a renda da terra e suas cambalhotas

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  • 7/25/2019 A Renda da Terra e suas Cambalhotas

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    GeoTextos, vol. 1, n. 1, 2005. Margarete Rodrigues Neves Oliveira29-50 .29

    Resumo

    Este artigo analisa o processo de produo do mais novo centro de negcios deSalvador - a centralidade da rea do Iguatemi. Valendo-se de uma discusso

    terica sobre a renda da terra, este trabalho utiliza categorias de anlise quepossibilitam desvendar o processo de valorizao de trechos do solo urbanonessa cidade. Partindo da interpretao de dados oriundos de projetos deplanejamento municipal, estatsticas, legislao de uso do solo, notcias da im-

    prensa, este trabalho mostra que essa centralidade surgiu como resultado de umsistema integrado de aes de diferentes agentes governamentais e privados nosltimos 40 anos. O artigo revela que por trs de discursos oficiais de desenvolvi-mento urbano e de polticas governamentais de planejamento, desenvolveram-se agendas e prticas de um planejamento urbano invisvel, que alocou recursose materializou trabalho numa poro solo virgem da cidade do Salvador. Esteprocesso resultou na elevao do valor da renda fundiria dessa rea, o queatendeu a interesses privados. Este estudo configura-se num esforo de tornar oinvisvel visvel e fornece algumas bases para o uso de novos e alternativosmodelos de interpretao da produo do espao urbano.

    Palavras-chave: produo espacial, renda da terra, planejamento invisvel, ur-banizao, Estado.

    Abstract

    This article analyzes the process of production of the Salvadors newest centralbusiness district - the Iguatemi Area. Using the Land Income Theory, this paperapplies its analytical tools to reveal the process of increasing of land income on

    this part of the city. Based on the data from municipal planning projects, statistics,land use legislation and press coverage, the paper show s that this new center is

    Margarete Rodrigues Neves OliveiraMestre em Geografia pela UFBa e Professora da EsAEx/ CMS (Escola de Administrao doExrcito e Colgio Militar de Salvador) e do Centro Universitrio FIB (Faculdade Integrada daBahia).

    A renda da terra e suascambalhotas: Uma discussosobre renda fundiria urbana,solo como mercadoria e acentralidade do Iguatemi1

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    a result of an integrated system of different governmental and private agenciesactions in the last 40 years. The article reveals that behind urban developmentofficial discusses and governmental planning policies, one agenda and practicesof invisible urban planning were developed, seeking to allocate resources and

    work in a virgin land of the city of Salvador. This process resulted in theincreasing of the land price, what fulfill real states interests. This study is aneffort of turning the invisible visible and an attempt to present new and alternativemodels to analyses the production of the urban space.

    Key-words: space production, surrender of the earth, invisible planning,urbanization, State.

    1. Introduo

    No jogo do mercado, indiferente ao planejamento urbano e ao urba-

    nismo desejado pelos habitantes da cidade, o solo, os edifcios e as casas

    so mercadorias, portanto objetos com valor de troca, como nos lembra

    Carlos (1994). O que nos faz lembrar tambm que o capital tem sua forma

    de valor atrelado localizao no espao (LIPIETZ, 1988).

    Assim sendo, muitas vezes a cidade moldada por intermdio no

    s de um planejamento visvel, mas tambm por leis que omitem os reais

    interesses em jogo para atender aos objetivos estabelecidos pelo

    planejamento invisvel. Diante de tal constatao, no presente artigo

    defendemos a idia de que as questes da renda e do valor da terra so

    conceitos fundamentais para o entendimento e a argumentao de que,

    nas trs ltimas dcadas, uma associao de interesses entre o Estado e

    os empreendedores privados produziu e valorizou o espao na rea do

    vale do Camurugipe, tambm conhecida como Iguatemi, que hoje se cons-

    titui na principal centralidade na cidade do Salvador.

    A fim de entendermos as bases conceituais sobre renda do solo, par-

    ticularmente a renda do solo urbano, como categoria de anlise, faz-se

    necessrio um considervel esforo de abstrao e de exemplificao, con-

    forme assinala Souza (1994). Partiremos da aceitao do conceito base de

    renda da terra, defendido por Marx, como algo que se paga ao proprietrio

    pela posse e uso da mesma. Portanto, para Marx, a renda ser a forma

    econmica das relaes de classe com a terra (BOTTOMORE, [et al.], 1998).

    Embora esse conceito seja til para entender a noo de renda da terra,

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    sua definio, ainda, no nos suficiente, tendo em vista as crticas que

    apontam que a terra no mercadoria. Ela s valeria, para alguns autores

    como Singer (1985), como valor de uso. Entretanto, justamente por ela

    apresentar valor de troca, caracteriza-se como mercadoria, porm um tipobastante sui generis. Diante dessa polmica, surge a necessidade de avan-

    armos nesse conceito para melhor entendimento sobre como se d a

    elaborao da renda da terra em relao centralidade do Iguatemi.

    Assim sendo, passaremos a apresentar algumas conceituaes sobre

    renda do solo urbano, entendidas como ferramentas para nosso estudo,

    sem, entretanto, perdermos de vista o conselho que nos d Souza (1994,

    p.154), quando afirma que esta uma discusso polmica e que pode

    redundar em diversos pontos de vista.Na Escola da Economia Clssica, Ricardo (1982, p.65) define renda

    de terra como poro do produto da terra pago ao proprietrio da mesma

    pelo uso das foras indestrutveis do solo. Tal definio era usada para

    conceituao do solo rural. No caso de ocorrncia ilimitada de terras com

    as mesmas qualidades (uniformidade), o uso destas no custaria nada, a

    no ser que possussem particulares vantagens de localizao (p. 66).

    Portanto, a renda paga pelo uso, basicamente porque ela no unifor-

    me. interessante destacar que Souza (1994, p.156) dialoga com esteconceito, quando considera, como Ricardo, a valorizao da melhor terra

    para a produo, a partir da pior terra.

    Suely Gonzles, em seu artigo A Renda do Solo Urbano: hiptese de

    explicao do seu papel na evoluo da cidade (In:FARRET, 1985, p.93),

    explica, baseando-se em Marx, que a renda fundiria o excedente do

    valor sobre o preo da produo. Pois, segundo ela, se o solo uma mer-

    cadoria e seu preo um valor comercial determinado pela renda fundiria

    que ele propicia, o preo de uma rea de terra igual quantia que,depositada num banco, proporcionaria, a ttulo de juros, um ingresso de

    proventos da mesma grandeza que a rea em apreo.

    Acreditamos que justamente neste aspecto da rentabilidade na for-

    ma de juros que a rea do Iguatemi torna-se particularmente vantajosa

    em relao s demais reas da cidade do Salvador. Para ilustrar essa ques-

    to, consideramos parte de uma reportagem do jornal A Tarde, em sua

    edio de 7 de outubro de 2001, sobre o arrendamento de alguns terrenos

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    s margens da avenida Antonio Carlos Magalhes, no entorno do Iguatemi,

    e que pertencem ao Abrigo do Salvador, uma instituio filantrpica. A

    rea em questo foi doada referida instituio pelo governo do Estado da

    Bahia, em 1958, com a condio de us-la apenas para fins filantrpicos,constando no contrato uma clusula de inalienabilidade, na condio des-

    ta retornar ao Estado da Bahia, em qualquer tempo, caso o acordo fosse

    descumprido.

    certo que a reportagem trata de denunciar a utilizao comercial de

    cerca de 340 mil m2de uma rea, que deveria ter uso filantrpico, reafir-

    mando o carter de valor de troca dado pela ao de arrendamento, e no

    o de valor de uso da terra, como previsto no contrato. Todavia, o centro da

    discusso da reportagem no era o desvirtuamento do uso, mas sim osurpreendente baixo preo da transao.

    Segundo o texto jornalstico, o metro quadrado daquele trecho esta-

    ria sendo negociado muito abaixo do estipulado pelo mercado, o que gera-

    va suspeita de favorecimentos e articulao de interesses, com a conivn-

    cia do Estado, entre locador e locatrios. Na matria, apontado como

    surpreendente o caso do arrendamento de 16,5 mil m2no valor de R$ 0,36

    por metro quadrado, para abrigar um dos maiores templos evanglicos do

    mundo pertencente Igreja Universal do Reino de Deus. Para o jornal,o negcio foi fechado a preos simblicos, haja vista que o mercado imo-

    bilirio praticava naquele local preos que variavam de R$ 500,00 a R$

    1.000,00 por metro quadrado.

    Como pode ser verificado na tabela 01, o valor do VUP (Valor Unit-

    rio Padro) estabelecido para este trecho da avenida Antonio Carlos Ma-

    galhes pela Prefeitura Municipal de R$ 465,00. De acordo com informa-

    es da Secretaria da Fazenda, o valor do VUP corresponde a 70% do valor

    estabelecido pelo mercado imobilirio. Assim sendo, podemos considerarque o valor do metro quadrado para aquela rea seria algo em torno de R$

    664,36, o que atesta para ns a importncia da discusso da renda da terra

    como elemento de anlise da produo espacial. Por isso, convm

    retornarmos nossa discusso conceitual. Para tanto, nos apoiaremos

    nas anlises de Gonzles (1985).

    Segundo Gonzles, Marx considerou terra-renda e capital-juros como

    expresses to irracionais como 2 (raiz de 2)2 , na medida em que a

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    renda fixada como preo anual do solo e o juro como preo do capital,

    pois se a expresso contradiz o nmero em suas formas mais simples e

    elementares, aquela contradiz suas formas mais simples como mercado-

    ria e dinheiro. Assim, de acordo com a autora, para Marx, terra-renda arenda como preo da terra exprime a terra como mercadoria, que tem

    valor de uso e tambm valor de troca.

    Entretanto, Marx tambm admite que a renda da terra pode ser con-

    siderada como a renda em trabalho, uma vez que ela torna-se no mais

    lucro, mas sobretrabalho no pago. Melhor explicando, todos os benef-

    cios feitos pelo arrendatrio (digamos usurio ou at mesmo o Estado,

    como o nosso caso) na terra ou imvel sero apropriados pelo propriet-

    rio e includos no valor do solo. Assim, ao vender a terra, o proprietriono vende simplesmente a terra, vende o capital incorporado ao solo que

    no lhe custou nada (BORCHARTT, 1982, p.355).

    Portanto, quaisquer que sejam os benefcios feitos pelo ltimo arren-

    datrio ou usurio, seu sucessor encontrar o proprietrio disposto a au-

    mentar a renda anual na medida do acrscimo de valor dado ao solo pela

    melhoria. Esta idia se traduz no conceito de Renda Diferencial I ou RDI,

    que logo adiante apresentaremos mais detalhadamente. A RDI gerada

    em razo da diferena entre o preo da revenda e o preo da produo, porno estarem atrelados a reguladores na taxa de lucro, j que a produo

    (da localizao do solo propriamente dito) est ligada a uma fora natural,

    ou, no caso da rea estudada, uma fora pblica oferecida pelo Estado.

    Esta fora, que no produzida pelo trabalho do capital privado, e, portan-

    to, no paga, gera sobretrabalho e, conseqentemente, sobrelucro, sen-

    do que no entra nos custos da produo, com o proprietrio ou o agente

    imobilirio passando esse sobrelucro para o seu bolso. Para explicitar mais

    ainda o conceito, consideremos que o sobrelucro transforma-se em rendada terra quando duas quantidades iguais de capital e trabalho so aplica-

    dos em superfcies iguais, mas com resultados diferentes.

    Marx nos explica que, para a definio dos resultados no solo rural, o

    diferencial seria a fertilidade e a localizao, j para o solo urbano, apenas

    a localizao. Sabemos, no entanto, que essa localizao um espao

    relativo, construdo a partir das relaes das redes que nele se inscrevem

    e de acordo com os interesses dos agentes espaciais.

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    Ao transferirmos a discusso para a realidade da cidade, particular-

    mente em Salvador, nos apoiamos mais uma vez em Gonzles (1985),

    entendendo que os problemas urbanos so resultantes da desqualificao

    ou m distribuio do/no espao fsico das cidades brasileiras, e que estesse manifestam atravs do seu quadro construdo. Na viso de vrios auto-

    res como Santos (1959), Kohlsdorf (1985) e da prpria Gonzlez (1985), a

    cidade como quadro construdo concebida como um objeto em movi-

    mento, uma vez que ao se expandir ela se altera, e, em seu processo de

    crescimento, apresenta regularidades onde as formas diferenciadas resul-

    tam das diferentes velocidades do movimento. Portanto, esses movimen-

    tos se expandem para atender no s a uma demanda para uso efetivo,

    por utilidade imediata, mas a uma demanda para reserva ou perspectivade valorizao e especulao. Assim, tambm para Gonzles, h um mo-

    vimento do valor no local urbano, principalmente por intermdio da cons-

    truo de infra-estruturas (redes e vias).

    Acreditamos que tais argumentos aprofundam mais os pontos desta-

    cados por Marx, em sua discusso de sobretrabalho gerando o sobrelucro

    ao solo urbano. Considerando que as determinaes de natureza

    locacionais so relevantes na escala de valores dos imveis, visto que o

    solo urbano recebe melhorias necessrias ao seu uso, na forma dearruamentos, infra-estruturas etc., os lotes privados, por sua vez, benefici-

    am-se destas qualificaes e se valorizam. Parece-nos, mais uma vez,

    adequado associar estas aes ao conceito de Renda Diferencial I, por

    tratar-se da valorao a partir da diferena entre o preo de revenda e o

    preo da produo.

    Em resumo, com base nas idias de Marx, vemos que o solo urbano

    s tem valor ao se realizar para alojamento ou por se tornar edificvel,

    tanto pelo adensamento, quanto pela verticalizao; em suma, como pro-duto do trabalho humano. Nesta perspectiva, a condio de valorizao

    real justamente por poder agregar vantagens concretas ao solo, que de

    forma geral so as seguintes:

    1) fsica: pouco acidentado e resistente3;

    2) qualidade a quantidade de capital fixada ao solo;

    3) escassez;

    4) acessibilidade;

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    5) localizao, considerada como mercadoria, pois o trabalho hu-

    mano e as relaes sociais que criam a localizao;

    6) gabarito fator de multiplicao do solo ou o solo criado.

    Outra vez destaca-se a discusso de que, comparado ao solo rural, o

    solo urbano tambm tem o seu preo regulado pelas condies de produ-

    o nas piores terras, que se caracterizam como menos vantajosas para o

    capital, pois no apresentam a combinao adequada das caractersticas

    apontadas.

    Apresentamos agora uma classificao de diferentes rendas do solo

    urbano, definidas por Marx e utilizadas por diversos autores como Carlos

    (1994), Gonzles (1985) Lipietz (1988) e Souza (1994).

    Renda Absoluta- RA: resulta da diferena entre o preo do mercado

    e os preos da produo do alojamento.

    Renda Diferencial - I(RDI): gerada pelo lucro suplementar obtido

    pela produo de alojamento (algumas vezes idnticos), em condies

    diferenciadas de acessibilidade e gastos reduzidos;

    Renda Diferencial II (RDII): gerada pelo zoneamento urbano, pos-

    sibilitando que determinadas reas demandem mais investimentos aqui

    entendidos como trabalho do que outras, pois necessitam, de acordo

    com as demandas do capital, ser mais luxuosas e/ou maiores e mais bem

    equipadas. Para a RDII, consideramos o preo da produo espacial cons-

    tante, onde o acrscimo da renda caminha paralelamente ao desenvolvi-

    mento do modo de produo.

    Renda de Monoplio- RM: a determinante das medidas de preo

    do solo urbano, conseguida atravs de preos de monoplio, resultandono poder conferido queles que tm a propriedade dos terrenos em estabe-

    lecer os preos.

    Tambm ser til considerarmos como categoria de anlise a DSEU

    (Diviso Social do Espao Urbano), apresentada por Gonzles, uma vez

    que a renda do solo urbano o operador econmico da reproduo da

    DSEU, e o operador econmico que realiza a DSEU a Renda Fundiria

    Urbana.

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    2. As Cambalhotas da Renda do Solo Urbano de Salvador na

    Centralidade do Iguatemi

    Constatamos que a valorao do solo urbano em Salvador passou pordiferentes etapas, resultantes de uma verdadeira acrobacia para o

    legislativo e o executivo municipais, conciliando interesses muitas vezes

    conflitantes, como as demandas do setor da construo civil, das imobili-

    rias, dos movimentos sociais, das igrejas, etc. Para analisarmos tais acro-

    bacias, classificamos em quatro categorias as estratgias adotadas pelo

    planejamento visvel (e invisvel) na produo espacial dessa centralidade.

    So elas: 1) privatizao das terras municipais; 2) produo de escassez;

    3) zoneamento urbano e 4) acessibilidade construda. Tais idias foramaplicadas na interpretao da relao entre renda da terra e renda em

    trabalho, numa tentativa de explicao da valorizao seletiva de alguns

    trechos da cidade do Salvador em detrimento de outros.

    Ainda na expectativa de construir uma explicao sobre a produo

    espacial em Salvador tambm foram consideradas as seguintes variveis:

    reformas na legislao, alocao de infra-estruturas, zoneamento e valo-

    res de venda, como o VUP4, e de impostos como o IPTU (Imposto Predial

    e Territorial Urbano). Essa variao de zoneamento, baseada particular-mente nos valores de venda e dos impostos, pode ser verificada se compa-

    rarmos o comportamento destes no Centro Tradicional Cidade Alta e

    rea do Comrcio e na Centralidade do Iguatemi, como tambm nos

    demais subcentros da cidade (vide Tabelas 01 e 02 mais adiante).

    2.1.A privatizao das terras municipais

    O processo aqui considerado como o de privatizao das terras do

    municpio aquele que se deu no momento em que as terras pblicas de

    cidade, em regime de enfiteuse, so privatizadas. Esta operao proporci-

    onaria aos que adquirissem tais propriedades a possibilidade de gerao

    de renda de monoplio das terras urbanas em Salvador. A maneira como

    se deu tal processo remete-nos anlise das relaes entre propriedade e

    Estado presente na Ideologia Alem de Marx e Engels (1996)5 .

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    Historicamente, at 1968, as terras municipais cerca de 70% da

    rea total pertenciam ao povo de Salvador, pois foram doadas e cedi-

    das ao uso, na forma de enfiteuse6 , por Tom de Souza ao Senado da

    Cmara do Salvador, em 21 de maio de 1552, portanto ao Estado. Todavia,numa perspectiva pragmtica para a expanso das foras produtivas, o

    regime de enfiteuse constitua-se num entrave, sendo, portanto, suprimi-

    do em algumas reas estratgicas da cidade.

    Portanto, na perspectiva marxista, a propriedade da terra em Salva-

    dor que poderia ser classificada como primeira propriedade, ainda em ba-

    ses feudais, mantida como tal desde a fundao da cidade e at a segunda

    metade do sculo XX, passou por um processo de privatizao, amparado

    na premissa da modernizao inexorvel da cidade. E para que fosse pos-svel tal modernizao, era necessrio modificar a estrutura fundiria ur-

    bana. A alternativa adotada pelo Estado foi a venda das terras municipais,

    alegando que, com o capital angariado, seria possvel empreender as re-

    formas necessrias ao desenvolvimento (SOUZA, 1984).

    importante ressaltar que esse processo de venda se deu depois de

    efetuado um minucioso levantamento do patrimnio pblico. De acordo

    com Teixeira (1978), aps uma solicitao verbal Titular do cartrio do

    2 Ofcio de Registro de Imveis e Hipotecas da Comarca de Salvador, asinformaes sobre as terras foram colhidas nos livros desse cartrio, o que

    resultou, em 24 de abril de 1968, na certificao do lavramento de escritu-

    ras pblicas das propriedades do municpio (TEIXEIRA, 1978).

    Assim, aps o conhecimento detalhado das terras, elas ingressaram,

    naquele mesmo ano, na categoria de propriedade privada pura ao serem

    vendidas iniciativa privada. A partir desse momento, o Estado adquiriu

    uma existncia particular, ou seja, ao lado e fora da sociedade civil, geran-

    do um paradoxo, pois o Estado passou a arbitrar sobre a terra pblicacomo entidade privada e disps, arbitrariamente, da propriedade coletiva.

    Ressaltamos, porm, que essa arbitrariedade s ocorre no comrcio, e que

    para um lote de terra, sua renda s se concretiza quando nele se emprega

    capital e trabalho suficientes para torn-lo produtivo e interessante ao uso

    rural ou urbano. Lembramos ainda que, para a discusso terica, tal arbi-

    trariedade ocorre de forma paralela e simultnea evoluo do direito

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    privado e da propriedade privada moderna. a idia do direito de usar e

    abusar jus utendi et abutendi, que dimensiona a propriedade privada de

    forma independente da comunidade, sendo que a vontade privada repou-

    sa na disposio arbitrria da coisa (Marx, Engels, 1996, p.99). Vale desta-car que em Salvador esse processo se deu por intermdio da emancipao

    das terras pblicas em relao comunidade, com a Lei n2.181, de 24 de

    Dezembro de 1968.

    2.2.A produo de escassez

    Consideramos, assim como Brito (1997), que a escassez produzida.

    Este processo se acentuou logo aps as terras serem privatizadas e se cons-

    titurem em monoplios, gerando mais renda de monoplio, que por sua

    vez gerou mais escassez. Para a centralidade do Iguatemi, por exemplo, o

    monoplio das terras se constituiu a partir da firmao dos TAC (Termo de

    Acordo e Compromisso), quando grandes parcelas de terras tiveram suas

    possibilidades de uso limitadas pela legislao ao tipo de construo e pelos

    preos que foram definidos pelos agentes imobilirios (proprietrios de ter-

    ras, compradores construtores e, sobretudo, incorporadores). Souza (1994)

    nos lembra da importncia dos incorporadores, pois so eles que, ao

    desmembrar os terrenos em fraes ideais, criam o solo a ser comercializado.

    no mnimo curioso que o processo de produo da valorizao das

    terras da rea do Iguatemi e seu entorno se deu num movimento seqenciado

    de aes nas quais o Estado, seguindo suas atribuies, mas de forma articu-

    lada com a iniciativa privada, agiu ora como legislador, ora como executor e

    ora como rbitro. Consideramos aqui a seqncia de eventos ocorridos entre

    o final da dcada de 1960 e meados dos anos de 1970 e verificamos que estes

    foram cruciais. Pois, primeiro ocorreu a privatizao de terras da cidade em

    1968; depois proliferaram intervenes localizadas de infra-estruturas, na for-

    ma da construo de vias como as avenidas Juracy Magalhes Jnior, Anto-

    nio Carlos Magalhes, Professor Magalhes Neto e Luiz Vianna Filho; tercei-

    ro, aconteceu a firmao dos TACs, criando os loteamentos para a classe

    mdia e a Zona Homognea da Pituba, em 1976, que delimitou o subcentro

    do Camurugipe (atual entorno do Iguatemi) como rea terciria para atender

    s demandas da populao de alta renda que ali se instalaria; e, por fim, a

    edio da LOUOS e do Cdigo de Obras, nos anos 1980.

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    2.3. O zoneamento urbano

    O zoneamento aconteceu quando se estabeleceu a definio ou

    normatizao do uso do solo em Salvador, via proposta de setorizao das

    funes das atividades de cada rea, o que nos permite associ-lo ao empregoconceitual da Renda Diferencial II RDII, ocorrendo nos termos trabalhados

    por Lojkine (1997, p. 212), como uma interveno jurdica sobre as formas

    de produo no espao da cidade. Em razo do zoneamento foi possvel a

    instalao de equipamentos fixos, importantes para a fluidez prevista, que

    definiram as densidades instaladas e os valores do solo, atribudos por taxas

    como o IPTU, que por sua vez resultaram da variao dos VUPs. Podemos

    verificar essa variao, aplicada rea de estudo, analisando a Tabela 01.

    Tais definies normativas so resultantes das leis de zoneamentoque, desde as dcadas de 1940 com a Lei 701/48, 1950, 1960 e 1970,

    impuseram, atravs de dispositivos legais, impedimentos para o uso alea-

    trio dos espaos urbanos, atuando normativamente sobre o mercado do

    solo. Ainda em vigor, as leis criadas nos anos de 1970, e revisadas nos

    anos de 1980, garantiram a consolidao da rea da centralidade do

    Iguatemi com seu uso especfico. Citamos como exemplo o Decreto n

    5.065, que instituiu a Zona Homognea da Pituba: para atender aos

    objetivos do Projeto Pituba, redefiniu a funo daquela rea, anteriormen-te prevista para uso industrial, passando ao uso residencial e tercirio.

    Este decreto foi complementado pela edio da LOUOS - Lei n 3.377, de

    23 de julho de 1984, do Ordenamento do Uso e da Ocupao do Solo; pelo

    PDDU Lei n3.525, de 11 de setembro de 1985, que dispe sobre o Plano

    Diretor de Desenvolvimento Urbano; e pelo Cdigo de Obras, definido

    pela Lei n3.903, de 25 de julho de 1988, que em conjunto instituram as

    atuais normas relativas execuo de obras do Municpio do Salvador.

    Essas prticas revelam-nos o que Brando (1973, p.258) chamou dezoneamento retoricamente planejado e que cria o espao do mercado.

    Na Figura 01, possvel visualizar a distribuio das diversas

    centralidades (Centro Principal e subcentros) em que predominam o uso

    tercirio das atividades na cidade do Salvador, na qual pode ser verificado

    o destaque da centralidade do Iguatemi, justamente por servir diretamente

    a macrozona da Orla Atlntica, suprindo as demandas de sua populao e

    de outras localidades.

  • 7/25/2019 A Renda da Terra e suas Cambalhotas

    12/22

    40. GeoTextos, vol. 1, n. 1, 2005. Margarete Rodrigues Neves Oliveira 29-50

    Figura 01SALVADOR ZONAS DE CONCENTRAO DE USO TERCIRIOElaborao: Daniella Blinder, 2002.

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    GeoTextos, vol. 1, n. 1, 2005. Margarete Rodrigues Neves Oliveira29-50 .41

    Vale destacar que a LOUOS estabelece textualmente, em seu Art.

    2, ter como objetivo o ordenamento do uso e da ocupao do solo em

    Salvador:

    [...] estabelecer bases sistemticas de referncia e de direito, para o exerccio dopoder de polcia administrativa por parte da Prefeitura Municipal da Cidade doSalvador, em consonncia com as diretrizes do processo de planejamento muni-cipal (PMS, 2001).

    Em outras palavras, esta lei foi orientada, ao que parece, pelas se-

    guintes metas: primeiro, eliminar as externalidades negativas e assegu-

    rar s atividades e aos empreendimentos pblicos e privados, sobretudo

    aos privados, condies locacionais adequadas e de definio precisa, pos-sibilitando programaes confiveis e de implantao segura; segundo,

    de garantir e defender o valor da terra; e, por fim, minimizar o risco de

    aplicaes no rentveis de capitais pblicos e particulares, em iniciativas

    que envolveram a separao e a destinao de unidades imobilirias.

    Alm do zoneamento, definidor dos diversos usos do solo urbano,

    temos, ainda, o estabelecimento de hierarquizao dos valores para fins

    de cobrana tributria, que indica a segregao das reas da cidade, pois

    limita o acesso a terra de acordo com a renda dos usurios e/ou propriet-rios do solo. Os valores de cobrana do IPTU so extrados a partir dos

    valores do VUP7 .

    Analisando a tabela 01, possvel verificar a variao do valor de

    VUP nas principais vias e logradouros que compem as principais

    centralidades de Salvador. relevante atentar para os valores hoje prati-

    cados no entorno da centralidade do Iguatemi, comparativamente muito

    superiores aos da rea do Comrcio, na Cidade Baixa, que exercia a fun-

    o de centro de negcios da cidade (SANTOS, 1959), funo atualmenteassumida pelo entorno do Iguatemi. O comportamento desses valores pode

    ser visualizado no Grfico 01. Em tempo, ressaltamos tambm, os altos

    valores de VUP em trechos da Avenida Sete de Setembro. Estes logradouros

    correspondem, na verdade, a reas residenciais e com padres construti-

    vos, segundo a legislao, de luxo e alto luxo, em zona nobre, nas locali-

    dades da Vitria e da Barra.

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    42. GeoTextos, vol. 1, n. 1, 2005. Margarete Rodrigues Neves Oliveira 29-50

    Tabela 01

    VUP - VALOR UNITRIO PADRO DOS TERRENOS NAS PRINCIPAIS VIAS DO CENTROTRADICIONAL E DO IGUATEMI

    Elaborao: Margarete R. N. Oliveira, 2002.Fonte: PMS, DOM - Dirio Oficial do Municpio, 31/12/1997 e 19/12/2000.* rea residencial

    CENTRALIDADE

    IguatemiIguatemiIguatemiIguatemiIguatemiIguatemiIguatemiIguatemi

    IguatemiIguatemiIguatemiIguatemi

    TradicionalTradicionalTradicionalTradicionalTradicionalTradicionalTradicionalTradicionalTradicionalTradicionalTradicional

    Av Juracy Magalhes JniorRua LucaiaAv Prof Magalhes NetoAv.Antonio Carlos MagalhesAv.Antonio Carlos MagalhesAv.Antonio Carlos MagalhesAv Tancredo NevesAv Tancredo NevesAv Tancredo NevesAv. Luiz Vianna FilhoAv. Luiz Vianna FilhoAv. Luiz Vianna FilhoAv. Sete de SetembroAv. Sete de SetembroAv. Sete de SetembroAv. Sete de SetembroRua Carlos GomesRua ChileAv. da FranaAv. da FranaAv. Estados UnidosRua Miguel CalmonPraa da Inglaterra

    02843-600947-404877-102631-0 A02631-0 B02631-0 C03108-9 A03108-9 B03108-9 C04923-9 A04923-9 B04923-9 C01434-6 A01434-6 B01434-6 C*01434-6 D*000376-000419-7 A00645-0 A00645-0 B00575-41051-0 A00793-5 A

    VALOR DA VUPR$/m2

    157,7862,01

    193,77465,05271,28186,00271,28193,77

    155,02155,02102,3789,21

    193,77193,77325,53310,0490,00

    155,0293,7493,7493,0168,0068,00

    LOGRADOUROS

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    GeoTextos, vol. 1, n. 1, 2005. Margarete Rodrigues Neves Oliveira29-50 .43

    Grfico 01

    Elaborao: Margarete R. N. Oliveira, 2002.Fonte: PMS - Fonte: PMS Lei n 3.525/85; PMS - Lei n 5.311/97.Dirio Oficial do Municpio, 31/12/1997 e 19/12/2000.

    A Tabela 02 mostra as mdias dos VUP nas principais avenidas das

    diferentes centralidades, estabelecidas pelo PDDU. Destacamos que, de

    acordo com esses valores, a ZT-18 , do Centenrio e Chame-Chame, apre-

    senta valores elevados, se considerarmos que esta uma centralidade de

    menor importncia na cidade, correspondendo, essencialmente, rea do

    ShoppingBarra. Este fato se deve contaminao dos valores de VUP,

    por se encontrarem numa rea de domnio de uso residencial em zonanobre, de padro construtivo de luxo e alto luxo, criando, com isso, uma

    distoro na anlise do valor do solo segundo a funo de comrcio e

    servios. Fato semelhante ocorre com o subcentro de So Cristvo, que

    tem como logradouro principal a Avenida Otvio Mangabeira, que percor-

    re quase toda a orla atlntica de Salvador, contaminando, com isso, a

    avaliao de VUP naquele centro. O comportamento desses valores pode

    ser visualizando na Tabela 02 e no Grfico 02.

    Valores de VUP dos Terrenos das Vias noCentro Tradicional e no Iguatemi (em reais)

    0

    50

    100

    150

    200

    250

    300

    350

    400

    450

    500

    AvJuracyMagalhesJnior

    RuaLucaia

    AvTancred

    oNeves

    Av.

    LuizVian

    naFilho

    Av.

    LuizVian

    naFilho

    Av.SetedeSetembro

    Av.SetedeSetembro

    RuaChile

    Av.daFrana

    RuaMiguel

    Calmon

    Av.

    Pro

    f.M

    agalh

    es

    Ne

    to

    Av.

    An

    ton

    ioC

    arlosM

    aga

    lhes

    Av.

    An

    ton

    ioC

    arlosM

    aga

    lhes

    Av.

    An

    ton

    ioC

    arlosM

    aga

    lhes

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    Tabela 02

    VUP - VALOR UNITRIO PADRO MDIO NAS REAS CENTRAIS DE SALVADOR - (EM REAIS)

    Elaborao: Margarete R. N. Oliveira, 2002.Fonte: PMS Lei n 3.525/85; PMS - Lei n 5.311/97.ZT (Zona Terciria); RA (Regio Administrativa)

    Grfico 02

    Elaborao: Margarete R. N. Oliveira, 2002.Fonte: PMS / DOM - Dirio Oficial do Municpio, 31/12/1997 e 19/12/2000.

    ZONADE CONCENTRAODE USO DO SOLO*

    ZT-1 / RA-06ZT-02 / RA-01ZT-03 / RA-01ZT-04 / RA-01ZT-05 / RA-01ZT-06 / RA-01ZT-07 / RA-01ZT-08 / RA-02ZT-09 / RA-04

    ZT-10 / RA-08ZT-11 / RA-13ZT-12 / RA-13ZT-13 / RA-10

    LOCALIZAO

    Chame-Chame/ CentenrioSo Pedro /PoliteamaComrcio Cidade BaixaSBaixa dos SapateirosSadeComrcio / gua de Meninos/ CaladaCaladaLiberdade/ Guarani

    IguatemiJaguaribe/ CajazeirasPau da LimaSo Cristvo

    VUP R$/m2

    233,8118,3292,4075,7566,4362,9759,5457,0020,3

    191,8810,121

    9,7366,9343

    Variao dos Valores Mdios de VUP nas

    reas Centrais de Salvador (em reais)

    0

    50

    100

    150

    200

    250

    Chame-C

    hame/Centenrio

    So

    Pe

    dro/Po

    liteama

    Comrcio/Cida

    de

    Baixa S

    Baixa

    dos

    Sapateiros

    Sade

    Comrciogua

    de

    Meninos

    Ca

    la

    da

    Liberda

    de/Guarani

    Iguatemi

    Jaguari

    be/Cajazeiras

    Pau

    da

    Lima

    So

    Cristvo

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    GeoTextos, vol. 1, n. 1, 2005. Margarete Rodrigues Neves Oliveira29-50 .45

    3. A acessibilidade construda

    Resgatando a discusso j realizada anteriormente, vemos que no

    momento em que a pior terra transformou-se na melhor terra isto ,quando essa terra conseguiu combinar socialmenteos meios de produo

    e reproduo de uma forma social (Lojkine, 1997, p.186) o valor do solo

    da regio do Iguatemi e seu entorno passou a variar em relao s reas

    onde no existia essa conjugao de infra-estrutura instalada e acessibili-

    dade (de toda natureza). Em outras palavras, devido presena do traba-

    lho cristalizado na forma de melhorias urbanas e pela localizao das

    terras em relao s demais reas da cidade, observamos que se materia-

    lizaram nessa rea condies diferenciadas, como acessibilidade e gastosreduzidos ou suprimidos, para torn-la uma nova centralidade em Salva-

    dor9 , validando a aplicao do conceito de Renda Diferencial I, definida

    pelo acrscimo de valor dado pela melhoria do solo.

    Acreditamos que o fato do stio inicial, daquela que viria a ser a

    centralidade do vale do Camurugipe, ter sido, na gnese da sua ocupao

    para fins comerciais, um vazio demogrfico e sem construes, foi rele-

    vante para sua ocupao. Isso eliminou custos com desapropriao e de-

    molies onerosas, a exemplo das realizadas no incio do sculo XX porJ.J. Seabra, ao modernizar o Centro Tradicional da cidade, que, algum

    tempo depois, seria praticamente abandonado pelas atividades originais.

    importante destacar que esses argumentos, das vantagens locacionais,

    fizeram parte dos fatores determinantes para escolha do stio e esto

    registrados no estudo preliminar do Projeto Pituba (SALVADOR, 1977).

    Outro elemento de valorizao das terras na rea da centralidade do

    Iguatemi foi certamente sua localizao e a facilidade de acesso em rela-

    o s outras reas economicamente importantes, no somente para a

    cidade, como tambm para o Estado da Bahia e toda a Regio Nordeste, a

    saber: o CIA (Centro Industrial de Aratu) e o COPEC (Complexo

    Petroqumico de Camaari).

    4. Consideraes Finais

    Ao considerarmos os processos de organizao espacial de Salvador,

    verificamos que a centralidade do Iguatemi, inicialmente classificada ape-

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    nas como rea comercial e, a partir da edio do PDDU (Plano Diretor do

    Desenvolvimento Urbano), passando a ser chamada de subcentro do

    Camurugipe, atualmente o mais importante centro tercirio de Salva-

    dor. Circundada pela Avenida Tancredo Neves, bem como por suas exten-ses de usos mltiplos ou com concentraes lineares nas Avenidas Anto-

    nio Carlos Magalhes e na Juracy Magalhes Jnior, essa centralidade

    encontra-se bem servida de vias expressas, coletoras e conectoras, esta-

    es de transbordo, passarelas para pedestres e sistemas de telecomuni-

    caes. Tambm est vantajosamente localizada em relao a importan-

    tes reas para a economia da cidade e do Estado, distando cerca de 7,2 Km

    do Centro Tradicional; 5,7 Km do Centro Administrativo; em torno de 17,0

    Km do aeroporto e 28,0 Km do CIA, com rpido acesso rodovia federalBR 324.

    Portanto, buscamos neste artigo mostrar a relao entre as aes dos

    polticos, dos tcnicos de planejamento do governo, das construtoras, dos

    bancos de desenvolvimento e dos agentes imobilirios, destacando seu

    papel no processo de produo desta centralidade, como tambm o lado

    obscuro do planejamento urbano em Salvador, tornando o invisvel vis-

    vel (i.e., revelando o processo de produo do espao, no qual o poder dos

    agentes governamentais e privados influenciou seu formato final)Contudo, antes de concluir esta discusso, sobre a renda da terra e seu

    papel na composio da centralidade estudada, vale lembrar que no o

    valor da terra que determina a magnitude da renda, mas esta que deter-

    mina o preo dos terrenos. Ou seja, a renda fruto da capacidade que um

    dado trecho do espao, acrescido de trabalho, tem de gerar lucro ao seu

    proprietrio, ainda que no tenha sido este o agente da materializao des-

    se trabalho.

    A Figura 2, concebida com base em Gonzles (1985), Marx (1985) eSouza (1994), representa uma tentativa de ilustrar a formao do valor e

    do preo do solo. Essa capacidade do solo de gerar lucro pode ser desen-

    volvida tanto no presente, como tambm num futuro, prximo ou distan-

    te, atravs da induo do que se deve construir sobre ele, os nveis de

    suas edificaes e seus usos, principalmente quando multiplicados na for-

    ma da verticalizao.

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    GeoTextos, vol. 1, n. 1, 2005. Margarete Rodrigues Neves Oliveira29-50 .47

    Figura 02

    ESQUEMA DE FORMAO DO VALOR E DO PREO DA TERRA

    Elaborao: Margarete R. N. Oliveira, 2002.

    Para finalizar a presente anlise ressaltamos que, mesmo com a

    constatao de que a terra pode ser compreendida como mercadoria

    ainda que haja algumas divergncias interpretativas sobre essa viso ,

    existem possveis alternativas dominao da cidade e de suas formas

    pelo capital, que a transforma em mais um produto ao enfatizar seu valor

    de troca, portanto seu valor como mercadoria, e no como uma obra de

    carter coletivo, por seu valor de uso.

    Tal alternativa pode ser encontrada na observao e adoo das

    diretrizes da Lei Federal n 10.257, de 10 de julho de 2001, conhecida

    como Estatuto da Cidade. Este instrumento caracteriza-se por prever a

    necessidade da promoo da cooperao entre os diversos setores da soci-

    edade e o governo, em atendimento aos interesses sociais, como tambm

    determina a recuperao dos investimentos do Poder Pblico de que te-

    nha resultado a valorizao de imveis urbanos.

    P (Trabalho) M (Terra)

    Valor

    Preo

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    Notas1Este artigo uma verso do captulo 3 da dissertao de Mestrado: A rea do Iguatemi: o

    novo centro econmico da cidade do Salvador, uma anlise da produo espacial de novascentralidades da prpria autora.

    2Um nmero irracional aquele que no pode ser escrito na forma de frao. So nmerosincomensurveis. Sua parte decimal infinita. No seu texto original, Suely Gonzlesexemplifica como nmero irracional 3 (raiz de 3), e no 2 (raiz de 2), entretanto este na verdade pertencente ao conjunto dos nmeros complexos (SILVEIRA E MARQUES,1995). relevante destacar que essa observao refora o carter sui generis da terraenquanto mercadoria.

    3 Souza (1994), ao discutir as condies fsicas para a edificao, na cidade de So Paulo,concluiu que esta variante pode ter sua importncia diminuda frente s possibilidades quea tecnologia oferece para corrigir as possveis dificuldades construo.

    4 importante lembrar que o valor do VUP incide sobre o clculo do IPTU, e este, de acordocom dados da SEFAZ, equivale a 70% do valor dado pelo mercado imobilirio. O VUP, bemcomo o IPTU, tiveram a fixao das bases de clculo definidas pelo Decreto n 9.207 de 11/

    11/1991.5Segundo Marx e Engels (1996, p.98), a primeira forma de propriedade a propriedadetribal, constituindo-se em propriedade do Estado. Os indivduos tm direito a ela na formade posse e esta se limita propriedade da terra.

    6 Enfiteuse ou aforamento: instrumento jurdico de parcelamento da terra, institudo noBrasil colonial, que consiste no direito real por parte do enfiteuta de cultivar e utilizar, emperptuo, o imvel alheio (domnio til) mediante penso, sem, contudo, destruir-lhe asubstancia (domnio pleno ou direto), que permanece com o titular (GOMES, 1978, in:TEIXEIRA, 1978 e SOUZA, 2002, in: LUZ [et al.], 2002, p.168).

    7 Lembramos que atualmente esses dois ndices seguem critrios que foram estabelecidospelo Decreto n 9.207/91, que estabelece os padres construtivos para as diversas reas dacidade e pela Lei n 5.849/2000, que no seu Art. 3 classifica as zonas de localizao dos

    imveis, para fins de cobrana ou iseno dos impostos, como: popular, aqueles logradouroscom valor de VUP dos seus terrenos inferiores a R$ 53,35 (cinqenta e trs reais e trinta ecinco centavos); mdia, os logradouros de VUP superior a R$ 53,35 (cinqenta e trs reaise trinta e cinco centavos) e inferior a R$ 213,30 (duzentos e treze reais e trinta centavos); epor fim as zonas nobres, com logradouros cujos VUP dos terrenos so superiores a R$213,30 (duzentos e treze reais e trinta centavos).

    8ZT Zona Terciria, em Salvador existem 13 dessas Zonas.

    9Atualmente a Lei Federal n10.257, de 10 de julho de 2001, ou o Estatuto da Cidade, no seuArt. 2, obriga o ressarcimento ao Estado dos investimentos efetivados pelo Poder Pblico quetenham como resultado a valorizao de imveis urbanos. Antes do Estatuto da Cidade talobrigatoriedade no existia, fato que deve ter permitido que a iniciativa privada angariassevultosos lucros no mercado imobilirio em Salvador, sobretudo na rea estudada.

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