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UNIVERSIDADE METODISTA DE PIRACICABA FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO A RELAÇÃO FAMÍLIA E ESCOLA NA PERSPECTIVA DE PROFESSORES DE EDUCAÇÃO INFANTIL: UM DIÁLOGO NA FORMAÇÃO CONTINUADA RENATA DE FÁTIMA CERIBELLI PIRACICABA, SP 2011

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UNIVERSIDADE METODISTA DE PIRACICABA

FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

A RELAÇÃO FAMÍLIA E ESCOLA NA

PERSPECTIVA DE PROFESSORES

DE EDUCAÇÃO INFANTIL: UM

DIÁLOGO NA FORMAÇÃO

CONTINUADA

RENATA DE FÁTIMA CERIBELLI

PIRACICABA, SP 2011

A RELAÇÃO FAMÍLIA E ESCOLA NA

PERSPECTIVA DE PROFESSORES

DE EDUCAÇÃO INFANTIL: UM

DIÁLOGO NA FORMAÇÃO

CONTINUADA

RENATA DE FÁTIMA CERIBELLI

ORIENTADORA: PROFA. DRA. RENATA CRISTINA OLIVEIRA BARRICHELO CUNHA

Texto de defesa apresentado à

Banca Examinadora do Programa

de Pós-Graduação em Educação

da UNIMEP como exigência

parcial para obtenção do título de

Mestre em Educação

PIRACICABA, SP 2011

BANCA EXAMINADORA

Profa. Dra. Renata Cristina de Oliveira Barrichelo Cunha

(Orientadora)

Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP)

Prof. Dr. Guilherme do Val Toledo Prado

Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

Profa. Dra. Maria Nazaré Cruz

Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP)

DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho e todo o seu processo:

A minha mãe Inez, que espera o meu “livro” ficar pronto, pelo

tempo que ainda temos!

As minhas filhas: Sara, Luana e Isabela. Por nossas ligações

eternas!

AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar gostaria de agradecer a força, inexplicável, que habita o

meu ser;

Aos obstáculos, pequenos e grandes, que intensamente vivi;

Aos meus pais, pela difícil vida, mas, pela expressão de continuidade e força

que sempre me passaram;

A toda a minha família, pelas raízes;

Às minhas filhas, pela troca e vida;

Aos meus sonhos guardados, ainda por se realizar;

À Patrícia Granúzzio, pelo estímulo e processo, imensuráveis;

À Renata Pucci, pela amizade;

À Branca, pela superação e amizade;

Aos companheiros: Arary (“só para contrariar”) e Adriano (“paga eu”), pelas

aulas, risos;

Às amigas: Vera e Graça, pelas trocas;

A todos/as amigos/as do PPGE, pela singularidade;

Ao professor Zé Maria, pela história, filosofia;

À professora Roseli Schnetzler, pela participação e aprendizagem;

À professora Nazaré, pelo conhecimento na área, contribuições;

Ao professor Guilherme, pelo encanto, “barquinhos” e contribuições;

professora Ana Aragão, pela participação, contribuições;

À professora Renata Cunha, minha orientadora, pela amizade, paciência,

dedicação, disciplina, orientações e incansáveis leituras;

A todos os professores do Programa de Pós Graduação da UNIMEP, pelo

intenso trabalho;

À Secretaria da Pós, em especial Elaine, Angelise, e Dulce, pelos cuidados;

A toda a escola pesquisada: famílias, crianças, professoras e funcionários;

A Secretaria Municipal de Educação, pela autorização desta pesquisa;

A minha aprendizagem, sofrível!

À vida!

“O presente trabalho foi realizado com o apoio da Coordenação de

Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES – Brasil”.

De tudo ficaram três coisas:

a certeza de que estamos começando, a certeza de que é preciso continuar e,

a certeza de que podemos ser interrompidos antes de terminar.

Fazer da interrupção um novo caminho, da queda, um passo de dança,

do medo, uma escada, do sonho, uma ponte,

da procura, um encontro.

E assim terá valido a pena existir!

(Fernando Pessoa)

RESUMO

Esta pesquisa buscou compreender as perspectivas de professores de

educação infantil, de uma escola do interior do estado de São Paulo, sobre a relação

família e escola, tendo como referencial teórico, a matriz histórico-cultural. Sua

relevância se constrói em entender as perspectivas das professoras sobre a relação

família e escola, tão necessária ao desenvolvimento da educação e dos cuidados

integrais à infância. A pesquisa de campo revelou o aprofundamento e a descrição

de seu contexto a partir da pesquisadora que se insere, também, como diretora

escolar do grupo pesquisado e, o planejamento estratégico de encontros realizados

em Horário de Trabalho Pedagógico Coletivo (HTPC), onde foram elaborados textos

individuais pelas professoras, após leituras e reflexões que destacam a relação

família e escola e, discutidos, posteriormente, em reuniões coletivas audiogravadas

e transcritas. De acordo com Ariès (1981), o sentimento de infância desabrochado a

partir do século XVII faz nascer uma tipologia de família parecida com a nuclear e,

com isso, uma organização de escola que nos lembra a atual. Entretanto, essas

instituições educacionais foram se modificando no percorrer histórico, sendo

re/construídas socialmente através de influências político-econômicas, culturais,

questionando a ideia de naturalização das mesmas. No Brasil, preocupações com os

cuidados assistenciais ou com a educação preparatória remontam ambiguidades

históricas em torno das especificidades de educar e cuidar da infância (KRAMER,

2005). Essas ambiguidades são levadas, segundo Bonetti (2004), até mesmo, na

formulação legal de documentos que tratam da formação de professores de

educação infantil em nível superior, pós a Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional, de 1996. A interpretação e construção das análises de dados mostram que

as perspectivas das professoras sobre a relação família e escola revelam divisões

de papéis na complementaridade dessa relação; evidenciam julgamentos de valor;

desejo de padronização de um modelo hegemônico de família; consequentemente,

de escola, ainda que considerando as transformações sociais; conflitos; confrontos;

além de ambiguidades sobre as especificidades da docência da infância,

remontando um quadro emergente de formação continuada.

Palavras-chave: Educação Infantil – Educar e Cuidar - Relação Família e Escola –

Formação de Professores.

ABSTRACT

This research sought to understand the perspectives of teachers in

kindergarten, a school in the state of Sao Paulo, on the family and school

relationships, taking as a theoretical, historical and cultural matrix. Its relevance is

built on understanding the perspectives of the teachers on the family and school

relationships, as necessary to the development of education and comprehensive

care to children. The field survey revealed the depth and description of context from

the researcher that fits, too, as director of education and research group, strategic

planning meetings on Working Hours Teaching Collective (HTPC), which drafted

texts by individual teachers, after readings and reflections that highlight the

relationship between family and school, and discussed later in collective meetings

audio taped and transcribed. According to Ariès (1981), the childhood feeling blown

from the seventeenth century gives birth to a type of nuclear family like and,

therefore, a school organization that reminds us of today. However, these

educational institutions were changing in the travel history, and re / socially

constructed through political influence-economic, cultural, questioning the idea of

such naturalization. In Brazil, concerns about the care or assistance with preparatory

education dating ambiguities surrounding the historical specificities of educating and

caring for children (Kramer, 2005). These ambiguities are taken, according to Bonetti

(2004), even in the formulation of legal documents dealing with the training of

teachers in early childhood education at the college level, after the Law of Directives

and Bases of National Education, 1996. The interpretation and construction of the

data analysis show that teachers' perspectives on the relationship between family

and school divisions reveal complementary roles in this relationship; evident value

judgments; desire to standardize a hegemonic model of family and consequently, the

school still that considering the social changes, conflicts, confrontations, in addition to

ambiguities regarding the specifics of the teaching of children, reassembling an

emerging picture of continuing education.

Keywords: Children Education - Education and Care - Relationship and Family

School - Teacher Education.

SUMÁRIO

Introdução: EU E O OUTRO ................................................................................... 13

CAPÍTULO 1 ............................................................................................................ 28

A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA FAMÍLIA, DA INFÂNCIA E DA ESCOLA: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

1.1 O sentimento de Infância na construção da relação Família e Escola ............ 30

1.2 O contexto histórico da Educação Infantil no Brasil ........................................ 39

1.3 Educar e cuidar: uma relação complementar .................................................. 48

CAPÍTULO 2 ............................................................................................................ 57

O PROFESSOR DE EDUCAÇÃO INFANTIL E SEU PROCESSO DE FORMAÇÃO

2.1 Especificidades da docência na Educação Infantil e Formação Inicial ........... 58

2.2 A Formação Continuada e a reflexão sobre a prática ..................................... 64

CAPÍTULO 3 ............................................................................................................ 75

TECENDO A HISTÓRIA DA PESQUISA

3.1 A constituição do sujeito histórico-cultural e a mediação da linguagem .......... 76

3.2 O contexto da pesquisa ................................................................................... 84

3.2.1 A escola pesquisada .................................................................................... 87

3.2.2 Os sujeitos da pesquisa ............................................................................... 91

3.2.3 A pesquisa de campo ................................................................................... 93

3.2.3.1 Primeiro momento estratégico .................................................................. 95

3.2.3.2 Segundo momento estratégico .................................................................. 98

CAPÍTULO 4 .......................................................................................................... 100

A RELAÇÃO DE COMPLEMENTARIDADE ENTRE FAMÍLIA E ESCOLA: AS

PERSPECTIVAS DAS PROFESSORAS

4.1 A família imaginada pelas professoras: perspectivas sobre a relação de

complementaridade ............................................................................................. 104

4.2 Educar e cuidar: uma perspectiva de complementaridade ao ensinar .......... 122

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 131

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................. 143

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EU E O OUTRO

Histórias de vida são consideradas como memória coletiva do passado, consciência crítica do presente e premissa operativa do futuro (KRAMER,

2005, p.27).

Esta pesquisa representa um processo de reflexão antigo e é fruto de minha

experiência como profissional da educação infantil e de meu interesse por

compreender melhor a relação família e escola e as dimensões do educar e cuidar

das crianças.

Como diretora escolar e pesquisadora, busco junto a meu grupo de

professores, responder a seguinte questão: Quais as perspectivas de professores de

educação infantil sobre a relação entre família e escola?

Iniciar uma pesquisa não é tarefa fácil, em sua produção nos vemos fundidas

a ela, as ideias vão dialeticamente se trans/formando, tanto na pesquisa enquanto

material intelectual, quanto ao próprio pesquisador, enquanto material humano.

A fusão que nos remete à pesquisa, dimensiona-se na importância de todo o

seu processo, do material que conseguimos produzir em campo, das aulas do curso,

das leituras direcionadas, da apuração na audição e na visão, enfim, tudo se

trans/forma em sentimentos que apreendemos e pelos quais somos apreendidos.

O processo de depuração de ideias, de direcionamento da pesquisa é, ao

mesmo tempo, tão rico e compensador quanto doído. Apegamo-nos a tudo que se

remete à pesquisa e sofremos porque temos que afunilar os horizontes, simplificá-

los, depois corremos contra o tempo, contra a vontade de querer fazer mais.

Penso que o pesquisador, como narrador que teoriza a pesquisa, também se

narra, circunstanciado pelos seus limites que o texto pode claramente evidenciar.

Consequentemente, ele deixa suas marcas, ao narrar, mostra-se, seu olhar, seus

desejos, seus sentimentos se inserem na intenção de dar voz aos sujeitos da

pesquisa, uma voz recortada pela sua voz como narrador personagem, não

onisciente, no cenário da pesquisa.

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Desta forma, a pesquisa com os sujeitos também se volta para o narrador

(pesquisador), numa dialética de construções e, porque não dizer que ela se volta a

todos que direta ou indiretamente participaram dela, leram-na ou, ainda, no desejo

implícito, da construção dos que ainda a lerão.

Nesta importante relação que a pesquisa causa e, causou, entre pesquisador

e sujeitos, passo a abordar, neste contexto, um pouco da história desta

pesquisadora, que iniciou antes da pesquisa, mas, interligou-se a ela de maneira

muito expressiva.

Assumo, então, neste presente momento, como pesquisadora (narradora), a

responsabilidade de conduzir o leitor no tempo, realizando recortes significativos

entre o passado e o presente expressos em minha vida, no intuito de apresentar-me

nas múltiplas relações sociais que me fizeram, das quais internalizei valores e me

tornei, torno-me e tornar-me-ei um ser humano, profissional.

Desta forma é que procuro desvelar o “outro”, o outro que me significou, meus

“eus” ocultos que tento, aqui, revelá-los, para, diante destas memórias,

compreender-me, revelar-me.

Tomo a palavra, em um primeiro momento e o desafio de morrer

metaforicamente, como em Memórias póstumas de Brás Cubas:

“Conseguintemente, evito contar o processo extraordinário que empreguei na

composição destas Memórias, trabalhadas cá no outro mundo. Seria curioso, mas

miniamente extenso [...]. A obra em si mesma é tudo: se te agradar, fino leitor, pago-

me a tarefa [...]” (ASSIS, 1989, p.16).

Em um segundo momento, atento-me em percorrer o “outro”, então:

Devo identificar-me com o outro e ver o mundo através de seu sistema de valores, tal como ele vê; devo colocar-me em seu lugar, e depois, de volta ao meu lugar, contemplar seu horizonte com tudo o que se descobre do lugar que ocupo fora dele; devo emoldurá-lo, criar-lhe um ambiente que o acabe, mediante o excedente de minha visão, de meu saber, de meu desejo e de meu sentimento (BAKHTIN, 1997, p. 45).

Devo, posteriormente à morte, tornar-me à vida como narradora personagem,

nem sempre onisciente, mas, no momento, pesquisadora de meu cotidiano

profissional, formado pelos/nos múltiplos caminhos percorridos em minha vida, eis o

meu compromisso!

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Nesta viagem, voltamos todos para o túnel do tempo, olho-me criança. Aos

cinco, quase seis anos, eu ainda não ia à escola, porém, a escola vinha até mim,

brincávamos, eu e os meus amigos, as crianças da vizinhança e, como sempre, já

era professora, pois meus colegas acreditavam que eu já sabia ler, como eles

acreditavam, eu lia as histórias para eles.

Lia as imagens atentamente e, às vezes, percebia que o livro estava de

ponta-cabeça, tratava logo de arrumá-lo, inventava uma peripécia em minha

narrativa e, então, ríamos despercebidos, na continuidade contemplativa da história.

A escola já assumia um caráter importante em minha vida, pois era a caçula e

meus irmãos já estavam no primeiro e segundo ciclos do ensino fundamental, o

desejo de ir à escola já me fascinava.

Não fiz pré-escola aos seis anos na educação infantil que, naquela época,

funcionava na rede estadual, porém, ao entrar na minha primeira série do ensino

fundamental, aos sete anos completos, fugia, às vezes, para o imenso jardim da

escola, demarcado pelas grandes janelas das salas, fugia com a desculpa de ir ao

banheiro, mas, o que eu queria mesmo era espiar a sala da pré-escola.

Nela, tudo era mágico, as cores, os desenhos, as mesinhas, as cadeirinhas,

parecia um mundo encantado!

Esse foi o meu primeiro encontro, às escondidas, com a Educação Infantil, eu

a fitava de longe, chegava mais perto e a espreitava pela janela, não entendia de

metodologia, didática, prática, teoria, mas, aqueles objetos pareciam ter vida, um

ambiente onde tudo podia acontecer e acontecia em minha mente.

Estudei por longos oito anos na mesma escola pública, cada canto dela se

traduzia em experiências mil.

O banheiro, ah!, o banheiro era o ponto de encontro das meninas, um espaço

sem limites onde corríamos, dançávamos, trocávamos vivências, nossas e alheias,

avenças e desavenças, tudo nos importava e tudo tratávamos em uma liga feminina

secreta no banheiro.

A educação física, o voleibol, os campeonatos, as apresentações,

encerravam-se numa dimensão imensurável, mexiam com nossos corpos,

realmente, fisicamente, agitavam-nos e, mexiam com nossas mentes, pensávamos,

planejávamos tudo para o grande dia e todo dia era um grande dia!

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A compreensão do acontecimento escolar para o discente é completamente

diferente do que é o acontecimento para o docente, mas, talvez, uma aproximação

entre esses sujeitos possa contagiá-los, afetá-los e ampliar esses (seus)

acontecimentos, re/significá-los, re/dimensioná-los em acontecimentos singulares e

humanos.

Os grandes dias se somaram e essa soma, consequentemente, conduziu-me

à oitava série. Nela vivi conflitos e sonhos, esses, pela preparação da festa, do

vestido, do discurso de formatura, do anel, aqueles, pela perda irreparável da

separação.

As escolas eram estruturadas para atender até o término do ensino

fundamental, o ginásio; para sua continuidade, o colegial, devíamos prestar

vestibulinho com apenas três opções de escola na cidade, processo que me resultou

a separação irreparável do espaço físico e humano entre mim e minha escola.

Toda separação nos oferece duas vertentes consecutivas, ou seja, uma,

vivida pela dor profunda da perda, pela revolta, pela saudade e, outra, seguida das

possibilidades, do novo, do re/construir-se necessário, inerente e vital, pois o tempo,

“o tempo não para” (BRANDÃO e CAZUZA, 2001, p.199) e nos imprime,

obrigatoriamente, a continuidade da vida.

Conheci, então, silenciosamente, observadora do espaço que me rodeava, o

outro lado da escola, no qual Graciliano Ramos pode tão bem definir em Infância:

O lugar de estudo era isso. Os alunos se imobilizavam nos bancos: cinco horas de suplício, uma crucificação. Certo dia vi moscas na cara de um, roendo o canto do olho, entrando no olho. E o olho sem se mexer, como se o menino estivesse morto. Não há prisão pior que uma escola primária do interior. A imobilidade e a insensibilidade me aterraram. Abandonei os cadernos e as auréolas, não deixei que as moscas me comessem (RAMOS, 1994, p. 188).

Foi emoldurada por esse cenário que passei, na última carteira, a ver moscas

pousando pela sala de aula da nova escola, através de um discurso pedagógico

distante, com certa imobilidade e insensibilidade.

Como resultado, procurei, prontamente, dentro de mim, duas personagens

que compuseram a cena separadamente, uma, a indiferente e, outra, a revoltada.

A passagem por essa escola durou dois anos, o primeiro correspondia ao

básico do ensino médio, equivalente a todos os alunos, mesmo aqueles que se

embrenhavam nos diversos cursos técnicos, somente disponíveis a partir do

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segundo ano, do qual eu fiz parte, numa escolha coletiva de minha família, é sempre

bom para as meninas fazerem o magistério, diziam minha mãe e minha tia.

Assim, éramos treinadas, vespertinamente, a criar moscas, realizávamos,

também, aulas de confecção de cartaz de pregas, caderno de caligrafia, datas

comemorativas, conteúdos programáticos, além de aulas especiais sobre como

apagar a lousa, com procedimentos ordenados pela lateralidade, uma inconsciência

transmissível, a cegueira humana que acomoda o olhar e apaga as lembranças:

A cegueira, sem dúvida alguma, uma terrível desgraça, poderia, ainda assim, ser relativamente suportável se a vítima de tal infelicidade tivesse conservado uma lembrança suficiente, não só das cores, mas também das formas e dos planos, das superfícies e dos contornos, supondo, claro está, que a dita cegueira não fosse de nascença. Chegara mesmo ao ponto de pensar que a escuridão em que os cegos viviam não era, afinal, senão a simples ausência da luz, que o que chamamos cegueira era algo que se limitava a cobrir a aparência dos seres e das coisas, deixando-os intactos por trás de seu negro. Agora, pelo contrário, ei-lo que se encontrava mergulhado numa brancura tão luminosa, tão total, que devorava, mais do que absorvia, não só as cores, mas as próprias coisas e seres, tornando-os, por essa maneira, duplamente invisíveis (SARAMAGO, 1995, pp.15-16).

Tateando, fugi para outra escola, fui quase salva pela visibilidade da nova

escola que agora frequentava, sem traumas de passagem, em suas aulas, pude,

primeiramente, ouvir trocas de experiências, dúvidas, depois, sem desconfianças,

participar do grupo, isso não foi suficiente para não pensar na cegueira que

aprendera, resisti às moscas, terminei o terceiro ano e fui fazer cursinho. Dizia a mim

mesma numa convicção protetora: quero outra profissão.

Entretanto:

No meio do caminho tinha uma pedra tinha uma pedra no meio do caminho tinha uma pedra no meio do caminho tinha uma pedra. Nunca me esquecerei desse acontecimento na vida de minhas retinas tão fatigadas. Nunca me esquecerei que no meio do caminho tinha uma pedra tinha pedra no meio do caminho no meio do caminho tinha uma pedra (ANDRADE, 2000, p. 433).

Tornei-me mãe no meio do caminho, fato que me trans/formou a cada dia e

me guiou em todas as escolhas realizadas. Em todo o meu cultivo, três flores

habitaram meu ser, interno e externamente, tomaram minha vida para sempre e me

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guiaram por todos os momentos, marcando afetos, nem sempre harmoniosos,

contudo, indiscutivelmente, afetos.

A pedra que encontrei no meio do caminho era preciosa e, por isso, fez-me

voltar e terminar o magistério, ainda, no mesmo ano e, para além do tempo, tinha

agora a oportunidade de regressar, como professora, para a minha escola.

Em meu primeiro dia docente na minha escola de origem, orgulhosíssima,

corri, coração palpitante, ver o banheiro.

O inesquecível banheiro, ah!, o banheiro, agora, era apenas um banheiro,

pequeno, sem liga feminina, um lugar onde eu, adulta, o via sem novidades.

Dei-me conta do que era ser criança, a criança como eu fui naquele banheiro

não admitia a cegueira, via nas várias dimensões espaciais as possibilidades do

acontecimento que eu, agora, adulta, só me deparava, apenas, com um banheiro.

Acho que o quintal onde a gente brincou é maior do que a cidade. A gente só descobre isso depois de grande. A gente descobre que o tamanho das coisas há que ser medido pela intimidade que temos com as coisas. Há de ser como acontece com o amor. Assim, as pedrinhas do nosso quintal são sempre maiores do que as outras pedras do mundo. Justo pelo motivo da intimidade [...] Se a gente cavar um buraco ao pé da goiabeira do quintal, lá estará um guri ensaiando subir na goiabeira. Se a gente cavar um buraco ao pé do galinheiro, lá estará um guri tentando agarrar no rabo de uma lagartixa. Sou hoje um caçador de achadouros da infância. Vou meio dementado e enxada às costas cavar no meu quintal vestígios dos meninos que fomos [...] (BARROS, 2003, p. 14).

Percebi, então, que a infelicidade da constatação poderia ser reparada

através de minhas lembranças, por algum tempo me refugiei nelas, cada processo é

um processo indistinguível, significativo, único e próprio, o qual, para mim,

evidentemente, marcara a busca do sentido da escola na compreensão mútua do

fazer-se professora para o outro, portanto, para mim. O crime e o castigo unidos ao

ser que “apegou-se a essa ideia, e se pôs a remexê-la, a revirá-la em todos os

sentidos com um acre de prazer” (DOSTOIÉVSKI, 2010, p. 368).

A ideia que passei a percorrê-la, a remexê-la, a revirá-la e que se uniu a mim,

descobriu-me e, eu, descobri-la, ela, a ideia da busca de um sentido maior do

espaço escola, passou, então, a percorrer-me, remexer-me, revirar-me.

Neste propósito, segui como professora de ensino fundamental ciclo I, depois

tive a oportunidade de efetivar-me, em concurso público municipal, como professora

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pré-escola1.

Lembro-me dos dois primeiros anos iniciais como professora de educação

infantil, escolhi um lugar muito diferente, chamava-se Escola isolada2, assustei-me

ao primeiro olhar, ele foi longínquo, quando olhamos de longe, de fora, não

captamos os sentimentos mais singulares, mais simples, porém, depois, fascinei-me.

O lugar era em uma periferia ainda sem condições básicas de saneamento,

sem asfalto, transporte coletivo.

O prédio, utilizado para missas e outros eventos, era um salão comprido,

escuro, sem cor, tomava o terreno inteiro. Os vitrôs, todos do lado esquerdo, ficavam

paralelos aos muros vizinhos, na mesma altura, não havendo, assim, circulação de

ar, além da cobertura de telhas de cimento que aquecia ainda mais o espaço que

contava com apenas uma entrada, a da frente.

Tudo isso demarcado pelo pé do morro, um “buraco” onde havia um córrego

mal cheiroso e terrenos baldios.

As mulheres se acocoravam nas frentes das casas de madeiras e remexiam

as cabeças das crianças retirando bichos voadores. As crianças corriam nuas pelo

chão de terra e brincavam sem se incomodar com seus narizes a escorrer.

As casas, partes de madeira e partes de tijolos, eram estranhamente

futuristas, pois reservavam uma estrutura de cimento no chão, até mesmo as só de

madeira, que garantia a segurança de uma antena parabólica, assim, todas

possuíam aqueles discos voadores maiores que seus telhados.

Desta forma, no período da tarde, na Terra dos Meninos Pelados (RAMOS,

2002), eu realizava as atividades escolares com as crianças e, inicialmente, fazia o

lanche, servia e limpava, depois pude contar com a colaboração da comunidade, até

que, meses mais tarde, a escola recebeu uma funcionária.

Na hora marcada, quando eu aparecia lá no topo do morro, as crianças

subiam correndo me encontrar e levavam minha bolsa, livros, seguravam na minha

mão, na mão de minhas filhas (que iam para a escola comigo) e desciam felizes,

imponentes.

1 Nomenclatura referente ao concurso público municipal de professores que se destinavam a trabalhar

com crianças de 6 anos e que, atualmente, readequando-se à LDBEN/96, trabalham com a faixa etária que se refere a 4 e 5 anos. Este cargo se encontra em extinção. 2 Nome dado às classes isoladas de pré-escola que funcionavam em lugares improvisados.

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Em Tatipirun, na Terra dos Meninos Pelados, onde “todos os caminhos são

certos... As crianças dançavam e cantavam, enfeitadas de flores, agitando palmas”

(RAMOS, 2002, pp. 3 e16) e ali, na educação infantil, faltando quase tudo, eu fui

muito feliz, eu fui a professora do “prezinho” deles e isso tinha muito valor, muito

valor.

Mas, depois de dois anos, tive que partir, a Prefeitura investiu na construção

de uma creche e levou as crianças e eu deixei e levei corações que guardo até hoje

em minhas lembranças.

Fui para uma escola que se distanciava uns dois bairros dessa, uma escola

grande, onde havia crianças de 3 meses a 6 anos, em um bairro populoso, cheio de

crianças que enumeravam as listas de espera para conseguir uma vaga.

Encontrei, ali, pessoas rígidas, desconexas da educação infantil que eu vivia,

elas aplicavam sempre uma pedagogia da espera centrada em uma rotina do adulto.

As crianças praticamente não existiam no planejamento das atividades,

apenas cumpriam os horários fixos, inflexíveis.

Negava esta escola todos os dias, lembrava da Terra dos Meninos Pelados,

chorava, mas voltava para ela e, assim, permaneci, depois criei coragem e comecei

a interagir com o grupo, tentando “mudá-lo”, logo, já era chamada por todos para

opinar, dar sugestões e percebi que as pessoas não faziam melhor porque não

sabiam.

Naquele tempo, não tínhamos um horário coletivo para estudo, mas,

tentávamos, por meio da rotina, aproximar-nos de uma melhora, de um projeto.

Permaneci, ali, por três anos como professora e, depois, prestei concurso e

assumi o lugar da diretora que havia se aposentado, então, criei um grupo de

“verdade”, ao qual estive por mais dez anos enlaçada em um pertencimento que

perdura, mesmo com minha saída circunstancial para a escola atual, onde, também,

trabalho como diretora.

Minhas primeiras ações, nesta escola “inflexível”, foram na direção de uma

interação com o objetivo de formar um coletivo que considerasse a criança como o

sentido das nossas atividades na escola.

A rotina rígida foi aos poucos se moldando em prol da infância, os portões

foram se abrindo para que os familiares pudessem adentrar a escola e deixar seus

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filhos às respectivas educadoras, já que percebi que se passava todo o ano e os

pais não sabiam, nem ao menos, os nomes delas.

As bolsas deixaram de ser revistadas no portão e as necessidades delas

estarem em ordem passaram a ser conversadas com as famílias.

Muitas atividades, nesse sentido, foram sendo realizadas pelo grupo e a

escola passou a conceber outros olhares, porém, os confrontos e conflitos entre

escola e família sempre aconteciam, girando em torno das necessidades de educar

e cuidar, os quais faziam parte central da pauta de desenvolvimento das reuniões.

Ao entrar na primeira escola isolada de educação infantil, eu já tinha o curso

de Pedagogia. Um ano antes de me tornar diretora, muito ligada à literatura, resolvi

cursar Letras, um curso que me transformou, pois, entrei uma pessoa e saí outra.

A arte da expressão, da compreensão, da cultura, de ver o mundo, adentrou-

me e criou um universo de possibilidades das quais compartilho, também, como

professora efetiva de Língua Portuguesa na rede estadual.

Assim, neste encaminhamento, dos mais diversos olhares que me

constituíram, proporcionado pelos diferentes lugares ocupados na escola, o de

criança me permitiu o viver fluído, o agir imanente ao ser.

Entretanto, foi na primeira vez que retornei à escola da minha infância, adulta,

professora, que pude constatar a necessidade de compreensão do acontecimento

infantil, tão diferente, tão próprio, tão intrínseco à minha experiência de infância.

Hoje, há mais de uma década na direção da educação infantil, acumulei duas

experiências em grupos diferentes: a primeira, ainda no desabrochar, o amor à

primeira vista, flertamos, namoramos e casamos, um pertencimento de dez anos que

se fundiu no desejo da realização educacional; a segunda, há quatro anos, encontra-

se na fase adulta, funde-se a uma ideia que me percorre, o desejo da compreensão

para a realização educacional.

Todavia, ambas se produziram no trabalho intenso junto aos confrontos e

conflitos da relação família e escola envolta pelo binômio educar e cuidar.

Relação da qual se tornou o cerne da minha atividade profissional, tanto a

família quanto a escola necessitam sempre de intervenção para harmonizar uma

relação de conflitos e confrontos que permeiam o educar e cuidar da mesma criança.

Como diretora, encontrei-me com antíteses, conflitos, dualismos, a cara e a

coroa, os inevitáveis lados do processo educacional, crime e castigo inerentemente

22

vitais, dos quais, o apego à ideia da compreensão, da responsabilidade do fazer-se,

instituiu o combustível ao questionamento e à busca da pesquisa.

Inserida em um novo grupo, continuei com a responsabilidade de realizar a

formação continuada desse e, também, a minha.

Acumulando mais de vinte anos de experiência na educação infantil, percebi

que precisava compreender melhor o que fazíamos, compreender esse grupo de

professoras do qual faço parte e que, guardando sua originalidade, suas

peculiaridades, em muito, ora se repete a outros grupos.

Compreender sua formação, sua rotina nas atividades docentes e,

principalmente, compreender os inevitáveis confrontos e conflitos das relações entre

família e escola, permeadas pelo educar e cuidar (questão que foi se clareando mais

a partir da pesquisa), dos quais eu sempre tive que intermediar um desenvolvimento

mais harmônico.

Marcada por essa intermediação e pela responsabilidade da formação

continuada do coletivo escolar, busquei pesquisar o meu grupo de trabalho como

aluna da pós-graduação do Curso de Mestrado, do Núcleo de Formação de

Professores.

Acredito, também, que, neste processo, pesquisar-me, pois, “todo

conhecimento que criamos/inventamos revela, em parte, quem somos. As verdades

que produzimos são fragmentos de nossas verdades/identidades” (FERRAÇO, 2002,

p.92).

Inicialmente, essa ideia se colocou em uma turbulência, depois, em uma

neblina alva que me absorvia a visão, até ir se formando, modelando-se, clareando e

surpreendendo-me em uma compreensão mútua sobre o grupo e, sobre mim

mesma, sobre minha formação, meus conflitos e minhas possibilidades como

profissional.

O desenvolvimento da pesquisa que constitui como aluna da pós-graduação,

constituiu-me a percepção de que ocupei na escola diversos papéis, fui aluna do

ensino fundamental, magistério, cursinho, universitária, fui professora de educação

infantil, de ensino fundamental ciclo I, II, nível médio, diretora e, agora, pesquisadora

como mestranda.

23

Assim, tomei consciência de que a grande maioria das minhas relações

significativas se liga à escola de alguma forma. Minha vida foi, é e será muito

fortemente marcada pela relação com a escola.

O encaminhar da pesquisa gerou o desvelar do meu processo de constituição

profissional. Quanto mais eu tentava entender os questionamentos da investigação

da pesquisa, planejava seus encaminhamentos, mais eu me fundia a ela, anexava-

me nesse caminhar, cada passo dado, um descortinar de aproximações.

Notei que, até mesmo no lazer com os amigos, trocamos idéias a respeito da

escola, ou seja, do que aconteceu nela, de quem trabalha, estuda nela.

Descobri, então, que eu pertenço à escola em uma trajetória que se entrelaça

em diversos papéis, portanto, diversos olhares.

Entrei pela primeira vez, oficialmente, na escola, aos sete anos e estou nela

há mais de três décadas, a relação mais duradoura que estabeleci depois da minha

família.

Nela fui feliz, triste, apática, amiga, inimiga, sonhadora, realista, crítica,

permissiva, amável, amarga, menina, adolescente, mulher, mãe...

Compreendi que, ao pesquisar a escola, também me pesquiso, ao constituir a

escola, também me constituo, ao interessar-me pela escola, também me interesso

por mim mesma, ao desejar melhorar a escola, também desejo melhorar-me.

Inevitavelmente, interpretei-me, meu processo de narrativa gerou uma

pesquisa complexa de minha constituição profissional. Minha história de vida,

certamente aqui recortada, teceu-se por inúmeras relações intermediadas pela

escola, logo, descobri-la, descobrindo-me, amparada pelos fatos que conceituaram a

escola em minha vida.

Como uma tecelã na feitura de minha constituição, a escola se pôs na

direção, na escolha, no manuseio dos fios que me entrelaçaram a ela e

proporcionaram a consciência de que, na verdade, entre o “eu” e o “outro” (escola)

transcende uma relação dialética que se afirma, nega-se, mas sempre acaba me

sintetizando a ela.

E é com essa consciência que encaminho esta pesquisa nas questões

relacionadas ao entendimento das especificidades da educação infantil,

principalmente nos temas que abordam a relação família e escola, envolta pelo

educar e cuidar.

24

Assim, aceitei o imenso desafio colocado, pesquisar meu próprio grupo de

trabalho, no horário de formação continuada no/do contexto escolar, re/conhecer

cada sujeito, no que permite o contexto, estar unida ao contexto e, depois, num

esforço enorme, distanciar-me dele para melhor compreendê-lo e teorizá-lo.

Desafio que me trouxe, como pesquisadora, dois lados: a facilidade de estar a

todo tempo no campo da pesquisa e o esforço para poder compreender e

sistematizar a escola como espaço e tempo de produção de conhecimento.

Acolhi o desafio e iniciei a pesquisa com as professoras, mais tarde, também,

com as estagiárias, no Horário de Trabalho Pedagógico Coletivo (HTPC)3.

A relevância de se construir essa pesquisa se fez na intenção de

compreender as perspectivas das professoras sobre a relação entre família e escola,

uma relação importante para o desenvolvimento integral da infância.

Neste fazer-se, a pesquisa assume a abordagem histórico-cultural, o qual

acredita que o ser humano se constitui através das relações sociais (VYGOTSKY,

1998), permeadas pela linguagem na mediação semiótica (BAKHTIN, 2006), ou seja,

o outro significando o mundo ao eu.

No primeiro capítulo, “A Construção Social da Família, da Infância e da

Escola: algumas considerações”, rumo à compreensão da relação família e escola

contemporânea, evidencia-se um estudo histórico da formação do sentimento de

família, infância e da consequente organização escolar que se abre junto à obra de

Philippe Ariès (1981), “História Social da Criança e da Família”, depois, segue-se na

discussão das transformações dessas duas instituições educacionais.

Ainda nesse capítulo, compreendendo a construção histórica e suas marcas,

o texto aborda “O contexto histórico da educação infantil no Brasil”, composto pelas

fases higienista e assistencialista e suas influências, passadas e presentes, na

educação infantil.

Presente neste contexto, destaca-se uma reflexão sobre a indissociabilidade

do educar e cuidar como eixo do desenvolvimento da infância em “Educar e cuidar:

uma relação complementar”.

Na sequência, o capítulo dois, “O professor de Educação Infantil e seu

processo de formação”, realiza-se uma discussão sobre a profissionalização inicial e

3 O Horário de Trabalho Pedagógico Coletivo (HTPC) faz parte da carga horária de trabalho das

professoras municipais, sendo realizado por duas horas, às segundas ou terças-feiras, inversamente ao horário de trabalho com as crianças.

25

continuada da docência da infância junto aos avanços e retrocessos históricos da

educação infantil brasileira.

Entre entendimentos e desentendimentos que constituem a formação inicial, a

especificidade dessa docência se situa em um campo de marcas históricas que

dicotomizam a prática do educar e cuidar e que se reflete em todas as suas

relações.

Todavia, a ideia de inconclusão do ser humano leva à perspectiva da

formação continuada do professor de educação infantil dentro do contexto escolar,

marcada pela reflexão crítica de sua própria prática e pelo diálogo junto a seus

pares, à teoria, às famílias, às crianças.

No capítulo três, “Tecendo a História da Pesquisa”, relata-se o referencial

metodológico da pesquisa, localizando-a na perspectiva histórico-cultural, nas

teorias de Vigotski4 (1995, 1998, 2000, 2001), Bakhtin (1981, 1997, 2006), Freitas

(2002, 2003), entre outros autores que destacam a ideia da constituição humana a

partir da interação social, um processo permeado pela linguagem como mediadora

de significação, ideologia e dialogia da língua.

Na continuidade, a escrita se remete ao contexto da pesquisa, expondo seus

objetivos e justificando sua relevância na explicitação da questão central, além de

subdividir-se na descrição da escola pesquisada, dos sujeitos e, na narração da

pesquisa de campo.

O capítulo quatro, “A relação de complementaridade entre família e escola: as

perspectivas das professoras”, segue com a apresentação dos dados interpretados

sob a ótica histórico-cultural.

A leitura das significações das professoras sobre a relação de

complementaridade das instituições educadoras família e escola se abre, para

apresentação e aprofundamento, na sistematização de duas categorias,

tematizações.

A primeira: “A família imaginada pelas professoras: perspectivas sobre a

relação de complementaridade”, as professoras, ao estabelecerem suas

perspectivas sobre a relação de complementaridade entre a família e escola,

expressam um desejo de padronização, tanto da família, quanto da escola.

4 Vigotski: segue a escrita desta forma, toda vez que a pesquisadora se referir ao autor, nas demais

citações, segue-se a forma idêntica à escrita da obra citada.

26

A visualização da família, pelas professoras, constrói-se através de um

modelo hegemônico, nuclear, ainda que considerando as transformações histórico-

culturais, revelando, consequentemente, uma concepção de criança dependente do

adulto, assim, as perspectivas se pautam no que falta à criança.

Nas perspectivas docentes, fundamentadas a partir de um modelo

hegemônico de família, mesmo diante das constantes transformações, ocorrem a

divisão dos papéis dessa relação, atribuindo-lhes juízos de valor.

Consequentemente, as professoras destacam ambiguidades nas

especificidades docentes. À escola cabe o papel de ensinar conteúdos formais da

infância e, à família, educar com valores (“pré-estabelecidos”) e dispensar cuidados

(físicos) a seus filhos.

O segundo tema: “Educar e cuidar: uma perspectiva de complementaridade

ao ensinar”, as professoras, na continuidade das ambiguidades consequentes à

divisão de papéis, atribuem, às especificidades docentes, a preocupação da

atividade de cuidar (do físico) como um conteúdo sobre “noções de higiene”,

formando, assim, o binômio ensinar e cuidar.

Este binômio atende às mesmas perspectivas da divisão de papéis, à escola

de educação infantil cabe o cuidar do aspecto físico, didaticamente, atendendo a

proposta de ensinar conteúdos, como noções de higiene. Assim, ensinar e cuidar se

complementam como especificidade junto ao papel da escola de educação infantil,

nas perspectivas das professoras.

O texto, ainda, desenvolve suas Considerações Finais, nas quais as análises

são retomadas e conectadas à pesquisa do termo complementaridade.

As significações que as professoras conferem às perspectivas sobre a relação

de complementaridade entre família e escola concedem tarefas às duas instituições,

dividem seus papéis, diferindo do significado atribuído ao termo na etimologia desta

palavra que afere a ideia de todo e não de partes na divisão dessa relação junto ao

objetivo comum de educar e cuidar integralmente da infância.

As padronizações, ainda que com referências de mudanças transcorridas no

tempo, do modelo de família, de escola e, os conflitos e ambiguidades sobre as

especificidades docentes revelam o percurso histórico-cultural das professoras e

remontam, desta forma, um quadro desafiante de emergências à formação

continuada.

27

Nesse sentido, o processo de pesquisa trouxe, a todos os envolvidos, uma

complexidade de aprendizagens, em especial, à pesquisadora, uma imensurável

formação no campo profissional e, também, humano, já, para o grupo investigado, a

imprescindível compreensão da necessidade da Formação Continuada na complexa

constituição profissional do professor de Educação Infantil contemporâneo, o que

demonstra ser a pesquisa, em Ciências Humanas, uma fonte inesgotável de

aprendizagens que pode ser compartilhada.

A finalização do processo de pesquisa se transforma, ainda, em um convite

ao leitor para que, através da Literatura, o tema da Infância, no pensar na relação

família e escola e no binômio educar e cuidar, continue sendo refletido, interpretado.

28

CAPÍTULO I

A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA FAMÍLIA, DA INFÂNCIA E DA

ESCOLA: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Mire, veja: o mais importante e bonito do mundo é isto: que as pessoas não

estão sempre iguais, ainda não foram terminadas - mas que elas vão

sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior. É o que a vida me

ensinou. (ROSA, 1994, pp. 24-25)

A história social se desenvolve em meio a aspectos políticos, culturais e

econômicos, os quais influenciam sua construção e, também, são influenciados.

Assim, para conhecer o ser humano, é preciso estudar a sua história

individual construída através da história coletiva, o que implica recortar a macro

história para compor um entendimento da micro história, ou seja, um estudo

histórico, pois “estudar alguma coisa historicamente, significa estudá-la no processo

de mudança; esse é o requisito básico do método dialético” (VYGOTSKY, 1998, p.

74).

Nesta perspectiva, busca-se, neste capítulo, uma reflexão da história da

educação infantil, dentre um panorama histórico maior, visando à compreensão de

sentidos que abarquem e promovam significações para a questão proposta nesta

pesquisa, em especial, sobre a relação entre família e escola na perspectiva de

professores de educação infantil, visto que, a educação infantil não é tarefa

exclusiva da escola, mas reconhecida, legalmente, na ação de complementaridade

entre ambas as instituições.

A compreensão da relação família e escola só pode ser entendida através de

uma análise histórica que possibilite a percepção de que, tanto a família, quanto a

29

escola se dispõem em uma organização histórica de reflexo social, político,

econômico e cultural a que estão inseridas.

Essas questões influenciaram estas instituições causando modificações no

tempo passado e, ainda, causam-nas no presente, refleti-las podem traduzir seus

confrontos e conflitos vivenciados nos dias atuais.

Tomar consciência de que a educação infantil se encontra num contexto

contemporâneo, com valores pré-estabelecidos, significa olhar para o presente como

resultado de um decurso passado, do qual sua compreensão se abre às

possibilidades de interferências nas ações futuras junto a um panorama social que

se transforma e é transformado.

Desta forma, esse capítulo se inicia com um estudo da obra de Philippe Ariès

(1981), “História Social da Criança e da Família”, do qual se depreende o percurso

histórico da construção da família, do sentimento de infância e, consequentemente,

da organização da instituição escolar.

Apontamentos, esses, que revelam a ideia de não naturalização da existência

da família, da infância e da escola, mas, de uma construção social marcada por

mútuas interferências, transformações, principalmente na contemporaneidade,

todavia, ainda guardando resquícios históricos no imaginário social.

Entre a família e a escola, mantêm-se uma relação, às vezes ubíqua, outras

mais discretas, já que, em meio a essas duas instituições sociais educadoras,

perpassa a educação e o cuidado da mesma criança.

Ao estudar a formação histórica dos laços de família e da constituição de

escola para possíveis entendimentos e reflexões de questões contemporâneas

dessa relação, vislumbra-se o surgimento do sentimento de infância e, com ele, o

nascimento da instituição escolar.

Além disso, a escrita traz uma discussão sobre as transformações sociais

destas duas instituições e a relação que as permeiam no contexto contemporâneo,

demarcando influências mútuas.

Neste encaminhamento, o texto contempla, em uma segunda parte, o

contexto histórico da educação infantil no Brasil, abordando as fases higienista e

assistencialista, além de um estudo sobre o tema educar e cuidar.

30

1.1- O Sentimento de Infância na construção da relação

Família e Escola

Em História Social da Criança e da Família, Philippe Ariès (1981) afirma que o

sentimento de família, que surge no século XVII, torna-se inseparável do sentimento

de infância.

A análise iconográfica realizada pelo autor revela que o sentimento de família

era desconhecido na Idade Média, do qual os historiadores declaram que:

os laços de sangue não constituíam um único grupo, e sim dois, distintos, embora concêntricos: a família ou mesnie, que pode ser comparada à nossa família conjugal moderna e, a linhagem, que estendia sua solidariedade a todos os descendentes de um mesmo ancestral (Ibidem, p. 211).

A composição da família ou mesnie era formada pelos membros que residiam

juntos, individualmente ou em pares, casais que possuíam um patrimônio cujos

moradores se negavam a dividi-lo.

A indivisão da família, que o estudo afirma não durar mais que duas

gerações, originou as teorias tradicionalistas do século XIX sobre a grande família

patriarcal, da qual se conclui: “A família conjugal moderna seria portanto a

consequência de uma evolução que, no final da Idade Média, teria enfraquecido a

linhagem e as tendências à indivisão” (Ibidem, p. 211).

Já que, no século X, a simples célula conjugal, prolongada por pouco tempo

após a morte dos pais, separava-se, amparados pelos órgãos de paz do velho

Estado5 franco que permitia “ao homem livre viver uma vida independente e preferir,

se assim o desejasse, a companhia de seus vizinhos e amigos à de seus parentes”

(Ibidem, p. 211).

No entanto, a indissolução do velho Estado franco obrigou a um agrupamento

mais estreito, devido a necessidade de proteção, formando, também, a indivisão dos

bens dos dois cônjuges, fato em que, anteriormente, dava-se de forma separada.

5 Nomenclatura utilizada pelo autor para designar a organização política desta periodização.

31

Toda essa política de organização familiar acontecia junto à nobreza, visto

que a família camponesa substituía o vazio da dissolução do Estado franco, de

forma que:

a tutela do senhor havia substituído imediatamente a proteção dos poderes públicos, e a comunidade aldeã havia fornecido aos camponeses um quadro de organização e de defesa superior à família. A comunidade aldeã teria sido para os camponeses o que a linhagem foi para os nobres (ARRIÈS, 1981, p. 212).

Explica Ariès (1981) que, a reorganização de questões políticas e econômicas

do século XIII trouxe uma nova inversão dos laços familiares conjugais, tornando-os

novamente independentes, contudo, a nobreza não a adere e estreita seus laços,

suas indivisões patrimoniais e a autoridade patriarcal, advinda da necessidade de

manter a integridade indivisa do patrimônio.

É dessa forma que a comunhão de bens e a primogenitura (privilégios do filho

mais velho) se difundem nas famílias nobres, o que atribui autoridade paterna e

garante a continuidade perante os filhos.

Ariès cita Georges Duby ao concluir que:

Na realidade, a família é o primeiro refúgio em que o indivíduo ameaçado se protege durante os períodos de enfraquecimento do Estado. Mas assim que as instituições políticas lhes oferecem garantias suficientes, ele se esquiva da opressão da família e os laços de sangue se afrouxam. A história da linhagem é uma sucessão de contrações e distensões, cujo ritmo sofre as modificações da ordem política (Ibidem, p. 213).

A história da Idade Média é composta, então, por um sentimento de linhagem,

ao qual os historiadores de direito se ativeram e, uma comunidade familiar,

escapada aos historiadores e muito diferente do qual conhecemos, de uma ligação

de administração da casa dada ao marido, esclarecimento que Ariès atribui ao

resumo de M. Pelot:

A partir do século XIV, assistimos uma degradação progressiva e lenta da situação da mulher no lar. Ela perde o direito de substituir o marido ausente ou louco... Finalmente, no século XVI, a mulher casada torna-se uma incapaz, e todos os atos que faz sem ser autorizada pelo marido ou pela justiça tornam-se radicalmente nulos. Essa evolução reforça os poderes do marido, que acaba por estabelecer uma espécie de monarquia doméstica. A partir do século XVI, a legislação real se empenhou em reforçar o poder no que concerne ao casamento dos filhos. Enquanto se enfraquecia os laços da linhagem, a autoridade do marido dentro de casa tornava-se maior e a mulher e os filhos se submetiam a ela mais estritamente. Esse movimento

32

duplo, na medida em que foi o produto inconsciente e espontâneo do costume, manifesta-se sem dúvida uma mudança nos hábitos e nas condições sociais... Passara-se, portanto, a atribuir à família o valor que outrora se atribuía à linhagem. Ela torna-se a célula social, a base dos Estados, o fundamento do poder monárquico (ARRIÈS, 1981, p. 214).

Quanto à Igreja, Ariès (1981) ressalta que, durante muito tempo, o casamento

foi apenas um contrato, sua cerimônia não era realizada no interior da Igreja, mas na

sua entrada, já que a Igreja considerava o casamento uma questão de último caso,

“uma concessão à fraqueza da carne. Ele não livrava a sexualidade de sua impureza

essencial” (p. 215). Essa reprovação não chegava à condenação do casamento,

mas, à desconfiança.

O reconhecimento do casamento perante a Igreja só se deu, conforme Ariès

(1981), após o tempo de importantes leigos, significativos à Igreja, devotados às

atividades religiosas, teológicas, espirituais e místicas.

Assim, após passar por muitas transformações de ordem política, cultural e

econômica, o conceito de família, segundo Ariès (1981), surge na França, no final do

século XVII, compondo uma formação nuclear: um homem, uma mulher e seus filhos

vivendo em um mesmo ambiente, preservando a privacidade, a intimidade em

relação aos demais componentes do grupo social.

Anteriormente a esse período, na Inglaterra, por volta do século XV, esse

modelo era inexistente, não admitindo o sentimento de infância contemporâneo, a

criança era vista como um “adulto em miniatura”, sua aprendizagem era realizada

apartada da família, pela comunidade, em um mundo que a colocava no mesmo

plano do adulto, sem considerar suas especificidades infantis:

A falta de afeição dos ingleses manifesta-se particularmente em sua atitude com relação às suas crianças. Após conservá-las em casa até a idade de sete ou nove anos (em nossos autores antigos, sete anos era a idade em que os meninos deixavam as mulheres para ingressar na escola ou no mundo dos adultos), eles as colocam, tanto os meninos como as meninas, nas casas de outras pessoas, para aí fazerem o serviço pesado, e as crianças aí permanecem por um período de sete a nove anos (portanto, até entre cerca de 14 e 18 anos). Elas são chamadas então de aprendizes. Durante esse tempo, desencumbem-se de todas as tarefas domésticas. Há poucos que evitam esse tratamento, pois todos, qualquer que seja sua fortuna, enviam assim suas crianças para casas alheias, enquanto recebem em seu próprio lar crianças estranhas (Ibidem, p. 226).

33

Os ingleses desejavam, assim, que suas crianças aprendessem boas

maneiras, o que significava que a principal obrigação da criança, confiada a um

mestre, era servi-lo bem.

Exaltava-se, nessa época, os serviços domésticos, aos quais não eram

concebido nenhuma repugnância ou degradação. O seviço doméstico era uma

forma de educação e as crianças eram aprendizes desta prática, a participação da

vida profissional se confundia com a vida privada.

Essa aprendizagem era praticada em todas as classes sociais através de uma

ambiguidade entre a criança e o servidor: “Para parecer bem educado, não bastava

como hoje saber comportar-se à mesa: era preciso também saber servir à mesa”

(ARIÈS, 1981, p. 229).

Não havia escola que transmitisse essa aprendizagem, a escola, na educação

medieval, era uma exceção à regra. Em alguns casos, as escolas haviam perdidos

seu caráter empírico se transformando em pedagógicas, como as que ensinavam a

arte de ser um bom caçador, podendo, esta forma, ter influenciado o ensino técnico

da escrita, originando, deste modo, a aprendizagem organizada, escolarizada.

Todavia, a regra geral de aprendizagem de uma geração a outra era

garantida através da participação das crianças na vida dos adultos, sem segregação

de idades iguais, mas, uma mistura entre adulto e criança na vida prática do

cotidiano (ARIÈS, 1981).

As crianças nem sempre voltavam para suas famílias depois de adultas, a

família se constituía como: “uma realidade moral e social, mais do que sentimental”

(Ibidem, p. 231).

As famílias mais pobres se igualvam à garantia de instalação material na

aldeia, na fazenda ou na casa dos senhores, onde permaneciam mais tempo do que

em suas próprias casas, ou, às vezes, estas casas nem existiam.

Assim, o sentimento de família para o rico se convergia à prosperidade

patrimonial, já, para os pobres, era quase que inexistente.

Ariès (1981) manifesta que, a partir do século XV ao XVII, inicia-se uma

profunda e lenta transformação em relação à família, da qual nem os

contemporâneos, nem mesmo os historiadores foram capazes de perceber, um

processo que teve como fato essencial, a frequência escolar.

34

A escola passa, cada vez mais, a ser um instrumento de iniciação social, de

passagem da infância à vida adulta, de tal modo que os educadores começam a ter

uma necessidade nova, de maior rigor de preocupação em:

isolar a juventude do mundo sujo dos adultos para mantê-la na inocência primitiva, a um desejo de treiná-la para melhor resistir às tentações dos adultos. Mas ela correspondeu também a uma preocupação dos pais de vigiar seus filhos de perto, de ficar mais perto deles e de não abandoná-los mais, mesmo temporariamente, aos cuidados de outra família. A substituição da aprendizagem pela escola exprime também uma aproximação da família e das crianças, do sentimento da família e do sentimento da infância outrora separados (ARÌÈS, 1981, pp. 231-232).

Essa transformação, no século XVII, revelou deveres aos pais quanto à

escolha do colégio e do preceptor, à supervisão dos estudos, à repetição das lições,

assemelhando-se ao sentimento da família moderna, da qual a origem parece ter

ocorrido concomitantemente à origem da escola, com o objetivo de educar as

crianças (ARIÈS, 1981).

Nesse encaminhamento, cada vez mais aumentou o número de escolas

organizadas a atender as crianças de forma a não separá-las de seus pais, fato que

não se estendia a todos, como aos mais pobres que continuaram na educação

prática, podendo-se compará-la ao mundo artesanal e, ao do ofício.

As meninas continuaram a serem educadas em casa ou na casa de uma

parenta, vizinhas, ação que só se modificou no final do século XVIII, início do XIX.

A educação das crianças através da escola, de acordo com Ariès (1981),

abarca um fenômeno que comprova a concentração da família na direção da

criança, uma fusão sentimental entre pais e filhos na instituição familiar.

Na concomitante origem da família e da escola, Ariès (1981) declara que os

educadores se sentiram no dever de influenciar os costumes familiares, extinguindo

a primogenitura e instaurando o sentimento de igualdade, equidade de direito à

afeição familiar, evento que mais tarde constituiria o código civil de direitos

familiares.

Com o estabelecimento da escola, Ariès (1981) afirma que, a família e a

escola retiraram a criança da sociedade dos adultos. À escola foi permitido o

confinamento da infância num regime disciplinar, rigoroso que, junto à Igreja e, aos

moralistas, infligiram-lhe o chicote e as mais altas correções e castigos, tudo em

nome de um sentimento de amor obsessivo.

35

Uma sensibilidade pela infância que causou o controle de natalidade, no qual

a família se organizou em torno da criança e ergueu, entre ela mesma e a

sociedade, o muro da vida privada.

Esse período desperta uma preocupação da família com o cuidar e educar da

criança, até mesmo de reduzir o número de filhos para oferecer-lhes uma melhor

atenção.

Assim, a criança passa, de um lugar de anonimato social, a ocupar um outro

bem diferente, um lugar de importância na família.

Percebe-se, então, que a formação da família e da escola, bem como o

sentimento de infância que vincula essas instituições foram construídos

historicamente a partir de questões políticas, econômicas e culturais que

despertaram tais necessidades.

Esta ideia afasta a condição natural de existência dessas duas instâncias,

permitindo a reflexão de algumas imposições ideológicas nas concepções

assumidas a partir da relação cotidiana dessas duas organizações históricas da

humanidade.

O sentimento de infância originou, então, a necessidade da organização de

uma escola que permitisse que a família não se apartasse de seus filhos na arte da

transmissão da bagagem cultural humana de geração a geração.

Essa organização foi se modelando de acordo com as necessidades políticas,

sociais, econômicas e culturais da sociedade, um processo que coordenou tanto a

família quanto a escola, transmitindo-lhe obrigações mútuas, disputa de poderes e

efetivações lentas e cumulativas de mudanças transcritas no tempo.

Mudanças que foram re/definindo o conceito de família, ampliando-o junto à

história, até traduzir-se em uma complexa célula que vai além dos laços de

consanguinidade, incluindo diversificadas relações interpessoais (DESSEN e

POLÔNIA, 2007) que se traduzem muito diferentemente do padrão hegemônico da

família burguesa, nuclear, que se tinha, pois:

as famílias foram conceituadas como unidades de reprodução social, incluindo a reprodução biológica, a produção de valores de uso e consumo, inseridas em determinado ponto da estrutura social, definido a partir da inserção de seus provedores na produção. Foram definidas também como unidades de relações sociais, no interior dos quais os hábitos, valores e padrões de comportamento são transmitidos a seus novos membros, configurando assim unidades de socialização e reprodução ideológica. São espaços de convivência nos quais se dá a troca de informações entre

36

membros e onde decisões coletivas a respeito do consumo, do lazer e de outros itens são tomadas. Nesse sentido, são também unidades nas quais os indivíduos maduros se ressocializam a cada momento, revendo e rediscutindo seus valores e comportamentos na dinâmica do cotidiano (...) É também um grupo social composto de indivíduos diferenciados por sexo e por idade, que se relacionam cotidianamente, gerando uma complexa e dinâmica trama de emoções (...) (BRUSCHINI, 1993, p. 76).

A autora confere uma complexidade à família contemporânea desenhada pelo

contexto social e histórico que lhe amplia o sentido e a forma, negando, neste

princípio, um olhar de naturalização:

A tendência à naturalização da família, tanto no nível do senso comum quanto da própria reflexão científica, que leva à identificação do grupo conjugal como forma básica e elementar de toda família e à percepção do parentesco e da divisão de papéis como fenômenos naturais, criou, durante muito tempo, obstáculos de difícil transposição para sua análise (Ibidem p. 50).

Nesta perspectiva, a escola contemporânea, ao olhar para suas famílias,

encontra um estranhamento nas diversificadas tipologias como: as nucleares,

formadas por pai, mãe e filhos; as monoparentais, chefiadas por homens ou

mulheres, podendo ser avós, irmãos, tios; as constituídas por casais gays, com filhos

naturais de ambos ou de apenas um, ou ainda, adotivos; as reconstruídas de casais

separados que juntam seus filhos e, às vezes, geram outros; além de outras

formações que se divergem do padrão hegemônico e se apresentam numa

caracterização de sentimentos e necessidades variadas.

A escola, na formação de seu percurso histórico, declarou regras morais aos

pais, tanto no que tangia sua parte pedagógica quanto à modificação de hábitos e

costumes interpretados como não condizentes às crianças e, foi além, manteve, com

a permissão da família, o confinamento da infância, separando-a do mundo real,

procedendo-lhe, autorizada pela célula familiar e pela garantia da Igreja, castigos e

repreensões em nome da proteção de todos os males.

Fruto da sociedade, a escola vem se modificando lentamente no tempo e no

espaço e, ainda, guarda um valor de referência na vida da sociedade

contemporânea. Na procura de sua definição, podemos encontrá-la como:

uma instituição social com objetivos e metas determinadas, que emprega e reelabora os conhecimentos socialmente produzidos, com o intuito de

37

promover a aprendizagem e efetivar o desenvolvimento das funções psicológicas superiores: memória seletiva, criatividade, associação de ideias, organização e sequência de conhecimentos dentre outras (DESSEN e POLÔNIA, 2007, p. 26).

Olhando de fora, podemos conceituar a escola somente como os autores

acima, no entanto, convivendo em seu interior, percebemos que a escola se

configura em uma complexidade maior, refletida em múltiplos interesses, intra e

extra-escolares, dos quais ela não detém mais o monopólio (DUBET, 1996), pois, se

situa historicamente em um espaço de culturas que convivem e se buscam através

de afirmações, negações e questionamentos.

Desta forma, as complexas mudanças sociais apresentam:

Uma ampliação progressiva dos compromissos da escola que tem de responder a novos desafios por influência de fatores e pressões, tanto externos quanto internos. Os externos são fatores de ordem social, econômico-cultural, científica e tecnológica; os internos estão relacionados ao desenvolvimento do conhecimento sobre o processo educativo (VEIGA, 2001, p. 46).

“Logo redefinir sociologicamente educação como instituição histórica significa

rediscutir as possibilidades educacionais e abrir novos caminhos de ação. Fugindo

da sobrevalorização e da subvalorização da educação” (SILVA, 2002a, p. 89), mas,

essencialmente, encarando-a em um contexto real do complexo mundo

contemporâneo.

Na atualidade, a relação da família e da escola se encontra imersa na

influência da escolaridade obrigatória, nas políticas de democratização de acesso e

permanência, nas mudanças curriculares, ações que repercutem intensamente,

tanto na vida das famílias como na da escola, influenciando a relação destas duas

instituições.

A relação família e escola sempre existiu, porém, ela foi marcada conforme o

panorama histórico-cultural a que estava inserida. No século XX, essa relação era

pautada em questões morais e disciplinares, mas que reservavam, tanto à família,

quanto à escola, aspectos de espaços privados.

Atualmente, esses espaços se abriram de forma a interagir, uma interação

que abriu o leque dos objetivos escolares, incluindo o bem estar psicológico e o

38

desenvolvimento emocional do educando, o que proporciona certa “invasão” à vida

da família (MANTONDON, 1987, apud NOGUEIRA, 1998).

O desenvolvimento emocional traz para a pauta escolar temas a respeito de:

separações conjugais, crises, doenças, desemprego e outros que permeiam as

inquietações da escola em relação à família no cotidiano do pedagógico escolar.

Além disso, projetos como educação sexual, antidrogas constituem uma nova

redefinição do trabalho escolar, auxiliados por especialistas como psicólogos,

psicopedagogos, orientadores profissionais, fonoaudiólogos, no intuito de amparar a

família na educação de seus filhos (MANTONDON, 1987, apud NOGUEIRA, 1998).

Por outro lado, com o aumento do número de escolas, os pais passaram a

escolher, segundo sua classe social, as escolas conforme os aspectos referentes à

clientela, localização, grau de tradição, infra-estrutura, qualidade do ensino, proposta

pedagógica: “conteudistas”, "alternativas", o que supõe aproximação da família à

escola, através de observações e informações sobre o universo escolar

(NOGUEIRA, 1998a).

Neste contexto, as políticas educacionais passaram a incentivar essa relação

de forma a abrir aos pais a possibilidade de intervenção e decisões da organização

e funcionamento escolar (Conselho de Escola, Associação de Pais e Mestres), uma

ideia que nem sempre tem se desenhado como possibilidade de uma construção

democrática de educação infantil, mas, sim, de uma disputa de poderes, de conflitos

e confrontos, elevando a necessidade de estudo e reflexão desta relação como

complementaridade do projeto educacional da infância.

Se por um lado, a família “invade” cada vez mais os espaços escolares, por

outro, encontra reciprocidade na ação da escola, um processo que marca um

sistema de interdependência e influências recíprocas na relação família e escola da

sociedade contemporânea escolarizada (NOGUEIRA, 1998 b).

Este cotidiano é vivenciado com maior intensidade na escola de educação

infantil que exige a presença dos familiares, diariamente, tanto na entrada como na

saída, além da comunicação sobre os cuidados específicos, um cotidiano

diferenciado do ensino fundamental devido às faixas etárias atendidas.

Por outro lado, tanto a escola como a família se revestem de uma relação

junto à infância que envolve o educar e cuidar, relação que, muitas vezes, é envolta

39

por conflitos e confrontos entre ambas na complementaridade legal e natural do

processo deste binômio.

Toda relação da família e da escola é permeada pelo binômio educar e

cuidar, envolta por concepções de infância que atravessaram a história e se

transformaram, contudo, também guardam ambiguidades e, uma história em

construção.

A história da criança tem revelado ideias sobre infância que se remetem ao

passado, como “um ser desprotegido, que merece cuidados pois nele se depositam

as esperanças de futuro” (MICARELLO e DRAGO, 2005, p. 132).

Essas crenças, ao desconsiderar o presente e o passado da criança, limitam

as possibilidades de futuro, pois, constroem padrões, pautando-se em projetos de

visão do que falta à criança, não admitindo que essa se encontra inserida num

contexto sócio-cultural específico e real, assim, o ideal imaginado se sobrepõe ao

real (MICARELLO e DRAGO, 2005, p. 132). Todavia:

Estudos contemporâneos sobre a infância enfatizam que a criança é um sujeito social, que possui história e que, além disso, é produtora e reprodutora do meio no qual está inserida, atuando, portanto, como produtora de história e cultura. (...) a ideia de uma infância que tem subjacente a condição de protagonista na sociedade em que está inserida, e não apenas a de mera coadjuvante (Ibidem, p. 133).

É por meio dessa construção do conceito de infância que se pode reconhecer

a “capacidade de produção simbólica por parte das crianças e a constituição das

suas representações e crenças em sistemas organizados, isto é, em culturas”

(SARMENTO e PINTO, 1997, apud KRAMER, 2005, p 134).

O reconhecimento dessa concepção de criança, bem como a de escola e

família atuais, remontam a ideia de não naturalização dessas concepções, mas de

construções sociais, históricas que se modelaram à luz de um percurso de ordem

política, econômica, enfim, cultural.

1.2 - O contexto histórico da Educação Infantil no Brasil

40

Refletir sobre o contexto da educação infantil brasileira nos remete a revisitar

a história social, política, econômica, já que seu percurso não se apresenta em um

processo linear, mas, engloba idas e vindas de concepções que se misturam em um

entrecruzamento que ainda perdura.

No Brasil, segundo Kramer (1992), até o século XIX, não se constata um

número de ações governamentais significativas e favoráveis à infância, as poucas

existentes partiam de uma preocupação de proteção médica higienista.

Entretanto, foi apenas no final desse século que, no Rio de Janeiro, funda-se

o Instituto de Proteção e Assistência à Infância e inaugura-se a creche da

Companhia de Fiação de Tecidos do Corcovado, encaminhada aos filhos dos

operários.

Concomitantemente, essa época marca a distinção do privado e do público.

As escolas particulares junto à infância se utilizavam do termo pedagógico como

propaganda para atrair as famílias abastadas aos jardins de infância, distinguindo-

as, dessa forma, das creches e asilos que eram destinados aos pobres (KHULMANN

JR., 1998).

No contexto do capitalismo, da consequente urbanização e da reprodução de

força de trabalho, aparecem as primeiras creches, emolduradas por tácitos

programas que iam se adaptando, de um atendimento de combate à mortalidade

infantil a guardiãs de crianças pobres cujas mães necessitavam de aconselhamento

sobre os cuidados necessários a evitar perigos que pudessem levar seus filhos à

marginalidade e à morte.

As creches imprimiam a essas mães a visão de que seu lugar era o lar junto

aos filhos, mas, prosseguiam com a justificativa de objetivar o atendimento de

crianças de classes populares e de mães trabalhadoras, assim:

Criaram-se leis e propagaram-se instituições sociais nas áreas da saúde pública, do direito da família, das relações de trabalho, da educação. As instituições jurídicas e de educação popular substituíam a tradição hospitalar e carcerária do Antigo Regime. São iniciativas que expressam uma concepção assistencial a que denominamos „assistência científica‟ – por se sustentar na fé, no progresso e na ciência característica daquela época (KHULMANN JR., 1998, p. 60).

As instituições infantis se distinguiam simplesmente pelo público atendido e

não pela proposta pedagógica.

41

Enquanto as creches se destinavam aos pobres, os jardins de infância,

proposto pelo educador alemão Froebel, considerado como o pedagogo da infância,

eram destinados às crianças da elite (OLIVEIRA, 2002) e tinham como proposta a

evolução natural da criança, valorizando a expressão corporal, o gesto, o desenho, o

brinquedo, o canto, a linguagem e os interesses naturais da criança, seguiam o

modelo dos Kindergartens americanos, um modelo de atividades ainda presentes na

atual educação infantil.

Na análise de Kuhlmann Jr. (2001), uma educação voltada para a moral e os

bons costumes, na qual:

A preocupação com a formação dos bons hábitos, do cultivo, da docilidade, estava presente no jardim. As crianças eram alvo da constante intervenção e vigilância dos adultos; a educação moral, voltada para a disciplina, a obediência, a polidez, era o núcleo da formação, mesmo que no interior de um ambiente pedagógico bastante rico e diversificado (Ibidem, p. 159).

As mulheres pobres, ainda no início do século XX, começam a engrossar a

mão-de-obra das indústrias. É iniciada, então, a abertura de algumas instituições

infantis com o objetivo de liberar a mulher para o trabalho, contudo, “a creche não

era defendida de forma generalizada, pois trazia à tona, conflitos, tais como a defesa

da atribuição de responsabilidade primordial à mãe na educação da pequena

infância.” (KUHLMANN JR, 2001, p. 86), o que gerou a criação de:

conceitos como carência e marginalização cultural e educação compensatória foram então adotados, sem que houvesse uma reflexão crítica mais profunda sobre as raízes estruturais dos problemas sociais. Isso passou a influir também nas decisões de políticas de Educação Infantil (OLIVEIRA, 2002, p. 109).

Este período é marcado por uma ausência de legislação aos direitos da

mulher, nenhuma atenção é dada à sua formação. A mulher era destinada,

solitariamente, ao cuidado e higiene da prole, tinha por responsabilidade centralizar

toda sua vida na criança, vista como dona de casa, herdeira de todas as riquezas,

misérias e valores sociais.

Até 1930, a educação da infância se manteve sob o caráter médico-higienista,

um período de poucas iniciativas educacionais. “Esta tendência pode ser entendida

mediante a escassez extrema de verbas destinadas à educação frente à situação de

42

analfabetismo do país” (KRAMER, 1995, p.55), principalmente, a educação infantil,

que, quando assistida pelo Estado, trazia uma preocupação às crianças

desfavorecidas.

Todo esse período revela uma concepção assistencialista, higienista, de

distinção entre a educação da criança pobre e da criança da elite.

Falar em educação infantil desta época, significa olhar para a elite, já que as

crianças pobres eram marginalizadas pelas carências múltiplas e o Estado apenas

as assistia oferecendo proteção diante de sua pobreza.

É aí que se cria um estigma junto à educação infantil pública que ainda reflete

no imaginário atual, pois:

A história da assistência tem sido também a da produção de uma imagem do pobre como ameaça a ser controlada. As instituições cumpriram uma função apaziguadora. Interpreta-se a pobreza a partir da generalização de características parcializadas. Essa lógica ainda se faz presente quando se reduz a história da infância abandonada, quando a criança pobre é identificada como „menino de rua‟, que, por sua vez, torna-se sinônimo de „trombadinha‟, ou „menor infrator‟, reproduzindo a concepção de pobreza forjada nos moldes das concepções assistenciais do início do século (KHULMANN JR., 1998, p. 28).

O primeiro Congresso Brasileiro de Proteção à Infância aconteceu no Rio de

Janeiro em 1922, o qual tratou de discutir temas que regulamentassem o

atendimento à infância, no entanto, a pauta concebida refletiu questões existentes já

desde o início do século, ou seja, “tanto no ponto de vista social, médico,

pedagógico e higiênico, em geral, como particularmente em suas relações com a

família, a sociedade e o Estado” (KHULMANN JR, 1999, p. 90).

No decorrer da década de trinta, a infância despertou maior atenção,

entretanto, ela ainda não havia sido retirada da pauta da medicina, mas, desta vez,

destacava-se a preocupação preventiva, da qual a família pobre, vista pela

concepção da família moderna, era analisada como o foco do problema (KRAMER,

1995, p. 59), ou seja, uma família desestruturada pelas condições econômicas

paternas, tendo que ser socorrida pela mãe na ação do trabalho externo ao lar.

Desta forma, a mãe se ausentava do lar e dos cuidados dos filhos.

Assim, segundo Haddad (1991), o lugar que a creche historicamente veio

ocupando se enquadra na falta econômica e moral da família. A creche se definiu

como instituição de atendimento à criança, quando a família, de alguma forma, não

43

estivesse cumprindo devidamente com o seu papel, o que nos informa que, esta

instituição, “quase substituindo a família”, foi se modelando à sombra dela, limitando-

se a reproduzir aquilo que se imaginava que a família faria, caso não lhe faltasse

condição.

Todavia, algumas tentativas educacionais não assistencialistas marcaram

essa década. Em 1935, em São Paulo, Mário de Andrade cria, como Secretário

Municipal de Cultura da Capital, os Parques Infantis, preocupado em proporcionar

lazer, cuidados, educação e esportes às crianças que para ali viessem, sem

necessariamente marcar uma educação formal.

A realização de sua pesquisa sobre o folclore brasileiro lhe deu base para

estruturar uma educação de tradições populares através da arte e dos jogos

tradicionais infantis, possibilitando, à criança, ser criança com suas especificidades,

atividades garantidas por um espaço físico e um programa pautado na cultura da

infância.

Todavia, a predominância do assistencialismo expõe ao abandono, no mesmo

município, aos princípios educacionais do poeta, numa sequência e ampliação de

escolas infantis que nada mantinham dos Parques Infantis, nem a ludicidade, nem o

artístico, somente seus espaços físicos (FARIA, 1999).

O encaminhar do contexto histórico que compreende a segunda metade do

século XX indica modificações no contexto familiar e na forma desta educar seus

filhos, passando de um sentido moral, os bons costumes, ao sentido psicológico, ou

seja, a valorização da saúde emocional; da tradição e sabedoria, ao conhecimento

técnico-científico; do acatamento das normas coletivas, à valorização do eu

individual, da idiossincrasia (CALDANA, 1995).

Não só a família, mas também a escola começam a mudar seu foco de

interesse em relação à educação da infância. Durante os anos cinquenta, a atenção

dos professores se volta às necessidades afetivas da criança, ao papel do professor

frente a essas necessidades.

Preocupações que se deram junto às teorias de Montessori, Piaget e, mais

tarde, Vigotski, com crescente interesse pelo conhecimento do desenvolvimento

cognitivo e pela evolução da linguagem na decorrência da vida da criança

(KRAMER, 1987).

44

Entretanto, na prática, as políticas públicas de atendimento à infância

percorrem uma perspectiva assistencialista predominante, demonstrando uma

fragmentação do conceito de criança, ficando, sua educação, atribuída à

responsabilidade de diferentes órgãos, em que:

O quadro do atendimento à criança no Brasil é constituído por uma rede, cheia de meandros, que envolve três diferentes ministérios: o da Saúde, o da Previdência e Assistência Social e o da Educação, além do Ministério da Justiça, nos casos de menores infratores. Na história desse atendimento percebe-se como é constante a prática de criar e extinguir órgãos burocráticos com função de controle, o que acarreta a superposição do atendimento e redunda na existência de órgãos diversos com as mesmas funções. Essa multiplicação do atendimento não é um problema meramente organizacional ou de caráter administrativo. Ela expressa, sobretudo, a forma estratificada com que a criança é encarada: o problema da criança é fragmentado e pretensamente combatido de forma isolada, ora atacando-se as questões de saúde, ora do „bem estar‟ da família, ora da educação (KRAMER, 1992, pp. 90-91).

Maranhão (2000) declara alguns avanços da legislação interligados ao

período da fase higienista, entretanto, destaca, também, alguns equívocos aos

cuidados com a saúde, os quais criaram ambiguidades no papel da creche referente

a esse tema.

O cuidado, visto apenas como função higienista da saúde, era cobrado da

família pela escola como ato de cuidar, refletindo em impasses e conflitos na

relação creche e família.

As diferenças entre crianças pobres e ricas na educação infantil ainda

continuaram com nomenclaturas como creches e pré-escolas, em um consequente

desenvolvimento, tanto na escola quanto na família:

Enquanto que as crianças pobres eram atendidas em creches com propostas que partiam de uma idéia de carência e deficiência, as crianças mais ricas eram colocadas em ambientes estimuladores e consideradas como tendo um processo dinâmico de viver e desenvolver-se (OLIVEIRA et al, 1992, p.21).

No intuito de compensar as acentuadas diferenças, institui-se, em 1964, a

Fundação do Bem Estar do Menor (FUNABEM). O objetivo era de equalizar as

oportunidades educacionais em termos quantitativos e qualitativos entre as classes

sociais.

45

Desperta-se, assim, uma educação pré-escolar para o preparo da

escolarização, centrados no combate à “marginalização cultural” que se encontrava

a criança pobre em desvantagem ao próspero currículo oculto pertencente à criança

de classe média e alta (FERRARI, 1982).

Os anos setenta destacam a lei nº 5.692, de 11/08/71. Seu artigo 19,

parágrafo 2º reafirma que: “Os sistemas de ensino velarão para que as crianças de

idade inferior a sete anos recebam conveniente educação em escolas maternais,

jardins de infância e instituições equivalentes” e; o artigo 61: “Os sistemas de ensino

estimularão as empresas que tenham em seus serviços mães de menores de sete

anos a organizar e manter, diretamente ou em cooperação, inclusive com o Poder

Público, educação que preceda o ensino de 1º grau”.

Essa legislação recebeu inúmeras críticas por apresentar superficialidade no

tratamento infantil e dificuldade na prática de sua realização, já que não houve um

programa mais específico para estimular e fiscalizar as empresas na criação das

instituições infantis, revelando o descaso do Poder Público em estabelecer princípios

legais que tratassem desse âmbito:

Fica patente a falta de compromisso do Poder Público com a educação infantil, pois os verbos „velar‟ e „estimular‟ nada representam em termos de dever do Estado. Às vezes se fundem a legislação educacional e a trabalhista, estabelecendo-se em lei da educação obrigações das empresas em relação à educação infantil (FONSECA, 1988).

Entretanto, caracteriza, ainda na década de setenta, o aumento de pesquisas

referentes ao desenvolvimento infantil junto às propostas pedagógicas baseadas em

teorias educacionais, psicológicas e sociais, aumentando “a consciência social

sobre o significado da infância e a concepção de criança como sujeito ativo da

construção de seu conhecimento, o que reclama maior e melhor atendimento à

criança pequena” (SOUZA, 2000, p.17).

Assim, realiza-se um movimento ao atendimento da infância, o crescente

aumento do número de vagas na educação infantil ficou evidente, no entanto, não

atendia, também, a crescente demanda, da qual o poder público a refugia no

incentivo do atendimento assistencialista de baixo custo e de recursos comunitários

como „mães crecheiras‟, „lares vicinais‟, „creches domiciliares‟ ou „creches lares‟

(OLIVEIRA, 2002).

46

O atendimento à infância se explicita, então, como educação, a partir da

Constituição Federal de 1988, declarando-o como dever do Estado prover a todas as

crianças o direito às creches e pré-escola.

O direito não significava o dever e, assim, na existência menor de instituições

e maior de crianças, as matrículas eram selecionadas: “Era uma seleção da miséria

entre as misérias” (HADDAD, 1991, p. 36).

Sayão (2010), ao pesquisar o tema educar e cuidar na educação infantil,

afirma que a Constituição de 1988 trouxe a infância para o campo da educação,

esse deslocamento produziu um movimento de superação histórica da visão

assistencialista e manteve, segundo Khulmann Jr. (1998), a esperança de resolução

do problema em curto prazo, passando a educação a ser redentora dos malefícios,

estigmas e preconceitos do atendimento da infância em nossas creches.

A autora (SAYÃO, 2010) ainda reflete que esse processo histórico sujeitou as

dimensões fundamentais da educação da infância, colaborando para que os

cuidados e a assistência fossem secundarizados, simplificados em benefício à

chamada ação educativa.

Esse fato importou à educação infantil um modelo escolarizante, renovando a

baixa qualidade da educação das crianças pobres, uma polarização entre

assistência e educação que produziu oposição entre a função de guarda e proteção

e a função educativa, incompatibilizando-as.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é criado em 1990, com a

incumbência de fiscalizar e garantir o cumprimento dos direitos da criança à

educação. Em seu texto legal, o termo “guarda”, muito utilizado nos documentos das

políticas educacionais e nos textos acadêmicos da década de oitenta, foi substituído

por cuidado e associado ao educar (MONTENEGRO, 2001).

Essa modificação passa “a designar novas funções para a educadora e um

objetivo para a creche, que apresentou alguns sentidos como a proteção física da

criança, o serviço complementar à família e a atenção à individualidade"

(ROSEMBERG, 2001, p. 35).

Assim, como já assegurado o direito da criança à educação infantil na

Constituição de 1988 e reafirmado junto ao Estatuto da Criança e do Adolescente

(ECA), sanciona-se em 1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

47

(LDBEN), com o objetivo de traduzir o direito em diretrizes e normas para a

educação infantil.

Esta lei veio propor, à educação infantil, objetivos, organizações flexíveis de

funcionamento e de práticas pedagógicas, além do discutível e relevante tema da

formação docente, entretanto, seu percurso revela um longo caminho a ser

percorrido, como o destacado:

Tal inclusão da creche no sistema de ensino requer investimentos em educação permanente e nas condições de trabalho de seus educadores. Requer ainda repensar o modelo internalizado pelos educadores sobre o que é uma instituição escolar para a faixa etária de 0 a 6 anos. Para muitos este deve aproximar-se de um modelo [antiquado mas em muitos lugares ainda não ultrapassado] de ensino fundamental com a presença de rituais [formaturas, suspensões, lições de casa], longos períodos de imobilidade e de atenção a uma única fonte de estímulos. Mas a creche envolve novas concepções de espaço físico, nova organização de atividades e o repensar rotinas e, especialmente, modificar a relação educador-criança e a relação creche-família (OLIVEIRA, 2002, p. 82).

A relação educador-criança destaca o binômio educar e cuidar que, marcada

pelo histórico-cultural, dicotomiza-se na conflituosa tentativa de superação do

caráter assistencialista histórico da educação infantil ao caráter pedagógico.

O cuidar na educação infantil se remete a um estigma muito maior na história

da colonização brasileira, do qual Sayão (2010) afirma que, a herança da

escravidão se refletiu em descendências de baixa escolarização, restando-lhes,

como única atividade alternativa, o cuidar das casas e dos filhos da classe

privilegiada economicamente.

Processo que se renova na desvalorização de profissões atuais como babás,

domésticas e outras profissões consideradas femininas do qual a creche tanto

conhece essa realidade na relação educar e cuidar e, família e escola que tomam o

imaginário social de que, basta gostar de criança, ter vocação, jeito, para atuar na

educação infantil.

Neste contexto conflituoso, emerge uma compreensão de um cuidar na

relação educador e criança que objetive:

uma ação cidadã, onde educadores, pessoas conscientes dos direitos das crianças, empenham em contribuir favoravelmente ao crescimento e desenvolvimento das crianças. O cuidar é visto aqui como uma prática pedagógica e como forma de mediação, que se constitui pela interação através da dialogicidade e quer possibilitar à criança leituras da realidade e apropriação de conhecimentos (WEIS, 1999, p. 108).

48

Um cuidado que “contribua para o processo de desenvolvimento de pessoas

não apenas autônomas, mas também sensíveis às necessidades do outro”

(MONTENEGRO, 2001, p. 97) e se traduza na conscientização do sentido de que:

ao afirmar-se a construção social da infância não se está apenas a declarar que a infância é um produto da história e não da natureza – (...) mas ela é um objeto (e também sujeito) da sua contínua construção. Este não é um aspecto inacabado, mas um processo contínuo de investimento de papéis sociais para as crianças, de elaboração de sistemas representacionais, crenças e imagens sobre o que é ser criança e de determinação de identidades coletivas para a geração. (SARMENTO, 2001, p. 14-15).

Este processo contínuo requer uma construção de infância desenvolvida na

dialeticidade da relação educador e criança, promovida pelo binômio, indissociável,

do educar e cuidar, bem como, também, pela relação escola e família. Relações que

possam privilegiar o planejamento de atividades produtoras de espaços e tempos

favoráveis ao desenvolvimento da infância nas escolas de educação infantil.

1.3 - Educar e cuidar: uma relação complementar

No bojo histórico da educação infantil, diversos objetivos foram, ao longo do

tempo, incorporando-se na função das escolas da infância, aliados ao contexto

social brasileiro.

Ideias como atendimento à mãe trabalhadora, prevenção de futuro fracasso

escolar das crianças mais pobres, entre outras ideias assistencialistas, reuniram

concepções de cuidado e educação que atendessem a esses objetivos destacados,

criando ambiguidades no decorrer da história do desenvolvimento infantil.

Entretanto, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Resolução

CEB no 01, de 07 de abril de 1999, artigo 3o, inciso III, estabeleceu que as propostas

pedagógicas para a educação infantil devem promover “práticas de educação e

cuidados que possibilitem a integração entre os aspectos físicos, emocionais,

49

afetivos, cognitivo-linguísticos e sociais da criança, entendendo que ela é um ser

completo, total e indivisível”.

Assim, a legislação concebe para a educação infantil a articulação

indissociável entre o educar e cuidar nas práticas pedagógicas junto à infância.

Práticas de ações que permitam unir aspectos relacionados à saúde,

segurança, afeto, alimentação, brincadeira, interação, autonomia, sensibilidade,

entre outras características que possam destacar-se nas atividades infantis como elo

entre a indissociabilidade desse binômio, como função básica da educação infantil.

Entretanto, o registro legal do binômio educar e cuidar não tem se mostrado

suficiente para resolver a polemização deste tema e, isto, tem se revelado nas

ambiguidades, nos conflitos, nos confrontos das relações profissionais da infância,

na organização escolar envolta ao tema, na relação de complementaridade entre

família e escola e, até, nas construções de políticas públicas.

É objetivando estudar esses desentendimentos que esta pesquisa se

justifica, adentrando ao tema por meio de enfoques sociais, históricos, culturais, na

intenção de compreender as dificuldades postas à prática contemporânea deste

binômio, que consiste na importância de ser a espinha dorsal da proposta da

educação da infância.

Podem-se registrar nesse objetivo, a partir de um recorte da história brasileira,

de colonização e escravidão, os resquícios de uma dicotomia entre educar e cuidar

pertencentes às marcas históricas de desvalorização de quem cuida, estabelecida

na relação de servidão, de escravidão. “Ou seja: cuida quem não aprendeu a fazer

outra coisa ou não teve escolha (quem é servo ou escravo). O ato de cuidar aparece

relacionado a uma tarefa menor, sem prestígio ou reconhecimento”. (KRAMER,

2005, pp. 56-57).

Nesse embate, pensando nas organizações cindidas que se estabeleceram

historicamente, as instituições de atendimento à infância, ora pelo cuidar higienista,

assistencialista, ora pelo educar escolarizado, hierarquizado, Kramer (2005, p. 62)

parafraseia Carlos Drummond de Andrade e pergunta: “educar/cuidar é uma rima,

mas será uma solução? Terá sido uma solução para resolver problemas de

fragmentação e da divisão social do trabalho dentro das creches e escolas?”.

Parece que a história tende em ressaltar a rima, pois, ao que se remete a

solução, ainda se confronta com organizações político-administrativas que dividem o

50

trabalho entre creche e pré-escola, entre salários e cargas horárias de trabalho

desiguais dos educadores (monitores, agentes de desenvolvimento infantil,

professores), entre confrontos relacionais de profissionais da infância, entre relações

de desentendimentos de família e escola, entre submissão de um modelo

escolarizado e hierarquizado do ensino fundamental.

A relação educar e cuidar ainda pode ser estabelecida numa cisão maior,

numa cisão humana que se resulta no mundo contemporâneo, ocidental, capitalista,

onde se destaca a questão: será mesmo o cuidar uma especificidade apenas da

educação infantil ou se relaciona ao educar numa abrangência humana? “Quando

na universidade, uma aluna está deprimida, o professor faz de conta que não vê que

a moça de 28 anos está sofrendo? Ou chama para conversar, leva para tomar um

café, orienta?” (KRAMER, 2005, p. 63).

Obviamente uma criança exige cuidados diferentes de um adolescente,

adulto, mas, a dimensão do cuidar se estende a todas as faixas etárias.

O cuidar não é específico da educação infantil e não se limita ao corpo, aos

hábitos de higiene e saúde (KRAMER, 2005).

A autora cita outros tantos exemplos de cuidado que envolvem crianças,

adultos, pais, professores, funcionários de escola, mestrandos, doutorandos..., aos

quais não se pode ser dito: “Não, deles eu não cuido, só cuido na educação infantil!

Assim, (...) educar não engloba cuidar?” (Ibidem, p. 63).

Kramer (2005, p. 65) destaca que, a relação racional do estudo da Pedagogia

contemporânea que é “voltada para o ensino e o trabalho com ideias, não sabe lidar

com a materialidade do corpo”, não engloba o cuidar como educar.

Desta forma, a relação de educar e cuidar tem marcado uma relação

dicotomizada, diferenciada através da ideia estabelecida a partir do gênero,

distribuindo tarefas entre masculino e feminino, de forma a cindir este binômio:

As dificuldades de abordar o tema do dia-a-dia das instituições decorrem de fatores sóco-históricos relacionados a questões de gênero, numa sociedade capitalista-urbana-industrial-patriarcal marcada pela dicotomia corpo/mente. A hipótese é a de que o binômio educar e cuidar, em realidade, expressa e revela essa dicotomia (...) o divórcio entre corpo e mente, do qual decorre o divórcio entre razão e emoção – que em última análise, revela a cisão básica entre cultura e natureza na sociedade ocidental (KRAMER, 2005 p. 67).

51

Atualmente, segundo a autora, encontramos esta cisão nas organizações

hierárquicas “na disputa por quem realiza a dupla função da educação infantil, as

professoras se encarregariam de educar (a mente), e as auxiliares, de cuidar (do

corpo)" (KRAMER, 2005, p. 69).

Essas dicotomizações revelam que a história contemporânea da cisão do

educar e cuidar advém de uma parte maior da História da Humanidade e podemos

localizá-la em seus primórdios na História da Civilização Ocidental:

O cuidar é o pólo do desprestígio porque está relacionado à emoção, e não à razão, e, ademais, às mulheres, que – de acordo com a tradição greco-romana e, depois, a tradição judaico-cristã – seriam inferiores aos homens. Assim, a cisão entre educar e cuidar seria a expressão, no restrito campo da educação infantil, da cisão maior entre razão e emoção, uma das marcas fundamentais da sociedade ocidental (KRAMER, 2005, pp. 71-72).

Kramer (2005) assinala a oposição entre razão e emoção desde Platão, a

emoção, tida como pouco produtiva aos processos de conhecimento, marca

oposição à razão, faculdade indispensável, valorativa à compreensão da realidade.

Consequentemente, emoção se junta ao campo do irracional, do físico, do

natural, do particular, do privado, do feminino. Já, a razão, destaca-se ao campo

mental, cultural, universal, público, masculino.

Razão e emoção ao serem colocadas no contexto capitalista, aliado à ciência,

dicotomizaram-se, marcando, segundo Kramer (2005), papéis distintos na sociedade

positivista, técnico-científica, industrial.

As mulheres, demarcando cada vez mais a entrada no mercado de trabalho,

ameaçaram a ordem patriarcal, da qual a ciência tentou harmonizá-la pelo

reconhecimento de diferenças anatômicas, fisiológicas, antropológicas e,

psicológicas das mulheres que se aproximavam dos “primitivos e das crianças”.

Assim, às mulheres, coube a ordem natural que é a biológica, da reprodução e, aos

homens, também seguindo a ordem natural, couberam a inteligência e a força física

(Ibidem, 2005).

Paralelamente a esta explicação científica, outras, no mesmo âmbito,

justificaram a hierarquização entre os colonos e colonizados. Desenhando o mundo

entre as diferenças de classe, sexo, raça, guardando valores ainda atuais, pois:

52

É nesse quadro, ainda atual, que muitas vezes são interpretados os

depoimentos em que as professoras de educação infantil falam de amor, de

afeto pelas crianças (...) Apesar de comum, esse tipo de argumentação é

frequentemente rejeitado por pesquisadores, que não admitem categorias

derivadas do subjetivismo ou da diferença entre os sexos (...) A rejeição dos

pesquisadores varia de uma associação das mulheres ao pólo de menor

valor (KRAMER, 2005, pp. 75-76).

Kramer (2005, p. 76), ao refletir sobre o cuidar na diferenciação dos sexos,

redimensiona-o para além do lócus da educação infantil, configurando-o na

“sociedade ocidental, moderna, capitalista, urbana, industrial, patriarcal”, na qual o

“cuidar é uma atividade regida pelas mulheres tanto no âmbito do mercado quanto

da vida privada” (TRONTO, 1997, apud Kramer, 2005, p. 189).

No entanto, o cuidar, mais que estabelecido como menor valor, é a divisão

que a sociedade lhe confere:

Os homens se dedicam e se preocupam com coisas mais importantes, isto é, com dinheiro, com o seu trabalho, com a carreira, com o que diz respeito ao mundo público. As mulheres se preocupam com o que teria menos importância, ou seja, que está relacionado à esfera do privado: a organização da casa, o cuidado com a alimentação e a higiene dos filhos, a saúde e o conforto da família. Podemos, em síntese, dizer que os homens cuidam das coisas, as mulheres cuidam das pessoas (KRAMER, 2005, p.

76, itálicos meus).

Couberam, desta forma, à mulher, no percurso social da história, a emoção e

a natureza, permeadas pelo biológico da condição de geradora da espécie. “E,

mesmo considerando que essa situação lhes foi imposta socialmente, não é possível

negá-la, nem desconsiderar suas implicações, negativas ou positivas” (Ibidem, p.

77). A reflexão que se estabelece no contemporâneo é que:

Hoje o feminino não é mais nem Outro nem o Mesmo do masculino, ele não é tampouco essência ligada a uma natureza imóvel, mas experiência ligada a uma Natureza histórica, em devir. O feminino ingressa assim num espaço de liberdade, onde seria mais justo falar do não–concebido que da ausência de um conceito. A liberdade do feminino para definir-se nos tempos vindouros não se referirá à natureza como essência, mas como experiência. Não negará o lugar corporal, primordial, a partir do qual ela vive e pensa o mundo. Não negará o passado, a cultura feminina que mendrou à margem do mundo dos homens, mas tampouco a aceitará como álibi à exclusão e ao confinamento (OLIVEIRA, 1992, apud, KRAMER, 2005, p. 78).

Na valorização da experiência histórica feminina, sem a ilusão do

esquecimento, da imposição, da subordinação de uma sociedade patriarcal,

53

capitalista, cabe refletir que: “desconstruindo” os elementos que remetem ao

menosprezo do cuidar, encontra-se o limiar de um “desafio para um projeto de

formação de educadoras que [visem] enfatizar a importância do cuidar” (KRAMER,

2005, p. 78).

Um projeto de cuidar que diga respeito ao ser humano enquanto existência,

um projeto ontológico6, na dimensão de que Educação é o cuidar da continuidade da

espécie, da melhoria da espécie, da vida da espécie humana.

Todavia, vale ressaltar a questão: “Como ter cuidado e aprender a cuidar

numa sociedade que não cuida da natureza, das outras espécies nem da própria

espécie, que destrói em função dos objetivos do capital?” (KRAMER, 2005, p. 81).

Estamos no tempo da lógica do capital, o tempo do ter, do ser em função do

ter, das desigualdades na distribuição dos bens planetários, onde seres humanos

passam fome, a natureza é explorada e destruída e, tudo é justificável, todas as

justificativas neoliberais se encaixam na lógica do capital.

Nessa lógica, “o cuidado foi privatizado, vinculado a circunstâncias

particulares, ofuscando a necessidade de um compromisso de cuidar de todos, do

conjunto dos seres, humanos e não-humanos – enfim, de tudo que compõe a

biosfera” (Ibidem, pp. 81-82).

Assim, segundo Tronto (1997, apud KRAMER, 2005, p. 82) “na sociedade

moderna, em que a troca mercantil permeia todas as relações sociais, os próprios

interesses são colocados em primeiro plano e dificultam a percepção e a

preocupação com as necessidades do(s) outro(s)”.

Mas de onde e como se instituiu essa relação mercantilista que impera sobre

a vida?

Segundo Paiva (2010, p. 8), até o século X, a sociedade poderia ser

classificada como relativamente homogênea, “caracterizada pelas relações

pessoais, numa formatação cristã”. Entretanto, com o surgimento do comércio, os

fundamentos dessa convivência se alteram e caminham para a experiência

mercantil, “provocando, destarte, uma mudança que lentamente transformou toda a

civilização”.

Paiva (2010) questiona sobre os objetivos do mercador ao mercar, a resposta

é óbvia, o lucro, o mercador visa o lucro para si, o que se transforma em plural, os

6 “Ontologia é a parte da filosofia que trata do ser enquanto ser, isto é, do ser concebido como tendo

uma natureza comum que é inerente a todos e a cada um dos seres”(FERREIRA, 1975, p. 1007).

54

mercadores visam o lucro para si e, assim, sucessivamente a sociedade vai

contraindo esta experiência mercantil que a desenha como apartados:

O lucro, o mercador o busca para si, não mais para a comunidade, dela se distanciando. Isto fere a forma afetiva de convivência, em que a pertença ao grupo determinava o entendimento e a reprodução da realidade. Isto induz à separação, quebrando a unidade do corpo social, instituindo o individualismo. Esta prática repercute nas relações sociais, os interesses do mercador dando nova forma à convivência. A prática de realização do seu interesse, agora distinto do interesse comum, o vai convertendo em separado, em indivíduo (PAIVA, 2010, p.8).

É por meio deste panorama que a sociedade se transforma através do

distanciamento, as pessoas se tornam indivíduos, aqueles que não se dividem, “a

pessoa humana se esvazia daquilo que caracterizava as relações, o afeto, travando

doravante com os demais membros uma relação tática, artificial, funcional,

instrumental, estratégica” (PAIVA, 2010, p. 9).

Tomando experiências com o mercantilismo, a pessoa se torna indivíduo,

perdendo suas qualidades, singularidade. “É preciso salientar que essa nova

percepção se realiza em tudo que o indivíduo toca: pessoas ou coisas. Desaparece

o laço de pertença ao mesmo uno” (Ibidem, p. 9).

Tanto as pessoas como as coisas passaram a ser visadas pela

mercantilidade, esvaziaram-se. A arte da retórica impôs àquelas a necessidade da

compra e, a essas, as qualidades, o custo, a serventia, a conservação; a redução do

significado de pertença se abre nas possibilidades da relação mercantil, de

mercadoria, compra, venda, lucro, extinguindo os laços de afeto. Assim:

O mercador aprende a calcular: joga com variáveis sem número, tentando estabelecer um caminho que lhe permita o sucesso. Seu pensar se converte em instrumento de organização das variáveis. Deixa de ser entendimento por afinidade. O mundo desassossegado da mercancia desfaz a unidade do corpo social, as partes se distanciando umas das outras, fazendo-se absolutas. A segurança urge a necessidade de combinar o que está espalhado. O pensar se transforma em cálculo, o entendimento cede lugar à razão. Razão vem de ratio, vocábulo latino que significa precisamente cálculo. A racionalidade é a conversão do entendimento por afinidade em instrumento de combinação das variáveis dissociadas umas das outras. A razão se põe como o novum organum do entendimento humano, atuando à distância e feito instrumento. A razão se tornou um transformador do real, um novo nome para designar o pensar mercantil. A razão não dá conta da participação: busca o controle, numa atitude tipicamente de distância. Inventa o sujeito e o objeto, a comunhão desfeita. O distanciamento, que a prática mercantil instalou, levou à divisão do uno, não só das coisas, mas do próprio eu (PAIVA, 2010, p. 11).

55

Uma experiência que vai se convertendo na cisão humana, no individualismo,

no racionalismo e se estende a todas as relações pessoais, pautando-se nos

princípios mercantis, “atravessando a religião e as demais instituições, criando novos

padrões de comportamento, novos valores, novos ideais, nova linguagem, novos

hábitos, nova organização social” (PAIVA, 2010, p. 11).

Fundando, desta forma, a civilização européia nos meados do século XI e,

expandindo-se, com maior aprimoramento, ao contemporâneo.

O tempo do cuidar não é o “tempo do mercado, dos negócios, cujo objetivo é

a acumulação e que imperam as lógicas da competência, da eficácia, da

competitividade. O cuidado está pautado na necessidade do outro” (Kramer, 2005, p.

82).

Assim, “para cuidar, é necessário um conhecimento daquele que necessita de

cuidados, o que exige proximidade, tempo, entrega” (KRAMER, 2005, pp.82-83).

Nessa medida:

Cuidar é uma ação/atividade que afeta tanto quem cuida como quem é cuidado. Vêm daí, provavelmente, o profundo envolvimento e a satisfação das profissionais de educação infantil com o seu trabalho: a relação estreita com as crianças e a atenção e o afeto que dedicam a elas provocam respostas infantis que funcionam como elementos realimentadores, mobilizadores, transformadores de si próprias, de sua subjetividade (Ibidem, p. 83).

A vida mercantil, na qual o objetivo se situa na acumulação de bens materiais,

comporta a base da divisão de papéis sociais pautados na diferença sexual. Fato

que admite que a mulher tenha a herança histórica da sensibilidade do saber cuidar,

o que incorre no pensar na possibilidade de uma reorganização de “instituições,

movimentos políticos e sociais que assumam o cuidar como fundamental à

totalidade das espécies e à sobrevivência do planeta” (Ibidem, p. 84), exigindo a

superação de:

uma ideologia em que “o cuidado foi difamado como feminilização das práticas humanas, como empecilho à objetividade na compreensão e como obstáculo à eficácia” e que o cuidado fosse assumido como atividade que “permite ao ser humano viver a experiência fundamental do valor, daquilo que tem importância e que definitivamente conta. Não do valor utilitarista, mas do valor intrínseco às coisas” (BOFF, 1999, apud KRAMER, 2005, p. 84).

56

De acordo com Kramer (2005, p. 86), a cisão do educar e cuidar na educação

infantil expõe o desafio que

nos levam também a investigar e questionar as bases de uma cosmovisão que nos impõe divórcios e modela as relações e os espaços educacionais. Religar o que foi historicamente divorciado, articular razão e emoção, corpo e mente, trabalho e prazer, cuidado e educação... Esses são desafios fundamentais na luta por uma nova sociedade planetária, fundada no cuidado e no amor entre os humanos, isto é, no respeito às características físicas e emocionais de cada pessoa e à diversidade cultural dos povos. E, igualmente, no cuidado e no amor à natureza, no respeito à biodiversidade, buscando superar o divórcio fundamental da modernidade – entre ser humano e natureza – e a cultura antropocêntrica que o constitui.

O desafio do contemporâneo se remete, em particular, ao desafio da

construção de um projeto de educação infantil como instância maior de educação e

cuidados inerentes à espécie humana, na qual a contramão da história da mulher

marque positivamente uma experiência secular de sensibilidade ao tema.

Um projeto que envolva uma relação de complementaridade entre família,

escola e comunidade, a partir do binômio educar e cuidar, que amplie as

possibilidades de desenvolvimento integral da infância, a criança como um todo, um

ser integrado de corpo e mente, de razão e emoção, com direito à educação e

cuidados que respeitem suas especificidades e caminhem para seu

desenvolvimento.

Ações que articulem o binômio educar e cuidar, envolvendo um projeto entre

homens, mulheres e crianças, organizados por meio da instância da educação

infantil em prol do desenvolvimento integral da infância, do cuidar da espécie

humana se estendendo a toda natureza.

57

CAPÍTULO 2

O PROFESSOR DE EDUCAÇÃO INFANTIL E SEU PROCESSO DE

FORMAÇÃO

Aprender é sempre adquirir uma força para outras vitórias, na sucessão interminável da vida (MEIRELES, 2001, p. 64).

Este capítulo se faz na intenção de refletir sobre a formação do professor de

educação infantil. Ele não traz uma linearidade histórica, mas analisa as

contradições e ambiguidades das especificidades docentes.

A formação do professor de educação infantil compõe um tema que se detém

entre entendimentos e desentendimentos de uma prática voltada à cisão do educar

e cuidar, consequentemente, da relação família e escola, em geral, de como

proceder com a finalidade do desenvolvimento integral da infância.

Para compreender as ambiguidades do processo de formação inicial do

professor de educação infantil, a discussão proposta nesse capítulo parte da

reflexão da pesquisa de Bonetti (2004) sobre documentos educacionais oficiais que

tratam das especificidades da formação deste professor após a Lei de Diretrizes e

Bases Nacional (LDBEN/1996).

Os documentos, segundo a autora, avançaram no reconhecimento da

existência de especificidades do educar e cuidar, todavia, estas especificidades se

constituíram, legalmente, na adaptação, secundarização, subordinação, enfim,

subjugação da educação infantil em relação ao ensino fundamental. O primeiro

pautado no modelo do segundo nível de ensino, ou seja, a educação infantil

modelada pela escolarização do ensino fundamental.

58

O texto discorre, também, sobre o tema da formação continuada, entendendo

que a formação do professor de educação infantil não se limita à formação inicial,

mas percorre a necessidade da reflexão contínua de sua profissão.

. A consciência da construção do saber fazer na investigação do fazer, no

diálogo coletivo, na união da prática e da teoria, remontam um conceito de formação

continuada de professores que destaca o contexto escolar e envolve um campo de

possibilidades de construções das especificidades do professor de educação infantil,

ao mesmo tempo em que destaca seus desafios.

2.1 – Especificidades da docência da Educação Infantil e

Formação Inicial

A trajetória da educação infantil brasileira se apresentou em avanços e

retrocessos advindos de um entendimento de infância que caracterizou a criança,

desde um ser dependente de cuidados, um “vir a ser”, caminhando para a

concepção de criança como sujeito da sua história, produtora e consumidora de

cultura que se apresenta como cidadã a partir de seu presente, um sujeito de

direitos.

Essas concepções foram modelando não só a forma de ver a criança, de

interpretá-la, mas, também, a forma de como agir diante dela, com ela, para ela.

Assim, a educação infantil foi sendo encaminhada, tendo como parâmetro, as

construções sociais do conceito de infância.

A formação docente também seguiu esse contexto social, admitindo, desde

profissionais sem nenhuma formação na área, a outros com exigências de cursos

específicos para a atuação junto à infância.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN/1996), em seu

artigo 29, reconhece a educação infantil como: “primeira etapa da educação básica,

tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade,

59

em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da

família e da comunidade.”

Desta forma, também o tema da formação de professores foi encaminhado

legalmente no artigo 62 da LDBEN: “A formação de docentes para atuar na

educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação

plena, em universidades e institutos superiores de educação, admitida, como

formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro

primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade

Normal.”

Estes encaminhamentos legais marcam o reconhecimento do atendimento da

infância como educação básica, principalmente no que se diz respeito à formação de

professores, pois, anterior a esta lei, pouco se tinha constituído ao tema que o

direcionasse ao campo da educação, o que o torna uma preocupação ainda recente

e muito desafiante.

Contudo, mesmo no decorrer legal, a verba destinada à educação infantil e

repassada, através da descentralização estatal, aos municípios, continua

impactando a desvalorização dos professores por meio de baixos salários e de

subdivisões do trabalho docente, com nomenclaturas diferenciadas dos profissionais

que integram os quadros de professores (professores de educação infantil,

professores de pré-escola, monitoras, agentes do desenvolvimento infantil) que,

dividem-se no atendimento integral ou parcial ou, ainda, nas faixas etárias das

crianças de 0 a 3 anos e de 4 a 5 anos (creche e pré-escola).

As décadas de 80 e 90 marcaram um crescente número de atendimento à

infância. No final da década de 80, com a Constituição Federal de 88, reconhecendo

a educação infantil como direito à infância e, na década de 90, com o Estatuto da

Criança e do Adolescente, além da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,

de 1996.

Assim, proclamou-se legalmente a educação infantil, documentando suas

especificidades, também, para a formação de seus profissionais.

Bonetti (2004), revendo esta documentação, realizou uma pesquisa de

mestrado intitulada: A Especificidade da Docência na Educação Infantil no âmbito de

Documentos Oficiais após a LDB 9394/1996, na qual analisa o tratamento da

formação do professor de Educação Infantil.

60

Os documentos se referem aos Referenciais para a Formação de Professores

(1998), a Proposta de Diretrizes para a Formação Inicial de Professores da

Educação Básica em Curso de Nível Superior (2000) e o Parecer do Conselho

Nacional de Educação nº 009/2001.

Nas análises dos documentos, Bonetti (2004) revela a existência do

reconhecimento de uma especificidade do professor de educação infantil que se

remete ao educar e cuidar, entretanto, essa se traduz em uma adaptação da

docência do ensino fundamental, ficando, desta forma, a formação inicial desse

professor, também subordinada à docência do ensino fundamental e, as

especificidades da educação infantil, secundarizada e adaptada a este nível de

ensino.

A autora revela que a adaptação das especificidades do professor de

educação infantil ao modelo do ensino fundamental parte de uma concepção de

dependência da criança em relação ao adulto e do reconhecimento de sua

capacidade de aprender “desde que seja encontrada a forma certa” (BONETTI,

2004, p. 140).

Fato que transgride e denuncia uma distância da concepção de crianças

como sujeitos que “possuem um olhar crítico e maroto que vira pelo avesso a ordem

das coisas, subvertendo essa ordem” (KRAMER, 2003, p. 91), assim, as crianças

produzem cultura ao mesmo tempo em que nelas são produzidas.

A aprendizagem infantil nesta abordagem necessita da construção de

conhecimentos significativos à infância e não de mera transmissão adaptada, como

pronunciam os documentos analisados por Bonetti (2004), um currículo que

“transporta de cima para baixo o modelo do ensino fundamental para crianças de 0 a

6 anos” (BONETTI, 2004, p. 141).

O estudo de Bonetti (2004) permite adotar como positivo, na expressão dos

documentos, o reconhecimento do professor como profissional da primeira etapa da

educação básica, contudo, estes mesmos documentos estabelecem a especificidade

docente para a educação infantil a restringindo “ao ensino de conteúdos e às formas

de ensiná-los às crianças menores de 6 anos, defendendo a necessidade de uma

formação articulada entre os professores das três etapas da educação básica”

(Ibidem, pp. 95-96).

61

Desta forma, na consideração dessa articulação, vem ocorrendo a

subjugação da educação infantil em relação ao ensino fundamental, níveis

educacionais que se diferenciam em suas especificidades.

Oliveira-Formosinho (2002) atribui alguns aspectos da singularidade da

docência da infância que permitem ampliar a visão de suas especificidades como: o

reconhecimento da necessidade da articulação escola e família, no reconhecer das

dependências das crianças às suas famílias, ao mesmo tempo em que se reconheça

as competências sociopsicológicas das crianças.

Um reconhecimento que se estenda à prática do educar e cuidar de forma

integral e possa contar com profissionais de diferentes áreas que se integram à

educação infantil, através dos saberes de suas áreas e dos afetos necessários à

educação da infância.

As especificidades da educação infantil vão além dos documentos,

comprometem-se na caracterização das instituições à infância e, também, do

trabalho do professor em estabelecer uma articulação junto à família das crianças,

cientes dos objetivos e atividades distintas entre ambas, pois, como esclarece

Bonetti (2004, p. 102) “estabelecer uma boa relação com a família está intimamente

ligado com a acolhida da criança e a necessidade de um trabalho articulado”.

Os equívocos e a falta de uma discussão mais acurada que tome como

parâmetro a voz dos profissionais da educação infantil inclui, ainda, nos documentos

analisados por Bonetti (2004), uma separação na função educar e cuidar.

Mesmo os documentos incorporando este binômio, tratam de seus aspectos

de forma separada e retrocedem a antigas práticas tão criticadas da docência da

infância, reforçando uma concepção conteudista e uma lógica de escolarização que

trata a criança como aluno:

O vínculo com a criança é compreendido como possível a partir de dois tipos de atividades: aquelas relacionadas à dimensão lúdica e aquelas relacionadas ao cuidar. Note-se que aqui o cuidar é reduzido à atividade voltada ao atendimento das necessidades de atenção e cuidados com o corpo (higiene, saúde e nutrição). Essas atividades, indicadas apenas no trabalho com crianças de 0 a 3 anos, secundarizam a ideia do cuidado como um direito da criança, uma forma de educá-las e humanizá-las em qualquer idade (BONETTI, 2004, p. 105).

62

Imersa nesta discussão, Bonetti (2004) critica os documentos ao silenciar que

o cuidar, ao se dimensionar como especificidade do trabalho docente, não considera

que sua existência se faz com e pela criança na ação do educar. O cuidar como:

uma atitude que envolve tanto aspectos afetivos/emocionais, quanto cognitivos como pensar, refletir, planejar; ou seja, quando se compreende o cuidar como uma ação racional, estamos considerando que é possível educar para o cuidado (CUNHA e CARVALHO, 2002, p. 7).

Constata-se, nestes documentos, uma ideia de hierarquização da relação

entre quem educa e quem cuida, chegando a marcar a fala dicotomizada de

professores de educação infantil, que “cuidam, mas também educam”, como uma

garantia de importância social do trabalho junto à infância, negando a tomada de

consciência de que todas as ações que envolvem o cuidar são educativas, pois

nelas a criança sempre se estabelece inteira em suas necessidades, “com

possibilidades e saberes em suas relações” (BONETTI, 2004, p. 107).

As marcas históricas que promovem essa dicotomia entre educar e cuidar, do

qual Bonetti (2004) analisa nos documentos sobre a formação de professores,

advêm de uma História maior que ainda podemos chamá-la de contemporânea,

parafraseando a ideia trazida por Croce (1941, apud CARR, 1982), de que toda

história é contemporânea, pois, remete-se ao olhar do sujeito no presente (olhar

presente) sobre o passado, olhar que Kramer (2005, p. 64) nos traz à reflexão de

que:

Só uma sociedade que teve escravos poderia imaginar que as tarefas ligadas ao corpo e a atividades básicas para a conservação da vida seriam feitas por pessoas diferentes daquelas que lidam com a cognição! Só uma sociedade que teve essa expressão máxima da desigualdade, que teve seu espaço social dividido entre a casa-grande e a senzala, poderia separar essas duas instâncias da educação e entender que cuidar se refere apenas à higiene – e não ao processo integrado, envolvendo a saúde, os afetos e valores morais.

Denota-se, através da análise dos documentos sobre a formação do professor

de educação infantil, ambiguidades em suas especificidades, já que as palavras

registradas nestes documentos caracterizam, tanto o professor de ensino

fundamental como o de educação infantil, professores de educação básica, o que

estabelece dificuldades ao:

63

explicitar o reconhecimento e o tratamento dado à especificidade da docência na educação infantil tornou-se, em muitos momentos da pesquisa, uma tarefa desafiadora. As proposições muitas vezes não incluíam essa especificidade, nem tampouco a excluíam. O fato de, na maior parte dos textos, ser utilizada uma forma única para dirigir-se ao professor da educação básica também se tornou uma indicação do tratamento dado à especificidade da docência da educação infantil (BONETTI, 2004, p. 138).

A importância deste estudo, segundo Bonetti (2004), pós a Lei de Diretrizes e

Bases da Educação Nacional (LDBEN/1996), pós uma história complexa da

educação infantil, confere ambiguidades ao declarar, paradoxalmente, referências,

diretrizes e pareceres na formação da docência da infância e isso não é pouca

coisa, um documento: “não é qualquer coisa que fica por conta do passado, é um

produto da sociedade que o fabricou segundo as relações de forças que detinham o

poder” (LE GOFF, 1996, apud BONETTI, 2004, p. 138).

Para a autora, o campo da educação infantil avançou com o reconhecimento

de seus profissionais como professores de educação básica, entretanto, adverte que

esse ganho não é suficiente para demarcar as especificidades destes professores,

as quais carecem de estudos e abordagens que contribuam para importantes

considerações sobre a devida formação do professor da infância.

Considerando a história da Educação, em especial, a história da educação

infantil brasileira, Sayão (2005) ressalta as ambiguidades ainda existentes para o

perfil do professor de educação infantil, suas indefinições e dúvidas.

Características, essas, que Sousa (2003) reconhece na complexidade do

tema e na dificuldade de se estabelecer um currículo que atenda a necessidade da

formação inicial deste profissional.

Ideia da qual Rocha (1999) compartilha e completa esclarecendo que esta

emergência do tema constitui um caminho importante de construção de uma

pedagogia própria da educação da infância.

Todavia, a educação infantil se contextualiza ainda cunhada por resquícios de

uma história que negou a importância da infância e que ao fazer-se,

contemporaneamente, através da ideia de sua importância, remonta-se no tempo e

recai em contradições seculares.

Mas, para além de idas e voltas, as especificidades da docência da infância é

um campo que ainda encontra-se por fazer-se, nas considerações de seus

64

professores, nas pesquisas, nas discussões que envolvam os interessados sob um

olhar atento e crítico.

Neste contexto, o professor de educação infantil ainda se depara com a

desvalorização profissional na precariedade de instalações de espaços físicos, na

falta de um quadro de apoio ao crescente número de crianças por adulto, nos baixos

salários, entre outros fatores que localizam o desestímulo e a desvalorização deste

profissional que “tem consciência clara da precariedade de sua formação profissional

e reclama o direito de capacitar-se, de aperfeiçoar-se” (BITTENCOURT, 2003, p.

76).

Torna-se importante refletir que a educação da infância embasa a

constituição de sujeito social. A docência da infância requer, segundo Campos

(1999), um aprofundamento no conhecimento das fases de desenvolvimento da

criança, de seu contexto social, cultural, de seu processo de aprendizagem.

As especificidades do professor de educação infantil solicitam o

re/conhecimento das funções de educar e cuidar indissociavelmente nas relações

adulto e criança, bem como na parceria entre família e escola, um perfil que exige

estudo e reflexão.

Diante de tantas ambiguidades sobre as especificidades do professor de

educação infantil em sua formação inicial, faz-se necessário considerar que essa

formação não se conclui na graduação, mas se estende na articulação da reflexão

da própria prática deste professor como sujeito de sua própria formação continuada,

considerando seus saberes e suas experiências na educação da infância.

É nesta perspectiva, a da formação continuada de professores como

possibilidade de desenvolvimento profissional em contexto escolar (em serviço), que

esse texto pretende continuar a discorrer, como uma perspectiva, tanto desafiante,

como transformadora que coloca o ser professor como aprendiz a partir da reflexão

de sua própria prática.

2.2 - A formação continuada do professor e a reflexão sobre a

prática

65

A formação continuada, nesta perspectiva, reconhecendo-se como um

desafio, mas, também, como transformadora, torna-se capaz de colocar o ser

professor como aprendiz através da ação da reflexão de sua própria prática.

A profissionalização do professor de educação infantil é um campo vasto que

não se restringe à sua formação inicial, contudo, comporta sua prática, sua

experiência que envolve seus saberes, sua reflexão e marca a aprendizagem

cotidiana nos diálogos junto à infância, à teoria, à família, aos colegas de profissão:

É importante destacar que se entende educação continuada como um processo complexo e multideterminado, que ganha materialidade em múltiplos espaços/atividades, não se restringindo a cursos, e/ou treinamentos, e que favorece a apropriação de conhecimentos, estimula a busca de outros saberes e introduz uma fecunda inquietação contínua com o já conhecido, motivando viver a docência em toda a sua imponderabilidade, surpresa, criação e dialética com o novo (PLACCO e SILVA, 2000, p.27).

A história da formação continuada de professores, como um tempo em que se

garantisse estudos coletivos na própria carga horária de trabalho docente, é uma

conquista, ainda, recente.

Nesta perspectiva, o Horário de Trabalho Pedagógico Coletivo (HTPC)

começou a ser organizado, como atividade escolar, a partir da década de 90. Com a

Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN/1996), o professor teve

assegurado o direito de realizar a sua formação continuada.

Os artigos 61 e 67 desta lei previram para o docente a capacitação em

serviço, o aperfeiçoamento continuado e o tempo para estudos na própria carga

horária de trabalho.

Assim, as reivindicações dos professores conquistaram junto à lei um espaço

coletivo de estudos dentro de suas cargas horárias de trabalho, destacando o

contexto escolar.

Pautado na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN/1996),

parte importante da formação continuada de professores foi organizada em HTPC,

distribuindo-se em hora atividade, conforme a carga horária de trabalho de cada

professor, com reuniões pedagógicas coletivas planejadas por um professor

coordenador em conjunto com o diretor de escola.

Entretanto, a conquista legal de uma formação continuada de professores no

contexto escolar nem sempre tem atendido à expectativa, à necessidade e ao

66

desenvolvimento profissional docente, pois, esta organização, às vezes, tem

ocorrido de forma burocrática, por profissionais que não se reconhecem

responsáveis pela formação continuada dos professores no interior da escola, ou,

através da propagação de projetos pedagógicos prontos, hierarquizados por meio da

“pirâmide” educacional que os introduz na escola, traduzindo-se em insatisfações

dos profissionais envolvidos.

Nesse embate, emerge a necessidade e o desafio de re/significar os HTPCs,

tendo-o como foco de uma importante possibilidade de desenvolvimento do

profissional professor, emerge o “repensar a formação continuada de professores e

adequá-la aos desafios de nosso momento” (CANDAU, 1996, p. 143).

O momento contemporâneo, em que o professor de educação infantil se

encontra, é marcado por um tempo histórico de busca incessante, de renovação de

práticas docentes, de reconstrução frente às novas exigências impostas pelas

complexas transformações como mudanças epistemológicas, sociais e tecnológicas

que levam ao desafio da formação continuada, ao:

conceito de formação associado à ideia de inconclusão do homem, numa “concepção sócio-construtivista: dialética, reflexiva, crítica, investigativa, organiza-se a partir dos contextos educativos e das necessidades dos sujeitos a quem se destina” (PORTO, 2000, p. 11).

Nesse contexto, olhando para os desafios que incorrem os profissionais,

Donald Schön (1997) percebeu, em suas investigações, que, as situações

conflitantes pelas quais os profissionais passavam, não lhes bastavam apenas a

utilização de teorias e técnicas apreendidas para a resolução dos problemas.

O autor desenvolveu, então, o conceito de reflexão-na-ação, na qual os

profissionais desenvolvem um processo de reflexão sobre a prática que: “às vezes

adquirem novas compreensões de situações incertas, únicas e conflituosas da

prática, nem sempre resolvidas” (SCHÖN, 2000, p. 41).

Contrariando a racionalidade técnica, a formação profissional, segundo Schön

(2000), dá-se por meio da reflexão na própria ação, ação que não dicotomiza a

teoria e prática, os meios e os fins, mas, proporciona o conhecer e o fazer de forma

inseparável.

67

Assim, o professor de educação infantil pode, então, refletir na e sobre a ação

de educar a infância, construindo caminhos coletivos para os conflitos e dúvidas de

sua profissão. No entanto, Schön (1997, p. 87) destaca que:

Nessa perspectiva o desenvolvimento de uma prática reflexiva eficaz tem que integrar o contexto institucional. O professor tem de se tornar um navegador atendo à burocracia. E os responsáveis escolares que queiram encorajar os professores a tornarem-se profissionais reflexivos devem criar espaços de liberdade tranquila onde a reflexão seja possível. Estes são os dois lados da questão – aprender a ouvir os alunos e aprender a fazer da escola um lugar no qual seja possível ouvir os alunos – devem ser olhados como inseparáveis.

Esta formação continuada, na qual o professor reflete sua ação, requer

encaminhamentos coletivos, construções de espaços e tempos adequados ao

exercício da reflexão-na-ação que tornem possível o refletir e dialogar a profissão

coletivamente.

Desta forma, o professor da infância toma as mudanças do mundo

contemporâneo e nele pode se formar constantemente, em sua prática docente, em

sua prática de vida, momentos que se interconectam na interlocução da

continuidade da prática pedagógica.

Um processo que se dá na continuidade marcada pela inconclusão, uma

formação que não se completa, “cada momento abre possibilidades para novos

momentos de formação [...] na experiência de vida do professor [...] construindo-se,

a partir desse entendimento, uma prática interativa e dialógica entre o individual e o

coletivo” (PORTO, 2000, p. 14).

A formação continuada encaminhada neste percurso objetiva tomar o próprio

fazer como foco da própria reflexão: “o fazer, entendido como uma atividade alheia à

experiência e ao conhecimento do professor, cede lugar ao saber fazer reflexivo,

percurso que ocorre na indissociabilidade teórico/prática” (Ibidem, p. 14), num círculo

contínuo do processo de construção de conhecimentos e autonomia.

A relação estabelecida na formação continuada do professor é, então, uma

relação de dialeticidade na qual Estrela (2003) afirma que:

se deveriam construir as teorias das práticas de formação e das práticas

organizativas do estabelecimento escolar, aspectos diferentes e articulados

do mesmo real, pressupondo uma interação sistêmica em que ganham

68

novos contornos palavras-chave como autonomia, diálogo [...] cooperação,

gestão de conflitos, democraticidade (Ibidem, p. 61).

Uma dialeticidade que coloca o professor como sujeito de sua história frente

ao contexto profissional. Assim, em sua profissão, o professor “não apenas sofre a

história, na condição de paciente, espectador, ouvinte. Pode interferir, ou melhor,

sua presença na realidade é tipicamente interferência, pois, sendo um dado objetivo

carregado de subjetividade, sua presença é sempre influência” (PORTO, 2000, p.

18).

A influência que o desafia a duvidar, refletir e inovar, comportamento dialético

que estabelece influências mútuas. Desta forma, “o homem se descobre e se

constrói, pois, na mediação do objeto” (PORTO, 2000, p. 17), “no e pelo objeto

impregnado de sociabilidade ou significado social, intersubjetivo” (HAGUETTE,

1990, apud MARIN, 2000, p. 17).

A formação continuada realizada junto ao diálogo que o professor estabelece

com seus pares, com os autores, possibilita, segundo Cunha (2007, p. 262), a

“formação continuada e permanente e também como possibilidade de

desenvolvimento profissional”.

Possibilidade que a pesquisa da autora revelou que, mesmo imerso por

limitações das condições de trabalho, os professores pesquisam, dialogam,

re/constróem suas práticas através deste olhar investigativo e produzem

“conhecimentos e saberes caros ao universo da escola e da academia” (CUNHA,

2007, p. 262).

É neste universo que Barbieri et al (1995, pp. 32-33) afirma que:

Independente das condições nas quais se efetuou a formação na graduação e da situação da escola, o professor precisa de continuidade nos estudos, não apenas para ficar atualizado quanto às modificações na área do conhecimento da disciplina que leciona. Há uma razão muito mais premente e mais profunda, que se refere a própria natureza do fazer pedagógico [...] histórico e inacabado.

A natureza do fazer pedagógico é instaurada por Zeichner (1992, p. 126) na

ideia de “estimular os professores a utilizarem o seu próprio ensino como forma de

investigação destinada à mudança das práticas”.

69

Ideia em que o autor a toma como responsabilidade dos formadores de

professores, na construção dessa interiorização dos futuros professores, a

“disposição e a capacidade de estudarem a maneira como ensinam e de melhorá-la

com o tempo, responsabilizando-se pelo seu próprio desenvolvimento profissional”

(Ibidem, p. 126).

Geraldi et al (1998) afirmam que, para Zeichner e Liston, os professores que

não refletem sua própria prática admitem, com naturalidade, a realidade do dia-a-dia

de suas escolas e, empreendem esforços para atingir objetivos e metas elencados

por outras pessoas.

Para estes autores, a reflexão é um dos principais componentes do contínuo

processo de aprender a ensinar na construção da profissionalização dos

professores.

Entretanto, esta reflexão suscita a necessidade de focar, além da própria

prática do professor, também as condições sociais, políticas e econômicas nas quais

se situa essa prática, incluindo-a como compromisso, como prática social

(ZEICHNER, 1993).

Neste sentido, Zeichner (1993) assume a prática reflexiva do professor como

um objeto teórico e critica a cisão estabelecida entre teoria e prática, declarando

que: “há uma separação entre teoria e prática que tem que ser ultrapassada: as

teorias existem exclusivamente nas universidades e a prática existe apenas nas

escolas” (Ibidem, p. 21).

A formação continuada, que infringe a cisão da teoria e prática, assume um

aspecto político que incorre na formação de professores sujeitos de uma história

social, cultural.

Neste sentido, ela, a formação continuada, proporciona condições de

transgredir valores pré-estabelecidos na educação infantil como: espaços

hierarquizados, práticas que dicotomizam o educar e cuidar, que envolvem sistemas

de valores que afastam as famílias como parceiras, que envolvem uma construção

de um conceito de infância estratificado, dividido entre os diversos olhares das

diferentes áreas (educação, saúde, social).

Assim, a formação continuada “liga-se indissociavelmente ao contexto e aos

actores que a produziram” (ESPINEY, 2003, apud CANÁRIO, 1994, p. 185),

“coproduzidos com os destinatários da formação” (CANÁRIO, 1994, p. 23).

70

As especificidades do professor de educação infantil sendo re/construídas na

formação em contexto, bem como, “as peculiaridades dos sujeitos, dos professores,

gerando um contexto de explicitação e reconstrução destas peculiaridades [...]

[convertem] por sua vez, as escolas em contextos de formação, aperfeiçoamento e

aprendizagem dos professores” (ESCUDERO e BOLIVAR, 1994, apud Marin, 2000,

p. 26).

Como aspecto político, a formação continuada instaura, ao sujeito professor,

uma formação a partir do social, envolvendo e influenciando o contexto escolar e,

por ele sendo influenciado.

Esta aprendizagem adquire sentido, pois, o professor encontra como cerne de

sua prática, zonas indeterminadas, nas quais ele “julga e decide, a partir da análise

de uma situação singular e com base nas suas convicções pessoais e nas suas

discussões com os colegas” (NÓVOA, 1999, p. 19), processo que se transforma em

uma dimensão central da identidade docente.

Desta forma, a formação continuada possibilita uma autoconstrução na

construção da profissionalização do professor e lhe confere contribuir com muitas

outras construções de muitos outros, principalmente “consolidar as dimensões

colectivas da profissão” (NÓVOA, 1999, p.20), pois, seu processo de

desenvolvimento interage com o meio social como:

processo contínuo de reconstrução identitária; o sujeito em formação como construtor de conhecimento e de realidade social, simultaneamente sujeito e agente de socialização; as necessidades de formação menos como lacunas do que como desejo e aspirações que assumem sentido em relação a um projecto de vida; o caráter formativo dos contextos de trabalho e, consequentemente, o princípio da centração da formação na escola e na vida organizacional do estabelecimento de ensino, concebido como centro da comunidade educativa, valorização dos métodos de formação baseados na reflexão sobre as práticas ou sobre os documentos pessoais onde se reflecte a vida dos formados e o sentido que eles conferem aos acontecimentos da sua vida pessoal e profissional (ESTRELA, 2003, p. 46).

Entretanto, a formação em contexto no lócus escolar se traduz como um

desafio, pois, “no que diz respeito à formação continuada dos professores, em

especial, a formação em serviço, que se dá na própria escola, o que se observa é a

quase ausência de políticas e programas voltados a esta finalidade” (SILVA, 2002b,

p. 9).

71

Todavia, a formação continuada tem na escola um campo fértil de reflexão da

própria prática docente, de aprofundamento teórico, de revisão de objetivos, de

tratamento de problemas emergentes, enfim, de um empenho individual e coletivo de

reflexão, criticidade e ação (SILVA, 2002b).

A formação continuada desvinculada do contexto escolar, como cursos,

seminários, tem suscitado, ao professor, mais insatisfação do que mudanças

positivas em sua prática pedagógica (SILVA, 2002b, p. 10).

A escola é o campo de atuação dos professores, é nela e sobre ela que os

professores podem refletir suas ações, pesquisarem-nas e, direcionarem-nas

através do diálogo coletivo às transformações. “Não se pode pensar a perspectiva

de uma nova escola sem colocar como meta primordial a formação continuada. Para

tanto, é necessário que a escola se constitua num espaço de crescimento do

professor” (Ibidem, p. 15).

Além de Silva (2002b) e Formosinho (2002), Candau (1998) também defende

o universo escolar como lócus destinado à formação continuada. A autora ressalta o

cotidiano do professor na escola como possibilidade de aprendizagem,

desaprendizagem, reestruturação da aprendizagem, descobertas, constituindo,

portanto, a escola, um lócus propício de aprimoramento e formação docente.

Candau (1998) ressalta que a formação continuada dos professores na escola

atua nas necessidades reais dos professores, em seu cotidiano, favorecendo os

processos de pesquisa-ação, no entanto, adverte que este processo deve ser

coletivo, reflexivo, capaz de encaminhar problemas conjuntamente.

Neste contexto:

A prática do professor deve buscar a criação de um ambiente escolar que promova o desenvolvimento das pessoas nele envolvidas. Esse tipo de prática, entretanto, não deve ser fruto de instruções, criadas em instâncias externas ao próprio contexto e aplicadas como fórmula única que resolve diferentes problemas, mas, sim, criadas num processo de emergência a partir da reflexão sobre as próprias práticas docentes e da discussão sobre a relação ensino-aprendizagem. Esta reflexão constitui-se necessariamente como prática social, realizada com seus pares, para que possa ser profícua. Essa perspectiva não exclui a participação estratégica de elementos exteriores, que pelo seu distanciamento possam oferecer outras perspectivas que naturalmente enriquecem e aprofundam o contexto de reflexão (SADALLA e SÁ-CHAVES, 2008, p.190).

Rompendo barreiras, a formação continuada de professores na escola se

torna significativa, pois, como afirma Schnetzler (2002), ela traz para o contexto do

72

professor e para o contexto escolar a motivação dos estudos e da investigação

peculiar da ação docente, composta por vínculos de relações que extinguem a

solidão profissional na possibilidade de troca de experiências em grupo,

desenvolvendo um sentimento de pertença e de comprometimento da continuidade

de construção do ser professor.

Construção de que Tardif (2002) reforça a ideia da formação continuada, visto

que, os saberes dos professores advêm de suas histórias de vida, portanto, na ação

docente, na pluralidade, na heterogeneidade compartilhada que se dá a reação do

ser professor perito estranho à escola (FORMOSINHO, 2002).

Mas, não basta a esse ser professor apenas a reflexão, ressalta-o uma

reflexão crítica, da qual a falta desse componente, adverte Contreras (2002), poderá

reduzir a autonomia docente ao limite da sala de aula, do indivíduo professor

apenas, já que, para melhorar a educação, é preciso transformar as formas

socialmente estabelecidas que condicionam a prática.

Essas formas solicitam uma criticidade de um olhar abrangente e, para esse,

a busca teórica se desenvolve de forma estratégica.

Forma que Gómez (1992) complementa com a ideia de que, além da reflexão

crítica, pesquisa, busca teórica, o professor reflexivo deve dialogar esses elementos

à realidade que o cerca, para além das regras, dos procedimentos e das teorias, só

assim, a formação do professor se dará como um profissional reflexivo.

Nesse propósito, o professor reflexivo toma a formação continuada como um

importante processo, imprescindível para que:

o professor, durante o seu desenvolvimento profissional, tenha condições de gerenciar estes dilemas, sendo um dos caminhos para este gerenciamento buscar, de modo coletivo, explicitar os confrontos presentes no cotidiano do professor, identificando as crenças e os valores que estão por trás destes dilemas, bem como nas ações realizadas, podendo alterá-los à luz de novos argumentos, caso não estejam contribuindo na resolução destas situações (SADALLA e SÁ-CHAVES, 2008, p. 191).

Todavia, a formação continuada também incorre em desafios, além de suas

possibilidades. Um dos focos do desafio da formação continuada percorre o campo

que Ponte (1998, p. 27) definiu como:

73

Falar de formação é um terrível desafio. Em primeiro lugar, porque a formação é um mundo onde se inclui a formação inicial, contínua e especializada, onde é preciso considerar os modelos, teorias, e investigação empírica sobre a formação, analisar a legislação e a regulamentação e, o que não é de menor importância, estudar as práticas reais dos actores e das instituições no terreno e as suas experiências inovadoras. Em segundo lugar, porque a formação é um campo de luta ideológica e política. Não há grupo com interesses na educação que não tenha as suas posições a defender, e fá-lo com todo o à-vontade e, às vezes, com grande agressividade. E, em terceiro lugar, porque a formação é um daqueles domínios em que todos se sentem à vontade para emitir opiniões, de onde resulta a estranha impressão que nunca se avança.

É voltado para esse contexto que o desafio da formação continuada no lócus

escolar se reflete, no realizá-la junto a um coletivo de professores, estabelecendo

uma organização humana, espacial, temporal que contemple os diferentes

momentos de desenvolvimento profissional dos professores de educação infantil e

de suas necessidades.

Imprescindivelmente, é preciso re/significar o espaço e tempo dos HTPCs

para se constituírem como formação continuada. Sua organização, muitas vezes,

tem ocorrido em meio a um contexto burocrático, do qual é previsto pautas externas

à escola, cumprimento de atividades distantes, elencadas como importantes por

profissionais externos ao contexto escolar que comprometem a autonomia desta

formação, estratificando-a.

Os contextos reais dos HTPCs das escolas de educação infantil têm sido

instaurados por dificuldades que vão desde a falta de um profissional preparado e

contratado para coordená-lo, a dificuldades de organizar um tempo disponível ao

coletivo.

O coletivo das escolas de educação infantil encontra professores que

acumulam atividades profissionais diversas como alternativas de sobrevivência,

consequentemente, a união deste coletivo tem se dividido em diversos horários,

prejudicando o estudo, a reflexão e a troca.

Outro fator importante que compromete os HTPCs, como formação

continuada, desenvolvimento profissional, é a aplicação de políticas públicas a

algumas escolas, como a pesquisada, que garante o horário, mas não um

profissional que possa conduzi-lo, em parceria ao diretor (coordenador pedagógico),

ficando, assim, ao encargo dos diretores, além do acúmulo de outras diversificadas

funções burocráticas, pedagógicas e administrativas na educação infantil.

74

Assim, este contexto da formação continuada, ainda marca reivindicações,

“lutas” a serem travadas para a garantia legal de estabelecer os HTPCs como

formação, desenvolvimento docente contínuo.

Contudo, o desafio se faz necessário enfrentar, para além dos obstáculos, a

formação continuada, desenvolvida nos HTPCs, ressalta-se como possibilidade de

uma atividade humana que concebe o professor como sujeito de sua continuidade

profissional, histórica.

Um ser humano incompleto, inerentemente aprendiz que pode refletir sua

prática com criticidade e produzir teorias, dialogando-as, trocando-as junto ao seu

coletivo, junto aos autores, às crianças, às famílias, enfim, à comunidade interna e

externa ao lócus escolar.

Os conflitos e confrontos da relação família e escola identificados nesta

pesquisa apontam para a possibilidade e para o desafio de assumir uma formação

continuada de professores de educação infantil que possa ser desenvolvida nos

HTPCs, com o propósito de destacar os professores como sujeitos de sua

caminhada profissional

Transgredindo o contexto real, desafiador dos HTPCs escolares, a formação

continuada poder-se-á, então, dar-se como processo de estudo, compreensão e

empreendimentos coletivos na re/construção da especificidade do professor da

educação infantil, que destaca o desenvolvimento do educar e cuidar (na

preocupação de controverter a dicotomia histórica imposta), além do

desenvolvimento da relação família e escola como possibilidade de

complementaridade e parceria na educação da infância.

75

CAPÍTULO 3

TECENDO A HISTÓRIA DA PESQUISA

Um galo sozinho não tece uma manhã: ele precisará sempre de outros galos. De um que apanhe esse grito que ele

e o lance a outro; de um outro galo que apanhe o grito de um galo antes

e o lance a outro; e de outros galos que com muitos outros galos se cruzem

os fios de sol de seus gritos de galo, para que a manhã, desde uma teia tênue,

se vá tecendo, entre todos os galos.

E se encorpando em tela, entre todos,

se erguendo tenda, onde entrem todos, se entretendendo para todos, no toldo (a manhã) que plana livre de armação. A manhã, toldo de um tecido tão aéreo que, tecido, se eleva por si: luz balão.

(MELO NETO, 2002, Tecendo a manhã, p. 13).

Este capítulo apresenta o referencial metodológico da pesquisa, que é

orientado pela teoria histórico-cultural, abordando a concepção da constituição

humana, mediada pela linguagem. Um estudo das teorias de Vigotski (1995, 1998,

2000, 2001), Bakhtin (1981, 1997, 2006), Freitas (2002, 2003), entre outros autores.

Texto do qual se depreende todo o percurso da pesquisa e fundamenta os

princípios da interpretação dos dados de campo, revelando o contexto histórico-

cultural a que pertencem os envolvidos e sobre o qual a questão investigada se

desenvolve.

Desta forma, apresenta-se o contexto da pesquisa, seus objetivos, sua

justificativa, além de sua questão central. Descreve-se a escola pesquisada, no

espaço e tempo de sua história, seus sujeitos e a pesquisa de campo, fornecendo

dados que compõem uma importante visão para o entendimento do

desenvolvimento desta investigação.

76

3.1 - A constituição do sujeito histórico-cultural e a mediação

da linguagem

Esta pesquisa, orientada pela abordagem histórico-cultural, assume como

ponto de partida que o ser humano se forma através das relações sociais, relações

que são marcadas pela história e pela cultura a que se inserem. Compreende que o

mundo é significado pelo outro, seu sentido é mediado pelo outro (VYGOTSKY,

1998) através da linguagem nas inúmeras relações constituídas (BAKHTIN, 2006).

A perspectiva histórico-cultural se fundamenta na interpretação da

investigação desta pesquisa, pois, permeia a compreensão de que os sujeitos que a

compõe foram constituídos nas relações sociais estabelecidas como seres humanos

e profissionais, formaram-se, portanto, no social, tendo, assim, os professores, suas

atividades concretas de vida como eixo de seu desenvolvimento pessoal e

profissional.

Neste propósito, a pesquisa realizada sob a perspectiva histórico-cultural se

encaminha, segundo Freitas et al (2003, p. 27-28), pelas seguintes características:

A fonte dos dados é o texto (contexto) no qual o acontecimento emerge,

focalizando o particular enquanto instância de uma totalidade social.

Procura-se, portanto, compreender os sujeitos envolvidos na investigação

para, através deles, compreender também seu contexto.

As questões formuladas para a pesquisa não são estabelecidas a partir da

operacionalização de variáveis, mas se orientam para a compreensão dos

fenômenos em toda a sua complexidade e em seu acontecer histórico. Isto

é, não se cria artificialmente para ser pesquisada, mas vai-se ao encontro

da situação no seu acontecer, no seu processo de desenvolvimento.

O processo de coleta de dados caracteriza-se pela ênfase na compreensão,

valendo-se da arte da descrição que deve ser complementada, porém, pela

explicação dos fenômenos em estudo, procurando as possíveis relações

dos eventos investigados numa integração do individual com o social.

A ênfase da atividade do pesquisador situa-se no processo de

transformação e mudança em que se desenrolam os fenômenos humanos,

procurando reconstruir a história de sua origem e de seu desenvolvimento.

O pesquisador é um dos principais instrumentos da pesquisa porque, sendo

parte integrante da investigação, sua compreensão se constrói a partir do

lugar sócio-histórico no qual se situa e depende das relações intersubjetivas

que estabelece com os sujeitos com quem pesquisa.

77

O critério que se busca numa pesquisa não é a precisão do conhecimento,

mas a profundidade da penetração e a participação ativa tanto do

investigador quanto do investigado. Disso resulta que pesquisador e

pesquisado têm oportunidade para refletir, aprender e ressignificar-se no

processo de pesquisa.

Nesta perspectiva, esta pesquisa aborda o estudo do desenvolvimento

cultural humano mediado pela linguagem, o indivíduo marcado pelo social, como

destaca Magda Soares: “Os meus dias não são meus, são nossos” (SOARES, 2003,

p. 47).

Pois: “Não vimos ao mundo providos de espelhos, mas de pares: a

consciência de nossa própria individualidade organiza-se e desenvolve-se em

nossas relações sociais” (FONTANA, 2003, p. 61).

Assim, a pesquisa sob a perspectiva histórico-cultural investiga a partir de um

contexto particular que se conecta a um processo social, histórico, muito mais

amplo. As observações e estudos caminham de uma micro esfera para uma macro,

envolvidas pela dialeticidade (VYGOTSKY, 1998).

Compondo a pesquisa histórico-cultural, no âmbito da psicologia, Vigotski

amplia os estudos sobre o homem e:

Procura desse modo construir o que chama de uma nova psicologia que deve refletir o indivíduo em sua totalidade, articulando dialeticamente os aspectos externos com os internos, considerando a relação do sujeito com a sociedade à qual pertence. Assim, sua preocupação é encontrar métodos de estudar o homem como unidade de corpo e mente, ser biológico e ser social, membro da espécie humana e participante do processo histórico. Percebe os sujeitos como históricos, datados, concretos, marcados por uma cultura como criadores de ideias e consciência que, ao produzirem e reproduzirem a realidade social, são ao mesmo tempo produzidos e reproduzidos por ela (FREITAS, 2002, p. 22).

Considerando este percurso, Vygotsky (1998, p. 74) chama a atenção do

pesquisador de que a dialeticidade implica em transformações, “Estudar alguma

coisa historicamente significa estudá-la no processo de mudança” e, isso exige

novos métodos investigativos. “Está, nesse sentido, mostrando que a preocupação

do pesquisador deve ser maior com o processo em observação do que com o seu

produto” (FREITAS, 2002, p. 27).

78

Refletindo o homem como ser social, Vigotski destaca a linguagem como

mediadora na constituição deste ser social. Nesse sentido a linguagem humana se

converte em discurso nas relações sociais e, são transformadas, de atividades

externas, em atividades internas no processo de desenvolvimento do pensamento

(VYGOTSKI, 1995).

A linguagem constituiu sua história juntamente à história do ser humano. A

necessidade de se comunicar levou o homem a criar sinais, códigos e regras que

pudessem representar o sentido do real e constituir a comunicação nas interações

sociais entre os homens.

Para Vygotsky (2001, p. 409) “o pensamento não se exprime na palavra, mas

nela se realiza”, pois revela as significações e sentidos construídos pelo sujeito no

social, um processo dialético no qual o sujeito constitui a linguagem ao mesmo

tempo em que essa o constitui.

Ressalta-se, então, no pensamento vigotskiano, a constituição histórico-

cultural dos significados construídos na/pela linguagem através da interação social.

Portanto, foi somente através da interação social que a linguagem pôde constituir-se,

uma ação que lhe conferiu significação, um campo semiótico.

Desta forma, para Vygotsky (2000, p. 130), compreender a fala do sujeito

requer entender o seu pensamento e as circunstâncias em que esses foram

produzidos:

Para compreender a fala de outrem não basta entender as suas palavras – temos que compreender o seu pensamento. Mas nem mesmo isso é suficiente – também é preciso que conheçamos a sua motivação. Nenhuma análise psicológica de um enunciado estará completa antes de ser atingido esse plano.

A ideia do autor sustenta teoricamente o campo de investigação desta

pesquisa sobre a relação entre família e escola na perspectiva dos sujeitos

professores, destacando um caminho de estudo sobre o contexto histórico-cultural

a que estes professores pertencem e expressam em seus diálogos.

Nesse sentido, é possível, então, a composição do objetivo de compreender o

“olhar” das professoras sobre essa relação.

Assim, em Vygotsky (2000), pensamento e linguagem se interagem na

materialização da palavra, expressa na vida que lhe confere a significação, o

79

sentido das palavras e que, por ser produzido histórica e culturalmente,

desenvolve-se e se transforma no percurso do diálogo social junto ao tempo.

No mesmo sentido teórico de Vigotski, Bakhtin reflete, no campo da

linguística, uma abordagem histórico-cultural. “Enquanto Vygotsky procura essa

solução no campo psicológico, Bakhtin (1895 – 1975), enfrentando as teorias do

fenômeno linguístico, critica também as posições empíricas idealistas” (FREITAS,

2002, p. 22).

Estudando a língua como um sistema vivo, utilizada em atividades concretas

de vida, Bakhtin (2006) fundamentou sua teoria sobre as concepções marxistas, ou

seja, o homem se constituindo a partir da concretude material e histórica de sua

vida. "Como um crítico do formalismo russo, opôs à sua monotonia monológica,

uma visão de mundo pluralista, polissêmica e polifônica" (Freitas, 1996, p. 118).

Bakhtin (2006) confrontou, então, o objetivismo abstrato, de Sausurre, que

determinava a língua como um sistema de normas linguísticas imutáveis, normas

gramaticais utilizadas de forma monológica e, o subjetivismo idealista, de Humboldt,

que apartava da língua seu conteúdo ideológico e a estabelecia como uma atividade

mental coordenada apenas pelo psiquismo individual “e [propôs], em sua

perspectiva dialógica, o estudo da língua em sua natureza viva e articulada com o

social pela interação verbal” (FREITAS, 2002, p. 22):

A língua, como sistema de formas que remetem a uma norma, não passa de

uma abstração, que só pode ser demonstrada no plano teórico e prático do

ponto de vista do deciframento de uma língua morta e do seu ensino. Esse

sistema não pode servir de base para a compreensão e explicação dos

fatos linguísticos enquanto fatos vivos e em evolução (BAKHTIN, 2006, p.

110).

Para o filósofo linguista, essas correntes se divergiam de suas concepções

pela impossibilidade de percepção ética, histórica, sociológica, ideológica e dialógica

do caráter da linguagem, fato que o impulsionou, junto a seu círculo, à construção de

um caminho vivo de investigação da heterogeneidade discursiva, sob um foco

antropológico, histórico-cultural da produção dos discursos humanos:

A verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato

de formas linguísticas, nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo

ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da

80

interação verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações. A

interação verbal constitui assim a realidade fundamental da língua

(BAKHTIN, 2006, p. 125).

O pesquisador das Ciências Humanas possui, então, como matéria prima, o

discurso em suas investigações. Seu objeto é um sujeito que se constitui na

linguagem e que a constitui através de suas atividades sociais concretas.

“Considerar o homem e estudá-lo independentemente dos textos que cria significa

situá-lo fora do âmbito das ciências humanas” (FREITAS, 2002, p.24).

Para conhecer o homem, é preciso conhecer o seu discurso e emitir esse

conhecimento, também, através do discurso: “Discurso sobre discursos, as Ciências

Humanas têm, portanto, essa especificidade de ter um objeto não apenas falado,

como em todas as outras disciplinas, mas também um objeto falante” (AMORIM,

2002, p. 10), o sujeito.

Desta forma, a investigação assumida na abordagem histórico-cultural

considera “a pesquisa como uma relação entre sujeitos, portanto numa perspectiva

dialógica, Bakhtin assume a interação como essencial no estudo dos fenômenos

humanos” (FREITAS et al, 2003, p. 28).

Nas ciências humanas, reconhecendo os estudos de Bakhtin, Freitas revela o

diálogo como fonte essencial de investigação para o pesquisador, assim:

Encontra-se perante um sujeito que tem voz, e não pode apenas contemplá-lo, mas tem de falar com ele, estabelecer um diálogo com ele. Inverte-se, desta maneira, toda a situação, que passa de uma interação monológica sujeito-objeto para uma relação entre sujeitos. De uma orientação monológica passa-se a uma perspectiva dialógica. Isso muda tudo em relação à pesquisa, uma vez que investigador e investigado são dois sujeitos em interação. O homem não pode ser apenas objeto de explicação, produto de uma só consciência, de um só sujeito, mas deve ser também compreendido, processo esse que supõe suas consciências, dois sujeitos, portanto, dialógico (FEITAS, 2002, pp. 24-25).

Através do estudo do diálogo junto ao sujeito, o pesquisador pode

compreender este sujeito. As Ciências Humanas trabalha ativamente no intuito de

conhecer esse ser social, através de seu texto, também, social, no contato com o

exato ponto em que “irrompem as consciências”, ou seja, no diálogo, pois, “o homem

em sua especificidade sempre exprime a si mesmo (fala), isto é, ele cria texto (ainda

que potencial). Quando o homem é estudado fora do texto e independente deste, já

81

não se trata de ciências humanas (mas de anatomia, de fisiologia humana etc.)”

(BAKHTIN, 1997, p. 334).

Neste sentido, para esta pesquisa, compreender o professor como um sujeito

histórico-cultural é percorrer, no universo da ética, seu diálogo, exposto nas relações

sociais dialógicas e ideológicas como desenvolvimento humano.

Bakhtin, por conseguinte, não foi só para sua época um autor inovador, ele

continua vivo e atual, em seus estudos, considera a língua como uma atividade, por

excelência, social.

Consequentemente, a palavra se constitui no interior de um campo de

conflitos e confrontos sociais, de forma que “todo signo é ideológico; a ideologia é

um reflexo das estruturas sociais; assim, toda modificação da ideologia encadeia

uma modificação da língua” (BAKHTIN, 2006, p. 16).

Bakhtin (2006) destaca que, nesse processo, a transformação das

significações dos sentidos atribuídos pelo homem através da linguagem depende de

transformações sociais, culturais e históricas.

Busca, então, Bakhtin (2006), desvelar a ideologia da palavra, do signo

plurivalente, num contexto dialógico que reflete e refrata uma realidade exterior. Sua

tessitura compõe-se de fios ideológicos que ligam as relações sociais, ao mesmo

tempo em que delas se compõem.

A palavra, que é ideológica, marca um discurso constituído por inúmeras

vozes que ressoam na interação discursiva, “conflitiva junto aos diferentes

personagens sociais”, como considera Graciela Reyes, em Tiempo, Modo, Aspecto e

Intertextualidade (apud BRAIT, 2003, p. 15)7 ao qual:

Ducrot considera que todo discurso es semejante a uma representación

teatral, pues nos expresamos através de voces: las voces representan

personajes que ponemos en escena y hacemos hablar, identificandonos

com unos y non com otros. Todo discurso, según esta perspectiva, es

intensamente dialógico: incluso el locutor se representa a si mismo

escindiéndoso em voces (Ducrot, 1985). Bajtín, el más importante precursor

7 Uma possível tradução seria: Ducrot considera que todo discurso é como uma performance teatral,

tal como nos expressamos através de vozes: as vozes representam personagens que colocamos em cena e fazemos falar, identificamo-nos com uns e não com outros. Todo discurso, segue esta perspectiva, é intensamente dialógico: inclui o locutor que se representa a si mesmo em várias vozes (Ducrot, 1985). Bakhtin é o mais importante precursor destes estudos, opondo-se aos conceitos unitários da linguística saussuriana, a linguagem, enquanto manifestação da consciência na história, é plural, um espaço onde convivem e dialogam incessantemente vozes distintas representantes de pontos de vista distintos, conflitivos, em contínua interação (BAKHTIN, 1981).

82

de estos estúdios, propuuso, oponiéndose a los conceptos unitários de la

lingüística saussuriana, que el lenguage, em cuanto manifestación de la

conciencia em la historia, es plural, um espacio donde conviven y dialogan

incesantemente voces distintas representantes de puntos de vista distintos,

conflictivos, em continua interación (Bajtin, 1981).

Desta forma, Bakhtin (2006) toma a linguagem em sua essência como sendo

um acontecimento social, dialógico, portanto, histórico e ideológico, um fenômeno

vivo, imerso em enunciados concretos.

A palavra permite, assim, o descobrir da vida do homem em seu cotidiano, de

seus valores tecidos em seus discursos de múltiplas vozes, constituídos em um elo

de comunicação verbal que revela o processo de transformações sociais:

As palavras são tecidas a partir de uma multidão de fios ideológicos e

servem de trama a todas as relações sociais em todos os domínios. É

portanto claro que a palavra será sempre o indicador mais sensível de todas

as transformações sociais, mesmo daquelas que apenas despontam, que

ainda não tomaram forma, que ainda não abriram caminho para sistemas

ideológicos estruturados e bem formados. A palavra constitui o meio no qual

se produzem lentas acumulações quantitativas de mudanças que ainda não

tiveram tempo de engedrar uma forma ideológica nova e acabada. A palavra

é capaz de registrar as fases transitórias mais íntimas, mais efêmeras das

mudanças sociais (BAKHTIN, 2006, p. 40).

A consciência humana se forma e existe através dos signos ideológicos

organizados nas relações sociais, ou seja, “a lógica da consciência é a lógica da

comunicação ideológica da interação semiótica de um grupo social” (BAKHTIN,

2006, p. 34).

Ao pesquisador, cabe, então, atentar-se para a palavra como um “fenômeno

ideológico por excelência” (BAKHTIN, 2006, p. 34), de forma a apresentar-se “em

todos os atos de compreensão e em todos os atos de interpretação” (BAKHTIN,

2006, p. 36). Assim, a linguagem como objeto das ciências humanas, interessa-se

viva e se constitui no social.

O ser falante não é o primeiro no mundo a utilizar-se da língua, seu enunciado

tece-se em uma variedade de outros enunciados, já que: “O locutor não é um Adão,

e por isso o objeto de seu discurso se torna, inevitavelmente, o ponto onde se

encontram as opiniões de interlocutores” (BAKHTIN, 1997, p. 320-321).

83

Este contexto social promove, então, uma multiplicidade de relações reais e

significantes (BRAIT, 2005) que revelam ao pesquisador “o homem social que fala e

que só pode ser conhecido através dos textos”, dos quais deve considerar-se “a

forma concreta e as condições concretas de vida desses textos” (BRAIT, 2003, p.

23), que se expressam verbal, ideológica e dialogicamente.

É sobre o contexto bakhtiniano que, procurando redefinir suas contribuições

para as ciências humanas, principalmente para o pesquisador, que este estudo

aborda suas concepções, na intenção de compreender a intertextualidade, a dialogia

e ideologia que se fundiram na voz dos sujeitos (professoras), pois:

Somente quando contrai relações dialógicas essenciais com as idéias dos

outros é que a idéia começa a ter vida, isto é, a formar-se, desenvolver-se, a

encontrar e renovar sua expressão verbal, a gerar novas idéias. O

pensamento humano só se torna pensamento autêntico, isto é, sob as

condições de um contato vivo com o pensamento dos outros, materializado

na voz dos outros, ou seja, na consciência dos outros expressa na palavra.

É no ponto desse contato entre vozes-consciências que nasce e vive a Idea

(...) a ideia é interindividual e intersubjetiva, a esfera de sua existência não é

a consciência individual, mas a comunicação dialogada entre consciências.

A ideia é um acontecimento vivo, que irrompe no ponto de contato

dialogado entre duas ou várias consciências (BAKHTIN, 1981, pp. 13 e 73).

Vigotski, ao considerar que a constituição humana se dá a partir do social,

nas interrelações e, Bakhtin, que essa constituição é mediada pela linguagem,

também, a partir do social, contribuíram para a pesquisa nas Ciências Humanas,

ampliando o campo de observação e compreensão do pesquisador, ou seja, o

contexto.

Desta forma, realizar a pesquisa sob a perspectiva histórico-cultural é

trabalhar em coerência com o processo de composição dos acontecimentos, a partir

da ética junto aos sujeitos da pesquisa.

Todo o processo de pesquisa, fundamentado na perspectiva histórico-cultural,

traz para seus envolvidos um campo fértil de produção de conhecimento no qual, as

interações dos sujeitos junto ao pesquisador, junto ao campo teórico, empírico,

envolvendo a interrelação de pessoas através do diálogo, transforma-se em uma

esfera ampla de aprendizagens coletivas. Nestas circunstâncias:

Produzir um conhecimento a partir de uma pesquisa é, pois, assumir a perspectiva da aprendizagem como processo social compartilhado e

84

gerador de desenvolvimento [...] Disso também resulta que o pesquisador, durante o processo de pesquisa, é alguém que está em processo de aprendizagem, de transformações. Ele se ressignifica no campo. O mesmo acontece com o pesquisado que, não sendo um mero objeto, também tem oportunidade de refletir, aprender e ressignificar-se no processo de pesquisa. Bakhtin e Vygotsky tornam o processo de pesquisa um trabalho de educação, de desenvolvimento (Freitas, 2002, pp. 25-26).

Assim, torna-se, então, esta pesquisa, a partir da perspectiva histórico-

cultural, um fenômeno de aprendizagens coletivas, de transformações, de

dialeticidade cultural, sobre o conhecimento dela e por ela desenvolvido.

3.2 – O contexto da pesquisa

O objetivo central das investigações desta pesquisa se direcionou para

compreender as perspectivas de professoras de educação infantil sobre a relação

entre família e escola.

A pesquisa se deu em uma escola de educação infantil que faz parte da rede

pública municipal, de uma cidade do interior do estado de São Paulo que recebe

crianças de dois a cinco anos, em período integral e parcial.

A investigação se justificou, em especial, pela importância de evidenciar os

embates, as crenças, valores e ideais docentes que permeiam a relação família e

escola e revelam conflitos e confrontos histórico-culturais, informando as

significações das professoras sobre a complementaridade destas duas instituições

educacionais no educar e cuidar da infância:

Nesse sentido cabe dizer que o exercício da docência é feito

essencialmente de negociações e de estratégias de interação nas quais

com frequência ocorrem tensões e dilemas. Dilemas, que configuram algo

muito mais enraizado do que a simples alteração pelo professor dos

procedimentos didáticos, pois implicam também alterações sobre o saber

docente em relação ao seu trabalho (SADALLA e SÁ-CHAVES, 2008,

p.190).

85

Desta forma, esta pesquisa, reconhecendo as professoras como seres em

contínua trans/formação na complexa tarefa pedagógica que se abre para o mundo

contemporâneo, desenha-se na possibilidade de responder a seguinte questão:

Quais as perspectivas de professores de educação infantil sobre a relação entre

família e escola?

Cabe ressaltar que esta pesquisa foi realizada pela diretora da escola, a qual

se insere neste contexto, também, como pesquisadora e atua em uma realidade

complexa, comum a algumas escolas de educação infantil do município que exige

um acúmulo de funções às suas diretoras, principalmente ao atendimento diário às

famílias que ainda não conseguiram vagas.

Funções políticas, administrativas, burocráticas e pedagógicas advindas de

um quadro funcional que não admite profissionais de apoio (secretário, coordenador

pedagógico), devido às políticas públicas municipais não considerarem necessário

ao módulo (número) de crianças matriculadas atualmente (cento e sessenta e oito).

Atividades múltiplas que exigem tempo e busca de alternativas variadas para

um trabalho que se torna fragmentado diante dessa realidade.

Dentre as múltiplas atividades, uma das funções da direção é organizar a

formação continuada das professoras no Horário de Trabalho Pedagógico Coletivo

(HTPC), uma vez que a escola está sendo considerada como um espaço de

formação e socialização profissional importante, um lugar onde os professores

aprendem a sua profissão (CANÁRIO, 1999).

Assim, as investigações, iniciadas no contexto maior, posteriormente,

fundamentaram-se neste horário de formação continuada, do qual as professoras se

reúnem semanalmente por duas horas.

Este encontro tem se tornado, a cada ano, mais difícil de ser organizado.

Instauram-se neste quadro de dificuldades vários aspectos: a dificuldade de

promover, em horário de trabalho, um tempo coletivo de estudos, já que as

professoras possuem outras atividades remuneradas como alternativa salarial,

tornando-se difícil a organização de um encontro coletivo que garanta a

disponibilidade de tempo das professoras; outro aspecto relevante é o acúmulo de

atividades que a direção tem ocupado nesses últimos anos, as políticas públicas

municipais e estaduais têm exigido um montante de atividades burocráticas como:

programas informatizados que contemplam os dados das professoras, das crianças

86

inscritas, matriculadas; planilhas de controle mensal das mesmas; uso e justificativa

de verbas públicas que envolvem reuniões junto ao conselho de escola, com

orçamentos e prestações de contas burocratizadas dos gastos; entre outras

atividades administrativo-pedagógicas que ocorrem na frequência diária, mensal,

semestral e anual e, das quais, todas são de responsabilidade do diretor escolar.

Nesta demanda de atividades, ressalta-se, também, o atendimento às famílias

das crianças que ainda não conseguiram vagas; os problemas da merenda escolar;

dos funcionários como: ausências, doenças, entre outros que exigem organizações,

alternativas do diretor, do grupo para equacionar todo esse atendimento.

O HTPC entra nesta infinita lista de atividades e dificuldades de organização,

no entanto, considerando-o como um caminho importante para promover a formação

pedagógica profissional, tenta-se destacá-lo como eixo principal de um trabalho de

qualidade junto ao atendimento à infância e, assim, priorizá-lo.

No ano de 2009, a dificuldade de garantia coletiva do encontro das

professoras no HTPC fez deslocá-lo para o final do turno da tarde, adentrando o

período noturno.

As pautas desse encontro atraíam as necessidades de formação dialogadas

nos períodos de trabalho e nos próprios encontros, entretanto, abriam-se sempre

espaço para as emergências circunstanciais, ou seja, avisos administrativos,

pedagógicos que a Secretaria Municipal de Educação repassava em documentos

diversos e, um assunto constante, presente em quase todos os HTPCs, a relação

família e escola.

A relação família e escola sempre foi tema atuante desses encontros por meio

de conflitos e confrontos a algumas famílias, ou até, por meio de exemplos que

enalteciam o comportamento de outras.

Por outro lado, a direção também exercia (exerce) a atividade de

harmonização dos comentários ou reclamações tecidas pelas famílias a esta

relação.

Presente nos vários momentos profissionais, inclusive nos HTPCs, a relação

família e escola exigia estudo de todos, mas, exigia, primeiramente, uma

investigação que desse conta de abordá-la, de oferecer caminhos para este estudo.

87

3.2.1 - A escola pesquisada

A escolha da escola pesquisada se deu por um fator muito particular da

pesquisadora (diretora) junto à pesquisa, o de trazer, para esta pesquisa, a

necessidade do seu contexto profissional, no qual toda avaliação indicava a

emergência de pesquisar e estudar a relação família e escola, tendo em vista, que

essa relação destaca um fator relevante para a construção do desenvolvimento da

educação e cuidados integrais à infância.

O desafio da escolha de investigar a própria escola revelou a facilidade de

estar a todo tempo no campo de investigação, a amplitude de conhecimento de um

lugar muito peculiar, mas, também, o esforço do distanciamento para compor a

sistematização, a “desnaturalização”, o estudo da teoria, da interpretação e análise.

Sendo assim, localizam-se neste texto, informações julgadas necessárias

para a compreensão do contexto da pesquisa, informações essas que se ligam

diretamente aos sujeitos (professoras) e às famílias (que compõem a escola), ou

seja, os lados, as extremidades da relação investigada.

A escola pesquisada localiza-se em uma cidade do interior, há 152 km de

São Paulo, caracteriza-se como pública, municipal e atende a educação infantil, nas

turmas de, creche, dois e três anos e, pré-escola, quatro e cinco anos, em período

integral e parcial. Seu funcionamento é das 7h00 às 17h30 horas, de segunda a

sexta-feira.

Foi inaugurada em setembro de 1959, compondo, em parceria com outra

escola de educação infantil da cidade, as mais antigas escolas da rede municipal,

conquistando, assim, o título de escolas pioneiras, tradicionais no atendimento à

infância.

Sua idealização se deu junto a um posto de puericultura, coordenada pela

esposa de um rico proprietário de refinaria de açúcar e álcool da cidade. Esta

senhora organizava campanhas solidárias em prol das famílias carentes e tinha o

desejo de construir uma instituição de assistência à infância.

88

Desta forma, a escola nasce no subsolo desse posto de puericultura com o

objetivo de: “prestar às crianças toda a assistência e cuidados durante o período de

trabalho de suas genitoras, erradicando a desnutrição e mortalidade infantil” 8.

Assim, antes das crianças selecionadas serem matriculadas, eram realizados

exames de fezes, radiografia dos pulmões, reação de Mantoux (teste de

tuberculose), vacinação completa, cuidados que eram repetidos anualmente e que

serviram como parâmetro para o decreto municipal nº 1946, de 7 de fevereiro de

1975, o qual estabelecia o Regimento Interno para as creches municipais, com a

exigência desses exames de saúde.

Perpassou, durante o período histórico da escola, atividades referentes ao:

“Clube das Mães” (com cursos de corte e costura e artes manuais, oferecidos em

dois dias semanais); convênio com a Campanha Nacional de Alimentação Escolar;

com a Legião Brasileira de Assistência (LBA); Projeto Casulo que, a partir de 1977,

ocupou o lugar da extinta LBA, entre outros projetos assistencias que destinavam as

verbas públicas.

Até o início da década de 80, a escola manteve a educação compensatória,

ligada à Secretaria de Bem Estar Social, com um quadro funcional de “atendentes”,

funcionárias que possuíam formação escolar, apenas, de primeiro grau incompleto,

muitas vezes chamadas de “pajens” pela comunidade interna e externa.

As divisões etárias das crianças eram organizadas em mini maternal, as

crianças de dois anos; maternal, as de três; jardim I, as de quatro; jardim II, as de

cinco e, pré-primário, as crianças de seis anos.

O planejamento das atividades às crianças até cinco anos correspondia ao

desenvolvimento físico, de boas maneiras, de higiene e, religioso. As apresentações

das crianças às famílias se organizavam em torno das datas comemorativas e

cívicas, mostrando o “desembaraço” das mesmas.

Ao pré-primário, cabiam as atividades de prontidão, alfabetização, ou seja,

preparação para o ensino fundamental.

Aos poucos a escola foi se transformando, incorporando-se à Secretaria

Municipal de Educação, alterando seu quadro funcional que, atualmente, constitui-se

em:

8 Texto retirado do Histórico da escola.

89

Monitoras (40h): funcionárias de concurso em extinção, compreendem

educadoras que tiveram sua formação em magistério e graduação em

Pedagogia através de convênios municipais e que, até o presente momento,

continuam com remuneração e carga horária diferenciadas das demais

professoras e, atuam com crianças de 0 a 3 anos, ficando, na escola, com 2

e 3 anos, já que seu espaço físico não comporta berçário.

Professoras de pré-escola (25h): professoras de concurso em extinção que

atendiam crianças de pré-escola, seis anos e, atualmente, com o ensino

fundamental de 9 anos e com as modificações legais das faixas etárias

referentes à pré-escola, atendem crianças de 4 e 5 anos. Assumiram as

atividades docentes com a exigência da formação em magistério, mas

possuem, também, graduação em Pedagogia, algumas, realizaram-na por

intermédio do convênio municipal.

Professoras de educação infantil (30h): concurso mais recente que admitiu

professoras com formação em Magistério e/ou Pedagogia para atuarem com

crianças de 0 a 5 anos, na escola, de 2 a 5 anos.

O módulo de turmas matriculadas em 20109 se dispõe da seguinte forma:

TURMA

FAIXA

ETÁRIA

PERÍODO

Nº DE

CRIANÇAS ATENDIDAS

*EDUCADORA

Ciclo I – 3ª etapa A 2 anos Integral 15 Monitora (40hs)

Ciclo I – 4ª etapa A 3 anos integral 17 Monitora (40hs)

Ciclo I – 4ª etapa B 3 anos parcial/tarde 17 PEI (30 hs)

Ciclo II – 1ª etapa A 4 anos integral 22 Manhã: PPE (25hs) Tarde: PEI (30hs)

Ciclo II – 1ª etapa B 4 anos parcial/manhã 22 PPE (25hs)

**Ciclo II – 1ª etapa C 4 anos parcial/manhã 22 professora substituta

Ciclo II – 2ª etapa A 5 anos Integral 25 Manhã: PPE (25hs) Tarde: PPE (25hs)

Ciclo II – 2ª etapa B 5 anos parcial/manhã 25 PPE (25hs)

*Nomenclatura utilizada para se referir a todo quadro docente (monitores, professores de pré-escola, professoras de educação infantil)

9 A Pesquisa de Campo foi realizada em 2009, entretanto, na continuidade, alguns dados que foram

compondo a pesquisa, seguiram o percurso temporal e se referem ao ano de 2010.

90

**Classe criada em maio de 2010, sua professora não participou da pesquisa, pois, pela data de sua entrada, as investigações de campo, realizadas no HTPC, estavam concluídas. Legenda: PPE – Professor de Pré-escola; PEI – Professor de Educação Infantil.

O espaço físico da escola, um terreno de 1097,03 m², que aguarda reformas,

veio se formando no percurso de sua história, reservando uma grande área

destinada ao parque como única área externa. O terreno de esquina, em declive,

mostra-se todo em área construída, dividida em 497,74 m² de pavimento térreo e,

441,33 m² de pavimento superior.

Um pequeno portão, ao lado da movimentada rua principal, de mão dupla,

destina-se à entrada e saída da escola. Defronte a ele, no pavilhão inferior, inicia-se

o setor administrativo: secretaria; sala da direção; sala da agente escolar de saúde;

banheiro; corredor e, uma pequena cozinha de funcionários.

No mesmo módulo, no pavimento superior: biblioteca (composta por uma sala

grande e duas saletas, referentes, ainda, à antiga construção do posto de

puericultura); sala de vídeo; uma sala de múltiplas atividades, inclusive, descanso;

um salão; dois banheiros; uma sala de funcionários e, uma de material pedagógico.

Ainda no pavilhão superior, unido a uma rampa de entrada, presenciam-se

cinco salas de “aula” e dois grandes banheiros infantis.

No pavilhão inferior, ao lado do administrativo, localiza-se o refeitório; dois

grandes banheiros infantis; a cozinha com despensa e, uma lavanderia, espaço

demarcado por uma escada de quatro degraus onde se situa, logo acima, duas

salas de “aula”, uma delas com banheiro, fazendo a divisão da extensão do parque.

O parque é o espaço que mais chama a atenção da escola, uma ampla área

onde se dispõe antigas e grandes árvores e, uma velha piscina desativada e

transformada em um tanque de areia.

Neste espaço, já brincaram muitos avôs, avós, tios, tias, primos, primas,

irmãos e irmãs das crianças matriculadas atualmente. A escola se constitui como

referência no imaginário das muitas famílias que insistem em aguardar uma vaga

para que suas crianças possam pertencer a ela, chegando a negar matrículas em

outras escolas e ficar na lista de espera dessa.

O bairro pertencente à escola é um local de muitos comércios e de pessoas

que conquistaram sua casa própria há muito tempo atrás.

91

As famílias atendidas constituem uma grande variação sócio-econômica e de

atividade de trabalho (professores, policiais, caixas, atendentes, comerciários,

domésticas, trabalhadores de empresas, autônomos entre outros).

Entretanto, das muitas escolas da rede, esta possui famílias de melhor padrão

de renda, observando-se a classificação sócio-econômica (inferior) pertencente a

outros bairros.

Atualmente, percebe-se que muito se caminhou aos quase 52 anos de

fundação da escola. Em seu Projeto Pedagógico, realizado no coletivo docente, que

se refere ao ano de 2010, encontra-se descrito uma concepção de educação

embasada na teoria histórico-cultural. Concepção de escola de educação infantil

como lugar organizado coletivamente no intuito do desenvolvimento integral da

criança, ou seja, educar e cuidar indissociavelmente.

Descreve-se, também, a concepção de criança como ser histórico, social,

cultural, produtora e consumidora de cultura; concepção de avaliação, segundo o

decreto municipal nº 8.136, de 21 de outubro de 1989, que compõe o Regimento

Comum das Escolas Municipais, parágrafo único do artigo 80: “O processo de

avaliação deve ser imediato e contínuo e ter como base a visão global do educando,

subsidiado por observações e registros obtidos no decorrer do processo”.

Além do diagnóstico da realidade escolar, destacando a necessidade de

formação continuada dos professores; metas; ações; conteúdo curricular e projetos

educacionais.

3.2.2 - Os sujeitos da pesquisa

O grupo participante foi formado por nove professoras e duas estagiárias10,

essas atuam trinta horas semanais, portanto, seis diárias, uma, auxiliando nas

atividades pedagógicas com crianças especiais e, outra, realizando atividades como

“volante”, no atendimento das demais crianças.

10

Nomenclatura que se refere às estudantes de Pedagogia que são contratadas pela Prefeitura Municipal, através de um órgão conveniado, para desempenharem funções de auxílio pedagógico ao professor, cumprindo uma carga horária de seis horas diárias.

92

As estagiárias são estudantes de Pedagogia e têm a oportunidade de

relacionar a teoria e a prática na atividade de trabalho educacional inicial. Este grupo

investigado é formado por faixas etárias variadas entre 21 a 51 anos.

O quadro abaixo localiza, com nomes fictícios (tendo como critérios a ética e,

o tema da literatura, ou seja, o primeiro nome de algumas escritoras) alguns dados

das professoras e estagiárias:

NOME IDADE FORMAÇÃO E ANO DE CONCLUSÃO

CARGO DATA DE INGRESSO

NO MUNICÍPIO

Cecília

42 Magistério (2001) e Pedagogia

(2008), realizados em serviço,

através de convênio municipal.

Monitora (40h) 06/02/1998

Florbela

27 Pedagogia (2008), realizada em

serviço, através de convênio

municipal.

Monitora (40h) 21/02/1991

Rachel 30 Pedagogia (2002) Professora de Educação

Infantil (30h)

29/10/2007

Virginia 36 Pedagogia (2009) Professora de Educação

Infantil (30h)

18/01/2009

Marina 57 Pedagogia (1983) e Economia

Doméstica (1978) (curso em extinção

da USP)

Professora de Pré-

escola (25h)

14/04/1986

Clarice 46 Pedagogia (1991) Professora de Pré-

escola (25h)

17/02/1993

Simone

42 Magistério (1986) e Pedagogia

(2006), realizada em serviço, através

de convênio municipal e, Geografia e

História (2001)

Professora de Pré-

escola (25h)

14/04/1987

Cora 51 Magistério (2001) e Pedagogia

(2007), realizada em serviço, através

de convênio municipal

Professora de Pré-

escola (25h)

*16/09/1996

Lygia 49 Magistério (1980) e Pedagogia

(2007), realizada após entrada no

cargo.

Professora de Pré-

escola (25h)

10/09/1993

Pagu 21 Estudante de Pedagogia Estagiária (30h) 08/04/2009

Rosa 23 Estudante de Pedagogia Estagiária (30h) 03/07/2009

*A professora ingressou como monitora, em 1996, depois de cursar o Magistério, em 2001, prestou

concurso e re/ingressou como Professora de Pré-escola, no ano de 2002.

93

O quadro mostra que todas as professoras, inclusive as monitoras, têm

formação em Pedagogia. Das nove professoras pesquisadas (incluindo as monitoras

neste grupo), quatro realizaram graduação em Pedagogia através do convênio

municipal, atividade que se deu concomitantemente ao trabalho. As outras quatro

professoras já haviam concluído o mesmo curso antes do início da atividade

profissional na prefeitura e, uma, realizou-o em período concomitante ao trabalho,

mas, por meios particulares.

Sete professoras realizaram o curso de Pedagogia após o ano 2000 e, duas,

anteriores a esse ano, ficando, uma, na década de 80 e, outra, na de 90. Além disso,

duas professoras têm, também, outra formação, uma em Economia Doméstica e,

outra, em Licenciatura.

As informações também expõem as diferenciadas cargas horárias (inclusive

salariais) e faixas etárias atendidas conforme o concurso (monitora, atua 40 horas

semanais, com crianças de 2 e 3 anos; professora de pré-escola, atua 25 horas

semanais, com crianças de 4 e 5 anos e; professora de educação infantil, atua 30

horas semanais, com crianças de 2 a 5 anos). Diferenças que promovem conflitos,

confrontos e dilemas entre o grupo, às vezes, explícitos e, outras, implicitamente

vivenciados.

Das professoras acima, algumas acumulam atividades profissionais em

horários contrários aos exercidos na escola pesquisada.

Rachel realiza outras atividades administrativo-burocráticas. Clarice é

professora estadual, efetiva, do ensino fundamental, ciclo I. Simone atua como

professora estadual, efetiva, de Geografia. Cora atua com atividades de educação e

cuidados de duas crianças de uma família que a contrata. Lygia é professora de

educação infantil, aposentada, de outro município próximo.

Assim, os sujeitos da pesquisa compõem um grupo que se dispõe entre

diferenças e singularidades expressas no cotidiano da função de educar e cuidar da

infância na escola pesquisada.

3.2.3 - A pesquisa de campo

94

Segundo Freitas (2002, p. 28), a partir da perspectiva histórico-cultural, uma

pesquisa parte da elaboração de uma questão orientadora, da qual sua

compreensão exige uma aproximação, “imersão” junto ao contexto investigado.

Assim: “o pesquisador frequenta os locais em que acontecem os fatos nos quais

está interessado, preocupando-se em observá-los, entrar em contato com pessoas,

conversando e recolhendo material produzido por elas ou a elas relacionados”.

Esta ação de familiarização aos sujeitos, a todo o conjunto que compõem a

pesquisa, abrange “a descrição pormenorizada das pessoas, locais e fatos

envolvidos. A partir daí, ligadas à questão orientadora, vão surgindo outras questões

que levarão a uma compreensão da situação estudada” (Ibidem).

Desta forma, o campo da pesquisa já era muito familiar à pesquisadora

(diretora), do qual sua presença se fez constante, numa rotina de atividades

profissionais diárias que envolvia todo o contexto pesquisado, o diálogo junto aos

sujeitos (professoras), às famílias, crianças, demais funcionários e comunidade.

Assim, a imersão junto ao contexto físico, humano, temporal, espacial lhe

eram muito próximos e faziam parte de longas e duradouras observações,

avaliações, discussões, audições, questionamentos.

O fato da pesquisadora atuar como diretora escolar junto ao grupo

pesquisado proporcionou a dimensão, a complexidade e o aprofundamento do

conhecimento do campo investigado que lhe era muito peculiar, entretanto, foi

somente a partir da pesquisa, do desenvolvimento (“em desenvolvimento”) do olhar

de pesquisadora, dos estudos, orientações que a pesquisadora iniciou a junção de

todo o material de campo, recolhendo, selecionado, compondo, descrevendo os

preciosos dados.

Neste percurso, este trabalho, apesar de contar com a positividade de uma

investigação iniciada antes da pesquisa, afunilou-se e se materializou a partir de

todo tempo de seu desenvolvimento, compartilhado com a frequência cotidiana da

pesquisadora ao lócus pesquisado em contato com os sujeitos envolvidos.

Desta forma, em meio à rotina pedagógica, o tema da relação entre família e

escola já exercia lugar, há tempo, na pauta das atividades, principalmente nos

HTPCs, com as mais variadas discussões.

Entretanto, nesta pesquisa, a investigação da relação família e escola,

mesmo já sendo “observada” anteriormente, passou a ser descrita a partir de sua

95

investigação formal, ou seja, da comunicação da pesquisa e do consentimento do

grupo.

Para que o tema da relação família e escola (que constituía, no diagnóstico da

realidade da escola pesquisada, a emergente necessidade de investimentos e

estudos) fosse investigado de forma a abordá-lo através de uma organização que

garantisse o diálogo, a expressão dos sujeitos professores, foram planejadas

“atividades” estratégicas, priorizando a composição de ideias das professoras por

meio de textos elaborados individualmente sobre o tema e discutidos,

posteriormente, coletivamente, processo que revelou importantes dados.

Assim, o planejamento estratégico da investigação de campo (enriquecidos

pelos dados já revelados, anteriormente, no contexto), bem como os registros das

professoras, escritos e orais, audiogravados, fizeram-se presentes a partir de dois

momentos de três encontros de HTPC, no 2º semestre de 2009, da qual as

professoras participam por duas horas semanais, mas que, pela polemização do

tema, ultrapassaram esse tempo, principalmente nos encontros da discussão

coletiva. O tema ainda foi levado e comentado, na continuidade das demais

atividades.

3.2.3.1 - Primeiro momento estratégico

O primeiro momento estratégico da pesquisa de campo se caracterizou como

um momento coletivo de leitura e elaborações de escritas individuais da

investigação, em um encontro de HTPC.

Este momento foi planejado como uma estratégia que colocasse as

professoras em participação crítica, que as afetasse, ligasse-as, estimulasse-as a

responder uma situação textual normativo-legal e, outra, que simulava um conflito

provocativo da teoria e da prática existente no cotidiano escolar da educação infantil,

na relação família e escola.

96

Foram trazidos para este momento dois fragmentos textuais, admitindo dois

olhares: o normativo legal, que cita a relação família e escola como

complementaridade de educar (expresso no fragmento 1) e a rotina pedagógica,

desenvolvida entre conflitos e confrontos cotidianos do embate dessa relação

(expresso no fragmento 2).

Esse momento foi estratégico para a abordagem das perspectivas das

professoras sobre a relação entre família e escola na ação do educar e cuidar,

revelando diversas angústias e conflitos, principiando a construção da resposta à

questão investigativa.

A atividade iniciou, então, a partir da reflexão de dois fragmentos textuais,

sendo, posteriormente, solicitado às professoras, a elaboração das considerações

sobre esses fragmentos.

O primeiro fragmento abordou a finalidade legal da educação infantil,

ressaltando o desenvolvimento integral da criança através da relação de

complementaridade entre família e escola.

Esta escolha se deu devido à fundamentação dos princípios legais se

inserirem nos aspectos educacionais vivenciados no cotidiano escolar pelas rotinas

pedagógicas das professoras.

Fragmento 1

Educação Infantil na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

(LDBEN/1996):

Sua finalidade é o desenvolvimento integral da criança nos aspectos físicos,

psicológico, intelectual e social;

É complementar à ação da família e da comunidade no desenvolvimento da

criança, sendo, pois, necessária, a integração escola-família-comunidade.

97

O segundo fragmento, um bilhete retirado do livro “O educador e a moralidade

infantil: uma visão construtivista”, de Telma Pileggi Vinha (2000), foi escolhido pelo

tom provocativo na abordagem da temática da relação família e escola, dispondo

outra ótica, uma situação desafiadora dessa relação e de seus objetivos diante da

mesma criança.

A seleção dos fragmentos se contrastou de uma relação de

complementaridade entre família e escola descrita na Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional (LDBEN/96), a uma situação de problematização, típica à

educação infantil, que confrontou teoria e prática demarcadas por tempos e espaços

distintos nas instituições educacionais escola e, família, além da integração exigida

neste fazer educacional entre essas duas instâncias.

Fragmento 2

A professora [...] enviou à mãe de um determinado aluno um bilhete em que dizia,

entre outras coisas, que a criança estava “conversando demais, não havia

terminado a lição de casa e havia brigado com o colega no recreio por causa de

um álbum de figurinhas”. A resposta da mãe veio no dia seguinte também por

meio de um bilhete em que estava escrito que a criança “não quis tomar banho,

ficou muito tempo na frente da televisão e recusou-se a dormir cedo..., o que a

professora poderia fazer para ajudá-la?” (VINHA, 2000, p. 279, os aspas internos

seguem o texto original).

Assim, após a leitura e a compreensão dos fragmentos, foi solicitado o

registro escrito das considerações das professoras.

Fundamentadas na interpretação dos fragmentos e, na experiência teórico-

prática da docência, as professoras tiveram como atividade, registrar suas críticas,

conflitos e sugestões, baseadas nas concepções teóricas construídas no percurso

de formação e, na prática pedagógica formada durante a vida profissional.

98

A elaboração deste texto se deu individualmente e cumpriu com o objetivo

proposto de contagiar o grupo ao exercício da constituição da escrita, no qual as

professoras demonstraram uma participação ativa, realizada com afinco.

Considerações das professoras:

Como professora de educação infantil, com base em sua concepção de educação

e em sua experiência profissional, teórica e prática, registre suas considerações

diante dos textos 1 e 2.

3.2.3.2 – Segundo momento estratégico

O segundo momento estratégico foi marcado pela participação coletiva do

grupo na discussão dos textos elaborados, perfazendo dois encontros

audiogravados, um momento que colaborou com o re/conhecimento dos textos

produzidos individualmente pelo grupo, além da possibilidade de poder contribuir

com as idéias expressas, clareá-las ou modificá-las verbalmente, uma construção

coletiva de sentidos verbalizados a partir dos textos elaborados.

A discussão foi realizada mediante a leitura dos textos distribuídos de modo a

não serem lidos pela própria autora. Dessa forma, os textos foram refletidos e

discutidos, evitando o reconhecimento inicial da autoria, o que possibilitou maior

fluência das falas, pois, o objetivo era focar, discutir, esclarecer, compreender,

refletir as ideias elaboradas nos textos.

Esta discussão foi mediada pela pesquisadora diante de uma pré-análise

dos textos elaborados pelas professoras, fator que orientou esta atividade,

99

proporcionando coordenar as falas a esclarecer, refutar, explicar melhor, enfim,

concordar ou discordar, possibilitando propostas ou convites à reflexão.

A transcrição desses encontros revelou um diálogo que evidenciou, em

alguns momentos, situações conflitantes expostas, contudo, em outros momentos,

dimensionaram-se discordâncias e/ou concordâncias, interrupções, ênfases, além de

repetições de expressões e ideias.

Algumas ideias dos textos elaborados foram mantidas na discussão, outras,

esclarecidas, refeitas, outras, ainda, serviram como ponto de partida para a

condução de novas angústias, conflitos do exercício da docência na educação

infantil.

Neste contexto, para a pesquisadora que, também, faz parte do grupo de

professoras, atuando como diretora, na atividade de coordenar a formação

continuada deste grupo:

Investigar, saber transformar uma dificuldade prática numa questão de

pesquisa, tomar distanciamento em relação à ação para estudá-la,

sistematizá-la e escrever sobre ela foi um aprendizado e uma conquista.

(GARRIDO et al, 2000, p.98).

Aprendizado e conquista que foram se fortalecendo a cada momento de

efetivação da pesquisa, desde seu ponto inicial, os encaminhamentos ao campo, a

investigação das falas, a leitura das teorias, as orientações, até a narração e

teorização da pesquisa como um todo.

Um processo dialético que trouxe riquezas imensuráveis, tanto no campo

profissional que se destaca a pesquisadora como no campo pessoal, ou seja,

humano.

100

CAPÍTULO 4

A RELAÇÃO DE COMPLEMENTARIDADE ENTRE FAMÍLIA E

ESCOLA: AS PERSPECTIVAS DAS PROFESSORAS

Verdade

A porta da verdade estava aberta,

mas só deixava passar meia pessoa de cada vez.

Assim não era possível atingir toda a verdade,

porque a meia pessoa que entrava só trazia o perfil de meia verdade.

E sua segunda metade voltava igualmente com meio perfil.

E os meios perfis não coincidiam.

Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta. Chegaram ao lugar luminoso

onde a verdade esplendia seus fogos. Era dividida em metades diferentes uma da outra.

Chegou-se a discutir qual a metade mais bela.

Nenhuma das duas era totalmente bela. E carecia optar. Cada um optou conforme

seu capricho, sua ilusão, sua miopia (ANDRADE, 2002, p. 47).

Este capítulo objetiva responder a questão que delineou toda a investigação

desta pesquisa:

Quais as perspectivas de professores de educação infantil sobre a relação

entre família e escola?

Como já abordado, a pesquisa considera os sujeitos professores como seres

histórico-culturais observando suas atividades concretas, circunstanciadas.

Desta forma, a construção das análises foi orientada pela perspectiva

histórico-cultural, o que possibilitou uma leitura direcionada ao contexto investigado,

conectando-o à macro história, ou seja, partindo do contexto individual, em direção

ao coletivo, social.

101

O processo de análises foi complexo, árduo e difícil, resultado de inúmeras e

incansáveis leituras dos textos individuais e coletivos, ancoradas ao panorama

contextual da pesquisa, como já revelado, muito peculiar à pesquisadora (diretora).

Nesse sentido, a construção das análises, conectada ao contexto investigado,

contou com o material desenvolvido nos HTPCs, ou seja, os textos individuais e a

discussão coletiva. Os primeiros (textos individuais) sendo base para a realização do

segundo momento (discussão coletiva) e se atentou às palavras, expressões, ideias

explícitas e implícitas, detalhes significativos das falas das professoras que:

concordaram-se, discordaram-se, repetiram-se, ocultaram ou explicitaram ideias que

se remeteram à história, propondo a compreensão do contexto de significação

profissional das professoras.

Na discussão coletiva, a entonação expressiva foi compartilhada pelas

interlocutoras que se remeteram ora a uma, ora a outra, ora à pesquisadora

(diretora), interromperam-se nas falas, complementaram-se oralmente na expressão

da ideia ou, modificaram-na no meio dessa expressão, auxiliada pela interlocutora

companheira.

A atividade de discussão coletiva propiciou que as professoras pudessem

expor, revelar suas ideias, seus conflitos, impasses, ideologia, confrontos e,

também, o idealismo que buscam na relação junto à família.

Inicialmente, os textos, as falas pareciam trazer variadas questões,

separadas, independentes que se repetiam ao longo da discussão, contudo, as

leituras foram proporcionando a interpretação de que as questões se conectavam.

Esta conexão foi construindo a compreensão de que os temas se formavam

interdependentemente pelas perspectivas das professoras a partir de um desejo11 de

padronização de família, advindo da ideia da família nuclear, ainda que admitindo as

transformações econômicas, políticas, culturais que modificaram essa família e

atribuíram-na diversificadas tipologias alternativas no mundo contemporâneo.

Da mesma forma, esse fato também despertou o desejo de padronização do

conceito de escola como um lugar onde se ensina conteúdos formais da infância.

Assim, nesta pesquisa, tomou-se a palavra significação, bem como

padronização, modelo de família no entendimento da teoria vigotskiana:

11

Neste texto, chama-se de desejo, a ideia, a partir de conceitos pré-estabelecidos, que insiste em organizar o pensamento e as palavras das professoras.

102

Na conversão das relações sociais em relações intrapessoais, o elemento que permanece constante é a significação. Mas a significação social das relações é convertida em significação pessoal (“quase social”) dessas relações. Estas adquirem o sentido que lhes dá o indivíduo. Por exemplo, a significação social da relação “pai <> filho”, instituída pela sociedade, converte-se na significação que tal pai tem para tal filho e vice-versa. Significações diferentes e que, por isso mesmo, são a fonte de crises e conflitos pessoais, como o mostra a experiência da vida cotidiana (ANGEL PINO, 2000, p. 68).

Nesse sentido, os dados foram abordando a necessidade de formação

continuada das professoras para a compreensão das transformações em que se

organizaram as instituições família e escola, proporcionando a profissionalização

através do estudo teórico, da reflexão da prática para a compreensão dos objetivos

da educação infantil diante do papel de ser professor de educação da infância.

Em sequência, as novas leituras de todo o material de campo foram se

re/fazendo através da ação de selecionar, organizar os diálogos relacionados a dois

grandes temas que compreendiam as questões discutidas e que também se

intercomunicavam.

À pesquisadora, em todo o encaminhamento do processo da pesquisa, coube

o desafio de observar, analisar e narrar, não se esquecendo de sua posição de

narradora, também, personagem. Todavia, na ação da construção dos dados,

“somente eu [pesquisadora], no grupo, ouvi demorada e repetidamente as fitas,

transcrevi nossos dizeres e tive a liberdade de selecionar parte de nossas palavras e

compor com elas o texto que se segue. Os recortes foram meus [...]” (FONTANA,

2003, p. 78).

Esses recortes abarcaram as questões em dois grandes temas com o objetivo

de organizar a forma de apresentação, um caminho percorrido para encontrar as

categorias necessárias para o aprofundamento da temática em respostas à questão

da pesquisa, no intuito de:

possibilitar a compreensão do objeto estudado, de oferecer uma chave para a

entrada da empiria [...] Longe de pretender classificar todas as falas, como se

fossem caixinhas ou gavetas onde os discursos seriam formatados, a categoria

(tematização) é uma das maneiras possíveis de organizar os achados da

pesquisa, favorecendo a leitura, dando ao pesquisador um dos recortes, de tal

modo que possa ver, ler, interpretar, concluir, perceber as convergências e os

afastamentos. O conjunto de categorias foi conduzido lenta e delicadamente

(KRAMER, 2005, p. 36).

103

Entre os desafios e a arte da interpretação, as janelas foram se abrindo,

compondo tempos e espaços. Desta forma, os diálogos foram submetidos à

apresentação de duas unidades de discussão.

As análises perfizeram, então, duas categorias que se complementaram, um

processo de tematização realizado para sistematização e apresentação, já que os

temas se repetiam e se conectavam no total do diálogo das professoras.

Desta forma, abriu-se a primeira categoria de análise com o tema: “A família

imaginada pelas professoras: perspectivas sobre a relação de complementaridade”.

Esta discussão indicou uma significação, desejo de padronização de um modelo de

família, consequentemente, também, de escola, concebido pelas perspectivas das

professoras, destacando conflitos na relação de complementaridade junto ao

contexto real das famílias atuais.

Em decorrência às perspectivas docentes sobre os modelos familiares e

escolares padronizados, as falas apresentadas pelas professoras compuseram um

quadro de ambiguidades às especificidades do educar e cuidar da infância.

As padronizações, mesmo considerando as transformações histórico-

culturais, transcorreram-se desde os aspectos da composição da família, da

atividade profissional, ao comportamento desta instituição, ou seja, julgamentos de

valor que definiram as perspectivas das professoras em relação à educação e

cuidados fornecidos à criança.

As perspectivas docentes destacaram, ainda, a necessidade de participação

dos pais no processo de educar e cuidar da infância, porém, esta participação foi

delineada conforme o significado apreendido pelas professoras sobre a relação de

complementaridade, enfatizando o papel que cabe a cada uma das instituições

educadoras na divisão de tarefas.

À escola coube, nesta divisão, ensinar conteúdos formais e, à família, educar

para a formação de valores, principalmente, no que se remete ao comportamento

infantil e, cuidar, no aspecto físico.

Em continuidade à construção das análises, apresenta-se a segunda

categoria: “Educar e cuidar: uma perspectiva de complementaridade ao ensinar”.

A divisão de papéis significados pelas perspectivas das professoras sobre a

relação de complementaridade entre família e escola continuou revelando os

conflitos docentes sobre o não cumprimento do papel pertencente à família.

104

Além do papel de ensinar conteúdos formais, as professoras destacaram o

papel do cuidar referente ao binômio que compõe as especificidades da docência da

infância.

O cuidar objetivou, nas falas das professoras, um cuidado físico que atende

noções de higiene. Neste entender, o cuidar se referiu a um aspecto didático-

pedagógico, ou seja, cuidam-se do aspecto físico através de uma didática

apropriada à infância, no intuito de conferir o ensino de conteúdos formais como

noções de higiene.

Nesta integração, tanto ensinar como educar atenderam aos objetivos formais

da escola que é, nas perspectivas das professoras, o ensino de conteúdos através

do binômio ensinar e cuidar.

4.1 – A família imaginada pelas professoras: perspectivas

sobre a relação de complementaridade

Para a composição desta categoria, no total das expressões docentes, foram

selecionadas falas que a formavam e se relacionavam com outras falas,

desenvolvendo, tanto o primeiro grande tema, como, também, o segundo. Assim,

através deste critério de seleção, apresentação e análise das falas é que se inicia

este texto.

A professora Virgínia abre a discussão com um desabafo que dá início aos

conflitos da prática das professoras na relação junto à família:

(Professora Virgínia) Então a gente acaba ficando, a gente fica perdida mesmo, você

está fazendo uma coisa, mas não se sabe por que, pra quê e da mesma forma o que

faz, pela questão histórica do assistencialismo, é...

E também não tem sentido, sei lá, eu vou colocar meu filho no Jardim I, no

Maternal porque eu acho que conviver com outras crianças é bom, porque sair um

pouco de casa vai fazer bem, não é? Às vezes não é isso. É..., eu preciso deixar

meu filho na escola porque preciso trabalhar.

105

A professora Virgínia expressa conflitos e ambiguidades no papel da docência

da infância. A declaração: a gente fica perdida mesmo indica que sua formação

inicial (Pedagogia 2009) difere da realidade vivenciada.

Abordando esse contexto, Oliveira (2002, p. 178) declara que: “a formação

inicial dos professores de educação infantil tem sido apontada como fonte de

obstáculos para uma produtiva relação entre instituição educacional e família”. Fato

que a professora reforça relatando que: você está fazendo uma coisa, mas não se

sabe por que, pra quê e da mesma forma o que faz...

A resposta da professora encontrada para este dilema seria a questão

histórica do assistencialismo, principalmente, sobre o fato de que a família precisa

deixar a criança na escola porque necessita trabalhar e, isso, sobrepõe-se, para a

professora, ao objetivo do desenvolvimento integral da criança.

A escola aparece, então, neste contexto, como, primeiramente, um lugar onde

a criança fica enquanto seus pais trabalham.

Entretanto, nesse mesmo sentido, a professora Simone, que tem 23 anos de

experiência profissional na educação infantil, também concorda com a professora

Virgínia e relata seu conflito, singular, nesta relação entre as instituições família e

escola na educação da infância:

(Professora Simone) Eu vejo assim, muitos pais não pensam, vem apresentando a

criança, mas, a necessidade é dos próprios pais, terem um lugar para a criança ficar,

ainda tem... Eu vejo assim, principalmente o integral [período integral], não estão tão

preocupados, assim, com o desenvolvimento integral da criança, não vamos

generalizar, mas a grande maioria está preocupada em um lugar pra criança ficar.

Posto o conflito através das falas das professoras, junto ao objetivo primeiro

da família, ou seja, a escola como um lugar para a criança estar enquanto os

pais/responsáveis trabalham, iniciam-se outras falas similares, entretanto, destacam

o papel da mãe enquanto principal membro familiar responsável pela criança,

revelando um problema de gênero estabelecido pelas professoras, cabe à mãe,

mulher, a responsabilidade sobre a criança.

106

Anuncia-se, então, a narrativa da professora Rachel que retoma o dilema e o

expressa com uma fala emocionada, colocando-se no lugar da criança (da mãe

trabalhadora) através de seu relato que relembra sua infância:

(Professora Rachel) Sabe na..., quando eu estudava, eu ia para a escola, lá, eu

chegava em casa, eu tinha... Eu chegava em casa, a minha mãe não falava nada de

escola, sabe? Ela brincava comigo, a minha mãe não trabalhava fora. Então a

criança chega a casa, não tem quem ajude ela, sabe? Ela não tem..., então, ela, na

casa, ela come com colher. A mãe chega a casa, ela tem roupa pra lavar, ela tem

comida pra fazer e diz: Eu vou por um prato de comida pra criança comer. Vai abrir a

bolsa da criança. Então, eu não acho que tem participação e o que a gente busca,

né? Que..., que..., que exista isso. Não é? Então, a LDB fala isso, isso é uma

questão, o que eles estão querendo e o que a sociedade hoje pode dar.

Para a professora Rachel, à mãe que trabalha fora é imposta uma rotina de

dupla jornada, o que a faz, quando ela chega a sua casa, continuar as atividades de

trabalho no cuidar da casa, da bolsa, da roupa da criança e, também, da

alimentação, atividade que a criança tem que realizar sozinha, pois, a mãe não

dispõe de tempo para dar-lhe atenção, ajudá-la, muito menos para brincar com ela

como sua mãe fazia.

Ainda que considerando as transformações junto à família contemporânea, o

fato da (suposta) mãe (que trabalha fora) não acompanhar de perto a alimentação

da criança, entre outras falas subsequentes, acarreta que esta criança vá para a

escola sem saber se alimentar “adequadamente” e, isso, atribui às professoras a

atividade de ensiná-la, o que Rachel chama de aprendizagem de necessidades

básicas, função que ela, entre outras professoras, confere à família, como destaca

em seu texto12 e, não à escola que deveria ensinar conteúdos próprios do espaço

formal:

(Texto, professora Rachel) A primeira educação que a criança recebe desde que

nasce é aquela oferecida pelos pais/responsáveis. Nesta fase ela aprenderá a

12

A palavra texto será demarcada toda vez que se referir à escrita das professoras, já, as falas, só serão demarcadas pelos nomes das professoras que as pronunciaram.

107

alimentar-se, higienizar-se, comunicar-se, socializar-se etc. Chamo esta primeira

educação de necessidades básicas para o desenvolvimento humano.

[...] Entramos na seguinte discussão: qual é o papel da escola: educar ou

ensinar?

Em minha opinião, educação deve vir de casa e cabe a escola o papel de

ensinar...

Concordando com Rachel, mais adiante, ocorre a leitura do texto da

professora Lygia. Seu texto contribui com o “dilema da mãe que trabalha fora”:

(Texto, professora Lygia) Na sociedade contemporânea, está acontecendo a

inversão de papéis. Mães trabalhando fora, as responsabilidades que eram das

famílias estão sendo transferidas para as escolas, não sobrando tempo e

oportunidade para trabalhar conteúdos que realmente levem o ser humano a atingir

plenamente os objetivos que são trabalhados no espaço escola formal.

Para Lygia, em conformidade às falas das outras professoras, a função da

escola é ensinar conteúdos próprios do espaço formal, aqueles que não se

aprendem em casa.

Estas reflexões implicam em rever o contexto histórico da educação infantil no

Brasil, o qual traz uma trajetória intimamente ligada à questão de gênero, à mulher

pertenciam, naturalmente, biologicamente, todos os deveres de “mãe”, a ela cabia

cuidar da criança.

Este percurso da educação da infância já se organizou para atender a mulher

trabalhadora que, marcada por fatores econômicos, pela industrialização, passou a

fazer parte do mercado de trabalho.

No caminhar desta história, a educação infantil:

liga-se às modificações do papel da mulher na sociedade e suas repercussões no âmbito da família, em especial no que diz respeito à educação dos filhos. Essas modificações inserem-se no conjunto complexo de fatores contraditórios presentes na organização social, com suas características econômicas, políticas e culturais. Em especial, a creche deve ser compreendida dentro de um contexto social que inclui expansão da industrialização do setor de serviços, ao mesmo tempo em que a urbanização se torna cada vez maior (OLIVEIRA, 1992, p. 17).

108

Duarte (2000) ressalta que a saída das mulheres para o mercado de trabalho

acarretou a criação das instituições de atendimento à infância, as quais passaram a

dividir a educação das crianças com a família.

Hoje, legalmente, a educação da criança deve ser dividida entre Família,

Escola, Comunidade e Poder Público, de acordo com o artigo 4º do Estatuto da

Criança e do Adolescente, o que proporciona que:

Atualmente, a escola e outras instituições de educação, esporte e recreação preenchem atividades dos filhos que originalmente eram responsabilidade dos pais. Os ofícios não mais são transmitidos de pai para filho dentro dos lares e das corporações de ofício. A educação cabe ao Estado ou a instituições privadas por ele supervisionadas (VENOSA, 2005, p. 22).

Todavia, no cenário da educação infantil, o quadro funcional de atendimento à

infância se ligou à ação assistencialista, ressaltando os cuidados necessários à

criança na ausência da família.

Às profissionais da infância era necessário gostar de criança, comunicar-se

bem, serem simpáticas, dinâmicas (MACHADO, 2002), características do percurso

histórico da educação da infância que marcou (e ainda marca) um sentimento de

desvalorização profissional.

A ideia de cuidados abriu espaço para a ideia de educação nas instituições

infantis que passou a ser divulgada nas décadas de 60 e 70, com a chamada

“educação compensatória”, destacando a teoria da deficiência cultural da criança

“carente”, ou seja, a da classe social de baixa renda (SABBAG, 1997).

As transformações do percurso do atendimento à infância continuaram nas

décadas de 70 e, principalmente, 80, com a cobrança da educação infantil como

direito da criança:

Devem-se principalmente às iniciativas populares surgidas no final dos anos 70 a redefinição da creche como equipamento pedagógico específico e como direito – e não mais como ajuda às famílias nos centros urbanos, as creches muitas vezes funcionam como um equipamento de “mil e uma finalidades”, pois a ela chega demandas de todo tipo (de saúde, de higiene, de nutrição e de educação) (FILGUEIRAS, 1994, p. 19).

Na década de 90, encontramos o reconhecimento da educação da infância

como primeira etapa da educação básica na Lei de Diretrizes e Bases Nacionais

109

(LDBEN/96) e, com isso, o objetivo do trabalho da educação infantil se redefiniu

como educar e cuidar, uma redefinição que se colocou no intuito de combater o

assistencialismo que privilegiou o cuidar e, a escolarização que privilegiou o educar,

no sentido do ensinar.

Esse dualismo marcou a construção da história da educação infantil, mantida,

ora entre práticas de cuidados, assistencialismo, ora entre práticas de educação, na

visão de escolarização, de ensino de conteúdos, “educação compensatória”,

preparatória, práticas que ainda têm confundido a real especificidade do papel da

docência da infância.

Contudo, na discussão coletiva das professoras, a ideia de que a função da

escola de educação infantil é ensinar conteúdos próprios do espaço formal é

retomada pela professora Rachel ao grupo, assim, em sua fala, o papel de ensinar a

alimentar-se, de educar, ensinando valores, cabe à família que, a seu ver,

negligencia-o, fato que é destacado verbalmente pela ênfase do uso do verbo ter (a

professora tem que ensinar a comer, tem que ensinar valores porque a família não

ensina):

(Professora Rachel) Aí, chega ao perfil de que além de passar o que a escola tem

que passar, aí tem que ensinar a criança comer, tem que ensinar a criança ser

educada, a respeitar. De onde que vem essas coisas também? É por isso que

quando chega à quarta série, ninguém sabe nada, porque antes da professora

ensinar, ela tem que educar.

Cora também concorda com Rachel, reforçando este dilema através da

palavra complicado:

(Professora Cora) A gente passa a maior parte do tempo educando, né? É

complicado, né?

Para Cora, sua concordância com Rachel não se limita à aprendizagem das

necessidades básicas. A palavra complicado vai se esclarecendo em sua fala

posterior que valoriza, como função da família, a educação de valores:

110

(Professora Cora) Posso falar? Eu achei aí que, assim, a responsabilidade da casa

ficou só no assistencialismo e os valores passaram, então, eu acho assim, o que é

certo ou o que é errado, tem que ver em casa também, não é só na escola, né? Vir

para a escola para aprender o que é certo e o que é errado? É isso que eles

querem?

Explicita-se, na fala da professora Cora, uma clara relação de embate junto à

família que descumpri sua função de transmitir uma educação de valores (“pré-

estabelecidos”): Vir para a escola para aprender o que é certo e o que é errado? É

isso que eles querem?

Assim, em toda a discussão, é destacada, nas falas das professoras, a função

de ensinar conteúdos próprios da escola formal como professoras da educação

infantil. Percebe-se, aqui, uma correlação ao ser professora do ensino fundamental.

Na perspectiva das professoras, a história da Educação Infantil tem mostrado

que, mesmo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996,

articulando o dualismo entre as práticas de assistencialismo e ensino, através da

redefinição junto ao binômio educar e cuidar, na prática atual, muito se tem

confundido no papel da docência da educação integral da infância.

As professoras, no intuito de combaterem o assistencialismo histórico, idéia

que se inicia com a fala da professora Virgínia, na abertura destas análises e,

também, reforçada pelas falas das colegas de profissão, denunciam, além do desejo

de padronização a respeito da família, da escola, confrontos, conflitos e

ambiguidades consequentes ao papel da docência, já que, segundo as professoras,

o papel da escola é ensinar conteúdos formais da educação infantil.

Assim, falar de professor da educação infantil exige explicitar algumas

especificidades que o diferenciam do professor de ensino fundamental, pois:

Enquanto a escola [de ensino fundamental] se coloca como espaço privilegiado para o domínio dos conhecimentos básicos, as instituições de educação infantil se põem, sobretudo, com fins de complementaridade à educação da família. Portanto, enquanto a escola tem como sujeito o aluno e como o objeto fundamental o ensino nas diferentes áreas através da aula; a creche e a pré-escola têm como objeto as relações educativas travadas num espaço de convívio coletivo que tem como sujeito a criança... (Rocha, 1999, p. 62) (grifos do original).

111

Todavia, para as professoras investigadas, na relação junto à família, o papel

do professor de educação infantil é o de ensinar conteúdos e, todas as ações devem

ser desenvolvidas neste objetivo (ensinar e cuidar).

Quando se deparam com a necessidade da família, com a mãe que trabalha

fora, isso as remete ao assistencialismo escolar, a realização do papel que cabe à

família e, não ao de professora no ensino dos conteúdos da infância.

Nesse sentido, mesmo as professoras possuindo formação pedagógica e

experiência profissional, algumas há pouco, outras, há muito tempo, revelam

ambiguidades às especificidades da prática pedagógica do professor de educação

infantil e, com isso, conflitos no papel da docência da infância, principalmente, no

que se remete a relação à família e, no que se destacam perspectivas de desejo de

padronizações de como deveria ser a família e a escola, além da educação que

essas deveriam oferecer à criança.

Este entendimento faz com que as professoras vejam como empecilho a

realidade da família no realizar das especificidades da docência da infância, valor

que também é ressaltado no texto de Virgínia:

(Texto, professora Virgínia) A Educação Infantil, apesar de ter sido incorporada à

legislação e considerada, teoricamente, um direito das crianças, continua com os

resquícios do pensamento assistencialista, já que os pais a veem como um lugar de

cuidados. Soma-se a essa situação, a exploração do sistema capitalista, que retira

dos pais a força e o tempo, impossibilitando uma atenção maior desses com os

filhos.

No fragmento 2, observamos que os professores estão tendo a responsabilidade de

educar e ensinar as crianças, o que sobrecarrega o trabalho, uma vez que os pais

não estão cumprindo a sua parte, como analisamos anteriormente.

Assim, na visão da professora Virgínia, que contempla as demais, ao

combater o assistencialismo, critica-se a família pela falta de tempo e de atenção à

criança, devido o fator do trabalho.

Ressalta-se o papel da escola de ter que educar no lugar da família, já que os

pais não estão cumprindo seu papel, sobrecarregando a escola que deveria ensinar

conteúdos formais.

112

A reflexão das professoras não promoveu uma visão abrangente das

transformações sociais do mundo atual, situando, apenas, parte dos contextos

envolvidos e, justificando-o, de forma conflitante na perspectiva da relação de

complementaridade que envolve a ação de educar a infância.

Para as professoras, na perspectiva de desejo de padronização de família,

consequentemente, de escola, pensar na família atual é enxergá-la como obstáculo

ao desempenho das práticas pedagógicas, além do mais, a relação de

complementaridade, nesta perspectiva, desvaloriza e angustia as professoras, pois,

estas famílias deveriam ser exceções, entretanto, tornaram-se regra na escola atual:

(Professora Clarice) Sabe o que eu percebo [...], assim, né, toda regra tem a sua

exceção, de repente, as exceções se tornaram regras, a gente vai, sabe, vai

angustiando, porque, nossa!, sabe? Não pode isso, não pode aquilo. Se a gente não

nos der o devido valor, essas coisas não vão mudar também.

À professora Clarice, as condições da família na relação de

complementaridade não atendem às necessidades da prática da educação da

infância, o que desvaloriza e angustia as professoras.

Para Bakhtin (2006, p. 21), as falas das professoras não destacam apenas

palavras, mas uma significação vivenciada que as levam ao conflito, pois:

Não são palavras o que pronunciamos ou escutamos, mas verdades ou mentiras, coisas boas ou más, importantes ou triviais, agradáveis ou desagradáveis... A palavra está sempre carregada de um conteúdo e um sentido ideológico e vivencial.

O conteúdo ideológico verbalizado pelas professoras indica desejo de

padronizações a respeito da família e da escola. A ideia de que “a mãe não deveria

trabalhar fora” remete à figura da mulher ligada à maternidade, cabe à mãe a função

de disponibilidade de tempo para cuidar e dar à criança uma educação de valores

(“pré-estabelecidos”), assim, com certeza, esta família subsistiria com o produto do

trabalho da figura do pai.

Neste contexto, encontra-se um modelo de família burguesa, nuclear

concebida, desejada pelas professoras, mesmo admitindo as transformações

sociais, econômicas do mundo contemporâneo e seus reflexos na composição das

113

tipologias de família atuais, além de uma concepção, nesse entender, de escola

como lugar em que se ensina conteúdos formais da infância.

Assim, nesta perspectiva, o texto da professora Florbela segue explicitando

julgamento de valor da falta de “competência” desta família, não nuclear, em educar

e cuidar de sua criança:

(Texto, professora Florbela) Infelizmente nesta sociedade em que vivemos é

importantíssimo a participação da escola e da comunidade no desenvolvimento de

uma criança, pois, os pais sozinhos não conseguem dar conta.

Esta ideia da professora Florbela traz a reflexão e análise da estagiária Pagu

e das professoras Rachel e Clarice sobre o porquê a família não consegue exercer o

papel de educar.

Para Pagu, as famílias formadas fora da constituição nuclear destacam um

estranhamento e a percepção de impotência no ato de educar suas crianças:

(Estagiária Pagu) Bom, a maioria das mães são jovens, muitas são mães solteiras,

então, vamos falar... não dão conta....

As famílias constituídas por mães jovens, solteiras, não perfazem o modelo

de família ideal para educar e cuidar das crianças e, isso tem sido uma característica

peculiar da sociedade atual, onde, segundo as professoras, impera a falta de

valores:

(Professora Rachel) Olha os jovens que têm hoje, não só os pobres, os de classe

média também, vejam o absurdo que cometem. Hoje a sociedade não tem mais

valores, não existem valores.

A consideração da professora Rachel se remete a julgamento de valores “pré-

estabelecidos”, uma visão de naturalização da instituição familiar e escolar, não de

construção social marcada por fatores econômicos, culturais.

Nos desejos de padronizações, as posições das professoras se distanciam do

re/conhecimento do contexto infantil e do diálogo necessário para a organização do

114

tempo e dos espaços destinados à educação e aos cuidados da infância na

instituição escolar na complementaridade à família real da criança.

A escola, historicamente, colocou-se como detentora do saber, ditou normas

e regras morais à família e, isso, parece, ter deixado resquícios:

(Professora Simone) Então, mas é como eu falei, são os valores [...] Mas é fato, eu

vejo as mudanças, mães mais jovens, mas se tivessem trabalhado com os valores,

valores não se perdem.

A discussão das professoras destaca um saudosismo, fato que impossibilita a

reflexão mais apurada da construção social dos valores, da posição hegemônica

elencada pela classe dominante de alguns conceitos pré-definidos junto às

instituições família e escola.

Não reconhecendo, amplamente, o processo de transformação social atual,

Marina se remete ao passado:

(Professora Marina) É, tem um email que fala que a nossa geração foi a última a ser

trabalhado esses valores...

Neste sentido, a ideia das professoras parece conceituar a criança como um

ser desprotegido, o qual necessita de cuidados e educação para um projeto de

futuro, já que se baseiam no que lhe falta no presente, não considerando que a

criança é sujeito da ação educativa, sendo, assim, é preciso considerar as relações

que envolvem esta criança, portanto, sua família, o contexto em que está inserida,

suas necessidades e de que forma se pode organizar o educar e cuidar nesse

contexto, ou seja, a prática pedagógica da infância deve dialogar com o contexto

real, coletivo, familiar da criança (MICARELLO e DRAGO, 2005).

Presume-se, neste sentido, a necessidade de uma formação continuada de

professores que amplie o entendimento das trans/formações sociais, levando à

compreensão do contexto familiar das crianças, re/significando, desta forma, o

conceito de infância, pluralizando-o, pois:

Falar de uma infância universal como unidade pode ser um equívoco ou um modo de encobrir uma realidade. Todavia uma certa universalização é necessária para que se possa enfrentar a questão e refletir sobre ela, sendo

115

importante ter sempre presente que a infância não é singular, nem é única. A infância é plural: infâncias (BARBOSA, 2000, p. 84).

Assim, cabe pensar a realidade contemporânea, considerando as mudanças

sociais que ocorreram ao longo da história e se refletiram na instituição família

(ÁRIES, 1981), reflexão que descarta a ideia de naturalização da família, a

padronização de um modelo único, com valores pré-determinados, já que:

A família não é um simples fenômeno natural. Ela é uma instituição social variando através da história e apresenta até formas e finalidades diversas numa mesma época e lugar, conforme o grupo social que esteja (PRADO, 1981, p. 12).

Barbosa (2007) questiona as visões conservadoras referentes à socialização

das crianças. Esclarece que a socialização do mundo infantil se ampliou com o

evento da entrada das mulheres ao mercado de trabalho, assim, a socialização das

crianças admite outras relações através de pessoas como babás, professoras da

educação infantil (entre tantos outros arranjos com: vizinhos, amigos, irmãos mais

velhos, parentes...).

Atualmente, a socialização da infância deixou de ser ancorada somente na

vida familiar, contudo, instaurou-se em uma “rede de socializações plurais”.

Nesta perspectiva, a escola de educação infantil se torna, cada vez mais, um

contexto central de desenvolvimento da infância, pois:

à medida que as famílias se nuclealizaram e se isolaram, e pais e mães passaram a trabalhar fora de casa, num movimento que reduzia suas funções reprodutivas culturais e sociais, a escolarização cresceu como um modo sistemático e especializado de educação, e tornou-se o contexto central do desenvolvimento individual das crianças e jovens, assumindo posteriormente funções sociais e emocionais adicionais (CARVALHO, 2004, p. 50).

Desta forma, na civilização urbana moderna, segundo Lenhard (1973),

destacam-se outros órgãos da sociedade assumindo funções que, outrora, cabiam

apenas às famílias.

No contexto contemporâneo, cabe à escola de educação infantil, rever sua

função social como instituição responsável pela transmissão de conteúdos formais.

116

As transformações do mundo atual requerem a re/significação da função do espaço

escola neste “novo” contexto social que reflete e refrata a instituição família.

O papel social concebido ao ser professora, tem se representado, nesta

investigação, através de uma ideologia reproduzida nos valores burgueses, deste

modo, a escola se mantém estática, detentora dos bons e velhos costumes, além de

possuir todo conhecimento formal necessário ao ser humano, fatos que implicam em

normatividades ao comportamento da família, principalmente frente à criança.

Diante das marcas desses conceitos, as professoras alimentam expectativas

em relação à família, mesmo esta instituição sofrendo modificações sociais frente à

história, especialmente no que diz respeito aos seus valores e às novas

constituições de tipologias que diferem do padrão hegemônico e trazem

necessidades e sentimentos diferenciados (MADEIRA, 1988).

A história do percurso da família, mesmo revelando transformações, de

acordo com Pratta e Santos (2007), indica que essa instituição social, educacional,

ainda marca seu papel como fundamental na constituição dos indivíduos.

Nessas novas transformações, esses autores declaram que, no início do

século XX, predominava a família nuclear, com papéis culturais estabelecidos entre

os sexos. Como chefe de família, o pai provia o sustento da família e era

responsável pela autoridade dessa. À mãe, atribuíam-se os serviços domésticos e o

zelar pelo marido e filhos. A autoridade familiar correspondia ao controle sobre os

filhos, no que diz respeito à obediência às regras sociais.

Esta história que deixou resquícios de uma família nuclear, burguesa, não

corresponde mais a maioria das famílias que necessitam trabalhar (SANTOS, 2006).

No contexto atual, assinala Pôster (1979, p. 100) que, “a história da família é

descontínua, não-linear, e não-homogênea: consiste, isto sim, em padrões familiares

distintos cada uma com sua própria história e suas explicações”.

Entretanto, a escola ainda mantém o desejo de padronização da família (e da

escola) e ainda a concebe com base na “força simbólica” (PROST e VICENTE,

1992) que seu percurso histórico demarcou.

A família ainda é considerada base da educação de valores ao indivíduo

(OSÓRIO, 1996), mas, quando a escola percebe suas transformações, destacam

diferenças entre o modelo hegemônico e, conceituam a família atual como

117

“desestruturada”, aquela que não detém mais os valores sociais, ou seja, o padrão

da família nuclear.

Refletir nas escolas, com amplitude, sobre as mudanças do contexto familiar,

faz-se necessário para que se contemple uma “real” relação de complementaridade

entre família e escola, uma reflexão que possa combater o desejo do

estabelecimento de modelos, padrões tanto em relação à família, como à escola,

pois:

Em face de todas estas mudanças, o homem ainda se mantém fiel a um conjunto de valores, que pertence a uma sociedade diferente, uma sociedade em que as fronteiras entre família e o extrafamiliar eram nitidamente delineadas (MINUCHIN, 1980, p. 53).

Entretanto, os dados que revelam conflitos nesta relação, também confirmam

que, nas perspectivas das professoras, admitem a importância da comunicação, do

envolvimento das famílias para a realização do projeto de educar a infância, como

explicita o texto de Marina:

(Texto, professora Marina) Vemos, lendo os fragmentos, a importância da Educação

Infantil no começo da vida escolar da criança. Por isso, a integração escola-família-

comunidade deve estar presente em todos os momentos. É preciso com isso

envolvermos os pais em nossos planos pedagógicos, fazendo deles parte da escola.

A falta de comunicação entre professores e pais dificulta bastante o trabalho que

pretendemos desenvolver.

O texto de Marina, bem aceito pelas professoras, ganhou até elogios, o que

indica que as professoras compartilham de sua ideia:

(Professora Lygia) Uau! Bonito não, bonito.

Nesta relação entre família e escola, foi refletido em como os pais poderiam

ser envolvidos no processo pedagógico de seus filhos:

(Professora Cecília) Ah, eu acho assim, que quando você pede para o pai trazer um

vasinho, o pai está colaborando...

118

Cecília reduz a participação da família à colaboração de materiais trazidos

pelos pais. Marina já amplia esta participação:

(Professora Marina) Acho que quando você convida o pai para fazer junto com a

criança...

Clarice exemplifica que, mesmo em seus lares, os pais podem participar:

(Professora Clarice) Ah!, uma pesquisa por exemplo que a Lygia fez não envolveu a

família? Envolveu.

Quando questionadas sobre a participação dos pais na construção do projeto

educacional, Clarice se assusta:

(Professora Clarice) Eu acho que é expor para os pais conhecerem o trabalho, mas,

não também chegarem e opinarem, é, ah..., eu acho que isso..., eu acho que isso,

conhecer, saber o que está sendo feito é uma coisa, envolver, assim, na construção

do projeto, sei lá, por turma, eu acho que não, tem que ter um limite também.

Rachel media a ideia de limites que Clarice expressa em relação à

participação dos pais na construção do projeto educacional e adapta o envolvimento

da família ao trabalho já existente:

(Professora Rachel) Eu acho que o plano de aula, o plano de curso, eu acho que já

é com base em relação à realidade. “Meu corpo minha casa” [projeto da escola],

olhe quantas coisas a gente trabalha, voltado para a comunidade, né? Noções de

higiene, noções de cuidado com o corpo... Eu acho que já é voltado, o que pode

acontecer, a gente saber sim as expectativas deles e o conhecimento não para o

filho, a gente não pode introduzir um outro tema vindo deles para começar o ano.

119

Mesmo assim, Clarice retoma sua afirmação e relembra, com ela, a

responsabilidade de trabalhar um conteúdo formalizado para as exigências da

escolarização futura:

(Professora Clarice) É e depois tem outra, quando se fala, né, em envolver a

comunidade, fazer um projeto político pedagógico baseado na clientela, aí o MEC

não quer saber, né?, quando o aluno chegar, agora a cobrança já vem desde o

Jardim I, o que que a comunidade pensa ou deixa de pensar, de repente, você vai

ter que trabalhar daquele jeito, né? Determinado, já vem pronto e aí?

Diante do cumprimento da função de ensinar os conteúdos formais, Clarice

mantém a importância da antiga experiência de uma escola tradicional, construir um

projeto educacional para a infância na escola de educação infantil não é tarefa dos

pais:

(Professora Clarice) Então, não dá para gente ficar no aí “eu vou ouvir o que os pais

querem que os filhos”..., eu acho até que, o que eles imaginam, acreditam que o

filho vá aprender na escola, é uma coisa, agora, perguntar para a partir daí você

montar o seu plano, nunca vi dar certo, nunca vi ninguém fazer isso, acho que é tudo

muito no papel, mas nunca vi.

A ideia de uma parceria mais abrangente da família na construção do projeto

educacional da infância parece assustar Clarice, mas Rachel promove a

harmonização:

(Professora Rachel) Mas tudo vai adaptando, não é?

E Cora arremata as palavras de Clarice, também contemplando a ideia de

harmonização de Rachel:

(Professora Cora) Mesmo porque, eu acho que a gente já tem um caminho traçado,

você só vai, eu acho que conhecer mais, de repente surge alguma coisa e você vai

incluir aquilo, você vai trabalhar aquilo.

120

Esta discussão envolveu grande disputa de poder para as professoras, à

escola, ainda cabe determinar a educação da infância, é papel dela, mesmo porque,

quando essa educação é administrada pela família, ela traz deficiências, como

declara Lygia:

(Professora Lygia) Uma palestra do Mário Sérgio Cortella, ele diz que uma criança

quando entra na escola vem com cinco mil horas de porcarias já assistidas, pra

começar do jogo do Corinthians, patati patatá, e aí chega na escola com uma

bagagem imensa e aí, o que o professor pode fazer? Nada. E o que tudo isso tem

haver com a criança?

Mesmo pensando nas transformações do mundo contemporâneo, essa ideia

soa, à Lygia, como desculpas a uma educação que deixa a desejar:

(Professora Lygia) Essa história de que tudo está mudando, a criança, a família, as

responsabilidades....

À professora Cora, a ideia de uma relação de complementaridade entre

família e escola, é marcada por um déficit no que concerne à função da família:

(Professora Cora) Diante da perspectiva da educação na complementação à ação

da família, sinto que os pais estão pouco estruturados para oferecer uma educação

básica e, com isso, deixam essa responsabilidade para escola [...]

Os pais já não conseguem ter controle e autoridade sobre seus filhos

colocando limites e regras [...]

Contudo, na educação da infância do mundo contemporâneo, admitir uma

ótica, junto à família atual, como importante na relação de complementaridade à

escola, traz a emergência de um trabalho integrado, que contempla a troca de

informações entre essas instituições.

Essa troca de informações, segundo Szymanski (2001, p. 36) “possibilita a

descoberta de significados comuns”, significados que podem ser traduzidos, cada

vez mais, em participações concretas da família no ato de educar suas crianças.

121

Esta participação é, para Cody e Siqueira (1997, p. 15), a parceria para o

sucesso escolar, portanto, cabe à família:

participar da vida escolar dos filhos e da escola. A contínua colaboração entre escola e os pais faz com que se tornem parceiros no processo educacional. A falta de comunicação entre a escola e os pais leva ao comprometimento do sucesso escolar.

Contudo, no processo de construção de parceria entre escola e família,

denota-se a necessidade de olhar essas duas instituições como educadoras que

objetivam uma grande singularidade, a tarefa de educar a mesma criança, com

funções “diferenciadas”, mas, com objetivos comuns. A parceria estabelecida nestes

termos considera que:

Um passo importante para a construção de uma parceria entre escola e pais é considerá-los também como educadores, que têm o que transmitir e o que aprender [...] A educação ocorre no encontro de pessoas que carregam uma cultura e se dá tanto de modo formal, na escola, como informal, na família, no trabalho, nas igrejas, sindicatos, movimentos populares e demais organizações sociais (SZYMANSKI, 2001, pp. 10-11).

A construção de uma relação de complementaridade entre família e escola

requer a consciência de que: “se trata de uma relação complexa e, por vezes,

assimétrica, no que diz respeito aos valores e objetivos entre essas duas

instituições” (NOGUEIRA, ROMANELLI e ZAGO, 2000, p. 9).

Além disso, essa relação requer considerar as condições reais que

circunstanciam as famílias, construindo:

uma relação interdependente entre as condições sociais da origem das famílias e a maneira que se relacionam com as escolas, além do fato de que as transformações visíveis pelas quais passam ultimamente, tanto as escolas quanto as famílias, naquilo que diz respeito às suas estruturas e dinâmicas internas, são reveladoras de uma tendência crescente de conexão entre os territórios: família e escola (Ibidem, p.11).

As transformações sociais que marcaram as instituições educacionais família

e escola constituem características importantes de entendimentos para uma

emergente construção de relação de complementaridade entre essas instituições,

uma relação que garanta a real participação de ambas e o enfrentamento conjunto

dos possíveis problemas que possam existir no intuito de oferecer educação e

cuidados integrais à infância.

122

A discussão coletiva das professoras revelou desejo de padronização de um

modelo de família e escola, disputas de poderes sobre a função de ensinar, além do

dilema sobre a escola de educação infantil ser um lugar para a criança ficar

enquanto a mãe trabalha, interligando-se em destacar, principalmente, os cuidados

(físicos) da infância, o que para as professoras, secundariza, desvaloriza o trabalho

como docentes.

Neste contexto, as falas também destacaram ambiguidades do papel docente,

emergindo a necessidade de estudos, de discussão sobre as especificidades da

educação infantil, principalmente, no contexto contemporâneo em que se encontram

as instituições família e escola, re/construindo as possibilidades de

complementaridade na relação entre essas instituições educacionais através do

binômio educar e cuidar integralmente da infância.

4.2 – Educar e cuidar: uma perspectiva de complementaridade

ao ensinar

Para a apresentação deste tema, a construção das análises seguiu o mesmo

critério anterior, ou seja, a seleção das falas que se interconectavam aos temas que

abrangiam as questões apresentadas ao longo da discussão.

Assim, na perspectiva de desejo de padronização de um modelo de família e

de escola, o papel elencado pelas professoras à escola de educação infantil seria o

de ensinar conteúdos formais e, o da família, educar, no que concerne à formação

de valores e cuidar (fisicamente).

Este papel, que cabe à escola, de ensinar conteúdos formais da infância

destaca uma “cultura” que abrange, também, segundo as professoras, o

pensamento de algumas famílias:

(Professora Lygia) Mas eu fiz uma observação na aula passada, eu estava cantando

a letra do bingo e aí outro ajudante, eu tenho dois ajudantes por dia, disse: “Eu

quero cantar também”. E cantou. Terminando aquele segundo bingo, um aluno olhou

123

para mim e disse: “É professora, lição que é bom nada.” Eu disse: Viu, o que que é

lição? “É lição no caderno, de letra”. E eu disse: Mas isso aqui é uma lição, nós

estamos aprendendo alguma coisa, é uma atividade, né? Ele disse: “Não, isso não é

lição, isso é brincadeira.” Entendeu? Então as coisas..., uma criança de cinco

anos....

A criança de cinco anos reproduz a expectativa de sua família, ou seja, o de

aprender conteúdos formais através da realização de lições no caderno.

Assim, a professora Lygia se assusta na “reprodução” da ideia da criança em

estar na escola de educação infantil para fazer lição, não considerando a brincadeira

como uma atividade.

Entretanto, na fala da professora, ela denomina esta criança como aluno (3ª

linha), o que destaca, também, uma singularidade ao ensino fundamental ao mesmo

tempo em que apresenta um estranhamento à fala da criança e, denomina-a como

criança (8ª linha).

A singularidade e o estranhamento, bem como os termos aluno e criança,

destacam ambiguidades, confusões nas especificidades da docência infantil, não só

para a criança e sua família, mas, também, para a professora.

Confusões refletidas, consequentemente, pelas professoras, na divisão de

papéis entre família e escola, gerando conflitos na relação de complementaridade a

partir da ideia do descumprimento do papel que cabe à família:

(Professora Rachel) Eu acho que se a gente tiver que ensinar tudo...

Além do ensinar, ao papel da escola também cabe o cuidar, o qual, para as

professoras, ressalta-se como necessidade primeira das famílias, tendo em vista o

desejo da relação de complementaridade junto à família imaginada, fato que

secundariza o ensinar no transcorrer da prática pedagógica, como declara Rosa:

(Professora Rosa) Agora é mais cuidar do que ensinar.

O cuidar, para as professoras, ao se remeter à história, aborda uma

concepção que, segundo Kuhlmann Jr. (1998), polariza essa ação, colocando de um

lado o caráter assistencial contrário ao educacional.

124

Às professoras, esta necessidade do cuidar fere o papel docente de ensinar

elencado por elas, pois, percebem a existência de um conteúdo formalizado a se

cumprir:

(Professora Simone) Então, mas tem um conteúdo para você passar.

Esta ideia de cuidar, também, como ensinar, parece valorizar o papel do

professor de educação infantil atual, pois, combate a história da educação

assistencialista da infância, ideia que toma o centro das discussões das professoras,

impossibilitando uma reflexão ampliada do contexto atual e, principalmente, do

objetivo de oferecer uma educação integral às crianças, pois:

advogar pela introdução do “pedagógico” como solução, no sentido de

superar o caráter discriminatório, pejorativo e moralizador de muitas das

iniciativas classificadas como “assistenciais”, supõe uma interpretação

limitada e unívoca do que se toma como “pedagógico”, impossibilitando

que outras vozes e outros entendimentos da questão possam vir à

discussão (BUJES, 1998: 01)

Ao discutirem, as professoras se questionam sobre o que seriam esses

conteúdos formais da infância e, a resposta da reflexão se materializa na fala de

Clarice:

(Professora Clarice) Conteúdos são os conceitos alto, baixo, pequeno... que ele [a

criança] aprende na escola, porque não?

Para as professoras, é importante que a criança aprenda esses conteúdos

formais, a educação infantil não admite só brincadeiras, como, também, lembra

Cora:

(Professora Cora) Olhe, não é só brincando, eu falo do papel, do lápis...

No entanto, esta ideia desperta a ideia de escolarização da infância e Rachel

a coloca como uma preparação para a escolarização futura:

125

(Professora Rachel) (interrompendo) Eu acho que tem que ter mesmo, sabe por

quê? Depois ele (a criança) vai prestar vestibular, olha quanta coisa que é exigida de

um adolescente.

Cora talvez quisesse readequar sua ideia anterior, não completada:

(Professora Cora) Não, eu estou falando assim...

Mas, Rachel a interrompe e a reafirma:

(Rachel) [interrompendo] Olhe quanto que é exigido no vestibular, eu acho um

absurdo o que é exigido, mas já tem que criar este hábito.

Mesmo Rachel assumindo que acha um absurdo as exigências, o “sistema

educacional do futuro” a cobra, como professora, o papel de ensinar o hábito de

estudo, já adequando a essas exigências futuras, uma ideia que ganha adeptos:

(Clarice) É necessário.

E Rachel retoma a necessidade de escolarização, pensando agora em uma

preparação mais próxima que o vestibular:

(Rachel) Então, acho que já..., tem criança que vai chegar na 8ª série, o que que vai

acontecer, vai pro Colegial sem saber nada. É tanta coisa.

Nesse dilema, as professoras apresentaram a ideia de que à família cabe a

função de cuidar, principalmente do aspecto físico da criança e, de educar, no

concerne à formação de valores e, à escola, cabe o papel de ensinar conteúdos

formais, assim, também, estabelece-se a ação do cuidar como ensinar “noções de

higiene”.

Nesta perspectiva:

ainda que possamos contestar a separação feita pelas professoras e sua

postura discriminadora com relação ao corpo da criança, é preciso destacar

que as profissionais contrapõem o cuidar ao ensinar, e não ao educar. Para

126

a maioria, um significativo avanço é o „reconhecimento da creche não só

como espaço da criança, mas um espaço onde se investe no

desenvolvimento infantil e na descoberta do mundo pela criança‟...

(KRAMER, 2005, p. 63).

Ao chegarem à resposta de que, no papel da escola de educação infantil, faz-

se necessário ensinar os conteúdos formais, preparando a criança para o hábito da

escolarização seguinte, futura, surge, então, ainda nessa questão, a

complementação sobre o binômio do papel da escola.

Assim, Florbela admite, também, o cuidar, em sua concepção, o binômio para

ela é:

(Professora Florbela) Pra mim é ensinar e cuidar.

Admitem que, como professoras de educação infantil, necessitem da

realização dos cuidados à criança, no entanto, destacam um conceito de cuidado, ao

mesmo tempo, como conteúdo formal, ou seja, um cuidar estendido ao aspecto

físico, como objeto didático, pedagógico dos conteúdos a serem trabalhados.

Realizam o cuidar para a autonomia, desta forma, ensinam a criança a se

cuidar, a se higienizar, a alimentar-se. A didática sobrepõe-se às necessidades do

cuidar integral do ser humano, principalmente nesta faixa etária das crianças.

Desta forma, ratificam este conceito refletido sobre o cuidar na resposta à

pergunta da pesquisadora sobre: O que é cuidar?

(Professora Cecília) Cuidar do físico. Faz parte do assistencialismo.

Cecília acredita que cuidar se relaciona apenas ao físico, esquece-se do

objetivo de desenvolvimento integral à criança na educação infantil e, ainda

completa, junto aos resquícios históricos, que esse cuidar, que visa o aspecto físico,

remete-se ao assistencialismo, esta ideia é logo negada pela colega Clarice:

(Professora Clarice) Cuidar... Cuidar de que maneira, cuidar como? Cuidar é uma

coisa [...]

127

Cora justifica que, mesmo sendo o atendimento ao aspecto físico da criança,

essa ação é garantida como educação na escola de educação infantil, cuida-se com

o objetivo de ensinar:

(Professora Cora) Mas no cuidar você também está educando a criança.

Ideia que Marina entende rapidamente e a verbaliza:

(Professora Marina) Principalmente na educação infantil.

E Florbela “didatiza” esta ideia, como professora, entende que o cuidar se

deve manter como pedagógico em sua ação junto à criança:

(Professora Florbela) Explicar a importância de tomar um banho, de escovar os

dentes...

Então, Clarice retoma a fala, sendo o cuidar um ato pedagógico, ele não se

torna assistencialista, ele faz parte do conteúdo formal da escola de educação

infantil:

(Professora Clarice) Não é assistencialismo, né?

- São noções de higiene...

Simone recupera a ideia de Clarice, o cuidar como conteúdo formal e,

esclarece a possibilidade da forma de se trabalhar com o cuidar infantil, ou seja, a

didática para este conteúdo:

(Professora Simone) Se a criança está lá, nos cuidados, você pode ir cantando uma

musiquinha, né?

A ideia de escolarização do cuidar, rebate a ideia de assistencialismo, o que

as conforta no dilema apresentado junto à especificidade do papel da docência da

infância.

128

Entretanto, na reflexão de ensinar e cuidar, ecoa uma voz que retoma o

cuidar e abrange seus aspectos, não só físico, mas também emocional, psicológico,

não só pelo objetivo da autonomia, mas pela sensibilidade do papel docente a se

desempenhar na infância:

(Professora Florbela) Acho que esse cuidar também vai da responsabilidade que a

gente tem pela criança. É assim, ah!, não é só eu vou deixá-lo bonitinho, não é só

isso, mas é a responsabilidade que eu tenho com a criança quando ela está comigo.

Eu é que estou cuidando dela, é ver se ela está bem, se está precisando de uma

conversa, de um banho, de remédios, é responsabilidade minha, sou eu que estou

cuidando dela.

Embora Florbela não tenha dito a palavra sensibilidade, mas

responsabilidade, ela estabelece um elo à criança. É necessário saber da

necessidade da criança, criar vínculo e entender que o cuidar se estende ao aspecto

psicológico também, isto é da responsabilidade do professor.

Interessante é citar que Florbela é concursada como monitora 40 hs, ou seja,

ela atua com crianças de 3 anos, em período integral, assumiu em 1991 e fez o

curso de Pedagogia, em serviço, formando-se em 2008.

A experiência de atuar em período integral com as crianças, como monitora,

cargo que não exigia formação específica na área, talvez a tenha dispensado de

manter-se atenta ao combate de uma suposta ideia de assistencialismo junto à ação

de cuidar.

Em toda a discussão coletiva, bem como nos textos elaborados

individualmente pelas professoras, apresentaram-se perspectivas de combate ao

assistencialismo histórico, fato que evidenciou o tema educar e cuidar.

A história da educação da infância, que passou pelo assistencialismo e pela

educação compensatória, promoveu discussões para a formulação de uma proposta

que não fragmentasse o desenvolvimento integral da criança e, nessa discussão,

abordou-se, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LEDBEN/96), o

parecer sobre a indissociabilidade do binômio educar e cuidar na educação infantil.

129

Assim, para que a criança passe pelo processo de educação infantil, é

necessário que os cuidados essenciais estejam postos junto ao educar,

indissociavelmente.

Almejar uma educação para o desenvolvimento integral da infância requer

pensar nos cuidados aos aspectos cognitivos, afetivos, emocionais, físicos, além dos

sociais da criança que se educa.

Requer ouvir as necessidades da criança, seus interesses, seu contexto

familiar, respeitando seus direitos e constituindo espaços e tempos que

proporcionem o desenvolvimento da curiosidade, do convívio social, das

brincadeiras, do respeito, da responsabilidade, da sensibilidade, da arte e da cultura.

A promoção dessa educação que se pode chamar de integral, de “qualidade”,

interliga-se, integra-se aos cuidados que envolvem tanto os aspectos biológicos,

cognitivos, como os aspectos psicológicos, afetivos, desta forma, a alimentação, a

saúde, a aprendizagem, a emoção, os vínculos afetivos são imprescindíveis e

indissociáveis no ato de educar.

Para se educar na educação infantil, é preciso comprometer-se com o cuidar.

Educar envolve situações pedagógicas intencionais, planejadas, situações que

abrangem cuidados para as brincadeiras, para as aprendizagens orientadas de

forma integrada.

Pensar o contexto profissional atual do professor de educação infantil significa

pensá-lo sobre a perspectiva de que: “Trata-se de novos tempos, que indicam outro

perfil de profissional para atuar na EI (...) (RAUPP, 2002, p.14)”.

Um perfil que requeira esforços para a construção de uma “Pedagogia para a

Infância e para a educação infantil (WIGGERUS, 2002, p. 3)”. Um compromisso

coletivo que, ao refletir sobre a educação infantil:

precisa ainda refletir, discutir, debater e produzir conhecimentos e práticas sobre como devem ser cuidadas e educadas crianças menores de 7 anos em creches e pré-escolas, compromisso de todos os que, direta ou indiretamente, se vinculam a esta modalidade educativa (WIGGERS, 2002, p. 12).

Um processo que indica a necessidade emergente da formação continuada

de professores, uma formação coletiva que contribua para a construção de

parcerias, principalmente junto à família e que tenha a dimensão de que:

130

a reflexão não é apenas um processo psicológico individual, passível de ser estudado a partir de esquemas formais, independentes do conteúdo, do contexto e das interações. A reflexão implica a imersão consciente do homem no mundo da sua experiência, um mundo carregado de conotações, valores, intercâmbios simbólicos, correspondências afectivas, interesses sociais e cenários políticos (GÓMEZ, 1992, p. 102).

É imerso sobre este “mundo carregado de conotações” que a formação

continuada de professores de educação infantil se faz necessária, tendo como

objetivo o direito da criança a uma educação integrada.

O entendimento da palavra integral na educação da infância se remete à

ampliação de uma formação de professores que objetive construir a integração entre

educação e cuidados infantis e, em especial, a integração da relação família e

escola, instituições educadoras que compartilham o mesmo objetivo da educação da

infância.

131

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Minha mãe achava estudo a coisa mais fina do mundo.

Não é. A coisa mais fina do mundo é o sentimento.

Aquele dia de noite, o pai fazendo serão, ela falou comigo:

"Coitado, até essa hora no serviço pesado". Arrumou pão e café, deixou tacho no fogo com água quente.

Não me falou em amor. Essa palavra de luxo

(PRADO, 1996, Ensinamento, p. 116).

A coisa mais fina do mundo é o sentimento e há de se tê-lo para poder cuidar,

compreender a necessidade do outro (criança), atentar-se, estar sensível ao outro

(criança) e sentir-se responsável pelo cuidar do outro (criança), assim é que

educamos para “ser humano”.

Como não aprender com as crianças sobre o binômio educar e cuidar? Ouvir

as crianças, conhecer as suas famílias sobrepõem-se a qualquer teoria que

possamos divulgar.

O que dizer de um ser (criança), cuja mãe nos relata sua fala sobre sua

higiene matinal: Você tirou? Você tirou? Ah! Eu queria a ramela dos meus olhos de

volta... (criança de 3 anos da escola pesquisada).

O processo de pesquisa, realmente, aguçou-me os sentidos, fiquei como a

farejar situações, observações, das quais, em contato, “pasmava-me” e me punha a

refletir, confirmando a teoria registrada.

Ao principiar este texto de dissertação, relatei que iniciar uma pesquisa não

era uma tarefa fácil, no entanto, ao escrever as últimas considerações deste

processo, retomo as palavras iniciais e relato, agora, que, terminar uma pesquisa é

muito difícil, pois sempre temos algo, ainda, a registrar, acreditamos que a pesquisa

continua, entretanto, necessitamos colocar um ponto final, contudo, ele não significa

o fim da investigação e estudo.

132

Espero que, pelas muitas pesquisas lidas, pela teoria absorvida, pela história

passada e, ainda presente na educação infantil, pelas análises desta investigação

que, tudo isso possa significar a necessidade de atentarmos mais para a infância, de

aprendermos mais sobre como educar e cuidar de nossas crianças e, que novas

pesquisas, estudos possam continuar esse objetivo.

Pesquisar o meu próprio grupo de trabalho foi um processo desafiador, uma

tarefa difícil, árdua, pois, ao mesmo tempo em que eu possuía uma complexidade e

o aprofundamento dos dados sobre os sujeitos e toda a escola pesquisada, eu

também necessitava de apurar muito meu olhar de pesquisadora, estudar muito para

“desnaturalizar” o contexto e, ao mesmo tempo, centrar-me ao objetivo da pesquisa,

ou seja, buscar uma forma de trazer à tona as perspectivas das professoras sobre a

relação família e escola.

Além do mais, quando pensamos sobre uma diretora escolar pesquisando

seu grupo de professores, isto nos remete ao imaginário social sobre a “função” da

direção e a divisão dos lados entre diretora e professores, isto me colocava em uma

situação difícil, além de pesquisar o meu grupo, eu era (sou) diretora dele.

Ao longo da escrita do texto da pesquisa eu fui construindo pontes para

expressar que o fato de ser diretora/pesquisadora do grupo de professores

investigados me daria o aprofundamento para tomar esta posição, como a tomo em

meu cotidiano profissional, para contribuir com os objetivos de educar e cuidar das

crianças (este é o objetivo maior da pesquisa).

Assim, muitas leituras foram realizadas neste intuito (como: Por uma filosofia

do ato, na qual Bakhtin (1993) revela a ética e a responsabilidade, ação responsiva,

do pesquisador), entretanto, acredito que características muito particulares, a minha

constituição crítica de ser humano, o meu trabalho como professora de Língua

Portuguesa (a diretora que também é professora) e o desenvolvimento de “ser

pesquisadora” (que inclui o olhar, leituras, estudos, trocas, orientações, dialeticidade)

encaminharam todo o percurso desta pesquisa, destacando, com ênfase, a

“desmistificação” do pesquisador que investiga seu próprio grupo de trabalho, sendo

ele, principalmente, diretor escolar desse grupo.

A tarefa difícil se fez como uma contribuição importante à pesquisa e por meio

do desenvolvimento de estar munida de ética e do objetivo maior que é desenvolver,

da melhor forma, a educação e os cuidados à infância. Objetivo que nos

133

apaixonamos quando vemos a “magia misteriosa” que se pode revelar em ser

criança e quanto podemos aprender com elas, a sermos humanos.

O desenvolvimento deste trabalho possibilitou perceber, em seu processo,

que a pesquisa desenvolvida não se referia apenas ao estudo da relação família e

escola, mas, a um eixo maior que a compreendia: o estudo das especificidades da

docência da infância junto às duas instituições educadoras. A relação da família e da

escola desenvolvendo e sendo desenvolvia pelo/no binômio educar e cuidar da

infância, ou seja, este binômio como elo desta relação.

As perspectivas das professoras se remeteram ao percurso histórico-cultural

da educação infantil, a partir desta interpretação, compreendeu-se, também, que

esta construção é (pode ser) trans/formada, nesse sentido, a formação continuada

que compõe a reflexão, o estudo, o diálogo entre os pares se fundamenta como um

campo fértil para esta compreensão e profissionalização da docência da infância.

A pesquisa demonstrou, então, a necessidade de estudo e reflexão sobre as

transformações das instituições educadoras, redimensionando o entendimento das

esferas de influências das construções sociais, ou seja, os fatores econômicos,

políticos, enfim, culturais que demarcaram e demarcam a construção social das

instituições educacionais família e escola e, o educar e cuidar como cerne do

trabalho junto à infância.

Assim, a pesquisa, que focou na relação família e escola envolta pelo educar

e cuidar, destacando confrontos, conflitos e ambiguidades, revelou caminhos,

obviamente desafiantes, sobre a construção da profissionalização dos professores

da infância e suas especificidades: o educar e cuidar das crianças de forma integral.

Destacou-se, dentre esses caminhos, a percepção sobre a necessidade de

se criar um projeto de formação continuada no contexto da escola que incluísse e

valorizasse a família como parte essencial do processo de educar e cuidar da

infância.

Nesse sentido, o processo de pesquisa trouxe, a todos os envolvidos, uma

complexidade de aprendizagens, em especial, à pesquisadora, uma imensurável

formação no campo profissional e, também, humano, já, para o grupo investigado, a

imprescindível compreensão da necessidade da formação continuada na complexa

constituição profissional do professor de educação infantil contemporâneo, o que

134

demonstra ser a pesquisa, em Ciências Humanas, uma fonte inesgotável de

aprendizagens a ser compartilhada.

Ao ler as transcrições, inúmeras vezes, fiquei imaginando por onde começaria

a escrever as análises, muitos assuntos estavam explícitos nos diálogos, os valores

da família, a função da escola, da família, as diferenças entre o período integral e

parcial, entre escola pública e particular, contudo, fui compreendendo que,

implicitamente, todos esses temas estavam interligados ao desejo de padronização

de família e de escola, no intuito de cumprir um papel na divisão de tarefas que as

professoras anunciavam, ainda que considerassem, conflituosamente, as

transformações sofridas, tanto pela família, quanto pela escola.

Nesta divisão, surgiram, demasiadamente, ambiguidades sobre as

especificidades da educação da infância, ou seja, sobre o educar e cuidar das

crianças.

Os conflitos das professoras junto às famílias aumentavam,

proporcionalmente, às suas justificativas sobre o porquê da família não cumprir o

seu papel.

Fui percebendo, então, a correlação que as professoras traziam de suas

funções ao ensino fundamental. Perseguindo a compreensão, retomei a história da

educação infantil, tanto anterior como atual, constatei, que os conflitos das

professoras se interligavam ao esforço da valorização profissional, assim, às

avessas, perseguiam um padrão, já consagrado, do ensino fundamental.

Interessante, também, foi notar que, contrariando a desvalorização social, ou,

buscando essa valorização, as análises não explicitaram características referentes

ao salário, mas, aos valores sociais, culturais que tanto a “velha” como a “nova”

história da educação da infância reservam grande importância às professoras, de

outra forma, o reconhecimento social da importância de serem “professoras de

educação infantil”.

Nesse sentido, destacaram, nas perspectivas das professoras, desejos de

padrões de valores e comportamentos de uma tipologia de família nuclear,

burguesa, contudo, ao se depararem com as famílias “reais” que se transformaram,

há muito, no percurso histórico, social, as professoras evidenciaram angústias e,

como decorrência, conflitos sobre as especificidades da docência da infância junto a

essa relação.

135

As professoras revelaram, consequentemente ao desejo de padronização da

família, funções à escola como o papel de ensinar conteúdos formais e, de cuidar,

relacionando-se ao aspecto físico, um conteúdo sobre noções de higiene. Funções

que incluem um processo didático-pedagógico que forma, na reflexão das

professoras, o binômio ensinar e cuidar.

Estas perspectivas enfatizaram uma relação de complementaridade que

dividiu as funções da família e da escola na ação de educar a infância.

Na divisão de tarefas que constituíram as funções da família e da escola na

relação de complementaridade, as professoras, consequentemente, dividiram a

educação integral da criança e, assim, também, a própria criança.

À escola coube a “cabeça” na tarefa de ensinar e cuidar do intelecto infantil e,

à família, coube o “corpo”, na tarefa de educar o comportamento e cuidar do físico.

A relação de complementaridade, na perspectiva docente, foi posta na

atribuição do significado de divisão de tarefas às partes família e escola.

Neste encaminhamento, pesquisei o estudo da palavra, do termo

complementaridade.

No dicionário etimológico da língua portuguesa, de Antônio Geraldo da Cunha

(2010, p. 166), encontrei a palavra Complementar, como verbo, significando

completar, seu uso apareceu pela primeira vez em 1844.

Já, completar, como adjetivo, servindo a dois gêneros (masculino e feminino),

apareceu em 1873. Complemento, substantivo masculino, significando „aquilo que

complementa ou completa‟, destaca-se como termo que surge no século XVI, essa

palavra teve sua origem no latim, complementum.

Assim, tomei a frase: “A relação de complementaridade entre família e escola”

e, o termo complementaridade, destacado como adjetivo, definiu o termo

(substantivo) relação, uma relação complementar, palavra que se remeteu a

completo no dicionário, trazendo seu significado como „total, cabal‟, „perfeito,

acabado, inteiro‟.

Transferindo esse conceito à discussão da pesquisa, esta relação de

complementaridade deveria se colocar, pois, como uma relação inteira, ou seja, a

união das partes, família e escola, tornando-se um todo no intuito de atingir o

objetivo do desenvolvimento integral da criança.

136

Esse significado de complementaridade como um todo, que deveria se

colocar na relação família e escola, não correspondeu às perspectivas das

professoras que vivem, na experiência docente, uma das partes que complementa

esta relação e que dividem, entre ambiguidades e conflitos, junto à família, a tarefa

de educar e cuidar da infância.

As perspectivas das professoras a respeito da relação de complementaridade

entre família e escola destacaram significados apreendidos por elas em suas

atividades docentes, das quais revelaram o ser histórico-cultural que re/produz, num

processo complexo, os valores, os signos sociais hegemônicos determinados

socialmente, historicamente como padrão (ou desejo), pois, “cada pessoa é em

maior ou em menor grau o modelo de sociedade, ou melhor, da classe a que

pertence, já que nela se reflete a totalidade das relações sociais” (VIGOTSKI, 1996,

p. 368).

Desta forma, sobretudo, nesta pesquisa, pesquisar meu próprio grupo de

trabalho me trouxe um panorama, muito particular, das atividades concretas,

circunstanciadas, em que desempenhamos a função de educar e cuidar da infância.

Algumas características deste panorama eu já conhecia, porém, outras, como

(talvez, no intuito de se valorizarem) o imaginário das professoras sobre a função da

escola de educação infantil na forma de re/produção do ensino fundamental, ou seja,

no ensino formal de conteúdos, com tanta ênfase, surpreendeu-me.

Vivemos, na Secretaria Municipal de Educação, um embate histórico entre a

Educação infantil e o Ensino Fundamental. Estes segmentos educacionais não

tomavam conhecimento um do outro, apesar da educação infantil possuir mais de

cinquenta anos de experiência no município e o ensino fundamental, pouco mais de

dez anos.

Com a troca da administração municipal, em 2006, iniciou-se, no município, o

ensino fundamental de nove anos e, algumas escolas de educação infantil

receberam-no; depois, o contrário também ocorreu, sem contar que as escolas

infantis que não receberam o ensino fundamental tiveram suas turmas da antiga

“pré-escola” de seis anos como “classes vinculadas”, um sistema no qual a escola

“empresta” as salas, mas, o professor e todo o trabalho administrativo-pedagógico

vêm da escola de ensino fundamental.

137

Neste novo modelo de administração, algumas consequências emergiram,

dentro da mesma escola, como: diferenças salariais; de cursos para a formação

continuada; de horário; calendário; entre outros, uma “guerra” que gerou conflitos e

confrontos.

Este fator provocou confusões, embates e, assim, as mudanças continuaram

com a implantação do Departamento de Educação Básica, onde a educação infantil

teve seus direcionamentos advindos do ensino fundamental, o que agravou os

desentendimentos, as ambiguidades das especificidades de cada segmento.

Desta forma, deparar-se com os conflitos, angústias, ambiguidades do

professor de educação infantil, incorre em refletir sobre um panorama abrangente,

pois:

A multiplicidade e o conflito, que vivemos nas relações sociais em que nos

constituímos, também se produzem dentro de nós. Somos uma

multiplicidade de papéis e de lugares sociais internalizados que também se

harmonizam e entram em choque. Cada um de nós não é apenas professor

ou professora. Somos também homens e mulheres, negros, mulatos,

brancos, brasileiros, estrangeiros em nosso próprio chão, velhos e moços,

pais e filhos, irmãos, esposos, a professora mais antiga da escola, aquela

que está iniciando seu primeiro ano de trabalho, a professora militante, a

professora não sindicalizada, a professora que dobra período, aquela que

não depende de seu salário para sobreviver etc... Muitos em um

(FONTANA, 2003, p. 64).

Atualmente, dentro do Departamento de Educação Básica, pode-se contar

com um Setor de educação infantil e com outro de ensino fundamental,

“recuperando”, um pouco, as especificidades de cada segmento.

Todo esse contexto de mudanças contribuiu para a desvalorização da

educação infantil, tanto na prática das atividades, como no fortalecimento de

padrões do ensino fundamental a serem seguidos, tema que reforça as análises

desta pesquisa.

Lutando contra a desvalorização, as professoras absorveram, com a velha e

com a atual história da educação infantil do município, ambiguidades sobre a função

docente da infância, dividindo, cada vez mais, os papéis entre família e escola, entre

educar e cuidar e, dividindo a própria criança.

Lembrando que, nas perspectivas das professoras, o destaque do papel

docente de ensinar conteúdos formais vai ao encontro das análises dos documentos

138

pós a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional/1996 para a formação do

professor de educação infantil (BONETTI, 2004).

As análises desta pesquisa e também da pesquisa de Bonetti (2004) revelam

ambiguidades no papel da docência da infância, fato que se remete à necessidade

de mais estudos e pesquisas na área, pois, assim como o professor de ensino

fundamental, o professor de educação infantil também é professor de Educação

Básica, mas, com certeza, guardam diferenças nas especificidades de cada

segmento.

Além disso, o quadro docente da escola pesquisada é composto por cinco

professoras de pré-escola, nomenclatura dada ao antigo concurso, o qual não existe

mais. As professoras de pré-escola assumiram o cargo com a função de trabalhar

com crianças de seis anos (antiga pré-escola), por quatro horas.

Com este concurso, as turmas de crianças que funcionavam em horário

integral, recebiam, em uma parte do dia, atividades classificadas como recreativas e

de cuidados físicos ministradas pelas monitoras e, na outra parte do dia, as

chamadas atividades pedagógicas, o ensino de conteúdos formais da infância,

realizados pelas professoras.

Assim, desde o início deste concurso, as professoras dividiam as tarefas junto

às monitoras, ou seja, dividiam a educação integral das crianças e, as próprias

crianças. Às professoras cabiam as “cabeças” e, as monitoras, os “corpos”.

Esta divisão também coincide com a relação de complementaridade entre a

família e a escola, como depreendido das falas das professoras.

A relação família e escola sempre compôs um tema, em particular, muito

ligado a minha experiência profissional. Como gestora na educação infantil, é

estreito o vínculo que meu trabalho estabelece, tanto com as professoras, como com

os pais, familiares, fato que me permite ter acesso aos dois lados, ouvir os conflitos

e trabalhar para que eles sejam harmonizados, minimizados.

Estas duas instituições educacionais, histórico-culturais, refletiram e

refrataram modificações no tempo, porém, ainda sustentam um desejo de modelo de

valores, costumes, ações, objetivos.

O modelo social da família e da escola, que traz desejos de padronizações

“externas”, ou seja, o que se espera da família e da escola socialmente, também

sustenta desejos de padrões “internos”, em outras palavras, qual a imagem que,

139

enquanto família, enquanto escola, deve-se preservar socialmente, na própria

preocupação de cada uma.

O conflito se manifesta em desejos de padrões que esperam socialmente que

essas instituições tenham e, também, os quais elas próprias esperam, desejam ter,

adequando-se às imagens.

Esses fatos compõem pressões dos dois lados no intuito de se adequarem às

imagens estabelecidas, o que gera diversas ambiguidades na educação e cuidados

da infância.

Para a família, em algumas vezes, a escola de educação infantil deveria ser

um “mini fundamental”, principalmente para as crianças de cinco anos e, nesta

relação junto à escola, realizam pressões que, muitas vezes, são concedidas pelas

professoras no intuito de atender ao objetivo de escolarização de conteúdos formais.

Desta forma, quando pensamos em formação continuada para os

professores, precisamos abranger um vínculo entre essas instituições para que tanto

o papel da escola de educação infantil, como o papel da família na relação de

complementaridade, seja re/significado, um trabalho que exige esforços conjuntos.

Estar no curso de mestrado, pesquisando meu grupo de trabalho a respeito

das perspectivas das professoras sobre a relação família e escola significou ir além

da investigação pesquisada, pois, constou como projeto de formação continuada,

próprio e de meu grupo, na proposta educacional da escola.

As investigações aqui realizadas fazem parte de um projeto de trabalho de

formação continuada que deverá ter início a partir do ano letivo de 2011 na escola

pesquisada, uma vez que espero poder contribuir com esta pesquisa na formação

do grupo de professores.

Uma formação continuada que possa partir do que significou a

complementaridade da relação família e escola nas perspectivas das professoras,

para a construção de um novo significado, a partir da visão real do contexto familiar

infantil e, assim, da necessidade da re/organização da escola junto à relação família

e escola contemporânea, ou melhor, do contexto particular da escola pesquisada.

Pois, educar e cuidar da infância exige uma relação de complementaridade

que contribua para a formação integral da criança. Dividir tarefas, nesta relação, que

se remete ao binômio indissociável do educar e cuidar, só trará perdas na formação

140

integral da infância, perdas que poderão ser irreparáveis, já que a criança sempre se

colocará inteiramente nesta relação, como um todo.

A especificidade do trabalho da educação da infância está ligada,

indissociavelmente, ao binômio educar e cuidar. O professor de educação infantil

não pode preocupar-se em desenvolver apenas o intelecto infantil, as crianças são

seres humanos com sentimentos e necessidades diversas.

A tarefa de educar e cuidar da infância é árdua, complexa e, a relação de

complementaridade entre família e escola deve unir os esforços, tendo como

singularidade o objetivo de construir uma educação integral às crianças, o que

significa dizer que:

Nossas crianças têm direito à brincadeira. Nossas crianças têm direito à atenção individual. Nossas crianças têm direito a um ambiente aconchegante e seguro. Nossas crianças têm direito ao contato com a natureza. Nossas crianças têm direito à higiene e à saúde. Nossas crianças têm direito a uma alimentação sadia. Nossas crianças têm direito a desenvolver sua curiosidade e imaginação. Nossas crianças têm direito ao movimento em espaços amplos. Nossas crianças têm direito à proteção, ao afeto e à amizade. Nossas crianças têm direito a expressar seus sentimentos. Nossas crianças têm direito a uma especial atenção durante seu período de adaptação à creche. Nossas crianças têm direito a desenvolver sua identidade cultural, racial e

religiosa (CAMPOS e ROSEMBERG, 2009, p. 13).

Para finalizar, acreditando que a Literatura nos faz compreender o Mundo

(social), o Mundo (individual), ou seja, o Nosso Mundo, de forma lúdica, sensível e

apaixonante, deste modo, ela nos Educa e Cuida das nossas Almas e, nos deixa um

“sabor” de quero mais (desejo implícito da pesquisadora), gostaria de trazer alguns

trechos de uma história de Bartolomeu Campos de Queirós (2006), “Antes do

Depois”, propiciando, com ela, a reflexão sobre a Complementaridade entre: a

Relação Família e Escola, o binômio Educar e Cuidar e, a Criança neste percurso.

E assim, incluir Você, Leitor, através da construção de sua reflexão e

interpretação, na continuidade desta pesquisa:

141

No meio daquela conversa eu me vi dividido em dois: um do sol e outro da lua, um doce e outro azedo. Um do meu pai e outro da minha mãe. Um feito de açúcar e outro de sal. E a água derretia os dois. Tomava banho com medo de derreter e sumir pelo ralo do chuveiro. Todos iriam me procurar mas não encontrariam. Eu tinha virado “nada”. Fiquei como lata redonda de doce. Aquela que a gente ganhava quando pagava a conta da caderneta no armazém. Metade marmelada, metade goiabada. Melhor ser duplo. Um faz companhia ao outro, concordei. Nunca vou estar só. Desde o meu nascimento aprendi a conversar comigo. Eu me falo e me respondo. Acabo sempre brigando. Quero e não quero. Inventaram, depois, uma lata que guardava quatro doces em uma. Imagina, além de ser marmelada e goiabada, ser também pessegada e bananada. Bom mesmo era ser dois. Se eu fosse quatro, cada um teria que morar num ponto cardeal: leste, oeste, norte e sul. Juntos, eu viveria em guerra e perdendo a batalha. Sempre três contra um. Gostaria de morar no oeste e ser cowboy. Ter um cavalo e lutar feito um mocinho e bandido. Meu pai guardava uma espingarda para matar um ladrão que nunca apareceu. Também, naquele tempo, não existia nem bala Chita. [...] Sal é também tempero. Tempera arroz, feijão, macarrão, carne e até dor. Se bem que minha mãe sempre fazia arroz-doce com casquinha de laranja. Arroz é muito humano, democrático, flexível. Arroz-doce é bom frio ou quente, duro ou molinho. Aceita o açúcar e o sal. Arroz é bom com ovo frito ou canela, soltinho ou empapado, para comer com garfo ou colher. Quando a saudade de minha mãe incomoda, eu como arroz-doce no bar da esquina. Nunca me enfarei de arroz-doce. Se a saudade é imensa, devoro duas tigelas. Mas sal traz sede. Lá em casa tinha sempre um pedaço de bacalhau dependurado na cozinha, aberto com meia asa de anjo. A diferença é que anjo deve ter gosto de algodão-doce. Nunca comi anjo. Só de olhar para o bacalhau a gente pensa num copo cheinho de água friinha. Em toda a comida se põe sal e no bacalhau se tira o sal. Cozinhar é obedecer à exigência das coisas. Viver é cozinhar. Há coisas que a gente precisa salgar, outras refogar, outras cozinhar, outras deixar em fogo brando, outras em banho-maria. Eu bebia água e ela saía salgada. Acreditava ser um milagre de Deus mas a professora disse que a ciência explicava tudo. O mundo é melhor quando adivinhado. Tudo que a ciência explica perde o encanto, descobri mais tarde. O mundo é melhor quando adivinhado. O mais feliz dos incômodos é o mistério. Ao estudar que a água é a soma de hidrogênio e oxigênio passei a ter menos sede. Se a água fosse um cristal derretido ela ficaria ainda mais preciosa. No alpendre lá de casa tinha uma pedra de cristal muito grande e sem valor. Eu me assentava sobre ela e imaginava a Terra por dentro. Sempre gostei de imaginar o dentro das coisas. O dentro é um lugar que a gente só chega imaginando. Lágrima é feita de água e sal. Isso mostra que existe um mar morando dentro da gente. Chorar é deixar o mar transbordar, eu fantasiava. Chorar é não morrer afogado. Chorar ajuda o mercuricromo a curar mais depressa a ferida. Nunca perguntei à professora sobre as lágrimas. Tinha medo de escutar que a “ciência explicava”. Sendo de açúcar e sal, quem gosta de açúcar vai gostar de mim. E quem gosta de sal vai gostar ainda mais. E para quem gosta de açúcar e sal eu viro arroz-doce. Vim ao mundo com necessidade de ser amado. Eles diziam: “Durma cedo que eu vou gostar de você”, e eu dormia; “Coma com a boca fechada que eu vou gostar de você”, e eu comia; “Escreva com a letra bonita que eu vou gostar de você”, e eu escrevia; “Deixa de chupar o dedo que eu vou gostar de você”, e eu deixava. Tudo o que eu mais queria era ser amado. Até hoje adoro comida agridoce. Sou mesmo um dois. Existe um rolinho chamado primavera. Ele é servido com um molho agridoce nos restaurantes chineses. É um molho feito de suco de tomate e abacaxi. Gostaria de

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inventar o rolinho inverno para servir no meu aniversário de 119 anos. Meus convidados se serviriam escolhendo o melhor: mel ou limão, e chorariam de tanto rir. Tem uma música que diz: “O que dá para rir dá para chorar. É uma questão de peso e medida” (QUEIRÓS, 2006, pp. 17-21).

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