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A REPRESENTAÇÃO DOS INDÍGENAS NOS LIVROS DIDÁTICOS E A TRANSFORMAÇÃO DOS PAPÉIS DA MULHER INDÍGENA
Autor: Telma Denilze Silva1
Orientador: Prof. Ms. José Roberto de Vasconcelos Galdino²
RESUMO
A escolha do tema “a representação dos indígenas nos livros didáticos e a
transformação dos papéis da mulher indígena” busca suprir as lacunas e esteriótipos
existentes nos manuais didáticos, pois a não representação da diversidade e
contemporaneidade dos povos indígenas nos manuais deixam os alunos sem os
conhecimentos necessários para o seu aprendizado e formação. Já a mulher indígena é
excluída ou praticamente ignorada nos livros didáticos, mas a presença feminina nas
comunidades é real e de suma importância para a sobrevivência do grupo, como uma
das mantenedoras da cultura indígena. Então, para possibilitar um conhecimento de
maior amplitude sobre os indígenas brasileiros, temos necessidades de estudos mais
aprofundados sobre esse tema. O objetivo desse artigo é de proporcionar um
questionamento das representações dos povos indígenas e da mulher indígena nos
livros didáticos; ajudar a desenvolver o senso de respeito à diversidade étnica e de
gênero; e proporcionar uma percepção na contemporaneidade e mais crítica dos
indígenas e das mulheres indígenas.
Palavras-chave: livro didático; representações indígenas; mulher indígena.
1 Especialização: Metodologia do Ensino de 1º e 2º grau – Professora da Escola Estadual Monteiro Lobato.² Professor Mestre do Departamento de História da Universidade Estadual de Ponta Grossa.
1. INTRODUÇÃO
Por ser um tema novo, com novas perspectivas de entendimento das sociedades
indígenas e da mulher indígena, não só o aluno viu-se diante de um novo desafio, mas
também os professores viram-se confrontados com uma nova realidade, posta em livros
que retratam períodos históricos que se estendem, desde o início da história do Brasil,
até os dias de hoje, onde a realidade das sociedades indígenas não faz parte do dia a
dia. Este trabalho vem relatar um pouco desta experiência como professora da
disciplina, obtida quando se buscou levar um conhecimento mais amplo sobre a
questão indígena para a escola. Especificamente, no relato de um trabalho com os
alunos de 8º ano (2011), do ensino fundamental da Escola Estadual Monteiro Lobato.
No decorrer dos trabalhos com os alunos foram discutidos, pesquisados e
aprofundados vários temas a respeito dos indígenas, trazidos de início pelos livros
didáticos adotados e posteriormente por complementação com outros autores.
Geralmente estes povos são estereotipados pelos livros didáticos, e também pelo
cinema e tv, pelas revistas e jornais, e percebeu-se a necessidade de adotar novas
perspectivas sobre estas sociedades.
Em especial, chama-se a atenção sobre a forma de representação do indígena
e da mulher indígena nos livros didáticos adotados. Através do levantamento realizado
neste estudo, e que faz parte da apresentação teórica que o fundamenta, uma das
conclusões a que se pode chegar é que os indígenas, de forma geral, e mesmo
considerando a perspectiva histórica, são retratados de forma distanciada e deturpada.
O que leva geralmente, o aluno a ter uma percepção dos índios enfocados somente no
passado, apenas como “objeto” histórico, vistos a partir da ótica do branco conquistador
e vivendo de forma ainda “primitiva”. Com isto, desconsideram-se os povos indígenas
como sujeitos atuais, como cidadãos participantes, como sujeitos de ricas e vastas
culturas e diversidades étnicas.
Os indígenas e, mais especificamente, as mulheres indígenas, continuam sendo
representados nos livros didáticos do ensino fundamental, através das mesmas
imagens do início do Brasil colônia. As indígenas são representadas de forma
estereotipadas, são negadas como sujeitos, ou ausentes, o que desvirtua sua
importância no presente. Não se considera a importância da mulher indígena na
perpetuação da tribo, nem que ela também ocupa os mais diversos cargos dentro e fora
de suas aldeias, sendo ela também alguém a ser considerada na perspectiva histórica
pela sua relevância como, preservadora e transmissora da sua cultura e principalmente
da sua língua.
O problema que se levanta aqui diz respeito a pesquisar formas mais
apropriadas de como apresentar esta temática, procurando proporcionar aos alunos e
professores um melhor entendimento sobre o assunto, de maneira que se conheçam as
histórias e as culturas dos povos indígenas de forma mais ampla e profunda, indo além
do livro didático, no que ele tem de limitador e ideológico. Este trabalho também visa se
adequar ao cumprimento da lei 13.381/01 que tornou obrigatório no Ensino
Fundamental e Médio da Rede Pública Estadual, os conteúdos de História do Paraná;
da lei 11.645/08 que incluiu no currículo oficial, a obrigatoriedade do ensino da história e
cultura dos povos indígenas do Brasil e a sua complementação, com o ensino da
história dos povos indígenas do Estado do Paraná; e das Diretrizes Curriculares da
Educação Básica do ensino de História do Paraná.
Dessa forma, a história dos povos indígenas vem passando a integrar de uma
forma mais ampla o conteúdo dos livros didáticos utilizados nas escolas de todo o país.
Então, a partir das noções de preconceito, grupos étnicos, representações, este artigo
tratará da forma como os indígenas são trabalhados nos livros didáticos e as
transformações nos papéis das mulheres indígenas.
Quando nos referimos ao tema preconceito podemos defini-lo segundo a
Enciclopédia Internacional de Ciências Sociais. Ele é definido como:
“um juízo ou conceito formado antes de haver reunido e examinado a
informação pertinente e, portanto, normalmente baseado em provas insuficientes
ou inclusive imaginárias” (Klineberg apud Grupioni, 1995 p.483)
Segundo o Programa Nacional de Direitos Humanos, o preconceito é:
[...] uma atitude, fenômeno intergrupal, dirigido a pessoas ou grupos de pessoas;
é predisposição negativa contra alguém; algo sempre ruim: predisposição negativa,
hostil, frente a outro ser humano; desvalorização do outro como pessoa, considerado
indigno de convivência no mesmo espaço, excluído moralmente. (PNDH apud
LOPES, 2005, p. 185).
O preconceito se faz através de um julgamento prévio de maneira negativa que
um indivíduo constroe em relação ao outro indivíduo ou a um grupo de pessoas. Tendo
como característica principal deste julgamento prévio, a inflexibilidade, pois ele se
mantém a qualquer custo sem os devidos conhecimentos dos fatos. O ser humano não
nasce com preconceito, ele não é inato, é aprendido com outras pessoas através da
sua convivência social.
Através do exercício de convívio com a diferença se deve procurar promover os
aspectos positivos e trabalhar de forma crítica os aspectos considerados negativos,
levando-a para o positivo. Quando se percebe as diferenças, entre as pessoas ou
grupos, em muitos casos ocorre um tratamento desigual e preconceituoso. Este
tratamento acontece quando não se conhece, não se respeita e não se aceita o
“diferente”. As pessoas precisam criar formas diferenciadas de agir, bem como, o
Estado deve criar políticas públicas que possibilitem oportunidades iguais para os
negros, grupos indígenas, mulheres, entre outros. Dessa forma poderemos ter uma
sociedade onde o preconceito e discriminação serão cada vez menores.
No Brasil, preconceito e discriminação não se referem somente aos indígenas,
mas aos negros, às mulheres, às pessoas portadoras de necessidades especiais, ao
velho, ao pobre, entre outros. Mas muito já se conseguiu, superar através de lutas e
reivindicações por direitos nos mais diversos grupos sociais discriminados e excluídos.
Percebe-se que o preconceito contra os indígenas se mantém presente, pois o
desconhecimento sobre esses povos é constatado através das poucas e deturpadas
informações que se encontram nos livros didáticos. Nesses livros pode-se perceber
uma gama de informações incompletas, incorretas e muitas vezes descontextualizadas
sobre as questões indígenas, que assim, dessa forma, como são apresentadas
acabam por reforçar o preconceito e a discriminação.
Usualmente ainda são atribuídos determinados significados preconceituosos a
pessoas e grupos diferentes, o que leva, a um tratamento que não seria igual, não
respeitando determinados indivíduos. Os grupos humanos não são iguais, não pensam
da mesma forma, não tem a mesma cor, não tem a mesma origem, a religião, cultura e
assim por diante, consequentemente percebemos que são diferentes. Estes grupos
também são chamados de grupos étnicos.
O conceito de etnia e grupo étnico é usado por muitos profissionais,
especialmente por Fredrik Barth, para se referir as sociedades indígenas ou a negros,
entre outros grupos sociais, ao contrário do conceito raça, hoje ultrapassado, em
termos científicos e não mais utilizado. Os intelectuais utilizam o termo etnia, por
criticarem o conceito de raça e a ideia de que existe uma divisão de raças, muito tempo
que já foi há muito tempo abolida pela biologia.
Segundo Bobbio, etnia pode ser definida como: “um grupo social cuja identidade se
define pela comunidade de língua, cultura tradições monumentos históricos e territórios”. (Bobbio, 1992;
499).
Para Barth (1998), os grupos étnicos são uma forma de organização social, cuja
característica principal é a de um grupo de menbros que se identifica (auto-atribuição) e
é identificado por sua comunidade (atribuição por outros) como pertencente a um grupo
e diferente do outro. Mesmo quando um grupo interage com outro, ele mantém sua
identidade a partir de critérios escolhidos que definem as fronteiras entre o
pertencimento a um grupo e não a outro. Por exemplo, um Kaingang não deixa de ser
Kaingang por vestir roupa, usar celular, falar português, morar na cidade. É ele que
deve se identificar como sendo Kaingang e não o não-indígena. Nenhuma cultura é
imutável, congelada, todas elas se modificam, inclusive as daqueles que acham que o
indígena não é mais indígena, por não estar nu e na selva.
As diferenças ocorrem a partir das construções sociais culturais e políticas, e
se aprende desde muito cedo a olhar as diversidades humanas e cada uma das
características físicas e culturais de maneira preconceituosa. Não é percebido que
estamos imersos em relações de poder e de dominação política e cultural. Assim, dessa
forma, constata-se que se aprende a ver as diferenças e as semelhanças através, de
uma forma hierarquizada, da cultura considerada “superior” para o “inferior”, da “melhor”
para a “pior”.
Para que se possa respeitar o “diferente” com suas particularidades e com suas
diferenças (língua, crença, religiosidade, valores, cultura, política, etc), desafio este que
nos é colocado enquanto educadores e escola, deverá se trabalhar na formação de
pessoas que sejam esclarecidas, que respeitem e convivam com o diferente. Deve-
se também buscar novas formas de saber, procurar gerar novas ideias e novas
atitudes, levando informações corretas e contextualizadas para as pessoas refletirem
sobre os seus valores e práticas.
Com relação a noção de representação, Moscovici mostra como e por que
diversos grupos sociais elaboram representações de um objeto mal conhecido.
Segundo esse autor:
[...] as representações sociais seriam formas de um saber ingênuo destinado a
organizar condutas e a orientar comunicações. Modo específico de conhecimento do
real, as representações permitem aos indivíduos agir e comunicar. A representação de
um objeto corresponde, então, a um conjunto de informações, de opiniões e de crenças
referentes a esse objeto. ( Moscovici apud. Rodrigues da Silva, 2000, p.
85,86).
1.1 Representação do Indígena nos Livros Didáticos
A partir da década de 1970 e 1980 os povos indígenas brasileiros começaram a
se organizar de forma mais efetiva e a lutar pelos seus direitos. A Constituição de 1988
representou um papel relevante no enfrentamento das questões indígenas no Brasil.
Através de suas leis complementares ela resgatou os direitos desses povos e colocou
o tratamento que os índios devem receber da sociedade e do Estado.
De acordo com essa constituição, no seu art. 231:
São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e
tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam,
competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.
Depois dessa constituição, outras ações favoráveis aos indígenas do Brasil
foram sendo efetivadas. Entre elas, o Estatuto dos Povos Indígenas e a lei 11.645/08,
que determina a obrigatoriedade do ensino da história e cultura dos povos indígenas do
Brasil nas escolas de Ensino Fundamental e Médio. Assim, por força da organização e
da pressão dos povos indígenas as suas histórias, passaram a integrar, de forma mais
efetiva, os livros didáticos utilizados nas escolas de todo o país. Os indígenas deveriam
começar a aparecer, não apenas como habitantes naturais locais e coadjuvantes dos
processos históricos, mas como sujeitos históricos integrantes contemporâneos da
população brasileira.
Órgãos não governamentais vêm procurando levar às pessoas informações
corretas, na tentativa de desconstruir o que habitualmente foi construído. Aos órgãos
governamentais, a escola e as mídias também cabe realizar esforços para desconstruir
toda imagem gerada através de anos de preconceito e discriminação. A imagem que a
nossa sociedade formou dos povos indígenas fixou-se desde os primeiros anos
escolares nos livros escolares, nos filmes, nas histórias em quadrinhos (gibis).
O livro didático, por ser um dos principais instrumentos articuladores do processo
de conhecimento acadêmico, nos anima a tentar trabalhar ali as representações e as
categorias com que é construído um dos “saberes” que mais largamente se difunde
sobre o índio. (ROCHA, 1984, p. 19).
Os livros didáticos consistem, muitas vezes, na única fonte escrita que leva aos
alunos determinados conceitos e conhecimentos. Mas a representação que se faz dos
indígenas nos livros didáticos é a da mais pura semelhança entre todos os povos
indígenas, pois eles privilegiam os mesmos aspectos genéricos das sociedades
indígenas. Eles são mostrados como seres inferiores; como preguiçosos; vivendo
somente da exploração dos recursos naturais e com uma economia de subsistência
“primitiva”; construindo casas rudimentares; como supersticiosos; andando nus e se
enfeitando, entre outros aspectos.
Constatou-se que os indígenas e, em especial, a mulher indígena são pouco
descritos, parecendo que não há interesse em se mostrar esses povos, ocultando-se
informações necessárias para a compreensão das suas culturas. Observa-se que
muitas das descrições dos indígenas são elaboradas no passado, que as suas
contribuições se restringem a uma lista de vocábulos, e a algumas técnicas de
sobrevivência na mata, enfim pela pobreza de suas contribuições e pela”...ausência de
termos técnicos, bem como de um conceitual antropológico que oriente a reflexão sobre o índio.”
(ROCHA, 1984; p.29).
Através das análises dos povos indígenas no livro didático percebe-se, que os
mesmos ainda são apresentados, remetidos ao passado, quando os europeus aqui
chegaram, e com afirmações de que foi o branco quem lhes trouxe a civilização. A partir
daí, o indígena foi retirado de cena e passou a ser invisível, anulado nos manuais
didáticos, não tendo mais ressaltada a sua presença e nem a sua participação na
história do país.
Outra das deficiências dos manuais didáticos é a maneira estereotipada como a
mulher indígena é apresentada, ou pela sua ausência. Mas a presença feminina nas
comunidades indígenas é real e de suma importância para a sobrevivência do grupo.
A questão da identidade, no âmbito mais geral, implica no direito
à cidadania e ao direito de viver como mulher, plenamente. Para a
mulher indígena, é uma questão de urgência porque implica na própria
sobrevivência de seu povo, já que é ela quem gera os filhos e transmite a
língua e a cultura, em casa, na vida cotidiana ou nas escolas indígenas,
sendo essa uma função altamente política para as nações indígenas.
(Portal diaadiaeducação- 2010).
Conforme estudos de Grupioni, Rocha e Telles, entre outros, sobre as
representações estereotipadas sobre os povos indígenas nos livros didáticos, pode-se
sintetizar as principais críticas feitas em: 1º) os índios são vistos de maneira genérica -
como se todos fizessem parte de um único povo e não em sua rica diversidade étnica,
com mais de 220 povos vivendo atualmente no Brasil, cada um com sua história,
identidade e cultura própria; 2º) eles são quase sempre enfocados somente no passado
- os índios aparecem no período colonial, depois desaparecem e raramente voltam a
aparecer no presente. Foram invisibilizados e a maior parte de suas terras,
consideradas “sertão vazio”, foram apropriadas pelos colonizadores europeus e
nacionais brancos; 3º) são vistos como se fizessem parte de culturas simples - as
sociedades indígenas são tratadas pela negação de traços culturais significativos. Eles
seriam povos sem escrita, sem governo, sem tecnologia, e são vistos como povos
inferiores, primitivos, selvagens, atrasados, exóticos, numa perspectiva evolucionista;
4º) eles aparecem somente como coadjuvantes e não como protagonistas (sujeitos
históricos) - aparecem nos livros em função do europeu, do branco, reafirmando
concepções históricas eurocêntricas e etnocêntricas, sempre a partir da ótica do
conquistador e do invasor europeu; 5º) são vistos como aculturados, assimilados -
quando transformam suas culturas, vestindo roupa, falando português, tendo a religião
do branco, tornam-se caboclos, mestiços, como se não pudessem continuar a ser
indígenas. É construída uma visão idealizada do índio, que vive nu e caça na floresta,
como se as culturas fossem imutáveis, congeladas e não se modificassem; 6º) são
vistos como preguiçosos - não gostariam de trabalhar, como se caçar, pescar, plantar,
colher, coletar, fazer artesanato, fazer comida, fazer instrumentos, fazer casas, entre
outras tarefas, não fosse trabalho. Muitos indígenas, por não terem condições de auto-
sustentabilidade em seus territórios, trabalham como empregados, nas áreas rurais e
nas cidades.
Quando se trata das questões indígenas, nos livros didáticos, no Brasil, acredita-
se que mudanças deveram ocorrer, já que eles representam uma “verdade” sobre os
conteúdos que estão sendo trabalhados em sala de aula. Formas mais críticas de
apresentar os indígenas podem levar os alunos a perceber que existem diferentes
representações sobre estes povos.Existem inúmeros estudos aprofundados sobre os povos indígenas, procurando
conhecer a especificidade e diversidade étnica e cultural de cada grupo indígena. Estes
estudos da antropologia, somados com o conhecimento da história poderão ajudar a
levar aos alunos um conhecimento diferenciado sobre os índios, o que não tem sido
propiciado pelos manuais adotados. Eles não proporcionam, acesso a um
conhecimento ampliado, para se que possam compreender os índios no presente.
Grupioni aponta que a falta desses conhecimentos mais amplos, nas salas de
aulas, são as raízes da desinformação e do preconceito para com os indígenas
brasileiros.
Enfim, a conclusão geral que podemos tirar disto tudo é que os manuais
escolares continuam a ignorar as pesquisas feitas pela antropologia e
pela história no conhecimento do outro, revelando-se deficientes no
tratamento da diversidade étnica e cultural existente no Brasil, dos
tempos da colonização aos dias atuais, e da viabilidade de outras ordens
sociais. E é com esse material equivocado e deficiente, que professores
e alunos tem encontrado os índios na sala de aula. Preconceito,
desinformação e intolerância são resultados mais que esperado deste
quadro. (GRUPIONI, 1995, p.491).
Se os livros didáticos fossem mais críticos, trariam a complexidade e a
diversidade dos indígenas, mas eles continuam sendo construídos com imagens
deturpadas, ignorando a rica diversidade cultural que existiu e existe nestas
sociedades. Constata-se, então que a aprendizagem dos alunos se torna deficiente,
pois lhe é negado um conhecimento mais amplo dessa diversidade e da riqueza destes
povos na atualidade.
Se levassemos ao conhecimento dos alunos a cultura dos indígenas, em
especial dos índios no Estado do Paraná, estaríamos contribuindo para que os nossos
alunos compreendessem de maneira mais crítica a história do Paraná. Se os manuais
mostrassem os grupos indígenas na sua especificidade estariam levando uma melhor
compreensão sobre a história do Brasil, desde a chegada do homem branco e da
invasão das terras dos povos indígenas até a tentativa de imposição de uma religião,
língua e cultura. Quando se deixa de fazer uma reflexão sobre a rica diversidade das
culturas indígenas, ou um estudo particularizado sobre as mais variadas sociedades
tribais existentes no Brasil, está se deixando de levar informações corretas, para
apresentar informações preconceituosas.
A sua rica diversidade cultural, as suas religiões, os seus modos de vida, suas
línguas, a política e os seus rituais, entre outros, não aparecem descritas nos livros
didáticos, e a sua representação se reduz a descrever semelhanças entre esses povos,
privilegiando os mesmos aspectos genéricos dessas sociedades, podendo incorrer em
redundância de informações.
Sendo assim, leis foram criadas, especialmente a partir da Constituição de
1998, no sentido de um tratamento mais igualitário no que diz respeito as sociedades
indígenas. Mas há a necessidade de que as leis sejam colocadas em prática, o mais
breve possível. O caminho para que as reflexões e as ações se concretizem poderá se
dar com o auxílio da Educação.
1.2 Transformações nos papéis da mulher indígena
No século 20, as mulheres iniciaram uma modificação mais profunda de seus
papéis na sociedade. Os dois momentos importantes da mulher no século passado
foram quando ela conquista o direito de voto e quando ela passa a fazer o uso da pílula
e pôde escolher o número de filhos; foram para as fábricas trabalhar e para as
universidades estudar e, especialmente, com os movimentos feministas, na década de
1960, ampliaram sua participação no espaço público.
A ONU declarou que a década de 1975 a 1985 seria dedicada à mulher e que o
ano de 1975, seria o ano Internacional da Mulher.
“[...]aquelas que, até então, não tinham voz e vez têm um
instrumento que começa a lhe dar força e a fazer uma enorme pressão
coletiva, para a transformação das relações desiguais de gênero.”
(Portaldiaadiaeducação – Mulheres, auto-estima e feminismo
25/11/2010).
Já a mulher indígena, por muito tempo foi forçada a se calar, abrindo mão dos
seus direitos. Hoje, a figura da mulher índia é importante, pois representa a força
decisiva e construtiva na elaboração de políticas públicas para suas comunidades,
fortalecida pelas discussões da lei Maria da Penha promovidas pela FUNAI nas mais de
13 oficinas em diversas regiões do Brasil (Informativo FUNAI, 2009 p.02).
As oficinas, ofertadas para as mulheres indígenas pela Secretaria Especial de
Políticas para as Mulheres, são para que elas possam ser ouvidas e tratadas de forma
mais qualificada. Assim, podemos perceber que a mulher índia faz parte do programa
de inclusão das mulheres indígenas nas políticas públicas do Governo Brasileiro. Sendo
elas participantes de escuta e de diálogo e da elaboração do I e II Plano Nacional de
Políticas para as Mulheres, sendo a FUNAI a sua representante , “...que levou todas as
demandas da sua clientela que são: área de trabalho, área de saúde, de educação e enfrentamento da
violência” (Informativo FUNAI, 2009 p.03).
A mulher indígena foi representada no passado por escritores, poetas e pintores
como personagem principal em suas obras, mas sempre de maneira preconceituosa
distorcida e idealizada. Hans Staden retratou por volta de 1557, enquanto foi prisioneiro
dos Tupinambá, cenas conforme o olhar de antropofagia que o europeu tinha sobre os
nativos aqui da América. Albert Eckhout produziu “Índia Tapuia e Mulher Tupinambá
com Criança”. Esse documento foi produzido no séc. XVII. O artista veio patrocinado
por Maurício de Nassau, governante holandês durante a invasão da América
Portuguesa em 1624. Esse tipo de representação de índio canibal foi a visão que os
europeus tiveram da inferioridade dos povos nativos aqui na América. O eurocentrismo
ajudou a fixar esta ideia.
O quadro “Iracema” foi pintado por António Pereira Parreiros e José Maria
Medeiros no séc. XIX, após a independência do Brasil, quando se pretendia construir
uma identidade nacional. Esse documento representaria a imagem de que o índio fazia
parte da identidade nacional idealizada. Esse quadro pertence a um período chamado
de romântico que, junto com a música e a literatura indianista, buscou construir esta
idealização do índio na construção da nação brasileira.
Apesar de toda a emancipação que a mulher branca e a mulher indígena
vivenciam nos dias atuais, a mulher indígena continua sendo representada, nos livros
didáticos do ensino fundamental, através das mesmas fotos e desenhos que desvirtuam
a sua história, e que as desconsideram no presente. Ainda hoje a sua apresentação fica
sem informações necessárias para o conhecimento mais abrangente pelos alunos. Mas
pode-se constatar que, como a mulher branca, a mulher indígena também luta pela
conquista de seu espaço e de seus direitos. Saiu da comunidade em que vivia e foi
aperfeiçoar-se, estudando e assumindo novos papéis sociais.
Hoje essa mulher retorna para a sua comunidade exercendo as mais diversas
funções para trabalhar e assegurar os direitos de seu povo. Essas mulheres adquiriram
o conhecimento acadêmico sem deixar de lado sua origem cultural e sem deixar de
vivenciar seus ritos. Muitas mulheres indígenas estão voltando para suas aldeias como
educadoras, agentes de saúde e profissionais das mais diversas áreas. Outras, estão
assumindo postos dentro de suas aldeias que antes só eram ocupadas por homens. É
o caso de Raimunda Putani Yawanawá, que, em 2006, foi homenageada, juntamente
com a sua irmã, com o prêmio Bertha Lutz, pelo Senado Federal, dado àquelas que
atuam em defesa da cidadania, dos direitos humanos e políticos da mulher brasileira.
Ela foi reconhecida por ser a primeira mulher pajé entre o seu povo, os Yawanawá.
Geralmente essas mulheres servem de porta voz para o seu povo quando reivindicam
seus direitos junto aos órgãos governamentais e não governamentais.
Uma imagem atual, presente em alguns livros didáticos, seria a da índia Joênia
Batista de Carvalho, mais conhecida como Joênia Wapixana. Os alunos realizaram a
leitura que a mostra como a primeira mulher indígena advogada, Joênia Batista
Carvalho, que se pronunciou no Supremo Tribunal Federal, dizendo que é preciso que
o STF dê um ponto final na violência cometida contra os povos indígenas e que é
fundamental a demarcação da reserva Raposa Serra do Sol. Joênia Batista Carvalho é
a primeira mulher índia que recebeu registro na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Conforme seu relato, índios foram assassinados, casas foram queimadas e ninguém
foi punido, e as populações indígenas vivem em permanente ameaça. Deve-se
ressaltar que, finalmente, esta reserva foi demarcada para os indígenas, em Rorãima.
Muitas mulheres indígenas vão assumir as mais variadas profissões, algumas
vão se destacar como escritoras como é o caso das indígenas: Giselda Gerá que
pertence ao povo Guarani, Luciana do povo Kaingang do R.S. Graça Graúna é
escritora, potiguar de São José do Campestre (RN), e formada em letras pela UFPE.
Ela defendeu dissertação de mestrado sobre mitos indígenas na literatura infantil
brasileira, em 1991. Defendeu seu doutorado sobre literatura indígena contemporânea
no Brasil. Na UPE Garanhus, coordena o Núcleo de Estudos Comparados em Literatura
de Língua Portuguesa – NESC; o Projeto de Capacitação em Literatura e Direitos
Humanos, junto ao MEC/SEADCD/UPE; e o curso de Especialização para Professores
Indígenas, da UPE em parceria com a Secretaria de Educação do Estado de
Pernambuco.
Eliane Potigura é outra escritora indígena, professora, mãe, avó conselheira do
Inbrapi, coordenadora da Rede de Escritores Indígenas na Internet e do Grumin/ Rede
Comunicação indígena. Eliane é formada em letras pela UFRJ, sendo que participou de
vários seminários sobre Direitos Indígenas na ONU, sendo nomeada uma das "Dez
Mulheres do ano de 1988" pelo Conselho das Mulheres Indígenas no país, por ter
trabalhado pela educação e integração da mulher indígena no processo social, político
e econômico no país e por ter trabalhado na elaboração da Constituição Brasileira de
1988. Em 1990 Eliane Potiguara foi a primeira mulher indígena a conseguir uma petição
no 47º Congresso dos Índios Norte americanos, no Novo México, para ser apresentada
às Nações Unidas.
Na Conferência dos Povos Indígenas, em Brasília no ano de 2006, os temas
discutidos foram: autonomia política, questões territoriais, educação, saúde entre
outros. Houve a participação de 800 líderes de 220 etnias e as mulheres indígenas
estiveram presentes mas apesar de um número pequeno a sua representatividade foi
grande. Eram caciques curandeiras e mulheres engajadas na luta pela melhoria da
saúde e da educação. As participantes da conferência perceberam que: ¨Até hoje as
indígenas precisam superar os obstáculos do preconceito masculino para poderem participar ativamente
das discussões que vão influenciar suas vidas¨ (PERES; MAGALHÃES, 2006 p.22).
A partir de 1988, algumas mulheres indígenas começaram a se inserir nos
debates e buscaram se legitimar também como lideranças com direito a serem ouvidas
e respeitadas. A líder indígena Xukuru Kariri, Graciliana Selestino Wakanã, participante
de movimentos desde os 14 anos de idade, defende o respeito às culturas indígenas e
que a mulher possa ser incluída na liderança política, pois a visão que ela tem é mais
geral. Já a Terena, Janete Lili Azambuja, da Aldeia Bananal do (MS), diz que a
participação da mulher representa a preocupação com a perpetuação e a
sustentabilidade do seu povo.
Segundo a líder indígena Azelene Kaingang, da ARPINSUL (Articulação dos
Povos Indígenas do Sul do Brasil), filiada à Articulação dos Povos Indígenas do Brasil –
APIB, existe uma preocupação dos povos indígenas com a Convenção 169 da
Organização Internacional do Trabalho – OIT. Segundo Azelene, a intenção é a de
garantir efetivamente os direitos indígenas estabelecidos nesta Convenção.
Apesar de todo o preconceito e obstáculos enfrentados pelas mulheres
indígenas, elas vão superar e assumir vários postos que somente aos homens era
permitido. A primeira mulher indígena que se tornou cacique foi Creuza Assoripa
Umutina, em 2004, graças a ter se tornado a melhor atiradora de arco e flecha no Mato
Grosso. Hoje temos inúmeras mulheres caciques, como é o caso de Enir da Silva
Bezerra, Terena da Aldeia urbana de Campo Grande/MS; de Iraci Amorim, da Aldeia
Santa Maria - Tenetehara do Maranhão; de Mª Valdelice Amaral de Jesus Jamopoty,
Tupinambá da Aldeia Olivença/BA, presa em 2011, por lutar pela demarcação de seus
Territórios; e Maria Muniz de Andrade Pataxó da Terra Indígena Caramuru - Catarina.
Conforme a cacique Terena Enir Bezerra: “ Se fosse a dez anos, não venceria a eleição.
A mulher, na cultura indígena, precisa cuidar da casa, dos filhos. Quem decidia os
assuntos da comunidade eram os homens. Isso começou a mudar.”
Como cineastas indígenas se destacam a Guarani Mbya, Patrícia Ferreira;
Natuyu Yuwipó Txicão – do grupo indígena Ikpeng; e Vanessa Ayani – Hunikui. Na
direção do Conselho Nacional de Mulheres Indígenas (Conami), temos Mirian Terena.
Maria Helena Paresi foi a presidenta da Federação dos Povos e Organizações
Indígenas de Mato Grosso (FEPOIMT). Já Naine Terena de Jesus, do Mato Grosso do
Sul, trabalhou com o rádio-feira do livro didático.
Existem hoje inúmeras informações sobre os trabalhos de mulheres indígenas
que se organizaram e criaram blogs, sítios: que mostram como estas mulheres
indígenas estão mudando seus papéis tradicionais e ocupando espaços de participação
política cada vez maiores.
1.3 CONCLUSÃO
O que se pode constatar é que, nos livros didáticos a mulher indígena continua tendo
uma representação anulada no interior de suas tribos. Aliado a longa história de
segregação e destruição dos povos indígenas, o livro didático hoje utilizado nas escolas
ainda retrata os povos indígenas de maneira insatisfatória. Os manuais didáticos trazem
um estudo pouco aprofundado sobre as questões indígenas, não procurando conhecer
a especificidade e diversidade étnica e cultural de cada grupo indígena. Isto pode levar
os alunos a uma interpretação errônea da contribuição dos índios na construção da
história da nação brasileira e sua não classificação como um cidadão de obrigações e
direitos plenos. A mulher indígena, especialmente, nos livros didáticos é ainda menos
mencionada, e tem sua cidadania reduzida. O aluno que hoje está no banco escolar,
merece conhecer a história sem deturpações, destinando seu reconhecimento aos
indígenas e, especialmente, as mulheres indígenas como protagonistas e construtoras
da história. O que se percebe é que a mulher indígena está em busca de novos
conhecimentos sem deixar de lado sua origem cultural e sem deixar de vivenciar seus
ritos. Esta indígena está assumindo novos papéis que antes eram assumidos somente
pelos homens e assegurando os direitos do seu povo. Fala-se hoje, inclusive, na
construção de um feminismo indígena.
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