outrem, ficava obrigado a reparar o dano.

Rodrigues (1987), durante a vigência desse Código Civil, dizia que, dentro da

concepção tradicional, a responsabilidade do agente causador do dano só se

configurava se ele agisse culposa ou dolosamente, haja vista a prevalência da teoria da

culpa em relação à do risco.

O Código Civil de 1916 representava um modelo liberal-burguês, baseado

numa sociedade agrária voltada para a exportação, em descompasso com a

industrialização que ia tomando conta das economias européia e norte-americana no

final do século XIX.

Nesses países, o advento da sociedade industrial — consistente na adoção

de novas tecnologias, no desenvolvimento do maquinismo e no crescimento e

concentração da população nas cidades —, multiplicara consideravelmente o número

de acidentes envolvendo máquinas e vítimas, tornando a perquirição da culpa uma

atividade complexa e, ao mesmo tempo, insuficiente para a responsabilização civil.

Pois ficara praticamente impossível à vítima provar a negligência,

imprudência, ou imperícia, por exemplo, do maquinista, ou do dono da máquina

industrial causadora do acidente, sobretudo porque ela não tinha conhecimento técnico

para apontar a falha humana na manutenção ou condução do engenho.

Adotada no Brasil a teoria da responsabilidade subjetiva esta tem na culpa

seu embasamento basilar, só existindo a culpa se dela resulta um prejuízo. Todavia,

esta teoria não responsabiliza aquela pessoa que se portou de maneira irrepreensível,

distante de qualquer censura, mesmo que tenha causado um dano. Aqui, argüi-se a

responsabilidade do autor quando existe culpa, dano e nexo causal.

Monteiro (1995b, p. 392) nos diz que "pela teoria da responsabilidade

subjetiva ou da culpa [...] a obrigação de reparar o dano decorre do juízo de reprovação

ao comportamento do agente".

A culpa, que deve ser judicialmente provada, é, com efeito, a pedra angular

da qual se deve partir para que se dê por configurada a responsabilidade civil. Esta é a

obrigação que pode incumbir a uma pessoa de reparar o dano causado a outrem, por

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fato a ela imputável, ou por fato imputado a pessoas ou coisas que dela dependem ou a

ela estejam sujeitas. No magistério de Savatier (1951a, p. 1) a culpa [...] é a inexecução de um dever que o agente podia conhecer e observar. Se efetivamente o conhecia e deliberadamente o violou, ocorre o delito civil ou, em matéria de contrato, o dolo contratual. Se a violação do dever, podendo ser conhecida e evitada, é involuntária, constitui a culpa simples, chamada, fora da matéria contratual, de quase-delito.

A responsabilidade civil repousa, substancialmente, no elemento subjetivo

culpa, “lato sensu”. Não demonstrada a sua ocorrência, não há como impor o dever de

indenizar a vítima, ao pretenso responsável pelo prejuízo que lhe foi causado pelo

evento danoso.

Ainda segundo Savatier (1951a), em todos os âmbitos da responsabilidade

civil, o ato ilícito que pode justificar a responsabilização do agente é composto de dois

elementos essenciais, um, de ordem subjetiva, outro de natureza objetiva: a existência

de um dever violado e a imputabilidade do agente.

Para Savatier (1951a, p. 7-8) a existência, a extensão e os efeitos da prática,

apontada, de um ato ilícito, para fins de responsabilidade civil, só pode ser levada a

cabo por meio da comparação, confrontação da conduta concreta do agente,

pressupondo-se sua probidade e diligência em função da observância dos seus

deveres: a) o dever legal (a prática de um fato ou de uma abstenção previstos em lei);

b) o dever moral (a prática ou abstenção de um ato que, embora não previstos

expressamente no sistema legal, são tutelados pela ordem jurídica); c) o dever

contratual; d) o dever geral de não fazer mal a terceiros.

A culpabilidade, ainda segundo Savatier (1951a, p. 205-206), pressupõe a

imputabilidade: Assim, a culpa não comporta somente a violação de um dever, mas no

que se refere ao agente, a possibilidade de o observar. Como elementos da

imputabilidade, aponta:

a) a possibilidade, para o agente, de conhecer o dever violado; se o ato

praticado é legítimo, mesmo que cause danos, o agente está isento de

culpa, vez que ele não tinha a possibilidade de conhecer o dever não

observado.

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b) a possibilidade, para o agente, de observar o dever do qual tem ciência,

pois ele deve, diante da possibilidade de observar o dever, ter, voluntária

e livremente, criado a situação de sua não observância.

c) a previsibilidade e a evitabilidade da situação na qual não houve a

observância ou o cumprimento do dever; somente quando o seu ato ou a

sua abstenção voluntários pudessem tornar previsível a inobservância ou

inexecução do seu dever, é que o agente comente um ato culpável; da

mesma forma, somente quando uma conduta diferente da que o agente

tomou pudesse evitar a violação previsível do dever é que o seu ato pode

ser considerado culposo; nesse particular, toda ilicitude ou culpabilidade

do ato desaparecem quando a conseqüência ilícita ou danosa já era

inevitável quando ela se tornou previsível.

Dias (1987, p. 143-145), nota que a doutrina francesa, por muito tempo,

debateu os seus conceitos essenciais e estruturais. Mostra, porém, que o artigo 159 do

Código Civil brasileiro solucionou muitos dos problemas debatidos em França, ao definir

o que é o ato ilícito: "Todo aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou

imprudência, violar direito ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano".

Acrescenta mais que: Das noções expostas, ficou-nos a concepção da culpa genérica,

que se desdobra em dolo e culpa propriamente dita; aquele não é o vício da vontade,

mas o elemento interno, que reveste o ato da intenção de causar o resultado, ao passo

que na culpa, em sentido restrito, a vontade é dirigida ao fato causador da lesão, mas o

ato não é querido pelo agente. A culpa é a falta de diligência na observância da norma

de conduta, isto é, o desprezo, por parte do agente, do esforço necessário para

observá-la, com resultado, não objetivado, mas previsível, desde que o agente se

detivesse na consideração das conseqüências eventuais da sua atitude. [...] “Como

quer que seja, o que o nosso Código Civil1 tem em vista é o ato ilícito. Este acarreta, de

si só e originariamente, o vínculo da obrigação. “Nele, concorrem elementos objetivos e

subjetivos”.

1 É preciso que seja esclarecido que os comentários supra referem-se ao revogado Código Civil de 1916,

pois hoje, a partir da publicação da Lei n.10.406, de 11.01.2002, temos novo Código Civil.

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No novo Código Civil tal regra foi dividida em mais de um artigo, constante na

Parte Geral, Livro III, Título III [“Dos Atos Ilícitos”], e na Parte Especial, Livro I, Título IX

[“Da Responsabilidade Civil”]. Na nova redação, foram modificadas e inseridas algumas

palavras, a fim de deixar mais clara a intenção do legislador, além de inserir o

posicionamento jurisprudencial já pacífico de que haverá responsabilidade por dano

moral independente da existência cumulativa de dano material [art. 186 in fine], bem

como o abuso do direito como ato ilícito [art. 187].

Um aspecto de especial relevância, na teoria da culpa, é a imagem standart

de homem diligente e probo, herdada do direito romano (o bonus pater familias).

Mostra, Savatier (1951a, p. 208-209), quanto ao tema, que tal idéia padrão não passa

de mero indicativo, de ordem generalíssima, vez que tal conceito, tal imagem, só pode

se delinear, ou mesmo se concretizar, como parece óbvio, a partir da análise das

circunstâncias do caso concreto e, principalmente, tendo em vista as características

físicas e psíquicas daquele a quem se atribui a prática do ato que se afirma ter causado

um prejuízo a alguém. Além disso, cabe, em grande parte, ao suposto prejudicado

provar de forma inequívoca as suas alegações.

A doutrina, à unanimidade, tem considerado que os pressupostos ou

requisitos essenciais para que se tenha por configurada a responsabilidade civil são: a)

a existência de um fato; b) a ilicitude deste fato; c) a imputação desse fato ao agente; d)

um dano experimentado pela suposta vítima; e) o nexo de causalidade entre esse fato e

o dano supostamente2 causado pelo agente e experimentado pela vítima.

Desnecessário dizer que a presença de tais requisitos é cumulativa e não

meramente alternativa. A ausência de um só deles impede que se configure a

obrigação de indenizar. A clareza de tais requisitos, cuja compreensão se dá pela só

leitura de seu enunciado, não causa maiores dificuldades ao intérprete. Talvez fosse,

no entanto, esclarecedor, tecer alguns comentários em torno do nexo de causalidade.

Para que surja a obrigação de indenizar - afirma Rodrigues (1987, p. 18) [...] mister se faz a prova de existência de uma relação de causalidade entre a ação ou omissão culposa do agente e o dano experimentado pela vítima. Se a vítima experimentou um dano, mas não se evidenciar que o mesmo resultou do

2 Nesse sentido ver: RODRIGUES, 1993, p. 14; GOMES, 1986. p. 332-336; MENDONÇA, 1956. v. 2. p.

531-534.

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comportamento ou da atitude do réu, o pedido de indenização, formulado por aquela, deverá ser julgado improcedente.

Isso significa que a relação que se produz entre causa e dano é

precisamente uma relação de causa e efeito, na qual o dano deve necessariamente

decorrer das conseqüências da causa, que deve ser a conduta, a ação ou omissão livre

e voluntária do agente. Não havendo tal relação de conseqüência, mesmo que se

possa vislumbrar, na situação de fato retratada, uma longínqua participação do agente

no evento danoso, não se há de falar em obrigação de indenizar.

Contudo, havia no próprio Código Civil de 1916 artigos estabelecendo a

responsabilidade independentemente de culpa, como os arts. 15 (responsabilidade das

pessoas jurídicas de direito público pelos atos de seus agentes que nessa qualidade

causassem danos a terceiros), 1.101 a 1.106 (responsabilidade por vícios redibitórios) e

1.107 a 1.117 (responsabilidade por evicção), os dois últimos relativos à

responsabilidade contratual.3

A tradicional teoria da culpa ainda é o principal fundamento da

responsabilidade civil, vez que ninguém será obrigado a indenizar se não houver agido

culposamente, salvo nos casos especificados em lei ou quando sua atividade seja

perigosa e implique em risco para os direitos de outrem.

O Direito Civil brasileiro estabelece que o princípio geral da responsabilidade

civil, em direito privado, repousa na culpa. Isto não obstante, em alguns setores, e

mesmo em algumas passagens desse vetusto instituto, imperar a teoria do risco4.

Encontramos, também, no ordenamento jurídico de outros países, o conceito

de responsabilidade civil calcada na noção de culpa. Exemplifica-se com o Código Civil

Italiano, que no seu artigo 2.043 diz que todo o fato delituoso ou culposo, que ocasione

a outrem um prejuízo injusto, obriga ao que o perpetrou a ressarcir o dano. São

admitidas exceções como a legítima defesa e o estado de necessidade, que mesmo

3 DIAS (1987, p. 93) cita como exemplo os arts. 1.519, 1.520, parágrafo único, e 1.529. 4 Assim é, que a legislação sobre acidentes no trabalho é nitidamente objetiva; a que regula os

transportes em geral (ferroviário, aeronáutica) invoca-a; a responsabilidade por fato das coisas repousa na responsabilidade objetiva. Há uma tendência para nela atrair as questões relativas à responsabilidade civil dos bancos. Com relação aos direitos do consumidor impera a responsabilidade objetiva, assim como, no que se refere a responsabilidade civil do Estado, atualmente, é a que vigora, nos termos do art. 37, § 6º. Da Constituição Federal, entre outros poucos casos.

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assim concede ao Juiz o poder de fixar indenização equânime para o prejuízo sofrido.

O Código Civil Grego também se fixa na culpa como fundamento da responsabilidade

civil, mas, em casos especiais, admite a responsabilidade objetiva, como no caso do

mandatário sem poderes e até cria a hipótese de culpa presumida, responsabilidade

pelo fato causado pelo animal doméstico. No Direito Germânico, o princípio

fundamental é o da culpa, elemento integrante da responsabilidade civil, como se pode

notar no §826 do B.G.B. Há alguns casos que se exige dolo, não sendo a culpa

suficiente (FRIZZO, 2005).

Ocorre que com o passar do tempo a jurisprudência, e com ela a doutrina,

convenceram-se de que a responsabilidade civil fundada na culpa tradicional não

satisfaz e não dá resposta segura à solução de numerosos casos. A exigência de

provar a vítima o erro de conduta do agente deixa o lesado sem reparação, em grande

número de casos.

Todavia, é notável acrescentar-se que uma nova concepção surgiu no Brasil,

referente à responsabilidade civil, com o advento do novo Código Civil. Com efeito, a

despeito de a regra geral continuar sendo a da responsabilidade subjetiva, passa o

Código a prever hipóteses de responsabilidade objetiva, não somente em função de

previsão legal, como era no sistema anterior, mas também em função da atividade

desenvolvida pelo autor do dano, sempre que for considerada de risco para os direitos

de outrem (art. 927, parágrafo único).

1.5 Noção da responsabilidade objetiva ou teoria do risco Com o desenvolvimento do sistema capitalista e industrial o sistema de

responsabilização com fundamento na culpa mostrou-se de todo insuficiente para fazer

frente aos inúmeros eventos danosos oriundos do desenvolvimento tecnológico, muitos

deles, conforme constata Rocha (1989, p. 37), “surgidos com a marca do anonimato”.

Nesta época abandona-se o princípio do “laisser faire laisser passer”. O Estado passa a

ser socialmente conformador e economicamente interventor. O direito fiscaliza e limita a

autonomia da vontade, mesmo porque historicamente ficou comprovado, que esta

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autonomia poderia levar, como afinal levou, a situações de profundas desigualdades

senão formais, certamente materiais.

A regra geral é a responsabilidade civil aquiliana ou subjetiva. Porém, nossa

legislação, com finalidade protetiva, criou certas exceções, aplicando em determinados

casos a responsabilidade objetiva. Esta, por sua vez, elimina de seu conceito o

elemento culpa, ou seja, haverá responsabilidade pela reparação do dano quando

presentes a conduta, o dano e o nexo de causalidade entre estes.

A evolução que a teoria objetiva provocou se deu pelo fato da facilitação da

ação da vítima em concreto na reparação do dano, gerando aos infratores a obrigação

de indenizar por acidentes provenientes de suas atividades, em detrimento da teoria

subjetiva, para a qual o agente precisa salientar a culpa dentro da idéia de desvio de

conduta.

A prova acaba sendo de difícil constatação, criando grandes óbices à vítima,

que quase sempre acabava arcando com os respectivos ônus. Com a técnica da

presunção de culpa, impõe-se a inversão do ônus da prova, em razão da condição

menos favorável da vítima.

A doutrina objetiva abstrai a culpa, concebe a responsabilidade sem culpa e

se concentra na teoria do risco.

A palavra risco é um conceito polivalente. Várias são as acepções em que se

empregam umas relativamente próximas, outras bem diferenciadas. Em termos de

responsabilidade civil, risco tem sentido especial, e sobre ele a doutrina civilista, desde

o século passado vem-se projetando, com o objetivo de erigi-lo em fundamento do

dever de reparar, com visos de exclusividade, ou como extremação da teoria própria,

oposta à culpa.

Para Pereira (1992, p. 14) o conceito de risco que melhor se adapta às

condições de vida social [...] é o que se fixa no fato de que, se alguém põe em funcionamento uma qualquer atividade, responde pelos eventos danosos que esta atividade gera para os indivíduos, independentemente de determinar se em cada caso, isoladamente, o dano é devido à imprudência, à negligência ou a um erro de conduta.

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Já Cavalieri Filho (1999, p. 145) diz que risco "é perigo, é probabilidade de

dano, importando, isso, dizer que aquele que exerce uma atividade perigosa deve-lhe

assumir os riscos e reparar o dano dela decorrente".

A característica dominante da doutrina objetiva é que o dano pode ser

resultado de uma conduta eximida do elemento culpa. Portanto, o dever de indenizar

não se vincula à idéia de comportamento culposo.

A responsabilidade civil calcada no risco tem sua origem no Direito Francês,

nas interpretações de Saleilles e Josserand (apud PEREIRA, 1992). Ambos

argumentam no sentido da necessidade da responsabilidade civil adequar-se às

grandes mudanças ocorridas no mundo social, no qual a teoria da culpa já não

encontrava mais o respaldo de justa e de garantidora da segurança jurídica.

A responsabilidade, segundo a corrente objetiva, deve surgir exclusivamente

do fato. Assim, o agente deverá ressarcir o prejuízo causado, mesmo que isento de

culpa, porque sua responsabilidade é imposta por lei independentemente de culpa e

mesmo sem necessidade de apelo ao recurso da presunção. O dever ressarcitório,

estabelecido por lei, ocorre sempre que se positivar a autoria de um fato lesivo, sem

necessidade de se indagar se contrariou ou não norma predeterminada, ou melhor, se

houve ou não erro de conduta. Com a apuração do dano, o ofensor ou seu proponente

deverá indenizá-lo. Mas, como não há que se falar em imputabilidade da conduta, tal

responsabilidade só terá cabimento nos casos expressamente previstos em lei.

Com efeito, se por um lado, no campo da responsabilidade contratual, é fácil

determinar a infração do dever preexistente, o mesmo não ocorre no da

responsabilidade extracontratual. Sendo assim, segundo alguns autores, pouco a pouco

a responsabilidade civil marcha em direção à doutrina objetiva, que encontra maior

supedâneo na teoria do risco. A matéria, sem dúvida, é controvertida.

De um lado, temos os que mantêm estrita fidelidade à teoria da

responsabilidade subjetiva, repelindo a doutrina do risco. De outro, há os que abraçam

tal teoria, considerando-a o substitutivo da teoria da culpa, que seria insatisfatória e

estaria superada. Em terceiro lugar, sem ser propriamente eclética, a posição dos que

admitem a convivência das duas teorias: a culpa exprimiria a noção básica e o princípio

geral definidor da responsabilidade, aplicando-se a doutrina do risco nos casos

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especialmente previstos, ou quando a lesão provém de situação criada por quem

explora profissão ou atividade que expôs o lesado ao risco do dano que sofreu5.

No final do século XIX a doutrina desvia-se da teoria da culpa e volta sua

atenção para o risco criado pelo proprietário da máquina, deixando de lado exames de

caráter subjetivo, cujo referencial era o comportamento do "homem médio".

O direito brasileiro, sempre influenciado pela cultura européia, não ficou

inerte à evolução da nova doutrina, cuja finalidade era eminentemente social. Antes

mesmo do Código Civil de 1916 entrar em vigor, a responsabilidade objetiva logo foi

recepcionada pela Lei n. 2.681/1912, que a estabeleceu para as empresas de

transporte ferroviário.

Depois, o Decreto n. 24.687/1934 (Lei de Acidentes do Trabalho) fixou a

responsabilidade objetiva do patrão pelo dano causado ao trabalhador, de que

resultasse morte ou ferimento; esse encargo foi agravado pelo Decreto-lei n.

7.036/1944, que confirmou a responsabilidade mesmo no caso de culpa da vítima.

O Decreto n. 483/1938 responsabilizou o proprietário da aeronave pelos

danos causados a pessoas em terra, por coisas que dela caíssem, assim como por

danos derivados das manobras dos aviões em terra. Essas regras, não modificadas

pelo Código Brasileiro do Ar (Decreto-lei n. 32/1966, alterado pelo Decreto-lei n.

234/1967), foram mantidas pelo atual Código Brasileiro da Aeronáutica (Lei n.

7.565/1986).

Durante muito tempo, falou-se na responsabilidade objetiva do Estado como

exemplo maior para explicar a responsabilidade sem culpa, considerada exceção à

regra da responsabilidade subjetiva. Da doutrina surgia a diferenciação entre as teorias

da culpa administrativa, do risco administrativo (adotada pelo direito brasileiro) e do

risco integral.

Citavam-se a Lei n. 2.681/1912 (das Estradas de Ferro), o Decreto n.

24.687/1934 (Lei de Acidentes do Trabalho) e a Lei n. 7.565/1986 (Código Brasileiro de

Aeronáutica), para justificar outros casos não envolvendo a atividade direta do Estado.

5 A propósito de quem é ou não partidário da teoria da culpa subjetiva, objetiva e da terceira corrente,

consultar o clássico, LIMA, Alvino. Culpa e risco. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

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Contudo, foi com a chegada do Código de Defesa do Consumidor (Lei n.

8.078/1990) que houve uma verdadeira reviravolta na doutrina e jurisprudência, que

passaram a dar especial destaque à responsabilidade sem culpa.

Isso porque a lei de proteção do consumidor erigiu a responsabilidade

objetiva à categoria de princípio, visando assegurar que o consumidor jamais ficasse

indene por não provar a culpa do fornecedor de produto ou serviço.

Desse modo, estabeleceu-se a responsabilidade objetiva não só para o fato

do produto ou serviço (acidentes de consumo), como também para os vícios do produto

ou serviço (vícios de adequação).6

No novo Código Civil despeito de a regra geral continuar sendo a da

responsabilidade subjetiva, conforme dito supra, pois se por um lado o artigo 1867

estabeleceu a culpa como requisito para a responsabilização civil, por outro, o art. 927,

parágrafo único, definiu a obrigação de indenizar, independentemente de culpa, da

seguinte forma: "Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa,

nos casos especificados em lei, ou quando a, atividade normalmente desenvolvida pelo

autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”8.

Por isso Rodrigues (1987), ao comentar o projeto de lei, dizia que a regra -

hoje contida no parágrafo único do art. 927 - , abria uma porta para ampliar os casos de

responsabilidade civil, confiando ao prudente arbítrio do Poder Judiciário o exame do

caso concreto, para decidi-lo não só de acordo com o direito estrito, mas também,

indiretamente, por eqüidade.

O parágrafo único do art. 927, pelo visto, é deveras amplo, abrangente o

bastante para afastar a idéia de que seria exceção ao sistema da responsabilidade

subjetiva.

Sua natureza genérica pode ser deduzida também da comparação com o art.

931 do mesmo código, este sim regra complementar e particular que responsabiliza os 6 Para Gonçalves (1998, p, 85), no CDC tanto a responsabilidade pelo fato do produto ou serviço como a

oriunda do vício do produto ou serviço são de natureza objetiva (Comentários, p. 85). Lisboa (2001, p. 57) também classifica a responsabilidade do fornecedor de produto defeituoso como objetiva .

7 Art. 186: "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito".

8 O projeto do CC/2002 tinha redação mais restritiva: "Parágrafo único. Também haverá a obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, grande risco para os direitos de outrem, salvo se comprovado o emprego de medidas preventivas tecnicamente adequadas".

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empresários individuais e as empresas, independentemente de culpa, pelos produtos

postos em circulação.

A redação do art. 927, parágrafo único, do Código Civil, dada sua amplitude,

ainda permite ao intérprete superar até mesmo o conceito de "atividade perigosa",

pressuposto para aplicação da regra segundo boa parte da doutrina.

Ocorre que a redação original do projeto do Código Civil de 2002 falava em

"grande risco para os direitos de outrem", enquanto as legislações italiana9 e

portuguesa10, ao tratarem do assunto, diziam respeito à "atividade perigosa".

Isso levou parte do pensamento jurídico brasileiro a associar a atividade

referida no parágrafo único do art. 927 do Código Civil de 2002 com a "atividade

perigosa" que contivesse em si "uma grave probabilidade, uma notável potencialidade

danosa, em relação ao critério da normalidade média e revelada por meio de

estatísticas, de elementos técnicos e da própria experiência comum” (BITTAR, 1984, p. 93).

O legislador, entretanto, ao excluir do Código Civil de 2002 a expressão

"grande risco", que estava no projeto, deu a entender que qualquer atividade,

normalmente desenvolvida, que, por sua natureza, implicar risco aos direitos de outrem,

obrigará o autor a reparar o dano, independentemente do grau de periculosidade11.

A posição liberal adotada no art. 927, parágrafo único representa louvável

progresso em responsabilidade civil, propiciando indenização a quem quer que sofra

dano causado por qualquer tipo de atividade que, normalmente desenvolvida por

outrem, possa, por sua natureza, implicar risco.

9 Art. 2.050 do CC italiano: "Chiunque cagiona ad altri nello svolgimento di un’attività pericolosa, per sua

natura o per la natura dei mezzi adoperati, è tenuto al risarcimento se non prova di avere adottato tutte le misure idonee a evitare il danno". Codice Civile d’Itália. Milano: Editore Ulrico Hoepli, 1979.

10 Art. 493, n. 2, do CC português: "Quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir". Código Civil Português: Decreto-lei nº 47.344 de 25 de novembro de 1966. Coimbra: Coimbra Editora, 1994.

11 Merece destaque a interpretação dada pela Jornada de Direito Civil, promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal (11 a 13 de setembro de 2002). Segundo o Enunciado n. 38, "a responsabilidade fundada no risco da atividade, como prevista na segunda parte do parágrafo único do art. 927 do novo Código Civil, configura-se quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano causar a pessoa determinada um ônus maior do que aos demais membros da coletividade". Promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, no período de 11 a 13 de setembro de 2002, sob a coordenação científica do Ministro Ruy Rosado, do STJ.

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Se há novidade no novo Código no sentido de que para todos os casos que

possam ser considerados de evento danoso ocorrido em sede de desempenho de

atividade de risco ou perigosa, deverá ser aplicada a cláusula geral de responsabilidade

objetiva prevista no novo Código Civil, mas como veremos em momento próprio, não se

aplica o parágrafo único do artigo 927 do novo Código Civil aos acidentes de trabalho,

continuando a empresa a responder por esses somente quando for provada a sua

culpa.

A doutrina do risco pode, então, assim ser resumida: todo prejuízo deve ser

atribuído e reparado por quem o causou, independentemente de ter ou não agido com

culpa. Resolve-se o problema na relação de causalidade, dispensável qualquer juízo de

valor sobre a culpa do responsável, que é aquele que materialmente causou do dano12.

1.6 Responsabilidade civil e dano

A responsabilidade civil quer seja subjetiva ou, objetiva, tem no dano

elemento essencial. Não pode haver responsabilidade sem dano efetivo.

O vocábulo dano, proveniente do latim damnum, genericamente é definido

como “todo mal ou ofensa que tenha uma pessoa causado a outrem, da qual possa

resultar uma deterioração ou destruição à coisa dele ou um prejuízo a seu

patrimônio.”(SILVA, 1998, p. 192).13

Para Costa Júnior (1989, p. 23), dano é “tudo aquilo que impede, total ou

parcialmente, a satisfação das necessidades humanas. Como estas são mitigadas

pelos bens, dano é tudo aquilo que implique a destruição ou diminuição de um bem.”

Para Lopes (1962, p. 256) o dano é composto de dois elementos distintos:

“1º) elemento de fato – o prejuízo; 2º) elemento de direito – as violação ao direito, ou

seja, a lesão jurídica. É preciso que haja um prejuízo decorrente de uma lesão de um

direito” (grifos no original).

A noção de dano, desse modo, reporta-se a ato que tenha como efeito um

prejuízo, afetação de um bem jurídico, de modo a diminuir-lhe a utilidade, ou o gozo,

12 Sobre a responsabilidade fundada no risco ver capítulo 6º quando abordamos “a responsabilidade civil

no dano ambiental”. 13 Verbete: direito subjetivo.

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por conduta antijurídica do agente. Isso nos leva a raciocinar que se o ato ilícito provier

de mera conduta do agente, mas se não resultar em dano patrimonial ou

extrapatrimonial poderá haver responsabilidade penal, mas não civil, já que o Direito

Penal pune a tentativa (v.g. tentativa de homicídio), onde não houve prejuízo para a

vítima, mas houve violação do direito.

Para provocar a tutela legal, o dano deve derivar de conduta contrária ao

direito, constituindo um fenômeno jurídico, e não apenas uma realidade física.

O objeto desse prejuízo consiste em bens jurídicos que formam o patrimônio

de um sujeito de direito, seja este patrimônio material ou ideal.

Na doutrina de Alsina (1997) existem danos justificados e ressarcíveis

aparecendo estes últimos como danos patrimonial e extrapatrimonial. No que pertine a

danos justificados leciona que há hipóteses em que a lei exclui a conduta do agente

causador do ato lesivo do dever de indenizar, exemplificando com os casos da “legítima

defesa”, exercício regular de um direito e estado de necessidade próprio ou de terceiro.

Adverte, igualmente, que mesmo estes violam as esferas patrimonial e/ou moral, mas

agindo o agente de conformidade com as excludentes explicitadas não tem o dever de

reparar.

O dano patrimonial é aquele que afeta o patrimônio econômico da vítima; já o

dano extrapatrimonial, o chamado dano moral, o prejuízo atinge apenas a consciência

psicológica da vítima, é resultante da violação dos direitos da personalidade. O conceito

a ser formulado reveste-se de peculiaridades, vez que o prejuízo que experimenta a

vítima não possui natureza patrimonial ou de ordem econômica.

Para Diniz (2004a, p. 68), o dano patrimonial vem a ser a lesão concreta, que afeta um interesse relativo ao patrimônio da vítima, consistente na perda ou deterioração, total ou parcial, dos bens materiais que lhe pertencem, sendo suscetível de avaliação pecuniária e de indenização pelo responsável.

Já o conceito de dano extrapatrimonial ou, moral formulou-o Melo da Silva

(1969, p. 13, 14) como sendo as [...] lesões sofridas pelo sujeito físico ou pessoa natural de direito em seu patrimônio ideal, entendendo-se por patrimônio ideal, em contraposição a patrimônio material, o conjunto de tudo aquilo que não seja suscetível de valor econômico. Jamais afetam o patrimônio material, [como o salienta Demogue]. E para que facilmente os reconheçamos, basta que se atente, não para o bem sobre que incidiram, mas, sobretudo, para a natureza do prejuízo final. Seu elemento característico é a dor, tomado o termo em seu sentido amplo,

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abrangendo tanto os sofrimentos meramente físicos, como os morais propriamente ditos. Danos morais, pois, seriam, exemplificadamente, os decorrentes das ofensas à honra, ao decoro, à paz interior de cada qual, às crenças íntimas, aos sentimentos afetivos de qualquer espécie, à liberdade, à vida, à integridade corporal.

Após termos discorrido sobre o tema responsabilidade civil, passemos a

analisar o meio ambiente do trabalho, pois é nesse local que ocorre a degradação e

que vai atingir o operário. É nossa pretensão defendermos que com a degradação do

meio ambiente do trabalho se vier o empregado sofrer um acidente de trabalho – o que

lhe ocasionará um dano moral – a responsabilidade do empregador deve ser objetiva,

não se justificando mais a apuração através da teoria subjetiva ou da culpa, como vem

hoje, estabelecido no nosso ordenamento jurídico.

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CAPÍTULO 2

O MEIO AMBIENTE COMO DIREITO FUNDAMENTAL 2.1 Introdução

O mundo está muito perto de perder suas maiores fontes de vida humana. A

água está com os anos contados, o solo está sendo ferido e o ar está contaminado.

Será que podemos fazer alguma coisa? Quando foi reconhecido que os recursos

ambientais eram finitos, ao mesmo tempo em que se constatava já ter havido uma

enorme destruição destes em face das ações predatórias do homem sobre o meio

ambiente, este mesmo homem - principal agente causador dos desequilíbrios

ambientais - passou a se preocupar com a preservação daquele.

Sendo o homem o principal agente que tem influência direta no meio

ambiente, é a estes que devemos concentrar nossas ações, é a estes que devemos

nos dirigir, pois não desconhecemos que ao lado da crise ambiental existe a crise do

trabalho.

A crise do trabalho e a crise ecológica, hoje, no entanto se constituem num

pesadelo: deterioração, sem precedentes, dos diferentes equilíbrios ecológicos,

produção de novas raridades nos mais diversos âmbitos (inclusive raridade do tempo),

mas também precarização generalizada e, cada vez mais, novas formas de

subordinação ao trabalho, ruptura do laço social e, finalmente extensão do econômico

sobre setores cada vez maiores da nossa vida cotidiana e do nosso entorno natural e

cultural (GOLLAIN, 2000).

Os efeitos ao meio ambiente são os mais diversos. Entre estes temos o

efeito estufa, onde a elevação da temperatura poderá resultar em modificações

profundas no regime de precipitações, no ciclo natural das águas e na elevação dos

níveis dos oceanos. Para não piorarmos a situação, seriam necessárias medidas de

controle que inibem a emissão de gases, ou pelo menos amenizem, principalmente a

emissão do dióxido de carbono CO2, que é o principal responsável pelo aumento do

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efeito estufa14.

Em Bonn, 178 países selaram o acordo sobre metas para cumprir o

Protocolo de Kyoto (de combate às mudanças climáticas e o corte de emissões de

gases causadores do efeito estufa). O acordo básico inclui a aplicação dos créditos de

emissão de poluentes em troca da ajuda a conservação de florestas e a produção de

energia limpa, este acordo foi realizado mesmo sem o apoio do EUA15.

A nível global, se protocolos como o de Kyoto entre outras agendas

internacionais de preservação do meio ambiente, países ditos "desenvolvidos" como os

EUA e Canadá se negarem a respeitá-los as dificuldades serão imensas na

preservação do meio ambiente, uma vez que são eles mesmos os maiores poluidores.

Também temos o desequilíbrio climático, a escassez dos recursos hídricos

resultados de ações como desmatamento, queimadas, destruição da flora e da fauna

tendo como conseqüência a perda da biodiversidade. A década de 1990 é paradigmática para o mundo do trabalho, no Brasil. O emprego formal acumulou um déficit estimado em 3,2 milhões de postos de trabalho, assim como o desemprego alcançou índices nacionais sem paralelo desde a década de 1930. Entre 1989 e 1999, a quantidade de desempregados ampliou-se de 1,8 milhões para 7,6 milhões, com aumento da taxa de desemprego aberto passando de 3% da PEA para 9,6% (POCHEMANN, 2001a, p. 9 e 49).

No entanto, apesar deste aumento do desemprego, nos anos 1990, a

quantidade de trabalhadores com jornada de trabalho superior à oficial de 44 horas

duplicou, passando de 13,5 milhões para 26,7 milhões de pessoas ocupadas. Isto

significa que cerca de 4,9 milhões de novas vagas deixaram de ser criadas no país. Ou

seja, cerca de 2/3 do total do desemprego aberto no país poderia ter sido reduzido com

a forte redução do sobretrabalho (POCHEMANN, 2001a).

Acentua, também, esse autor que no Brasil uma das características centrais no mundo do trabalho é o crescente dessalariamento, isto é, a redução relativa da participação dos assalariados no total da ocupação. [...] Atualmente, os assalariados com registro (incluídos) perdem participação para o conjunto de desempregados e ocupados precariamente (excluídos). Para uma PEA estimada em 73 milhões de pessoas em 1996, cerca de 43 milhões (59%) eram assalariados e apenas 23 milhões empregados com registro formal, restando 20 milhões de trabalhadores sem registro.

14 Boletim informativo do Núcleo de Recursos Hídricos, n. 4, 2001. 15 Correio do Povo, Porto Alegre, 10 jul. 2001. p. 17.

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Assim, se em 1989, 64% do total da ocupação brasileira era de assalariados,

em 1999, eles diminuíram para 58,7% (POCHMANN, 2001a, p. 48 e 167). No final de 1999, em torno de 55% dos ocupados das grandes cidades encontram-se em algum tipo de informalidade, o que significa estar sem registro em carteira de trabalho e sem a proteção social vinculada ao emprego formal, como FGTS, Seguro Desemprego e aposentadoria. Somente 18,3 milhões de assalariados estavam, em abril de 1999, regidos pela CLT, em uma PEA de 75 milhões de pessoa. Durante os anos 1940 e 1970, a cada 10 postos de trabalho criados apenas 2 não eram assalariados, sendo 7 com registro formal (POUCHMAN, 2001b, p. 96 e 97).

Observa-se, também, no mundo do trabalho brasileiro a precarização, a

barbarização, a desregulamentação e a flexibilização sendo que nos anos 1990, a cada

cinco ocupações criadas, quatro referem-se ao conjunto de trabalhadores autônomos,

sem remuneração e assalariados sem registro formal; o fenômeno da barbarização do

mundo do trabalho se expressa na decrescente participação da renda do trabalho na

renda nacional. A desregulamentação compreende as iniciativas de eliminação de leis

ou outras formas de direitos instituídos (nos contratos coletivos, por exemplo) que

regulam o mercado, as condições e as relações de trabalho. É derrogar ou diminuir

benefícios existentes. Ou seja, é a supressão das normas que regulam as relações de

trabalho, deixando que o mercado se encarregue de estabelecer livremente o

tratamento dos assuntos. As seguintes sete medidas foram decisivas na

desregulamentação do trabalho, nos anos 1990, no Brasil: o fim da política salarial, a

abertura do comércio aos domingos, a instituição da figura do mediador nas

negociações coletivas e das comissões de arbitragens. O conceito de flexibilização que

prevaleceu na década de 1980 e 1990 está associado à possibilidade de a empresa

contar com mecanismos que permitem ajustar sua produção, emprego, salário e

condições de trabalho ante as flutuações da economia, das inovações tecnológicas e a

outros fatores (tais como a sua estratégia de mercado). A flexibilização dá “liberdade”

às empresas na determinação do uso do trabalho, o que significa desregular (eliminar

ou afrouxar direitos) ou adaptar a proteção trabalhista clássica às condições de

produção das empresas ou à realidade do mercado de trabalho. Assim, no contexto

atual, de reorganização econômica e produtiva, o conceito de flexibilidade, para os

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trabalhadores, se torna qualquer coisa feroz, inflexível, sinônimo de livre demissão16.

Constata-se, por outro lado, uma evidente crise ecológica. Ela consiste na

diminuição das reservas energéticas não renováveis, no acúmulo de gases que

esquentam o planeta e no declínio contínuo da diversidade biológica. Esta degradação

ambiental vem acompanhada pela crescente desigualdade social e pelo desenfreado

aumento do consumo.

A crise do mundo do trabalho e a crise ecológica, desta maneira, são a

manifestação de uma crise mais profunda. Em outros termos vivemos uma [...] revolução profunda e silenciosa, cujos efeitos visíveis e ruidosos acabam por ocultar sua verdadeira natureza e seu alcance, que está em curso há pelo menos dois séculos nas camadas elementares do psiquismo e nos fundamentos das estruturas mentais do indivíduo típico da civilização ocidental. Ela vem transformando num nível de radicalidade até hoje aparentemente desconhecido na história humana, as intenções, atitudes e padrões de conduta que tornaram possível historicamente nosso ‘ser-em-comum’ e, portanto, as razões que asseguram a viabilidade das sociedades humanas e o próprio predicado da socialidade tal como tem sido vivida nesses pelo menos cinco milênios de história (VAZ, n. 88, 2000).

“Quantos postos de trabalho serão perdidos se as empresas forem obrigadas

a desempregar para poluir menos?”17 Essa indagação, quase um lamento tem um

significado. Como viveremos?

A esta pergunta a sociedade moderna respondeu a partir da instauração da

ficção, que se constitui num verdadeiro mythos, do poder-dominação. Segundo o direito

romano, o dominium remonta à facultas que possui o poder de fazer o que se quer com

aquilo que se tem, de modo tal que um direito de propriedade é tanto “o direito de troca”

como o “direito de fazer uso de”. Esse domínio da lógica e da potentia absoluta é

levado ao auge por Hobbes quando afirma: “O direito da Natureza, mediante o qual

Deus reina sobre os homens e pune aqueles que violam suas Leis, deve ser derivado

não do fato de ele o ter criado, como se exigisse obediência como gratidão pelos seus

benefícios, mas do seu Poder Irresistível” (HOBBES apud MILBANK, 1995, p. 30). “Não

a bondade e a verdade, mas o poder tornou-se a qualidade principal da divindade”

(MOLTMANN, 1993, p. 51).

16 Cf. POCHMANN, 2001a, p. 31, 48, 100, 172; FORRESTER, Viviane. O horror econômico. São Paulo:

Unesp, 1997. 17 MATTEOLI, ministro do trabalho do governo Berlusconi, sobre as conseqüências advindas para a Itália

da assinatura do Tratado de Kyoto - La Stampa 14-6-01.

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Para Locke (1994, p. 44), o homem “é alguém que se apropria, e transforma

a natureza pelo seu trabalho, que se torna proprietário e que, por esta apropriação, se

torna capaz de existir por ele mesmo como indivíduo, isto é, sem depender de ninguém.

“O homem é senhor de si próprio, e proprietário da sua pessoa e das ações e do

trabalho desta mesma pessoa”18.

A humanidade se encontra, assim, confrontada com novos perigos que

emergem do seu poder-dominação instaurado na época moderna. Partindo da

constatação desses perigos que Jonas (1990) introduz a idéia de uma humanidade

frágil e perecível, perpetuamente ameaçada pelos poderes do homem. “Este torna-se

perigoso para si mesmo, constituindo-se agora em seu próprio risco absoluto” (DUPAS,

2000, p. 94).

No plano internacional a década de 70 do século XX marcou uma profunda

mudança de comportamento do Ser Humano em relação ao meio ambiente. Um marco

importante para a nova maneira de compreender o meio ambiente foi a Conferência das

Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano realizada em 1972 em Estocolmo na

Suécia. O item 1 da declaração de Estocolmo proclama que: O homem é ao mesmo tempo criatura e criador do meio ambiente, que lhe dá sustento físico e lhe oferece a oportunidade de desenvolver-se intelectual, moral, social e espiritualmente. A longa e difícil evolução da raça humana no planeta levou-a a um estágio em que, com o rápido progresso da Ciência e da Tecnologia, conquistou o poder de transformar de inúmeras maneiras e em escala sem precedentes o meio ambiente. Natural ou criado pelo homem, é o meio ambiente essencial para o bem-estar e para gozo dos direitos humanos fundamentais, até mesmo o direito à própria vida.19

A declaração de Estocolmo é, indiscutivelmente, o ponto, a partir do qual,

todo o futuro da proteção ambiental irá se desenvolver. As principais questões que

viriam a ser debatidas e desenvolvidas na Conferência das Nações Unidas sobre Meio

Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em 1992 já se encontravam

presentes no texto de Estocolmo.

A Conferência de 1972, entretanto, foi mal recebida em sua época, pois não

se logrou estabelecer um diálogo adequado entre os países em desenvolvimento e os

países desenvolvidos, pois ambos os blocos, não compreenderam, de início, a

18 LOCKE, John. Second Traité du gouvernement (1689). PUF. Paris. 1994. parágrafo 44. 19 DECLARAÇÃO DE ESTOCOLMO SOBRE O AMBIENTE HUMANO. Disponível em:

http://www.silex.com.br/leis/normas/estocolmo.htm. Acesso em: 14 nov. 2006.

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importância do tema que estava sendo apresentado à opinião pública

internacional. Criou-se uma polaridade entre ricos e pobres, fazendo com que o

desenvolvimento da matéria permanecesse em ritmo aquém do desejado, durante vinte

anos, até que fosse realizada a Conferência do Rio. É verdade que, no intervalo foi

constituído o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente – PNUMA e foi

elaborado o conhecido relatório Nosso Futuro Comum que teve o mérito de cunhar a

expressão “desenvolvimento sustentado”.

O ano de 1992 é, no entanto, o marco fundamental para o desenvolvimento

da consciência ambiental e, principalmente, para a proteção jurídica do meio ambiente.

Há que se consignar que o próprio nome da conferência internacional incorporou a

necessidade de conciliação da proteção ambiental com o desenvolvimento econômico.

A Conferência foi denominada Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e

Desenvolvimento – CNUMAD que foi conhecida popularmente como Rio 92 ou Eco 92.

No direito interno o Brasil avançou muito. Tão logo se encerraram os

trabalhos da Conferência de Estocolmo, foi instituída a Secretaria Especial de Meio

Ambiente – SEMA, naquela época um órgão vinculado ao Ministério do Interior. A

SEMA é o embrião do Ministério do Meio Ambiente que hoje presta relevantes serviços

à nacionalidade. No ano de 1981 foi criada a Política Nacional do Meio Ambiente –

PNMA, mediante a edição de Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Esta política é o

centro nervoso de toda a legislação brasileira de proteção ao meio ambiente, pois é o

pólo irradiador de todo o conjunto de princípios e normas que regem á proteção

ambiental no Brasil. A evolução legislativa desde 1981 é bastante significativa. Várias

leis vêm sendo elaboradas e postas em prática pelos órgãos ambientais dos Estados e

pelo IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais

Renováveis que é o órgão federal encarregado da proteção ambiental. É muito ampla a

legislação brasileira sobre meio ambiente. A produção legislativa é constante e,

praticamente, todos os grandes temas ambientais da atualidade estão cobertos por

normas próprias. É importante deixar consignado, no entanto, que a Política Nacional

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do Meio Ambiente – PNMA não inaugurou – no direito brasileiro – o conjunto de normas

legais destinadas á proteção da natureza.20

A Constituição da República promulgada aos 05 de outubro de 1988

estabeleceu contornos mais nítidos para a proteção do ambiente de trabalho brasileiro.

Ao tratar do tema meio ambiente do trabalho, destacou-o do complexo de normas

destinadas à proteção do meio ambiente em geral. Assim em seu artigo 7º, XXII, XXIII e

XXXIII21 dispôs de forma genérica sobre a proteção da saúde do trabalhador, sendo

certo que no artigo 200, II e VIII da Lei Fundamental da República22 foi feita uma

menção expressa ao chamado meio ambiente do trabalho, ali incluído como uma das

competências do sistema único de saúde que as exerce nos termos da lei. 2.2 Direitos humanos e direitos fundamentais

Tradicionalmente, a teoria geral dos Direitos Humanos recorre à trifásica

classificação dos direitos humanos originada do dístico da revolução francesa: direitos

de liberdade, de igualdade e de solidariedade. Assim, seriam de primeira geração os

direitos individuais, civis e políticos, também chamados "direitos negativos", na medida

em que impõem ao Estado uma obrigação de não fazer, de não interferência nas

esferas de liberdade dos indivíduos. De segunda geração, seriam os direitos sociais,

vistos como direitos positivos em razão de gerarem ao Estado obrigações de fazer, ou

de propiciar a realização desses mesmos direitos. Por fim, os direitos de terceira

geração, associados ao princípio da solidariedade, seriam aqueles cujo titular é o ser

20 Antes da edição de Lei nº 6.938/81, já possuíamos o Código Florestal, o Código de Águas, a Lei de

Proteção à Fauna, o Código de Mineração e muitas outras normas que, de uma forma ou de outra, asseguravam algum padrão de proteção ao meio ambiente. A Política Nacional do Meio Ambiente – PNMA, no entanto, inaugura a integração entre as diferentes normas e a moderna concepção de que meio ambiente é uma totalidade que não pode ser tratada de forma parcial.

21 Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: [...] XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança; [...] XXIII - adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei; [...] "XXXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito anos e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos".

22 Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: [...] II - executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador [...] VIII - colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.

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humano indistinto, difuso, visto como parte da comunidade internacional. Nesse

contexto implementam-se os direitos à paz, ao desenvolvimento, ao meio ambiente

saudável, entre outros.

Os direitos do homem para Bobbio (1992, p. 5-7) são direitos históricos,

nascidos de modo gradual, partindo de um caminho contínuo da concepção

individualista da sociedade, pelo qual se vai do reconhecimento dos direitos de cada

cidadão frente ao Estado até o reconhecimento dos direitos do cidadão do mundo, cujo

primeiro anúncio foi a Declaração Universal dos Direitos do Homem, no entanto, não

podiam ser sequer imaginados quando foram promulgadas as primeiras Declarações de

direitos. O direito de viver num ambiente não poluído, a exemplo, é exigência nascida

em razão de mudanças nas condições sociais, e num contexto em que o

desenvolvimento tecnológico permite sua implementação e proteção. Os direitos

humanos "nascem quando devem, ou podem nascer."

Não há discrepâncias sensíveis entre os doutrinadores quando atribuem ao

período pós 2ª Guerra Mundial o início do processo efetivo de proclamação e de

internacionalização dos direitos humanos. Comparato (2001, p. 54, 55) nos diz que [...] após três lustros de massacres e atrocidades de toda sorte, iniciados com o totalitarismo estatal nos anos 30, a humanidade compreendeu, mais do que em qualquer outra época da história, o valor supremo da dignidade humana. O sofrimento como matriz da compreensão do mundo e dos homens, segundo a lição luminosa da sabedoria grega, veio aprofundar a afirmação histórica dos direitos humanos. [...] Chegou-se, enfim, ao reconhecimento de que à própria humanidade, como um todo solidário, devem ser reconhecidos vários direitos: à preservação dos sítios e monumentos considerados parte integrante do patrimônio mundial, à comunhão das riquezas minerais do subsolo marinho, à preservação do equilíbrio ecológico do planeta.

Igualmente marcante, no período que se seguiu à Declaração Universal, foi a

renovação de determinados conceitos, especialmente ligados ao direito internacional,

na medida em que diversos tratados e convenções passam a apontar um novo sujeito

ativo, um novo titular de direitos no plano internacional: a humanidade. Não mais os

Estados como sujeitos típicos do direito internacional, ou mesmo os cidadãos, vis-a-vis

os Estados, mas a comunidade, o coletivo heterogêneo ou difuso, a espécie humana.

Diz Bonavides (1998, p. 523) [...] os direitos de terceira geração tendem a cristalizar-se nesse fim de século enquanto direitos que não se destinam especificamente à proteção de interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um determinado Estado. Têm

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primeiro por destinatário o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta.

Assim, firmou-se no direito internacional, a partir da segunda grande guerra, o conceito

de "humanidade", com a idéia da existência de direitos inerentes a essa nova "pessoa"

de direito internacional.

Na concepção de Canotilho (1993, p. 500) os “Direitos Fundamentais” podem

ser visualizados em duas fases: [...] uma anterior ao Virgínia Bill of Rights (12.06.1776) e à Declaração des Droits de l’Homme et du Citoyen (26.08.1789), caracterizada por uma relativa cegueira em relação à idéia dos direitos do homem; outra posterior a esses documentos, fundamentalmente marcada pela chamada Constitucionalização ou positivação dos direitos do homem nos documentos constitucionais.

Com efeito, o debate sobre os direitos fundamentais se instaurou após as

Declarações de Direitos, no final do Século XVII, (Revolução Francesa e Independência

Americana) e foi pautado pela negação a esses direitos.

Foi imposta pela nova ordem burguesa, após esses processos

revolucionários, uma limitação às autoridades estatais que deveria vir expressa na

Constituição pela técnica da separação dos poderes (funções legislativa, executiva e

judiciária) distinta da declaração de direitos. Assim é que as Constituições liberais

clássicas limitavam-se a esses dois aspectos.

Após a Segunda Grande Guerra, quando já se tornara obsoleta a discussão

em torno da negação dos direitos do homem o conflito ideológico, no campo dos

direitos humanos, desloca-se para o eixo do confronto entre os valores liberdade e

igualdade.

Para o liberalismo, que se apega ao paradigma do indivíduo como ator

autônomo, separado e autodeterminado, num contexto minimalista do Estado, direitos

fundamentais seriam apenas os direitos civis e políticos, para cuja concretização

requerem prestação negativa e sem custos, para o Estado.

Para os socialistas, que se inspiram no ideal de igualdade, seriam também

direitos fundamentais os chamados direitos econômicos, sociais e culturais, porquanto

somente com sua implementação, mediante prestação positiva do Estado, com efetivos

investimentos sociais e com redistribuição solidária das riquezas e seus benefícios, é

que se realizaria a democracia material.

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O conflito ideológico, projetado na geopolítica, dava-se mais numa direção

leste/oeste do que norte/sul. Era um confronto entre os Estados Unidos e a Europa

Ocidental, de um lado; e o bloco liderado pela União Soviética, de outro.

A “Declaração Universal dos Direitos Humanos” só foi possível com a

unanimidade que houve, porque foi vitoriosa a pressão dos países socialistas, liderados

pela então URSS, no sentido de que fossem também contemplados naquele

documento os direitos econômicos, sociais e culturais.

Assim é de se verificar que os “os direitos fundamentais” são os direitos do

ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito Constitucional positivo de

determinado Estado; “direitos humanos”, por sua vez, guardam relação com os

documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se

reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com

determinada ordem Constitucional e que, portanto, aspiram à validade universal, para

todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional

(internacional).

É nessa perspectiva que Canotilho (1999) e Bonavides (2000) se apegam ao

conceituarem que: o primeiro ao entender que o local exacto desta positivação jurídica

é a constituição [...] os direitos fundamentais são-no, enquanto tais, na medida em que

se encontram reconhecimento nas constituições e deste reconhecimento se derivem

conseqüências jurídicas, [sic] enquanto o segundo entende que direitos fundamentais

são aqueles direitos que o direito vigente qualifica como tais.

Nos dias atuais, a idéia de direitos fundamentais - assim entendidos os

direitos humanos reconhecidos pelas normas dos Estados - está diretamente associada

à idéia de um núcleo de valores ou interesses de todos e de cada um que gera, ao

Estado, a terceiros ou à comunidade, a obrigação de respeito e proteção, quer pela

abstenção de condutas que possam pôr em risco o uso e gozo de determinados

direitos, quer por atos concretos de implementação e desenvolvimento desses mesmos

direitos. Assim, os direitos fundamentais são encontrados positivados nos textos

constitucionais dos Estados; os direitos humanos antecedem à positivação enquanto

perspectiva filosófica em um primeiro momento e reconhecimento internacional não

delimitados espacial e territorialmente.

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42

2.3 O meio ambiente como direito fundamental

A atual Constituição brasileira elegeu o trabalho como fundamento da ordem

social, constituindo-se como fonte de dignidade e meio que possibilita o alcance do

bem-estar e da justiça sociais. Em vista disso, o direito ao trabalho se sobressai do

conjunto de normas previstas no nosso texto fundamental.

De início, pode-se constatar que no inciso IV do seu art. 1º, entre outros, o

valor social do trabalho se apresenta como um dos fundamentos da República

Federativa do Brasil; no art. 6° está consignado que o trabalho é um direito social; no

art. 7°, I além de determinar o “direito à relação de emprego protegida contra despedida

arbitrária e prevendo uma indenização compensatória, nos termos da lei”, haja vista que

o trabalho é a principal fonte de sustento do trabalhador, constituindo-se o emprego, o

lugar, o posto de trabalho fatores essenciais da ordem social; no inciso II há a previsão

do “seguro desemprego, em caso de desemprego involuntário”, pois o desemprego

pode levar o homem à pobreza e esta é um fator de desagregação do todo social. A

extensa lista, relativa ao trabalho, prevista no artigo 7º deu força normativa

constitucional há vários dispositivos que já estavam previstos em legislação

infraconstitucional. Vilhena (1999, p. 101) entende que essas regras constitucionais,

enquanto avançaram substancialmente, nesse tema, chegando a assumir postura de

legislação originária, em dispositivos não programáticos ou principiológicos, admite que

a técnica de imposição desses preceitos, quando há colisão é simplesmente substitutiva

“através da qual a norma constitucional se coloca no lugar da lei ordinária que com ela atrite”.

No Título VII, capítulo I “Dos Princípios Gerais da Atividade Econômica”

vamos encontrar no “caput” do art. 170 que a ordem econômica se assenta em dois

pilares, quais sejam “a valorização do trabalho humano” e a “livre iniciativa”, havendo,

pois o constituinte assegurado a todos uma existência digna, dentro do espírito da

Justiça Social.E ao assegurar existência digna, entre outros, elege como princípio no

seu inciso VI “a defesa do meio ambiente”. Assim é que o trabalho é reconhecido em

dupla dimensão como um direito e um dever e não encarado como castigo.

No Título VIII, Capítulo I “Disposição Geral” “a ordem social tem como

prioridade o trabalho”. Como as necessidades da vida humana têm que ser atendidas

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para a preservação de sua própria existência e esse atendimento supõe a transformação

da natureza pelo trabalho, o direito ao trabalho torna-se direito fundamental do cidadão.

O ser humano, desde os primórdios de sua existência, utiliza a natureza

como instrumento de recursos inesgotáveis com o intuito de sobreviver, buscando

subsídios nas diversas fontes naturais existentes no planeta, como: animais e vegetais

servindo a carne dos primeiros como fonte de alimento e a pele para se aquecer; os

vegetais, em princípio, também o alimentava e com a descoberta do fogo utilizou a

madeira para se aquecer. Os minerais ajudaram-no na criação de certos utensílios

domésticos e armas para a sua defesa. Mas, o homem primitivo fazia uso dos recursos

naturais, somente com objetivo de atender suas necessidades de subsistência.

Mas, enquanto o homem utilizou os recursos naturais de modo parcimonioso,

não houve preocupação com a sustentabilidade do meio ambiente, o que não se

verificou “a posteriori”, pois, a partir do advento da Revolução Industrial, quando este

fenômeno pelo modelo econômico e tecnológico que inaugurou, desencadeou a

degradação ambiental o que tem se verificado até nossos dias.

Podemos observar que o ser humano, ao longo do tempo, obteve conquistas

significativas como, por exemplo, o domínio de pragas e doenças, aumento da

expectativa de vida, redução da mortalidade infantil, crescimento industrial, urbano e

agrícola desenvolvimento de tecnologias nucleares e químicas, mas que levaram a

impactos ambientais negativos locais, regionais e globais.

O homem, em cem anos, evoluiu de uma maneira espantosa, mas de forma

desordenada, apropriando-se de recursos naturais, o que pode inviabilizar a vida no futuro.

Com isso, a humanidade encontra-se em um momento de definição histórica

para estabelecer o modelo de desenvolvimento, já que da preservação dos diversos

ecossistemas depende o nosso bem-estar.

Esse processo desagregador que vem comprometendo a própria

sobrevivência da espécie humana propiciou uma reação, a princípio, sem qualquer

preocupação normativa, entretanto, mais tarde, foi visto que algo de mais eficaz deveria

ser feito e assim começou a tomar vulto uma nova modalidade de ramo jurídico

inicialmente baseada no que vinha estabelecido na legislação civil, “muito embora o

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legislador civil disciplinasse as relações potencialmente conflituais de vizinhança”23 com

a denominação de “Direito Ambiental” ou de “Proteção ao Meio Ambiente”.

A Declaração de Estocolmo (Suécia, 1972) consagrou o reconhecimento

internacional do meio ambiente ecologicamente equilibrado, posto que [...] abriu caminhos para que as Constituições supervenientes reconhecessem o meio ambiente ecologicamente equilibrado como um direito fundamental entre os direitos sociais do homem, com suas características de direitos a serem realizados e direitos a não serem perturbados (SILVA, 1994, p. 43).

Nessa dimensão na década de 70 os sistemas constitucionais começaram,

efetivamente, a reconhecer o ambiente como valor próprio da tutela maior. Note-se que

o clamor por um direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado

emerge, na sua origem, em fórmula estritamente antropocêntrica, como componente

mais amplo da dignidade humana; só mais tarde, toma corpo uma concepção

biocêntrica (integral ou mitigada), que gradativamente afasta-se de uma vinculação

exclusiva aos interesses estritamente antropogênicos24. Foi assim com as novas

constituições dos países que se libertavam de regimes ditatoriais, como, numa primeira

leva, Grécia (1975)25,

23 Argumenta em seguida o Professor português a evolução e a mudança do Direito Ambiental: A partir

dos anos 60, a rápida industrialização, o aumento desordenado dos aglomerados urbanos, a alteração radical dos processos de exploração agrícola a ramificação das infra-estruturas de transporte, o gigantismo que atingiu o parque automóvel, tudo prosseguido numa perspectiva puramente economicista, puseram os homens, os Estados e a comunidade internacional perante a evidência de que os recursos naturais não são inesgotáveis, e que o desenvolvimento e o progresso dependem tanto de uma forte e moderna indústria como, por exemplo, da pureza da água e das margens dos rios para que, a fim de poupar nos custos de produção aquela lança de afluentes resíduos e detritos da sua laboração. É a conscientização do “ambiente” como valor a preservar, e, por isso, a defender que se foi derramando aos poucos, por toda a malha do tecido jurídico social, ao lado, por exemplo, dos interesses do consumidor e do patrimônio cultural (CANOTILHO, 1999, p. 10).

24 Cf. Karl-Heinz Ladeur. Environmental constitutional law. In Gerd Winter (editor), European Environmental Law: A Comparative Perspective, Aldershot, Dartmouth, 1994, p. 18.

25 Trata-se do art. 24: “1) A proteção do meio ambiente natural e cultural constitui uma obrigação do Estado. O Estado

tomará medidas especiais, preventivas ou repressivas, com o fim de sua conservação. A lei regula as formas de proteção das florestas e espaços com arborizados em geral. Está proibida a modificação da afetação das florestas e espaços arborizados patrimoniais, salvo se sua exploração agrícola tiver prioridade do ponto de vista da economia nacional ou de qualquer outro uso de interesse público.

2) A gestão do território, a formação, o desenvolvimento, o urbanismo e a extensão das cidades e regiões urbanizáveis são regulamentadas e controladas pelo Estado, com o fim de assegurar a funcionalidade e desenvolvimento das aglomerações humanas e as melhores condições de vida possível.

3) Os monumentos assim como os lugares históricos e seus componentes estão sob a proteção do Estado. A lei fixa as medidas restritivas da propriedade para assegurar esta proteção, assim como as modalidades e natureza da indenização dos proprietários prejudicados.”

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Portugal (1976)26 , e Espanha (1978)27. Finalmente, após a ECO-92, outras

Constituições foram promulgadas ou reformadas, incorporando, expressamente, o

conceito de desenvolvimento sustentável28.

Em todas essas constituições, o meio ambiente perde o seu estado

periférico, ingressando na órbita dos valores fundamentais dos pactos políticos

nacionais, privilégio esse que outros bens sociais igualmente relevantes levaram

décadas, quando não séculos, para atingir.

26 Estabelece o atual artigo 66 (“Ambiente e Qualidade de Vida”) da Constituição portuguesa:

“1 – Todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender.

2 – Incumbe ao Estado, por meio de organismos próprios e por apelo e apoio a iniciativas populares: a) Prevenir e controlar a poluição e os seus efeitos e as formas prejudiciais de erosão; b) Ordenar e promover o ordenameto do território, tendo em vista uma correcta localização das

actividades, um equilibrado desenvolvimento sócio-econômico e paisagens biologicamente equilibradas;

c) Criar e desenvolver reservas e parques naturais e de recreio, bem como classificar e proteger paisagens e sítios, de modo a garantir a conservação da natureza e a preservação de valores culturais de interesse histórico ou artístico;

d) Promover o aproveitamento racional dos recursos naturais, salvaguardando a sua capacidade de remoção e a estabilidade ecológica.”

27A Constituição espanhola inspirou-se, genericamente, na Declaração de Estocolmo e, de modo mais imediato, na Constituição portuguesa de 1976. Cf., nesse ponto, Ramón Martín Mateo, Tratado de Derecho Ambiental, vol. I, Madrid, Editorial Trivium, 1991, p. 107.

É o art. 45: “1) Todos tienen el derecho a disfrutar de un medio ambiente adecuado para el desarrollo de la persona, así como el deber de conservalo. 2) Los poderes públicos velarán por la utilización racional de todos los recursos naturales, con el fin de proteger y mejorar la calidad de vida y defender y restaurar el medio ambiente, apoyándose en la inexcusable solidariedad colectiva. 3) Para quienes violen lo dispuesto en el apartado anterior, en los términos que la ley fije se establecerán sanciones penales o, en su caso, administrativas, así como la obligación de reparar el daño causado.”

28 Cf., p. ex., a Constituição argentina de 1994, na qual observa-se, claramente, a influência da definição de desenvolvimento sustentável de “Nosso Futuro Comum” (“as actividades productivas satisfagan las necesidades presentes sin comprometer las de las generaciones futuras”): "Artículo 41 - Todos los habitantes gozan del derecho a un ambiente sano, equilibrado, apto para el desarrollo humano y para que las actividades productivas satisfagan las necesidades presentes sin comprometer las de las generaciones futuras; y tienen el deber de preservarlo. El daño ambiental generará prioritariamente la obligación de recomponer, según lo establezca la ley. Las autoridades proveerán a la protección de este derecho, a la utilización racional de los recursos naturales, a la preservación del patrimonio natural y cultural y de la diversidad biológica, y a la información y educación ambientales. Corresponde a la Nación dictar las normas que contengan los pressupuestos mínimos de protección, y a las provincias las necesarias para complementarlas, sin que aquéllas alteren las jurisdicciones locales. Se prohibe el ingreso al territorio nacional de residuos actual o potencialmente peligrosos y de los radiactivos."

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Após 20 anos da Declaração de Estocolmo, seguiu-se a Declaração do Rio

de Janeiro (Eco 1992) que ratificou e acrescentou princípios àqueles já estabelecidos

destacando-se o homem como parte integrante do meio ambiente.

A disciplina jurídica das questões ambientais no Brasil, em termos de

evolução, foi inaugurada ainda no Império com a Lei de outubro de 1828. Mas é de se

acrescentar que, antes mesmo do movimento de constitucionalização da proteção do

ambiente, a inexistência de previsão constitucional inequívoca não inibiu o nosso

legislador de promulgar leis e regulamentos que, de uma forma ou de outra,

resguardavam os processos ecológicos e combatiam a poluição.

No período republicano, contudo, é mais intensa a regulamentação dos

problemas ambientais, sempre no domínio normativo da legislação ordinária29, até

pelos menos 1988, quando a nova Constituição confere “status” de matéria fundamental

ao meio ambiente. Antes da Constituição de 1988, já se nos deparavam três

instrumentos normativos que visavam à tutela protetiva do meio ambiente. A primeira

manifestação legislativa de proteção autônoma do meio ambiente veio com a edição do

Decreto-Lei n. 1.413, de 14/08/75, que dispunha sobre o controle da poluição do meio

ambiente provocada por atividades industriais; a segunda foi a edição da Lei n.

6.938/81, sobre Política Nacional do Meio Ambiente a qual consagrou a regra da

responsabilidade objetiva para qualquer dano ambiental; a terceira norma incorporada

ao nosso ordenamento jurídico foi a Lei n. 7.347/85 instituindo a “Ação Civil Pública”

como instrumento processual legítimo na defesa dos interesses difusos e coletivos.

Horta (1995, p. 305) observa que esses primeiros modelos disciplinadores

ambientais caracterizavam-se como incidentais, posto que o meio ambiente não se

constituía objeto principal das normas reguladoras, as quais tratavam, por exemplo, de

promover a segurança nacional das águas ou do solo, referindo de passagem aspectos

da realidade ambiental.

A Constituição de 1988, ainda em período marcado pela influência direta da

Declaração de Estocolmo de 1972, pela primeira vez no Brasil, insere o tema "meio

ambiente" em sua concepção unitária. Ela garante o direito de todos ao meio ambiente

29 O Código Florestal (1965), a Lei de Proteção à Fauna (1967) e a Lei da Política Nacional do Meio

Ambiental, todas extremamente avançadas, foram editadas em período anterior à Constituição Federal de 1988.

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ecologicamente equilibrado e essencial à qualidade de vida. Além disso, conceitua o

meio ambiente como "bem de uso comum do povo" o que significa lhe ter sido atribuído

o regime jurídico de um bem que pertence à coletividade, como agrupamento natural

não dotado de personalidade jurídica. O meio ambiente pertence, indivisivelmente, a

todos os indivíduos da coletividade e não integra, assim, o patrimônio disponível do

Estado. E, dessa forma, não pode ser apropriado: é bem jurídico sempre indisponível e

insuscetível de apropriação individual e exclusiva.

Assim, o texto constitucional brasileiro dispõe, em seu art. 225, que: Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Representam uma nova lógica que vai além das fronteiras territoriais ou temporais, pois alcançam não só toda a humanidade hoje vivente, bem como as futuras gerações. Neste rol de direitos, estão os direitos ao patrimônio, ao desenvolvimento, à paz, à livre comunicação e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (BONAVIDES, 2000, p. 522-523).

Fica claro, pois que, embora o meio ambiente ecologicamente equilibrado se

constitua como direito fundamental e, apesar de possuirmos no Brasil uma legislação

extensa e adequada, compondo-se por reação a uma onda ou movimento de interesses

sociais relevantes, ou influentes, premida não raro por pressões de opinião pública e

por valorização político-eleitoral das questões ambientais, isso por si só não foi capaz

de estabelecer uma proteção efetiva no equacionamento da prevenção dos riscos e

conflitos do nosso tempo. Aliás, o que agora se afirma foi observado por Wolf (1997)

que acentua o caráter simbólico do direito ambiental servindo apenas como uma

retórica falsa e sofisticada e não foi capaz de frear a degradação ambiental.

Acrescentamos, também, não existir no Brasil uma consciência ecológica bem

amadurecida seja por motivo de incipiente política educacional no campo ambiental,

seja porque de um modo geral o sistema social brasileiro tem-se mostrado defasado,

não obstante o ufanismo tão freqüente em proclamar o regime nativo de proteção

ambiental como um dos mais lúcidos do mundo.

Os mais recentes modelos constitucionais elevam a tutela ambiental ao nível

não de um direito qualquer, mas de um direito fundamental, em pé de igualdade com

outros também previstos no quadro da Constituição, entre os quais se destaca o direito

de propriedade privada.

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Assim configurada, a proteção ambiental deixa, definitivamente, de ser um

interesse menor ou acidental no ordenamento, afastando-se dos tempos em que,

quando muito, era objeto de intermináveis discussões científicas ou poéticas. Aqui, o

meio ambiente é alçado ao patamar máximo do ordenamento, privilégio que outros

valores sociais relevantes só depois de décadas ou mesmo séculos lograram

conquistar. E tratando-se de direito fundamental, a norma que dele cuida tem

aplicabilidade imediata30.

Diz Silva (1994) que de relevante efeito prático, a caracterização do meio

ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental traz consigo três

qualidades consideradas inerentes a tal tipologia: a irrenunciabilidade, a inalienabilidade

e a imprescritibilidade. Irrenunciabilidade conquanto, embora tal direito conviva com a

omissão de exercício (a passividade corriqueira da vítima ambiental), não aceita

renúncia apriorística; inalienabilidade na medida em que, por ser de exercício próprio, é

intransferível, inegociável, pois possui titularidade pulverizada e personalíssima,

incapaz de apropriação individual; finalmente, imprescritível, já que têm perfil

intertemporal, consagrando entre seus beneficiários inclusive os incapazes de

exercitarem seus direitos diretamente e até as gerações futuras.

2.4 Meio ambiente geral 2.4.1 Aspectos gerais

Toda atividade laborativa expõe o ser humano a riscos de acidente ou de

doenças, e o trabalho possui especial capacidade de gerar infortúnios. E explica-se:

utilizamos a expressão “trabalho capaz de gerar infortúnio” dentro do que vem

estabelecido para as precauções que devem ser tomadas no meio ambiente artificial

(onde se inclui o meio ambiente do trabalho) por estarem “ausentes condições

adequadas que têm sido causa de morte, doença, incapacidade e sofrimento dos

trabalhadores” (MACHADO, 1999, p. 42).

30 “As normas definidoras de direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata” (Constituição

Federal, art. 5o, par. 1o).

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A denominação meio ambiente encerra uma riqueza maior de sentido, mais

globalizante, abrangendo o natural, cultural e/ou artificial. O meio ambiente natural é o

físico, constituído pelo solo, água, ar atmosférico, flora e fauna e de toda a matéria e

energia que regem a natureza. É regido pelo homeostase, fenômeno de equilíbrio

dinâmico entre os seres vivos e o meio em que vivem; o meio ambiente cultural pode

ser enunciado como aqueles bens de natureza material e imaterial, bens que compõem

ou traduzem a história de um povo, a sua formação, cultura, seus valores apreciados de

qual for sua natureza, desde que integrem, componham material ou imaterialmente

valores ligados à cultura; o meio ambiente artificial é o compreendido pelos espaços

construídos, mantidos ou manipulados pela ação do homem.31 Para Krell (2002, p. 15)

é possível incluir, neste último conceito, o “meio ambiente do trabalho”32, do qual

passaremos mais em diante a nos preocupar.

2.4.2 Meio ambiente geral: conceitos doutrinário e legal

O aparecimento do homem, no planeta, passou a incidir, aos poucos, no

meio ambiente, alterando-lhe o natural equilíbrio, quando o ser humano necessitou das

coisas da natureza, utilizando-as para a alimentação ou para abrigar-se das

intempéries. No início, praticamente desprezível, a ação humana vai depois, aos

poucos, afetando o equilíbrio do meio circunvizinho e, nas últimas décadas, em razão

do avanço tecnológico e do aumento extraordinário da poluição mundial, constituiu-se

em ameaça flagrante ao próprio destino da humanidade, que sem a menor dúvida, se

extinguirá, a não ser que os governantes e toda a comunidade internacional, em

conjunto, detenham a ação predatória do homem, que se faz sentir por motivos

imediatistas traduzidos em omissões e atos positivos, destruidores da vida terrestre,

marinha, atmosférica e estratosférica.

Guerras, vazamentos de usinas nucleares e de petroleiros, fábricas móveis,

indústrias, escapamentos dos carros e chaminés, descargas das fábricas destroem a 31Cf. SILVA (1994b, p. 3) que corrobora com o nosso pensamento. 32Esse alargamento conceitual se deve à teoria do desenvolvimento sustentável, cada vez mais aceita

depois da Conferência da ONU sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente (RIO-92), segundo a qual é necessário adotar uma visão interdisciplinar e integral do meio ambiente (KRELL, 2002, p. 15).

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fauna marítima, fluvial e lacustre, as reservas florestais, o ar atmosférico, colocando

terra, mar e ar, em vias de colapso total.

A conservação ambiental há muito pouco tempo tem-se tornado uma

questão de relevância, adentrando no mundo político e jurídico, considerado a

importância que o tema requer.

O conceito de meio ambiente varia a partir da integração ou exclusão do seu

conceito dos elementos culturais ou artificiais.

Assim, nesse sentido Padilha (2002, p. 32) nos diz, [...] claro que quando a Constituição Federal, em seu art. 225, fala em meio ambiente ecologicamente equilibrado, está mencionando todos os aspectos do meio ambiente. E, ao dispor, ainda, que o homem para encontrar uma sadia qualidade de vida necessita viver nesse ambiente ecologicamente equilibrado, tornou obrigatória também a proteção do ambiente no qual o homem, normalmente, passa a maior parte de sua vida produtiva, qual seja, o trabalho.

Numa evolução de conceitos vamos encontrar em Freire (1992, p. 24) que no

Brasil o direito ambiental foi definido, em caráter pioneiro, por Luiz Fernando Coelho

como sendo "um sistema de normas jurídicas que, estabelecendo limitações ao direito

de propriedade e ao direito de exploração econômica dos recursos da natureza,

objetivam a preservação do meio ambiente com vistas à melhor qualidade de vida

humana".

Milaré (2000, p. 53) traz conceito de Ávila Coimbra que afirma ser

[...] o meio ambiente o conjunto de elementos físico-químicos, ecossistemas naturais e sociais em que se insere o homem, individual e socialmente, num processo de interação que atenda ao desenvolvimento das atividades humanas, à preservação dos recursos naturais e das características essenciais do entorno, dentro de padrões de qualidade definidos.

Já para Machado (2004, p. 139) [...] na medida em que ambiente é a expressão de uma visão global das intenções e das relações dos seres vivos entre eles e com seu meio, não é surpreendente que o Direito do Ambiente seja um direito de caráter horizontal, que recubra os diferentes ramos clássicos do Direito (Direito Civil, Direito Administrativo, Direito Penal, Direito Internacional), e um Direito de interações, que se encontra disperso nas várias regulamentações. Mais do que um novo ramo do Direito com seu próprio corpo de regras, o Direito do Ambiente tende a penetrar todos os sistemas jurídicos existentes para os orientar num sentido ambientalista.

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Para Canotilho (1991, p. 290), “ambiente” traduz-se como ambiance, ou seja,

como um “mundo humanamente construído e conformado” consistente em tudo o que

está presente na natureza, seja ou não decorrente da ação humana.

Encerrando os conceitos doutrinários temos em Milaré (2000, p. 201) que A visão holística do meio ambiente leva-nos à consideração de seu caráter social, uma vez definido constitucionalmente como bem de uso comum do povo, caráter ao mesmo tempo histórico, porquanto o ambiente resulta das relações do ser humano com o mundo natural no decorrer do tempo.Esta visão faz-nos incluir no conceito de ambiente, além dos ecossistemas naturais, as sucessivas criações do espírito humano que se traduzem nas suas múltiplas obras. Por isso, as modernas políticas ambientais consideram relevante ocupar-se do patrimônio cultural, expresso em realizações significativas que caracterizam, de maneira particular, os assentamentos humanos e as paisagens de seu entorno.

No Brasil as primeiras formulações legislativas disciplinadoras do meio

ambiente são encontradas na legislação portuguesa que vigorou até o advento do

Código Civil em 1.916, onde aparecem preocupações ecológicas mais acentuadas. Nas

décadas que seguiram, a questão tutelar do meio ambiente tomou contornos maiores,

surgindo os primeiros diplomas legais com regras específicas sobre fatores ambientais.

Na década de 1.960, com o movimento ecológico, novos diplomas legais surgiram com

normas mais diretas sobre prevenção e degradação ambiental. Foi, entretanto, a partir

da década de 80, sob o influxo da onda conscientizadora emanada da Conferência de

Estocolmo de 1.972, que a legislação sobre a matéria tornou-se mais consistente,

abrangente e voltada para a questão da proteção do meio ambiente.

Proliferou uma intensa produção legislativa com vistas à proteção específica

do meio ambiente. Alguns autores mencionam marcos do ordenamento jurídico que são

de extrema importância e que contornam amplamente a questão ambiental. O primeiro

grande marco é a edição da Lei 6.938 de 31.08.81, que conceituou o meio ambiente.

Além disso, instituiu o Sistema Nacional de Meio Ambiente.

O segundo marco foi a Lei 7.347 de 24.07.85, disciplinadora da ação civil

pública como instrumento processual específico para a defesa do ambiente e de outros

interesses difusos e coletivos.

O terceiro marco ocorreu com a promulgação da Constituição Federal de

1.988, que dedicou capítulo próprio ao meio ambiente, considerado um dos textos mais

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avançados do mundo. Com a Constituição Federal, vieram as Constituições Estaduais e

Leis Orgânicas com preocupações ecológicas.

Por fim, em quarto lugar, a Lei 9.605 de 12.02.98, que dispõe sanções

penais e administrativas aplicáveis às condutas lesivas ao meio ambiente.

O legislador ordinário considera como meio ambiente apenas os seus

elementos naturais, já que a Lei nº. 6.938/81 dispõe, em seu art. 3º, ser meio ambiente

o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e

biológica que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas. Harmonizado com

ele, o art. 5º, inciso LXXIII, da Constituição Federal33, trata separadamente o meio

ambiente e o patrimônio histórico e cultural.

Ainda hoje, importantes sistemas jurídicos, aí incluindo-se os Estados

Unidos, França (1958)34 e a Itália (1947), protegem o ambiente sem contar com apoio

expresso ou direto na Constituição. Em todos eles, doutrinadores e juízes procuram

“depreender de outros princípios ou de outros direitos um princípio de defesa do

ambiente, com as decorrências inerentes” (MIRANDA, 1993, p. 472). No regime

italiano, é na salvaguarda da saúde (art. 32) 35 que se vai, amiúde, buscar apoio para

amparar o meio ambiente36, compreendendo-se o direito à saúde, em sede doutrinária

e jurisprudencial, como “direito ao ambiente salubre”37. Isto ocorria também no sistema

constitucional brasileiro até a Constituição de 1.988. Entretanto, mesmo sem a proteção

constitucional eram promulgadas leis e regulamentos de proteção ao meio ambiente,

como visto acima.

33 Cf. art. 5º, LXXIII – "Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato

lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência;"

34Segundo Prieur (2001, p. 56), na França a proteção ambiental não é ainda uma liberdade pública constitucionalmente garantida, não obstante ter a Lei de 2 de fevereiro de 1995 admitido um direito de todos a um ambiente sadio.

35Art 32 – La Repubblica tutela la salute come fondamentale diritto dell’individuo e interesse della collettività, e garantisce cure gratuite agli indigenti.

36 Para Guerio D’Ignazio, embora a Constituição italiana não contenha uma disciplina orgânica da matéria ambiental, o aplicador pode se amparar em dispositivos isolados, como o art. 9o, que trata da proteção da paisagem, ou o art. 32, segundo o qual a saúde é “direito fundamental do indivíduo e de interesse da coletividade”. Cf. Guerio D’Ignazio. La protezione della natura nell’ordinamento italiano. In Luca Mezzetti (a cura di), I Diritti della Natura. Paradigmi di Giuridificazione dell’Ambiente nel Diritto Pubblico Comparato. Milani: CEDAM, 1997. p. 28.

37 Cf. Vezio Crisafulli e Livio Paladin, Commentario Breve alla Costituzione. Padova: CEDAM, 1990. p. 217.

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53

A partir da Constituição de 1988 a proteção do meio ambiente ganhou

identidade própria, definindo os fundamentos da proteção ambiental. A nova

Constituição despertou a consciência da necessidade da convivência harmoniosa com

a natureza. Traduz em diversos dispositivos o que pode ser considerado um dos

sistemas mais abrangentes e atuais do mundo sobre a tutela do meio ambiente. A

dimensão conferida ao tema vai desde os dispositivos do capítulo VI do Título VIII, até

inúmeros outros regramentos insertos ao longo do texto nos mais diversos Títulos e

Capítulos.

A Constituição Federal ao dar tratamento jurídico ao meio ambiente como

bem de uso comum do povo, criou um novo conceito jurídico. Isto porque, até então,

tinha-se como integrantes do conceito de bem de uso comum os rios, os mares, praias,

estradas, praças e ruas. O meio ambiente deixou de ser coisa abstrata, sem dono, para

ser bem de uso comum do povo, constitucionalmente protegido.

As Constituições que precederam a de 1988, jamais se preocuparam com a

proteção do ambiente de forma específica e global. Nelas jamais foi empregada a

expressão "meio ambiente", revelando total despreocupação com o tema.

Machado, na primeira edição da sua obra Direito Ambiental Brasileiro,

pregava, já em 1982, que o meio ambiente merecia “melhor formulação na Constituição

Federal. O fato, contudo, da inexistência de um ordenamento específico não pode ser

entendido como inibidor das regras sobre a defesa e proteção da saúde notadamente”

(MACHADO, 1982, p. 8). E acrescentava: Se de um lado a Constituição não tratou o ambiente de forma abrangente e global, de outro lado, muitas matérias que integram o tema ambiente foram contempladas no texto maior do país. Assim, águas, florestas, caça, pesca, energia nuclear, jazidas, proteção à saúde humana foram objeto das disposições constitucionais.

O meio ambiente, em decorrência da relevância que apresenta à saúde e à

preservação da vida no planeta, mereceu do legislador constituinte de 1.988 especial

cuidado. A Constituição Federal confere a todo cidadão, sem exceção, direito subjetivo

público ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, oponível ao Estado que

responderá por danos causados ao ambiente, só, ou solidariamente, caso o dano seja

decorrência de entidade privada, por ele não policiada.

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2.5 A responsabilidade civil no meio ambiente

É mister que se verifique, também, no presente capítulo como vem sendo a

responsabilização de quem degrada o meio ambiente natural, haja vista que neste é

que vem inserido o meio ambiente artificial como se verá adiante.

O Direito está em evolução constante, mas nas últimas décadas acelera-se

esse processo de atualização, como exigência decorrente da própria celeridade das

mudanças de ordem social. Tem-se detectado teorias originais na sua concepção,

buscando, no âmbito dos direitos constitucionais, principalmente, uma nova dimensão

além daquelas que visam à proteção de direitos individuais ou coletivos.

Na concepção de Bonavides (1993, p. 481), há um novo pólo de alforria do

homem, além dos tradicionais que eram a liberdade e a igualdade. Se o lema da

Revolução Francesa compreendia esses dois valores, o terceiro era o da fraternidade.

Mas esta, a fraternidade, cingiu-se mais às regras éticas e morais, sendo alijada da

normatividade jurídica. Não é assim, agora. Se o valor fraternidade tem uma dimensão

imensa, não poderia a ele ficar alheio o Direito. E, por fim, absorvido que foi, surgiu um

novo pólo jurídico, denominado de "direitos de terceira geração", na medida em que não

se destinam especificamente à proteção de interesses de um grupo ou de um

determinado Estado, tendo, como objeto próprio, nada mais nada menos do que o

próprio gênero humano. Este seria o "valor supremo em termos de existencialidade concreta”.

Esses direitos de terceira geração materializam-se como a coroação de um

movimento evolutivo do direito ao longo de três séculos para a concretização dos

direitos fundamentais, surgindo dentre eles o “direito ao meio ambiente” ao lado de

outros como o direito ao desenvolvimento, o direito à paz, o direito de propriedade

sobre o patrimônio comum da humanidade e o direito de comunicação. Nessa

conformidade, a estes cinco tipos de novos direitos firmou-se um entendimento entre os

juristas de que se trata de uma nova concepção dos "direitos da fraternidade", não

apenas por despertar a curiosidade jurídica, mas um imenso respeito, por dizer,

intrinsecamente, com um dos mais elevados valores éticos da humanidade, o da solidariedade.

Em seguida, passaremos a demonstrar que, dentro do meio ambiente

artificial, encontra-se incluído o meio ambiente do trabalho.

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55

CAPÍTULO 3

MEIO AMBIENTE DO TRABALHO

3.1 Aspectos gerais

Com o surgimento há algumas décadas dos estudos ambientais criou-se o

conceito de meio ambiente, o qual se limitava a se relacionar apenas às condições

naturais, mas após a Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio-92, o

fator humano passou a integrá-lo, incluindo os problemas do homem como relacionados

diretamente à problemática ambiental como a pobreza, o urbanismo etc. Assim, o

conceito apenas clássico perdeu sentido ante as novas proposições da referida

conferência.

Registre-se em enfoque histórico e, como preceito básico da legislação

trabalhista, que a Constituição de 1946 (art. 157, inciso VIII) elegeu a higiene e a

segurança do trabalho como fator de melhoria da classe trabalhadora, no que foi

seguida pela Constituição de 1967 (art. 158, inciso IX) e pela Emenda Constitucional n.

1 de 1969 (art. 165, inciso IX).

Recentemente, no ordenamento jurídico brasileiro, antes mesmo da

realização da ECO-92, a Constituição Federal de 1988 já trouxe no seu Capítulo II, art.

7°, caput, inciso XXII, a “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas

de saúde, higiene e segurança”. Determinou, dessa maneira, o legislador constituinte,

em item próprio, aos empregadores que adotassem, em seus estabelecimentos e nos

ambientes de trabalho, normas e procedimentos cautelares de modo a reduzir os riscos

inerentes ao trabalho, através de medidas adequadas, de modo a preservar a sanidade

ambiental, garantindo condições propícias de higiene e segurança.

Em outros dispositivos, também se pode vislumbrar a preocupação do

constituinte de 1988, relativos ao meio ambiente do trabalho. Com efeito, o art. 39, § 3°,

da CF 1988, estende esse direito aos servidores públicos civis. O art. 225, caput, já

várias vezes enunciado, dá os parâmetros da proteção jurídica dispondo que “todos têm

direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e

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essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o

dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. O art. 200,

inciso VIII, quando fixa a competência do Sistema Único de Saúde (SUS), ao relacionar

as suas atribuições utiliza a expressão “meio ambiente do trabalho” e dispõe que é seu

dever “colaborar na proteção do meio ambiente do trabalho”. Em reforço à sadia

qualidade de vida e à dignidade da pessoa humana, no capítulo dedicado à ordem

econômica e financeira, e como já visto, o inciso VI do art. 170 observa dentre outros, o

princípio “da defesa do meio ambiente”.

Essa preocupação legislativa do nosso constituinte originário cedo nos leva a

concluir que a proteção sobre o meio ambiente do trabalho vem estabelecida nesse

primeiro momento, sem precisarmos fazer maiores incursões. O Texto Fundamental em

seu conjunto converge para a concluirmos que a intenção do legislador foi de dar

proteção ao meio ambiente de trabalho, afastando o trabalhador, realmente, das

vicissitudes que contra ele ocorriam no desempenho de suas atribuições.

Contrapondo-se ao que agora se afirma Krell (2002) entende que a norma

insculpida no art.200, inciso VIII, CF/88 não comprova por si que o meio ambiente do

trabalho estaria necessariamente incluído no conceito do meio ambiente geral protegido

pelo art. 225 e que, só a partir de uma visão holística38 do meio ambiente e o abandono

da dicotomia entre o meio ambiente natural e artificial, é que há uma tendência para a

proteção, quer no interior ou exterior das fábricas onde o trabalho humano é

desenvolvido.39

Passaremos, a seguir, a analisar qual o conceito40 mais consentâneo sobre o

meio ambiente do trabalho.

38 Holismo é a ciência que vê e analisa todos os problemas ou situações ou relações como fazendo parte

de um todo, como parte de um processo que se desenvolveu desde o início dos tempos, que sempre existiu e sempre existirá, seja relativamente ao mundo material ou imaterial, físico ou energético, real ou metafísico. (COSTA, apud KRELL, 2002).

39 Cf. MACHADO (1999, p. 87-94), corrobora com nosso entendimento. 40 Por conceito entendemos no sentido de idéia, opinião, juízo; (que se faz de alguém ou de alguma

coisa); objeto concebido pelo espírito (GARCIA, 1979).

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57

3.2 Conceito

A multiplicidade de locais onde se desenvolvem as atividades dos

trabalhadores — a revelar um complexo de condicionantes nem sempre uniformes —

dificulta o estabelecimento de um conceito preciso do meio ambiente laboral. Daí

decorre sua multifária visão, com matizes que o diferenciam dos chamados meio

ambiente natural e meio ambiente cultural (aquele produzido pelo homem, de natureza

artificial).

Por outro lado, o meio ambiente do trabalho mantém estreitas relações com

o local de prestação dos serviços, em geral no estabelecimento patronal41. Observe-se

a peculiar condição dos trabalhadores que exercem atividades subaquáticas

(mergulhadores), sendo fácil constatar, neste caso, que o meio ambiente natural é o

local de prestação de serviços.

Conceituar, neste contexto, o meio ambiente do trabalho não é tarefa fácil,

considerando que doutrinadores de escol defendem a tese do conceito “camaleônico”

de meio ambiente. De todo modo, a Lei n. 6.938/81, em seu inciso I do art. 3°, traz a

definição legal de meio ambiente como o conjunto de condições, leis, influências e

interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em

todas as suas formas. É ela mesma, como já vimos, que trata da Política Nacional do

Meio Ambiente e define a poluição como a degradação da qualidade ambiental

resultante de atividades que diretamente ou indiretamente: prejudiquem a saúde, a

segurança e o bem estar da população ou afetem as condições estéticas ou sanitárias

do meio ambiente e como poluidor a pessoa física ou jurídica, de direito público ou

privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação

ambiental (art. 3°, III e IV).

Claro está que as definições destacadas espelham com fidelidade o meio

ambiente natural, a poluição e o poluidor. Todavia, é Silva (1994, p. 2) quem fornece

um conceito globalizante sobre o meio ambiente ao dizer que é a interação do conjunto

41Verificam-se situações excepcionais de realização do trabalho no domicílio do empregado, algumas

com fornecimento das ferramentas (máquinas, equipamentos, matéria-prima etc.) necessárias ao desempenho do serviço.

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de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento

equilibrado da vida em todas as suas formas.

Conquanto seja antiga a compreensão da relação trabalho doença (os

romanos foram os primeiros a reconhecê-la), entretanto data de muito pouco tempo a

relação entre o meio ambiente e a saúde dos trabalhadores. Entendia-se que ambiente

do trabalho é o “conjunto das condições de produção em que, simultaneamente, a força

do trabalho e o capital se transformam em mercadorias e em lucro” (ODDONE apud

MACHADO, 1999, p. 66).

Krell (2002, p. 15) conceitua meio ambiente do trabalho como “ambiência na

qual se desenvolve as atividades do trabalho humano ou o conjunto das condições

internas e externas do local de trabalho e sua relação com a saúde dos trabalhadores”

[grifos do autor].

Analisadas tais concepções, pode-se traduzir o meio ambiente do trabalho

como sendo o local42 onde se desenvolve a prestação dos serviços quer interna ou

externamente, e também o ambiente reservado pelo empregador para o descanso do

trabalhador, dotado de condições higiênicas básicas, regras de segurança capazes de

preservar a integridade física e a saúde das pessoas envolvidas no labor, com o

domínio, o controle, o reconhecimento e a avaliação dos riscos concretos ou potenciais

existentes, assim considerados agentes químicos, físicos e biológicos, no objetivo

primacial de propiciar qualidade de vida satisfatória e a proteção secundária do

conjunto de bens móveis e imóveis utilizados na atividade produtiva.

3.3 O meio ambiente do trabalho e as constituições estaduais

O Direito Ambiental não deve ser concebido a partir de um enquadramento

rígido, como ocorre com outros ramos do Direito. Basta verificar que as normas que o

compõem inserem-se nos mais variados diplomas legais e atuam sobre as relações

sociais estabelecidas com os elementos do meio de ordem natural, artificial, cultural ou

do trabalho. 42Local de trabalho é definido na alínea c do art. 30 da Convenção 155, da OIT, como sendo “todos os

lugares onde os trabalhadores devem permanecer ou onde têm de comparecer, e que estejam sob controle, direto ou indireto, do empregador”.

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Assim, defende-se a preservação do equilíbrio ambiental na legislação

atinente ao uso dos agrotóxicos (Lei 7.802/89), no Código de Trânsito Brasileiro (Lei

9.503/97), na Consolidação das Leis do Trabalho (Capítulo V, Título II), na Lei Penal

Ambiental (Lei 9.605/98), no Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), entre

tantos outros, abordando matéria civil, penal e administrativa, sempre de conformidade

com o Capítulo VI, do Título VIII, da Constituição Federal, que cuida especificamente do

meio ambiente.

Derani (1997, p. 88) contribui para a compreensão do movimento específico

do Direito Ambiental, que define como "transversal", explicando que: "Ele perpassa todo

o ordenamento jurídico, não lhe cabendo delimitação rígida e estática. A ele é

característico o movimento próprio das sociedades que integra

A correlação entre meio ambiente e saúde emerge do próprio texto do caput

do art. 225 constitucional ao afirmar que a preservação do meio ambiente equilibrado é

"essencial à sadia qualidade de vida."

Ora, segundo Milaré (2000, p. 211) Em linguagem técnica, meio ambiente é 'a combinação de todas as coisas e fatores externos ao indivíduo ou população de indivíduos em questão'. Mais exatamente, é constituído por seres bióticos e abióticos e suas relações e interações. Não é mero espaço, é a realidade complexa.

Referida definição ajusta-se à definição legal de meio ambiente, constante do art. 3°, I,

da Lei 6.938/81, legislação esta que estabeleceu a política nacional do meio ambiente e

que foi quase totalmente recepcionada pela Constituição Federal de 1988.

Ora, conforme já visto supra a determinação endereçada pelo inciso VIII, do

art. 200, da Carta Magna, ao Sistema Único de Saúde, no sentido deste colaborar na

conservação e defesa do meio ambiente, notadamente do meio ambiente do trabalho,

dentre as disposições específicas à saúde, conclui-se que a saúde e o meio, que a

influencia, mantêm permanente e estreita relação entre si.

O meio ambiente não pode ser fracionado: é o todo externo à pessoa

humana. O respeito à dignidade da pessoa humana, fundamento da República

Federativa do Brasil, como preconiza o art. 1°, III, da Carta de 1988, bem como o

respeito ao trabalho, manifestação do caráter gregário que preside as relações

humanas desde tempos remotos, impõe considerar que as atividades humanas

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produtivas, em benefício da sociedade, não podem ser realizadas em condições

adversas à saúde, alçada à condição de direito social fundamental pelo artigo 6°,

também presente na Norma Maior.

O meio ambiente do trabalho deve permitir a preservação da integridade

física e psicológica do trabalhador, compatibilizando os meios de produção com o

equilíbrio ambiental interno aos locais onde se desenvolvem as atividades laborativas.

Trata-se do direito à vida, bem indissociável à saúde, que lhe atribui a necessária

qualidade, resultando que o bem jurídico ambiental tutelado, quando se trata

especificamente do aspecto relativo ao meio ambiente do trabalho, é a saúde.

3.3.1 As constituições estaduais

O bem jurídico tutelado pelas normas ambientais, no meio em que a pessoa

humana desenvolve suas atividades produtivas, é a saúde e não o trabalho

subordinado. A competência para legislar sobre trabalho, regido por contrato próprio, é

da União, consoante dispõe o art. 22, I, da Carta Magna. Referida competência engloba

apenas os aspectos contratuais, pecuniários e processuais relativos ao exercício do

trabalho subordinado.

Entretanto, quando se trata de proteger a vida, a saúde e a dignidade da

pessoa que trabalha, em relação direta com a influência proveniente do meio ambiente

em que esta se ativa, a competência tanto material como legislativa diz respeito ao

meio ambiente e à saúde, competindo aos demais entes federados, além da União,

como prevêem os artigos 23. 24 e 3043, da Lei Maior, zelar pela proteção do meio em

que o trabalhador exerce suas atividades, bem como buscar a preservação da saúde

humana.

43 Art. 23 - competência material comum entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios - o inciso II

determina que todos estes entes federados cuidem da saúde da população e o inciso VI, preconiza que devem proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas.

b) Art. 24 - competência legislativa concorrente entre União, Estados e Distrito Federal - o inciso VI permite que legislem sobre a proteção do meio ambiente e controle da poluição, o inciso VIII que disciplinem adequadamente a responsabilidade por dano ao meio ambiente e o inciso XII que estabeleçam normas acerca da proteção e defesa da saúde.

c) Art. 30, I e II, resta estabelecida a competência dos Municípios para legislar sobre assuntos de interesse local e suplementar as legislações federal e estadual.

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Conforme dito acima com base na afirmação de Derani (1997) sobre o

movimento transversal do Direito Ambiental, presente nos mais diversos diplomas

legais, perpassando todo o ordenamento jurídico, verifica-se que a Consolidação das

Leis do Trabalho, no Capítulo V, do Título II, que cuida da segurança e medicina do

trabalho, não contém apenas normas endereçadas àquele que está sob contrato de

trabalho, em sentido estrito, mas normas ambientais relacionadas à prática de qualquer

trabalho, em defesa da saúde, ao buscar a manutenção de um meio ambiente propício

à incolumidade física do obreiro.

Assim, o art. 154, da CLT, prevê não bastar obediência ao disposto no

Capítulo V, mas determina que o empregador ou todo aquele que se utiliza, a qualquer

título, da força de trabalho humana cumpra as disposições relativas à matéria

concernente à saúde do trabalhador, no meio ambiente laboral, incluídas em códigos de

obras ou regulamentos sanitários dos Estados ou Municípios, em que se situem seus

estabelecimentos.

Fiorillo (2000, p. 211) assevera que "[...] jamais se deve restringir a proteção

ambiental trabalhista a relações de natureza unicamente empregatícia" [...] "O que

interessa é a proteção ao meio ambiente onde o trabalho humano é prestado, seja em

que condição for [...]".

Os Estados vêm legislando sobre matéria de saúde no trabalho, inserindo

normas de observação obrigatória, em seus territórios, nas respectivas Constituições.

3.3.1.1 Constituição do Estado do Maranhão

Buscando implementação de sua Política Estadual do Meio Ambiente o

Estado do Maranhão delineou na sua Carta Constitucional diversas competências. Mas

diferentemente do que se verifica com a Constituição Federal que separou os Títulos da

“Ordem Econômica e Financeira” da “Ordem Social” e nesta última cuida da matéria

ambiental, o Estado do Maranhão na sua Carta de Princípios aglutinou esses dois

Títulos denominando-o “Da Ordem Econômica e Social” e no Capítulo IX, os artigos 239

a 250 tratam “Do Meio Ambiente”.

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A Carta do Estado do Maranhão, no seu art. 239, define o meio ambiente

ecologicamente saudável e equilibrado como direito de todos e lhe dá a natureza de

bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se à

coletividade e em especial ao Estado e aos Municípios o dever de zelar por sua

preservação e conservação em benefício das gerações atuais e futuras. No § 1° desse

artigo pode-se ver instituído o princípio da “reparação”, pois aquele que devastar a flora

nas nascentes e margens dos rios, riachos e lagos de todo o Estado será

responsabilizado patrimonial e penalmente, na forma lei. A responsabilidade, no caso, é

a objetiva.

O art. 240, ao dispor que a atividade econômica conciliar-se-á com a

proteção ao meio ambiente e que a utilização dos recursos naturais será feita de forma

racional para preservar as espécies e para evitar danos à saúde, à segurança e ao bem

estar das populações, esta em consonância com o princípio da garantia do

desenvolvimento econômico e social sustentado o qual enuncia que deve haver um

equilíbrio entre as vantagens econômicas e o impacto no meio ambiente, ou seja, todas

as implicações de uma intervenção no meio ambiente devem ser avaliadas, buscando

adotar o caminho mais razoável para não importar em gravames excessivos para o

meio ambiente (MIRRA, 1996).

O art. 241 ao dispor que na defesa do meio ambiente, o Estado e os

Municípios levarão em conta as condições dos aspectos locais e regionais e

assegurarão: que é seguido por XI incisos e diversas alíneas, arrola as medidas e

providências que incumbem a esses entes Públicos tomar, deveres específicos para

lhes dar efetividade além de condutas preservacionistas a quantos possam direta ou

indiretamente gerar danos ao meio ambiente. Dentre os princípios ambientais podemos

encontrar estabelecidos o do princípio da supremacia do interesse público na proteção

do meio ambiente em relação aos interesses privados (art. 241, incisos I a IV, alíneas

“a” a “i”); princípio da intervenção estatal obrigatória na defesa do meio ambiente (inciso

V, alíneas “a” a “e” e incisos VI e VII); princípio da avaliação prévia dos impactos

ambientais das atividades de qualquer natureza (inciso VIII); princípio da informação

(inciso IX); princípio da reparação (inciso X); princípio da participação popular na

proteção do meio ambiente (inciso XI) (MIRRA, 1996, p. 58).

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De se observar que nenhum dos artigos, aqui referenciados da Constituição

do Estado do Maranhão, trata de Direito do Trabalho. Referem-se todos eles ao Direito

Ambiental.

Entretanto, se a Constituição Federal de 1988 estabelece em seu art. 24,

competência concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal para legislar

sobre vários temas, entre eles proteção do meio ambiente e controle da poluição (inciso

VI, in fine), responsabilidade por dano ao meio ambiente (inciso VIII, 1ª parte), proteção

e defesa da saúde (inciso XII), de outro no art. 22, inciso I quando trata de competência

privativa da União di-la que é só dela a competência para legislar sobre Direito do

Trabalho. Por essas circunstâncias não pode o Estado legislar sobre o meio ambiente

do trabalho, mas tão somente sobre o meio ambiente natural e cultural.44

O artigo 246 trata da legitimidade do Ministério Público Estadual para atuar

na proteção e defesa do meio ambiente e do patrimônio paisagístico, cultural, artístico e

arqueológico.

A legitimidade de atuação do Ministério Público Estadual para atuar na

proteção e defesa do meio ambiente entendemos, ser, também, só no que diz respeito

ao meio ambiente natural e cultural, conferindo-se ao Ministério Publico do Trabalho a

legitimidade para atuar na defesa e proteção do meio ambiente artificial onde se

encontra incluído o meio ambiente do trabalho.

3.3.1.2 Constituição do Estado do Amazonas

O § 2°, do artigo 229, da Constituição do Amazonas, consagra

taxativamente, a proteção ao meio ambiente do trabalho, pois, se no caput do artigo

dispõe que: "Todos têm direito ao meio ambiente equilibrado, essencial à sadia

qualidade devida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo

e preservá-lo", no §2° já aludido especifica: "Esse direito estende-se ao ambiente de trabalho, ficando o Poder Público obrigado a garantir essa condição contra qualquer

ação nociva à saúde física e mental do trabalhador".

44 Cf. FIGUEIREDO (2000, p. 217-234), que tem posição contrária a minha, entendendo ser possível os

Estados legislarem sobre direito ambiental do trabalho.

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3.3.1.3 Constituição do Estado da Bahia

O art. 218 desta Constituição Estadual dispõe expressamente: "O direito ao

ambiente saudável inclui o ambiente de trabalho, ficando o Estado obrigado a garantir e

proteger o trabalhador contra toda e qualquer condição nociva à sua saúde física e

mental."

O art. 239 determina às empresas que submetam, periodicamente, seus

empregados expostos a substâncias químicas, tóxicas ou radioativas a exames

médicos individuais.

3.3.1.4 Constituição do Estado de São Paulo.

O artigo 220, § 1°, presente na Seção II, do Capítulo II, do Título VII, ao

cuidar da Saúde, estabelece: "As ações e os serviços de preservação da saúde

abrangem o meio ambiente natural, os locais públicos e de trabalho."

Significativas são as disposições presentes no art. 223 ao determinar ao

sistema único de saúde: a) no inciso II, a identificação e controle dos fatores

determinantes e condicionantes da saúde individual e coletiva, mediante ações

referentes à saúde do trabalhador, de acordo com previsão contida na alínea "c"; b) no

inciso VI, a colaboração na proteção do meio ambiente, incluindo o do trabalho, a partir

de atuação no processo produtivo para garantir o acesso dos trabalhadores às

informações respeitantes a atividades que comportem riscos à saúde e a métodos de

controle e adoção de medidas preventivas de acidentes e doenças do trabalho.

Em decorrência desse espectro de proteção conferido ao meio ambiente do

trabalho, a Constituição Paulista estipula, no art. 229 § 3°, que o Estado atuará para

garantir a saúde e a segurança dos empregados no ambiente de trabalho.

O § 4°, deste mesmo artigo, assegura a cooperação dos sindicatos de

trabalhadores nas ações de vigilância sanitária desenvolvidas no local de trabalho e o §

2° garante a interrupção de atividades que coloquem em risco a integridade do trabalhador, o que equivale à garantia de paralisação do trabalho, para a manutenção

da salubridade do meio ambiente, como meio de defesa, sem a necessidade do

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cumprimento das exigências procedimentais, especialmente de prazos, estabelecidas

pela Lei 7.783/89, que disciplina a greve, tendo em vista a expressa autorização

constitucional de paralisação do trabalho na defesa de bem indispensável à

manutenção da vida e de sua sadia qualidade: a saúde.

3.3.1.5 Constituição do Estado do Rio de Janeiro

O art. 290, inciso X, estabelece na alínea "c" o "controle e fiscalização dos

ambientes e processos de trabalho nos órgãos e empresas públicas e privadas,

incluindo os departamentos médicos", na alínea "d" assegura "direito de recusa ao

trabalho em ambientes sem controle adequado de riscos, assegurada a permanência

no emprego" e na alínea "h" determina a "intervenção, interrompendo as atividades em

local de trabalho em que haja risco iminente ou naqueles em que tenham ocorrido

graves danos à saúde do trabalhador."

Oferece, por conseguinte, ao trabalhador dois importantes meios de defesa

da higidez do meio ambiente do trabalho: a paralisação das atividades em casos de

riscos não controlados, sem maiores óbices ou exigências legais, e a intervenção

estatal no sentido de interromper atividades em locais de trabalho com acentuado risco

à saúde humana.

3.4 Princípios ambientais

Da mesma forma em que demonstramos estar “o meio ambiente do trabalho”

inserido no “meio ambiente natural”, também, faremos uma incursão pelos princípios

estabelecidos para o meio ambiente em geral (natural) para fazermos uma correlação

entre estes e o que nominamos de “princípios do meio ambiente do trabalho”. No

entanto, antes de nos determos sobre os “princípios do meio ambiente do trabalho”, há

a nosso ver, para melhor entendermos o que queremos enfocar sobre tal que, antes

façamos uma digressão e falemos sobre o que é “princípio” diferenciando-o de regra e,

ao mesmo tempo ainda que em linhas breves, façamos referência sobre “princípios

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ambientais do meio natural”. Nesse compasso vejamos o que os nossos autores dizem

sobre princípio.

3.4.1 Princípios

Para entendermos o que são os princípios, antes teremos que fazer uma

distinção entre princípios e regras.

Os Princípios são verdadeiros comandos ordenadores do sistema, que tem

por função inspirar a compreensão das regras jurídicas, informando o seu sentido e

servindo de mandamento nuclear destas, já as regras, possuem um grau de

concretização maior, dado que regula o fenômeno jurídico com um grau menor de

abstração.

Ainda, os princípios são pautas de valores, mandamentos de natureza

nuclear do sistema jurídico, que direcionam e concretizam a aplicação das normas

jurídicas; podem ser os princípios tanto expressos como implícitos, enquanto as regras

só podem ser expressas; não comportam exceções, enquanto os princípios sim; as

regras, quando confrontadas entre si, podem expressar antinomias, os princípios não;

eles não se excluem, enquanto as regras sim, quando confrontadas. Conclui-se assim,

que as regras para serem aplicadas devem sopesar os princípios que as instruem,

estes são hierarquicamente superiores às mesmas, conquanto este não seja um

entendimento majoritário. Os princípios constituem-se em fontes basilares para

qualquer ramo do direito, influindo tanto em sua formação como em sua aplicação.

Toda forma de conhecimento filosófico ou científico implica na existência de princípios.

Reale (1993, p. 299) diz que: [...] os princípios são verdades fundantes de um sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também por motivos de ordem prática de caráter operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades de pesquisa e de práxis.

Elementos fundamentais da cultura jurídica humana são os pressupostos

lógicos e necessários das diversas normas legislativas.

Podemos, pois concluir que os princípios são os pontos básicos e que

servem para a elaboração e aplicação do direito.

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67

3.4.2 Princípios do meio ambiente natural

A expressão legislação ambiental pode assumir sentido variado.

Dependendo da forma, ou ângulo como é utilizada, essa expressão pode ser entendida

no sentido puramente legislativo ou normativo (não como ciência) e, assim sendo, vem

a nossa mente a idéia de parte do ordenamento jurídico aplicado ao meio ambiente,

sejam regramentos expressos no texto constitucional, em leis ordinárias,

complementares, decretos-legislativos, resoluções etc. Mas, também podemos pensar a

legislação ambiental em outra perspectiva, isto é, quando princípio e norma se

conciliam como mecanismo disciplinador dirigido ao meio ambiente.

Mas de toda sorte não nos é desconhecida, como já visto supra, a diferença

que existe entre o princípio e a norma, visto que aquele se constitui num dado de

síntese superior, como fonte ou sede condensada de inspiração para o legislador

ordinário (MELLO, 1995, p. 477-478).

Os princípios seriam os pilares, os fundamentos do sistema jurídico ou os

“mandamentos nucleares do sistema jurídico” Mello (1995), com os quais este se

concilia com harmonia; é dos princípios que se irradia a luz que inspira a criação e

esclarece a compreensão de cada uma de todas as normas de direito. Por conseguinte,

as normas trazem, em si, uma carga de princípios visto que estes têm sede,

especialmente na Carta Fundamental.

Assim, os princípios constitucionais são aqueles que guardam os valores

fundamentais da ordem jurídica, eles não regulam situações específicas, mas regulam

todo o mundo jurídico.

Sem eles a Constituição seria um aglomerado de normas que só teriam em

comum o fato de estarem juntas no mesmo diploma jurídico, assim, por mais que as

normas constitucionais demonstrem estar em contradição, esta contradição diminui com

a força catalisadora dos princípios.

Os princípios constitucionais têm outra função muito importante, que é servir

como critério de interpretação das normas constitucionais, ao legislador ordinário, no

momento de criação das normas infraconstitucionais, aos juízes, no momento de

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aplicação do direito e aos próprios cidadãos, no momento da realização de seus

direitos.

Os princípios constitucionais dão sistematização ao documento

constitucional, servem como critério de interpretação deste, e alastram os seus valores

sobre todo o mundo jurídico.

A questão ambiental vem tendo uma crescente repercussão e motivando

uma grande preocupação em toda a população mundial. Milaré (2000, p. 34) observa

que o alerta para a gravidade desses riscos foi dado em 1972, em Estocolmo, na

”Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano”. Teve como

motivação o que perceberam as nações mais ricas e industrializadas sobre o que vinha

acontecendo com a degradação ambiental causada pelo seu processo de crescimento

econômico e progressiva escassez de recursos naturais.

Essa tomada de consciência mundial obriga que se faça uma revisão e

renovação dos conceitos existentes, agora, com uma preocupação com o futuro;

preservação perene do planeta.

O Brasil não ficou alheio a essa preocupação e vem surgindo uma legislação

ambiental, a partir de conferências, acordos e legislações internacionais, consagradoras

de novos princípios e regramentos voltados à preservação do meio ambiente, visando a

impedir os danos que lhe são causados, acarretando conseqüências grandiosas, que

comprometem a própria sobrevivência humana e de todos os seres vivos.

Diante disso obriga-se que se estabeleça um equilíbrio no sentido de que ao

tempo em que não devam ser frustrados o desenvolvimento econômico e a

continuidade do progresso técnico-científico, mas que estes se façam sem, contudo

atingir o meio ambiente, preservando-se a natureza, com o compromisso de assegurar,

no presente, a sobrevivência das gerações futuras.

Acresce frisar que todo sistema de desenvolvimento se assenta na economia

e esta, fundamentalmente, no avanço industrial e este, por conseqüência causa uma

agressão imensurável ao meio ambiente produzindo poluição gerada em todos os

níveis, o que deve ser combatido. Assim, há necessidade de que sejam feitas

inovações nas legislações para o controle da poluição gerada, impondo-se obrigações e

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responsabilizações a todos aqueles que, de modo intencional ou não, venham a causar

degradação ambiental.

3.4.2.1 Princípio do poluidor-pagador

Na Constituição Federal, art. 225, e como já visto, encontramos a

consagração do direito ambiental como direito fundamental do indivíduo, com o

estabelecimento de obrigações a que todos estão vinculados. Sendo assim, encontra-

se recepcionada toda norma ambiental que com ela não colida. No § 3° deste artigo, é

que vem estampado referido princípio quando estabelece “sanções penais e

administrativas, independentes do dever de indenizar a qualquer pessoa que por ação

ou omissão, com culpa ou dolo, cause degradação ao meio ambiente”.

Assim, vamos encontrar na legislação nacional, dentro do que preceitua o

art. 4º, inciso VI, combinado com o §1º do art. 14 da Lei n. 6.938/81 – Lei da Política

Nacional do Meio Ambiente o princípio “poluidor pagador”, “predador pagador”

(MACHADO, 2004) que significa, conforme Antunes (2000, p. 33) “pagamento do custo

relativo à degradação causada ao meio ambiente por sua utilização de forma

inadequada e negativa, cabendo a responsabilização objetiva e sanção em virtude do

ilícito praticado”. Como a recuperação e/ou limpeza do bem ambiental poluído ou

prejudicado, implicam em custo público, em função de que se trata de bem cuja

natureza jurídica é pública, devem ser suportados seus custos por todo aquele que de

forma não racional utilizou o bem e causou a degradação.

Preferimos a nomenclatura “predador pagador”, pois permite uma melhor

interpretação, haja vista que “poluidor-pagador” poder-nos-á levar ao entendimento de

que, se quem polui, pode arcar com os custos pode poluir; ou pode contaminar desde

que para tanto suporte o pagamento.

Machado, Porto e Freitas (2000, p. 46) entendem o alcance do princípio em

duas órbitas: uma vinculada ao princípio da prevenção, evitar a ocorrência de danos

ambientais; outra ao princípio da repressão, a reparação, com a responsabilização

residual ou integral do poluidor, quando da ocorrência de um dano ambiental.

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Por via de conseqüência, este princípio com sede na nossa Lei Fundamental

visa como efetivação, a evitar a poluição do meio ambiente, a sua degradação, não se

conferindo ao poluidor o direito de com o pagamento destruir a natureza. E essa

responsabilização é objetiva o que no início, quando da entrada em vigor da nova

Constituição foi questionado, ante que o texto constitucional não havia consagrado o

que vinha disposto na legislação ordinária (Lei n. 6.938/81) ao não inserir a expressão

“independentemente da existência de culpa” (MARQUES, 1999, p. 135). Hoje, esse

questionamento está superado.45

O efetivo exercício do direito de proteção ao meio ambiente, o direito de agir

ativamente em nome da coletividade, se tem no Ministério Público, nas Associações

Civis, nas Administrações Públicas Diretas, Indiretas e Fundacionais, consagrado não

só na Lei n. 7.347/85 como no Código de Defesa do Consumidor, o que se constitui

num grande avanço, diante da Lei n. 6.938/81 que, repita-se, instituiu a Política

Nacional do Meio Ambiente.

Concluindo, a Constituição Federal e a legislação ambiental decorrente e por

ela recepcionada, procura garantir a todos um ambiente ecologicamente equilibrado e o

faz com escopo de preservar a vida com dignidade num meio ambiente saudável

voltado, em especial, à sua preservação para as futuras gerações.

3.4.2.2 Princípio da precaução

Este princípio ganhou reconhecimento internacional na Conferência das

Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro

em 1992 (ECO-92), a qual o adotou, em sua declaração de princípios. Está ele previsto

no item 15 do texto.46

45Quando a norma deixar de exigir qualquer conduta por parte do agente, preocupando-se apenas com o

resultado danoso, estaremos no império da responsabilidade objetiva, tal como ocorre no preceito constitucional (MARQUES, 1999, p. 136).

46De modo a proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deve ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental. Tradução utilizada pelo Ministério das relações Exteriores do Brasil, Divisão de Meio Ambiente.

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Precaução, para Milaré (1998, p. 60-62) “é substantivo do verbo precaver-se

(do Latim prae = antes e cavere = tomar cuidado), e sugere cuidados antecipados,

cautela para que uma atitude ou ação não venha resultar em efeitos indesejáveis”.

Derani (1997) avalia que, a partir dela, procura-se prevenir não só a ocorrência de

danos ao meio ambiente, como ainda, e mais especificamente, o próprio perigo da

ocorrência de danos. Pela precaução, protege-se contra os riscos (precaução contra os

riscos).

Postergar é adiar, é deixar para depois, é esperar acontecer. “Quem sabe faz

a hora não espera acontecer”. Machado (1994, p. 57) adverte que: [...] a precaução age no presente para não se ter que chorar e lastimar no futuro e não só deve estar presente para impedir o prejuízo ambiental, mesmo incerto, que possa resultar das ações e omissões humanas, como deve atuar para a preservação oportuna desse prejuízo. Evita-se o dano ambiental, através da prevenção no tempo certo.

Ora, consumada uma degradação ambiental, a sua reparação é sempre

incerta e, quando possível, seu custo é excessivo. Daí é melhor atuar-se de maneira

preventiva e com segurança, para evitar que os danos ambientais sejam produzidos.

Foi esse corolário que justificou consagrado o princípio da prevenção. Assim, o princípio

da precaução veio em reforço a este princípio. Há um reforço de princípios.

Ligado aos conceitos de afastamento de perigo e segurança das futuras

gerações e também de sustentabilidade ambiental das atividades humanas, Derani

(1997, p. 167) diz que este princípio é a tradução da busca da proteção da existência

humana, seja pela proteção de seu ambiente como pelo asseguramento da integridade

da vida humana, e deve-se considerar, a partir dessa premissa, não só o risco iminente

de uma determinada atividade, como também os riscos futuros decorrentes de

empreendimentos humanos, os quais nossa compreensão e o atual estágio de

desenvolvimento da ciência jamais conseguem captar em toda densidade.

Nessas circunstâncias, e em termos práticos, não mais deve ser aceita, hoje,

a concepção de política empresarial que, por muito tempo, prevaleceu, qual seja, só

deveriam ser proibidas as atividades e substâncias que provavelmente causassem

degradação quando houvesse prova científica absoluta de que, de fato, representariam

perigo ou apresentariam nocividade para o homem ou para o meio ambiente. A

orientação a ser seguida é a de que mesmo que haja controvérsia ou incerteza no

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plano científico sobre os efeitos poluidores de determinada atividade ou substância

sobre o meio ambiente “presente o perigo de dano grave ou irreversível, a atividade ou

substância deverá ser evitada ou rigorosamente controlada” (MIRRA, 1996, p. 61 e 62).

Esclarecem Machado, Prado e Freitas (2000, p. 55) que em caso de certeza do dano

ambiental este deve ser prevenido, como preconiza o princípio da prevenção. Em caso

de dúvida ou incerteza, também se deve agir prevenindo. Essa é a grande inovação do

princípio da precaução. A dúvida científica expressa com argumentos razoáveis, não

dispensa a prevenção.

Uma questão importante que emerge a respeito do princípio 15 da

Declaração do Rio sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento é saber-se se as

declarações de princípios, oriundas de Conferências Internacionais estão incluídas

entre as fontes tradicionais de Direito Internacional; se são obrigatórias para os países

membros da Organização que as adotou; se esses textos internacionais têm aquela

imperatividade jurídica própria dos tratados e convenções internacionais.

Em resposta a essas indagações, Kiss (1989, p. 49-50 e 61-66) ao mesmo

tempo em que afirma que as declarações de princípios oriundas de Conferências

Internacionais não estão incluídas entre as fontes tradicionais do Direito Internacional e

não são obrigatórias para os países membros da Organização que as adotou,

esclarece, todavia, que isso não significa que elas não possam ser consideradas senão

como uma nova fonte do Direito Internacional, ao menos como uma nova técnica capaz

de criar normas jurídicas internacionais. Trindade (1981, p. 30-32) diz que, em razão

dessa peculiaridade, esses textos internacionais, não sendo, na terminologia do direito

das gentes, mandatórios, não têm aquela imperatividade jurídica próprias dos tratados

e convenções internacionais, mas não nega a influência que estas Declarações de

Princípios exercem sobre as normas jurídicas tanto no plano internacional, quanto no

plano da ordem interna dos países, no que é acompanhado por Mirra (1994, p. 182) o

qual entende que o fato de não serem mandatórios não pode levar à conclusão de que

as declarações de princípios não exercem nenhuma influência na evolução, na

interpretação, e na aplicação do direito interno dos países membros da Organização

Internacional que as concebeu.

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Pelo que acima se viu, não se pode desconhecer a influência que essas

declarações de princípios exercem sobre as normas jurídicas, tanto no plano

internacional como no nacional. O Brasil, ao ratificar a Convenção da Diversidade

Biológica e a Convenção-Quadro sobre a Mudança do Clima as quais inseriram

expressamente em seus textos o princípio da precaução, não poderá deixar de

implementá-lo, no cumprimento dos princípios do art. 37 “caput” da Constituição

Federal.

Se a Administração Pública, assim não proceder e postergar a

implementação de medidas de precaução, por certo, estará contrariando os princípios

da moralidade e da legalidade e violando os princípios da publicidade e da

impessoalidade administrativas. Em conclusão, pode-se afirmar que, enquanto o princípio da prevenção,

segundo é entendimento da doutrina, caracteriza-se quando há certeza do dano

ambiental, a maneira mais eficaz de se evitar o dano ambiental é pela prevenção.

Previne-se porque se sabe quais as conseqüências de se iniciar determinado ato,

prosseguir com ele ou suprimi-lo. O nexo causal é cientificamente comprovado, certo,

decorre muitas vezes até da lógica.

No princípio da precaução, como já visto, previne-se porque não se sabe

quais as conseqüências que determinado ato, ou empreendimento, ou aplicação

científica causarão ao meio ambiente, no espaço e/ou no tempo, quais os reflexos ou

conseqüências. Há incerteza científica ainda não apurada ou determinada.

Como o princípio da precaução tem uma abrangência maior do que o da

prevenção entendemos que este, hoje, já não mais tem razão de figurar como princípio

dado que foi absorvido por aquele.

3.4.2.3 Outros princípios

Machado, Prado e Freitas (2000, p. 62-74) apontam mais os princípios da

reparação, da informação e da participação. Segundo diz, o princípio da reparação está previsto na Declaração do Rio de Janeiro/92 em seu princípio 13 o qual estabelece

que: “Os Estados deverão desenvolver legislação nacional relativa à responsabilidade e

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à indenização das vítimas da poluição e outros danos ambientais”. Basicamente tem

como fundamento obrigar o poluidor a reparar a degradação a que deu causa. No

Direito interno, o Brasil adotou na Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n.

6.938/81), e como já visto, a responsabilidade objetiva ambiental sendo imprescindível

a obrigação de reparação dos danos causados ao meio ambiente, conforme prevê a

Constituição Federal de 1988; o princípio da informação pode ser extraído do princípio

10 da Declaração do Rio de Janeiro/92 que afirma ”no nível nacional, cada indivíduo

deve ter acesso adequado a informações relativas ao meio ambiente de que disponham

as autoridades públicas, inclusive informações sobre materiais e atividades perigosas

em suas comunidades”. No âmbito do Direito Internacional já se consolida o costume de

troca de informações ambientais entre países. Tendo como grande destinatário o povo,

a informação ambiental uma vez recebida pelos órgãos públicos ou pelas organizações

não governamentais deve ser sistematicamente transmitida à sociedade civil (excetua o

segredo industrial ou do Estado), e tem como fim não só a formação da opinião pública,

mas também, formar a consciência ambiental dos canais competentes administrativos e

judiciais; o princípio da participação que é uma das notas características da segunda

metade do século XX tem como assento básico a participação popular visando à

conservação do meio ambiente e insere-se num quadro mais amplo da participação

diante dos interesses difusos e coletivos. A Declaração do Rio de Janeiro/92, em seu

art. 10 diz: “O melhor modo de tratar as questões do meio ambiente é assegurando a

participação de todos os cidadãos interessados, no nível pertinente”.

De se observar que existe uma inter-relação entre os princípios vistos acima

com os do poluidor-pagador e da precaução. Antes já demonstramos com base em

Leme Machado que o princípio poluidor-pagador interage com o da prevenção (o qual

entendemos que foi absorvido pelo da precaução) e com o da reparação. Do mesmo

modo, os princípios da informação e da participação interagem com o da precaução,

pois se somos informados podemos participar. Essa participação pode ser exercida no

campo judicial pelo cidadão, através da Ação Popular prevista na Constituição Federal

de 1988, conforme art. 5º, inciso LXXIII. No campo administrativo, a Lei n. 7.802/89 –

sobre agrotóxicos – dá legitimidade às associações de defesa do meio ambiente e do

consumidor para impugnar o registro de pesticidas ou pedir o cancelamento do registro

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já efetuado. Também, o Ministério Público tem legitimidade para propor não só o

Inquérito Civil Público e, também, Ação Civil Pública ambos regulados pela Lei n.

7.347/85. Por fim, resta registrar a inter-relação que existe entre os princípios da

informação com o da participação. Ambos são instrumentos eficazes no combate aos

males que podem ser causados ao meio ambiente, pois, se não somos informados, não

podemos participar. Assim, quem detiver a informação terá o dever de repassá-la e

entendemos que se assim não o fizer deverá sofrer sanção por omissão.

Apesar de ser uma ciência jurídica nova, e contar com princípios específicos

que o diferenciam dos demais ramos do direito, como se viu acima, os autores

divergem um pouco na sua colocação, como também nas nominações (DERANI, 1997;

MIRRA, 1996).

3.5 Princípios do meio ambiente do trabalho

Quando examinamos, supra os princípios ambientais do meio natural, isto é,

uma das nomenclaturas utilizadas pelos autores, chamamos a atenção de que os

autores divergem quanto a elas.

Entretanto, não nos foi possível identificar, entre os autores aos quais

consultamos, o estabelecimento de nomenclatura própria para os princípios do meio

ambiente do trabalho. Não queremos com isso modificar a essência dos princípios,

mas, tão somente estabelecermos sinonímia mais condizente à tutela trabalhista.

Nessas circunstâncias, vamos chamar de princípios precautelar,

empregador-predador, informação e participação dos riscos de trabalho e intervenção

do Estado no risco de trabalho, como a seguir passaremos a expor.

3.5.1 Precautelar47

Equivale esse princípio para o meio ambiente do trabalho (ambiente

artificial), ao da precaução. E explicamos: com efeito, o princípio da precaução, como

47 Precautelar, v. t. e p. precaver (GARCIA, 1979, p. 1221).

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vimos, é baseado no fundamento da dificuldade e/ou impossibilidade de reparação do

dano ambiental. Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência

de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar

medidas eficazes e, economicamente, viáveis para prevenir a degradação ambiental.

Por outro lado, na clássica noção de dano, o entendimento é no sentido de

prejuízo resultante de uma lesão de direito, aniquilamento ou alteração de um bem

jurídico. O dano ambiental, por conseqüência será a destruição ou lesão ao meio

ambiente.

Vimos, também, quais as definições trazidas pela Lei n. 6.938/81 para o meio

ambiente, poluição e poluidor.

Também, defendemos a tese de que o meio ambiente do trabalho encontra-

se inserido no meio ambiente artificial e trouxemos conceito próprio para o mesmo.

Diante de tais concepções, e como corolário lógico, existem a degradação, a

poluição e o poluidor do meio ambiente do trabalho.

Na linha do nosso entendimento, Rocha (1997) diz que a poluição do meio

ambiente do trabalho consiste na degradação da salubridade do ambiente afetando

diretamente a saúde, o bem-estar e a segurança dos trabalhadores. Diversas são as

situações que alteram o estado de equilíbrio do ambiente, como: os gases, os produtos

tóxicos, as irradiações, as altas temperaturas etc.

Transportando o princípio para o meio ambiente do trabalho e ao

conceituarmos este, vimos que é entendido no sentido onde se desenvolve a prestação

dos serviços quer interna ou externamente, e também o ambiente reservado pelo

empregador para o descanso do trabalhador [grifos nossos], onde se abandona a

antiga teoria de que somente os ambientes internos é que poderiam ser enunciados

como local de prestação do trabalho, e considerando que entre as teorias sobre a

natureza jurídica do direito do trabalho vamos encontrar a de direito unitário, que no

Brasil é defendida pelos dois maiores nomes entre os juslaboralistas brasileiros

(Sussekind e Evaristo de Moraes Filho), a qual é entendida como a fusão de normas de

direito público com as de direito privado, surgindo outra realidade e, como acentua

Sussekind (1996, v. 1, p. 130) que no campo do direito público podem ser enumeradas

normas gerais concernentes à tutela do trabalho, entre estas as de segurança e

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medicina do trabalho (CLT arts. 154 a 233), e desde que a precaução se caracteriza

pela antecipação, é perfeitamente aplicável tal princípio ao meio ambiente do trabalho.

Se a ausência ou incerteza científica não deve servir de pretexto para

procrastinar a adoção de medidas efetivas visando prevenir a degradação do meio

ambiente (di-lo o princípio da precaução), e com o abandono da dicotomia entre o

ambiente natural e o artificial, a partir de uma visão holística, por certo é que a proteção

da qualidade ambiental no interior das fábricas e outros lugares onde se desenvolve o

trabalho humano pode ser objeto da aplicação do princípio precautelar48.

3.5.2 Empregador-predador

Corresponde esse princípio ao do poluidor-pagador. Assim como quem direta

ou indiretamente cometa ou possa a vir cometer danos ao meio ambiente,49 responde

pela reparação, fixamos para o meio ambiente do trabalho a mesma obrigação e

responsabilização para aquele que intencionalmente ou não acarrete ou possa vir

acarretar degradação ao meio ambiente de trabalho. Essa responsabilidade que é

objetiva será sempre do empregador, pois é este quem assume os riscos da atividade

econômica, assalaria e dirige a prestação pessoal dos serviços.50

Com efeito, e como já visto, a Constituição Federal de 1988 trouxe como

novidade e inovação, como direito dos trabalhadores, em seu art. 7°, inciso XXII, a

redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e

segurança. Machado (1999) diz que a explicitação do conteúdo dessa regra ainda não

foi realizada a contento pela dogmática, mas se a redução dos riscos inerentes ao

trabalho vem contemplada na Constituição e, o que a primeira vista pareceria ser uma

norma programática a qual necessitaria de regulamentação, com suporte em Canotilho

que entende ser “posição jurídica legal” conclui que a norma está dotada de eficácia

48 Cf. FIGUEIREDO (2000, p. 67-69), corrobora com nosso entendimento. 49Cf. Supra: O dano ambiental, por conseqüência será a destruição ou lesão ao meio ambiente. 50Cf. MARANHÃO (1996. v. 1, p. 291). “A atividade econômica traduz-se na produção de bens ou de

serviços para satisfazer às necessidades humanas. Em regime capitalista, as noções de atividade econômica e de lucro vêm, geralmente, associadas, porque este é o incentivo para o exercício daquela. Isto não importa, no entanto, que se confunda uma coisa com outra. Desde que haja uma atividade econômica (produção de bens e serviços), na qual se utiliza a força do trabalho alheio com fator de produção, existe a figura do empregador”.

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não havendo necessidade de lei conformadora, pois a norma indica, de forma clara, o

direito fundamental: reduzir os riscos do trabalho51.

Ora, a consagração do direito ambiental como direito fundamental do

indivíduo, conforme previsto na Constituição, art. 225, sendo dever de todos a sua

defesa e preservação e tendo o empregador o poder de direção, já que dirige a

prestação dos serviços, é um direito-função intrínseco à sua atividade. Dentro do poder

de direção, está contido o poder de organização, isto é, como o trabalho deve ser

desenvolvido, mas que não é absoluto, visto que deve ser pautado pelo que vem

determinado pela lei, acordo, convenção coletiva. Há, portanto, ao empregador não só

subordinação como vinculação a essas normas. Nessas condições e se, durante o

processo produtivo, houver poluição do meio ambiente de trabalho, uma vez que foram

utilizados métodos de produção não condizentes com o conceito de desenvolvimento

sustentável, e que venha a afetar a saúde dos trabalhadores, ou mesmo terceiros (v.g.

caso de escapamento de gases tóxicos), ter-se-á a figura do empregador-poluidor, pois

não é pelo fato de dirigir os trabalhos como direito-função que poderá se descurar dos

cuidados que devem ser tomados nos ambientes de trabalho quer interno, ou externo, e

da preservação da saúde dos seus empregados ou de terceiros.

Assim pela degradação que já foi ou que possa vir a ser causada ao meio

ambiente de trabalho, que possa vir ou já afetou a saúde dos trabalhadores, ou de

terceiros, ante a utilização inadequada dos métodos de produção, busca-se a

responsabilização do empregador para que não só seja obrigado a pôr fim a poluição

que deu causa ou que possa vir a dar e a garantir a todos os empregados um ambiente

de trabalho ecologicamente equilibrado no sentido de preservar a vida daqueles com

dignidade.

No arcabouço jurídico existente no Direito Brasileiro, pode-se encontrar

vários instrumentos protetivos que possibilitam a aplicação do princípio do empregador-

predador na busca de responsabilizar aquele empregador que degradou o meio

ambiente do trabalho, seja, por culpa ou dolo. Entre eles a Ação Civil Pública.

51 Cf. SILVA (1994, p. 261-267).

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3.5.3 Informação e participação dos riscos de trabalho

No âmbito do meio ambiente de trabalho, preferimos a aglutinação desses

dois princípios em um só e justificamos. Se, no princípio da informação para o meio

ambiente, o grande destinatário é o povo e tem como fim não só a formação da opinião

pública, mas também, formar a consciência ambiental, e o da participação tem como

assento básico a participação popular visando à conservação do meio ambiente e

insere-se num quadro mais amplo da participação diante dos interesses difusos e

coletivos, para o meio ambiente de trabalho o grande destinatário da informação seriam

os trabalhadores para formação da consciência dos riscos52 ambientais que poderiam

ser ocasionados no desempenho do trabalho que executam e, o da participação seria a

participação dos trabalhadores visando a conservação do meio ambiente de

trabalho com a finalidade de evitar a sua degradação quando fossem utilizar

determinado produto até então desconhecido ou utilizarem nova técnica de produção.

Assim, a melhor maneira de se proteger o meio ambiente de trabalho a fim de ser

evitada a sua degradação, é obrigando-se o empregador53 a informar seus

empregados, a fim de que estes se conscientizem dos riscos que o emprego

inconseqüente ou inadequado de certa técnica ou o uso excessivo de determinada

substância tóxica possa acarretar para o ambiente de trabalho. Assim, se são

informados têm capacidade de formar uma consciência ambiental e participarem

adequadamente do processo produtivo, evitando a degradação do meio ambiente onde

trabalham.54

Constituem-se, dessa maneira, tanto a informação como a participação

instrumentos eficazes no combate aos males que podem ser causados ao meio

ambiente de trabalho, pois se os empregados não são informados não podem

participar. O detentor da informação terá o dever de repassá-la aos empregados para

52“Risco é a probabilidade de ocorrência de um evento causador de dano às pessoas e ao meio ambiente

de forma leve ou grave, temporária ou permanente, parcial ou total”. Cf. MACHADO (1999, p. 50). 53Empregador está empregado como todo aquele que é responsável pelo todo ou por parte de

determinado setor na empresa como diretores, gerentes, chefes de seção, chefes de serviços, ou outro qualquer preposto responsáveis pela informação pertinente.

54Cf. FIGUEIREDO (2000, p. 69-70), sustenta posição contrária a minha no que tange ao princípio da participação.

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oportunizar-se a participação deles e, se assim não o fizer, entendemos que deverá

sofrer sanção, por omissão.

3.5.4 Intervenção do Estado nos riscos de trabalho

A relação de emprego que era outrora, apenas regulada por normas de

direito privado é hoje tutelada, em muito de seus aspectos, por disposições de direito

público, com as quais o Estado impõe sua vontade, em nome do interesse coletivo. 55 O

que designamos como Intervenção do Estado nos riscos de trabalho, é conhecido no

Direito Ambiental como “Princípio da obrigatoriedade da intervenção estatal” encontra-

se na Carta da República de 1988 no art. 200, inciso VIII, que estatui competir ao SUS,

entre outras atribuições, “colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido

o do trabalho” (FIGUEIREDO, 2000, p. 67).

Quando o exercício de dada atividade econômica causa dano que repercute

no âmbito da relação de emprego (como sucede, por exemplo, nos danos causados ao

meio ambiente de trabalho e irradiam reflexos sobre os empregados do causador do

dano), o interesse difuso aí presente assiste também aos trabalhadores.

A Constituição Federal de 1988 trata o Ministério Público como instituição

permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da

ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais

indisponíveis.

O Ministério Público do Trabalho integra o Ministério Público da União (CF,

art. 128, I, b). A ele incumbe, dentro da esfera de suas atribuições, as mesmas tarefas

que a Constituição assinala ao Ministério Público em geral entre elas a defesa dos

interesses sociais e individuais indisponíveis. Entre suas funções institucionais, inclui-se

a de promover a ação civil pública.

55“A velha divisão do Direito Público e do Direito Privado já não pode ter, na realidade, aquela

significação que lhe atribuíam os romanos, tanto mais quando cada vez se faz sentir com mais rigor a penetração da influência do Estado, mesmo na esfera até hoje reservada ao Direito Civil. E nessa penetração, longe de constituir uma subordinação de uma disciplina a outra, representa antes uma transformação no próprio Direito Privado, regulado por normas mais amplas, sob a influência da evolução social” (CAVALCANTI, apud SUSSEKIND, 1996, v. 1, p. 123).

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Assim, esse princípio tem por escopo permitir ao Ministério Público do

Trabalho ajuizar Ação Civil Pública perante a Justiça do Trabalho para a defesa do

meio ambiente do trabalho, a fim de obrigar o empregador a cumprir as disposições

legais ou outras relativas à higiene e segurança no ambiente de trabalho.

Examinado os aspectos da responsabilidade civil no capítulo primeiro e

observado no capítulo segundo que, hoje, o meio ambiente se constitui como direito

fundamental além de conceituarmos o meio ambiente em geral nos aspectos doutrinário

e legal e no presente capítulo termos tecido considerações sobre o meio ambiente do

trabalho e, levando-se em consideração o respeito à dignidade da pessoa humana,

fundamento da República Federativa do Brasil, como vem estabelecido no art. 1º, III, da

Constituição de 1988, bem como o respeito ao trabalho, manifestação de caráter

gregário que preside as relações humanas desde o mais remoto tempo, é impositivo

considerarmos que as atividades humanas produtivas, em benefício da sociedade, não

podem ser realizadas em condições adversas à saúde, alçada à condição de direito

social fundamental pelo artigo 6º da nossa Norma Maior.

Assim, é que o meio ambiente do trabalho deve permitir a preservação da

integridade física e psicológica do trabalhador, compatibilizando os meios de produção

com o equilíbrio ambiental interno aos locais onde se desenvolvem as atividades

laborativas. Trata-se do direito à vida, bem indissociável à saúde, que lhe atribui a

necessária qualidade, resultando que o bem jurídico ambiental tutelado, quando se trata

especificamente do aspecto relativo ao meio ambiente do trabalho, é a saúde.

A concepção de nossa tese é responsabilizar objetivamente o empregador

pela degradação do meio ambiente do trabalho, ou seja, se não tomou o empregador

as precauções devidas, pois é sabido que “se a ausência ou incerteza científica não

deve servir de pretexto para procrastinar a adoção de medidas efetivas visando

prevenir a degradação do meio ambiente” e se o empregado venha a sofrer qualquer

dano no seu ambiente de trabalho não mais deverá ser aplicada a teoria da culpa

subjetiva. Com efeito, fica claro que iremos tratar dos casos de acidente de trabalho

ocasionados pela degradação do meio ambiente do trabalho com abordagem sobre o

dano moral.

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CAPÍTULO 4

ACIDENTES DO TRABALHO

4.1 Introdução

O aumento vertiginoso do número de acidentes de trabalho que se deu a

partir da Revolução Industrial; as agressões quer físicas, ou psicológicas, a que se vê

constantemente submetido o operário em seu ambiente laboral, ainda hoje, em pleno

início do terceiro milênio; as péssimas e indignas condições de trabalho nas indústrias,

nas minerações, nas lavouras; o descaso com milhares de famílias operárias; a jornada

de trabalho fatigante, sem o repouso compensador; o trabalho de crianças e mulheres

em troca de alimentação ou por míseros salários; a inexistência de higiene física e

psíquica; o maquinismo; o desemprego, etc., cujos efeitos são danos, quase sempre,

irreversíveis para o trabalhador vitimado e sua família e, em contrapartida, o

desinteresse ou desinformação de algumas empresas em efetivarem as normas de

proteção ao meio ambiente laboral, que são fontes eficazes na prevenção de acidentes

do trabalho, tudo contribuiu para os inúmeros casos de acidentes e doenças

profissionais e, via de conseqüência, para uma completa desordem social: chefes de

famílias doentes, aleijados ou mortos, o que os conduz para a miséria, a

marginalização.

Quando se fala em acidente de trabalho a idéia que de logo surge é a busca

da sua reparação civil ou previdenciária ao invés de se antever um bem muito mais

precioso: a dignidade humana.

Nem mesmo o extraordinário avanço tecnológico não foi capaz de eliminar

ou, ao menos, reduzir os infortúnios laborais a números aceitáveis. Ao contrário, em

parte, a alta tecnologia é apontada como uma das atuais causas mediatas do acidente

de trabalho, juntamente com o fenômeno chamado globalização oriundo do neo-

liberalismo, que impõe um modo de produção transnacional com novas condições de

trabalho agressivas à segurança e saúde do trabalhador, onde se constata que a

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prioridade dos empresários pelo aumento do capital é inversamente proporcional ao

desenvolvimento sócio-econômico sustentável.

Assim, é mister que se busque o porquê da razão do pouco interesse em dar

efetividade às medidas de segurança e higiene do trabalho, mesmo após o crescimento

estarrecedor dos infortúnios oriundos da inadequação do ambiente laboral, cujos efeitos

são danos, quase sempre, irreversíveis para o trabalhador vitimado e sua família.

4.2 Acidentes do trabalho: origem

Os acidentes do trabalho rememoram das primeiras atividades do homem

voltadas à sua sobrevivência: a caça e a coleta. Os primitivos ancestrais do homem

passavam por toda forma de penúria para conseguirem seu sustento. As caçadas eram

atividades perigosas e extremamente arriscadas, com risco tanto de apanhar e matar

uma presa quanto de serem, eles próprios, devorados. As coletas também exigiam, não

raro, habilidades para escalar em árvores de grande porte, sem qualquer proteção.

Desde a Idade da Pedra, há mais de 2,5 milhões de anos os seres humanos

já fabricavam e utilizavam instrumentos para facilitar a execução de seus trabalhos.

Eram manuseados instrumentos cortantes ou perfuro-cortantes, o que confirma as

habilidades intelectuais dos seres primitivos. Mas tais instrumentos, por certo, eram

causas de diversos acidentes.

Na medida em que se deu a evolução dos processos de produção

aumentaram os riscos de acidentes do trabalho. Todavia, foi a partir da Revolução

Industrial – século XVIII, que se verificou a intensificação da degradação do meio

ambiente natural e humano (artificial, cultural e do trabalho). A exposição dos seres

humanos aos riscos do trabalho aumentou desde então. Quando a máquina a vapor foi

inventada e com sua conseqüente utilização nos meios de produção, onde se verifica

uma diminuição do número de operários, pois aquela substituía em larga escala a mão

de obra humana, foi capaz de diminuir o número de acidentes. Pode-se observar que

os empresários ao invés de proporcionar a uma diminuição dos esforços físicos dos

seus empregados, isso não fizeram e, a ganância em sempre obter lucros maiores

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exigindo mais e mais esforço daqueles fez crescer o infortúnio laboral. Há uma tendente

desumanização da economia com o avanço tecnológico e econômico.

E atualmente, em plena época da globalização, embora algumas empresas

tenham implantado e implementado com sucesso as normas de segurança e medicina

do trabalho, o índice de acidentes ainda é altíssimo e aviltante.

Cotrim (1999, p. 237) sintetiza, em poucas linhas, a dura realidade do

operariado na época da Revolução Social e as conseqüências da terrível exploração do

trabalho humano: Sempre com o objetivo de aumentar os lucros, o empresário industrial pagava o menor salário possível, enquanto o explorava ao máximo a capacidade de trabalho dos operários. Em diversas indústrias, a jornada de trabalho ultrapassava 15 horas diárias. Os salários eram tão reduzidos que mal davam para pagar a alimentação de uma única pessoa. Para sobreviver, o operário era obrigado a trabalhar nas fábricas com toda a sua família, inclusive mulheres e crianças de até mesmo seis anos. Além de tudo isso, as fábricas tinham péssimas instalações, o que prejudicava em muito a saúde do trabalhador. Toda essa terrível exploração do trabalho humano acabou gerando lutas entre operários e empresários. Houve casos de grupos de operários que, armados de porretes, atacaram as fábricas, destruindo suas máquinas. Para eles, as máquinas representavam o desemprego, a miséria, os salários de fome e a opressão. Posteriormente, perceberam que a luta do movimento operário não devia ser dirigida contra a máquina, mas contra o sistema de injustiças criado pelo capitalismo industrial. Surgiram então os sindicatos operários, que iniciaram a luta por melhores salários e condições de vida para o trabalhador.

Sussekind (2003) nos diz que avanço tecnológico e econômico desumanizou

a economia. As máquinas, as exigências de aumento de produção, o vertiginoso

crescimento tecnológico, a automação, a informatização e, especialmente, o advento do

processo de globalização da economia implicam em desemprego para milhares de

chefes de família e, via de conseqüência, ao contrário do que se aspirava, no

crescimento do índice de pobreza mundial e também no aumento do número de

desempregados, que se vêem obrigados a trabalhar no mercado informal, sem

qualquer amparo das normas protetivas trabalhistas, inclusive das normas de

segurança e medicina do trabalho, tornando-se vítimas de acidentes profissionais

desamparadas do seguro social. O desemprego e a insegurança na área social

inviabilizam o pleno exercício do trabalho, segundo os ditames sócio-jurídicos. Após

dizer que o problema atual do mercado e meio ambiente do trabalho agravou-se com o

modo de produção neo-liberal transnacional – a globalização, e enfatizar que este

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fenômeno é um verdadeiro paradoxo, pois enquanto estimula o empresariado na busca

dos Certificados da série ISO 9.000, ISO 14.00056, dentre outros, tendo em vista a

competitividade do mercado, também empurra os trabalhadores para a informalidade,

destituindo-os de seus direitos trabalhistas básicos, e “dá-se início à "flexibilização

selvagem". Esta, segundo o Ilustre jurista acima citado, compreende a

desregulamentação ou derrogação de normas de proteção ao trabalhador, tem

ampliado o contingente de seus propugnadores numa orquestração mundial de

inegável reflexo na mídia. Essa campanha afronta, sem dúvida, a nova declaração

universal dos direitos do homem, aprovada na assembléia geral das Nações Unidas de

1948, após o término da segunda grande guerra, que consagrou os princípios

fundamentais do Direito do Trabalho e da seguridade social, tendo sido eles

regulamentados pelo Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais

da ONU. No preâmbulo da declaração universal dos direitos da pessoa humana, como

bem asseverou o saudoso jurista e político André Franco Montoro, há uma lei maior de

natureza ética, cuja observância independe do direito positivo de cada Estado. O

fundamento dessa lei é o respeito à dignidade da pessoa humana. Ela é a fonte das

fontes do direito.

Segundo Viana (2006) algumas das novas facetas do contrato de trabalho

impregnado pelas idéias neo-liberais de flexibilização, por suas características são

56 Os certificados da série ISO 9.000 são conferidos às empresas que implementam o programa de

Qualidade Total – em equipamentos máquinas, produção e prestação de serviços, etc.; já os da série ISO 14.000 são conferidos para empresas que cumprem as normas ambientais, exceto as normas sobre o meio ambiente do trabalho, o qual está incluído na ISO 18.000, cujo certificado ainda não está sendo exigido.

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extremamente extenuantes e, por conseguinte, são causas mediatas de acidentes

laborais57.

4.3 Causas e conseqüências dos acidentes de trabalho

Há necessidade de se identificar quais os problemas determinantes relativos

ao acidente do trabalho (causas e efeitos) a fim de se possibilitar aos empregadores,

aqui a concepção utilizada é no sentido moderno do termo inclusive sobre a

57 Aponta o seguinte: a) troca-se o salário fixo por prêmios, gratificações e salário-produção, o que leva o

trabalhador a participar dos riscos do negócio e também fomenta o individualismo e a fragmentação do coletivo, também intensifica a competição entre colegas de trabalho, uma vez que "quem não segue à risca as ordens, quaisquer que sejam elas, pode perder o prêmio para o colega"... b) a decomposição do salário-fixo em parcelas são consideradas simples liberalidades suprimíveis a qualquer tempo e, portanto, não integram o salário para fins de acerto rescisório (assistência médica, acesso a clubes de campo, etc.) e, se não bastasse "o mesmo processo de fragmentação do salário se insere na prática das negociações coletivas e na esfera legislativa, permitindo que se afaste de seu campo até mesmo utilidades típicas (habitação, transporte, etc.)"; c) "Em razão desse mesmo enxugamento da troca salário-trabalho, que faz lembrar a eliminação de porosidades do processo produtivo, a face social do salário vai perdendo espaço". É de somenos importância "que a família operária tenha um rendimento estável e cada vez mais que a produção se mantenha ótima". A título de exemplo Viana cita o não pagamento dos reflexos salariais ou redução do salário, "seja de forma clara e direta, em nível coletivo, seja de modo oculto e indireto, em nível individual, ao se exigir maior esforço do empregado" ; d) Essa comutatividade trabalho/salário acentua também, em detrimento da qualidade de ser humano, a exploração do trabalhador como simples fonte de energia, como apenas mais uma peça integrante da força do trabalho, que está sujeita às alterações funcionais, às transferências; e) pela mesma razão, "as pausas vão perdendo a relação com a fadiga e adquirindo mais um caráter de mercadoria, de crédito negociável. É assim, por exemplo, que surgem os bancos de horas e se acentua, à margem da lei, a prática de acumular repousos semanais, trocados depois por dinheiro. Se não bastasse, "as duas tendências opostas (fortalecimento da troca salário/trabalho, enfraquecimento da relação fadiga/descanso)" tornam oportuna a responsabilização do "trabalhador por falhas na produção e se exija dele, em contrapartida, trabalho extra não pago"; f) "A importância da jornada de trabalho como meio de quantificar o salário se relativiza progressivamente. Graças à automação, à informática, aos novos métodos de organização e ao terror do desemprego, oito horas de trabalho podem exigir o esforço de doze. O operário de qualidade total economiza para o empregador contratos novos e horas-extras: melhor do que elastecer a jornada é intensificar o trabalho dentro dela"; g) "o ideal de estabilidade, que tutelava o empregado, é passo a passo substituído pelo ideal de instabilidade, que tutela a empresa. Tal como a máquina e a matéria-prima, o empregado vale o que produz".

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desconsideração da personalidade jurídica, terceirização, etc., aos órgãos de governo e

não governamentais (ONGS), sindicatos, enfim a todos os que estejam envolvidos com

relação de trabalho ou emprego a buscar soluções concretas, não queremos chegar ao

exagero de pensarmos em índice zero, mas para redução desses eventos danosos a

níveis suportáveis.

Com efeito, em um primeiro momento pode-se observar que a identificação

dos acidentes de trabalho se tivermos vista em ótica restrita ou imediata as causas são

apontadas como atos ou condições inseguros, como por exemplo: a) contato da pessoa

com um objeto, uma substância ou com outra pessoa; b) exposição do indivíduo aos

riscos que envolvam objetos, substâncias químicas ou outras pessoas ou condições;

etc.

Conforme já visto supra com bases em Sussekind (2003) e Viana (2006) em

acepção ampla e mediata verifica-se que as causas acidentárias, quase sempre estão

intrinsecamente ligadas ao incrível crescimento tecnológico experimentado pela

humanidade nos últimos tempos e ao excessivo aumento da produção. É lamentável,

mas em pleno início do século XXI, os empreendimentos econômicos, ainda, são

voltados para os lucros imediatos em detrimento dos investimentos em programas e

equipamentos adequados à proteção coletiva, que são meios eficazes de combate a

acidentes do trabalho.

Preferem-se equipamentos paliativos de proteção individual, aos

equipamentos de proteção grupal ou outras a tomar medidas preventivas coletiva, por

julgá-los mais onerosos, o que caracteriza o desinteresse pelo meio ambiente laboral

salutar.

Identificam-se, pois, como causas indiretas do aumento dos casos de

doenças de origem psíquica e física e dos acidentes do trabalho, dentre outras: a

complexidade das máquinas, a automação e a informatização, a crescente exposição

aos ruídos, calor e substâncias tóxicas (condições insalubres, perigosas e penosas),

ausência de efetividade das normas protetoras do ambiente laboral, a preferência

apenas pela redução à eliminação dos riscos, deficiência no sistema de inspeção do

trabalho, excesso de horas extras (que é uma das principais causas mediatas de

acidentes laborais e do aumento do índice do desemprego), sistema inadequado de

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compensação de quadro de horários e dos turnos de revezamento, ausência de

conscientização, a desmotivação, as exigências rigorosas nos processos de seleção

combinada com deficiência de formação profissional, as dificuldades para atualizar os

conhecimentos e acompanhar o desenvolvimento tecnológico para assegurar o direito

ao trabalho digno, o temor do desemprego, a precarização dos direitos dos

trabalhadores, o trabalho informal, a fadiga física e a tensão mental do trabalhador.

Silva Filho (2003) leciona que com a chegada ao país das tecnologias de

engenharia de perdas e árvore de causas para os acidentes houve uma mudança no

antigo enfoque dado às análises de acidentes graves e ou fatais. Hoje tais análises se

prendem muito mais a refazer o conjunto de causas que geraram o acidente. Assim

sendo, perdeu totalmente a importância avaliar unicamente e de forma simplória se

houve ato [do trabalhador] ou condição [ambiental] insegura. Isso justifica também pelo

fato de que dificilmente se encontraria um acidente onde atos ou condições inseguras

se apresentariam isoladamente, ou seja, sem que a outra situação também estivesse

presente.

Sem necessidade de se fazer um esforço ingente pode-se concluir que está

nas causas mediatas ou indiretas, o ponto de onde se deve partir em direção da

prevenção dos acidentes laborais, uma vez que são as causas básicas do índice

estarrecedor de acidentes do trabalho, demonstrado pela estatística mundial. Desse

modo, para prevenção e redução desse número, é imprescindível fazer um

levantamento amplo e específico sobre a ocorrência de acidentes, como os fatos

agressores mediatos e imediatos causadores do evento, o local, as condições de

trabalho, etc. Assim, além de possibilitar a implementação de programas de prevenção

de acidentes de trabalho pelos atores do ambiente laboral, aponta os locais em que a

fiscalização deve ser realizada com mais rigor.

Pode-se perceber, pelos estudos e pesquisas feitos com intuito de conhecer

e dissertar sobre o tema que, as estatísticas oficiais, deixam a desejar, pois não

revelam a realidade de acidentes laborais.

No órgão previdenciário os acidentes de trabalho são registrados para fins de

levantamentos estatísticos apenas em bloco de números de benefícios concedidos:

auxílio-doença ou auxílio-acidente, pensão por morte, sem determinar a origem do

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sinistro (as causas específicas, o local do trabalho, etc.)58. Se não bastasse, percebe-

se, com base na experiência forense, que há relutância, por parte do INSS, em

reconhecer as doenças profissionais e do trabalho, diagnosticando-as, muitas vezes,

como doenças normais, negando, conseqüentemente, o benefício respectivo.

Não se pode esquecer que os processos acidentários trabalhistas são

iniciados pelo órgão previdenciário somente após a comunicação do fato sinistro a partir

da CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho), documento relativo apenas aos

empregados registrados em carteira da empresa, cujo número é reduzido em relação

aos trabalhadores autônomos e informais.

Outra realidade lastimável ocorre nos hospitais ou clínicas médicas, onde os

prontuários médicos deveriam registrar informações mais abrangentes sobre os

trabalhadores/pacientes que ali buscam consulta ou internamento (como a profissão, a

origem (local) e a causa mediata e imediata dos acidentes, doenças e morte destes, ou

seja, dados mais específicos de um eventual acidente/doença do trabalho), mas não o

fazem, geralmente, limitam-se apenas em constar os sintomas físicos ou mórbidos

apresentados pelo paciente.

Diferentes não são os atestados médicos de óbito, que também, na sua

maioria, somente constam as causas letais físicas, dos quais originam os registros de

óbito – instrumento formal, exigido pela Lei de Registros Públicos (Lei n.º 6.015/73, arts.

77 e ss).

Como se vê, os trabalhadores que não têm vínculo com a Previdência Social

estão alijados das estatísticas oficiais, especialmente das estatísticas de tal órgão.

Portanto, embora possa verificar uma redução significativa do número de sinistros

trabalhistas sofridos pela massa de segurados da Previdência Social, segundo o quadro

de estatísticas de acidente do trabalho no Brasil – 1970/2000, não se pode dizer que o

referido quadro retrata a realidade brasileira, porquanto, de acordo com o IBGE

(Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), entre 1991 e 1996, o percentual de

trabalhadores sem carteira assinada passou de 40% para 47% no conjunto de seis

58 Ver: Bernadete Cunha Waldvogel, em suas pesquisas sobre a questão acidentária relativas às fontes

de dados (Acidentes do trabalho – vida ativa interrompida. In: Novos desafios em saúde e segurança no trabalho. Belo Horizonte: PUC-Minas/Fundacentro, 2001. p. 38-58). Ver: MELO (2002. p. 207, 208).

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regiões metropolitanas pesquisadas. Depois de se manter estável entre 1996 e 1997, a

informalidade no mercado de trabalho brasileiro voltou a crescer no final da década de

90, como reflexo da crise da economia brasileira, até chegar a 50% no final de 1999 e

ultrapassar os 60% em 2003.

Os efeitos dos acidentes do trabalho são inúmeros e extremamente

negativos e onerosos. Curialmente o trabalhador acidentado e sua família sofrem os

maiores prejuízos (mutilação, incapacidade para o trabalho, morte, dor pelos danos

físicos, psíquicos e morais, marginalização social, pobreza, etc.). Além deles, outros

prejuízos sócio-econômicos são detectáveis. Os custos sociais da Previdência Social

são altíssimos, considerando os gastos com benefícios: aposentadorias antecipadas

(especiais e por invalidez), auxílios-doença, pensão por morte, auxílio-acidente,

reabilitação e readaptação do segurado-acidentado, gastos com saúde. As empresas

também perdem grandes somas e credibilidade social com os acidentes. Por um lado,

precisam arcar com despesas imediatas com o acidentado (atendimento médico-

ambulatorial, transporte, medicamentos, pagamento às vítimas de diárias

correspondentes ao valor proporcional de seu salário-base até o 15º dia de

afastamento, sem isenção dos encargos sociais relativos. Por outro lado, há queda na

produção (pela perda e eficiência do processo, contratação de substituto ou

necessidade de horas extras), inutilização de máquinas, insumos, produtos,

necessidade de reposição de material inutilizado, etc. Além destes prejuízos, a

empresa, a longo prazo, poderá ser obrigada a fazer a reinserção do acidentado pelo

período de estabilidade adquirido, etc.), arcar com despesas advocatícias, judiciais,

indenizatórias, multas administrativas, ter perdas negociais (multas contratuais por

atraso de produção, rescisão de contratos), perda de certificados de gestão de

qualidade, de gestão ambiental, etc. 59

59De acordo com planilha de custos acidentários, apresentada por Robson Spinelli Gomes e Waldemar

Pacheco Júnior – Sistemas de Gestão e Segurança e Saúde do Trabalhador (SGSST) em Pequenas Empresas. In Novos Desafios em Saúde e Segurança no Trabalho. Belo Horizonte: PUC-Minas/Fundacentro, 2001. p. 239. Nesse sentido, MELO, Raimundo Simão de. Meio Ambiente do trabalho no setor rural. In: GIORDANI, Francisco Alberto da Motta Peixoto; MARTINS, Melchíades Rodrigues; VIDOTTI, Tárcio José (Coord.). Direito do trabalho rural: estudos em homenagem a Irany Ferrari. São Paulo: LTr, 1998. p. 207. SÜSSEKIND, Arnaldo et al. Instituições de direito do trabalho. 16. ed. São Paulo: LTR, 1997. v. 2. p. 888.

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Ademais, vale lembrar que a fadiga física e mental dos demais

trabalhadores, gerada pela ocorrência do sinistro, implica em absenteísmo, rotatividade

de mão-de-obra, novos acidentes entre outras perdas.

Dado o altíssimo índice mundial de acidentes do trabalho, a Organização

Internacional do Trabalho (OIT), com fito de reduzi-lo, lançou em 1976, o programa para

o melhoramento das condições e do meio ambiente do trabalho (PIACT), mediante a

implantação e implementação de medidas de segurança e higiene laboral, cujo início se

deu na América Latina. Após o lançamento desse programa, especialmente no Brasil,

notou-se a efetiva queda dos índices dos infortúnios do trabalho entre os operários

segurados pela Previdência Social, segundo estatísticas oficiais. Observou-se, também

que além de evitar os conhecidos prejuízos sociais e humanos, as empresas que

implementaram esse programa tiveram significativa diminuição dos prejuízos

econômicos (continuidade e elevação da qualidade da produção, eliminação de

desperdícios, etc.)60.

Entretanto, verificou-se a partir dos noticiários da imprensa falada e escrita e

das doutrinas estudadas, que embora haja diminuído a ocorrência dos infortúnios

laborais no Brasil, o país ainda é palco de um dos maiores índices de acidentes do

trabalho do mundo. 61

As informações obtidas no sítio da Campanha Nacional de Saúde e

Segurança no Trabalho – 2002, realizado pela Confederação Nacional da Indústria

(CNI) e coordenado pela Associação Brasileira para Prevenção de Acidentes (ABPA) –

www.sst-cni-sesi.org.br – confirmam as benesses da prevenção de acidentes do 60Cf. SÜSSEKIND, Arnaldo et al. Instituições de direito do trabalho. 16. ed. S. Paulo: LTR, 1997. v. 2. p.

888-891. Para corroborar essa queda dos índices acidentários ver: em anexo as estatísticas de acidentes do trabalho. Para exemplificar a redução dos gastos, escolheu-se o relatório do balanço social da Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária – INFRAERO – que demonstrou, quanto à gestão de segurança e saúde de trabalho, que a partir dos investimentos para monitorar riscos ambientais, do conhecimento sobre os riscos de cada uma das atividades desempenhadas pelos empregados e da formação das Comissões Internas de Prevenção a Acidentes (CIPA) com números superiores a 20 pessoas, e também com a prática de incentivos às ações que reduzem o risco de algumas atividades houve uma redução significativa no número de acidentes com afastamentos, bem como na gravidade destes acidentes, resultando em economia de 50% com gastos no caso de acidente.

61Cf. MELO, Raimundo Simão de. Meio ambiente do trabalho no setor rural. In: GIORDANI, Francisco Alberto da Motta Peixoto; MARTINS, Melchíades Rodrigues; VIDOTTI, Tárcio José (coord.). Direito do trabalho rural: estudos em homenagem a Irany Ferrari. São Paulo: LTr, 1998, p. 205/223. e Meio Ambiente do Trabalho: prevenção e reparação. Juízo competente. Revista do Ministério Público do Trabalho, São Paulo, n. 14, p. 95/104, 1997.

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trabalho. Ficou demonstrado que as empresas que implantaram e implementaram as

medidas prevencionistas de acidentes laborais conseguiram a redução destes e dos

prejuízos econômicos.

É oportuno evidenciar que, ao participar da solenidade de lançamento da

Campanha Nacional da Indústria para a Prevenção de Acidentes no Trabalho 2002 (em

22 de agosto de 2002), o Presidente da Associação Brasileira para Prevenção de

Acidentes (ABPA), Daffre (2002) – Coordenador da Campanha – declarou que um dos

pontos básicos do novo conceito sobre a segurança no trabalho é a preservação da

vida do trabalhador. E disse ainda que: Isso gera lucro para o empresário e vantagem para a sociedade. É importantíssimo investir na saúde e segurança dos trabalhadores, o que é um fator de competitividade para as exportações que geram os empregos de que o Brasil precisa.

Na mesma ocasião, o então Presidente da Confederação Nacional da

Indústria (CNI), Ferreira (2002a) falou sobre a relevância da prevenção acidentária para

a economia das empresas ao afirmar que: Investir em prevenção, além da questão humana da perda de um ente querido, representa uma vantagem extraordinária e uma grande economia de recursos que são despendidos no pagamento de acidentes por invalidez e despesas hospitalares e, também, do tempo que o trabalhador fica fora de seu posto de trabalho. Isso obriga as empresas a contratarem mão-de-obra supletiva e todos esses custos, somados, aumentam o Custo Brasil, que precisa ser reduzido porque senão as empresas perdem a competitividade e, perdendo a competitividade, o número de empregos acaba reduzido.

No dia anterior (21/08/02), em entrevista concedida ao Caldonews Jornal,

Ferreira (2002b) lembrou que após várias décadas de atuação prevencionista e das

campanhas nacionais de prevenção desenvolvidas pelo sistema CNI/SESI/SENAI/IEL,

iniciadas em 1997, houve uma significante redução dos números catastróficos

acidentários da década de 70, se comparados proporcionalmente em relação à massa

trabalhadora daquela época e a atual. Mas, acrescentou que "ainda há muito para ser

feito: apenas 3% das empresas no País contam com um serviço adequado em

segurança do trabalho"

Das assertivas supra e da leitura das diversas obras pesquisadas percebe-se

que muitas empresas desconhecem ou ainda não estão convencidas da importância

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dos investimentos em prevenção acidentária como meio de evitar desperdícios e de

torná-las mais competitivas.

No Brasil ainda há o ranço da "monetização do risco", isto é, há uma opção

pelo aumento da remuneração para compensar o maior desgaste do trabalhador,

mediante pagamento de adicionais de periculosidade, de insalubridade, de horas

extraordinárias, aposentadorias especiais, etc. Essa é uma estratégia traiçoeira que

inibe a luta dos trabalhadores e sindicatos por melhores condições de trabalho.

Estimula-os a acreditarem que é melhor obter um ganho imediato (aumento dos

minguados salários e antecipação da aposentadoria) do que correr o risco de perder o

emprego. Ficam inertes. Deixam de reivindicar a implantação e implementação das

normas de higiene e segurança do trabalho. Parece que preferem expor a saúde, sem

pensarem, de fato, nas nefastas e irreversíveis conseqüências das mutilações e

doenças ocupacionais para o resto de suas vidas, a trabalharem por longos anos e com

salário menor, mas com vigor.62

Por fim, muitas empresas desinformadas ou negligentes, quando adotam

algumas medidas preventivas dos acidentes laborais, escolhem as paliativas, como o

uso de equipamentos de proteção individual e/ou pagamento dos referidos adicionais e

deixam de implantar medidas de proteção coletiva, mais eficazes na eliminação ou

redução dos riscos do ambiente do trabalho, por julgarem as últimas mais onerosas ou

por simples desinteresse. Agem em desacordo com os estudos das organizações

governamentais (FUNDACENTRO - Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e

Medicina do Trabalho) ou privadas (CNI - Confederação Nacional da Indústria, ABPA -

Associação Brasileira para Prevenção de Acidentes, etc.) e violam as exigências da

legislação trabalhista que impõe ao empreendedor a obrigação de, primeiramente,

eliminar os riscos do trabalho ou, se impossível, no mínimo, procurar reduzi-los

(Convenções da OIT nº 148, arts. 9 e 10 e nº 155, art. 4.2; CLT, art. 166 c/c NR-4, item 4.12, "a").

Uma das funções primaciais da lei é anular o desequilíbrio das partes, vindo em socorro dos mais fracos; assim se procede no próprio terreno contratual onde há a livre manifestação da vontade. Com mais força de razão, quando as circunstâncias da vida, múltiplas, imprevisíveis, inexoráveis, colocam os homens mais a mercê uns dos outros, justifica-se, sobremaneira, o amparo da lei na proteção da vítima (OLIVEIRA, 1998, p. 134-135).

62 Cf. OLIVEIRA (1998. p. 124-129 e 361).

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4.4 Legislação e concepções sobre os acidentes de trabalho

Os acidentes e doenças relacionadas ao trabalho, embora presentes na vida

dos trabalhadores desde a Antigüidade enquanto reflexos das condições de trabalho e

dos processos de produção passaram a se constituir em objeto de análise sistemática a

partir do século XIX, com o avanço do processo de industrialização e as lutas operárias

dele decorrentes. No início do século XX, no Brasil, os acidentes e as doenças do

trabalho sequer eram mencionados pelos fiscais sanitários.

A primeira legislação acidentária é de 1919, quando se começa a

responsabilizar a empresa pela indenização das vítimas, deixando a cargo da polícia a

função de registrar tais acontecimentos. A partir de 1930, o Estado benfeitor assume

seu papel de promotor do desenvolvimento e de mediador da relação capital-trabalho,

criando um sistema de previdência social e assistência médica, no qual se inclui o

seguro acidente. Entre 1930 e 1945, estabeleceu-se a obrigatoriedade da notificação

dos acidentes de trabalho, pelo empregador ou por qualquer outra pessoa que tivesse

conhecimento do fato. Em 1934, houve alguns avanços como estender o conceito de

acidentes às doenças do trabalho e estabelecer responsabilidades do empregador pelo

acidente e pelas indenizações. Em 1944, as empresas com mais de 500 empregados

foram obrigadas a implantar um serviço médico de urgência. Caberia a esse serviço

atender o trabalhador e emitir um atestado sobre sua condição de saúde no momento

do acidente e após a alta. Além disso, são instituídas normas de prevenção, higiene e

reabilitação profissional, bem como o direito do trabalhador de recorrer ao poder

judiciário sempre que se sentir lesado no decurso dos procedimentos previstos diante

da ocorrência de acidentes ou doenças profissionais.

O período entre 1945 e 1960 é caracterizado, com base na concepção do

Estado de Bem-Estar Social, pela reestruturação da Previdência Social, composta por

seis institutos que ofereciam diferentes serviços e benefícios. Em 1960, a promulgação

da Lei Orgânica da Previdência Social trouxe modificações importantes. Os segurados

dos vários institutos passaram a ter os mesmos direitos; aumentaram-se os gastos com

a ampliação dos benefícios e serviços, o que representou também um aumento da

contribuição dos segurados.

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De 1960 a 1983, alguns fatores marcaram as ações da Previdência, dentre

eles a privatização da assistência e o acirramento de uma crise no setor. Em 1967, a lei

5316-67 torna obrigatório o seguro acidente de trabalho e atribui a responsabilidade

pelo seu pagamento à Previdência Social, passando tal benefício a englobar todos os

trabalhadores, inclusive os avulsos e os presidiários que exerçam atividade

remunerada. Explicita-se a tipificação dos acidentes (acidente típico, acidente de trajeto

e doença do trabalho) e o acidentado passa a receber pensão proporcional à lesão sofrida.

Em 1976, foram estabelecidos níveis de contribuição da empresa para o

seguro acidente, em função de três graus de risco. Essa determinação busca

diferenciar a contribuição de acordo com a probabilidade de ocorrência de acidente,

obtida através da avaliação estatística do número de registros de acidentes por

empresa. Tal legislação foi modificada em 1997, ficando estabelecido que a Previdência

Social pudesse reduzir a contribuição da empresa desde que esta investisse em

melhorias das condições de trabalho.

Em 1992, inclui-se no regulamento de Benefícios da Previdência Social um

maior detalhamento das circunstâncias que caracterizam o acidente de trabalho:

- acidente ligado ao trabalho, o qual, mesmo não provocado por causa

única, haja contribuído diretamente para a morte, perda ou redução de

capacidade, ou que tenha produzido lesão que exija atendimento médico;

- acidente sofrido no local e no horário de trabalho em conseqüência de:

ato de agressão, sabotagem ou terrorismo; ofensa física intencional; ato

de imprudência, de descuido ou de imperícia de terceiro, ou de colega de

trabalho; ato de pessoa privada de razão; desabamento, inundação,

incêndio, entre outros;

- acidente sofrido ainda que fora do local de trabalho: na execução de

ordem ou realização de serviço para a empresa; na prestação espontânea

de qualquer serviço à empresa; em viagem a serviço da empresa; no

destinados a descanso ou refeição e no agravamento ou complicação do

percurso da residência para o trabalho ou deste para aquele; em períodos

quadro de saúde no período de reabilitação profissional.

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4.5 Conceito de acidente de trabalho e doenças ocupacionais

O artigo 19 da Lei n. 8.213/91 nos dá o conceito legal de acidente do

trabalho: Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do artigo 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.

O conceito jurídico geral de acidente de trabalho utilizado na legislação

brasileira permite operacionalizar a gestão dos benefícios da Previdência Social e o

reconhecimento oficial do acidente, através da emissão da CAT (Comunicação de

Acidente de Trabalho). Entretanto, caracterizar os efeitos dos acidentes numa

perspectiva exclusivamente securitária impede entendê-los na sua historicidade e no

contexto de relações de trabalho, enquanto eventos heterogêneos e complexos em que

componentes sociais, tecnológicos e de saúde interagem e operam como mediadores

da relação processo de trabalho e saúde (MACHADO; PORTO; FREITAS, 2000). A

ênfase nesse tratamento securitário é um fator de confusão, na medida em que engloba

como semelhantes situações e efeitos muito diferenciados. Essa imprecisão, ao

encobrir a especificidade dos riscos, reflete-se numa certa assepsia da morte e das

doenças relacionadas ao trabalho.

Para o INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social), segurados são todos

os indivíduos que se inscreveram e contribuem para a Previdência. Mas, apesar de se

considerar beneficiários o conjunto dos trabalhadores que contribuem, só uma parcela

tem direito ao seguro acidente. Para receber esse benefício e, portanto, para registro de

casos, o trabalhador deve ser vinculado aos setores da economia regidos pela CLT.

Depreende-se, pois que para a Lei Previdenciária, o acidente do trabalho somente

ocorre com trabalhadores, os quais, no exercício de suas atividades, prestam serviço à

empresa: o segurado empregado ou empregado avulso, bem como o segurado

especial, cujos efeitos provocam lesão corporal ou perturbação funcional suficientes

para causar a morte, a perda ou a redução, temporária ou permanente, da capacidade

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para o trabalho63. Ficam excluídos os empregados domésticos e os contribuintes

individuais e facultativos, os quais não receberão o benefício de auxílio-acidente.

Também, não estão contemplados, entre outros: os trabalhadores autônomos e

os funcionários públicos – municipais, estaduais, federais, militares e civis64. Ao definir quem é

segurado, a legislação é a mais includente possível. Contrariamente, quando se trata

de determinar os que fazem jus ao seguro acidente, torna-se excludente.

A lei também considera acidente do trabalho a doença profissional e a

doença do trabalho. As chamadas doenças ocupacionais.

Silva (1999) diz que: DOENÇA PROFISSIONAL é a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e Emprego. DOENÇA DO TRABALHO é a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relaciona diretamente, e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e Emprego.

Segundo este mesmo autor a doutrina classifica os acidentes do trabalho em três espécies: DOENÇAS DO TRABALHO, também chamadas mesopatias, são aquelas que não têm no trabalho sua causa única ou exclusiva. A doença resulta de condições especiais em que o trabalho é executado (pneumopatias, tuberculose, bronquites, sinusite, etc.). As condições excepcionais ou especiais do trabalho determinam a quebra da resistência orgânica fazendo eclodir ou agravar a doença. DOENÇAS PROFISSIONAIS ou tecnopatias - Têm no trabalho a sua causa única, eficiente por sua própria natureza, ou seja, a insalubridade. São doenças típicas de algumas atividades (silicose, leucopenia, tenossinovite, etc) ACIDENTES DO TRABALHO TIPO - Em seu conceito devem estar presentes a subtaneidade da causa e o resultado imediato, ao contrário das doenças que possuem progressividade e mediatidade do resultado.

63 Art. 11. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas VII - como segurado especial: o produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais, o garimpeiro, o

pescador artesanal e o assemelhado, que exerçam suas atividades, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, bem como seus respectivos cônjuges ou companheiros e filhos maiores de 14 (quatorze) anos ou a eles equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo. (O garimpeiro está excluído por força da Lei nº 8.398, de 7.1.92, que alterou a redação do inciso VII do art. 12 da Lei nº 8.212 de 24.7.91).

A lei considera acidente do trabalho tanto o ocorrido pelo exercício do trabalho a serviço da empresa, como o prestado em benefício próprio nos casos daqueles que exercem suas atividades individualmente ou em regime de economia familiar.

64Destacamos o seguinte julgado o qual vai de encontro à legislação: RESPONSABILIDADE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – funcionário de município – acidente do trabalho – aplicação das normas e princípios que regem o contrato administrativo e o acidente do trabalho – não incidência do art. 37, §6º da cf/88 –. amputação do quinto dedo da mão direita – diminuição da potencialidade produtiva – dano presumido – prejuízo material e sofrimento psicológico também reconhecidos – indenização correspondente de vida (TJRS– Apc 70000363275 – 9ª C.Cív. – Relª Desª Mara Larsen Chechi – j. 25.10.2000).

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Há que se observar a distinção que é feita entre as doenças do trabalho e as

doenças profissionais65. Com efeito, enquanto nas primeiras a relevância está nas

65 Além do acidente laboral propriamente dito, também as doenças ocupacionais são consideradas como

acidente do trabalho, nos termos do artigo 20 da lei previdenciária de nº 8.213/91: Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas: I-doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social; II-doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I. O parágrafo 1º desse artigo, de plano, exclui das referidas listagens as seguintes doenças: a) doença degenerativa; b) doença inerente a grupo etário; c) doença que não produza incapacidade laborativa; d) a doença endêmica adquirida por segurado habitante de região em que ela se desenvolva. O parágrafo 2º do mesmo artigo determina que mesmo eventuais doenças não relacionadas nas listas elaboradas pelo Ministério do Trabalho e Emprego, mas que resultem das condições especiais em que o trabalho é executado e com ele se relaciona diretamente, deverão ser consideradas como acidente do trabalho pela Previdência Social. A exceção abrange também as doenças endêmicas que, comprovadamente, resultem da exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho (§ 1º, "d", parte final). Com fito de ampliar o rol dos acidentes de trabalho e amparar o trabalhador desvalido, o legislador enumera outras situações diversas das condições específicas determinadas pela natureza do trabalho. Equiparam, pois, ao acidente do trabalho, para efeitos da citada lei previdenciária em seu artigo 21 e seus incisos: I - o acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única, haja contribuído diretamente para a morte do segurado, para redução ou perda da sua capacidade para o trabalho, ou produzido lesão que exija atenção médica para a sua recuperação; II - o acidente sofrido pelo segurado no local e no horário do trabalho, em conseqüência de: a) ato de agressão, sabotagem ou terrorismo praticado por terceiro ou companheiro de trabalho; b) ofensa física intencional, inclusive de terceiro, por motivo de disputa relacionada ao trabalho; c) ato de imprudência, de negligência ou de imperícia de terceiro ou de companheiro de trabalho; d) ato de pessoa privada do uso da razão; e) desabamento, inundação, incêndio e outros casos fortuitos ou decorrentes de força maior; III - a doença proveniente de contaminação acidental do empregado no exercício de sua atividade; IV - o acidente sofrido pelo segurado, ainda que fora do local e horário de trabalho: a) na execução de ordem ou na realização de serviço sob a autoridade da empresa; b) na prestação espontânea de qualquer serviço à empresa para lhe evitar prejuízo ou proporcionar proveito; c) em viagem a serviço da empresa, inclusive para estudo quando financiada por esta dentro de seus planos para melhor capacitação da mão-de-obra, independentemente do meio de locomoção utilizado, inclusive veículo de propriedade do segurado; d) no percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela, qualquer que seja o meio de locomoção, inclusive veículo de propriedade do segurado. Esta lei previdenciária esclareceu, ainda, nos parágrafos 1º e 2º desse artigo que: § 1º. Nos períodos destinados à refeição ou descanso, ou por ocasião da satisfação de outras necessidades fisiológicas, no local do trabalho ou durante este, o empregado é considerado no exercício do trabalho. § 2º. Não é considerada agravação ou complicação de acidente do trabalho a lesão que, resultante de acidente de outra origem, se associe ou se superponha às conseqüências do anterior. Em síntese, a legislação brasileira considera acidente do trabalho os eventos ocorridos pelo exercício do trabalho, que causem lesão corporal ou perturbação funcional, morte e perda ou redução da capacidade para o trabalho, bem como as doenças profissionais e outras formas de acidentes vinculados ao trabalho: 1) aqueles ocorridos no local do trabalho decorrentes de atos intencionais ou não de terceiros ou de companheiros do trabalho; 2) os acidentes oriundos de casos fortuitos ou de força maior; 3) as doenças provenientes de contaminação acidental no exercício da atividade; 4) os acidentes ocorridos no percurso residência/local de trabalho/residência e nos horários das refeições.

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condições em que a atividade é exercida, nas segundas o fator determinante é a

atividade.

Ora, dever-se-á também intuir que existe diferença entre aquelas e o

acidente de trabalho tipo. Este pode ocorrer quando o empregado está a serviço da

empresa (dentro ou fora da sede), ou mesmo em acidente de trajeto, quando a

ocorrência se dá durante o deslocamento do trabalhador para o local de trabalho ou

vice-versa ou nos horários das refeições. Já aquelas são doenças que ocorrem ou pela

exposição cotidiana do trabalhador a agentes nocivos de qualquer natureza, presentes

no ambiente de trabalho, ou cuja atividade, por sua natureza, atua na incapacitação

para o trabalho, doença ou morte. O acidente ocorre de maneira imediata as doenças

mediatamente.

A importância dessa classificação é de interesse do Instituto Nacional de

Seguridade Social (INSS), que reconhece automaticamente a existência da relação de

causa e efeito quando o cidadão que busca sua assistência é portador de doença

profissional. Contudo, para os casos de doenças do trabalho o nexo causal deverá ser

comprovado por meio de laudo técnico competente emitido pelo engenheiro de

segurança ou médico do trabalho.

4.6 O Estado e as teorias sobre acidentes

Duas teorias explicativas – a do risco social e a do risco profissional - estão

implícitas na legislação e ação de órgãos oficiais responsáveis pela prevenção e

vigilância dos acidentes. A teoria do risco social baseia-se no princípio de que os bens

são produzidos para consumo da sociedade e, portanto é a própria sociedade quem

deve arcar com alguns dos ônus da produção. Essa teoria se desenvolve no momento

de crise das seguradoras privadas, diante do crescimento dos prêmios, quando o

Estado acaba assumindo o gerenciamento do seguro acidente como parte de sua

política social.

Segundo a teoria do risco profissional, desenvolvida na Alemanha na

segunda metade do século XIX, cabe ao empregador indenizar o trabalhador

acidentado. Baseia-se no fato de que o acidente é visto como conseqüência do trabalho

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e como parte integrante do negócio, ou seja, o lucro do empresário está ligado ao risco

de ocorrência de acidentes. Em conseqüência, é função de a empresa indenizar o

acidentado. Essa teoria, ao identificar os riscos e suas repercussões sanitárias

específicas, obriga o capital a aceitar sua imperfeição e abre a possibilidade de

alterações nos processos de trabalho, sob os critérios de saúde, o que é

potencialmente transformador, se consolidados mecanismos de controle social.

Ambas as teorias têm como principal preocupação a identificação de um

culpado para o acidente - teoria da culpa - tendo em vista as implicações jurídicas da

responsabilidade civil. Desde a sua formulação, a teoria da culpa direciona a análise dos acidentes no sentido de atribuir-lhes uma dentre duas causas possíveis: uma ação dolosa do empregado (ato inseguro) ou uma ação dolosa do empresário (condição insegura, criada por imprudência, negligência ou falta de diligência), metodologia de análise esta que ainda hoje é profusamente utilizada, ainda que com uma pequena modificação ao admitir a possibilidade da concomitância das duas causas (RODRIGUES, 1986, p. 19).

Essa teoria, segundo Vidal (1989), sustenta interpretações - desde a

imperícia profissional até a necessidade de adequação do trabalhador ao posto de

trabalho - que correspondem a várias concepções: a culpabilidade, em que é ressaltada

a imperícia do trabalhador; a acidentabilidade, que supõe a existência de trabalhadores

acidentáveis, a predisposição aos acidentes, em decorrência de características

individuais, e a dicotomia entre fatores humanos e o ambiente de trabalho, na qual se

apóia a legislação brasileira vigente sobre acidentes de trabalho.

Em termos conceituais, mantém-se na legislação acidentária a doutrina da

responsabilidade objetiva, ou seja, a vítima deve ser reparada financeiramente pelo

dano, independentemente da culpa. Não se discute mais a culpabilidade, nem o risco

profissional e a figura do empregador como presumível responsável desaparece.

Subentende-se que a sociedade, através do Estado, deve arcar com os danos

ocorridos no exercício do trabalho. O empregador contribui apenas para o seguro

social, por meio de uma taxa acidentária diferenciada e proporcional ao risco

profissional de o trabalhador se acidentar ou adoecer. Atualmente, no entanto,

encontra-se em curso a discussão em torno do processo de privatização do Seguro

Acidente de Trabalho – SAT, que passaria a ser gerenciado por empresas seguradoras

privadas ou mútuas. As seguradoras privadas são entidades abertas com fins lucrativos

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e as mútuas, entidades fechadas, de direito privado, sem fins lucrativos, cujo objetivo é

garantir a proteção e a indenização aos trabalhadores das empresas filiadas, tendo nas

suas instâncias deliberativas representantes dessas empresas e dos trabalhadores.

Segundo Freitas (2001), o que acabou acontecendo foi que, depois de muitas

discussões, o governo lançou no lugar do projeto original de privatização um

anteprojeto de lei elaborado pelo Ministério da Previdência e Assistência Social

(MPAS), de cunho comercial, que dificulta a constituição de mútuas e confere a

companhias seguradoras a função de indenizar os trabalhadores que sofreram

acidentes e doenças advindas da atividade laboral, bem como a responsabilidade pela

atenção, recuperação e reabilitação do trabalhador vítima de acidente do trabalho.

A discussão das teorias que embasam a compreensão dos acidentes de

trabalho encontra um solo fértil para polêmicas tecnicistas, provocando um dualismo

superficial. Como exemplo, o caso da distinção entre acidente no trabalho e do

trabalho. O primeiro conceito assume o ambiente como potencializador de acidentes; o

segundo considera o acidente parte da atividade laboral, do trabalho em si. Os que

defendem a teoria do risco social tendem a usar a definição de acidente no trabalho,

por ser mais abrangente. Os adeptos da teoria do risco profissional adotam o conceito

de acidente do trabalho, por ser mais específico e apresentar maior visibilidade.

Ambiguamente, recorre-se ao conceito restritivo para amortecer gastos com o seguro

social e ao mais abrangente, para dissolver responsabilidades jurídicas e financeiras.

Em conseqüência, se nos deparam modelos fragmentados e ineficazes de abordagem

do acidente de trabalho.

Segundo Machado (1991), as políticas específicas, que influenciam a adoção

de uma ou outra teoria, podem ser demonstradas a partir do modelo brasileiro. Atua-se

em consonância com a teoria do risco social, ao contratar serviços por meio de

convênios especiais para assistência aos acidentados e apoiar políticas de controle de

acidentes por parte das próprias empresas. A Previdência Social, atualmente, ao adotar

a teoria do risco social, assume a parte onerosa – o pagamento dos acidentes com

afastamento superior a 15 dias - e delega às empresas as ações preventivas. Já o

Ministério do Trabalho, por sua vez, desenvolve toda uma regulamentação específica,

na qual fica clara a adesão à teoria do risco profissional. As empresas estabelecem

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princípios de ação – prevenção de acidentes, comissões de trabalhadores etc -

concomitantes à criação e dimensionamento dos serviços de empresa de engenharia

de segurança e medicina do trabalho, numa perspectiva habitualmente tecnicista e

distante do trabalhador. Quanto ao Ministério da Saúde, até a década de 80,

desconhece a especificidade das repercussões do trabalho sobre a saúde. Por

influência do "movimento sanitário", a vigilância sanitária passa a incorporar questões

relativas à saúde do trabalhador e começam a surgir experiências regionais centradas

em seu enfrentamento no interior dos serviços de saúde. Com a Lei Orgânica de Saúde

(Brasil, 1988), que consagra o SUS – Sistema Único de Saúde - e fomenta a

implantação de programas voltados para essa temática, o acidente de trabalho, dada

sua magnitude, passa a ser um dos objetos prioritários dessas ações.

4.7 As formas de responsabilidade em matéria acidentária

Com efeito, é importante que se tenha clara a distinção entre as três formas

de responsabilidade em nossa legislação acidentária.

Cada uma delas parte de fundamentos legais diversos e se baseiam em

circunstâncias que não se comunicam.

São elas: 1) a responsabilidade objetiva do órgão de Previdência para com

os benefícios; 2) a responsabilidade subjetiva do empregador para com o acidentado ou

seus dependentes, quando aquele agiu com dolo ou culpa; e 3) a responsabilidade

subjetiva da empresa para com o órgão previdenciário, em regresso aquilo que foi pago

por este último ao beneficiário, nos casos em que aquela negligenciou as normas-

padrão de higiene e segurança do trabalho.

A responsabilidade do Seguro Social relativamente aos beneficiários

(segurados e dependentes) diz-se objetiva porque, em seu estágio atual (inaugurado,

no Brasil, desde a Lei n. 5.316, de 1967), funda-se no chamado risco social.

Este se funda, em breve, no princípio da solidariedade e pressupõe que

todos os membros da sociedade (e não exclusivamente o empregado ou a empresa),

representados pelo Estado, devem suportar as contingências sociais que afligem o

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trabalhador, sempre que estas ocorram, independentemente da existência de culpa da

empresa.

Ela se baseia no seguro social, imposto pelo Estado e financiado por toda a

sociedade, direta ou indiretamente, se bem que, especificamente quanto aos acidentes

do trabalho, a Constituição determina que o seguro deve ser financiado exclusivamente

pelo empregador (art. 7º, XXVIII).

Seu objeto é o pagamento de prestações previdenciária, quer em dinheiro

(benefícios), quer em utilidades (serviços), que não têm, a rigor, natureza indenizatória:

destina-se à manutenção tanto quanto possível das condições de subsistência do

trabalhador e de seus familiares, verificadas antes da ocorrência do acidente.

Como é sabido, aqui não tem a menor relevância a perquirição de culpa das

empresas: comprovada a ocorrência de acidente do trabalho e a perda ou redução da

capacidade laborativa, paga-se a prestação cabível ao beneficiário.

A existência de culpa na ocorrência de acidente do trabalho só passa a ser

relevante se o acidentado, ou os seus dependentes, pleitearem, em face das empresas,

o pagamento de indenização com base na regra das formas de responsabilidade acima

elencadas. Esta se funda na existência de culpa da empresa (por isso é subjetiva),

independente do recebimento de benefício acidentário (vale dizer, pode ser cumulada

com este) e não visa ao recebimento de prestações previdenciárias, mas sim de

verdadeira indenização pelos danos causados pelo acidente.

Tal hipótese está atualmente prevista na Constituição Federal, entre os

direitos do trabalhador (precisamente no art. 7º, XXVIII, segunda parte: "sem excluir a

indenização a que este obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa” e também na Lei

nº. 8.213/91 (art. 121).

Já no que pertine a responsabilidade subjetiva da empresa para com o órgão

previdenciário, em regresso aquilo que foi pago por este último ao beneficiário- nos

casos em que aquela negligenciou as normas-padrão de higiene e segurança do

trabalho, se funda na culpa da empresa, (CF, art. 7º, XXII; CL, Título II, Capítulo V -

especialmente arts. 157 e 158; e ainda, art. 19, § 1º, da Lei nº 8.213/91).

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Encontra-se regulada expressamente desde a Lei nº. 8.213/91, que o fez por meio dos

artigos 120 e 12166.

Esta responsabilidade funda-se na premissa de que os danos gerados ao

INSS a partir desses acidentes não podem e não devem ser suportados por toda a

sociedade, na medida em que, no risco repartido entre os membros da coletividade

(risco social), não se admite a inclusão de uma atitude ilícita da empresa que não

cumpre as normas protetivas da higiene e do ambiente de trabalho.

Depreende se que a finalidade dessas ações regressivas representam, num

primeiro momento, recuperação, para os cofres públicos do recuso acidentário

daqueles recursos que passaram a ser exigidos a partir da ocorrência dos eventos

sociais acidentários, que poderiam ser evitados, bastando, para isso que tivesse sido

cumprido dever legal de proteção ao local de trabalho.

E nesse caso, não se pode perder de vista que, sendo públicos os recursos

administrados pelo INSS, mais do que conveniente, mostrar-se mesmo necessário que

sejam ressarcidas todas e quaisquer despesas havidas a partir de acidentes para os

quais concorreu a inobservância, pelas empresas, de seu dever jurídico.

Afinal, se o INSS, enquanto órgão da Administração, exercer função, vale

dizer, tem o dever de fazer algo no interesse de outrem, age sempre tendo em vista a

coletividade que representa - formada pelo conjunto de todas as empresas contribuintes

e de todos os trabalhadores beneficiários do sistema de seguro acidentário - de modo

que tem que buscar o ressarcimento dos prejuízos causados pela empresa negligente,

como maneira de bem cumprir a finalidade de administração desse seguro público.

Assim, não cabe à sociedade arcar com um risco adicional, que advém do

descumprimento, muitas vezes ostensivo, da legislação tutelar do trabalho.

Além disso, num segundo momento, não se pode deixar de enxergar, na

vontade do legislador, a intenção de que venham a ser desestimuladas as práticas de

inobservância das normas de segurança e higiene do trabalho.

66 "Art. 120. Nos casos de negligência quanto às normas-padrão de segurança e higiene do trabalho

indicados para a proteção individual e coletiva, a previdência social proporá ação regressiva contra os responsáveis." "Art. 121. O pagamento, pela Previdência Social, das prestações por acidente do trabalho não exclui a responsabilidade civil da empresa ou de outrem."

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O seguro acidentário, público e obrigatório, não pode servir de alvará para

que empresas negligentes com a saúde e a própria vida do trabalhador fiquem

acobertadas de sua irresponsabilidade, sob pena de constituir-se verdadeiro e perigoso

estímulo a esta prática socialmente indesejável.

Afinal em diversas passagens, a Constituição de 1988 deixa clara a

importância do trabalho e de seus valores sociais, como fundamento da ordem social

(art. 193, da ordem econômica (art. 170, caput) e da própria República (art. 1º, III e IV)).

Por isso é que iremos propor, no objeto de nossa tese, que a

responsabilidade do empregador por qualquer que seja o acidente de trabalho tipo ou

não e venha causar dano ao empregado que lhe afete a saúde causando neste

incapacidade laborativa permanente ou temporária de sua responsabilidade seja

sempre objetiva pois só assim tomará aquele as cautelas legais o que contribuirá para

diminuir sobremaneira o absurdo numero de acidentes de trabalho que hoje se verifica.

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CAPÍTULO 5

DANO MORAL 5.1 Noção jurídica de dano moral

Desde o seu surgimento no mundo jurídico, o instituto do dano moral tem

provocado acesas polêmicas na doutrina e na jurisprudência, não só no Brasil, mas

também, em diversos outros ordenamentos jurídicos.

Contribuiu em muito para o acirramento dessa polêmica entre nós o fato de

que o direito civil pátrio não instituiu entre seus preceitos uma regra geral prevendo a

reparabilidade do dano moral. As normas referentes à indenização de danos morais

existentes no ordenamento civil, elaboradas numa época onde ainda predominava uma

concepção eminentemente individualista e tradicional do Direito, e imperfeitamente

elaboradas, contribuíram muito mais para a criação de cizânia entre os juristas do que

efetivamente para a justa resolução do problema.

O dano é o principal elemento necessário à configuração da

responsabilidade civil. Não pode haver responsabilidade sem dano efetivo.

Com efeito, buscamos em Mazeaud e Mazeaud (1947), que a certeza do

dano ou prejuízo se refere ao fato de que ele não deve ser simplesmente hipotético ou

eventual, mas objetivamente determinável sendo que De Cupis (1954) mostra, a

propósito, que "O direito não pode levar em conta as fantasias e as ilusões de eventuais

vantagens".

O dano civil pode ser conceituado como toda desvantagem que

experimentamos em nossos bens jurídicos (patrimônio, corpo, vida, saúde, honra,

crédito, bem-estar, capacidade de aquisição etc.).

O dano abrange, em toda sua extensão, o que efetivamente se perdeu e

aquilo que, razoavelmente, se deixou de lucrar: o dano emergente e o lucro cessante.

O conceito moderno de dano também não se limita mais ao dano patrimonial,

mas abrange também o dano moral.

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A reparação do dano deve ser integral, se possível, com a restauração do

"status quo ante", isto é, devolvendo a vítima ao estado em que se encontrava antes da

ocorrência do ato ilícito. Todavia, como na maioria dos casos se torna impossível tal

desiderato, busca-se uma indenização em forma de pagamento de uma indenização

monetária.

Nosso antigo Código Civil de 1916 consagrava o princípio de que não existe

o dever de indenizar se não houver dano. O prejuízo deve ser certo, é a regra essencial

da reparação. O dano hipotético não justifica a reparação. Deve-se distinguir entre o

dano atual (damnun emergens) e o dano futuro (lucrum cessans). Deixaremos para

mais adiante analisarmos o que vem disposto no Código Civil de 2003.

Para autorizadamente se computar o lucro cessante a mera possibilidade

não basta, mas também não se exige a certeza absoluta. O critério acertado está em

condicionar o lucro cessante a uma probabilidade objetiva resultante do

desenvolvimento normal dos acontecimentos conjugados às circunstâncias peculiares

ao caso concreto.

O ressarcimento do dano se processa de duas formas: pela reparação

natural ou específica e pela indenização pecuniária.

Segundo Mazeaud e Mazeaud (1947), há duas espécies de dano moral.

Uma, refere-se à "parte social do patrimônio moral", a exemplo da honra, reputação,

consideração; outra, que diz respeito ao indivíduo, em suas afeições internas. Mas

reconhecem, no entanto, que suas características, qualquer que seja, destas duas

faces, o prisma sob o qual se o analise, são 1) a certeza e objetividade em sua

ocorrência e verificação e 2) a personalidade, vale dizer, a titularidade ou coincidência

entre o dano e aquele que demanda a sua indenização. No entanto, conforme

demonstra Casillo (1994) na reparação do dano deve prevalecer o princípio do "in dubio

pro creditoris" . [...] a tendência deve ser no sentido contrário. Na dúvida, a atenção do julgador deve voltar-se para a vítima, ainda que se corra o risco de que, por um excesso, o ofensor indenize mais do que era devido. O risco inverso de a vítima receber menos do que seria devido é que não pode ser admitido.

Há, entretanto, doutrina divergente. É o que se observa de Mendonça (1956) o qual aponta quanto ao aspecto da honra, o que se busca reparar, no tocante ao dano

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moral, não é nenhum prejuízo de ordem econômica, patrimonial, mas o sofrimento

íntimo do lesado. O que se busca atenuar é um desconforto interno, íntimo, nunca, por

exemplo, a reputação objetiva do indivíduo perante seus semelhantes, nunca a opinião

do público sobre a vítima. O que está em questão, a bem da verdade, é a violação, a

oposição de obstáculos à livre e normal expansão de nossa personalidade.

Como quer que seja, já que se trata de um tema polêmico desde o início em

que foi considerado, já se pode notar, com Savatier (1951), que à idéia de culpa, para

fins de responsabilidade civil por dano moral, está essencialmente conectada à idéia de

violação consciente de um dever imposto ao sujeito pela ordem jurídica e que cause um

mal evidente à vítima. Com efeito, para o tratadista francês, neste tópico especial, todo

ato culposo, em princípio, se causar um dano a terceiros, é um ato ilícito juridicamente

sancionável. No entanto, a responsabilidade civil ligada ao dano de natureza moral

exige três condições:

a) é necessário provar, desde logo, que se trata de um dever moral preciso e

de um objeto certo e determinado;

b) em seguida, é necessário que o dever moral se refira a um fato certo ou a

uma abstenção;

c) enfim, é imperioso que a inexecução do dever moral tenha causado um

dano a quem se diz prejudicado.

Ora, não havendo um decréscimo patrimonial, uma lesão ao patrimônio

econômico ou material da vítima, mas ao seu patrimônio ideal, a indenização que se

busca é meramente satisfatória, e não reparatória, pois não se pode negar, mesmo com

a evolução da doutrina e da jurisprudência, que é impossível avaliar economicamente a

extensão do desconforto ou do sofrimento moral que ela experimenta, em virtude da

ofensa à sua integridade psíquica. Nesse sentido decisão do Supremo Tribunal Federal,

em 1973. 67

Daí que encontramos na doutrina que para se configurar o dano moral é

necessário um sofrimento, seja moral ou físico, do paciente; que o mesmo resulte de

67 "[...] dano moral é um sentimento de pesar íntimo da pessoa ofendida para o qual não se encontra urna

estimação perfeitamente adequada" e que a soma que se paga, a título de indenização, não importa numa exata reparação (Recurso Extraordinário n. 69.754/SP Rel. em. Min. Thompson Flores. In: Revista dos Tribunais, v. 485, p. 230)

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lesão de um direito não patrimonial de que ele seja titular, não envolvendo perda

pecuniária68.

Penso que o dano moral, deve causar à pretensa vítima um mal estar

psíquico, um desconforto espiritual em virtude de um ato, comissivo ou omissivo,

daquele apontado como ofensor. A ofensa deve causar, no sujeito pretensamente

ofendido, uma modificação de suas emoções, de sua capacidade de situar-se no

mundo, uma agressão à sua capacidade de entender, sentir ou agir, imediatamente

derivada da situação causal. Mas, a dor que justifica a indenização por dano moral não

é qualquer estado emocional de que padeça quem o alega, mas deve ser de tal

intensidade que, projetando-se de sua dimensão espiritual para sua vida in concreto,

reflita em seu crédito, a prive da situação econômica de que antes gozava por não mais

estar capacitada ao trabalho, provenha de grave ofensa física, ou mesmo debilite a sua

resistência física, ou seja, “a dor deve retirar o indivíduo da normalidade de sua vida

para pior”, nas precisas palavras de Pontes de Miranda (1984).

5. 2 Conceito de dano moral

Como pode ser conceituado o dano moral? Há necessidade que se faça uma

incursão nas doutrinas estrangeira e brasileira para podermos observar se são

convergentes ou divergentes, se existem pontos comuns ou antagônicos, a respeito do

tema. Para Savatier (1951) dano moral é todo sofrimento humano que não é

causado por uma perda pecuniária. Possui estes aspectos variados: pode-se reclamar

por um sofrimento físico, o pretium doloris; mais freqüentemente ainda a vítima sofre de

uma dor moral, em sua reputação, em sua autoridade legítima, em seu pudor, em sua

segurança e tranqüilidade, em seu amor-próprio, na integridade de sua inteligência, em

suas afeições etc.

68 Cf. MEDEIROS DA FONSECA, Arnoldo. Verbete: Dano moral. In: SANTOS, J. M. Carvalho; DIAS,

José de Aguiar (Org.). Repertório enciclopédico do direito brasileiro. Rio de janeiro: Borsoi, v. 14. p. 242-248.

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Para Minozzi (1917, p. 157) a distinção entre dano patrimonial e dano não

patrimonial (dano moral) se refere aos danos em seus efeitos, sobre a pessoa que os

sofre: La distinzione del danno in patrimoniale ed in non patrimoniale son si riferisce al danno nella sua origine, ma al danno nei suoi effetti. Quando paleremo di danni che non ledono il patrimonio della persona. Il contenudo di questi danni non é il danaro, nè una cosa comercialmente riducibile in danaro, ma il dolore, lo spavento, l’emozione, l’onta, lo strazio fisico o morale, in generale una dolorosa sansazione provata dalla persona, attribuendo alla parola dolore il più largo significato.

A fundamentação filosófica para a exigibilidade da reparação do dano moral

é magistralmente fundamentada por Von Ihering (1987, p. 176) na idéia de que a lesão

de direito põe em jogo não apenas um valor pecuniário (dano patrimonial) mas

representa sobretudo uma ofensa ao sentimento de justiça que necessita de reparação: Limito-me a indicar dois desvios de nossa jurisprudência - é precisamente este o termo que devo usar. Trata-se de desvios fundamentais, que representam verdadeiras sementeiras de injustiças. Um deles consiste no abandono completo, pela jurisprudência moderna, da idéia tão simples, por mim desenvolvida, de que a lesão de direito põe em jogo não apenas um valor pecuniário, mas representa uma ofensa ao sentimento de justiça, que exige reparação. O padrão pelo qual se medem todas as coisas é exclusivamente o do materialismo mais rasteiro e desolador, o do interesse.

Assume relevo, portanto a idéia de que a ofensa moral, fundada num

sentimento de justiça, se traduz num dano efetivo, embora não patrimonial, atingindo

valores internos e anímicos da pessoa. Não se trata assim de pena, como punição ao

ofensor, e sim reparação ou compensação ao ofendido.

No Brasil quem primeiro tratou do dano moral foi o Supremo Tribunal

Federal. Com efeito, na década de 20, o eminente Min. Pedro Lessa, relatando a Ação

Cível. nº. 3.585, já definira o dano moral como aquele que afeta "a honra, a liberdade, a

amizade, a afeição e outros bens morais, mais valiosos do que os econômicos".69

Dias (1995)70 citando Minozzi, assevera que o dano moral não é o dinheiro

nem coisa comercialmente reduzida a dinheiro, mas a dor, o espanto, a emoção, a

vergonha, a injúria física ou moral, em geral uma dolorosa sensação experimentada

pela pessoa, atribuído à palavra dor o mais largo significado.

69 In: Revista Forense, v. 37, p. 202. 70 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995. 2 v. p. 730.

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Pamplona Filho (1998) sustenta que o dano moral consiste no prejuízo ou

lesão de interesses e bens, cujo conteúdo não é pecuniário, nem comercialmente

redutível a dinheiro. Afirma que o dano moral é aquele que lesiona a esfera

personalíssima da pessoa, violando a intimidade, vida privada, honra e imagem, bens

jurídicos tutelados constitucionalmente.

Santos (2000, p. 32) após fazer um estudo da moral através dos tempos

mostrando que esta varia de acordo com a sociedade em que se vive vindo desde a

moral grega mostrando que as idéias de Sócrates, Platão e Aristóteles estão

relacionadas com a existência de uma comunidade democrática limitada e local (o

Estado-cidade ou polis), até chegar a moral contemporânea conceitua o dano moral

como “uma lesão a um indivíduo, proveniente de ato ilícito que recai sobre seu

patrimônio extrapatrimonial, isto é, aquele conjunto de princípios, valores intrínsecos,

que constituem a segunda natureza do indivíduo lesado e que se aloja no mais

recôndito do seu ser”.

Mais recentemente, o eminente Min. Francisco Rezek, assim se manifestou: Penso que o que o constituinte brasileiro qualifica como dano moral, é aquele dano que se pode depois neutralizar com uma indenização de índole civil, traduzida em dinheiro, embora a sua própria configuração não seja material. Não é como incendiar-se um objeto ou tomar-se um bem da pessoa. É causar a ela um mal evidente.71

Isso significa que deve ser evidente o mal causado à intimidade, à vida

privada, à honra e à imagem de quem alega ter sofrido um dano moral. Não basta

alegar simplesmente a dor psíquica, afetiva ou emocional. É preciso que o juiz disponha

de alegações sérias e objetivas para que possa avaliar se realmente aquele que a

alega está mesmo a experimentar um desconforto psíquico, e não a expor meros

caprichos. Como bem afirma Cunha Gonçalves (1957, p. 547): "A reparação não é

devida a quaisquer carpideiras. Não basta fingir dor, alegar qualquer espécie de mágoa;

há gradações e motivos a provar e que os tribunais possam tomar a sério".

O dano moral pode ser direto ou indireto. É direto quando lesiona um

interesse tendente à satisfação ou gozo de um bem jurídico não patrimonial. Os danos

morais são diretos quando a lesão afeta um bem jurídico contido nos direitos da

71 Voto-Vista no RE 172.720/RJ. STF, 2ª Turma (DJU 21.02.97). In: Lex-JSTF, v. 224, p. 215 (esp. p.

222).

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personalidade, como a vida, a integridade corporal, a honra, a própria imagem ou então

quando atinge os chamados atributos da pessoa, como o nome, a capacidade, o estado

de família. Como preleciona Zannoni (1982, p. 165): "[...] el menoscabo afecta poderes de

actuación en la esfera subjetiva para la preservación de ciertos bienes jurídicos existenciales

que exigen respeto. En la segunda hipotesis, el menoscabo afecta a cualquiera de los

presupuestos de la categoria jurídica de la persona".

Já o dano moral indireto ocorre quando afeta um bem ou interesse de

natureza patrimonial “quando há uma lesão específica e que de modo reflexo, produz

um prejuízo na esfera extrapatrimonial, como é, por exemplo, o caso de furto de um

bem com valor afetivo ou, no âmbito do direito do trabalho, rebaixamento funcional

ilícito do empregado, que, além do prejuízo financeiro, traz efeitos morais lesivos ao

trabalhador” (PAMPLONA FILHO, 1998, p. 37).

5.3 Direito comparado 5.3.1 Direito Francês

O Código Civil francês consagrou a responsabilidade civil em sentido amplo

ao dispor em seu art. 1382: "Tout fait quelconque de l’homme, qui cause à autre un

dommage, oblige celui par la faute duquel il est arrivé, a le réparer"72

Nessa fórmula ampla se fundamentou a sustentação dos pleitos de

reparação por danos morais.

A jurisprudência francesa sempre reconheceu o direito à reparação de danos

pelo prejuízo de ordem moral resultante, por exemplo, de propostas ou de escritos

injuriosos ou difamatórios, da ruptura injustificada de uma promessa de casamento, de

uma sedução dolosa, de um divórcio.

Ela hesitou muito, durante longo tempo, a admitir que a perda de afeição, a

dor moral que causa aos parentes próximos o desaparecimento de um ente querido,

pudesse dar abertura a uma ação de danos-interesses fundada no art. 1382. As

primeiras decisões que se pronunciaram nesse sentido subordinavam a aceitação da

72 Code Civil Français. Paris: Jurisprudence générale Dalloz, 1977.

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ação pelos tribunais à existência de uma obrigação alimentar entre a vítima e o

demandante.

O leading case dessa nova orientação foi o pronunciado no caso Lejars c.

Consorts Templier em 13 de fevereiro de 1923, no qual o Tribunal reconheceu que

tendo sido o sr. Templier mortalmente ferido por um cavalo que pertencia ao sr. Lejars

era devido aos três filhos e à filha de Templier uma indenização compreendendo além

do prejuízo material, a indenização do dano moral resultante da dor provocada nos

menores pela morte de seu pai: d’exercer contre l’auteur de ‘Attendu que Templier ayant été mortellement blessé par un cheval qui appartenait à Lejars, l’arrêt attaqué a condamné celui-ci , par confirmation du jugement, à payer aux trois fils et à fille de Templier une indemnité comprenant, en autre du préjudice matériel, le dommage moral résultant de la douleur qu’éprouvent les enfants par la mort de leur pére; qu’en statuant ainsi, il n’a pas violé l’art. 1382 c. civ., visé au moyen; qu’en effet, cet article, d’aprés lequel quiconque par sa faute cause à autri un dommage est obligé de le réparer, s’applique, par la generalité de ses termes, aussi bien au dommage moral qu’au dommage matériel. Par suite, c’est à bon droit qu’un arrêt décide que la douleur éprovée par les enfants d’une personne, morte victime d’un accident, suffit, en l’absence de tout préjudice matériel, pour permettre à ces enfants l’accident une action en dommages-intérêts’. (CAPITANT, 1973, p. 163).

Posteriormente, a Corte de Cassação decidiu que, ainda que o art. 1382 do

Código Civil se aplicasse tanto ao dano moral quanto ao dano material, a ação de

indenização, intentada à razão somente do prejuízo moral, deveria se fundar sobre um

interesse de afeição nascido de um laço de parentesco ou de uma aliança que unisse a

vítima do fato danoso àqueles que demandavam a reparação.

Essa condição excluía a ação em reparação do prejuízo moral intentada

pelos noivos. Contraditoriamente, certas decisões de cortes civis reconheceram que

proprietários de animais, em condições especiais, tinham direito à reparação do

"prejuízo de ordem subjetiva e afetiva" que lhes causaram a morte dos animais.

Aos poucos uma evolução se desenha num senso mais favorável à

reparação do prejuízo moral: acatando a reparação do dano causado à uma pessoa

pelo falecimento de seu noivo; tratando a "mãe de fato" como "mãe de direito";

reconhecendo o direito da esposa putativa aos danos-interesses, sem se limitar a

justificar a solução pela não-retroatividade da nulidade; reparando o prejuízo moral

sofrido por um pupilo em decorrência da morte de seu tutor.

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114

A jurisprudência dos tribunais, sempre conservadora, tentou erguer uma

outra barreira contra a multiplicação das ações. Nos casos em que somente a vítima é

ofendida, a Corte de Cassação primeiramente decidiu que os parentes não poderiam

demandar reparação dos prejuízos morais que lhes causaram os sofrimentos de um

ente querido. Mas, posteriormente, a Câmara Cível se pronunciou em sentido contrário.

Todavia, após essa reviravolta, ela não mais admitiu a ação de reparação senão nos

casos em que os terceiros, mais freqüentemente o pai e a mãe, sofreram um prejuízo

moral de natureza excepcional.

Essa concepção restritiva foi finalmente descartada por um acórdão de 8 de

dezembro de 1971 pronunciado pela 2ª Câmara Cível da Corte de Cassação,

invalidando um acórdão de uma Corte de Apelação que tinha recusado ao marido

reparação de seu prejuízo moral em conseqüência de um acidente de trânsito do qual

sua esposa havia sido vítima, por não ter ele provado que "a natureza dos ferimentos

de sua esposa tinham acarretado um distúrbio na paz e no equilíbrio do casal". A Corte

de Cassação enunciou, em consideração de princípio, que o art. 1382 do Código Civil,

"pela generalidade de seus termos se aplica tanto ao dano moral quanto ao dano

material; é preciso e é suficiente que o dito dano seja pessoal, direto e certo".

A jurisprudência atual da Câmara Criminal parece, todavia ainda hostil a este

gênero de ações, considerando o prejuízo invocado como indireto.

A jurisprudência administrativa durante longo tempo foi muito mais restritiva

que a jurisprudência civil. Certamente ela não recusava sistematicamente a reparação

do prejuízo moral: assim, o Conselho de Estado acordava danos-interesses a todos os

casos onde o prejuízo moral consistia em um prejuízo corporal (sofrimentos etc.) ou em

um atentado a crenças. Mas por muitos anos essa jurisprudência considerou o prejuízo

de afeição como insuscetível de valoração; finalmente o Conselho de Estado admitiu,

mesmo nesse domínio, a reparação do dano moral.

5.3.2 Direito italiano

O Código Civil italiano de 1865, seguindo a trilha traçada pelo Código

Napoleão, também previa a reparação dos danos em termos amplos: "art. 1151 -

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115

Qualum que fatto dell’uomo che arrecadanno ad altri, obbliga quello per colpa del quase

à avvenuto a risarcire il danno".73

Também o Código Penal previa a ampla reparação dos danos causados,

patrimoniais ou não patrimoniais, ao prever em seu art. 185: "Ognireato, che obbia

cagionato un danno patrimoniale o non patrimoniale, obbliga al risarcimento il colpevole

e le persone che, a norma delle leggi civili, debbono rispondere per il fatto di lui".74

Com o advento do Código Civil de 1942 a reparação do dano moral

restringiu-se tão-somente aos casos previstos em lei, por força do art. 2059: "Art. 2059 -

Danni non patrioniali Il danno non patrimoniale deve essere risarcito solo nei casi

determinati dalla legge"75.

Embora tal artigo representasse certo retrocesso em relação aos amplos

termos da reparação de danos do Código anterior, teve o mérito de tornar certa a

obrigação de reparação por dano moral, pela consagração legislativa.

Não obstante isso, o Código Civil de 1942 também sufragou a regra geral de

reparação dos danos injustos, ou seja, derivados de fatos ilícitos (art. 2043) o que tem

permitido o alcance maior de diferentes hipóteses submetidas aos tribunais: "Art. 2043 -

Risarcimento per fatto illecito Qualunque fatto doloso o colposo, che cagiona ad altri un

danno ingiusto, obbliga colui che ha commesso il fatto a risarcire il danno".

5.3.3 Código civil alemão

O princípio da reparação por fatos ilícitos foi consagrado no art. 823 do

Código Civil alemão de 1900 (BGB), prevendo-se a sua aplicação em atentados contra

a vida, ao corpo, à saúde, à liberdade, à propriedade e a todos os direitos de outrem,

bem como em hipóteses de violação de lei que proteja outra pessoa: § 823 - Principes Celui qui, à dessein ou par négligence, lèse illégalement la vie, le corps, la liberté, la proprieté ou tout autre droit d’une autre personne est tenu envers celle-ci de réparer le dommage cause.

73 CODICE Civile de Regno d’Itália: 1865 Milano: Editore Ulrico Hoepli, 1979. 74 CODICE Penale de Regno d’Itália – Milano: Editore Ulrico Hoepli, 1979. 75CODICE Civile d’Itália – Milano: Editore Ulrico Hoepli, 1979.

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La même obligation incombe à celui qui transgresse une loi faite en vue de protéger une autre personne. Si, d’après la teneur de la loi, la transgression est possible même sans faute, l’obligation de réparer le dommage n’a lieu qu’en cas de faute.76

Tal regra geral de obrigação de reparação dos danos causados à vida, ao

corpo ou à liberdade dos indivíduos já era corrente no direito germânico, tendo sido

adotado no direito civil prussiano (Landrecht, I.6, § 132-136), no Código Civil austríaco

de 1812 (C. austr. art. 1329) no Código do Estado de Saxe (C. Saxe, art. 1497 e 1498)

e nos Projetos de Códigos Civis dos Estados de Hesse (arts. 666-668), Baviera (arts.

945 e 941-943) e Dresden (arts. 1011-1012).

Também nos casos de difamação, aquele que, contrariamente à verdade,

afirmasse ou divulgasse um fato destinado a lesar um outro, de alguma maneira, em

seus bens ou em sua existência, ficava obrigado a reparar o dano causado, mesmo se

ignorasse, mas devesse conhecer, a inexatidão do fato afirmado ou divulgado (BGB, §

824).

O dano moral decorrente de uma sedução também devia ser reparado:

aquele que mediante malícia enganosa, ameaça ou abuso de uma relação de

subordinação, determinasse a uma mulher ou filha em consentir em coabitação

extraconjugal, era obrigado a reparar o dano causado (BGB, § 825).

O direito civil alemão também adotou a cláusula geral de obrigação de

reparação dos danos resultantes de atos ilícitos, nos seguintes termos: "§826 - Actes

contraires aux bonnes moeurs Celui qui, contrairement aux bonnes moeurs, cause

intentionellement du dommage à une autre personne est obligé envers celle-ci à la

reparation du dommage"

O dano moral apresenta-se, em alguns casos, mormente os decorrentes de

direitos da personalidade, como um direito personalíssimo, que não pode se estender

além da esfera de reivindicação do ofendido: § 1300 - Droits de la fiancée deflorée Lorsqu’une fiancée sans reproche a permis à son fiancé de coabiter avec elle, si les conditions de l’art. 1298 ou de l’art. 1299 sont réunies, elle peut exiger un dédommagement équitable en argent, même pour le dommage qui n’est pas causé à ses biens.

76CODE Civil Allemand et Loi d’introduction - traduit et annotés par O. de Meulenaere. Paris: Librarie A.

Marescq, 1987.

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117

Ce droit n’est pas transmissible et ne passe point aux héritiers, à moins qu’il n’ait été reconnu par contrat ou ne fasse l’objet d’une instance pendante.

No BGB foi fixado o princípio da reparação do dano moral, em seu § 253,

embora este restrinja também a reparação dos danos não patrimoniais aos casos

expressamente fixados em lei: "§ 253 - Dommages-interêts: S’il s’agit d’un dommage qui

n’est pas pécuniaire, la réparation en argent ne peut être exigée que dans les cas déterminés

par la loi"

A jurisprudência alemã, porém vem dando a este parágrafo uma

interpretação extensiva, admitindo apenas a limitação de indenização pecuniária

obrigatoriamente contida em norma legal, mas não uma restrição legal quanto à

reparação específica.

5.3.4 Direito português

Conforme Canotilho (1974, p. 186) o Direito português, de longa data,

admitiu a reparação dos danos morais, quando expressamente previstos em lei. Como

dispuseram as Ordenações Filipinas, Livro III, Título 86: E se o vencedor quiser haver, Não somente a verdadeira estimação da causa, mas, segundo a afeição que a ela havia, em tal caso jurará ele sobre a dita afeição, e depois do dito juramento, poderá o Juiz taxa-la, e segundo a dita taxação assim se condenará o réu e fará a execução em seus bens.

Aponta, também, que Constituição da República Portuguesa promulgada em

1933, em seu art. 8º, nº. 17, declarou: “art. 8º - É garantia dos cidadãos portugueses:

XVII - o direito de reparação de toda lesão afetiva, conforme dispuser a lei, podendo

esta, quanto à lesões de ordem moral, prescrever que a reparação seja pecuniária".

O Código Civil português de 196677 expressamente consagrou em seu art.

483º o princípio da ampla reparação de danos: Artigo 483º - Princípio geral 1 – Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indenizar o lesado pelos danos resultantes da violação. 2 - Só existe obrigação de indenizar independentemente de culpa nos casos especificados em lei.

77 CÓDIGO Civil Português: Decreto-lei nº 47.344 de 25 de novembro de 1966. Coimbra: Coimbra

Editora, 1994.

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O artigo 487º consagra a teoria da culpa ao dispor 1 – É ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa. 2 – A culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso.

Já no artigo 493º, ao dispor por danos causados no exercício de uma

atividade dispõe no n. 2 que. 2 – Quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, excepto se mostrar que empregou todas as providencias exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir.

O art. 496 do mesmo Código expressamente se refere à reparação dos

danos não patrimoniais, fixando inclusive critérios para a referida reparação: Artigo 496º - Danos não patrimoniais: 1 - Na fixação da indenização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. 2 - Por morte da vítima, o direito de indenização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem. 3 - O montante da indenização será fixado eqüitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494º; no caso de morte podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito à indenização nos termos do número anterior.

Outra previsão relevante do ordenamento português é a referida no art. 484

que dispõe sobre a obrigação de reparação no caso de afirmação ou difusão de fato

prejudicial ao crédito ou ao bom nome de outrem: "Art. 484 - Ofensa do crédito ou do

bom nome. Quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom

nome de qualquer pessoa, singular ou coletiva, responde pelos danos causados"

5.3.5 Outros ordenamentos

O Código Civil argentino, inspirado no Esboço de Teixeira de Freitas,

prescreveu a reparação por atos ilícitos e por inexecução de obrigações, nele

compreendendo-se, textualmente, os agravos morais sofridos pela vítima78: Art. 522 - En los casos de indemnización por responsabilidad contractual el juez podrá condenar al responsable a la reparación del agravio moral que hubiere

78 CÓDIGO Civil de la Republica Argentina. Buenos Aires: Víctor P. de Zavalía, 1981.

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causado, de acuerdo con la índole del hecho generador de la responsabilidad y circunstancias del caso. Art. 1078 - La obligación de resarcir el daño causado por actos ilícitos compreende, además de la indemnización de pérdidas e intereses, la reparación del agravio moral ocasionado a la víctima. La acción por indemnización del daño moral sólo competerá al damnificado directo; si del hecho hubiere resultado la muerte de la víctima, únicamente tendrán acción los herderos forzosos.

Tais dispositivos foram introduzidos no direito civil argentino pela Reforma de

22 de abril de 1968, efetuada pela Lei nº. 17.711/68. A modificação tornou supérfluas

certas discussões doutrinárias entre os juristas argentinos, cujas conclusões, alguns

autores brasileiros não atentos às modificações da legislação portenha, ainda insistem

em tomar por atuais (ITURRASPE, 1991).

O Código Civil mexicano, de 1932, prevê que, independentemente de danos

e prejuízos, pode o juiz fixar indenização eqüitativa como reparação moral à vítima de

ato ilícito, ou à sua família79: Art. 1916 - Independientemente de los daños y prejuicios, el juez puede acordar, en favor de la víctima de un hecho ilícito, o de sua família, si aquélla muere, una indemnización equitativa, a título de reparación moral, que pagará el responsable de hecho. Esa indemnización no podrá exceder de la tercera parte de lo que importe la responsabilidad civil.

O Código do Uruguai dispõe de forma clara e induvidosa a obrigatoriedade

ampla e geral da reparação: Art. 1319 - Todo hecho ilícito del hombre que causa a un daño, impone a aquél por cuyo dolo, culpa o negligencia ha sucedido, la obligación de repararlo. Cuando el hecho se ha cumplido con dolo, esto es, con intención de dañar, constituye un delito, cuando falta esa intención de dañar, el hecho ilícito constituye un quasi-delito. En uny en otro caso el hecho ilícito puede ser negativo, según que el deber infringido consista en hacer o no hacer (ARAMENDIA, 1946, p.36).

Acrescenta mais Aramendia que a menção da palavra dano, sem qualquer

adjetivação, deve ser entendida em sentido amplo, genérico, abrangendo qualquer tipo

de dano. Buscou inspiração para esse artigo o direito uruguaio no art. 1382 do Código

Civil francês onde a reparação do dano se entende em termos amplos, como ressalta

em diversas ocasiões a jurisprudência francesa.

79 CODIGO Civil de México. México, D.F: Editorial Porrua, 1955.

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5.4 Reparação do dano moral: a evolução histórica no Brasil

5.4.1 O código de Teixeira de Freitas

A idéia da reparação integral do dano já estava em germe na obra de

Augusto Teixeira de Freitas e, particularmente, em seu Esboço do Código Civil, de

1864. Teixeira de Freitas previu a ocorrência de dano em termos amplos, atribuindo

neste conceito não só as ofensas ao patrimônio da vítima, mas também as relativas à

sua própria pessoa: Art. 828 - Haverá dano, sempre que se causar a outrem (arts. 298 e 300) algum prejuízo suscetível de apreciação pecuniária; ou diretamente nas coisas do domínio, posse ou detenção do prejudicado; ou indiretamente pelo mal feito à sua pessoa, ou a seus direitos e faculdades (FREITAS, 1983, p. 255).

Em outro artigo de seu Esboço, previu especificamente, nos casos de

estupro ou de rapto, a obrigatoriedade de pagamento de indenização como dote para a

ofendida, no caso de não ocorrência de casamento, o que pode ser considerado como

uma aceitação tácita da reparação dos danos morais neste caso: Art. 3646 - Se o delito for de estupro ou rapto, a indenização consistirá somente no pagamento de uma quantia para dote da ofendida, conforme a sua condição for, a não se seguir o casamento. É extensiva esta disposição, quando o delito for de cópula carnal por meio de violência, ou ameaças, com qualquer mulher honesta; ou de sedução de mulher honesta, menor de 17 anos, com a qual se tenha cópula carnal (FREITAS, 1983, p. 255).

Também em relação à injúria o Esboço previa a obrigatoriedade de

reparação dos danos, inclusive morais, desde que estes fossem efetivos e apreciáveis

em dinheiro: "Art. 3647 - Se o delito for de calúnia ou de injúria de qualquer espécie, o

ofendido só terá direito a exigir uma indenização pecuniária, se provar que da calúnia

ou injúria lhe resultou efetivamente algum dano, ou cessação de lucro, apreciável em

dinheiro".

Segundo Bittar (1989, p. 93), a amplitude com que Teixeira de Freitas inseriu

"os efeitos decorrentes de delitos e a técnica da determinação estipulada demonstram a

compreensão, em seu bojo, da reparação dos danos morais".

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121

5.4.2 O Código de 1916

No Código Civil brasileiro, promulgado em 1916, as regras gerais de

responsabilidade (arts. 159, responsabilidade por danos extra-contratuais, e 1056,

responsabilidade por danos contratuais) são de caráter amplo e aberto, permitindo-se

entender que compreendem os danos morais, especialmente diante da explícita

previsão de certas hipóteses delituosas em que se ferem aspectos da moralidade e da

afetividade pessoais (arts. 1537 e ss.) (ALVES, 1917).

Além disso o Código destacava a possibilidade do interesse moral embasar a

postulação judicial (art. 76) ainda que essa postulação em juízo se achasse limitada ao

autor e sua família.

Beviláqua (1953, p. 183), comentando esse artigo 76, expressa a sua

convicção de que a obrigatoriedade de reparação abrange necessariamente o dano

moral: Se o interesse moral justifica a ação para defendê-lo ou restaurá-lo, é claro que tal interesse é indenizável, ainda que o bem moral se não exprima em dinheiro. É por uma necessidade dos nossos meios humanos, sempre insuficientes, e, não raro, grosseiros, que o direito se vê forçado a aceitar que se computem em dinheiro o interesse de afeição e os outros interesses morais.

Este artigo, portanto, solveu a controvérsia existente na doutrina, e que, mais

de uma vez repercutiu em nossos julgados.

O Código de 1916 também assentava hipóteses casuísticas em que o dano

moral seria reparável. Como no caso da vítima sofrer ofensa corpórea que deixe lesão

ou deformidade; no de ser ofendida mulher jovem e solteira, ainda capaz de casar

(Código Civil, art. 1538). Nesses casos o próprio legislador assenta a concessão de um

pagamento à vítima, a título de reparação pelo dano sofrido, ignorando o fato do ato

lesivo ter atingido o patrimônio, isto é, cogitando da reparação sem dano patrimonial.

Partindo da idéia expressa no art. 76 e considerando também os inúmeros

dispositivos específicos onde o Código prevê reparações por danos morais (Código

Civil, arts. 1537, 1538, 1543, 1548, 1549 e 1550), Pereira (1972) conclui que o princípio

da reparação por dano moral encontra guarida no ordenamento brasileiro. Lamenta ele

a falta de uma norma genérica textualmente assecuratória da reparação por dano

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moral, mas conclui que, nem por isso, uma interpretação sistemática do direito positivo

brasileiro autoriza uma conclusão contrária.

Aduz ainda à sua argumentação o fato de que o Código de

Telecomunicações (Lei nº 4.117, de 27.8.62, art. 81), autorizou explicitamente a

indenização por dano moral ao ofendido por calúnia, difamação ou injúria, cometidas

por via de modificação, fixada no mínimo de cinco e no máximo de cem vezes o salário

mínimo.

5.4.3 Os projetos legislativos anteriores ao Código de 2002

As diversas tentativas de reforma do Código Civil Brasileiro de 1916

trouxeram novas luzes à questão ao consagrar em seus dispositivos a necessidade

expressa de reparação dos danos morais.

O Anteprojeto do Código de Obrigações de 1941 elaborado pela comissão

integrada pelos professores Orosimbo Nonato, Philadelpho Azevedo e Hahnemann

Guimarães deu prioridade à matéria obrigacional em função da unificação dos preceitos

que passariam a reger todas as relações de ordem privada. Caracterizava a proposição

o intuito de proceder a uma "defesa extrema da boa fé", o anseio de "coibir os abusos

egoísticos" e a busca da "verdadeira liberdade das partes na formação do vínculo e na

sua execução, tendo em vista os interesses da ordem social". O Anteprojeto previa um

capítulo específico referente à reparação civil (Título I, Capítulo VI) e previa

expressamente a reparação decorrente de dano moral, embora esta devesse ser

limitada: Art. 181 - Além da que for devida pelo prejuízo patrimonial, cabe a reparação pelo dano moral, moderadamente arbitrada. Art. 182 - Não ocorrendo prejuízo patrimonial ou sendo insignificante, será o autor do ato lesivo condenado a pagar soma em dinheiro, nos termos do artigo anterior (BRASIL, 1989, v. 1).

Era o reconhecimento da doutrina, já na década de 40, da obrigatoriedade da

reparação dos danos morais.

Em 1963 surge o Anteprojeto do Código Civil elaborado pelo Professor

Orlando Gomes e posteriormente revisto por uma comissão composta pelo próprio

Orlando Gomes, Caio Mário da Silva Pereira e Orosimbo Nonato.

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Não tratou esse Anteprojeto da reparação por dano moral, diante da idéia então

dominante de edificar-se codificação apartada para o Direito das Obrigações.

Entretanto, explicitou, pela primeira vez em nosso Direito, os chamados direitos da

personalidade, prevendo a ampla possibilidade de indenização destes nos casos de

violação: Art. 28 - Direitos da Personalidade O direito à vida, à liberdade, à honra, e outros reconhecimentos à pessoa humana são inalienáveis e intransmissíveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária. Parágrafo único - Quem for atingido ilicitamente em sua personalidade pode exigir que o atentado cesse e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de sanções de outra natureza.

Vinculado ao Anteprojeto do Código Civil do Prof. Orlando Gomes surge o

Anteprojeto do Código de Obrigações do jurista Caio Mário da Silva Pereira. Em sua

Exposição expressou o autor a convicção de haver introduzido no Anteprojeto "aquelas

inovações necessárias a que os direitos civis possam exercer-se em respeito aos

ditames da consciência coletiva, e sem que se proporcione a situação já hoje

injustificável de acentuar a predominância econômica dos poderosos contra os

desvalidos".

Neste, o jurista mineiro insere título sobre responsabilidade civil (arts. 914 a

952), prevendo, de modo explícito, que o dano moral seria ressarcido

independentemente de dano material: "Art. 916 - O dano moral será ressarcido,

independentemente do prejuízo material. [...] Art. 942 - No caso de dano moral, haja ou

não haja prejuízo material, o juiz arbitrará moderadamente a indenização, invocando

inclusive a eqüidade”.(BRASIL, 1989, v. 3).

Também aqui se encontra presente a idéia de limitação da reparação dos

danos morais.

Em 1965 o Presidente da República envia ao Congresso Nacional o Projeto

de Lei nº 3.264/65 que estabelece o Código de Obrigações, com base no Anteprojeto

do Prof. Caio Mário, revisto por uma comissão integrada pelo próprio Caio Mário,

Orosimbo Nonato, Theophilo de Azeredo Santos, Sylvio Marcondes, Orlando Gomes e

Nehemias Gueiros. Previa este, na trilha do texto anterior, título próprio para a

responsabilidade civil (arts. 854 e ss.), referindo-se, por expresso, à reparabilidade do

dano moral: "Art. 856 - O dano, ainda que simplesmente moral, será também

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ressarcido. Art. 879 - No caso de dano simplesmente moral, o juiz arbitrará moderada e

eqüitativamente a indenização". (BRASIL, 1989, v. 4).

O Anteprojeto traz uma modificação inovadora, ao estabelecer que o dano

ainda que simplesmente moral, sem repercussão no patrimônio do agente, deverá ser

também objeto de reparação, solucionando antiga controvérsia doutrinária. Como

expressam seus autores no Relatório da Comissão Elaboradora: "Dentro do conceito

amplo e moderno em que se põe o princípio da responsabilidade, não poderia deixar o

Projeto de, explicitamente, mencionar a reparação do dano simplesmente moral (art.

856) cuidando de o determinar, com o advérbio que alude ao que o é simplesmente,

para assim afastar a controvérsia se a reparabilidade do dano moral se ressente da

falta de repercussão no patrimônio do agente".

Este Projeto, entretanto não logrou transformar-se em lei. Por força de

mensagens do Poder Executivo foi, em 1967, retirado para reexame do assunto.

Em 1972 surge um novo Anteprojeto do Código Civil formulado por uma

comissão nomeada pelo Ministério da Justiça em 1969, supervisionada por Miguel

Reale e integrada pelos juristas José Carlos Moreira Alves, Agostinho de Arruda Alvim,

Sylvio Marcondes, Ebert Vianna Chamoun, Clóvis do Couto e Silva e Torquato Castro.

A reparação dos danos era prevista nos seguintes termos: "Art. 187 - Aquele

que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar

dano a outrem, ainda que simplesmente moral, comete ato ilícito". (BRASIL, 1989, v. 5,

t. 2).

Por fim, ainda sob a regência de Miguel Reale, fez-se a revisão do texto

mencionado, chegando-se a Projeto de Lei, oferecido ao Congresso Nacional sob o n

634-B, em 1975. (BRASIL, 1989, v. 5, t. 1).

5.4.4 A responsabilidade civil no Código Civil de 2002

O novo Código Civil, trazido à vida política da nação brasileira a partir da

publicação da Lei 10.406, de 11.01.2002, trouxe relevantes inovações no âmbito da

responsabilidade civil, quer no tocante à responsabilidade contratual, quer no que diga

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125

respeito à responsabilidade extracontratual, aquiliana ou delitual. Sem falar nas novas

hipóteses de responsabilidade civil objetiva.

A responsabilidade civil contratual é a que decorre do inadimplemento total

ou parcial de um contrato. As obrigações devem ser cumpridas – o adimplemento é a

regra, e o inadimplemento, levou Diniz (1990-1991, p. 296), citando Valverde y

Valverde, a dizer que “a exceção, por ser uma patologia no direito obrigacional, que

representa um rompimento da harmonia social, capaz de provocar a reação do credor,

que poderá lançar mão de certos meios para satisfazer o seu crédito”. Quem

descumpre a sua parte na relação obrigacional, em princípio, estará obrigado a

indenizar o outro pelos prejuízos sofridos em virtude do inadimplemento. Esse tipo de

responsabilidade, já que conseqüência de uma ação ou omissão de um dos

contratantes, via de regra está baseada na culpa, vale dizer, é responsabilidade

subjetiva. A culpa de quem descumpre o contrato é presumida, cabendo ao devedor

comprovar a ocorrência do caso fortuito ou da força maior. Não havendo culpa, não

existirá a obrigação de indenizar, salvo se o contrato contiver cláusula expressa

obrigando o inadimplente a indenizar o caso fortuito e a força maior. Ou seja, mesmo

em se verificando tais situações excepcionais, ainda assim pode o inadimplente vir a

ser compelido a indenizar. Nas obrigações de dar coisa incerta, por exemplo, o devedor

não pode alegar força maior ou caso fortuito para se furtar ao cumprimento da

obrigação (CC/2002, art. 246). O devedor também estará obrigado a indenizar a força

maior ou o caso fortuito sempre que houver por eles se responsabilizado

expressamente (CC/2002, art. 393), ou ainda quando tais eventos se manifestarem

após a mora do devedor (CC/2002, art. 399). O novo Código Civil trata da

responsabilidade contratual nos arts. 389 e seguintes. Se o descumprimento da

obrigação for parcial, vale dizer, o devedor cumpre a obrigação, mas não no tempo e

modo acertados, verifica-se a mora, tratada nos arts. 394 a 401.

Já a responsabilidade civil extracontratual pode estar fundada na culpa ou

não. No primeiro caso, estamos falando da responsabilidade subjetiva, como dito

anteriormente. No segundo, estaremos diante da responsabilidade objetiva, onde a

obrigação de indenizar independe de existir ação culposa do agente causador do dano.

Na responsabilidade aquiliana subjetiva, em regra, salvo quando a lei dispuser em

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sentido contrário, não há presunção de culpa, ou seja, cabe ao lesado comprovar a

culpa do agente causador do dano.

Em termos de responsabilidade delitual, uma das inovações mais

importantes tem pouso logo no pórtico do Título IX, do Livro I, da Parte Especial,

precisamente no art. 927, que versa sobre a obrigação de indenizar imposta ao autor do

ato ilícito. Apesar de repetir, em parte, o art. 159 do Código revogado, mas mantendo-

se fiel à teoria da culpa, ou seja, as hipóteses do caput são de responsabilidade

subjetiva, o novo Código Civil inova substancialmente o direito anterior, pois prevê,

expressamente, a indenização em caso do dano moral puro, alargando a conceituação

anteriormente vigente no art. 159 do Código Civil de 1916.

Trata-se de adequação ao que já estabelece a Carta da República. Com

isso, a indenização do dano moral passa a constar expressamente do ordenamento

infraconstitucional. Ao fazer remissão aos arts. 186 e 187, o caput do art. 927 também

inova ao contemplar expressamente a responsabilidade decorrente do abuso de direito.

A grande novidade, no entanto, a ser destacada nessa nova concepção de

responsabilidade civil no Brasil é que, a despeito de a regra geral continuar sendo a da

responsabilidade subjetiva, passa o Código a prever hipóteses de responsabilidade

objetiva, não somente em função de previsão legal, como era no sistema anterior, mas

também em função da atividade desenvolvida pelo autor do dano, sempre que for

considerada de risco para os direitos de outrem (art. 927, parágrafo único).

O dispositivo contempla a responsabilidade objetiva do autor do dano nos

casos especificados em lei e a responsabilidade também objetiva, decorrente da teoria

do risco, sempre que o risco for produto de atividade lucrativa e dele decorrer dano para

alguém, embora não desejado. O legislador não chegou a definir, nem ao menos

exemplificar, as chamadas “atividades de risco”. Em alguns casos, a tipificação é óbvia

(ex: postos de gasolina, refinarias, distribuidoras de combustíveis e quaisquer outras

empresas que exerçam atividades de manejo de inflamáveis, empresas de vigilância,

transporte de valores, fábricas de produtos tóxicos, etc.). Em outros, caberá ao juiz

definir, com base nas circunstâncias do caso concreto, se determinada atividade

causadora de dano poderia ser considerada “atividade de risco”, para fins de

caracterização da responsabilidade objetiva.

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Ainda como exemplo de nova hipótese de responsabilidade objetiva, põe-se

em relevo a regra constante do art. 931, segundo o qual “os empresários individuais e

as empresas responderão independentemente de culpa pelos danos causados pelos

produtos postos em circulação”. O dispositivo contempla outro caso específico de

responsabilidade objetiva, em que não se indaga da culpa de quem pôs o produto em

circulação: essa culpa se presume. Importante esclarecer que, não obstante o Código

de Defesa do Consumidor já houvesse estabelecido essa responsabilidade objetiva do

fornecedor, o seu espectro de abrangência estava restrito à seara consumista. Com a

entrada em vigor do novo Código Civil, toda uma nova gama de relações jurídicas, não

caracterizadas como relações de consumo, passam a estar sujeitas às regras e

princípios que informam a responsabilidade objetiva.

No Capítulo Primeiro item 1.5 - Noção da responsabilidade objetiva ou teoria do risco dissemos que “Se há novidade no novo Código no sentido de que para

todos os casos que possam ser considerados de evento danoso ocorrido em sede de

desempenho de atividade de risco ou perigosa, deverá ser aplicada a cláusula geral de

responsabilidade objetiva prevista no novo Código Civil, mas como veremos em

momento próprio, não se aplica o parágrafo único do artigo 927 do novo Código Civil

aos acidentes de trabalho típico ou tipo, continuando a empresa a responder por esses

somente quando for provada a sua culpa”.

Mas defendemos que quando houver a degradação do meio ambiente do

trabalho e vier o empregado sofrer um acidente de trabalho – e este acidente lhe

ocasionar um dano moral – a responsabilidade do empregador deve ser objetiva, não

se justificando mais a apuração através da teoria subjetiva ou da culpa.

Assim, para que possa ser aplicada a norma que vem estampada no

parágrafo único do artigo 927 do novo Código Civil também aos casos de acidente de

trabalho típico ou tipo, deverão ser tomadas algumas providências como se verá em

momento próprio. Entretanto, no próximo capítulo iremos demonstrar que quando se

tratar de reparar dano causado ao meio ambiente aplica-se a teoria da responsabilidade

objetiva.

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CAPÍTULO 6

RESPONSABILIDADE CIVIL DO DANO AMBIENTAL 6.1 Introdução

Freyfogle (1992) nos diz que as primeiras constituições objetivavam

resguardar o cidadão contra governantes arbitrários, penas vexatórias ou cruéis, e

apropriação da propriedade sem justa causa ou indenização. Hoje, no mundo civilizado,

as pessoas comuns, mais do que com a ameaça às suas liberdades, assustam-se,

dentre outros malefícios, em particular com a contaminação da água que bebemos, do

ar que respiramos e dos alimentos que ingerimos. É inegável a atualidade e gravidade

desses riscos, que afetam ou podem afetar todos os membros da comunidade,

indistintamente riscos que integram a esfera daquilo que poderíamos denominar de

segurança ambiental, bem de cunho coletivo.

Instrumento típico nesses primeiros arcabouços constitucionais era a edição

de uma Carta de Direitos (= Bill of Rights, como no caso americano), desenhada de tal

modo a resguardar os cidadãos em face do Estado-Rei opressor. Hoje, é certo, a

grande maioria dos cidadãos ainda espera a tutela forte que decorre da norma

constitucional.

E como veremos mais adiante, assim como a Constituição Federal de 1988

tratou da proteção do meio ambiente conforme já nos referimos acima nos capítulos

segundo e terceiro e para o qual nos reportamos, do mesmo modo tratou sobre o dano

causado ao empregado se este sofrer acidente do trabalho. Mas, apesar de

encontrarmos defensores de que tal dispositivo, inciso XXVIII80, art. 7º da Constituição

Federal, autoriza a aplicação do parágrafo único do artigo 927 do Código Civil para

imputar a responsabilidade do empregador pelos danos causados ao empregado,

apesar de respeitarmos tais opiniões, com ela não concordamos, por uma razão

elementar: O Código Civil é que deve estar conforme a Constituição e não esta àquele.

80 Seguro contra acidente do trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a que este está obrigado,

quando incorrer em DOLO OU CULPA (destacamos).

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E o dispositivo é claro, haja vista referir-se à teoria da culpa, responsabilidade subjetiva

e, não à teoria do risco, responsabilidade objetiva. Assim, para que possa haver a

aplicação do dispositivo do Código Civil - parágrafo único do artigo 927 – aos casos de

acidente de trabalho haverá necessidade de ser alterada a Constituição Federal, é o

que pretendemos demonstrar, não sem antes falarmos sobre a responsabilidade civil

ambiental, esta sim, objetiva.

6.2 Ecologia e meio ambiente

A conservação ambiental há muito pouco tempo tem-se tornado uma

questão de relevância, adentrando no mundo político e jurídico, considerada a

importância que o tema requer. Apesar de ser questão recente, a tutela ambiental tem

tomado proporções consideráveis sendo que hoje, meio ambiente e ecologia são

expressões da moda. A expressão ecologia pode ser entendida como o estudo da casa,

compreendida em sentido lato como o local de existência, o entorno, o meio. É ramo da

moderna biologia, com foros de ciência. Para Milaré (2000) "meio ambiente" é uma expressão "camaleão" uma

vez que inexiste consenso sobre sua definição. Distingue, entretanto, dentro do

conceito jurídico de meio ambiente uma perspectiva estrita e outra ampla. Na primeira,

o meio ambiente é uma expressão do patrimônio natural e suas relações com e entre

os seres vivos. Na concepção ampla há uma abrangência de toda natureza original e

artificial, assim como os bens culturais correlatos. O conceito de meio ambiente varia a partir da integração ou exclusão do seu

conceito dos elementos culturais ou artificiais. O legislador ordinário considera como

meio ambiente apenas os seus elementos naturais, já que a Lei nº 6.938/81 dispõe, em

seu art. 3º, ser meio ambiente o conjunto de condições, leis, influências e interações

de ordem física, química e biológica que permite, abriga e rege a vida em todas as suas

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formas. Harmonizado com ele, o art. 5º, inciso LXXIII81, da Constituição Federal trata

separadamente o meio ambiente e o patrimônio histórico e cultural. Também o vocábulo

"natureza" apresentado diversas vezes, abrange indistintamente os reinos animal,

vegetal e mineral, mas ficam excluídas do seu alcance acessões humanas. Há, entretanto, uma tendência de que a abordagem da questão ambiental

englobe também seus aspectos artificiais, sociais, culturais, econômicos e políticos.

Silva (1981, p. 435) trata do meio ambiente em seu sentido amplo, pois

considera "toda a natureza original e artificial, bem como os bens culturais correlatos,

compreendidos portanto, o solo, a água, o ar, as belezas naturais, o patrimônio

histórico, artístico, turístico, paisagístico e arqueológico". A Constituição Federal ao dar tratamento jurídico ao meio ambiente como

bem de uso comum do povo, criou um novo conceito jurídico. Isto porque, até então,

tinha-se como integrantes do conceito de bem de uso comum os rios, os mares, as

praias, as estradas, as praças e as ruas. O meio ambiente deixou de ser coisa abstrata,

sem dono, para ser bem de uso comum do povo, constitucionalmente protegido. Benjamin (1998) aponta que países, entre eles o Brasil, já “ambientalizaram”

suas constituições. A nossa Constituição, “em matéria de meio ambiente, situa-se em

posição pioneira” (FREITAS, 2001, p. 33) dotada que está de “um dos sistemas mais

abrangentes e atuais do mundo” (MILARÉ, 2000, p. 211). Contudo, como em tudo mais

que diga respeito à norma constitucional, nossa tarefa “não é unicamente fazer a

Constituição, mas cumpri-la” (BONAVIDES, 1998, p. 162). Pode-se verificar que no nosso País as regras jurídicas ambientais,

acompanhando o que ocorreu em outros países, primeiro publicizou o modelo de

regulação. Como exemplo, podemos indicar a Lei da Política Nacional do Meio

Ambiente. Segundo, a constitucionalização, com a passagem da ordem jurídica

legalizada para a ordem jurídica constitucionalizada. Assim, o parágrafo terceiro do artigo 225 da Constituição Federal cuidou de

elevar ao plano constitucional a responsabilidade dos causadores de danos ecológicos.

81 Art. 5º, LXXIII – Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato

lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico ou cultural ficando o autor, salvo comprovada má fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência.

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Como deixa claro o dispositivo, essa espécie, à qual se aplicam as regras da teoria

geral da responsabilidade, pode dar origem, cumulativamente, ou não, dependendo do

caso, a sanções de natureza administrativa, civil e penal. Uma, em regra, independe da

outra, tal como sucede na teoria dos atos ilícitos em geral. A história dos danos ao meio ambiente e da destruição da natureza é antiga.

Como disse Girod (1974) em sua obra pioneira sobre a matéria, "le dommage

écologique-c'est-à-dire le dommage causé aux personnes ou aux choses par le milieu

dans lequel elles vivent-a toujours existé." Apesar de os danos ambientais coincidirem com a própria existência do ser

humano na face da Terra, só mais recentemente se vem dedicando maior atenção ao

assunto. Assim ocorre porque os milhares de desastres ecológicos verificados no

Planeta, a atitude eminentemente predatória e agressiva do homem em relação à

natureza, ao longo de séculos, bem como a invenção e o uso corrente de tecnologias

cada vez mais aptas a dominá-la e destruí-la fizeram com que a situação ecológica

mundial se agravasse a tal ponto, que já se afirma, nos dias que correm que a grave

situação ambiental é irreversível e sua forçosa evolução levará à inabitabilidade da

Terra, pelo esgotamento dos recursos naturais imprescindíveis à manutenção da vida

em suas diversas espécies. Para viabilizar a solução de tal problema, faz-se indispensável verdadeira

cooperação entre governos e povos de todos os países. No plano interno, cada país

pode melhor enfrentar as dificuldades que o atingem mediante regras que adaptem,

entre outras coisas, o uso dos recursos naturais, a ocupação dos grandes centros

urbanos e a produção à necessidade de conservação ambiental.

A par disso, é mister que se estabeleçam mecanismos jurídicos eficientes

para responsabilização dos que transgredirem as normas relativas à matéria em

detrimento da coletividade. Essa última providência assume especial relevo no que se

refere à obediência à regulamentação das atividades produtivas, especialmente as

indústrias, que, por sua própria natureza, são as que mais afetam o meio ambiente. De acordo com Girod (1974, p. 135),

c'est en règlement la fabrication et la diffusion des produits, en fixant des accords de branche entre I' industrie et les pouvoirs publics, en définissant dans le cadre d'une coopération internationale des normes échelonnées, qu' il paraît le mieux répondre au réalisme exigé des circonstances.

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Em nível de direito constitucional comparado, vale fazer referência ao

apartado 3 do artigo 45 da Constituição espanhola, segundo o qual "para quienes violen

lo dispuesto en el apartado anterior, en los términos que la ley fije se estabelecerán

sanciones penales o, en su caso, administrativas, así como la obligacíon de reparar el

dano causado (VALDEREZ; ALENCAR; CERQUEIRA, 1987, p. 370)." referindo-se às

sanções a que ficará sujeito quem violar o dever de não degradar o meio ambiente.

Vale notar a semelhança entre o dispositivo constitucional espanhol e o símile do direito

pátrio, no que se refere à acumulabilidade de sanções administrativas, civis e penais,

em matéria de dano ambiental. Não se pode duvidar de que as medidas preventivas do dano ecológico se

fazem de todo imprescindíveis, devendo-se deixar para a esfera da responsabilização

a posteriori tão-somente aquelas situações em que o dano não pode ser evitado.

Para enfrentar os casos em que a ocorrência do dano ambiental é, em certo

grau, decorrência inevitável da atividade industrial, foi desenvolvido o chamado

"principe pollueur-payer" (PPP), segundo o qual o dano ecológico deve ser ressarcido

por quem dele se houver beneficiado, seja o próprio causador do dano ou o adquirente

do produto para cuja fabricação foi provocado o dano. Este último, ao adquirir o

produto, paga o valor acrescido do custo ambiental (FONSECA, 1981).

O referido princípio, adotado em diversos países após a Conferência de

Estocolmo, realizada em 1972, resultou exatamente do esforço desenvolvido para

minorar os efeitos negativos de impactos ambientais inevitáveis, decorrentes das

atividades normais da sociedade de produção e consumo em que vivemos.

O sentido do princípio do poluidor-pagador é o de que quem de alguma

forma se utiliza dos recursos naturais ou contribui para a degradação ambiental deve

pagar importância proporcional à sua contribuição. Tal pagamento é calculado com

base no custo de recomposição do bem lesado pelo pagador. Para estimar

economicamente o valor de um bem ambiental, devemos conscientizar-nos, antes de

mais nada, de que os recursos naturais vêm sendo utilizados com tal intensidade pelo

homem, ao longo da História, que se tornam escassos, passando, assim, a ter

conteúdo econômico apreciável.

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A cobrança do custo ambiental ao poluidor é expressa no artigo 14,

parágrafo primeiro, da Lei n° 6.938, de 31 de agosto de 1981, que estabeleceu a

obrigação de indenizar, independentemente da existência de culpa, o dano ambiental e

o causado a terceiros afetados por sua atividade.

Muito embora o legislador haja adotado a sistemática de imputar ao

causador do dano o custo ambiental, é compreensível que, em muitos casos, o aludido

custo seja repassado ao consumidor final da mercadoria em cuja produção ocorreu o

dano. Haverá, portanto, muitas vezes, o repasse do custo ambiental.

Não obstante tal repasse provoque o encarecimento do produto, julgamos

que essa desvantagem ficará amplamente compensada pelos benefícios que advirão

do ingresso de recursos destinados à recomposição das lesões sofridas pelo meio

ambiente e à renovação dos recursos naturais utilizados. Em ambos os casos, a longo

prazo, tais providências evitarão encarecimento ainda maior dos produtos, provocado

pela escassez de bens de produção, inclusive de matérias-primas, isso sem se

mencionar o direito de todos a um meio ambiente saudável e a uma digna qualidade de

vida, valores que se encontram, no plano político, ético, moral e jurídico, acima de

quaisquer outros, como deixa claro o próprio sentido do texto constitucional.

A cobrança do custo ambiental deve abranger tanto o da reconstituição dos

bens lesados, conforme dissemos, como o do exercício de poder de polícia pelo

Estado, inclusive no que se refere à manutenção de instalações e equipamentos para

pesquisa, fiscalização e monitoramento das fontes de degradação ambiental. A referida

cobrança deve ser, ainda, agravada quando se tratar da utilização de recursos

ambientais "além dos limites legalmente permitidos. A sanção correspondente às

atividades antijurídicas deve permitir não só a regeneração ambiental, como também

atuar como forma desalentadora de sua ocorrência", segundo bem lembra (FONSECA,

1981, p. 146).

O mesmo estudioso afirma que os instrumentos de cobrança do custo

ambiental podem ser classificados "em quatro categorias: a) a polícia administrativa; b)

a imposição tributária; c) a concessão de incentivos fiscais; d) a via judicial."

(FONSECA, 1981, p. 146). Esta última categoria, mais diretamente relacionada ao tema

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de que estamos aqui tratando, será analisada com mais minúcia ao abordarmos,

adiante, a responsabilidade civil por danos ecológicos.

Ainda com relação ao princípio de que "quem polui paga", devemos enfatizar

que o fato de se estipular, por meio de lei, sob a forma de uma ou de diversas

categorias, o pagamento do custo de utilização dos recursos naturais ou da degradação

ambiental não torna legítima a atividade lesiva, ou dispensável a sua prevenção.

Com razão, ao meu sentir, a afirmação de Machado (1989, p. 96) quando diz

que: há sempre o perigo de se contornar a maneira de se reparar o dano, estabelecendo-se uma liceidade para o ato poluidor, como se alguém pudesse afirmar ‘poluo mas pago’. Ora, o princípio ‘poluidor-pagador’ que está sendo introduzido em direito internacional não visa a coonestar a poluição, mas evitar que o dano ecológico fique sem reparação.

É comum nos ordenamentos jurídicos de outros países, a cumulação de

sanções aos infratores de normas de proteção e preservação ambientais. Assim como,

por exemplo, a Constituição espanhola, já acima visto, existem em outros

ordenamentos jurídicos estrangeiros normas dispondo sobre o assunto.

No direito italiano Tommaso Alibrandi e Piergiorgio Ferri nos ensimam que "il

regime per inosservanza delle prescrizioni in materia di beni culturali ed ambientali si

articola in un duplice ordine di sanzione: sanzioni amministrative e sanzioni penali"

(ALIBRANDI; FERRI, 1985, p. 661).

Proclamam referidos juristas que na Itália as punições administrativas são de

três espécies, quais sejam: Devono essere qualificate come sanzioni amministrative: a) I' obbligo di eseguire i lavori ritenuti necessari per riparare i danni prodotti alla cosa dalle trasgressioni alle disposizioni contenute negli artt. 11,12,13,18,19, 20 e 21 della 1.1 giugno 1939, n. 1089 (art. 15 della 1.29 giugno 1939, n. 1497); c) I' obbligo di corresponsione allo Stato di una somma (indennita), che, nel caso di cose di interesse artistico o storico, e pari al valore della cosa perduta o alla diminuzione di valore subita dalla cosa stessa per effetto della trasgressione, mentre, nel caso di cose di interesse paesistico, e equivalente alla maggiore somma tra il danno arrecato e il profitto conseguito mediante la commessa trasgressione. (ALIBRANDI; FERRI, 1985, p. 662).

Para Machado (1989, p. 196) em matéria ambiental, pode-se entender que o

exercício do poder de polícia é: a atividade da Administração Pública que limita ou disciplina direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou a abstenção de fato em razão de interesse público concernente à saúde da população, à conservação dos

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ecossistemas, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas ou de outras atividades dependentes de concessão, autorização, permissão ou licença do Poder Público de cujas atividades possam decorrer poluição ou agressão à natureza.

A responsabilidade civil por danos ambientais, consistente na obrigação de

reparar os danos causados, já se encontrava prevista no parágrafo primeiro do artigo

14 da Lei n°6.938, de 31 de agosto de 1981, cujo artigo 4°, inciso Vll, a estabeleceu

como uma das metas da política nacional do meio ambiente.

A toda evidência, trata-se de responsabilidade objetiva, isto é, modalidade na

qual a caracterização prescinde da existência de culpa na conduta do agente causador

do dano. São suficientes para tornar obrigatória a reparação civil do dano ambiental a

ocorrência do dano, a existência de uma conduta comissiva ou omissiva que o tenha

provocado, a comprovação da autoria do fato que a ele deu origem e o nexo de

causalidade entre ambos, não importando, para esse fim, que a atividade degradadora

seja, ou não, lícita e licenciada pelos órgãos competentes. Difere, portanto, da

responsabilidade civil subjetiva, que era prevista no artigo 159 do antigo Código Civil82.

Justifica-se que assim seja porque o causador do dano ambiental deve responder em

vista do risco provocado por sua atividade. Caso contrário, o poluidor poderia, conforme

pondera Machado (1989, p. 193), "pretender sua irresponsabilidade pelos danos por

estar exercendo atividade licenciada pelo Poder Público, ou pelas dificuldades técnicas

e financeiras, para evitar a emissão poluente".

Narra-nos, também, Machado (1989, p. 196 e 197) que a aplicação da

responsabilidade objetiva já se encontrava presente em legislações ordinárias de outros

países como a França, a República Federal da Alemanha, a Suécia, o Japão, os

Estados Unidos da América do Norte e a Itália.

No Brasil a doutrina precedeu à legislação em defesa da adoção da

responsabilidade objetiva por danos ambientais. Exemplifica-se com Ferraz (1987, p.

131), para quem: "Não se fará, seguramente, qualquer passo à frente, no tema da

responsabilidade pelo dano ecológico, se não compreendermos que o esquema

82 A referência ao antigo Código Civil foi para compatibilizar as legislações das épocas. Hoje, a matéria

sobre atos ilícitos vem regulamentada no artigo 186 do Novo Código Civil, e também refere-se à teoria da culpa, ou seja, teoria subjetiva e não objetiva.

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tradicional da responsabilidade subjetiva, da responsabilidade por culpa, tem que ser

abandonado."

Além da Lei n° 6.938/81, outros diplomas do direito pátrio já dispunham

sobre a responsabilidade por danos ao meio ambiente. O parágrafo segundo do artigo

9°da Lei n°6.902/81 prevê a "[...] obrigação de reposição e reconstituição, tanto quanto

possível, da situação anterior [...]" de danos causados em áreas de proteção ambiental.

A Lei n° 6.453, de 17 de outubro de 1977, estabeleceu, em seu artigo 4°, a

responsabilidade civil objetiva do causador de dano nuclear. No direito internacional,

podemos citar, como exemplo, a Convenção Internacional sobre Responsabilidade Civil

por Danos Causadores de Poluição por óleo, celebrada em 1969 e introduzida em

nosso ordenamento jurídico pelo Decreto n° 79.347, de 28 de março de 1977.

Assim, a responsabilidade civil, a danos ambientais, assume o caráter

objetivo, isto é, sua caracterização independe da existência de culpa ou ilicitude na

conduta do agente causador do dano.

Grande novidade foi introduzida pelo texto constitucional ao tratar da

responsabilidade penal por danos ao meio ambiente. A extensão da responsabilidade

penal às pessoas jurídicas não foi prevista no ordenamento jurídico anterior, que só a

estabeleceu para pessoas naturais. Pela atual Constituição, tal hipótese se tornou

possível em matéria de crimes ecológicos.

Entretanto, no que diz respeito à matéria de direito penal, é necessário que

não nos esqueçamos que no Brasil prevalece "princípio da legalidade dos delitos e das

penas ou princípio da reserva legal". Tal princípio "é essencial à estrutura jurídica do

crime e da pena no Estado de Direito" e manifesta-se pela idéia de que "não se pode

obedecer ou violar senão ao que é previamente imposto". Esse princípio encontra-se

incrustado no artigo 1°do nosso Código Penal (FRAGOSO, 1986, p. 89-93).

Assim sendo, faz-se necessário, para a incriminação de condutas

consideradas lesivas ao meio ambiente, a criação de novos tipos penais relativos à

ecologia, aí se entendendo "tipo" como para Fragoso (1986, p. 157), "o modelo legal do

comportamento proibido, compreendendo o conjunto das características objetivas e

subjetivas do fato punível". Em certa época, o ordenamento jurídico italiano, relata

Costa Júnior (1981, p. 68) “também carecia de tipos penais suficientes, em matéria de

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ecologia e a jurisprudência italiana procedeu a perigosa aplicação extensiva da norma

penal ecológica. Procurou desse modo suprir a lacuna legislativa."83

Mas uma indagação que deve ser feita a respeito da responsabilidade penal

por dano ao meio ambiente é sobre a punibilidade. Deve ou não ser punida uma

conduta que venha a ser posteriormente considerada nociva, mas que haja sido

autorizada ou licenciada pelas autoridades competentes em matéria de meio ambiente?

Encontramos em nossa doutrina posições antagônicas, entendendo Costa

Junior (1981, p. 71) que: "A permissão da autoridade administrativa justifica

naturalmente a conduta, mais até. Se a autorização da autoridade estiver contida no

tipo penal, a conduta será considerada atípica pelo aplicador da lei penal, e não

justificada." Para Machado (1982, p. 25, 26) "a Constituição deu um sério passo para a

punição da ofensa ao ambiente, pois, agora, mesmo uma conduta ou uma atividade

autorizada pelo Poder Público, desde que lesiva, poderá ser incriminada penalmente" e

sustenta sua tese dizendo que "não é qualquer lesão que poderá ser tipificada, mas

aquela que desequilibre o meio ambiente bem comum do povo (art. 225, caput, da CF)."

Embora respeitando o ponto de vista de Leme Machado84, todavia, pelo

princípio da segurança jurídica, faz mais sentido o que pré-leciona Costa Junior.

Quando o Poder Público através de seus prepostos confere a licença para uma

atividade a ser desenvolvida pelo agente, é de pressupor que aquela foi regularmente

licenciada e é importante para descaracterizar o crime que a licença haja sido expedida

com a observância dos requisitos previstos em lei, especialmente a realização do

estudo de impacto ambiental, com as formalidades que a ele são inerentes. Assim, não

poderá ser enquadrada num determinado tipo penal, que sempre contém condutas

ilícitas e que, portanto, não poderiam ser licenciadas. Se houve o licenciamento, é

porque a atividade foi considerada lícita sob todos os ângulos, especialmente o do

83 "Exemplifiquemos com o preceito contido no artigo 439 do Código Penal italiano, que pune ‘um

envenenamento de água ou substâncias destinadas à alimentação.’ Sustentou-se então que a locução ‘destinada à alimentação’ se referia apenas à substância. Conseqüentemente passou-se a punir todo aquele que procedesse qualquer envenenamento de água, ainda que não destinada à alimentação.” Op. cit., p. 68.

84 Devemos, contudo, observar que a posição preconizada por LEME MACHADO encontra respaldo no direito comparado. No Japão, por exemplo, "a Suprema Corte condenou, em decisão recente, empresa que poluía o meio ambiente, embora autorizada pelas autoridades administrativas e embora seguisse as prescrições destas, no sentido de reduzir ao mínimo a carga poluidora". COSTA JUNIOR, 1981, p. 71.

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direito penal. Se de tal conduta decorrerem danos ambientais, não nos parece possível

responsabilizar criminalmente o agente causador do dano, exatamente por faltar o

elemento da ilicitude da conduta, que só existiria se ela fosse típica, isto é, proibida

pelas leis.

O Poder Público não pode considerar que no momento da concessão da

licença a conduta do agente era lícita e, posteriormente, reputar essa mesma conduta

antijurídica para fins penais.

O mesmo fenômeno não acontece com a responsabilidade civil. Por essa

razão é que quem deu origem a danos ecológicos não pode pretender escapar à

responsabilidade brandindo uma licença do Poder Público para o exercício de atividade

poluidora, ou predatória, porque, para que haja a obrigação de reparar danos, não é

preciso que a conduta seja ilícita.

Se no campo do direito penal uma conduta não pode ser simultaneamente

lícita e penalmente punível, por lesiva ao meio ambiente, no âmbito do direito civil tal

possibilidade é perfeitamente admissível.

Ainda no que tange à responsabilidade penal, cumpre-nos examinar, posto

que com brevidade, a inovação que, como dissemos, foi implementada pelo dispositivo

constitucional referido supra, ou seja, a incriminação de pessoas jurídicas. A matéria já

foi objeto de estudo e controvérsia em outros ordenamentos jurídicos, e já

exemplificamos em nota de rodapé n. 216 com a decisão da Suprema Corte japonesa

quando a conduta incriminada houver sido consentida pelo Poder Público. Ponto

importante no que toca à matéria é estabelecer-se a que sanções de natureza penal

estará sujeita a pessoa jurídica incursa em crime ecológico. O direito penal alemão

cogita de pena de multa e de confisco de bens. A primeira varia de acordo com a

qualidade do ilícito e a gravidade da culpa. Já no direito suíço, a pena pecuniária é

quantificada em conformidade com "as condições econômicas da empresa e não de

acordo com o grau de culpa" (COSTA JUNIOR, 1981, p. 72).

O direito italiano, por sua vez, penaliza as empresas poluidoras com "o

confisco dos aparelhos, utensílios e instrumentos empregados na poluição hídrica"

(COSTA JUNIOR, 1981, p. 72). Já no Brasil muito há ainda que se legislar em matéria

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de direito penal ecológico, para torná-lo satisfatório no que diz respeito à tipificação de

condutas lesivas ao meio ambiente.

Cabe, ainda, enfatizar que a responsabilidade constitucionalmente instituída

abrange, em qualquer de suas modalidades, tanto ações quanto omissões. Esse é o

entendimento que se pode extrair do próprio teor do dispositivo que, em seu início,

refere-se a "[...] condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente [...]". Se

o texto visasse tão-somente às ações, referir-se-ia, apenas, a "atividades". O emprego

da palavra "condutas" significa que não só as atividades serão passíveis de

responsabilização, mas quaisquer espécies de condutas. Estas, como é sabido, podem

ser comissivas ou omissivas.

6.3 Tutela do ambiente

A devastação ambiental não é exclusiva dos dias modernos. Desde os mais

remotos tempos é tema de preocupação de todos os povos, em maior ou menor escala.

A devastação ambiental acompanha o homem desde os primórdios de sua história Sendo a proteção do ambiente um tema deste século, se compreende que

as Constituições mais antigas, como a norte-americana, a francesa e a italiana, não

cuidem especificamente da matéria. Isto ocorria também no sistema constitucional

brasileiro até a Constituição de 1988. Entretanto, mesmo sem a proteção constitucional

eram promulgadas leis e regulamentos de proteção ao meio ambiente.

As Constituições que precederam a de 1988, jamais se preocuparam com a

proteção do ambiente de forma específica e global. Nelas jamais foi empregada a

expressão "meio ambiente", revelando total despreocupação com o tema.

A partir da Constituição de 1988 a proteção do meio ambiente ganhou

identidade própria, definindo os fundamentos da proteção ambiental. A nova

Constituição despertou a consciência da necessidade da convivência harmoniosa com

natureza. Traduz em diversos dispositivos o que pode ser considerado um dos sistemas

mais abrangentes e atuais do mundo sobre a tutela do meio ambiente. A dimensão

conferida ao tema vai desde os dispositivos do capítulo VI do Título VIII, até inúmeros

outros regramentos insertos ao longo do texto nos mais diversos Títulos e Capítulos.

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O meio ambiente, em decorrência da relevância que apresenta à saúde e à

preservação da vida, no planeta, mereceu do legislador constituinte de 1988 especiais

cuidados. A Constituição Federal confere a todo cidadão, sem exceção, direito subjetivo

público ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, oponível ao Estado que

responderá por danos causados ao ambiente, só, ou solidariamente, caso o dano seja

decorrência de entidade privada, por ele não policiada.

Cretella Junior (1990, p. 4517), refere que [...] o meio ambiente, entregue à própria sorte, sem a presença humana, está por excelência, em equilíbrio, encarregando-se a própria natureza de recompor eventuais perdas vegetais, animais e mesmo minerais, sob o impacto quer de fenômenos telúricos e cósmicos – raios, erupções vulcânicas, inundações, chuvas, saraiva, meteoritos, gelo, terremotos, maremotos -, quer de animais predatórios. Em tempo maior ou menor, o meio ambiente reequilibra-se, mediante interação dinâmica dos componentes desse mundo. E a natureza prossegue, normalmente, como vem ocorrendo há milhões de anos, antes do surgimento do homem, na face da Terra.

Direito ambiental é uma especialização do direito administrativo que estuda

as normas que tratam das relações do homem com o espaço que o envolve. É o

conjunto de normas que regem as relações humanas com o meio ambiente.

Custódio (1996, p. 58) define o direito do ambiente como o [...] conjunto de princípios e regras impostos, coercitivamente, pelo Poder Público competente e disciplinadores de todas as atividades direta ou indiretamente relacionados com o uso racional dos recursos naturais (águas superficiais e subterrâneas, águas continentais ou costeiras, solo, espaço aéreo e sub-espécies animais e vegetais, alimentos e bebidas em geral, luz, energia), bem como a promove proteção dos bens culturais (de valor histórico, arqueológico, paleontológico, ecológico, científico), tendo por objeto a defesa e a preservação do patrimônio ambiental (natural e cultural) e por finalidade a incolumidade da vida em geral, tanto a presente como a futura.

No capítulo terceiro, item 3.3.2 já nos referimos aos princípios do meio

ambiente natural, princípios estes que o fundamentam e sustentam. Mas é mister que

se diga que entre os doutrinadores não existe uma unanimidade em suas

denominações. Mas se atentarmos para a sinonímia dos mesmos haveremos de

concluir que, embora possuam nomes divergentes, há convergência no que diz respeito

à proteção da vida, preservação e restauração dos recursos ambientais, utilização

racional dos recursos encontrados no meio ambiente e, principalmente os custos de

prevenção, de reparação e de repressão do dano ambiental.

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Segundo a teoria clássica, a responsabilidade civil se assenta em três

pressupostos: um dano, a culpa do autor do dano e a relação de causalidade entre o

fato culposo e o mesmo dano.

Segundo já vimos supra a fonte do princípio regulador da reparação do dano

está na Lei Aquília, apesar de não apresentar os moldes do direito moderno. A partir

daqui é que se começou cogitar a culpa.

Foi o direito francês que aperfeiçoou o direito das reparações,

estabelecendo, através do Código de Napoleão o princípio geral da responsabilidade

civil, distinguindo, inclusive, culpa contratual e delitual.

A definição de que a responsabilidade civil está embasada na culpa inseriu-

se nas legislações de todos os povos e foi-se aperfeiçoando com o tempo e com as

mudanças ocorridas no mundo.

Surgiram novas teorias, sendo que, modernamente, a teoria do risco - a qual

verifica a responsabilidade sob aspecto objetivo - mesmo sem ocupar o espaço da

teoria da culpa, tem se destacado, ampliando seu território.

A matéria, entretanto, é controvertida. De um lado, apresentam-se fiéis

defensores da responsabilidade subjetiva, repelindo a teoria do risco. De outro lado, há

os que abraçam a doutrina do risco, considerando-a o substituto da teoria da culpa, que

estaria superada, além de insatisfatória. E, por fim, há a posição dos que admitem -

entre eles Caio Mário da Silva Pereira (1992) - a convivência das duas teorias: a culpa

exprimiria a noção básica e o princípio geral da responsabilidade; a teoria do risco seria

aplicada nos casos especialmente previstos, ou quando a lesão provém de situação

criada por quem explora profissão ou atividade que expôs o lesado ao risco do dano

que sofreu.

Para a teoria do risco a responsabilidade é objetiva. Consoante Gonçalves

(1998) nesta teoria se subsume a idéia do exercício de atividade perigosa como

fundamento da responsabilidade civil. O exercício de atividade que possa oferecer

algum perigo representa um risco, que o agente assume, de ser obrigado a ressarcir os

danos que venham resultar a terceiros dessa atividade. A responsabilidade objetiva

funda-se num princípio de equidade, ou seja, aquele que lucra com uma situação deve

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responder pelo risco ou pelas desvantagens dela resultantes. Quem aufere cômodos,

deve suportar incômodos.

No direito moderno, a teoria da responsabilidade objetiva apresenta-se sob

duas faces: a teoria do risco e a teoria do dano objetivo. Pela última, desde que exista

um dano, deve ser ressarcido, independentemente da idéia de culpa. Uma e outra

consagram, em última análise, a responsabilidade sem culpa, a responsabilidade

objetiva. A tendência atual do direito manifesta-se no sentido de substituir a idéia da

responsabilidade pela idéia da reparação, a idéia da culpa pela idéia do risco, a

responsabilidade subjetiva pela responsabilidade objetiva.

A realidade, no entanto, é que se tem procurado fundamentar a

responsabilidade na idéia de culpa, mas sendo esta insuficiente para atender às

imposições do progresso, tem o legislador fixado os casos especiais em que deve

ocorrer a obrigação de reparar, independentemente daquela noção85.

6.3.1 Responsabilidade civil e penal

O fundamento da responsabilidade civil e penal é praticamente o mesmo. As

condições em que surgem é que são diferentes, pois uma é mais exigente do que a

outra, quanto ao aperfeiçoamento dos requisitos que devem coincidir para se efetivar.

A responsabilidade penal pressupõe uma turbação social, determinada pela

violação da norma penal. O agente infringe uma norma de direito público. O interesse

lesado é da sociedade. Na responsabilidade civil, o interesse lesado é privado. O

prejudicado pode, ou não, pleitear reparação.

A diferença entre a responsabilidade civil e a responsabilidade penal é a

distinção entre o direito civil e o direito penal. Na responsabilidade civil não se verifica

se o ato que causou dano ao particular ameaça, ou não, a ordem social. Não importa

que a pessoa compelida à reparação seja, ou não, moralmente responsável.

A responsabilidade penal envolve dano que atinge a paz social, embora,

muitas vezes, atinja um só indivíduo. Esta responsabilidade é intransferível,

85 Ver capítulo primeiro.

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respondendo o réu com a privação de sua liberdade. Ao Estado incumbe reprimir o

crime e deve arcar com o ônus da prova.

Na responsabilidade civil não é o réu, mas a vítima que, em muitos casos,

tem de enfrentar entidades como empresas multinacionais e o próprio Estado.

No cível qualquer ação ou omissão pode gerar a responsabilidade civil,

desde que haja violação de direito ou prejuízo de outrem. No crime há a presença da

tipicidade: é necessário que haja perfeita adequação do fato concreto ou tipo penal.

A culpabilidade é mais ampla no cível, na esfera criminal nem toda culpa

resulta na condenação do réu.

A questão da imputabilidade também é tratada de forma diferente. Há regras

no cível que divergem das do crime.

A responsabilidade civil envolve o dano, o prejuízo, o desfalque, o

desequilíbrio ou diminuição do patrimônio de alguém.

Quando coincidem, a responsabilidade civil e a responsabilidade penal

proporcionam as respectivas ações, isto é, as formas de se fazerem efetivas: Uma

exercitada pela vítima; outra pela sociedade; uma tendente à reparação; outra à

punição.

6.3.2 Responsabilidade civil ambiental

Com as modernas técnicas e os equipamentos sofisticados disponíveis, não

mais se justifica a degradação ambiental além dos limites necessários ao

funcionamento da atividade ou do empreendimento. Em pleno inicio do século XXI não

se pode admitir o crescimento econômico à custa da depredação desenfreada do meio

ambiente.

A prevenção, a reparação e a repressão são as três esferas básicas de

atuação do direito ambiental. A prevenção volta-se para o momento anterior ao dano,

enquanto a reparação e a repressão cuidam de dano já causado.

A reparação ambiental ocorre através das normas de responsabilidade civil.

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Num primeiro momento, considera-se dano qualquer evento lesivo ao

interesse alheio. De forma geral, considera-se dano a diminuição de um bem jurídico,

ou seja, de qualquer bem reconhecido e protegido pela Constituição e pela Lei.

Todo dano que resulte de ato ilícito é passível de ressarcimento,

sustentando-se, em doutrina, a equiparação do fato danoso com o ato ilícito ou ilegal.

Com as transformações decorrentes do progresso científico, industrial, tecnológico, da

explosão demográfica, com novas exigências sociais, econômicas, urbanísticas,

ambientais, observa-se a mudança da doutrina, que hoje, nega a equiparação do fato

danoso com o ato ilícito. Hoje, o fenômeno danoso pode originar tanto de ato ilícito

como de ato lícito.

O dano ambiental é a lesão aos recursos ambientais - segundo a Lei nº

6.938/81, no art. 3º, V, são "a atmosfera, as águas interiores, superficiais e

subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera,

a fauna e a flora" – com conseqüente degradação do equilíbrio ecológico.

6.3.3 Características do dano ambiental

A teoria geral da responsabilidade civil ensina que seus pressupostos

clássicos são a existência de conduta comissiva ou omissiva caracterizada por ilicitude,

um dano a ser reparado e o nexo de causalidade que permita vincular o dano ocorrido à

conduta cujo autor se pretende seja responsabilizado pelo ressarcimento do dano. Os

danos ao meio ambiente se constituem em uma das hipóteses em que o legislador

considerou conveniente e oportuno excluir a ilicitude da ação ou da omissão como

pressuposto da obrigação de ressarcimento. Restam, portanto, no caso do dano

ambiental, três requisitos para que a responsabilidade possa estar suficientemente

caracterizada: o fato, o dano e o liame ou nexo de causalidade entre o fato e o dano.

Os tribunais têm sido chamados a apreciar diversos litígios relativos à reparação de

danos ecológicos sejam eles de maior ou de menor proporção. Questões pertinentes à

matéria, muitas vezes rumorosas, têm sido postas perante o judiciário, que

repentinamente se vê compelido a analisá-las e a decidi-las quando ainda se encontra

viva, na memória da opinião pública, a recordação, triste, dos fatos ocorridos, em geral

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causadores de graves prejuízos ao equilíbrio ecológico e à qualidade de vida da

população, que está a exigir, com todo o direito, a reparação do dano e a punição

exemplar dos que por ele foram responsáveis.

É bastante comum, entretanto, que ao propor uma ação civil pública de

responsabilidade por danos ambientais o Poder Público ou as associações civis de

proteção ao meio ambiente se defrontem com uma dificuldade, às vezes de difícil

transposição, de apresentar ao órgão jurisdicional provas cabais da ocorrência e do

montante do dano ambiental que se pretende venha a ser reparado com a condenação

judicial. A dificuldade a que nos referimos manifesta-se sob diversas formas, mesmo

nos casos em que o dano ambiental pode, em tese, ser comprovado mediante a

realização de prova pericial, há dificuldades para a escolha de perito tecnicamente apto

a desempenhar a tarefa com o padrão de qualidade necessário. Os danos ambientais

são, não raro, de proporções substanciais, o que torna extremamente árdua-quando

não impossível - a tarefa do expert de verificá-lo em toda a sua extensão para que

possa posteriormente, avaliá-lo. A matéria ambiental é de natureza altamente

específica, o que, por si só já dificulta ao magistrado a designação de um especialista

capaz de manuseá-la, especialmente quando, como dissemos o dano possui

características que tornam difícil sua mensuração.

Há casos, ainda, em que a efetiva comprovação do dano ambiental, dentro

dos padrões rígidos que a teoria geral das provas exige para o fim de embasar uma

sentença condenatória de responsabilidade, é praticamente ou totalmente inviável.

Tomem-se, como exemplo, os casos de emissão de poluentes, sejam atmosféricos,

líquidos ou sólidos. Nesses casos, a verificação da existência das emissões poluidoras

é relativamente fácil, o que exime de maiores óbices probatórios a demanda judicial que

tiver por objetivo a cessação das emissões, pois se tratará de condenação à obrigação

de não fazer. Suponhamos, todavia, que ditas emissões já estivessem ocorrendo há

algum tempo. Como comprovar e dimensionar os efeitos adversos que a poluição

gerada provocou no meio ambiente, na qualidade de vida e na saúde da população?

Qual será o valor da indenização a ser cobrada do poluidor? A resposta às indagações

que acabamos de formular, bem como a outras que sejam igualmente pertinentes não é

simples.

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146

O princípio básico que deve ser considerado é o de que a reparação do dano

deve ser a mais completa possível. Assim sucede na responsabilidade civil de modo

geral e, tratando-se de dano ao meio ambiente, em que há grande interesse público em

jogo, o princípio deve ser ainda mais respeitado. Entendemos que todos os efeitos e

conseqüências da conduta lesiva devem ser objeto de apuração e indenização, sob

pena de ela não ser completa. O custo da reconstituição do ambiente afetado, as

despesas decorrentes da atividade estatal realizada em virtude do dano ocorrido, o

tratamento médico das pessoas afetadas pelo sinistro ecológico são itens que devem

integrar a verba indenizatória a ser prestada pelo causador do dano ambiental. Mas a

questão é, na verdade, mais profunda, pois ela reside não apenas na dificuldade de

verificar e estimar o dano ambiental ou, pelo menos alguns de seus aspectos, mas, da

mesma forma, em certas situações, em estabelecer o liame de causalidade entre os

danos verificados e o fato ocorrido. No caso que acabamos de utilizar como exemplo,

de emissões poluidoras de efeitos cumulativos, como provar os danos causados pelas

emissões e suas respectivas expressões pecuniárias, se, muitas vezes, eles somente

se manifestam com o passar dos anos? E, como imputar, com segurança, os danos que

venham a verificar-se muito tempo após aquele fato?

É claro que, com a evolução da técnica e da ciência, tais obstáculos serão,

progressivamente, superados e tornar-se-á possível responder a tais indagações com

um grau de certeza cada vez maior. Enquanto assim não ocorrer, contudo, é preciso

procurar soluções que viabilizem a concretização da meta maior de interesse público,

expressa nos textos legais e no constitucional, de reconstituição do meio ambiente

prejudicado, com vista à manutenção do equilíbrio ecológico, da sadia qualidade de

vida e da saúde da população. Sabe-se que o direito tem mecanismos para disciplinar e

regular a convivência com situações e realidades que as ciências não têm, ainda,

condições de explicar e solucionar de modo claro e definitivo. Exemplo disso era até

bem pouco tempo, a investigação de paternidade. Muitos outros poderiam ser aqui

citados. Um dos principais mecanismos de que se utiliza a ciência jurídica em tais

situações é o das presunções-absolutas ou relativas, conforme o caso para, depois,

chegar às ficções jurídicas. Em diversas situações o legislador, tendo consciência da

dificuldade que terá o aplicador da lei em perquirir a verdade real acerca de

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determinado fato, contenta-se com uma verdade ficta, da qual faz uso

para solucionar o impasse que certamente surgiria se fosse indispensável a busca da

certeza absoluta a respeito de determinado fenômeno do mundo dos fatos. Isso

acontece, com grande freqüência, no campo do direito processual civil.

Ao nos referirmos às presunções e às ficções, devemos, para melhor esclarecimento,

mencionar a distinção que entre elas a doutrina estabelece. Em relação a tal aspecto,

Dias (1983, p. 94), reportando-se a outro autor em sua conhecida obra sobre o tema,

afirma: ARNOLDO MEDEIROS faz distinção necessária entre ficção e presunção, explicando que não se confundem. Assim não há ficção em presumir a culpa. Invoca a autoridade de GENY e esclarece que a presunção é baseada na verossimilhança e responde às tendências da lógica natural, ao passo que a ficção vai mais longe, ultrapassa o domínio da prova e desnatura cientemente as realidades, de forma que exclui aprioristicamente qualquer possibilidade de prova em contrário. A presunção, ao revés, baseia-se no que ordinariamente acontece.

Acreditamos que para as situações que não possam ser completamente

solucionadas com o emprego das técnicas existentes de investigação e avaliação de

danos ambientais se fará indispensável o recurso às presunções legais. O emprego das

presunções de dano não é novidade no campo da responsabilidade civil.

Afigura-se-nos razoável e encontra respaldo na teoria geral do direito, o

recurso às presunções legais para a determinação do nexo de causalidade. O dano

ambiental tem características próprias que orientam o tratamento de ordens jurídicas.

A primeira característica é a pulverização de vítimas. O dano ambiental afeta,

necessariamente, uma pluralidade difusa de vítimas, mesmo quando certos aspectos

particulares de sua danosidade atingem individualmente determinadas pessoas. Difere,

pois, do que se chama de dano tradicional, onde a regra é a lesão a uma determinada

pessoa ou a um grupo.

A Lei nº 6.938/81 prevê expressamente, duas modalidades de dano (art. 14,

§ 1º)86, o dano ambiental público e o dano ambiental privado. No primeiro caso, a

86 Lei 6.938/81, art. 14, § 1º "sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o

poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente."

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indenização, quando reclamada, destina-se a um fundo (Lei nº 7.347/85, art. 13)87 para

a reconstituição dos bens lesados. No segundo, a indenização destina-se a recompor o

patrimônio da(s) vítimas(s).

Outra característica do dano ambiental é a difícil reparação. Na grande

maioria dos casos de dano ambiental a reparação ao “status quo ante” é quase

impossível e a mera reparação pecuniária é sempre insuficiente e incapaz de recompor

o dano. No ponto, pertinente a reflexão de Feldmann (1992, p. 5): É essa – a prevenção - a ótica que orienta todo o direito ambiental. Não podem a humanidade e o próprio Direito contentar-se em reparar e reprimir o dano ambiental. A degradação ambiental, como regra, é irreparável. Como reparar o desaparecimento de uma espécie? Como trazer de volta uma floresta de séculos que sucumbiu sob a violência do corte raso? Como purificar um lençol freático contaminado por agrotóxicos?

Por fim, o dano ambiental é de difícil valoração. Esta característica é

corolário da anterior, na medida em que há dificuldade em se estabelecer parâmetros

econômicos de reparação. Nem sempre é possível fazer o cálculo do dano do

ambiente. Além dos danos de ordem material, com o advento da Lei nº 8.884/94, art.

88, pode-se cobrar danos morais coletivos, através de ações de responsabilidade civil

em matéria de tutela de interesses transindividuais. É o que nos mostra Bittar Filho

(1994, p. 50) que, com propriedade, refere: [...] ora, se o indivíduo pode ser vítima de dano moral, por que a coletividade não pode sê-lo? [...] os valores coletivos, pois, dizem respeito à comunidade como um todo, independentemente de suas partes. [...] o dano moral coletivo é a injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é a violação antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos.

Essa inovação legal, que permite indenizar moralmente o dano ambiental,

demonstra a dificuldade na avaliação criteriosa dos danos de ordem moral e patrimonial

oriundos de um mesmo fato.

87 Lei 7.347/85, art. 13 "Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a

um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados á reconstituição dos bens lesados."

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6.3.4 Reparação do dano ambiental

A Lei nº 7.347/85 (arts. 3º, 11 e 13) determina que a ação civil pública pode

ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou

não fazer. Na ação que tenha por objeto obrigação de fazer ou não fazer, o juiz

determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da

atividade nociva, sob pena de execução específica, ou de cominação de multa diária,

se esta for suficiente ou compatível, independentemente de requerimento do autor;

havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um

fundo gerido por um Conselho Federal ou Conselhos Estaduais.

Duas, portanto, são as principais formas de reparação do dano ambiental: a)

o retorno ao “status quo ante” e b) a indenização em dinheiro.

A primeira modalidade sempre deve ser tentada independentemente de ser

mais onerosa que a segunda. A reversibilidade ao estado anterior ao dano se faz

imperiosa, apesar de nem sempre ser possível. Mais do que nunca, nos últimos anos, a

poluição do meio ambiente, como fator negativo de veloz e tumultuoso progresso vem

assumindo dimensões enormes, já alarmantes e preocupantes, o que impõe a

imprescindibilidade, na medida do possível, de recomposição de todo e qualquer dano.

A indenização em dinheiro, apesar de ser um modo de punir o causador do

dano é uma tentativa, econômica, de recomposição ambiental, não consegue reparar o

prejuízo ecológico. "Não basta indenizar, mas fazer cessar a causa do mal, pois um

carrinho de dinheiro não substitui o sono recuperador, a saúde dos brônquios, ou a boa

formação do feto" (MACHADO apud MILARÉ, 2000, p. 335).

Nas duas formas de reparação o legislador busca impor um custo ao poluidor

para, assim, atingir três objetivos: (a) dar uma resposta aos danos sofridos pela vítima,

seja indivíduo ou coletividade, (b) evitar reiteração do comportamento do poluidor e (c)

dar exemplo para terceiros.

Custódio (1997) classifica o dano ressarcível da seguinte forma: patrimonial e

não patrimonial. O dano patrimonial ou material (também chamado dano econômico) é

aquele que causa diminuição no patrimônio ou ofende interesse econômico. O dano

não patrimonial ou dano moral é aquele que se refere a bens de ordem puramente

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moral, como a honra, a liberdade, a profissão, o respeito aos mortos. O dano moral,

fundamentado em legítimo interesse moral, assume, nos dias de hoje, particular

importância, notadamente diante das questões de ordem ambiental e cultural. Os

notórios fenômenos da poluição ambiental ocasionam a degradação da qualidade de

vida do meio ambiente, com reflexos direta e indiretamente prejudiciais à vida, à saúde,

à segurança, ao trabalho, ao sossego e ao bem estar da pessoa humana individual,

social ou coletivamente considerada.

Com o agravamento da problemática da degradação ambiental e cultural

decorrente notadamente de agressivas tecnologias, da explosão demográfica, de

ganâncias, de consumo exagerado, dos desperdícios, da contaminação de todos os

elementos ambientais e culturais, de forma especial, por fontes industriais diversas,

pela contaminação dos alimentos, pelo aumento de lixos inesgotáveis altamente

perigosos, surge o dano público ambiental ou dano biológico, também chamado dano

ecológico ou dano ambiental como “tertium genus” entre o dano patrimonial e o dano

não patrimonial (ou dano moral). Nesta ordem de observações, acrescenta a doutrina

que a própria Corte Constitucional Italiana inclui o dano biológico na categoria dos

danos econômicos, isto é, dos danos que seriam caracterizados por objetiva e direta

avaliação em dinheiro.

Com base no princípio da ordem geral da obrigatoriedade reparatória de todo

dano, em sentido jurídico, a autora supra mencionada classifica, ainda, o dano

ressarcível de acordo com as circunstâncias do caso concreto, em: a) Dano emergente,

definido como a perda imediata, compreendendo as perdas e os danos devidos,

efetivamente, ao autor da ação (CC, arts. 1.059 e 1.060); b) Dano pelo lucro cessante,

definido como a perda mediata correspondente ao acréscimo patrimonial que o

prejudicado (autor) teria conseguido se não tivesse ocorrido o fato danoso. Trata-se de

parcela correspondente à vantagem que o autor deixou de lucrar, devendo ser

razoavelmente avaliada na liquidação de sentença (CC, arts. 1.059 e 1.060)88; c) Dano

verificado no momento da liquidação, direto ou indiretamente relacionado com o fato

danoso, mas inconfundível com o dano pelo lucro cessante (CPC, arts. 18, § 2º, 606 e

88 Os artigos 1.059 e 1.060 acima mencionados são os do Código Civil Brasileiro de 1916. Entretanto,

com a entrada em vigor do Novo Código Civil em 2003 vamos encontrar nos artigos 402 e 403 os correspondentes.

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151

607); d) Dano futuro, em decorrência da alegação e prova de fato novo, direta ou

indiretamente relacionado com as conseqüências do fato danoso, mas inconfundível

com o dano pelo lucro cessante e com o dano verificado no momento da liquidação

(CPC, arts. 608, 609).

Evidencia-se que todos os danos aos elementos integrantes do patrimônio

ambiental e cultural, bem como às pessoas (individual, social e coletivamente

consideradas) e ao seu patrimônio, como valores constitucional e legalmente

protegidos, são passíveis de avaliação e de ressarcimento, perfeitamente enquadráveis

tanto na categoria do dano patrimonial (material ou econômico) como na categoria do

dano não patrimonial (pessoal ou moral), tudo dependendo das circunstâncias de fato

de cada caso concreto.

Todavia poderemos nos defrontar com casos em que o dano ambiental

poderá ficar sem reparação, o interesse público expresso na manutenção do equilíbrio

ecológico desatendido e o causador do dano, civilmente impune, o que é extremamente

injusto. É verdade que sempre que se cede espaço à chamada verdade ficta corre-se o

risco de se estar cometendo erros. É um risco, devemos reconhecer. Não obstante isso,

deixar sem reparação civil danos ambientais que sabidamente ocorreram é pior ainda,

pois não haverá risco de erro, mas certeza de se estar deixando impune o causador do

dano e prejudicadas as vítimas do fato, sejam apenas determinados indivíduos ou a

coletividade de modo geral. Dias (1983, v. 1, p. 88 e 91) nos dá alguns exemplos: Nem sempre é bem entendida a exigência do requisito do dano para a procedência da ação de reparação. Enquanto em caso já comentado foi desconhecida a feição do dano concreto à perda do prazo de recurso, por parte do advogado, em outro houve voto ilustre, em que esse dano se dava como decorrente da própria falta a uma cláusula de preferência sujeita, ademais, a condição resolutiva. Caso de presunção do dano encontra-se ainda nos juros moratórios. Não tem o credor de demonstrar prejuízo: a satisfação da obrigação, se feita com atraso, acarreta a fluência desses juros, que se consideram a indenização do prejuízo que se presume ter sofrido o credor, com a mora (arts. 1.061 e 1.064 do Código Civil). Também constituem exemplos de presunção de prejuízo: o art. 103, parágrafo 2°, do Código Brasileiro do Ar, segundo o qual, em relação aos pequenos objetos que o viajante traz sob sua guarda, a responsabilidade do transportador se efetiva mediante simples declaração daquele, não impugnada pelo transportador; e todos os casos em que a indenização é estipulada previamente na lei, como sucede em casos de reparação por injúria ou ofensa à honra da mulher, ou em que se estabelece um montante mínimo ao montante da reparação. A indenização à fortait ou o mínimo estipulado são devidos independentemente de prova do prejuízo.

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Um dos mais conhecidos modos de se aplicar, na prática, esse recurso é

criar, por lei, situações de inversão do ônus da prova. A utilização de tal instituto é

relativamente comum no campo da responsabilidade civil, sendo de eficácia

comprovada para evitar que inúmeros casos fiquem sem solução devido à

impossibilidade de a vítima provar determinados fatos, o que já foi reconhecido pelo

legislador pátrio em diversos diplomas legais, sendo um dos mais recentes exemplos o

Código do Consumidor.

Com base ainda em Dias (1983, p. 85) acentua este jurista que “a variação

dos sistemas de responsabilidade civil se prende precipuamente à questão da prova”.

Mais precisamente, ao problema da distribuição do ônus probatório, sendo

rigorosamente exata a observação de Josserand (apud DIAS, 1983, p. 85), no sentido

de que, numa época em que "o acidente se tornou anônimo, a concepção que se faz da

natureza da responsabilidade reage poderosamente sobre a atribuição do fardo da

prova, no curso da instância de indenização", ao que acrescenta que [...] as questões de prova são o centro em torno do qual têm gravitado os diferentes sistemas. Nenhum autor, aliás, procura disfarçar a importância desse aspecto do problema da responsabilidade civil, visto como em todos os casos duvidosos, que são mais numerosos do que se pensa, sucumbe a parte a quem toca a obrigação de provar.

Assim, ao se certificar da existência do fato imputado potencialmente

causador de um dano ambiental, o magistrado não estaria obrigado a vincular o

julgamento de procedência do pedido de reparação à comprovação do dano e do nexo

de causalidade, como usualmente ocorre. Ser-lhe-ia facultado presumir a ocorrência de

tais requisitos, nos limites razoáveis que o bom senso indicasse, e verificar se a prova

produzida pela parte ré foi suficiente para elidi-la, ou, se não impor-lhe a condenação

de reparar.

Haveria, então, uma presunção de dano, quando este não se demonstrasse

aparente, ou devesse ocorrer em época futura, ou, ainda, conforme o caso, uma

presunção da existência do nexo de causalidade entre um dano comprovadamente

ocorrido e o fato sobre o qual versasse a demanda. A mesma regra se aplicaria aos

casos em que a existência do dano ambiental pudesse ser comprovada, mas sua

avaliação fosse de difícil ou impossível aferição. Em tais casos, dever-se-ia fazer uso da

liqüidação por arbitramento, a mais indicada em tais situações. Uma vez mais

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153

recorremos à doutrina brasileira sobre responsabilidade civil, que assim se posiciona

sobre a matéria: Em todos os casos não contemplados nos dispositivos que regulam a liquidação do dano, cabe a liquidação por arbitramento. Isso quer dizer que o Código não admite que se deixe de reparar o dano sob o pretexto de que não ficou provado o seu quantum. Provada a existência do dano e a relação de causalidade com o ato atribuído ao responsável, não se pode deixar de indenizá-lo, ainda que sua extensão não fique demonstrada. Estabelecido que houvesse um dano, não pode o juiz, por exemplo, julgar extinta a execução, mas deve empregar todos os recursos de seu prudente arbítrio, examinando até os indícios e presunções, para outorgar a reparação ao prejudicado. [...] Equacionando o problema em termos genéricos, Fischer, em sua obra mundialmente conhecida e já hoje clássica sobre o assunto, formula as seguintes perguntas: que critério deverá adotar o ordenamento jurídico, quando, no momento de se reparar o dano causado, as coisas se tenham dispostas de tal modo que não seja possível já a sua indenização pura e simples, mas só uma indenização de conteúdo maior ou menor do que a devida, isto é, uma indenização alcançando um ‘mais’ ou restringindo-se a um ‘menos’? Deverá decidir a favor do obrigado, condenando-o a prestar o menos, ou em beneficio do credor concedendo-lhe o mais? E, respondendo a estas perguntas Fischer acrescenta: A resposta não pode ser duvidosa: em tais casos, não tem aplicação o axioma ‘in dubio pro reo’ (DIAS, 1983, p. 870).

"O autor do dano deverá sempre indenizar o "mais", embora depois, quando

a eqüidade assim o recomende, possa reclamar uma compensação pela diferença

prestada a maior: o devedor deverá ser condenado a prestar o mais sempre que, se

assim não fosse, o credor da indenização resultasse prejudicado." (GARCEZ NETO,

1970, p. 103).

"É a conclusão a que também Agostinho Alvim (apud GARCEZ NETO, 1970,

109), in verbis: "A dificuldade da estimativa não será objeção. O arbitramento é, em

geral, incerto, e por vezes hipotético. Nem por isso deixa de ser uma prova reconhecida

pela lei (Código Civil, art. 136, n° VlIl) e que todos os dias serve de base a decisões." Cabe recordar, como remate, o ensinamento de EISELE em citação de FISCHER: ‘Em vez de perguntar se são susceptíveis de prova coisas que teriam podido acontecer, digamos: não é necessário demonstrar que se teria realmente verificado em dado caso concreto aquilo que a experiência geral ensina que costuma verificar-se; pois é antes a inversa que necessita de demonstração.’ (GARCEZ NETO, 1970, 110).

De tudo o que foi dito a respeito do assunto em pauta deduz-se que se faz

necessária para aumentar o número de casos em que a reparação do dano ambiental

efetivamente ocorre, em qualquer de suas modalidades, como é determinado pelo

legislador pátrio, inclusive pelo legislador constituinte de 1988, a criação legal de

situações de inversão do ônus da prova e a ampliação do âmbito de discricionariedade

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do julgador, para que este possa, com o auxílio da prova pericial, do bom senso e de

seu prudente arbítrio, suprir deficiências técnicas e científicas que, inegavelmente,

ainda existem no campo da comprovação do dano ambiental, na delimitação de sua

extensão e na aferição do nexo causal entre determinado fato ocorrido e o dano

verificado, a fim de se reduzirem, ao mínimo possível, as situações em que este último

não seja reparado em toda a sua extensão e em seus diversos efeitos.

6.3.5 A regra da responsabilidade objetiva no dano ambiental

Nos casos de dano ao meio ambiente a regra é a da responsabilidade civil

objetiva, independentemente da existência de culpa. Isto é o que dispõe a lei nº

6.938/81, no art. 14, § 1º: "Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste

artigo, é o poluidor obrigado, independentemente, de existência de culpa, a indenizar ou

reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade".

Em termos de dano ecológico, não se pode pensar em outra colocação que não seja a

do risco integral.

Este o entendimento de Ferraz (2000, p. 38) que entende insuficiente a

responsabilidade subjetiva para regular a questão: [...] em termos de dano ecológico, não se pode pensar em outra colocação que não seja a do risco integral. Não se pode pensar em outra malha, que não seja a malha realmente bem apertada, que possa, na primeira jogada da rede, colher todo e qualquer possível responsável pelo prejuízo ambiental. É importante que, pelo simples fato de ter havido omissão, já seja possível enredar agente administrativo e particulares, todos aqueles que de alguma maneira possam ser imputados ao prejuízo provocado para a coletividade.

A Lei mencionada estabelece a responsabilidade objetiva em matéria de

dano ambiental, afastando qualquer perquirição e discussão de culpa, mas não se

prescinde do nexo causal entre o dano havido e a ação ou omissão de quem cause o

dano. Para se pleitear reparação há necessidade da demonstração do nexo causal

entre a conduta e a lesão ao meio ambiente. Assim, para haver a responsabilização

imprescindível ação ou omissão, evento danoso e relação de causalidade.

Já se viu que a responsabilidade civil objetiva lastreia-se em princípio de

eqüidade e que quem colhe benefícios com determinada atividade, responde pelos

riscos daí decorrentes. É obrigação de reparar determinados danos, acontecidos

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155

durante atividades realizadas no interesse ou sob o domínio de alguém que por isso

seja responsável, independentemente da culpa.

Mesmo com as críticas que recebe, não se pode deixar de considerar a

teoria da responsabilidade objetiva, ou do risco como uma evolução. Uma série de

novas situações criadas pela civilização moderna não foram resolvidas, entre elas

muitas questões ambientais. A teoria do risco baseia-se exclusivamente em que o dano

tenha sido produzido. Não é a conduta, ou a culpa, a fonte da responsabilidade. È

apenas o fato de haver-se criado um risco de que determinado dano se produza.

No direito brasileiro a responsabilidade civil pelo dano ambiental não é típica,

independe da ofensa a “standard” legal ou regulamento específico. É irrelevante a

licitude da atividade. Pouco importa que determinado ato tenha sido devidamente

autorizado por autoridade competente ou que esteja de acordo com normas de

segurança exigidas, ou que as medidas de precaução tenham sido devidamente

adotadas. Se houve dano ambiental, resultante da atividade do poluidor, há nexo causal

que faz surgir o dever indenizatório.

A legalidade do ato não importa, basta a simples potencialidade de dano

para que a responsabilidade civil seja objetiva.

No ponto também não importa e é irrelevante a força maior e o caso fortuito

como excludentes da responsabilidade. Aplica-se, pois, a teoria do risco integral onde o

dever de reparar independe da análise da subjetividade do agente e é fundamentado

pelo só fato de existir a atividade de onde adveio o prejuízo. O poluidor deve assumir

integralmente todos os riscos que advêm de sua atividade, não importando se o

acidente ecológico foi provocado por falha humana ou técnica ou se foi obra do acaso

ou de força da natureza. O Direito do ambiente tem como fim último o interesse público

e que justifica a responsabilidade objetiva. No ponto, a máxima Latina: Propter

privatorum commodum non debet communis utilitas praeiudicari

(a utilidade dos

particulares não pode prejudicar a utilidade comum) (MILARÉ, 2000).

Há uma corrente mencionada por Freire (1992) que reclama a existência de

três requisitos, além do dano ao meio ambiente e nexo causal, necessários à

configuração do dever indenizatório: a anormalidade, a periodicidade e a gravidade do

prejuízo.

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Para verificação da anormalidade deve-se considerar a normalidade que

decorre da atividade do pretenso responsável. A anormalidade se verifica quando há

uma modificação das propriedades físicas e químicas dos elementos naturais de tal

grandeza que estes percam, parcial ou totalmente, sua propriedade ao uso. Gravidade

é quando se transpõe o limite máximo de absorção de agressões que possuem os

seres humanos e os elementos naturais. Deve ser periódico, não bastando a eventual

emissão poluidora.

Por certo que a multiplicidade de situações, aconselha que se examine cada

caso frente às peculiaridades apresentadas. No conceito de dano já estão implícitas a

anormalidade e a gravidade. O direito nada mais é do que a realização do razoável, do

lógico, do justo. No caso específico da poluição industrial, a compatibilização da

evolução econômica e social com a preservação da qualidade ambiental constitui

princípio constitucional.

Impossível imaginar, no atual estágio da evolução humana, um Estado e

uma sociedade sem fábricas, sem indústrias, sem atividade mineral, sem atividade

agropecuária, sem abertura de novos loteamentos, sem abertura de estradas, sem

veículos automotores. Desse modo, a fumaça das chaminés e dos veículos e as

escavações para aproveitamento das jazidas minerais devem ser consideradas como

elementos normais e circunstanciais do processo econômico. Não se cogita em

indenizar pela simples instalação de uma fábrica com sua chaminé, nem a construção

de uma barragem de rejeitos, por si só, constituirá fator de indenização. São atividades

normais e, como tais, devem ser toleradas pela sociedade. Dentro de uma visão

racional, não se pode negar a utilidade dessas atividades e os benefícios econômicos e

sociais que proporcionam.

Avaliar se uma atividade causa ou não poluição ou transtorno além do que é

suportável parte do art. 8º da Lei nº 6.938/81, que dá competência ao Conselho

Nacional do Meio Ambiente para estabelecer normas, critérios e padrões relativos ao

controle e à manutenção da qualidade do meio ambiente.

Os parâmetros de conduta do particular estão previstos no art. 14 da lei

supracitada, que limita o art. 3º da lei nº 7.347/85, dando-lhe foros de legalidade. Não é

qualquer alteração das condições ambientais que pode ser considerada poluição.

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157

Em se tratando de questões ambientais, não se pode formular um modelo

único, aplicável a todas as situações, visto que a diversidade de possibilidades impõe

ao julgador análise das particularidades de cada caso concreto. A questão é complexa

porque envolve vários elementos, que se entrelaçam e integram, provocando o

resultado final.

No ponto, Freire (1992, p. 157) menciona alguns casos práticos que devem

ser considerados na verificação da efetivação ou não do dano ambiental. Casos: a) uma pedreira que, mesmo utilizando quantidade de explosivos aprovada pelo órgão ambiental, após estudos sismográficos, provoca, com sua atividade, rachaduras em edificações vizinhas; b) uma indústria que, mesmo lançando fumaça dentro dos limites de tolerabilidade legalmente previstos, causa doenças pulmonares aos integrantes da comunidade local". Para estes casos, devem ser examinados fatores tais como: a) se o dano decorre da atividade normal da empresa, ou decorre de ato imprevisto (estouro de barragem, danificação inesperada de um filtro, etc); b) a pré-ocupação da indústria; c) a adequação da norma ambiental; d) a regularidade da empresa sob o aspecto administrativo; e) a correta implementação dos projetos ambientais.

O causador do dano ambiental é obrigado, independentemente da culpa, a

indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por

sua conduta.

Assim, se se tratar de dano ambiental, ainda que se trate de empresas que

exerçam atividade efetiva ou potencialmente poluidora, aplica-se a teoria da

responsabilidade objetiva.

Na vigência do Código Civil de 1916, não restava dúvida que a

responsabilidade do empregador era subjetiva, ou seja, dependente de prova de culpa

da empresa. O fundamento utilizado na prática forense não divergia muito do velho

conhecido artigo 159 do Código Civil, que, em suma, dizia que todo aquele que

causasse dano por ação ou omissão era obrigado a reparar o dano causado. Ou seja,

na sistemática do antigo Código, em caso de acidente de trabalho, o empregado devia

provar a culpa da empresa, por exemplo, por falta de equipamento de proteção, para

que se gerasse o dever de indenizar do empregador.

Com o novo Código Civil, muitos estão defendendo que houve uma

modificação nesse caso; que ao invés de responder o empregador subjetivamente, por

culpa, agora ele responderia de forma objetiva, sem culpa, tendo em vista a cláusula

geral de responsabilidade objetiva por desempenho de atividade de risco prevista no

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novo Código, no parágrafo único do artigo 927 (“haverá obrigação de reparar o dano,

independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade

normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os

direitos de outrem”); defendem que sob a égide de um contrato de trabalho, há um risco

inerentemente assumido pelo empregador, e previsível a ocorrência de acidentes em

seus empregados, sendo então objetiva a responsabilidade do empregador, e

questionam ainda se seriam beneficiados os empregados não diretamente expostos ao

risco.

Com o devido respeito, para os que respondem que seria aplicável esse

dispositivo para o caso de acidentes de trabalho típico ou tipo, e que tecem esses

questionamentos, ou seja, que com o novo Código Civil o empregador responde

objetivamente, sem culpa, e como dissemos supra não é a Constituição que deve estar

conforme o Código Civil, mas este àquela. É o que pretendemos demonstrar no próximo

capítulo.

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159

CAPITULO 7

A REPARAÇÃO DO DANO NOS ACIDENTES DE TRABALHO

7.1 Esclarecimentos iniciais

No capítulo primeiro ao falarmos sobre responsabilidade civil trouxemos seu

conceito e classificação e abordamos não só a noção da responsabilidade subjetiva ou

teoria da culpa como, também, a da responsabilidade objetiva ou teoria do risco.

Entretanto, deixamos para o presente capítulo tecermos outras considerações sobre a

teoria do risco, por entendermos ser agora mais apropriadas, como se verá adiante.

Já no capítulo quinto discutimos aspectos relevantes do dano moral como

sua noção jurídica, seu conceito, trazendo inclusive estudos de direito comparado e,

especificamente, sobre o direito brasileiro fez-se abordagem da sua evolução histórica

desde o Código de Teixeira de Freitas, o Código Civil de 1916, os projetos legislativos

anteriores ao Código Civil de 2002 e a responsabilidade no atual Código Civil.

Trataremos no presente capítulo como entendemos a reparação do dano moral, no que

tange ao acidente do trabalho, pois a nosso ver, enquanto não houver alteração do

dispositivo Constitucional que trata da espécie - inciso XXVIII, art. 7º - continua a ser

empregada a responsabilidade subjetiva e, não, como pensam alguns, já haver

autorização para que a teoria do risco – responsabilidade objetiva – seja a aplicável.

7.2 Introdução

A importância do equilíbrio e da harmonização social, a partir da reparação

dos danos, torna o tema da responsabilidade civil ou penal um dos mais relevantes

para as ciências humanas, especialmente para a jurídica. Portanto, aquele que por sua

conduta ou exercício de atividade produz uma modificação negativa no mundo exterior,

violando direitos de outrem, deverá responder pelos seus atos com fito de satisfazer

não só o lesado, mas principalmente, visando à paz social.

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Os imensuráveis e estarrecedores casos de acidentes do trabalho, na sua

grande maioria oriundos do descaso dos empregadores em manter um meio ambiente

laboral salutar e outras vezes pelos riscos próprios da atividade econômica das suas

empresas, afrontam o princípio constitucional da dignidade humana e da integridade

física, psíquica e moral do trabalhador.

O acidente de trabalho é evento danoso tanto para a vítima quanto para seus

dependentes e, em muitos casos, é irreparável, devido à extensão de seus efeitos. Mas

se o direito à vida e à integridade física do trabalhador é violado pela ocorrência de

sinistro relacionado ao meio ambiente laboral, ocasionando-lhe perda parcial ou total,

temporária ou permanente da sua capacidade para trabalhar ou até mesmo a morte, tal

dano deverá ser reparado, ao menos pelo seguro social, independentemente de culpa

do empregado ou empregador, ainda que tal indenização apenas mitigue o mal sofrido.

É imperiosa, portanto, a reparação do dano causado a outrem para, na medida do

possível, desfazer seus efeitos funestos e restituir “statu quo ante” aquele que sofreu o

prejuízo.

Por sua natureza social, a responsabilidade civil decorrente de acidente do

trabalho funda-se em norma cogente de caráter público elevado à categoria

constitucional.

A nossa Carta Magna assegura ao trabalhador, com base nos princípios da

valorização do trabalho e da dignidade humana, o direito ao meio ambiente laboral

salutar e entre outros direitos o "seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do

empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em

dolo ou culpa" (CF/88. art. 7º, inc. XXVIII). E determina que a Previdência Social

atenderá, em concorrência com o regime de seguro privado, a cobertura dos riscos de

acidente do trabalho, inclusos eventos de doença, invalidez ou morte (CF/88, art. 201,

inc. I e § 10).

Mas no que tange à reparação a lesão ao meio ambiente, inclusive, ao meio

ambiente do trabalho, a Constituição, cujo bem maior protegido é a vida, determina

também, em seu parágrafo 3º, artigo 225 que: As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

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Na combinação desses dispositivos está delimitada a fundamentação legal e teórica

para as normas infraconstitucionais relativas à reparação acidentária laboral, seja de

cunho civil, administrativa ou penal. E, infere-se das normas mencionadas que a

responsabilidade civil poderá ter natureza contratual ou extracontratual, cujos

pressupostos básicos são: a ocorrência de dano, nexo causal entre o evento danoso e

o dano e a causa oriunda de ato ilícito ou não.

Sendo assim, o tema está compreendido tanto pelas teorias civilistas (teoria da culpa

civil ou da responsabilidade subjetiva) quanto pelas teorias publicistas (teoria do risco

ou da responsabilidade objetiva), ou seja, para o primeiro caso – responsabilidade

subjetiva – se ocorrer acidente de trabalho com um trabalhador, hoje, esta é a teoria

que se aplica como, por exemplo, um empregado que ao utilizar uma serra elétrica

deixa de colocar a coifa protetora e vier a sofrer a amputação de dois ou mais dedos de

sua mão direita. Para uma possível reparação e responsabilização do seu empregador

e indenização respectiva terá o operário que provar o dolo ou a culpa deste. Mas, como

visto supra “se se tratar de dano ambiental, ainda que se trate de empresas que

exerçam atividade efetiva ou potencialmente poluidora, aplica-se a teoria da

responsabilidade objetiva”.

Entretanto, não desconhecemos que se um empregado é vitimado por

acidente de trabalho e vier a pleitear benefício previdenciário junto ao Órgão

Previdenciário – INSS – quanto a este, a responsabilidade pela concessão dos

benefícios previdenciários é objetiva, independente de culpa. No caso, basta ao

trabalhador-segurado provar o evento, o dano e o nexo causal entre estes.

7.3 Teorias sobre a natureza do risco

Segundo Cavalieri Filho (1999) várias foram as concepções que embasaram

a teoria do risco e que podem ser assim resumidas: a)Teoria do risco-proveito – funda-se essa teoria na idéia de que aquele que

tira proveito da atividade danosa é responsável pela reparação do dano. Porém, aplica-se somente aos exploradores de atividades econômicas, e ao lesado impende provar a existência do proveito.

b)Teoria do risco criado – por essa teoria "aquele que, em razão de sua atividade ou profissão, cria um perigo, está sujeito à reparação do dano que

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causar, salvo prova de haver adotado todas as medidas idôneas de evitá-lo". Dessa elucidação se infere, que prescinde a prova do proveito da atividade.

c)Teoria do risco profissional – esta teoria foi desenvolvida especificamente para justificar a reparação dos prejuízos advindos de acidentes do trabalho, e sustenta ser suficiente a lesão, seja em decorrência da atividade ou da profissão do lesado.

d)Teoria do risco excepcional – voltada para responsabilizar exploradores de atividades de riscos coletivos (exploração de energia nuclear, materiais radioativos, ect.), que podem lesar até mesmo terceiros alheios a estas atividades.

e)Teoria do risco integral – para esta teoria basta haver o dano para caracterizar o dever de indenizar. Não admite quaisquer causas excludentes da responsabilidade (culpa exclusiva da vítima, de terceiros, caso fortuito ou força maior).

Afirma, também, que em qualquer das modalidades, a teoria do risco se

resume na seguinte afirmação: "Todo prejuízo deve ser atribuído ao seu autor e reparado por

quem o causou, independentemente de ter ou não agido com culpa" (CAVALIERI FILHO, 1999, p. 145).

Por conseguinte, para assegurar o ressarcimento ao prejudicado, cabe

verificar se ocorreu o evento e dele emanou o dano, não se cogitando da imputabilidade

ou antijuridicidade do fato danoso. É satisfatória a relação de causalidade entre o

prejuízo e aquele que materialmente o causou, isto é, basta o nexo causal entre o dano

e o fato gerador. O agente deve ser responsabilizado pelo simples fato da ocorrência do

fato danoso prejudicial a outrem, relacionado à atividade exercida, visto que aquele

assumiu, ao explorá-la, todos os riscos a ela inerentes.

Segundo o escólio de Diniz (2004, v. 6, p. 12) a crescente tecnização dos

tempos modernos, caracterizado pela introdução de máquinas, pela produção de bens

em larga escala e pela circulação de pessoas por meio de veículos automotores,

aumentando assim os perigos à vida e à saúde humana, levaram a uma reformulação

da teoria da responsabilidade civil dentro de um processo de humanização. Este

representa uma objetivação da responsabilidade, sob a idéia de que todo risco deve ser

garantido, visando a proteção jurídica à pessoa humana, em particular aos

trabalhadores e às vítimas de acidentes, contra a insegurança material, e todo dano

deve ter um responsável.

Isso ocorreu porque a responsabilidade com base na culpa se tornou

insuficiente para solucionar questões complexas em torno de eventos danosos oriundos

dos riscos de determinadas atividades econômicas, especialmente dos eventos

sinistros ocorridos no ambiente laboral.

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163

Assim, surgiu a responsabilidade com fundamento nos riscos de atividade –

responsabilidade objetiva - cujos pressupostos são apenas a existência do prejuízo e a

relação entre este e o evento danoso que o causou (nexo causal).

Devemos levar em conta que os acidentes do trabalho constituem fenômeno

de múltiplas facetas. Sua ocorrência costuma trazer à tona no mínimo a face

existencial, a técnica e a jurídica. Ou seja, simultaneamente ao drama existencial que

produz para vítimas, familiares e pessoas próximas, os acidentes costumam ser

seguidos de iniciativas técnicas visando à compreensão de suas causas e podem

ensejar ações também na esfera judicial.

Essa visão do aspecto jurídico não se pode distanciar do aspecto técnico, ou

seja, conhecermos as teorias dos especialistas acerca dos acidentes que ocorrem em

razão do trabalho.

7.4 Concepções de acidente

A análise de acidentes é sempre influenciada pela visão ou compreensão do

analista acerca desses eventos. No entanto, nem sempre os valores ou pontos de vista

implícitos numa determinada concepção são claramente assumidos ou compreendidos

por esse mesmo analista.

A própria idéia da existência de uma determinada concepção de acidente

associada a cada proposta de análise pode causar estranheza tal é a freqüência com

que essas propostas são enunciadas como técnicas assépticas ou neutras.

Pode-se afirmar que predomina, no Brasil e no mundo, a compreensão de

que o acidente é um evento simples, com origens em uma ou poucas causas,

encadeadas de modo linear e determinístico. Sua abordagem privilegia a idéia de que

os acidentes decorrem de falhas dos operadores (ações ou omissões), de intervenções

em que ocorre desrespeito à norma ou prescrição de segurança, enfim, “atos inseguros”

originados em aspectos psicológicos dos trabalhadores.

Fazendo-se uma abordagem das causas que determinam os acidentes de

trabalho há de se intuir que o nosso legislador constituinte ao estabelecer a teoria da

culpa – responsabilidade subjetiva – para determinar a responsabilidade em matéria de

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164

acidente do trabalho, haveremos de concluir que ele não o fez de maneira aleatória,

pois muitos são as variáveis abordadas por especialistas como se verá a seguir. E o fez

de maneira a atingir os empregados, pois o grande empresariado é o financiador

natural dos custos de campanha eleitoral. É preciso que seja mudado o dispositivo da

Constituição, haja vista que pela nossa tradição romano-germânica, por melhores que

sejam as decisões do Judiciário e também, ainda que tenhamos grandes textos

doutrinários a nossa concepção sempre se volta para o que está na lei. É sempre na lei

que vamos buscar o fundamento para uma decisão.

Os comportamentos são considerados como frutos de escolhas livres e

conscientes por parte dos operadores, ensejando responsabilidade do indivíduo. A

dimensão coletiva aparece associada com noção de cultura de segurança,

compreendida como soma dos comportamentos dos indivíduos. A cultura de segurança

seria construída com a adoção de estruturas hierárquicas e disciplina rígida. Em alguns

casos a referência ao modelo de organizações militares e instituições totais é explícita.

Com pequenas diferenças, às vezes, apenas de ênfase, essa forma de

conceber o acidente recebe denominações como: centrada na pessoa (REASON,

1997), paradigma tradicional (LLORY, 1999), acidente normal ou sistêmico (PERROW,

1999), centrada no erro (HOLLNAGEL, 2002). Segundo Llory (1999), essa é a única

forma de conceber o acidente que alcançou o status de paradigma, no sentido dado por Kuhn

ao termo.

A seguir, de modo resumido, apresentaremos algumas das propostas de

sistematização desse tema que estão presentes na literatura especializada.

Reason (1997) classifica duas concepções de acidentes como sendo “da

engenharia” e a “organizacional”. A concepção da engenharia enfatiza a quantificação

da probabilidade de eventos ou aspectos associados, e as falhas de concepção

ensejando o surgimento de propostas de sistemas de gestão de segurança e da saúde

no trabalho e de melhoria das interfaces de troca de informações. Abordagens de

confiabilidade que privilegiam cálculos de probabilidade são apontadas como exemplos

desse enfoque. Essa forma de conceber o acidente mostra-se pouco difundida no

Brasil, sendo praticamente inexistentes experiências e publicações que a tenham

adotado, sobretudo como instrumento para abordagens de acidentes.

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165

Na concepção organizacional, Reason (1997) considera que o erro é muito

mais conseqüência do que causa e que suas origens estariam em condições latentes,

incubadas na história do sistema.

O modelo de acidente organizacional proposto por Reason (1997) enfatiza o

fato de o acidente apresentar origens latentes, associadas às escolhas estratégicas

adotadas desde sua concepção e às políticas de gestão assumidas. O autor

critica as análises de acidentes que se restringem à identificação de falhas humanas

que ocorrem nas proximidades da lesão e do acidente propriamente dito porque eles

têm pouca importância para a prevenção. Segundo ele, a gestão da segurança e da

saúde passa a recomendar medidas pró-ativas e a busca de reformas contínuas do

sistema, como por exemplo, as estratégias de qualidade.

Llory (1999) em seu modelo psicoorganizacional de acidentes não perde de

vista a importância da compreensão de aspectos técnicos presentes em acidentes, mas

ressalta sua insuficiência para a compreensão desses eventos. O acidente é apontado

como potencialmente revelador de aspectos da história da organização, sobretudo

daqueles relacionados às suas origens, que estavam incubados ou adormecidos. A

dimensão subjetiva é reconhecida tanto em nível individual, quanto no das relações

horizontais e verticais estabelecidas historicamente nas situações de trabalho. Ou seja,

ressalta-se a necessidade de explorar tanto aspectos conjunturais, ditos sincrônicos,

como aqueles construídos ao longo da história de vida das pessoas e da organização,

ditos diacrônicos.

Na visão de Perrow (1999) a teoria do acidente normal ou sistêmico dá

origem a uma concepção de acidente que tem vida própria e é adotada sobretudo em

estudos de desastres ocorridos em sistemas técnicos complexos, com conseqüências

que estendem-se muito além dos muros da organização em si. Para ele nesse tipo de

sistema, sempre haverá interações de natureza inesperada, complexas,

incompreensíveis em tempo real para os operadores e capazes de desencadear, de

modo irreversível, o processo acidental. O acidente é normal não por ser freqüente,

mas sim por ter origem em propriedades inerentes ao sistema.

A concepção proposta por Hollnagel (2005) dita da gestão da variabilidade

de desempenhos, destaca contribuições de abordagens cognitivas rompendo com a

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leitura que vê o erro sempre como evento negativo. A variabilidade do trabalho tanto

pode ser negativa como positiva. No caso de sistemas sócio-técnicos abertos que

alcançaram bons desempenhos em termos de segurança e confiabilidade, essa

variabilidade mostra-se associada, sobretudo, aos componentes humanos, sendo

fortemente influenciada pela compreensão dinâmica da atividade em todos os seus

momentos. Em outras palavras, trabalhar implica a adoção de estratégias cognitivas de

gestão da atividade: do planejamento à execução. As representações mentais do que

vai ser e do que está sendo feito são influenciadas por aspectos do tempo (hora do dia,

“idade” dos componentes etc.), da história do indivíduo, dos grupos e da empresa a que

se vincula, como das características técnicas e organizacionais do sistema e do

contexto sócio-político-econômico em que esse está inserido. Assim é que a

compreensão de um ruído, por exemplo, pode ser diferente para um novato e um

trabalhador experiente; ou para um membro de equipe de empresa contratada e

trabalhador da contratante que atua há anos naquele setor.

O erro é um dos sinais que orienta a compreensão da equipe acerca do que

está ocorrendo, do controle ou não da atividade, em cada momento. De acordo com

esse enfoque, sua ocorrência revela que a representação mental da atividade tanto dos

objetivos (o que fazer), seja do como fazer, não está em consonância com a realidade.

Distanciou-se dela. No entanto, os procedimentos usados para elaborar e atualizar esse

modelo mental, enfim, o próprio modelo adotado, foram exatamente os mesmos usados

nas situações sem acidente. De acordo com ele as origens dessa variabilidade podem

ser identificadas e monitoradas.

Em publicação feita no Caderno de Saúde Pública, Rio de Janeiro, onde vem

inserido resumo de tese de doutorado de Vilela (VILELA; IGUTI; ALMEIDA, 2004) este

demonstra que no Brasil, o modelo explicativo monocausal centrado na culpa da vítima vem

se mantendo intocável no meio técnico-industrial, em meios acadêmicos mais conservadores e

em organismos oficiais, mesmo após inúmeras críticas publicadas nas décadas de 80 e 90.

Esta manutenção silenciosa não seria uma demonstração de que este modelo é conveniente e

interessante pra esconder as verdadeiras causas dos acidentes do trabalho?

O mais impressionante é a conclusão que chegou após analisar diversos

laudos efetuados pelo Instituto de Criminalística Regional de Piracicaba.

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Com efeito, diz que: Após analisar os laudos e dados obtidos das

investigações de acidentes graves e fatais do trabalho efetuadas pelo Instituto de

Criminalística (IC), Regional de Piracicaba, concluímos que os acidentes envolvendo

máquinas representam 38,0%, seguido pelas quedas de altura (15,5%) e em terceiro

lugar os causados por corrente elétrica (11,3%). Os laudos concluem que 80,0% dos

acidentes são causados por “atos inseguros” cometidos pelos trabalhadores, enquanto

que a falta de segurança ou “condição insegura” responde por 15,5% dos casos. A

responsabilização das vítimas ocorre mesmo em situações de elevado risco em que

não são adotadas as mínimas condições de segurança, com repercussão favorável ao

interesse dos empregadores. Observa-se que estas conclusões refletem os modelos

explicativos tradicionais, reducionistas, em que os acidentes são fenômenos simples, de

causa única ,centrada via de regra nos erros e falhas das próprias vítimas. A despeito

das críticas que tem recebido nas duas últimas décadas no meio técnico e acadêmico,

esta concepção mantém-se hegemônica prejudicando o desenvolvimento de políticas

preventivas e a melhoria das condições de trabalho.

Construiu-se então um modelo conveniente e útil para a descaracterização

da culpa do empregador ou de seus prepostos, mantendo-se deste modo um clima de

impunidade em relação aos acidentes do trabalho. Cabe destaque o fato de que nossa

teoria jurídica no acidente de trabalho assenta-se na responsabilidade subjetiva,

baseada na necessidade de demonstração de culpa do empregador. E isso precisa ser

mudado, apesar de já encontrarmos na doutrina nacional vozes que entendem que para

tais casos a aplicação da teoria do risco já vem autorizada em nosso ordenamento

jurídico. Entendemos que não, apesar de respeitar as opiniões destoantes.

7.5 A reparação, hoje, dos acidentes de trabalho

Já vimos antes que mesmo quando o Código Civil de 1916 ainda não havia

entrado em vigor no nosso ordenamento jurídico e, tendo em vista a influência da

cultura européia no nosso direito positivo, já se fazia presente a nova doutrina e,

depois, especificamente, sobre a responsabilidade para a reparação de acidente do

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trabalho foi estabelecida a “responsabilidade objetiva”, segundo se via do Decreto n.

24.687/34 – Lei de Acidentes do Trabalho.

Já dissemos antes “que para todos os casos que possam ser considerados

de evento danoso ocorrido em sede de desempenho de atividade de risco ou perigosa,

deverá ser aplicada a cláusula geral de responsabilidade objetiva prevista no novo

Código Civil”, todavia, não se aplica o parágrafo único do artigo 927 do novo Código

Civil aos acidentes de trabalho. É o que procuraremos demonstrar a seguir.

7.5.1 A cláusula geral da teoria do risco prevista no parágrafo único do art. 927 do

Código Civil

Cabe-nos aqui indagar, se a novidade trazida pelo parágrafo único do artigo

927 do Código Civil em termos de responsabilidade civil a qual acolhe a obrigação de

reparar o dano, independentemente da culpa do agente causador deste, nos casos

especificados em lei, ou quando a atividade normal desenvolvida por quem causar o

dano for por sua própria natureza de risco para os direitos de outrem, tem aplicabilidade

nos casos de acidente de trabalho.

Com efeito, em franco antagonismo, duas correntes doutrinárias se

estabeleceram entre os juristas pátrios quanto a sua aplicabilidade aos casos de

acidente de trabalho. A primeira entendendo que se aplica a novidade. A segunda, por

óbvio, entende que não. Para efeitos didáticos denominá-la-emos de “Positivista” e

“Negativista”, mas explicando de logo que não possuem qualquer traço com as

doutrinas filosóficas conhecidas.

7.5.1.1 A corrente positivista

Com efeito, e, sinteticamente, podemos anunciar que os doutrinadores desta

corrente sustentam ter o novo dispositivo inteira aplicação no caso de acidente do

trabalho, pois a previsão do inciso XXVIII do artigo 7º da Constituição Federal deve ser

interpretada em harmonia com o que estabelece o seu caput, já que o rol dos direitos

mencionados ali não impede que a lei ordinária amplie os existentes ou acrescente

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169

outros que visem à melhoria da condição social do trabalhador. Sobre a possível

incompatibilidade do que está previsto no Código Civil em relação ao princípio

constitucional, asseveram estes doutrinadores que o princípio realmente consagrado no

inciso XXVIII do art. 7º é o de que cabe a indenização por reparação

independentemente dos direitos acidentários. Exemplificam com o artigo 121 da Lei n.

8.213/91 que ao estabelecer que “O pagamento, pela Previdência Social, das

prestações por acidente do trabalho não exclui a responsabilidade civil da empresa ou

de outrem”. Alegando que “a responsabilidade civil foi mencionada genericamente, o

que leva a concluir que todas as espécies estão contempladas e que só haveria

incompatibilidade se a redação do inciso XXVIII tivesse como ênfase a limitação a uma

espécie de responsabilidade, como, por exemplo, se a redação fosse assim lavrada:

“Só haverá indenização por acidente de trabalho quando o empregador incorrer em

dolo ou culpa”. Outro argumento utilizado por esta corrente é de que “a indenização do

acidentado, como apoio na teoria da responsabilidade objetiva, visa à melhoria da

condição social do trabalhador”.

Outro argumento que utilizam os partidários da corrente positivista tem

contornos históricos, pois “o desenvolvimento da responsabilidade objetiva tem estreita

ligação com a questão dos acidentes do trabalho, e é nesse tema, tão aflitivo para o

trabalhador, que a teoria do risco encontra primazia de sua aplicação e a maior

legitimidade dos seus preceitos”.

Apontamos em seguida argumentos e exemplos trazidos por doutrinadores

brasileiros que abraçam a aplicabilidade da inovação trazida pelo parágrafo único do

art. 927 do Código Civil Brasileiro de 2002 aos casos de acidente do trabalho. Oliveira

(2005, p. 83) argumenta que a responsabilidade sem culpa já tem presença não só na

nossa Constituição, exemplificando com os danos nucleares, art. 21, XXIII, c, na

obrigação de ser reparado os danos ambientais, art. 225, § 3º, como, também, na Lei n.

6.938/81 que traça a política nacional do meio ambiente a qual em seu art. 14, § 1º

prevê que o poluidor é obrigado, independentemente de culpa, a indenizar ou reparar

os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade.

Também dá ênfase ao Código de Defesa do Consumidor dizendo que este “contempla

abertamente a teoria objetiva, prevendo a reparação independentemente da existência

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de culpa” e que “hoje resta superada ou, pelo menos abalada a posição doutrinária de

que a responsabilidade civil subjetiva era a regra básica no Brasil”. Reforça sua

argumentação com escólio doutrinário de Sergio Cavalieri Filho o qual diz que o CDC

trouxe avanços extraordinários nessa área “ao fazer da responsabilidade objetiva regra

para todas as relações de consumo” enfocando logo em seguida que “não haverá

nenhuma impropriedade em se afirmar que hoje a responsabilidade objetiva, que era

exceção, passou a ter um campo de incidência mais vasto do que a própria

responsabilidade subjetiva”. O Juiz mineiro encerra sua argumentação doutrinária dizendo que [...] uma vez consolidada a estrutura básica da responsabilidade objetiva surgiram várias correntes com propósitos de demarcação de seus limites, criando modalidades distintas da mesma teoria, mas todas gravitando em torno da idéia central do risco e podemos indicar as teorias do risco proveito, do risco criado, do risco profissional, do risco excepcional e do risco integral. (OLIVEIRA, 2005, p. 83).

Com muita argúcia traz um lúcido exemplo ao dizer “que não faz sentido a

norma ambiental proteger todos os seres vivos e deixar apenas o trabalhador, o

produtor direto dos bens de consumo, que muitas vezes, consome-se no processo

produtivo, sem proteção legal adequada. Ora, não se pode esquecer – apesar de óbvio,

deve ser dito – que o trabalhador também faz parte da população e é um terceiro em

relação ao empregador poluidor. Além disso, não há dúvida de que o ruído, a poeira, os

gases e vapores, os resíduos, os agentes biológicos e vários produtos químicos

degradam a qualidade do ambiente do trabalho, gerando conseqüências nefastas para

a saúde do trabalhador”.

Melo (2006, p. 3270) diz que “a interpretação do inciso XXVIII do art. 7º da

CF precisa ser buscada levando-se em conta a finalidade e razão de ser do mesmo no

contexto da Constituição e do ordenamento jurídico como um todo”, argumentando em

seguida com base em Celso Ribeiro Bastos (apud MELO, 2006, p. 3270) que [...] as normas constitucionais são como que envolvidas por uma camisa-de-força. Destarte, o intérprete se vê na contingência de descobrir para além da simples literalidade dos Textos o ‘para que’ e o ‘para quem’ da suas prescrições, de sorte a distender o fio da interpretação até os limites daqueles parâmetros sistemáticos [...]

o que deve fazê-lo levando em conta, como acrescenta o referido autor, que "a

importância da interpretação é fundamental em razão do caráter aberto e amplo da

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Constituição, sendo que por isso os problemas de interpretação surgem com maior

freqüência que noutros setores do Direito”.

Em seguida traz ensinamento de Humberto Theodoro Junior (apud MELO,

2006, p. 3270) que acentua [...] ser difícil inovar em doutrina acerca de velhos institutos, não pelos embaraços da argumentação, mas porque há uma força muito atuante entre os intérpretes e aplicadores do direito positivo, que é a lei da inércia, pois é, sem dúvida, muito mais cômodo seguir antigos padrões, já estabelecidos de longa data na praxe forense e nos manuais da doutrina, do que repensar soluções para os quase complicados problemas da interpretação evolutiva das normas legais.

Argumenta a seguir que há um equívoco dos que interpretam na sua

literalidade norma que vem insculpida no inciso XXVIII do artigo 7º da Constituição

Federal, baseando sua discordância “no caráter aberto da Constituição e no "porquê",

no "para que" e no "para quem" foi criada referida norma”.

Para infirmar sua tese assevera que não pode esse dispositivo ser

interpretado isoladamente, como tem sido feito. Assim, enquanto o § 3º do art. 225 da

Constituição Federal assegura a responsabilidade objetiva por danos ao meio

ambiente, incluído o do trabalho (CF, art. 200 - VIII), o inciso XXVIII do art. 7º fala em

responsabilidade subjetiva por acidentes de trabalho. Surge, desde logo, aparente

contradição/antinomia ou conflito de normas constitucionais. Enquanto o § 3º do art.

225, de âmbito maior, assegura a responsabilidade objetiva nos danos ao meio

ambiente, o inciso XXVIII do art. 7º, fala em responsabilidade subjetiva nos acidentes

individualmente considerados (MELO, 2006).

Com efeito, a partir do momento que se compreender o disposto no § 3° do

art. 225 como princípio maior (regra supralegal) que protege um direito fundamental - a

preservação da vida em todas as espécies -, difícil não é admitir a possibilidade de

mitigação do inciso XXVIII do art. 7º, norma de alcance menor, para se aplicar à

responsabilidade objetiva em determinados casos. Cabe observar que pela norma

supralegal do § 3º do art. 225, estabeleceu o constituinte, para os danos ambientais, a

responsabilidade objetiva, mas de maneira contraditória, tratou diferentemente os

acidentes de trabalho, que são a conseqüência maior dos danos que atingem o ser

humano trabalhador. Parece mesmo uma antinomia.

No sistema constitucional, as supostas antinomias ou tensões entre normas

da Constituição são resolvidas por meio dos princípios da unidade e da harmonização

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dos textos constitucionais. Procura-se ponderar valores e delimitar a força vinculante e

o alcance de cada uma das normas em "conflito", para se harmonizá-las e otimizá-las a

fim de se produzir um equilíbrio sem negar por completo a eficácia de nenhuma delas.

“Estou certo de que não se pode fazer uma leitura tópica e isolada do inciso XXVIII do

art. 7º da Constituição. É necessário interpretá-lo em conjunto e de forma harmônica

com o disposto no § 3º do art. 225 da mesma Lei Maior.

A vida, como não resta dúvida, é o bem maior do ser humano e é

exatamente em função desse bem supremo que existe o Direito. Assim, não é lógico

nem justo que para a conseqüência do dano ambiental em face da vida humana se crie

maior dificuldade para a busca da reparação dos prejuízos causados ao trabalhador.

Desse modo, não mais se sustenta uma interpretação literal do inciso XXVIII do art. 7º

("seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a

indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa"), para desde

logo se concluir que se trata unicamente de responsabilidade subjetiva. Esse dispositivo

está umbilicalmente ligado ao caput do art. 7º, que diz textualmente: "São direitos dos

trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição

social (grifados)” (MELO, 2006, p. 3270).

Rocha (1997, p. 67) por seu turno entende que só haverá responsabilidade

objetiva em caso de degradação ambiental e subjetiva para o acidente de trabalho-tipo

individual, assim: A Constituição estabelece que, em caso de acidente do trabalho, o empregador pode ser responsabilizado civilmente, em caso de dolo ou culpa. O dispositivo fundamenta-se no acidente de trabalho tipo individual. Contudo, ocorrendo doença ocupacional decorrente de poluição no ambiente de trabalho a regra deve ser da responsabilidade objetiva, condizente com a sistemática ambiental, na medida em que se configura a hipótese no artigo 225, §3º, que não exige qualquer conduta na responsabilização ambiental. Em caso de degradação ambiental no ambiente do trabalho, configura-se violação ao direito ‘ao meio ambiente ecologicamente equilibrado’, direito eminentemente metaindividual. Como se trata de poluição no meio ambiente do trabalho que afeta a vida dos trabalhadores, a compreensão dos dispositivos mencionados não pode ser outra senão a de que a responsabilidade em caso de dano ambiental é objetiva; e quando a Magna Carta estabelece a responsabilidade civil subjetiva, somente se refere ao acidente de trabalho, acidente-tipo individual, diferente da poluição no ambiente do trabalho, desequilíbrio ecológico no habitat de labor, que ocasiona as doenças ocupacionais.

Sady (2000) com base na doutrina de Rocha – que como vimos entende que

a responsabilidade do empregador deve ser objetiva para os casos de indenizações

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quando se trata de doenças ocupacionais – nos traz um exemplo indagação: Imagine-

se o caso de uma empresa que polui um curso d’água destilando um poluente orgânico

persistente, que gera doenças terríveis para o empregado, assim como a degradação

do curso d´água. O terceiro que tem uma propriedade ribeirinha prejudicada irá gozar

do conforto de tal responsabilidade objetiva do poluidor, enquanto o empregado doente

terá que provar a culpa da empresa?

7.5.1.2 A corrente negativista

A corrente que denominamos de “Negativista” em franco antagonismo à

corrente “Positivista”, entende que não pode o parágrafo único do art. 927 do Código

Civil Brasileiro ser aplicado nas hipóteses de acidente do trabalho argumentando que a

Constituição Brasileira estabelece expressamente que somente no caso de culpa do

empregador é que será devida a indenização.

Com efeito, Stoco (2004, p. 606) com lucidez pensa que [...] se a Constituição estabeleceu, como princípio, a indenização devida pelo empregador ao empregado, com base no direito comum, apenas quando aquele obrar com dolo ou culpa, não se pode prescindir desse elemento subjetivo com fundamento no artigo 927, parágrafo único, do Código Civil.

Realmente e como já se apontou supra norma de hierarquia inferior não

pode contrariar a previsão constitucional.

Em oposição a teoria da responsabilidade objetiva vozes consagradas se

alevantaram e argumentos não menos consistentes argúem “se formos dar demasiada

atenção à vitima, acaba por se negar o princípio da justiça social, impondo cegamente o

dever de reparar, levando-se a equiparar o comportamento jurídico e injurídico do

agente” (PEREIRA, 2002, p. 271). Por sua vez Aguiar Dias (apud PEREIRA, 2002, p.

271) aponta que “se os pressupostos da culpa for afastado, aquele que age

corretamente, tomando todas as medidas recomendáveis para evitar os danos,

receberia o mesmo tratamento do outro que atua displicentemente”. Considerados os

mais ferrenhos adversários da doutrina do risco argumentam os irmãos Mazeaud e

Mazeaud (1947, t. 1) “que a equidade exige também que não se inquiete aquele cujo

procedimento é irrepreensível”.

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174

Como se pode observar estamos perante dois pólos: um objetivo – do risco;

outro subjetivo da culpa. Mas não é só. Com efeito, há uma aparente antinomia entre

normas constitucionais. O inciso XXVIII do art. 7º e o §3º do artigo 225 da Constituição

Federal.

Em seguida vamos procurar buscar uma solução adequada para esta

aparente antinomia.

7.5.1.3 A responsabilidade do empregador ante a Previdência Social e do § 3º do artigo

225 da Constituição Federal

A infortunística, matéria legal que trata dos riscos das atividades econômicas,

especialmente dos riscos de acidentes do trabalho e doenças profissionais, tem por

fundamento a teoria do risco. Por essa razão as leis acidentárias do sistema jurídico de

vários países, inclusive no Brasil, para dar respaldo aos anseios dos cidadãos ávidos

por justiça, consagraram a aplicação da responsabilidade objetiva para a reparação dos

danos às vítimas de infortúnios relacionados ao meio ambiente do trabalho.

Vale ressaltar que em nosso país, o dever da Previdência Social de indenizar

por acidente do trabalho tem fulcro na teoria do risco integral. Basta o empregado ou

seus dependentes provar a relação de emprego e que o dano foi decorrente de uma

situação relacionada ao seu trabalho. Não afastam seus direitos as tradicionais causas

excludentes ou atenuantes da responsabilidade: culpa exclusiva da vítima, força maior,

caso fortuito ou fato de terceiro.

Assim, como já está previsto no sistema jurídico pátrio, a responsabilidade

para indenizar sem culpa, advém de determinação legal. Várias legislações (Decreto

Legislativo nº. 3.724/19, Decreto nº. 24.637/34, Decreto nº. 7.036/44, Decreto-lei nº.

293/91, Lei nº. 5.316/67, Lei nº. 6.367/76) trataram da infortunística. Hoje a lei

acidentária (Lei nº. 8.213/91), que é obrigatória e impositiva, estipula em dois prismas a

responsabilidade objetiva para assegurar a relação jurídica do seguro social e o direito

de reparação da vitima de acidente. Por um lado, impõe ao empregador

responsabilidade objetiva de natureza previdenciária – o ônus de arcar com a

manutenção do seguro coletivo para reparação dos danos decorrentes de acidente do

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175

trabalho, haja ou não ocorrência de sinistros relativos ao seu empreendimento, além de

obrigá-lo a arcar com a responsabilidade de natureza trabalhista de pagar os primeiros

quinze dias de afastamento do empregado e de garantir-lhe a estabilidade acidentária

de um ano, após a cessação do auxílio-doença acidentário, independentemente de

percepção de auxílio-acidente, conforme previsão nos artigos 29 e 118,

respectivamente, da Lei 8.213/91. Por outro lado, impõe à Previdência Social, a

responsabilidade objetiva de dar cobertura à vítima que provar sua relação de emprego

e o nexo causal entre o acidente e a atividade profissional exercida, indenizando-a,

independente de esta haver recebido as parcelas do seguro do empregador, cabendo-

lhe cobrar deste as contribuições previdenciárias devidas.

Mas, é bom lembrar que embora o empregador se responsabilize

objetivamente pela manutenção do seguro social, este ou os seus prepostos não

estarão livres de ressarcir a Previdência Social dos gastos inerentes à cobertura

indenizatória, se foram negligentes quanto à implementação das normas de higidez e

segurança do trabalho. À Previdência Social foi assegurado o direito de regresso,

contra eventuais responsáveis pelo acidente do trabalho, nos termos do artigo 120 da

Lei nº. 8.213/91.

A função teleológica da lei acidentária é assegurar o mínimo ao trabalhador

acidentado e evitar que a vitima de sinistro trabalhista fique sem amparo, caso não

obtenha a reparação do dano sofrido segundo as normas do direito comum. Outra

finalidade, também de cunho social, é impedir o fim de pequenas empresas que não

suportariam o ônus da indenização. Razões por que se buscou a socialização dos

riscos, mediante a seguridade social.

Vale evidenciar que a extensão da reparação do infortúnio é definida nos

limites previstos na lei. Assim, se fica assegurado ao lesado o direito de indenização,

em contrapartida, o seguro social não cobre todos os prejuízos causados pelo acidente,

sendo o ressarcimento menor do que aquele que poderia ser conseguido segundo as

normas gerais de indenização, embasadas na culpa do causador do dano.

Existe, por evidente, uma compensação tanto para o empregador quanto

para o empregado. Este sempre será indenizado, embora com valor menor, sem

necessitar provar a culpabilidade daquele. O empregador, por sua vez, é obrigado a

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custear o seguro social, independentemente da ocorrência de acidente, mas se livrará

de pagar uma indenização maior se houver o sinistro e a ação reparatória.

Monteiro (1995a, p. 397) explica “que tudo se resolve, pois, sob a égide do

risco profissional; o exercício de sua atividade expõe o operário a vários acidentes; é

justo que esse risco seja compartilhado pelas duas partes, pelo patrão e pelo

empregado". Deve ser compreendido, então, que o risco gerado por acidente do trabalho

deve ser repartido entre o empregador e o empregado. Cabe ao empregador pagar o

seguro social e garantir a estabilidade no emprego por doze meses, enquanto ao

empregado corre o risco de se acidentar e ter redução de suas habilidades para o

trabalho e, na maioria das vezes, receber os valores de auxílio-doença ou da

aposentadoria por invalidez ou especial inferiores à remuneração que receberia se não

fosse vítima de acidente, haja vista ser a indenização compatível com o salário-

contribuição e não com o salário real.

Vislumbra-se, por certo que em matéria de acidente do trabalho típico há

responsabilidade objetiva para a Previdência Social, já que é esta quem responde pela

indenização que couber ao empregado. Em contra partida há responsabilidade objetiva

do empregador, haja vista que está obrigado pela manutenção do seguro social.

Também, tem aquela direito de regresso contra o empregador pelo acidente do

trabalho, nos termos do artigo 120 da Lei nº. 8.213/91.

Mas, todos sabem que a reparação de natureza previdenciária, em muitos

casos, não mitiga os infortúnios dos lesados, pois não compensam as mutilações e

doenças profissionais adquiridas em ambiente laboral inadequado. E o que deverá ser

feito para que a vítima de acidente laboral típico tenha respaldo na teoria do risco para

exigir indenização do seu empregador diante do obstáculo que se apresenta na nossa

Carta Magna, a qual em seu artigo 7º inciso XXVIII estabelece o dever do empregador

de indenizar apenas quando ficar comprovado que este agiu com dolo ou culpa para a

ocorrência do acidente?

Mais adiante procurar-se-á trazer uma solução para este angustiante

problema, pois, como se verá a seguir, que a outra conclusão não se poderá chegar se

e quando o acidente do trabalho for originário de danos ambientais, nos termos do

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parágrafo 3º, do artigo 225 do Texto Maior combinado com os dispositivos do parágrafo

1º, do artigo 14 da Lei nº. 6.938/81 e do artigo 120 da Lei nº. 8.213/91. Aqui, a toda

evidência, a responsabilidade do empregador é objetiva, senão vejamos.

Vejamos, inicialmente, com Fiorillo e Rodrigues (1998, p. 66) o que estes

pensam ao tratar da tutela do meio ambiente, especificamente ao meio ambiente do

trabalho, bem como os princípios da valorização do trabalho e da dignidade humana

que têm como meta prioritária tutelar o bem maior – o direito à vida. Dizem eles que "o

que se procura, salvaguardar é, pois, o homem trabalhador, enquanto ser vivo, das

formas de degradação e poluição do meio ambiente onde exerce o seu labuto, que é

essencial à sua vida. Trata-se, pois, de um direito difuso".

A proteção da qualidade ambiental em todas as suas modalidades, cuja

finalidade é antropocêntrica, visto que o homem está inserido no ecossistema, tem

como objetos básicos de tutela: a saúde, a segurança e o bem-estar da população e da

biota89. E devido à magnitude desse direito, para efetivar a sua tutela, o parágrafo 3º do

artigo 225 da Constituição, regulamentado nos termos do parágrafo 1º, do artigo 14 da

Lei nº. 6.938/81, prevê a responsabilidade civil objetiva, para a reparação dos danos

ambientais, incluídos os danos ao ambiente laboral ao estipular que: “§ 3º. As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas,

independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.

Resta claro que o legislador constituinte teve a intenção de proteger o meio-

ambiente, no sentido de punir todo e qualquer dano causado ao meio-ambiente, seja

ele ocasionado por uma pessoa natural ou por uma sociedade cível ou comercial. E

mais, a Lei nº. 9.605/98 completou a legislação ambiental punitiva, dispondo no artigo

3º a responsabilidade civil, penal e administrativa das pessoas jurídicas que cometem

crimes ambientais previsto na mesma Lei.

89 Biota é o conjunto de seres vivos, flora e fauna, que habitam ou habitavam um determinado ambiente geológico, como, por exemplo, biota marinha e biota terrestre, ou, mais especificamente, biota lagunar, biota estuarina, biota bentônica.

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Porém, a questão de grande relevância é o artigo 4º90 da referida Lei. Esse

determina a desconsideração da personalidade jurídica, sempre que esta impossibilite o

ressarcimento dos prejuízos causados ao meio-ambiente ecologicamente equilibrado,

por uma sociedade, como por exemplo. A regra determina como principal fundamento a

reparação do dano ambiental, sendo que para tanto, não importe se a culpa pelo dano

seja da pessoa jurídica por seu ato próprio ou por ato de terceiros que a administram.

Assim, mesmo que o dano seja ocasionado pela sociedade como tal, e ela não possuir

patrimônio suficiente para a indenização, seus sócios podem ser responsabilizados e

obrigados a repará-lo.

A lei ambiental nº. 6.938/81, artigo 14 em seu parágrafo 1º, define que: § 1º. Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente de existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal por danos causados ao meio ambiente.

Portanto, qualquer conduta ou atividade, lícita ou ilícita, culposa ou não,

desde que lese o meio ambiente, implica obrigação do autor de reparar o dano

ambiental e os prejuízos causados a terceiros, inclusive, a integridade física destes.

Trata-se, nitidamente, de responsabilidade civil objetiva daquele que violar

direito difuso ou coletivo, ao provocar dano ambiental. A responsabilidade civil objetiva

aos danos ambientais pode assumir duas acepções diferentes. Por um lado, a

responsabilidade objetiva tenta adequar certos danos ligados aos interesses coletivos

ou difusos ao anseio da sociedade, tendo em vista que o modelo clássico de

responsabilidade não conseguia a proteção ambiental efetiva, pois não inibia o

degradador ambiental com a ameaça da ação ressarcitória. Por outro lado, a

responsabilidade objetiva visa a socialização do lucro e do dano, considerando que

aquele que, mesmo desenvolvendo uma atividade lícita, pode gerar perigo, deve

responder pelo risco, sem a necessidade da vítima provar a culpa do agente. Desse

modo, a responsabilidade estimula a proteção a meio-ambiente, já que faz o possível

poluidor investir na prevenção do risco ambiental de sua atividade. De acordo com

esse aspecto, manifesta-se Leite (2000, p. 131). 90 Art. 4º - Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao

ressarcimento dos prejuízos causados à qualidade do meio-ambiente.

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[...] a responsabilidade objetiva, devidamente implementada, estimula que o potencial agente degradador venha a estruturar-se e adquirir equipamentos que visam a evitar ou reduzir as emissões nocivas, considerando que o custo destes é menor que o custo da indenização.

Assim, com base nas normas mencionadas, se uma pessoa alheia à

atividade de determinada fábrica, ali entrar, no momento de uma explosão, e esta foi

ocasionada por escapamento de gases que já vinham degradando o ambiente laboral,

e tiver amputado uma parte do corpo em razão daquele sinistro, deve ser indenizada

com base na teoria do risco, sendo obrigada apenas provar o nexo causal.

Pergunta-se: E se um empregado, devido à mesma explosão, tiver sido

mutilado, somente será indenizado se provar a culpa do empregador? Não é tratar o

bem da vida sob duas medidas? Ora, a teoria objetiva é empregada sempre em matéria

ambiental para proteger a flora, a fauna, o homem enfim todos os seres vivos. Seria

crível não proteger o homem trabalhador, “o produtor direto dos bens de consumo, que

muitas vezes, consome-se no processo produtivo”? E já foi dito em doutrina “que o

direito não se interpreta em tira, aos pedaços”.

Também penso que se o dano causado ao trabalhador tiver como causa

inadequado meio ambiente do trabalho, ou seja, se o empregador não tomou as

devidas cautelas para afastar os riscos de acidente, gerando a degradação ambiental

do trabalho deve ser, também, responsabilizado objetivamente, pois é do empregador

os riscos de sua atividade.

Assim, nas chamadas doenças ocupacionais, quais sejam, as que são

adquiridas pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade ou, pelas

condições especiais em que esse trabalho é realizado e com ele se relaciona

diretamente, não há como não se responsabil izar objetivamente o empregador.

Aponta Melo (2006, p. 3270) que “suas causas são o meio ambiente do trabalho

inadequado. Essas doenças decorrem dos danos ao meio ambiente do trabalho. Elas

vêm aumentando a cada dia em decorrência das mudanças no mundo do trabalho,

que se agravam com a precarização do trabalho humano, fenômeno existente em

quase todo o mundo e intensif icado nas economias emergentes, como é o

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caso do Brasil”.91

Por conseqüência essas doenças são adquiridas pelos trabalhadores por

exposição inadequada no meio ambiente do trabalho, ou seja, das ações agressivas

causadas por agentes insalubres de natureza física, química ou biológica, v. g. ruído,

poeira, gases e vapores, os resíduos e outros produtos químicos e, com toda certeza

esta degradação haverá de ser atribuída à incúria do empregador, haja vista que os

operários não têm opção de querer este ou aquele trabalho.

Assim, a conclusão que se impõe é de que se o dano causado à saúde do

empregado foi em conseqüência de doença ocupacional ou profissional adquirida pela

degradação do meio ambiente do trabalho, há que se responsabilizar objetivamente o

empregador, por ser, também mandamento constitucional “que a empresa deve

cumprir sua função social”. Nessa conformação podemos concluir que nas hipóteses

de doenças ocupacionais decorrentes dos danos ao meio ambiente do trabalho, a

responsabilidade pelos prejuízos à saúde do trabalhador é objetiva (§ 3º do art. 225 da

Constituição e 1º do art. 14 da Lei 6.938/81).

91 Uma importante e crescente causa de doenças relacionadas com o trabalho, à qual ainda se dá pouca

importância, é o estresse no trabalho ou pelo trabalho ou por falta do trabalho. Sobre o tema, veja-se: CATALDI, 2003 (apud MELO, 2006, p. 3270). Também aponta este autor que existem seqüelas bastante antigas e outras correlacionadas com o trabalho na atualidade. Por exemplo, a pneumoconiose, conhecida como pulmão negro, que podia ser encontrada entre mineiros de carvão durante muito tempo, ainda persiste como verdadeira epidemia de intoxicação; outras, como câncer, agravam-se por conta da existência e proliferação de agentes nocivos dos ambientes de trabalho: presumem-se duas mil substâncias carcinogênicas nos locais de trabalho. Por outro lado, as mudanças no mundo do trabalho ocasionam repercussões nos ambientes de trabalho e aparecimento de novos riscos e repercussões sobre a vida e a saúde do trabalhador. Por conta do desenvolvimento de novas tecnologias, como os vídeo-terminais, surgem conseqüências para o obreiro, por exemplo, catarata, fadiga, dor de cabeça, dor muscular, estresse, depressão, problemas neurológicos. A par disso, a síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS) ocasiona riscos e repercussões nos ambientes de trabalho da área da saúde (laboratórios, hospitais, clínicas, emergências); tal como a manipulação de organismos geneticamente modificados (OGM) pode disseminar agente biológico, com conseqüências para a saúde dos trabalhadores e meio ambiente. Por seu turno, no que diz respeito às relações humanas no meio ambiente do trabalho, são cada vez mais importantes às análises acerca de elementos psicológicos como a pressão para desempenho da atividade, que desencadeia a depressão e distúrbios emocionais (Cf. ROCHA, Júlio César de Sá da Direito ambiental do trabalho, p. 138).

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7.5.1.4 A responsabilidade do empregador ante o inciso XXVIII do artigo 7º da

Constituição Federal em confronto com o parágrafo único do art. 927 do Código

Civil Brasileiro

Com seu método de investigação analítico, que consiste em decompor

pensamentos em suas partes e em dispô-las em sua ordem lógica, na visão de

Descartes (1960, p. 67, 68) o seguinte roteiro deveria ser seguido: [...] o primeiro - consistia em nunca aceitar, por verdadeira, cousa nenhuma que não conhecesse como evidente; em segundo - dividir cada uma das dificuldades que examinasse em tantas parcelas quantas pudessem ser e fossem exigidas para melhor compreendê-las; o terceiro - conduzir por ordem os meus pensamentos, começando pelos mais simples e mais fáceis de serem conhecidos, para subir, pouco a pouco, como por degraus, até o conhecimento dos mais compostos, e supondo mesmo certa ordem entre os que não precedem naturalmente uns aos outros; e o último- fazer sempre enumerações tão completas e revisões tão gerais, que ficasse certo de nada omitir.

Haver-se-á por certo de indagar o por que de estarmos utilizando o

pensamento deste filósofo. A resposta é dada por ele próprio ao afirmar que devemos

“aplicá-los a todos os usos aos quais são próprios e, assim, tornar-nos senhores e

possuidores da natureza" (DESCARTES, 1960, p. 136). Haveremos de convir que

apenas os aspectos mais fáceis de serem compreendidos dentro de uma grande obra

são realmente aplicados, comprometendo na maioria das vezes o que realmente foi pensado.

Nessas circunstâncias é que não aceitei como “verdadeira” a aplicabilidade

do parágrafo único do art. 927 do Código Civil Brasileiro para os casos de acidente

típico de trabalho tendo em vista o que dispõe o inciso XXVIII do artigo 7º da

Constituição Federal; também procurei “dividir as dificuldades para melhor compreende-

las”; conduzi meu pensamento partindo do raciocínio mais simples até chegar ao mais

complexo encadeando-os em certa ordem lógica; por fim fiz enumerações e revisões

que estavam ao meu alcance para nada omitir.

A partir da insatisfação com a responsabilidade objetiva parcial do

empregador (que responde objetivamente, segundo a lei previdenciária, pelos encargos

do seguro social) e, principalmente, ante o descaso de inúmeras empresas no que

tange a efetivação das normas de segurança e higiene do trabalho e dos princípios da

valorização do trabalho e da dignidade humana e do conseqüente aumento

estarrecedor dos números de acidentes laborais, muitos doutrinadores nacionais

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passaram a defender teses para impor ao empregador a responsabilidade objetiva de

indenizar diretamente ao empregado, ao menos nos valores que não são cobertos pelo

seguro social.

Como já visto alhures afirmam os defensores da corrente que nominamos de

“Positivista” que tem aplicabilidade a responsabilidade objetiva total do empregador nas

hipóteses de acidentes laborais, tendo em vista o que preconiza a determinação do

parágrafo único, do artigo 927 do atual Código Civil, que prevê responsabilidade

objetiva do empreendedor, para a reparação dos danos ocasionados ao trabalhador

lesado, advindos da atividade, por aquele exercida, cuja natureza é perigosa e oferece

riscos para os direitos de outrem. A esse respeito Melo (2006, p. 3270) diz que [...] não se sustenta uma interpretação literal do inciso XXVIII do art. 7º e a mais simples análise destas disposições constitucionais mostra que o disposto no inciso XXVIII constitui garantia mínima do trabalhador e o que mais importa para a presente análise é que qualquer direito integrante do rol do referido art. 7º pode ser alterado visando melhoria para os trabalhadores.

Em seguida e com amparo de Amauri Mascaro Nascimento aponta que este

diz, verbis: A Constituição deve ser interpretada como um conjunto de direitos mínimos e não de direitos máximos, de modo que nela mesma se encontra o comando para que direitos mais favoráveis ao trabalhador venham a ser fixados através da lei ou das convenções coletivas. Ao declarar que outros direitos podem ser conferidos ao trabalhador, a Constituição cumpre tríplice função. Primeiro, a elaboração das normas jurídicas, que não deve perder a dimensão da sua função social de promover a melhoria da condição do trabalhador. Segundo, a hierarquia das normas jurídicas, de modo que, havendo duas ou mais normas, leis, convenções coletivas, acordos coletivos, regulamentos de empresa, usos e costumes, será aplicável o que mais beneficiar o empregado, salvo proibição por lei. Terceiro, a interpretação das leis de forma que, entre duas interpretações viáveis para a norma obscura, deve prevalecer àquela capaz de conduzir ao resultado que de melhor maneira venha a atender aos interesses do trabalhador (MELO, 2006, p. 3270).

Continuando seu raciocínio diz que “o melhor significado para o disposto no

inciso XXVIII do art. 7º é de conceito aberto que permite harmonizá-lo com o disposto

no § 3º do art. 225 da CF, que assegura a responsabilidade objetiva pelos danos

causados ao meio ambiente e com outros preceitos legais”. Conclui dizendo que a

“responsabilidade subjetiva de que trata o inciso XXVIII do art. 7º aplica-se somente nos

acidentes que não decorram de degradação ambiental, ressalvados os eventos

oriundos das atividades de risco, de fato de terceiro” [...] e quanto a este último diz que

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“O Código Civil (art. 927, § único) adotou a teoria do risco como fundamento da

responsabilidade objetiva paralelamente à teoria subjetiva e por ser conceito aberto, por

falta de regulamentação expressa do que seja atividade de risco, assim, considerando a

recepção do § único do art. 927 do Código Civil pelo inciso XXVIII do art. 7º da

Constituição, com apoio do § 3º do art. 225 da mesma Carta e, levando em conta os

princípios que informam o Direito do Trabalho, os fundamentos da dignidade da pessoa

humana e dos valores sociais do trabalho (CF, art. 1º), entendo aplicável à

responsabilidade objetiva do empregador nos acidentes de trabalho em atividades de risco”.

Penso, todavia, que estes doutrinadores estão equivocados ao interpretarem,

sob a égide desse comando, que o empregado acidentado ou seus beneficiários

consigam o seu intento, ou seja, a condenação do empregador ao pagamento de

indenização sem a necessidade de provar a sua culpa, mesmo que exerça uma

atividade de risco.

Penso que tal interpretação é inconstitucional, pois a simples aplicação do

critério hierárquico lex superior derogat inferiori, para verificar a validade e eficácia da

norma, pois, em regra, a responsabilidade do empresário com fulcro no risco do

empreendimento (CCB, art. 927, parágrafo único), pode ser aplicada a outros casos e

não às hipóteses de indenização dos danos procedentes de acidentes do trabalho, sob

pena de inconstitucionalidade.

A Constituição Federal consagrou no inciso XXVIII do artigo 7º, a

responsabilidade subjetiva do empregador para reparar os danos oriundos de acidentes

do trabalho, salvo a exceção constitucional do parágrafo 3º do artigo 225, como visto supra.

Pergunta-se, então: estamos diante de um aparente conflito de normas

constitucionais entre o art. 7º, XXVIII e o § 3º do artigo 225?

Respondendo à indagação vamos encontrar em Kelsen (1994, p. 232) que

"tal conflito de normas surge quando uma norma determina certa conduta como devida

e outra norma determina também como devida uma outra conduta, inconciliável com aquela".

Ao analisar o conflito de normas do mesmo escalão, Kelsen (1994, p. 232),

ensina que quando numa mesma lei se encontram duas disposições, em que uma limita

a validade da outra parcialmente, implica em exceção. Mas, para ele, não existe

qualquer norma objetivamente válida. Porque quando o legislativo põe “[...] atos cujo

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sentido subjetivo é um dever-ser e que, quando este sentido é também pensado

(interpretado) com o seu sentido objetivo, quando esses sentidos são considerados

como normas, estas normas entram em conflito umas com as outras”.

Embora o ato tenha sido posto em harmonia com a norma fundamental, [...]

[esta] não empresta a todo e qualquer ato o sentido objetivo de uma norma válida, mas

apenas ao ato que tem um sentido, a saber o sentido subjetivo de que os indivíduos se

devem conduzir de determinada maneira.

Assim, a norma fundamental torna possível interpretar (pensar) o material

que se apresenta ao conhecimento jurídico como um todo com sentido, o que quer dizer,

descreve-lo em proposições que não são logicamente contraditórias (KELSEN, 1994, p. 232).

O bem maior assegurado pela Constituição é a vida. Isto é, todos os

comandos constitucionais têm como norma fundamental a tutela da vida. Até mesmo as

normas organizacionais do Estado, somente têm sentido se forem para dar dignidade

ao ser humano. Ora, o Estado Democrático Brasileiro foi instituído com o destino de [...] assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem internacional, com a solução pacífica das controvérsias (CF/88, preâmbulo).

E por outro lado a República Federativa do Brasil tem por fundamentos o

valor social do trabalho e a dignidade humana (art. 1º, incs. III e IV), razão porque estes

princípios são também as primícias da ordem econômica e social (art. 170 e 193).

No item 3.41 desta tese ao falarmos em princípios dissemos que “Os

princípios constituem-se em fontes basilares para qualquer ramo do direito, influindo

tanto em sua formação como em sua aplicação e concluindo fizemos ver que os

princípios são os pontos básicos e que servem para a elaboração e aplicação do direito”.

Feitas essas demonstrações em um primeiro momento denota-se não haver

qualquer antinomia entre o comando da parte final do inciso XXVIII do artigo 7º da

Constituição, que define a responsabilidade subjetiva do empregador em casos de

acidente do trabalho, apenas como confirmação da regra geral, que institui a culpa

como fundamento responsabilidade civil, adotada pelo nosso ordenamento jurídico,

com o parágrafo 3º do art. 225 combinado com o dispositivo do parágrafo 1º do artigo

14 da Lei Ambiental nº. 6.938/81 (recepcionada pela Carta Maior) deve ser vislumbrado

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como exceção a esta regra ao impor a reparação dos danos ambientais, inclusive dos

danos ao ambiente laboral, objetivamente, como já acima visto. Esclarece-se: aplica-se

a responsabilidade subjetiva do empregador, única e exclusivamente, se as hipóteses

de acidente laboral não advierem de dano ao ambiente do trabalho.

Passemos, por último a analisar se existe ou não compatibilidade em se

aplicar nos casos de acidente de trabalho o que vem previsto no parágrafo único do

artigo 927 do novel Código Civil.

Com efeito, no art. 186 temos a dicção que “aquele que, por ação ou

omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem,

ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”, sendo que no art. 927 consta que

“aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a

repará-lo”, e com o seguinte parágrafo único: “haverá obrigação de reparar o dano,

independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade

normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os

direitos de outrem”. É fácil constatarmos que tal dispositivo introduziu em nosso

ordenamento jurídico uma cláusula geral de responsabilidade civil objetiva quando o

desempenho da atividade for de risco ou perigosa. Entretanto, será isso bastante para

aplicarmos referida cláusula geral se o evento danoso tiver ocorrido com um

empregado, quando este for vitimado por acidente de trabalho tipo? Aplicar-se-ia a

teoria da responsabilidade objetiva, ou, melhor dizendo, seria objetiva a

responsabilidade do empregador?

No Brasil, como já dispusemos supra ao falarmos sobre a responsabilidade

subjetiva (item 1.4), fizemos ver que “uma nova concepção surgiu no Brasil, referente à

responsabilidade civil, com o advento do novo Código Civil, e a despeito de a regra

geral continuar sendo a da responsabilidade subjetiva, passa o Código a prever

hipóteses de responsabilidade objetiva, não somente em função de previsão legal,

como era no sistema anterior, mas também em função da atividade desenvolvida pelo

autor do dano, sempre que for considerada de risco para os direitos de outrem”.

Mas, poder-se-ia argumentar, partindo-se da premissa que a atividade

empresarial é uma atividade de risco por seu próprio conceito, e por isso se o

empregado está vinculado por um contrato de trabalho em tal atividade, chegar-se-ia a

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conclusão de que estaria sujeito a sofrer acidente de trabalho, logo teria aplicabilidade a

teoria da responsabilidade objetiva. Mas, como se verá a seguir tal silogismo encontra

óbice no nosso sistema constitucional, senão vejamos.

Afirma-se, de logo, que para todos os casos que possam ser considerados

de evento danoso ocorrido em sede de desempenho de atividade de risco ou perigosa,

deverá ser aplicada a cláusula geral de responsabilidade objetiva prevista no novo

Código Civil, já que esta se constitui em exceção ao sistema de responsabilidade civil

ali previsto, pois segundo a nossa tradição, continua sendo a responsabilidade subjetiva

a regra geral, antes no artigo 159, agora nos artigos 186 e 927 (antes transcritos), no

novo texto civil.

Entretanto, apesar de respeitar as opiniões em contrário no que tange a

aplicabilidade da cláusula geral da responsabilidade objetiva prevista no nosso novel

Estatuto Civil, também nos eventos oriundos dos acidentes de trabalho típico, ou tipo,

com ela não concordamos conforme passaremos a demonstrar em seguida.

Relembremos que Kelsen (1994) nos ensina: “a interpretação da norma

fundamental não pode levar a preposições contraditórias”. Não esqueçamos, todavia, o

princípio da igualdade. Se uma empresa, cuja atividade causou, por alguma razão,

irreversível dano ambiental em sentido amplo (coletivo ou difuso) afetando,

consequentemente, qualquer pessoa, inclusive seu empregado, acarretando-lhe

prejuízos físicos ou não, deverá reparar todos os danos (ambiental ou individual), com

base na teoria da responsabilidade objetiva, segundo o princípio do poluidor-pagador.

Mas, se houver acidente de trabalho típico, sem a ocorrência de dano

ambiental, ao empregado cabe demonstrar a culpa do empregador.

Assim, o que se imaginou, a princípio, haver sido a grande novidade, ouso

discordar dos que assim pensam. A propósito e corroborando com o nosso

entendimento encontramos em Matos (2006) o que se segue: Mas, com efeito, apesar de algumas vozes já ditarem pela aplicação desse dispositivo para o caso de acidente do trabalho, tais posições devem ser enfrentadas pelos advogados com o advento do novo Código Civil não de forma simples e direta. O que pode se tornar uma grande modificação no enfoque da responsabilidade civil, como assim restou com a sua presença, por exemplo, no Código Civil de Portugal de 1966 – portanto, recente e um dos mais lembrados em matéria de responsabilidade civil, nos seus arts. 483.º, 2., e 493.º, 2., tem a mesma orientação de responsabilidade objetiva excepcional nos casos fixados em lei, à regra geral da subjetiva, e responsabilidade sem culpa por

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desempenho de atividade perigosa - , no Brasil, com o novo Código, de fato, não significará grandes mudanças, ao menos no que tange aos acidentes do trabalho. Vale dizer, até, que a jurisprudência há muito já vem julgando certos casos que eram tipicamente considerados como de responsabilidade subjetiva, como objetiva, com fundamento nas teorias do risco da coisa ou do desempenho de atividade perigosa.

Ora, a cláusula geral de responsabilidade objetiva prevista no novo Código

Civil deverá ser aplicada, para todos os casos que possam ser considerados de evento

danoso ocorrido em sede de desempenho de atividade de risco ou perigosa, já que se

constitui em exceção ao sistema de responsabilidade civil ali previsto, que seguindo a

nossa tradição, continua sendo pela responsabilidade subjetiva, por culpa, como regra

geral, antes no art. 159, e agora nos arts. 186 e 927, “caput”, do novo Código.

Entretanto, para o caso de acidentes do trabalho, devemos levar em

consideração o seguinte.

Com efeito, há, “data venia”, lamentável equívoco dos que pensaram que o

fundamento legal para que o empregador respondesse por acidente de trabalho estaria

no regramento que vinha estabelecido no artigo 159 do superado Código Civil de 1916.

Já demonstramos supra no capítulo 4º, item 4.4 - Legislação e concepções sobre os acidentes de trabalho – que estes sempre tiveram legislação própria sendo que a

“primeira legislação acidentária é de 1919, quando se começa a responsabilizar a

empresa pela indenização das vítimas” e que em “1992, inclui-se no regulamento de

Benefícios da Previdência Social um maior detalhamento das circunstâncias que

caracterizam o acidente de trabalho”.

Matos (2006) em abono do que sustentamos também pensa assim e diz: os que defendem a aplicação desse dispositivo (de responsabilidade sem culpa para o empregador por acidentes de trabalho), com a devida venia, incorrem em um corriqueiro erro proveniente da prática forense: o principal fundamento legal para responsabilidade por acidente de trabalho não era o Código Civil (no antigo artigo 159), e sim, depois de 1988, a Constituição Federal, que no artigo 7º, inciso XXVIII, aduz do direito do empregado de ‘seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa’.

A Súmula 229 do Colendo Supremo Tribunal Federal estabelecia que: A INDENIZAÇÃO ACIDENTÁRIA NÃO EXCLUI A DO DIREITO COMUM, EM CASO DE DOLO OU CULPA GRAVE DO EMPREGADOR.

Se examinarmos alguns acórdãos que serviram para o estabelecimento

dessa Súmula encontramos que:

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RECURSO EXTRAÓRDINÁRIO Nº. 48.894 – SÃO PAULO. EMENTA – Concorrendo o empregador para acidentes no trabalho com culpa grave, pode ser responsabilizado de acordo com o direito comum. Relator: Exmo.Sr. Ministro Victor Nunes. Recorrente: Tipografia e Papelaria Unida Ltda. Recorrido: Bartho Laforgia.

RELATÓRIO O Senhor Ministro Victor Nunes: - Recorre, extraordinariamente (fl.80), a tipografia e Papelaria Unida Ltda., contra decisão que a condenou a indenizar de acordo com o direito comum (arts.159 e 1.539 do Código Civil), empregado seu, em virtude de esmagamento da mão direita. O acórdão recorrido (fl.77), do 1º grupo de Câmaras Civis do Tribunal de Justiça de São Paulo, que confirmou julgado da 1ª Câmara Civil (fl. 65), e este, por sua vez, a sentença de primeira instância (fl.43), firmou o principio de que, concorrendo o empregador para o acidente no trabalho com culpa grave, pode ser responsabilizado de acordo com o direito comum. Interpretou-se o art. 31 do DI. 7.036, de 10.11.44, de modo a equiparar-se ao dolo – a que se refere a lei – a “equipa lata” do empregador. Admitindo o recurso, assim se expressou o ilustre Presidente Sylos Cintra (fl.88): “A ação foi julgada procedente. Entendeu o magistrado de primeira instancia que o autor, menor, embora de idade superior a catorze anos, fora posto a trabalhar numa máquina perigosa, correndo riscos além do normal, em virtude de defeitos mecânicos da referida máquina. Essa natureza de riscos e perigos extraordinários implicavam na responsabilidade da empregadora por culpa grave, com o pagamento da indenização conforme as regras de direito comum. [...] Deu-se ao art.31 da lei de acidentes uma compreensão avançada com a equiparação da culpa grave ao dolo. Impõe-se que a questão seja submetida ao exame do E. Pretório Supremo. Ele dirá se houve ou não ofensa ao texto legal invocado pela recorrente, em decorrência da interpretação que lhe deu o Tribunal Paulista. O recurso foi interposto somente pela letra “a”.

VOTO O Senhor Ministro Victor Nunes (relator) – pelo menos duas decisões recentes do Supremo Tribunal versaram a hipótese dos autos, decidindo-a no mesmo sentido da ora recorrida (a sentença menciona outras, mais antigas: RT. 252/548, 1257/892, 156/570). Uma foi a da 2ª Turma, no R.E. 46.643 de 7.4.61, em que votou vencido o eminente relator, Ministro Ribeiro da Costa. Não tendo participado do julgamento o eminente Ministro Lafayette de Andrada, tomou-se a decisão com os votos dos eminentes Ministros Hahnemann Guimarães, Villas Boas e com o meu. Posteriormente, foi o mesmo amplamente discutido no plenário, em grau de embargos, no R.E. 23.192, de 2.6.61. Tendo pedido vistas dos autos, o eminente Ministro Gonçalves de Oliveira manifestou-se no mesmo sentido da decisão que ora examinamos, seu bem fundamentado voto convenceu o relator, que era o eminente Ministro Henrique D’Ávila, e este, mudando de parecer, igualmente recebem os embargos ao dolo praticado, para os efeitos do art. 31 da Lei de Acidentes. Não participei da votação, porque não pertencia ao Tribunal, quando se iniciou o julgamento, mas a decisão foi adotada pela unanimidade dos presentes: Henrique D’Ávila, Gonçalves de Oliveira, Pedro Chaves, Vilas Boas, Candido Motta, Ary Franco, Hahnemannn Guimarães e Lafayette de Andrada. O eminente Ministro Ribeiro da Costa, que ficará vencido no outro julgamento, da turma, se achava na presidência e, por isso, não teve ocasião de se manifestar. De acordo com os referidos julgados, para um dos quais concorri com meu desvalioso voto, não conheço do recurso, que foi interposto somente pela letra “a” o acórdão recorrido limitou-se a interpretar o art.31 da Lei de Acidentes, e

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lhe deu a interpretação que melhor condiz com as finalidades sociais da legislação acidentaria, para cujos efeitos a culpa grave do empregador se há de equiparar ao dolo.

Decisão Como consta da ata, a decisão foi a seguinte: NÃO CONHECERAM DO RECURSO, UNANIMENTE. Relator – O exmo. Sr. Ministro Victor Nunes Leal. Presidente da Turma – o exmo. Sr. Ministro Lafayette de Andrada. Tomaram parte no julgamento os Exmos. Srs. Ministros Victor Nunes Leal, Villas Boas, Hahnemann Guimarães, Ribeiro da Costa e Lafayette de Andrada.

Recurso Extraordinário nº 50.297 – Recorrente: João Cardoso Oliveira Recorrido: CIA. FERRO CARRIL CARIOCA.

EMENTA: - Acidente no trabalho. Ação de direito comum. Cumulação permitida. Ao dolo se equipara a culpa do patrão que, visando maiores ganhos, expões o empregado ao perigo. Provimento do recurso para que, afastada a prejudicial acolhida, julgue a Câmara a causa o seu merecimento, a saber, se ocorreu a culpa equiparada ao dolo.

Vistos, etc. Acorda a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, por decisão unânime, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, de acordo com as notas taquigráficas.

Custas na forma da Lei. Brasília, 15 de novembro de 1962. RECURSO – EXTRAORDINÁRIO Nº 50.297 – Relator: O Senhor Ministro Gonçalves de Oliveira Recorrente: João Cardoso Oliveira Recorrido : CIA . FERRO CARRIL CARIOCA. RELATÓRIO

O Senhor Ministro Gonçalves de Oliveira: - Senhor Presidente. A ação de direito comum não foi emitida, in casu, porque proposta a ação de acidente no trabalho e não se tratar de caso de “dolo do patrão ou seus prepostos” (art.31 da Lei de acidente). Foi relator do acórdão e eminente Desembargador Aguiar Dias, emérito tratadista da matéria. Assim fundamentou sua Exª seu douto voto: “O sistema de reparação estabelecido na Lei de acidente de trabalho tem, universalmente, sentido transacional constituindo direito especial ao lado dos sistemas de reparação de direito comum. A vitima do acidente, através da aplicação de doutrina do risco industrial, tem enormemente facilitada a demanda contra o responsável. Este, a seu lado, vê compensada a sua obrigação de indenizar mediante tarifação, em bases suportáveis para a sua economia, da indenização a ser paga. O estado tem interesse de ordem pública nesse regime, que acomoda os direitos em conflito e elimina os graves inconvenientes que resultam da solução de tais questões por via do direito comum. Eis porque sustentamos por a aplicação da lei de acidentes obrigatória, sem espaço para opção, da ação de direito comum. A aceitação dessa opção, como tem sido admitida em arresto do Supremo Tribunal Federal, abriria brecha no sistema, que só funcionaria no caso de ser difícil e prova por parte do prejudicado ou seus beneficiários e isso resultaria em rompimento de equilibro e eqüidistância em que a lei recolocou. Não sendo possível a opção, muito menos viável é a cumulação das ações de acidente do trabalho e de indenização de direito comum, porque, se aquela opção se tem como incompatível com o sistema de repartição de ônus em que se baseia a lei especial, e cumulação é terminante e expressamente vedada por essa lei, ao estabelecer que o recebimento da indenização por acidente do trabalho exclui a de direito comum, salvo o caso de dolo do patrão ou seus

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prepostos. Ora, diante dessa condição irrevogável, só a prova do doloso seria capaz de atender à pretensão do apelante, que não a fez, conforme salienta a decisão recorrida.” Daí o presente recurso, e as decisões divergentes – recurso admitido e devidamente processado.

É o relatório. VOTO:

O Senhor Ministro Gonçalves de Oliveira (relator) – A jurisprudência desta Suprema Corte é no sentido de possibilidade de cumulação de ações, equiparando ao dolo a culpa grave, mormente quando o autor alega que a empresa não se importe com a sua segurança nas cupidez de maiores ganhos, expondo-o ao perigo. É a alegação dos autos. Tive ensejo de tratar minuciosamente da questão em mais de uma oportunidade, como, por exemplo, no Rec. Extr. N 23.192, sessão de 2.6.61, decisão unânime do Tribunal Pleno (embargos), acórdão publicado na Revista Forense. Vol. 197, pág. 109/113; na Revista Jurídica (do Rio Grande do Sul, vol. 53, pág.71). Efetivamente, ao dolo equipara-se a negligencia grave, a omissão consciente do empregador, que não se incomoda com a segurança do empregado, expondo-o ao perigo. Neste caso, é que a ação de direito comum tem cabimento: tal falta se equipara ao dolo, a que se refere o art. 31 da Lei de Acidente, na conformidade com a jurisprudência desta Corte, que recordei no citado recurso extraordinário nº 23.192. Pelo exposto, conheço do recurso interposto dada a divergência invocada e dou-lhe provimento para que a Egrégia Câmara Julgadora afastada a prejudicial argüida – que, se procedente levaria à carência e não a improcedência da ação, - aprecio a apelação, no seu merecimento mesmo, a saber, se ocorreu a culpa alegada para a procedência ou improcedência da ação.

É o meu voto92. É de se observar que nos julgados supra o Supremo Tribunal Federal deu

interpretação ao artigo 31 do Decreto-lei n. 7.036/1944 (Lei de Acidentes de Trabalho que

vigia à época dos julgados), que confirmou a responsabilidade mesmo no caso de culpa da

vítima, pois pelo referido artigo a responsabilidade do empregador só era acolhida na

hipótese de haver dolo. Mas a este foi equiparada a culpa grave. “Deu-se ao art.31 da lei

de acidentes uma compreensão avançada com a equiparação da culpa grave ao dolo”.

Hoje resta superada a Súmula 229 do Supremo Tribunal Federal,

respondendo o empregador, também por culpa leve. Elucidativo é o acórdão do STJ, “verbis”; Ementa: Direito Civil. Indenização (art. 159, CC). Acidente do trabalho. Culpa leve. Enunciado 229 da Súmula/STF. Lei 6.367/76. Direito adquirido. Precedentes. Recurso desacolhido. 1. Segundo o entendimento da Turma, a partir da edição da Lei 6.376/76 passou a não mais prevalecer o enunciado nº. 229 da súmula/STF, que restringia a responsabilidade do empregador pela indenização de direito comum aos casos de dolo ou culpa grave. Pela reparação civil, devida como decorrência de sinistros laborais desde então verificados, passaram a responder todos aqueles que para os mesmos tenham

92 Ambos julgados foram retirados do site www.stf.gov.br capturado em 2 de novembro de 2006. À época

não se restringia o STF a interpretação somente da Constituição Federal, mas também da Legislação Federal. Hoje essa competência é deferida ao STJ.

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concorrido com culpa, em qualquer grau, ainda que leve, independentemente da existência, ou não, de vínculo empregatício com a vítima. 2. Ocorrente o sinistro em abril de 1988, não se há de cogitar de pretenso direito adquirido a só indenizar nos casos preconizados pelo superado verbete93.

Dessa maneira é que, entender-se ser a responsabilidade do empregador

como objetiva é contrariar o que vem firmado na nossa Constituição94, e é esta quem

diz de modo insofismável que tal tipo de reparação só ocorre quando provada a culpa,

logo responsabilidade subjetiva e neste sistema de culpa aquiliana independe o grau da

ocorrência quer seja culpa leve, grave ou gravíssima.

E Matos (2006) vem ao nosso encontro e diz: Assim sendo, a responsabilidade do empregador deve ser entendida de forma subjetiva, por culpa, e no sistema da culpa aquiliana, ou seja, independentemente do grau de culpa – até por culpa leve. É claro que mister considerar do grau de culpa para fins de arbitramento da condenação, como de regra, uma vez que ocorrida culpa levíssima do empregador não há como se fundamentar e sustentar da pertinência de condenação nos mesmos moldes da hipótese se tivesse obrado com culpa grave o empregador, realizando-se, em suma, graduação importante, por exemplo, no momento da fixação das verbas de reparação de dano patrimonial e extrapatrimonial, tipicamente cumuláveis neste tipo de ação. Isso com o novo Código Civil, é de mandamento expresso, nos termos dos arts. 944 e 945. No caso, os acidentes de trabalho, ocorrendo, ofendem a integridade física do empregado, e assim podem esses ser titulares de pedidos de danos material e

93 STJ, rel. Min. Sálvio de Figueiredo, Relator do REsp. nº 12.648-SP. 94 A Constituição de 1988 veio confirmar o regramento da responsabilidade do empregador de forma

subjetiva, isso no art. 7º, inc. XXVIII, que possui a seguinte dicção: “seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa". Esse dispositivo veio soterrar qualquer dúvida da aplicação da Súmula 229, do Supremo Tribunal Federal, ou seja, responde por culpa e em qualquer grau. Nesse sentido, desde então, ampla doutrina e jurisprudência vêm entendendo pela responsabilidade por culpa do empregador. “Indenização. Acidente do trabalho. Direito Comum. Culpa do empregador. Constituição Federal de 1988. I - Em caso de acidente de trabalho, constatada a culpa do empregador, ao empregado é devida a indenização do direito comum. II - Eventual dissonância jurisprudencial respeitante ao tema estaria superada, pois ao novo texto constitucional (art. 70, XXVIII) há de adequar-se o entendimento dos tribunais, inclusive com nova leitura da Súmula 229 do Supremo Tribunal Federal. III - Recurso Especial não conhecido. Maioria.”, em STJ, REsp. nº 5.358/90-MG, relator Ministro Fontes de Alencar. Nesse sentido, Nelson Silveira Guimarães, e Rodrigues, Juliana Pereira Ribeiro, Polícia e acidentes de trabalho, São Paulo, Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho, 1998, p. 23; Moraes, Evaristo de, Apontamentos de direito operário, 2º ed., São Paulo, LTr. e Edusp, 1971, pp. 39 e ss.; Serpa Lopes, Miguel Maria de, Curso de Direito Civil - Fontes Acontratuais das Obrigações - Responsabilidade Civil, Volume V, 4º edição revista e atualizada por José Serpa Santa Maria, Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1995, pp. 332-334; Castronovo, Carlo, La nuova responsabilità civile, 2º ed., Milão, Giuffrè, 1996, pp. 145 e ss.; Barcellona, Pietro, Formazione e sviluppo del diritto privato moderno, Napoli, Jovene, 1995, pp. 419 e ss.; e Savatier, René, Du droit civil au droit public a travers les personnes, les biens et la responsabilité civile, Paris, LGDJ, 1950, pp. 137 e ss.

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moral, e nesse caso deve ser cotejada, para fins de fixação dessa reparação pelo juiz, o grau de culpa do empregador95.

Ora, se dispõe a Constituição que só haverá a obrigação de indenizar

quando da ocorrência de acidente de trabalho tipo – nos casos em que o empregador

obrar com dolo ou culpa – e sendo a norma constitucional de hierarquia superior a norma

estabelecida no Código Civil deve aquela prevalecer, haja vista que por princípio devem

os textos de hierarquia inferior se conformarem com o texto constitucional e não em

contrário. E é em Matos (2006) que vamos encontrar amparo em nossa tese, quando diz: [...] a norma que dispõe sobre a responsabilidade do empregador por acidentes do trabalho é constitucional, assim, essa é hierarquicamente superior ao Código Civil, devendo prevalecer como é notório, e devemos salientar que não se deve torcer o texto constitucional para se conformar ao texto inferior; o contrário é devido: devem todos textos normativos se conformarem com o texto constitucional, operando-se uma interpretação conforme a Constituição, que tem dentre seus limites, o teor literal dos dispositivos constitucionais, que, no caso, é claro no sentido de que a responsabilidade do empregador por acidentes do trabalho é por ‘culpa ou dolo’, ou seja, depende de prova de culpa sua, nos termos do art. 7º, inciso XXVIII, da CF/88.96

95 Nesse sentido, pela apreciação do grau de culpa do causador do dano para fins de fixação da

reparação, v., BITTAR, Carlos Alberto. Reparação civil por danos morais. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. p. 209, 413 e ss.; GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. Lembrando inclusive que tal critério é de ditame legal, por exemplo, no Código Brasileiro de Telecomunicações, Lei 4.117/62, e a Lei de Imprensa, Lei 5.250/67; THEODORO Jr., Humberto. Dano moral. 3. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2000. p. 35, citando arestos do Tribunal de Justiça de São Paulo e do 2º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, nesse sentido; CAHALI, Yussef Said. Dano moral. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, pp. 177-179 e p. 264; Jorge, Fernando Pessoa, Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil, Coimbra, Almedina, 1995, pp. 361 e ss., com especial atenção ao art. 494.º do Código Civil de Portugal, que é expresso nesse sentido; ainda sobre a relação gravidade culpa e arbitramento da reparação, v., Mazeaud, Henri e Léon, e Tunc, André, Tratado teórico y práctico de la responsabiliad civil delictual y contractual, V. I, T. III, trad. de Luis Alcalá-Zamora y Castillo, Buenos Aires, Ediciones Jurídicas Europa – América, 1977, notadamente pp. 557-558; e Savatier, René, Traité de la responsabilité civile em droit français, T. II, Paris, LGDJ, 1951, p. 94 e pp. 187-188.

96 Sobre uma interpretação conforme a Constituição, v., LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, p. 168 e ss.; HESSE, Konrad. Escritos de Derecho constitucional. 2. ed. Madrid, Centro de Estudios Constitucionales, 1992. p. 50 e ss.; MÜLLER, Friedrich. Discours de la Méthode Juridique. Paris: Presses Universitaires de France, 1996 p. 120 e ss.; BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 174 e ss.; MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de constitucionalidade na Alemanha: a declaração de nulidade inconstitucional, a interpretação conforme à Constituição e a declaração de constitucionalidade da lei na jurisprudência da corte constitucional alemã. Revista de Direito Administrativo, v. 193, p. 13-32; MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição Constitucional: o controle abstrato de normas no Brasil e na Alemanha. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 221 e ss., inclusive com criteriosa análise de sua aplicação no Supremo Tribunal Federal, com a contribuição do Ministro Moreira Alves, em pp. 268 e ss.

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Não desconhecemos que desde o início do século passado já vinha Evaristo

de Moraes Filho (1971, p. 41) acentuando que deveria ser aplicada a teoria objetiva

para os casos de acidente de trabalho, e diz: As delongas, as chicanas e os gastos forenses não são árvores que vicejam apenas no Brasil. Por tôda parte, o mundo dos tribunais é o inferno dos pobres e dos humildes, em razão dos meandros da processualística e das alicantinas da rabulice. Admitindo que o operário encontrasse patrono gratuito, as despesas com a ação judiciária de indenização do dano colocavam o trabalhador em posição de evidente inferioridade perante a parte contrária. A demonstração da culpa, isto é, da responsabilidade civil do patrão, tornava-se, em cada caso, objeto de demanda renhida, onde o sofisma e a chicana funcionavam por longo tempo. Era, pois, necessário firmar direito Nôvo; reconhecer a responsabilidade dos proprietários de fábricas, oficinas, armazéns, e dos empregadores em geral, pelos danos causados aos trabalhadores, mesmo em casos fortuitos. Já não devia ser a culpa delituosa que servisse de base ao direito; só o infortúnio do operário deveria ser seu alicerce seguro e inabalável. Em linguagem técnica, chama-se a essa teoria a do risco profissional.

Entretanto, hoje, dizer-se que a responsabilidade do empregador é objetiva,

não se aplicando o que vem disposto na Constituição Federal (do art. 7º, inciso XXVIII),

e sim a norma da novel Código Civil (parágrafo único do art. 927) é o mesmo que

afirmar-se incongruência tal como O Código Civil por ser mais recente sobrepõem-se

hierarquicamente a Constituição.

Assim, a responsabilidade do empregador em casos de acidente do trabalho

tipo é subjetiva aplicando-se o comando da parte final do inciso XXVIII do artigo 7º da

Constituição, coerente com uma exegese sistemática e teleológica dos princípios e

normas constitucionais, que define a responsabilidade subjetiva do empregador em

casos de acidente do trabalho, o que confirma a regra geral do Código Civil que institui

a culpa como fundamento responsabilidade civil, adotada pelo nosso ordenamento

jurídico. No entanto, o parágrafo 3º do art. 225 combinado com o dispositivo do

parágrafo 1º do artigo 14 da Lei Ambiental nº 6.938/81 (recepcionada pela Carta Maior)

deve ser vislumbrado como exceção a esta regra ao impor a reparação dos danos

ambientais, inclusive dos danos ao ambiente laboral, objetivamente. Esclarece-se:

aplica-se a responsabilidade subjetiva do empregador, única e exclusivamente, se a

hipótese de acidente laboral não advier de dano ao ambiente do trabalho.

Para que haja coerência no nosso ordenamento jurídico trazemos em anexo

uma PEC que visa a tornar, também, objetiva a responsabilidade do empregador em

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casos de acidente tipo, pois não é crível que essa incumbência de provar a culpa, na

maioria dos casos acidentários laborais, fique a cargo do empregado vítima de acidente

de trabalho tipo ou a seus dependentes e beneficiários. Se o sistema legal brasileiro

de segurança e saúde do trabalho visa à proteção da vida humana, cujo valor é

inestimável, e se por essa razão as medidas preconizadas em suas normas têm por

escopo garantir aos trabalhadores um meio ambiente laboral sustentável, com o mínimo

possível de riscos à saúde e ao bem estar, a partir do momento em que seja o

empregador responsabilizado objetivamente ver-se-á que haverá, com toda certeza,

uma considerável diminuição nos acidentes de trabalho típico, pois aquele tomará mais

precaução no ambiente do trabalho, para evitar maiores riscos e danos à saúde do

empregado.

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CONCLUSÕES

a) No Capítulo 3, tratamos do Meio Ambiente do Trabalho e fizemos ver que

a denominação “meio ambiente” encerra uma riqueza de detalhes, mais

globalizante abrangendo o natural, o cultural e o artificial e que neste se

encontra incluído no meio ambiente do trabalho.

b) Analisamos, também, o meio ambiente como direito fundamental e

demonstramos que, pela primeira vez, foi ele positivado na Lei

Fundamental brasileira.

c) As normas protetoras do ambiente do trabalho foram elevadas à

categoria constitucional. A atual Constituição Brasileira estabeleceu essa

proteção mediante vários princípios. Entre seus princípios fundamentais,

estão estatuídos os princípios da valorização do trabalho e da dignidade

da pessoa humana (CF/88, art. 1º, incs. III e IV).

d) A reparação do dano acidentário, se se tratar de acidente tipo ou típico,

segundo a norma constitucional, está embasada no instituto da

responsabilidade civil subjetiva do empregador (CF/88, art. 7º, inc.

XXVIII, última parte). No entanto, se o acidente decorrer tendo em vista

que o dano ocasionado à saúde do empregado teve como causa a

degradação do meio ambiente do trabalho a responsabilidade do

empregador é objetiva não só pelo que vem previsto na Constituição

Federal §3º do art. 225, que assegura a responsabilidade objetiva por

danos ao meio ambiente, incluído o do trabalho (CF, art. 200 - VIII), como

também pela teoria do risco.

e) O legislador constituinte impôs a responsabilidade objetiva do

empregador pelos encargos do seguro social, sem prejuízo de responder

por indenização autônoma se tiver incorrido em dolo ou culpa. Mas, é da

Previdência Social o dever de indenizar o operário vitimado com fulcro na

teoria do risco integral, bastando existir o dano e o nexo causal entre este

e o evento danoso, vedada a negação do direito com base nas

excludentes da responsabilidade civil. Mas concedeu à Previdência o

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direito de regresso contra o empregador, se lhe for imputada a

culpabilidade pela ocorrência do sinistro.

f) O empregador responde, objetivamente, pelos prejuízos causados ao

operário vítima de acidente do trabalho oriundo de danos ao ambiente

laboral provocados em razão da atividade econômica empreendida ou da

negligência do empreendedor, tendo em vista que a reparabilidade dos

prejuízos causados aos empregados vem prevista pela combinação do

parágrafo 3º do artigo 225 da Constituição com o parágrafo 1º do artigo

14 da Lei nº 6.938/81, que impõe a reparação dos danos ambientais e os

danos conseqüentes causados a terceiros, independentemente de culpa,

sob pena de ofensa aos princípios da igualdade e da dignidade humana.

Daí, porque, em anexo, propomos uma alteração constitucional na parte final

do inciso XXVIII do art. 7º da Constituição Federal tornando, também objetiva a

responsabilidade do empregador nos casos de acidente típico ou tipo, uma vez que não

guarda qualquer coerência legislativa apontar-se ser direito do empregado receber uma

indenização quando for vítima de acidente de trabalho, e ainda ficar com incumbência

de provar a culpa do empregador, quando sabemos das dificuldades que são cometidas

quer aos empregados quer a seus beneficiários para tal mister.

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ANEXO

PEC Nº

O inciso XXVIII do art. 7º da Constituição Federal passa a vigorar com a

seguinte redação:

XXVIII – seguro contra acidente de trabalho, a cargo do empregador, sem

excluir a indenização a que está obrigado, independente da apuração de culpa.

Justificativa -