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A REALIDADE

A angústia da vida executiva

O mais completo estudo sobre o mundo corporativo no Brasil revela por que o ambiente de trabalho se tornou fonte de infelicidade para presidentes e diretores

por Amauri SegallaCom reportagem de Aline Ribeiro, Ana Santa Cruz e Crystiane SilvaFONTE: Revista Época Negócios. Edição 3 - Julho de 2007 | 26/07/2007 - 19:30

As porcentagens acima são os principais resultados de entrevistas com mais de mil executivos de 350 empresas

Nos últimos sete meses, a executiva paulistana Denise Santos, de 38 anos, presidente da BenQ Mobile no Brasil, fabricante de celulares, esteve no centro de um furacão. A empresa é subsidiária do grupo taiwanês BenQ, que em 2006 registrou o maior prejuízo de sua história. Para ajustar as contas, fábricas foram fechadas mundo afora, e centenas de funcionários, demitidos. De Taiwan, Denise recebeu ordem para reduzir em 40% a estrutura da filial. Sua rotina tornou-se caótica. Ela chegou a trabalhar até 17 horas por dia. Nos finais de semana, reuniões intermináveis paralisaram sua vida pessoal.

Praticamente só respirava trabalho. Numa das decisões mais difíceis e doloridas de sua carreira, ela se viu na contingência de afastar 300 funcionários. "Amo o que faço, mas os momentos de infelicidade no trabalho já me fizeram ir diversas vezes para uma sessão de terapia", afirma Denise, uma das mais jovens presidentes de empresa no Brasil.

As angústias, temores e dilemas enfrentados por executivos do topo como Denise são o tema de um profundo mergulho nos corações e mentes dos altos executivos brasileiros, num estudo conduzido, nos últimos dois anos, pela psicóloga mineira Betania Tanure e pelos pesquisadores Antonio Carvalho Neto e Juliana Oliveira Braga. Professora associada da Fundação Dom Cabral e mestre convidada do Insead (França) e da London Business School, autora de sete livros na área de negócios e membro dos conselhos de administração da Gol e da Medial Saúde, Betania e seus colegas entrevistaram pessoalmente 263 presidentes, vice-presidentes e diretores de grandes empresas nacionais. Outros 965 altos executivos responderam a um extenso questionário. O levantamento abrangeu mais de mil executivos de aproximadamente 350 empresas. Dele emergiu um quadro preocupante. Acompanhe:

>>> 84% dos executivos são infelizes no trabalho.>>> 76% deles acessam e-mail profissional fora do horário de trabalho.>>> 58% acham que os cônjuges estão descontentes com o ritmo excessivo de trabalho deles.>>> 55% vivenciam uma mudança radical no trabalho.

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>>> 54% estão insatisfeitos com o tempo dedicado à vida pessoal.>>> 35% apontam problemas com o chefe como a crise mais marcante de suas vidas.

"Fiquei abismada com o grau de desconforto dos executivos em seu trabalho", afirma Betania. Algumas entrevistas, que acabaram se convertendo em sessões de desabafo, duraram horas. Em alguns casos, tantas eram as queixas que a conversa teve de ser retomada. Todos foram ouvidos sob a condição de que seria mantida confidencialidade (o que faz toda a diferença em um trabalho dessa natureza). Lastreada pela atuação profissional de mais de duas décadas, a pesquisadora valeu-se da sólida relação de confiança estabelecida com seus entrevistados. Prevaleceu um clima de franqueza acima do comum em trabalhos dessa natureza. "Para seguir em frente, os executivos costumam colocar um véu em seus problemas e se recusam a olhar para suas infelicidades", afirma Betania.

Esta não é mais uma daquelas pesquisas simplistas, que se limitam a contabilizar respostas formais. Para chegar à conclusão de que 84 de cada 100 altos executivos brasileiros são infelizes no trabalho, os pesquisadores combinaram dois índices de avaliação. O primeiro, chamado Índice Global de Satisfação, considera variáveis como as horas trabalhadas, o grau de satisfação com os chefes e subordinados, os níveis de cobrança por resultados e os sistemas de recompensa, entre outros. O segundo critério, denominado Índice Global de Sensações e Atitudes, avalia o grau de ansiedade, insônia, problemas familiares, desânimo e consumo de bebidas alcoólicas, entre outros aspectos relacionados à vida pessoal. Depois de cruzados esses dados, com os respectivos pesos, foram considerados infelizes aqueles executivos cujos indicadores negativos sobrepujavam os positivos.

A globalização desponta no estudo como uma das principais vilãs responsáveis pelo aumento da tensão no mundo corporativo. Com a competição disparando de todos os lados, as empresas correm atrás de aumento de produtividade para brigar em condições de igualdade com a concorrência mais e mais voraz. Legiões de profissionais foram demitidas nesse processo. Quem antes fazia apenas o seu trabalho passou a realizar o de três pessoas. Quem chefiava um único departamento assumiu o comando de vários setores. Os que sobreviveram tiveram de provar sua competência de forma quase obsessiva. "O acirramento da competição globalizada representou uma virada no mundo corporativo brasileiro", afirma Betania. Metas cada vez mais ambiciosas foram estabelecidas. A tecnologia também teve um papel decisivo na aceleração do ritmo de trabalho nos últimos anos.

Equipamentos como o BlackBerry, o celular que facilita o envio e recebimento de e-mails, e os laptops, que permitem acessar a internet de qualquer lugar, sem precisar de rede fixa ou pontos wireless, acabaram por eliminar a fronteira entre a vida pessoal e o escritório. Trabalha-se o tempo todo. Na quadra de tênis. Em casa, com os filhos. No jantar romântico com a pessoa querida. Também nas férias e feriados. Veja o executivo paulista Davide Marcovitch, presidente do grupo Moët Hennessy na América Latina, dono de algumas grifes do setor de bebidas (Veuve Cliquot e Moët & Chandon), Marcovitch chega a passar 20 horas por dia no escritório em São Paulo. Ao longo de quatro décadas de carreira, ele afirma ter-se desligado das atribuições profissionais somente em duas ocasiões. "Uma na lua-de-mel, há 30 anos, e outra em 1999, numa viagem com minha mulher." Por que se sacrificar tanto? "É o único jeito de chegar ao topo", diz.

DENISE SANTOS 38 anos, presidente da BenQ Mobile

A carreira executiva deixou marcas na vida da engenheira elétrica Denise Santos, responsável pela BenQ Mobile no Brasil. Para ela, a solidão profissional revelou-se de forma dramática: "No ano passado, tive um problema de saúde, fiquei triste, mas ninguém me perguntou se havia algo de errado comigo". O desenvolvimento de grandes projetos também desgasta. Há três anos, participou da implantação do sistema GSM para a Claro e coordenava 400 pessoas. "Não conseguia dormir, passei a tomar remédios. No final, percebi que nada disso valeu a pena." Nos primeiros anos de trabalho, a entrega foi importante, mas virou escravidão. "Fui casada por sete anos e posso dizer que o excesso de trabalho foi uma das causas do fim", afirma. Depois da separação, ficou cinco anos sem nenhum relacionamento firme. Hoje, namora um homem que conheceu no trabalho. "Perto dos 40 anos, começo a pensar se deveria ou não engravidar."

O ESTRESSE ESTÁ GLOBALIZADOSegundo um estudo conduzido pela socióloga americana Juliet Schor, os principais executivos americanos trabalham hoje 163 horas mensais a mais em relação a 1969 - o equivalente a quase um mês inteiro de labuta por ano. Na década de 80, conforme a mesma pesquisa, 55% dos líderes admitiam viver uma situação de grande estresse na vida

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profissional. Os dados atuais demonstram que o nível subiu para 75%. No Brasil, de acordo com Betania, os executivos do topo trabalham, em média, 14 horas a cada dia - número somente comparável ao do Brasil do início do século 20. A industrialização tardia do país fez com que, especialmente entre as décadas de 10 e 30, os trabalhadores brasileiros permanecessem 14 horas por dia confinados nas fábricas. Num certo sentido, os executivos de hoje trabalham ainda mais, considerando e-mails lidos e celulares atendidos fora do expediente oficial. Isso equivale a 70 horas semanais. Para efeito de comparação, a Constituição brasileira de 1988 estabeleceu a jornada de 44 horas semanais - ou seja, os executivos do topo dedicam a suas companhias quase o dobro do tempo previsto pela lei vigente no país.

É inevitável associar o quadro de infelicidade ao ritmo global de trabalho. De acordo com um estudo da Harvard Business School, 70% dos americanos estão insatisfeitos com a intensidade de sua jornada de trabalho. Metade dos entrevistados considera improvável desfrutar uma vida saudável nessas circunstâncias. No Japão, o índice de insatisfação aproxima-se de 80%, segundo levantamento da Universidade Metropolitana de Tóquio. Tudo isso explica o surgimento da expressão extreme jobs (trabalhos extremos). O termo

refere-se às atividades que exigem dedicação 24 horas por dia dos profissionais mais graduados, responsabilidade por perdas e ganhos, prestação de contas a diversas pessoas (acionistas e, muitas vezes, chefes em outros países) e capacidade para enfrentar situações de grande tensão sem jamais denunciar nenhum sinal de fraqueza.

Em seu estudo, Betania expôs o que parece evidente, mas nem sempre é admitido: a falsidade do estereótipo de herói ou homem de aço no mundo corporativo. "Nos últimos anos, observei inúmeras manifestações de sofrimento e explosões espontâneas de tristeza de líderes importantes", afirma ela. "A versão oficial de que eram irremediavelmente felizes precisava ser desfeita." Betania testemunhou cenas comoventes. Presidentes em momentos de fragilidade emocional. Alguns choraram (sim, presidentes de empresas também choram). Lamentos eloqüentes contra o tempo perdido com o excesso de trabalho. Pela dedicação que oferecem às empresas, todos eles são recompensados com status, poder e dinheiro. Mas o tempo passa e, após longos anos de árdua batalha para obter sucesso profissional, eles se perguntam se isso era mesmo o mais importante. "Chega um momento em que todo ser humano depara com uma questão fundamental: se é ou se foi feliz ou não", disse a Época NEGÓCIOS o historiador inglês Stuart Walton, autor de Uma História das Emoções, publicado recentemente no Brasil pela Editora Record. No livro, Walton examina aquelas emoções que considera primordiais (como medo, raiva, tristeza e felicidade) e as relaciona à vida moderna. Em um mundo afeito a mudanças velozes que obrigam os profissionais a se desdobrar em inúmeras atribuições cotidianas, quem se destaca são justamente aqueles que mais se entregam ao que ele chama de "frenesi mundano". Trabalham intensamente, têm ambição desmedida, são competitivos ao extremo e gladiadores dispostos a sobreviver num ambiente marcado pela escassez de companheirismo e amizade. "De alguma forma, a vida cobrará seu tributo e o preço pago por essas pessoas, muitas vezes, é a infelicidade", diz Walton.

CLEDORVINO BELINO, 58 anos, presidente da Fiat

Um dos executivos brasileiros mais bem-sucedidos, Cledorvino Belini é um homem realizado. Sob seu comando, cerca de 17 mil funcionários produzem 1,8 mil carros por dia em Betim (MG), na maior fábrica de automóveis do grupo Fiat fora da Itália. Desde que se lembra, trabalha 13 ou 14 horas por dia. Há sete anos, passou por um grande susto. "Tive uma fibrilação arterial, uma espécie de arritmia no coração", diz. "Ouvi do médico que, se eu continuasse naquele ritmo, teria poucos anos pela frente." A causa da doença? A correria do dia-a-dia associada ao estresse comum entre executivos no topo. O jeito foi reorganizar tudo. Como trabalhar intensamente fosse inevitável, decidiu incorporar hábitos saudáveis. Passou a fazer exercícios físicos e priorizar alimentos menos calóricos. Hoje, 10 quilos mais magro, sente-se mais disposto. E o ritmo continua alucinante. Mesmo no fim de semana, responde e-mails dos funcionários da empresa. São, às vezes, centenas de mensagens. "Não deixo um sequer sem resposta", diz.

DINHEIRO E FELICIDADESe as atribulações nos escritórios tornaram-se uma fonte de angústia para os altos executivos, o que pode fazê-los mais felizes? Mais dinheiro, sucesso e poder certamente não é a resposta. Afinal, os profissionais entrevistados por Betania e sua equipe lideram os rankings de remuneração, são vistos por seus pares como estrelas e tomam decisões muitas vezes por sua conta e risco. "Estudos mostram que as pessoas mais felizes são aquelas que amam intensamente

Os executivos trabalham mais de 14 horas por dia - patamar só comparável à jornada do Brasil arcaico do início do século 20

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o que fazem, seja no trabalho, seja em casa, cuidando dos filhos", diz o historiador Walton. "Se forem bem remuneradas para fazer o que gostam, melhor ainda." Para Betania, há uma diferença sutil entre os conceitos de felicidade e prazer no trabalho: "Os executivos são apaixonados pelo que fazem, mas o ambiente intoxicado os impede de encontrar a felicidade". É fácil de entender. O sujeito tem prazer em lançar um novo produto, em construir fábricas, em desbravar fronteiras. O problema está nas intermináveis reuniões, na jornada excessiva, na falta de possibilidade de desfrutar outras dimensões da vida. Em não raros casos, isso provoca danos à saúde. Tempos atrás, o executivo Cledorvino Belini, presidente da Fiat, teve um problema cardíaco diretamente causado pelo estresse gerado pelo volume excessivo de trabalho. Recuperado do susto, teve de adotar a prática de exercícios físicos para equilibrar o corpo e a mente. "Hoje levo uma vida mais harmoniosa", diz. No final do ano passado, o presidente de uma grande empresa do setor de telecomunicações desmaiou no banheiro da companhia depois de participar de uma reunião com a equipe. Não era infarto ou acidente vascular cerebral, o mais comum nesses casos. Era simplesmente estresse. Recentemente, um diretor de uma empresa de alimentos surtou, reagindo aos gritos quando o chefe lhe passou uma atribuição impossível de ser cumprida no prazo estabelecido. Contido por colegas de trabalho, foi levado ao hospital e de lá seguiu para tratamento psiquiátrico. Também há pouco, um executivo de uma companhia do setor de bebidas desistiu de embarcar para o exterior numa missão profissional. Desistiu porque não conseguia enfrentar a perspectiva de um vôo e das intermináveis e muitas vezes infrutíferas reuniões que viriam a seguir. "Senti uma angústia, uma ansiedade incontrolável. Simplesmente travei", afirma o executivo, que iniciou tratamento psicoterápico.

Uma maneira eficaz para detectar os reais sentimentos dos CEOs - não os que se espelham em declarações oficiais, mas aqueles que se ocultam na persona bem moldada - é ouvir o testemunho de executivos que deixaram o cargo. É esse o caso do paulistano Geraldo Carbone, 50 anos. Ex-presidente da filial brasileira do BankBoston, cargo que ocupou por nove anos até que a empresa foi incorporada pelo rival Itaú, Carbone decidiu iniciar uma carreira solo, à frente da GC Capital, empresa de investimentos. Não tem subordinados, além da secretária. "O que me atraía no cargo de presidente eram os

desafios", afirma. "Nunca me deixei seduzir pelo status e outras maravilhas." Hoje, Carbone afirma não ter saudade do mundo corporativo. "É insalubre, dramaticamente insalubre." Para sustentar essa visão ácida, ele afirma que a angústia flagrada pela pesquisadora Betania se deve ao aumento da complexidade do mundo dos negócios combinada com a perda de autonomia dos presidentes de subsidiárias. "Ao mesmo tempo em que aumentaram as cobranças e os prazos, tiraram do executivo as ferramentas que lhe possibilitariam dar conta de suas metas", diz Carbone. "É uma encrenca que coloca o presidente num caminho sem solução."

DAVIDE MARCOVITCH 62 anos, presidente do grupo Moët Hennessy

Nas últimas três décadas, Davide Marcovitch não se lembra de ter tirado mais de dez dias de férias seguidos. Na última vez, foi com a mulher à França e à Itália e passou todo o tempo colado ao celular. Responsável na América Latina por um grupo que tem inúmeros braços internacionais (a empresa é dona de grifes como Veuve Cliquot e Moët & Chandon), Marcovitch coordena o trabalho de 800 pessoas em diferentes países. "Nunca trabalho menos de 16 horas por dia", diz o executivo, que já chegou a dormir no escritório. "Acordo nos horários mais inusitados para falar com os escritórios no mundo." Se isso o incomoda? "Pode parecer algo irracional, mas esse ritmo é natural na minha vida." Casado há 30 anos, não tem filhos. "No começo, foi opção", diz. "Eu sabia que teria de me dividir entre trabalho e família. Para não fazer uma escolha difícil, preferi deixar de lado a chance de ter crianças." Anos depois, o casal reconsiderou a hipótese, porém já era tarde demais. "Paciência, não gosto de ficar remoendo o passado."

QUEM QUER SER PRESIDENTE?O aumento da complexidade, a pressão de acionistas e a aceleração da rotatividade de presidentes no cargo geraram nos Estados Unidos uma reação surpreendente dos executivos. Mais da metade dos entrevistados em uma pesquisa realizada há dois anos disse que não gostaria de ser presidente de uma empresa. Detalhe: foram ouvidos pelos pesquisadores executivos de altos postos, a meio caminho de se tornar virtuais candidatos ao principal posto de uma corporação. Uma das vítimas desse processo foi o executivo Antonio Werneck, substituído, em 2002, no comando das operações na América Latina da anglo-holandesa Reckitt Benckiser. Ele conta que enfrentou dificuldades ao negociar metas com a matriz. "Virou uma conversa de louco", afirma ele. Angustiado com tudo isso, Werneck decidiu abrir um período sabático para fazer uma revisão de vida. Freqüentou um conselheiro de executivos em Londres, viajou para o

"Frenesi mundano" é o nome que os pesquisadores dão ao estilo de vida dos executivos de ambição desmedida, supercompetitivos

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Peru, divorciou-se e casou novamente. "Hoje sou outra pessoa, capaz de calibrar melhor cada aspecto da vida, não apenas o profissional", diz Werneck, atual presidente da Santher, fabricante de papéis.

É muito difícil o executivo abrir mão de um salário generoso, do poder e do status que desfruta na vida executiva. "Ele cai na armadilha financeira", afirma Betania. "Acredita que uma promoção ou mais dinheiro podem aliviar sua infelicidade, mas isso é um equívoco." Em geral, é frágil a relação entre aumento de renda e felicidade. Décadas de forte crescimento econômico nos EUA, na Europa e no Japão na segunda metade do século 20 não aumentaram a proporção de indivíduos que se consideram felizes. Entre 1975 e 1995, segundo dados do governo americano, a renda média por habitante nos EUA

aumentou 43% em termos reais. No mesmo período, o grau de felicidade permaneceu estagnado. "Na faixa de população muito pobre, dinheiro em geral traz algum aumento no nível de felicidade", disse a Época NEGÓCIOS o economista suíço Bruno Frey, professor da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, e do Instituto de Política de Paris. Autor de diversos estudos que relacionam o impacto do aumento da renda e do nível de estudo na felicidade das pessoas, Frey vê um limite para isso: "Para as pessoas que alcançam um padrão financeiro médio ou elevado, mais dinheiro não as deixa mais felizes".

Por que o bem-estar financeiro não é capaz de trazer paz de espírito para as pessoas? Os sábios do passado dão pistas. O romano Sêneca (4 a.C.-65 d.C.), um dos grandes filósofos da Antiguidade, escreveu que para alcançar a felicidade "é preciso livrar-se da agitação desregrada, à qual se entrega a maioria dos homens". Nada mais apropriado nos tempos atuais, em que os executivos são tomados por uma agitação permanente (nem sempre produtiva). Outro sábio, o grego Demócrito (460 a.C.-370 a.C.), escreveu Sobre o Prazer, texto que traz, logo no começo, a seguinte recomendação: "Ocupe-se de pouco para ser feliz". É tudo o que os altos executivos não fazem.

Sigmund Freud (1856-1939) levou o dilema para outro campo. De acordo com o criador da psicanálise, o processo civilizatório e o avanço da racionalidade demandado pelo mundo contemporâneo comprometem as aspirações primárias dos indivíduos, entre elas a felicidade. Para Freud, o cerceamento da espontaneidade natural impede a civilização de ser feliz. "O homem primitivo estava em situação vantajosa por não conhecer restrições ao instinto", escreveu em um de seus clássicos, O Mal-estar na Civilização. "O homem civilizado trocou uma parcela das suas possibilidades de felicidade por uma parcela de segurança." Para o psicólogo americano Jonathan Haidt, professor da Universidade de Virgínia e autor do best-seller The Happiness Hyphotesis ("A hipótese de felicidade"), o segredo está justamente na confluência entre o bem-estar material e o espiritual. Segundo ele, é preciso fazer parte de algo, ter um propósito (nem que seja subir na carreira), mas ao mesmo tempo olhar para dentro de si e para as pessoas em torno.

O DISCURSO CORPORATIVO É CONTRADITÓRIOA pesquisadora Betania Tanure diz que, na prática, muitas empresas não valorizam seus executivos

 Em depoimento a Época NEGÓCIOS, a psicóloga Betania Tanure discorre sobre o levantamento que consumiu dois anos de trabalho e será transformado em livro:

>>> O que motivou o estudo "Em meados dos anos 90, comecei a perceber uma certa angústia entre os líderes empresariais. Alguns executivos mais próximos relataram experiências negativas que vivenciaram no trabalho. Notei um enorme desconforto principalmente entre aqueles que detinham poder. Estava claro que algo negativo se desenrolava com grande força. Os homens do topo estavam trabalhando demais, distanciavam-se da família, sentiam-se compelidos a competir de forma agressiva no próprio ambiente profissional em que se inseriam. Resolvi investigar, incitando-os a falar mais."

>>> A pesquisa "Apliquei uma escala de 1 a 7 para definir o que chamei de Índice Global de Satisfação dos profissionais com o trabalho e com a vida pessoal, variando de 'extremamente insatisfeito' até 'extremamente satisfeito'. Entre as variáveis analisadas na vida profissional, incluí relação com os pares, chefes e subordinados, níveis de cobrança por resultado e sistemas de recompensa, entre outros fatores. No campo pessoal, pesquisei a relação com os filhos, familiares e parceiros amorosos, qualidade da alimentação e saúde, entre outros aspectos. Também apliquei uma escala de 1 a 7 para definir o Índice Global de Sensações e Atitudes, variando de 'nunca' até 'sempre'. Nesse caso, os executivos foram

"Sinto o tempo todo que alguém da minha própria empresa me dará uma facada pelas costas", diz o diretor de uma indústria de bebidas

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questionados sobre a incidência de ansiedade, dor de cabeça, fadiga, insônia, desânimo, diminuição do interesse sexual e consumo de bebidas alcoólicas, entre outras"

>>> Prazer e infelicidade "Eu e minha equipe chegamos ao percentual de 84% de executivos infelizes no trabalho depois de cruzar os dados e considerar a predominância de respostas negativas, ou seja, aquelas em que eles revelaram altos índices de insatisfação com a vida que levam no escritório. Entretanto, é impossível não admitir que os líderes têm muitos prazeres no mundo corporativo. Eles amam o que fazem. Mas há imensos conflitos também. O problema central é que colocam um véu na frente e se recusam a olhar para as infelicidades. Muitos dizem que, se tirarem o véu, enlouquecem. Até que chega alguém e diz para tirar a cortina. É por isso que alguns executivos choraram nas entrevistas. A máscara é muito grande."

>>> As causas da tristeza "São diversos os fatores que levaram à infelicidade. A questão do aumento da competição é um turning point na história do mundo corporativo brasileiro. A competição está crescendo de forma brutal. Os executivos encontram estruturas cada vez mais enxutas, nas quais os bons cargos são cada vez mais escassos. Portanto, só a alguns eleitos está reservado o Olimpo do poder - e todos querem desfrutá-lo. Essa disputa aumenta a desconfiança. Quem consegue ser feliz num ambiente em que se espera ser traído a qualquer momento? A globalização também provocou grandes impactos. Hoje, o sujeito tem um chefe nos Estados Unidos, outro na China, que muitas vezes pedem coisas diferentes. Ele tem de prestar contas a inúmeras pessoas - a qualquer hora do dia, inclusive de madrugada, graças ao fuso horário. Trabalha-se cada vez mais e sob brutal tensão."

>>> A situação das executivas "Todo mundo fala em oportunidades iguais, mas isso não existe. Quanto mais elevado o nível hierárquico, menos mulheres se encontra. É óbvio que a situação hoje é melhor do que há 20 anos. Mas difere muito da dos homens. Não consigo vislumbrar, nos próximos anos, uma proporção equilibrada entre os sexos. Há um momento na vida da mulher, chamado maternidade, que é dramático. A maioria delas decide desacelerar a carreira. Com os homens, ocorre o oposto."

LARES DESFEITOS Um dos principais fatores que conduzem à infelicidade, como constatou Betania Tanure em seu estudo, é justamente a impossibilidade de os executivos, diante do que as empresas exigem deles, viverem um relacionamento intenso com a família. Não é só para dentro de si que eles não conseguem olhar, mas, em especial, para os que vivem próximos. Eis um campo minado por ressentimentos, faltas e, sobretudo, culpas. "O trabalho é hoje o lugar da admiração, enquanto a casa está se transformando no espaço da culpa e da dívida", diz a também psicóloga Vicky Block, conselheira de executivos. Enquanto no escritório a persona profissional brilha e é invejada por seus pares, no lar a situação revela-se diametralmente oposta. É onde o profissional sofre pressões por não dar suficiente atenção ao cônjuge, não ajudar na lição de casa dos filhos ou ausentar-se de uma reunião de pais, ou por não cumprir a eterna promessa de viagem com a família. "Quando você entra no local de trabalho, sabe exatamente o que tem de fazer, é algo quase matemático", diz Afonso Celso de Barros Santos, presidente da locadora Avis do Brasil. "No âmbito emocional é que vem o desgaste, a dificuldade de perceber se está ou não fazendo a coisa certa." Barros diz que se angustia por ficar pouco com os filhos. "Temo que a dedicação limitada às crianças possa ter um impacto negativo no futuro deles."

O dilema é complexo. A maioria dos executivos sabe que precisa reservar um tempo maior para a família, mas nem ele tampouco os parentes próximos admitem dispensar os bens materiais conquistados graças ao alto cargo bonificado. "Se eu diminuir o ritmo e ganhar menos, sei que a minha família irá chiar", foi a resposta mais freqüente quando Betania questionou seus entrevistados sobre a hipótese de reduzir sua jornada. Para a psicóloga Vicky, essa aparente contradição faz parte do que ela chama de "gestão de paradoxos" que os profissionais do topo devem administrar. A maioria dos executivos

sente-se impotente diante dessa situação. Em geral, culpam-se por não ver os filhos crescerem, recebem enorme pressão vinda dos familiares e obviamente sofrem com isso - mas não conseguem mudar esse estado de coisas. Um dos casos relatados no estudo diz respeito a um executivo que, ao chegar em casa, deparou com a mulher de malas feitas e os filhos dentro do carro, prontos para abandonar o lar.

Esses mesmos paradoxos são replicados nas empresas que investem no discurso da qualidade de vida, mas que, na prática diária, se convertem em miragem. "Já dei inúmeras entrevistas exaltando a maneira como minha corporação

As mulheres enfrentam um quadro dramático. como ter filhos e subir na carreira? Os avanços feministas pouco chegaram aos escritórios

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preza o bem-estar dos funcionários, mas o que não contei é que minha vida pessoal estava destruída justamente pela quantidade absurda de trabalho", disse um ex-diretor de uma grande empresa do setor de telecomunicações, divorciado recentemente devido aos serões de madrugada no escritório. O estudo traz outra constatação inquietante que demonstra como o trabalho assumiu no mundo contemporâneo proporções grandiosas. Ao ser questionados sobre o evento negativo mais marcante em suas vidas, 39% referiram-se à morte na família. Outros 35% disseram que as brigas com os chefes foram os eventos mais significativos. Conclusão que causa perplexidade: há um empate técnico entre o estresse gerado pela perda de um familiar e rotineiros conflitos com a chefia.

SYLVIA COUTINHO, 45 anos, diretora-executiva do HSBC Bank Brasil

Ela representa duas notáveis exceções no mundo corporativo. A primeira delas diz respeito ao cargo que ocupa. Ainda é desigual a proporção de homens e mulheres que estão no topo da hierarquia. A segunda refere-se à vida familiar. De acordo com o estudo realizado pela pesquisadora Betania Tanure, apenas 7% das executivas entrevistadas são casadas com homens que não trabalham. O marido de Sylvia Coutinho, diretora-executiva do HSBC Bank Brasil, o engenheiro agrônomo Bernard Costilhes, abdicou da carreira para acompanhar o crescimento profissional da mulher. Consultor, Costilhes passa a maior parte do tempo em casa e é o responsável por ir às reuniões de escola dos filhos ou levá-los ao médico. A situação já provocou cenas constrangedoras. "Nos eventos relacionados ao trabalho, as pessoas que não nos conhecem supõem que meu marido é o executivo", diz ela. Sylvia sente-se culpada por não ter participado como gostaria da vida dos filhos. Dor mitigada pela intensa dedicação do marido.

ELAS SOFREM MAISAs mulheres enfrentam um quadro ainda mais dramático. Embora o movimento feminista que desabrochou nas décadas de 60 e 70 tenha proporcionado imensos avanços na vida profissional das mulheres, elas ainda deparam com uma questão que parece insolúvel. Como ter filhos e subir na carreira? A resposta está longe de uma definição. De acordo com o levantamento, 40% das executivas bem-sucedidas no trabalho não têm filhos, ante apenas 19% dos homens. Nada a espantar: o homem ainda é considerado o provedor da casa. "O problema é que o relógio biológico das mulheres corre muito rapidamente", afirma Betania. "Muitas das entrevistadas disseram que preferiram deixar a maternidade para depois, mas acabaram por descobrir que o depois ficou longe demais." Os primeiros anos de ascensão na carreira são exatamente os mais apropriados biologicamente para a maternidade. Estudos científicos apontam que, após os 35 anos, a fertilidade da mulher diminui. A executiva sem filho e que tem entre 35 e 40 anos (a idade em que assumem posições de liderança), sente-se pressionada pelo curto tempo que resta para a maternidade e pelo aumento da demanda no trabalho. A escolha, qualquer que seja, é difícil e dolorosa, pela sensação de que um dos dois lados será preterido e jamais recuperado.

As altas executivas também têm mais dificuldade para encontrar um parceiro. Da amostra, 35% das entrevistadas não são casadas ou não têm namorado, ante uma proporção de apenas 14% dos colegas. Portanto, há quase três vezes mais mulheres sem parceiro do que de executivos. É uma tendência mundial. A economista americana Sylvia Hewlett, professora da Universidade de Columbia, realizou uma pesquisa com o objetivo de explorar a vida profissional e privada de mulheres bem remuneradas e com elevado nível de instrução. Descobriu que, quanto mais bem-sucedido for o homem, maior a

probabilidade de casar e ter filhos. As mulheres enfrentam cenário oposto. Nos Estados Unidos, considerando pessoas na faixa entre 35 e 40 anos, há um homem solteiro para cada três mulheres na mesma condição. "A falta de tempo da executiva para o cultivo de uma relação afetiva não é bem aceita pelos homens", diz Betania. O que esses dados indicam é que as mulheres ainda operam como apoio à carreira masculina, enquanto a premissa oposta não é verdadeira. Para elas, não há problema em abdicar da vida profissional em prol do parceiro. Para eles, trata-se de um disparate.

A exemplo do que ocorre no exterior, onde estudos similares recebem fundos privados, o mergulho de dois anos no mundo corporativo no Brasil só foi possível porque contou com o apoio de uma empresa privada -o banco ABN Amro Real. Em agosto próximo, o estudo vai se transformar em um livro, intitulado Sucesso e (In)Felicidade, a ser editado pela Campus/Elsevier. Um dos capítulos mais amargos é o que trata da solidão do poder, fator dos que mais contribuem para entristecer os presidentes. Em ambientes profissionais contaminados pela competição desenfreada, o grau de confiança - mesmo entre os membros de uma mesma equipe - tende a ser escasso. Não foram poucos os altos

No teatro corporativo há a "síndrome de Alexandre", numa referência ao imperador Alexandre, o Grande, tido como imbatível

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executivos que disseram aos pesquisadores aguardar, a qualquer momento, uma metafórica facada pelas costas. Na impossibilidade de compartilhar suas angústias, o líder tende a se isolar. "Esse comportamento se deve provavelmente ao fato de que os presidentes são treinados para não demonstrar fraquezas, como se pudessem suportar o tranco sozinhos", diz Betania. Nesse teatro corporativo, é comum observar o que é chamado no estudo de "síndrome de Alexandre", referência ao imperador macedônio conhecido por suas conquistas espetaculares. Nestes tempos, a síndrome traduz a necessidade pessoal compulsiva de obter uma seqüência interminável de conquistas. Aparentemente invencível, Alexandre, o Grande, morreu aos 32 anos, em conseqüência de ferimentos de guerra. Os executivos brasileiros também carregam inúmeros ferimentos das batalhas corporativas, vencidas ou não. O principal deles é a infelicidade.

AFONSO CELSO SANTOS, 51 anos, presidente da Avis do Brasil

Durante o expediente de 13 horas de trabalho, Afonso Celso de Barros Santos é o orgulhoso presidente da locadora de automóveis Avis, a segunda maior do país. Quando o dia termina, converte-se em pai angustiado. "Outro dia minha filha caiu e teve de levar cinco pontos", diz ele. "Se eu estivesse perto, não teria acontecido." Santos tem três filhos pequenos. Ainda que sua mulher se dedique inteiramente às crianças, a culpa martela. "A falta de tempo compromete meu relacionamento com os filhos." Mesmo o tempo escasso que reserva ao convívio com a família é ameaçado pela possibilidade de uma chamada. "A carga de trabalho para o executivo é maior do que anos atrás." Santos começou a trabalhar aos 16 anos, como office boy. Fez carreira no Bradesco, assumiu o comando da Avis em 1995 e comprou o controle da empresa. Em retrospecto, acha que perdeu algo no caminho. "Quando eu era escriturário, tinha mais liberdade", afirma. "Quanto mais você cresce na hierarquia, menos liberdade tem."

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A ALTERNATIVA

Há saída para o estresse

É possível alcançar a felicidade perene? O psicólogo Mihály Csíkszentmihályi, professor da Claremont University, diz que sim. Mas, para isso, é preciso atitude. Um caminho é domar a ambição, casar habilidades com interesses e se dedicar mais ao que você realmente gosta. Simples assim

por Eduardo Ferraz

Um número crescente de executivos aprende a pronunciar o nome do psicólogo Mihály Csíkszentmihályi. Filho de húngaros, nascido na Itália e radicado nos Estados Unidos, ele é uma das autoridades mundiais na pesquisa da "psicologia positiva", corrente que estuda qualidades humanas, como otimismo, criatividade, motivação interna e responsabilidade, e faz sucesso em grandes empresas, como HP e Merryl-Lynch. Nesta entrevista, concedida por telefone de seu escritório na Claremont Graduate University - onde dá aulas na Drucker School e dirige o Centro de Pesquisa de Qualidade de Vida -, o psicólogo conta como os executivos podem buscar uma felicidade perene. Em tempo: a pronúncia de seu sobrenome é txic-zent-mirráii.

Uma característica comum a quase todos os executivos é a ambição. Ela contribui para o aumento do estresse? Sim. Na nossa sociedade, se você pergunta às pessoas quanto elas gostariam de ganhar para se sentir felizes, todas respondem que gostariam de ganhar de 30% a 50% mais do que ganham. Não importa se recebem US$ 20 mil ou US$ 200 mil por ano, elas sempre querem mais. Existem algumas pesquisas que mostram claramente essa escalada nas expectativas. E quanto mais elevado é o salário ou o cargo, além da autoridade, a competição se torna cada vez maior, porque há o anseio de seguir adiante, subir sempre mais alto. E, quanto mais alto um executivo está, menos ar ele tem para respirar. Existem menos oportunidades. Esse tipo de ambição, de sempre querer melhorar a sua situação, pode levar a um colapso nervoso. A questão é: quanto de ambição é bom? Ninguém sabe a resposta.

Mas nas empresas, com freqüência, os mais ambiciosos são os mais valorizados. Porém, ao fazer isso, as empresas estão preparando as pessoas para se tornar cada vez mais estressadas. Isso é bom para a companhia? Talvez. Sucede que executivos muito estressados têm suas habilidades reduzidas. Há alternativa para esse cenário? A mudança pode vir de hierarquias mais horizontais, nas quais o trabalho seja distribuído de maneira mais homogênea, aliviando o estresse dos executivos. Algumas organizações parecem conseguir distribuir melhor a autoridade e sobreviver bem no mercado. A hierarquia mais horizontal mostra ao funcionário que ele pode seguir adiante, mas sem precisar ser tão competitivo. Ele não vai ter de lutar para ser o vice-presidente de operações da companhia inteira, porque não haverá esse cargo. Existem empresas bem-sucedidas que não precisam desse trabalho tão estressante. Se a companhia é realmente inovadora e flexível em suas operações, ela pode ser bem-sucedida sem ter de arruinar a vida de seus executivos.

O senhor poderia citar um exemplo? A Patagônia (fabricante de roupas e artigos esportivos baseada em Ventura, na Califórnia). Mas há outras, como a empresa de investimentos Edward Jones, o Gallup e muitas mais. Na Patagonia, você entra no hall da sede e vê várias pranchas de surfe apoiadas na parede. Todos os funcionários que gostam de surfar levam suas pranchas e um sino começa a tocar no prédio quando as ondas na praia próxima ultrapassam 1 metro. Todos podem pegar sua prancha e ir para a praia. Ninguém diz "não, não, estamos muito ocupados". Você simplesmente sai, pega suas ondas e, depois, volta para trabalhar um pouco mais. Os executivos usam sandálias e camisetas. Há uma atmosfera distendida e, ao mesmo tempo, um trabalho executado de maneira eficiente e focada. Esse tipo de situação de trabalho está se tornando cada vez mais comum - e espero que se torne o padrão.

Enquanto o ambiente corporativo não muda, o que os executivos podem fazer para ficar menos estressados e ter uma vida melhor? É fundamental que a pessoa encontre um trabalho que goste de fazer, que case com suas habilidades e seus interesses, para não ficar envolvido com coisas de que não gosta. Esse é o primeiro passo. Também é desejável ter a escolha de trabalhar numa empresa gerida da maneira que você gosta.

E quem não conseguir um cargo assim? Pode-se falar com o superior ou com colegas, de modo a engajá-los numa discussão civilizada de como está a situação e o que pode ser feito para melhorá-la. É possível fazer isso. As pessoas é que têm medo de tomar a iniciativa. Ou estão tão irritadas que não se comunicam.

E, fora do escritório, o que altos profissionais podem fazer para melhorar o bem-estar? Um executivo deve tentar descobrir as coisas de que realmente gosta e as que o deixam deprimido ou estressado. Ao final do dia, pode anotar num diário tudo o que fez e dar notas a cada coisa. É incrível como, depois de uma semana fazendo isso, se

A psicologia positiva é a área de atuação de Mihály Csíkszentmihályi: "A maioria das pessoas acha que tudo faz parte da vida, que tudo é inevitável. Não é"

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encontram padrões, é possível identificar onde há perda de tempo, perda de energia. A partir daí, deve-se tentar se dedicar mais ao que se gosta e menos ao que não se gosta. A maioria das pessoas não faz essa avaliação e acha que tudo faz parte da vida, que é inevitável.

Qual a importância de atividades não vinculadas ao trabalho? Próximos do topo ou da aposentadoria, muitos se sentem desiludidos, devastados. Então, é crucial ter duas ou três paixões, atividades como música, filosofia, viagens, ou simplesmente ajudar outras pessoas.

Que autores trazem boas reflexões sobre felicidade? Fui muito influenciado por Teilhard de Chardin, o jesuíta francês que escreveu O Fenômeno Humano. Hannah Arendt também influenciou minha maneira de pensar, com A Condição Humana. Marco Aurélio idem. Dos mais modernos, há um jovem psicólogo chamado Jonathan Haidt.

O que há de interessante em Jonathan Haidt? A pesquisa de Haidt trata do que ele chama de "elevação", o oposto de depressão. Um sentimento como se o coração estivesse se expandindo, o que é uma metáfora para dizer que o coração está ficando "grande". E, ao que tudo indica, esse sentimento produz realmente um efeito fisiológico, o sistema circulatório funciona melhor. Normalmente, esse sentimento acontece quando se ajuda alguém, ou quando se faz algo que realmente dá certo no trabalho. Um sentimento daqueles que nos permite dizer "uau!" e o peito se expande. O interessante é que esse estudo foca não apenas o estresse ou as experiências ruins, mas aquelas que são realmente positivas. Haidt é uma das pessoas que buscam ver como gerar esse tipo de experiência positiva nas pessoas. Meu trabalho também vai nessa linha.

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7 posturas para ser mais felizA psicóloga carioca Marilda Novaes Lipp, presidente da Associação Brasileira de Stress e diretora do Centro Psicológico de Controle do Stress, tem uma larga experiência no tratamento de executivos. Seus conselhos:

1 >>> Ginástica mental Descubra o que é felicidade para você. Para fazer isso, reflita sobre o que lhe traz paz interior. É brincar com o filho? Viajar? Pense nas situações em que se sente livre. Determine também o que gostaria que permanecesse na sua vida daqui a dez anos - ou seja, as coisas que são essenciais para você.

2 >>> Avaliação Veja o que, em seu estilo de vida, o aproxima ou o afasta da felicidade. Se é mais feliz quando está em casa com a família, mas, ao mesmo tempo, não pára de viajar, você está se afastando.

3 >>> Ação Refletir é essencial, mas é preciso pôr em prática. De posse das respostas dos itens anteriores, faça um programa mental para cumprir essas metas. Quem descobre o que precisa fazer para ser feliz e não faz nada torna-se mais infeliz ainda.

4 >>> Ócio Aprenda, algumas vezes, a não fazer nada. Não é preciso completar a agenda. Como no xadrez, são necessários espaços vazios para poder se movimentar.

5 >>> Otimismo Ser otimista é melhor que ser pessimista (e isso é algo sobre o que você pode decidir). As pessoas que esperam pelo pior tendem a ser mais estressadas. Se tem de conduzir um projeto difícil, procure encará-lo como um desafio, e não como um fardo.

6 >>> Relativismo Quando tudo estiver difícil, lembre-se que essa situação não vai permanecer assim eternamente. As crises são como um túnel. Você não vai ficar para sempre dentro dele.

7 >>> Respiração Seu bem-estar pode melhorar se você conseguir respirar mais profundamente, de maneira controlada. Inspire mais com a barriga do que com o peito. Isso auxilia a eliminar o excesso de adrenalina e leva a um relaxamento físico e mental - o que ajuda a diminuir a ansiedade e propicia boas idéias.

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O DRAMA

No limite da explosão

Três suicídios ocorridos com funcionários de uma multinacional francesa chamam a atenção para a delicada relação entre as condições de trabalho e o equilíbrio psíquico dos profissionais

por Thomaz Wood JrENVIE UM E-MAIL

No final de fevereiro, a imprensa anunciou o suicídio de um funcionário da Renault, em Guyancourt, na França. Segundo o jornal Le Monde, a tragédia ocorreu três semanas depois de uma marcha silenciosa de funcionários em homenagem a dois colegas que também haviam dado cabo da própria vida, em outubro e dezembro de 2006. O último suicida, de 38 anos, deixou uma carta para a família explicando que não era mais capaz de fazer frente às exigências de sua função e que seu trabalho se tornara insuportável. A imprensa agiu com a cautela que o tema exige, porém não deixou de assinalar a posição crítica dos sindicatos em relação ao ambiente de mal-estar e pressão entre os empregados da multinacional francesa.

Guyancourt sedia o Technocentre - centro técnico da Renault -, coração inovador da empresa. O local é também quartel-general de um ambicioso plano empresarial, orquestrado pelo executivo Carlos Ghosn para melhorar o desempenho da montadora.

O jornal Libération revelou que os sindicatos chegaram a ser procurados depois das tragédias por esposas preocupadas, que afirmaram que seus maridos estavam cumprindo longas jornadas de trabalho e expressavam quadros similares àqueles apresentados pelos suicidas. O jornal inglês Financial Times também pôs o dedo na ferida, observando que o exigente plano de Ghosn prevê 2009 como o ano de recuperação da empresa, com vendas adicionais de 800 mil veículos e duplicação da margem de lucro. Tudo isso será supostamente viabilizado pelo lançamento de 26 novos modelos, todos projetados e desenvolvidos em Guyancourt. Leia-se: grandes desafios e enormes pressões sobre os profissionais.

Em resposta ao trauma causado pelas mortes, Antoine Lepinteur, diretor de recursos humanos do Technocentre, declarou ao Libération que desde 1998 a companhia mantém um observatório de avaliação das condições de trabalho e do estresse, e que uma célula especial de apoio psicológico havia sido montada em decorrência dos últimos acontecimentos. Em 16 de março, Gérard Leclerq, o novo diretor de recursos humanos do Grupo Renault, divulgou um plano com o objetivo de instituir medidas concretas para "melhorar as condições de trabalho no Technocentre".

O tema exige cautela e equilíbrio. O drama não admite leituras apressadas. Suicídios podem estar ligados a condições ambientais e profissionais, porém são também fruto de situações individuais de considerável complexidade. Entre as causas principais estão problemas mentais e fatores socioculturais, tais como crises familiares e profissionais. Os homens, em média, cometem suicídio três vezes mais do que as mulheres. Há, adicionalmente, fortes variações entre países. Dados compilados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam no topo do trágico ranking das taxas de suicídio a Lituânia, a Rússia e a Ucrânia. A França situa-se na 18a posição, parte de um bloco intermediário, junto com a Suíça e Cuba. O Brasil fica bem abaixo, na 71a posição, próximo do Equador e da Tailândia. À exceção de Austrália e Nova Zelândia, ao sul, o suicídio é um drama especialmente crítico no Hemisfério Norte. Ainda segundo a OMS, nos últimos 45 anos, a taxa de suicídio cresceu 60%, chegando a 1 milhão de mortes no ano 2000.

Condições extremas de trabalho estão entre os fatores de estresse do mundo contemporâneo. Significativamente, mais pessoas sofrem ataques cardíacos nas segundas-feiras, entre 8 e 9 horas da manhã, do que em qualquer outro momento da semana. Na medida em que as empresas buscam maior produtividade e os indivíduos maiores ganhos, instala-se uma cultura de resultados: operários fabricam mais peças, médicos atendem mais pacientes e professores dão mais aulas. Há algumas décadas, a resposta para a maior demanda de trabalho era a contratação de novos profissionais. Hoje, tal solução é a última a ser considerada. A resposta mais usual tornou-se estender as jornadas e acelerar o trabalho. O resultado dessa condição, por períodos prolongados, pode ser o crescimento das patologias do trabalho e o chamado burnout, a condição extrema de estresse.

O DRAMA

No limite da explosão

Três suicídios ocorridos com funcionários de uma multinacional francesa chamam a atenção para a delicada relação entre as condições de trabalho e o equilíbrio psíquico dos profissionais

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por Thomaz Wood JrENVIE UM E-MAIL

Por muitos anos, o burnout foi considerado uma dificuldade do indivíduo, atribuída a problemas de atitude e comportamento. Entretanto, pesquisas recentes indicam que o ambiente de trabalho tem papel importante no fenômeno. De fato, muitas organizações vêm respondendo às condições de trabalho sob pressão, ao culto à ansiedade e ao frenesi que caracteriza a vida corporativa com a criação de centros de relaxamento e grupos de apoio psicológico. Diante da incapacidade de mudar a forma de trabalho, tratam-se os sintomas. Segundo John M. Angerer, em artigo publicado no Journal of Employment Counseling, as primeiras investigações sobre burnout ocorreram na década de 70. Diferentes teorias apontam diferentes origens para o problema: algumas abordagens sugerem que profissionais idealistas são mais propensos ao burnout, pois tendem a se exaurir quando seus esforços não trazem resultados; outras abordagens ligam o burnout à exposição a fatores estressantes externos, tais como pressões intensas e constantes por resultados.

Ainda segundo Angerer, o burnout ocorre em uma progressão seqüencial: primeiro, os profissionais experimentam a exaustão, com sensação de esgotamento físico e emocional; em seguida, assumem uma atitude cínica e fria em relação ao trabalho e a seus colegas - conduta própria de uma estratégia de proteção; finalmente, sentem-se ineficientes e inadequados, passam a perceber suas conquistas como triviais e a ver os novos desafios como inalcançáveis.

Os sintomas são variados e bem conhecidos: fadiga crônica, insônia, náusea, alergias, dificuldades respiratórias, doenças de pele, baixa resistência, dores de cabeça, distúrbios digestivos e dores nas costas. O burnout costuma também estar ligado a problemas como o alcoolismo e o uso de drogas. Christina Maslach, professora de Stanford especialista no tema, desenvolveu um modelo que ajuda a avaliar a adequação entre o ambiente de trabalho e o profissional: quanto menor a compatibilidade, maior a probabilidade de ocorrência do burnout. O modelo compreende itens tais como a carga (excessiva) de trabalho, a falta de

controle sobre o próprio trabalho, o retorno (simbólico ou material) insuficiente, o isolamento da comunidade, a percepção de tratamento injusto e o conflito de valores.

Mesmo localizado nos trópicos, o Brasil não está livre do contágio. Por aqui, o subdesenvolvimento dos sistemas de gestão e a incompetência crônica dos administradores agravam o problema. Entre nós, poucos trabalham, e os que o fazem trabalham mal. O resultado é visível: projetos inacabados, tarefas inúteis, reuniões improdutivas e muito desalento. Mesmo com o frenesi de 12, 14 ou 16 horas de jornada de trabalho, pouco se realiza. Os "heróis" que enfrentam o cotidiano caótico das organizações locais usam pouco o cérebro, mas abusam das pernas e da garganta. Tal condição esgota e frustra muitos profissionais, criando terreno fértil para o estresse e para o burnout.

No romance Cosmópolis, de John DeLillo, Eric Michael Packer, o personagem principal, é um financista de grande sucesso, um self-made man, pós-yuppie. Aos 28 anos de idade, mora em um tríplex no prédio residencial mais alto de Nova York e vaga pela cidade em uma limusine que reproduz seu escritório, com motorista, guarda-costas e auxiliares. Seu dia se inicia de forma típica e termina em tragédia, uma tragédia inexorável e auto-imposta. Packer é uma vítima das condições de trabalho, porém é também carrasco, por ter ele próprio criado suas condições de trabalho. Cosmópolis é uma fábula azeda dos tempos atuais, da vida colocada a reboque dos ventos do mercado e das ansiedades pessoais, uma leitura esclarecedora e recomendável.

*Thomaz Wood Jr. é professor da FGV-SP, consultor e escritor ([email protected])

Os sintomas são variados e bem conhecidos: fadiga crônica, insônia, náusea, baixa resistência, alergia e problemas nas costas

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A COMÉDIA

Manual do presidente paranóico

Harmonia? Equilíbrio? é pura conversa de invejosos. Você só foi longe porque nunca aceitou esses conselhos. Por isso, verifique quais itens deste manual você cumpre regularmente. Se forem mais de 15, é a paranóia total. O próximo passo: a internacionalização ou a internação

por Max Gehringer

1 >>> Seja qualitativo Explique à família o conceito de "tempo com qualidade". E marque a próxima reunião qualitativa da empresa para daqui a oito dias, das 20h15 às 20h35, sujeita a confirmação.

2 >>> Seja pragmático Deixe bem claro que sua ausência do lar representa aumento no saldo bancário. Quanto menos você for visto em casa, maior será o bônus que a família poderá gastar no Natal.

3 >>> Convença-se a si mesmo Toda frase repetida muitas vezes, com o tempo, assume ares de verdadeira. Por exemplo: "Tenho certeza absoluta de que minha família compreende que eu faço todo esse sacrifício por ela, e não por mim".

4 >>> Lute por suas convicções Não se deixe seduzir pelo canto da sereia. Tirar férias é coisa de quem tem tempo sobrando. Não é o seu caso. Enfatize sua posição: "Nas férias, não consigo me desligar. No trabalho, eu me sinto como se estivesse de férias. Portanto, tiro férias trabalhando".

5 >>> Culpe quem não pode se defender "Não é que eu goste de trabalhar até tarde. É que essa é a cultura da empresa."

6 >>> Aproveite a tecnologia Dê o número de seu celular à maior quantidade possível de pessoas. Incentive-as a ligar para você, não importa a hora ou o assunto. E nunca desligue o celular durante um almoço, um jantar ou uma reunião. Evidentemente, ao atender o celular em público, fale bem alto, para que as pessoas que estão a seu lado não se sintam tentadas a continuar a conversa sem sua participação.

7 >>> Encontre um hobby interessante Há muitos hobbies interessantes, e todo executivo paranóico tem um. Escolha um como, por exemplo, responder aos e-mails no final de semana, de preferência aos domingos.

8 >>> Liberte seu lado zen Três vezes ao dia, desligue-se, relaxe, e faça reflexões profundas sobre a razão de ser de sua existência. Por exemplo: "Está na hora de eu trocar meu notebook?"

9 >>> Marque sua presença Interrompa o maior número possível de reuniões na empresa. Se você não foi convidado, isso já significa que a reunião não é nem um pouco importante, e que todo mundo ali está apenas perdendo tempo.

10 >>> Controle o tempo Se um subordinado está conversando com você, olhe para o relógio a cada 20 segundos. Esse simples gesto mostrará que o seu tempo é muito mais importante do que o dele. E não permita que alguém se sinta confortável em sua presença. Lembre-se sempre que seu cargo serve para intimidar, e não para aproximar.

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Veja a íntegra da entrevista com a psicóloga Betânia Tanure

Professora associada da Fundação Dom Cabral e mestre convidada do Insead (França) e da London Business School, a psicóloga Betânia Tanure é a autora da pesquisa que foi base para a reportagem de capa desta edição de Época NEGÓCIOS. Nesta conversa com o repórter especial Amauri Segalla, ela dá detalhes de como foi realizar o estudo sobre o grau de infelicidade dos executivos brasileiros. Veja alguns trechos do depoimento.

O QUE MOTIVOU O ESTUDO "Em meados dos anos 90, comecei a perceber uma certa angústia entre os líderes empresariais. Alguns executivos mais próximos começaram a relatar experiências negativas que vivenciaram no trabalho. Percebi um enorme desconforto principalmente entre aqueles que detinham poder. Estava claro que algo negativo se desenrolava com grande força. Os homens do topo estavam trabalhando demais, distanciavam-se da família, sentiam-se compelidos a competir de forma agressiva no próprio ambiente profissional onde se inseriam. Resolvi investigar incitando-os a falar mais"

A PESQUISA"Apliquei uma escala de 1 a 7 para definir o que chamei de Índice Global de Satisfação dos profissionais com o trabalho e com a vida pessoal, variando de extremamente insatisfeito até extremamente satisfeito. Entre as variáveis analisadas na vida profissional, inclui relação com os pares, chefes e subordinados, níveis de cobrança por resultado e sistemas de recompensa, entre outros fatores. No campo pessoal, pesquisei a relação com os filhos, familiares e parceiros amorosos, qualidade da alimentação e saúde, entre outros aspectos. Também apliquei uma escala de 1 a 7 para definir o Índice Global de Sensações e Atitudes, variando de 'nunca' até 'sempre'. Nesse caso, os executivos foram questionados sobre a incidência de ansiedade, dor de cabeça, fadiga, insônia, desânimo, diminuição do interesse sexual e consumo de bebidas alcoólicos, entre outros"

PRAZER E INFELICIDADE"Eu e minha equipe chegamos ao percentual de 84% de executivos infelizes no trabalho depois de cruzar os dados e considerar a predominância de respostas negativas, ou seja, aquelas em que os executivos revelaram altos índices de insatisfação com a vida que levam no escritório. Entretanto, é impossível não admitir que os líderes têm muitos prazeres no mundo corporativo. Eles amam o que fazem. Mas há imensos conflitos também. O problema central é que colocam um véu na frente e se recusam a olhar para as infelicidades. Muitos dizem que, se tirar o véu, enlouquecem. Até que chega alguém e diz para tirar a cortina. É por isso que alguns executivos choraram nas entrevistas. A máscara é muito grande"

AS CAUSAS DA TRISTEZA"São diversos os fatores que levaram à infelicidade. A questão do aumento da competição é um turning point na história do mundo corporativo brasileiro. A competição está crescendo de forma brutal. Os executivos encontram estruturas cada vez mais enxutas, onde os bons cargos são cada vez mais escassos. Portanto, só a alguns eleitos está reservado o Olimpo do poder - e todos querem desfrutá-lo. Essa disputa aumenta a desconfiança. Quem consegue ser feliz num ambiente em que se espera ser traído a qualquer momento? A globalização também provocou grandes impactos. Hoje, o sujeito tem um chefe nos Estados Unidos, outro na China, que muitas vezes pedem coisas diferentes. Ele tem de prestar contas a inúmeras pessoas - a qualquer hora do dia, inclusive de madrugada, graças ao fuso horário. Trabalha-se cada vez mais e sob brutal tensão"

A SITUAÇÃO DAS EXECUTIVAS"Todo mundo fala em oportunidades iguais, mas isso não existe. Quanto mais elevado o nível hierárquico, menos mulheres se encontra. É óbvio que a situação hoje é melhor do que há 20 anos. Mas difere muito dos homens. Não consigo vislumbrar, no futuro próximo, uma proporção equilibrada entre os sexos. O momento na carreira da mulher, chamado maternidade é dramático. Boa parte decide desacelerar. Com os homens, ocorre o oposto"

A FALTA DE LEALDADE"A natureza das relações organizacionais tem mudado muito no Brasil. Antes havia um modelo de lealdade à organização e ao chefe. As pessoas tinham orgulho de trabalhar numa determinada companhia. Em contrapartida, a empresa também garantia vida eterna ao funcionário. Eram comuns histórias de pessoas que permaneciam 40 anos na mesma corporação. Esse modelo, a partir dos anos 90, entrou em colapso. Hoje, a empresa diz que não tem mais o compromisso de cuidar do funcionário pelo resto da vida. Isso fez com que o executivo também não se sentisse compromissado com ela, de ser um ativo da companhia. Quando a empresa começa a perceber esse movimento de troca, ela deixa de valorizar o executivo."

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A IMPORTÂNCIA DAS PESSOAS "Muitas empresas brasileiras ainda não perceberam a importância das pessoas. Em suas cartas de princípios, a maioria deles desta a importância da valorização dos profissionais. Mas será que as pessoas estão mesmo no topo do processo decisório? Quando um presidente vai analisar uma aquisição, ele olha as pessoas ou a fatia de mercado, a tecnologia, o lucro? Tem uma ambivalência enorme em relação à importância verdadeira do ser humano. No discurso, 100% das corporações dizem que isso é fundamental. Na prática é muito diferente"

TIPOS DE EMPRESAS"Existem três tipos de empresas. Um grupo diz que de fato as pessoas são importantes. Essas companhias estão preocupadas com qualidade de vida e buscam alternativas para essa questão. Ou seja, o discurso é genuíno. O segundo grupo diz que as pessoas são importantes, destacam isso em power points e os apresentam em seminários. O discurso é maravilhoso, mas carece de verdade. É apenas uma peça mercadológica. O terceiro e último grupo sequer coloca isso na ordem do dia, sequer assumiu a preocupação com a qualidade de vida"

SOBRE DESABAFOS "Muitos executivos choraram durante as entrevistas. Afinal, eles falaram de seus cânceres. Alguns jamais tinham exposto os dilemas pessoais. A crise com os cônjuges. Os problemas com os filhos. A ausência da vida familiar. A impossibilidade de demonstrar fraquezas. Foi um trabalho muito difícil e esclarecedor.