a questão da teleologia revisitada

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A Questão da Teleologia Revisitada Wendell E. S. Lopes «A generatio aequivoca, em virtude da qual se entende a produção de um ser organizado através da mecânica da crua matéria, (é algo impossível).» (I. Kant) Essa frase mostra que a leitura usual de que a teleologia em Kant não é realista está errada. O termo teleologia é não sem motivos diretamente associado a Aristóteles. Ainda que já no Lisis Platão evoque um princípio finalista como programa de solução ao problema sobre o objeto do amor, é o Estagirita que toma o conceito pela mão e decide torná-lo motor de sua visão biológica do mundo em contraposição à matemtização pitagórico-platônica. Passo decisivo para apropriação aristotélica da teleologia se encontra na história que ele elabora em sua Metafísica sobre os conceitos de causas, onde o conceito de fim supostamente apareceria como esquecido – ou pelo menos não tratado suficientemente ou corretamente – por seus antecessores. A assimilação da teleologia no período medieval foi em boa parte coberto pela própria visão cristã do mundo, o que deu um tom bastante peculiar à teleologia aristotélica – tom que certamente não é o de Aristóteles, que sequer tinha em mente a ideia de um Deus criador providenciador. Os cartesianos buscaram em grande parte passar ao largo do conceito de teleologia, quando a coisa não degenerava em sua completa rejeição. Apesar do custoso conceito de conatus 1 , a teleologia não era para Spinoza senão aquele mal falado “asilo da ignorância” (cf. Apêndice do livro I da Ética) e mesma a alma se busca ali tratar no melhor estilo more geométrico, isto é, à maneira dos geômetras. É Kant – e Leibniz, em outros termos – que dará um novo impulso ao problema teleológico. Na Die Kritik der Urteil , ele opera uma involução do conceito de causas finais tal como se encontrava em Aristóteles. Tal como vemos o filósofo de Estagira, no seu tratado As Partes dos Animais, se valer da diferença entre o fim da arte e o fim da 1 Nietzsche não tem dúvida de chamar o conceito de conatus de “inconseqüência de Spinoza” (cf. Além do bem e do mal, aforismo 13).

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A Questo da Teleologia RevisitadaWendell E. S. Lopes

Ageneratio aequivoca, em virtude da qual se entende a produo de um ser organizado atravs da mecnica da crua matria, ( algo impossvel). (I. Kant)Essa frase mostra que a leitura usual de que a teleologia em Kant no realista est errada.O termo teleologia no sem motivos diretamente associado a Aristteles. Ainda que j no Lisis Plato evoque um princpio finalista como programa de soluo ao problema sobre o objeto do amor, o Estagirita que toma o conceito pela mo e decide torn-lo motor de sua viso biolgica do mundo em contraposio matemtizao pitagrico-platnica. Passo decisivo para apropriao aristotlica da teleologia se encontra na histria que ele elabora em sua Metafsica sobre os conceitos de causas, onde o conceito de fim supostamente apareceria como esquecido ou pelo menos no tratado suficientemente ou corretamente por seus antecessores. A assimilao da teleologia no perodo medieval foi em boa parte coberto pela prpria viso crist do mundo, o que deu um tom bastante peculiar teleologia aristotlica tom que certamente no o de Aristteles, que sequer tinha em mente a ideia de um Deus criador providenciador. Os cartesianos buscaram em grande parte passar ao largo do conceito de teleologia, quando a coisa no degenerava em sua completa rejeio. Apesar do custoso conceito de conatus[footnoteRef:1], a teleologia no era para Spinoza seno aquele mal falado asilo da ignorncia (cf. Apndice do livro I da tica) e mesma a alma se busca ali tratar no melhor estilo more geomtrico, isto , maneira dos gemetras. [1: Nietzsche no tem dvida de chamar o conceito de conatus de inconseqncia de Spinoza (cf. Alm do bem e do mal, aforismo 13).]

Kant e Leibniz, em outros termos que dar um novo impulso ao problema teleolgico. Na Die Kritik der Urteil, ele opera uma involuo do conceito de causas finais tal como se encontrava em Aristteles. Tal como vemos o filsofo de Estagira, no seu tratado As Partes dos Animais, se valer da diferena entre o fim da arte e o fim da natureza, Kant tambm assim procede. Mas em Kant os fins da natureza s se encontram em uma parte desta mesma natureza, a saber: nos entes vivos, nos organismos. A questo saber se essa involuo cada vez maior da abrangncia de atuao das causas finais no encontrar no futuro um desfecho que d a matemtica cara Plato a vitria final.

Da concepo aristotlica dois resultados so ainda imbatveis: a no-separao de forma-finalidade e a vitria sobre a reduo da causalidade causalidade eficiente, isto , a vitria do finalismo.

Baseado em MayrCitar The Grouth... e texto de 1996, e ainda o texto sobre teleologia;Baseado em BotterTeleologia direta causalidade prpria necessidade sob hiptese;Teologia indireta causalidade acidental necessidade material;I) Algum interprete argumenta como se teleologia e necessidade fossem absolutamente incompatveis, e que Aristteles, em ltima instncia, teria negado que na natureza exista tal coisa como a necessidade material que age independentemente da teleologia [Balme (1965, 1987a)]. II) Outros supem a existncia da necessidade como fato admitido por Aristteles e seus rivais, mas a necessidade no suficiente para produzir resultados regulares e eventos complexos. Portanto, explicaes em termos de causalidade formal e final no podem ser reduzidas ao nexo de causalidade material e eficiente [Uma verso fraca ou forte da assim chamada irreducibility thesis tem sido defendida entre outros por Bradie & Miller (1999, p.75); Charles (1988, p. 1-53); Cooper (1982, p.197-222); Gotthelf (1987, p. 204-242); Irwin (1988, p. 109-112); Lennox (1982; 2001b); and Waterlow (1982, p.69) ]. III) Outros concordam que a necessidade e a teleologia so compatveis, mas alegam que a teleologia no tem conseqncias ontolgicas. A teleologia apenas um dispositivo heurstico usado por Aristteles [Uma verso fraca ou forte deste ponto de vista tem sido defendida por Charles (1988); Irwin (1988); Nussbaum (1978); Sorabji (1980); e Wieland (1975) ] IV) O quarto tipo de interpretao descarta a questo de saber se h ou no uma incompatibilidade entre a teleologia e a necessidade, centra-se, por outro lado, sobre a diferena entre o nexo de causalidade intrnseca e a causalidade extrnseca, isto , acidental [Esta posio foi introduzida por Sauv Meyer (1992) e defendida de alguma forma por Judson (2005)] (p. 260).

Botter pensa o seguinte: Acreditamos que Aristteles nem sempre incorpora a necessidade ligada aos movimentos da matria teleologia, mas a teleologia necessria em vista da organizao de sries causais decorrentes da pura e simples necessidade material. A presena de uma causa final necessria para explicar a formao de entes complexos, isto , para mostrar que um animal uma substncia natural, e para justificar a regularidade com que se repetem os resultados e especialmente os resultados propcios a funes para o animal que os tm (Botter, 2010, p. 261). E ela continua: A razo pela qual Aristteles contrasta sua viso de mundo propriamente teleolgica com a viso de seus antecessores materialistas que o materialista nega que os entes complexos do mbito natural, como animais e plantas, tenham um estatuto ontolgico privilegiado: de acordo com eles, apenas os elementos so propriamente naturezas, e as coisas que so constitudas por eles so mera combinao aleatria de movimentos necessrios da matria (p. 262). L onde as trs condies, isto , a prosperidade, a regularidade [re-produo] e o respeito do modelo, no esto presentes, se d a extino da possvel espcie, como no caso dos bovinos da face humana (p. 263).Sobre a interpretao de que a chuva de inverno em vista de um fim, a verso tradicional nega a hiptese: Veja Charlton (1970, p.120-123); Gotthelf (1987); e Irwin (1988, p. 102-107); recentemente a leitura tradicional tem sido defendida por Pellegrin (2002, p. 309); Johnson (2005, p.149-158); and Judson (2005, p. 345-348. Para uma diferente interpretao veja: Cooper (1982); Furley (1985); Sedley (1991); Wardy (1993); and Waterlow (1982, p. 80 n.29).

Kober (2005) sugere, por exemplo que a teleonomia a nova roupagem da teleologia.

Bibliografia- PITTENDRIGH, C. S. Adaptation, natural selection, and behavior. In: Behavior and Evolution, ed. Anne Roe and George Gaylord Simpson, New Haven: Yale University Press, 1958, 390416. - KOBER, G. Teleology's New Clothes: Teleonomy and the Notion of Program. International Society for the History, Philosophy, and Social Studies of Biology (Feb 14, 2005).- NAGEL, E. (1977). Teleology Revisited: Goal-Directed Processes in Biology. Journal of Philosophy 74 (5): p. 261301. doi:10.2307/2025745. JSTOR2025745. Reprinted in Allen, Bekoff & Lauder, 1998. WOLFE, Charles T. la catgorie dorganisme dans la philosophi e de la biologieretour sur les dangers du rductionnisme. Multitudes 16, 2004, p. 27-40.