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Universidade Metodista de São Paulo Cátedra UNESCO/UMESP de Comunicação para o Desenvolvimento Regional Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação PENSACOM BRASIL – São Bernardo do Campo, SP – 16 a 18 de novembro de 2015 1 A relação ídolo-fã e as novas ferramentas de compartilhamento de conteúdo: o aplicativo Snapchat 1 Marina Paula Darcie 2 Maria Cristina Gobbi 3 Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Unesp – Bauru, SP Resumo Na sociedade pós-moderna a possibilidade de assumir diversas personalidades lança o indivíduo a uma busca incessante por visibilidade. Ferramentas que possibilitam a troca de conteúdo surgem a cada dia e exploram a característica humana da atração pelo compartilhamento e consumo ilimitado de imagens. Somando o interesse em ser visto ao interesse de bisbilhotar, podemos traçar algumas questões que tangem o sucesso do aplicativo recente Snapchat. Realizando pesquisa bibliográfica e coletando experiências no espaço web, notamos que a relação do ídolo que quer compartilhar sua imagem de forma mais próxima e sem moderação , com o fã aquele que se sente representado e contemplado nas imagens cotidianas compartilhadas pelo superior , tem adquirido novas formas, ganhando espaço online e colocando em pauta essas novas ferramentas conectadas. Palavras-chave Comunicação; Internet; Aplicativos online; ídolo; fã. Introdução Morin (1962) mostra que, culturalmente, a sociedade elege ídolos ou heróis que representam e unificam os sujeitos, criando vínculos identitários entre eles. [...] uma cultura constitui um corpo complexo de normas, símbolos, mitos e imagens que penetram o indivíduo em sua intimidade, estruturam os instintos, orientam as emoções. Esta penetração se efetua segundo trocas mentais de projeção e de identificação polarizadas nos símbolos, mitos e imagens da cultura como nas personalidades míticas ou reais que encarnam os valores (os ancestrais, os heróis, os deuses). Uma cultura fornece pontos de apoio imaginários à vida prática [...]. (MORIN, 2002, p.15) 1 Trabalho apresentado no GT Comunicação Digital e Tecnologias, do PENSACOM BRASIL 2015. 2 Mestranda de Comunicação Social do programa de pós-graduação da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, bolsista CAPES. Email: [email protected] 3 Pesquisadora. Livre-docente pela Unesp. Pós-Doutora pelo Prolam-USP (Universidade de São Paulo Brasil), Doutora em Comunicação pela Universidade Metodista de São Paulo (Umesp). Vice-coordenadora e Professora do Programa Pós-Graduação Mídia e Tecnologia da Unesp de Bauru. Professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da mesma instituição. Orientadora da dissertação de mestrado. E-mail: [email protected]

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Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação

PENSACOM BRASIL – São Bernardo do Campo, SP – 16 a 18 de novembro de 2015

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A relação ídolo-fã e as novas ferramentas de compartilhamento de conteúdo: o

aplicativo Snapchat1

Marina Paula Darcie2

Maria Cristina Gobbi3

Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Unesp – Bauru, SP

Resumo Na sociedade pós-moderna a possibilidade de assumir diversas personalidades lança o indivíduo

a uma busca incessante por visibilidade. Ferramentas que possibilitam a troca de conteúdo

surgem a cada dia e exploram a característica humana da atração pelo compartilhamento e

consumo ilimitado de imagens. Somando o interesse em ser visto ao interesse de bisbilhotar,

podemos traçar algumas questões que tangem o sucesso do aplicativo recente Snapchat.

Realizando pesquisa bibliográfica e coletando experiências no espaço web, notamos que a

relação do ídolo – que quer compartilhar sua imagem de forma mais próxima e sem moderação

–, com o fã – aquele que se sente representado e contemplado nas imagens cotidianas

compartilhadas pelo superior –, tem adquirido novas formas, ganhando espaço online e

colocando em pauta essas novas ferramentas conectadas.

Palavras-chave Comunicação; Internet; Aplicativos online; ídolo; fã.

Introdução

Morin (1962) mostra que, culturalmente, a sociedade elege ídolos ou heróis que

representam e unificam os sujeitos, criando vínculos identitários entre eles.

[...] uma cultura constitui um corpo complexo de normas, símbolos,

mitos e imagens que penetram o indivíduo em sua intimidade,

estruturam os instintos, orientam as emoções. Esta penetração se

efetua segundo trocas mentais de projeção e de identificação

polarizadas nos símbolos, mitos e imagens da cultura como nas

personalidades míticas ou reais que encarnam os valores (os

ancestrais, os heróis, os deuses). Uma cultura fornece pontos de apoio

imaginários à vida prática [...]. (MORIN, 2002, p.15)

1Trabalho apresentado no GT Comunicação Digital e Tecnologias, do PENSACOM BRASIL

2015. 2Mestranda de Comunicação Social do programa de pós-graduação da Universidade Estadual

Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, bolsista CAPES. Email: [email protected] 3Pesquisadora. Livre-docente pela Unesp. Pós-Doutora pelo Prolam-USP (Universidade de São

Paulo – Brasil), Doutora em Comunicação pela Universidade Metodista de São Paulo (Umesp).

Vice-coordenadora e Professora do Programa Pós-Graduação Mídia e Tecnologia da Unesp de

Bauru. Professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da mesma

instituição. Orientadora da dissertação de mestrado. E-mail: [email protected]

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O mundo moderno está cheio de referências chamadas de heróis, ídolos ou

celebridades. Esta relação entre sociedade e mídia é permeada pelo princípio básico de

vender e consumir imagem. “Sejam heróis das conquistas políticas e sociais dos países,

heróis das histórias em quadrinhos, heróis do cinema, ou heróis do esporte, a presença

deles nos remete ao pensamento de que eles são referenciais às nações modernas”

(HELAL; MURAD in HEDAL, 1997, p.4).

Essas relações, somadas ao contexto atual, trouxeram para a rede online o

costume de acompanhar um ídolo e consumir imagens em tempo recorde e de forma

ilimitada, transformando o Snapchat em um dos aplicativos no mais utilizados desde

que foi criado.

Mito, herói, ídolo e fã

Neste ponto é relevante apontarmos as diferenças entre os personagens do mito,

do herói e do ídolo. Desses termos tratados o mito é o personagem mais antigo e que

deu origem aos outros dois: a figura era conhecida nas sociedades da Roma e Grécia

antigas como divindades que possuíam determinadas características que representava a

sociedade. Eram adoradas por explicar para a população aqueles fatos que não eram

ainda demonstrados cientificamente e, principalmente, por impor alguma conformação

social. O herói e o ídolo, derivados das figuras mitológicas, são construídos, o primeiro

por atos heroicos superestimados socialmente e o segundo por conter características

adoradas em determinado contexto. O herói é considerado diferente dos ídolos ou

celebridades por alguns autores (HELAL, 1997; PRIMO, 2009) porque o herói precisa

ter uma jornada, enquanto o ídolo é imagem.

[...] o herói é quem conseguiu lutando, ultrapassar os limites possíveis

das condições históricas e pessoais de uma forma extraordinária,

contendo nesta façanha uma necessária dose de “redenção” e “glória”

de um povo. Mas para que sua trajetória heróica alcance este status é

necessário que as pessoas acreditem na verdade que as façanhas do

herói afirmam. Logo, o mito do herói faz parte de uma relação com os

seguidores, os fãs, aqueles que o idolatram. Sem esta relação, este

“acordo”, o herói não é herói, o que nos leva concluir, então, que na

figura do herói se encontram agrupadas várias representações distintas

da coletividade. (HELAL; MURAD in HEDAL, 1997, p.5)

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Todas as três figuras citadas nesse momento possuem em comum o fato de serem

representações sociais de adoração. Percebemos, no entanto, que com o

desenvolvimento das sociedades e modificações econômicas, políticas, culturais, a

imagem considerada um arquétipo (os mitos da bravura, da coragem, do poder, enfim)

foi progressivamente transformada em estereótipos. Muito dessa mudança ocorreu

devido à cultura de massa e a eleição de imagens pelas mídias massivas de

comunicação. Primo (2009, p.108) problematiza em seu texto, utilizando Boorstin

(2006), a questão sobre a estereotipagem do ídolo (ou, como ele coloca, a celebridade):

“essas formas de grandeza [os mitos e heróis] se eclipsaram, ficando à sombra de uma

nova eminência: a celebridade. Enquanto o herói era reconhecido por seus bravos feitos,

a celebridade é lembrada por sua imagem ou marca. [...] o herói criou a si mesmo, a

celebridade é uma criação da mídia”.

Circularmente, a razão de sua fama deve ser procurada na própria

fama, já que as celebridades são notórias por sua notoriedade. Ou seja,

elas são constituídas por pura familiaridade. Reconheçamos: como

explicar melhor o fenômeno Paris Hilton? Toda essa tautologia reflete

o próprio vazio de nossa existência. Para Boorstin, as celebridades são

receptáculos onde depositamos nossa falta de propósitos. Elas seriam

nós mesmos em uma lente de aumento. (PRIMO, 2009, p.108)

Mesmo que adaptações e generalizações tenham sido realizadas na imagem de um

herói para que se torne um produto, é perceptível que a mídia tenta relacionar sua

trajetória a elementos históricos de adoração com a finalidade de atrair o público e criar

um vínculo entre o personagem e a sociedade.

[...] nas biografias de heróis e ídolos da música e do esporte,

geralmente são enfatizados um certo abandono ou alguma perda ou

dificuldade séria na infância. Não que estas dificuldades não sejam

verdadeiras. Mas o fato da mídia enfocá-las com intensidade nos fala

de uma “necessidade” na construção da narrativa da saga do herói, que

contribui efetivamente para o processo de identificação dos fãs, dos

seguidores, com o ídolo. (HELAL, 1997, p.9)

Tendo sido problematizado até o momento denominações e representações sobre

o ídolo, precisamos trabalhar nesse momento os conceitos levantados sobre o fã para

que a relação entre ambos os personagens seja visualizada com maior clareza. De

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acordo com Shuker (1999, p.127-128), são fãs aqueles que acompanham os passos da

vida de determinados artistas e “com diferentes níveis de envolvimento”. Em suma, o

que caracteriza a atividade de fã é “o alto investimento de sensibilidade em relação tanto

à imagem quanto à obra do ídolo” (MONTEIRO, 2005, p.3) e, da mesma forma, o

vínculo identitário que os une pode ser uma série, um filme, uma coleção, crenças,

costumes, enfim. É importante frisar que estes gostos são permeados pela cultura de

cada indivíduo e sua própria leitura sobre o que consome e vive.

O fã seria, então, um indivíduo em constante crise de identidade e

valores, que projeta, na figura do ídolo, tudo aquilo que ele gostaria de

ser mas não é, gerando um sentimento misto de dependência e

frustração. O fenômeno da idolatria é compreendido, de acordo com

essa linha de argumentação, como um sintoma da sociedade atual

(Coelho, 2003, p. 417; Hinerman, 2001; Thompson, 1995).

(MONTEIRO, 2005, p.6)

A relação fã-ídolo seria tida, nesse contexto analisado, como um elemento

fundamental no processo de formação de identidades individuais e de socialização.

Alguns exemplos que podemos trazer, nesse momento, são as revistas fanzines,

produzidas de fã para fã sem intenção comercial (algumas vezes vendidas a preço de

custo) como uma forma de trocas simbólicas de conhecimento acerca de um produto

midiático.

O primeiro exemplo histórico da “cultura de fã” são os fanzines

(acrônimo de “fanatic magazine”, ou “revista de fã”). Na época

anterior à disseminação da internet, os fanzines, revistas amadoras e,

muitas vezes, artesanais, eram a única maneira de se saber maiores

informações sobre seus seriados favoritos ou discutir com outros fãs

questões de interesse restrito [...]. O fanzine considerado o pioneiro foi

“The Comet”, criado por Ray Palmer em 1930. A expressão

“fanzine”, contudo, surgiu apenas em 1940, cunhada por Russ

Chauvenet. Desde aquela época, os fanzines tinham como principal

foco a divulgação de informações e a criação de espaços para debates

sobre aspectos da ficção científica (e, posteriormente, outros temas,

como histórias em quadrinhos, seriados, livros, etc.). (LUIZ, 2008,

p.2-3)

Essas revistas são modelos de socialização de grupos com interesses comuns

específicos antes das mudanças tecnológicas ocorrerem na sociedade: “no Brasil, o

primeiro fanzine foi o “Ficção”, de Edson Rontani, criado em 1965 e que trazia texto

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sobre quadrinhos. Contudo, a publicação utilizava o termo “boletim” para se designar”

(LUIZ, 2008, p.3). Algumas dessas revistas continuam circulando fora da Internet com

caráter de coleção, mas de forma insignificante para o presente estudo.

Percebemos, a cultura participativa está fortemente ligada ao sentimento de

reverência que os fãs nutrem por seus objetos de interesse, e defendemos que esse

sentimento e a relação entre ídolo-fã é refletida para o espaço online devido às

facilidades proporcionadas pela tecnologia, apesar de ainda existirem exemplos

analógicos dessas relações mencionadas.

Esse imperativo mediático – mais propriamente, a adesão a ele – leva

geralmente o sujeito ao flerte permanente com o centro do cenário das

atuações conjuntas; fá-lo, pois, cedo ou tarde, (a querer) atrair para si

o foco prioritário da vez (temporário, intermitente ou duradouro), ou

melhor, a (a aspirar) aproximar-se do foco mediático (das redes de

massa e/ou do cyberspace), para prevalecer como eixo da percepção

ou atenção por parte de alguma audiência. Em outras palavras, a

assunção do imperativo da presença espectral conduz o sujeito a

torcer a circulação do simbólico e do imaginário mediáticos correntes,

a (tentar) entretecê-los nessa aspiração projetiva no reino reciclável

das abstrações espectrais, para fazê-los passar necessariamente pela

encenação do si-próprio e dos pertences e interesses conexos.

(TRIVINHO, 2011, p.115)

Jenkins (2006) discorre em seu livro Fans, Bloggers and Gamers: Exploring

Participatory Culture sobre o impacto que as tecnologias digitais causaram e o processo

pelo qual os fãs estiveram incluídos para aprender a “usar esses novos artifícios

mediáticos para incrementar, expandir, aumentar a visibilidade de suas comunidades de

fãs” (NATAL, 2009, p.3) e de estar mais próxima e poder dialogar diretamente com

seus ídolos e se fazer visto.

Novo cenário

Atualmente, com o advento da Web 2.04, as tecnologias estão cada vez mais

emaranhadas ao nosso cotidiano, tornando comuns termos como ciberespaço,

sociedades virtuais, redes sociais, inteligência coletiva, etc.

4A Web 2.0 é um conceito utilizado por Keen (2009),que está ligado não à tecnologia

empregada na rede, mas sim à forma como os usuários passaram a utilizá-la. A Web 2.0 é um

ambiente de participação e interação que agrega diversos tipos de linguagens.

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Diversas possibilidades surgem com a Internet a cada dia, e uma delas é a grande

teia de relações e o advento de novos personagens no sistema comunicativo que detêm,

de forma tão semelhante quanto os veículos de comunicação tradicionais, o poder de

influenciar e modificar a opinião do seu público. Essa realidade trouxe novas

configurações para as relações e sociabilidades. Trivinho (2011) frisa que estamos todos

vivendo um período tangido pelas relações virtuais e um novo sistema de valoração

criado na rede. A visibilidade virtual é necessária como uma maneira de afirmar seu

próprio ego, e se colocar em rede conectada, muitas vezes, é utilizar as interações

virtuais como sinônimo de participação social.

Partindo desse contexto e com a consciência de que na sociedade em que vivemos

“as identidades múltiplas fazem convite a uma incessante busca pela visibilidade

externa, considerou-se interessante traçar um paralelo com as ferramentas tecnológicas

surgidas no final do século XX, as quais potencializaram a fragmentação das

identidades” (LEN; MAZZILLI, 2015, p.3). É o que defende Santaella (2010), na

passagem a seguir:

[...] mesmo considerando que a multiplicidade identitária não é nova,

também não se pode negar que a internet, de fato, introduziu

novidades nessa questão. Quais são essas novidades? [...] Tornar as

multiplicidades subjetivas cristalinamente claras ao encenar com elas,

brincar com elas até o limite mais lúdico do jogo subjetivo. Essa

condição amplificou-se ainda mais com o advento das redes sociais

implementadas pela Web 2.0. (SANTAELLA, 2010, p. 283-284)

Essa mesma questão é tratada por Sibília (2008) quando diz que o século XXI é

extremamente globalizado e audiovisual, tendo criado um culto a imagem e à

personalidade jamais visto em tempos anteriores. A autora acredita que as celebridades,

que considera sendo essas personalidades extremamente vistas e expostas (daí a defesa e

reiteração de que na rede qualquer pessoa possa ser detentora de um discurso visível),

tenham saído do cinema para pertencerem a todos os tipos de telas, “inclusive às dos

ubíquos telefones celulares [...] Hoje como nunca, qualquer um realmente pode – e

habitualmente quer, e talvez daqui a pouco inclusive deva – ser um personagem como

aqueles que incansavelmente se mostram nas telas” (SIBILIA, 2008, p.245). Nesse

sentido, defendemos que “formas de agir, de pensar, de se expressar e de se relacionar,

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são medidas pelos modernos meios de comunicação. A mídia [...] ‘fabrica’ mitos e

ídolos, porém, tudo isto é realizado, de certa forma, em ‘comum acordo’ com o público

que a assiste” (HEDAL, 1997, p.1).

A necessidade de maior intimidade e visibilidade que norteia o comportamento

entre ídolo-fã que problematizamos até aqui é tratada também por Primo (2009), que faz

um histórico na tentativa de explicar a razão da exposição da imagem cada vez maior.

As celebridades, como as entendemos hoje, surgem no apogeu

hollywoodiano. Nesse período, observa Marshall (1997), alguns atores

e atrizes do cinema passam a transcender seus filmes e a criar uma

“aura”. Com a emergência do close-up na linguagem cinematográfica,

a relação entre a audiência e os personagens passou a ser mais

“íntima”. Para Marshall, essa é uma das raízes do crescente interesse

da audiência pelo artista. (PRIMO, 2009, p.107)

Se unirmos, por fim, a fala anterior de Primo (2009) aos demais autores tratados

neste trabalho, perceberemos que a tecnologia tratou de modificar uma relação histórica

entre personagens que unem representação, admiração e exposição máxima. O

comportamento que observamos através de fã-clubes e mesmo as fanmagazines citadas

no início do texto não sustentam, sozinhos, um ídolo e, mais do que isso, não fideliza o

público. Esse contexto é resumidamente exposto na fala seguinte de Bauman (2001,

p.46): “o ‘público’ é colonizado pelo ‘privado’; o ‘interesse público’ é reduzido à

curiosidade sobre as vidas privadas de figuras públicas e a arte da vida pública é

reduzida à exposição pública das questões privadas e a confissões de sentimentos

privados (quanto mais íntimos, melhor)”.

Implicações: o Snapchat

A criação de conteúdos distintos para diversas ferramentas pode ser denominada

de “intermidialidade ou interrelação de mídias. É um dos mais eficazes recursos para

garantir a transmissão de informação, porque estimula uma variedade maior de

percepções sensoriais que as simples mídias, atraindo, portanto, mais os leitores”

(SILVA, 2010, p.55). Devido a essa nova modalidade de disponibilizar conteúdo em

diversas plataformas, são geradas diversas ferramentas online que contém essa

característica como finalidade principal. Em setembro de 2011 foi criada pelos

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estudantes norteamericanos Evan Spiegel e Bobby Murphy uma rede social com uma

proposta que se diferenciava das outras lançadas até então5, o Snapchat. Isso porque o

aplicativo em questão cria um álbum de imagens e vídeos que fica disponível para que

os seguidores de um usuário vejam aquelas atualizações por tempo predeterminado pelo

autor das postagens e, além disso, em um período de vinte e quatro horas todos os

arquivos são destruídos pelo sistema. De acordo com o texto de Sibília (2008, p.6), “o

aplicativo social atraiu em pouco tempo a atenção de milhares de jovens ao redor do

mundo, a tal ponto que hoje em dia já registra um número superior a 700 milhões de

imagens publicadas diariamente”. Para a autora,

pode-se inferir que o sucesso de aplicativos como o Snapchat em

atrair uma grande quantidade de usuários tenha decorrido, entre outros

fatores, do fato de proporcionarem ferramentas ideais para a

construção de identidades, no sentido em que permitem um

compartilhamento massivo de informações a partir de qualquer

dispositivo móvel e em uma velocidade que condiz com a “liquidez” a

que Bauman se refere. (SIBILIA, 2008, p.7)

Essas várias identidades citadas pela autora, somadas ao interesse do indivíduo em

ser visto, além da curiosidade em bisbilhotar a forma como vivem outras pessoas,

culminaram em um contexto que cria e evidencia, o tempo todo, novos personagens

detentores de discurso (por exemplo os blogueiros e youtubers6, que usam o aplicativo

como outra ferramenta para compartilhamento de conteúdo). Para Sibília (2008, p.5) é

nesse contexto que “observa-se o surgimento de redes sociais virtuais que exploram ao

máximo esta carecterística dos seres humanos de possuirem uma alta atração ao

consumo e publicação de imagens”, como é o caso do aplicativo tratado.

Observamos que os personagens do Snapchat usam o aplicativo como ferramenta

alternativa para reforçar a realidade vivida. Aqui, o interesse é de tratar mesmo sobre o

cotidiano desses personagens e aproximar sua vida de seu público.

5Sibília (2008) mostra em seu texto que as ferramentas para disponibilização de conteúdo online

até então criavam álbuns que ficavam expostos na rede de forma permanente, enquanto o

Snapchat, na contramão, disponibiliza conteúdo apenas por tempo limitado definido pelo autor. 6Usuários cadastrados como detentores de contas na plataforma do Youtube. Essa plataforma se

tornou muito comum desde 2005 para disponibilização de conteúdo audiovisual de variados

temas.

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Não é por acaso que, atualmente, em vez de parecer que tudo existe

para ser contado em um livro, tem-se a impressão de que só acontece

aquilo que é exibido em uma tela. Nessa mutação, não só deixou de

ser necessário que a vida em questão seja “extraordinária”, como

também não é mais um requisito imprescindível que ela seja “bem

narrada”. Pois é a tela – ou a própria visibilidade – que concede o

brilho extraordinário à vida comum recriada na mídia. (SIBILIA,

2004, p.12)

A construção da história passada pelos blogs e outras ferramentas online só são

reforçadas como “reais” quando veiculadas instantaneamente pelo Snapchat no

momento em que ocorrem. O aplicativo funciona, nesse caso, como validação da

relação entre os fãs e o que seu ídolo vive “na realidade”.

Devido a essas condições tratadas, a autora defende que as “vidas reais”

contemporâneas são cada vez mais estilizadas para que sejam transmitidas para um

número de seguidores através de aplicativos digitais: “para ganhar peso, consistência e

até mesmo existência, a própria vida deve ser estilizada e ficcionalizada como se

pertencesse ao protagonista de um filme. Assim, cotidianamente, as

pessoas/personagens são recriadas e enfeitadas com recursos ficcionalizantes”

(SIBILIA, 2004, p.12), enquanto para Silva (2010, p.57) a finalidade desse gênero de

pessoas que utilizam a rede para disponibilizar conteúdo “é fazer ver e ser visto” e,

portanto, “a participação do outro é fundamental nessa prática, não somente pelo

princípio dialógico da linguagem, mas porque o outro funciona, no ambiente virtual,

como um termômetro ou um ‘índice da visibilidade do sujeito’ [...]” (SILVA, 2010,

p.56). Primo (2009) traz o conceito de “do it yourself celebrity”, termo utilizado para

definir pessoas que ganham notoriedade através do compartilhamento de conteúdo

online e veem, nas comunidades virtuais, a possibilidade de se sobressair. Para o autor,

“nas comunidades virtuais que emergem na internet, as expressões identitárias são

discutidas e negociadas” e, portanto, o contato imediato criaria contratos entre

consumidores e produtores impossíveis sem esse tipo de tecnologia. (PRIMO, 2009,

p.110)

Considerações Finais

Assumimos que o interesse maior de um ídolo é compartilhar com seu público sua

imagem e trabalho de forma mais próxima e sem restrições, enquanto o do fã é se sentir

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contemplado nas histórias consumidas. O comportamento analógico (comprar revistas,

pôsteres, discos) teria, então, sido refletido para a rede devido às facilidades que as

novas ferramentas de compartilhamento de conteúdo online possibilitam e pelas

mudanças sociais que ocorreram nos últimos anos, que valorizam o convívio e a

participação online. Nesse sentido, o comportamento da sociedade de projetar a si em

uma imagem eleita como ídolo teria sido trazido para a rede devido às facilidades que as

ferramentas possibilitam para o convívio, as relações interpessoais e a formação grupal,

além de ter se tornado um ambiente de projeção pessoal e de imperativa convivência e

participação social.

Essas relações tratadas ganham espaço online e colocam em pauta novas

ferramentas de convivência como o Snapchat. Esse aplicativo em questão dá, de alguma

forma, o poder para o produtor de conteúdo quando se pode escolher por quanto tempo

as imagens e vídeos ficarão disponíveis. Outro ponto importante para análise é a

característica que o aplicativo tem de ser um meio menos moldado e estilizado em

comparação a outros (Instagram, Facebook, blogs e canais do Youtube, por exemplo), e,

por esse conceito, os conteúdos seriam mais “vida real”.

Por essas duas características, percebemos que o Snapchat é o aplicativo mais

explorado por novas celebridades que bucam a maior proximidade com o público; a

fidelização é gerada por variadas razões: a citada proximidade; a sensação do imediato;

a crença de importância (porque o autor das publicações escolhe quem poderá ter acesso

e por quanto tempo), enfim.

Atualmente e nesse contexto tratado, Primo (2009, p.114) mostra que essas

celebridades gozam de reputação cada vez maior nos seus círculos e muitos “utilizam

sua popularidade e o conhecimento adquirido sobre a dinâmica de redes sociais para

gerar negócios e outras oportunidades comerciais”, mas este é outro estudo.

Referências bibliográficas

ARIÈS, Philippe; DUBY, Georges. Historia de la vida privada. Madri: Taurus, 1991.

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