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Universidade Metodista de São Paulo Cátedra UNESCO/UMESP de Comunicação para o Desenvolvimento Regional
Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação
PENSACOM BRASIL – São Bernardo do Campo, SP – 16 a 18 de novembro de 2015
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A relação ídolo-fã e as novas ferramentas de compartilhamento de conteúdo: o
aplicativo Snapchat1
Marina Paula Darcie2
Maria Cristina Gobbi3
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Unesp – Bauru, SP
Resumo Na sociedade pós-moderna a possibilidade de assumir diversas personalidades lança o indivíduo
a uma busca incessante por visibilidade. Ferramentas que possibilitam a troca de conteúdo
surgem a cada dia e exploram a característica humana da atração pelo compartilhamento e
consumo ilimitado de imagens. Somando o interesse em ser visto ao interesse de bisbilhotar,
podemos traçar algumas questões que tangem o sucesso do aplicativo recente Snapchat.
Realizando pesquisa bibliográfica e coletando experiências no espaço web, notamos que a
relação do ídolo – que quer compartilhar sua imagem de forma mais próxima e sem moderação
–, com o fã – aquele que se sente representado e contemplado nas imagens cotidianas
compartilhadas pelo superior –, tem adquirido novas formas, ganhando espaço online e
colocando em pauta essas novas ferramentas conectadas.
Palavras-chave Comunicação; Internet; Aplicativos online; ídolo; fã.
Introdução
Morin (1962) mostra que, culturalmente, a sociedade elege ídolos ou heróis que
representam e unificam os sujeitos, criando vínculos identitários entre eles.
[...] uma cultura constitui um corpo complexo de normas, símbolos,
mitos e imagens que penetram o indivíduo em sua intimidade,
estruturam os instintos, orientam as emoções. Esta penetração se
efetua segundo trocas mentais de projeção e de identificação
polarizadas nos símbolos, mitos e imagens da cultura como nas
personalidades míticas ou reais que encarnam os valores (os
ancestrais, os heróis, os deuses). Uma cultura fornece pontos de apoio
imaginários à vida prática [...]. (MORIN, 2002, p.15)
1Trabalho apresentado no GT Comunicação Digital e Tecnologias, do PENSACOM BRASIL
2015. 2Mestranda de Comunicação Social do programa de pós-graduação da Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, bolsista CAPES. Email: [email protected] 3Pesquisadora. Livre-docente pela Unesp. Pós-Doutora pelo Prolam-USP (Universidade de São
Paulo – Brasil), Doutora em Comunicação pela Universidade Metodista de São Paulo (Umesp).
Vice-coordenadora e Professora do Programa Pós-Graduação Mídia e Tecnologia da Unesp de
Bauru. Professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da mesma
instituição. Orientadora da dissertação de mestrado. E-mail: [email protected]
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O mundo moderno está cheio de referências chamadas de heróis, ídolos ou
celebridades. Esta relação entre sociedade e mídia é permeada pelo princípio básico de
vender e consumir imagem. “Sejam heróis das conquistas políticas e sociais dos países,
heróis das histórias em quadrinhos, heróis do cinema, ou heróis do esporte, a presença
deles nos remete ao pensamento de que eles são referenciais às nações modernas”
(HELAL; MURAD in HEDAL, 1997, p.4).
Essas relações, somadas ao contexto atual, trouxeram para a rede online o
costume de acompanhar um ídolo e consumir imagens em tempo recorde e de forma
ilimitada, transformando o Snapchat em um dos aplicativos no mais utilizados desde
que foi criado.
Mito, herói, ídolo e fã
Neste ponto é relevante apontarmos as diferenças entre os personagens do mito,
do herói e do ídolo. Desses termos tratados o mito é o personagem mais antigo e que
deu origem aos outros dois: a figura era conhecida nas sociedades da Roma e Grécia
antigas como divindades que possuíam determinadas características que representava a
sociedade. Eram adoradas por explicar para a população aqueles fatos que não eram
ainda demonstrados cientificamente e, principalmente, por impor alguma conformação
social. O herói e o ídolo, derivados das figuras mitológicas, são construídos, o primeiro
por atos heroicos superestimados socialmente e o segundo por conter características
adoradas em determinado contexto. O herói é considerado diferente dos ídolos ou
celebridades por alguns autores (HELAL, 1997; PRIMO, 2009) porque o herói precisa
ter uma jornada, enquanto o ídolo é imagem.
[...] o herói é quem conseguiu lutando, ultrapassar os limites possíveis
das condições históricas e pessoais de uma forma extraordinária,
contendo nesta façanha uma necessária dose de “redenção” e “glória”
de um povo. Mas para que sua trajetória heróica alcance este status é
necessário que as pessoas acreditem na verdade que as façanhas do
herói afirmam. Logo, o mito do herói faz parte de uma relação com os
seguidores, os fãs, aqueles que o idolatram. Sem esta relação, este
“acordo”, o herói não é herói, o que nos leva concluir, então, que na
figura do herói se encontram agrupadas várias representações distintas
da coletividade. (HELAL; MURAD in HEDAL, 1997, p.5)
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Todas as três figuras citadas nesse momento possuem em comum o fato de serem
representações sociais de adoração. Percebemos, no entanto, que com o
desenvolvimento das sociedades e modificações econômicas, políticas, culturais, a
imagem considerada um arquétipo (os mitos da bravura, da coragem, do poder, enfim)
foi progressivamente transformada em estereótipos. Muito dessa mudança ocorreu
devido à cultura de massa e a eleição de imagens pelas mídias massivas de
comunicação. Primo (2009, p.108) problematiza em seu texto, utilizando Boorstin
(2006), a questão sobre a estereotipagem do ídolo (ou, como ele coloca, a celebridade):
“essas formas de grandeza [os mitos e heróis] se eclipsaram, ficando à sombra de uma
nova eminência: a celebridade. Enquanto o herói era reconhecido por seus bravos feitos,
a celebridade é lembrada por sua imagem ou marca. [...] o herói criou a si mesmo, a
celebridade é uma criação da mídia”.
Circularmente, a razão de sua fama deve ser procurada na própria
fama, já que as celebridades são notórias por sua notoriedade. Ou seja,
elas são constituídas por pura familiaridade. Reconheçamos: como
explicar melhor o fenômeno Paris Hilton? Toda essa tautologia reflete
o próprio vazio de nossa existência. Para Boorstin, as celebridades são
receptáculos onde depositamos nossa falta de propósitos. Elas seriam
nós mesmos em uma lente de aumento. (PRIMO, 2009, p.108)
Mesmo que adaptações e generalizações tenham sido realizadas na imagem de um
herói para que se torne um produto, é perceptível que a mídia tenta relacionar sua
trajetória a elementos históricos de adoração com a finalidade de atrair o público e criar
um vínculo entre o personagem e a sociedade.
[...] nas biografias de heróis e ídolos da música e do esporte,
geralmente são enfatizados um certo abandono ou alguma perda ou
dificuldade séria na infância. Não que estas dificuldades não sejam
verdadeiras. Mas o fato da mídia enfocá-las com intensidade nos fala
de uma “necessidade” na construção da narrativa da saga do herói, que
contribui efetivamente para o processo de identificação dos fãs, dos
seguidores, com o ídolo. (HELAL, 1997, p.9)
Tendo sido problematizado até o momento denominações e representações sobre
o ídolo, precisamos trabalhar nesse momento os conceitos levantados sobre o fã para
que a relação entre ambos os personagens seja visualizada com maior clareza. De
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acordo com Shuker (1999, p.127-128), são fãs aqueles que acompanham os passos da
vida de determinados artistas e “com diferentes níveis de envolvimento”. Em suma, o
que caracteriza a atividade de fã é “o alto investimento de sensibilidade em relação tanto
à imagem quanto à obra do ídolo” (MONTEIRO, 2005, p.3) e, da mesma forma, o
vínculo identitário que os une pode ser uma série, um filme, uma coleção, crenças,
costumes, enfim. É importante frisar que estes gostos são permeados pela cultura de
cada indivíduo e sua própria leitura sobre o que consome e vive.
O fã seria, então, um indivíduo em constante crise de identidade e
valores, que projeta, na figura do ídolo, tudo aquilo que ele gostaria de
ser mas não é, gerando um sentimento misto de dependência e
frustração. O fenômeno da idolatria é compreendido, de acordo com
essa linha de argumentação, como um sintoma da sociedade atual
(Coelho, 2003, p. 417; Hinerman, 2001; Thompson, 1995).
(MONTEIRO, 2005, p.6)
A relação fã-ídolo seria tida, nesse contexto analisado, como um elemento
fundamental no processo de formação de identidades individuais e de socialização.
Alguns exemplos que podemos trazer, nesse momento, são as revistas fanzines,
produzidas de fã para fã sem intenção comercial (algumas vezes vendidas a preço de
custo) como uma forma de trocas simbólicas de conhecimento acerca de um produto
midiático.
O primeiro exemplo histórico da “cultura de fã” são os fanzines
(acrônimo de “fanatic magazine”, ou “revista de fã”). Na época
anterior à disseminação da internet, os fanzines, revistas amadoras e,
muitas vezes, artesanais, eram a única maneira de se saber maiores
informações sobre seus seriados favoritos ou discutir com outros fãs
questões de interesse restrito [...]. O fanzine considerado o pioneiro foi
“The Comet”, criado por Ray Palmer em 1930. A expressão
“fanzine”, contudo, surgiu apenas em 1940, cunhada por Russ
Chauvenet. Desde aquela época, os fanzines tinham como principal
foco a divulgação de informações e a criação de espaços para debates
sobre aspectos da ficção científica (e, posteriormente, outros temas,
como histórias em quadrinhos, seriados, livros, etc.). (LUIZ, 2008,
p.2-3)
Essas revistas são modelos de socialização de grupos com interesses comuns
específicos antes das mudanças tecnológicas ocorrerem na sociedade: “no Brasil, o
primeiro fanzine foi o “Ficção”, de Edson Rontani, criado em 1965 e que trazia texto
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sobre quadrinhos. Contudo, a publicação utilizava o termo “boletim” para se designar”
(LUIZ, 2008, p.3). Algumas dessas revistas continuam circulando fora da Internet com
caráter de coleção, mas de forma insignificante para o presente estudo.
Percebemos, a cultura participativa está fortemente ligada ao sentimento de
reverência que os fãs nutrem por seus objetos de interesse, e defendemos que esse
sentimento e a relação entre ídolo-fã é refletida para o espaço online devido às
facilidades proporcionadas pela tecnologia, apesar de ainda existirem exemplos
analógicos dessas relações mencionadas.
Esse imperativo mediático – mais propriamente, a adesão a ele – leva
geralmente o sujeito ao flerte permanente com o centro do cenário das
atuações conjuntas; fá-lo, pois, cedo ou tarde, (a querer) atrair para si
o foco prioritário da vez (temporário, intermitente ou duradouro), ou
melhor, a (a aspirar) aproximar-se do foco mediático (das redes de
massa e/ou do cyberspace), para prevalecer como eixo da percepção
ou atenção por parte de alguma audiência. Em outras palavras, a
assunção do imperativo da presença espectral conduz o sujeito a
torcer a circulação do simbólico e do imaginário mediáticos correntes,
a (tentar) entretecê-los nessa aspiração projetiva no reino reciclável
das abstrações espectrais, para fazê-los passar necessariamente pela
encenação do si-próprio e dos pertences e interesses conexos.
(TRIVINHO, 2011, p.115)
Jenkins (2006) discorre em seu livro Fans, Bloggers and Gamers: Exploring
Participatory Culture sobre o impacto que as tecnologias digitais causaram e o processo
pelo qual os fãs estiveram incluídos para aprender a “usar esses novos artifícios
mediáticos para incrementar, expandir, aumentar a visibilidade de suas comunidades de
fãs” (NATAL, 2009, p.3) e de estar mais próxima e poder dialogar diretamente com
seus ídolos e se fazer visto.
Novo cenário
Atualmente, com o advento da Web 2.04, as tecnologias estão cada vez mais
emaranhadas ao nosso cotidiano, tornando comuns termos como ciberespaço,
sociedades virtuais, redes sociais, inteligência coletiva, etc.
4A Web 2.0 é um conceito utilizado por Keen (2009),que está ligado não à tecnologia
empregada na rede, mas sim à forma como os usuários passaram a utilizá-la. A Web 2.0 é um
ambiente de participação e interação que agrega diversos tipos de linguagens.
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Diversas possibilidades surgem com a Internet a cada dia, e uma delas é a grande
teia de relações e o advento de novos personagens no sistema comunicativo que detêm,
de forma tão semelhante quanto os veículos de comunicação tradicionais, o poder de
influenciar e modificar a opinião do seu público. Essa realidade trouxe novas
configurações para as relações e sociabilidades. Trivinho (2011) frisa que estamos todos
vivendo um período tangido pelas relações virtuais e um novo sistema de valoração
criado na rede. A visibilidade virtual é necessária como uma maneira de afirmar seu
próprio ego, e se colocar em rede conectada, muitas vezes, é utilizar as interações
virtuais como sinônimo de participação social.
Partindo desse contexto e com a consciência de que na sociedade em que vivemos
“as identidades múltiplas fazem convite a uma incessante busca pela visibilidade
externa, considerou-se interessante traçar um paralelo com as ferramentas tecnológicas
surgidas no final do século XX, as quais potencializaram a fragmentação das
identidades” (LEN; MAZZILLI, 2015, p.3). É o que defende Santaella (2010), na
passagem a seguir:
[...] mesmo considerando que a multiplicidade identitária não é nova,
também não se pode negar que a internet, de fato, introduziu
novidades nessa questão. Quais são essas novidades? [...] Tornar as
multiplicidades subjetivas cristalinamente claras ao encenar com elas,
brincar com elas até o limite mais lúdico do jogo subjetivo. Essa
condição amplificou-se ainda mais com o advento das redes sociais
implementadas pela Web 2.0. (SANTAELLA, 2010, p. 283-284)
Essa mesma questão é tratada por Sibília (2008) quando diz que o século XXI é
extremamente globalizado e audiovisual, tendo criado um culto a imagem e à
personalidade jamais visto em tempos anteriores. A autora acredita que as celebridades,
que considera sendo essas personalidades extremamente vistas e expostas (daí a defesa e
reiteração de que na rede qualquer pessoa possa ser detentora de um discurso visível),
tenham saído do cinema para pertencerem a todos os tipos de telas, “inclusive às dos
ubíquos telefones celulares [...] Hoje como nunca, qualquer um realmente pode – e
habitualmente quer, e talvez daqui a pouco inclusive deva – ser um personagem como
aqueles que incansavelmente se mostram nas telas” (SIBILIA, 2008, p.245). Nesse
sentido, defendemos que “formas de agir, de pensar, de se expressar e de se relacionar,
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são medidas pelos modernos meios de comunicação. A mídia [...] ‘fabrica’ mitos e
ídolos, porém, tudo isto é realizado, de certa forma, em ‘comum acordo’ com o público
que a assiste” (HEDAL, 1997, p.1).
A necessidade de maior intimidade e visibilidade que norteia o comportamento
entre ídolo-fã que problematizamos até aqui é tratada também por Primo (2009), que faz
um histórico na tentativa de explicar a razão da exposição da imagem cada vez maior.
As celebridades, como as entendemos hoje, surgem no apogeu
hollywoodiano. Nesse período, observa Marshall (1997), alguns atores
e atrizes do cinema passam a transcender seus filmes e a criar uma
“aura”. Com a emergência do close-up na linguagem cinematográfica,
a relação entre a audiência e os personagens passou a ser mais
“íntima”. Para Marshall, essa é uma das raízes do crescente interesse
da audiência pelo artista. (PRIMO, 2009, p.107)
Se unirmos, por fim, a fala anterior de Primo (2009) aos demais autores tratados
neste trabalho, perceberemos que a tecnologia tratou de modificar uma relação histórica
entre personagens que unem representação, admiração e exposição máxima. O
comportamento que observamos através de fã-clubes e mesmo as fanmagazines citadas
no início do texto não sustentam, sozinhos, um ídolo e, mais do que isso, não fideliza o
público. Esse contexto é resumidamente exposto na fala seguinte de Bauman (2001,
p.46): “o ‘público’ é colonizado pelo ‘privado’; o ‘interesse público’ é reduzido à
curiosidade sobre as vidas privadas de figuras públicas e a arte da vida pública é
reduzida à exposição pública das questões privadas e a confissões de sentimentos
privados (quanto mais íntimos, melhor)”.
Implicações: o Snapchat
A criação de conteúdos distintos para diversas ferramentas pode ser denominada
de “intermidialidade ou interrelação de mídias. É um dos mais eficazes recursos para
garantir a transmissão de informação, porque estimula uma variedade maior de
percepções sensoriais que as simples mídias, atraindo, portanto, mais os leitores”
(SILVA, 2010, p.55). Devido a essa nova modalidade de disponibilizar conteúdo em
diversas plataformas, são geradas diversas ferramentas online que contém essa
característica como finalidade principal. Em setembro de 2011 foi criada pelos
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estudantes norteamericanos Evan Spiegel e Bobby Murphy uma rede social com uma
proposta que se diferenciava das outras lançadas até então5, o Snapchat. Isso porque o
aplicativo em questão cria um álbum de imagens e vídeos que fica disponível para que
os seguidores de um usuário vejam aquelas atualizações por tempo predeterminado pelo
autor das postagens e, além disso, em um período de vinte e quatro horas todos os
arquivos são destruídos pelo sistema. De acordo com o texto de Sibília (2008, p.6), “o
aplicativo social atraiu em pouco tempo a atenção de milhares de jovens ao redor do
mundo, a tal ponto que hoje em dia já registra um número superior a 700 milhões de
imagens publicadas diariamente”. Para a autora,
pode-se inferir que o sucesso de aplicativos como o Snapchat em
atrair uma grande quantidade de usuários tenha decorrido, entre outros
fatores, do fato de proporcionarem ferramentas ideais para a
construção de identidades, no sentido em que permitem um
compartilhamento massivo de informações a partir de qualquer
dispositivo móvel e em uma velocidade que condiz com a “liquidez” a
que Bauman se refere. (SIBILIA, 2008, p.7)
Essas várias identidades citadas pela autora, somadas ao interesse do indivíduo em
ser visto, além da curiosidade em bisbilhotar a forma como vivem outras pessoas,
culminaram em um contexto que cria e evidencia, o tempo todo, novos personagens
detentores de discurso (por exemplo os blogueiros e youtubers6, que usam o aplicativo
como outra ferramenta para compartilhamento de conteúdo). Para Sibília (2008, p.5) é
nesse contexto que “observa-se o surgimento de redes sociais virtuais que exploram ao
máximo esta carecterística dos seres humanos de possuirem uma alta atração ao
consumo e publicação de imagens”, como é o caso do aplicativo tratado.
Observamos que os personagens do Snapchat usam o aplicativo como ferramenta
alternativa para reforçar a realidade vivida. Aqui, o interesse é de tratar mesmo sobre o
cotidiano desses personagens e aproximar sua vida de seu público.
5Sibília (2008) mostra em seu texto que as ferramentas para disponibilização de conteúdo online
até então criavam álbuns que ficavam expostos na rede de forma permanente, enquanto o
Snapchat, na contramão, disponibiliza conteúdo apenas por tempo limitado definido pelo autor. 6Usuários cadastrados como detentores de contas na plataforma do Youtube. Essa plataforma se
tornou muito comum desde 2005 para disponibilização de conteúdo audiovisual de variados
temas.
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Não é por acaso que, atualmente, em vez de parecer que tudo existe
para ser contado em um livro, tem-se a impressão de que só acontece
aquilo que é exibido em uma tela. Nessa mutação, não só deixou de
ser necessário que a vida em questão seja “extraordinária”, como
também não é mais um requisito imprescindível que ela seja “bem
narrada”. Pois é a tela – ou a própria visibilidade – que concede o
brilho extraordinário à vida comum recriada na mídia. (SIBILIA,
2004, p.12)
A construção da história passada pelos blogs e outras ferramentas online só são
reforçadas como “reais” quando veiculadas instantaneamente pelo Snapchat no
momento em que ocorrem. O aplicativo funciona, nesse caso, como validação da
relação entre os fãs e o que seu ídolo vive “na realidade”.
Devido a essas condições tratadas, a autora defende que as “vidas reais”
contemporâneas são cada vez mais estilizadas para que sejam transmitidas para um
número de seguidores através de aplicativos digitais: “para ganhar peso, consistência e
até mesmo existência, a própria vida deve ser estilizada e ficcionalizada como se
pertencesse ao protagonista de um filme. Assim, cotidianamente, as
pessoas/personagens são recriadas e enfeitadas com recursos ficcionalizantes”
(SIBILIA, 2004, p.12), enquanto para Silva (2010, p.57) a finalidade desse gênero de
pessoas que utilizam a rede para disponibilizar conteúdo “é fazer ver e ser visto” e,
portanto, “a participação do outro é fundamental nessa prática, não somente pelo
princípio dialógico da linguagem, mas porque o outro funciona, no ambiente virtual,
como um termômetro ou um ‘índice da visibilidade do sujeito’ [...]” (SILVA, 2010,
p.56). Primo (2009) traz o conceito de “do it yourself celebrity”, termo utilizado para
definir pessoas que ganham notoriedade através do compartilhamento de conteúdo
online e veem, nas comunidades virtuais, a possibilidade de se sobressair. Para o autor,
“nas comunidades virtuais que emergem na internet, as expressões identitárias são
discutidas e negociadas” e, portanto, o contato imediato criaria contratos entre
consumidores e produtores impossíveis sem esse tipo de tecnologia. (PRIMO, 2009,
p.110)
Considerações Finais
Assumimos que o interesse maior de um ídolo é compartilhar com seu público sua
imagem e trabalho de forma mais próxima e sem restrições, enquanto o do fã é se sentir
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contemplado nas histórias consumidas. O comportamento analógico (comprar revistas,
pôsteres, discos) teria, então, sido refletido para a rede devido às facilidades que as
novas ferramentas de compartilhamento de conteúdo online possibilitam e pelas
mudanças sociais que ocorreram nos últimos anos, que valorizam o convívio e a
participação online. Nesse sentido, o comportamento da sociedade de projetar a si em
uma imagem eleita como ídolo teria sido trazido para a rede devido às facilidades que as
ferramentas possibilitam para o convívio, as relações interpessoais e a formação grupal,
além de ter se tornado um ambiente de projeção pessoal e de imperativa convivência e
participação social.
Essas relações tratadas ganham espaço online e colocam em pauta novas
ferramentas de convivência como o Snapchat. Esse aplicativo em questão dá, de alguma
forma, o poder para o produtor de conteúdo quando se pode escolher por quanto tempo
as imagens e vídeos ficarão disponíveis. Outro ponto importante para análise é a
característica que o aplicativo tem de ser um meio menos moldado e estilizado em
comparação a outros (Instagram, Facebook, blogs e canais do Youtube, por exemplo), e,
por esse conceito, os conteúdos seriam mais “vida real”.
Por essas duas características, percebemos que o Snapchat é o aplicativo mais
explorado por novas celebridades que bucam a maior proximidade com o público; a
fidelização é gerada por variadas razões: a citada proximidade; a sensação do imediato;
a crença de importância (porque o autor das publicações escolhe quem poderá ter acesso
e por quanto tempo), enfim.
Atualmente e nesse contexto tratado, Primo (2009, p.114) mostra que essas
celebridades gozam de reputação cada vez maior nos seus círculos e muitos “utilizam
sua popularidade e o conhecimento adquirido sobre a dinâmica de redes sociais para
gerar negócios e outras oportunidades comerciais”, mas este é outro estudo.
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