a relaÇÃo entre o homem e o animal silvestre como...
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A RELAÇÃO ENTRE O HOMEM E O ANIMAL SILVESTRE
COMO UMA QUESTÃO DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL
Márcio Luiz Quaranta Gonçalves 1
Luciano Bonatti Regalado 2
Resumo: As pessoas sentem medo ou agem com maldade ao encontrarem animais
silvestres, atribuem-lhes símbolos e os ofendem com preconceitos. Este artigo
analisa as relações entre o Homem e as espécies da fauna silvestre através do
tempo, com destaque para a destruição de hábitats, a caça, o tráfico de espécimes
da fauna silvestre brasileira e a resultante perda de biodiversidade, além de
comentar suas possíveis seqüelas sobre a vida na Terra e sobre a própria existência
humana. A educação ambiental desponta como um caminho para modificar a
relação que existe entre o Homem e os animais silvestres, da dominação e
massacre para o compartilhamento do planeta, objetivo que só será atingido através
do respeito a todas as formas de vida. 1 Mestre em Educação - Analista Ambiental, Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. [email protected] 2 Doutor em Engenharia Ambiental - Analista Ambiental, FLONA de Ipanema – Inst. Chico Mendes de Cons. da Biodiversidade
Categoria Trabalho Acadêmico / Artigo Completo
Eixo Temático – Educação Ambiental
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Palavras-chave: animais silvestres, simbolismo animal, extinção, biodiversidade,
tráfico da fauna silvestre brasileira, educação ambiental.
Abstract: The persons feel fear or act with badness when finding wild animals; they
attribute symbols to them and offend them by preconceptions. This article analyzes
the relations between the Man and the species of the wild fauna through the time,
with prominence for the destruction of habitats, the hunting, the traffic of the Brazilian
wild fauna and the resultant loss of biodiversity, beyond commenting its possible
sequels on the life in the Earth and on the proper existence of human being.
Environmental education blunts as a way to modify the relation that exists between
the Man and the wild animals, of the domination and slaughter for the sharing of the
planet, objective that will only be reached through the respect to all the life forms.
Key-words: wild animals, animal symbolism, extinction, biodiversity, Brazilian wildlife
traffic, environmental education.
INTRODUÇÃO
Mesmo sem ser dotado de coragem mediana, não senti nem medo nem tremores [...] quando, em uma bela tarde de verão californiana, um longo tête-à-tête que tive com um puma da montanha obrigou-nos ambos a um exame cuidadoso de nossos respectivos corpos. Esse êxtase [...] nos tornou um a presa do outro e fez o mundo ao redor desaparecer, essa situação sem escapatória poderia ter engendrado o terror. [...] o primeiro dos dois a baixar a cabeça perderia sua soberba e, ao fugir, aceitaria endossar o papel do caçado que curvaria a espinha e desviaria os olhos; aquele que, no entanto, não mostrasse as costas triunfaria na experiência. [...] Quando, lentamente, levantei os braços ficando na ponta dos pés para aumentar um pouco minha estatura, a perigosa fera também afastou-se bem devagarinho sem deixar de fixar minha face. [...] Depois de nos exibirmos um para o outro e de examinarmos nossos corpos verdadeiros, sem disfarces nem camuflagens, nós nos deixamos (SERRES, 2003, p. 107-108).
Um dia na primeira semana do segundo semestre letivo de um ano na década
de 80. Um docente de biologia leva seus alunos ao Jardim Botânico de São Paulo.
Próximo ao local conhecido como “Castelinho”, um adolescente diz: “Professor, tem
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um rato no lixo”. Dentro de um tonel de plástico usado para coleta de lixo, cheio de
resíduos até a metade de sua altura, agita-se um gambá. O cilindro é colocado na
horizontal: o animal silvestre escapa do recipiente e se embarafusta na mata...
“Olha a anta da sua professora”, diz um menino ao colega, junto ao recinto
das antas no Zôo. Uma professora anota a fala e a leva para um debate na aula de
um curso de Educação Ambiental no Zoológico de São Paulo, nos anos 90.
Konrad Lorenz e sua esposa caminhavam por uma floresta, quando um rapaz
em uma bicicleta passou por eles, com um rádio em alto volume. Ela comentou: “Eis
alguém que tem medo de ouvir o canto dos pássaros!” (LORENZ, 1974, p. 47).
Ano de 2002: dois professores levam alunos ao pico do Jaraguá; na descida
pela trilha, em uma área de mata, duas adolescentes gritam e correm. Atrás delas,
um macaco-prego; este pára diante de um adulto e encara-o, apoiado só nas patas
traseiras, com a boca aberta e os dentes arreganhados. O biólogo o observa: após
alguns minutos, o mico desiste da encenação e foge...
Encontrar animais silvestres, como quatis e bugios, é comum em excursões a
parques como o da Cantareira, em São Paulo. Um dos autores deste artigo e um
amigo passaram, em uma ocasião, pelo meio de um bando de quatis a fuçar restos
de comida humana em coletores de lixo, de uma área para piquenique, no final de
uma trilha. Os pequenos carnívoros se afastaram lentamente ante sua passagem.
Os outros animais se ligam ao ser humano, desde a pré-história, pela magia e
feitiçaria (forma de controle), na caça e no sacrifício, como totens ou deuses. Para
Honecker (1997), o Homem manifesta sentimentos ambivalentes quanto aos animais
(inveja, humilhação, rejeição, exaltação), projeta neles ódio, desejo, paixão, medo e
temor, atribui-lhes um simbolismo. A imaginação associa a coruja, o morcego, o
sapo e a serpente, à feitiçaria; cria entes fantásticos como dragões e hidras; mistura
o corpo humano ao de outros seres (deuses do antigo Egito, criaturas mitológicas).
O sapo, animal lunar, deus das chuvas, símbolo sexual e da morte, responsável por
eclipses, representa o Diabo. A ctônica serpente liga-se à Deusa Mãe, à água e à
terra, ao terror primordial, à fecundidade, às chuvas, à morte e ao renascimento. O
beija-flor, condutor de almas, salva a humanidade da fome, simboliza a virilidade. O
jaguar conduz almas, devora astros, causa eclipses, representa a Deusa Lua-Terra,
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um herói civilizador e primeiro utilizador do fogo. O macaco, símbolo sexual, mago,
deus artista, herói civilizador, inventor do fogo, encarna o Diabo, representa o Sol.
Animais estão presentes em inúmeros contos e lendas de todo o mundo; nos
brasileiros, insetos, sapos, serpentes, cágados, jabutis, teiús, jacarés, beija-flores,
pássaros, garças, urubus, papagaios, onças, raposas, macacos, veados e monstros
de várias cabeças participam de aventuras, às vezes em auxílio aos seres humanos,
em outras, a pregar-lhes peças (ROMERO, 2002).
A diversidade cultural se origina da natural. Para Wilson (2002), o conceito de
biodiversidade, a variabilidade dos organismos, admite três níveis de diferenças:
entre ecossistemas; entre espécies de um ecossistema; na composição genética
dos indivíduos de uma espécie. Quanto maior a sua biodiversidade, mais estável um
ecossistema. Estima-se que existam de 3,6 a 10 milhões de espécies no planeta,
mais de metade nas florestas tropicais. Uma das mais ameaçadas, a Mata Atlântica,
reduzida a menos de 10% de sua dimensão original, está no Brasil, país campeão
da biodiversidade, que abriga entre 10 e 20% de todas as espécies da Terra.
Um dos sentimentos que o ser humano nutre por outros animais é a biofilia, a
tendência de se ligar emocionalmente a eles. Uma feliz irracionalidade, a biofilia é,
em parte, instintiva e, em parte, aprendida. O sentimento oposto, a biofobia, reação
adversa à presença de outra espécie viva, varia do desconforto ao temor, como na
aversão às serpentes (WILSON, 2002).
Como se sentem outros animais, como os bugios e quatis da Cantareira, os
macacos-prego do Jaraguá, em relação a um ser humano? E um animal preso em
uma gaiola ou jaula? Desde a época em que os animais eram sagrados e totêmicos,
em que espécies consideradas boas eram bem tratadas, e as ruins perseguidas, há
um contrato animal de compartilhamento da Terra por todas as espécies animais,
que a humana pouco respeita, pois abusa de outros seres vivos (MORRIS, 1992).
O ANIMAL SILVESTRE NA RELAÇÃO HOMEM-NATUREZA
Uma extinção dramática de grandes mamíferos e aves terrestres ocorreu bem no início do período neolítico e coincidiu com a expansão do homem agrícola. A ansiedade deste pela proteção dos campos cultivados e dos
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rebanhos pode explicar a atitude de matar tudo o que se move, a qual está profundamente enraizada nas tradições populares em grande parte do mundo. E a destruição dos grandes animais não foi motivada apenas por considerações utilitárias. No Egito, os faraós e a nobreza providenciavam para que grandes quantidades de animais fossem levadas para cercados onde eram acuados e abatidos a flechadas. Os assírios foram [...] tão perversos destruidores de animais – leões e elefantes, por exemplo – quanto […] de homens. Os hábitos antigos de caça reduziram imensamente certas grandes espécies animais e em alguns casos determinaram a extinção completa das mesmas (DUBOS, 1975, p. 129).
A palavra natureza: essência de algo, seu conjunto de qualidades intrínsecas,
de características de uma pessoa ou coisa, o espírito de um lugar, a presença de
fatores ocultos sob uma realidade humana ou social (idem, ibidem). Ela acolhe e
sustenta o Homem, permite sua sobrevivência, se ele não abusar, não a privar nem
se privar do que ambos necessitam, numa relação sujeito-sujeito (SERRES, 1994).
Natureza também significa disposição, impulso ou poder inato, como na expressão
natureza humana: poder criativo e regulador a operar no mundo, imediata causa de
todos os seus fenômenos, ela abrange o mundo físico, natural, como um todo. A
figura da Mãe Natureza, fonte e sustentáculo de toda a vida, apresenta um aspecto
ambivalente: destruir para criar (SHELDRAKE, 1993). Em poucos locais ainda se
encontram áreas virgens, a natureza ou ecossistemas em estado puro, pois em toda
parte prevalece a ação humana (WILSON, 2002). Embora a cultura consista em uma
continuidade da natureza (SERRES, 2003), a civilização ocidental as antagoniza; a
primeira, tida como superior, submete a segunda.
No século VI A.C., os primeiros filósofos da antiga Grécia desenvolveram o
conceito de physis, como aquilo de onde tudo emana, a origem de todas as coisas.
Mesmo com o primado da razão, a partir de Platão e Aristóteles, manteve-se uma
concepção de natureza viva, animada e inteligente, em que se inseria o Homem. A
este a Bíblia conferiu o domínio sobre a Natureza e os outros animais, aceito pelo
Cristianismo (MORRIS, 1992). Porém, persistiu a noção de natureza viva na Europa
medieval (pregada por cristãos como São Francisco de Assis): houve uma síntese
das teorias gregas sobre a natureza, da tecnologia romana, de tradições locais pré-
cristãs e da religião cristã (SHELDRAKE, 1993). No Renascimento, o sujeito Homem
ocupou o centro do universo e consagrou seu poder sobre o objeto natureza, a ser
estudado pelo método científico criado a partir da filosofia de Bacon e Descartes, da
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matemática e física de Galileu, Kepler e Newton: uma natureza sem vida, mecânica.
Os animais, criados por Deus, sem alma, eram apenas máquinas mais organizadas
do que as mecânicas de origem humana (DESCARTES, 1999). Para Prigogine e
Stengers (1997), a ciência moderna rompeu a ligação animista com a Natureza, no
exterior desta colocou o Homem. Imperaram o domínio sobre o outro (ser humano
de outra cultura, natureza, animais) e o valor de mercado, não o intrínseco da vida; a
natureza só servia ao desenvolvimento econômico (DUBOS, 1975; SHELDRAKE,
1993). Mas a destruição da natureza e de espécies animais remonta à pré-história,
quando desapareceram grandes mamíferos (mamute, preguiças) e aves terrestres.
Na Austrália, os aborígenes, ao atearem fogo na vegetação, reduziram a população
de muitas espécies de marsupiais. Na China e no Japão, o discurso de santidade da
natureza não a poupou da rapina. Em todas as épocas, em todo o mundo, o Homem
saqueou a natureza, rompeu o equilíbrio ecológico por ignorância, falta de previsão
sobre suas ações e pela preocupação com vantagens imediatas, não com metas de
longo prazo. O esbanjamento piorou com a Revolução Industrial, o crescimento da
população e os meios cada vez mais poderosos disponíveis para destruição
(DUBOS, 1975). Pessoas “civilizadas”, urbanas, no seu dia-a-dia, entram em contato
quase só com artefatos de origem humana e perdem a capacidade de se relacionar
com outros seres vivos; maltratam-nos, não percebem que algo vivo exterminado
não volta a viver (LORENZ, 1986); muitas desejam um mundo só com humanos e
máquinas (MORRIS, 1992). A ciência moderna reducionista levou o Homem a tratar
a natureza e o universo como poços de infindas riquezas, privilegiou o modelo único
de desenvolvimento; o próprio ser humano não passa de uma pequena engrenagem
em um universo mecânico (D’AMBROSIO, 1997). A teoria mecanicista da natureza,
pela qual esta é inanimada e morta, triunfante, verdadeira religião, incentivou o mito
do progresso econômico, levou a humanidade e a Terra a uma crise (SHELDRAKE,
1993). Em nome da razão, dilapidam-se recursos extraídos do mundo vivo, acredita-
se apenas na ciência e tecnologia; a longo prazo, isso prejudica a própria espécie
humana, que necessita proteger-se de si mesma (DORST, 1973); um ser humano
alienado, inconsciente, orgulhoso, pratica crimes contra a natureza viva (LORENZ,
1974), mistura violência rara e sabedoria extrema (SERRES, 2003). No desenho A
Era do Gelo (2004), o mamute Manfred desabafa: “Eu não gosto de animais que
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matam por prazer”. Morris (1992) entende que a espécie humana tornou-se uma
praga a infestar o planeta, por se multiplicar com exagero, e a maior ameaça a si
mesma: rompeu o contrato animal, causou danos ecológicos como destruir florestas
e outras regiões selvagens, rasgou a teia da vida, alterou o clima terrestre. Distante
dos outros seres vivos, o Homem considera-se um Deus, um ser fora da natureza,
pensa de maneira não biológica, tenta resolver tudo apenas pela razão; domesticou
e escravizou animais para servi-lo, usou macacos para divertir-se, massacrou leões,
elefantes e hipopótamos nos circos e anfiteatros romanos, extinguiu-os nas regiões
onde eram capturados. (Espetáculos com animais persistem nos circos.) A caça, em
tempos primitivos uma maneira de obter alimento, tornou-se uma forma de contrato
animal para o lazer de homens “civilizados”, que perseguem por prazer e cruelmente
matam outros seres com poderosas armas (pela excitação de desafiar um animal
“feroz” e derrotá-lo). A selvageria animal, reação ao Homem, é desculpa para
eliminar o outro ser, pendurar sua cabeça empalhada em uma parede e utilizar sua
pele como tapete (ou destiná-la a roupas da moda). O ser humano pouco se importa
com o sofrimento do animal caçado. Penas para abrigo e adorno são retiradas de
aves que guardam ninhos: sua morte acarreta a dos filhotes. A injustificada fama
medicinal dos “chifres” dos rinocerontes causa sua progressiva extinção; eliminam-
se hábitats e espécies endêmicas que os habitam (WILSON, 2002).
O Brasil, onde os indígenas capturavam e criavam animais, como macacos e
papagaios, descrito por Caminha como paraíso farto de recursos, com uma pródiga
natureza, incitou a cobiça de exploradores ávidos por riquezas (o persistente mito da
natureza infinita, inesgotável, disponível para saque). Dizimou-se a biodiversidade,
estimulou-se a captura e o tráfico de animais nativos e de produtos da fauna (como
carne e peles). Animais domésticos competiam com os nativos ou os predavam. Se
a natureza era obstáculo ao desenvolvimento, não havia dúvidas em exterminá-la. O
desenvolvimento industrial e a necessidade de energia exacerbaram a devastação
(DEAN, 1996). Continua tênue o sentimento de preservar a natureza e os animais.
Muitas pessoas cometem crimes ambientais como poluir praias, desmatar encostas,
vender e comprar animais silvestres em feiras livres; poucas repudiam esses atos
(RAMINELLI, 1999). Espécies da Mata Atlântica desapareceram sem se tornarem
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conhecidas pelo meio científico, exemplo de insensato extermínio de criaturas que
sequer receberam um nome (DEAN, 1996; WILSON 2002).
Para Lopes (2002), as piores ameaças à fauna silvestre brasileira são a perda
de hábitats e o tráfico. Cerca de 90% do comércio de animais silvestres é ilegal. Nas
comunidades do interior do Brasil persiste a crença em uma natureza inesgotável;
pessoas capturam animais silvestres para alimentar-se, usá-los como xerimbabos e
para reforçar a renda familiar; coletores jovens, subempregados, desempregados,
lavradores e pescadores, vendem-nos a motoristas de caminhão ou de ônibus que
viajam entre as regiões de captura (Norte, Nordeste, Centro-Oeste) e os maiores
centros urbanos (principais mercados consumidores internos: o Rio de Janeiro e a
região metropolitana de São Paulo). Os animais são vendidos em “feiras do rolo”,
como a de Duque de Caxias, no estado do Rio de Janeiro, ou similares nos bairros
periféricos de São Paulo, e mesmo em lojas.
O tráfico internacional de animais silvestres, terceiro mercado ilegal mundial,
perde em cifras somente para os de armas e drogas; segundo Oliveira (2002), no
Brasil ele movimenta anualmente de US$ 1,5 a US$ 2 bilhões, cerca de 15% de seu
valor total no planeta. Freqüentemente associa-se ao narcotráfico. Elabras (2002)
informa que um espécime vendido na fonte do tráfico por R$ 2,50 atinge no mercado
internacional o valor de US$ 2000 (papagaio-verdadeiro), US$ 4500 (papagaio de
cara roxa) ou US$ 10000 (arara-canindé). No mercado nacional, há forte demanda
pelas espécies Ara ararauna (arara-canindé), Amazona amazonica (papagaio-do-
mangue), Amazona aestiva (papagaio-verdadeiro), Callithrix jacchus (sagüi-de-tufo-
branco); Cebus apella (macaco-prego); o mercado internacional prefere beija-flores,
papagaios Amazona brasiliensis (cara roxa) e Amazona pretrei (charão), araras Ara
chloroptera e Ara macao (vermelhas), Anodorhynchus hyacinthinus (azul), jandaias e
micos-leões. Lopes (2002) cita o transporte em gaiolas, maletas adaptadas, latas de
massa corrida ou tinta, tubos de PVC, bexigas e caixas de madeira, na cintura ou no
tornozelo de pessoas, sob a roupa. Traficantes quebram o osso do peito de araras,
que sentem forte dor e ficam imóveis; apertam papagaios e araras em tubos de PVC
dentro de malas; embriagam macacos com cachaça, para ficarem dóceis; aplicam
sedativos para o animal dormir no transporte; furam olhos de pássaros, e esmagam
suas cabeças para não serem apreendidos vivos (OLIVEIRA, 2002). Psitacídeos e
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sagüis tingidos ou descoloridos passam por espécies mais valiosas; sacos plásticos
contêm serpentes e cocaína; ovos de tucanos, papagaios e araras, dentro de coletes
ou casacos, ficam quase em contacto com o corpo da pessoa; os espaços mínimos,
os sedativos, a sede, a fome, as más condições de transporte provocam fraturas e a
morte dos animais; cerca de 90% dos espécimes falecem no transporte (PONTES,
2002). Funcionários das alfândegas e de companhias aéreas facilitam o tráfico, que
não se restringe aos animais vivos e ovos: inclui subprodutos da fauna como penas,
conchas e extratos, e até material fóssil.
Criadores particulares legais sequiosos de aumentar os plantéis, apreciadores
de carnes exóticas e empresas multinacionais constam entre os principais clientes
do mercado ilegal de animais silvestres, cujo filão mais rico, a biopirataria, destina-se
à descoberta e exploração comercial de princípios ativos, como os encontrados no
veneno de animais peçonhentos. Árdua tarefa: punir grandes traficantes, em geral
pessoas bem situadas na sociedade (LOPES, 2002).
Os criadouros, uma tentativa legal de minimizar o tráfico de animais silvestres,
podem ser conservacionistas (Portaria IBAMA nº 139/93), para proteger e reproduzir
espécies ameaçadas da fauna silvestre nativa do Brasil; científicos (Portaria IBAMA
nº 16/94), voltados à pesquisa; comerciais (Portaria IBAMA nº 118/97), com matrizes
que se reproduzem e os seus filhotes a seguir para o mercado (não podem negociar
suas matrizes). Alguns se envolvem com o mercado ilegal de animais silvestres.
Uma das operações mais comuns: a venda de animais com notas frias (“esquentar”
o animal). Adquirir um animal silvestre não marcado com anilha ou microchip, sem
nota fiscal, é ilegal; o transporte de um criadouro a outro (ou entre estes e os
zoológicos) só pode ocorrer com a emissão de licença de transporte pelo IBAMA.
Outras medidas contra o tráfico incluem a repressão, a reintrodução (criteriosa) de
espécimes no ambiente natural, a criação de Reservas Particulares do Patrimônio
Natural (onde espécies silvestres podem se recuperar) e a Educação Ambiental com
populações que participam do tráfico, tanto coletoras quanto receptoras de animais.
A CITES, convenção em vigor desde 01/07/1975, administrada pelo Programa
das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), regula o comércio internacional
de espécies da fauna e flora silvestre em risco de extinção. No Apêndice I, inclui
espécies ameaçadas de extinção, que exigem total proteção e cuja comercialização
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se proíbe; no Apêndice II, espécies sem risco imediato de extinção, merecedoras de
peculiar atenção por sofrerem forte pressão antrópica; no Apêndice III, espécies que,
segundo as autoridades de um país, exigem um controle especial em seu território.
No Brasil, um grave crime ambiental ocorreu pela introdução irresponsável de
espécies exóticas. Um caso recente: o caramujo gigante africano Achatina fulica,
possível substituto do caracol europeu, solto no país por alguns criadores, ao não ter
sido aprovada sua comercialização, tornou-se uma praga consumidora de plantios e
pode transmitir ao homem doenças graves provocadas por nematóides.
Wilson (2002) responsabiliza a espécie humana, em sua cruel guerra contra a
natureza, caracterizada pelo excesso de sua população, pela destruição de hábitats,
pela prática de caça indiscriminada, pela invasão de territórios por espécies exóticas
e pela poluição generalizada, por extinções em massa em várias regiões do mundo.
A destruição de hábitats, especialmente nas regiões cobertas por florestas tropicais,
já derrubadas em mais de metade de sua extensão, contribui para reduzir o número
de espécies que os habitam. A síndrome da floresta silenciosa, ausência de sons em
seu interior devido à caça até a extinção de aves e mamíferos de grande porte, afeta
vastas áreas da Amazônia. Dizimar a biodiversidade desestabiliza os ecossistemas,
as economias e o clima; facilita a proliferação de doenças infecciosas. A importância
da biodiversidade para o bem-estar humano escapa à percepção do homem comum:
este pouco se importa com o desaparecimento da natureza, substituída por artefatos
humanos. Estima-se que o índice atual de extinção seja de mil a dez mil vezes maior
do que antes do surgimento do Homem; ao menos um quinto das espécies estarão
extintas ou fadadas à extinção em 2030; metade sofrerá o mesmo destino até 2100.
O século XXI pode deixar, como sua trágica herança, a solidão para a humanidade.
Para o autor, urge uma Ética para a Terra, com base no melhor conhecimento que a
ciência puder fornecer sobre o ser humano e o mundo que o cerca.
Na base do desprezo para com a biodiversidade está o analfabetismo afetivo
humano, incapacidade que inibe intercâmbios emocionais. “Somos violentos quando
desconhecemos a diversidade que reina na natureza, suprimindo a variedade de
espécies que convivem nos ecossistemas” (RESTREPO, 2001, p. 65). Excluir a
sensibilidade, nas relações com os outros seres vivos e com os ecossistemas onde
vivem, gera “[...] bases para sua destruição, pois os equilíbrios entre os indivíduos,
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animais ou plantas são mediados pelas mudanças que nossa disposição sensível é
capaz de detectar. [...] Sem afeto sensível por parte dos seres viventes, seria
impossível manter o equilíbrio ecológico” (idem, ibidem, p. 86).
Esta situação se complica ainda mais perante a perspectiva do planeta Terra
como um superorganismo autoregulador, Gaia, ser vivo em que a biodiversidade e o
meio ambiente evoluem em conjunto (LOVELOCK, 2007). As atividades antrópicas
alteram o clima e o ambiente global contra as preferências e necessidades de Gaia:
o aquecimento global derrete as calotas polares e as geleiras no pico de montanhas,
eleva o nível dos oceanos, muda o regime de circulação dos ventos na atmosfera e
as correntes oceânicas, contribui para a perda de ecossistemas e da biodiversidade.
Como reação, Gaia pode eliminar seu mais buliçoso morador para sobreviver.
Para Serres (1994), a humanidade precisa associar-se perante o perigo que
ela mesma criou, através de suas agressões à natureza e à Terra, e conceber um
pacto a assinar como o mundo: o contrato natural. Este traria a paz à humanidade
para esta salvaguardar seu mundo e a paz com o mundo para salvaguardar a si
mesma.
A EDUCAÇÃO AMBIENTAL E OS ANIMAIS SILVESTRES
Até os seis anos de idade as crianças tendem a ser egocêntricas, egoístas e dominadoras em suas relações com os animais e a natureza. Também se mostram indiferentes ou temerosas em relação à maioria dos animais. Entre seis e nove anos, as crianças se interessam pela primeira vez pelos animais selvagens e mostram reconhecer que os animais podem sofrer e sentir dor. Dos nove aos doze anos, o conhecimento e o interesse pela natureza aumentam rapidamente, e entre treze e dezessete anos a maioria dos jovens adquire um sentimento de responsabilidade moral em relação ao bem-estar dos animais e à conservação das espécies (WILSON, 2002, p. 157).
O estudo da biodiversidade, não apenas para conhecê-la, mas também para
amá-la, deve ter destaque na educação, do jardim da infância até a universidade.
A cegueira da alma ao belo, grave doença mental a se alastrar pelo mundo,
contagia as pessoas com a insensibilidade diante de fatos moralmente condenáveis
(LORENZ, 1974). Dorst (1973) ressalta que o ser humano necessita de equilíbrio e
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beleza; Lorenz (1986) julga imprescindível educar as pessoas para a percepção da
beleza e da harmonia do mundo, e para despertar a compaixão pelos outros seres
vivos. O saber não pode prescindir da beleza, ou então se pagará muito caro por ele
(SERRES, 2001). Lovelock (1991) lembra que a curiosidade faz parte do processo
de amar: ser curioso para conhecer o mundo natural leva a um relacionamento de
amor com ele. A capacidade humana de amar pode desaparecer se não for treinada
durante etapas críticas do desenvolvimento do indivíduo, a infância e a adolescência
(LORENZ, 1986). Segundo Serres (1994, p. 81), deve-se “[...] aprender e ensinar à
nossa volta o amor do mundo ou da nossa Terra”. No entanto, as escolas adestram
as crianças em um saber permeado pela neutralidade sem emoções: o estudo da
vida passa por sua destruição, conhecem-se os cadáveres de animais e plantas, não
os seres ainda vivos (RESTREPO, 2001). Faltam à educação escolar a ternura e a
sensibilidade, incluídas no paradigma da ecoternura. Adquire-se a ternura, através
do amor, para desconstruir os valores da vingança, da sujeição e da conquista.
Educar de forma integrada, para a percepção, a curiosidade, a compaixão, o
equilíbrio, a harmonia, a beleza, a sabedoria, a ternura e o amor, afigura-se possível
através de um novo modo de ser no mundo, a educação ambiental. Esta implica na
convivência harmoniosa do homem com o meio ambiente, lida com o potencial das
pessoas para entender e transformar seu meio (MERGULHÃO; VASAKI, 1998). Pelo
Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade
Global, a educação ambiental deve enfocar a relação entre o Homem, a natureza e
o universo de forma interdisciplinar; o ser humano precisa aprimorar a consciência
ética sobre todas as formas de vida com as quais compartilha o planeta, respeitar
seus ciclos vitais e limitar sua exploração. A Carta da Terra, com base nos princípios
da educação ambiental, defende o respeito e o cuidado com a vida, a proteção da
diversidade e da beleza da Terra, e a restauração de ecossistemas. Para Ab’ Saber
(2001), a educação ambiental deve se envolver na luta para preservar e recuperar a
biodiversidade, e evitar extinções. Modo de interagir com a natureza, de interiorizá-la
como valor perene, fonte de alegria, beleza e identidade, a educação ambiental
permite conhecer e amar os outros seres vivos, através de uma relação afetiva
permeada pela ternura (QUARANTA-GONÇALVES, 2005).
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O contato íntimo com a natureza viva desvela-se como trilha propícia para se
aprender e treinar a percepção da beleza (LORENZ, 1986). Essência da beleza e da
vida, a natureza seduz o ser humano à sua contemplação, o que o torna ainda mais
humano (QUARANTA-GONÇALVES, 2005). Retornar à natureza evoca a sensação
de voltar para casa, de religar-se à fonte da vida (SHELDRAKE, 1993). As verdades
da natureza orgânica apresentam uma beleza plácida e imponente, tornam-se cada
vez mais belas quanto mais se penetra em suas particularidades, em seus detalhes:
quanto mais conhecer a natureza, mais profundamente e por mais tempo o Homem
será movido pela sua bela realidade (LORENZ, 1977). A natureza constitui excelente
local para o aprendizado: os ecossistemas preservam um conhecimento imediato e
sensível, perpetuado por singularidades (RESTREPO, 2001). Entrar em contato com
a natureza apresenta também um lado místico, de transcendência e espiritualidade:
a pessoa se conecta ao restante do mundo vivo, em uma experiência moldada pela
emoção (SHELDRAKE, 1993). A experiência poética ou mística da vida da natureza
constitui uma fonte de inspiração para muitos cientistas da vida: “Não existe um bom
biólogo que não tenha chegado à sua vocação através da satisfação interior pela
beleza da criatura viva, e que os conhecimentos adquiridos dessa profissão não lhe
tenham aprofundado a alegria na natureza e no trabalho” (LORENZ, 1977, p. 15). As
pessoas comuns sentem a comunhão com a natureza como experiência mística, de
iluminação, de surpresa e de alegria, em qualquer idade. “Muitas crianças têm, em
certos momentos, um sentimento místico de sua conexão com o mundo natural.
Algumas o esquecem. Outras se recordam dele de uma maneira que lhes serve
como uma fonte contínua de inspiração” (SHELDRAKE, 1993, p. 213). Crianças e
adolescentes fundam relações com o mundo natural que os influenciam pelo resto
de suas vidas e podem definir carreiras: “[...] as crianças são impressionáveis, quase
universalmente conectadas com a natureza e ainda estão formando os valores que
irão moldar seu comportamento quando adultos” (DAVENPORT et al., 2002, p. 329).
Muitas pessoas se tornam adultas sem terem tido em sua vida a oportunidade de ver
a beleza da criação orgânica. A sensação e a percepção da beleza e de harmonias
devem ser aprendidas e treinadas, para despertar nas crianças e nos adolescentes
sensações valorativas. Um contato tão íntimo quanto possível com a natureza viva,
tão cedo quanto possível na vida das pessoas, é um caminho altamente promissor
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para se atingir esse objetivo. Vivências subjetivas incentivam a capacidade humana
de amar e despertam o interesse pelas correlações da natureza (LORENZ, 1986).
É preciso incentivar adolescentes e crianças a amar a natureza, a questionar
valores que os levam a temê-la e a declarar preconceitos contra ela, e argumentar
que devem zelar pelo meio ambiente. Para tanto, recomendam-se caminhadas em
áreas naturais. A trilha não é só o caminho, mas também o destino da caminhada:
cabe estimular a observação, não apenas pela visão, pois se deve tocar, cheirar e
ouvir a natureza; cumpre observar detalhes do ecossistema, dos insetos, de seus
ovos e suas larvas, das aranhas e de suas teias sobre ou entre folhas de árvores,
dos padrões de herbivoria, de vestígios como fezes e pegadas, do canto de aves e
de outras vozes. A importância de cada elemento no seu meio ambiente pede um
esclarecimento, mas não se devem entregar informações prontas, e sim despertar a
curiosidade e o raciocínio, por meio de perguntas. Em uma floresta, alguns pontos
carecem de uma atenção especial, como os exemplares de espécies de animais em
extinção. É necessário fazer silêncio ou falar muito baixo, para não espantar os
animais; não retirar lembranças, pois os organismos devem ser respeitados, não são
propriedades humanas. Pessoas mais conscientes chegam a rastejar no solo de
uma trilha para não danificar uma teia de aranha à sua frente. Com freqüência os
participantes de caminhadas se frustram por verem poucos animais (em especial
aves e mamíferos, que chamam mais a atenção): muitas espécies se escondem das
pessoas, ou têm hábitos crepusculares ou noturnos. Trabalhar em trilhas desponta
como oportunidade ímpar para desmitificar falsos valores sobre a natureza e perder
o medo de animais: estes não atacam por maldade, tentam fugir se ameaçados e só
reagem na falta de outra opção. No caso do encontro com animais que podem trazer
algum perigo (taturanas, por exemplo), as pessoas responsáveis pelo grupo
precisam se portar com equilíbrio e segurança, explicar a razão dos cuidados para
com estas e outras espécies. Excursões às matas são eficientes para uma vivência
contra falsos medos. Convém realizar atividades de sensibilização na trilha: em um
ponto qualquer, solicita-se aos caminhantes manterem silêncio, olhos fechados, e
prestarem atenção aos sons, odores e outras sensações (MERGULHÃO; VASAKI,
1998). Bontempo e Gjorup [1999?] entendem como um dos objetivos da caminhada
criar relações afetivas de crianças e adolescentes com a natureza, para amar,
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respeitar e preservar o meio ambiente, hoje e no futuro. Esse contato permite-lhes
exercitarem os órgãos dos sentidos, despertarem sentimentos e religarem-se ao
mundo como um todo. O estímulo à curiosidade e ao saber, a partir da observação,
ao uso de sentidos como o tato e o olfato, sensibiliza as pessoas, gera discussões,
aumenta seus conhecimentos. Elas envolvem-se com o saber de forma prazerosa,
divertida e permanente, e tais experiências ficam registradas em sua memória com
intensidade muito maior que as aulas formais, teóricas.
A fenomenologia, no enfoque de Merleau-Ponty (1999), em que todo saber se
instala através dos horizontes abertos pela percepção, incentiva o uso do corpo, em
especial dos sentidos, para conhecer o mundo, e transparece como uma filosofia
eminentemente prática e indicada para uma educação ambiental que procura religar
o ser humano com a natureza da qual nunca deixou de fazer parte. A fenomenologia
valoriza a relação com o outro, que pode muito bem ser a natureza e seus animais.
Práticas educativas em ambientes ricos em estímulos sensoriais, como as
trilhas, criam a oportunidade para seus participantes utilizarem seu corpo para
perceberem seu meio ambiente, elaborarem-no e recriarem-no, pelo encadeamento
das experiências perceptivas, interagirem e dialogarem com ele, numa relação de
troca entre o ambiente e os sujeitos abertos e dados ao mundo; permite também que
cada pessoa conheça melhor a si mesma e reconheça e valorize o Outro, o que a
torna mais humana (QUARANTA-GONÇALVES; SOARES, 2004).
Como resultado de suas próprias experiências, Quaranta-Gonçalves (2005)
entende que as excursões escolares permeadas por um trabalho sério de educação
ambiental contribuem para formar a personalidade dos adolescentes, ao despertar-
lhes emoções e sentimentos, criar e reforçar valores, permitir contatos com espécies
de animais silvestres e despertar a biofilia; além disso, o contato com a natureza
pode descortinar a percepção de que ela e a biosfera são vivas. Uma excursão ao
ambiente natural rompe o limiar a partir do qual o estudante se capacita a um pensar
crítico sobre a sociedade em que vive, que denuncie os danos ambientais causados
pelo uso cultuado e irrestrito da tecnologia e sugira medidas para melhorar o meio
ambiente das cidades e de todo o planeta.
Uma atividade gratificante a se praticar no contato com a natureza: observar
aves. Para Regalado (2007), as aves fascinam as pessoas, por sua beleza, suas
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formas e cores, pela capacidade de voar e pelas vozes. A prática de observá-las
constitui uma atividade de educação ambiental que permite conhecer melhor a vida
silvestre, aproxima o homem da natureza, estimula a preservação do meio ambiente
e serve para combater a tensão da vida moderna. Clubes de Observadores de Aves,
como o de Sorocaba, criado por iniciativa dos educadores ambientais do zoológico
do município, instigaram alguns de seus membros a partir para a pesquisa científica.
Os zoológicos também podem se destacar pela riqueza de suas experiências
com a educação ambiental. Segundo Morris (1992), eles já foram espetáculos de
aberrações, serviram para a criação de predadores e tornaram-se coleções reais de
animais após a chegada dos europeus à América; no século XIX começaram a se
tornar instituições científicas; porém, apenas a partir do início da segunda metade do
século XX houve a preocupação de estudar o comportamento animal e de preparar
recintos semelhantes ao ambiente silvestre. Um de seus papéis mais importantes,
para Wilson (2002), é o de reproduzir em cativeiro espécies ameaçadas de extinção.
As pessoas que habitam grandes centros urbanos visitam zoológicos como a
única forma de ver de perto animais da fauna silvestre, o que os prioriza como locais
para uma educação ambiental. Uma experiência muito bem-sucedida nesse sentido
desenrola-se há cerca de vinte anos no Zoológico Municipal “Quinzinho de Barros”,
em Sorocaba, eleito como símbolo da cidade em uma pesquisa realizada em 1993.
As atividades de educação ambiental tiveram início em 1979: o zôo deixou de ser
uma vitrine de animais, tornou-se uma “sala de aula viva” (MERGULHÃO, 1997); em
1988, foi criado um Centro de Educação Ambiental, com uma biblioteca, um museu
de zoologia e um auditório. Entre os diversos programas já realizados, destacam-se
a madrugada ecológica (passar uma noite no zôo, conhecer seus animais noturnos),
as visitas orientadas e o tranzôo (curso de férias para crianças e adolescentes, ou
para famílias inteiras). O êxito desse trabalho de educação ambiental se configura
na mudança de atitude da população da cidade em relação ao meio ambiente (mais
crítica) e na formação de pesquisadores. Atualmente, o “Quinzinho” é um ponto de
referência para todas as questões de meio ambiente de Sorocaba.
O Zoológico de São Paulo também trabalha com educação ambiental, embora
seu programa seja menos abrangente que o do “Quinzinho”. A iniciativa começou na
última década do século XX, com cursos para professores. Hoje, além dos cursos
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com duração de oito horas, há visitas orientadas e visitas noturnas. Outros zôos
também se destacam pelo trabalho em educação ambiental, como os de Americana
e Bauru, além do orquidário de Santos.
Na impossibilidade de tirar os estudantes da escola para atividades externas
de educação ambiental, o trabalho pode enfocar o estudo de suas áreas verdes.
Serres (2001) recomenda o contato com animais e plantas dos jardins, em vez de
sua permanência em pátios cimentados e geométricos, onde ocorrem as primeiras
lutas pela dominância, e de um estudo maçante baseado na gramática.
Dentro da sala de aula, ou mesmo nos pátios das escolas, é possível realizar
atividades lúdicas e jogos, que, segundo Telles et al. (2001), constituem pertinente
recurso pedagógico para entender o funcionamento dos ecossistemas e conhecer as
espécies nativas de suas faunas.
Os meios de comunicação também têm se preocupado, nas últimas décadas,
com a destruição da natureza e da fauna silvestre. A partir dos anos 60, diversos
documentários nos cinemas e na televisão procuraram cativar os espectadores com
belas imagens sobre a vida animal (MORRIS, 1992). Entre os filmes mais recentes,
destacam-se Microcosmos (2005), sobre o universo da microfauna (em especial dos
insetos), e Migração Alada (2003), sobre a migração das aves (em seus créditos
finais, homenageia-se Jean Dorst, autor do clássico “Antes que a Natureza Morra”).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Terra, há muito tempo, vem sendo encarada como um enorme laboratório no qual o Homem é livre para realizar qualquer tipo de experiência. Muitas foram bem-sucedidas, outras, nem tanto. Essa mentalidade coloca em risco a própria sobrevivência da espécie humana (MERGULHÃO; VASAKI, 1998, p. 15). O amor por seres vivos é uma emoção importantíssima, imprescindível. Pois é esta emoção que transfere ao homem, a este ser que tudo domina, a responsabilidade pela vida em nosso planeta (LORENZ, 1986, p. 200).
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Não há mais tempo a perder: a contagem regressiva para uma megaextinção
se acelera. Urge criar ou recriar valores positivos para reconectar a natureza interior
humana com a natureza exterior, da qual ele nunca deixou de fazer parte, por mais
que tentasse. É preciso sensibilizar as crianças e os adolescentes para uma postura
ética ao conviverem com as outras formas de vida que compartilham a Terra com a
espécie humana: só as informações não bastam, eles necessitam de uma formação
que lhes possibilite situar-se no mundo onde vivem e perceber que mantém relações
de dependência com outros seres vivos.
Não se prescinde do contato com a natureza: freqüentar zoológicos, parques,
áreas naturais, museus e percorrer trilhas, abrir os olhos e os outros sentidos para a
beleza e a harmonia da vida estimulam uma pessoa a perceber e tentar entender a
realidade do mundo à sua volta, da qual fazem parte não apenas os humanos e as
suas invenções, mas todas as outras formas de vida do planeta Terra.
Não se pode avaliar um ser vivo apenas em termos de sua utilidade prática,
dentro de um ponto de vista econômico: regras de comércio não lhes deveriam ser
aplicadas. Que autoridade moral outorgou ao ser humano o direito de lucrar com a
venda de animais silvestres?
Uma boa nova: o destaque cada vez maior que as questões ambientais, entre
elas a da preservação da biodiversidade, recebem no pensamento religioso. A idéia
de que toda a natureza existe apenas para o desfrute do Homem é considerada
como equívoco, hoje, dentro de diversas visões religiosas; caminha-se celeremente
para o entendimento do papel humano como o de cuidar das outras formas de vida.
Preservar a biodiversidade significa fugir da barbárie, ter uma conduta moral e
aplicar uma ética centrada na vida: as formas de vida que rodeiam o ser humano
têm um valor intrínseco; responsável por sua preservação, o Homem tem o dever
moral de tentar salvar qualquer espécie em risco de extinção. Mas só se preservam
as espécies com a preservação de seus ecossistemas. Todos os organismos têm
direito à vida: o biocentrismo substitui o antropocentrismo que apenas esvaziou o ser
humano colocado no centro do universo.
O homem deve contemplar e fotografar os outros animais em vez de eliminá-
los cruelmente para provar sua pretensa superioridade. Na forma de contrato animal,
contrato natural ou ética da Terra, o respeito substitui a exploração, a solidariedade
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e o amor aos animais esvaziam o ódio, o medo, o preconceito e a destruição. Serres
(2003) afirma que os animais temem o exterminador humano, perigosa fera que os
ameaça de erradicação. Em lugar desta, que tal a convivência prazerosa? O amor à
natureza e aos seres vivos, inclusive a outras pessoas, surge como uma alternativa
para não se tratar a tudo o que é vivo como descartável.
O processo educativo deve se voltar para a transformação cultural e ética do
Homem. Urge sensibilizar as pessoas contra a captura, o tráfico e a manutenção em
cativeiro de animais silvestres, e sobre os maus tratos que lhes são impostos. Na
fonte do tráfico e da caça, cabe uma ação efetiva para melhorar a qualidade de vida
das populações envolvidas e dar-lhes alternativas de vida dignas, que minimizem a
continuidade da caça predatória. Mister se faz uma educação ambiental que rejeite o
paternalismo e o assistencialismo, resgate a auto-estima das pessoas e valorize, de
forma crítica, seus saberes tradicionais. A educação precisa cultivar um ser humano
terno e capaz de se emocionar com a beleza, de respeitar o Outro, seja este uma
pessoa, um animal, uma planta, a natureza, o próprio mundo, a Terra.
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