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RDS VI (2014), 3‑4, 617‑641 A relevância da base negocial subjetiva nos atos constitutivos do status socii : análise de dois casos reais MESTRE DIOGO PEREIRA DUARTE Sumário: I. Os casos reais. II. A alteração das circunstâncias no domínio societário. III. Hipó‑ teses de enquadramento jurídico da perturbação da base do negócio subjetiva com impacto no status socii: (i) As abordagens em outros ordenamentos; (ii) Ensaio para uma solução perante o Direito português: a) Frustração do fim do investimento subjacente ao ato constitutivo do status socii; b) Frustração do fim da sociedade; c) Finalidades comuns inerentes a cláusulas indivi‑ duais. IV. As consequências jurídicas. V. Conclusão. I. Os casos reais Apresentámos na Faculdade de Direito uma dissertação que sustenta a rele- vância da alteração das circunstâncias no domínio das sociedades comerciais, e a aplicabilidade do artigo 437.º, do Código Civil 1 , como meio de provocar a modi- ficação ou cessão do status socii nesses casos. 1 A indicação de preceitos legais sem indicação da respetiva fonte reporta-se ao Código Civil. Sobre a alteração das circunstâncias cfr. V az Serra, Resolução ou Modificação dos Contratos por Alteração das Circunstâncias, BMJ, 68, Lisboa, 1957, pp. 293-384 e ss.; Anotação ao Ac. STJ, de 27 de outubro de 1970, em RLJ, 104, 1971, p. 214-215; Anotação ao Ac. STJ, de 21 de dezembro de 1973, em RLJ, 108, 1975, pp. 7-16; Anotação ao Ac. do STJ de 6 de abril de 1978, em RLJ, 111, 1979, pp. 345-352 e 354-356; Anotação ao Ac. do STJ de 10 de janeiro de 1980, em RLJ, 113, 1981, pp. 361-368 e 376-384; Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7.ª edição, Coimbra, 1997, pp. 365 e ss.; António Pinto Monteiro, Erro e Vinculação Negocial, 2.ª reimp., Coimbra, 2010; Oliveira Ascensão, Onerosidade Excessiva por Alteração das Circunstâncias, em “Estudos em Memória do Professor Doutor José Dias Marques”, Coimbra, 2007, pp. 515 e ss. = ROA, 2005, pp. 625-648; Direito Civil: Teoria Geral: Acções e Factos Jurídicos, 2.ª edição, vol. II, Coimbra, 2003, pp. 148 e ss.; Direito Civil: Teoria Geral: Relações e Situações Jurídicas, III, Coimbra, 2002, pp. 184 e ss.; Menezes Cordeiro, Da Alteração das Circunstâncias, in “Estudos em Memória do Professor Doutor Paulo Cunha”, Lisboa, 1989, pp. 293-371; Convenções Colectivas de Trabalho e Alteração das

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A relevância da base negocial subjetiva nos atos constitutivos do status socii: análise de dois casos reais

MestRe dioGo PeReiRa dUaRte

sumário: I. Os casos reais. II. A alteração das circunstâncias no domínio societário. III. Hipó‑teses de enquadramento jurídico da perturbação da base do negócio subjetiva com impacto no status socii: (i) As abordagens em outros ordenamentos; (ii) Ensaio para uma solução perante o Direito português: a) Frustração do fim do investimento subjacente ao ato constitutivo do status socii; b) Frustração do fim da sociedade; c) Finalidades comuns inerentes a cláusulas indivi‑duais. IV. As consequências jurídicas. V. Conclusão.

i. Os casos reais

apresentámos na Faculdade de direito uma dissertação que sustenta a rele-vância da alteração das circunstâncias no domínio das sociedades comerciais, e a aplicabilidade do artigo 437.º, do código civil1, como meio de provocar a modi-ficação ou cessão do status socii nesses casos.

1 a indicação de preceitos legais sem indicação da respetiva fonte reporta -se ao código civil. sobre a alteração das circunstâncias cfr. vaz serra, Resolução ou Modificação dos Contratos por Alteração das Circunstâncias, BMJ, 68, Lisboa, 1957, pp. 293 -384 e ss.; Anotação ao Ac. STJ, de 27 de outubro de 1970, em RLJ, 104, 1971, p. 214 -215; Anotação ao Ac. STJ, de 21 de dezembro de 1973, em RLJ, 108, 1975, pp. 7 -16; Anotação ao Ac. do STJ de 6 de abril de 1978, em RLJ, 111, 1979, pp. 345 -352 e 354 -356; Anotação ao Ac. do STJ de 10 de janeiro de 1980, em RLJ, 113, 1981, pp. 361 -368 e 376-384; Galvão telles, Direito das Obrigações, 7.ª edição, coimbra, 1997, pp. 365 e ss.; antónio Pinto Monteiro, Erro e Vinculação Negocial, 2.ª reimp., coimbra, 2010; oliveira ascensão, Onerosidade Excessiva por Alteração das Circunstâncias, em “estudos em Memória do Professor doutor José dias Marques”, coimbra, 2007, pp. 515 e ss. = Roa, 2005, pp. 625-648; Direito Civil: Teoria Geral: Acções e Factos Jurídicos, 2.ª edição, vol. ii, coimbra, 2003, pp. 148 e ss.; Direito Civil: Teoria Geral: Relações e Situações Jurídicas, iii, coimbra, 2002, pp. 184 e ss.; Menezes cordeiro, Da Alteração das Circunstâncias, in “estudos em Memória do Professor doutor Paulo cunha”, Lisboa, 1989, pp. 293 -371; Convenções Colectivas de Trabalho e Alteração das

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sucede que têm sido discutidos nos meios de comunicação social dois casos reais que, na nossa perspetiva, permitem confirmar algumas conclusões, razão pela qual nos parece oportuno proceder à sua análise neste momento: o primeiro caso, e certamente de maior mediatismo, respeita ao processo de fusão, combi-nação de negócios, ou aliança industrial, entre a Pt e a sociedade brasileira oi; e o segundo respeita à intenção de diversas autarquias acionistas de expulsar o estado, através da empresa Geral de Fomento, da sociedade valorsul, s.a., em resultado do processo da reprivatização daquela sociedade.

no primeiro caso2, como é facto sobejamente conhecido, foi assinado um memorando de entendimento relativo a um processo que culminaria numa fusão entre a Pt e a oi, de maneira constituir -se uma sociedade luso -brasileira, cotada

Circunstâncias, Lisboa, 1995; Da Boa Fé no Direito Civil, coimbra, 1997, pp. 903 e ss., Tratado de Direito Civil II: Direito das Obrigações, tomo iv, coimbra, 2010, pp. 259 -333; Ferrer correia -Lobo Xavier, Contrato de Empreitada e Cláusula de Revisão; Interpretação e Erro; Alteração das Circunstâncias e Aplicação do Art. 437.º do Código Civil, em “Revista de direito e economia”, 4, i, pp. 83 e ss.; Lobo Xavier, Alteração das Circunstâncias e Risco (art.º 437.º e 796.º do código civil), cJ, viii, 1983, pp. 17 -23 e ss.; almeida costa, Direito das Obrigações, 12.ª edição, coimbra, 2011, pp. 323 e ss; carvalho Fernandes, A Teoria da Imprevisão no Direito Civil Português, BMJ, 128, 196, pp. 5 -282 e A Teoria da Imprevisão no Direito Civil Português, reimpressão com nota de atualização, Lisboa, 2001; Teoria Geral do Direito Civil, ii, 5.ª edição, 2010, pp. 217 e ss.; carneiro da Frada, Crise Financeira Mundial e Alteração das Circunstâncias: Contratos de Depósito vs. Contratos de Gestão de Carteiras, em Roa, vol. iii/iv, ( Jul./dez), Lisboa, 2009, pp. 633 -695; edwald Hörster, A Parte Geral do Código Civil Português: Teoria Geral do Direito Civil, coimbra, 2012, pp. 576 -582; Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. ii, 8.ª edição, coimbra, 2011, pp. 133 -144 e O Enriquecimento sem Causa no Direito Civil: Estudo Dogmático sobre a Viabilidade da Configuração Unitária do Instituto, face à Contraposição entre as Diferentes Categorias de Enriquecimento sem Causa, Lisboa, 1996, pp. 350--352 e 519 -522; Pedro Romano Martinez, Da Cessação do Contrato, Lisboa, 2.ª edição, 2006, pp. 157 e ss.; João castro Mendes, Teoria Geral do Direito Civil, ii, 1995, pp. 145, 346 e ss. e 372 e ss.; carlos alberto Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª edição, coimbra, 1996, pp. 597 e ss.; antunes varela, Das Obrigações em Geral, vol. ii, 7.ª edição, coimbra, 1999, P. 281 e ss; antunes varela -Henrique Mesquita, Resolução ou Modificação do Contrato por Alteração das Circunstâncias (parecer jurídico), cJ, vii, ii, pp. 5 -17; antunes varela -Pires de Lima, Código Civil Anotado, 4.ª edição, vol. i, coimbra, 2010, pp. 412 e ss.; Pais de vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 7.ª edição, coimbra, 2012, pp. 307 -324; antónio Pinto Monteiro, Erro e Vinculação Negocial, coimbra, 2002, pp. 25 -31; diogo Pereira duarte, Modificação dos Contratos Segundo Juízos de Equidade (Contributo para a Interpretação dos Artigos 252.º, n.º 2, e 437.º do Código Civil), em “Revista o direito”, coimbra, 2007, pp.141 -213 e Causa: Motivo, Fim, Função e Fundamento no Negócio Jurídico, em “estudos em Homenagem do Professor doutor José de oliveira ascensão”, vol. i, coimbra, 2008, pp. 431-461; Henrique sousa antunes, A Alteração das Circunstâncias no Direito Europeu dos Contratos, em cdP, n.º 47, Julho/setembro 2014, pp. 3 -21; Paulo Mota Pinto, Contrato de Swap de Taxas de Juro, Jogo e Aposta e Alteração das Circunstâncias, RLJ, ano 144, 3988, pp. 27 -56.2 a matéria factual relativa a este processo, incluindo uma cronologia, pode ser encontrada na informação privilegiada disponibilizada aos investidores pela Pt sGPs, e que está disponível do site da cMvM, desde 15.01.2015, onde se encontram em anexo os pareceres subscritos pelos

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no Brasil e em nova iorque, que atuaria, com manutenção das respetivas marcas comerciais, no mercado dos dois países. esse memorando de entendimento veio a ser alterado, por força da falta de pagamento de uma aplicação financeira na holding do Grupo espírito santo, mas com manutenção dos pressupostos anteriores quanto à combinação de negócios.

nos termos da operação projetada, a Pt sGPs deveria subscrever parcial-mente um aumento de capital da oi, realizando uma participação de capital em espécie correspondente à totalidade dos seus ativos operacionais em Portugal, na medida em que entregaria títulos representativos da totalidade do capital social da Pt Portugal, titular desses ativos.

após ter sido realizada a referida participação de capital, a oi alegou dificul-dades com credores e ajustou a alienação da Pt Portugal à operadora francesa altice, aprovou essa venda, e pediu autorização à Pt sGPs para prosseguir com a mesma.

a questão que se coloca é: uma vez que a combinação de negócios era o fim da subscrição do aumento de capital da oi, e a razão pela qual se procedeu à entrega da Pt Portugal, poderia a Pt sGPs fazer cessar a subscrição do aumento de capital, com a consequente cessação do seu status socii naquela sociedade, assim recuperando os ativos operacionais em Portugal?

o outro caso respeita à valorsul s.a. esta sociedade foi uma sociedade anónima constituída, entre o estado, através da empresa Geral de Fomento, com uma posição maioritária, e diversos municípios, para assegurar o tratamento intermunicipal de resíduos sólidos urbanos. os municípios de Lisboa, Loures, amadora, vila -Franca -de -Xira e odivelas alegam que a aceitação em integrar a estrutura acionista da sociedade se fez com determinada pressuposição, ou seja, a manutenção do caráter público do sistema de tratamentos dos resíduos sólidos urbanos entre os municípios acionistas, o que é uma atribuição dos municípios. contra esta pressuposição o Governo promoveu a alienação da maioria de ações representativas do capital social da sociedade empresa Geral de Fomento, que passou a estar sob controlo de entes privados, deixando o estado de ter o controlo da valorsul. como se lê num comunicado distribuído à imprensa pela câmara Municipal de Lisboa, a propósito da convocação de uma assembleia -geral para excluir o acionista empresa Geral de Fomento: não foi assegurado “o respeito pelas bases que fundamentaram a constituição da Valorsul”3.

Professores eduardo Paz Ferreira e ana Perestrelo de oliveira, e Professor João calvão da silva, que incluem um enunciado factual muito relevante. 3 ver notícia em <http://economico.sapo.pt/noticias/camara -de -lisboa -lidera -movimento -para-expulsar -egf -da -valorsul_208514.html>.

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nestes dois casos coloca -se a questão: é juridicamente relevante a pressupo-sição das partes quanto à evolução de factos futuros, sendo que eles justificaram a vontade subjacente aos atos jurídicos da qual emerge o status socii? Por outras palavras, é relevante a base negocial subjetiva nesses atos dos quais emerge o status socii?

ii. A alteração das circunstâncias no domínio societário

a questão da alteração das circunstâncias sobre os atos constitutivos do status socii surge nos casos em que a alteração das circunstâncias atinge o contrato constitutivo de sociedades comerciais, ou outros negócios jurídicos – cele-brados com a sociedade ou com sócios – dos quais emerge o status socii naquelas sociedades.

no caso da valorsul, temos um problema de alteração das circunstâncias que atinge o contrato de sociedade, pois está em causa uma possível alteração ao fim da própria sociedade4. no caso da Pt temos em discussão o negócio entre o sócio e a sociedade que decorre do facto complexo em que se consubstancia a deliberação de aumento de capital e a declaração de subscrição do mesmo, tendo sido afetado o fim do investimento.

em qualquer dos casos a questão é apenas relativa a uma vertente da alteração das circunstâncias a que, na linha da teoria da pressuposição, referimos hoje como base negocial subjetiva, e que pode ser definida como a representação psicológica de uma ou das duas partes quanto à evolução futura de acontecimentos, essencial à vontade de contratar de ambas, ou de apenas uma delas nos casos em que, tendo sido comunicada essa representação à outra parte, a boa fé, tendo em atenção o conteúdo do contrato, determine a imputação daquela representação a ambas as partes, por dizer respeito a circunstâncias fundamentais desse mesmo contrato. existe, pois, um critério psicológico mas também normativo para a relevância da alteração das circunstâncias, esse último ditado pela boa fé.

trata -se de um tipo de casos de alteração das circunstâncias discutido nos diversos ordenamentos jurídicos em torno das expressões subjektive geschäfts‑grundlage, presupposizione, cause de l’obligation, causa de la obligacion, ou frustration of purpose.

4 Uma vez que a constituição da valorsul resultou de decreto -lei e, em parte, da fusão operada entre sociedades pré -existentes, o contrato de sociedade em causa, para efeitos de aplicação do presente regime, decorre dos atos de vontade política e negocial que resultaram na composição acionista prevista no artigo 7.º, n.º 2, dos estatutos, aprovados pelo artigo 6.º, n.º 1, do decreto -lei n.º 68/2010, de 15 de Junho, vontade essa expressamente referida no preâmbulo do diploma.

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a doutrina admite, tanto à luz do direito estrangeiro5 como do direito nacional6, que o instituto da alteração das circunstâncias se possa aplicar ao contrato de sociedade e ter impacto no status do sócio. da letra da lei ou da sua teleologia não resulta que o preceito não se possa aplicar à sociedade civil sob forma civil, de onde se especializam os contratos de sociedades comerciais. ao contrário do que sucede noutros ordenamentos, o regime estabelecido no artigo 437.º, n.º 1, não circunscreve o âmbito de aplicação aos contratos sinalagmáticos nem estabelece a sua inaplicabilidade aos contratos aleatórios, o que poderia suscitar dúvidas, já que o sinalagma no contrato de sociedade é particular7 e os negócios pelos quais se adquire o status socii têm elementos de aleatoriedade, designadamente o contrato de sociedade. acresce que o carácter duradouro da relação jurídica implicada na constituição ou participação na generalidade das sociedades comerciais e, portanto, a duração tendencialmente ilimitada do status do sócio dele emergente, colocam a hipótese, em abstrato, como propícia à aplicação do instituto8.

a aplicação do instituto às sociedades comerciais surge ainda facilitado pela interpretação que fazemos dos requisitos de aplicação do artigo 437.º, n.º 1, e que justificámos desenvolvidamente em outra sede. esses requisitos não são de apli-cação cumulativa e devem ser entendidos em sistema móvel: eles traduzem apenas fatores a ponderar para se chegar a uma conclusão de inexigibilidade de manu-tenção da vinculação contratual por aplicação dos critérios emergentes da boa fé.

5 Larenz -Wolf, Allgemeiner Teil des Bürgerlichen Rechts, 9.ª edição, München, 2004, nm 25, p. 704; Baier, Die Störung der Geschäftsgrundlage im Recht der Personengesellschaften, nzG 2004, p. 356; Haarmann, Wegfall der Geschäftsgrundlage bei Dauerrechtsverhältnissen, 1979; Matthias Lorenz, Der Anwendungsbereich des § 313 BGB bei Personengesellschaftsverträgen, 2009; Helmut Köhler, Rückwirkende Vertragsanpassung bei Dauerschuldverhältnissen?, Fs ernst steindorff zum 70 Geburtstag, 1990; Harm -Peter Westermann, Die Anpassung von Gesellschaftsverträgen an veränderte Umstände, Fs Wolfgang Hefermehl zum 70, 1976; christian Hey, Ergänzende Vertragsauslegung und Geschäftsgrundlagenstörungen im Gesellschaftsrecht, Hamburg, 1990; Karsten schmidt, HGB § 105/Münchner Kommentar zum Handelsgesetzbuch, 2 edição, 2006, nm 164 -167, pp. 65 -77 e Gesellschaftsrecht, 4. ed., 2002, Köln, pp. 126 -135; Roth, § 313/Münchener Kommentar zum Bürgerlichen Gesetzbuch, 2, Schuldrecht Allgemeiner teil, 5.ª ed., 2007, nm 117 -120, pp. 1777 e ss. e Die Anpassung von Gesellschaftsverträgen, Fs Heinrich Honsell, 2002, pp. 576 -585, tobias Lettl, Die Anpassung von Personengesellschaftverträgen (GbR, oHG) aufgrund von Zustimmungspflichten der Gesellschafter, acP, 202, 2002, pp. 3 -38.6 Menezes cordeiro, Manual de Direito das Sociedades: Parte Geral, i, 3.ª edição, coimbra, 2011, p. 635; Luís Menezes Leitão, Pressupostos da Exclusão dos Sócios nas Sociedades Comerciais, 2.ª reimpressão, 2004, pp. 76 e 77.7 Menezes Leitão, Pressupostos… ob. cit., pp. 33 e ss. e Filipe cassiano dos santos, Estrutura Associativa e Participação Societária Capitalística: Contrato de Sociedade, Estrutura Societária e Participação do Sócio nas Sociedades Capitalísticas, coimbra, 2006, p. 218.8 Karsten schmidt, Gesellschaftsrecht…ob. cit., p. 126.

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Mas, em contrapartida, uma vez que nesses contratos aparece instituída, ou está em causa, uma pessoa jurídica com consistência jurídico -social e que produz efeitos para terceiros com ela relacionados, qualquer abordagem deve levar esse fator em consideração e ser, consequentemente, extremamente cautelosa, parti-cularmente, nas hipóteses em que tal se justifique, na adaptação às circunstâncias com efeito retroativo, designadamente na cessação retroativa da situação jurídica do sócio9 que apenas excecionalmente será de admitir. idêntica cautela se justifica pela necessidade de assegurar uma posição de igualdade entre os diversos sócios da sociedade comercial. esses são os fatores a considerar e que justificam a exis-tência de um princípio de direito societário, particularmente intenso nas socie-dades de capitais, que é o princípio de conservação do capital, o Kapitalerhaltung.

a solução da alteração das circunstâncias, quando deva implicar a saída do sócio e não a modificação do contrato, só se coloca, em princípio, num cenário de falta de liquidez da participação social, pois de outra forma a lesão provocada pela alteração das circunstâncias será resolvida, na nossa perspetiva, pela saída da socie-dade por via da aplicação de um mecanismo de mercado, que é a solução preferível pois é a que menos perturba a posição dos implicados na sociedade, sejam sócios

9 Roth, § 313/Münchener Kommentar…ob. cit, nm 117, p. 1777. a questão da destruição retroativa do status do sócio de uma sociedade civil esteve em análise no ac. do tJce, de 15.04.2010, [proc. n.º processo c -215/08], E. Friz GmbH vs. Carsten von der Heyden, em que se discutia um caso de resolução de um contrato de aquisição de um fundo imobiliário constituído sob a forma de sociedade civil. o Bundesgerichtshof, que era o tribunal de reenvio, sustentou que a sua prática jurisprudencial era a de que o adquirente, em caso de resolução, tinha apenas um direito ao saldo resultante do acerto de contas final calculado em função do valor da sua participação no momento em que abandona o fundo, obtendo, assim, eventualmente, a restituição de um montante inferior ao da sua entrada ou estando mesmo sujeito a participar nas perdas do referido fundo, justificando que essa prática se destina a assegurar, em conformidade com os princípios gerais do direito civil, um equilíbrio satisfatório e uma repartição equitativa dos riscos entre as diferentes partes interessadas. de acordo com essa solução, o adquirente pode restituir as suas quotas assumindo, ao mesmo tempo, uma parte dos riscos inerentes ao investimento de capitais. Por outro lado, permite que outros sócios e terceiros credores não sejam obrigados a suportar as consequências financeiras da resolução desta adesão que, de resto, teve lugar na sequência da assinatura de um contrato de que não são partes. com base nessa argumentação o tJce entendeu que essa prática jurisprudencial não seria contrária ao artigo 5.º, n.º 2, da diretiva 85/577/cee. a questão da destruição retroativa do status de acionista de uma sociedade anónima cotada em bolsa esteve em análise no ac. do tJce, de 19.12.2013, [processo c-174/12], Alfred Hirmann vs. Immofinanz AG, onde se colocaram também as questões de proteção de credores e de igualdade entre acionistas à luz da diretiva 77/91/cee do conselho, de 13 de dezembro de 1976, e da diretiva 2009/101/ce do Parlamento europeu e do conselho, de 16 de setembro de 2009, e em que o tribunal admitiu a possibilidade de destruição retroativa do status do sócio, com imposição da devolução da participação de capital realizada em resultado de erro sobre informação relevante que era impotável à própria sociedade. sobre o tema, Roth, Kapitalerhaltung versus Prospekthaftung, JB, 2012, 134, pp. 73 -86.

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ou credores. ou seja, um requisito específico de uma solução da alteração das circunstâncias no domínio societário com uma finalidade extintiva – certamente enquadrável no requisito da lesão provocada pela alteração das circunstâncias – é a sua aplicação a uma sociedade fechada, mas independentemente do tipo societário que esteja em causa. deve notar -se, desde já, que a própria alteração das circuns-tâncias que torna inexigível para um sócio a manutenção do status socii poderá ser causa de iliquidez da participação do sócio afetado, fechando assim a sociedade10.

Parece -nos ser a situação existente nos dois casos em análise. no caso da valorsul, s.a., temos claramente uma sociedade fechada: a necessidade de asse-gurar um sistema municipal de tratamento de resíduos sólidos, como atribuição do foro municipal imposta pela lei, obsta a que se possa considerar a possibilidade de alienação da participação por parte dos municípios envolvidos.

no caso da participação da Pt sGPs na oi temos uma situação factual que, não obstante a oi ser uma sociedade cotada, implica uma analogia com a situação das sociedades fechadas. a Pt sGPs é uma sociedade que gere uma operadora de telecomunicações. tendo transmitido à oi a sua participação na sociedade titular dos ativos operacionais, no quadro da planeada combinação de negócios, a alienação da participação na oi significaria a perda de qualquer ativo opera-cional, o que inviabilizaria a execução do seu propósito essencial. a alienação da sua participação na oi, no presente contexto, depois de ter alienado os ativos em Portugal, está fora de questão, o que significa que a Pt está aprisionada com ela.

iii. Hipóteses de enquadramento jurídico da perturbação da base do negócio subjetiva com impacto no status socii

Feito este enquadramento vamos analisar se é relevante a base do negócio subjetiva, nestes casos e em outros semelhantes, e qual o seu enquadramento jurídico à luz do direito nacional.

10 É de admitir excecionalmente que, independentemente da classificação legal, uma sociedade aberta possa vir a ser considerada, em concreto, como uma sociedade fechada para efeitos de aplicação do regime do artigo 437.º, n.º 1. a própria lei admite no artigo 188.º, n.º 3, do código dos valores Mobiliários (cvM), que o mercado onde estão admitidos os títulos colocados à negociação tenha sido atingido por circunstâncias excecionais que perturbem a liquidez das participações da sociedade, de maneira que o mecanismo de determinação do valor das participações por efeito do mercado de participações sociais seja inadequado. essas circunstâncias excecionais podem atingir não o mercado sobre participações, mas a própria sociedade, de tal maneira que não seria legítimo afastar a aplicabilidade da solução do artigo 437.º, n.º 1, porque se verifica, in casu, uma analogia com o que se passa nas sociedades fechadas, colocando -se a mesma problemática.

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(i) As abordagens em outros ordenamentos

a questão que se discute não é desconhecida de ordenamentos estrangeiros, nos quais são encontradas respostas para problemas comuns ainda que, por vezes, com fundamentos distintos.

nos estados Unidos o instituto da oppression, que iniciou por ser uma solução exclusivamente judicial, mas acabou por ser codificada na legislação de diversos estados11, permite o enquadramento de diversas hipóteses de frustração da base do negócio subjetiva, pela verificação do requisito das “expectativas razoáveis” do sócio minoritário. Pode exemplificar -se como funciona o instituto com o caso In re Kemp & Beatley, Inc12, que é um dos leading cases na matéria.

dissin e Gardstein eram sócios na sociedade Kemp & Beatley e eram também seus trabalhadores. a Kemp & Beatley era uma sociedade com um total de oito sócios e dissin e Gardstein eram titulares, em conjunto, de cerca de 20% da totalidade das ações. devido a conflitos na sociedade, dissin denunciou o seu contrato e Gardstein foi demitido. a empresa, em consequência, deixou de lhes pagar quaisquer quantias. os sócios dissin e Gardstein invocaram que a decisão de parar de lhes pagar dividendos constituía uma conduta opressiva e que, nos termos da nY Bsc, § 1104-a)13, seria fundamento para que o tribunal ordenasse

11 em diversos ordenamentos de inspiração anglo -americana podemos encontrar codificadas as soluções para a oppression: assim acontece no artigo 252, do Companies Act, na África do sul, no artigo 241, do CBCA, no canadá, no artigo 2F.1, do Corporations Act, de 2001, e no artigo 174, do Companies Act, de 1993, na nova zelândia.12 In re Kemp & Beatley, Inc, 484 n.Y.s.2d 799, 473 n.e.2d 1173 (n.Y. 1984). o primeiro caso a articular o requisito das expectativas razoáveis foi o caso In re Topper 433 n.Ys.2d 359, 361 (sup. ct. 1980).13 o n.Y. Bsc. LaW, § 1104 -a, estabelece: “(a) The holders of shares representing twenty percent or more of the votes of all outstanding shares of a corporation, other than a corporation registered as an investment company under an act of congress entitled “Investment Company Act of 1940”, no shares of which are listed on a national securities exchange or regularly quoted in an over ‑the ‑counter market by one or more members of a national or an affiliated securities association, entitled to vote in an election of directors may present a petition of dissolution on one or more of the following grounds: (1) The directors or those in control of the corporation have been guilty of illegal, fraudulent or oppressive actions toward the complaining shareholders; (2) The property or assets of the corporation are being looted, wasted, or diverted for non ‑corporate purposes by its directors, officers or those in control of the corporation. (b) The court, in determining whether to proceed with involuntary dissolution pursuant to this section, shall take into account: (1) Whether liquidation of the corporation is the only feasible means whereby the petitioners may reasonably expect to obtain a fair return on their investment; and (2) Whether liquidation of the corporation is reasonably necessary for the protection of the rights and interests of any substantial number of shareholders or of the petitioners. (c) In addition to all other disclosure requirements, the directors or those in control of the corporation, no later than thirty days after the filing of a petition hereunder, shall make available for inspection and copying to the petitioners under reasonable working conditions the corporate financial books and records for the three preceding years. (d) The court may

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a dissolução da sociedade. Uma vez que dissin e Gardstein não recebiam salários, como trabalhadores, nem dividendos, como sócios, a sua participação ficou prati-camente inútil. não havia mercado para venderem as suas participações sociais e eles estavam aprisionados com elas.

o tribunal ordenou que a sociedade fosse dissolvida, uma vez que se tinha retirado qualquer valor às participações de dissin e de Gardstein, e que a única maneira pela qual poderiam esperar algum retorno seria pela dissolução da socie-dade. em alternativa à dissolução, o tribunal deu à sociedade a opção de se oferecer para comprar as participações por um preço razoável. essa decisão foi confirmada no tribunal de apelação e no tribunal supremo de nova iorque.

o tribunal supremo de nova iorque observou que na § 1104, do nY BsB, se refere a conduta “ilegal”, “fraudulenta” e “conduta opressiva” contra os acio-nistas minoritários, mas não se definem esses conceitos. e procurou densificar a conduta opressiva referindo: “A shareholder who reasonably expected that ownership in the corporation would entitle him or her to a job, a share of corporate earnings, a place in corporate management, or some other form of security, would be oppressed in a very real sense when others in the corporation seek to defeat those expectations and there exists no effective means of salvaging the investment…”. Basicamente, referiu que era razoável que dissin e Gardstein esperassem que a sociedade lhes pagasse um salário, como trabalhadores, ou dividendos como sócios, e que a frustração dessa expectativa razoável, por ato da sociedade, consistia numa conduta opressiva.

e o tribunal supremo continuou a sua fundamentação: “A court considering a petition alleging oppressive conduct must investigate what the majority shareholders knew, or should have known, to be the petitioner’s expectations in entering the particular enterprise. Majority conduct should not be deemed oppressive simply because the petitioner’s subjective hopes and desires in joining the venture are not fulfilled. Disappointment alone should not necessarily be equated with oppression. Rather, oppression should be deemed to arise only when the majority conduct substantially defeats expectations that, objectively viewed, were both reasonable under the circumstances and were central to the petitioner’s decision to join the venture.”

a doutrina estadunidense sublinha que a referência ao tempo do investimento se pode tornar demasiado limitativa, pois podem ocorrer expectativas posteriores que merecem igualmente tutela, por serem também razoáveis. a referência à razoabilidade das expectativas tendo em atenção as circunstâncias ao tempo do investimento, ou as circunstâncias que se foram formando na execução do contrato

order stock valuations be adjusted and may provide for a surcharge upon the directors or those in control of the corporation upon a finding of wilful or reckless dissipation or transfer of assets or corporate property without just or adequate compensation therefor”.

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de sociedade encontra -se em diversos casos14. são também relevantes as expec-tativas razoáveis dos sócios que se juntem à sociedade após a sua constituição.

Por aqui se pode constatar com muita clareza que o que está em causa não é mais do que a transposição para o domínio societário dos problemas implicados pela frustração da base do negócio subjetiva. também aqui a razoabilidade da expectativa surge para conferir plausibilidade à eficácia jurídica da expectativa de uma das partes que não foi elevada a conteúdo do contrato. a menção a uma expectativa “central” mais não é do que uma referência à base do negócio no momento da decisão de realizar o investimento15. será assim razoável a expecta-tiva que, de acordo com as circunstâncias, os sócios maioritários conhecessem ou não pudessem ignorar como sendo aquelas que os demais sócios tinham ao entrar numa particular sociedade. no caso Willis v. Donnelly16, por exemplo, o tribunal sustentou que uma das expectativas do sócio minoritário, que era “razoável e fundamental para a decisão de entrar no empreendimento”, era que o sócio maioritário entrasse com o capital adequado para o negócio e que esta expectativa razoável foi frustrada pelo facto de o sócio maioritário ter financiado a sociedade com recurso a um empréstimo, mantendo -a pouco capitalizada. apesar de não haver acordo expresso quanto ao dever do acionista maioritário entrar com capital, o tribunal considerou que este dever estava pressuposto nas promessas feitas no início do empreendimento e na operação do contrato de compra e venda, que teria pouco valor para o acionista minoritário se a sociedade estivesse subcapitalizada. a par disso, exige -se que a frustração da base do negócio seja imputável aos acionistas com poder de controlo, como fator que desequilibra a ponderação dos interesses envolvidos em desfavor desses acionistas.

essa orientação foi também já seguida no Reino Unido, permitindo -se ao tribunal, em torno da noção de unfairly prejudicial conduct, discernir os pressupostos

14 assim, Balvik v. Sylvester, 411 n.W.2d 383, 387 (n.d. 1987), Davis v. Sheerin, 754 s.W.2d 375, 381 (tex. app. 1988) “Oppression should be deemed to arise only when the majority’s conduct substantially defeats the expectations that objectively viewed were both reasonable under the circumstances and were central to the minority shareholder’s decision to join the venture”.; cfr. também Lardner v. Port Huron Golf Club, Lc, no. 89 -695 -nz, slip op. at 6 -7 (Mich. ct. app. aug. 4, 1994). Meiselman v. Meiselman, 307 s.e.2d 551, 563 (n.c. 1983) notando que as “reasonable expectations’ are to be ascertained by examining the entire history of the participants’ relationship,” designadamente “the ‘reasonable expectations’ created at the inception of the participants’ relationship; those “reasonable expectations” as altered over time; and the ‘reasonable expectations’ which develop as the participants engage in a course of dealing in conducting the affairs of the corporation”.15 douglas K. Moll, Shareholder Oppression & Reasonable Expectations: Of Change, Gifts, and Inheritances in Close Corporation Disputes, em “Minnesota Law Review”, vol. 86:717, 2001, pp. 718.16 Willis v Donnelly, 118 s.W.3d at 32.

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comuns das partes quanto à natureza da sua relação e a condução dos assuntos sociais, levando em consideração as legitimas expectativas dos sócios17.

nos dois ordenamentos é muito claro o ponto de partida na configuração contratual da sociedade, onde a existência de determinadas bases para a consti-tuição da sociedade ou para a associação entre sócios a seu propósito funciona como um limite ao poder da maioria18.

o remédio tradicional para as situações de oppression é a dissolução da socie-dade, que envolve a cessação dos negócios sociais, a liquidação dos bens da sociedade, o pagamento das suas dívidas e a distribuição do ativo remanescente proporcionalmente entre os sócios. configurou -se como solução alternativa à dissolução a compra involuntária, pela sociedade ou por outros sócios19, da parti-cipação do sócio atingido. os tribunais decidiram essas aquisições em diversos casos20. os tribunais aplicaram ainda outras soluções menos drásticas como desig-nação de diretores ou de custodiantes provisórios, mesmo sem expressa previsão normativa21.

também no ordenamento jurídico alemão é possível encontrar casos de perturbação da base negocial subjetiva, e por aplicação direta do instituto da Wegfall der Geschäftsgrundlage. considera -se, assim, por exemplo, que o divórcio de dois sócios de uma sociedade em comandita afeta a base do negócio subja-cente às cláusulas de sucessão constantes do contrato de sociedade, que estabele-ciam a transmissão mortis causa de um dos sócios para o outro, por se considerar que aquelas cláusulas foram consagradas no âmbito de uma sociedade familiar e na expetativa de que se manteria o casamento22. nada justifica que um dos sócios suceda ao outro na sua participação se, contra as expectativas iniciais, o casamento não se mantinha no momento da sucessão, razão pela qual o tribunal modificou a cláusula do contrato que regulava a sucessão mortis causa. nesse caso, a racionalidade subjacente à regulação efetuada no contrato de sociedade estava dependente da manutenção do casamento no momento da abertura da sucessão do sócio cônjuge. a cessação do casamento transformaria a transmissão mortis causa

17 Re Postgate & Derby (Agencies) Ltd. (1987) BcLc 8.18 sobre esta perspetiva, Filipe cassiano dos santos, Estrutura…ob. cit., pp. 22 e ss. 19 Davis v. Sheerin 754 s.W.2d at 383.20 Balvik v. Sylvester, 411 n.W.2d 383, 388 (n.d. 1987); McCauley v. Tom McCauley & Son, Inc., 724 P.2d 232, 235 -36 (n.M. 1986); Stefano v. Coppock, 705 P.2d 443, 446 (alaska 1985); Sauer v. Moffitt, 363 n.W.2d 269, 275 (iowa 1984); Maddox v. Norman, 669 P.2d 230, 238 (Mont. 1983); Baker v. Commercial Body Builders, Inc., 507 P.2d 387, 396 (or. 1973); Davis v. Sheerin, 754 s.W.2d 375, 380 (tex. ct. app. 1988)21 Robert B. thompson, The Shareholder’s Cause of Action for Oppression, em “the Business Lawyer”, vol. 48, 1993, p. 699.22 BGH nJW 1974, 1656.

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da participação social num legado que ele não desejava realizar, justificando -se a adaptação daquela cláusula do contrato de sociedade à nova base do negócio.

(ii) Ensaio para uma solução perante o Direito português

na análise da solução nacional para o problema da afetação da base do negócio subjetiva, deve recordar -se que a perturbação da base do negócio que atinge o status do sócio pode dizer respeito a diferentes atos negociais: o contrato de sociedade, do qual emerge aquele status ou do ato jurídico do qual se adquire a participação social e em função do qual se adquire, já após a constituição da sociedade, aquele status. em ambos os casos estamos perante uma afetação relevante da base do negócio que, em última análise, acaba por ter impacto no contrato de sociedade e na constituição do status socii.

a) Frustração do fim do investimento subjacente ao ato constitutivo do status socii

Parece -nos que a lei regula, no artigo 163.º, do cvM, uma destas últimas hipóteses, se a aquisição da participação social se faz no contexto de uma oferta pública de distribuição, o que é de si ilustrativo da relevância jurídica que pode ter a frustração da base do negócio subjetiva, e deve servir de padrão da admissi-bilidade quanto à sua relevância jurídica em outras hipóteses.

estabelece -se no artigo 163.º, n.º 1, alíneas a) e b), do cvM, que quando uma oferta pública de distribuição for acompanhada da informação de que os valores mobiliários que dela são objeto se destinam a ser admitidos à negociação em mercado regulamentado, os destinatários da oferta podem resolver os negócios de aquisição, se a admissão à negociação não tiver sido requerida até ao apura-mento do resultado da oferta; ou a admissão for recusada com fundamento em facto imputável ao emitente, ao oferente, ao intermediário financeiro ou a pessoas que com estes estejam em alguma das situações previstas do n.º 1, do artigo 20.º, do cvM. diz -se nos números 2 e 3, do referido artigo 163.º, do cvM, que, nesse caso, a resolução deve ser comunicada ao emitente até 60 dias após o ato de recusa de admissão a mercado regulamentado ou após a divulgação do resul-tado da oferta, se nesse prazo não tiver sido apresentado pedido de admissão, e que o emitente deve restituir os montantes recebidos até 30 dias após a receção da declaração de resolução.

ou seja, se a admissão futura à negociação em mercado regulamentado foi a pressuposição comum para a aquisição dos valores mobiliários, a frustração dessa pressuposição possibilita a resolução dos negócios de aquisição. a referência expressa a que “o emitente deve restituir os montantes recebidos até 30 dias após a receção da declaração de resolução” parece apontar para o carácter retroativo da resolução,

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o que é compatível com a doutrina do ac. do tJce, de 19.12.2013, que já refe-rimos, uma vez que a frustração da base do negócio é imputável a pessoas que se situam na área de risco do emitente.

Mas a lei apenas regula, nesse caso, uma hipótese parcial, que é a da não admissão dos valores mobiliários a negociação em mercado regulamentado por facto imputável, em última análise, ao emitente. coloca -se a questão de saber o que sucede se a não admissão à negociação não lhe for imputável, ou a intermediário financeiro, ou às pessoas com ele relacionadas nos termos do artigo 20.º, do cvM. nesse caso, parece -nos, não é admissível um raciocínio a contrario na medida em que esta regulação não é direito excecional mas, pelo contrário, manifestação de uma regra geral. Por este motivo, os casos não enquadráveis na previsão da norma devem sujeitar -se às condições de admissibilidade do artigo 437.º, n.º 1, e a conse-quência será, como na generalidade dos casos, a “resolução ou modificação” do negócio do qual resulta a aquisição: o que se conclui com a subscrição do aumento de capital ou com a aceitação de aquisição de ações próprias. no entanto, não havendo imputação da frustração da base do negócio subjetiva ao emitente, uma adequada repartição de riscos entre todos os interessados implica que a resolução produza efeitos ex nunc, como decorre preferencialmente do artigo 434.º, n.º 2, e como fundamentaremos de seguida.

assim, do mesmo modo, contrariamente ao decidido pelo Bundesarbeitsgericht, em 28.09.200623, parece -nos claramente que há uma hipótese de frustração da base do negócio subjetiva se o empregador promove um plano de subscrição, pelos seus trabalhadores, de ações representativas do seu capital social, como fase prévia da sua admissão à negociação em mercado regulamentado. se esse foi o pressuposto comum para a celebração de um acordo de subscrição de ações, é irrelevante considerar que a aquisição de ações não cotadas é um negócio de risco e altamente especulativo, na medida em que do que se trata de considerar aqui são os pressupostos da formação da vontade nesse negócio. de resto, a pers-petiva de admissão dos títulos em bolsa, que justificou o acordo de subscrição, destinava -se em grande parte e diminuir o risco assumido pelos subscritores das ações em virtude da maior liquidez que passaria a estar associada aos títulos. Foi, precisamente, a alteração das circunstâncias que implicou para os subscritores um risco superior ao que desejariam correr. na nossa perspetiva, nesse caso deveria ter sido admitida a resolução do contrato. nestas hipóteses atinge -se a declaração de subscrição de ações, que pode ser resolvida, e a destruição do status de sócio faz -se com efeito retroativo, pois a alteração das circunstâncias é imputável, em última análise, à sociedade, e só a retroatividade atinge as finalidades da resolução. Por efeito da resolução, a sociedade terá de restituir a participação de capital que

23 BaG, 28.09.2006 – 8 azR 568/05.

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tenha recebido e será forçada a adquirir desse sócio participações sociais próprias. de acordo com a doutrina do ac. do tJce, de 19.12.2013, a esse efeito retroa-tivo não se opõem as medidas de conservação de capital, constantes da segunda diretiva das sociedades, nem o regime restritivo das invalidades do contrato de sociedade, já que não é esse contrato que é afetado.

Parece -nos ser este também o caso em análise no caso da combinação de negócios Pt e oi. dando por pressuposto que a venda da participação à altice configura a violação dos memorandos quanto à combinação de negócios – pressu-posto esse solidamente fundamentado nos pareceres de eduardo Paz Ferreira, ana Perestrelo de oliveira e João calvão da silva divulgados aos investidores – pode essa mudança de circunstâncias justificar a resolução da subscrição do aumento de capital? É indiscutível que sim, e para isso não é necessário invocar ou analisar qualquer causa de invalidade da deliberação de aumento de capital. trata -se da resolução da declaração subscrição do mesmo por alteração das circunstâncias imputável à sociedade, com impacto no acordo entre o sócio e a sociedade de onde decorre a subscrição do aumento de capital, exatamente como sucede no caso expressamente regulado no cvM para as hipóteses de falha superveniente na admissão dos títulos a negociação em mercado regulamentado nas ofertas de distribuição.

nesse caso, como vimos, teria a resolução efeito retroativo, uma vez que a alteração das circunstâncias é imputável à oi, o que implicaria que a Pt recupe-rasse a participação de capital realizada, ou seja, a participação da sociedade titular dos ativos operacionais. a subscrição, com a realização da participação em espécie, é feita para possibilitar a combinação de negócios e assim constituir uma grande operadora luso -brasileira, com manutenção das marcas comerciais em cada um dos respetivos países, tal qual estava ajustado nos acordos de subscrição de ações subjacentes à subscrição do aumento de capital, os memorandos de entendimento. a falência desse pressuposto configura uma alteração fundamental das circunstân-cias da subscrição. também aqui temos por verificados os critérios psicológico e normativo, subjacentes à frustração da base do negócio subjetiva que são os seus requisitos essenciais.

esta que nos parece ser a solução perante o direito português não seria subs-tancialmente diferente, na nossa perspetiva, à luz do direito brasileiro. embora nos artigos 478 a 480, do código civil de 2002, estejam reguladas as alterações de circunstâncias estritamente objetivas que tenham causado uma significativa desproporção no valor das prestações das partes e, portanto, uma excessiva onero-sidade para uma delas24 os casos de não verificação de um evento futuro que se

24 Ênio santarelli zuliani, Resolução do Contrato por Excessiva Onerosidade, em “teoria Geral dos contratos” (cord. Renan Lotufo -Giovanni nanni), são Paulo, 2011, pp. 649 -668.

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esperava como certo, ou de alteração de uma circunstância presente que as partes assumiram que se manteria, e que justificou a celebração do contrato, não são desconhecidos da doutrina e da jurisprudência sob a expressão de frustração do fim do contrato25.

continuando na exemplificação, estaremos de igual modo perante uma situação da base do negócio subjetiva se se promove a atração de investimento passivo para uma sociedade, com uma determinada cláusula estatutária de distri-buição de dividendos após o que, sendo adquiridas ou subscritas e realizadas as participações sociais, se dá a revogação daquela cláusula e aprovação de uma polí-tica de distribuição de dividendos substancialmente diferente e não justificada por qualquer alteração nas condições de distribuição de dividendos.

Finalmente, o fim do investimento feito na aquisição de uma participação social pode não respeitar a um fim comum que seja a base do negócio do contrato celebrado entre a sociedade e o sócio, como nos casos anteriores e que é, em concreto, ou um acordo de subscrição de capital ou um negócio de alienação de participações próprias por parte da sociedade. Pode, diversamente, essa base negocial dizer respeito a um negócio que ocorre entre um sócio que transmite a sua posição social e um outro que a adquire. nesses casos o problema da pertur-bação da base do negócio não conhece qualquer especialidade perante o problema existente quanto aos negócios de troca. a frustração da base do negócio subjetiva implicará, na generalidade dos casos, a resolução do contrato com efeitos retroa-tivos, mas essa destruição de efeitos em nada prejudica a sociedade, os seus sócios ou credores, uma vez que se mantém a participação social, apenas se restaurando a titularidade anterior e, consequentemente, reaparecendo o respetivo status socii26. estes são os casos exclusivamente tratados pela jurisprudência nacional.

b) Frustração do fim da sociedade

nas hipóteses em que a frustração da base negocial subjetiva atinge o contrato de sociedade e não o negócio pelo qual se adquire a participação e em função do que se entra para a sociedade, a questão é, parece -nos, mais complexa.

25 cfr. Barreto cogo, A Frustração do Fim do Contrato: O Impacto dos Factos Supervenientes sobre o Programa Contratual, Rio de Janeiro, 2012.26 Foi essa a situação julgada em cass. 3.12.1991, n. 12921, Giur. it., p. 2210, em que foi resolvida a aquisição de um pacote de ações representativas do capital de uma sociedade, na medida em que a futura disponibilidade de um determinado ativo no património dessa sociedade era uma circunstância pressuposta no contrato de aquisição de ações, o que suscitava um problema de pressuposição.

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no campo da previsão, a base do negócio subjetiva tem a caracterização que vimos anteriormente, ou seja, a constituição da sociedade deve ter sido realizada tendo em vista a verificação de um facto futuro ou a manutenção, no futuro, de factos presentes necessários à obtenção de um interesse secundário decorrente da sociedade, interesse esse comum a todos os sócios, ou apenas a um ou alguns deles mas que, segundo a boa fé, deve ser também imputado aos demais.

a possibilidade de existência de vários sócios na sociedade comercial, e de alguns deles terem adquirido o estatuto de sócio já após a sua constituição, contri-buirá certamente para uma significativa limitação na aplicação do instituto da alteração das circunstâncias nesta vertente subjetiva, uma vez que será mais difícil a descoberta de uma base do negócio comum a todos eles. Mas nada obsta que essa base subjetiva lhe tenha sido comunicada supervenientemente, ou que lhes deva ser imputada segundo a boa fé. a problemática será também mais propícia nas sociedades em que o elemento pessoal é relevante na celebração do contrato do que nos casos em que, tendencialmente, esse elemento pessoal não releva. no entanto, a utilização do critério normativo permite encontrar uma resposta para grupos de casos, mesmo nas típicas sociedades de capitais.

assim, por exemplo, se uma sGPs é constituída, sendo a pressuposição comum a todos os acionistas, de que será orientada à gestão em comum de uma específica participação maioritária numa sociedade aberta, cotada em bolsa na sequência da dispersão pelo público de uma parte minoritária do seu capital, se vem a ser constituída uma nova sGPs para a qual o acionista maioritário da primeira transfere a sua posição maioritária, passando a ser feita a gestão da participação na sociedade cotada na segunda sGPs, esse novo facto atingiu a base negocial que justificou a constituição da primeira sGPs e as circunstâncias que justificaram o investimento realizado pelos seus sócios minoritários, agora excluídos da segunda sGPs.

também o critério normativo para aferir da relevância da pressuposição seria neste caso operacional. a constituição da segunda sGPs torna a primeira como um “veículo transparente” pelo qual se comunica à sociedade cotada a gestão feita na segunda sGPs. a constituição daquela cascata de sociedades ocorre para criar uma separação entre o valor do investimento feito na segunda sGPs e o poder de controlo que se exerce sobre a sociedade cotada, já que inutilizou a voice dos acionistas minoritários da primeira sGPs e, consequentemente, o investimento nela realizado. Por esse motivo, também, os potenciais interessados na aquisição de uma participação na sociedade de controlo da sociedade cotada procurarão adquirir uma participação na segunda sGPs e não na primeira. esta redução ou inutilização da liquidez ao nível da primeira sGPs impõe a solução ditada pelo artigo 437.º, n.º 1, uma vez que a solução de saída por um mecanismo de mercado não é possível: a sociedade tornou -se uma sociedade fechada. a alteração

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da estrutura acionista e a inutilização prática da razão de ser da constituição da primeira sGPs e do investimento nela realizado é frustrador de uma reasonable expectation dos acionistas fundadores da primeira sGPs excluídos da segunda sGPs e, portanto, da base do negócio subjetiva.

Há também um exemplo de frustração de fim da sociedade perante uma realidade, sobretudo associada às sociedades por quotas de pequena dimensão, em que a remuneração da participação societária ocorre exclusivamente através da função de gerência que, embora isso não tenha sido consagrado no contrato como um direito especial para efeito do artigo 24.º, n.º 1, do código das socie-dades comerciais (csc), é assumida por todos os sócios como devendo caber a todos eles como meio de obter essa remuneração. a cessação da situação de gerência que, nesse caso, dispensa o consentimento do titular, põe em causa o fim que estava implícito na constituição da sociedade, e decorre da verificação de um curso de eventos contrários ao que as partes assumiram como certo no momento da contratação, e às legítimas expectativas do sócio27. claro que o eventual direito que resulte da alteração das circunstâncias sempre ficará paralisado, sob pena de abuso de direito, se a cessação da situação de gerência ocorrer por justa causa, já que nesse caso o interessado procuraria exercer um direito que resultaria de um facto ilícito próprio, o que a ordem Jurídica rejeita.

Mas, nestes dois casos, sendo afetado o fim do contrato de sociedade já após a realização da participação de capital – fim esse que foi atingido pelo sócio pela execução do contrato até se dar a alteração das circunstâncias –, a destruição retroativa do status de sócio não seria adequada e, de resto, seria em princípio afastada pelo espírito subjacente ao artigo 434.º, n.º 2, do código civil. Mas a dissolução da sociedade parece ser, também, excessiva na medida em que exista solução menos drástica.

a proximidade entre os casos de frustração da base do negócio subjetiva e as hipóteses de erro sobre a base do negócio, implica que consideremos o que suce-deria na hipótese de erro sobre a base do negócio após a realização do registo do contrato de sociedade, procurando obter um regime equivalente. em caso de erro sobre a base do negócio seria aplicável o artigo 45.º, do csc, nas sociedades por quotas, anónimas e em comandita por ações, que confere ao sócio um direito a exoneração. Já nas sociedades em nome coletivo e nas sociedades em comandita simples teria lugar, nos termos do artigo 46.º, do csc, a anulação parcial do contrato atingindo a posição dos sócios afetado pelo vício da vontade. no entanto, a anulação parcial já não é a solução legal, mesmo no domínio das sociedades em nome coletivo, quando está em causa uma solução para factos supervenientes, mas a exoneração. É o que faz sentido, já que a exoneração permite a saída do sócio

27 In re Imperatore 512 n.Y.s.2d 904, 905 (n.Y. app. div. 1987).

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na situação patrimonial em que esteja a sociedade no momento do exercício do direito, colocando todos os sócios numa posição de igualdade.

do mesmo modo, nestes casos de alteração das circunstâncias, o direito de exoneração é a solução que melhor traduz a imposição do princípio do favor societas e que se mostra apto a permitir uma resposta relativa à inexigibilidade de manu-tenção da posição de sócio perante a ocorrência de factos supervenientes, sem prejuízo da prevalência da possibilidade de modificação do contrato que, no csc, encontra correspondência no regime dos artigos 50.º e 51.º. não implicando a destruição retroativa do status do sócio, ela não é, em princípio, prejudicial para os credores da sociedade, desde que a sociedade esteja em condições que lhe permitisse deliberar validamente a redução do seu capital ou a distribuição de bens a sócios.

Mas pode suceder que a exoneração não seja exequível, em concreto. vejamos o caso da valorsul, s.a. a atentar na posição dos municípios que tem sido divul-gada pelo público, teria ocorrido também um caso de frustração superveniente do fim da sociedade: a reprivatização da empresa Geral de Fomento colocaria em causa o sistema público de tratamento de resíduos sólidos multimunicipal que estava subjacente à adesão à sociedade e composição da sua estrutura acio-nista. neste caso, a admitir como certa afirmação feita, a hipótese de exoneração não faria sentido. ela implicaria para os municípios a renúncia a uma atribuição conferida por lei e, simultaneamente, o esvaziamento do objeto da sociedade, uma vez que a sociedade não poderia fazer a gestão de um sistema multimuni-cipal sem a participação dos municípios. a única solução viável para a cessação do status socii parece ser a dissolução, ainda que seja de admitir a dissolução parcial inversa, como veremos infra.

diferentes destes casos são as hipóteses de realização da participação de capital na expectativa da constituição da sociedade, mas sem que a sociedade venha a ser constituída, pois configuram hipóteses de enriquecimento sem causa e não de frus-tração da base do negócio. a restituição opera, assim, nos termos do artigo 479.º, a menos que seja aplicável o regime da sociedade de facto previsto no artigo 36.º, n.º 2, do csc, caso em que a restituição daquela participação seguirá o regime da exoneração ou dissolução da sociedade civil, solução que está documentada na jurisprudência nacional.

c) Finalidades comuns inerentes a cláusulas individuais

a maior parte dos casos de frustração da base negocial subjetiva no contrato de sociedade atingirá as finalidades comuns inerentes a disposições individuais inseridas nesse contrato, e que se destinam à regulação de interesses contrapostos dos sócios. Pense -se, por exemplo, nas cláusulas de transmissão da participação mortis causa discutidas no ordenamento alemão.

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Podem ser atingidas nos seus pressupostos, também, cláusulas consagrando opções de compra ou de venda; de consentimento para a transmissão da partici-pação social; de exercício de direito de preferência; o prazo fixado no contrato de sociedade para a remição de ações com direitos patrimoniais, entre muitos outros exemplos que poderiam ser dados.

se o valor de exercício de uma cláusula de opção de venda, que um sócio consagra em benefício de outro, teve por pressuposto comum aos sócios que a sociedade adquiriria uma unidade hoteleira que valorizaria a sua atividade mas que, afinal, acabou por não ser comprada, a frustração da base negocial subjetiva do valor contratado pode conduzir à revisão do preço da transmissão da participação social decorrente do exercício daquela opção. do mesmo modo, a data fixada no contrato para a remição de ações pode ter de ser suspensa temporariamente se a sociedade falhou a obtenção de uma licença para desenvolver uma atividade lucrativa que justificou a consagração de um prémio especial pela remição.

o confronto entre interesses contrapostos e a sua compatibilização por meio de cláusulas individuais resulta muitas vezes da existência de acordos parassociais, celebrados entre sócios previamente, simultaneamente, ou subsequentemente ao contrato de sociedade28. cláusulas típicas, essencialmente no domínio das socie-dades anónimas, são as relativas à proporção da participação de cada sócio no capital social, ao exercício de direitos de voto para a composição do conselho de admi-nistração e a designação do seu presidente, as regras de cooperação entre partici-pantes, nomeadamente no que respeita à informação sobre as posições a assumir aquando do exercício do direitos de voto, estabelecendo, ou não, mecanismos de busca de consensos, regulação dos poderes de disposição sobre as participações, financiamento da sociedade e aumentos de capital. também estas disposições podem ter sido construídas sob determinadas bases negociais, sujeitando -as ao tema da alteração das circunstâncias.

nesses casos a solução adequada será quase sempre a da modificação do contrato, para adaptar essas cláusulas às novas circunstâncias, o que pode suceder pela supressão da cláusula, se tiver desaparecido totalmente o pressuposto racional da sua vigência.

iv. As consequências jurídicas

sendo aplicável o artigo 437.º, n.º 1, do código civil, como meio para possi-bilitar uma resposta para os casos em que uma alteração das circunstâncias tornou

28 Raul ventura, Estudos Vários sobre Sociedades Anónimas: Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, coimbra, 1992, pp. 9 e ss.

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inexigível a vinculação ao contrato de sociedade e, portanto, a manutenção da qualidade de sócio, importa tecer mais algumas considerações sobre as suas conse-quências jurídicas.

Uma transposição direta do artigo 437.º, n.º 1, não se mostraria adequada, pois a intervenção judicial tem de estar enquadrada pelos caminhos regulados para as hipóteses equiparáveis, de alteração das circunstâncias que estão expressamente reguladas no csc e no cvM, por exemplo a propósito do direito de exone-ração, alienações potestativas ou oPa obrigatória. devem também ser efetuadas valorações próprias do direito societário, implicadas pela existência da persona-lidade coletiva, pela necessidade de proteção dos terceiros que estão em relação com a sociedade, de igualdade entre os sócios, e de princípios próprios de direito societário como o princípio de conservação do capital.

a primeira nota vai para a plena aplicabilidade, na nossa perspetiva, do dever de negociar, que emerge do artigo 762.º, n.º 2, e que no domínio societário decorre do dever de lealdade entre os sócios. os sócios não atingidos pela alteração das circunstâncias – ou não lesados por ela – têm o dever de negociar com os demais uma solução que minimize ou reparta a lesão implicada por ela. esse dever de negociar tem uma justificação acrescida quando a alteração das circunstâncias foi provocada pelos sócios não afetados no exercício do seu poder de controlo. em caso de incumprimento, sujeitam -se a responsabilidade civil por violação daquele dever. nenhuma razão existe para limitar de qualquer forma a vigência de deveres acessórios entre os sócios das sociedades comerciais – de resto clara-mente assumidos pela doutrina na configuração do dever de lealdade –, nem a responsabilidade civil do sócio pelo seu incumprimento afeta de alguma maneira a posição de terceiros29.

Por outro lado, como decorre do artigo 438.º, do código civil, nenhum dos direitos emergentes da alteração das circunstâncias poderá ser exercido se o sócio lesado se encontrar em mora, relativamente às obrigações previstas no artigo 20.º, do csc, no momento em que ocorre a alteração das circunstâncias.

no plano das consequências jurídicas da alteração das circunstâncias é aplicável a regra geral de clara preferência pela solução menos drástica da modificação – já que mantém o contrato – à cessação, neste âmbito reforçadas ainda pelo princípio

29 sobre o dever de negociar, cfr. antónio Menezes cordeiro, O Princípio da boa fé e o Dever de Renegociação em Contextos de “Situação Económica Difícil”, em “ii congresso de direito da insolvência”, coimbra, 2014, em especial, pp. 63 e ss. na alemanha, o dever de negociar, no contexto de alteração das circunstâncias, foi impulsionado pelo aresto BGH nJW 2012, 373. na doutrina, cfr. Lüttringaus, Verhandlungspflichten bei Störung der Geschäftsgrundlage – Ein Beitrag zur Dogmatik und Durchsetzung von Anpassungsanspruch und Verhandlungspflichten nach § 313 Abs. 1 BGB, acP, 213, 2013, pp. 266 -298.

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favor societatis que se manifesta em diversos pontos da legislação societária, em particular no regime das invalidades30.

surge assim, em primeira linha, a possibilidade de modificar o contrato do qual emerge o status socii31. a modificação do contrato pode decorrer de um acordo extrajudicial entre os sócios que conduza a uma deliberação de alteração dos estatutos, ou qualquer outra deliberação com impacto na participação social ou no status que dela emerge. na falta desse acordo e dessa deliberação, a modi-ficação é necessariamente uma solução judicial.

Havendo a possibilidade de modificar o ato constitutivo do status socii, o tribunal decide segundo juízos de equidade. está agora triplamente vinculado, pois deve decidir enquadrado pela teleologia do artigo 437.º, n.º 1, pelas coorde-nadas gerais do sistema, mas também no âmbito da ponderação de interesses específica do direito das sociedades levando em consideração os interesses dos seus sócios e credores.

a hipótese de modificação, para além de resultar do regime geral da alteração das circunstâncias, beneficia ainda do paralelismo que se pode traçar com o regime dos artigos 50.º e 51.º, do csc, não sendo pois estranha ao sistema regulativo específico das sociedades comerciais.

Por força da necessidade de proteção de terceiros, deve entender -se que a modificação de disposições contratuais com efeitos retroativos, quando a essa solução não se oponha o espírito do artigo 434.º, n.º 2, apenas é possível naquelas cláusulas contratuais que não têm implicações para terceiros, como sucede nas cláusulas de transmissão da participação social mortis causa. não podem, assim, ser modificadas com efeito retroativo as cláusulas estatutárias que têm o efeito de proteção de credores, como aquelas em que se prevê a realização de pagamentos da sociedade para os sócios. Qualquer atualização das cláusulas pecuniárias terá, assim, efeito ex nunc. nesse sentido concorre a norma do artigo 86.º, n.º 1, do csc, que estabelece que as alterações retroativas do contrato de sociedade, ainda que com o voto unânime dos sócios, está circunscrita às relações entre eles.

Por motivos de proporcionalidade, deve entender -se como limite à hipótese de modificação a demonstração de que a parte afetada com a modificação não deve, razoavelmente, suportar a modificação do contrato, à semelhança do que consta atualmente do abs. 3, do § 313, do BGB.

não sendo possível a modificação do contrato, terá lugar, como forma prefe-rencial de cessação do status socii, a exoneração do sócio atingido pela alteração

30 Karsten schmidt, Gesellschaftsrecht…ob. cit., p. 129. 31 como sucedeu no caso BGH nJW 1974, 1656, em que o BGH analisou uma alteração ao artigo 13.º dos estatutos de uma sociedade em comandita, que regulava a sucessão por morte na sociedade, com o objetivo de adaptar aquela cláusula às novas circunstâncias.

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das circunstâncias, solução que se aplica com preferência sobre a dissolução da sociedade.

essa solução, que é possibilitada pela existência da personalidade coletiva, implica a cessação do status do sócio afetado mantendo inalterada a posição dos demais, o que é um fator facilitador da aplicação do regime da alteração das circunstâncias relativamente ao regime geral, em que se atinge o contrato e não as situações jurídicas dele emergentes. Por outro lado, a exoneração não tem também, em princípio, efeitos retroativos, assegurando a posição dos terceiros com inte-resses na sociedade. essa solução é ainda suportada pelo próprio artigo 434.º, n.º 2, que afasta, em princípio, a retroatividade da resolução, uma vez que o contrato de sociedade é de execução continuada.

Mas a retroatividade na exoneração pode justificar -se em determinados casos, como vimos, se só ela permite que se cumpram as finalidades da exoneração, seja a retroatividade reportada à data do ato constitutivo, seja reportada à data da alte-ração das circunstâncias. isso justifica -se, em particular, quando a alteração das circunstâncias é imputável à própria sociedade ou a um sócio controlador, como forma de fazer recair sobre eles a lesão por ela provocada. do que se trata é de fixar o momento a que se deve reportar a avaliação da sociedade para efeitos de determinação da contrapartida devida ao sócio exonerado. assim, por exemplo, na não admissão das participações da sociedade à negociação em mercado regu-lamentado, por facto imputável à sociedade, depois da subscrição de ações com base nesse pressuposto, a retroatividade tem de se reportar ao momento de cele-bração do ato: quem subscreveu o aumento de capital deve poder recuperar integralmente a participação de capital realizada. o mesmo sucede no caso da Pt, com a subscrição de um aumento de capital e a realização de uma partici-pação em espécie que se torna sem sentido perante a prática de atos, imputáveis à sociedade adquirente, que inviabilizam o fim da realização daquela partici-pação. a deliberação de aumento de capital manter -se -ia intocada quanto à sua validade e, bem assim, a subscrição do aumento por terceiros que, nessa medida, em nada seriam afetados.

a exoneração, quando não deva conhecer este regime de retroatividade, deve decorrer de uma alienação potestativa, à sociedade ou a que ela indicar, ou numa amortização da participação social, devendo refletir -se no mínimo na posição dos demais sócios. a alienação da participação à sociedade deve respeitar o regime dos artigos 220.º e 316.º a 325.º -B, do csc, em particular o regime do artigo 317.º, n.º 4, do mesmo diploma, sobre a existência de bens que, nos termos dos artigos 32.º e 33.º, do csc, possam ser distribuídos aos sócios, respeitando -se o princípio de conservação de capital. a aquisição de participação própria, mesmo nas sociedades anónimas, pode ultrapassar 10% do seu capital por interpretação extensiva do artigo 317.º, n.º 3, al. a), do csc. nesta última situação, a ação deve

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ser proposta pelo sócio lesado contra a sociedade. a amortização tem também que respeitar os pressupostos de conservação do capital, previstos no artigo 236.º e 346.º, n.º 1, do csc.

nos casos em que a alteração das circunstâncias seja imputável a algum dos outros sócios, a melhor solução será a de que a exoneração resulte de uma alie-nação potestativa a esses responsáveis que, na sequência da decisão judicial, ficarão obrigados a adquirir a participação. causando eles a alteração das condições de investimento, da qual beneficiam na maior parte dos casos, é natural que sobre eles recaiam as desvantagens causadas pela saída dos sócios. nesse sentido é elucidativo o regime da alienação potestativa nos grupos de sociedades e da oPa obrigatória que conferem a essa solução uma natureza em nada estranha ao sistema. a contra-partida deverá ser fixada pelo tribunal por um justo valor, podendo aplicar -se, por analogia, a solução do artigo 105.º, do csc e, no caso das sociedades abertas, o regime do artigo 188.º, do cvM.

tanto a modificação do contrato como a exoneração implicam ou podem implicar para terceiros imposições e encargos, diretos ou indiretos, que não resul-tavam originariamente do contrato, limitando a sua autonomia privada. também aqui qualquer decisão tem de passar pelo crivo da adequação e proporcionalidade, impostas pelo artigo 18.º, da constituição da República Portuguesa (cRP), sob pena de se socorrer de uma interpretação do artigo 437.º, n.º 1, que não é compa-tível com a cRP.

como derradeira e subsidiária hipótese coloca -se, ainda, a dissolução da socie-dade como forma de provocar a cessação do status socii, que permitirá a todos os sócios converter as suas participações em créditos sobre o património em liquidação da sociedade e que, não poderá ser conseguida fora do âmbito de um procedi-mento legalmente determinado para o efeito, mas não a dissolução administra-tiva. a boa interpretação do âmbito da reforma de 2006, conduz simplesmente ao reconhecimento de que se mantém o regime de dissolução judicial de sociedades sempre que a causa de dissolução for uma causa diferente da causa de dissolução administrativa, seja uma causa comum, seja uma causa especial. isto assim acon-tece porque a nova redação do artigo 142.º, do csc, veio consagrar um regime especial de dissolução administrativa com base numa enunciação taxativa de causas de dissolução administrativa, que significa que em tudo o que não esteja expres-samente compreendido no seu âmbito se mantém o regime geral anteriormente vigente, que é o da competência dos tribunais para aplicar o direito, ainda nos casos em que a consequência dessa aplicação seja a dissolução de sociedade. nesse sentido se pronunciam também Paula costa e silva e Rui Pinto32.

32 Código das Sociedades Comerciais Anotado, 2.ª edição, coimbra, 2011, p. 1389.

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sendo que uma vez dissolvida a sociedade alguns dos sócios poderiam cons-tituir nova sociedade na qual entrariam com os montantes recebidos no contexto da liquidação, parece -nos nada impedir, por motivos de economia e de aprovei-tamento do negócio jurídico – corroborados pela regra da interpretação enun-ciativa a maiore ad minus –, o que a doutrina brasileira chama de dissolução parcial inversa que, em concreto, se traduz na expulsão de um ou mais sócios, como parece ser a pretensão dos municípios no caso valorsul, s.a., devendo o sócio excluído da sociedade ficar na mesma situação que resultaria, para si, do proce-dimento de dissolução.

v. Conclusão

a aplicação do instituto da alteração das circunstâncias tem, na jurispru-dência nacional, uma consagração muito limitada quando respeitante aos atos constitutivos do status socii, praticamente reservada aos contratos de transmissão da participação social entre sócios e, ainda assim, fortemente circunscrita pela ponderação dos riscos próprios do negócio, que aparece no artigo 437.º, n.º 1, como um aparente requisito negativo.

Mas a análise das decisões surgidas no direito comparado, a ponderação de algumas soluções legais e, sobretudo, a ponderação sobre um conjunto muito significativo de casos aparentemente insolúveis, não fora a solução do artigo 437.º, n.º 1, aponta para a necessidade de estender a ratio decidendi do instituto da alteração das circunstâncias para outros atos constitutivos do status socii, como o contrato de sociedade ou o negócio jurídico complexo que decorre da conjugação de delibe-rações sociais e declarações de aceitação surgidas nessa sequência.

vimos neste artigo, por inspiração dos casos da Pt e da valorsul, apenas as hipóteses de frustração da base do negócio subjetiva, mas estamos convencidos que eles não são sequer os mais importantes e os que de forma mais premente reclamam a aplicação do instituto da alteração das circunstâncias e, sim, diversa-mente, os casos de frustração de base do negócio objetiva que analisaremos em futura oportunidade.

como pano de fundo para a aplicabilidade do artigo 437.º, n.º 1, do código civil, a todos estes factos constitutivos do status socii está a consideração da aqui-sição da qualidade de sócio como um investimento num projeto associativo--empresarial que tem a sua razão e fundamento no contrato de sociedade que relaciona os sócios e que os relaciona com a estrutura subjetiva por ele consti-tuída33, a própria sociedade. desse investimento e desse contrato emerge um status

33 no sentido que é dado por Filipe cassiano dos santos, Estrutura…ob. cit., pp. 70 e ss.

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que tem determinadas bases negociais e é pela consideração dessas bases que se garantirá, em última linha, a tutela do investimento, o que, por limitar o risco envolvido, e se feita de forma sustentada, é um fator de atração de capitais para as sociedades comerciais.

a crescente autonomização do direito societário e do direito dos valores Mobiliários, e o conhecimento e domínio cada vez mais especializado das suas estruturas, leva a esquecer por vezes que o direito é uma ciência filosófica e não essencialmente técnica, o que abre a porta para a disfuncionalização das estru-turas e dos institutos subjacentes, que são levados a desempenhar funções que em já nada correspondem à intenção inicial dos seus instituidores.

apenas o retorno aos valores fundamentais do sistema permite relembrar que o carácter fragmentário desses ramos do direito não é uma habilitação para semelhante disfuncionalização mas que, diversamente, onde não exista regulação específica adequada sempre haverá a aplicação subsidiária do direito comum, também quanto à atribuição de relevância à base negocial subjetiva nos atos cons-titutivos do status socii.